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Fichamento: “Para uma Geografia crítica na escola” VESENTINI, J. W. Para uma Geografia crítica na escola. São Paulo: Editora do autor, 2008. p. 9 - 105 As relações da geografia com o ensino são íntimas e inextricáveis, embora pouco perscrutadas tanto pelos geógrafos como pelos estudiosos da questão escolar. A chamada "escolarização da sociedade", ou expansão notável do ensino público, dá-se a partir do desenvolvimento do capitalismo, do grande impulso da industrialização original, urbanização e concentração populacional nas cidades. (9) "Tal sistema [o escolar] contribui de maneira insubstituível para perpetuar a estrutura das relações de classe e ao mesmo tempo para legitimá-la ao dissimular que as hierarquias escolares que ele produz reproduzem hierarquias sociais"(P. Bordieu; J. C. Passeron, 1975). Em outros termos, a burguesia, que durante muito tempo combateu os privilégios do clero e dos senhores feudais, ridicularizando sua "origem divina", teve que criar uma nova forma de legitimidade: o estudo, o mérito escolar, o diploma. (10) A escola não produz, mas apenas reproduz as desigualdades sociais; mas sua função ideológica parece ser bem mais eficaz que as formas anteriores de legitimar privilégios de estamentos ou ordens. E, além disso, a escola contribui para areprodução do capital: habitua os alunos à disciplina necessária ao trabalho na indústria moderna, a realizar sempre tarefas novas sem discutir para que servem, a respeitar a hierarquia. (10) Difundir uma ideologia patriótica e nacionalista: eis o escopo fundamental da geografia escolar. Inculcar a ideia de que a forma Estado-nação é natural e eterna; apagar da memória coletiva as formas anteriores de organização espacial da(s) sociedade(s), destacando sua potencialidade, sua originalidade, e o "futuro" glorioso que o espera. (11) A "crise da geografia", que nos interessa bastante neste momento, aparece como insatisfação de geógrafos e professores com sua disciplina, seu caráter descritivo e mnemónico, sua compartimentação em ramos estanques (física e humana, regional e geral), sua metodologia pouco séria (os "princípios"...), o "avanço" sobre outras ciências (geologia, economia...) para copiar-lhes certos ensinamentos, etc. (12)

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Fichamento: Para uma Geografia crtica na escolaVESENTINI, J. W. Para uma Geografia crtica na escola. So Paulo: Editora do autor, 2008. p. 9 - 105

As relaes da geografia com o ensino so ntimas e inextricveis, embora pouco perscrutadas tanto pelos gegrafos como pelos estudiosos da questo escolar. A chamada "escolarizao da sociedade", ou expanso notvel do ensino pblico, d-se a partir do desenvolvimento do capitalismo, do grande impulso da industrializao original, urbanizao e concentrao populacional nas cidades. (9)"Tal sistema [o escolar] contribui de maneira insubstituvel para perpetuar a estrutura das relaes de classe e ao mesmo tempo para legitim-la ao dissimular que as hierarquias escolares que ele produz reproduzem hierarquias sociais"(P. Bordieu; J. C. Passeron, 1975). Em outros termos, a burguesia, que durante muito tempo combateu os privilgios do clero e dos senhores feudais, ridicularizando sua "origem divina", teve que criar uma nova forma de legitimidade: o estudo, o mrito escolar, o diploma. (10)A escola no produz, mas apenas reproduz as desigualdades sociais; mas sua funo ideolgica parece ser bem mais eficaz que as formas anteriores de legitimar privilgios de estamentos ou ordens. E, alm disso, a escola contribui para areproduo do capital: habitua os alunos disciplina necessria ao trabalho na indstria moderna, a realizar sempre tarefas novas sem discutir para que servem, a respeitar a hierarquia. (10)Difundir uma ideologia patritica e nacionalista: eis o escopo fundamental da geografia escolar. Inculcar a ideia de que a forma Estado-nao natural e eterna; apagar da memria coletiva as formas anteriores de organizao espacial da(s) sociedade(s), destacando sua potencialidade, sua originalidade, e o "futuro" glorioso que o espera. (11)A "crise da geografia", que nos interessa bastante neste momento, aparece como insatisfao de gegrafos e professores com sua disciplina, seu carter descritivo e mnemnico, sua compartimentao em ramos estanques (fsica e humana, regional e geral), sua metodologia pouco sria (os "princpios"...), o "avano" sobre outras cincias (geologia, economia...) para copiar-lhes certos ensinamentos, etc. (12)O espao mundial de hoje descontnuo, limitado pela economia ou pela poltica (alis inseparveis), mvel e difcil de ser cartografado ou captado por meras descries. Alm disso, ele o espao construdo, social, fruto da humanizao da natureza, locus de lutas e conflitos no mais um elemento inerte, e sim algo necessrio ao movimento do capital e/ou ao controle social: o espao produzido, planejado, transformado em mercadoria e constantemente reconstrudo. E a geografia moderna noconsegue mais explicar satisfatoriamente esse espao, e isso nem mesmo como inculcao ideolgica para os alunos de nvel elementar e mdio. (13)E quais as alternativas, ou novas "geografias", que se constroem e substituem a moderna e que oferecem opes ao professor do ensino bsico? Podemos perceber que existem trs caminhos principais que so trilhados pelos que renovam essa formao discursiva: a) a especializao num ramo (ex.: climatologia, geomorfologia, etc.), que acaba por tornar-se completamente autnomo; b) a geografia utilitria ou de planejamentos (seja a new geography, aquela voltada para o amnagement du territoire ou qualquer outra forma de geografia tecnocrtica); e c) a geografia crtica ou radical. (14)O terceiro caminho parece-nos o mais profcuo, tanto para a crtica geografia moderna e sua reconstruo como para a renovao do ensino da geografia. Trata-se de uma geografia que concebe o espao geogrfico como espao social, construdo, pleno de lutas e conflitos sociais. Essa geografia radical ou crtica coloca-se como cincia social, mas estuda tambm a natureza como recurso apropriado pelos homens e como uma dimenso da histria, da poltica. No ensino, ela se preocupa com a criticidade do educando e no com "arrolar fatos" para que ele memorize. (14)E se o professor no raciocinar em termos de "ensinar algo", e sim de "contribuir para desenvolver potencialidades" do aluno, ele ver que oconhecimento tambm poder, serve para dominar ou combater a dominao, e que o educando pode e deve tornar-se coautor do saber. Enfim, no se trata de ensinar fatos, mas de levantar questes. Integrar o educando no meio significa deix-lo descobrir que pode tornar-se sujeito na histria. (15)

ENSINO DA GEOGRAFIA E LUTA DE CLASSESAo estar inserida numa sociedade dividida por interesses antagnicos, a escola um campo de luta de classes: serve para reproduzir as relaes de dominao, preparar uma forma de trabalho dcil ao capital e para inculcar a ideologia dominante; e, como acontece em todo lugar onde h poder, pode tornar-se numa prtica de antipoder. A funo do ensino da geografia, nesse contexto, a de difundir uma ideologia da "Ptria", do "Estado-nao", tornar essa construo histrica "natural", dar nfase no , mas terra. (16 -17) neste momento de "crise" do ensino e "crise" da geografia que se coloca com mais agudez a questo da luta de classes. uma questo ampla e que apresenta variaes muito grandes de acordo com o grau de ensino, o local e o tipo de escola. Mas sempre exibe duas vertentes: o lado do poder, da dominao, que tende a unificar tudo com seu discurso universal"; e o lado dos dominados, dos professores e alunos, que tentam suavizar ou enfraquecer a dominao, mas de forma frequentemente vacilante e desconexa. (18)O discurso do poder, da autoridade, da hierarquia tende acolocar os alunos como receptculos passivos do saber, e o professor como um transmissor de conhecimentos elaborados por "especialistas" e selecionados pelo Estado, pelos "competentes tcnicos da educao" que sabem melhor que o professor o que convm ou no a seus alunos. Mas o ideal, de fato, seria ele elaborar um programa (contedo e atividades) adequado realidade social e existencial de seus alunos, e de forma a que estes fossem coautores do conhecimento e no meros receptculos passivos. (18-19)Uma geografia renovada no deve permanecer com os mesmos temas da tradicional, pois tudo muda ao mesmo tempo: os conceitos, categorias, mtodos, temas. E a questo internacional deve ser estudada pela geografia crtica no a partir dos continentes, mas sim a partir da diviso do trabalho ao nvel espacial, o que pressupe discutir o mundo capitalista (seu centro e sua periferia) e o "mundo socialista". (19)Outra luta se d no que se entende por "conscientizao". Mas ele usado em pelo menos dois sentidos bastante diferentes. Suas origens extra pedaggicas, como se sabe, localizam-se na ideia de "conscincia de classe" ou conscincia "para si" (da classe, o "em si"). Assim, fica difcil pensar-se em conscientizao a partir do segundo sentido (das lutas no trabalho...) e muitas pessoas aderem ao primeiro sentido, o de "doutrinao" (a conscincia que viria de fora, por outra pessoa ou classe). E, dessa forma, essa parcela(pequena, felizmente) dos professores passa a apenas mudar uma ou outra coisa do contedo e mantm, ou at refora, a forma autoritria de ensino na relao entre o professor, como "dono da verdade", e o aluno, como passivo decorador de lies (20-21)O ideal, em nosso ponto de vista, seria o prprio professor elaborar seus textos, a partir do conhecimento da realidade de seus alunos e procurar fazer com que estes sejam coautores do saber. E no h a necessidade de se buscar um "programa nico", ou uma homogeneidade no contedo ou na forma de apresentao desse material didtico. Pelo contrrio, a diversidade desejvel e democrtica. (21-21)

O LIVRO DIDTICO DE GEOGRAFIA PARA O 2. GRAU: ALGUMAS OBSERVAES CRTICAS

I. Embora o ensino seja socialmente determinado pela reproduo do capital e das relaes de dominao, ele, dialeticamente, pode se tornar um dos elementos assim como o movimento operrio e o feminista, as associaes ecolgicas, de moradores ou de consumidores, etc. que conduzam ao fim da hegemonia do capital e estruturao de uma sociedade alicerada na autogesto, na democracia direta. (24)

II. DOZE TESES SOBRE OS MANUAIS DE GEOGRAFIA PARA O 2. GRAU:1. Esses livros no se colocam, como objetivo, o desenvolvimento da criticidade, do raciocnio lgico, da sociabilidade ou da criatividade no educando. Nota-se a uma ausncia de percepo da sociedade onde vivem e do papel social daescola. H uma ingnua ideia de que seu objetivo seria o de "divulgar conhecimentos" ou apresentar os "fatos" da geografia, e nunca o de contribuir para formar cidados, de integr-los (criticamente) ao meio. (25)2. Tendo como desiderato principal a divulgao de "conhecimentos" ou "fatos", esses livros no tm como ponto de partida a realidade atual, o espao geogrfico hodierno (a sociedade moderna e a natureza, especialmente a segunda natureza), mas sim a geografia, o discurso geogrfico tradicional. (25)3. Seu ponto de partida, seu "objeto", portanto, o discurso geogrfico. Mas no o da denominada geografia crtica ou renovada, e sim o da geografia tradicional que costumava ser chamada de "cientfica". Pode-se afirmar que esses manuais oscilam entre dois modelos principais: o de Aroldo de Azevedo, que predominante, e o de Pierre George ou da "geografia ativa" francesa dos anos 1960 simplificada e caricaturada. O primeiro modelo representa a continuidade de quase todas as noes desenvolvidas por aquele gegrafo brasileiro desde a dcada de 1940 com alteraes apenas nos dados estatsticos e nas ilustraes. E os livros que seguem o segundo modelo, poucos e de melhor qualidade, tentam renovar esse esquema (embora ainda estejam parcialmente presos a ele), dando nfase geografia humana, cortando algumas partes (astronomia, fusos horrios...) e incluindo textos da "escola georgeana", ou captulos novos, relativos "exploso demogrfica" ou ao subdesenvolvimento sob uma tica nacional-desenvolvimentista. (26)4. No existe uma ideia de globalidade ou mesmo de totalidade, seja funcional ou dialtica, nesses livros. As partes componentes esto fragmentadas entre si, numa verdadeira "salada de frutas", sem nenhum nexo ou articulao estruturada que as uma. (26)5. H uma crena generalizada na objetividade dos fatos (dados estatsticos, descries de paisagens, acontecimentos, processos, agentes, seres, etc). Encontra-se implcita uma ideia de "neutralidade dos fatos", colocando-se dvidas apenas em algumas poucas "interpretaes. Assim, tais fatos seriam objetivos, e o discutvel seriam as "interpretaes divergentes" sobre eles, mas nunca a sua realidade efetiva. Nada mais falacioso do que esse mito. A apreenso dos fatos sempre depende de teorias, de vises de mundo, implcitas ou explcitas, nas quais esses dados se inserem, a partir das quais eles foram construdos ou organizados. Dessa forma, fatos cuja concreticidade "indiscutvel comeam a se tornar bastante discutveis quando nos recordamos das famosas observaes de Marx. (26-27)6. Essa crena na "objetividade dos fatos" torna naturais certas situaes que so sociais e histricas. Assim, por exemplo, costuma-se citar os seguintes fatos que, imperceptivelmente, vo se tornando, para o leitor, nexos de causalidade: os Estados Unidos so bastante industrializados ericos em carvo; o Uruguai pobre em carvo e pouco industrializado. (28)7. Omitindo a historicidade do social, esses livros ignoram o conceito de capitalismo (como um sistema socioeconmico voltado para produzir mercadorias, em que h uma relao capital/trabalho assalariado e onde a mais-valia se constitui na forma principal do excedente econmico) e denominam o capitalismo perifrico ou dependente de "pases em desenvolvimento", semelhana de crianas ou adolescentes que "naturalmente" vo se desenvolver. Aparece a uma viso evolucionista simplificada da histria, sendo o seu "motor" constitudo pelo desenvolvimento tecnolgico. (28)8. Ao desconhecerem os temas capitalismo e Revoluo Industrial esses manuais trazem uma viso inadequada sociedade moderna: o meio natural vem antes do social e o explica (o homem no seu meio). Alm do mais, a paisagem natural idealizada e o estudo da populao e das atividades econmicas, que lhe segue, procura adaptar-se a esse quadro fsico preestabelecido. A ideia de segunda natureza , dessa forma, omitida, e o domnio problemtico do homem sobre a natureza aps a Revoluo Industrial acaba no sendo levado em conta. E, para agravar esse quadro, explica-se a sociedade moderna a partir do espao natural, e no o inverso, que seria o mais correto hoje. (28)9. O Estado visto como algo "neutro", que "apazigua os conflitos" com vistas ao "bem coletivo" e acaba sendoidentificado com a nao. Nessa viso, ele quem "traz o desenvolvimento", quem "cria" e "protege" a sociedade. (28-29)10. H uma viso ufanista e patritica do Brasil. Alm disso, esta construo histrica, o Brasil, transforma-se em "dado geogrfico" ou da natureza, e a nao subsumida pelo Estado. Os dados estatsticos e as declaraes oficiais so amplamente utilizados e destacados, tidos como "fatos indiscutveis", ao passo que as informaes oriundas da sociedade civil so completamente ignoradas ou utilizadas com reticncias. (29)11. Por trabalharem, implicitamente, com o princpio lgico da identidade, e no com o da contradio, esses manuais difundem uma viso da sociedade com base na harmonia, na patologia da contradio, e no conseguem por isso transmitir uma concepo crtica do social e das relaes sociedade/natureza. Nunca se analisam as contradies internas da sociedade moderna ou capitalista (inclusive as do "socialismo real"), com a explorao econmica, a espoliao urbana, a situao problemtica da mulher e das minorias tnicas, entre outras, que na realidade deveriam servir de base para uma abordagem mais profunda daqueles outros problemas. (29)12. H uma preocupao em seguir os "guias curriculares", elaborados pelas secretarias estaduais da Educao, sem nunca inovar nada. No h a preocupao em se adequar realidade existencial dos alunos aos quais se dirigem, ou mesmo em incorporar osrecentes avanos da cincia geogrfica ou mesmo da pedagogia, mas apenas em "seguir o programa oficial". Esses manuais, e tambm uma grande parte dos professores, no contribuem nem um pouco para fortalecer a sociedade civil, para autonomiz-la frente ao Estado, j que eles aceitam mais ou menos passivamente a tutela que lhes imposta pela burocracia da educao. Os compndios didticos e o programa a ser seguido na sala de aula pelo professor, em funo da realidade de seus alunos, devem vir na vanguarda e trazer a reboque a legislao, e no o inverso, como ocorre (numa tpica situao de autoritarismo). Urge, portanto, fortalecer a sociedade civil, e nisto os professores e os livros didticos tm um papel a desempenhar. (29-30)III.O ideal seria a implementao de atividades que contribuem para desenvolver personalidades crticas e autnomas com a elaborao de textos apropriados realidade social e existencial de seus alunos, com o uso de estudos participativos do meio, de debates frequentes sobre temas cruciais, etc. Sabemos, entretanto, que isso de fato se torna cada vez menos possvel de ser efetivado. Os baixos salrios, o grande nmero de aulas que so obrigados a assumir para tentar aumentar seu oramento, a elevada quantidade de alunos por classe e a ausncia quase total de condies de apoio ao trabalho docente, so fatores que muitas vezes levam os professores a adotar acriticamente livros didticos, jque com eles pode-se ter "menos trabalho" com as lies. (30)O duplo aspecto do livro didtico, o seu valor de uso social (instrumento de educao e de poder) e o seu valor de troca para o produtor, encerra, a nosso ver, uma contradio: ao Estado e s classes dominantes como um todo interessam manuais que reproduzam sua hegemonia, e s editoras interessam basicamente os lucros. E esses lucros dependem da receptividade dos professores frente aos livros. (30)Existe toda uma ao estatal na editorao do livro didtico, que vai desde o controle de algumas editoras, passando pela coedio com outras (para publicao de obras que interessam ao Estado), at o trabalho das equipes de currculo que indicam os livros "compatveis" com suas propostas pedaggicas e curriculares. E essa presena estatal, mesmo no configurando uma censura prvia, ocasiona uma cautela, uma autocensura por parte do autor e da editora. (31)

O MTODO E A PRXIS (NOTAS POLMICAS SOBRE GEOGRAFIA TRADICIONAL E GEOGRAFIA CRTICA)Nas linhas a seguir, pretendemos retomar algumas dessas preocupaes, evidentemente sem a pretenso de esgot-las e muito menos de oferecer respostas definitivas. (32)Para se compreender a geografia tradicional necessrio situ-la na histria, perscrutando o tipo de prxis que a constituiu. Mas bom deixar bastante claras duas coisas: que essa anlise nunca foi realizada de fato, a no ser muito parcialmente, pornenhum autor; e que aquela ideia ridcula e simplista segundo a qual o grande mal da geografia tradicional ser positivista, e a geografia crtica nada mais do que a descoberta e aplicao pelos gegrafos do "mtodo dialtico", na realidade falsa e mais atrapalha do que ajuda na compreenso da crise da geografia e na construo de uma geografia comprometida com as lutas populares por uma sociedade mais justa e democrtica. (33)Positivismo utilizado principalmente em dois sentidos bem diferentes. Na sua acepo mais restrita e usual, positivismo se refere doutrina fundada por Auguste Comte (1798-1857), segundo a qual o saber verdadeiramente cientfico ou positivo seria aquele que renuncia essncia das coisas e limita-se observao e experimentos com os fatos, chegando por essa via s leis que norteiam a realidade. (34)Temos que convir que no: foram escassos na geografia os discpulos do fundador do positivismo; e a preocupao com "causas finalistas" o porqu e o para qu , que Comte tanto repudiava, foi at erigida como "princpios" por eminentes gegrafos tradicionais; nunca se hostilizaram abertamente a intuio e a deduo embora na realidade tenha predominado a simples descrio, e s vezes a induo idealistas ou racionalistas, que foram portanto antpodas em relao ao empirismo. (34)Examinemos agora o outro sentido, mais amplo, de positivismo: a se incluem desde o positivismo comteano at oneopositivismo e o positivismo lgico, o que significa que podem ser assim classificados tanto pensadores empiristas quanto os idealistas ou racionalistas. O que h de comum entre eles a escolha de um modelo elaborado a partir das cincias naturais, especialmente da fsica, como padro de cientificidade; e a rejeio da ideia de essncia para enfatizar a crena na natureza incognoscvel do real em seu mago: a verdade cientfica, sempre relativa, seria por definio uma aproximao frente a esse real, sendo que o critrio para se avaliar o conhecimento est na sua eficcia instrumental; e, por fim, o positivismo lato sensu, mesmo revalorizando a deduo e a lgica matemtica, tambm desconfia da finalidade. (34)Existe de fato uma "leitura positivista" de Marx centrada na busca do "Marx cientfico" em oposio ao "ideolgico" e na diferenciao entre "objeto de estudo" e "objeto real", e uma parte dos gegrafos que tentam renovar a nossa disciplina, consciente ou inconscientemente, reprodutora desse vis. Contudo, por mais irnico que possa parecer, so justamente os que realizam uma "leitura positivista" de Marx aqueles que divulgam essa interpretao simplista do positivismo como o grande problema da geografia tradicional e do "mtodo dialtico" como tbua de salvao para a crise da geografia. (35) no enraizamento histrico do gegrafo, em especial do professor, que se devem buscar as razes da crise dageografia e do consequente encetamento da(s) geografia(s) crtica(s). Quando se diz que o concreto sntese de mltiplas determinaes, isso no vlido apenas para os seres/conceitos que Marx estudou, mas sem dvida tambm para a cincia geogrfica: devemos entend-la em sua concretitude, isto , nas determinaes que em seu entrecruza-mento a constituem como sntese de suas relaes. (36)Dessa forma, contrariando o senso comum deve-se deixar patente que a geografia iniciada no sculo XIX, a geografia moderna ou cientfica que hoje atravessa uma crise, possui determinaes histricas que a fazem radicalmente diferente de tudo o que existia antes sob o rtulo "geografia". No nos devemos ater a palavras, mas sim a conceitos, que so histricos e relacionais. (37)Isso tambm vlido para a geografia: sua institucionalizao nas universidades e escolas em geral, no sculo XIX, no se deu devido "sistematizao" de um certo saber, mas sim por causa do entrecruzamento de certos pressupostos histricos: a industrializao e a urbanizao com a concentrao da fora de trabalho em centros urbanos, a passagem do saber ao conhecimento compartimentado e institucionalizado, a construo dos estados-naes, a escolarizao da sociedade com funes especficas... (37-38)A construo da geografia moderna dependeu em especial de duas determinaes essenciais: o Estado-nao e o sistema escolar. E a crise atual da geografia indissocivel da crise da escola e da crise do Estado-nao. (38)Essa crise acaba sendo agravada pela perda de algumas funes sociais: por um lado, a ideologia patritica e nacionalista j no to necessria quanto no passado, ou pelo menos no da mesma forma, e, por outro lado, os meios de comunicao de massas se encarregam de mostrar fotos, imagens, textos e acontecimentos dos diversos rinces do planeta de maneira mais gil e atrativa que o discurso geogrfico tradicional. (38)Da mesma forma que se deve entender a crise da geografia tradicional no apenas como resultado de polmicas e questionamentos metodolgicos, mas fundamentalmente como expresso de mudanas sociais e do enraizamento histrico do discurso e das prticas geogrficos, tambm o surgimento das geografias crticas ou radicais, no plural, deve ser visto como o conjunto de posicionamentos terico-metodolgicos e polticos dos gegrafos (incluindo os professores) frente ao leque de possibilidades que a atual situao histrica nos oferece. (38)A geografia crtica escolar tem sua base na relao dialtica (e dialgica) entre a realidade e o saber. Realidade tanto do aluno quanto do seu meio imediato (cidade, meio rural), da sociedade nacional e do espao mundial. E saber como explicao da realidade, oriunda tanto da leitura de obras escritas, leitura crtica na qual o texto num certo sentido recriado ou refeito pelo leitor, quanto depesquisas/observaes/entrevistas/reflexes a partir de aspectos desse real. (41)Relao dialtica (e dialgica), entre o saber e o real, por trs motivos principais: em primeiro lugar, porque a realidade deve ser vista como condio e resultado da prxis coletiva, como construo do espao pela sociedade num movimento histrico; em segundo lugar, porque no se deve privilegiar nem a realidade em si e para si, nem o conhecimento como luz que racionaliza esse real ideia e mundo objetivo, tal como sujeito e objeto, devem ser compreendidos como elementos interligados e indissociveis nos quais h influncias recprocas e um no pode ser explicado sem o outro; e, em terceiro lugar, porque no se trata meramente de reproduzir um conhecimento forjado noutro lugar, mas sim de utilizar a cultura corporificada em obras para colocar o estudante em dilogo com o pensamento e o real, dilogo no qual o docente mediador (da o bom professor ser sempre o que aprende ensinando) e no porta-voz do saber ou da realidade, e no qual no h nenhum livro ou autoridade terica que seja titular da verdade, mas apenas obras datadas que expressam de uma certa forma uma prxis cultural sempre possvel de ser relativizada e superada. (41)A geografia crtica escolar, portanto deve ser ao mesmo tempo uma forma concreta de prtica educativa e um vir-a-ser, isto , estar sempre "em construo. No h nenhuma geografia crtica escolar pronta, nem nuncahaver, pois a sua substncia mesma a inovao, a criatividade, a atualizao constante, o dilogo entre professor, aluno, pensamento e o real. (42) por isso que, no ensino crtico, no possvel que o docente elabore o seu planejamento de curso sem conhecer a realidade (econmica, social, intelectual) dos alunos e do meio onde vivem; tampouco possvel que "programas oficiais" sejam levados a srio ou seguidos rigidamente. Uma educao para a liberdade s pode existir com professores que vivam (e aprendam) em relao de reciprocidade com os alunos e com a comunidade, o que significa que se deve ter planejamentos (e programas) pouco rgidos e sempre abertos a novos acontecimentos e experincias. (42-43)A prxis que gera o saber cientfico diversa daquela do professor no ensino mdio e elementar: o que se visa naquela ampliar o conhecimento humano; j o escopo do ensino no a produo do conhecimento (mesmo que isso tambm se d, o que alis extremamente importante para uma educao crtica), mas fundamentalmente o crescimento do aluno, das novas geraes. (43)Um elemento sumamente importante aqui o grau de desenvolvimento psicogentico do educando, sua capacidade de maior ou menor abstrao. E outro elemento importantssimo a realidade social do aluno, os seus interesses existenciais. No se trata nem de partir do nada, nem de simplesmente aplicar no ensino o saber cientfico; deve haver umarelao dialtica entre esse saber e a realidade do aluno da o professor no ser um mero reprodutor, mas um criador. (44)A partir do j exposto, podemos agora esclarecer alguns imbrglios. Um deles consiste na afirmao de que a geografia crtica escolar deve deixar de partir das "aparncias" para enfocar a "essncia". Aparncia a forma de aparecer do ser, a sua expresso fenomnica. E essncia significa aquilo que determina, que d significado existncia, que permanece mesmo com as modificaes fenomnicas. A essncia, portanto, consiste no mais alto grau de abstrao ela "a verdade do ser". No h nada de desonroso (ou de incorreto) em partir de aparncias ou analis-las exaustivamente: o importante escolh-las bem e suscitar a reflexo e a busca da essncia. (44-45)Outro mal-entendido frequente o procedimento de transplantar para o ensino da geografia certas ideias difusas e polmicas como o caso da "histria da natureza" ou da "teoria da populao" , que deixam de ser trabalhadas como questes abertas dvida e passam a ser vistas como conhecimento institudo e unvoco. Os nossos objetivos, como professores de geografia antes de mais nada, suprimir dialeticamente o aluno como tal para que ele se torne um igual, um parceiro na prxis, afinal, como cidado. E motivao para estudos, debates, pesquisas, etc. So questes ligadas s contradies da nossa poca, tais como a situao da mulher, oracismo e a segregao tnica, a distribuio social da renda e seus motivos, a problemtica dos jovens e dos idosos, que ir motivar o educando do ensino mdio. (45-47)O que h de comum nesses dois imbrglios o de retomar a "histria natural" e o de levar para o ensino de geografia a "teoria (pseudo) marxista da populao" o fato de serem produes "de gabinete", isto , procedimentos tericos que no emergem de uma prtica docente crtica sim de uma escolstica de interpretar, e pretender aplicar, textos de um Marx mitificado. (47)

Ao abandonar o paradigma A terra e o homem, a geografia crtica tem a sociedade como ponto de partida, mas a sociedade principalmente como produtora do espao. Tudo o que existe no final das contas, obra da natureza, mas a sociedade humana reelabora esses aspectos da natureza construindo assim uma segunda natureza. (47)

O estudo da natureza em si a geografia fsica vem se tornando um problema para a geografia crtica. Mas existem alguns caminhos sendo testados e bons trabalhos que visam renovar essa modalidade de anlise geogrfica. So pesquisas que concebem os elementos da natureza estudados pela geografia como estrutura articulada, como sistema com dinmica e relaes recprocas, e novos temas ou conceitos. em funo da dinmica social que se deve explicar a natureza hoje, e no pelo caminho inverso. Isso, contudo, no significa deixar de lado o estudo da natureza emseu todo e em suas relaes (do clima com os solos, do relevo com a hidrografia, etc.) para enfoc-la apenas "de passagem" como natureza fragmentada. Com esse procedimento cai-se em dois erros: ignorar toda a produo da denominada geografia fsica renovada, no trabalhando a natureza como sistema articulado; e cair no risco de, sub-repticiamente, propagar um determinismo climtico ou pedolgico ou um determinismo geolgico. (48)

Uma das principais caractersticas do autoritarismo no plano do saber e das mentes submissas e conservadoras a de negar o novo, o no-pensado e no-explicado. Aqui se busca reduzir tudo ao j sabido, ao j teorizado, pois se tem medo da mudana, da incerteza, do novo. Assim, o professor conservador, mesmo sem querer, impede a criatividade do aluno, impede que se possa pensar o novo. (48-49)

Ser um mediador do dilogo do aluno com o pensamento e o real no deve implicar levar os nossos problemas e questionamentos para o educando trabalhar. Ao inverso, o que se deve fazer auscultar, conhecer o saber, as dvidas, os interesses e as motivaes do corpo discente para serem levados em conta no processo educativo. (49)

O que pode interessar de fato ao ensino a questo por que estudar geografia, ou ainda: para que serve a geografia. So questes diferentes: aquelas primeiras vm de cima para baixo, ou seja, foram geradas na universidade, e da foram transplantadas para o ensinomdioe elementar, ao passo que as ltimas so interrogaes feitas com frequncia pelosalunos aos professores. Um ensino de geografia voltado para a criticidade do aluno, para a formao de cidados plenos, no consiste pura e simplesmente em renovar os mesmos temas da geografia tradicional mas, principalmente, em repropor tudo: excluir certos assuntos, desenvolver itens novos e retrabalhar os restantes. (49-50)

O ideal no ter nenhum esquema prvio, partindo sempre de uma questo motivadora que ser diferente para cada caso: por exemplo, o apartheid para a frica do Sul, a questo demogrfica para a ndia, a problemtica da dvida externa ou do "subdesenvolvimento industrializado" para o Brasil, a poltica social e a questo dos idosos para a Sucia, e assim por diante. O fundamental aqui no se limitar a esse "tema-chave" e sim us-lopara se chegar, atravs de sua explicao, ao todo desse pas e de sua insero no mundo. (50)

Podemos afirmar que a geografia crtica escolar, sempre plural, consiste primordialmente numa tomada de posio crtica do professor frente aos problemas da nossa poca e necessidade de recriar a cidadania. Consiste numa nova prtica educativa na qual no apenas se reproduz, mas de fato se produz saber, na qual professores e alunos recriam textos escritos e demais obras culturais e tornam-se afinal coautores de conhecimentosgeogrficos; onde se deve retomar sob outras bases (queno as "oficiais") o estudo do meio e as "experincias" e "histrias da vida" do aluno, incorporando-as nossa estratgia pedaggica. Consiste enfim numa geografia escolar ligada realidade do educando, na qual ele sinta que, atravs desse estudo, passou a refletir e compreender melhor o mundo em que vive, podendo ento se posicionar conscientemente frente a essa realidade histrica com suas contradies, conflitos e mudanas. (50-51)

O fundamental estar aberto s inovaes e procurar aprender com os alunos e a realidade. Afinal, implementar um ensino crtico de geografia consiste numa subordinao do mtodo prxis, numa revalorizao da atividade docente: de simples "tcnico" ou "dador" de aulas, o professor reencontra a sua vocao perdida, como intelectual e como pensador engajado no seu tempo. (51)

A QUESTO DO LIVRO DIDTICO NO ENSINO DA GEOGRAFIA

A escola como locus de poder no se resume ao contedo que transmite aos alunos; alis, isso talvez at seja menos importante que outros procedimentos caractersticos do sistema escolar, tais como a hierarquia e a autoridade, a crena nos "fatos objetivos", a avaliao e a promoo, entre outros. E sabemos tambm que no fundo no existem contedos que sejam em si revolucionrios: qualquer conhecimento, qualquer teoria ou conceito podevir a ser instrumentalizado pela dominao. (52-53)

O sistema escolar foi construdo a partir do sculo XVIII, nocontexto de desenvolvimento do capitalismo com industrializao e urbanizao, de ascenso da burguesia como classe dominante com o correlato enfraquecimento do poderio e da viso de mundo aristocrticos. A escola como instituio um produto da sociedade moderna ou capitalista no seu instituir-se, especialmente nos sculos XVIII e XIX, quando ganhou destaque uma disputa entre Igreja e Estado pelo controle da educao. (53)

No apenas o contedo veiculado que expressa essa natureza capitalista da escola. Tambm h tempo, na exigncia de pontualidade, na importncia das horas e minutos, na passagem do tempo vivido para tempo gasto, como valor de troca e no mais apenas valor de uso. Do mesmo modo, transmite-se percepo instrumental de espao com a prpria disposio dos objetos e pessoas, a prpria forma de se fazer isso j revela e refora uma faceta da dominao: a verdade j pronta, que o professor deve apenas reproduzir e o aluno assimilar, sendo a produo do saber externa prtica educativa. (53-54)

A escola no se resume reproduo das relaes de poder, ela tambm, e ipso facto, um campo de luta de classes, um locus de reproduo de poder, mas onde, dialeticamente, podem-se implementar prticas que questionem esse poder e esbocem novas relaes societrias. Convm, a esse respeito, no cair num dos extremos opostos: o do reprodutivismo puro e simples e o da excessiva valorizao do papel iluminista daescola. No se trata de pura e simplesmente buscar uma soluo intermediria frente a esses dois extremos, mas, antes de tudo, de procurar entender a dinmica da educao no interior do processo social do qual ela parte. (54)

S poderemos explicar essas diferenas a partir de uma anlise histrica de cada caso concreto, a partir da constatao de que a histria no a realizao de uma lgica predeterminada, mas sim uma forma de ser do social em que so decisivas as lutas, as contradies e as situaes de indefinio e de indeterminao, e onde alternativas plurais entram em choque a cada momento. Um movimento de escolarizao na sociedade tanto pode resultar de uma estratgia burguesa para melhor dominar e disciplinar sua fora de trabalho, como pode ser acelerado por demandas das classes populares que encaram a escolarizao como um direito e uma possibilidade de melhoria para seus filhos. (54-55)

II.A pergunta Deve o professor de geografia fazer uso do manual didtico? precisa ser relativizada. No se trata apenas do tipo de obra a ser utilizada. Independentementedo manual adotado pelo professor o que se constata na realidade que o livro didtico constitui um elo importante na corrente do discurso da competncia: o lugar do saber definido, pronto, acabado, correto e, dessa forma, fonte ltima de referncia e contrapartida dos "erros" das experincias de vida. Ele acaba, assim, tomando a forma decritrio do saber, fato que pode ser ilustrado pelo terrvel cotidiano do "veja no livro"(...) O livro didtico acaba consubstanciando a sua forma usual e institucionalizada com o saber "competente" externo prtica educativa, e passa a ser meramente assimilado (mas no produzido) pelos alunos. (55-56)

O professor pode e deve encarar o manual no como o definidor de todo o seu curso, mas fundamentalmente como um instrumento que est a servio dos seus objetivos e propostas de trabalho. Trata-se de usar criticamente o manual, relativizando-o, confrontando-o com outros livros, com informaes de jornais e revistas, com a realidade circundante. (56)

Apesar de no ser o contedo o nico problema do ensino, evidente que ele possui uma inegvel importncia, em especial no caso do ensino da geografia. Existe um contedo, hoje denominado geografia tradicional, que imperou durante muito tempo e que comea nos ltimos anos a ser questionado e renovado. A seguir, mostraremos sucintamente os seus traos principais. (56)

Os livros didticos tradicionais, baseados no paradigma A terra e o homem, comeam com o "quadro fsico" e depois colocam, nessa "base", uma espcie de superestrutura constituda pelo "homem" e pela economia. Na abordagem do homem, esses livros na realidade procuram "adaptar" o social ao meio fsico. A importante ideia de construo ou produo do espao pela sociedade moderna acaba ficando completamenteausente, pois no fundo ela no tem lugar numa perspectiva que nunca v a segunda natureza e muito menos o homem como ser poltico. (56-57)

Os manuais tradicionais em geral enaltecem explicitamente o seu "pas", o seu Estado-nao. O prprio territrio, delimitado por fronteiras, visto como natural e "eterno", como algo inquestionvel e no construdo historicamente. Os dados estatsticos e as informaes arroladas so sempre "oficiais", oriundos de rgos estatais, e nunca de organizaes da sociedade civil. O "coroamento" desses estudos a descrio das naes do mundo classificadas pelo continente em que se localizam e por suas peculiaridades no quadro fsico e nos aspectos humanos e econmicos. (57)

III.O professor que busca implementar um ensino crtico j dispe, desde que queira utilizar um manual, de algumas poucas opes no nvel de 1. e 2. graus. Os manuais no so de fato imprescindveis, mas o conhecimento e a leitura rigorosa desse material desejvel, na medida em que ele reflete experincias inovadoras, mesmo que diferenciadas e todassujeitas a reavaliaes e reformulaes. (57-58)

O primeiro aspecto a assinalar nesses livros renovadores, que eles so fruto de uma conjuntura que possibilitou sua existncia. em relao ao processo histrico que a sociedade brasileira vem se convencendo nos ltimos anos de que deve entender a emergncia e as peculiaridades desses manuais. a que seenraza o florescimento de livros didticos renovadores, com forte carga crtica. J na dcada de 80, por influncia tanto da conjuntura interna como da adaptao criativa dos ricos debates que agitam a geografia "crtica" e a "radical", alm da incorporao do marxismo no discurso geogrfico, da assimilao (em alguns casos) do pensamento da "nova esquerda", etc, temos uma ruptura mais efetiva com o paradigma tradicional e um delineamento mais preciso das vises de mundo que norteiam cada proposta de renovao. Anlise crtica da sociedade capitalista e, concomitantemente, da sua forma de produzir o espao: esse um trao comum dessas obras, apesar de o fazerem por perspectivas diferentes. (58-59)

No h aqui (embate: capitalismo x socialismo) "caminho" a ser mostrado aos alunos: eles devem buscar os seus prprios caminhos, a partir de sua vivncia e de suas opes de vida; o professor e o livro didtico no um "guia" ou um instrumento de "conscientizao" nos moldes leninistas, mas sim um orientador que ajuda o aluno no seu dilogo com a realidade e, ao mesmo tempo, com o saber corporificado em obras culturais. No h, ento, a necessidade de supervalorizar conceitos, de estruturar o saber num sistema fechado em que no h lugar para o novo, para a indeterminao; pelo contrrio, deve-se enfatizar a produo de saber na prtica educativa, a criatividade na observao do real, na interpretao crtica de textos.(59-60)

Uma preocupao constante nessas tentativas de renovao com a forma de abordar a natureza. Mas o modo como isso deve ser feito que constitui um problema. Alguns preferem misturar o social e o natural. Outros optaram por enfocar a natureza sob uma tica evolucionista da "histria natural" em que o surgimento da sociedade humana foi um captulo. E existe ainda aquela abordagem que v o natural subsumido hoje pelo social, mas ao mesmo tempo reconhece uma lgica prpria do natural. (60)

A cincia geogrfica apenas reproduziu num certo plano uma oposio homem/natureza que foi engendrada desde pelo menos os sculos XV e XVI no processo de constituio da sociedade moderna e na sua percepo de natureza como recurso. A grande questo que se coloca nesses casos a integrao entre o social e o natural, mas nunca a homogeneizao de domnios que so de fato diferentes, com lgicas prprias e diferenciadas. (60-61)

Sabemos que a ordenao burguesa do mundo implicou a transformao do entendimento da natureza. O "cosmos fechado" cedeu lugar, nos sculos XV e XVI, ao "universo infinito": no mais a natureza com limites, e sim a ideia de infinito, indissociavelmente ligada a uma teoria do progresso ininterrupto, na qual a natureza entra como recurso a ser aproveitado pelos homens, em especial na sua atividade mais nobre: a vida econmica, o encadeamento produo/circulao/consumo. A natureza aqui "morta", mero recurso sem "vida nobre" ou lgica prpria: ela deve apenas servir ao homem que, ao penetrar nos seus segredos domina-a a partir "de dentro", a partir do conhecimento de suas "leis". (62-63)

Paralela e complementarmente a tudo isso, a noo de progresso colocada em xeque pelo sentido suicida da evoluo tecnolgica do nosso presente, pela poluio insuportvel que ameaa a prpria existncia da vida no planeta, pela (re)descoberta da natureza como ser integrado (e no fragmentado) e "vivo", com o qual devemos nos entender de forma harmnica ao invs de pretender domin-lo. (63)

S a prtica docente nas salas de aula que ir engendrar uma geografia escolar crtica, voltada para a formao de cidados plenos. A busca deve ser uma meta sem fim, o renovar e sempre experimentar novas atividades e contedos condio sine qua non para um ensino que no sirva s relaes de dominao. O fundamental evitar sistemas tericos fechados, contedos que valorizem excessivamente os conceitos e assim deixem pouco espao para a reflexo sobre o novo a partir do real. O escopo de um ensino libertrio: no ensinar, mas ajudar a aprender, orientar no crescimento intelectual-cognitivo-poltico, formar pessoas criativas, crticas e capazes de fazer coisas novas. (63-64)

CONTRA ALGUNS LUGARES-COMUNS EQUIVOCADOS

O ensino da geografia vem avanando sistematicamente a cada ano, mas persiste uma srie de verdadeiroslugares-comuns, reproduzidos seja por algumas propostas curriculares feitas sem o devido cuidado com a operacionalidade mas apenas valorizando a teoria, seja por autores que pretendem legislar sobre o ensino. (65)

Podemos fazer uma pequena listagem desses mal entendidos:1. A geografia que se ensina no (mas deveria ser) aquela que aprendemos na universidade.2. A geografia escolar est baseada no positivismo, ao passo que a geografia universitria ou de pesquisas teria como fundamento a dialtica.3. A cincia tem como pressuposto bsico a totalidade do real, sendo que um dos grandes problemas da geografia escolar tradicional seria a compartimentao da realidade, sem haver uma totalidade estruturada para o conhecimento.4. O ponto de partida para se entender o espao geogrfico, e consequentemente o ponto de partida no ensino da geografia,-deveria ser o trabalho.5. O trabalho na sociedade moderna concretiza-se especialmente na atividade industrial; dessa forma, a indstria a "chave" a partir da qual iramos entender toda a produo do espao na atualidade.6. Nos dias de hoje no h mais uma primeira natureza ou natureza original, existindo to-somente uma segunda natureza ou natureza humanizada, no havendo portanto nenhum sentido em separar de alguma forma, nem mesmo didaticamente, o social do natural-ecolgico.7. A geografia nova ou crtica estuda somente o social-espacial, no existindo assim lugarpara a geografia fsica e para a abordagem da natureza independentemente da ao humana. (65)

Podemos afirmar que muitas dessas ideias so mais ou menos complementares e em grande parte elas se originam de uma certa simplificao mecanicista do marxismo. O marxismo exerceu uma quase hegemonia intelectual nas universidades brasileiras difundindo as ideias marxistas por todo o pas. Uma difuso mais terica que prtica, ou seja, muitos proclamavam sua crena nesses ensinamentos, mas poucos conseguiam ou tentavam coloc-los em prtica nas salas de aula, no ensino da geografia. Vamos examinar criticamente essas ideias. (65-66)

A ideia de que o contedo da geografia escolar deve seguir passo a passo a trilha da geografia acadmica no tem qualquer fundamento. Nos cursos universitrios de geografia formamos gegrafos, tcnicos ou intelectuais que iro realizar pesquisas, ou que iro lecionar geografia. Nos nveis elementar e mdio de ensino a geografia ensinada deve contribuir para formar cidados, para desenvolver o senso crtico, a criatividade e o raciocnio dos alunos. Existem relaes entre ambos os objetivos, mas eles so essencialmente diferentes. As relaes entre eles so complexas e h influncias recprocas, de mo dupla, e no somente a influncia do ensino superior sobre os "inferiores". (66-67)

As pesquisas acadmicas podem tambm estar voltadas para a compreenso do sistema escolar, do ensino dageografia, por exemplo, e fornecer valiosos subsdios para renovaes. Mas isso exige uma aproximao, um conhecimento ntimo das prticas educativas das escolas. Esse saber deve passar pela compreenso e pelo interesse dos alunos, pela relao pedaggica na escola, o que gera modificaes ou adaptaes importantes. (67)

Quanto ideia de a produo cientfica da geografia ser engendrada pelo "mtodo dialtico" e, inversamente, a geografia escolar tradicional ser influenciada pelo "positivismo", no h muito o que dizer. J questionamos anteriormente essa interpretao equivocada. O positivismo, nesse contexto, virou sinnimo de tudo o que haveria de errado no conhecimento geogrfico. De nada adianta lembrar que para Auguste Comte, o fundador do positivismo, a simples descrio no seria cientfica, o homem no seria produto do meio natural e muito menos a memorizao de nomes de rios ou montanhas seria um exemplo de atividade educativa "positiva". De nada adianta a explicao sobre o que foi o positivismo clssico, ou sobre o que o neopositivismo dos nossos dias. E de nada adianta, por outro lado, mostrar que a dialtica se vulgarizou e se empobreceu no nosso sculo. (67-68)

A terceira ideia arrolada, a de que a realidade (social e natural) constitui uma nica totalidade e, assim, todo conhecimento que omitir esse pressuposto ser ideolgico, apenas um dogma que no possui base de sustentao na cincia moderna emesmo na epistemologia. Se a realidade una ou rigidamente articulada em todas as suas partes ou manifestaes, isso nunca foi de fato demonstrado. (69)

Nos dias de hoje o conhecimento cientfico avana na direo do holismo, do enfraquecimento das fronteiras entre disciplinas ou cincias isoladas, de explicaes e teorias que do nfase globalidade do real. Esse novo holismo admite uma globalidadeque no totalidade: uma globalidade aberta indeterminao e contingncia, possibilidade de criao do novo, no qual no h lugar para qualquer determinismo no estilo das "leis da dialtica" ou "leis da histria". (70)

Examinemos agora, sucintamente, a ideia de que o trabalho exerce um papel determinante nas relaes dos homens entre si e com a natureza, sendo dessa forma o ponto de partida para se explicar o espao geogrfico e para o prprio ensino da geografia. Trata-se de uma interpretao com maior riqueza e complexidade, na qual h um equvoco mais didtico-operacional que terico. (70-71)

A indstria moderna representou uma nova forma de construo do espao pela sociedade humana. O grande problema que existe, na tica do ensino da geografia, a pretenso de se partir desse fato para explicar o espao geogrfico. Em nome de uma pretensa verdade terica, esquece-se da realidade dos alunos e do ensino. Tenta-se, desde a 5. srie (ou antes) at o 3. ano do colegial, partir sempre da industrializaopara explicar todos os aspectos do espao geogrfico mundial, nacional ou local. Isso um exagero e um equvoco tanto terico metodolgico como, principalmente, didtico. Tal contedo no permite que os educandos partam do concreto para chegar ao abstrato, como seria o ideal nessas sries. (71-73)

Por fim, temos a ideia de que a natureza em si no existiria mais nos dias de hoje, e a geografia como cincia social abordaria somente a natureza como recurso para a economia, excluindo o estudo do meio natural, isto , a geografia fsica. A rgida separao ou dicotomia sociedade/natureza foi de fato um produto social, engendrado pela modernidade, pelo advento e expanso do capitalismo. Um dos grandes dilemas e desafios da atualidade consiste justamente na superao dessa dicotomia e dessa viso pragmtica da natureza, que muito tem a ver com os graves problemas ecolgicos que ora enfrentamos. (73-74)

A cincia do sculo XX reformulou a ideia de natureza, descobriu o conceito de biosfera. Existe, portanto, uma dinmica do social e uma dinmica da natureza, que interagem e se influenciam mas no se anulam. A constatao de que o capitalismo enalteceu e agravou essa diferenciao entre natureza e sociedade no anula o fato de que ela sempre existiu, pelo menos desde que o homem se distinguiu dos demais seres vivos e criou um mundo cultural. Sem dvida, a natureza simultaneamente um real concreto e um (ou vrios)discurso(s). A prpria sociedade tambm o , pois o discurso dominante de uma sociedadesobre si prpria normalmente difere da sua realidade. A ideia de natureza decorre das prticas, das relaes dos homens entre si e com o meio circundante. (74-75)

H, na realidade, um estudo geogrfico da sociedade e um outro da natureza. Eles se entrecruzam, se integram, so mesmo complementares. Mas, o trabalho da geografia fsica por um lado vai na direo da especializao, por outro lado, se direciona na abordagem globalizante da paisagem, com vrios conceitos e mtodos oriundos da ecologia. E a geografia humana progressivamente vai estreitando seus laos com a sociologia, a economia, a histria, a cincia poltica, a antropologia e at a psicologia da percepo, sem falar da filosofia. Mas o gegrafo fsico dificilmente deixa de levar em conta a ao humana, e o gegrafo social geralmente procura refletir tambm sobre o ambiental ecolgico. (75)

A geografia escolar, portanto, trabalha tanto o social como o natural, procurando integr-los. Temos que associar os aspectos, sociais e ecolgicos, mostrando como eles interagem e formam uma unidade complexa e instvel. (76)

As cincias no possuem objetos especficos e delimitados por rgidas fronteiras. comum que um mesmo aspecto do real seja estudado por trs, quatro, cinco ou mais disciplinas diferentes. As diferentes cincias no constituem unidades autnomas e isoladas. Hsobreposies de objetos, conceitos, teorias, e h tambm enormes influncias recprocas. No incapacidade do cientista e muito menos da sua cincia especfica. dilogo e troca de experincias e de saberes, o que imprescindvel para a dinmica da produo cientfica. (77)

No devemos encarar o sistema educacional com tamanha falta de seriedade ou de importncia (por mais que nossas autoridades, aqui no Brasil, persistam em faz-lo). Sempre surgem novos e importantes temas ou problemas que as crianas e os adolescentes devem estudar, mas isso no significa a necessidade constante de se criarem novas disciplinas. (78)

Temos que levar os alunos a absorver a paisagem e interpret-la, a reconhecer uma ao do rio prximo na modelagem do relevo, a ao do social na poluio desse rio, etc. H lugar para a geografia fsica no ensino crtico desta disciplina. O que no devemos fazer permanecer no tradicional superado, que compartimentava rigidamente os elementos e no estabelecia grandes relaes entre eles, e que dava nfase mais memorizao que observao ou compreenso crtica. (79)

ENSINO DA GEOGRAFIA E LIVRO DIDTICO

Permanecem ainda certos mal-entendidos, derivados seja de uma percepo simplista da escola e do livro didtico, seja de um fundamentalismo que somente aceita como cientficas as ideias que compartilham a sua, rotulando indistintamente todo o resto de "ideolgico" ou de "discursodo avesso". Vejamos o primeiro caso. (80)

muito comum, a ideia de que "a geografia que se aprende na faculdade essencialmente diferente daquela que se ensina no 1. e no 2. graus". A "geografia dos livros didticos" no possui tantas diferenas assim frente "geografia acadmica" e ambas em conjunto formam aquilo que esse gegrafo francs denominou "geografia dos professores". Os livros didticos de geografia da Frana so em vrios casos escritos por professores de universidades e, o mesmo se pode dizer em relao a diversos outros pases como a Alemanha ou a Inglaterra e at mesmo, embora em menor proporo, o Brasil. (82)

Essa ideia (de o ensino em escolas elementares ser o mesmo das universidades) simplista constitui na realidade a utilizao de um "bode expiatrio" no lugar da anlise da questo da escola e da geografia escolar em nossa sociedade e, alm disso, uma forma de se evitar a reflexo sobre as complexas relaes entre o saber avanado ou cientfico e o saber transmitido ou at gerado no ensino mdio e elementar. (82-83)

O que se conclui que a maior ou menor vendagem ou o sucesso comercial de um livro didtico no dependem essencialmente de sua maior ou menor seriedade acadmica ou cientfica, mas, fundamentalmente, do seu "acerto" ou adequao frente ao momento histrico (a incluindo-se o nvel e as preocupaes dos professores e dos alunos) em que ele surge no mercado. (84)

E Aroldode Azevedo teve uma produo muito bem ajustada ao Estado Novo e ao seu discurso ideolgico que logrou tanto alcance popular: o "progressivo branqueamento" da populao brasileira iria produzir um "novo povo", apto a usufruir a democracia e o progresso; "nossas riquezas naturais inesgotveis" garantiriam alegrias a este "pas do futuro"; seria "necessrio" povoar o interior do pas e realizar assim uma "marcha para Oeste", etc. Mas no devemos encarar esse fato de forma determinista, pois sempre h lugar para o novo e o criativo, embora ele tambm deva levar em conta as circunstnciasem que se insere. (85)

No correta a imagem do professorado como "vtima" nas garras do livro didtico e da indstria editorial. Em ltima anlise, apesar de uma relativa influncia da burocracia educacional, normalmente o professor quem escolhe o livro que ir utilizar com os alunos. Existem excees, mas normalmente os professores dispem da opo entre adotar ou no um manual e, no primeiro caso, escolher qual deles ir usar na sala de aula. (86)

A produo didtica brasileira, a nvel de 2. grau e, ainda mais recentemente, a nvel de 1. grau, vem se aprimorando. H opes para o professor no apenas entre geografia tradicional e crtica, mas igualmente entre correntes ou concepes crticas diferenciadas. Vai ficando bvio, da mesma forma, que ajudar o educando a pensar e a se posicionar no mundo em que vive, a sedesenvolver como ser ativo e crtico, no se confunde com doutrinao atravs de cartilhas nas quais tudo est pronto e acabado. O bom livro didtico, nesses termos, aquele que motiva os alunos a ler e pensar, que foi feito para ser usado constantemente em dinmica de grupos e em debates, que abre para a reflexo ao invs de fornecer informaes ou interpretaes j prontas e estruturadas. (96)

Os melhores livros didticos so em geral aqueles feitos a partir de vrios anos de prtica docente, com a preocupao de se ajustar aos educandos, com ensaio-e-erro de textos/temas/debates, na medida do possvel independentes tanto da possvel opo doutrinria dos autores como dos interesses comerciais dos editores. (96)

O bom manual deve levar em conta a realidade, os interesses e as motivaes dos educandos para os quais se destina, mesmo sendo o professor o dono da palavra final sobre a adoo. Deve levar o aluno a ler e refletir, a engendrar conceitos ao invs de receb-los completamente acabados ou definidos. Deve ter um vocabulrio acessvel, um texto nunca "telegrfico" e cheio de chaves, esquemas, etc, mas fundamentalmente atrativo, como quem conta uma histria, um acontecimento, uma aventura. (97-98)

O QUE SIGNIFICA CRITICIDADE HOJE, NA PERSPECTIVA DO ENSINO DA GEOGRAFIA?

No so todas as sociedades que permitem que as pessoas pensem como indivduos, que formulem determinados questionamentos.

No lugar deauxiliar o educando a se encontrar como cidado, como homem participante numa prxis em que o social reinstitudo cotidianamente, em que contudo h uma certa indeterminao, muitas vezes o professor trilha um dirigismo que fixa para o futuro modelos e caminhos j delineados. Com isso, no se contribui para o desenvolvimento da cidadania. (104)

Isto criticidade hoje, na perspectiva do ensino da geografia: deixar o educando se libertar das amarras da dependncia intelectual e de pensamento, encontrar a sua criatividade e imaginao, aprender a pensar a partir do dilogo com o real e com as obras culturais, se descobrir como cidado e, consequentemente, agente de mudanas. A prtica da cidadania implica tambm reconhecer o Outro, aceitar as diferenas (mas no as desigualdades), perceber que o ideal de uma sociedade completamente harmnica e transparente falso e perigosamente totalitrio, ou, como diria Plato, um ideal somente para o Olimpo, para os deuses e no para os homens de carne e osso, que conhecem a paixo em todos os seus aspectos. Desenvolver a criticidade no ensino da geografia, enfim, consiste em deixar de lado os modelos, os sistemas tericos prontos e acabados, os conceitos que no aceitam o novo, o inesperado, a contingncia. Ou, nas palavras de Lacoste, que neste ponto se encontrou com Kropotkin, podemos reafirmar que no h geografia sem drama, sem aventura. (104-105)