POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

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  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

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    A entrevista de

    tipo

    qualitativo: considerações

    epistemológicas teóricas e metodológicas·

      tlparl

    No que é considerado como um dos primeiros manuais de metodologia associa

    dos aos trabalhosda Escola de Chicago, Palmer (1928) defende

    que

    a possibili

    dade de interrogar o alOrese utihzá-Ios enquanto recursoEra a compreensão  ã

    l

    rea.

    a es socia;sconstitui uma das grandes vantãgens das   i ~ n i s oclais

    glbre

    ãSci iiêiãSQâ natureza, as se interessam por objetos desprovidosde palavra.

    Abordan o a questão da relação entreconhecimento leigo e conhecim nto ci ntl

    fico, Bourdi u, Chambor don Pass ron (1968: 56) ddend m o contn1rio

     

    isto

    a

    despdtõ

    d todas a;-;;o-m:rovérsias qu U I ; ; - l ~ m a Ç ã o possa levantar -

    que

     t

    talvez, a maldição das citncias

    do

    homem, a de ter relação

    COm

    um

    obJelo que

    I fula ;-pól ;J enrao,orisco égrana . e v r a ciência cõnfundiras interpretações qu os

    tor 5 dão da reaLidade com a realidade tal e qual.

    Esses comentários

    sobre

    a entrevista sobre o 5tatUlo do material coletado

    ilustram bem toda a ambiguidade ligada ao uso de

    um

    dos instrumentos de pes

    quisa tido como um dos mais freqüentem nte em reEados nas c i ~ n c i . ociais.

    D um lado, as entrevistas constituem uma

    porLa

    de acesso às realidades sociais,

    apostando na capacidadede

    entrar

    em relação com asOutras, Do OUtrO, essas rea

    lidades sociais não se deixam facilmente apreender, sendo transmitidas atravês

    do

    jogoe das ucstO s das int raçOessociais que a

    rdação

    de entrevista necessa

    riamente implIca, assim com

    do

    jogocompl xo das muluplas IOt rpretaçOes

    produzidas pelos discursos. -

    Longe d 5gotaro conjunto dasren«xôes conc m ntesao uso das ntrt\'IStas,

     5t anigo tratará d três temasrdativamente ao estatutOda wtrevisLa, t masestes

    não sem rdação com o aspectos acima mencionados. Prim irament , examinare.

    os argumentos de ordem epist molôgica e ético-politica, alegados, comumente,

    l 'parajustifica .o recmso à entreViSlll de upo qualllativo,já que, para além da ques

    tões de método, o emprego deste in trum nto acarreta diferentes conc pçôes da

     

    Gostam de

    agradecer a

    meus

    colaborDdores

    p squis

    lRnis Btliveau MyltncJaccoud c

      i c h ~ l e

    Lalonde: e

    tambtOl

    aJocelync Dorion revisora porsua

    ajuda

      revisão fmal

    desle

    l l

    5

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    clencia e da pesquisa; paradepois, então, deter-me nos argumentos de ordem m. :..

    todológica. Abordarei de passagem algumas controvérsiassuscitadas por essesar

    gumentos. Num scgundo momenLO exporei um certo número de principiO que

    o, em geral, tidos

    como

    adquiridos e correntemente associados à

      arte'

    de fazer

    05 outros

    falarem e de realizar uma entrevista.

    Ai r e s i d i r ~

    a

    op nunidadede

    abor

    daras diversasestratég13se o diversoselemenlo de   encenaçào',ao quais recor

    rem os entrevistadores, com o objellvo, denlre OUlros, de levar os entrevistados a

    colaborar, e a sentirem-se confiantes e à vontade na situaçãn

    de

    entrevisla. E, por

    fun, tratarei da unponãncia da questãO

    dos

    vieses nos debates sobre as entrevisL.'s,

    demodo a

    apomar

    como algumas lradições metodológicas e epistemológicas ten

    taram resolve-la, ou, ainda, formulá-Ia diferentemente. Esta seçã p mlitirá abor

    dar sumariamente um relativo numero   e dimensões fundamen ais

     

    lais  omo a

    de erminá

    ªº

    do conlexto na produção

    d o d ' CUTSO,-O p a ~ e l

    da subjetividade do

    pesquisador no processo

    de

    pesquisae a

    inauéncia

    dos processos

    de

    transcrição na

    produçãO

    d_os

    relatos elnográftcos.

    o argumemos dc ordem epistemológica, elicG-politica e metodológica como

    base

    do

    recurso à entrevista de tipo qualitativo

    00

    exame das justificativas habltualmeme alegadas pelos pesquisadores para

    recorrer à entrevista de tipo quahtativo, trés tipos de argumentos se destacam. O

    primeiro é de ordem epistemológica. a enlrevista

    de

    tipoqualitativo seria necessá

      rLa, uma vez que

    uma

     'Ploração

    em

    r 9 r u d i d a ~ a

    perspectiva dos a t o ~ e s so

    ciais é considerada indispensável para uma exata apreensão e compreensao as

    condutas

    sociais. O segundo tipo de argumenLo ê deordem etica e olft ica: a enlre

      vista de tipo qualitativo parece necessária, porque ela abriria a possibilidade de

    t compreender e conhecer imemameme os dilemas e queslões enfrentados elos

    á i o r e ~ s o c I D s ~

    Destacam-se,

    por

    fim os argumentosmetodológicos: a entrevista de

      tipo qualitativo se imporia entre as   ferramentas de

    informação'

    capazes de elu

    cidar as realidades sociais, mas,

    pnncipalmente,

    como instrumemo privilegiado

    de ac Oà expenê.ncia dos atares. Deve-se certamente observar

    que

    esses trés u

    pos

    de

    argumentos c aplicam igualmente a

    conjumo

    do métodos qualitativos,e

    abordá-los aqui me parece tndispensàvel para compreenderos multipio usos que

    se pretende fazer das entreVlSlas

    Aanalise d s realidades so i is segltlldo a perspectiva dos arares so i is

    Voltemos primeiramente ao argumenLo

    de

    tipo epistemológico. O uso dos mé

    todos qualilativos e da entrevista, em particular.

    roi

    e a inda ho je é tidocomo um

    meio de darcoma d pomo de vista dos aLores sociais c de c o n s i d e r ~ l o para com

    preender e interpretar as suas realidades. As condutas sociais não poderiam scr

    compreendidas, nem explicadas, fora da perspectiva

    do

    aloressociais. A entrevis-

    216

    ta

    ena,

    a sim, indispensável, não somenle

    como

    método para apreendera expe

    rién ia dos outros, mas, igualmeme,

    como

    insrrumemo

    que

    perrmle elucidar

    suas

    condutas, na medida em que estas só podem

    ser

    inlerpretadas, considerando-se a

    própria perspectiva dos atares,

    ou

    seja, o sent ido que eles mesmo conferem às

    suas

    aç6es . abe-seo

    quamo

    esse argumemo foi rundamemal, na sociologia amen

    cana, paraJusti ficaro recur o aos método quali tativos. Dentre o exemplos mais

    frequememente citados, há, evidentememe, Thomas (J923), em razão da impor

    tJlncia

    que

    ele

    ambui à

    consideração da maneira pela qual

    os

    aLOres

    definem suasi

    tuação. neve-se também mencionar Mead (1934) c Blu_mer (J

    969)

    e,em

    sua

    linha

    gem, os inlo:' ,cionislas,

    que

    lambém insislem na necessiJadede explorar o sentido

    que

    os-ªtores dão

    às

    suas ações. Poder-se-ia, po r 11m, acresce ntar os elnorneLOdol;;

    gistas, jã que eles buscam, no prolongamemo dos trabalhos de Garl1nkel (1967),

    Jwreender .as Categorias do senso comum e explorar a maneIra

    cama

    os   ~

    constroem

    sua realida< e, ao longo de suas

    ~ n l d a d e s

    cotidIanas.

    Essa posição epistemológica

    encomra

    Sua comrapartida no plano metodol gi

    coo Para apreenderas realidadessegundo O

    ponLO de VI

    tados

    atares

    sociais, é pre

    cISO amda um metod que o permi ta .E com base em tal argumemoque o sociólo

    gos da Es o la Chicago, e, em sua continuidade, os inleracionislas justificamO

    -recurso aos métodos qualitativos (POUPART,

    1979-l980).

    Assim, conforme o su

    geriam Park

     cC

    BRESLAU, 1988) e Beckere eer (J957), mis turar-se às atiVlda

    des cotidianasdos alores, com a ajuda da observaçãO participame. constitui Ome

    UlOr mela de ercebersuas prállcas e interações, como também de lI1terrogá-los

    durame a Por sua vez, Thomas preconizavaanalisar a correspondencia priva

    da,as autobiografIas e os diários fmimos, insisllndo no

    fa

    de

    que

    estes maleriais

    correm menos risco

    de ser 'contaminados'

    pelo pesquisador -

    conduta

    esta que,

    segundo ele, pcrmite assim apreender diferemes dimensões, como as atitudes e os

    valores. inalmeme, há uma opiniãO amplameme divulgada na maioria das tradi

    ções sociolõgicas, segundo a qual o recurso

    às

    entrevistas, malgrado seus limites,

    continuasendo

    um dosmelhoresmeios para apreendero sentido

    que

    os

    aLOres

    dão

    às suas c nthttas (oscomportamentos nào falam por s. mesmos), a maneira como

    elesse representam o mundo e como eles vivem suasituação, com osa(Ores sendo

    VIstOS

    como

    aqueles em melhor posiÇão para falar disso.

    Esse

    primeiro

    lIpO

    de Jusllficallva está na origem de diferemes mdagaçõcs

    controvérsias, que não podemser abstraidas a pantr

    do

    mamemo em que sejulga

    necessario realizar emrevistas e se pergunta seriamente 0... lue

    se

    busca e O que

    J>

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    1. Parol um exemplo, enrre outros, deste upo de

    poslç O

    ver   rthelot (1990)

    2. Para uma aprc:srntaçto das posições eplStemolglcos positivista, p ó s p o s i t i ~ ; s t . a . conslJUtivisla e

    q couta, v rro

    exceltOu:

    arugo

    de Guba

    e Uncoln

    (1994).

    Como Alvaro Pires me razIa observar. aspa·

    SIÇÕG

    eplslemológlcas,

    pnncipalmentea p ó s ~ l U v i s ~  ea

    conslruUV\Sla,

    nao são ~ m p r c : : Lio radi·

    ol1rnC:Qc distintaS.

    na

    prática. como se   aprOOta abirualmenle:-

    mdc),

    assUD 05 pesquisadores,

    rrequentc.menlC:,de unu perspectiva à ourra.

    I (

     

    r r

     

    fenomenologia, tem razão em defender que as condutas sociais não são somente

    condicionadas pelo exterior por uma série de determinantes sociais, e que é preci

    so necessariamente interpretã-Ias à luz da perspectiva dos atares,justificando, as

    sim, o recurso aos métodos qualitativos?

    Isso

    nos leva aodebate tradidonal entreas erspectivas subjetivistas e objetivis

    tas nas citncias sociais; debate travado diferentemente, segundo as tradições teóri

    cas,ainda que uma tendtncia fone, ao longo das últimas décadas, tenha sido, cena

    mente, a de dizer que seria preciso unir essas perspectivas, o que impedIria de criar

    falsas dicOlomias . Por outro lado, é importante notar que as posições nâo são, tal-

    vez tão categóricas como se o pretende. Assim, censuraram-se, por vezes,05 intera

    cionist3S de não

    se

    mteressarem senão em evidenciar a perspectiva dos   en

    quanto, na realidade, eles também insistem na importância do papel do contexto so

    cial- por exernplo, uma instituição ou os grupos de penencimento- na construção

    dosenudo e na formação das trajetórias sociais. EassIm que, emsuas pesquisasres

    pectivas sobre a carreIra moral do doente mental e sobre os fumantes de maconha,

    Goffrnan (1961) e Becker  J963) tentaramdescrevera maneira

    Como

    as cxperitn

    cias soclllis são marcadas, simultaneamente, pelas interpretações que os atares dão

    sobre elas e pelas coerções que Omeio lhes impõe. Em contrapartida, reprovou-se

    Bourdieu poradatar um modelo de análisemuito focadosobre os determinantes so-

     dais, não levando suficientemente em conta a perspectiva dos atares, enquanto ele

    lenta, de fato, reconciliar as abordagens objetivista e subjelivista, por meio de sua

    noção de

    habit

    (ver, emre outros, BOURDIEU, 1992).

    OUlra controvérsia de natureza epistemológica que despena o inleresse pela

    perspectiva dos atores: ual reconhecimento atribuirao saber leigo, em relaçãO ao

    saber cienlfl1co? Trata-se ai de uma questãO que surgiu desde queseco etam-de

    poimentos, pois, por meio destes, os atores fornecem segurameme interpretações

    de sua experiência e do universo que os cerca. Além de suas próprias interpreta

    ções, o pesquisadorse encontra, portanto, diante não de uma, mas de váriasinter

    pretações de uma mesma realidade, j á q ue cada pessoa

    ou

    grupo é capaz de dar

    uma interpretação diferentesobre ela. Qual crédito, então, atribuir a essasdifgen

    tes versões da realidade, e em virtude dequaIS cmérios ou de quais principias as

    versões dilas cientificas, ou algumas delas, deveriam sobrepor-se às outras?

    A esse respeito, ao menos tres posições distintas se destacam, posições estas

    que eu

    me

    contento em apresentaraqui, sumariamente . Uma primeirase inscreve

     

    na corrente do pós-p sit ivismo, e a obra de Bourdieu, Chamboredon e Passeron -

     e  nt ude so iologlle (1968) me parece ser uma boa expressão, Para es es auLO

    res, as i n t e r p r ~ ç ~ e s que osatares sociais dã desua própria realidade não devem

    ser conIunClidascom a realidade tal qual ela t , O fato deque osatares sejam dire

    tamente implicados nessas realidades não é, em si, uma garantia da e.xatidão de

    suas interpretações. Bem ao contráno, isso pode obstaculizar os verdadeiros deter

    minantes de suas condut3S. Nesse sentido, O conhecimento cientifico é uperior àS

    explicações originárias dos atar pelo

    falO

    de queatnda que ele mesmo continue

    sendo uma construção da realidade,ele é, todavia, o resultadode um esforçosiste

    mático da

    pane

    do pesquisador para romper com o pressupostos do senso co

    mum ec m aqueles da citncia estabelecida, e também para elaborar interpreta

    ções

    que

    se baseiam

    em

    construções te ncassubmetidas nãoapenas

    à

    critica, mas

    igualmente ã prova da veriftcação emp,rica. No mesmo veio, algumas terpreta

    ções cientlficassãomaiS plausfveisou,em todo caso, men s

    falsas

    do que

    OUtras

    por estarem mais em desacordo Com as explicações onginárias,e serem mais con

    sistentes teoricamente falando, e mais fundamentadas empiricamente

    Contrariamenle a essa posiÇão, citemos os argumemos apresentados por al-

    guns p ó s e s t r u t u r a l i s ~ como Clough (1992). Definindo-se como

    fClIllnlSta

    ela

    defende que

     

    interpretações da realidade elaboradas tanto pelos atares oeiais

    como pelos dentistas,são relatos, histórias que apresentam ver óes diferentes da

    r ~ a l i d a d e Para a autora, eslas histórias, quese pretendem descrições realistaS da rea

    l idade, nã são ,de fato, senão projeçõesdesta realidade, se m verdadeira relação

    com ela. O desejo de uns e de outros de apresentar a realidade sob a forma de um

    retrato realista responde a necessidades de ordem psfquica . Para lough,as di

    ferenças, em termos da credibilidade, entre a versão dada pelos iel1lislaS sobre o

    mundo das pessoas pesquisadas e a versão destas últimas, e entre o fato de queas

    interpretações dos primeiros tf m mais chance de se impor incontestavelmente do

     

    que as dos segundos, devem-se mais posiÇão social privilegiada dos cientistas

    do que

    à

    superioridade de seu saber,

     1

    Uma terceira posiçãO,similar ao pós-modernismo, defende que os pesqUIsado

    res deveriam, em seus relatórios etnográficos, não só tratar as pessoas omosuj  -

    3. Para uempl05de cnuca em r e l a ~ o aopontode vista póS-posiuvista. ver Oartigo de Finger (1989)

    ea excelente introduçâo de Dumont e Gagnon   9n . ao mimero tb revisca Rcchtrchts sociographl-

    qUt dedicado ao vivido. 1nce.rrogando--se sobre os crittnos cU supenoridade do conhecimentoelen·

    lífico em

    relaç:1o ao

    conheomcnlo ordmário. e emicando correntessociológicas que explicam o

    sodal rom da cx.pcrifnc13 dosatares, Dumom (Gagnon

    insIstem

    na I m p o r ~ n C 3

    de tnSUluir

    uma  O

    t1ologla queseja capaz ao lIl

    E te

    ponto de

    V\S

    St: une terceira

    po5lçtO,

    apresemada nos PTÓX IDOS pan1graJos.

     

    ss

    posiç:lopro oca vivas comrovérstaS, p;articUtarmenle:no intcnor da corrente

    remmiSta. Ver,

    so

    bretudo. Odeb.llc corre Oougb (1993) e.Smith (1993), no qual Oough crilica a aboTcl3gem do

    scand-

    pomt de Smuh. VlS3Jldo R:produzir a expcriblcia dosatores,no caso, aexpcritllcla das mulh(res, privi·

    tegiando

    seu pomode visa Por

    sua

    vu mnh

    censura

    loughde negarqualquerreiaçAo entre

    dlSCUr

    50 c TC licbde e de: não conceber OUlr l

    realidade

    do que a

    própria

    realtdade dos discursos

    218

    2 9

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    tos capazes de analisar sua própria situação, mas igualmente produziranálises de

    'múltiplas vozes ; isto é, análisescm que o ponto de vista dos diferentesataresque

    participam da pesquisa se encontre expresso. Em lugar de dar urna versão única

    sobre a realidadedos oUlros buscando se impor,as análises deveriam ser o resulta

    do de uma construção mútua, Oproduto

     , m

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    pações espec[fi as de determinados

    gmpos,

    assim como das discriminações de

    toda ordem das quais eles são vítimas,suscitam, evidentemente, cliversas questóes.

    Limito-me, aqui,a enfatizaralgumas delas. Assim, além da questãOabordada, mais

    acima, de saberse a empatia, e mesmo o envolvimento, em relaçãoaos grupos pes

    quisados, favorece, ou, ao contrário, impede a objetivação de suas condições de

    existCncia, pode. e pergumar o que acontece

    quando

    o pesquisador abraça uma

    opimão dJferente daquela das pessoas o u d e determinados gmpos envolvidos no

    processo de pesquisa. Para resolver essa clificuldade, basta apresentar todos os

    pomos

    de vista contrários, com o objetivo

    de

    relativizar mais o

    pomo

    de vista de

    cada um, incluindo o do pesquisador? Deve-se, além disso, limitar as pesquisas aos

    grupos pelo qua is nutre-se

    um

    minimo

    de

    simpatia

    oude

    empatia? A questão é

    pertinente, sobre tud porque alguns avaliam que ao se pretender denunciar as si

    tuações deopressão e de d criminação

    seria

    preferfve.l

    tomar

    c moobj et ode estu

    do os grapos no poder, consIderados responsãveis por essas situaçóes.

    As

    con

    vicções do pesquisad r influem, portanto, em suas atitudes em re.lação aos grupos

    pesquisados, o que, diga-se, renete na maneira como s:lo produzidos os dados.

    Uma  erramenw de i ifonnaçd sobre as entidades sociais e um instrumento

    privilegi o

    de exploraçãO

    do vivido

    dos OlOres

    sociais

    Além das ju tlficativas de ordem epistemológica e ético-politica, dois argumen

    tos

    de

    ordem metodológica são, geralmente, alegados para legitimar a entrevista de

    tipo qualitativo, podendoser invocados, simulUlneamente, em uma mesma pesqui

      sa. O primeiro, válidoigualmemepara a entre.vis18 estruturada, é o de quea entrevis

      ta

    de

    tipo qualitativoconstituiria um meioeficazpara, apesar de todaa ambigüidade

    - da expressão, coletar informações sobre as estruturas e o funcionamento de urp

    grupo, uma instituição, ou, mais globalmente, uma formação social determinada .

    Na falta ele outras fontes de dados. tais como a análise documental e a observação di

    reta, ou ainda, paralelameme a elas, o entrevistado é visto como um informan

    te-chave, capaz precisamente de   i n ~ r não sósobre as suas próprias práticas e

    as

    suas

    próprias maneiras de pensar, mas também- na medida

    em que

    eleé conside

    rado como representativo de seu grupoou de uma fração dele-sobre os c ivel5Os

    e,2 lponentes de sua SOCiedade e sobreseus diferentes meios

    de ~ t e n c i m e n t o

    Nes-

     

    a

    última acepção, Oinfonnanle é tido

    como uma

    testemunha privilegiada, um oh-

     

    servador, de .cena forma, de sua sociedade, c?m base em q t l ~ um Outro observa

     

    dor, o pesqUIsador, pode tentar ver e reconsOlU a reabdade .

    11. Para rdluOes acerca dos nfveis de re:.tlidade

    possfveis,

    ou rn Ia de apreender pelasentrevistas

    DO

    eontexto das histórias de vida, ver Gngnon eJean (I 975), Bemux

    (I986)

    e Peneff(1990).

    12.

    Pára

    uma

    apresentação

    em lrngun francesa da noção de

    informanle-chave,

    ve r

    artlgo

    c1ãssICO de

    Tremblay

    (1968).

    Paro

    wna análise

    das

    dificuldadesque:l questão

    d 5 i n ~ rmanles

    propOe,

    ve.r

    Rabl

    now

    (1977).

    222

    Presente lama na antropologia

    quanto

    na sociologia, essa concepção positivis

    ta do entrevistado, considerado como um informante-chave permitindo descrever

    o

    quese

    passa em

    uma

    sociedade, está longe de ter

    unanimidade entre

    as diversas

    tradições teóricas e epistemol gicas. Certamente, reconhece-se, amiúde, que os

    entrevistados são os

    melhor

    colocados para falar s

    bre

    o

    que pensam, sentem,

    e,

    em cena meclida, fazem;

    em

    suma, para descrever sua experiência. Porém, não há

    concordandasobre o créclitoa s dado ao

    I n f o r m a n t e ; i s t ~ ~ s o º r e

    a p o s s j b J f i ~ -

    de que ele possaTornecer informações confiáveis, ou informações,

    simplesmeme

    J

    sobre o

    fundonamento

    passado

    ou presente

    de

    um grupo,

    de

    uma

    orgartiza

  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

    6/19

    dos trab,l1hos

    de

    Palmer (1928) e

    de

    Roethlisberger e Dickson (1943 ). Eu me

    ~ l - L e n L . r r e . i , aqui, em sintetizá-los, LOmando como

    ponlo

    de refere.ncia a entrevista

    não-dirigida, esta forma

    de

    entreV1Sta na qual o entrevistador, depois

    de

    ter dado

    uma

    instntç.l0 inicial, visando nortear o entrevistado sopre o tema da

    p e s s t J ~ J ,

    con[ere-IheOmáximo de liberdadeno que diz respeito

    à

    maneira de tratarO

      s s u ~

    to, e tenta orientar seus relances sobre as dimensõesabordadas pelo interlocutor

    (MICHElJIT, 1975; GHIGLlONE&: MATALON,1978). Mesmo

    MO

    sendo a mais

    utilizada, a entrevista não-dirigida me parece a que melhor ilustra os principias

    subjacenles

    às

    entrevislas

    de

    tipo qualitativo.

    egundo a opinião do pesquisadores no qualitativo - opiniões compartilha

    das, cm certa medida, pelos partidários da entrevista estruturada -, a entrevista

    não-dirigida apresenta inicialmente a vantagem de se basear   e q u m e n ~

    realidade

    do

    entrevistado. Gozando de

    um

    máximo de liberdade para se expressar

    sobreo ou os temas da pesquisa, ele é mais capaz de fazê-lo segundosuaspróprias

    categorias e sua própria linguagem. Esta primeira vantagem é, em geral, alegada

    por oposição ao questionário e

    à

    entrevista estruturada, estratégias que compor

    tam - e is

    lO

    mesmo quando o pesquisador

    faz

    uma investigaçãopreliminare testa

    previamente seu instrumento - riscos de pré-estruturação

    do

    discurso, elevados

    em razào da forma predeterminada das questões e das respostas.

    Contudo, tendo em conta os próprios limites da não-diretividade , o pesqui

    sador não elimina totalmente os riscos

    de

    pré-estruturação do discillso do

  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

    7/19

    perttnc:ia.do enlIevisrado, Efenvamente, além de trazer informações concernentes

    às suas caraeterí ticas,com o sexo, a idade, o pertencimelllo émico ou de classe, e

    de possibilitarindagarde maneira mais ou menos diretasobre sua traj tória

    sodal

    de modo a melhor compreender situar seu discurso , a entrevista não-dirigida

    se prestaria a uma exploraçãO em profundidade.do contexto de vida e do meio de

    penendmcnto

    do entrevistado, resultando em um mmeria que permite mais ade

    quadamente circunscreversua experiência e seu P de vista, bem como eviden

    ciá-Ias, Ainda graças

    à

    sua nexibilidade,

    O

    método também permitiria ao entrevis

    tado estabelecer as ligações que ele julga úteis enlIe os diversos elementos de sua

    vida,

      or

    exemplo, em uma pe qui a sobre o desemprego, ele poderia se exprimir

    sobre a maneira pela quaL esta condição transforma, ou não, assuas relações com o

    trabalho, a familia e os amigos,

    Enf1m,

    as entre\'ÍStas de ripo qualitativo são vistas como mais apropriadas

    à

    pesquisa de determinados grupos ou objeLOs, AsSIm, para tomar dois exemplos

    clássicos, nãose

    como,armado de questionário, Becker

      l 9 6 3 ~

    teria podido rea

    lizarsatisfatoriamemeseu estudosobre osfumant de maconha, e Whyte (1943),

    porsua vez,a pesquisa

     tr t

    Comer

     o iety

    Damesma forma, parecediflcil fazer a

    análise dasaspiraçõesde carreira,como no caso de minha investigaçãosobreos jo

    gadoresde   to h y (Poupan, 1978),sem adotar Uma estratégia de entrevista de tipo

    retrospectivo, permitindo retraçar no t

  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

    8/19

     

    No

    c ntexLO das entrevistas, particularmente de tipo qualitativo, um detemli

    nado nllmero de princlpios- que são,em geral, tidos como adquiridos, no entido

    elnomeLodoiógi Odo termo - são,de

    faLO,

    omument alegados,com o objetivo de

    fazer com que o entrevIstado possa verdadeiramenLe dar conta desua visão ou de

    sua experiência: obter a melhor colaboração do entrevistado; colocá-lo Omais

    à

    vonLade posslvel na situação de entTevista; ganhar sua confiança e, enfim, fazer

    com queele fale espontaneameme e aceIte se envolver. Aaplicação desses pnncl-

    pi s, que tentam, ao menos

    em

    parte, reproduzir a condições d uma relação de

    familiandade e de cumplicidade emre as pessoas, evidenLemenLe só ocorre porque

    a relação de entrevista põe em cantata pessoas que habITualmenLe não se conhe

    cem e que nem sempre lem muitas coisas em comum. AI m dISSO, essa relação

    pressupõe um contexLo de inLerações com o qual a mai ria dos entreVlSLados esLá

    pouco familiarizada, sem contar que essas tnLerações se desenvolvem, em geral,

    em

    um

    lapso de tempo relativamente curto.

    Obter a colaboraçdo

     

    enLrevislado

    Um

    primeiro pnncipio, tido como fundamenlal

    na

    arte de bem fazer falar 05

    outros, refere-sc ã Importância de obLer a olaboração do. enlrevistado. Para que a

    entrevista seja válida, entendida no sentido de produção de

    um

    discurso quesejao

    maisverdadeiro e o mais aprofundado possível, considera-secssencial que o entre

    vistado aceiteverdadeiramente cooperar, jogar oJogo, não apenas consentindo na

    emrevÍSta, mas também dizendo o que pensa, no decorrer da mesma.

    Em Leoria,

    Oreferido princIpio parece evidente. Na prática, conludo, obter a

    cooperação do entrevistado não é coisa simples. Primeiramel1le, como fazer com

    que ele aceite ser indagado e, particularmenle, como vencer as mllltiplas re istên

    ciasque ele poderia manifestar- tais como a falta de tempo e de imeresse, o semi

    menta deservirde cobaia, o temor dever invadida a sua intimidade,de não  

    altura, ou de sofTerconsequéncias negativas por causa da entrevista   e

    que

    pode

    nam

    tradUZir-se numa recusa ou

    numa

    d   nCla? DepoIS, mesmo que Oentre

    vi

    tado consinta na entrC\'ista, comosaber se ele quer verdadeiramente colaborar?

    Quais o, além

    dISSO,

    as razões queo I vama aceitar? be-se

    que

    os entrevistados

    podem se ubmeter asentrevistas pormotivos que,

    à

    primeira vista, too pouco ou

    ãsvezes mesmo nada a ver com o tema da pesquisa, lalS como a polidez,a vontade

    de prestarserviço, o medo de represãlias, a esperançade retirar delas um beneucio

    qualquer (por exemplo, uma vantagem monetária ou profissional),ou ainda o de

    sejo de fazer como os OUtrOS, ou de simplesmente passar o tempo. Essas diversas

    consIderações capazes de motivar a aCeltaç Ode uma entrevista não mvalidam

    em

    I OconLeúdo

    do

    di curso que o entrevistado estabelecerá. Ao contrário, elas são

    importantes para esclareCê-lo. Por exemplo, para um detemo o fato de con.se ltir

    228

    numa entrevi ta paraO upar Otempo, ou para enContrarpessoasde fora da prisão,

    diz muito sobre as condições de ua detenção .

      colaboraÇão dos entrevistados, tida como necessária, requer, evidentemen

    te, v á r ~ iaçõ.e5. que podem

    OCOrrer

    Lanto anLes quanto durante a entrevis

    ta   CU INGHAM-BURLEY,

    1985) enamente, a colabornçao dos entrevista.

    dos nunca é definll1vamente adquLrida, e eles podem manifestar suas reticencias por

    meto de diferentes sinais de impacifucia, Lais

    Como

    consultar seus relõglos, ou per

    guntar aoemrevistadorse ainda restam

    muiLos

    outros pomosa abordar

    Essas

    nego

    ciações imphcam também uma quesLão de estatuto, pois OS entreVIStados, c mo os

    entrevistadores, podem estar emsltuaçao de poder, uns em relaÇ ão aos outros.

    Para levar as pessoas solicitadas a colaborar na pesquisa, o entreVIstadores re

    correm a várias e5IT3Iegias A mais comum  onsisl em tentar num pnmeiro mo-

    mento, convencê-Ias do interesse e da mihdade da investigação, defendendo, por

    exemplo,

    que

    esta permitirá fazer avançar 05 conhecimentos, fazer valer uma cau-

    , ou atnda, expressar

    05

    seus pontos de vist. ' sobre o lema da

    pesqUIS3.

    Uma vez

    qu os interessese os enfoques do entrevistados e dos entrevi tadores raramente

    são Identicos, pode-se bem imagmarque essa estratégia nem sempreé suficiente.05

    enlrevistad res apostam, portanlO, em utros recursos ,que,sendo totalmente ex

    teriores a naLUreza mesma da pesquisa, podem revelar-se determinantes para garan

    tira cooperaçao dosentrevistados. Éeste o caso, sobretudoquando

    fazem

    inter

    vir a redesocial e seapóiamsobreos laços de reCIprocidade. tais como asconsidera

    ções de arn4i de, famillares u p ~ o f i s s i o n i s para o recrutamemo de d te.nninados

    entrevistados. Na falla de tais laços de reCiprocidade, alguns entrevistadores

    tenLam

    criá-los, fazendo-se aceitar no

    mei

    pesquisado, ou estabelecendo relações de amiza

    de com membros da comunidade, como no caso das pesquisas classica deWhyte

    (1943) e de Uebow (1967).

    Se

    as condições não o permitem, como quando há so

    mente um únko

    enconlro

     om o entrevistado os enLrevisl3 dores

    lentarão

    estabe-

    lecer lai laços,durante a entrevista, através de atitudes comoa escuta e a empatia.

    Porfim, nãoé raro queos entrevistadoresapelem para a aULOndade de um terceiro,

    para levar os eventuais entrevistados a partlClparem da entreVISta, por exemplo,

    apoiando-se em untaorganizaçao para lllVestigar eus membros, ou tirando provei

     

    da credIbilidade de uma p oa, para solicitar a de uma outra.

    EV1denlemente,essasvárias trat gias uscitam, no plano élico, um conjunto

    dequestões, principalmente noque diz respeito às abordagens que podem seracei

    távelS para solicilar a colaboraÇãO dos entrevistados e para a existência de uma re

    ciprocidade alllêntica entre o entrevisLadores e os entrevistados Por outro lado,

    se o principIO da colaboraçao parecese mlpor para que o entrevislado possa dIZer

    verdadeiramente o que pensa, ele levanta, na pratica, várias mdagaçõesem termo

    do valor dosdados.

      ~ n m e i r o

    lugar,comosaberse o entrevistado co pcra real-

      9

    Estl

    úllima observação se baseia em um come:nuno df: Mlchi:lc: LaJonde

    22 3

  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

    9/19

    mente? Esta colaboração é, em geral, Lida

    como

    adquirida, pelosLmples fato de que

    os entrevi tados aceilam falar. Além disso, salvo as recusas direLas, os entreviSLa

    dores

    são nisso frequenLemenLe reduzid 5,

    como

    nas

    conversas comuns.

    a se re

    meLer a alguns indicias, tais como as

    amude <

    dos entrevistados,

    durante

    a entre

    VlSLa; inriJcios

    esLes

    por

    OU TO

    lado, diIlceis de perceber e que, em geral,

    permane

    cem implícilos. A seguir, qual é o grau de colaboração julgado suficiente para que

    o ~ d a d o s

    coJetaclos sejam considerados

    coJllO..Yáh

    los? e as recusas

    em

    responder

    a algumas questões, ou as reticências em colaborar, da pane dos entTe\'ÍStadOs,são

    em

    S

    reveladoras , e se, a lém

    do

    mais,

    os

    entrevisladores espt'-ram, geralmenle,

    ompensara falta de coopt'-ração de uns, poruma maIOr cooperação de outros, não

    menOs verdadeque o nivel de colaboração do entrevistadonão é simples deavali-

    ar e coloca mais globalmente a

    queslào

    da relaçãO que o

    pesquisador

    estabelece

    com o grupo das pessoas pesquisada, e do efeito

    que

    i lO pode ler, ainda aquI, so

    bre a

    produção

    dos dados.

     o loc r o entrevistatlo d vonladepor elemcntos de encenaçdo

    m egundo

    pnncipio

    consId erado LDd Spensável à fala do entrevistado se re

    fere à c o m ~ c ç ã o de que elesó chegará de falo a se

    expres

    ar

    bem,

    se eleesliverver

    dadeiramente   vontade na situação de entreviSla. Sendo esta uma situaçáo

    um

    lantO arúfic13I,Cõnsi era-se

    que

    o pesquisa

    or

    eve

    tentar reconfortar

    seu

    LDlerlo-

     

    ulor, panindo, ainda aqUi, da tdéia de que quanlo mais ele ficar

    à

    vonlade, mais

    ele falará com facilidade e abordará queslões que lhe são igTIlficalivas.

    Para chegar a

    15S0,

    os entrevistadores farão intervir,

    de

    modo mais

    ou

    menos

    conscienle,o quese poderia

    denominar,

    s,egundoa fórmula de GofIman (1973),  

    elememos de encenação da entrevista. EfeLivameme, podem-sedesignar dessa for

    ma as várias disposiçõesLOmadas pelos entrevistadores com o objelivo de fazer

    com que os entrevi tados esqueçam tudo o

    que,

    no conrcxlo da entrevista, possa

    obstaculizar a enunciação de seus discursos, ou, melhor ainda,

    com

    a intenção de

    proporcIonar um ambiente favorável   c nfidtncia. Cert.,mente, o sucesso e a mar

    gem de manobra

    do

    enlreviStadores nessa encenação dependem d as i lu açôe s e

    das pessoascnvolvldas. e

    em

    panicularda reação dos entrevistados, tanto é que ge

    ralmente e acous lha aos entrevistadores para que façam o

    máxtmo

    paracriar

    um

    amb,ente e

    um

    conteXlO favorávC1S à entreVI ta

    Entr e es v ário el ementos de encenação figura, primeIramente, ~ o l do

    momenlO mais propIcio à entrevisla.de

    modo

    que Oentrevistado. ei entrevislador

    se

    sintam

    verdadeiramente disponivei   o primelfo

    tenha lempo

    uEiciente para

    se expressar. Outro e lemento de rep res n ta ola: encontrar o lugar mais favorável

    ao adequado desenvolvimento da enrrevista. ugere-se, assim,

    quese

    rea

    lZe

    a eD-

    rr 20.

    Ver

    Pollak (1986) sob..-e.   I m ~ t ã n c : . ~ o ulSlldor

    de

    se: t n d a ~

    sobre as rellclncias

    dos

    c:ntre\-;st:tdos

    em

    f a I 3 r . ~ l d a ,

    _sobre: o s e n r . i d ~ d ~ _ s e : _ .Ilndo

    sobre:

    determina questOes.

    230

    [revista na casa do entrevistado, em eu local

    ele

    trabalho, ou

    em

    espaços semipú

    bllco , para desorientá-lo o menos passivei em relação aos seus hábnos de v ida . e

    colOCá-Ia numa

    snuação

    de , ada, evitando, por exemplo:

    r ~ e r

    uma entrevista

    com uma pessoa sindicalizada, nos

    escnlónos

    reservados ao patrões. Recomen

    da-se, igualmente, escolher

    um

    local calmo,

    em que

    os riscos de

    que

    elementosex

    ternos venham prejudIcar o

    andamento

    da enlrevista sejam menores.

    Damesma forma, o entrevistad r seesforçaráem reduzir o efeilo possIvelmente

    negativo

    dos

    i ns rr umen t d e r e ist ro  se contentarácom que os entrevistados pos

    sam, na medidado possrvel, esque er a sua presença. Se ele desejar utihzar o grava

    dor, ele deverá, digamos, fazê-lo com o máximo de discrição, nexibihdade  eficácia,

    e segundo um ritual que não atrapalhe demasiadamente o desenvolvllnenlo

    d:

    en

    trevista. Nos casos em que ele proceda tomando nolaS,loda uma rie de habilidades

     

    serão

    consideradas

    necessánas para fazer

    com

    que este meio de regi Iro seja sufi

    ctentemente

    confiave e penurbe o menos posstvel a entrevista em

    curso

    Mas , os e lementos de

    encenação

    da enrrevista não se reslTingem apenas às

    queslões C ~ e l ] l e n t e s ao mo=n o lugar Llé.D1icas de regiStro. Efellvamente.

    aconselhar-se-á os entrevistadores a também levar em

    cont; aspeclo ,como

    o ves

    l ~ á ~ Partindo da idéia de que mesmo os detalhes mais

    anódmos

    podem criar

    uma dis tAncia e que IOda

    reuni

    o social compona suas convençôe., recomen

    dar-se-á adolar uma

    indumentária

     adaptada

    às

    circunstâncias da entrevista, de

    modo, por exemplo,a atenuar

    as

    diferençasd p siçãosocial ,sem, para tanto ,

    che-

    gar - : ~ u n á - l 3 ? - -

    Por

    fim, uma dunensão fundamental da encenação da entTevista

    concerne

    ao

    que se considera S ~ l l i P ~ (l ' eo ent revislad r é obr igadoa desempenhar. Mes

    mo sem sempre haver, como

    o vimos,

    concordância

    sobre as atitudes que e le

    deve

    adotar durante

    a entrevista, el deveria,

    segundo

    as r e g r . ~ e r a l m e n t e preco

    n izadas , e sforça r- e colocar o ent revistado à

    v O ~ l a d e

    e

    enCOrajá.:i o

    a fular:,)an

    do-lhe

    prgyas e ane, de um máximo de

    eSCUla

    empalia e inleresse pelo que

    este

    último

    diz.

    .Ile

    t a m b é l ~ l deveria evitar

    intcrromper

    o entrevistado, f.lZer julga

    menl 5

    sobre

    aquilo

    quulj:Jbe

    revela, e, evidentemente, abster- e de

    argumentar

    com ele,

    ou

    de conteslá-lo Paraalém

    dos

    conselhos, inúmeras vezes,

    rependos. no

    que

    se

    refere  o papel

    que

    deveria cumprir o entrevistador, ha também, como o oh-

    21.A

    ma

    ri

    dos

    manuais

    de

    mtlodol  t (ver, por exemplo.

    LOFlAND.

    1971) compara as vant. lgens

    respecnvas da

    uliltzaçio

    do

    gravador c

    das

    anotações

    EI

    larn.Jxm

    dào

    const.lhos sobrt amanelna

    de

    explorar

    bem ess s ItoUcas

     em nos

    delttmo

    questões, observemos, contudo, que,

    cada  l

    maIS, n:c mmda·se o tmprego do \oideo. que pcrmmria dar mdhor

    nla

  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

    10/19

    serva Si verman  1973), várias expeclauvas tmpltcitas quanto ã maneua pela qual

    deve

    se

    desenrolar a entrevista, e

    à

    uLilizaÇãO que poderá er

    felLa

    do que nela for

    dilO. Assim, a maioria das pessoas entrevistadas supõe que seja o entrevistador

    quem propõe as quesLões, e elas se Itmitam habitualmente a respondê-las. Além

    disso, elas presumem

    que

    seja o entreVlStado quem imcia e finaliza a entrevista, e

    elas lhedelegam Ocuidado de depoIS interpretar suas falas c de fazer bom uso de

    las, introduzindo desta forma, comO o ressalta i1verman, uma assimetria na rela

    ção

    enge

    o

    e n L r e v i s t a d ~ E

    ellgevij;tado..

    Gallhar a

    cQllfiall a

    do elltrcvislCldo

    De uma forma geral, considera-seque não basta convencer uma pessoa a parti

    cipar

     

    pesquisa,e nem

    cnar

    um contexlO que lhep

    rmiLa

    estar

    à

    vontade na

    SiLU-

    ação de entrevisLa. É ainda preciso que ela

    se

    sinla suficieOlemente confiante para

    a eitar  verdadeiramente falar , Outro princípio considerado primordial para O

    êxllo da

    e n U ~

    AqUI ainda, os entrevistadoresrecorrem, com maior ou menor sucesso, a Me

    rentesesLratégla , visando Lranqúilizaros entrevisLados quanto as uas boas inlen

    çõese quanto aO uso que serã

    feiLo

    de suas palavras. Primeiramente, elesse apres

    sam

    - a inda

    que esLe

    não sejao caso

    em

    todas

    as pesqulS3S-em garantir

    aos entre

    vistados o anODlm.to,

    de

    modo

    que

    esLes não tenham a lemer pelas eventuais con

    sequências de

    seus

    depoimentos. Em segUida, eles tenLam convencê-los de s ua

     n utralidade , insiSLindo, por exemplo, n faLO de

    que

    sua pesquisa é lOdepen

    deme , principalmenle dos grupos e das organizações das quais os emrevisLados

    poderiam depender, ou com as quais eles poderiam Ler

    um

    conniLO

    de

    imeresses.

    Os

    entrevistadores também podem serlevadosa apla ar os recei de seus inLcrlo

    cutores

    quanto

    utilização

    que

    poderá ser feila de

    suas

    falas, assegurando-lhes

    que

    estas serão apresentad corretameme e de forma anõDlma. Asslln como é o c aso

    nas enLrevistas de opo chnico, eles também se esforçam, peJa man if tação da es

    CUla da

    empana

    e do mLeresse, em eslabelecer,

    durante

    a entrevisLa,

    uma

    relação

    calara

    a, também ela capazde

    comnbwr

    para suscitar a confiançad entrevislado,

    Enfim, para favorecer o estabeledmenLO de

    uma

    boa r el açã c mo s emrevisLado ,

    os entrevistadores dobram-se às regras elememares de sociabilidade, Lais como

    aceilar uma bebida, ou dispor

    de

    tempo para falar de uma coisa e

    oULra

    anLes

    que

    a

    entrevista comece.   última dimensão,

    que

    passa geralmenle dC >apercebida, re

    quero

    conhccimento

    implíciLO

    dasconvenções sociaise a capacidadede se acomo

    dar a elas. Ela ilusLra

    bem

    em que a realização de entrevislas pressupoe

    que

    os en

    lrcvistadore5 recorram ao conjunto de

    S l S  ompelên i s

    sociais,

     om

    o objeLivo

    de eSLabelecer relaçoes com os oULro .

    232

    Uvar o trevistadoa

    tomar a iniciativa do rtla e

    a

    se envolver

    DOIS

    outros pnndpi O

    comumenle

    associados ao sucesso de uma entrevista.

    O

    pnmeiro

    consisleem Lentar levar o emrevislado a lomar a micimiva

    do

    relalo. Tal

    pnnclpio

    se b SCJa na id la de que quanto mais o di s ur so é csp Dlãneo, menos ele

    poderá se r maculado pelo

    do

    pesquis.,dor, permitindo assim a aproximação

    ao

    Ideal

    pesquisado,o de

    um

    dIScurso'verdadeiro . Eu lerei oponunidad d vol ta rmaisde

    talhadamente a esse assuntO, um pouco maIS adiante. Para facilitar a espOntaneida

    de, vários procedimenLos

    su

    ciladas pelas regras da não-diretividade são preconiza

    dos: evitar imerromper o entrevistado,

    enqu IltO

    ele Íala (ROETHUSBERGER  :

      K N 1943 ; respenar os momeDlos de si ncio, de modo que ele possa enca

    dea ras id ias

    po r

    si mesmo,

    se

    necessãrio

    u

    ; utilizar as técnicas da reformulaçãOcom

    o objetivo de lhe explicitar

    ou

    esclarecer os temas abordados.

    O egundo princípIO visa favorecer o maior envolvimentoposslvel do entrevis

    tado. Segundo MlchcJal  1975), o discurso mais ignif icativo é aquele no qua l o

    entrevisLadose envolve mais, ou , em outras palavras, aquel

    em

    que ele se refereo

    mais posslvel aoseu prõprio vlvldo. No contcxto,

    por

    exemplo,

    das

    pesquisas re

    laLivas a Lemas como a família , o lrabalho e o lazer , a entrevista será considerada

    como  mc hor , e as falas do entrevislado

    como

    maIS reveladoras, se ele abordar

    esses Lemas

    de

    uma maneira

    mais pes oal e falar mais parricularrnenLe de

    sua

    fami

    ha, de

    seu

    trabalho   e uslazeres, na condição, evidentemente, de que essas di

    mensões façam

    >cnLido

    para ele. Esse

    pnneípio,

    baseado em Rogerse transpostoda

    emrevisla clínica, coloca, cntretamo, um ceno número de dificuldades, já que ele

    equivale

    ou

    poderia equivaler a resLringirexclusivamente aos discursos nos quais

    O indivíduos seenvolvem , aqueles dis ursos

    que

    sãosocialmcntesignificativos.

    As referidas observações sobre os principias e as esLratégias, amiúde Lidas

    como essenciaisà realização de entrevistas, são, sem dúvida, uficientes parailus

    Lrar

    alguns paradoxos da entrevista de pesquisa: primeirameme, o da elahoração

    de um irlStrumenLO que, no plano técnico, pretende-se o maIS r igoroso e o mais

     cICDtlfico paSSivei, mas que, ao me mo Lempo, busca reproduztr, do

    melhor

    modo, as

    condições das trocas narurais e espontâneas . Paradoxo

    lambém

    de

    um irlSlfUmento que, para além das lecnicas de conduLa de entrCVlSLa utilizadas,

    aposLa tanto nos

    faLOS

    quanto nas compelências ooais do entrevisLador, no SCD

    tido fenomenológiCO do LemlO Lais como a capacidadede estabelecer relações,

    de

    lançar mão, se neces ária, de seus   recursossociaIS e culturaIS , para favorecer a

    colaboraçãO dos entrevlSLados, e de se adaplar às diversas imposições e ao caráler

    inslável

    da

    siLuação

    de

    entreviSLa.

    22. Sobre os diferentes

    t p s

    de siltnclo, ver Legras  1971 .

    233

  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

    11/19

    Reflexões sobre os vieses e a con trução social do discursos

    Na concepção

    correnLe

    e

    pOSilivisUl de

    entrevista o enLrevistado

    é

    visto

     o o

    detentor de uma ve rdade a slla evidenlemeL1le mas também por meio da sua a

    deseu grupo ou a desua comunidade. Segundo essa concepção, é passivei apTeen

    der essa verdade essencialmente pela utilização correta

    do

    instrumentos adequa

    dos. Se, nes a ótica, o objeLivoda entrevisla parece claro  saber, o deapreender a

    verdadeira experiência e o verdadeiro p

    mo

    de vista

    do

    entrevistado   a forma de

    alcançá-lo o é menos, conforme o atestam os múltiplos questionamentos de

    que

    essa técnica se tornou objelO. Como superar, efelivamente, os diversos obstáculos

    quese interpõem a essa busca e conquista da verdade? Particularmente, como fa-

    zer com que esse disposiLivo de pesquisa permita atingir os objeLivos da pesquisa

    sem f li eaT a própria natureza das narrarivas coleladas? Se, como muitos

    O

    aftr

    mam, a entrevistaconstillli uma forma de interaçãosocial ultrapassando o ãmbito

    estrito das trocasverbais, como impedir - e eria passivei impedif

    que

    esta forma

    ele intera

    ãO

    nào acabe contaminanelo os dadosproduzidos?

    Em

    uma, como o diz

    Blondiaux 1991), a propósito dos dUemas cnfrentados pelos sondadores de opi

    niãoentre 1935e 1.950, quanto vaUdade deseu instrUmento, como estarcerto de

    que Oque dizo entrevistado, ao longo de uma entrevista, reflete verdadeiramente

    o

    que

    ele pensa ou o que elesente, e como estar scguro de

    que

    seu discurso não é

    um artefato da situação de pesquisa?

    Ainda que em diferentes graus, conforme as épocas, essa questão Telativa aos

    viesescapazesde pervertera entrevista não deix u d preocuparos pesquisadores.

    Pode-se dizer, efetivamente, que uma boa parte das reflexões em torno da cientifi

    cielade desse método diziae ainda

    diz

    respeito a essa questão. Desde os anos 1920,

    aUlores como Palmer 1928), Roelhlisberger e Dickson 1943) interrogaram-se

    sobre o modo como os dois principais tipos de entreVIStas, as entrevistas padroni

    zadas

    ou

    estruturadas, de

    um

    lado, e as entrevistas qualitativas, de outro, podiam

    alterara nanlreza elo que era dilO, e e perguntavam qual dess tipos era capaz de

    melhor dar conta do ponto de vista dos entreVIstados. Nosanos 1940 e 1950, tra

    balho> Importantes,como os de Hyman et

    aI.

     1954), foram Tealizados com o obje

    tivo de medir Oefeito que podia ter a rt:iação entrevistador-entrevistado sobre o

    comeüdo do discurso prodUZIdo, e também de encontrar, como se verá mais adi

    ante, soluções para 05 diversos problcmas I vantados pelaexisténcia de viés. Ainda

    que um bom numero dos fatores capazes

    ele

    alte.rar o mate.rial proveoientede en

    trevistas já tenha sido ressaltado desde os anos 1950, a reflexão sobre os vieses

    prosseguiu, Com a diferença essencial entreo período dos 25 últimos anos e os pe

    ri dos precedentes residindo, talvez, menos na precisão do inveotári dos vieses,

    do que na muelança d perspectiva frente a essa questão.

    Com efeito, é pc ível destacar duas tendências na maneira de considerar a

    questão dos vieses. Aprimeira d minou até O final dos ano 1960 ese art iculaa uma

    concepção positivista da ciência.

    Ela

    tenla resolver a questão dos vieses, trazendo,

      4

    para tanto, soluções fundamentalmente técnicas. Asegunda tendência apareceu nos

    anos 1970 e se baseia em perspectivasmais coostruLivistas, taiscomo o interaci nis

    mosimbólico e a em melOdologia, assim como nas renexôes oriundas, mais recen

    temente, das correntes feminista, pós-estTUturalista e pós-modema. Ela trata, dife

    rentemente, a questão d s vieses, indagando sobre a maneira pela qnal, até o mo

    mento, haviam sido considerado alguns tipos de vieses, lais como a subjetividade

    do pesquisador, e, sobretudo, preslandouma maioratenção   forma pela qual osdis

    cursossão socialmenteconstruidos Enquantoa primeira tendência reside na bus a

    de um discurso verdadeiro , isentode viése a salvo de todas

    as

    innuências contex

    tuais; a segunda pretende, preferencí:llmenle, mostrar que os discursos são indi  -

    ciáveis de seu contexlO de produção e de enunciação.

    A

    reflexlJ O

    em 1 mo

    tia quesllJ o

    dos vieses

    Evidentemente. não

    é

    o caso deapresentar,aqui, o conjuntodas pesquisas re

    [erentes aos viesespossíveis na entrevista. Excetuando os trabalhos clássicos de

    Hyman etal. 1954),existe uma Uteratura abundantesobre esse as.sunto KANDEL,

    1972; GHlGUONE

     

    MATALON,

    1978; MISHLER, 1986; BLONDlAUX, 1991. .  

    me contentarei e m fazer   n

    breve

    chamado concernente

    à

    natureza desses viescs

    com O

    objeLivo

    de esclarecer o modo como se tentou resolvê-los.

    Os

    diferentes lipo de vieses

    Esquematicamente, é possivel destacar três tipos de vieses: os vieses ligados

    ao dispositivo de investigaçãO, os vieses associados à relação entrevistador-entre

    vistado e

    à

    sua respectiva situação social, e, por

    fim,

    os vieses referentes ao contex

    to de pesquisa. Os vieses possivelmente devidos ao dispositivo de investigação re

    metem

    às

    deformações que poderiam engendrar, por exemplo, a maneiTa de inda

    gaT  o conteúdo e a forma das questões),

    as

    técnicas de registro dos dados anota

    ções, gravador, video), ou as circunstancias de tempo e de lugar nas quais seefe

    tu U

    a investigaçãO. Este primeiro tipo de viés e Tefere, portanto, em boa parte,

    ao que eu denominei anteriormente de elementos de encenação da entrevista.

    Esses vieses são

    suficientemente

    conhecidos, para

    que

    eu nãotenhade me

    deter

    tleles; eu me limitarei a sublinhar que não é absolutamente fáeU avwar seus efei

    tos, na prática.

    No que diz respeito aos vieses que poderiam

    ser

    atribuíveis ao enlrevi lador,

    cabe dizer que muito se indagou obre as conseqüéncias que podiam ter sobre o

    entrevislado as suas intervenções, lanto verbais quanto não-verbais, lais como os

     hum-hum , os meneio de cabeça, ossorrisos, asdiferentes posturas corporais, e

    mesmo assuas atitudesao longoda entrevista, comoa exislência ou a falta de ime

    ressemanifestado

    em

    relação ao Telatod entrevistado. Tambémmuito se questio

    nousobreo efeitoque podiamproduzirseus pressupostos quanto ao objeto dees-

    Z35

  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

    12/19

    lUdo

    ou

    àS

    pessoas concernidas, tanto em sua maneira de colocar as questões,

    como na forma de interpretar as respostas. De modo mais geral ainda, pergun

    lou-se qual peso podiam ter a sua situaçãoe as suas diversas caractel;sticas sociais

    - idade, sexo, etnia, classe social, e OUlras   as quais são capazes de se revdar por

    meio de vários

    indicio

    taiscomo a apartncia flsica, a linguagem e a posiÇão social

    ocupada Kandel   972) lembra, com razão, como j no iniciodos anos 1940, KalZ

     1941) bavia mostrado que as respostas dos entrevistados podiam vanar conside

    ravelmente segundo as caraclerisucas do entrevistador.

    Dessa

    lisL \

    não exaustiva dos vários elementos que relação ao enlrevi5la-

    dor, sãocapazes deinfluenciaro discursodo entrevistado, vamos nos deterno ulti

    mo aspecto apomado, o da caractelÍst icas sociais do ntrevi tador e dos efeitos

    que elas podem ter quanto ao conteúdo da entrevista, independememente da von

    13de

    dó enrrevistad r

    ou

    de sua competência técnica. Essa questão sempre ocupa,

    com efeito, o topo da cena,

    Pata minimizar as distãncias entre os discursos imputáveis às diferenças de si

    tuação e de posição sociais, pensou-se, primeiramente, em apltcar

    O princ.fpLO

    da

    maior homologia paSSivei emre os entrevistadores e os entrevistados, Tratava-se,

    digamos, de selecionar os emrevistad res em função das aracte.rlsticas principais

    do

    gmpo

    pesquisado. Assim, parecia preferivel que mulheres fossem pesquisadas

    por mulberes, jovens porjovens, autóctones por autóctones, pobres por pobres,

    etc.,

    em

    razão de uma maior proximidade de linguagem. de cultura e de preocupa

    ções. Acreditava-se que uma maior proximidade não someme reduziria o riscos

    de intrusão de viés,de ln ompreensão e de etnocenlrismo, mas também faria com

    que OentTevistado

    fo

    e ainda mais longe

    na

    exploração de seu vivido.

    Levado ao extremo, es e ponto de vista reafiTma que um pesquisadorsó

    é

    real

    mente habilitado apesquisar os

    gmpos

    com

    os

    quais ele tem um máximode simili

    tudes sociais,o que invalida, depronto, um bom numerode estudos passadose re

    cemes, Na prática, entretanto, bem poucos pesquisadores adotam uma posiÇãO tão

    radical.

    Em

    verdade, a proximidade devida a um mesmo penencimentosocial, ou

    adquirida no campo de pesquisa, é, em geral, percebida, como uma condi ão que

    favorece uma boa compreensão do

    grupo

    pesquisado. Em

    contrapanida

    ela é

    igualmeme vista como capaz de consrituir um obStáculo, na medida em que uma

    demasiada familiaridade com o grupo poderia impedtr o pesqUlsador de tomaT a

    dlStãncla necessária para reconsiderar as evidencias ou as racionalizações prõprias

    aogrupo. Nesse sentido, para um pesquisador, o fala de pertencera um outro gru

    po do queaquele pesquisado poderia ser um trunfo precioso, umavez que isto fa-

    cilitaria

    l e ~ a r

    em consideração as diferenças culturaIS e sociais de cada um,

     m

    r ai recipro idade das perspectivas sõ seria, no entanto, possivel, caso o pesquisa

    dor fosse bastante próximo ao grLIpo pesquisado.

    Concluindo, nào há regras simples, no quediz respeito a essa queslão da ho

    mologia entre entrevistador e enrrevislado. Mesmo que não seja fá

    ii

    dellnir em

    236

    funç Ode quais critério se deva constitUlr essa homologia, e que uma homologia

    perfeita seja dificilmente imaginável, ela não impede que as questões de estatuto

    possam intervir,a nãoser precisamente pelofato de que os estatuLos relativamente

    idênticos possam fazer com que algumas realidades sejam tidas como adquiridas.

    Além disso,

    algumas vantagens

    em

    combinar

    os

    estallltos, apresentando, ao

    mesmo tempo. as Irnilitudes e as diferenças com

    O grupo pesqUIsado. Chap ulie

      1 9 8 ~ I.embra ainda que Hughes sugeriaaosseus alunos que pesquisassemos gru

    pos aos quai> eles estivessem naturalmente afiliados, aproveitando o dIstancia

    mento que lhes oferecia a sua condição de e tudame.

    E

    para lentarobjeuvar me

    lhor a situação desses

    grupos llughes

    apostava em

    OUlra

    coisa além da proximida

    desocial, preconizando, sobretudo,Orecurso às [erramemas c nceituais, ao méto

    do comparativo e

    à

    capacidade refiexiva do pesquisador.

    Em resumo, as imervenções, as atitudes e as caracterlsticas do entrevistador

    são capazes de marcaras falasd entrevistado. Da mesma r rma, a percepção queo

    c n r r e v i s t . ~ d o r

    tem da pOS1Ção social do entrevi tado pode igualmente inauir sobre

    suas réplicas,

    e

    mais globalmente,sobre a natureza de suas Illterpretações.Quanto

    ao entrevistado, é ImpOrtante observar que, apesar do que se tende muito freqüen

    temente a crer, ele tem apenas um papel passivo e readonal

    na

    siruação de entrevis

    UI. Como Odão a emender v rinsanálises, seu discurso pode ser fortemente infiuen

    ciado não sõ pela representação que ele constroi sobre o que e o entrevistador, e so

    bre o que

    ele

    busca saber, mas também pela percepção que

    ele

    tem dogmpo que

    re-

    presenta este último  CHABROL 1982),

    ou

    dos outro alorespresentes na pesquisa,

    e ujospomosde visla

    ,provavelmente,diferentes do seu,

    Em

    oUlras palavras, a

    esttatégia de argumemação do entrevistado pode ser fotjada tamo em função do en

    trevistador como   terceiras pessoas imaginadas ou reais Assim em uma investi-

    gação sobre as condições de encarceramemo, alguns detentos p dcm denun iar

    funcionamemo das prisões, na esperança de eremouvid s por m iadapesquisa e

    de queseus

    pontOS

    de vista possam favorecer algumas mudanças.

    Este último aspecto po síbilita introduzir o terceir lipo de viés, refereme ao

    comexto da pe:.quisa e

    às

    suas repercussões passiveis, tantO no discursos dos en

    trevistados, como nos dos entre istadores, Para tOmar

    O

    exemplo dos entrevista

    dos, sabe-se que suas percepções dos enfoques que uma pesquisa representa para

    eles são pasSiveis deafetarsuficientemente o que elesp dem dizer, ou decidir não

    dizer. Em sua investigação

    junto

    a um grupo de trabalhadores, Roethlisberger e

    Dickson  1943) já

    colocavam a possibilidade de que seussujeitos pudessem men

    tir por temor de represálias, e também calar acerca de sua apreciação real sobre o

    funcionamento da empresa queo empregava. Emre o pesquisad res tradidonai

    voltados

    à

    pesquisa de um discurso verdadeiro , que dá conta do que realmente

    pensa o entrevistado, a preocupação principal parece precisamente ser a de detec

    tar os fatores que podem levar este último a modificar, conscientementeou não,

    seu discurso, e a de descobriT se ele disse mesmo a verdade.

    Em

    resumo, seria pre

    ciso não somente tentarinseriro entrevistado em um contexto que lhe permitisse

    237

  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

    13/19

    dizer abertamente o qu e pensa, e, melhor ainda, tudo o que pensa, como também

    procurar,

    por

    diferentes procedimentos, revelar se ele mente,

    ou

    verificar

    se

    o que

    ele diz corresponde verdadeirnmente à realidade tal qual ela é. Essa preocupação

    exiSte tanto entre os adeptos da entrevista pad.ronizada BLONDIAUX,

    1991 ,

    quanto entre os defensoresda entrevista qualitativa, como o atestam, aliás, os

    ani

    gos de Dean e Whyte 195B) e de Becker

      l95B sobre

    a onfiabilidade

    do

    depoi

    mentOS das pessoas pesquisadas.

    Reprotlllçc1o

    <

    contexto ,lo laboratório

    em

    oposi

    <

    coleta de discursos  l a-

    tur is

    Uma vez delimitado os vieses geralmente associados às entTevistas de pesqui

    sa, como se tentou remediá-los?

    Na

    perspectiva de inspiração positivista, as solu

    ções consideradas tomaram

    duas

    direções

    OpOStas. Os

    partidários da entrevista pa

    dronizada esforçaram-se em criar condições que lhes permitissem realizar entre

    vistas em um contexto que

    se

    aproximasse Omaispossfvel daquele que caracteriza

    as experiências de laborat rio. Os pesquisadores no qualitanvo tentaram, ao con

    trário, realizarsuas entrevistasem condições semelhantesãquelas que exi tem nas

    siruações naturais, devendo o depoimentos coibidos aproximar-se, assun, das

    fa-

    las espontâneas, como é o caso nas cooversas comuns.

    Como o enfatizam Cicourel

     1964 ,

    Blanchet et aI.

     1985 ,

    Misbler 1986) e

    Blondiaux 1991), a propósito das pesquisas

    que

    se inserem na Unha dos trabalhos

    de Hyman et aI., durante os anos 1950, pensou-se que a melhor soluçãO para con

    tornar os riscos que representavam os vieses consistia em reproduzir um modelo

    de prática da entrevistaquese assemelhasseo mais passivei ao contexto do labora

    tório. Para tanto, duas estratégias foram consideradas. Primeiramente, buscou-se

    padronizar as condições de pesquisa, Com o cuidado, por exemplo, de que as en ·

    trevistas fossem realizadas em um local idêntico e conforme a mesma fomla de

    contato

    ou a mesma técniCa de registro dos dados. Essa padronizaçãO das técnicas

    tinha por função garamir Oexerclcio de um melbor controle sobre as variáveis

    capazes de alteraro teor dosdiscursos. Na referida I gica, toma-se totalmente con

    tra-indicado entrevistar uma pessoa na presença de uma outra. As entrevi tas de

    grupo são também imediatamente excluidas, na medida em que fica difldl medir

    precisamente o efeito que isso possa ter, e, ainda, que se complicam proporcional

    mente as comparaçõe eventuais entre as entrevistas.

    A segunda estratégia preconizada

    foi

    a de padronizar as intervenções do entre

    vistador, tantO no que diz respeito à forma e ao conteúdo das perguntas, quanto no

    que se refere à maneira de coligir as respostas. om as perguntas e as respost s sen

    do

    estruturadas previamente, pensava-seem contera subjetividade do entrevistador

    e impedi-lo de se entregar a improvisaçOes e interpretações duvidosas, diminuindo

    proporcionalmente os ri cosde ingerência e de deformação.

    Os

    partidários da entre

    vista padrorlizada estavam conscientes de que uma tal padronização comportava o

    238

    risco de deformar o ponto de vista do entrevistado, mas acrcditavam ser possível re

    duzi-lo por meio de uma pré-investigação e de um pré-teste. Eles avaliavam, sobre

    lUdo, que esse inconveniente cra amplamente compensado pelas vantagens que a

    padronização devia proporcionar no plano da generalização dos resultados .

    Comentando

    os trabalhos de Hyman

    et aI.

     1954), que ele julga represemati

    vos de tal posição, Cicourel 1964) considera que adotar o referido modeloequiva

    le exatamente a querer substilUiro entrevistador porum autOmato capazde inte

    raçOes unifomles com os entrevistados. Segundo esse modelo ideal, o entrevi ta

    dor

    deve

    5< mpre

    formular as perguntasda mesma maneira, para que os entrevista

    dosreajam a um mesmo estimulo, e wmbém deve

    ser

    capaz de reagir uniformcmen

    teás respostasdestes últimos, para evitar que as mesmas sejam detllrpadas por suas

    próprias interpretaÇÕeS. Uma semelhante intençào remete, segundo Blondiaux   991),

    a querer

    fazer

    uma ciência sem aLores

    Porsua vez, os pesquisadoresque privilegiam as entrevistasdeupo qualitativo

    quiseram resolver o problema dos vieses

    seguindo

    uma perspectiva oposta. A

    fim

    de r produzir o mais integralmente e fielm nte passivei o ponto de vista dos atO-

    res, esses pesquisadores alegam dois

    pnncipios

    fundamentais. Eles apostam, em

    primeiro lugar, na uperioridade dos discursos coletados em seu contexto naLUral.

    Por aí, eles reconhecem as condiçõesque mais se aproximam daquelas da vida co

    tidiaml dos entrevistados, de modo que

    os

    artuicios da situação de pesquisa sejam

    atenuados e estes

    últimos

    sesintam o mais ã vontade passiveI.

     s

    ·conversas natu

    rais , tal como

    se

    desenvolvem no dia-a-dia PALMER, 1928), ou ainda as conver

    sas colhidas ao vivo, no contexto da obscrvação in

    si

    t BECKER   GEER, 1957,

    1958), são por muitos consideradas como superiores. egundo Becker e Geer, a

    observação in

    sinl permite

    ao p quisador, sobre tl ldo, indagar

    os

    atores sobre o

    que eles estão fazendo ou dizendo, apenas observando diretamente as condutas.

    Visw

    sob

    esseãnoulo, a situação ideal seria aquela

    em

    que os atores envolvidos, ao

    terem tomado conhecimento dos interesses

    do

    pesquisador, aceiwm colaborar es

    pontaneamente, explicando o mais sinceramente passivei aquilo que eslá aconte

    cendo. Nessa perspectiva, e contrariamente ao

    que

    é preconizad

    na

    ab rdagem

    voltada à padronização, entrevistar uma pessoa na presença de uma terceira. por

    exemplo,

    um

    cOnjuge,

    ou

    ainda, como o

    aponta

    Burgess

     984 ,

    fazer entrevistas

    de gntpO,

    não

    são mais situações vistascomo inapropriadas, pois elas são propiCIas

    a tipO de interações difíceiS de apreender diferentemente.

    D.

    No dcb e

    que

    lrndlclonnlmem opOs os parudanos

    dos métOdos

    qwl lIallvQS aos

    do quanllUluvo.

    uJumos admitem,habilualmeme, que.oqualitativo pOSSibllíl4t

    3 ançar

    IDo.Ils r c l m ~ n t e um con-

    teúdo maJ5 Mrko cmais prOX imo 30 Ylvldo dOS310rcs. assim  om   primeiros

    admitem

    IgUJlmentC

    as v3nt lgens

    de

    umacerta

    pad roniznçào

    As pnncipais discordttnclas concernem tnal5 a

    qUe5I/\IJ de S

  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

    14/19

    o segundo principio é o da superioridade dos discurso espoOlãneos , em

    relação aOS discursos suscitad s pelo pesquisador. Para

    autores

    como Palmer

    (1928),Beckere Geer (1957), assim como Schatzman e trauss (1973), o dtScurso

    mais verdadeir cOOlinua sendo aquele menos afetado pelas intervenções do I es

    qUlSador . Asituação idealseria, ainda aqui, aqueL,

    em que

    os atores pe quisad s,

    COtlSClentes

    dos inleress de pesquisa

    do

    pesquisador, ou, melhor ainda, incons

    cIentes desses intere es paraeviLar a pré-estrutUTaçao de seu dIscurso. consenti

    nam em narraro matS espontaneamente possrvel a

    sua

    experiencta. Na falta de po

    der encontrar espoOlaneamente essa esp ntaneidade , buscou-se, mão, repro

    duzi-la pelo disposnivo de investigação, obreLudo peja forma de ind ga ão. Ê

    efeLivameme, sobre essa imen ã de limitar o efeitos das iOlervenções do entre

    vistadorsobre o

    enLrevi

    tado, qu Rogers  l945 se baseia para justificaro recurso

    ã

    entre visLa

    não-dirigida no conLexto das investigações nasciencias oeiais, reco

    ohecendoSimplesmente que essa forma de lnteração não é em si natural.

    Em suma, tanto do lado quantiLativo como do qualitativo, buscou-se resolver

    o problema dos V eses na entrevista. Porém, quer se tralaSse de reproduzir o con

    texto de I.boralório, ou, ao contrário. de obLer o discurso mais natural possivel,

    assoluçõesconsiderada porUllS e outrospermaneccm, em primeiro lugar, e antes

    de Ludo de ordem

    Lécnica

    Os

    mitos d p drolll z çdo e d ndo-drrerividadc

    A par ti r d 5 atlos 1970,

    e

    sobretudo, nos anos 1980, tanto a padrolllzação

    quanto a não-diretividade foram objeto de severas críticas, aparecendo defltlltiva

    mente como milos: mito, primeiramellle, no

    que

    se refere à possibilidade de arin

    gir, na prática, a perfeita padronizaçãO ou a perfeita não-diretividade; mito, em e

    guida, qualllo à sua capacidade de resolver a questãO do vieses. NUIll prinleiro

    momento,enfatizarei, principalmente, as criticasde ordem metodológica dirigidas

    contraa padronizaçãoe a não-diretividade, para, num segundomomento, ater-me

    ã criuca que, no plano epIStemológico, pode ser fonnulada em relaçãO ã perspecti

    va pOSlllvista sobre a questão dos Vieses

    As crfticas endereçadas ã padronizaç o

    Por ser, na prática, difícil, e mesmo impossível de atingir, OIdeal da padroniza

    ção foi freqüentemente desacreditado, mUIlO o vendo mais como um mitodo que

    2

    Em V1Slad1sso,

    Palmer (1928)

    conside.rava

    quemalS valia IOttrvirde uma maneira

    não-vubal.

    ou

    quase nao-vc:rbal. comt l por

    meneios

    de

    cabeça,sorrisos.

     hum-huns do

    que

    verbalJlle.nle;

    sendo

    as

    intervençôcs do pomeiro

    tipo V151aS

    como menos capazes de

    innuenciar as ralas do

    CnlrCVl5lado. Eu

    apontci,antcrionnente,

    que   próprias

    atitudes nâo-verbais

    do

    enlrevísl3dor

    sâonmlüde conSide

    radas como

    uma fonte:

    de ytts

    240

    como uma realidade. Em uma obra na qual critica O pressuposLoS da entreVISta

    padronizada, Mishler (1986) resume várias pesquisas precisamente voltadas a

    mostrara existência de Imp rtantes desigualdades na fonna de realizar aseOlrevis

    taS eja enLre diferenLes entrevisLadores, ou em um mesmo. Malgrado os esr rço

    empreendidos para eliminá-las, invesLindo, por exemplo. em uma melhor fom a

    ção dos enLrCV1stadores parece dificil, senão impossível, segundo Mishler,

    supn-

    mi-las

    LOtalmeOle

    A própria padrolllzação também pode ser r ntede vieses. Estes podem ser 111-

    troduzidosduranLe a análise, por exemplo, com a omissão de lUdoo que nã se i n

    sere nas categorias esLabelecida prevtamente, ou com a

    enonne

    importância

    aLri-

    buída à busca de COnSLantes

    évy

    (1974) aponta, nesse eOlido, a tendencia nas

    análises de comeúdo convencionais, baseadas em 8erelson, em enfatizaras regu

    landades , ocultando, assim, Oque

    é

    considerado como irregularidades , bem

    como tudo o que parece aáplco. Esses vieses impuLavelS ã padronização podem

    igualmente se prodUZir dUTaOle a coleta dos

    dado,

    pelo fat de que uma aborda

    gem padronizadacorre o risco de não ter suftcientementeem onta particularida

    des própna às sl[lIaçOes e às pessoas. P13get Já havia pressenudo esse problema.

    Assim, desde os anos 1920,  OIUOo r portalU Ghiglione e Matalon (1978: 74), ele

    havia proposto um método clinico no qual preconizava uma atilude do experi

    mentadorque não fosse inteiramente padronizada, mas que buscassese adaptar a

    cada sujeito, adoLando, na medida do

    POSSlvel

    seus conceitos e sua representa áo

    da situação; portanto, uma amude radicalmente posta ã padronização dos

    Lestes

    ou dos procedtmenLos experimentais . RlSCOS de deformações devidas ã padroni

    zação lamb m surgem

    no

    casodas pesqUIsas qualaauvas, quando os emrevtStado

    res devem se submeter às instntções padronizada de Lomada de contato com os

    enrrevistados e de inicio de entrevista. A esse respeiLo, Palmer (1928) avaliava er

    preferível modificar e adaptar Lais

    instntçOes, em função das particularidades e ca

    raclerisdcas dos grupos ou das pessoas pesquisadas .

    A cnuca mais Importante a respeito da padronização concerne, no entanto, à

    Impossibilidade de esta elíJnjnar Oque, na perspectiva positivista, denomina-se os

    ·efeu s do conLexto . Baseando-se em uma per pe uva interaciolllsta e eU1Ome-

    Lodológica, Cicourel

     l964,

    1987) e Misbler (1986) insisLem, ambos, na maneira

    e mo O

    onLe XLO

    impregna o conteúdo das perguntas e dasrespostas. e isto mesmo

    25.

    Professor

    convidado

    p:l1 3 umde

    meus

    semin.uios. Chnsl13n OtbUYSl, da

    Escola

    de Cnmlnologia

    da Universidade:

    Calól1ca de

    louvam,

    tr.l=ia O exemplo

    dos

    lestes

    de.

    mtelJgenci.a par3

    pontar os b

    mites da padronizaçto.

    Para

    tVllaros nstosde

    vits

    e pennuira compa.l1lç:lo, esses lestes de\ enamser

    todos

    admmlsLrados da mesma

    Comla

    Ora,

    o

    que fazer quando

    o U cnico se

    d 1

    contade que Omdiví

    duo

    ao qual

    ele aplicou o teste compreende

    mal as m lntçÕes ou

    njo se sente

    à vontade?

    Ele deve

    modificar

    sua

    aborcL.tgem,

    de

    modoa guranur

    que

    e le tlllimo façn o leSte

    no

    melh r

    de

    suas cllpacl

    dades,

    ou

    ele deve se

    prender inslruçOcs est:lbe.le.cidas

    Nesta

    ultima

    evenlU3hdadc:, de 0:.\0

    corre

    na orisco

    de Inlroduzir um viés

    na medida cm

    que

    os Trsu rodo5 do

    decolTtnam

    tanto da

    forma

    comoeste   admmlSLJ 3do,

    quanlo das

    capacidades

    da

    pessoa

    e.m

    q u s ~ o

    241

  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

    15/19

    no mbito da entrevi ta padronizada. Cicourel,

    por

    exemplo, argumenta que,

    numa entrevista estruturada, a natureza das imervenções, tanto da parte do emre

    vistadorquanto da

    do

    entrevistado, deve-se ao modo como seorganizaa totahdade

    da entrevista. Assim, não se pode ISolaro

    jogo

    das perguntas e das respostas, da

    tO-

    talidade das trocas verbais e não-verbais durante a entrevista, assim como, mais

    globalmente, do contextosocial particular no qual esta se desenvolve. Baseada no

    COTlStrullvlsmo, essa nticaserá retomada mais adiante, a propõsito dos limites da

    posição posinvista concernente aos vieses

    As criticas endereçadas

     

    não-diretividade

    Se a padronização

     o

    objeto de virulentas criticas, a não-diretividade tamp u

    co escapou delas . Assim comoocorreu em relaçãO à padronização. alguns aponta

    ram,pflmeiramente, que a perCeita não-direnvidade e apenas um mitO. De fato, é o

    pesqUISador quem define o lema

    ou

    os temas da entre,'ista. Além disso,apesar dos

    principias

    professado,

    não é sempre conCortável para um pesquisador aLer-se ex

    c1usivamenle aos temas introduzidos, na seqüênCla, pelo entrevistado. MaIS Cun-

    damentalmente ainda, as intervenções do entrevi tador cor rem. apesa rd tudo, o

    nsco de serem marcadas

    por suas

    própriaspreo upações e pressupostos. Não mais

    do que no caso da padronização, a Connação dos entrevistadores e a autocrítica

    sO

    podem unicamente garanur que essa imperCeição possa

    ser

    cvitada.

    Por

    outro

    lado, a entrevista não-dirigida não

    é

    t Oneu l ra

    como bem

    se o

    quer

    fazer crer. Basta ter praticado pouco que sejaessa teenica, parase darconw de que,

    a despeito das precauções tomadas para que caela um se sinta à vontade, esse tipo

    de entrevistacria uma situação que está

    I

    nge de ser empre percebida como naru

    ral pelo emreviswdo, e, até certo pontO, pelo entrevistador. Assim, Oentrevistado

    pode se sentir coagido a Calar sem contar, por outrO lado, o lequede reações passi

    veis a esse gênero de abordagem, rcaçOes que variam confonne os ind iv íduo e os

    grupo sociais, em virtude, principalmente, como o apomam Schatzman e Strauss

     1955 ), de uma relaçãO diCerente com a linguagem disso, a entrevISta

    não-dirigida raramente corresponde

     

    imagem que os eotrevistados Cazem de uma

    entreVISta de pesquISa. Como estes ultimas, geralmente, esperam que se lhes pro

    p

    nham

    questões, o entrevistador se eocontra amiude

    na

    obrigação de

    Cazer

    escla

    recimentOS

    quanto

    aogênero de emre 1SLa

    . perado.

    Enfim, mesmo as retomadas

    aparentementemais neutras, istoé, aquela que visam essencialmeoteque o entre

    vistado expliclle

    ou

    esclareça o que

    c Jsse,

    podem influir em seu discurso. Nesse

    sentido, Blancbet (19   mostra bem como as variações na prõpria Corma das re-

    26. Pal

    t.xe.mplos  r uo

    à

    n ~ o d l r t l t v i d 3 d e .

    \ .r BourdJe:u,   hambom lone

    Passc ron

     1968 ,

    Bt Dche<  t982). Ch.brol  988).

    27.

    Ver 3

    apre:sentaç1o

    e n

    tradução

    desse lexto

    em

    Bourdlcu. Cbamboredon e Pa.sse.ron  1968:

    222-237).

     4

    fonnulações onduzem o entrevistado a modificar sensivelmeme O comeudo de

    seu

    dis

    ur o. assim como seu grau de envolvimento

    em

    seu

    rela

    lO.

    A cfl tiea mais severa em relaç o à entrevista nào-diriglCla foi fom1Ulada por

    Kandel (1972). Ela argumenta, efeLivameme, que esta forma de entrevista não

    pode

    impedir

    o

    jogo

    dos vários

    componemes

    da iDleração envolvidos na situação

    de pesquisa, taIS como a intervenções não-verbais do entrevistador, ou ainda, as

    r pecuvas percepções

    do

    entrevistador e

    do

    entrevistado, em função de suas ca

    racterísticas sociais reais

    ou

    presumidas.

    Se

    a entrevista nào-dingida é meno pas

    s vel

    de

    produzir

    um

    malerial

    que

    constitulTia o fato

    do

    pesqUISador,

     SSO

    não im

    pede a intervençãode outras dimensões, independememeOlc da boa vomade da

    competênCIa

    do

    entrevi tador.

    A entrevista eo oo discurso so i lmente constnúdo

    A observação de Kandel (1972) possibilita introduzir diretamente a cTíuca

    epistemologiea cOTlStrulda relativamente ao ponto de vista posiLivlSw sobre os vie

    ses,segundo o qual, deve-se vISara produção de um discurso depurado d todas a s

    mfluências contextuais, e enLão buscarreproduzir Overdadeiro

    pomo

    de vista dos

    entrevistados, eliminando, por precauç es t ~ c n i c a s principalmentena escolha do

    tipode entrevista, essas influênciasdilas extenores e vistas corno fontes potenciaiS

    de viés A própria idéia

    de

    que

    possivel fazer

    com que

    o contexto não intervenha

    de netlhuma

    Corma

    na produçã dos dados e no discurso mantido pelo entrevista

    do  O Conemente contestada a parur dos anos 1970, entre outro, por autores de

    orientação COTlSlrutlvista. A fim de dar c oma de s eu pontos de vista, retomarei

    aqui os argumentos alegados por PCohl (197B), no que se refere ao modo como as

    pesqlllsas de orientação positivista temaram resolver a qu tão dos vieses capazes

    de

    Calsear

    os diagnõsticos profISsionais. Essa criuca me parece perfeitamente trans

    portável para o ãmbitO das entrevistas.

    Com base numa perspeCtiva etnometodológica,

    PCohl

    analisa, primeiramente,

    asconsiderações e o mecanismos que podem intervir na construção dos dIagnós

    ticos,

    tais

    como osjogos

    de

    poderentre profi ionais, o sistemade categonasutilt

    zado para reconstruir os casos, a maneira como fonnulam os diagnósticos para

    da r

    a aparência da objetividadee para garantir

    que

    elessejam aceitos pelas instân

    cias de isórias. Em resumo, PCohl busca mostrar a inUuência

    do

    que, numa pers

    pectiva positivista, seria considerado

    como

    vieses a eliminar, os quai

    ,a

    redita-se,

    impedemde decidir obre a natureza real dos casos. Ele considera, no entanto,que

    é tOtalmente ilusório querer supnmtr o jogo das interaçõcs e relações sociais que

    intervêm naconstituição dos d13gnosueos,Já que ele é merente ao

    própno

    proces

    so do diagnO tico. Segundo Pfohl, todo diagn rico urna cODStrução

    so

    ial, nã

    somente porque pressupõe o recurso a um sistema de categorias, mas também por

    que toma  OnT a por meio

    do

    jogo e das questões das múltiplas interações sociais

    própriasao contexto particular no qual ele é produzido.

     4

  • 8/20/2019 POUPART Jean a Entrevista Do Tipo Qualitativo Consideracoes Epistemologicas Teoricas e Metodologicas

    16/19

    uma retórica própria às ciências sociaLS, os pesquisadores tenUtm, atravês desses

    relatos, convencer Oleilor da justeza

    de

    sua interpretação, bem como impor a sua

    própria visão da realidade.

    Essa r rent ede ref lexãosusci ta , no enlamo, controvérsias, pois não há abso

    lutamente acordo sobre a quesl Ode saber e os

    la tos

    etnográficos podem, ou

    não, reproduzIr a experiêncIa dos atores. Alguns, como Oillord (1986) ou Van

    Maanen

    (1988),

    lenlam tomar distância em relação ao

    POntO de visLa

    p siúvLSta,

    que acrediLa na possibilidade de reproduZIT a experiência tal qual ela é. Eles não

    consideram

    os lalOS

    dos pesquisadores como tradu ões da realidade, avahando

    preferencialmente

    que

    eles SÓ podem ser versóes parciais e parcelares dessa reali

    dade. No mesmo sentido, Denzm (1994) argumenta, por sua vez, que não pode ha

    versenão múltiplas versões da realidade, segundo a perspectiva teórica e epistemo

    logica adoLada. Outros, como C10ugh (1992), que eu

    haVia mencionado, adolam

    uma POSiçãO exlrema e recusam a própria existênciade uma correspondência possi

    vel entre 05 relatos dos pesquisadores e a experiência dos atores, Além de Smith

    (1993), aULOres como Atkinson e Hammersley (]994), e Altheide eJohnson (1994)

    reconhecem, de sua pane, a contribuição da corrente pós-modema, quando ela cha

    ma atenção para a imporlância de considerar devidamente o papel do processo de

    escriLa e da retonca na exposição que 05 pesquisadores fazem da realidade. assim

    como a necessidade de examinar a maneira como os cientistas buscam, por meio de

    eus lextos, impor e apresenLar

    uma

    imagem de uma

    ciênda

    objetiva. Eles lemem,

    contudo, que essa corrente vá muito longe, ao consideraros

    lexLOS

    de pesquisa estri

    tamenle sob o ãngulo de uma produção lextual e negar qualquer fundamemo a

    5

    procedimentos

    que

    visam

    darcoma

    da experiênCia

    do

    atores.

    Con lusão

    Neste capitulo, apresentei o