83
1 PRÉMIOS PRÉMIO DOUTOR MARNOCO E SOUSA O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE UMA NOVA ABORDAGEM EM TEMPOS DE PLURALISMO LAURA NUNES VICENTE

PRÉMIOS - Instituto Jurídico · ideal de harmonia no vocabulário da ética, da política e do direi-to foi, não surpreendentemente, ... 4 Aristóteles, Ética a Nicómaco, Livro

Embed Size (px)

Citation preview

1PRÉMIOS

PRÉMIO DOUTOR MARNOC O E SOUSA

o princípio da proporcionalidade Uma nova abordagem em Tempos de plUralismo

laura nunes vicente

(página deixada em branco propositadamente)

(página deixada em branco propositadamente)

prémio doUTor marnoco e soUsa

O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Uma nova abordagem em Tempos de plUralismo

laura nunes vicente

ED IÇÃOFaculdade de Direito da Univers idade de CoimbraInst ituto Jur íd ico

C ONC EÇÃO GRÁF ICA | INF OGRAF IAAna Paula Si lva ı apsi [email protected]

C ONTAC TO SPátio da Univers idade ı 3004-545 Coimbra inst itutojur id [email protected]

I SBN 978-989-8787-01-9

© DEZEMBRO 201 4

INSTITUTO JURÍDICO | FACULDADE DE DIREITO | UNIVERSIDADE DE COIMBRA

7

O Princípio da Proporcionalidade Uma Nova Abordagem em Tempos de Pluralismo

laura nunes vicente

RESUMO: O presente trabalho pretende ser uma reflexão sobre o princípio da proporcionalidade e sua relevância actual, e será divido em três partes. Na primeira, estudaremos o princípio da proporcionalidade, oferecendo um contributo teórico para a compreensão do seu significado e evolução histórica. De se-guida, analisaremos o papel deste princípio como esquema de controlo dos actos do poder legislativo, face à constatação de que, nos últimos dois decénios, a proporcionalidade se tornou no método de eleição do Tribunal Constitucional português na resolução de conflitos entre direitos fundamentais. Finalmente, e numa abordagem original, avançaremos o princípio da pro-porcionalidade enquanto método desonerador do juiz para a resolução daquele tipo de conflitos, tendo em conta que os nos-sos tempos são tempos de pluralismo.

PALAVRAS-CHAVE: proporcionalidade; constitucionalidade; confli-tos de direitos fundamentais; pluralismo.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

8

The Principle of Proportionality A New Approach in Times of Pluralism

laura nunes vicente

ABSTRACT: The aim of this article is to reflect on the prin-ciple of proportionality and the role it currently plays in our jurisdictional system. To that purpose, our work will be divi-ded in three sections. Firstly, we will look into the principle of proportionality as a principle of justice, pertaining to its mea-ning and historical evolution. The second part will focus on proportionality as a limitation on the powers of the legislative branch, given that in the last two decades the Constitutional Court of Portugal has adopted the principle of proportionality as its method of choice when it comes to solving conflicts be-tween fundamental rights. Finally, we will put forward an origi-nal approach, presenting proportionality as a method designed to assist the judge when solving those conflicts, always bearing in mind that these are times of pluralism.

KEYWORDS: proportionality; constitutionality; conflicts between fundamental rights; pluralism.

O Princípio da Proporcionalidade

9

“The advent of proportionality in constitutional adjudication isone of the most significant developments in contemporary law.

Proportionality has become the ‘universal criterion of constitutionality’.Its spread around the world has led scholars to describe it as

the ‘most successful legal transplant of the twentieth century’.(…) Nevertheless, ours is the ‘era of proportionality’”1

Que o leitor nos permita, em jeito de apresentação, algumas considerações iniciais. O presente trabalho pretende ser uma re-flexão sobre o princípio da proporcionalidade e a sua relevância actual. Pelo que, numa primeira abordagem, lograremos um objec-tivo inicial de oferecer um contributo teórico para a compreensão do princípio da proporcionalidade enquanto princípio material de justiça, expondo a sua história e significado, particularmente aque-le que este cobra no nosso ordenamento jurídico.

Já numa segunda parte, o nosso objectivo será outro, con-quanto não inseparável do primeiro – o de estudar o princípio da proporcionalidade enquanto esquema de controlo dos actos do poder legislativo. E fazemo-lo ante uma realidade – a do sucesso do princípio da proporcionalidade na jurisprudência constitucional portuguesa. Nas últimas duas décadas, o Tribunal Constitucional parece ter adoptado o princípio da proporcionalidade como méto-do de eleição na resolução de conflitos de direitos fundamentais, seguindo uma tendência não é, contudo, exclusiva da jurisprudên-cia nacional. Com efeito, a proporcionalidade tornou-se um méto-do global, levando autores a falar numa “era da proporcionalida-de” e lançando-os na busca de factores que o expliquem. Todavia, a doutrina portuguesa parece relutante em fazê-lo...

Finalmente, numa terceira abordagem, porventura original, defenderemos a tese de que o princípio da proporcionalidade serve

1 Vlad Perju, «Proportionality and Freedom – An essay on method in constitu-tional law», 334-367.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

10

também como um esquema de controlo da decisão jurisdicional, posto que se oferece ao juiz como um método desonerador para a resolução de conflitos de bens, interesses e valores, principalmente aqueles que envolvam direitos fundamentais. Mas a nossa propos-ta não será uma qualquer; antes aquela que se cumpre recolhendo os ensinamentos da teoria jurisprudencialista de Castanheira Ne-ves, Mestre da nossa Escola, não por mero capricho, mas perante uma exigência actualíssima – a da procura (e descoberta) de res-postas em tempos de pluralismo.

O Princípio da Proporcionalidade

11

PARTE I

O Princípio da Proporcionalidade enquanto Princípio Material de Justiça

História do princípio da proporcionalidade

A história do princípio da proporcionalidade não é recente. Querendo recuar às origens do conceito de proporcionalidade, en-contramos uma primeira abordagem em Platão e Aristóteles, na qual este apareceria associado à própria ideia de igualdade e de jus-tiça. Todavia, na sua configuração moderna, o princípio da propor-cionalidade tem de ser reconhecido como filho da segunda meta-de do século XIX, tendo nascido no espaço jurídico germânico, no pós-guerra. Ora, apesar da distância milenar que separa estes dois marcos, a essência do princípio da proporcionalidade permaneceu inalterada, recuando à ideia peripatética de justiça como justa me-dida, ainda que retomada e refinada por inúmeros autores ao longo dos séculos. Pelo que a história deste princípio assume contornos invulgares, exibindo uma continuidade que transporta directamente o legado da Antiguidade Clássica para a modernidade e que inscreve o conceito de proporcionalidade na própria ideia de Direito.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

12

A proporcionalidade na Antiguidade Clássica: de Aristóteles a Grócio

A proporção, enquanto equilíbrio que deve existir entre as partes e o todo e entre das partes entre si, pertence originalmen-te aos domínios da estética e da matemática. A penetração deste ideal de harmonia no vocabulário da ética, da política e do direi-to foi, não surpreendentemente, da responsabilidade da filosofia grega. Com efeito, o conceito da proporcionalidade nasceu com o tratamento do tema da igualdade, na qual os filósofos da Grécia Antiga viam a essência da justiça e o fundamento da democracia – porquanto o reconhecimento de que a igualdade estaria na base de qualquer tratamento justo terá sido acompanhado pela consta-tação (na qual se terá de ver uma actualidade imensa2) de que a igualdade não é, nem pode ser, um conceito absoluto, implicando antes uma justa medida e obrigando a tratar igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual.

O primeiro estudo aprofundado da relação entre igualdade e proporcionalidade encontramo-lo na obra de Aristóteles, Ética a Nicómaco (apesar de, já antes deste, Platão associar, nas Leis, igual-dade e proporção). Ora, partindo da distinção entre justiça como virtude universal, a soma de todas as virtudes, e justiça como vir-tude particular ou legal3, Aristóteles identificava esta última com a igualdade. Assim, afirmava que “a justiça é igualdade, coisa que

2 Cf., a título de exemplo, o recente e polémico “acórdão dos subsídios” (Ac. 353/2012, disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acor-daos/20120353.html>): “Na verdade, a igualdade jurídica é sempre uma igualdade propor-cional, pelo que a desigualdade justificada pela diferença de situações não está imune a um juízo de proporcionalidade. A dimensão da desigualdade do tratamento tem que ser proporcionada às razões que justificam esse tratamento desigual, não podendo revelar-se excessiva”.

3 Aristóteles, Ética a Nicómaco, Livro V, II: “A própria justiça é, então, uma excelência completa, não de uma forma absoluta, mas na relação com outrem. É por esse motivo que frequentemente a justiça aparece como a mais poderosa das excelências.” Por outro lado, “há uma certa forma de injustiça que é particular, diferente daquela forma de injustiça em geral, (...) A própria injustiça particular é parte da injustiça universal, tal como a justiça particular é parte da justiça universal. Temos ainda de discutir o que diz respeito à justiça e injustiça em sentido particular; bem como o que diz respeito à disposição justa e injusta em sentido particular. (...) A lei obriga, portanto, a viver de acordo com cada excelência em particular e proíbe agir segundo cada forma particular de perversão” (apesar do tradutor ter recorrido ao termo “excelência”, preferimos a tradução “virtude”).

O Princípio da Proporcionalidade

13

é aceite por todos sem ser necessária demonstração”4. Por sua vez, o filósofo subdividia a justiça legal em dois tipos – a justiça dis-tributiva e a justiça comutativa. A justiça distributiva seria uma igualdade proporcional, implicando quatro termos e uma relação igual entre cada par de termos – ou seja, se tivéssemos duas pes-soas e duas coisas partilhadas, o tratamento justo seria aquele que estabelecesse uma relação entre as coisas proporcional à relação que se estabelecesse entre as pessoas. Este tipo de justiça aplicar--se-ia claramente à distribuição de honras e cargos, que deveria ser feita de acordo com o – ou proporcionalmente ao – mérito. Do que se concluía que, se o justo é o igual, e o igual o proporcional, então também a justiça seria “uma espécie de proporção”.

A ideia aristotélica de que justiça é proporção foi posterior-mente desenvolvida por autores como Cícero, S. Tomás de Aquino e Grócio, na doutrina da guerra justa e da legítima defesa. Cícero veio afirmar a existência de uma lei eterna e universal, descrevendo--a como a “recta ratio naturae congruens”5, isto é, a proporção correc-ta (recta ratio) em conformidade com a natureza (naturae congruens). Posteriormente, S. Tomás de Aquino apresentou aquela que pode ser considerada a primeira decomposição, em várias dimensões, do princípio abstracto de Aristóteles6, antevendo-se já a moder-na classificação tripartida do princípio da proporcionalidade. Com efeito, S. Tomás defendia que, para que uma guerra fosse justa e o uso da força legítimo, três requisitos deveriam ser observados – a guerra deveria ser exercida por uma autoridade com legitimidade para tal; o uso da força deveria ter uma justa causa; e o uso da força não deveria ser excessivo, pois os “beligerantes devem ter uma boa intenção”7. Pelo que, apesar de o filósofo não empregar o

4 Aristóteles, Ética a Nicómaco, Livro V, III: “Uma vez que o injusto é iníquo e a injustiça iniquidade, é evidente que há um meio termo entre os extremos da iniquidade, a saber, a igualdade. Em toda e qualquer espécie de acção há um mais e um menos; há também um igual. Ora se a injustiça é iniquidade, então a justiça é igualdade, coisa que é aceite por todos sem ser necessária demonstração. Ora se a igualdade é um meio, a justiça será também um meio”.

5 CíCero, De Re Publica.6 Eric engle, «The history of the general principle of proportionality:

an overview».7 s. tomás de Aquino, Summa Theologica, II – II, Q. 40/1, Of War: “In

order for a war to be just, three things are necessary. First, the authority of the sovereign by whose command the war is to be waged. For it is not the business of a private individual to declare war, because he can seek for redress of his rights from the tribunal of his superior. (…)

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

14

termo proporcionalidade, não será certamente desmedido afirmar que encontramos, na sua obra e pela primeira vez, a ideia – que de resto se encontra na origem do moderno princípio da proporciona-lidade – de que o uso da força deve ser necessário e não excessivo.

Esta teoria veio mais a ser retomada por Hugo Grócio e apli-cada ao direito internacional. Contudo, o filósofo holandês não deixou de lhe acrescentar uma componente – a teleológica – que nos leva a afirmar que foi ele a marcar a transição deste conceito para a modernidade. A ideia de que todos os meios devem ser con-siderados em relação aos fins por eles conseguidos encontramo-la em De Jure Belli ac Pacis, pois “em todos os casos de deliberação, a proporção, através da qual os meios e os fins se relacionam, deve ser devidamente considerada”8. Pelo que a ideia clássica de justiça como proporção e a ideia medieval de guerra justa associam-se ao conceito moderno de equilíbrio de interesses9, que viria posterior-mente a desenvolver-se e a consolidar-se no seio do princípio da proporcionalidade.

É este o pano de fundo ideológico que encontramos em vésperas da modernidade e que, aliado ao liberalismo de Locke, constituirá a base do princípio da proporcionalidade tal como o encontramos nos dias de hoje. Isto, sem embargo de reconhecer, na essência do princípio, a herança inestimável do Mundo Antigo e a ideia aristotélica de justiça como proporção, que enraízam o conceito de proporcionalidade nas origens da cultura ocidental.

Secondly, a just cause is required, namely that those who are attacked, should be attacked be-cause they deserve it on account of some fault. (…) Thirdly, it is necessary that the belligerents should have a rightful intention, so that they intend the advancement of good, or the avoidance of evil”. Tradução inglesa do original em latim, disponível em: <http://www.ccel.org/ccel/aquinas/summa.toc.html>).

8 Hugo gróCio, De Jure Belli ac Pacis: “V. In all cases of deliberation, not only the ultimate but the intermediate objects leading to the principal ends are to be considered. The final object is always some good, or at least the evasion of some evil, which amounts to the same. The means are never to be considered by themselves, but only as they have a tendency to the proposed end. Wherefore in all cases of deliberation, the proportion, which the means and the end bear to each other, is to be duly weighed, by comparing them together” . Tradução in-glesa do original em latim, The Rights of War and Peace, disponível em: <http://oll.libertyfund.org/index.php?option=com_staticxt&staticfile=show.php%3Ftitle= 553&Itemid=27>.

9 Eric engle, «The history of the general principle of proportionality: an overview».

O Princípio da Proporcionalidade

15

A proporcionalidade na Modernidade: de Locke aos dias de hoje

O princípio da proporcionalidade, na sua configuração mo-derna, tem a sua origem na ideia de necessidade, isto é, na exigên-cia de limitação das medidas lesivas ao estritamente necessário para se atingir um determinado fim10, fundada no direito do ci-dadão à menor desvantagem possível11. Esta exigência estava ini-cialmente circunscrita à limitação do poder executivo e ao direito administrativo. Com efeito, encontramo-la já, no final do século XVIII, no direito prussiano de polícia, tendo evoluído para princí-pio geral do direito de polícia na segunda metade do século XIX. Para este fenómeno contribuíram não só o desenvolvimento do direito administrativo, mas também as ideias liberais que preconi-zavam a limitação da intervenção estadual na esfera privada dos cidadãos, e nas quais é notória a influência de Locke.

Sabemos como a obra de John Locke, filósofo inglês do sé-culo XVII, foi precursora de um movimento instaurado quase um século mais tarde – o movimento liberal12. O seu carácter inovador vemo-lo na forma como Locke, partindo das tradicionais ideias de estado natural e contrato social, ergue um Estado liberal e limi-tado (ao contrário do Estado absoluto e totalitário de Hobbes13). A sua obra parte do pressuposto de que, no estado de natureza, todos os homens apareceriam livres e iguais, dotados de um con-junto de direitos inalienáveis14. Assim, seria para assegurar o gozo

10 Vitalino CAnAs, «O princípio da proibição do excesso na Constitui-ção», 323 s.; J. J. Gomes CAnotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

11 J. J. Gomes CAnotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 270.12 Porém, não se pode dizer que as ideias de Locke fossem já liberais –

“Essas ideias não eram ainda uma religião – a religião do liberalismo – ou, se o eram já, eram uma religião só para uso de ingleses e americanos. Eram, acima de tudo, uma conveniência bri-tânica, refractária a todo o espírito sistemático e britânico. Haja em vista as suas ideias sobre a tolerância religiosa, não aplicáveis aos católicos e aos ateus (...)”. Luís Cabral de monCAdA, Filosofia do Direito e do Estado, I, 221.

13 Luís Cabral de monCAdA, Filosofia do Direito e do Estado, I, 205 s.14 John loCke, Second Treatise of Civil Government, Cap. II, § 4: “To under-

stand political power right, and derive it from its original, we must consider, what state all men

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

16

livre e pacífico da propriedade15 que se justificaria o imperativo da passagem para um estado civil através de um contrato social, que assim assinalaria a fundação do Estado com a criação de um corpo político ao qual é atribuído o direito de fazer leis dotadas de sanção. Com duas outras notas ainda. O exercício do poder político estaria, desta sorte, eminentemente limitado pelo seu fim, não devendo ir para além dele16; e, apesar de se reconhecer no poder legislativo um poder supremo ao qual os outros estariam subordinados, este não passaria de um “poder fiduciário” para a prossecução de certos fins, que poderia – e deveria – ser retirado pelo povo, se não fosse respeitado17. Com Locke assistimos à in-trodução do “elemento individualista”18 na filosofia do direito e do Estado, daqui resultando – e é esta a consequência que importa destacar – uma concepção teleológica do Estado, que não pode dei-xar de se traduzir na limitação dos meios por ele empregues ao fim que lhe é reservado. Para o liberalismo, este fim seria tão-somente a liberdade do indivíduo19.

Estavam, pois, criadas as condições para a afirmação da ideia de necessidade na doutrina e na jurisprudência. Mas não foi por acaso que esta surgiu no seio do pensamento jurídico alemão no século XIX, num contexto muito particular – o da doutrina do

are naturally in, and that is, a state of perfect freedom to order their actions, and dispose of their possessions and persons (…) A state also of equality”. Disponível em: <http://www.constitution.org/jl/ 2ndtreat.htm>.

15 John loCke, Second Treatise of Civil Government, Cap. III, § 123: “This makes him willing to quit a condition, which, however free, is full of fears and continual dangers: and it is not without reason, that he seeks out, and is willing to join in society with others, who are already united, or have a mind to unite, for the mutual preservation of their lives, liberties and estates, which I call by the general name, property”.

16 John loCke, Second Treatise of Civil Government, Cap. IX, § 131: “But though men, when they enter into society, give up the equality, liberty, and executive power they had in the state of nature, into the hands of the society, to be so far disposed of by the legislative, as the good of the society shall require; yet it being only with an intention in every one the better to preserve himself, his liberty and property (…) All this to be directed to no other end, but the peace, safety, and public good of the people”.

17 John loCke, Second Treatise of Civil Government, Cap. XIII, § 149: “there remains still in the people a supreme power to remove or alter the legislative, when they find the legislative act contrary to the trust reposed in them”.

18 Luís Cabral de monCAdA, Filosofia do Direito e do Estado, I.19 Luís Cabral de monCAdA, Filosofia do Direito e do Estado, II, 205: “O mito

do liberalismo foi a ideia da liberdade do indivíduo, fim único do Estado”.

O Princípio da Proporcionalidade

17

Rechtsstaat, o Estado de direito formal20. Na origem desta doutrina encontramos a obra de Kant e, apesar das contribuições de autores liberais, como a de Robert von Mohl21, o conceito de Estado de Direito rapidamente se destacou de qualquer significação mate-rial para, na segunda metade do século XIX, se instalar definitiva-mente como um requisito meramente formal da acção do Estado. Parafraseando Stahl, autor cujo nome é frequentemente associado à visão formalística do Rechtsstaat, o significado deste princípio reside não no conteúdo e no objectivo do Estado, mas no método e na forma de os realizar22. Chegou-se, assim, ao significado de um princípio que permaneceria praticamente incontestado até ao final da República de Weimar23, que determina que a acção do Estado seja limitada por leis prévias, claras e exequíveis, independente-mente do seu conteúdo.

Não surpreende, pois, que tenha sido no espaço jurídico ale-mão, em finais do século XIX, que tenham surgido as primeiras re-ferências à ideia de necessidade, pois que esta pode também ser entendida como um requisito formal da acção do Estado, isto é, uma espécie de subprincípio do Rechtsstaat. Para este efeito citam-se autores como Otto Mayer e Walter Jellinek. O primeiro defendia o uso dos meios mais suaves possíveis para a manutenção da ordem pública pela polícia, e terá sido o primeiro autor a empregar o ter-mo Verhältnismäßigkeit (proporcionalidade)24, apesar de este exprimir ainda uma ideia de necessidade. Já Jellinek, por seu lado, terá in-troduzido a expressão Übermaß (excesso)25, encontrando-se todavia

20 Georg nolte, «General Principles of German and European Admi-nistrative Law», 199 s.

21 A Robert von Mohl se atribui a versão liberal do princípio do Rechsstaat. Para este, o direito constituiria não só um limite formal à acção do Estado, mas definiria também o seu fim e propósito – a liberdade dos indivíduos. Esta não terá sido, porém, a doutrina prevalecente.

22 Friedrich Julius stAhl, Die Philosophie des Rechts.23 O princípio formal do Rechsstaat terá entrado em decadência já durante

a República de Weimar, tendo sido definitivamente superado por uma acepção material do Estado de Direito após o regime nazi. Para esta viagem terá sido de-cisiva a obra de Gustav Radbruch.

24 Otto mAyer, Deutsches Verwaltungsrecht, vol. I, Leipzig, 1895, 267.25 Walter jellinek, Gesetz, Gesetzanwendung und Zweckmäßigkeitserwägung,

Tübingen, 1913, 79 e 289 s.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

18

entre aqueles que, durante a República de Weimar, defenderam a existência de limites substantivos ao exercício do poder, opondo-se assim a uma visão puramente formal do Rechtsstaat.

Porém, se até à década de 50 a expressão Verhältnismäßigkeit é tornada corrente, esta serviria ainda para designar tão-só a exigên-cia de necessidade. Os anos 50 foram uma “época de transição”26, tendo providenciado, num clima de pós-guerra, as condições pro-pícias à emergência de um novo princípio de direito – o princípio da proporcionalidade. Com efeito, não é de omitir uma terceira influência da modernidade (para além do liberalismo e da dou-trina formal do Rechtstaat), o Estado-providência (Welfare State)27. Com o mito do liberalismo e o dogma da não ingerência do Es-tado abalados pela guerra, impunha-se uma nova visão da acção do Estado, pelo que surgiu o Estado social ou Estado-providência, que chamava a si já não a defesa da liberdade dos cidadãos, mas sim a promoção da sua felicidade e bem-estar. Assim, aquelas que eram tradicionalmente esferas de não ingerência do poder público na vida privada dos indivíduos volveram-se em necessários espaços de intervenção estatal, deslocando-se esta para um território per-nicioso de arbítrios e excessos que impõem exigências acrescidas à relação entre os meios e os fins da acção. Por outro lado, sob o tecto do Estado-providência, os cidadãos adquiriram novos direitos eco-nómicos e sociais que careciam de protecção, facto que também terá contribuído para a emergência do conceito de proporcionalidade.

Foi, com efeito, neste contexto que o princípio da propor-cionalidade fez a sua estreia, invadindo o campo do legislador e desvinculando-se de uma mera ideia de necessidade. Esta transi-ção é assinalada pelo desdobramento interno do princípio em três dimensões, “responsabilidade conjunta do legislador, da jurispru-dência e da doutrina”28, e por uma consequente ruptura a nível

26 Vitalino CAnAs, «O princípio da proibição do excesso na Constituição», 323 s.27 Como se, nunca esquecendo a herança clássica, reconhecêssemos na

“modernização” do princípio da proporcionalidade três influências sucessivas. A primeira, o liberalismo, terá criado um pretexto para a transição do princípio para os tempos modernos – a defesa da liberdade do indivíduo. A segunda, a doutrina formalística do Rechsstaat, terá providenciado um espaço jurídico propício ao seu desenvolvimento. Finalmente, o Estado-providência do pós-guerra terá comple-tado esta evolução.

28 Vitalino CAnAs, «O princípio da proibição do excesso na Constituição».

O Princípio da Proporcionalidade

19

terminológico. Na jurisprudência, temos de destacar o papel do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (Bundesverfassungs- gericht), mormente em matéria de direitos fundamentais. É o exem-plo do “caso das farmácias”29, no qual o Tribunal distinguiu o que seria mais tarde aceite pela generalidade da doutrina como sendo as três dimensões do princípio – a necessidade (Erforderlichkeit), a adequação (Geeignetheit), e a proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismäßigkeit i.e.S.)30. Apesar de inicialmente circunscrito a este domínio, rapidamente o recurso por parte da jurisprudência ao recém-nascido princípio se fez sentir fora do círculo dos direitos fundamentais, tornando-se também cada vez mais frequente.

Ora, como já foi dito anteriormente, a classificação do prin-cípio da proporcionalidade em três subprincípios ou dimensões foi acompanhada de inevitáveis mudanças a nível da terminologia que o rodeia, que conduziram o termo Verhältnismäßigkeit desde

29 O caso das farmácias (Apothekenurteil), julgado pelo Tribunal Cons-titucional Federal alemão a 11 de Junho de 1958, terá resultado de uma lei que restringia, na Baviera, o número de farmácias e a concessão de licenças a far-macêuticos, sujeitando-a a um juízo económico favorável para a concorrência. Tendo, em 1955, sido negada a concessão de licença para exercer a profissão a um farmacêutico, este interpõe uma queixa constitucional (Verfassungsbeschwerde) junto do Tribunal, arguindo a inconstitucionalidade da lei por violação da liberdade de escolha e exercício da profissão. O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha decide-se, porém, pela constitucionalidade da lei, argumentando que a liberdade de escolha e prática de uma profissão pode, de facto, sofrer restrições, se em causa estiver a protecção de um interesse público: “Freedom of exercise of vocation can be limited by way of “regulation” in so far as sensible considerations of the common good make it appear appropriate”. Por outro lado, as restrições a este direito pelo poder deveriam obedecer aos seguintes requisitos: “a) Freedom of exercise of a vocation can be restricted in so far this seems appropriate according to rational considerations of the com-mon good. Basic right protection is restricted to preventing conditions which are in themselves contrary to the Constitution because they may be excessively burdensome and are not reason-able. [adequação] b) Freedom of choice of vocation can only be restricted to the extent that protection of particularly important interests of the community positively requires it. If such an interference is unavoidable, the legislator must always choose the form of interference which restricts the basic right least. [necessidade] c) If the interference with the freedom of choice of vocation takes the form of a list of certain conditions for taking up the vocation, a distinction must be made between subjective and objective prerequisites. The principle of proportionality applies to the subjective prerequisites (in particular education and training) in the sense that they must not be out of proportion to the desired goal of proper performance of vocational activity [proporcionalidade em sentido estrito]”. Tradução inglesa do acórdão disponível em: http://www.utexas.edu/law/academics/centers/transnational/ work_new/german/case.php?id=657)>.

30 Terá sido R. von Krauss, porém, na sua dissertação de 1955, o primei-ro a utilizar a expressão proporcionalidade em sentido estrito.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

20

uma simples ideia de necessidade até ao conceito que encontra-mos hoje. Tal significa que o termo proporcionalidade passa a ser usado em duas acepções – quer em sentido amplo, como “macro--conceito” que por sua vez se desdobra nos conceitos de necessi-dade, adequação, e proporcionalidade em sentido estrito; quer em sentido estrito, para designar o último dos subprincípios.

Com isto não temos ainda, contudo, toda a terminologia moderna em torno do princípio da proporcionalidade. Estava por estrear uma outra linha terminológica, que rivalizaria daí em dian-te com o termo “proporcionalidade” – a da “proibição do excesso”. Para tal foi decisivo o contributo da doutrina, principalmente a de Lerche, na década de 60. Na linha da obra de Jellinek (lembre--se que terá sido este a introduzir a expressão Übermaß), o autor avançou o princípio fundamental da proibição do excesso, que en-globaria dois outros, o da proporcionalidade e o da exigibilidade31, aos quais Lerche atribuiu a função de critérios de valoração de interesses, que devem servir de directrizes à acção do legislador. A sua obra é considerada “o ponto de ruptura literária entre a história e a pré-história do princípio”32, pois, se a década de 50 se afirmara como uma época de transição, a de 60 viu completado o processo de formação do princípio na sua configuração moderna, abandonando também a perspectiva clássica que o vinculava ao direito administrativo de polícia.

No espaço jurídico português, foi só na década de 70 que o princípio da proporcionalidade logrou o seu acolhimento, come-çando a ser objecto de referências sistemáticas e consistentes por parte da doutrina33. Citemos, para este efeito, Vital Moreira, que em 1973 veio afirmar que as restrições dos efeitos fundamentais motivadas pela defesa de um interesse público ou bem comum se encontram limitadas “pela necessidade da sua adequação e propor-ção ao fim que a motivou (princípio da proporcionalidade)”34. Um

31 Cf. resumo em Karl lArenz, Metodologia da Ciência do Direito, 577 s.32 Vitalino CAnAs, «O princípio da proibição do excesso na Constituição».33 Cf. resumo em Vitalino CAnAs, «O princípio da proibição do excesso

na Constituição», 341 s.34 Vital moreirA, A ordem jurídica do capitalismo, 149-150: “Os direitos fun-

damentais económicos (...) têm por objecto impedir o estado de restringir ou eliminar o domínio de liberdade circunscrito por cada direito. (...) Evidentemente, a não intervenção do estado não

O Princípio da Proporcionalidade

21

tratamento mais aprofundado do tema devemo-lo a Gomes Cano-tilho35, como também a primeira tentativa sistematizada de distin-ção entre as três dimensões daquele a que se refere como “princí-pio material da proibição do excesso”36. Mas foi apenas depois da adopção do princípio da proporcionalidade pela Constituição da República Portuguesa, em 197637, que as referências literárias se multiplicaram, acompanhadas pela jurisprudência de um Tribunal Constitucional recém-criado que, logo nos seus primeiros anos de funcionamento, não raras vezes foi apelando ao princípio da pro-porcionalidade38.

Também a carga ideológica do princípio não ficou imune aos últimos decénios. De facto, estará ainda por analisar uma úl-tima dimensão que se instalou recentemente na ideologia deste princípio, fruto de movimentos filosóficos do século XX – a di-mensão axiológica. Quando o paradigma do século anterior entra em crise – falamos, como será claro, do positivismo jurídico39 –, é

é um absoluto, é apenas um limite, dado que o ‘interesse público’ ou o ‘bem comum’ podem justificar certas restrições. No entanto, essa restrição está limitada, quer pela necessidade da sua adequação e proporção ao fim que a motivou (princípio da proporcionalidade), quer pela intocabilidade do mínimo de esfera de liberdade (princípio da intocabilidade do núcleo essencial do direito fundamental)”.

35 J. J. Gomes CAnotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, 333: “Finalmente, a lei e a administração estão submetidas a um sistema de valores e princípios jurídicos materiais (...). Sirvam-nos de exemplo os princípios constitucionais da ne-cessidade, proporcionalidade e idoneidade. Este último proíbe a aplicação de meios inadequados para a obtenção do fim a prosseguir; o primeiro exige que na eleição entre os vários meios idóneos se escolha aquele que tiver consequências prejudiciais mínimas para as pessoas de direito privado interessadas e para os contribuintes; finalmente, o princípio da proporcionalidade proíbe a adop-ção, para um fim concreto, de uma medida, idónea e necessária, mas cujos numerosos prejuízos não são proporcionais ao êxito procurado e alcançado”.

36 J. J. Gomes CAnotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, 329.

37 Ver infra, pág. 13 (“Concretização constitucional”).38 Cf. ac. n.º 11/83, disponível em: <http://www.tribunalconstitucio-

nal.pt/tc/acordaos/19830011.html>; e ac. n.º 25/84, disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19840025.html>. Neste último, o primeiro acórdão sobre a interrupção voluntária da gravidez, o Tribunal adere claramente à classificação tripartida do princípio da proporcionalidade: “Em todo o caso, sempre seria de acentuar que no confronto de um valor não juridicamente subjectivado — o da vida humana intra-uterina — com outros valores juridicamente subjectivados na mulher grávida, com a natureza de direitos fundamentais, é lícito admitir a possibilidade de sacrifício daquele, que não deixe de observar os aludidos três requisitos [proporcionalidade, necessi-dade e adequação]”.

39 O positivismo jurídico terá sido a corrente da filosofia do Direito e do

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

22

não sem sucesso que assistimos a uma tentativa de renovação da filosofia do direito e do Estado, através de sucessivas propostas que, desta sorte, recebem o nome de pós-positivistas. No início deste movimento, orientado para a metodologia e só mais tarde para a ética e a ontologia jurídicas, podemos colocar a obra do alemão Rudolf Stammler, que é assim caracterizada pelo “aban-dono do positivismo”40. Esta viragem foi conseguida resolvendo uma questão deixada em aberto pelas obras de Jhering e de Heck – a da valoração dos fins41. Pois se para estes autores os fins eram, simultaneamente, o objecto e o critério de valoração, Stammler deu um passo em frente ao propor como critério superior a própria ideia de Direito. Neste sentido se orientaram as obras de Wes-termann, Hubmann e Reinhardt, tendo fundado a corrente me-todológica da Wertungsjurisprudenz (jurisprudência da valoração), baseada na convocação de elementos normativos como critérios de uma ponderação teleológica. Certo, a última palavra em ter-mos de pensamento jurídico de orientação axiológica estava longe ser dada – invoquem-se os nomes de Kaufmann, Larenz ou, mais recentemente e na nossa Escola, o de Castanheira Neves –, mas a perspectiva positivista estava definitivamente ultrapassada na sua

Estado surgida no século XVIII com o pensamento moderno-iluminista e cujos vestígios encontramos ainda hoje. A sua premissa principal seria a da identifica-ção do Direito com a lei, prescrição imperativa dotada de racional universalidade, pelo que também é frequente a designação de positivismo legalista. A sua expres-são metódica encontramo-la no “método jurídico”, resultado da convergência de duas escolas positivistas – a Escola da Exegese francesa e a Escola Histórica alemã –, tendo dominado a aplicação do direito durante todo o século XIX. Este desdobrar-se-ia em três momentos: o momento científico, de redução do jurídico a categorias formais; o momento hermenêutico, de interpretação em abstracto; e o momento de aplicação lógico-dedutiva segundo o esquema do silogismo sub-suntivo, tendo assim aberto caminho a um pensamento jurídico puramente for-mal. Cf. António Castanheira neves, «Método Jurídico», 301 s.

40 Karl lArenz, Metodologia da Ciência do Direito, 97 s.41 Jhering, e o lema da sua obra emblemática Der Zweck im Recht – “o

fim é criador de todo o direito” –, terão servido de inspiração a Heck, expoente máximo da Jurisprudência dos Interesses e que viria revolucionar a aplicação do direito, substituindo o método lógico-formal positivista por um método de apre-ciação ponderada de uma situação factual e de apreciação de interesses. Porém, esta apreciação esgotar-se-ia numa mera preferência de um interesse sobre o ou-tro, e desta forma os interesses seriam simultaneamente “objecto de valoração” e “critério de valoração”, originando uma insuficiência criteriológica comum a todo o pensamento jurídico de cariz sociológico. Cf. António Castanheira neves, «Jurisprudência dos Interesses», 215 s.; e ainda, «As fontes do direito e o problema da positividade jurídica», 216-236.

O Princípio da Proporcionalidade

23

premissa básica, pelo reconhecimento de uma intenção axiológico--normativa ao Direito.

A teoria do Estado não ficou imune a esta revolução. O reco-nhecimento de valores como elementos ordenadores dos fins a per-seguir pela norma legal significava o abandono do Estado de Direito formal por um Estado de Direito material, um Estado cuja acção estaria conformada pelo Direito não só na forma, mas também no conteúdo – numa palavra, o Estado estaria vinculado à prossecução de ideais de Justiça42 e deveria nortear-se pelos valores últimos do Direito. Ora, esta exigência não deixou de se fazer sentir no princí-pio da proporcionalidade, princípio na sua essência informador da acção estatal. Assim, o momento axiológico foi transposto para este princípio através do último dos seus subprincípios, o da proporcio-nalidade em sentido estrito. Para além do teste da necessidade e da adequação, a relação entre os meios e os fins da acção deveria mostrar-se estritamente proporcional, isto é, conforme aos valores a que o Estado e a sua acção estariam agora vinculados.

E com esta última nota chegamos, então, aos dias de hoje, em condições de analisar o significado de um princípio assim formado.

Significado do princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade é um “princípio geral de direito, constitucionalmente consagrado, conformador dos actos do poder público e, em certa medida, de entidades privadas, de acordo com o qual a limitação instrumental de bens, interesses ou valores subjectivamente ra-dicáveis se deve revelar idónea e necessária para atingir os fins legítimos e concretos que cada um daqueles actos visam, bem como axiologicamente tolerável quando confrontada com esses fins”43. Analisemos cada uma das dimensões desta definição.

Fundamentação

O princípio de proporcionalidade é hoje aceite como princípio geral de direito44. Se é verdade que a sua força radicaria,

42 Jorge mirAndA, Manual de Direito Constitucional, 219.43 A definição é de Vitalino CAnAs, «Proporcionalidade (Princípio da)», 591 s.44 Mesmo quando os índices ideográficos dos manuais não o referem,

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

24

já desde a Antiguidade, na própria ideia de Direito e Justiça, a recente autonomização do princípio e a sua deslocação para novos territórios, nomeadamente o da legislação, trouxe consigo a necessidade de uma fundamentação mais sólida. Assim, numa primeira fase, vemos como esta tentativa de fundamentação foi lograda pela referência ao princípio do Estado de Direito45. Nesta linha se situa Gomes Canotilho, identificando o princípio da proibição do excesso como um “subprincípio concretizador” do princípio do Estado de Direito democrático46. Porém, esta fundamentação cedo se revelaria insuficiente, especialmente quando confrontada com as diversas precipitações históricas do Estado de Direito. Será, sem dúvida, pertinente perguntarmo-nos qual delas fundará o princípio da proporcionalidade – o Estado de Direito fundado no dogma liberal da não ingerência? O Rechtsstaat formal de finais do século XIX? A versão do Estado social ou, mais recentemente, a do Estado pós-social? Estas questões motivaram uma procura de fundamentação noutros domínios.

Neste sentido se moveu a doutrina portuguesa, estabelecen-do o princípio da proporcionalidade na essência dos direitos fun-damentais, na proibição geral do arbítrio, no valor da dignidade da pessoa humana e nas ideias de Direito e Justiça47. Ora, a ligação do princípio da proporcionalidade à ideia de protecção do núcleo essencial dos direitos fundamentais48 e à proibição do arbítrio49,

diz-nos Vitalino CAnAs, «Proporcionalidade (Princípio da)».45 Cf., a título de exemplo e na jurisprudência portuguesa, o ac. n.º 282/86

(disponível em: <http://www.tribunalconstitucional .pt/tc/acordaos/19860282.html>): “Nestes termos, ela tem de considerar-se como afrontosa do princípio constitucional invocado [princípio da proporcionalidade], o qual encontra afloramento no artigo 18º, nº 2, da CRP [Constituição da República Portuguesa]e sempre há-de reputar-se como componente essen-cial do princípio do Estado de direito democrático (cf. o artigo 2.º da CRP)”.

46 J. J. Gomes CAnotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, 266 s.

47 Vitalino CAnAs, «Proporcionalidade (Princípio da)».48 José Carlos Vieira de AndrAde, Os direitos fundamentais na Constituição

Portuguesa de 1973, 240: “O dever de protecção [dos direitos fundamentais] aparece, como vi-mos, associado a um imperativo de protecção suficiente, formulado negativamente como princípio de proibição do défice (...), não tem de ser visto como uma protecção mínima, mas também não impõe uma protecção máxima, seja na medida em que tem de respeitar o princípio da propor-cionalidade quando atinja outros direitos e liberdades ou valores comunitários relevantes...”.

49 J. J. Gomes CAnotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, 457: “O princípio da proibição do excesso (...) constitui um limite constitucional à

O Princípio da Proporcionalidade

25

ao confinar a sua aplicação às restrições de direitos, afigura-se algo limitativa; pelo que, em último termo, a fundamentação do prin-cípio da proporcionalidade tem de se procurar num valor superior. Este valor não será outro senão o da dignidade humana, diz-nos Vitalino Canas, que funda na “dignidade e autonomia da pessoa” o princípio da proporcionalidade, “via valores da liberdade, auto-nomia e livre expressão e desenvolvimento da personalidade”50. E, se entendermos que a dignidade humana será o valor mais ele-vado que informa o Direito e a sua protecção o escopo último do Estado, então veremos o princípio da proporcionalidade ancorado não só numa acepção material do Estado de Direito, mas ainda na própria ideia de Direito e de Justiça51.

Aplicação: extensão e destinatários

Se inicialmente confinado ao campo do direito de polícia, o percurso do princípio da proporcionalidade foi de uma “marcha triunfal”, invadindo domínios materiais cada vez mais extensos – primeiro o da actividade administrativa, estendendo-se de seguida para todos os actos restritivos de direitos fundamentais – para hoje vincular todos os actos dos poderes públicos enquanto princípio geral de direito, e tendo recentemente invadido também o domí-nio do direito privado. As referências constitucionais ao princípio confirmarão esta tendência expansiva52.

Apesar de o princípio não esgotar as suas possibilidades de aplicação no campo das restrições de direitos fundamentais, tere-mos de reconhecer que será nele que o princípio encontra a sua expressão mais forte. Invoquemos, para este efeito, o exemplo do

liberdade de conformação do legislador. A Constituição, ao autorizar a lei a restringir direitos, liberdades e garantias (...), impõe uma clara vinculação ao exercício dos poderes discricionários do legislador”.

50 «Proporcionalidade (Princípio da)».51 O princípio da proporcionalidade decorrerá mesmo “directamente da no-

ção de justiça, de ‘justa medida’”, diz-nos Karl lArenz, Metodologia da Ciência do Direito, 51. Cf. ainda Diogo Freitas do AmArAl, «Direitos fundamentais dos administra-dos», 18 s. O autor defende (no âmbito da validade do acto administrativo) que uma violação do princípio da proporcionalidade será uma violação do valor da justiça, “o valor jurídico supremo”.

52 Ver infra.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

26

direito fiscal e do direito penal. Aí, o princípio assume o papel de instrumento de protecção da liberdade do indivíduo perante a sociedade, na medida em que esta lhe imponha um sacrifício dos seus direitos fundamentais para perseguição de um interesse pú-blico e do bem-comum. Mas não é apenas esta a configuração da relação regulada pelo princípio. Também os interesses colectivos, de grupos ou instituições, não podem escapar, no contexto de um Estado contemporâneo, ao jogo de interesses arbitrado pelo prin-cípio da proporcionalidade, e o mesmo se poderá dizer quanto aos interesses privados.

O princípio da proporcionalidade “aplica-se a todas as es-pécies de actos dos poderes públicos”53, seja o poder legislativo, o poder administrativo ou o poder judicial. A vinculação da ac-tividade da administração a este princípio não nos deixará dúvi-das (“Os órgãos e agentes administrativos [...] devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios [...] da proporcionalidade”, artigo 266.º/2 Constituição); e, se dúvidas subsistirem quanto à vinculação do legislador e do juiz – estas não seriam infundadas, dada a ausência de referências constitucionais expressas –, basta atender ao princípio do Estado de Direito acolhido pela Constitui-ção. Com efeito, o princípio do Estado de Direito consagrado no nosso texto constitucional é assaz generoso, englobando os “me-canismos mais sofisticados” de resposta ao problema do equilíbrio entre a protecção da liberdade e a procura da solidariedade, coesão e democracia54. Pelo que toda a organização do poder político está vinculada à garantia e promoção dos direitos fundamentais dos cidadãos, quer estejamos perante direitos, liberdades e garantias; direitos sociais e económicos; mecanismos de integração e auto--protecção; ou ainda direitos políticos. Nestes termos, o princípio da proporcionalidade aparece-nos enquanto uma das expressões constitucionais do princípio do Estado de Direito55, estendendo-se assim a todos os poderes públicos.

Mais polémica apresenta-se-nos, entretanto, a questão de saber se o princípio da proporcionalidade vinculará ou não o

53 J. J. Gomes CAnotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, 272.54 Vitalino CAnAs, «Proporcionalidade (Princípio da)».55 Jorge mirAndA, Manual de Direito Constitucional, 222.

O Princípio da Proporcionalidade

27

exercício de poderes por parte de sujeitos e entidades privadas. A resposta da doutrina parece ser positiva56. Apesar de o valor da autonomia privada gozar de uma primazia que o torna imper-meável aos sacrifícios eventualmente impostos pelo princípio da proporcionalidade, não nos é possível afirmá-lo em absoluto. Esta impossibilidade decorre do artigo 18.º/1 da Constituição (“Os pre-ceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias [...] vinculam as entidades públicas e privadas”), que vincula tanto as enti-dades públicas como as entidades privadas ao regime consagrado de protecção dos direitos fundamentais. Já vimos como o princípio da proporcionalidade assume um papel essencial na sua defesa, pelo que se tem de admitir não só limitações a outros direitos em nome da autonomia privada, mas também – e é isto que importa acentuar – restrições ao próprio exercício da autonomia nas rela-ções entre particulares.

Subprincípios: adequação, necessidade e proporcionali-dade em sentido estrito

1) Adequação

O teste da adequação ou idoneidade consiste num contro-lo meramente empírico da “relação de adequação medida-fim”57. Assim, a pergunta para a qual se pretende resposta com este teste é a seguinte: a medida proposta é capaz de atingir o fim com ela visado?

Convém sublinhar que esta avaliação se desenrola em ter-ritórios estranhos a quaisquer aspectos normativos, recorrendo antes a critérios empíricos e qualitativos. A racionalidade que con-voca é, por isso, a do “discurso de referência objectiva” de que nos fala Castanheira Neves, com maior relevo para a sua modalidade técnico-finalística58. Esta racionalidade teórica, que se confunde

56 Cf. Vitalino CAnAs, «Proporcionalidade (Princípio da)», 635.57 J. J. Gomes CAnotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, 270.58 António Castanheira neves, Metodologia Jurídica: Problemas fundamentais,

36: “O discurso, por último, que se mantém numa referência objectiva à realidade, mas em que a realidade é apenas considerada como condição e possibilidade para a consecução de certos

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

28

com a racionalidade finalística weberiana (Zweckrationalität)59, caracteriza-se por uma perspectiva funcional da realidade, que se organiza segundo um esquema técnico meio-fim.

Uma outra questão que se levanta é a de saber se a adequa-ção comporta igualmente um juízo acerca do grau de eficiência da medida proposta. Nesta perspectiva, não só se avaliaria se a medida seria capaz de atingir o fim, mas se o faria conseguindo re-sultados óptimos. Ora, a resposta parece-nos ser negativa. Escapa à intenção do princípio da proporcionalidade a optimização da re-lação meio-fim, pelo que uma medida é considerada idónea desde que se revele capaz de atingir o seu objectivo, ainda que o faça de forma pouco eficiente.

Por fim, certamente se compreenderá que os fins que a nor-ma visa prosseguir terão de ser fins legítimos, o que leva alguns autores a afirmar a legitimidade dos fins como um momento au-tónomo, anterior ao da adequação. Não o faremos, posto que en-tendemos que este requisito está implícito na própria aplicação do princípio da proporcionalidade.

2) Necessidade

A medida julgada adequada em fase anterior é, em seguida, su-jeita ao teste da necessidade ou exigibilidade. Como sabemos, a ideia da necessidade esteve na origem do próprio princípio da proporcio-nalidade, decorrendo do direito do cidadão à “menor desvantagem possível”60 – o Estado deve empregar, dentro do possível, as medidas menos lesivas ou onerosas para o cidadão. Este princípio visa assim

fins propostos ou programados, segundo uma relação funcional (função-efeitos) ou o esquema “técnico” (meio-fim), e no qual a validade é a adequação funcional ou aptidão instrumental e a racionalidade eficiência ou eficácia – é o discurso funcional ou instrumental e de uma racionali-dade funcional técnico-finalística”.

59 A racionalidade finalística (Zweckrationalität) terá sido proposta por Max Weber, opondo-se à racionalidade axiológica (Wertrationalität). Uma acção zweckrational será aquela acção “orientada segundo meios, tidos subjectivamente por adequa-dos para alcançar fins subjectiva e claramente concebidos”. Já uma acção wertrational será determinada “através da crença consciente no próprio valor incondicionado, em sentido ético, religioso ou outro, de um determinado comportamento puramente como tal e independentemente do resultado”. Citando Weber, António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 37.

60 J. J. Gomes CAnotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, 270.

O Princípio da Proporcionalidade

29

assegurar que os meios empregues são absolutamente necessários à prossecução dos fins, procurando responder à pergunta: a medida proposta é a medida menos lesiva possível?

A operação principal será, portanto, a operação da compara-ção. O juízo da necessidade faz-se, não em termos absolutos, mas em termos relativos, pois pressupõe uma comparação entre uma medida adequada e outras medidas também adequadas. Numa pa-lavra, uma medida será necessária se, em comparação com outras medidas idóneas a atingir o mesmo fim, se revelar a menos lesiva. Por outro lado, será desnecessária se não resistir a esta compara-ção, chegando-se à conclusão que existiriam outros meios que atin-giriam o mesmo fim com menor desvantagem para o cidadão. Pelo que a avaliação da necessidade se afigura mais complexa do que a da adequação. Com efeito, a comparação do grau de lesividade de duas medidas não se basta com critérios empíricos e quantitativos, sendo necessário recorrer a instrumentos de ordem qualitativa que atendam à natureza dos direitos e interesses em causa61 e, quando aquelas sacrifiquem bens, interesses ou valores idênticos, critérios de ponderação valorativa que permitam optar entre eles.

Face ao carácter relativo desta operação, a doutrina avançou critérios densificadores que permitem uma “maior operacionali-dade prática”62. Assim, a máxima da necessidade desdobra-se em quatro requisitos: a necessidade material, que exige que as restri-ções aos direitos fundamentais sejam mínimas; a necessidade espa-cial, que limita o âmbito de intervenção da medida; a necessidade temporal, respeitante à delimitação da medida no tempo; e a ne-cessidade pessoal, exigindo que as pessoas afectadas sejam apenas aquelas cujos interesses devem ser efectivamente lesados.

Finalmente, outras compreensões existem deste princípio que divergem da por nós adoptada. Alguns autores têm incluído neste teste a medida da eficácia da norma; isto é, uma medida seria desnecessária se houvesse outra menos lesiva e igualmente eficaz na prossecução do fim visado. Esta é a posição adoptada pelo Tri-

61 Com os critérios qualitativos, pretende-se averiguar que tipo de lesão a medida comporta e que tipo de bens, interesses ou valores esta sacrifica. Já os critérios quantitativos são utilizados na medição do grau de intensidade da lesão.

62 J. J. Gomes CAnotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, 270.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

30

bunal Constitucional Federal da Alemanha – que é, não obstante, uma posição assaz polémica. Apesar de Vitalino Canas63 admitir que a opção por uma destas estratégias dependerá do contexto concreto, a nossa posição é a de, à partida, negar a hipótese de incluir no teste da necessidade juízos de eficiência, sob pena de sujeitar o princípio da proporcionalidade a uma racionalidade instrumental.

3) Proporcionalidade em sentido estrito

Depois de se concluir da adequação e necessidade da me-dida, esta é então sujeita ao teste da proporcionalidade em senti-do estrito (ou racionalidade), que tem por objectivo aferir da sua validade material, perguntando: o sacrifício imposto pela medida proposta é admissível à luz de parâmetros normativo-axiológicos?

O jogo do princípio da proporcionalidade em sentido estrito já não se fará, por isso, entre meios e fins, mas sim entre bens, interesses e valores. Com efeito, coloca-se em confronto os bens, interesses e valores perseguidos pela medida, e que esta atingiria – sendo a medida considerada proporcional em sentido estrito se a satisfação dos interesses conseguida for proporcional ao sacrifí-cio exigido64. A proporcionalidade assume, então, o significado de “justa medida”; numa palavra, pretende-se saber se os resultados obtidos estão numa relação de “medida” ou de “desmedida”65 com a carga lesiva que acarretam.

O juízo da proporcionalidade em sentido estrito é, como fa-cilmente se compreende, um juízo de ponderação normativa. Pelo que a racionalidade que lhe subjaz não pode ser outra senão a racionalidade axiológica (Wertrationalität) de Weber66, que Casta-

63 Cf. Vitalino CAnAs, «Proporcionalidade (Princípio da)», 627.64 Este confronto é feito nos mesmos termos do que uma análise econó-

mica de custos e benefícios, pelo que em França a proporcionalidade em sentido estrito recebe também o nome de bilan coût-avantages. Esta designação será, porém, algo redutora, escapando-lhe a dimensão normativa do princípio.

65 J. J. Gomes CAnotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, 270.

66 No entanto, e apesar de Weber nos descrever uma acção wertrational como aquela que é determinada “através da crença consciente no próprio valor incon-dicionado, em sentido ético, religioso ou outro, de um determinado comportamento puramente como tal e independentemente do resultado” (António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 37), estes princípios axiológicos fundam a acção não enquanto critérios

O Princípio da Proporcionalidade

31

nheira Neves identifica como sendo uma possível diferenciação da racionalidade prática, uma racionalidade comunicativa que se ma-nifesta num discurso argumentativo67. O objectivo deste discurso é a procura de “fundamentação ou justificação comunicativas”, pelo que a procura da validade material através deste juízo ponderativo parte, não de uma perspectiva absoluta e impessoal da realida-de, mas sim de uma perspectiva histórico-concreta, fundada numa “troca comunitária”.

4) Ordem de apreciação

Justifica-se ainda uma breve referência à ordem de apreciação destes subprincípios68. Com efeito, a aplicação dos três testes do princípio da proporcionalidade não obedece a uma ordem rigorosa, apesar de se poderem colocar duas restrições lógicas – a impossibi-lidade de aferição da necessidade sem um controlo prévio da ade-quação (uma medida necessária tem de permitir atingir o fim); e a impossibilidade de avaliação da proporcionalidade em sentido estri-to sem um controlo prévio da adequação ou da adequação e neces-sidade (também não faz decerto sentido averiguar se o sacrifício de um interesse é proporcional à satisfação do interesse perseguido se estes não estiverem numa relação meio/fim). Todas as outras hipó-teses (apreciação dos três subprincípios; apreciação da adequação; apreciação da adequação e necessidade; e apreciação da adequação

materiais, mas na qualidade de critérios formais e procedimentais. “Weber est un sceptique concernant les questions normatives: il est convaincu que la décision arbitrant entre différents systèmes de valeurs ne peut être rationnellement motivée. (...) Pourtant, la manière dont le sujet fonde ses préférences, la façon dont il s’oriente selon des valeurs est pour Max Weber un aspect sous lequel une action peut être considérée comme susceptible de rationalisation. (...) La rationalité des valeurs qui sous-tendent les préférences de l’action ne se mesure pas d’après la teneur matérielle mais d’après les propriétés formelles, c’est-à-dire d’après leur aptitude plus ou moins forte à fonder une façon de vivre régie par des principes”. Jürgen hAbermAs, Theorie des kommunikativen Handelns, 186.

67 António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 36-37: “Manifesta-se ela num discurso argumentativo, numa troca comunitária e dialógico-dialéctica de argumentos. Discurso que não visa (...) nem a necessidade da compossibilidade, nem verdade, mas a validade em sentido prático estrito (a fundamentação ou justificação comunicativas). Trata-se da raciona-lidade prática, em que vai excluído o absoluto e o impessoal e antes afirmado o histórico-concreto e a intencionalidade pragmática...”.

68 Cf. Vitalino CAnAs, «Proporcionalidade (Princípio da)», 629 e 630.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

32

e proporcionalidade em sentido estrito) são admissíveis, e a opção por uma delas dependerá da interpretação da norma.

Concretização constitucional

Ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, nos quais a recepção na jurisprudência do princípio da proporcionalidade não foi acompanhada de uma efectiva positivação constitucional – é o caso da Alemanha, Suíça, Áustria, Itália ou França –, o princípio logrou consagração no texto constitucional português, onde se des-cobrem numerosas referências ao princípio69.

Será de destacar a diversidade das fórmulas consagradas, desde “respeito pelo princípio da proporcionalidade” (artigo 19.º/4) a “limitar-se ao necessário” (artigo 18.º/2) e “outra medida mais favorável” (artigo 28.º/2). Ora, a tese que faz corresponder estas diferenças semânticas a diferentes intencionalidades parece-nos insustentável – embora aparente encontrar um forte argumento no artigo 19.º/4,

69 Destacam-se as seguintes: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (artigo 18.º/2, 2.ª parte);“A opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência (...) devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se (...) ao estritamente necessário...” (artigo 19.º/4);“A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência confere às autori-dades competência para tomarem as providências necessárias e adequadas...” (artigo 19.º/8); “A prisão preventiva tem natureza excepcional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei” (artigo 28.º/2); “Os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurança privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais, salvas as limitações inerentes ao sentido da condenação e às exigências próprias da respectiva execução” (artigo 30.º/5); “No acesso a cargos electivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias...” (artigo 50.º/3); “O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais (...) procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística” (artigo 65.º/4); “Os órgãos e agentes administrativos (...) devem actuar, no exercício das suas funções, com res-peito pelos princípios (...) da proporcionalidade...” (artigo 266.º/2); “As associações públicas só podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas” (artigo 267.º/4); “A lei só pode estabelecer, na estrita medida das exigências próprias das respectivas funções, restrições ao exercício dos direitos...” (artigo 270.º); “As medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário” (artigo 272.º/2); “Quando a segurança pública, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo (...) o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade...” (artigo 282.º/4). Mas também na legislação ordinária se descobrem referências expressas ao prin-cípio da proporcionalidade. Cf., a título de exemplo, o artigo 5.º/2 do Código do Procedimento Administrativo (“As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”).

O Princípio da Proporcionalidade

33

que distingue “respeitar o princípio da proporcionalidade” e “limitar-se ao estritamente necessário” –, afigurando-se-nos mais correcta a via interpretativa que atribui estas oscilações ao “despertar gradual”70 para este princípio. Assim, todas estas fórmulas visam dar corpo constitucional ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo.

Todavia, casos existem em que o legislador quis autonomi-zar um dos subprincípios, remetendo para uma aplicação parcial do princípio da proporcionalidade. Veja-se, a título de exemplo, o artigo 28.º/2, cuja fórmula “medida mais favorável prevista na lei” parece remeter apenas para o teste da necessidade (que, por sua vez, pressupõe o teste da adequação)71. Esta via interpretativa afigura-se-nos, no entanto, perigosa. Se, em certos casos, a utili-zação de expressões que remetem para apenas uma das máximas corresponderá, de facto, a uma intenção de consagração parcial do princípio, o mesmo não se poderá afirmar em relação a outras ex-pressões. Com efeito, em matéria de restrições de direitos, liberda-des e garantias, a interpretação do princípio da proporcionalidade não pode ser outra senão aquela que a sua aplicação mais exigente requer, abrangendo assim os três testes da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. É o caso dos artigos 18.º/2, 19.º/4, 19.º/8, 30.º/5, 65.º/4 e 270.º.

70 Vitalino CAnAs, «O princípio da proibição do excesso na Constituição: arqueologia e aplicações», 347.

71 Vitalino Canas, explica-nos porquê. A própria Constituição encarrega--se de fazer a ponderação de valores característica do teste da proporcionalidade em sentido estrito, admitindo o sacrifício do valor da liberdade do indivíduo atra-vés da pena de prisão preventiva em detrimento da segurança comunitária e da investigação criminal. Assim, o juiz apenas deve averiguar se não há uma medida mais favorável ao arguido; numa palavra, se a pena de prisão preventiva é eficaz e necessária à prossecução daqueles valores. Vitalino CAnAs, «O princípio da proi-bição do excesso na Constituição: arqueologia e aplicações», 354.

34

O Princípio da Proporcionalidade

35

PARTE II

O Princípio da Proporcionalidade enquanto Esquema de Controlo do Poder LegislativoO princípio da proporcionalidade na jurisprudência cons-

titucional portuguesa

O princípio da proporcionalidade, enquanto princípio mate-rial de justiça vinculativo de todos os actos dos poderes públicos, cobra não obstante maior relevo no poder legislativo, posto que é neste que se colocarão com maior frequência conflitos de bens, interesses e valores. Com efeito, dada a sua dimensão imperativa e coerciva, o poder legislativo impõe, na prossecução de fins pú-blicos, especiais sacrifícios aos direitos fundamentais e a outros interesses individuais dos cidadãos.

Justifica-se, por essa razão, uma segunda abordagem, na qual analisaremos o papel do princípio da proporcionalidade enquanto esquema de controlo dos actos do poder legislativo pelo Tribunal Constitucional. Assim, afigura-se-nos pertinente isolar, ainda que brevemente alguns dos principais acórdãos72 que constituem a ju-

72 Estes acórdãos estão disponíveis, embora na sua versão não oficial,

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

36

risprudência do Tribunal Constitucional em matéria do princípio da proporcionalidade. Uma análise superficial, orientada apenas para a aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso concre-to, servirá os nossos propósitos.

Acórdão n.º 85/85: não declaração da inconstitucionalidade das normas do Código Penal que admitem a exclusão da ilicitude, em certos casos, da interrupção voluntária da gravidez. Entenden-do o Tribunal que “as medidas penais só são constitucionalmente admis-síveis quando sejam necessárias, adequadas e proporcionadas”, defende que não é “proporcionado impor à mulher grávida, mediante instrumen-tos penais, que sacrifique os seus direitos ou interesses constitucionalmente protegidos a favor da persistência da gravidez”. Por estar em causa o entendimento de que o sacrifício da vida intra-uterina é propor-cional, em certos casos, à defesa de certos direitos subjectivados na mulher grávida, a protecção de natureza penal daquela não se pode ter em termos absolutos.

Acórdão n.º 103/87: declaração da inconstitucionalidade da extensão de certas restrições ao exercício dos direitos por militares e por agentes militarizados dos quadros das Forças Armadas (entre os quais se incluem os agentes da Polícia de Segurança Pública), constante da Lei de Defesa Nacional das Forças Armadas. Está aqui em causa o artigo 270.º da Constituição, que, “ao condicionar a admissibilidade das restrições legais aos direitos pelo que é ‘estritamente’ exigido pelas ‘funções públicas’”, não faz mais do que “reafirmar, de um modo qualificado, (...) o princípio da proporcionalidade em sentido amplo”. Tal significa que “o padrão por onde há-de se guiar o legislador ordinário, e por onde há-de aferir-se a proporcionalidade (lato sensu) das restrições que o mesmo venha a introduzir, terá de ser o das ‘exigências das funções próprias’ das forças ou instituições aí consideradas”. A aplicação de al-gumas restrições aos agentes da PSP é considerada desproporcio-nada, isto é, não justificável à luz das exigências das suas funções.

Acórdão n.º 455/87: julgamento de não inconstitucionalida-de de normas imperativas em matéria de organização interna das associações sindicais. Este é um “domínio de forte incidência de auto-nomia”, e “os únicos limites que se admitem são os que decorrem do próprio artigo 55.º, ou seja, das regras da organização e da gestão democráticas

em: <http://www.tribunalconstitucional.pt /tc/acordaos>.

O Princípio da Proporcionalidade

37

(...). Só, pois, para realizar estes limites se poderá admitir a intervenção do legislador ordinário estabelecendo normas imperativas em matéria de organização sindical”. Trata-se aqui de uma situação de conflito en-tre a liberdade de organização sindical, decorrente do princípio de autonomia, e o princípio democrático. Ora, a Constituição, no artigo 55.º/3, parece encarregar-se de fazer a ponderação valorativa entre os dois, afirmando que aquele é limitado por este. O Tribunal apenas terá, pois, de averiguar se esta limitação é adequada e ne-cessária. No mesmo sentido vai o Acórdão n.º 64/88.

Acórdão n.º 39/88: declaração da inconstitucionalidade da privação do direito à indemnização dos condenados por sentença transitada em julgado, pela prática de actos dolosos ou culposos na direcção das empresas que dirigem ou de que são accionistas. Este acórdão é bastante importante, sendo citado não raras vezes, por estabelecer uma relação entre o princípio da igualdade e o princí-pio da proporcionalidade: “A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio ob-jectivo, ‘reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade’”.

Acórdão n.º 634/93: julgamento de inconstitucionalidade de uma norma do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante que estabelece a punição como desertor daquele que, sendo tripu-lante de um navio e sem motivo justificado, o deixe partir para o mar sem embarcar, ainda que não desempenhe funções de relevo no navio. Este acórdão é também merecedor de destaque, por dois motivos. Em primeiro lugar, o princípio da proporcionalidade apa-rece-nos aqui, não como um limite a restrições de direitos funda-mentais, mas como um requisito aplicado a normas penais incrimi-natórias: “Não devem constituir crimes (...) as condutas que, entre outras, ‘violando embora um bem jurídico, possam ser suficientemente contrariadas ou controladas por meios não criminais de polícia social (...). Haverá que pesar os diversos bens e valores em causa para efectuar uma ‘ponderação de interesses segundo as circunstâncias do caso concreto’, para averiguar ‘se o sacrifício dos interesses individuais que a ingerência comporta mantém uma relação razoável ou proporcionada com a importância do interesse estatal que se trata de salvaguardar”. Por outro lado, a decisão de inconstitu-

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

38

cionalidade do Tribunal fundamenta-se na última das vertentes do princípio da proporcionalidade, pois “ao tornar criminosa a conduta de um trabalhador de bordo cujas funções não estão directa e normalmen-te relacionadas com a segurança do navio, mas apenas têm a ver com a actividade económica através dele exercida, a norma em causa revela-se excessiva”. No mesmo sentido vai o Acórdão n.º 274/98, que julga constitucional uma norma legal que criminaliza a desobediência ao acto administrativo de demolição pelo particular de uma obra não licenciada, por entender que a intervenção do direito penal é proporcional às necessidades de ordenamento urbanístico e defesa do ambiente.

Acórdão n.º 1182/96: julgamento de inconstitucionalidade de uma norma que regula a taxa de justiça de um dado processo, com fundamento na violação do princípio da proporcionalidade na sua terceira dimensão. Este acórdão afigura-se-nos relevante vis-to tratar-se de um conflito entre o direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º/1 Constituição) e o interesse público constitu-cionalmente protegido e visado com a tributação da satisfação das necessidades financeiras do Estado (artigo 103.º/1 Constituição). Entendendo o Tribunal que o sacrifício do primeiro em detrimento do segundo é adequado e “significa a menor desvantagem possível” (ne-cessário), “haverá então que pensar em termos de ‘proporcionalidade em sentido restrito’, questionando-se ‘se o resultado obtido (...) é proporcional à carga coactiva’ que comporta. A ponderação de meios e fins a que somos conduzidos não pode deixar de ter presente os quantitativos concretos das custas no processo tributário e, em função disso, não pode deixar de condu-zir à conclusão que os valores em causa (...) se revelam manifestamente ex-cessivos e desproporcionados (...), tomando como paradigma ‘a capacidade contributiva do cidadão médio’”.

Acórdão n.º 201/00: julgamento de inconstitucionalidade de normas legais que punem a caça em zonas interditas, com a interdição necessária de caçar por um período de cinco anos e com a perda necessária dos instrumentos de caça. Entende-se que a primeira medida viola o princípio da igualdade em conjunção com o da proporcionalidade, enquanto que a segunda viola apenas o princípio da proporcionalidade. O relevo deste acórdão reside na tese defendida de que, em geral, a cominação de penas fixas, isto é, “a impossibilidade de individualização da sanção penal em conformidade

O Princípio da Proporcionalidade

39

com o caso concreto”, viola o princípio da igualdade e da proporciona-lidade. Com efeito, “a gravidade das penas (...) há-de ser proporcional à gravidade das infracções cometidas”, e assim a previsão abstracta de uma pena pela lei “acarreta, pois, necessariamente um obstáculo à ponderação concreta da proporcionalidade”. No Acórdão n.º 176/00, o Tribunal julga também inconstitucional a perda necessária dos instrumentos do crime.

Acórdão n.º 484/00: julgamento de não inconstitucionalida-de de uma norma que prevê o indeferimento tácito do pedido de legalização de obras já realizadas. Entende-se que, mesmo que se tratasse aqui de uma restrição a um direito, liberdade ou garantia (o ius aedificandi, enquanto dimensão do direito de propriedade), o sacrifício deste em detrimento da prossecução do interesse público do ordenamento do território não violaria o princípio da propor-cionalidade. Note-se que o Tribunal inicia a sua argumentação ci-tando a doutrina (Gomes Canotilho) e afirmando que “o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de actos dos poderes pú-blicos. Vincula o legislador, a administração e a jurisdição”. Tratando-se da inconstitucionalidade de uma norma, o que cumpriria avaliar seria “a intervenção do legislador (...) com os limites assinalados”.

Acórdão n.º 187/01: não declaração de inconstituciona-lidade de normas legais que estabelecem um regime especial de propriedade privada que reserva a propriedade das farmácias aos farmacêuticos, restritivo do direito de propriedade privada (artigo 62.º/1 Constituição), de livre iniciativa económica privada (artigo 61.º/1 Constituição) e de liberdade de escolha de profissão (arti-go 47.º/1 Constituição). Este é dos acórdãos mais desenvolvidos naquilo que toca à argumentação em torno do princípio da pro-porcionalidade, importando assim analisá-lo com especial detalhe. Depois de expor, em traços gerais, a história e significado do prin-cípio (reconhece-o como “uma importante limitação do poder público” por “ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito” e enuncia os principais acórdãos que o aplicam), e seguindo a linha do Acórdão n.º 484/00, o Tribunal começa por definir o alcance da sua apre-ciação. “O princípio, e a sua prática aplicação jurisdicional” têm “um alcance diverso para o Estado-Administrador e para o Estado-Legislador”. Tratando-se de um controlo da actividade legislativa, e sendo re-conhecido ao legislador uma “prerrogativa de avaliação” na relação

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

40

empírica sócio-económica “entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e o grau de consecução de um determinado objectivo”, apenas cumpre ao Tribunal avaliar se ocorreu um erro manifesto nesta apreciação. A resposta é negativa. Estando em causa vários objecti-vos, que o Tribunal identifica, a solução legal é aquela que “permite simultaneamente assegurar mais facilmente, ou em medida mais intensa, os objectivos de saúde pública e de independência profissional referidos e estes outros, ligados à propriedade da farmácia”. Não poderemos deixar de destacar esta ideia de apreciação conjunta: quando confron-tado com várias finalidades (que se tenham no mesmo plano), a apreciação de proporcionalidade poderá exigir uma visão global de conjunto e uma apreciação simultânea do grau de prossecução de cada objectivo, estando-lhe subjacente uma ideia de optimização.

Acórdão n.º 96/05: não declaração de inconstitucionalidade de uma norma constante do Estatuto dos Eleitos Locais que esta-belece para os eleitos locais em regime de permanência, mas em não exclusividade, o mesmo regime de remuneração dos eleitos locais em regime de meio tempo. Tendo em conta que uma das dimensões do princípio da igualdade é “a proibição do arbítrio, que torna inadmissível a diferenciação de tratamento sem qualquer justifica-ção razoável, apreciada esta de acordo com critérios objectivos de relevân-cia constitucional, e afastando também o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais”, o Tribunal considera não ser violado o princípio da igualdade proporcional, encontrando-se a diferença de regimes de remuneração materializada “num conjunto muito vasto e complexo de direitos”.

Acórdão n.º 632/08: pronúncia pela inconstitucionalidade de uma norma do Código de Trabalho que alarga o período de experiência no contrato de trabalhadores indiferenciados, medida que restringe o direito à segurança do emprego (artigo 53.º Cons-tituição) em nome da livre iniciativa económica privada (artigo 61.º/1 Constituição). Este acórdão é, mais uma vez, de grande relevo para esta análise, por se encontrar assaz desenvolvido na-quilo que ao princípio da proporcionalidade respeita. Começa por avançar três notas, relativamente ao teste da proporcionalidade em sentido estrito (“relação concretamente existente entre a carga coacti-va decorrente da medida adoptada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar”); à ordem lógica de apli-

O Princípio da Proporcionalidade

41

cação dos três testes (“devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência do mais abstracto perante o mais concreto”); e à diferença de aplicação do princípio da proporcionalidade ao administrador e ao legislador (encontramos, mais uma vez, a ideia de que “o juízo de in-validade de uma certa medida legislativa, com fundamento em inobservân-cia de qualquer um dos testes que compõem a proporcionalidade, se há-de estribar sempre em manifesto incumprimento”). Não sendo líquido que a medida seja inadequada, e porque “a ‘passagem’ pelo primeiro teste da proporcionalidade não torna inútil, ou supérfluo, o exame que o segundo teste dispensa”, aquela é sujeita ao teste da necessidade. O acórdão desdobra-o em três outros testes: cumpre averiguar “se existiam, no caso, meios alternativos para a realização do mesmo fim; se entre esses meios havia, ou não, diferenças quanto ao grau da sua onerosidade para os destinatários das medidas restritivas; e se, finalmente, se tinha ou não escolhido, de entre eles, o meio mais benigno ou menos oneroso”. Nesta ava-liação, o Tribunal decide-se pela inconstitucionalidade do alarga-mento do período experimental de trabalhadores indiferenciados.

Acórdão n.º 396/11: não declaração da inconstitucionalida-de de normas constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2011 que determinam a redução remuneratória permanente de certos funcionários públicos. O Tribunal entende ser proporcional o sacrifício do princípio da protecção da confiança dos cidadãos (uma realização do princípio de Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição) ao combate ao défice orçamental, e não violador do princípio da igualdade. Não pode-remos deixar de chamar a atenção para este acórdão, na medida em que introduz uma novidade na apreciação da proporcionali-dade: a conjuntura económica e financeira actual. Com efeito, o Tribunal entende que “as medidas de redução remuneratória visam a salvaguarda de um interesse público que deve ser tido como prevalecente – e esta constitui a razão decisiva para rejeitar a alegação de que estamos perante uma desprotecção da confiança constitucionalmente desconforme”; por isso “as reduções remuneratórias não se podem considerar excessivas, em face das dificuldades a que visam fazer face”. É também de destacar a relação estabelecida entre o princípio da protecção da confiança e o princípio da proporcionalidade, sendo o cumprimento deste um dos critérios para o cumprimento daquele. Citando o Acórdão n.º 287/90: “[A] afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

42

inadmissível (…) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade…)”.

Acórdão n.º 353/12: declaração da inconstitucionalidade de normas constantes da Lei do Orçamento de Estado para 2012 que determinam a suspensão, total ou parcial, dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, para pessoas que auferem salários e pensões públicas, com fundamento na violação do princípio da igualdade, na sua dimensão de igualdade proporcional. Conclui-se que, como “ne-nhuma das imposições de sacrifícios descritas tem equivalente para a genera-lidade dos outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes, independentemente dos seus montantes”, “o diferente tratamento im-posto a quem aufere remunerações e pensões por verbas públicas ultrapassa os limites da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional”. Neste acórdão, que gerou grande controvérsia e ficou conhecido como o “acórdão dos subsídios”, o Tribunal faz algo que não encontramos frequentemente na sua jurisprudência – um juízo acerca das opções políticas do legislador. Assim: “apesar de se reconhecer que estamos numa gravíssima situação económico-financeira (…) tais objectivos devem ser al-cançados através de medidas de diminuição de despesa e/ou de aumento da receita que não se traduzam numa repartição de sacrifícios excessivamente diferenciada”. Ainda acerca da prossecução do interesse público do combate à crise financeira, embora se admita que “a Constituição não pode certamente ficar alheia à realidade económica e financeira”, é impera-tivo reconhecer que “ela possui uma específica autonomia normativa que impede que os objectivos económicos ou financeiros prevaleçam, sem quaisquer limites, sobre parâmetros como o da igualdade”.

Finda esta exposição (que se reconhece, mais uma vez, bre-víssima – a tarefa de analisar toda a jurisprudência constitucional nesta matéria seria, no mínimo, impraticável), cumpre agora con-cluir acerca do sentido que tem tomado o Tribunal Constitucional na aplicação do princípio da proporcionalidade.

1. O Tribunal Constitucional funda o princípio da propor-cionalidade no princípio geral do Estado de Direito, re-conhecendo-o como uma importante limitação ao exer-cício dos poderes públicos e aplicando-o enquanto tal em várias das suas decisões. Porém, o Tribunal distingue

O Princípio da Proporcionalidade

43

o alcance da aplicação do princípio da proporcionalida-de no controlo da actividade legislativa e administrativa. Tratando-se da primeira, a tendência tem sido a de reco-nhecer ao poder legislativo uma “prerrogativa de avalia-ção” da relação meio/fim da medida, pelo que apenas ca-berá ao Tribunal ajuizar da ocorrência ou não ocorrência de um “erro manifesto” nessa mesma avaliação.

2. Através do princípio da proporcionalidade, o Tribunal julga quer normas restritivas de direitos, liberdades e ga-rantias; quer normas penais incriminatórias. Nas primei-ras, resolve os conflitos de bens, interesses e valores que geralmente aparecem sob a forma de restrição a um di-reito em nome de outro direito ou de um interesse públi-co. É de notar que o Tribunal tem sido bastante generoso nos direitos que submete ao teste da proporcionalidade, aplicando-o mesmo quando não é líquido estar em causa uma restrição a um direito, liberdade ou garantia (tenha--se o exemplo do ius aedificandi, Acórdão n.º 484/00). Nas normas penais incriminatórias, a aplicação do prin-cípio da proporcionalidade cobra dois sentidos: avalia-ção da pertinência da intervenção do direito penal, isto é, se não seria possível o recurso a meios não criminais; e avaliação da constitucionalidade da cominação de penas fixas. O Tribunal tem-se inclinado para a tese geral da in-constitucionalidade destas últimas, visto obstarem a um indispensável juízo concreto de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade da infracção cometida.

3. O princípio da proporcionalidade aparece também fre-quentemente ligado ao princípio da protecção da con-fiança dos cidadãos e ao princípio da igualdade, enquan-to critério de verificação do cumprimento destes. Quan-to ao princípio da protecção da confiança dos cidadãos, é frequente citar-se o Acórdão n.º 287/90, que diz ser vio-lado o princípio na sua vertente material quando se veri-fica “uma mutação da ordem jurídica com que, razoavel-mente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar”, ou “quando [a medida] não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

44

constitucionalmente protegidos que devam considerar--se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade…)”. Já no que ao princípio da igual-dade diz respeito, o Tribunal tem-se pronunciado não raras vezes no sentido de considerar a igualdade jurídica como uma igualdade proporcional, o que se traduz numa obrigatoriedade de diferenciação de tratamentos mate-rialmente fundada: “A igualdade não é, porém, igualita-rismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tra-tem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado” (Acórdão n.º 39/88)73.

4. Sem embargo do que foi dito no ponto 1) e da adopção, em via de regra, da tese do “erro manifesto”, o Tribunal Constitucional tem contestado certas medidas legislati-vas restritivas na própria avaliação da relação meio/fim realizada pelo legislador, por considerar as restrições im-postas pelos meios normativamente desproporcionadas em relação aos fins que se pretendem tutelar. Tal ocorrerá principalmente em sede de políticas económico-financei-ras, que impõem sacrifícios aos cidadãos na prossecução de interesses públicos como os da estabilidade financeira e do combate ao défice orçamental. Um exemplo notó-rio tê-lo-emos no recente “acórdão dos subsídios”74, no qual o Tribunal, para além de considerar excessivamente onerosos os encargos impostos a certos cidadãos, afirma a impossibilidade de prevalência do interesse público na-quele caso e avança mesmo meios alternativos idóneos a atingir o objectivo visado pelo legislador. Esta decisão segue uma orientação claramente distinta daquela que apenas lhe reserva a verificação da ocorrência de um erro manifesto na avaliação do legislador. Vemos, assim, o princípio da proporcionalidade a transcender a função

73 Para um desenvolvimento da temática da igualdade proporcional, cf., por exemplo, J. J. Gomes CAnotilho, O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, 428 s.; e Martim de Albuquerque, Da Igualdade – Introdução à Jurispru-dência, esp. 72 s.

74 Ac. n.º 353/12, supra.

O Princípio da Proporcionalidade

45

de mero requisito de limitações aos direitos fundamen-tais para assumir o papel relevantíssimo de defesa da força normativa da Constituição da prossecução de ob-jectivos económicos e financeiros, papel este que cobrará ainda maior solenidade na conjuntura actual do País.

5. Finalmente, e numa tentativa de identificar uma orien-tação e um sentido evolutivo na aplicação do princípio – que, sabemo-lo, nunca se poderá ter em termos abso-lutos, mas apenas tendenciais –, podemos afirmar que, neste último decénio, o princípio da proporcionalidade tem conhecido na jurisprudência constitucional portu-guesa um movimento de densificação. Com efeito, se nos primeiros anos de funcionamento do Tribunal Consti-tucional as referências ao princípio da proporcionalida-de, apesar de abundantes, eram pouco claras e seguiam mesmo orientações distintas75, em anos mais recentes a sua aplicação segue uma orientação constante e é acom-panhada de uma argumentação uniforme e desenvolvida naquilo que respeita à fundamentação do próprio prin-cípio, ao seu âmbito de aplicação, e ao significado dos subprincípios da adequação, necessidade e proporciona-lidade em sentido estrito76. Como nota final, não será de surpreender tal preocupação de solidez na argumentação e na orientação por parte do Tribunal Constitucional – o princípio da proporcionalidade terá de ser reconhecido como um valiosíssimo instrumento de ponderação nor-mativa em situações de conflito de bens e valores jurídi-cos, que hoje, como veremos, se colocam com uma com-plexidade crescente.

75 Para além das decisões que aderiam aos três testes do princípio da pro-porcionalidade, encontramos outras que apenas falavam em proporcionalidade, ou em proporcionalidade em sentido amplo; e ainda aquelas que se referiam à propor-cionalidade e à necessidade como termos distintos, e sem clarificar se o primeiro era usado em sentido estrito ou em sentido lato. Para uma lista de acórdãos, até 1997, que seguem estas três orientações diversas, cf. vitalino CAnAs, «O princípio da proi-bição do excesso na Constituição: arqueologia e aplicações», 348 e 349.

76 A título de exemplo, cf. a argumentação dos ac. n.º 187/01 e 632/08, constantes da análise supra; e ainda os ac. n.º 119/10, 612/11 e 404/12.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

46

O sucesso do princípio da proporcionalidade na jurispru-dência constitucional

Analisando a jurisprudência do Tribunal Constitucional, não podemos deixar de ser confrontados com uma realidade: a do sucesso do princípio da proporcionalidade. Com efeito, não será certamente desmedido afirmar que a proporcionalidade se tornou um método de eleição do Tribunal Constitucional na resolução de casos que envolvam direitos fundamentais – e não só –, e os acór-dãos que o referem chegam aos dois milhares. Assim, o sucesso do princípio da proporcionalidade na jurisprudência constitucional portuguesa dos últimos dois decénios tem-se como uma realidade incontestável. Face a esta evidência, uma pergunta de imediato se nos coloca: como explicar este sucesso?

Ora, este fenómeno não se pode crer exclusivo da jurispru-dência constitucional portuguesa. Tribunais de todo o mundo77 têm acolhido generosamente o princípio da proporcionalidade nas suas decisões, de tal forma que se pode falar numa “propagação global da proporcionalidade”78, ou ainda, se quisermos, numa “era da proporcionalidade”79. No entanto, verifica-se que enquanto este progresso logrou noutros países um vasto reconhecimento doutri-nal, acompanhado de diversas tentativas de explicação, a doutrina portuguesa tem-se mostrado relutante em fazê-lo. O maior desen-volvimento doutrinal do princípio encontramo-lo em Vitalino Ca-nas ou em Gomes Canotilho80, que ficam todavia aquém de uma

77 Não nos sendo possível incluir a análise interessantíssima de direito comparado, bastar-nos-emos com uma referência a vários países nos quais este fenómeno de propagação da proporcionalidade se tem verificado de forma evi-dente: não só países europeus, incluindo a Europa de Leste e o Reino Unido; como também países não-europeus, como o Canadá, Israel, África do Sul, Brasil, Índia e Austrália. Os tribunais supranacionais, como o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, não escapam a este fenómeno. Cf. Mosche Cohen-eliyA – Iddo PorAt, «Proportionality and the Culture of Justification», 463-490.

78 “Global spread of proportionality”, Vlad Perju, «Proportionality and Free-dom – An essay on method in constitutional law».

79 “Era of proportionality”, Aharon bArAk, «Proportionality and Principled Balancing».

80 O primeiro na sua obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição; e o se-gundo, ainda que de forma mais desenvolvida, nos artigos «O princípio da proibição do excesso na Constituição: arqueologia e aplicações», e «Proporcionalidade (Princípio da)».

O Princípio da Proporcionalidade

47

análise que ofereça um acompanhamento suficiente da jurispru-dência nesta matéria. Podemos, assim, identificar a existência de uma “lacuna” na doutrina nacional, na qual o princípio da propor-cionalidade vê a sua relevância actual, no mínimo, mitigada.

No entanto – e é este outro aspecto que gostaríamos de frisar –, a explicação para o sucesso global deste princípio está longe de se ter em termos unânimes, abrangendo um vasto leque de pers-pectivas81. Ora, a maioria dos autores de direito comparado têm adoptado uma perspectiva instrumental82. Para estes, o apelo da proporcionalidade residirá no facto de proporcionar uma estrutura formal que permite a resolução de conflitos de interesses e valores, oferecendo a ilusão de que estes podem, de facto, ser hierarquiza-dos. O recurso a este princípio permitirá, então, disfarçar o exercí-cio da discricionariedade judicial; evitar conflitos sociais e promo-ver a estabilidade política; e ainda possibilitará, pela sua flexibili-dade, o livre desenvolvimento doutrinal. Outros autores propõem uma perspectiva material, oferecendo a inerente racionalidade do princípio como explicação para a sua adopção pelos tribunais.

81 Vlad Perju, «Proportionality and Freedom – An essay on method in constitutional law».

82 Para um desenvolvimento das várias explicações que têm sido ofereci-das, cf. Mosche Cohen-eliyA – Iddo PorAt, «Proportionality and the Culture of Justification». Os autores identificam quatro explicações principais, todas elas de carácter instrumental, que têm sido avançadas para o sucesso da proporcionalida-de a nível global (“the dramatic spread of proportionality”), oferecendo uma outra da sua autoria. As quatro explicações são: a “early legal development” (tendo em conta a existência recente da fiscalização judicial da constitucionalidade, o sucesso do princípio da proporcionalidade dever-se-á à sua flexibilidade inerente e ao facto de permitir o desenvolvimento livre da doutrina); a “pluralism and conflict manage-ment” (numa sociedade pluralista e onde os conflitos se colocam numa complexi-dade elevada, o princípio permitirá resolver um conflito normativo com base em factos e assim “lower the stakes of politics”); a “lingua franca” (o princípio permitirá, em tempos de pluralismo legal, a criação de uma linguagem global e comum que harmonizará as diferenças dos vários regimes legais); e a “raw judicial power” (que baseia a explicação numa luta de poderes e no facto de o princípio da proporcio-naldiade permitir disfarçar o exercício da discricionariedade judicial). Finalmente, a explicação avançada pelos autores funda-se na “culture of justification”, da qual falaremos mais à frente: “In constitutional law when we apply proportionality we ask go-vernment to justify its actions on substantive grounds. The global move toward proportionality is therefore a global move toward justification; it responds to a widespread and basic intuition: we want the government to justify any of its action”.

48

Não sendo nosso objectivo propor uma explicação para este fenómeno, avançaremos para uma terceira abordagem, que nos per-mitirá, porventura, fazer uma posterior aproximação a este problema.

49

PARTE III

O Princípio da Proporcionalidade enquanto Método Jurisdicional

de Resolução de Conflitos

A nossa terceira abordagem, que cremos ser uma abordagem original, consiste na proposta do princípio da proporcionalidade enquanto método jurisdicional de resolução de conflitos. Partindo da teoria dos direitos fundamentais de Alexy, e confrontando-a com a perspectiva metodológica jurisprudencialista de Castanhei-ra Neves, apresentaremos a tese de que o princípio da proporcio-nalidade permite ao juiz a construção de um método desonerador (veremos, mais à frente, em que termos) de resolução de conflitos de direitos fundamentais e outros bens, interesses e valores. No entanto, a nossa abordagem não se ficará por aqui: após caracteri-zarmos o método jurisdicional da proporcionalidade, explicaremos o seu apelo prático e demonstraremos a sua actualidade.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

50

Alexy e a teoria dos direitos fundamentais

A Theorie der Grundrechte de Robert Alexy83 servir-nos-á de ponto de partida para a compreensão do método jurisdicional da proporcionalidade. Esta teoria parte de duas premissas simples: os direitos fundamentais84 são princípios e os princípios são exigências ou mandamentos de optimização. Pelo que um dos pilares centrais da obra de Alexy encontramo-lo na distinção entre princípios e regras, que se tem nos seguintes termos: enquanto que os princípios são exigências de optimização, que podem ser cumpridas com vários graus de satisfação dentro daquilo que é legal e empiricamente possível, as regras contêm orientações fixas, que são ou não respeitadas85.

Ora, da natureza dos princípios enquanto exigências de optimização, Alexy deduz o princípio da proporcionalidade. Esta dedução é da maior importância para a nossa proposta.

The nature of principles implies the principle of proportionality and vice-ver-sa. That the nature of principles implies the principle of proportionality means that the principle of proportionality, with its three subprinciples of suitability, necessity (use of the least intrusive means), and proportionality in its narrow sense (that is, the balancing requirement) logically follows from the nature of principles; it can be deduced from them. (...) The principle of proportionality in its narrow sense follows from the fact that principles are

83 Robert Alexy, A Theory of Constitutional Rights.84 A tradução mais correcta de constitutional rights será a de “direitos fun-

damentais”, e não “direitos constitucionais”.85 “The decisive point in distinguishing rules from principles is that principles are

norms which require that something be realized to the greatest extent possible given the legal and factual possibilities. Principles are optimization requirements, characterized by the fact that they can be satisfied to varying degrees, and that the appropriate degree of satisfaction depends not only on what is factually possible but also on what is legally possible. (...) By contrast, rules are norms which are always either fulfilled or not. If a rule validly applies, then the requirement is to do exactly what it says, neither more nor less. In this way rules contain fixed points in the field of the factually and legally possible. This means that the distinction between rules and principles is a quantitative one and not one of degree. Every norm is either a rule or a principle”. Robert Alexy, A Theory of Constitutional Rights, 47-48. Esta distinção não segue, pois, a linha tradicional que considera os princípios e as regras em diferentes graus de abstracção (os princípios seriam normas abstractas, enquanto que as regras seriam normas mais concretas). Para o autor, a diferença entre os dois não é uma mera diferença de grau, mas verdadeiramente uma diferença qualitativa. Cf. Mattias kumm, «Constitutional Rights as Principles», 574 s.

O Princípio da Proporcionalidade

51

optimization requirements relative to what is legally possible. The principles of necessity and suitability follow from the nature of principles as optimiza-tion requirements relative to what is factually possible.86

Assim, o princípio da proporcionalidade derivará da nature-za dos princípios pois também ele será um mandamento de opti-mização à luz daquilo que é empírica e legalmente possível. O fun-damento para a compreensão desta estreita relação está na decom-posição do princípio da proporcionalidade nos seus três subprincí-pios – a adequação e a necessidade serão exigências de optimização dos princípios relevantes num caso concreto dentro daquilo que é empiricamente possível, enquanto a proporcionalidade em sentido estrito será igualmente uma exigência de optimização dos princí-pios relevantes, porém relativo àquilo que é legalmente permitido.

Para demonstrar que o princípio da necessidade deriva tam-bém da natureza dos princípios, Alexy recorre a uma demonstra-ção, que aqui reproduziremos87. O princípio da necessidade é en-tendido pelo autor como a exigência do recurso ao meio menos lesivo possível. Colocando-nos perante uma situação inicial o mais simples possível, teremos o Estado, que visa prosseguir o interes-se I exigido pelo (ou equivalente ao) princípio P1, e que para tal sacrifica o princípio P2, referente ao indivíduo. Imaginemos que existem dois meios, M1 e M2, ambos igualmente adequados à pros-secução do interesse estatal I; e que o meio M2 é menos lesivo para os direitos fundamentais do indivíduo que tomam a forma do princípio P2. Para o princípio P1, é indiferente qual dos meios se emprega, visto serem ambos igualmente adequados à satisfação de I. Mas como o princípio P2 exige a sua optimização, e como o seu grau de satisfação, de um ponto de vista empírico, é maior com o recurso ao meio M2, apenas pode ser este o escolhido. O princípio da adequação, por seu turno, pode ser subsumido a este teste: os meios M1 e M2 só podem ser considerados necessários se forem idóneos à prossecução do interesse I, pelo que este princípio fixa os limites dentro dos quais a optimização da satisfação dos princípios à luz das condições factuais se realiza.

86 Robert Alexy, A Theory of Constitutional Rights, 66-67.87 Robert Alexy, A Theory of Constitutional Rights, 67 s.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

52

No entanto, de um ponto de vista empírico, existe ainda a possibilidade de a satisfação óptima de P2 corresponder àquela situação na qual nenhum dos meios é empregue. Na verdade, o princípio da necessidade nada nos diz sobre se M2 deve ou não ser escolhido, apenas nos permitindo distinguir entre ele e outros meios alternativos. É aqui que entra o princípio da proporciona-lidade em sentido estrito. Para Alexy, a adopção ou não do meio M2 deve ser uma questão daquilo que é legalmente possível, isto é, uma questão de ponderação (“balancing”) entre o princípio P1 e P2. Este teste rege-se pela Law of Balancing, que nos diz que quanto maior for o grau de sacrifício de um princípio em detrimento de outro, maior deve ser a importância da satisfação daquele88.

Numa nota final, da caracterização individual dos subprin-cípios da proporcionalidade decorre, logicamente, a caracterização da proporcionalidade no seu todo como um mandamento de opti-mização à luz daquilo que é empírica e legalmente possível, e assim como algo inerente à própria natureza dos direitos fundamentais.

Assim se terão os traços gerais da teoria dos direitos funda-mentais de Alexy em matéria de proporcionalidade, que confron-taremos de seguida com uma outra proposta, de índole diferente.

Castanheira Neves e a proposta metodológica do jurispru-dencialismo

Sabemos como o jurisprudencialismo constitui a proposta muito particular de pensar o direito de Castanheira Neves, Mestre da nossa Escola. E que essa proposta surge na sequência da recusa

88 “The principle of proportionality in its narrow sense (...) is identical with the Law of Balancing. This states: ‘The greater the degree of non-satisfaction of, or detriment to, one principle, the greater must be the importance of satisfying the other’. (...) The Law of Balancing shows that balancing can be broken into three stages. The first stage involves establishing the degree of non-satisfaction of, or detriment to, one principle. This is followed by a second stage in which the importance of satisfying the competing principle is established. Finally, the third stage establishes whether the importance of satisfying the competing principle justifies the detriment to, or non-satisfaction of, the first”. Ibid., pág. 401. Face à crítica de Habermas da impos-sibilidade de atingir resultados racionais a partir deste método, Alexy opõe uma tese radical e outra moderada. A primeira defende que a ponderação (balancing) conduz racionalmente a um único resultado em cada caso. Esta tese é insustentá-vel, pelo que o autor avança e adopta uma versão moderada: a ponderação é capaz de atingir racionalmente um resultado não em todos os casos, mas num número suficiente de casos que justifique a sua adopção como método.

O Princípio da Proporcionalidade

53

de duas outras formas de conceber o direito, que se têm em extre-mos opostos e em momentos específicos da história – a primeira é o normativismo, filho do pensamento moderno-iluminista que crê ter no direito um objecto normativo ao qual se dirige numa intenção cognitiva; e a segunda é o funcionalismo jurídico, parte de um fenómeno social mais amplo do pós-guerra, e que coloca o direito ao serviço da sociedade89. Ora, nem objecto de conheci-mento, nem instrumento da sociedade, mas sim validade material axiologicamente fundada que se realiza numa prática problemática e histórico-concreta – será esta a proposta do jurisprudencialismo, que importa conhecer.

Contemporâneo de outros movimentos de reabilitação da filosofia prática, o jurisprudencialismo assenta em dois pressupos-tos. O primeiro, acaso o mais importante, é uma nova concepção do homem. O homem que empresta sentido à proposta jurispru-dencialista é o homem-pessoa, uma “aquisição axiológica” que se afirma na sua dignidade absoluta, rejeitando, ao mesmo tempo, um absoluto individualismo90. O segundo pressuposto encontra--mo-lo, não numa recompreensão do homem, mas numa recom-preensão da praxis. A realidade prática do homem-pessoa volta a ser aquela realidade microscópica centrada no caso concreto que marcara a experiência pré-moderna91 – porém, enquanto que no modelo clássico os valores eram entendidos como entidades onto-logicamente dadas, estes assumem-se agora como entidades histo-

89 Para uma síntese do confronto entre estas três perspectivas, cf. Antó-nio Castanheira neves, «Entre o ‘legislador’, a ‘sociedade’ e o ‘juiz’», 161 s.

90 “Numa palavra, verdadeiramente coisas e não fins em si (‘algo que não pode ser usado como simples meio’) em que Kant viu a essência diferenciadora da pessoa, naquele seu absoluto a que, por isso mesmo, se imputa dignidade (não instrumentalidade ou preço). Só que ‘dignidade’ é uma categoria axiológica, não ontológica, e apenas emerge e se afirma pelo ‘respeito’ (para o dizermos com Kant) ou pelo ‘reconhecimento’ (para o dizermos com Hegel)”. António Castanheira neves, Apontamentos complementares de Teoria do Direito (1988/89).

91 “Não já a perspectiva macroscópica ou da globalização socialmente contextual em que a pressão do todo tende a indiferenciar a especificidade de tudo, numa confusão das dimensões – caso em que o todo não é só o integrante holístico, é antes o dissolvente das essências –, e por isso, o direito perde nele a sua autonomia (...). Não já essa perspectiva macroscópica, mas uma perspectiva que se poderá dizer de imanência microscópica, porquanto o direito é, diferentemente, convocado, e nessa convocação problematizado, pelo homem concreto que vive e comunitariamen-te convive os acontecimentos práticos (volvidos em casos ou problemas práticos) da inter-acção histórico-social”. António Castanheira neves, «Entre o ‘legislador’, a ‘sociedade’ e o ‘juiz’», 176.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

54

ricamente constitutivas. Esta natureza historicamente constitutiva dos valores abre caminho a uma dialéctica constituinte entre a va-lidade comunitária, onde se integram, e a controvérsia prática, de onde nascem, permitindo-nos compreender a tese fundamental do jurisprudencialismo: a circularidade entre o sistema e o problema. Vejamos como se caracteriza esta relação circular, pois que será, também ela, da maior importância para a nossa proposta.

A experiência da pessoalidade apenas se pode realizar por referência a um contexto comunitário-cultural, isto é, pressupon-do um conjunto de princípios e exigências comuns que formarão a validade comunitária. Porém, esta validade não pode mais ser pensada de modo pré-determinado (nem dada ao homem, como na ordem metafísica do cosmos do pensamento pré-moderno; nem pensada a priori e em abstracto de forma racional, como no pensa-mento moderno-iluminista), sob pena de ferir o seu compromisso com a praxis humana. Pelo que a validade se precipita na contro-vérsia prática que, se por um lado apenas pode ser pensada por referência a princípios e valores, por outro lado coloca novos pro-blemas e desafios que não poderão deixar de se traduzir em novas exigências valorativas.

Da resolução da controvérsia prática temos, numa “praxis de realização”, o problema. Esta categoria corresponde à controvérsia juridicamente relevante, exprimindo a intencionalidade problemá-tica do direito, e adquirindo aqui um lugar central – o jurispru-dencialismo recupera o contexto da experiência romana e reafir-ma a prática jurídica como iuris-prudentia (onde terá ido buscar o seu nome), a tarefa prática de resolução de casos concretos. A categoria do sistema surge-nos quando reconhecemos a impratica-bilidade da tarefa de resolução do problema por referência direc-ta à validade comunitária. A tarefa pesadíssima do juiz que seria esta convocação dos valores últimos do direito requer a existência de critérios desoneradores capazes de orientar a sua resposta, ao mesmo tempo que a fundamentam materialmente. Estes critérios formam o sistema, uma “unidade de totalização normativa” que se desenvolve em quatro estratos – os princípios, as normas, a ju-risprudência e a dogmática ou doutrina jurídica92. Mas o sistema

92 A cada um destes estratos corresponde uma diferente forma de cons-tituição da normatividade. O estrato dos princípios constitui o “momento verdadei-

O Princípio da Proporcionalidade

55

é também expressão da validade axiológico-normativa na medida em que a converte numa dogmática (aqui em sentido lato) estabi-lizada, diz-se numa “praxis de estabilização”. Com uma nota ainda: a resposta do positivismo legalista do século XIX – que era tam-bém a sua ilusão, a de esgotar na lei todo o direito e assim recusar a estes problemas o estatuto de jurídico – já não se pode ter mais como sustentável, pelo que o sistema se vê continuamente supera-do pela prática problemática.

Uma vez expostos os traços gerais da teoria do direito do jurisprudencialismo, analisemos a proposta metodológica que lhe corresponde. A contínua superação do sistema pelo problema permite-nos compreender que o direito apenas o temos na sua realização concreta, numa clara superação daquilo que era o “sistematismo dogmático-conceitual” normativista93. Pois se o normativismo, assimilado pelo positivismo jurídico do século XIX, julgava poder apreender toda a juridicidade num sistema fechado lógico-conceitual de normas, hoje sabemos que na construção de um sistema de normatividade em abstracto apenas se nos dá a juridicidade em potência, que só pela realização histórico-concreta se volve em autêntico direito. A realização do direito assume, assim, o papel de uma “mediação normativo-juridicamente constitutiva”.

Ora, esta compreensão terá duas implicações metodológicas. Em primeiro lugar, o prius metodológico será o caso jurídico, que se define como expressão de um problema de direito histórico--concretamente localizado. Afirmar o caso como prius significa não só que é ele o ponto de partida da tarefa judicativa, mas também,

ramente normativo ou de regulativa validade fundamentante”. O segundo estrato, o estrato das normas, constitui o “momento de (...) prescrição positiva que, aliás, sempre se revelaria indispensável, já que a validade afirmada nos princípios não impõe necessariamente um direito positivo”. O terceiro estrato, da jurisprudência, manifesta “o momento da objectivação e estabilização de uma já experimentada realização problemático-concreta do direito”. Final-mente, o estrato da dogmática ou doutrina jurídica será “o resultado de uma elaboração ‘livre’ (Gény) e de uma normatividade que apenas se sustenta na sua própria racionalidade fundamentada”. António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 155 s.

93 “...contra o normativismo legalista que o positivismo jurídico assumiu, sabemos hoje 1) que o direito realizando não o temos todo, nem intencionalmente, nem extensivamente, na normatividade prévia e dogmático-prescritivamente positivada e 2) que a realização do direito não se esgota na simples aplicação das prévias e positivas normas jurídicas (v. g., as normas legais), já que a problemático-judicativa decisão jurídica concreta só é possível mediante especí-ficas dimensões normativas e constitutivas...”. António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 25-26.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

56

sendo aquilo que está antes dela e que a convoca, que é no caso que esta tarefa cobra a sua intencionalidade. Em segundo lugar, a realização do direito tomará a forma de uma “concreta decisão judicativa”.94

Para a decisão judicativa concorrem dois momentos – a de-cisão stricto sensu e o juízo. A decisão stricto sensu é a “opção reso-lutiva que a si própria se afirma”, radicando por isso na voluntas do juiz. Por outro lado, o juízo jurídico traduz-se na resolução da controvérsia prática através de uma “ponderação argumentativa racionalmente orientada”, reconduzindo por isso a voluntas da de-cisão à ratio da normatividade95 e desta sorte realizando o sistema. Este juízo mobiliza sempre um discurso argumentativo fundado num raciocínio, porém aquilo que verdadeiramente o caracteriza é a faculdade de “conceber o particular como contido no universal”, numa palavra, a sua “índole prático-argumentativa”. Facilmente se compreende como a sentença do juiz se sustenta directamente na decisão – quer pela institucionalização formal do processo ju-dicativo, quer pelo facto de que o apelo à racionalidade normativa admitiria sempre uma miríade de soluções –, mas essa, uma vez proferida deve revelar-se materialmente fundamentada na norma-tividade do sistema através do juízo.

Estas considerações gerais não obstam, todavia, a que se pro-ceda a uma decomposição analítica do esquema metódico (pois

94 “Ou seja, concorrem nessa mediação dois momentos, que não deixam aliás de ser contrários em abstracto. Um exigido pelos princípios capitais – no quadro do nosso actual enten-dimento axiológico e político do direito – da objectividade, da fundamentação e da possibilidade de contrôle das decisões jurídicas; o outro, enquanto dimensão que vai na própria natureza do concreto acto mediador. Referimo-nos ao momento do juízo e ao momento da decisão, stricto sensu. (...) o que caracteriza aquele juízo é a resolução de uma controvérsia prática (...) median-te uma ponderação argumentativa racionalmente orientada que conduz, por isso mesmo, a uma solução comunicativamente fundada. Já a decisão, stricto sensu ou puramente enquanto tal, é a opção resolutiva que a si própria se afirma. Neste sentido, é um originarium que radica na voluntas e assim, ou nessa mesma medida, se postula desvinculada...”. António Castanhei-ra neves, Metodologia Jurídica, 30 s.

95 “Ora, o juízo jurídico tem a função de reconduzir a decisão necessária (porque terá de resolver-se a controvérsia emergente do caso jurídico) à fundamentação exigível (porque a deci-são da controvérsia deverá justificar-se perante os seus destinatários, particulares ou universais). E se ao juízo compete assim reverter a voluntas (decisória) à ratio (normativa), o certo é que nem por isso se poderá pensar em eliminar de todo a decisão para se afirmar exclusivamente o juízo. (...) a solução imposta não exclui em absoluto que outra diferente fosse possível. Tanto é dizer que o juízo sempre será sustentado por uma decisão – a solução da ratio imposta pelas opções da voluntas”. António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 32.

O Princípio da Proporcionalidade

57

que “toda metodologia é uma analítica, além de um caminho para a solução”96). A proposta de Castanheira Neves é a da divi-são do método em duas questões, a questão de facto e a questão de direito. A questão de facto manifesta-se, por sua vez, em dois momentos – a determinação do âmbito de relevância jurídica da controvérsia prática e a comprovação dessa mesma relevância. O primeiro define o que na situação problemática histórico-concreta é de direito, obtendo-se assim o objectivo da realização do direito naquele caso. Já o segundo momento é o momento da prova, isto é, da averiguação da verdade jurídica enquanto verdade prática.

Também a questão de direito se desdobra em duas outras questões – a questão de direito em abstracto e a questão de direito em concreto. Analisemos primeiro a questão de direito em abstracto. Este momento tem por objectivo a selecção de um critério adequa-do, numa palavra, um critério aplicável ao caso97. A adequabilidade da norma ao caso obedece a duas exigências, numa lógica de dupla adequação – a adequação ao sistema e a adequação ao problema98. Uma vez seleccionada a norma a aplicar, cumpre determinar o seu sentido hipotético-normativo, através da interpretação – que por isso se define como a procura de um critério prático-normativo ade-quado à resolução de um caso concreto, numa recusa (e superação) da concepção tradicional e puramente hermenêutica que reservaria ao acto interpretativo a determinação da significação das normas99.

A interpretação liga, deste modo, a questão de direito em abstracto à questão de direito em concreto, que corresponde ao concreto juízo decisório no qual se experimenta o critério prático--normativo obtido. O processo metodológico da experimentação

96 António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 162.97 Pode também acontecer que o sistema não forneça um critério ade-

quado para o caso concreto, remetendo-nos para o problema da realização do direito por autónoma constituição normativa. António Castanheira neves, Meto-dologia Jurídica, 205.

98 A adequação ao sistema, ou a coordenada sistemática, corresponderá ao postulado de justiça de igualdade em Fikentscher e ao controlo da concordân-cia dogmática em Esser. Por outro lado, a adequação ao sistema ou a coordenada problemática é aquilo a que os autores – respectivamente – chamam de postulado de justiça material e convicção de justeza. António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 167.

99 Para um desenvolvimento da temática da interpretação jurídica, que não iremos abordar aqui, cf. António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 83 s.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

58

do critério em concreto tem-se, uma vez mais, em quatro mo-mentos, que correspondem a diferentes níveis de experimentação (esta classificação, importa notá-lo, tem-se em termos abstractos, constituindo na verdade uma “unidade dialéctica”). O primeiro momento é o da comparação do âmbito de relevância material do critério hipotético com o âmbito de relevância material do caso jurídico, verificando-se se o critério assimila ou não, na sua inten-cionalidade problemática, o caso. Consoante a conclusão a que chegar este juízo, teremos diferentes resultados metodológicos100. O segundo momento é o da “determinação problemática da nor-matividade da norma e sua especificação teleológica”. A teleologia normativa, isto é, a intencionalidade problemático-normativa da norma, é um sentido dinâmico, que se forma no confronto com a prática. Este confronto alarga o âmbito problemático da norma (o conjunto de problemas que prevê e seus sentidos), que por sua vez convoca novas soluções normativas. Para a determinação da intencionalidade problemática da norma serão decisivos os contri-butos da doutrina e da jurisprudência101. Mas as exigências norma-tivas do processo de realização do direito não estariam satisfeitas sem um apelo também à validade comunitária, pelo que se segue

100 A assimilação da relevância material do caso pela norma (a norma--hipótese obtida aquando da interpretação) pode ser total, parcial, ou não ser pos-sível. No primeiro caso, estamos perante uma “assimilação por concretização”, que ocorre quando a realidade do caso concretiza o tipo previsto na norma (e que não equivale, note-se, à identificação lógica do esquema subsuntivo). Quando esta assimilação é apenas parcial, teremos duas hipóteses – a “assimilação por adap-tação” e a “assimilação por correcção”. Na assimilação por adaptação, verifica-se que o sentido problemático do caso é análogo ao sentido intencional da norma; porém a relevância material do caso é mais extensa do que a relevância da norma (adaptação extensiva) ou é uma especificação dela (adaptação restritiva). Por seu turno, estaremos perante uma assimilação por correcção quando se corrige a ati-picidade do âmbito de relevância típico da norma. Tal atipicidade pode resultar quer de um erro de previsão do legislador relativamente ao âmbito de relevância da norma (adaptação sincrónica), quer de uma alteração no tempo da realidade ou situação prevista na norma (alteração diacrónica). Finalmente, a relevância material do caso pode revelar-se totalmente não assimilável pela norma, quando a realidade histórico-social pressuposta pela norma já não exista ou tenha sofrido uma alteração fundamental – superação normativa por obsolescência. António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 177 s.

101 A determinação e especificação do sentido normativo-problemático da norma pode justificar, uma vez mais, certas operações metodológicas. São elas a redução e a extensão teleológicas. A primeira exclui do âmbito da norma casos que ela em princípio abrangeria, enquanto que a segunda inclui casos que estariam à partida excluídos. António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 186.

O Princípio da Proporcionalidade

59

um terceiro momento, de confronto com os fundamentos norma-tivos dessa mesma validade. Vimos quão exigente seria a tarefa de convocação directa destes fundamentos, pelo que, na prática, este momento se traduz numa confrontação do critério hipotético com os princípios normativos102, o estrato do sistema que objectiva a validade e na qual esta logra a sua intenção de “regulativa validade fundamentante”103. Por fim, se até agora esta experimentação mo-bilizou tão-só uma racionalidade de fundamentação normativa, tal não obstará certamente a que se apele também a uma racionalida-de de índole político-social. Será a proposta de um quarto momen-to, no qual o juiz consideraria os efeitos sociais da sua decisão num juízo de prognose empírico-social. No entanto, atribuir autêntico relevo metodológico aos efeitos da decisão significaria a assunção da racionalidade jurídica como uma racionalidade instrumental – e consequente sujeição do direito a um finalismo social –, pelo que Castanheira Neves defende que o juiz deverá ter em conta as consequências da sua decisão apenas na medida em que estas realizem ou não o sentido da normatividade axiológica do direito (constatando que o relevo metodológico dos efeitos da decisão não autonomiza afinal outro momento, posto que equivalerá a uma exigência de concreta justeza material).

Com uma outra nota terminaremos a narrativa jurispruden-cialista. À distinção entre a questão de direito e a questão de facto terá de se reconhecer – como o próprio autor faz – uma relevân-cia meramente didáctica. Em boa verdade, entre as duas questões existe uma “unidade normativo-metodológica” circular – se, por

102 O relevo metodológico dos princípios conduzirá às operações de in-terpretação, correcção, superação e preterição conforme os princípios. Na inter-pretação, está em causa uma determinação da dimensão normativa da norma, isto é, da ratio iuris, mediante uma convocação dos fundamentos normativos do siste-ma. Já a correcção justifica-se quando os princípios que vão referidos na norma têm um sentido diverso do que era intencionado, quer porque sofreram uma alte-ração de sentido (correcção diacrónica), quer porque foram assimilados de forma errada (correcção sincrónica). Finalmente, na superação e na preterição, a norma mostra-se abertamente contraditória ou oposta aos fundamentos normativos, si-tuação na qual se deve preferir os princípios (ratio iuris) sobre a prescrição positiva da norma (ratio legis). Na preterição, os princípios violados já constituíam o siste-ma ao tempo da prescrição da norma; enquanto que na superação os princípios foram assimilados pelo sistema num momento posterior. António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 189 s.

103 Ver supra, nota 92.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

60

um lado, a selecção do critério não pode deixar de ter em conta o sentido da solução que o caso solicita, por outro lado a solução concreta será o resultado da assimilação do critério. A isto acresce que a determinação do âmbito de relevância do caso, na questão de facto, se vincula à escolha do critério na questão de direito em abstracto de forma análoga, pelo que será lícito afirmar que a questão de facto e a questão de direito se unem através da questão de direito em abstracto. Assim, entre estes momentos existe uma “unidade global” que se caracteriza (para dizer com Engisch) por um “ir e vir da perspectiva” entre o caso e a norma.

O método jurisdicional da proporcionalidade – a dupla fundamentação

Finda esta exposição, estaremos em condições de avançar uma resposta para o nosso problema inicial – qual o método juris-dicional do princípio da proporcionalidade?

Para tal, socorrer-nos-emos do esquema metódico da propos-ta jurisprudencialista de Castanheira Neves. A nossa tese é a de que o princípio da proporcionalidade oferece ao juiz um esquema procedimental (método) que permite um juízo de ponderação de bens, interesses e valores duplamente fundamentado – no sistema e no problema. Ora, nesta tese vão implícitas duas afirmações, que importará explicitar – o princípio da proporcionalidade traduz-se num esquema decisório e este esquema permite a fundamentação da decisão no sistema e no problema.

A primeira afirmação prende-se com o problema do carácter do princípio da proporcionalidade. Será este um princípio de índo-le material ou, pelo contrário, terá a sua natureza de reconhecer-se tão-só formal-procedimental? A opção pela segunda hipótese afi-gura-se-nos incontestável. Com efeito, o princípio da proporciona-lidade traduz-se num complexo de regras ou instrumentos que vi-sam a obtenção de uma verdade que lhe é exterior104, isto é, oferece uma estrutura formal a um exercício de ponderação normativa que terá todavia de encontrar os seus critérios materiais fora dele. Um exemplo ilustrativo encontramo-lo na Law of Balancing de Alexy

104 A expressão é de Vitalino CAnAs, «Proporcionalidade (Princípio da)», 631.

O Princípio da Proporcionalidade

61

– esta diz-nos que quanto maior for o grau de sacrifício de um princípio em detrimento de outro, maior deve ser a importância da satisfação daquele; porém nada nos diz sobre como determinar a importância da satisfação dos princípios. No entanto, que o leitor não creia que com isto estaremos a afirmar a neutralidade axioló-gica do princípio da proporcionalidade (com todos os perigos que daí adviriam, ao abrir caminho para a arbitrariedade na decisão). Bastará atentar na sua história para reconhecer que o princípio leva implícita uma certa ideia de justiça, sendo mesmo impensável num ordenamento jurídico que não visse nele consagrado o valor da dignidade da pessoa humana e nele reconhecidos os seus direi-tos fundamentais, pois que será por eles convocado.

Uma vez reconhecida a natureza procedimental do princípio da proporcionalidade, cumpre esclarecer qual o procedimento que prescreve. Dissemos acima que o princípio permite a fundamenta-ção da decisão no sistema e no problema. Recorrendo ao esquema metódico da proposta metodológica do jurisprudencialismo, dire-mos que o princípio da proporcionalidade tem uma função seme-lhante à que encontramos no momento da questão de direito em concreto, que consiste na experimentação do critério seleccionado na questão de direito em abstracto e cujo sentido foi determinado aquando da interpretação. A questão de direito em concreto é o “problema do próprio juízo concreto que há-de decidir”105, sendo por isso o momento no esquema metódico onde se manifesta a voluntas do juiz que é reconduzida à ratio pelo tal juízo normativo. Também o princípio da proporcionalidade experimenta a norma em avaliação em vários níveis, revertendo a voluntas do juiz à ratio do sistema, diremos através da dupla fundamentação.

A chave para a compreensão desta dupla fundamentação en-contramo-la no desdobramento do princípio da proporcionalidade nos seus três subprincípios. Defendemos – e aqui será de notar o paralelo com a obra de Alexy – que o teste da adequação e da ne-cessidade permitem a fundamentação empírico-factual da decisão no problema e nas circunstâncias que o compõem; enquanto que o teste da proporcionalidade em sentido estrito permite a funda-mentação normativa no sistema enquanto precipitação da valida-

105 António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 165.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

62

de comunitária. Assim, são também de assinalar duas diferenças em relação à tese de Alexy – aquilo que se pretende é a funda-mentação e não a optimização; e o teste da proporcionalidade em sentido estrito não se reporta à legalidade, mas sim ao sistema e à normatividade.

A primeira diferença prende-se com a concepção particular dos princípios enquanto exigências de optimização, proposta por Alexy. Esta compreensão tem sido alvo de não raras críticas, às quais o autor se dirige no Postscript da sua obra Theorie der Grundre-chte106. A principal crítica, partilhada por vários autores e entre os quais se terá de destacar o nome de Habermas, rejeita a tese dos princípios como exigências de optimização por considerar que esta despe os princípios da sua força normativa. Com efeito, afirmar os princípios como mandamentos de optimização significa que es-tes podem ser aplicados com vários graus de satisfação, desde a sua não satisfação à sua satisfação plena; e admitiria assim que princípios como o da dignidade humana fossem preteridos em fa-vor de interesses colectivos. A estas críticas Habermas junta a da irracionalidade do método de ponderação, que diz abrir caminho à arbitrariedade. Ora, é reconhecendo a perniciosidade da concep-ção dos princípios como mandamentos de optimização que nos voltamos para a compreensão de Castanheira Neves. Este concebe os princípios como objectivações dos compromissos práticos da va-lidade comunitária (naquela praxis de estabilização que caracteriza a experiência do sistema), ocupando por isso a posição privilegiada de um primeiro estrato do sistema. São, pois, os princípios que realizam a intenção que se atribui à validade de uma ordem nor-mativa regulativa da prática (normans) – e isto através do seu tra-tamento metodológico como fundamentos. Os fundamentos são justificações racionais de uma decisão, que orientam o juiz sem lhe imporem uma única solução; e opõem-se aos critérios, operadores técnicos que podem ser mobilizados directamente por antecipa-rem problemas e proporem soluções107. Assim, os princípios são

106 Robert Alexy, A Theory of Constitutional Rights, 388 s.107 A distinção entre fundamentos e critérios será luminosamente com-

preendida à luz das imagens do farol/bússola e do mapa, que nos são oferecidas por Drucilla Cornell e Adela Cortina. Os fundamentos assimilar-se-ão à luz do farol ou à orientação de uma bússola que guiam um viajante na travessia de um

O Princípio da Proporcionalidade

63

objectivações normativas da validade, que vinculam, não obstante, a prática, impondo-se como fundamentos das decisões.

A segunda diferença decorre da necessidade de fundamen-tação da decisão na validade normativa; no fundo, da dialéctica que se estabelece entre o sistema e o problema. Sabemos como a validade se precipita na prática através do juízo normativo, que realiza o sistema e fundamenta racionalmente a decisão. Por isso, ousaremos denunciar a nota ainda algo positivista presente na compreensão do teste da proporcionalidade em sentido estrito en-quanto exigência de optimização dos princípios à luz das possibi-lidades legais, apenas para substituir a legalidade pelo sistema. A experiência histórica do positivismo legalista – bem como a que se seguiu, e que está ainda a ser ensaiada, da sua superação –, ensinou-nos que não podemos mais pretender esgotar todo o di-reito na legalidade, pois que esta sempre falhará em responder aos problemas que se colocam na prática numa mutação inelidível. E, falhando em acompanhar a constante evolução da praxis, certo é que o direito falha também no seu papel constitutivo de um hori-zonte normativo de integração comunitária. É assim que, na busca de algo que se terá de encontrar muito para além do legalismo (mas suficientemente aquém de uma qualquer ordem metafísica intangível de tal sorte que se logre uma satisfatória regulação da praxis – não será esta a quimera do pós-positivismo?), nos volta-mos novamente para a obra de Castanheira Neves. E fazemo-lo para lhe pedir emprestada, desta vez, a solução do sistema enquan-to unidade normativa estabilizadora da validade e que, enquanto tal, desempenha um luminoso papel desonerador da tarefa do juiz. Assim, o teste da proporcionalidade em sentido estrito não se pode reconduzir apenas à legalidade – isto é, ao estrato das normas le-gais –, mas sim ao sistema no seu todo, pois que só desta sorte logrará o seu objectivo de aferir a validade material da decisão108.

Estaremos, assim, em condições de descrever o método do princípio da proporcionalidade. Em primeiro lugar, diremos que

território desconhecido, oferecendo-lhe uma orientação fundamental; enquanto que os critérios serão os mapas que lhe oferecem possíveis itinerários, sem que es-tes se confundam com o caminho a percorrer. Cf. José Manuel Aroso linhAres, Sumários Desenvolvidos de Introdução ao Direito, 89 s.

108 Ver supra, p. 30-31.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

64

este é um método que se aplica às decisões jurisdicionais resoluti-vas de conflitos de bens, interesses e valores que acarretem um sa-crifício para uma ou ambas as partes, e colocando-se na sua maior relevância quando se trate de conflitos de direitos fundamentais, principalmente aqueles sem concretização normativa (por exem-plo, casos em que esteja em causa um conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra). Todavia, não diremos, como Alexy, que o princípio da proporcionalidade decorre logica-mente da natureza dos princípios – a relação que se estabelecerá é outra. O juiz, aquando da tomada destas decisões, tem de ponde-rar os bens, interesses e valores em conflito, e a sua decisão acarre-ta sempre, em maior ou menor medida, um sacrifício de um bem, interesse ou valor em detrimento de outro, isto é, a violação de uma exigência normativa. Em certos casos, este problema coloca--se mesmo na forma de um conflito entre direitos fundamentais; logo, a decisão do juiz traduz-se na violação de uma norma cons-titucional. Ora, para que sejam materialmente admissíveis à luz das exigências da validade comunitária, estas decisões carecerão de uma fundamentação mais sólida109 – é aqui que entra o princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade fornece uma estrutura formal tripartida à ponderação de bens, interesses e valores que fundamenta a decisão no sistema e no problema, satisfazendo desta sorte a exigência de uma fundamentação mais sólida para as decisões violadoras de exigências normativas capi-tais como são as normas constitucionais consagradoras de direitos fundamentais. Vejamos como.

A chave para a compreensão da dupla fundamentação está, dissemo-lo, na decomposição do princípio da proporcionalidade nos seus três subprincípios. O subprincípio da necessidade traduz--se na exigência da escolha do meio menos lesivo possível – este teste pergunta, pois, pelos efeitos empíricos da decisão, tratando--se de uma questão de prognose empírico-factual. No subprincípio da necessidade pode ser subsumido o subprincípio da adequação, na medida em que este actua como um filtro inicial, excluindo todas aquelas soluções que não se revelem idóneas à prossecução do fim visado. Assim, qualquer decisão que se revele adequada e

109 É neste sentido que o artigo 18.º/2 da Constituição consagra um regi-me específico para as restrições de direitos, liberdades e garantias.

O Princípio da Proporcionalidade

65

necessária será uma decisão materialmente fundamentada no pro-blema e nas suas circunstâncias empírico-factuais, na medida em que os seus efeitos empíricos logrem uma resposta satisfatória ao problema, realizando o fim da norma; e sejam o menos desvanta-josos possível para as partes envolvidas. É a isto que chamaremos fundamentação no problema.

Já no que toca ao subprincípio da proporcionalidade em sen-tido estrito, este compreende um juízo de ponderação normativa que visa averiguar se o sacrifício da exigência normativa é material-mente admissível à luz da validade comunitária. Esta etapa traduz--se metodologicamente num confronto da solução com o sistema – a unidade normativa, que resulta de uma prática de estabiliza-ção da validade –, pois só por essa via, e não pelo mero confronto com as possibilidades legais, se logrará uma efectiva averiguação da validade material da solução. E sendo os princípios o estrato do sistema que objectiva a validade, cobrando autêntica vigência atra-vés do seu tratamento metodológico como fundamentos, será sem surpresa que os veremos desempenharem nesta etapa um papel pri-vilegiado. Assim, diremos que o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se traduz numa ponderação orientada pelas pos-sibilidades normativas do sistema, principalmente por aquelas que nos fornecem os princípios. E como se processa metodologicamen-te esta ponderação normativa? Através de um juízo analógico que compare o bem, interesse ou valor limitado com o bem, interesse ou valor protegido. Mas com isto ainda não saímos da dimensão da voluntas do juiz e entrámos na dimensão da ratio do sistema. Este juízo analógico é orientado pelas exigências normativas do sistema (e, em último termo, pelas da validade), que constitui por isso um terceiro pólo da analogia e desempenha o luminoso papel de um horizonte ou padrão comparativo. Será este horizonte comparativo a assegurar a força normativa dos direitos fundamentais, que por isso não se verão reduzidos a um mero “rhetorical flourish”110. Esta será a fundamentação no sistema.

Mas podemos ainda aprofundar o confronto da nossa pro-posta com a jurisprudencialista. Dissemos que o método do prin-

110 “When rights are factored into an analysis organized around the principle, they have no special force as trumps. They are just rhetorical flourish”. David beAtty, The Ulti-mate Rule of Law, 171.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

66

cípio da proporcionalidade tem uma função semelhante à questão de direito em concreto, fundamentando o critério que resolverá o conflito no problema (necessidade e adequação) e no sistema (pro-porcionalidade em sentido estrito), e revertendo desta sorte a volun-tas da decisão à ratio do sistema. Com efeito, esta fundamentação tem alguma correspondência com os níveis de experimentação no esquema metódico de Castanheira Neves. Podemos dizer que os dois primeiros momentos da questão de direito em concreto, o da comparação do âmbito de relevância do critério com o âmbito de relevância do caso e o da especificação teleológica da norma, corres-pondem ao teste de adequação, posto que este pretende controlar se a decisão se revela materialmente adequada a prosseguir o fim visado pela norma. Já ao teste da necessidade corresponde o mo-mento de confronto com os efeitos da decisão, que consistirá num juízo de prognose empírico-social. O paralelo com a proposta juris-prudencialista é aqui notório – da mesma forma que CaStanHeira neveS aponta os perigos da atribuição de relevo metodológico a este momento, também nós defendemos que, pese embora a conside-ração dos efeitos ser indispensável visto estarmos perante decisões possivelmente lesivas dos direitos fundamentais dos cidadãos, esta consideração tem de ser moderada. Pelo que se deve excluir dela qualquer juízo de eficiência, sob pena de se sujeitar a decisão a uma racionalidade instrumental. Finalmente, o momento do confronto com os fundamentos corresponde ao teste da proporcionalidade em sentido estrito, que por isso fundamenta a questão no sistema (par-ticularmente, vimo-lo, no estrato dos princípios).

Por último, afigura-se-nos pertinente responder a uma ques-tão. Poderá o método jurisdicional que acabámos de propor servir ao Tribunal Constitucional? A resposta tem de ser negativa. Com efeito, inexistindo no nosso ordenamento jurídico a figura da quei-xa constitucional – a acção para o Tribunal Constitucional pela violação dos direitos fundamentais dos cidadãos pelos poderes pú-blicos ou entidades privadas –, não existe questão de facto no juízo constitucional (ou, existindo, será a própria norma), pelo que não há uma autêntica controvérsia jurídica a resolver pelo juiz. Ora, pelas mesmas razões, o método jurisdicional da proporcionalidade aplica-se então no direito comparado, naqueles modelos de jurisdi-ção constitucional em que exista esta figura, isto é, quando o juiz

O Princípio da Proporcionalidade

67

tenha diante de si uma controvérsia que resolverá através de um juízo normativo. Assim, este método – e o seu apelo, que explicare-mos de seguida – pode aproximar uma explicação para o fenómeno global do sucesso do princípio da proporcionalidade na jurispru-dência constitucional, posto que nele o juiz encontrará um arrimo precioso para a resolução dos conflitos que se lhe apresentam.

Com uma última nota ainda: esta inadequação da nossa res-posta ao modelo de jurisdição constitucional português não se crê total. A apreciação da constitucionalidade da norma pelo juiz, será, no fundo, um controlo da sua teleologia e fundamentos, que de-verá ser aferido à luz dos princípios constitucionais. Isto significa que podemos também aqui falar numa experimentação da norma, à semelhança da questão de direito em concreto, nos fundamentos normativos do sistema – isto é, também no juízo de constituciona-lidade haverá uma fundamentação no sistema (no entanto, aquilo que se estará a fundamentar não será a decisão mas a própria nor-ma). Como tal, assim como o confronto com os fundamentos leva às operações metodológicas da interpretação ou às operações da correcção, superação e preterição, também a apreciação da cons-titucionalidade pode levar à interpretação em conformidade com a Constituição ou a um juízo de inconstitucionalidade, ocorrendo este último quando a teleologia e os fundamentos da norma con-trariem, de alguma forma, os princípios constitucionais.

A fundamentação como argumentação – o princípio da proporcionalidade e a racionalidade argumentativa

O leitor mais céptico apontará à tese até agora desenvolvida a seguinte crítica: pode a fundamentação sozinha explicar o ape-lo prático do princípio da proporcionalidade ante a complexidade institucional do processo jurisdicional? Numa palavra, terá este método tradução na prática? A nossa resposta – colocando-nos naquela posição do leitor mais céptico, como de resto todo o autor deve fazer em relação à sua obra – tem de se reconhecer tenden-cialmente negativa. Mas que com isto não se julgue refutada a tese que acabámos de apresentar; antes teremos de a reconhecer incompleta.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

68

É neste sentido que se acrescenta que o apelo prático do método do princípio da proporcionalidade está não só na funda-mentação que este permite, mas também (tendo consciência do papel importantíssimo da fundamentação e do perigo que adviria da sua mitigação ou, pior, da sua negação) na medida em que esta fundamentação se traduz em argumentação. Ora, no que toca à argumentação, duas posições se nos afiguram imediatamente pos-síveis: a que é partilhada pela teoria da argumentação, e aquela que se articula, numa conformidade inconfundível, com a propos-ta jurisprudencialista de Castanheira Neves. Exporemos as duas, apenas para optar pela segunda.

A teoria da argumentação surge-nos, juntamente com a tó-pica e a retórica, na linha das racionalidades prático-jurídicas de índole procedimental desenvolvidas durante o século XX, e que comungam a tentativa de legitimar a validade da prática no pro-cedimento. Para estas, “um enunciado normativo é válido ou ver-dadeiro, se puder ser o resultado de um determinado proceder, o proceder do discurso racional; esta relação entre validade e proce-dimento é característica de todas as teorias procedimentais”111. A teoria argumentativa concentra-se, portanto, na estrutura discur-siva do procedimento, nas condições e nos princípios da argumen-tação – que se define como o “exercício de mobilização de razões intersubjectivamente significativas, contextualmente pertinentes e intencionalmente relevantes, susceptíveis de fundamentar a reso-lução, em termos entimematicamente adequados, de uma certa controvérsia prática”112. A validade de um enunciado depende, en-tão, de dois requisitos: do nível de partilha intersubjectiva e da obediência às regras do discurso racional.

Os autores que melhor representam esta teoria, e que por isso verão aqui a sua obra objecto de uma brevíssima alusão, são Habermas e Alexy. Voltemo-nos, por agora, para o primeiro113. Ha-

111 Robert Alexy, Die Idee (citação em António Castanheira neves, Me-todologia Jurídica, 73).

112 A definição é de Fernando José bronze, «A Metodonomologia (para além da argumentação)», 335 s.

113 hAbermAs adopta a concepção de uma racionalidade pragmática e intersubjectiva, que consiste por isso na forma como os sujeitos adquirem e usam o conhecimento. A forma de exercício desta razão na prática é a acção comuni-cativa, que o autor define como aquela acção na qual os sujeitos agem orientados

O Princípio da Proporcionalidade

69

bermaS, confrontado com a pretensão de se encontrar uma raciona-lidade universal ou transcendental, recusa encontrá-la no sistema, pois que este estará dominado – hoje mais do que nunca – por uma racionalidade instrumental. A racionalidade universal estará por isso no mundo da vida, o horizonte integrante de sentidos da comunidade e que permite que os sujeitos se relacionem com base no consenso, isto é, através da acção comunicativa. Ela encontra--se, não no seu conteúdo, visto que nas sociedades pluralísticas de hoje este será assaz diverso, mas antes nas regras da própria acção comunicativa. A universalidade destas regras é conseguida através da referência a uma situação discursiva ideal. Esta situação ideal corresponde a uma situação de discurso livre alcançável através da atribuição de um conjunto de direitos aos sujeitos intervenien-tes no discurso, reciprocamente reconhecidos: a não exclusão de nenhum sujeito, a igualdade entre os intervenientes, e a ausência de forças coercivas ou manipulativas. Tal conjunto de direitos as-segura que a única força a influenciar a aceitação pelos sujeitos das afirmações de validade sustentadas pelos outros é a força da argumentação, que Habermas considera numa lógica de probabi-lidade ou plausibilidade. Assim, as afirmações de validade – dire-mos agora, as normas e os princípios – serão válidas se lograrem reconhecimento de acordo com os requisitos da situação discursiva ideal, isto é, se a argumentação em torno delas for suficientemente plausível.

Voltemo-nos agora para Alexy, cuja obra foi assumidamente influenciada pela de Habermas. A tese principal da teoria argu-mentativa de Alexy é a de que a prática humana tem estrutura discursiva; logo, a racionalidade prática será necessariamente uma racionalidade discursiva. Todavia, a racionalidade da acção práti-

pela prossecução de fins individuais ou comuns cujo mérito é socialmente aceite, isto é, baseado no consenso. A pergunta que se coloca é a seguinte: como podem os sujeitos atingir o consenso racional na acção comunicativa? A resposta de Habermas é a de que o consenso racional entre os sujeitos se atinge através do discurso – o acto discursivo atinge consenso racional quando um sujeito aceita a afirmação de validade (validity claim) defendida pelo seu interlocutor, o que suce-de quando aceita as razões ou argumentos que a justificam. No entanto, haverá relações que não obedecem, nem poderiam obedecer, a uma estreita lógica de acção comunicativa, que formam por isso o sistema (cujas principais expressões de apetite serão a economia e a política), ao qual Habermas contrapõe o mundo da vida. Cf. António hesPAnhA, O Caleidoscópio do Direito, 180 s; e ainda James bohmAn – William rehg, «Jürgen Habermas».

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

70

co-discursiva tem-se, uma vez mais e à semelhança do primeiro autor, não no seu conteúdo, mas antes nas regras da argumentação; e assim a racionalidade prática define-se como a capacidade de alcançar decisões práticas obedecendo a esse conjunto de regras114. Assim se compreende que “um enunciado normativo é válido ou verdadeiro, se puder ser o resultado de um determinado proceder, o proceder do discurso racional”. Ora, o discurso legal é um caso especial – nisto consiste a sua “tese do caso especial” (special case thesis) – do discurso geral, pois que a argumentação legal está ne-cessariamente vinculada a exigências dogmáticas115. Não obstante sujeitar a racionalidade argumentativa legal a certas exigências, o autor não supera a sua tese inicial, e a validade do direito aparece--nos, uma vez mais, sujeita ao procedimento.

Esta posição, que identifica a racionalidade jurídica com uma racionalidade argumentativa e esgota a validade do direito na ob-servância de regras argumentativas, tem de ser rejeitada, sob pena de invalidar a tese por nós defendida. Com efeito (e assim se têm todas as críticas que poderiam ser apontadas a esta teoria116), a racionalidade jurídica não pode ser tão-só procedimental, pois que o reconhecimento de uma validade normativa regulativa da praxis,

114 “The basic idea of discourse theory is that one can rationally – and with a claim to correctness – argue about practical reasons. (...) A practical discourse is rational if it fulfills the conditions of rational pratical arguing. (...) The conditions of the rationality of the discourse procedure can be summed up in a system of discourse rules. Practical rationality can be defined as the capacity of reaching practical decisions by using this system of rules”. Robert Alexy, «Legal argumentation as rational discourse», 171-172.

115 “...legal argumentation is a matter of special case because the claim to correctness in legal discourse is distinct from that in general practical discourse. (...) If one wants to express this in a short formula, it can be said that legal argumentation is bound to statutes and to prec-edents and has to observe the system of law elaborated by legal dogmatics”. Robert Alexy, «The Special Case Thesis», 375.

116 Castanheira Neves lança à teoria argumentativa (e outras teorias de ra-cionalidade prático-procedimental) quatro grandes críticas. Em primeiro lugar, na teoria argumentativa o consenso é uma construção empírica, a posteriori, quando na verdade “o decidir jurídico pressupõe e encontra fundamento numa a priori validade”. Em segundo lugar, a força dos argumentos não pode ser apenas função da concludên-cia concreta da argumentação, pois os critérios jurídicos são objectivações da vali-dade e beneficiam de presunções de vigência diferentes. Por outro lado, enquanto que na teoria argumentativa a única instância de controlo é a decisão, no jurídico a instância de controlo será o terceiro imparcial. Finalmente, o juízo decisório “não terá de ser apenas racional-argumentativamente concludente e sim normativamente fundado na validade normativo-dogmática do sistema jurídico vigente”. António Castanheira neves, Metodologia Jurídica, 73-74.

O Princípio da Proporcionalidade

71

que foi o triunfo do pós-positivismo, sujeita a validade do direito a essa mesma validade e impõe que esta se realize no juízo decisório. O juízo tem, por isso, de ser não (apenas) argumentativamente concludente, mas sim normativamente fundamentado; pelo que, e dizemos com Castanheira Neves, a racionalidade jurídica será uma racionalidade material e de fundamentação.

Deste modo, a nossa posição terá de ser outra. Não aquela que esgote a racionalidade jurídica na racionalidade argumenta-tiva, mas sim aquela que a convoque como uma sua dimensão necessária117. Isto porque a metodologia vai para além da argumen-tação, como já acentuámos, conquanto não a dispense – pois se a racionalidade jurídica é uma racionalidade prática e intersubjecti-va (centrada na resolução do caso concreto), esta reclama necessa-riamente um discurso argumentativo no qual os critérios e funda-mentos chamados à resolução da controvérsia se vejam objecto de uma exposição dialéctica. Mas esta exigência de exposição decorre também de uma outra, a da experimentação dos critérios e funda-mentos no caso concreto (superado o normativismo do positivis-mo do século XIX, sabemos que estes não podem mais ser pensa-dos em abstracto, cobrando antes o seu sentido no caso concreto).

Voltando ao nosso problema, dissemos que o apelo práti-co do método do princípio da proporcionalidade se compreende na medida em que a fundamentação se traduz em argumentação. Com efeito, ao oferecer um conjunto de regras que permitem a du-pla fundamentação da decisão, o princípio da proporcionalidade permite também a mobilização estruturada de argumentos que a justifiquem. O método da proporcionalidade é, nesta perspectiva, um procedimento argumentativo, isto é, um complexo de regras argu-mentativas cuja observância levará a uma argumentação racional-mente concludente. Mas com isto não estaremos a apagar a fun-damentação para afirmar a argumentação: o juízo decisório com

117 “Acontece, porém, que apesar da sua estrutura argumentativa, a metodonomologia assenta em coordenadas próprias, que a distinguem da argumentação prática geral, tanto pelo que respeita ao objectivo que prossegue, como ao caminho que trilha, ao acto que origina e à racionalidade que implica. (...) a metodonomologia pressupõe uma relação de sujeito a sujeito e reclama um discurso prático – donde, argumentativo..., mas, como já se acentuou, refundido desde o particular travejamento tectónico que o especifica face ao discurso prático-argumentativo comum, por razões ligadas, insista-se, ao singularíssimo âmbito que é o seu”. Fernando José bronze, «A Metodonomologia (para além da argumentação)», 346.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

72

base no princípio da proporcionalidade será argumentativamente concludente apenas na medida em que for também normativa-mente fundamentado. Numa palavra, a argumentação é a exposi-ção dialéctica da fundamentação; e os argumentos só são válidos enquanto se revelarem objectivações dos fundamentos.

Podemos perguntar-nos, então, qual a importância da argu-mentação. Para além do discurso prático intersubjectivo que a ra-cionalidade jurídica convoca, e da institucionalização formal a que o decidir jurídico está sujeito, o apelo (ou, ousaremos afirmá-lo, exigência) da argumentação reside no facto de esta oferecer uma instância prática de controlo da fundamentação. Numa palavra, a argumentação, enquanto exposição dialéctica dos fundamentos, permite o conhecimento das razões justificativas da decisão, e des-ta sorte assegura aos particulares a justiça (enquanto fundamenta-ção normativa) e a justeza (fundamentação empírica) da mesma. Isto será da maior importância nas decisões em sede de conflito de direitos fundamentais que, como vimos, não só carecem de uma maior fundamentação normativa, como, ao lesar os direitos dos sujeitos, devem ser adequadamente justificadas.

Contextualização histórica do método da proporcionalidade – uma justificação em tempos de pluralismo

Coloquemo-nos, mais uma vez, naquela posição do leitor céptico, e ver-nos-emos forçados a descobrir ainda incompleta a tese por nós proposta. Certo, teremos explicado o apelo do princí-pio da proporcionalidade enquanto método desonerador da tarefa do juiz, levando a um juízo decisório normativamente fundamen-tado e argumentativamente concludente. No entanto, falta ainda demonstrar a sua actualidade.

A nossa análise surge-nos em tempos de pluralismo. Trata--se aqui de fazer um diagnóstico da realidade, para descobrir que o seu horizonte regulativo, isto é, o conjunto de referências, de sentidos e de valores que informam e orientam a prática, nunca se apresentou tão diversificado. Numa palavra, para lhe descobrir uma pluralidade que fere não só as relações sociais, que por isso se colocam numa complexidade crescente, como também as próprias práticas juridicamente relevantes. E se nas práticas sociais nos bas-

O Princípio da Proporcionalidade

73

taremos com uma referência a uma pluralidade de narrativas pos-síveis e a um horizonte desfragmentado (o Lebenswelt diversificado de Habermas), nas práticas jurídicas este diagnóstico cumpre-se identificando três “núcleos de emergência” (para dizer, exemplar-mente, com Aroso Linhares118) – a pluralidade de discursos no pla-no da reflexão académica, que chamam a si a tarefa de “prescrever exigências de sentido e de realização ... comuns a todo o território do direito” (e que não serão menos do que o resultado da perda de uma linguagem única e da erosão de um certo paradigma119); a pluralidade de comunidades que nos permite falar em experiências colectivas, e que mobilizam os seus próprios códigos linguísticos e extralinguísticos; e a pluralidade que emerge de experiências in-terdiscursivas.

Assim, este diagnóstico de pluralismo é também um diag-nóstico de perda de unidade – o que, pese embora se afigure quase intuitivo, não deixa de ser relevante. Com efeito, a possibilidade de afirmação do pluralismo surge-nos com a superação do paradigma do positivismo do século XIX que, conquanto fosse uma forma de pensar o direito caracterizada por um determinado método jurí-dico (o esquema do silogismo subsuntivo120), não era menos uma forma de pensar a prática – enquanto acervo de factos discretos subsumíveis nas normas. Não foi por acaso que na origem da supe-ração do positivismo esteve a constatação de que os problemas não se colocavam, na realidade, exactamente como o direito os previa, falhando assim este modelo no seu objectivo de regulação da práti-ca. Esta experiência deixa-nos com a impossibilidade da pretensão de uma regulação a priori da realidade, pelo que nos voltamos para

118 Cf. J. M. Aroso linhAres, «Jurisprudencialismo: uma resposta possível em tempo(s) de pluralidade e de diferença?».

119 “Trata-se de partir da circunstância de um pensamento que — sendo discurso e prática (acervo de discursos e de práticas) — perdeu (superou) o seu modelo (sem o ter substi-tuído por outro). Sendo certo que a experiência a ter em conta é menos a da consumação de um discurso dominante do que a da reacção-resposta a esta perda: uma reacção que terá multipli-cado as propostas de compreensão do direito (e os projectos interpretativos que as especificam), enquanto permite que as práticas-labours dos juristas e das comunidades dos juristas — e as situações institucionais que as estabilizam — sejam disputadas por um espectro sem precedentes de possibilidades (com horizontes intencionais e processos de racionalização inconfundíveis, se não incomensuráveis)”. J. M. Aroso linhAres, «Jurisprudencialismo: uma resposta possível em tempo(s) de pluralidade e de diferença?», 10, n. 34.

120 Cf. supra, nota 39.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

74

a prática para dela recolher respostas – e para a descobrir complexa e fragmentada. Assim, somos também deixados com a exigência – ousaremos dizer, com a urgência – de descobrir respostas materiais que se adequem a esta pluralidade.

Ora, neste horizonte fragmentado, a tarefa do juiz não será decerto uma tarefa fácil. O diagnóstico do pluralismo não pode dei-xar de ser acompanhado – é este, sabemo-lo, um dos seus sintomas – da constatação de uma prática também ela desfragmentada, e que não deixa intocada a experiência do juiz. Com efeito, se é verda-de que ao juiz cabe a tarefa de resolução de controvérsias práticas, não é menos verdade que esta tarefa se encontra hoje dificultada pelo cenário de uma prática que não escapa ao diagnóstico de perda de unidade (como se se tratasse de, recuperando uma analogia que nos é já familiar, identificar a missão do juiz com o percorrer de um território que é agora, não apenas desconhecido, como também árduo e difícil de percorrer). O juiz tem de se movimentar numa prática marcada pelos conflitos de interesses, que não serão menos que um correlato inter-relacional daquela diversidade de sentidos; a que acresce a dificuldade, se não mesmo impossibilidade, de os resolver convocando um referente comum socialmente aceite. Esta constatação não poderá deixar de ter implicações metodológicas. Já não nos poderemos bastar com a exigência de realização na prática daquela validade que se nos impõe como normans, pois que a esta acresce a exigência de realização do direito numa prática desfrag-mentada. Isto leva-nos a reconhecer, no plano das relações sociais, a voz do juiz como uma voz de unidade na pluralidade, condição da compossibilidade pacífica dos sujeitos na sua diferença (mas que é inseparável de uma outra voz de unidade, a do horizonte integrativo da validade comunitária...121).

O reconhecimento desta nova dimensão da tarefa do juiz lança-nos, uma vez mais, numa procura de arrimos preciosos...

121 Esta pretensão de unidade através da referência à validade comunitária parece, à primeira vista, incompatível com o diagnóstico de pluralismo de senti-dos e de narrativas sociais. A resposta para este (aparente) paradoxo encontramo--la na consciência jurídica geral de Castanheira Neves. Pese embora encontremos, num nível imediato das relações sociais, um conjunto de sentidos e referências que orientam a prática e que se encontram, hoje mais do que nunca, diversifica-dos, alguns destes sentidos terão de se reconhecer como aquisições axiológicas tão preciosas que superam o nível imediato de onde nasceram. Cf. António Cas-tanheira neves, «A revolução e o direito», 208 s.

O Princípio da Proporcionalidade

75

Apenas para nos depararmos novamente com a resposta do prin-cípio da proporcionalidade. A tarefa de assegurar a compossibili-dade pacífica da pluralidade não pode significar a satisfação plena de todos os interesses em conflito, quer porque a decisão do juiz admitira sempre que outra fosse possível, quer porque tal exigência é, na prática, insustentável. Assim, e reconhecendo o perigo que adviria de admitir a frustração completa de certos interesses em detrimento de outros, somos deixados com uma outra exigência – a de uma satisfação mínima dos interesses das partes através de um tratamento justo de dignidade e de respeito. É aqui que entra a justificação, que consiste na garantia às partes de que as suas posi-ções, conquanto não tenham logrado efectiva satisfação, foram de-vidamente ponderadas122. A justificação é, por isso, uma garantia de razoabilidade da decisão e, em último termo, uma garantia de decisão justa, pelo que vamos transcender o seu papel de requisito formal do decidir jurídico para assumir aquele de um requisito material de igualdade, dignidade e justiça.

Importa não confundir, todavia, fundamentação, argumen-tação e justificação, conceitos que consideraremos em três diferen-tes graus de abstracção. A fundamentação é o processo pelo qual a voluntas da decisão do juiz é revertida à ratio do sistema, numa praxis de realização deste último. A argumentação, já num nível de

122 Vlad Perju fala-nos, numa tentativa de explicação do fenómeno global do sucesso do princípio da proporcionalidade na jurisprudência constitucional, numa segunda dimensão da violência da lei, para além da dimensão coerciva na forma dos actos que o Estado impõe aos sujeitos – aquela que decorre da justifi-cação desses actos e que atinge o processo privado (não oficial - aqui inclui-se a interpretação constitucional do Estado na prossecução dos seus interesses) inter-pretativo nos casos constitucionais. Assim, o apelo da proporcionalidade estaria na mitigação desta violência, que exige um processo de justificação que trate com respeito e dignidade todas as partes. “Law’s violence is thus twofold. One coercive dimen-sion takes form of the actions or inactions that the state imposes on its subjects. But a second, and related, dimension of violence stems from the process of justifying those coercive effect. (...) justification represents the state’s rejection of the outcome of the losing party’s jurisgenerative interpretative processes. I suggest that proportionality appeals to judges because of their need for adequate methods to mitigate the violence that their justification of state coercion inflicts on private (non-official) jurisgenerative interpretative processes in constitutional cases. (...) In the case of legal disputes, responsiveness cannot always require the substantive satisfaction of all the claimants. But it does require that the process of justifying outcome meets certain conditions. For instance, it requires that the justification treat with respect and dignity all the claimants, including those whose claims are inevitably unsuccessful. Proportionality, I submit, answers these demands better than alternative methods”. Vlad Perju, «Proportionality and Freedom – An essay on method in constitutional law», 336-337.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

76

abstracção intermédio, consiste na mobilização rétorico-argumen-tativa de razões que fundamentam a decisão. Depois encontramos a justificação, ao nível da resolução concreta da controvérsia – en-quanto processo formalmente institucionalizado –, que consiste na demonstração da razoabilidade da decisão, visando a sua acei-tação pelas partes e a satisfação, dentro da medida possível, dos interesses que ficaram com ela frustrados. Estes três conceitos não se podem ter, todavia, como conceitos estanques. Na verdade, eles são mesmo dependentes – pois se a justificação não pode dispen-sar a argumentação, a validade da argumentação está dependente, como sabemos, da fundamentação (o que faz a justificação depen-der, em último termo, da fundamentação...).

Com mais uma nota ainda: o requisito material de justificação não se coloca, como o leitor decerto compreenderá, com igual ex-pressão em todos os casos. A necessidade se satisfação mínima dos interesses através da justificação será tanto maior quanto maior for também a sua necessidade de protecção. Assim, é no direito consti-tucional que este requisito cobra a sua expressão máxima. Nos casos de conflitos de direitos fundamentais – e com isto retornamos ao nosso problema –, os interesses das partes estarão constitucional-mente protegidos, gozando da força normativa que esta protecção lhes confere, e por isso não poderão ser livremente afastados. Mas muito menos, como sabemos, se poderá garantir uma satisfação efectiva de todos os interesses, pelo que esta garantia dá lugar a uma garantia de satisfação mínima através da justificação.

Certo, a exigência material de justificação, decorrendo de valores como a igualdade e dignidade, sempre existiu: não o igno-ramos. Todavia, não ignoramos também a urgência do diagnóstico do pluralismo e de soluções materiais que se lhe dirijam, pelo que temos de reconhecer a imensa relevância do problema da justifi-cação – não só os conflitos de direitos fundamentais se colocam em número e complexidade crescente, acompanhando a também crescente complexidade interrelacional, como acresce também a dificuldade de lhes responder. Certos autores de direito comparado falam mesmo numa crescente exigência de justificação e de respon-sividade no direito constitucional, levando-os a falar de fenómenos como a “cultura da justificação” e a “administrização do direito

O Princípio da Proporcionalidade

77

constitucional”123. Pese embora este diagnóstico se nos afigure exa-gerado, devemos depreender dele o sentido da relevância actual deste problema.

Ora, esta contextualização histórica compreende-se quando percebemos que a proporcionalidade é o método que melhor cum-pre os requisitos materiais da justificação. A justificação, enquanto processo intersubjectivo de demonstração, convoca um discurso argumentativo que mobiliza razões susceptíveis de levar o inter-locutor a aceitar a razoabilidade da decisão – discurso este que, sabemo-lo, encontra no princípio da proporcionalidade um esque-ma procedimental que permite a sua racionalidade e concludência. Mas a relação entre a proporcionalidade e a justificação não se es-gota na argumentação. A exigência material de um tratamento de igualdade e dignidade através da justificação, que reconhecemos como sendo um imperativo em tempos de pluralismo, encontra-se também aqui cumprida. Com efeito, o princípio da proporciona-lidade pondera todos os interesses em conflito, e fá-lo com funda-mento não só no sistema, mas também no problema – garantindo desta sorte que o sacrifício dos interesses das partes (incluindo-se aqui o interesse do Estado na prossecução dos seus fins) são axio-logicamente toleráveis à luz daquela validade normativa, e que os efeitos da decisão são os menos lesivos para as partes. Estas duas garantias – que já reconhecemos como uma garantia de justiça (fun-damentação normativa) e uma garantia de justeza (fundamentação empírica) são fundamentais, e sê-lo-ão mais nos nossos tempos: conquanto não se traduzam numa garantia de satisfação efectiva de todos os interesses na controvérsia, asseguram a garantia míni-ma de um tratamento justo e igual.

Numa nota conclusiva, explicámos o apelo prático do prin-cípio da proporcionalidade enquanto esquema procedimental de resolução de conflitos de direitos fundamentais, constituindo por isso um método jurisdicional desonerador, materialmente fundado,

123 Cf. Mosche Cohen-eliyA – Iddo PorAt, «Proportionality and the Culture of Justification», esp. 4 e 28. “Proportionality, we believe, is essentially a require-ment of justification. It should therefore not be viewed merely as an instrumental legal device. Rather, it represents a profound shift in constitutional law on a global level, which we character-ize (…) as a shift from a culture of authority to a culture of justification. (…) The conceptual shift to a culture of justification represents what might be viewed as an “administrization” of constitutional law”.

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

78

que conduz a um juízo decisório normativamente fundamentado e argumentativamente concludente. Mas o apelo deste método só se compreende contextualizado, e na medida em que é convocado por uma certa realidade – a realidade do pluralismo. Como se esta nos lançasse na busca de respostas (de “uma celebração prescri-tivamente feliz da pluralidade [por uma vez livre da nostalgia da unidade perdida]”124), para descobrir a do princípio da proporcio-nalidade. E sabemos como: enquanto método que, levando àquele juízo decisório normativamente fundado e argumentativamente concludente, satisfaz também as exigências materiais da justifica-ção, que mais não é do que a garantia mínima de tratamento justo e igual dos interesses das partes na controvérsia. Uma garantia que será indispensável em tempos de pluralismo, pela complexidade crescente com que os conflitos se colocam e pela fragmentação do horizonte que lhes dará resposta; e mais ainda em casos de con-flitos de direitos fundamentais, pela protecção normativa de que gozarão os interesses das partes. O que nos leva a encontrar no mé-todo da proporcionalidade um arrimo precioso – que sê-lo-á mais num contexto que sofreu a perda de um paradigma –, desonerador da tarefa do juiz.

Conclusão

Justificam-se mais algumas notas finais, posto que não po-deremos ainda julgar terminada a nossa reflexão.

Não duvidamos da relevância actual do princípio da pro-porcionalidade – como princípio destinado à resolução de confli-tos de interesses que se colocam com cada vez maior frequência e complexidade em tempos de pluralismo. E propusemos uma nova abordagem a este princípio – para além daquela que o vê como princípio material de justiça, fundando-o nos próprios conceitos de Direito e Justiça, e daquela na qual este nos aparece como es-quema de controlo dos actos do poder legislativo e que não deve certamente ser ignorada, pois que a proporcionalidade se tornou num “critério universal de constitucionalidade”. Falamos da pro-

124 J. M. Aroso linhAres, «Jurisprudencialismo: uma resposta possível em tempo(s) de pluralidade e de diferença?», 8.

O Princípio da Proporcionalidade

79

posta do princípio da proporcionalidade enquanto método jurisdi-cional desonerador da tarefa do juiz na dirimição de conflitos de bens, interesses e valores, mormente aqueles que envolvam direi-tos fundamentais. E tem este carácter desonerador pois leva à du-pla fundamentação da decisão (no problema e no sistema) através de um juízo normativo que reverte a voluntas da decisão à ratio do sistema; e que permite também, num momento posterior, que este se traduza num juízo argumentativo racionalmente concludente e que ofereça uma garantia satisfatória de justiça e justeza aos parti-culares, a que chamámos justificação.

Todavia – e posto que esta não pode ser uma reflexão desvin-culada – não poderemos deixar de alertar para o perigo do recurso ao método do princípio da proporcionalidade. Com efeito, quer pelo facto de adoptarmos uma perspectiva procedimental do prin-cípio, quer por basearmos o seu apelo prático na argumentação e na justificação, poderá parecer ao leitor, à primeira vista, que a proporcionalidade aparece desta sorte despida da sua significação material, e que o juiz se poderá servir dela como uma “fórmula mágica” para a resolução de qualquer conflito de direitos funda-mentais, justificando a sua decisão pelo simples (e aparente) cum-primento das suas etapas. Mas será, efectivamente, assim? Poderá o método da proporcionalidade ser um pretexto para a arbitrarie-dade? A resposta tem de ser negativa. O que o método do princí-pio da proporcionalidade prescreve é a fundamentação, cobrando o seu significado material indirectamente através desta relação pri-vilegiada entre procedimento e validade, forma e conteúdo. Pois, se a experiência histórica nos ensina que sempre se teve de optar entre validade e procedimento, vemos como aqui estes se aliam na medida em que o procedimento é um procedimento de validade (sem que esta tenha de abdicar, porém, da sua dimensão normativo--axiológica). A nossa proposta surge-nos, assim, como um arrimo inestimável da tarefa dificílima do juiz, que é a de resolver os con-flitos de direitos fundamentais em tempos de pluralismo, posto que nela se unem a certeza e segurança do procedimento e a justiça e justeza da validade.

Em boa hora – de resto, a hora da despedida – convocamos (também) o pari de Pascal: “il faut parier (...) et (...) cela n’est pas volontaire, vous êtes embarqué”.

80

O Princípio da Proporcionalidade

81

Bibliografia

albuquerque, Martim de - Da Igualdade – Introdução à Jurisprudência, Coimbra:

Almedina, 1993.

alexy, Robert - A Theory of Constitutional Rights, tradução para inglês de Julian Rivers, Oxford: Oxford University Press, 2002.

—— «Legal argumentation as rational discourse», Rivista Internazionale di Filo-sofia del Diritto, 70/2 (1993) 165-178.

—— «The Special Case Thesis», Ratio Juris – An International Journal of Juris-prudence and Philosophy of Law 12/4 (1999) 374-384.

andrade, José Carlos Vieira de - Os direitos fundamentais na Constituição Portu-guesa de 1976, Coimbra: Almedina, 1983.

amaral, Diogo Freitas do - «Direitos fundamentais dos administrados», in Jorge miranda, org., Nos dez anos da Constituição, Lisboa: Imprensa Na-cional Casa da Moeda, 1986.

aquino, Tomás de - Summa Theologica; tradução inglesa do latim, disponível em: <http://www.ccel.org/ccel/aquinas/summa.toc.html>.

ariStóteleS - Ética a Nicómaco, tradução do grego e notas de António C. Caei-ro, Lisboa: Quetzal Editores, 2004.

barak, Aharon - «Proportionality and Principled Balancing», Law and Ethics of Human Rights, 4 (2010); disponível em: <http://www.clb.ac.il/uploads/Barak(2).pdf>.

beatty, David - The Ultimate Rule of Law, Oxford: Oxford University Press, 2004, 1-17.

boHman, James – reHg, William - «Jürgen Habermas», The Stanford Encyclope-dia of Philosophy (Winter 2011 Edition), Edward N. Zalta, ed.; disponível em: <http://plato.stanford.edu/archives/win2011/entries/Habermas>.

bronze, Fernando José - «A Metodonomologia (para além da argumenta-ção)», in Jorge de Figueiredo diaS – J. J. Gomes CanotilHo – José de Faria CoSta, Ars Iudicandi: estudos em homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, 344-371.

CanaS, Vitalino - «O princípio da proibição do excesso na Constituição: ar-queologia e aplicações». In Jorge miranda, Perspectivas Constitucionais, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, 323-357;

PRÉMIOS | Prémio Doutor Marnoco e Sousa

82

—— «Proporcionalidade (Princípio da)», in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. IV, Lisboa, 1994.

CanotilHo, J. J. Gomes - Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ª ed.; 6.ª reimp., Coimbra: Almedina, 2009.

—— O problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos, Coimbra: Alme-dina, 1974.

CoHen-eliya, Mosche – Porat, Iddo - «Proportionality and the Culture of Justification», American Journal of Comparative Law, 59 (2011) 463-490; disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3 /papers.cfm?abstract_id=1623397>.

engle, Eric - «The history of the general principle of proportionality: an over-view», The Dartmouth Law Journal 10/1 (2012) 1-11; disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1431179>.

gróCio, Hugo - De Jure Belli ac Pacis, tradução inglesa do latim - The Rights of War and Peace, disponível em: <http://oll.libertyfund.org/index.php?option=com_staticxt&staticfile=show.php%3Ftitle= 553&Itemid=27>.

HabermaS, Jürgen - Theorie des kommunikativen Handelns ; tradução francesa: Théorie de l’agir communicationnel, vol. I, Paris: Fayard, 1987.

HeSPanHa, António - O Caleidoscópio do Direito, Coimbra: Almedina, 2009.

kumm, Mattias - “Constitutional Rights as Principles”, International Journal of Constitutional Law, 2/3 (2004) 574-596.

larenz, Karl - Metodologia da Ciência do Direito, tradução de José Sousa e Brito e José António Veloso, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1969.

linHareS, José Manuel Aroso - Sumários Desenvolvidos de Introdução ao Direito.

—— «Jurisprudencialismo: uma resposta possível em tempo(s) de pluralidade e de diferença?»; disponível em <www.estig.ipbeja.pt/~ac.../Linhares_JURISPRUDENCIALISMO.pdf>.

loCke, John - Second Treatise of Civil Government; disponível em: <http://www.constitution.org/jl/2ndtreat.htm>.

miranda, Jorge - Manual de Direito Constitucional, t. IV, Coimbra: Coimbra Editora, 1993.

monCada, Luís Cabral de - Filosofia do Direito e do Estado. II – Doutrina e Crítica. Coimbra: Coimbra Editora, 1995 (Clássicos Jurídicos).

—— Filosofia do Direito e do Estado. I – Parte História, Coimbra: Coimbra Edito-ra, 1995, (Clássicos Jurídicos).

moreira, Vital - A ordem jurídica do capitalismo, Lisboa: Caminho, 1973.

O Princípio da Proporcionalidade

83

neveS, António Castanheira - «Método Jurídico», in: António Castanheira neveS, Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua me-todologia e outros, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1995.

—— «Jurisprudência dos Interesses», in António Castanheira neveS, Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 1995.

—— «As fontes do direito e o problema da positividade jurídica», II, Boletim da Faculdade de Direito 52 (1976) 95-240.

—— Metodologia Jurídica: Problemas fundamentais, Studia Iuridica, Coimbra: Coimbra Editora, 1993; reimpr. 2011.

—— «Entre o ‘legislador’, a ‘sociedade’ e o ‘juiz’», in António Castanheira neveS, Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua me-todologia e outros, vol. III, Coimbra: Coimbra Editora, 1995.

—— Apontamentos complementares de Teoria do Direito (1988/89).

nolte, Georg - «General Principles of German and European Administrati-ve Law – A Comparison in Historical Perspective», Modern Law Re-view (1994) 191-212; disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1468-2230.1994.tb01932.x/abstract>.

Perju, Vlad - «Proportionality and Freedom – An essay on method in consti-tutional law», Global Constitutionalism, 1/2 (2012) 334-367; disponível em: <http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=8599616>.