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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS UEA PRÓ-REITORIA DE ENSINO E GRADUAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS ESO CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS Prof. Dr. Noval Benayon Mello Profa. MSc. Marília Carvalho Brasil MANAUS 2014 Política e Planejamento Econômico

Politica e Planejamento Economico

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Apostila Politica e Planejamento Economico

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  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS UEA

    PR-REITORIA DE ENSINO E GRADUAO

    ESCOLA SUPERIOR DE CINCIAS SOCIAIS ESO

    CURSO DE CINCIAS ECONMICAS

    Prof. Dr. Noval Benayon Mello Profa. MSc. Marlia Carvalho Brasil

    MANAUS 2014

    Poltica e Planejamento Econmico

  • SUMRIO

    APRESENTAO

    CAPTULO 1: PLANEJAMENTO

    1. Conceitos bsicos

    2. A discusso sobre o grau de interveno

    3. O planejamento em economias coletivistas (socialistas)

    4. O planejamento em economias capitalistas (liberalismo clssico, interveno estatal

    ou liberalismo)

    CAPTULO 2: ASPECTOS TERICOS FUNDAMENTAIS

    1. Argumentos tericos do planejamento indicativo

    2. A teoria dos bens pblicos

    3. Externalidades

    CAPTULO 3: EXPERINCIAS DE PLANEJAMENTO NO BRASIL

    1. Planejamento econmico no Brasil

    1.1. A dcada de 1950

    1.2. A difuso e a cristalizao do desenvolvimento industrial

    1.2.a. Os anos de crise e os planos de estabilizao

    CAPTULO 4: COMPONENTES DO SISTEMA ECONMICO

    RELEVANTES AO PLANEJAMENTO

    1. Os agentes econmicos

    2. Categorias de transaes econmicas

    CAPTULO 5. OS FUNDAMENTOS DO PLANEJAMENTO EM

    ECONOMIAS DE MERCADO

    1. Objetivos prioritrios do planejamento

    2. Planejamento como processo em um sistema

    3. As condies necessrias e o tempo no processo

    4. Diagnstico e prognstico

    5. Formulao de polticas pblicas

    CAPTULO 6: FUNES PBLICAS ECONMICAS

    1. As funes governamentais

    2. A funo alocativa

    3. A funo distributiva

    4. A funo estabilizadora

    5. Crescimento e desenvolvimento

    CAPTULO 7: INSTRUMENTOS DE POLTICA PBLICA

    1. Poltica fiscal: dficit ou supervit pblicos

    2. Poltica monetria

    3. Poltica cambial

    4. Interveno direta

    CAPTULO 8: IMPLEMENTAO DOS INSTRUMENTOS DE POLTICA

    1. Eficcia dos instrumentos e conflitos

  • 2. Relaes entre meios e fins

    3. Privatizao e parceria

    4. Oramento pblico

    CAPTULO 9: POLTICA REGIONAL DE INTERVENO

    1. Abordagens anlise espacial

    2. Elementos bsicos para o diagnstico no planejamento regional

    3. Planejamento urbano

    4. Estratgias de desenvolvimento regional

    CAPTULO 10: PLANO, PROGRAMA E PROJETO

    1. Instrumentos do planejamento

    2. Instrumentos relacionados com o conhecimento da realidade

    3. Instrumentos relacionados com o processo decisrio

    4. Instrumentos relacionados com a execuo dos planos

    5. Instrumentos relacionados com acompanhamento e controle

    6. Planejamento Estratgico nas Organizaes

    7. O ambiente das organizaes

    8. Formulao do Planejamento Estratgico

    9. Planejamento Operacional

    CAPTULO 11: MODELO DE PLANEJAMENTO NO BRASIL PS-1988

    1. Introduo

    2. Principais Aspectos do Modelo e Experincia de Planejamento no Brasil

    CAPTULO 12. ELABORAO DO PPA PARA MUNICPIOS

    I. Introduo

    II. Roteiro de elaborao do plano plurianual

    III. Sistema de Monitoramento e Avaliao do Plano Plurianual

    Anexo Mensagem do Prefeito de Manaus ao Legislativo

    CAPTULO 13: MICROFASE DO PLANEJAMENTO

    1. Projetos: conceito e tipologia

    2. Estruturao do projeto

    3. Avaliao econmica e social do projeto

    REFERNCIAS

  • APRESENTAO

    A presente apostila destina-se aos(as) aluno(a)s da Disciplina Poltica e Planejamento Econmico de Cincias Econmicas no sistema presencial mediado da Universidade do Estado do Amazonas. Este material, na verdade, constitui-se de um conjunto de textos/artigos de outros autores que julgamos importantes para solidificar o conhecimento dos temas discutidos na disciplina. O material aqui disponibilizado busca trazer subsdios para se fazer uma anlise mais sistmica do contedo e principalmente permitir a construo de crticas embasadas sobre as experincias governamentais vigentes. Cabe esclarecer, no entanto, que este material de apoio apenas um ponto de partida. Assim, no h a pretenso de esgotar a temtica.

    Esta disciplina tem por objetivo proporcionar ao aluno uma viso ampla das polticas macroeconmicas e das tcnicas de planejamento aplicadas na economia, como tambm permitir a analise do sistema de planejamento pblico no Brasil.

    A disciplina Poltica e Planejamento Econmico possui carga horria de 60 horas, totalizando quatro crditos e tem a seguinte ementa:

    Anlise dos objetivos da poltica econmica. Anlise dos aspectos tericos econmicos, polticos e sociais do planejamento nas economias capitalistas e nas de planejamento central. Apresentao dos principais instrumentos de planejamento econmico e uso de modelos na experincia brasileira de planejamento.

    Para fins didticos, a disciplina esta estruturada da seguinte forma: Unidade I

    Planejamento

    Aspectos tericos fundamentais do planejamento

    Experincias de Planejamento no Brasil

    Componentes do sistema econmico relevantes ao planejamento Unidade II

    Fundamentos do planejamento em economias de mercado

    Funes pblicas econmicas

    Poltica econmica e instrumentos de poltica

    Implementao dos instrumentos de poltica

    Poltica regional de interveno Unidade III

    Plano, Programa e Projeto

    Elaborao de planos e programas

    Microfase do planejamento Tpicos especiais

    Sendo assim, os professores desejam a todos que aproveitem a leitura!

  • CAPTULO 1: PLANEJAMENTO

    1. Conceitos bsicos

    O planejamento econmico situa-se no campo da economia normativa, ou seja, enfoque que trata das questes da economia, observando como deveria ser o funcionamento econmico da sociedade, e tem um relacionamento direto com juzos de valor sobre essas questes econmicas, que se vinculam a posies filosficas e culturais, a um envolvimento tico e religioso sobre proposies de poltica governamental e, dessa forma, no pode ser refutada por meio de informaes empricas.

    No entanto, o planejamento como interveno do Estado na economia se vincula tambm idia de economia positiva, isto , que se baseia em observaes racionais, cientficas e empricas da realidade, a partir das quais so descritos os fatos econmicos observados e deduzidos os princpios, as teorias, as leis que conduziro anlise da realidade e s proposies de poltica econmica.

    Partindo desses princpios, o planejamento econmico, por um lado, se preocupa com a fixao de normas de conduta da interveno governamental sobre a realidade econmica de uma sociedade, a partir de um juzo de valor, de uma ideologia dos agentes planejadores e de classes diversas de agentes econmicos que, de alguma forma, so afetados pela interveno. Por outro lado, vale-se das observaes empricas e da descrio do mundo real a partir dessas descries, para propor possveis caminhos de implementao da interveno.

    Dessa forma, as conceituaes sobre planejamento econmico pblico trazem, em seu bojo, tanto o juzo de valor de seus formuladores, quanto sua experincia emprica observada ou vivncia frente a esta questo. Uma das premissas bsicas do planejamento consiste na busca do desenvolvimento econmico de uma sociedade, ou seja, a procura de um processo mais amplo de transformao social, que conduza melhora do bem-estar individual e coletivo de uma sociedade. Este processo de transformao longo, lento e laborioso e exige esforo e pacincia. Pode requerer, no incio, a abstinncia de consumo que leve acumulao necessria para possibilitar investimentos condicentes com um crescimento da produo. Implica ainda a distribuio inteligente e eficiente de recursos escassos e, para isso, uma das condies bsicas a conduo da sociedade para a determinao de valores, costumes, modos de pensar e agir que sejam compatveis com o desenvolvimento, ou que a ele possam se adaptar.

    Prosseguindo nessa linha de pensamento, Todaro observa que, particularmente, os pases menos desenvolvidos deveriam conseguir progresso econmico mais rpido, utilizando o planejamento como principal meio para isso, particularmente, formulando e implementando planos voltados para o alcanar social e, economicamente, as sociedades mais desenvolvidas. Para esse autor, a economia de mercado, quando no controlada, pode levar as naes estagnao econmica, baixos nveis de emprego, flutuaes de preos, enfim, no estimula o desenvolvimento global da economia, mas sim possibilita o crescimento de desigualdades. Nesse sentido, o planejamento econmico por ele definido como o esforo consciente de uma organizao central, em uma sociedade, para influenciar, dirigir e controlar mudanas nas variveis econmicas de um pas ou regio, no curso de um perodo, de acordo com um conjunto predeterminado de objetivos. As variveis econmicas em questo, por exemplo, relacionam-se produo, consumo, investimento, poupana, etc. Portanto, o planejamento econmico se

  • define, particularmente, atravs de um conjunto de metas quantitativas econmicas a serem alcanadas em um perodo de tempo.

    Outro autor dedicado a essas questes, Waterston define o planejamento como a tentativa inteligente organizada de selecionar as melhores alternativas disponveis para alcanar metas especficas, aplicao racional do conhecimento humano ao processo de tomar decises que servem de base ao humana. Consiste em estabelecer relaes entre meios e fins, com o objetivo de obter os fins almejados pelo uso mais eficiente dos meios. Portanto, consiste em planejar de tal forma que os recursos escassos nossa disposio nos conduzam maior satisfao com o menor custo.

    De uma forma global, e mais intensamente em pases em desenvolvimento, a questo do planejamento pblico est vinculada diretamente escassez de recursos encontrados na sociedade, em relao s necessidades manifestadas pela populao; relaciona-se a um dos princpios bsicos da Cincia Econmica que define a atividade de planejar como determinao da maneira de utilizar os recursos escassos de forma racional e eficiente. A Cincia Econmica objetiva desenvolver instrumentos de anlise que facilitem a identificao dos problemas bsicos da comunidade, que facilitem o uso mais racional desses recursos escassos, com vistas a acelerar o desenvolvimento. Nesse sentido, os mtodos de planejamento so utilizados para aumentar a eficincia, a racionalidade e a segurana das decises de funcionrios pblicos e privado, atravs da maximizao do rendimento social e privado.

    Alm disso, preciso deixar evidente a clara distino entre as bases para a tomada de deciso dos agentes privados e pblicos. Os interesses, a disponibilidade de recursos e a esfera de poder dos formuladores privados distinguem-se no apenas em grau, mas tambm em espcie das necessidades sociais, e, portanto, o planejamento pblico um esforo do governo para melhorar a alocao dos recursos, tendo em vista tanto os interesses privados (na maior parte das vezes, conflitantes) das diversas categorias de agentes, quanto os objetivos sociais da comunidade. Para isso, so considerados tantos os benefcios quanto os custos sociais da interveno via planejamento, salientando-se que o planejamento econmico uma atividade de interveno governamental sobre a realidade, porm nem toda interveno governamental planejamento. Muitas das atividades econmicas do governo no podem ser consideradas de planejamento. Particularmente, as polticas de estabilizao implementadas na realidade so diretamente opostas planificao.

    Dessa forma, possvel sintetizar-se a idia de planejamento como sendo a aplicao sistemtica do conhecimento humano para prever e avaliar cursos de ao alternativa com vistas a tomadas de decises adequadas e racionais, que sirvam de base para ao futura. Em outras palavras, planejar decidir antecipadamente o que deve ser feito, ou seja, um plano uma linha de ao preestabelecida.

    Um modo diverso de explicar o mesmo conceito encontrado em Amato, que define o planejamento como a formulao sistemtica de um conjunto de decises, devidamente integrado, que expressa os propsitos de uma empresa ou instituio pblica e condiciona os meios de alcan-los. Dessa forma, de um modo geral, o planejamento envolve a definio de objetivos, a ordenao de recursos humanos e materiais, a determinao dos mtodos e formas de organizao a serem aplicadas, o estabelecimento de medidas de tempo, quantidade, qualidade, a localizao

  • espacial das atividades e outras especificaes necessrias para canalizar, racionalmente, a conduta do grupo de agentes do planejamento.

    Por sua vez, o planejamento econmico pblico, especificamente, conceituado como um processo de elaborao, execuo e controle de um plano de desenvolvimento, que envolve a fixao de objetivos gerais e metas especficas, tendentes a elevar nveis de renda e bem-estar da comunidade, assim como envolve a ordenao sistemtica de um conjunto de decises e medidas necessrias para a consecuo desses objetivos, com menores custos e maior rapidez.

    Embora possam ser encontradas conceituaes de planejamento que se relacionam a ideologias e vivncias especficas de seus formuladores, e, alm disso, as abordagens interveno governamental podem se apresentar em uma ampla variedade de mbitos, como planejamento parcial, global, privado, pblico, capitalista, socialista, democrtico, autoritrio, comercial, etc., essa grande variedade de formas traz, em seu bojo, atributos comuns, quais sejam: olhar para o futuro, fazer escolhas, seguir caminhos determinados para atingir objetivos, estabelecer limites. A essas vrias formas gerais de interveno econmica se associam formas mais especficas conjunturais, como planejamento anticclico, de guerra, de ps-guerra, de emprego, de reconstruo, entre outras.

    Em suma, as caractersticas bsicas de um planejamento econmico pblico podem ser sintetizadas nos seguintes objetivos: a) estabelecer o papel do tempo no plano de ao, ou seja, a relao entre presente, passado e futuro; b) definir os cursos alternativos de ao para os anos vindouros; c) analisar os critrios de escolha entre as alternativas disponveis; d) antecipar as solues para problemas previsveis; e) especificar as medidas de poltica econmica necessrias para remover os obstculos que limitam o crescimento da renda e a mudana estrutural da economia.

    2. A discusso sobre o grau de interveno

    O planejamento pblico econmico consiste na interveno governamental sobre a realidade de uma sociedade. O grau de interveno observado nas economias mundiais varia grandemente de acordo com o tipo de estrutura organizacional estabelecida, a escala de preferncias que domina o sistema econmico e, principalmente, com a ideologia que embasa o comportamento dos agentes governamentais de planejamento.

    De uma forma sinttica, distinguem-se dois tipos polares de sistemas de planejamento, que se vinculam a economias ditas coletivistas e a economias de mercado, ou seja, respectivamente, o planejamento do tipo sovitico, desenvolvido sob o regime de Stalin desde 1928, e do tipo francs, ou sistema de planejamento indicativo. O primeiro, aplicado a economias socialistas totalmente centralizadas do ponto de vista administrativo, tem sido intenso e, aceleradamente, abandonado nos pases em que, tradicionalmente, era implementado, como avaliaremos posteriormente. O ltimo, encontrado em economias capitalistas, dirigidas para o mercado, onde grande parte de produtores e proprietrios privados desempenham um papel relevante, tem passado por transformaes relevantes e os princpios bsicos sobre seus objetivos tm sido objeto de polmica, como analisaremos posteriormente.

    Algumas taxinomias de sistemas de planejamento foram identificadas, tendo como referncia o grau de centralizao e concentrao implcito nos sistemas de planejamento e a distino entre sistemas de planejamento baseados em postulados

  • ou sistema empricos. Os ltimos so implementados tendo em vista anlise do mundo real, enquanto que os anteriores buscam retratar economias que funcionem de forma eficiente e so usados para formular solues timas e contm suposies que podem ou no se adequarem realidade do processo de planejamento real, que se desenvolve em uma economia. Turner e Collis sintetizam, na classificao seguinte, vrias formas de sistemas de planejamento encontradas e analisadas por estudiosos da rea: - Modelo Estalinista Tradicional (Unio Sovitica, 1928 at meados da dcada de 50). Apresentava rgido grau de centralizao e um modelo de diretrizes altamente burocratizadas, desconcentrao administrativa parcial e um sistema administrativo ministerial. Tratava-se de um sistema do tipo emprico, adotado pelas economias satlites do Leste Europeu nos finais da dcada de 40. At o incio dos anos 90, ainda funcionava na Albnia. - Modelo Sovitico Reformado (dcadas de 60 e 70). Apresentava centralizao menos rgida e um modelo tecnocrtico, com desconcentrao certa administrativa com parmetros estatais. Referiu-se ao denominado sistema Sovnarkohzy (1957-65), ao sistema ministerial flexvel (ps-1965) e ao sistema de associao industrial desenvolvido na Europa Oriental. Constituiu-se em um sistema emprico, adotado pela Alemanha Oriental, Rumania e Polnia. - Modelo Guiado pelo Mercado. Implementado com descentralizao parcial, constituindo-se num modelo gerencial que apresentava desconcentrao paramtrica, sendo designado ao mercado um papel limitado na alocao de recursos. Definiu-se como um sistema emprico, adotado na Hungria (1968) e operacionalizado por um curto perodo de tempo na Checoslovquia e na Bulgria. - Modelo de Suplementao do Mercado. Constitui-se num modelo descentralizado e num modelo de trabalho coletivo, com desconcentrao paramtrica baseada no mercado. Apresentava-se como um sistema emprico adotado na Iugoslvia. - Modelo de Planejamento Indicativo. Apresenta-se como um modelo descentralizado, altamente desconcentrado e baseado no mercado. Constitui-se em um sistema emprico adotado na Frana e que influenciou o planejamento em outras economias capitalistas, a partir da dcada de 60. - Planejamento Indicativo Puro. Descrito como um modelo descentralizado e altamente desconcentrado, constituindo-se em um sistema baseado em postulados. - Modelo Administrativo Sovitico Ciberntico. Modelo centralizado, com concentrao idealmente perfeita, constituindo-se em um sistema baseado em postulados. - Modelos de Programao Soviticos (dcada de 60). Modelos parcialmente descentralizados, com desconcentrao paramtrica, com determinadas atribuies ao papel do mercado, constituiu-se em um sistema baseado em postulados. - Modelos Socialistas Competitivos. Modelos descentralizados e parcialmente descentralizados, com desconcentrao paramtrica, relacionados a modelos baseados no mercado de Lange, de Sik (para a Checoslovquia) e de Brus (para a Polnia). Constituram-se em modelos baseados em postulados.

    De uma forma sinttica, esses modelos podem ser definidos como modelos de planejamento em economias coletivistas e planejamento indicativo em economias capitalistas como analisaremos em maiores detalhes em sequencia. 3. O planejamento em economias coletivistas (socialistas)

  • Implementado na Unio Sovitica, Europa Oriental e em alguns pases da sia (como China e Coria do Norte), o planejamento em economias coletivistas, tambm chamado de normativo (dirigido, preceitual, obrigatrio), vincula-se ideologicamente s propostas socialistas desenvolvidas no sculo XIX, principalmente baseadas na interpretao da filosofia e da teoria econmica marxista-leninista, adotando um sistema econmico com critrios de deciso centralizada e propriedade social dos meios de produo.

    Dadas essas condies bsicas, foi possvel o alcance dos propsitos de dominao estatal dos sistemas em termos das preferncias governamentais e do planejamento central imperativo. O conjunto de metas era predeterminado pelos planejadores centrais, e os recursos materiais e financeiros alocados com base em preos de mercado ou oferta e demanda, no entanto, que eram estabelecidos, teoricamente, de acordo com os requisitos humanos, materiais e de capital do plano global. Dessa forma, o governo planeja e implementa seu plano, controlando diretamente as atividades das unidades produtoras.

    O quadro institucional constitudo pelo domnio do governo central sobre a posse e o controle da quase totalidade dos meios de produo da sociedade, sendo a propriedade privada uma exceo. A soberania do planejador substitui a soberania do consumidor, em outras palavras, os agentes planejadores burocratas decidem o que, como e para quem produzir. Paralelamente a isso, observada uma justaposio dos poderes polticos e econmicos, devido coletivizao dos meios de produo e inexistncia da livre iniciativa empresarial. Dessa forma, foram criados organismos centrais estatais destinados gesto centralizada. O Estado absorve as funes polticas e econmicas, sendo o agente central da economia, reunindo as atribuies de governo e de empresrio. Nesse sentido, determinam imperativamente as parcelas da renda nacional destinadas ao consumo e poupana, bem como o total e a decomposio dos investimentos, a relao de todos os bens e servios a serem produzidos e as formas de mobilizao de recursos correspondentes.

    Para a operacionalizao do planejamento, so tomadas medidas compulsrias de gesto, tendo em vista que no se colocam incentivos naturais eficincia; so fixados parmetros operacionais para cada empresa (modelos paramtricos) relativos a custos, preos, prazos, nveis de produo e grau de produtividade. So tomadas decises adicionais sobre as compras das empresas, com relao a local, tipo de matria-prima e preo, sobre a quantidade e remunerao de trabalho a ser empregado e sobre o destino da produo.

    Os economistas e tomadores de decises governamentais dos pases socializados defendiam a idia de que, nos primeiros estgios do desenvolvimento, o planejamento fortemente centralizado foi essencial para a transformao da estrutura socioeconmica atrasada vigente na poca e para desenvolver indstrias de bens de capital, alocando os recursos escassos de modo a assegurar as metas nacionais estratgicas e os projetos prioritrios que levassem ao desenvolvimento.

    Nesse sistema, o Estado assume funes operacionais para conduzir a economia e, portanto, necessita de organismos planificadores especficos. Estes assumem a soluo direta das questes da gesto econmica, tanto no que se refere gerao do produto social, quanto sua repartio. A criao de organismos planificadores com essas funes, com ramificaes e desdobramentos, modificou-se gradativamente no decorrer das vrias etapas de crescimento dessas economias, transformando-se numa ampla rede burocrtica de tomada de decises. Basicamente, esses organismos se referiam a um rgo central e a rgos

  • perifricos. O primeiro encarregado de realizar a consolidao dos planos elaborados pelas unidades da rede de planificao econmica, de fixar as diretrizes para a poltica e programao econmica, e, finalmente, de acompanhar a montagem ou implementao e os resultados dos planos. Os rgos perifricos, por sua vez, tinham a funo de assessorar a elaborao de planos de ao e executar os controles operacionais; desdobram-se em nveis setoriais e regionais de operacionalizao.

    Como visto, as primeiras tentativas de implantao do planejamento centralizado se verificaram na Unio Sovitica e sofreram graduais transformaes tanto conceituais quanto empricas, sendo possvel distinguir-se vrias fases distintas. A primeira fase, iniciada em 1917, consistiu na implantao do sistema socialista, com a criao do Vesenkha , Conselho Supremo da Economia Nacional. Nesse perodo inicial, o aparelho produtivo da economia foi nacionalizado, centralizado e estatizado, as propriedades rurais foram coletivizadas e a iniciativa privada foi bloqueada com a substituio da coordenao via mercado pela centralizao do processo decisrio de alocao de recursos.

    A partir de 1921, foi introduzida a denominada Nova Poltica Econmica, com descentralizao das decises e retorno ao regime de propriedades no-coletivas. Porm,em 1927, houve um retorno ao comando centralizado e foi elaborado e implementado o Plano Quinquenal de 1928 a 1933; foi seguido de mais quatro planos quinquenais, o ltimo dos quais de 1950 a 1955. O Sistema Ministerial, no perodo de 1917 a 1956, encabeado pelo Vasenkha, se complementou com a criao de 32 ministrios na dcada de 30, aos quais se subordinou uma srie de indstrias. A produo e sua distribuio tinham o controle totalmente centralizado e a moeda incorporava um papel secundrio, desde que os produtos fossem distribudos atravs de cartes de racionamento e os preos fixados autoritariamente.

    As funes especficas do Vasenkha consistiam em: a) elaborar o plano geral nico da economia e os mtodos a serem utilizados para seu cumprimento; b) elaborar a poltica econmica geral do Estado, ou seja, os programas e projetos de produo dos organismos regionais e setoriais da economia e determinar o ordenamento da execuo das atividades programadas; c) implementar as medidas do Estado para fomento da cincia e das pesquisas necessrias para cumprimento do plano, para o emprego e treinamento do pessoal tcnico necessrio; d) executar medidas para divulgao populao dos dados sobre o plano da economia nacional, os mtodos para seu cumprimento e as formas de organizao do trabalho.

    Essa primeira fase de planejamento apresentou uma srie de problemas conceituais e operacionais. Primeiramente, a recompensa ao gerenciamento era baseada na quantidade produzida, e no nos lucros auferidos, e, portanto, as empresas visavam preferencialmente atender s quotas de produo do que operar a custos baixos. Dessa forma, a produo poderia at se situar abaixo do potencial da empresa, desde que se restringia apenas a atender quota estabelecida. Por outro lado, observavam-se problemas com relao oferta de matria-prima e, para garantir a quota de produo, as empresas estocavam a matria-prima que conseguiam o que, muitas vezes, resultava em excesso. Nessas condies, a qualidade do produto dava lugar quantidade e, se os produtos no fossem vendidos, as fbricas os mantinham em estoque, porm continuavam produzindo as quotas; dessa maneira, resultou um descontrole entre oferta e demanda, com escassez de alguns produtos e excesso de outros, devido ao planejamento

  • equivocado das quantidades necessrias a serem produzidas. Exemplificando, observava-se excesso de bens de consumo, como roupas, e sapatos, e falta de geladeiras, carros e mveis.

    Com relao aos preos, nos estgios iniciais do desenvolvimento, a oferta ainda estava se organizando, faltavam bens demandados e os consumidores aceitavam qualquer preo. Com o desenvolvimento, ampliou-se a possibilidade de escolha de bens e aumentou a quantidade ofertada; os consumidores passaram, ento, a rejeitar alguns preos. Quando os acontecimentos no ocorriam de acordo com o plano esperado, a burocracia fazia com que a tomada de deciso e a implementao de uma mudana nos preos ou na produo fossem lentas.

    O controle central impedia a iniciativa e a criatividade, diminuindo a produtividade e a qualidade. Paradoxalmente, o nmero de empresas aumentou consideravelmente, criando maior complexidade na economia, e os planejadores acabaram por perder o controle sobre as empresas e administraes locais. Paralelamente, a m alocao de matrias-primas e outros erros gerenciais acabaram por fazer com que algumas indstrias e a agricultura no preenchessem suas metas programadas. Como consequncia, na agricultura, a queda na produo levou a srios problemas de oferta de matria-prima para a indstria e para o consumo alimentar da populao. De um modo global, as metas gerais dos planos quinquenais no foram cumpridas na quase totalidade dos pases, como na Iugoslvia, Polnia, Alemanha Oriental, Rssia, Checoslovquia, China e Hungria. A autocrtica incentivada nesse perodo conduziu a reformas no sentido da descentralizao das decises.

    A segunda fase de planejamento se iniciou com as reformas na estrutura burocrtica da planificao em 1956, com a descentralizao dos comandos. O sistema ministerial foi desarticulado e criou-se um novo rgo central, o Gosplan, e rgos perifricos, os Sovnarkhoses ou Conselhos Econmicos Regionais, que somavam 103 em 1957, tendo o seu nmero reduzido posteriormente. Dessa forma, o sistema de controle foi descentralizado e flexibilizado. Os planos eram elaborados, ento, na periferia e encaminhados ao centro; o Gosplan tinha a funo de unificar os planos formulados nos rgos regionais. A esse sistema aderiu a quase totalidade da Europa Oriental, com exceo da Albnia.

    O padro de descentralizao teve incio, primeiramente, na Iugoslvia em 1957 e mantinha o controle central sobre o montante e direo geral dos investimentos, mas outras decises gerenciais foram delegadas a autoridades no-polticas. As empresas socializadas passaram a ser gerenciadas por conselhos de trabalhadores eleitos pelos prprios trabalhadores, que passaram a tomar as decises sobre o que produzir, de quem comprar, a quem vender, preos a pagar e a vender, nmero de empregados, salrios, etc. No havia mercado garantido para essas empresas, que passaram a competir para a venda de seus produtos e para a aquisio de mo-de-obra especializada, de matria-prima, de capital e de possibilidades de investimento; a partir dessas condies, as empresas puderam decidir sobre a alocao de seus lucros entre salrios ou investimentos.

    Na Iugoslvia, as reformas no apenas comearam mais cedo, mas tambm foram mais intensas. As outras repblicas da URSS foram mais lentas, enfrentando controvrsias e debates. Alguns economistas defenderam a reteno do controle central atravs da introduo de mtodos matemticos (anlise insumo-produto, por exemplo), ciberntica, com uma rede nacional de computadores para controlar e responder as questes econmicas. Outros analistas salientaram a necessidade de a produo ser racionalmente relacionada demanda. Depois da Iugoslvia,

  • aderiram a mudanas no sistema a Polnia (1958), introduzindo a autogesto dos trabalhadores, a Hungria e a Alemanha Oriental (1963), esta ltima estabelecendo 80 rgos regionais de planejamento, a Bulgria (1963) e a Checoslovquia, com vrias etapas de transformaes (1958, 1961 e 1964).

    Na Rssia, foi dada nfase na planometria, que consistia na aplicao de novos mtodos e tcnicas matemticas sofisticadas para o controle e acompanhamento das escolhas estratgicas. No entanto, a partir dos anos 70, a economia comeou a perder impulso, culminando em uma situao de estagnao, resultado da desacelerao da gerao da renda nacional, do consumo e da acumulao, o que atingiu um ponto mximo no incio dos anos 80. Essa situao ocorreu num momento em que era priorizado o fator quantitativo da produo, enfocando, particularmente, as indstrias energticas com a utilizao de maior volume de matrias-primas e horas de trabalho. Porm, face ao desestmulo produtividade, tanto a quantidade de bens produzidos pelas indstrias, quanto a qualidade do trabalho mostraram uma acentuada queda. Na ocasio, a Rssia era o maior produtor mundial de ao e grande produtor de matrias-primas, combustveis e energia; no entanto, apresentou escassez interna desses produtos devido ao uso ineficiente e ao desperdcio.

    Por ocasio da implementao do 12 Plano Qinqenal, formulado para 1986-1990, a reunio plenria do Comit Central do PCUS, em 1987, props novos critrios de planejamento e uma reforma econmica com alteraes em todas as reas, a Perestroika: computao de custos nas empresas, transformao do controle centralizado, reforma no sistema de formao de preos e do mecanismo financeiro e de crdito, reestruturao dos laos econmicos com outros pases e novas estruturas organizacionais de administrao, utilizando princpios de auto-administrao computao de custos nas empresas, transformao do controle centralizado, reforma no sistema de formao de preos e do mecanismo financeiro e de crdito, reestruturao dos laos econmicos com outros pases e novas estruturas organizacionais de administrao, utilizando princpios de auto-administrao. Foi formulada a Lei da Empresa, baseada no autogoverno com relao a lucros, salrios, oramento, etc., no sentido de encorajar a competio econmica, satisfazer as exigncias do consumidor e produzir com mais lucros. Em toda a URSS, foi estimulada a substituio de mtodos predominantemente administrativos por mtodos predominantemente econmicos.

    Com essa democratizao do planejamento, a elaborao dos planos comeou a ser operacionalizada dentro das empresas e das unidades de trabalho. A nova sistemtica determinava que o Comit de Planejamento Estatal abrisse mo da regulamentao detalhada e da monitorao diria do trabalho. Em todas as fases do planejamento, a abertura e a transparncia (glasnot) foram ampliadas e foi introduzido o Princpio da Variabilidade no sistema de planejamento, estimulando a busca de solues especficas mais eficazes para cada situao. Os rgos centrais passaram a controlar as empresas apenas para cumprimento das encomendas estatais, para controle da produtividade da mo-de-obra e dos indicadores gerais de progresso cientfico e tecnolgico que foram estimulados junto s empresas.

    Processaram-se mudanas radicais na estrutura gerencial do governo, no sentido de simplificar o sistema burocrtico, a partir da ampliao de ministrios setoriais e cortes nas equipes. A idia difundida por Gorbachev para essas transformaes foi de que nenhum sistema ministerial ou departamental, por mais qualificado que seja, pode encarregar-se absolutamente sozinho de todas as

  • questes, nem pode substituir o pensamento e a iniciativa das unidades de trabalho.

    Com essas reformas, permaneceu a nfase no princpio da planificao econmica, porm com novas formas de aplicao, com uma filosofia de economia de mercado planificada. Os rgos de planejamento setoriais e territoriais (regionais) passaram a limitar seu planejamento determinao de normas econmicas e de preos justificados, s condies financeiras e creditcias possveis e fixao de encomendas pelo Estado. Foram estabelecidas relaes de mercado entre empresas socialistas e cooperativas, porm de forma diferenciada do capitalismo, pois a terra, subsolo e outros recursos naturais no so comercializveis, pois so propriedade pblica. Para os maiores grupos de produtos, no entanto, foi mantida a regulao do mercado pelo Estado, com a fixao de preos pelos rgos centrais, no sentido de evitar a inflao.

    A partir dessas premissas, o planejamento visava passagem para uma nova qualidade de crescimento da economia sovitica, do desenvolvimento extensivo anterior para o intensivo, ou seja, maior utilizao intensiva dos recursos disponveis, buscando a eficcia. Isso poderia se realizar atravs da reforma radical na gesto econmica, com o estmulo autogesto e ao autofinanciamento, abertura para o comrcio exterior e para a formao de sociedades de capital misto com empresas estrangeiras. Essas mudanas foram apoiadas pela revoluo cientfica e tcnica planejada no ensino e na formao de quadro, no sentido de maximizar a qualidade na organizao empresarial. Novos processos industriais, com auxlio da microeletrnica, receberam prioridade de investimentos e a motivao para o trabalho foi instaurada atravs da dependncia direta entre o salrio e o resultado do trabalho.

    4. O planejamento em economias capitalistas (liberalismo clssico, interveno estatal ou liberalismo)

    Uma anlise econmica dos sistemas de planejamento em economias capitalistas envolve, necessariamente, a discusso do relacionamento entre o mercado e o planejamento. Desde o sculo XVIII, os economistas clssicos discutem que o governo deveria exercer certas funes mnimas de interveno na economia, e a coordenao econmica seria guiada pela livre manifestao das foras de mercado. Com a ausncia de qualquer forma de planejamento autoritrio e a livre iniciativa e concorrncia das empresas privadas, asseguraria o bem-estar social atravs da busca individual da satisfao de interesses. A liberdade de trocas, segundo esse pensamento, produz uma harmonia natural de interesses, e mercados que operam livremente produzem resultados que maximizam tanto os benefcios individuais quanto os sociais.

    No entanto, mesmo nesse perodo, o Estado no se ausentou completamente da interveno na economia; os liberais delegavam ao Estado um conjunto de funes econmicas e sociais, de justia, de defesa, assistenciais, de controle do poder de monoplio, de execuo e implantao de obras pblicas, destinadas a criar e ampliar a oferta de bens e servios.

    Mais recentemente, a denominada moderna teoria econmica do bem-estar demonstrou que, em determinadas circunstncias, uma economia com mercado perfeitamente competitivo, em equilbrio, suficiente para se encontrar as condies necessrias para a obteno do timo de Pareto. No entanto, o mundo real econmico no se mostrou como estruturado com concorrncia perfeita,

  • observando-se a existncia de externalidades, bens pblicos, monoplios naturais, informao imperfeita sobre o presente e incerteza quanto ao futuro. Por outro lado, para cada distribuio de renda, prevalecente nos diversos pases, existiria um particular timo de Pareto e uma tendncia ao aumento das desigualdades se a economia for deixada merc dos interesses especficos. Algumas anlises neoclssicas, por exemplo, continuaram com as premissas da competio no mercado e apenas eram coerentes na presena de hipteses sobre o pleno-emprego dos fatores de produo, o que foi refutado por analistas econmicos, a partir do final da dcada de 20.

    Essas crticas abordagem do equilbrio dos neoclssicos comearam a ser delineadas no final do sculo XIX e incio do sculo XX, medida que os sistemas econmicos foram se tornando mais complexos e o Estado assume graus crescentes de responsabilidades econmicas e sociais, com o aumento das necessidades da criao de uma infraestrutura. A crise nos primeiros anos da dcada de 30 acelerou a necessidade de aumento da interveno governamental na economia, motivada pelas idias de Keynes para o combate do desemprego e da deflao. Cabia ao governo planejar e intervir na economia para a obteno rpida de crescimento econmico, da elevao da oferta de empregos e da estabilidade dos preos. Observou-se nesse perodo amplo reconhecimento pelos analistas, e que os mecanismos de mercado podem levar a situaes altamente instveis de gerao de renda e emprego, com movimentos cclicos no desenvolvimento das atividades econmicas. A idia prevalecente de um planejamento econmico indicativo de que o governo deveria utilizar instrumentos ativos, porm indiretos de interveno, que visavam meramente criar condies favorveis para os tomadores de decises privados, influenciando-os a agirem de maneira a conduzir s metas do crescimento.

    De modo crescente, foram desenvolvidas idias sobre a necessidade da interveno estatal na economia e, durante os anos 1950-80, predominou o paradigma keynesiano sobre as idias econmicas, particularmente nos pases em desenvolvimento. A maior parte das contribuies tericas ao tema do planejamento e do grau de interveno estatal na economia partia da premissa de que o Estado deveria intervir para ajudar, suportar e controlar o mercado nos pases em desenvolvimento, mais do que nos industrializados. Esses tericos, denominados de estruturalistas, partilhavam da idia de que as estruturas da maior parte dos pases em desenvolvimento so, significativamente, diferentes das dos pases industrializados, de modo que os resultados econmicos em resposta a eventos semelhantes refletiro essas diferenas estruturais e tero impactos diferenciados. Esses tericos no rejeitam completamente a teoria neoclssica, porm aplicavam o instrumental neoclssico para explicar as caractersticas tpicas dos pases em desenvolvimento de maior imperfeio do mercado. No entanto, um alto grau de centralizao das decises de planejamento no era aceito por esses pensadores.

    Arthur Lewis representou o pensamento dos tericos da poca quando escreveu: o caso com relao ao planejamento centralizado que no democrtico, burocrtico, inflexvel e sujeito a grande erro e confuso. tambm desnecessrio. Existe um caso muito melhor para um planejamento gradual; isto significa concentrar-se em poucos assuntos, que so particularmente desejveis de influenciar, tais como o nvel das exportaes, ou a formao de capital, ou a produo industrial, ou a produo alimentar (...). Algum planejamento necessrio, desde que os resultados da oferta e da demanda no sejam socialmente aceitveis em sua totalidade; mas planejar pode ser confinado s esferas em que se considera

  • mais importante de modificar os resultados que as foras de mercado, agindo livremente, levariam.

    Portanto, a tradio estruturalista tende a ser intervencionista, apesar das fortes diferenas na nfase dada pelos diversos tericos s falhas do mercado. Particularmente na dcada de 70, essas diferenas se centralizaram na questo da distribuio de renda; parte dos toricos visualizava o caminho da interveno governamental em pases de m distribuio, de modo semelhante aos industrializados, em que se observou uma piora nas condies de distribuio nos primeiros momentos do desenvolvimento e uma melhora posterior. Outros autores, baseados em evidncias de estudos de caso em pases poltica e economicamente diferentes como Cuba, Tanznia, Sri Lanka, Coria do Sul e Taiwan, defendiam a idia da possibilidade de crescimento com redistribuio.

    Analistas no estruturalistas tm criticado duas importantes premissas do pensamento estruturalista. A primeira a pouca importncia dada aos preos relativos como meio de afetar os resultados produtivos e distributivos; a idia de que as variveis no relacionadas a preos tem maior importncia para as respostas econmicas dos pases em desenvolvimento. Assim, prevalecem na literatura econmica dessa corrente as ideias de que so mais relevantes do que mudanas nos preos relativos, as presses da disponibilidade de capital, do cmbio, da fora de trabalho, da integrao interindustrial, dos investimentos em grandes montantes (big pushes), do planejamento baseado em coeficientes fixos, dos declnios seculares nos termos de comrcio exterior como consequncia das caractersticas estruturais e dos relacionamentos entre pases do hemisfrio norte e sul, dos crculos viciosos de pobreza e de desigualdade (causao circular acumulativa). O planejamento visualizado por esses analistas estabelecia maior prioridade a instrumentos macroeconmicos de interveno do que poltica de formao de preos.

    Outra caracterstica do estruturalismo que objeto de crtica o papel previsto para o Estado, pela crena de que a interveno governamental melhora a gerao e a distribuio de renda e o bem-estar dos menos favorecidos. As oposies a essas idias enfatizam que os interesses dos proprietrios de capital tornam irrealsticas as possibilidades de conduo distribuio de renda pelo Estado que se deve submeter a grupos de interesses para conservar o poder.

    No entanto, so tambm encontrados, na literatura econmica, trabalhos que mostram os caminhos que alguns pases seguiram, em que as aes governamentais, para aumentar a fatia dos menos favorecidos na renda, foram consistentes com os interesses dos grupos mais ricos e poderosos. Portanto, a abordagem estruturalista interveno governamental enfatiza, prioritariamente, a importncia das condies iniciais, dos recursos nacionais, do tamanho e das relaes internacionais das economias dos pases em que o planejamento aplicado, como sendo as variveis que exercem influncia sobre a composio e o equilbrio adequado das polticas que visam maior crescimento e melhores distribuies dos ganhos do desenvolvimento. Essas idias predominaram na dcada de 70 entre os crculos acadmicos e em organismos internacionais influentes como o Banco Mundial. Esse organismo e outros governos ocidentais, como da Inglaterra, orientaram suas polticas de ajuda a pases menos desenvolvidos a partir da idia de que o desenvolvimento significa mais do que a simples obteno de crescimento econmico, ou seja, significa caminhar para a diminuio da pobreza. No entanto, desde o incio dos anos 70, surgiram crticas s idias estruturalistas por economistas que visualizavam os caminhos para o

  • desenvolvimento atravs dos princpios bsicos do liberalismo econmico. Esses neoliberais passaram a negar as principais idias do estruturalismo, destacando a prioridade do crescimento econmico entre os objetivos de poltica econmica, acreditando que os problemas sociais se resolveriam mais efetivamente atravs dessa linha de ao. Nesse sentido, tanto o diagnstico das principais causas dos problemas de desenvolvimento quanto as solues propostas esto ligadas ao excessivo grau de interveno governamental sobre a economia, salientando que os custos da interveno tm sido muito maiores do que os benefcios, tanto em termos de produo quanto de distribuio. Defendem a idia de que os impactos diretos e indiretos sobre os preos, de uma ampla variedade de atividades governamentais de interveno, resultaram em diferenciais considerveis entre os preos de mercado e os preos sombra, e, dessa forma, o mercado no era capaz de levar alocao eficiente de recursos. Segundo essa viso, as falhas de mercado so resultantes da interveno governamental, ao invs de serem motivo.

    As solues sugeridas por esse grupo de economistas se aproximam dos princpios liberais dos primeiros economistas clssicos de Smith a Marshall, com forte orientao para o mercado. Sua tese central defende a idia de que o crescimento e desenvolvimento econmicos de longo prazo sero possveis se for obtida maior eficincia alocativa a curto prazo e, para isso, o mercado proporciona a melhor forma de aproximao dessa alocao eficiente.

    Essas idias extrapolaram as discusses acadmicas nos anos 80 e passaram a ser aplicadas em economias europeias ocidentais e nos Estados Unidos. As polticas econmicas ento passaram a dar maior nfase s redues nos gastos governamentais e na tentativa de equilibrar os preos relativos atravs de mecanismos de mercado. A soluo difundida para os desequilbrios dos pases em desenvolvimento, particularmente por economistas neoliberais que se situavam em postos executivos de pases desenvolvidos e em agncias internacionais de fomento, se resumia em um conjunto de reformas nas polticas econmicas, nessa direo, que eram atreladas dotao de emprstimos para o desenvolvimento dos pases menos avanados.

    A suposio dos analistas neoliberais no de que os mercados so perfeitos, mas sim que alocaro os recursos disponveis de forma mais eficiente do que outros mecanismos alternativos. Diferentes pesquisas levadas a efeito desde os anos 60 por grupos de economistas de vrias escolas definem as linhas globais desse pensamento, a partir da nfase na poltica de comrcio exterior como sendo o fulcro do crescimento de uma nao. Demonstram atravs de estatsticas a associao entre a expanso das exportaes e o rpido crescimento econmico, cuja velocidade de crescimento est ligada a caractersticas especficas de cada pas (recursos, reaes a mercados internacionais, polticas adotadas e outros eventos exgenos).

    Entre os neoliberais, no entanto, permanecem discusses sobre suas premissas. Em primeiro lugar, existe uma discordncia sobre o significado do livre mercado, pois, para alguns autores, o livre mercado consistente com certo grau de intervencionismo para indicar o caminho do setor privado e eliminar distores. Outros tericos devem fortemente a idia de que qualquer interveno prejudicial alocao eficiente dos recursos. Por outro lado, com relao nfase na orientao para o comrcio exterior, questionada a forma que tal poltica deve assumir e os instrumentos a serem utilizados, se atravs de proteo nominal, proteo efetiva, subsdios efetivos, restries quantitativas, poltica cambial (desvalorizao), incentivos exportao e outras. Em suma, esses analistas discutem tambm sobre

  • o grau de interveno adequado para cada economia; para alguns economistas, a nfase no comrcio exterior e na liberalizao dos mercados e dos preos implica que o governo tenha o papel de tornar realmente efetiva a alocao de recursos na direo do desenvolvimento, seja atravs da pesquisa, da infraestrutura de apoio e da legislao indicativa.

  • CAPTULO 2: ASPECTOS TERICOS FUNDAMENTAIS

    1. Argumentos tericos do planejamento indicativo

    Como vimos, independente do maior ou menor grau de interveno

    governamental sobre a economia dos pases capitalistas, o planejamento indicativo se encontra presente com o propsito de promover um crescimento/ desenvolvimento mais rpido e estvel. Os planos compreendidos nessa forma de planejamento contm previses e metas de crescimento para a economia como um todo, para um perodo especificado, consistente com um conjunto de previses e metas microeconmicas. As bases para tais objetivos envolvem elevar o nvel de demanda esperada e remover a incerteza quanto s expectativas sobre o futuro. Dessa forma, o planejamento indicativo se fundamenta em duas teorias principais: a Teoria pura do planejamento indicativo e a Teoria das expectativas da demanda. A Teoria pura do planejamento indicativo foi desenvolvida inicialmente por Mass, na Frana, onde a prtica desse tipo de planejamento precedeu teoria, nos finais da dcada de 50. Era postulado um relacionamento de complementariedade entre o mercado econmico e o plano, pois as falhas de mercado e do sistema de preos deveriam ser corrigidas pela interveno governamental, tendo em vista que a eficincia da alocao ficava prejudicada pelo fato de que os tomadores de deciso privados mantinham diferentes vises e expectativas quanto ao futuro. Com o crescente progresso tecnolgico, tornou-se ainda mais imperativo planejar os investimentos a longo prazo e estabelecer previses acuradas para tornar as expectativas consistentes, o que requeria uma coordenao nacional para evitar pontos de estrangulamentos e baixa utilizao da capacidade em alguns setores. O problema poderia ser resolvido por um sistema de mercados futuros, onde os contratos seriam feitos em um momento, visando demandas e ofertas futuras. Face dificuldade de lidar com tais mercados, a existncia de um plano nacional reduziria a incerteza e tornaria mais eficiente o uso de recursos, removendo as inconsistncias, entre os planos sobre o futuro, de diferentes setores de atividades econmicas. Caberia ento ao governo formular o plano baseado nessas vises individuais privadas.

    Segundo essa teoria, a reduo da incerteza seria conseguida pela natureza de auto-implementao do plano, derivada do poder persuasivo da consistncia interna do plano, que induz os empresrios a tomar, de forma apropriada, suas decises de investimento. Isso se daria desde que todos que tomam parte nesse jogo assumissem decises consistentes com as previses que foram formuladas a partir de trocas de informaes sobre seus planos individuais. A crtica a essa viso enfatizava a dificuldade ou mesmo impossibilidade de agregar as diferentes vises individuais sobre o futuro, sujeitas a probabilidades subjetivas, para se resumir em uma viso nica. Por outro lado, as diferentes elasticidades-renda da demanda dos diferentes setores da economia impossibilitavam as previses agregadas sobre o comportamento futuro da economia. Alm do mais, sob condies de concorrncia perfeita (subjacentes nessa teoria), as firmas no poderiam informar sobre seus planos para os concorrentes. Partindo das dificuldades da formulao do plano, de acordo com as premissas de acrescenta algumas contribuies teoria pura do planejamento indicativo. Esse autor argumenta que todos os agentes da economia so colocados diante da incerteza, porm existe uma distino entre a incerteza de mercado e a incerteza ambiental. As incertezas de mercado podem ser manipuladas pelos tomadores de deciso e diferem em grau entre eles, como, por

  • exemplo, a falta de conhecimento dos produtores sobre os planos de demandas dos consumidores.

    Essas incertezas, o plano indicativo visa remover. Por outro lado, as incertezas ambientais referem-se aos assuntos sobre os quais todos os tomadores de deciso so completamente inseguros, como, por exemplo, acontecimentos exgenos relacionados ao clima que afetam a demanda e a oferta ou fatores econmicos internacionais inesperados que afetam a demanda pelas exportaes de um pas, ou ainda, incertezas quanto aos parmetros nas funes consumo e produo.

    A teoria pura do planejamento indicativo estabelecida com base de um nmero de suposies rgidas: a) competio perfeita em todos os setores da economia; b) ausncia de fatores como externalidades e monoplios; c) todos sabem precisamente o perodo coberto pelo plano e d) uma rgida hiptese demogrfica de que o perodo coberto pelo plano relevante para todos que estivessem vivos no momento do plano e para ningum mais. A partir dessas premissas, seria possvel se aproximar dos resultados do timo de Pareto, para um conjunto de mercados futuros. No entanto, medida que as rgidas hipteses tericas so relaxadas na prtica, as dificuldades prticas da implementao tambm se revelam.

    Alm do mais, o papel do governo no , simplesmente, organizar a coleta e disseminao de informaes e remover inconsistncias entre previses individuais futuras, a fim de reduzir as incertezas e encorajar investimentos mais eficientes, mas tambm exerce um papel fundamental na proviso de servios sociais, na distribuio de renda em programas de estabilizao de curto prazo, entre outras funes que analisaremos com maiores detalhes posteriormente. Dessa forma, existe a necessidade de conjugar os objetivos do planejamento indicativo para o setor privado, com outras funes econmicas e sociais do governo.

    A teoria pura das expectativas de demanda, desenvolvida por Beckerman como a teoria pura do planejamento indicativo, implica um planejamento no-intervencionista e apresenta uma relevncia para o planejamento indicativo. O autor argumenta que as diferentes taxas de crescimento entre economias de mercado avanadas resultam apenas parcialmente das diferentes taxas de emprego dos fatores de produo e que um fator importante a diferena nas taxas de crescimento da produtividade. Defende a idia de que as expectativas afetam o crescimento porque estimulam um maior esforo em direo expanso da capacidade produtiva, tanto atravs do aumento da taxa de investimentos, quanto da melhoria nos fatores relacionados produtividade. A taxa de aumento da formao bruta de capital, por incorporar o progresso tcnico, tem um efeito favorvel ao permitir a realizao de elevadas expectativas de demanda, pela possibilidade de atender rapidamente expanso dessa demanda, tendo em vista as economias de escala. Segundo essa teoria, a flutuabilidade das exportaes, que dependem dos preos e da competitividade tecnolgica, um fator significante para a determinao das expectativas. Uma vantagem competitiva inicial gera rpida expanso das exportaes, o que estimular mais investimentos e progresso tecnolgico, resultando em um crculo-virtuoso no processo de crescimento. O papel do planejamento governamental, portanto, se define na indicao para os tomadores de deciso privados, das metas para o crescimento futuro dos investimentos e do progresso tecnolgico, que formaro as expectativas sobre as demandas.

    2. A teoria dos bens pblicos

  • A discusso sobre o papel da interveno governamental na economia, para fins de alocao equitativa dos recursos da sociedade, tem, como embasamento, a Teoria dos Bens Pblicos para a justificativa da alocao dos recursos nacionais entre o setor pblico e privado, para fornecimento de parte de bens requeridos pela populao. Essa teoria visa analisar a eficincia na utilizao dos recursos pelo setor pblico.

    A primeira preocupao quando se examina as premissas desse pensamento terico a verificao da possibilidade de falhas no sistema de mercado, que decorrem da natureza especfica do fornecimento e consumo de determinados bens. A definio do princpio da excluso a primeira etapa para a compreenso dessas falhas; segundo esse princpio, o sistema de mercado s funciona de forma adequada quando o consumo de um determinado bem por um indivduo implica que ele tenha pago o preo do bem e este excludo do consumo de um outro indivduo que no pagou por ele. Para que a excluso funcione, necessrio que ocorra o direito da propriedade sobre o bem e da aplicao do princpio, a partir do qual o mercado pode funcionar como se fosse em um leilo. O consumidor revela suas preferncias ao produtor, dando seus lances pela compra do produto.

    Esse procedimento observado no caso de bens privados comercializveis, pois os benefcios do consumo so internalizados para aquele consumidor, uma vez que um consumo rival, no sentido de que a aquisio do bem por um consumidor impede a aquisio da mesma unidade por outro consumidor. Nesse caso, a prpria natureza dos bens permite esse tipo de funcionamento. No entanto, observa-se a existncia de bens que apresentam uma natureza diferente, no sentido de que so considerados no-rivais, isto , quando no possvel aplicar-se ao mesmo o princpio da excluso. Os bens pblicos, portanto, so aqueles que apresentam a caracterstica de apresentarem a possibilidade de consumo no-rival, pois ao serem consumidos por um determinado indivduo, isto no implica a diminuio dos benefcios disposio para o consumo de outro indivduo ou para a coletividade. No ocorre a interferncia mtua entre indivduos quando eles usufruem desses benefcios, e o princpio da excluso no se aplica.

    Surge um problema para a alocao eficiente desses recursos, desde que, no caso de bens pblicos, os consumidores no revelaro suas preferncias e no faro lances, pois podem usufruir os mesmos benefcios independentemente do pagamento ou dos lances que determinem. Como, nesse caso, o sistema de mercado no funciona, a alocao de recursos para o fornecimento desses bens da alada de uma deciso poltica. No caso de uma estrada pouco utilizada, por exemplo, o consumo no-rival e o princpio da excluso no se aplica. No entanto, alguns bens pblicos podem apresentar a no-aplicabilidade do princpio de excluso, mas um consumo rival. Por exemplo, uma rua muito movimentada durante um horrio de rush apresenta um espao muito congestionado e, portanto, o consumo do espao disponvel rival e o princpio da excluso pode at ser aplicado, desde que se aplique a cobrana de um pedgio. Nesse caso, os espaos disponveis seriam melhor utilizados por aqueles que os valorizam e esto dispostos a pagar um preo por sua utilizao. Como salienta Musgrave, esse exemplo revela uma situao onde a excluso deve, mas no pode ser aplicada na prtica, pois a excluso seria invivel e muito dispendiosa. As falhas do mercado, nesse caso, decorrem da dificuldade de aplicar o princpio da excluso, e o setor pblico intervm para fornecer a infraestrutura necessria. Portanto, as caractersticas do consumo no-rival e no-excludente aparecem juntas na maior partes das vezes, porm isso no uma regra geral.

  • Para fins de planejamento, a verificao da natureza no-rival do consumo de bens e servios pblicos conduz a dois objetivos relevantes: a) alocar eficientemente os recursos, de modo a fornecer esses bens com o menor custo e b) decidir a forma pela qual ser implementada essa alocao de recursos. Os bens e servios pblicos distinguem-se dos demais, principalmente, pela indivisibilidade do consumo e seu suprimento de interesse prioritrio da sociedade como um todo. Ainda que um indivduo se recuse ao pagamento de sua utilizao, no possvel exclui-lo dos benefcios que eles proporcionam. Exemplos relevantes desses bens e servios so fornecidos pela construo de infraestrutura urbana, de saneamento bsico, servios de segurana nacional, que apenas podem ser supridos de forma coletiva, ou seja, em bases sociais e pblica. Nesses exemplos, observam-se divergncias entre os custos e os benefcios sociais e privados e a interveno governamental objetiva a ampliao dos benefcios sociais, assumindo os custos da produo e do fornecimento coletivo.

    Na prtica, observam-se situaes em que a natureza do bem se revela com caractersticas mistas. Referem-se a bens e servios, que, apesar da possibilidade de seu fornecimento rentvel pelo setor privado, os benefcios sociais a eles atribudos so relevantes, a ponto de levarem produo total ou parcial pelo setor pblico. o caso de servios de educao e de sade, onde os benefcios usufrudos por um indivduo so difundidos para o resto da sociedade. Um exemplo clssico relatado por Musgrave, que denominou esses bens de meritrios, consiste no caso da aplicao da vacina contra a poliomielite em um indivduo, onde o benefcio se estende para outros elementos da comunidade, uma vez que o perigo de contgio diminui.

    A necessidade do fornecimento de bens e servios pblicos e semipblicos, seja pelo prprio setor pblico ou pelo setor privado (prtica adotada crescentemente atravs de parcerias entre esses dois setores), se mostra crescente mesmo nas economias de mercado, como explicado por Wagner nos princpios tericos denominados Lei de Wagner: medida que cresce o nvel de renda dos pases que se industrializam, o setor pblico expande-se a taxas mais que proporcionais ao crescimento da prpria economia. Isto se verifica tendo em vista, primeiramente, que, com o processo de industrializao caracterstico das primeiras fases de desenvolvimento econmico dos pases menos avanados, surgem crescentes necessidades de elevao das funes administrativas e de segurana por parte do governo, advindas do crescimento da complexidade urbana. Outra razo se refere ao crescimento das necessidades relacionadas ao bem-estar social, como de Educao e Sade, que crescem mais que proporcionalmente ao crescimento populacional, com o crescimento econmico do Pas. Uma terceira razo apontada, no diretamente ligada aos bens pblicos, porm relacionada ao crescimento econmico, que diz respeito diminuio dos efeitos dos monoplios, que, como vimos, levam m distribuio dos recursos nacionais e a desajustes nos mercados face concentrao de poder econmico. Rezende chama a ateno para o fato de que as pesquisas empricas recentes revelam que a demanda global de bens produzidos pelo governo, apresenta-se normalmente com elasticidade-renda superior unidade, medida que alguns indicadores como renda per capita, populao, densidade demogrfica, grau de urbanizao e outros evoluem.

    A interveno pblica no fornecimento de bens se torna necessria para assegurar a oferta de bens sociais (que tem a caracterstica de semipblicos) a preos razoveis, quando se tratam de monoplios naturais ou tcnicos. A caracterstica bsica da produo dessas atividades est na condio de que o

  • custo mdio de produo diminui medida que aumenta a escala de operaes, e uma empresa, apenas produzindo, tem custos mais baixos do que vrias empresas. Por outro lado, em geral, o consumidor se encontra ligado fisicamente ao produtor, para a aquisio do produto. o caso dos servios de eletricidade, gs natural, gua e telefonia. Embora o setor privado possa assumir a produo e o fornecimento desses servios, como o vem fazendo de modo crescente em economias mais avanadas, em pases menos avanados, o Estado assume a operao direta dessas empresas ou regulamenta o preo, a qualidade e a quantidade dos servios.

    O fornecimento de bens pblicos est ainda associado condio da existncia de externalidades que provocam desajustes na alocao de recursos via mercado, como analisaremos em sequencia.

    3. Externalidades

    Na atualidade, a necessidade de interveno governamental muitas vezes

    explicada a partir da existncia do fenmeno das externalidades observado, particularmente, de forma localizada em espaos econmicos concentrados. O papel das denominadas externalidades sobre o desenvolvimento econmico, antes de ser objeto de preocupao governamental para fins de planejamento, era entendido e utilizado para fins de ampliao da capacidade das empresas privadas de extrarem retornos individuais crescentes atravs de benefcios coletivos gerados.

    Na literatura econmica, Marshall chamou a ateno, pela primeira vez, para o fenmeno por ele denominado de economias externas. Marshall (1920) foi pioneiro em observar, a partir da anlise dos distritos industriais da Inglaterra no final do sculo XIX, que a presena concentrada de firmas em uma mesma regio pode fornecer vantagens competitivas ao conjunto dos produtores, que no seriam verificadas se eles estivessem atuando isoladamente1. A partir dessas vantagens, segundo o autor, desenvolve-se uma dinmica econmica com o intuito de elevar a possibilidade de utilizao conjunta dessas economias. Dessa forma, tcnicas so discutidas e aperfeioadas conjuntamente pelos agentes que iro usufruir de seus benefcios; idias novas so adotadas, surgem atividades subsidirias para o fornecimento de matrias-primas e uma organizao da produo apropriada para estimular essas vantagens.

    Por exemplo, a produo organizada para a utilizao econmica conjunta de mquinas de alto preo numa regio em que existe grande produo da mesma espcie; forma-se mercado de mo-de-obra especializada e criam-se servios para atendimento ao consumidor. Qualquer barateamento no processo produtivo, advindo dessas economias externas, altera as foras que tendem a localizar as indstrias, e um processo de concentrao de atividades econmicas se intensifica. Marshall salienta a diferena entre as economias internas das empresas, que dependem dos recursos prprios das empresas, que se dedicam individualmente para a obteno das vantagens em custos, das economias externas, dependentes do desenvolvimento geral da indstria, ou do volume global de produo em toda uma regio ou da vizinhana. Um conceito similar desenvolvido por Joan Robinson, quando define dois tipos de economias externas: as mveis, que servem todas as

    1 Garcia, Renato. Economias externas e vantagens competitivas dos produtores em sistemas locais de produo: as vises de Marshall, Krugman e Porter. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 301-324, out. 2006.

  • indstrias, e as imveis, que servem plantas ou firmas localizadas muito prximas (maquinaria, tcnica, pesquisa).

    Marshall tambm foi o primeiro a desenvolver a teoria da transformao local, baseada nessas economias externas, explicando a renovao urbana; mostra que o centro urbano mais antigo atrai atividades de comrcio e concentra velhas indstrias, e as novas fbricas se dirigem para a periferia ou outras cidades onde a terra mais barata.

    O conceito de economias externas foi posteriormente desenvolvido por outros autores, como Tibor Scitovsky, que as descreve como servios ou desservios (j introduzindo o conceito de desvantagem), livremente prestados sem compensao por um produtor a outro. Esclarece que existe uma interdependncia direta entre as empresas, uma vez que a produo de uma empresa depende no apenas delas, mas da atividade de outra. Assim, essas economias podem ser tecnolgicas, quando relacionadas a alguma dependncia tcnica ou pecuniria, relacionadas a preos ou mecanismos de mercado. Portanto, sempre que os lucros de um produtor so afetados pela ao de outro produtor, observa-se a ocorrncia de economias externas.

    Essas economias podem definir alguns tipos diferenciados de incrementos: a) no produto lquido direto das empresas; b) na oferta lquida de fatores; c) no quantum tributrio; d) nos servios governamentais; e e) na renda lquida psquica dos indivduos, ou seja, vantagens ou desvantagens no poder aquisitivo ou na renda monetria. Particularmente, algumas atividades do setor tercirio so tipicamente geradoras de economias externas, como de transportes, comunicaes, comrcio, atividades financeiras. Estas ltimas, atravs dos canais de crdito, possibilitam mudanas na estrutura produtiva e no progresso tcnico, uma vez que agem de forma localizada em centros concentrados e distribuem os recursos para todo o sistema.

    Duas formas especficas de externalidades que se relacionam localizao das atividades so conceituadas como economias (ou deseconomias) de urbanizao e de aglomerao. As economias de urbanizao so geradas em funo da concentrao urbana e se referem tanto s vantagens e desvantagens advindas, tanto s famlias quanto s empresas, quando esses agentes econmicos se justapem espacialmente em vez de se separarem geograficamente, a fim de aproveitar essas economias externas nas cidades. No caso das empresas, um exemplo tpico refere-se s economias na gerao de calor em um complexo de indstrias de ao, ou em um complexo de refinarias, petroqumicas e empresas de fibras sintticas, que usam energia comum, e as plantas apresentam um tamanho timo que se ajusta energia; se funcionassem geograficamente separadas, cada empresa teria sua prpria usina de energia.

    Outros exemplos em economias de urbanizao so dados pelas economias administrativas e outros em gastos de produo de empresas, articulao fina de produo entre vrios estgios do processo por diferentes firmas, ganhos sociais de bem-estar pelos trabalhadores devido ao oferecimento de servios no centro urbano, disponibilidade de lazer, bem como aumento da produtividade devido ao acesso a informaes e atitudes favorveis devido a maiores rendas.

    As economias de aglomerao, por sua vez, referem-se mais especificamente tendncia aglomerao de atividades em um centro em vez de se dispersarem em vrios centros, tendo em vista a acessibilidade a mercados, informaes, poupana nos custos de transportes, disponibilidade de servios especializados s empresas e outras.

  • Como salientado anteriormente, as externalidades podem se apresentar como positivas ou negativas. As positivas representam as economias nos custos produtivos e os benefcios para os agentes que as usufruem, enquanto que as negativas ou deseconomias se associam a prejuzos, aumentos nos custos, desvantagens. Como exemplos tradicionais de externalidades negativas pecunirias so citados o aumento dos valores da terra, dos custos salariais e do custo do congestionamento, devido aglomerao. As externalidades negativas tecnolgicas so representadas pela poluio ambiental, congestionamento nos servios ou no trfego, congesto urbana. Esta se verifica quando vrios agentes consomem simultaneamente um bem pblico ou privado. A presena de outros consumidores afeta a qualidade dos servios, acarretando em deteriorao da qualidade, que pode se manifestar atravs da elevao do tempo ou do grau de obstruo para a aquisio do bem ou servio, perda de segurana, tenso psicolgica, diminuio do tamanho disponvel de utilizao de uma rea comum (parques, praias). A poluio ambiental se apresenta como sonora, visual, do ar, do olfato, da pureza das guas de rios e mares, na disponibilidade de peixes, de lixo txico, de resduos slidos dispersos em espaos sociais.

    A interveno governamental no sistema econmico, frequentemente, tem como objetivo a criao, manuteno e aprimoramento de externalidades positivas, por um lado, e a eliminao, correo e controle de externalidades negativas. O fornecimento de bens e servios pblicos cria externalidades positivas para uma parcela da sociedade, representadas por economias de urbanizao ou de aglomerao. No entanto, estas esto sujeitas a se transformarem em deseconomias quando ultrapassarem um tamanho considerado timo de concentrao urbana, levando deteriorao dos bens e servios pblicos. Mas a deteriorao pode demorar mais ou menos tempo para se fazer sentir, pois cada tipo de bem ou servio pblico apresenta uma capacidade ou limite (treshold), alm do qual a interferncia mtua entre os consumidores se torna notvel e aumenta desproporcionalmente oferta pelo governo. Mesmo no caso de bens livres, ou seja, os fornecidos pela natureza, a ao humana pode aumentar a capacidade de sua utilizao ou ultrapassar o limite de possvel fruio.

    A congesto e a poluio, como vimos, so dois exemplos de externalidades negativas que se distinguem uma da outra a partir do relacionamento entre os geradores do problema e as vtimas da interferncia negativa. Na poluio, possvel separar os que utilizam o meio ambiente e abusam de sua utilizao, isto , os poluidores, dos que so vtimas passivas, ou seja, o pblico; clara a distino entre os usos no-destrutivos do ambiente e os destrutivos. No caso da congesto, todos os agentes usam, da mesma forma, o bem ou o servio e todos causam prejuzos mtuos, pelo excesso de utilizao ou de consumidores. As formas pelas quais a interveno pblica lida com as externalidades negativas podem se apresentar como multas, proibies legais, ou atravs da poltica tributria, taxas, subsdios, ou seja, da regulao.

    A microeconomia tradicional oferece trs formas de explicao para os efeitos de externalidades negativas. Primeiramente, as transaes de mercado podem ter falhado porque os custos da transao destinados a recompensar a vtima da externalidade negativa podem ser muito altos. Nesse caso, a interveno governamental pode resolver a questo atravs da taxao, do subsdio, da regulao ou da melhora do processo de votao. Em segundo lugar, o governo pode ter falhado em atribuir apropriadamente direitos de propriedade, como, por exemplo, sobre os peixes de um rio, sobre uma descoberta cientfica, deixando para

  • os agentes privados a utilizao de mecanismos de mercado para resolver a alocao de investimentos em pesquisa ou a explorao dos estoques de peixes. A soluo proposta pela economia o estabelecimento de patentes sobre invenes e a propriedade privada de certa localidade em que a pesca prevalece. Outra explicao para as externalidades se relaciona a determinadas caractersticas intrnsecas de alguns bens, definidas como indivisibilidade. A dificuldade de dividir o uso desses bens ou servios pode redundar em uso exacerbado e congestionamento. Na atualidade, essa indivisibilidade seria tratada como integralidade.

    Na atualidade, a questo da interveno governamental, no sentido de ajustar as falhas de mercado que levam a externalidades negativas e de recuperar a sociedade dos efeitos da poluio e do congestionamento dos servios pblicos, envolve preocupaes mais abrangentes do que, simplesmente, os efeitos locais dessas deseconomias ou efeitos entre dois agentes econmicos que participam de determinada transao. Em discusses recentes, colocada em pauta a necessidade do planejamento para a preservao da biodiversidade e da competitividade tecnolgica, por um lado, e, por outro, a teoria microeconmica convencional sobre as externalidades criticada pelo fato de que deixa de lado as caractersticas de integralidade de mundo econmico.

    Os argumentos utilizados so sumariados por Sternberg que sugere que, em geral, o diagnstico sobre as falhas de mercado apresentam fundamentos conceituais que podem induzir a erro as tomadas de decises de polticas pblicas e de outras aes coletivas, uma vez que assumem que a alocao dos recursos coletivos pode ser suficientemente observada atravs da anlise das transaes entre atores individuais. Esse autor sugere que essas externalidades negativas tm efeitos mais amplos e globais do que simplesmente entre os atores locais. Por exemplo, a poluio tem efeitos indesejveis no apenas devido s externalidades, mas tambm porque as regies naturais compreendem inter-relaes mltiplas entre hidrologia, qualidade do ar, vida animal, geomorfologia, povoaes humanas e sade pblica. Assim, as aes de poluidores tm efeitos laterais muito mais amplos em outros atores econmicos no envolvidos diretamente e podem ter srias consequncias sobre a degradao ambiental sistmica.

    A microeconomia ortodoxa concebe o ambiente como uma extenso de bens discretos; no entanto, as regies biogeogrficas no so bens discretos, mas uma realidade integral composta de mltiplos relacionamentos humanos, culturais e biolgicos e, nesse sentido, os efeitos de qualquer inter-relao dos agentes sobre o sistema econmico tm impactos na totalidade da realidade.

    Assim, as externalidades negativas devem ser modernamente entendidas enquanto envolvendo uma integralidade, e no apenas objetos e agentes discretos (isolados, nicos). As discusses atuais sobre esse tema salientam que as regies biogeogrficas no so meramente um conjunto de terra, flora, fauna, mas sim os cenrios para a atividade econmica. Por outro lado, paradigmas tecnolgicos no so meramente artefatos tcnicos, mas conjuntos de conhecimento e habilidades socialmente constitudos atravs dos quais a tecnologia transforma a economia de uma sociedade. Tanto os cenrios, quanto a tecnologia constituem recursos coletivos, constitudos de forma variada, porm sustentados, utilizados, negligenciados e postos em disponibilidade atravs de aes humanas.

    Essas discusses tratam o desgaste e a obsolescncia tecnolgica como uma externalidade negativa para uma sociedade, que deve ser recuperada atravs da interveno governamental. Dessa forma, por exemplo, a moderna tecnologia,

  • responsvel por dispositivos como lasers, fibras ticas, computadores, discos compactos, ou seja, como uma combinao da tica com a microeletrnica (optoeletrnica), constitui um paradigma tecnolgico, que substituiu outros paradigmas anteriores e que so considerados recursos pblicos destinados competitividade global do Pas, no cenrio mundial. Como tal, esses paradigmas tecnolgicos consistem em conjuntos de conhecimentos e habilidades, padres e protocolos e complexos de instalaes, dispositivos, hardwares e softwares, que fazem parte do estoque de conhecimento da sociedade e condicionam as possibilidades de desenvolvimento da sociedade. Dessa forma, sugerido que a interveno estatal sobre a pesquisa e o desenvolvimento tecnolgico deve levar em conta no apenas a recuperao do desgaste tecnolgico, mas tambm os efeitos da criao dos novos paradigmas tecnolgicos, sobre a gerao de economias externas positivas sobre todo o sistema econmico.

    O debate macroeconmico, desde a primeira metade do sculo XX, tem colocado em confronto duas grandes escolas do pensamento econmico. De um lado, encontram-se as diversas formas da abordagem conhecida como Economia Clssica. Seus conceitos giram em torno da noo de que os mercados tendem a encontrar um equilbrio econmico a longo prazo, ajustando-se a determinadas mudanas no cenrio econmico. O mercado possui propriedades auto-regulatrias que dispensam a interveno do Estado na sua operao. O papel do Estado para os Economistas Clssicos se limita garantia da regra do jogo. Em oposto viso clssica, h os economistas keynesianos que consideram as propriedades auto-regulatrias do mercado fracas demais para garantir o pleno emprego da economia. Os keynesianos defendem uma participao ativa do Estado nos segmentos da economia que, embora necessrios para o bom desenvolvimento de um pas, no interessam ou no podem ser atendidos pela iniciativa privada. Seria tarefa do Estado fazer com que a economia utilizasse plenamente sua capacidade produtiva, em particular sua fora de trabalho, promovendo o pleno emprego.

    A discusso sobre o papel da interveno governamental na economia, com a finalidade de alocao equitativa dos recursos da sociedade, baseada na Teoria dos Bens Pblicos. Essa teoria objetiva analisar a eficincia na utilizao dos recursos pelo setor pblico. De forma geral, h trs motivos para que os governos queiram intervir em economias de mercado: redistribuio de recursos de alguns grupos da sociedade a outros, seja nos nveis de emprego, de preos e de transaes externas, seja na repartio da renda e na concentrao do poder econmico (monoplios e oligoplios); a suplementao da iniciativa privada com relao realizao de investimentos de interesse social. Quando o equilbrio competitivo no leva a uma soluo de mxima eficincia, deve-se avaliar o aumento de eficincia por meio da interveno governamental; e, a coordenao geral para que se atinjam os fins da poltica econmica.

    importante observar que a determinao desses requisitos funo das preferncias relevadas pela populao do pas em relao a padres desejveis de qualidade de vida de seus membros e depende, principalmente, do nvel de bem estar atingido pela sociedade. Pases mais ricos destinam maior proporo de recursos produo de bens e servios que trazem mais bem-estar populao, do que pases pobres. por meio do processo legtimo de representao poltica que deve ser estabelecido os padres mnimos de qualidade de vida de seus cidados.

    Os bens e servios oferecidos pelo Estado so financiados por contribuies compulsrias (taxas e tributos) dos cidados. Os tributos podem ser vistos como uma espcie de troca. Todos concordam em contribuir para um grande fundo na expectativa que a contrapartida oferecida pelo Estado valha, pelo menos, tanto quanto as contribuies exigidas dos agentes econmicos que atuam no sistema.

  • Entretanto, nem sempre os bens e servios oferecidos pelo Estado atendem a todos os cidados de forma homognea. So as chamadas falhas de mercado que Segundo Gruber (2009), um problema que faz com que a economia de mercado gere um resultado que no maximiza a eficincia. As falhas de mercado surgem sob forma de externalidades ou assimetrias de informaes e so caractersticas comuns da vida social e econmica. As externalidades so atividades que envolvem a imposio involuntria de benefcios (externalidades positivas) ou de custos (externalidades negativas) sobre terceiros, sem que estes tenham oportunidade de impedi-los, sem que tenham a obrigao de pagar ou que tenham o direito de serem indenizados. De acordo com Mankiw (2009), a externalidade o impacto das aes de uma pessoa sobre o bem-estar de outras que no tomam parte da ao. Quando o custo social da ao excede o custo privado, ocorre uma externalidade negativa. Quando os benefcios sociais so maiores que os benefcios privados, ocorre o que chamamos de externalidade positiva. Um exemplo de externalidade positiva a pesquisa que auxilia na descoberta um novo conhecimento que resultar em bem-estar aos cidados. Exemplo de externalidade negativa a poluio, em geral, provocada pela atividade de uma indstria.

    As externalidades podem surgir entre produtores, consumidores ou entre ambos conjuntamente. Semelhante a outros tipos de falhas de mercado, a existncia de externalidades indica que o sistema de preos no est sendo capaz de revelar corretamente as preferncias dos agentes econmicos, no sendo possvel atingir o timo social. Assim, torna-se necessrio a participao do Estado atravs do estmulo oferta de externalidades positivas e o impedimento a no produo de externalidades negativas. Como dito anteriormente, quando a externalidade negativa, ela representa um custo social. A emisso de gases provocada pela atividade industrial gera custo social devido ao seu impacto negativo sobre a sade de todos os indivduos da sociedade, mesmo daqueles que se beneficiaram da prosperidade da economia.

    Outro exemplo de externalidade positiva o bem pblico, que caracterizado como no rivais e no exclusivos. Mankin (2009) define exclusibilidade como sendo a propriedade de um bem por meio da qual se pode impedir uma pessoa de utiliz-lo, e rivalidade como a propriedade de um bem por meio da qual sua utilizao por uma pessoa impede a outra de utilizar. Em funo disso, no se pode impedir as pessoas de desfrutarem dos bens pblicos, e um bem pblico pode ser desfrutado por vrias pessoas ao mesmo tempo sem prejuzo de nenhuma delas. A principal caracterstica dos bens pblicos e que os diferencia dos bens privados, a impossibilidade de excluir determinados indivduos de seu consumo, uma vez definido o volume a ser produzido. O ato de consumir o bem pblico no reduz a quantidade disponvel para o consumo de outras pessoas. Wonnacott e Wonnacott (1994) afirmam que bem pblico puro tem benefcios que no podem ser negados a ningum, mesmo aos que no tenha pago pelo bem.

    A grande maioria dos bens ditos pblicos so, na verdade, bens pblicos impuros, pois satisfazem essas duas condies at certo ponto, e no completamente. Poucos so os bens pblicos puros, pois h uma quantidade pequena deles que so, ao mesmo tempo, no-excludentes e no-rivais. Investimentos em infraestrutura urbana possuem caractersticas que os tornam inteiramente no rivais e no excludentes, sendo, dessa forma, denominados bens pblicos puros, tais como estradas, praas pblicas, transportes pblicos e infraestrutura de segurana pblica.

  • O interesse da sociedade em relao a um resultado de mercado, na presena de

    externalidades, vai bem mais alm do bem-estar de compradores e vendedores do mercado, agregando tambm a satisfao de todas as pessoas afetadas no processo. Mankiw (2001) afirma que como compradores e vendedores negligenciam os efeitos externos de suas aes ao decidir quanto demandar ou ofertar, o equilbrio do mercado no eficiente na presena de externalidades. Somente o equilbrio do mercado no capaz de maximizar o benefcio total para a sociedade de um modo geral. Entre os mecanismos existentes para a correo da alocao ineficiente de recursos em um mercado provocado por uma externalidade encontram-se as polticas pblicas.

    H duas classes de polticas pblicas utilizada pelo Estado para lidar com externalidades: medidas baseadas em quantidade (regulamentao) e medidas baseadas em preo (impostos e subsdios). Na regulamentao, o Estado pode solucionar uma externalidade proibindo ou limitando certos procedimentos, como, por exemplo, fiscalizar que indstrias no joguem material txico nos rios e lagoas, impondo pesadas multas para aqueles que desrespeirarem as leis de proteo ambiental. Alm da regulamentao, o Estado pode utilizar impostos ou incentivos fiscais, tributando as atividades que geram externalidades negativas e subsidiando aquelas que produzem externalidades positivas. O Estado pode, por exemplo, promover a revitalizao de uma rea degradada atravs de incentivos e financiamento de obras de infraestrutura (Gruber, 2009).

  • CAPTULO 3: EXPERINCIAS DE PLANEJAMENTO NO BRASIL

    1. Planejamento econmico no Brasil

    No Brasil, as tentativas iniciais de organizar a economia datam da dcada de 40, resumidas no relatrio Simonsen (1944-1945), nos diagnsticos da Misso Cooke (1942-43), da Misso Abbink (1948), da Comisso Mista Brasil-EUA (1951-53) e no Plano Salte (1946). Porm, no consistiram em prticas efetivas de coordenao global, restringindo-se a medidas setoriais ou de racionalizao do processo oramentrio, como no ltimo caso. A primeira experincia que considerasse o processo global e contnuo de planejamento, e que foi efetivamente aplicada no Pas, data de 1956, com o Plano de Metas.

    Esse artigo examina a experincia brasileira de planejamento econmico, em nvel federal, que compreende cerca de quatro dcadas, analisando as propostas dos diferentes planos e os resultados de sua implementao. Observa, ainda, a conduo da poltica econmica na busca da correo dos desajustes causados por fatores exgenos aos planos, sejam originados por condies internas ou externas ao Pas.

    1.1. A dcada de 1950

    O perodo posterior Segunda Guerra Mundial apresentou uma situao de desgaste e forte recesso econmica dos pases mais desenvolvidos, tradicionais produtores de bens de capital e demais produtos industrializados. Essa situao obrigou o Brasil -cujo processo de industrializao at ento se desenrolava lentamente, configurando uma forte dependncia de importaes de bens de capital e de matrias-primas a voltar-se com maior intensidade para a produo nacional de produtos industriais, em atendimento demanda interna de bens de consumo, at ento tambm suprida pela importao. Iniciou-se, nesse perodo, um processo efetivo de substituio de importaes, baseado em uma diversificao industrial at ento incipiente. Nessa ocasio, o modelo primrio-exportador j levara o Pas a um processo de urbanizao, que se fez acompanhar do desenvolvimento de uma infra-estrutura de servios em atendimento a uma industrializao tradicional de alimentos, bebidas, vesturio, mobilirio, etc.

    A dcada de 1950 caracterizou-se por uma queda mais acentuada das exportaes do caf a partir de 1954, aumentando o esforo para a reorientao da atividade econmica voltada para a indstria. O perodo 1956-61 foi assinalado pela introduo de um processo de planejamento efetivo das polticas econmicas governamentais a serem empreendidas, traduzidas no Plano de Metas. Foi prevista, para o apoio administrativo ao Plano, a utilizao de rgos governamentais de controle j existentes, como o BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico (criado em 1952), a CACEX Carteira de Comrcio Exterior do Banco do Brasil (1953), a SUMOC - Superintendncia da Moeda e do Crdito (1945), bem como a criao de novas instituies, como, por exemplo, os Grupos Executivos, responsveis pela concesso de incentivos ao setor privado e pelo estabelecimento de metas industriais, e o Conselho de Poltica Aduaneira.

    A articulao entre capital privado e nacional e entre capital estrangeiro e o Estado, visualizada no Plano, desempenhou papel importante no processo de

  • industrializao que se acelerou acentuadamente no perodo. Esse processo caracterizou-se como uma fase de intensa substituio de importaes, uma vez que que estava prevista a destinao de 43,9% dos recursos para implementao do Plano, para a importao de bens e servios. Essa fase distinguiu-se, ainda, pelo aumento da participao do governo nos investimentos, possibilitada pela entrada de capital estrangeiro privado e oficial para o financiamento do desenvolvimento de setores selecionados.

    O plano, identificando setores, metas e objetivos a serem impul