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Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR, AMBIENTE FÍSICO E RELAÇÕES
ASSISTENCIAIS: A PERCEPÇÃO DE ARQUITETOS ESPECIALISTAS
Luciana de Medeiros
Natal 2004
2
Luciana de Medeiros
HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR, AMBIENTE FÍSICO E RELAÇÕES
ASSISTENCIAIS: A PERCEPÇÃO DE ARQUITETOS ESPECIALISTAS
Dissertação elaborada sob a orientação do Prof.Dr. José de Queiroz Pinheiro e apresentada aoPrograma de Pós-Graduação em Psicologia daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte,como requisito parcial à obtenção do título deMestre em Psicologia.
Natal 2004
3
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação “Humanização hospitalar, ambiente físico e relações assistenciais: a
percepção dos arquitetos especialistas”, elaborada por Luciana de Medeiros, foi
considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título
de MESTRE EM PSICOLOGIA.
Natal, RN, 25 de outubro de 2004
BANCA EXAMINADORA
Profº Dr. José de Queioz Pinheiro ______________________________
Profª Dr.ª Sônia Marques da Cunha Barreto _______________________________
Profº Dr. Jorge Castellá Sarriera _______________________________
4
A vida seria muito mais fácil se a cada melhoria no
ambiente físico ou social correspondesse um aumento
claro e mensurável na produtividade e saúde humanas.
Robert Sommer
5
Agradecimentos
Agradeço primeiramente a Deus, pela saúde e pela vida. À minha família, pelo amor que nos une e nos fortalece. Ao professor Dr. José de Queiroz Pinheiro, pela confiança depositada no meu
trabalho e pelo incentivo nos momentos difíceis. À professora Dr.ª Gleice Azambuja Elali, que me acompanha desde a graduação,
pelas valiosas contribuições ao longo da minha vida acadêmica. À arquiteta e amiga Maria Alice Lopes, por ter me apresentado à Arquitetura
Hospitalar e por ter acreditado na minha capacidade profissional desde então. À professora Dr.ª Martha Traverso, à professora Dr.ª Clara Santos e demais
professores do Programa de Pós-graduação em Psicologia, pelas sugestões apresentadas nos seminários de dissertação.
Aos meus colegas arquitetos, que prontamente me concederam seus
depoimentos. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES,
pela concessão da bolsa de estudos.
6
Sumário
Lista de figuras............................................................................................................ viiLista de tabelas............................................................................................................ viiiResumo........................................................................................................................ ixAbstract.......................................................................................................................
x
1. Introdução................................................................................................................
11
2. Hospital: história, políticas de saúde e normatização.............................................. 16 2.1. O hospital na história....................................................................................... 16 2.2. Brasil: Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecimentos públicos e privados..................................................................................................................
23
3. Humanização e assistência hospitalar..................................................................... 28 3.1. O paciente hospitalizado................................................................................. 28 3.2. Saúde e doença................................................................................................ 30 3.3. A relação profissional-paciente....................................................................... 34 3.4. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar.....................
37
4. Humanização e Arquitetura hospitalar.................................................................... 40 4.1. Antecedentes................................................................................................... 40 4.2. O projeto arquitetônico e a humanização........................................................ 44 4.3. Hotelaria hospitalar: uma nova tendência.......................................................
49
5. Interação pessoa-ambiente no contexto hospitalar................................................ 52 5.1. Sobre Psicologia Ambiental........................................................................... 52 5.2. O ambiente hospitalar como campo de estudo............................................... 54 5.3. Panorama atual: introduzindo variáveis da pessoa e do ambiente..................
57
6. A consulta ao arquiteto especialista........................................................................ 66 6.1. Participantes.................................................................................................... 66 6.2. Instrumento...................................................................................................... 67 6.3. Procedimentos................................................................................................. 67 6.4. Análise dos dados............................................................................................
68
7. O que define a humanização hospitalar: a percepção do arquiteto especialista...... 69 7.1. Humanização hospitalar.................................................................................. 70 7.2. Hospitais do passado e do presente................................................................. 74 7.3. Hospitais públicos e privados.......................................................................... 78 7.4. Projeto arquitetônico de estabelecimentos assistenciais de saúde...................
81
8. Considerações finais................................................................................................
91
9. Referências ............................................................................................................. 96Apêndices
7
Lista de figuras Figura
Página
1. Apresentação dos blocos ou eixos temáticos e suas interrelações...................
69
2. Relação entre humanização e resposta do usuário do ambiente....................... 95
8
Lista de tabelas Tabela
Página
1. Componentes da humanização hospitalar mencionados..................................
70
2. Ações apontadas para humanizar os serviços..................................................
73
3. Sensações associadas ao hospital do passado e do presente............................
77
4. Tipos de estabelecimentos e freqüência de citação..........................................
78
5. Elementos do projeto arquitetônico mencionados...........................................
81
6. Base para o projeto arquitetônico.....................................................................
83
7. Motivos para ter retornado ao edifício............................................................. 86
9
Resumo
A criação do Programa de Humanização da Assistência Hospitalar e o número crescente
de artigos e teses que discutem práticas mais humanas no atendimento em saúde
expressam a ênfase dada ao tema no Brasil. Nessas discussões, entretanto, não costuma
haver referência à arquitetura como fator relevante para a humanização hospitalar,
embora já se saiba que a estrutura física do edifício pode auxiliar no restabelecimento
dos pacientes; elementos como jardins, uso de cores e espaços abertos podem amenizar
o impacto causado pela rotina hospitalar sobre os pacientes. Considerando a
contribuição que o projeto arquitetônico pode trazer para a humanização de hospitais, o
objetivo deste estudo foi verificar a percepção dos arquitetos acerca do processo de
humanização hospitalar. Além de ter buscado subsídios em entrevistas informais com
profissionais de saúde, em visitas a hospitais e seminários sobre o assunto, a pesquisa
foi baseada em entrevistas semi-estruturadas com os arquitetos de Natal, Rio Grande do
Norte, especialistas neste tipo de projeto. A análise do conteúdo das entrevistas revelou
que espaço físico e atendimento são essenciais ao processo de humanização. Para
aqueles profissionais, há duas tendências de humanização: enquanto hospitais privados
têm a aparência física de sua estrutura considerada como humanizada, hospitais
públicos enfatizam a humanização do atendimento, num contraste que reforça as
contradições do sistema de saúde do país. Os entrevistados consideram a avaliação do
edifício depois de entregue ao uso um exercício de aprendizagem que contribui para
novos projetos, mas, surpreendentemente, não contemplam a opinião dos pacientes.
Confirmam-se duas inquietações decorrentes dos levantamentos preliminares: raros são
os trabalhos que focalizam as relações pessoa-ambiente, e a definição de ambiente
hospitalar humanizado ainda é abrangente e imprecisa. Isso sugere a necessidade de
novas pesquisas para compreender melhor como os dois fatores apontados neste estudo
– atendimento e espaço físico – interagem para uma verdadeira humanização hospitalar.
Palavras-chave: humanização hospitalar, atendimento em saúde, arquitetura hospitalar,
relação pessoa-ambiente, arquiteto.
10
Abstract
The creation of the Humanization Program of Hospital Care and the increasing number
of academic works and journal articles that discuss more humane practices in the health
care services express the emphasis given to the theme in Brazil. In these discussions,
however, it is not usual to find reference to architecture as a relevant factor in the
humanization of hospitals, even though it is known that the physical structure of the
building may help the recovering of the patients; elements such as gardens, the use of
colors and open spaces may soften the impact caused by the hospital routine on patients.
Considering the contribution the architectural project may bring to the humanization of
hospitals, the aim of this study was to verify how the architects perceive the hospital
humanization process. Besides having searched for subsides in informal interviews with
health professionals, in visits to hospitals and in related seminars, the study was based
on semi-structured interviews with architects of Natal, Rio Grande do Norte, who are
specialists in this kind of projects. The content analysis of the interviews showed that
physical space and attendance are essential to the humanization process. Those
professionals see two humanization tendencies: while private hospitals have the
structural physical appearance considered as humanized, public hospitals emphasize the
humanization in attendance, fact that illustrates the contradictions in Brazilian health
system. The interviewees consider the post-occupancy evaluation of the building as a
learning exercise that contributes to new projects, but surprisingly they do not mention
the patients’ opinion as part of it. Two annoying facts have emerged from the
interviews, as also seen in preliminary stages of the study: rare are the works that focus
on the person-environment relationship, and the definition of humanized hospital
environments is still broad and inaccurate. This suggests the need of new studies in
order to better understand how the two factors shown in this study – attendance and
physical space – interact towards a true hospital humanization.
Key words: Hospital humanization; health care; hospital design; person-environment
relationship; architect.
11
1. Introdução
“Por uma Medicina mais humana”. Essa era a mensagem escrita numa faixa,
daquelas fixadas nos postes das vias públicas, que indicava a realização de um encontro
entre profissionais de saúde nas instalações da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, a realizar-se exatamente naquele dia, 22 de fevereiro do ano de 2002. Resolvi me
dirigir até o local do evento e entrar, afinal de contas, também estava escrito na faixa
que o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar - PNHAH1 - seria
discutido na ocasião. A proposta do Programa para aquele ano era humanizar
quinhentos hospitais da rede pública do país, sendo sete aqui no Estado. Como eu não
era da área da saúde, nem tinha feito inscrição, tive que conversar com os funcionários
da recepção para conseguir participar do encontro como ouvinte. Ao responder as
perguntas que me fizeram, do tipo formação profissional e curso de pós-graduação, não
pensei que o fato de ser arquiteta, aluna da pós-graduação em Psicologia e interessada
em humanização hospitalar, fosse deixar aquelas pessoas tão confusas. No entanto, após
todos os esclarecimentos, tive permissão para entrar, não só nesse, mas em outros
eventos semelhantes que aconteceram posteriormente.
Assim como as pessoas do exemplo acima, o leitor também deve estar esperando
uma explicação. Com a experiência de trabalho num escritório de Arquitetura
Hospitalar, comecei a perceber a complexidade existente neste tipo de projeto. Já
interessada nas relações pessoa-ambiente, pois esta havia sido uma das disciplinas
cursadas na graduação em Arquitetura, me perguntava que implicações um local
planejado para tantas atividades diferentes poderia trazer para as pessoas que o
1 A partir desse trecho, sempre que o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar for mencionado, será utilizada a abreviação PNHAH.
12
utilizavam. O grande dilema do profissional que projeta esse tipo de edifício, ainda que
eu tenha participado apenas de algumas etapas do processo projetual, é conciliar uma
gama enorme de pré-requisitos, normas, recursos financeiros destinados à obra, gosto do
cliente, detalhes específicos e ainda idealizar espaços ditos “humanizados”. Mas o que é
um ambiente hospitalar humanizado?
Segundo Malkin (1992), alguns fatores têm a função de propiciar o
restabelecimento das pessoas hospitalizadas, entre os quais podem ser citados a
possibilidade de comunicação com a equipe médica e de enfermagem, o controle de
ruídos e a criação de espaços que permitam, por exemplo, a visualização da natureza.
Logo, uma assistência voltada para os cuidados com o paciente, deve incluir aspectos
relativos ao atendimento prestado e à estrutura físico-espacial do edifício.
Diversos trabalhos em Arquitetura e Psicologia Ambiental, publicados
principalmente em periódicos internacionais, têm focalizado o papel do ambiente físico
no processo de recuperação dos pacientes (Whitehouse, Varni, Seid, Cooper-Marcus,
Ensberg, Jacobs, & Mehlenbeck, 2001; Devlin & Arneill, 2003). Porém, na ênfase dada
a tais relações, a literatura internacional não apresenta necessariamente o termo
“humanização”, mas “ambientes com potencial terapêutico” ou “elementos de design
que promovem saúde”. Trata-se dos elementos presentes na própria organização
espacial2 e ambientação3 do edifício que beneficiam o paciente durante a internação ou
algum tipo de procedimento realizado.
Entretanto, no Brasil, muito se fala mas pouco se tem certeza a respeito da
humanização hospitalar e o emprego do termo pode ser observado tanto para
2 Organização espacial pode ser entendida como o conjunto de características físico-funcionais dos ambientes necessárias ao desenvolvimento das atividades previstas na edificação. 3 Ambientação: projeto que indica os materiais de acabamento, cores e disposição e desenho detalhado do mobiliário a ser utilizado na composição de um ambiente.
13
caracterizar a estrutura física de um local como para caracterizar o serviço prestado à
população. Referir-se a um ambiente como humanizado é uma prática constante no
ramo da assistência médico-hospitalar, principalmente porque existe uma idéia de que,
para atrair cliente, essa é uma marca garantida de um padrão superior de qualidade. Há
quem diga ainda, que um ambiente humanizado é aquele no qual existem pessoas
realizando trabalho voluntário.
No tocante ao atendimento em saúde e aos trabalhos publicados recentemente no
país, diversos autores têm se dedicado à humanização, seja afirmando sua prática
(DeMarco, 2003), reforçando sua necessidade (Traverso-Yépez & Morais, 2004) ou
questionando sua definição (Deslandes, 2004). Além disso, a criação do PNHAH, cuja
meta é a valorização da pessoa nas práticas da saúde pública e a utilização de um
manual com diretrizes para implantação e fortalecimento das ações de humanização,
ilustram muito bem a notoriedade do tema.
Por outro lado, em Arquitetura, parece não haver interesse nesta discussão, dado
o número reduzido de trabalhos que só agora começam a ser publicados (Fontes, Alves,
Santos, & Cosenza, 2004). De acordo com a literatura pesquisada até o momento, o
assunto é explorado superficialmente, sem apresentar uma definição clara do que seja
um ambiente hospitalar humanizado, nem estabelecer uma relação entre a humanização
e os estudos pessoa-ambiente (Corbioli, 2002; Rogar, 2002). Além disso, existe uma
tendência em comparar a estrutura de determinados hospitais à de hotéis, atribuindo-
lhes a qualidade de “humanizado” devido a variedade das opções de serviço e conforto
oferecido ao paciente (Godoi, 2004).
Portanto, o objetivo desta pesquisa é verificar a percepção dos arquitetos de
Natal, Rio Grande do Norte, especialistas em projetos de estabelecimentos assistenciais
14
de saúde, acerca do processo de humanização hospitalar. A partir dessa exploração,
outras questões serão respondidas:
a) Como o profissional de Arquitetura se insere no processo mais amplo de
humanização hospitalar?
b) Em que circunstâncias surgiram as idéias que originaram a humanização hospitalar?
c) De que maneira o processo tem se desenvolvido no Brasil?
As respostas a essas indagações trazem à tona as contribuições da Arquitetura e
dos estudos pessoa-ambiente para o processo de humanização e focalizam as
transformações do edifício de atenção à saúde em decorrência das políticas de saúde e
da crescente valorização dos cuidados com o paciente.
Sendo assim, esta pesquisa tem como base as entrevistas com os arquitetos
especialistas, mas também outras evidências empíricas, como informações colhidas com
profissionais de saúde, visitas a hospitais, congressos e seminários sobre o assunto, além
da revisão da literatura da área, incluindo Arquitetura, Psicologia, Medicina e Saúde
Pública. Portanto, as páginas que seguem serão um diálogo entre a literatura, a minha
visão enquanto arquiteta e os especialistas em projetos físicos de estabelecimentos
assistenciais de saúde.
As partes que compõem este documento têm início com um capítulo sobre o
surgimento do hospital como instrumento terapêutico e a conseqüente inclusão do
paciente como alvo principal dos serviços de saúde.
Em seguida, no terceiro capítulo, a humanização aparece associada aos aspectos
presentes na hospitalização, aos processos saúde e doença, à relação profissional-
paciente e ao PNHAH.
No quarto capítulo, são expostos alguns dos trabalhos em Arquitetura que
abordam a humanização dos ambientes hospitalares, os elementos que auxiliam no
15
processo de recuperação dos pacientes e o surgimento da hotelaria hospitalar como uma
nova tendência administrativa do setor.
O quinto capítulo destina-se aos estudos pessoa-ambiente no contexto hospitalar
e às pesquisas realizadas na área, apresentando as possíveis contribuições deste campo
para a humanização.
No sexto capítulo, são explicitados o percurso metodológico para a realização
das entrevistas com os arquitetos e os procedimentos de coleta e análise dos dados.
No sétimo capítulo, está a percepção dos arquitetos acerca do processo de
humanização e a articulação entre esses resultados e o que foi apresentado na revisão da
literatura.
O capítulo oito expõe minhas reflexões sobre humanização, assistência,
Arquitetura e estudos pessoa-ambiente no contexto hospitalar, incluindo alguns
questionamentos sobre este trabalho e futuras possibilidades que surgem à luz da sua
realização.
16
2. Hospital: história, políticas de saúde e normatização
Neste capítulo abordarei de que forma a instituição hospitalar se torna um
instrumento terapêutico e a partir de que momento o paciente passa a ser prioridade
nesses serviços. Como conseqüência, veremos a importância das tecnologias médicas e
das políticas de saúde no processo de projeto e planejamento do hospital e no início das
discussões que culminaram na adoção de sistemas descentralizados, que atendessem
melhor a população. Sobre o Brasil, veremos semelhanças e diferenças entre
estabelecimentos públicos e privados, e a sua relação com os critérios do Sistema Único
de Saúde (SUS). Não se trata de uma recapitulação histórica prolongada, mas da seleção
de fatos considerados relevantes para o entendimento deste trabalho.
2.1. O hospital na história
Os hospitais existem desde a antigüidade, antes mesmo de serem considerados
instituições ou possuírem as características atuais. Na Grécia Clássica e no Egito,
funcionavam em templos religiosos e eram chamados de templos-hospitais, com o papel
de abrigar e cuidar dos enfermos, necessitados e indigentes, servindo também como
uma espécie de hospedaria, daí o termo “hospital”. Dada a sua ligação com a religião,
traço mantido até hoje em diversos estabelecimentos, eram como uma espécie de casa
de caridade, não para curar, mas para cuidar das pessoas abandonadas, pobres e
excluídas da sociedade (Kellman, 1995; Rodriguez-Marín, 1995). Nesse sentido, muitos
hospitais, também chamados de “Santa Casa”, ainda que não sigam inteiramente o
propósito de servir para a caridade, guardam algumas das características desse período,
como por exemplo, serem administrados por religiosos.
17
Até o século XVIII, especialmente no continente europeu, tais edifícios eram
considerados um lugar para morrer, já que o seu principal personagem não era o doente
que precisava ser curado, mas o pobre que estava morrendo. Durante a Idade Média,
religiosos e leigos detinham o poder e cuidavam das pessoas, buscando sua salvação
eterna através das obras de caridade. O médico, subordinado ao pessoal religioso, só era
chamado em último caso, apenas como uma garantia e não como uma prática regular.
As consultas médicas eram privilégio dos que podiam pagar e a qualidade do médico
assegurada pelas receitas transmitidas e não pelas experiências hospitalares (Foucault,
1979).
Esse perfil só começou a mudar com os hospitais militares, local de grande
concentração de pessoas vindas de diferentes regiões e por isso mesmo, foco de doenças
e desordem econômica. Com o mercantilismo, o rápido adensamento urbano e intenso
movimento portuário geraram a adoção de medidas sanitárias abrangentes por parte do
Estado. O hospital passou a ser responsabilidade da administração pública, começando
então um período de disciplina, controle, vigilância e de inserção do médico nesse
contexto. Parte dessa trajetória política e social teve continuidade nos países colônias e a
intervenção do Estado no hospital colonial era bastante insuficiente. No continente
americano, a iniciativa de construí-lo e mantê-lo era da própria comunidade, o que não
assegurava a qualidade desses estabelecimentos, já que a proliferação de doenças
desconhecidas, a falta de médicos, as más condições de higiene e o excesso de doentes
agravava a situação (Ribeiro, 1993).
Ainda não havia, até o século XVIII, a intenção de buscar uma ação positiva do
hospital sobre o doente (Foucault, 1979). Começava-se a acreditar que a doença era
proveniente das ações do meio sobre o indivíduo e que os ambientes “não naturais”
favoreciam a sua disseminação. Alguns países europeus criaram políticas de intervenção
18
que variavam desde os cálculos de natalidade, mortalidade e registro de epidemias até a
vacinação coletiva e a normalização da prática e do saber médicos. Tais iniciativas se
deram em conjunto com avaliações dos lugares de acúmulo e amontoamento de tudo
que pudesse provocar doenças, gerando o desenvolvimento de medidas em relação à
circulação do ar entre as casas e à qualidade da água, bem como à disposição e
organização dos equipamentos urbanos pela cidade, como os hospitais, por exemplo. A
medicina tornava-se social, urbana e coletiva, porque passava a ser, além dos homens e
dos organismos, a medicina do ar, da água, das condições de vida e do meio.
O início do século XIX foi marcado pelo surgimento de outro paradigma
médico: a teoria anátomo-clínica (De Marco, 2003). Os médicos passaram a concentrar-
se no paciente individual, especialmente nos tecidos do corpo, na tentativa de adquirir
conhecimentos sobre patologia. Para que essa experiência clínica fosse possível como
forma de conhecimento e ação, o campo hospitalar necessitava de toda uma
reorganização administrativa e do seu espaço físico.
De acordo com Foucault (1979), o trabalho de organização desses espaços tem
seu início quando estudiosos – não arquitetos - realizaram viagens pela Europa a fim de
observar e registrar sua funcionalidade. Como havia a necessidade de reformar e
reconstruir antigos hospitais, acreditava-se que somente as teorias médicas ou somente
os planos arquitetônicos eram insuficientes para definir um programa que significasse
eficiência. Pouco se conhecia a respeito de como o hospital era capaz de agravar,
multiplicar ou atenuar as doenças.
Essas observações incluíram número de doentes, número de leitos, dimensões
das salas, taxa de mortalidade e de cura, os percursos das pessoas e os deslocamentos
das roupas limpas e sujas dentro do hospital, além da relação entre os fenômenos
patológicos e espaciais. O setor destinado à internação dos pacientes foi dividido de
19
acordo com os tipos de doenças e em cada um desses ambientes, leitos e mobiliário
foram dispostos de forma a acomodar pessoas e atividades. Desse momento em diante, a
arquitetura do hospital passou a ser discutida como fator e instrumento de cura e o
médico o principal responsável pela organização hospitalar. Um sistema de registro
permanente começou a ser utilizado, com dados de identificação do doente, seu
diagnóstico e tratamento, além das anotações feitas pelas enfermeiras. O indivíduo
passou a ser importante, objeto do saber e da prática médica, porque era observado,
seguido, conhecido e curado. A partir da disciplinarização do espaço hospitalar e da
nova face da intervenção médica, o hospital aparece como instrumento terapêutico e de
intervenção sobre a doença e o doente (Focault, 1979).
A organização da estrutura física dos hospitais como um importante meio na
recuperação dos pacientes também é pensada por uma enfermeira, Florence Nightingale
(Malkin, 1992; Verderber & Fine, 2000). Em meados do século XIX, alguns hospitais
europeus tiveram seus espaços modificados em função desse trabalho, centrado
principalmente, no setor de internação. Nightingale buscava formas de beneficiar os
pacientes e combinava noções de saúde e cuidados de enfermagem com elementos do
ambiente físico, ventilação e iluminação naturais, controle de ruído e medidas sanitárias.
Para que isso fosse possível, as enfermarias deveriam estar agrupadas em pavilhões,
como pequenas partes separadas, mas fazendo parte do mesmo conjunto hospitalar.
Dessa forma, cada pavilhão ou enfermaria, seria favorecida com ventilação e
iluminação naturais.
Acima de tudo, Nightingale se preocupava com a supervisão dos seus pacientes,
criando um novo arranjo dos leitos e posto de enfermagem dentro da internação. Suas
teorias implicaram no planejamento dos hospitais dos próximos cem anos e, segundo
Malkin (1992), continuam ajudando nesse processo. Verderber e Fine (2000)
20
consideram o trabalho de Nightingale um marco na história da arquitetura dos hospitais,
chegando a defini-lo como um período ou fase do design dos edifícios de cuidado em
saúde.
O hospital do século XIX assumiu uma nova missão: a de incorporar
tecnologias, a princípio artesanais, e mais tarde, industrialmente produzidas (Ribeiro,
1993). A cirurgia, por exemplo, até então praticada nas residências dos pacientes, passa
a ser realizada dentro do hospital. As altas taxas de mortalidade provocadas pela
infecção hospitalar, aumentavam a crença dos cirurgiões de que o mal estava além dos
agentes microbianos e das bactérias. Tal fato culminou na adoção de vários métodos de
anti-sepsia, sendo um deles, a lavagem das mãos, empregado até os dias atuais. O
hospital só começou a ser utilizado pelas pessoas mais abastadas após a queda da
mortalidade ocasionada pelas infecções e à instalação de quartos diferenciados.
De acordo com Freire (2002), hoje já se sabe que o agente infeccioso de grande
parte dos casos de infecção hospitalar é a flora natural do indivíduo infectado e não o
ambiente externo, como se acreditava. A preocupação com a assepsia do paciente e do
profissional que interage com ele é ainda maior porque se sabe que as mãos e os
procedimentos invasivos são os grandes veículos de contaminação. Sabe-se também que
a água e os grãos de poeira podem ser meios de contaminação por alguns
microorganismos, exigindo os cuidados específicos no tratamento e monitoramento
desses agentes de proliferação e contágio.
O período pós-guerras é caracterizado como sendo o mais expressivo nas
transformações sofridas pelo hospital (Verderber & Fine, 2000). A expansão dos
serviços de saúde em diversas nações, principalmente nos Estados Unidos, Europa e
Canadá, teve seu início firmado a partir do aumento da demanda por leitos hospitalares
e o conseqüente investimento dos governos na construção de hospitais. Os recursos
21
financeiros destinados para tal fim permitiram o crescimento dessas instituições em
número e complexidade, além de ter proporcionado o aparecimento de diferentes
empregos na área. O surgimento das especialidades médicas e o avanço tecnológico
também funcionaram como molas propulsoras dessa nova fase e possibilitaram
alterações no planejamento dos hospitais.
As mudanças sofridas pelas cidades, fruto das conseqüências trazidas pelas
guerras, se estenderam a todos os setores, fosse educacional, residencial, comercial ou
hospitalar. A Arquitetura e o Urbanismo começaram a ser pensados em função de
exigências técnicas e econômicas, devendo expressar os princípios do seu tempo:
racionalidade e funcionalidade, bases dos ideais modernistas (Verderber & Fine, 2000).
Segundo Frampton (2000), o próprio desenvolvimento industrial e o
conseqüente crescimento das cidades, iniciado ainda no século XIX, determinaram o
aparecimento das idéias que deram origem ao Modernismo. O caráter puramente
estético da Arquitetura e os estilos reproduzidos até então, começaram a ser
questionados e considerados ultrapassados. A Arquitetura Moderna deveria se basear
nos materiais do novo tempo, como concreto armado, aço e vidro, satisfazendo as
principais necessidades das pessoas.
Os padrões de construção adotados na época, baseados em formas geométricas
simples, ausência de ornamentação, racionalidade e funcionalidade, eram a expressão
perfeita para esses novos hospitais, também chamados de “máquinas de curar”. Cada
vez mais especializados e projetados para assegurar eficiência das atividades
desenvolvidas, concentravam todos os serviços numa só estrutura, dividida em três
zonas ou departamentos: a zona de diagnóstico e tratamento; a zona de apoio técnico e
logístico - cozinha, lavanderia e manutenção são exemplos de ambientes desse setor - e
zona de internação (Verderber & Fine, 2000).
22
Apesar da construção desses edifícios representar um momento de grandes
inovações na área de projeto e planejamento, as críticas ao hospital-máquina tiveram
fortes repercussões no setor, como será visto nos próximos capítulos. A partir dos anos
de 1970, o crescimento dos hospitais em tamanho e complexidade agravou o período de
crise financeira por parte dos governos e possibilitou o aparecimento de grupos de
empresários dispostos a financiar parte das construções, que teriam fins lucrativos. É
neste cenário que surgem os questionamentos acerca das políticas de saúde em prática e
do próprio hospital em uso, extremamente funcional e centralizado.
Além disso, estudiosos no assunto iniciaram discussões a respeito de uma
possível descentralização dos serviços, baseada na construção de unidades médicas
menores distribuídas pelas cidades. Cada unidade, dependendo da sua complexidade,
deveria atender a uma determinada comunidade, ou seja, a uma quantidade específica de
habitantes de uma região. Por serem menores, essas unidades atenderiam também ao
aspecto economia de custos com sua infra-estrutura reduzida. Nessa ocasião, os
provedores dos serviços dividiram-se em dois grupos: os que estavam interessados na
discussão a respeito da universalidade do direito à saúde e nas questões relativas ao
processo saúde-doença; e os que viam na prestação dos serviços a possibilidade de
lucro, como uma empresa que deve oferecer algo para atrair seus clientes. No início,
essas duas correntes funcionavam como ponto de vistas separados, mas em seguida
convergiram e proporcionaram uma reorganização nas estruturas médico-hospitalares
(Verderber & Fine, 2000).
Segundo Conh e Elias (2001), as idéias que deram origem à criação de um
sistema de saúde que garantisse o direito universal à assistência, tiveram como palco de
discussão as conferências internacionais organizadas com o apoio da Organização
Nacional de Saúde e do Banco Mundial. A recomendação principal era de que os países
23
subdesenvolvidos e em desenvolvimento adotassem um sistema em que a assistência
básica fosse responsabilidade do estado e que a especializada e com grande
incorporação tecnológica fosse prestada pelo setor privado.
O mega-hospital, como é chamado por Verderber e Fine (2000), só começou a
ser substituído e reestruturado no início dos anos de 1980, quando surgiu na Europa,
Estados Unidos e países em desenvolvimento, um novo sistema de saúde
descentralizado e direcionado para o cuidado com o paciente.
Assim, hospitais e demais estabelecimentos do ramo, assumem uma nova
configuração no que diz respeito ao espaço físico e à assistência prestada ao paciente,
aspectos abordados tanto na seção sobre os estudos pessoa-ambiente, como na seção
sobre humanização hospitalar. A seguir, veremos de que forma as políticas de saúde
implementadas no Brasil interferiram no distanciamento entre o setor público e privado
e em que circunstâncias surgiram as normas para projetos arquitetônicos desses
estabelecimentos.
2.2. Brasil: Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecimentos públicos e privados
A assistência médico-hospitalar brasileira começou a ser coberta pelos antigos
Institutos de Pensões e Aposentadorias em 1920, através de serviços próprios ou
contratados, distribuídos nas capitais e grandes centros urbanos (Conh & Elias, 2001;
Ribeiro, 1993). Como as antigas Caixas e depois os Institutos de Aposentadorias e
Pensões eram organizadas por empresas, em sua maioria com recursos insuficientes
para a construção de uma infra-estrutura de serviços médicos, estes passaram a ser
oferecidos através da compra de serviços privados, sob a forma de credenciamento
médico. A conseqüência desse vínculo foi a privatização precoce dos serviços de saúde.
24
Em 1966, esses institutos foram extintos, surgindo o Instituto Nacional da
Previdência Social (INPS), centralizado e diretamente subordinado ao Ministério
correspondente. A população não coberta pelo sistema previdenciário, utilizava os
hospitais públicos, filantrópicos, beneficentes e lucrativos, estes últimos ainda muito
raros. Como a população não inclusa nas relações formais de emprego ficava excluída
da assistência prestada pela Previdência, era considerada indigente e tinha de valer-se
das Santa casas, já elucidadas anteriormente.
Nessa época, começaram as discussões a respeito do direito universal à saúde e
de uma possível reforma sanitária (Conh & Elias, 2001). As propostas tiveram êxito nos
anos de 1970 através da criação de dispositivos legais que asseguravam a cobertura a
determinados grupos populacionais, no caso, as pessoas acima de 70 anos. Somente a
partir da Constituição de 1988, a saúde passou a ser um direito de todos os cidadãos,
contribuintes ou não do sistema.
As empresas médico-hospitalares de caráter lucrativo apareceram ainda nos anos
de 1970, tanto nos principais centros urbanos, como nas principais cidades do interior
dos estados, principalmente na região sudeste. Junto à Previdência, esses grupos
firmaram acordos, contratos e políticas de preços vantajosos sem processo de licitação,
o que estimulou a construção ou adaptação de prédios em hospitais, clínicas e serviços.
A Previdência Social era compradora quase exclusiva dos seus serviços e ainda hoje se
vêem políticas semelhantes sendo preservadas (Ribeiro, 1993). A iniciativa privada
buscava meios para sua consolidação e expansão, quer vendendo seus serviços, como já
foi dito, quer organizando a assistência suplementar através das cooperativas médicas
ou dos planos de saúde.
No que diz respeito às normas para projetos físicos de estabelecimentos
assistenciais de saúde, o surgimento do primeiro documento que representou uma
25
medida disciplinadora na construção desses edifícios foi em 1977, ocasião em que o
governo se propunha a financiar uma grande expansão da rede hospitalar pública e
privada (Barreto, 2002). A aprovação dos projetos e a conseqüente liberação dos
recursos estava vinculada ao cumprimento das normas, que posteriormente incluíram
quesitos relacionados aos equipamentos e unidades específicas, como hemocentros e
farmácias. Durante esse período, as normas sofreram diversas críticas quanto aos
problemas não previstos no documento e quanto aos modelos de hospital que eram
dados como exemplos. Muitos estabelecimentos tiveram suas construções baseadas
nesses modelos, como uma cópia dos projetos apresentados no instrumento normativo.
Em 1994, outra norma foi lançada pelo Ministério da Saúde, em que não existia mais o
“hospital” como tipologia definida, mas o estabelecimento assistencial de saúde com
atribuições associadas às atividades a serem desenvolvidas. Uma metodologia de
planejamento da instituição foi enfatizada com base nas demandas por serviços
assistenciais em cada área de cobertura, seja município ou perfil epidemiológico de
determinada região.
Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990, norteado pelos
princípios de Universalidade, Equidade e Integralidade, ficou resolvido que cada
hospital, centro ou posto de saúde da rede pública faria parte de um sistema integrado,
regionalizado e hierarquizado, sendo dever do Estado prover meios para o exercício do
direito à saúde, com participação direta dos municípios. Se posto em prática em sua
abrangência, o SUS privilegiaria o setor público, enquanto o privado (ou particular)
participaria apenas em caráter complementar.
Segundo determinações do SUS, os estabelecimentos assistenciais de saúde
podem ser divididos em três níveis conforme o grau de diferenciação das atividades que
suportam. No nível primário encontram-se as unidades básicas de saúde, ou seja, os
26
postos e centros de saúde. No nível secundário estão os hospitais que oferecem atenção
ambulatorial com todo o suporte nas quatro especialidades básicas (clínica médica,
ginecologia, cardiologia e pediatria), internação, urgência, e reabilitação. No nível
terciário estão os hospitais que possuem uma capacidade resolutiva maior dos casos
mais complexos de atenção ambulatorial, internação e urgência (Pinto, 1996).
Aqui cabe ressaltar que, de acordo com os critérios do SUS quanto ao nível de
atenção à saúde e aos tipos de estabelecimentos, os parâmetros servem de base para
qualquer projeto físico de estabelecimentos de saúde, seja ele público ou privado.
Porém, existem mais diferenças do que semelhanças entre os dois, a começar pela
lógica na sua distribuição nas cidades. As instituições particulares não têm sua estrutura
pensada a partir do número de habitantes de cada localidade na qual está se instalando.
Basta que se forme um grupo de profissionais da saúde ou de empresários dispostos a
investir seus recursos na construção de um novo edifício da saúde para que os planos
saiam do papel e se transformem em realidade. É também por este motivo que tantos
hospitais particulares fecham suas portas ou mantém parcerias com outros grupos de
empresários e com planos de saúde.
Segundo Conh e Elias (2001), outra diferença entre a organização dos serviços
públicos e privados reside no fato de que, ao contrário do que deveria acontecer, o setor
privado termina sendo responsável pela parcela de atendimento mais rentável, que se
concentra nos estabelecimentos do tipo policlínicas e hospitais. Ao setor público cabem
todas as medidas de caráter coletivo e os procedimentos de complexidade mais
onerosos. Dada a primazia do setor particular lucrativo sobre o setor público, ocorre
também a concentração de equipamentos de saúde nos principais centros urbanos e
estados mais ricos. Além disso, o SUS apresenta outros problemas:
27
Não conseguiu ainda ser totalmente descentralizado: as decisões terminam sendo do
Governo Federal, sobrando pouca autonomia aos estados e municípios;
Continua privatizando seus serviços: o atendimento ao doente é realizado pelo setor
privado e pago pelo Estado;
Continua distante das necessidades da população: grande parte dos problemas
poderia ser resolvido nas unidades básicas, mas a população termina sendo atendida
por serviços em que o acesso não corresponde à necessidade nem à disponibilidade
tecnológica, mas à necessidade de lucro do setor privado;
Continua discriminatório e injusto: a população que não tem vínculos empregatícios
termina indo para os hospitais-escolas ou filantrópicos;
Distorções no financiamento: o Estado termina não investindo na saúde porque o
acesso à assistência médica acaba por estar vinculado a um contrato com a
Previdência.
Diante desse contexto, vemos que o SUS apresenta grandes contradições e ainda
não conseguiu ser implantado em sua totalidade. Além disso, o próprio modelo
biomédico em uso e o conseqüente distanciamento entre profissionais e pacientes,
culmina na necessidade de repensar o atendimento em saúde e os aspectos inerentes à
essa questão, num processo denominado de humanização hospitalar. De que forma isso
aconteceu e de que forma vem se desenvolvendo nas redes pública e privada, será o
assunto das próximas seções.
28
3. Humanização e assistência hospitalar
Humanização da assistência hospitalar é um termo abrangente utilizado para
definir um movimento em busca da valorização da pessoa que faz uso dos serviços de
saúde, considerando o paciente e o profissional como parte essencial no processo, sendo
o primeiro o principal foco da atenção. Conforme veremos a seguir, a humanização tem
sido tema de diversas discussões em Medicina, Psicologia e demais áreas da saúde.
3.1. O paciente hospitalizado
A dificuldade gerada pela hospitalização pode ser observada na maior parte dos
pacientes que necessita de internação. Apesar dos avanços científicos e tecnológicos da
área da saúde, o aparecimento desses problemas independe da classe social a que o
indivíduo pertence, já que o sentimento de fragilidade de cada pessoa frente à doença e
ao hospital lhe é peculiar.
Quando alguém entra num hospital, o primeiro impacto é o do ambiente físico,
seguido, se for o caso, da total falta de intimidade e da transformação da sua vida
privada em pública, permanentemente acessível aos profissionais (Rodriguez-Marín,
1995). O paciente é obrigado a obedecer as instruções da equipe médica e a cumprir
regras gerais do local. Se for internado, assume o papel de enfermo hospitalizado e
dependente do sistema da instituição. O pessoal do hospital assume todo o controle dos
meios, recursos e mobilidade dos pacientes, incluindo recursos físicos e de informação.
Ocorre o sentimento de despersonalização ou perda da identidade, segundo o qual
pertences/objetos pessoais e indicadores sócio-psicológicos são substituídos pelos
29
objetos e identificadores do hospital. De acordo com o autor, a hospitalização aparece
como:
Um estressor cultural: o paciente deve aceitar novas normas, valores e símbolos de
uma subcultura hospitalar, que freqüentemente são inconsistentes com ele mesmo.
Um estressor social: o papel do paciente hospitalizado envolve elementos que
pressionam a identidade psicossocial do indivíduo, e as interações sociais em um
hospital podem ser fonte de estresse.
Um estressor psicológico: pode introduzir desde fenômenos de dissonância entre
dois ou mais fenômenos cognitivos a situações de dependência ou situações
consideradas infantis.
Um estressor físico: a maioria das percepções físicas do hospital (odores e ruídos) e
o próprio entorno físico do mesmo podem causar emoções negativas na maioria dos
pacientes.
Nesse sentido, Santos e Sebastiani (2001) comentam que a despersonalização
implica na perda de particularidades e singularidades do sujeito, que passa a adquirir
regras e costumes do ambiente que agora vivenciará. Geralmente ocorrem conflitos
quanto à privacidade, ocasionados pela alteração da condição de intimidade e
particularidade, acompanhada da sensação de invasão.
Percebe-se que uma série de sentimentos confusos e dolorosos podem acompanhar o indivíduo a partir do aparecimento da doença a ser agravada com a internação hospitalar. A internação reforça a condição de dependência, que pode ser sentida pelo paciente como agressão, pois se encontra sobre o domínio de uma estrutura hospitalar, sob o poder dos profissionais de saúde que, muitas vezes, tiram o sentido de autonomia e a capacidade de decisão do próprio paciente (p. 152).
Apesar dos autores considerarem necessárias algumas condições colocadas pela
instituição, principalmente porque determinam o seu funcionamento, a forma
30
despersonalizante com que isso acontece é criticável. Como o hospital tem a função
isoladora e o doente internado fica desligado do “mundo exterior”, a sensação de
abandono, medo do desconhecido, descontentamento e desgosto pode acompanhá-lo
durante a sua estada no local.
Para complementar essas afirmações, vale ressaltar que, dependendo da situação
e da instituição, nem sempre o paciente fica totalmente só. Geralmente isso ocorre nas
unidades de terapia intensiva (UTI), em enfermarias (com ausência de outras pessoas
internadas) e em quartos de isolamento, quando, em virtude de alguma infecção,
necessita de cuidados especiais. No primeiro caso, os familiares dos pacientes podem
visitá-lo por um período de tempo estabelecido pelo hospital; enquanto nos dois
últimos, os familiares podem permanecer por mais tempo com o paciente, mas também
devem obedecer normas internas e horários de visitas. Para cada instituição, esses
regulamentos variam, assim como varia o tipo de alojamento. Em alguns locais, nos
quais as internações também se apresentam em quartos duplos e individuais, geralmente
pagos pelos planos de saúde, as visitas e a permanência dos familiares já assumem outro
caráter: pacientes e familiares podem ficar juntos durante todo o dia (apartamentos
duplos) ou por vinte e quatro horas seguidas (apartamentos individuais). São as
diferenças entre os que podem pagar mais, os que podem pagar menos e os que não
podem pagar pelos serviços de saúde.
3.2. Saúde e doença
Para cada área do conhecimento, saúde e doença apresentam definições
diferentes. Se por um lado são processos biológicos, por outro recebem influência direta
das condições de vida das comunidades, além de assumirem, para cada um de nós, um
sentido pessoal. O que hoje se sabe, apesar de serem fenômenos bastante abrangentes, é
31
que saúde não é só ausência de doença, pelo menos não quando observada sob a ótica
da Psicologia Social ou mesmo das determinações da Constituição Brasileira (Brasil,
1988).
Segundo Nunes (2000), a doença é um distúrbio biológico fortemente afetado
por fatores sociais. Segundo o autor, ainda no século XVIII surgiam na Alemanha os
primeiros estudos acerca dessa relação, existente em virtude das condições precárias de
vida e trabalho, envolvendo questões sanitárias e de higiene. Com a Revolução
Industrial, tal fato se agravou e as cidades tornaram-se sede de problemas sociais e de
saúde, como já foi citado no início deste trabalho. Em seguida, na segunda metade do
século XIX, a preocupação com os aspectos sociais da doença foi transferida para os
aspectos individuais, visto que os estudos da época mostravam a descoberta da
bacteriologia. A doença então passou a ser tratada como uma variação somente de
fenômenos fisiológicos. O século XX foi marcado pelo aparecimento de estudos que
consideravam os princípios da ecologia no processo de adoecimento. Nos anos de 1960,
profissionais da chamada Medicina Social discutiam que as causas da doença não
deveriam ser baseadas apenas nos processos biológicos ou ecológicos, mas nos
processos sociais.
Conforme discute Martins (1996), esse tipo de abordagem social analisa saúde e
doença com uma visão materialista histórica, utilizando somente as categorias de classe
social e trabalho. Os aspectos econômicos, políticos e ideológicos superam os aspectos
psicológicos, tão importantes quanto os anteriores. Segundo a autora, essa discussão é
antiga, até mesmo no âmbito das Ciências da Saúde, área que ainda não conseguiu
superar alguns impasses. Apesar de admitirem a relação entre as emoções e os fatores
fisiológicos do ser humano, continuam agindo como se a causa da doença fosse somente
orgânica e o tratamento exclusivamente medicamentoso.
32
Segundo Minayo (1997), a nossa sociedade capitalista vê saúde e doença como
fatores de produção, isto é, como se o indivíduo produtivo fosse aquele que tem um
bom funcionamento de todos os órgãos do seu corpo, não importando os problemas de
ordem emocional. Nesse caso, a doença é um fenômeno organicamente localizado,
tratado com medicamento ou cirurgia, principalmente na prática das especializações
médicas. Angerami-Camon (2001) cita que “(...) a especialização clínica, na maioria das
vezes, ao aprofundar e segmentar o diagnóstico deixa de levar em conta até mesmo as
implicações dessa patologia em outros órgãos e membros desse doente” (p.17).
Este tipo de idéia pode ser considerada fruto do modelo biomédico vigente,
influenciado pelas ciências naturais - e portanto com uma visão única, objetiva e
verdadeira da realidade - baseado na divisão cartesiana entre corpo e mente (Traverso-
Yépez, 2001). Os profissionais da saúde trabalham com uma visão muito fragmentada
do indivíduo, focalizando a doença como se fosse um problema exclusivamente do
corpo, desconsiderando todo o contexto no qual a pessoa está inserida, sua história de
vida, aspectos psicológicos e sociais. De acordo com a autora, uma das razões para a
continuidade e aceitação deste modelo se dá em virtude do lucro gerado pela produção
de medicamentos e também pela própria formação acadêmica dos profissionais de
saúde, ainda sustentada numa visão antropocêntrica e individualista.
Dessa forma, independente do público alvo ou do tipo de instituição de
atendimento, vemos que o cuidado e atenção são fatores primordiais no contato
profissional-paciente, principalmente porque essas atitudes amparam o indivíduo que se
encontra doente. A mesma doença pode significar coisas distintas para cada um de nós e
provocar diferentes sintomas, pois o sentido atribuído a essa experiência é próprio de
cada um e depende de vários fatores da vida em sociedade.
33
As diferenças entre as classes sociais e a forma de lidar com saúde e doença são
comentadas por Boltanski (1989). Segundo o autor, os membros das classes populares
acreditam que os médicos possuem conhecimentos, meios materiais e direitos que lhes
conferem poder, o que justifica o distanciamento e as barreiras lingüísticas entre ambos.
Quando adoecem, os membros das classes populares expressam suas sensações através
de um discurso reconstruído, utilizando alguns termos científicos empregados pelo
médico, acrescidos dos seus próprios termos, fundamentados no que faz sentido para
eles. Por conhecerem um repertório de doenças, se automedicam e compram remédios
sem receitas, principalmente quando se trata de algo considerado por eles como sendo
de baixa gravidade. Por vezes, procuram a ajuda de rezadeiras e curandeiros, atitudes
que demonstram seu modo abrangente de conviver com as doenças.
Segundo Martins (1996), alguns trabalhos em Psicologia vêm demonstrar o
efeito das emoções como causa das doenças, explicando que, quando as emoções não
são expressas, são desviadas para canais inapropriados do organismo. A medicina
psicossomática, por exemplo, aparece ainda nos anos de 1940 relocando a questão da
unicidade do organismo, sem a dicotomia mente/corpo.
De acordo com Remen (1993), saúde é o equilíbrio das dimensões mente-corpo-
sentimento e requer uma vida com qualidade, calor, amizade, propósito, humor e
esperança. A ruptura desse equilíbrio, aliado às nossas escolhas e uso que fazemos do
nosso corpo, afeta os três aspectos da pessoa e ocasiona a doença, seguida de dor e
sofrimento próprios de cada um. Em posição semelhante, Santos e Sebastiani (2001)
apontam que a doença é “(...) a desarmonia orgânica ou psíquica, que, através de sua
manifestação, quebra a dinâmica de desenvolvimento do indivíduo como um ser global,
gerando desarmonização da pessoa; compreende-se esse desequilíbrio como um abalo
estrutural na condição de ser dentro de sua sociocultura” (p.150). Complementam suas
34
colocações mostrando a importância de tornar a equipe de saúde sensível a essas
questões, à comunicação que estabelece com o paciente e ao trabalho interdisciplinar.
Dentro do hospital, essas medidas instrumentalizam os profissionais em sua relação com
o paciente a fim de melhorar a qualidade de vida na hospitalização e tratamento.
Frente ao exposto, a humanização aparece como tentativa de resgate da condição
de sujeito como ser integral e de uma nova concepção do processo saúde-doença, o que
inclui a preocupação com os significados atribuídos ao adoecer.
3.3. A relação profissional-paciente
Dentro do modelo biomédico tradicional, como já foi citado anteriormente, a
influência das ciências físicas e da necessidade de lidar com verdades e certezas,
desencadeia uma realidade na qual a subjetividade é desconsiderada.
Segundo Remen (1993), confiamos mais no que pode ser expresso por números,
objetivamente, do que no que pode ser expresso por palavras. Enxergamos a doença e
não o doente; vemos as pessoas como se fossem suas doenças e não como se estivessem
doentes; pré-julgamos e fazemos uso de rótulos. Frases do tipo “fulano é diabético” ou
“sou asmática”, servem para ilustrar rotulações que provocam a sensação de uma
situação estática, congelada, alimentando a falta de esperança e limitando o potencial de
mudança. “(...) o rótulo pode até definir a doença, mas o paciente geralmente é definido
por aquilo que ele acredita ser” (p.34). A autora arrisca comentar que a atribuição dos
rótulos por parte dos profissionais pode ser um esforço para adquirir imunidade contra a
dor e o sofrimento do ambiente hospitalar.
De acordo com Boltanski (1989), os próprios médicos costumam utilizar rótulos
para caracterizar os tipos de doentes, principalmente os das classes populares. Na
opinião do autor, os médicos não se esforçam na tentativa de estabelecer um diálogo
35
“horizontal” com os pacientes, que terminam ficando cada vez mais distantes na relação
com “os donos do saber”. As dificuldades no relacionamento são inúmeras, desde a
diferença de linguagem utilizada pelos dois, até a pouca duração da consulta e à
raridade do contato médico-paciente. Dentro do hospital os doentes das classes
populares reprovam – mas por vezes se conformam e aceitam – o fato de existir tantos
intermediários separando-os dos médicos e da sua família. São atitudes que
regulamentam e limitam seu comportamento, além de aumentar a barreira do
vocabulário e das explicações/ informações - quando dadas - especializadas.
A relação entre o médico e o seu cliente, como discute Gorayeb (2003),
começou a mudar desde o momento em que o hospital tornou-se um instrumento
terapêutico e a presença do médico se consolidou na instituição. Antes e até durante
esse processo, o local das consultas e procedimentos era a casa da pessoa doente, com
sua família envolvida nas decisões que eram tomadas. A partir do momento em que a
assistência médica e os benefícios oferecidos pelos serviços de saúde passam a ser
assunto de políticas públicas e a transferência do relacionamento médico-paciente se dá
para o hospital e demais estabelecimentos, uma série de aspectos passam a ser
considerados. Entre eles, as contradições existentes no SUS aparecem em primeiro
plano, incluindo, principalmente, a qualidade do fator humano envolvido. Se por um
lado, a remuneração dos profissionais fica aquém de um mínimo respeitável, por outro
lado, na maioria dos casos, falta infra-estrutura suficiente para prestar um atendimento
satisfatório. A própria clientela, por vezes conformada com o que recebe, não se dá
conta da possibilidade de vigilância desses serviços, mantidos por meio do pagamento
dos impostos.
36
A complexidade dessas questões já se estende por décadas, antes mesmo das leis
de implantação e implementação de políticas de saúde. Vale citar a mais recente
Constituição Brasileira (Brasil, 1988), artigo 196:
A saúde é um direito de todos e um dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visam a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A partir do momento em que é introduzido o SUS, fica acertado que o paciente -
não passivo - seria consciente e atuante, porque informado, participaria do processo,
questionando, avaliando e exigindo seus direitos. Contudo, são muitas as dificuldades
para a aplicação do SUS, considerações que servem para reafirmar que o fato de estar na
lei não garante a prática.
As especializações médicas e a substituição de alguns profissionais por
equipamentos podem ser considerados como importantes aspectos dentro da relação
médico-paciente, embora DeMarco (2003) acredite que as críticas à especialização
possam ser um grande equívoco. Segundo o autor, a especialização é fundamental para
o crescimento e evolução de todos os campos do conhecimento, sendo a fragmentação
rígida o principal responsável pelo bloqueio do trânsito entre as diferentes áreas e
aspectos envolvidos.
Segundo Benincá (2004), toda política de saúde e estrutura hospitalar encontra
sua razão de ser no ser humano, sujeito e beneficiário dos serviços e não objeto dos
cuidados que lhe são prestados. O esforço em humanizar a relação entre o médico e o
paciente já pode ser visto a partir das modificações dos currículos universitários. Dentre
as disciplinas cursadas pelos estudantes de Medicina, estão Filosofia, Antropologia,
Sociologia e Psicologia Médica. Além disso, grupos de discussão/reflexão sobre a tarefa
assistencial poderiam auxiliar o estudante a expor suas dificuldades ligadas ao exercício
37
profissional. Acima de tudo, o atendimento humanizado busca responder a uma angústia
e a um pedido de ajuda de quem procura o profissional de saúde.
3.4. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH)
O PNHAH surgiu no ano de 2000 por iniciativa do Ministério da Saúde e tem
como objetivo principal a promoção da pessoa como valor fundamental nas práticas
públicas de saúde por meio do aprimoramento da relação profissional-paciente e
hospital-comunidade. Através de um manual e da participação das secretarias estaduais
e municipais de saúde, as ações de humanização começaram a ser implantadas, dentre
as quais podem ser citadas os grupos de trabalho e as capacitações dos profissionais
(Brasil, 2000).
No Rio Grande do Norte, o Programa teve início com a humanização de dois
hospitais no ano de 2002, seguidos de outros dois no ano de 20034. Além dos sete
estabelecimentos previstos pelo Programa Nacional, a Secretaria de Saúde do Estado
pretende humanizar todos os hospitais, até mesmo as demais unidades de saúde. Cada
instituição, dependendo das suas peculiaridades, possui ações de humanização
diferenciadas. Entre as ações comentadas nos encontros sobre o tema, podem ser citadas
como exemplo: trabalho com as mulheres que abortam e são vítimas de violência
sexual; programa do banco de leite; parto humanizado; educação continuada dos
plantonistas; supervisão e controle das ações de enfermagem; capacitações dos
profissionais; e incentivo ao vínculo paciente-família.
É importante observar, ainda, que o Programa tem como objetivo humanizar
somente os hospitais da rede pública, mas isso não significa que os da rede privada não
4 Informações obtidas no IV Encontro por uma Medicina mais humana, no dia 31/05/2003.
38
possam buscar, com recursos próprios, a humanização do seu atendimento. Porém,
como veremos adiante, os estabelecimentos particulares estão investindo seus esforços
em outros meios para tornar o ambiente humanizado.
O trabalho da humanização ainda caminha lentamente, necessitando de maiores
incentivos e, na maioria dos casos, de boa vontade por parte dos profissionais. Segundo
Remen (1993), os próprios médicos deveriam trabalhar aceitando as fragilidades e as
forças da sua humanidade para aceitar a fragilidade e a força dos outros. Apesar destes
contratempos, os primeiros passos em direção a atitudes mais humanas no cuidado da
saúde já foram dados e o esforço deve ser contínuo, tanto por parte desses profissionais,
como de qualquer um que possa ser afetado pela doença.
Conforme apresentamos até o momento, vários autores da área da saúde têm
realizado estudos acerca das questões que envolvem o relacionamento profissional-
paciente e os processos saúde-doença, discussões estas que se encaixam nos ideais
propostos pela humanização. Embora venham alertando os profissionais que exercem
suas práticas diretamente ligadas ao paciente a respeito da importância de tornar mais
humana essa assistência, alguns autores questionam o uso do termo humanização.
Nesse contexto, Deslandes (2004) analisa o discurso oficial do Programa,
especificamente do Manual do PNHAH (Brasil, 2000), comentando que o uso do termo,
apesar de óbvio porque trata de práticas de saúde feita para e por seres humanos, deixa
subentendido que tais práticas estão (des) humanizadas. Os eixos principais de sua
análise compreendem a importância do diálogo entre profissional e usuário do serviço, a
ligação entre tecnologia e relacionamento ente as pessoas e melhorias das condições de
trabalho do cuidador nas práticas de saúde.
Ao lado dessas considerações, DeMarco (2003) também chama a atenção para o
caráter óbvio do termo, afinal o fato de que as qualidades pessoais do médico
39
possibilita-o a se relacionar bem com os clientes nos serviços e influi nos resultados da
assistência prestada, não é nenhuma novidade. Apesar disso, comenta o autor, “(...)
parece que em um mundo onde impera uma linguagem altamente racionalizada, é
necessário que uma pesquisa formal evidencie o óbvio para que ele possa ser levado em
conta novamente” (p. 103).
Na pesquisa de Traverso-Yépez e Morais (2004), a humanização é enfatizada em
relação aos significados atribuídos pelos usuários dos serviços públicos de Natal/RN
sobre a assistência que lhes é prestada, seus direitos e expectativas acerca do contato
com o profissional de saúde. O estudo foi realizado em unidades básicas de saúde e
contou com a aplicação de questionários. A passividade da população ao quadro atual
do sistema de saúde, já que os respondentes se percebem sem poder para suscitar
mudanças, é um dos aspectos focalizados nos resultados. Entre outros, está a
necessidade de valorização da subjetividade do usuário dos serviços e a importância do
atendimento “acolhedor” por parte dos profissionais. Outro fato que merece ênfase, é o
resultado obtido quando os participantes da pesquisa apontam o que gostariam de ver
melhorado no serviço. A estrutura física e os aspectos materiais são os mais
mencionados, reafirmando a necessidade de humanização da arquitetura dos edifícios de
atenção à saúde, tema do próximo capítulo.
A partir dos estudos supracitados, vemos que os autores não utilizam o termo
“paciente”, mas “usuários” para fazer referência à pessoa que utiliza os serviços ou é
atendido pelos profissionais de saúde. Nos capítulos seguintes, que também focalizarão
o espaço físico, esses “usuários dos serviços” também serão “usuários do ambiente”.
40
4. Humanização e Arquitetura Hospitalar
A humanização hospitalar engloba, além das questões relacionadas à assistência,
aspectos que dizem respeito à estrutura físico-espacial do edifício, gerada a partir de
projetos de Arquitetura. Difundida a partir das últimas décadas do século XX, a
humanização da Arquitetura Hospitalar busca padrões de projeto que proporcionem a
satisfação e o bem-estar dos usuários, utilizando artifícios de organização espacial e
ambientação que ajudam no processo de recuperação dos pacientes. E de que forma
tudo isso começou?
4.1. Antecedentes
Para Verderber e Fine (2000), o período pós-guerras e toda a transformação
sofrida pela arquitetura dos estabelecimentos de saúde são significativos para a
compreensão dos acontecimentos em administração e planejamento hospitalar. Sem
desmerecer trabalhos anteriores ao seu ou que se remetem a períodos anteriores, os
autores acreditam que a análise dessa fase e, consequentemente, dos edifícios
hospitalares construídos do final da 2ª Guerra até os dias atuais, implica no
preenchimento de uma lacuna no campo de pesquisas da área. Implica também no
esclarecimento de questões acerca dos cuidados de saúde, antes centrados no sistema e
depois centrado no paciente, hoje uma das maiores conquistas no ramo.
Os edifícios hospitalares tinham como base o estilo internacional, predominante
na arquitetura a partir da Segunda Guerra. Esse estilo se caracterizava pela valorização
dos aspectos funcionais da arquitetura e pela rejeição dos aspectos estéticos. Os projetos
deveriam enfatizar praticidade e economia da edificação, empregando elementos
41
padronizados e recusando a ornamentação ou os detalhes desnecessários que
encareceriam a construção (Frampton, 2000; Verderber & Fine, 2000).
Além disso, arquitetos e demais planejadores, criaram um modelo, baseado em
diagramas com os fluxos de pessoas e materiais em cada setor ou pavimento, que se
repetia na maior parte dos edifícios. Ao adotar a forma de cubo, círculo ou triângulo
para a torre de internação dos pacientes, como era chamado esse setor, os profissionais
estavam preocupados em aumentar a eficiência do staff, minimizando as distâncias por
estes percorridas e maximizando a visualização do maior número possível de pacientes
(Verderber & Fine, 2000).
Os moldes horizontais ou as formas espalhadas pelo terreno, do tipo pavilhonar
defendida por Nightingale, foram radicalmente abandonadas e substituídas pelas formas
verticalizadas como alternativa para diminuir os custos, já que o edifício poderia se
concentrar em lotes menores e mais baratos. Além disso, os custos com sistemas
sofisticados de ventilação, aquecimento, ar condicionado e demais instalações também
seriam diminuídos. As grandes distâncias percorridas no plano horizontal dos antigos
hospitais eram substituídas por distâncias reduzidas, pois em cada pavimento
funcionava um setor e dependendo do caso, o deslocamento por setores era feito pelos
elevadores (Verderber & Fine, 2000).
O emprego de materiais pré-fabricados, justificado pela economia de tempo e
dinheiro nas construções de estabelecimentos de saúde, foi uma técnica bastante
utilizada durante as guerras, nos hospitais militares, e que começava a ganhar espaço em
várias regiões do mundo. No Brasil, por exemplo, a construção de um hospital com tais
características teve repercussões positivas na cidade em que foi implantada, no caso
Manaus. Naquela época, final dos anos 1960, a população local passou a ser melhor
42
assistida pelo crescimento no número de médicos e serviços oferecidos (Verderber &
Fine, 2000).
Com o desenvolvimento cada vez maior do setor tecnológico a favor das
mudanças nos serviços de saúde, uma gama enorme de equipamentos e alguns setores
do hospital desenhados para recebê-los, terminavam ficando obsoletos. Os planejadores
começavam a se preocupar em criar maneiras para se beneficiar da rapidez com que as
mudanças precisavam ser realizadas no espaço físico e da quantidade de aparatos
necessários para o bom funcionamento da edificação. Os projetos eram concebidos com
detalhes que permitissem, pelo menos, a manutenção e troca das máquinas e
equipamentos de instalações, sem grandes alterações na estrutura física do
estabelecimento (Verderber & Fine, 2000).
Assim, num edifício com vários andares, alguns destes eram destinados somente
às instalações e equipamentos, chamado andar intersticial. Tal solução, ajustada às
necessidades atuais, ainda hoje é adotada por algumas equipes de profissionais
responsáveis por projetos dessa natureza (Góes, 2004). Na época em que foram
idealizados, esses espaços entre um pavimento e outro eram o que mais se aproximava
da tão comentada – e desejada – flexibilidade, atualmente um dos pré-requisitos na
construção de um hospital. Segundo Karman e Fiorentini (2002), todo estabelecimento
de saúde deve oferecer condições para expansão e mudança, ou seja, quanto mais
“atualizável” for o empreendimento, mais apto e suscetível se encontrará para
comportar e atender reformulações e modernizações.
Segundo Verderber e Fine (2000), vários aspectos presentes nos projetos e
construções da época sofreram críticas e foram modificados a partir dos anos de 1980.
Pessoas envolvidas numa perspectiva mais humanista sugeriam a aplicação das ciências
43
comportamentais no planejamento e design do ambiente construído. Essas críticas
baseavam-se em quatro observações:
As decisões de projeto e planejamento eram tomadas com base na opinião de
arquitetos, engenheiros e administradores. O paciente não era consultado.
A máxima do modernismo, “a forma segue a função”, ocasionava a desvalorização
das necessidades dos pacientes frente ao funcionamento e aos equipamentos do
hospital.
Uso de modelos padronizados para organização espacial e mobiliário do edifício,
como se as pessoas também fossem padronizadas.
Falta de interesse em conhecer as implicações do ambiente hospitalar para o
comportamento dos usuários.
Um dos movimentos que deu origem à mudança de pensamento dentro do setor
foi a criação de espaços destinados aos doentes crônicos ou terminais, parcela de
pacientes que até então não recebia nenhum tipo de cuidado diferenciado. Os novos
hospitais que abrigavam essas pessoas pareciam residências, bastante amplas,
localizadas em grandes terrenos, mais baratos, geralmente situados na periferia da
cidade. Apesar deste ser um aspecto que mostra o isolamento da pessoa doente, neste
caso era uma tentativa de oferecer um serviço de melhor qualidade, porque envolvia
também o contato com a natureza. No quesito atendimento prestado, uma equipe
interdisciplinar dava o suporte necessário ao paciente e à família, que também
participava das decisões (Verderber & Fine, 2000).
Como já foi comentado anteriormente, é a partir desse momento que a
arquitetura dos estabelecimentos assistenciais de saúde passa por diversas
transformações, tanto em função das críticas ao hospital modernista - extremamente
funcional, focalizado na eficiência das atividades dos funcionários - quanto em relação
44
às novas políticas de saúde. Projeto e administração hospitalar passam a ter uma nova
prioridade: o cuidado com o paciente.
4.2. O projeto arquitetônico e a humanização
De acordo com Carpman, Grant e Simmons (1986), um “projeto humanístico”
de arquitetura deve contemplar o ponto de vista de pacientes e visitantes. Para alcançar
esse fim, arquitetos e demais planejadores devem considerar a interação das pessoas
com seus ambientes e consequentemente, o estado emocional e psicológico em que se
encontram os pacientes ao serem submetidos a algum procedimento e ao entrarem em
contato com a diversidade/quantidade de aparatos e pessoas presentes no local. Segundo
os autores, as necessidades dos pacientes e visitantes são levadas em conta quando
quatro aspectos são obedecidos: sinalização, conforto físico, possibilidade de regular o
contato social e cuidado com significados transmitidos pelo ambiente.
Sinalização: em se tratando de edifícios com uma organização espacial complexa e
bastante diferente da que pacientes e visitantes estão acostumados, as sinalizações
tornam-se essenciais na orientação das pessoas no espaço.
Conforto físico: o projeto deve considerar elementos como iluminação, temperatura
e nível de ruído, favorecendo os ambientes de permanência de pacientes e visitantes
e possibilitando o controle/ajuste por parte destes últimos.
Regulação do contato social: o projeto também deve considerar a possibilidade de
regulação da interação entre as pessoas.
Significados simbólicos: o ambiente pode transmitir significados através dos
elementos citados anteriormente e também pode ser apreendido através dos sentidos.
45
No arranjo ou organização dos espaços, lembrar que pacientes e visitantes podem levar
consigo uma imagem positiva ou negativa do que foi visto, tocado, cheirado e ouvido
durante o período que passaram no hospital.
Malkin (1992) também sugere que o projeto arquitetônico leve em consideração
aspectos semelhantes aos anteriores, apesar de seu modelo apresentar uma lista mais
extensa e mais detalhada do que seria um “healing environment”. A privacidade, por
exemplo, pode ser trabalhada com elementos que permitam, ou não, o contato do
paciente com outros (box individuais) ou ainda que possibilitem esse paciente não ser
visto do lado de fora do hospital (controle das janelas). Com isto, também estará sendo
trabalhada a visão da natureza e a entrada de luz e/ou ventilação natural no quarto. As
cores e as texturas dos materiais (incluindo piso, parede, teto, mobília e acessórios)
devem ser levadas em consideração no momento da ambientação do espaço, assim
como locais para acomodação dos familiares, no caso salas, jardins internos e
lanchonetes.
A autora comenta que alguns desses componentes envolvem antigas filosofias
orientais, como as terapias holísticas de integração mente-corpo e o uso de elementos
como água, música, vegetação e cores para ajudar no processo de recuperação do
paciente. É importante lembrar que os fatores a serem considerados na criação de um
ambiente terapêutico, geralmente são focalizados nas áreas de circulação e maior
permanência dos pacientes, como setor de internação, mais especificamente o quarto ou
enfermaria e as unidades de terapia intensiva (UTI).
Sabendo que Malkin (1992) utiliza o termo “healing environment” e que sua
tradução poderia ser “ambiente de restabelecimento” ou “ambiente de cura”, podemos
tecer alguns comentários sobre esse assunto. Em primeiro lugar, quando a tradução é
feita, nem sempre trabalhamos com o que a palavra quer dizer originalmente. Em
46
segundo lugar, na tentativa de resolver o impasse com as traduções encontradas, torna-
se necessário localizar na referência citada outros indícios que auxiliem na definição do
termo. Nesse caso, a autora também faz uso do termo “potencial terapêutico dos
ambientes construídos” e se remete aos elementos presentes no ambiente como
importantes para a “recuperação” do paciente. Isto posto, torna-se claro que o ambiente
não vai curar, mas vai auxiliar no tratamento. Kellman (1995) questiona o papel de cura
dos hospitais e demais estabelecimentos porque, apesar de necessário, não é o único.
Este é apenas um lado da moeda, talvez o mais mencionado pelos profissionais
envolvidos nas práticas de saúde, geralmente esquecidos de um detalhe: curar é
diferente de cuidar. O cuidado com o paciente é tão importante quanto a sua cura,
muitas vezes não alcançada.
Em relação aos cuidados recebidos pelo paciente, Malkin (1992) apresenta
exemplos de hospitais que seguem uma filosofia chamada de Planetree, baseada na
premissa de que o paciente deve ter poder de escolha e controle sobre vários aspectos
ligados ao seu tratamento. É o que se denomina de “cuidado centrado no paciente”,
conjunto de medidas que envolvem a relação médico-paciente, o apoio da família e
principalmente o acesso à informação, desde a lista de medicamentos prescritos pelo
médico, até o acesso à informação em livros e revistas da área. No processo de
recuperação acrescentam-se música, filmes, literatura e, na medida do possível, a opção
por determinadas refeições.
Portanto, uma instituição centrada no paciente inclui inúmeros fatores, sendo o
ambiente físico um deles. Para que o projeto arquitetônico se aproxime das necessidades
dos pacientes, as avaliações do edifício depois do início do seu funcionamento tornam-
se essenciais e devem fazer parte das etapas do projeto (Carpman et al., 1986; Malkin,
1992).
47
Na sua idéia de participação dos usuários do ambiente no processo de
planejamento e projeto, Sommer (1979) dá prioridade às avaliações dos edifícios. Para o
autor, o arquiteto não deveria impor suas preferências aos outros e, por isso mesmo,
deveria procurar conhecer mais seus clientes e os seus desejos, bem como o resultado
do seu projeto depois de construído e ocupado. As avaliações deveriam ser realizadas
por equipes interdisciplinares e por meio de métodos e técnicas também utilizadas nas
ciências do comportamento. Os custos das avaliações poderiam ser inclusos no valor
cobrado pelo projeto.
Shumarker e Pequegnat (1991) sugerem a prática das avaliações pós-ocupação
como uma forma de verificar se o que foi projetado está atendendo às necessidades dos
usuários do ambiente. Esse exercício deve ser uma etapa inerente ao processo de
planejamento e projeto, tão importante quanto o desenho e a construção do edifício.
Como os hospitais são estabelecimentos em constante mudança, devido ao avanço das
tecnologias médicas e das decisões das políticas de saúde, o número de pessoas
envolvidas no processo projetual tem aumentado consideravelmente nas duas últimas
décadas. Participam dessas etapas: arquitetos, engenheiros, técnicos, administradores do
hospital, agências reguladoras, consultores e usuários do ambiente, entre eles os
profissionais de saúde, pacientes e visitantes.
Segundo Shumarker e Pequegnat (1991), a equipe de enfermagem é uma fonte
essencial de informação sobre as atividades desenvolvidas no hospital, sobre detalhes do
espaço físico e sobre o paciente, já que possui um contato direto com este último.
Apesar de serem profissionais com baixo nível de controle das decisões, possuem um
alto nível de responsabilidade perante os cuidados prestados ao paciente. Além disso,
conhecem as minúncias do funcionamento do hospital porque se deslocam
frequentemente pelo ambiente.
48
No que diz respeito aos projetos arquitetônicos de estabelecimentos assistenciais
de saúde brasileiros, grande parte do que foi comentado se aplica à construção dos
nossos hospitais, principalmente em relação às normas e à consulta aos profissionais de
saúde nas etapas de desenho e planejamento. As avaliações pós-ocupação (APO), apesar
de serem bastante mencionadas por alguns autores da área, ainda são pouco realizadas
nos edifícios de atenção à saúde.
De acordo com Barreto (2002), o conhecimento acerca do desempenho dos
espaços construídos se dá através de procedimentos de avaliação pós-ocupação. A
importância dessas avaliações está na superação dos problemas básicos e persistentes
relacionados às concepções de Arquitetura pouco qualificadas. Mas não é só
relacionado a estes problemas que o emprego da avaliação pós-ocupação se faz
necessário, pois é preciso conhecer boas soluções para reutilizá-las, se for o caso,
obviamente levando em conta os diferentes contextos nos quais um novo edifício é
construído. Segundo Ornstein, Bruna e Roméro (1995), a avaliação pós-ocupação é:
Um conjunto de métodos aplicados aos estudos das relações ambiente-comportamento, cujos resultados se relacionam com a participação, na própria pesquisa, dos diversos agentes envolvidos na produção e uso do ambiente em foco e, principalmente porque conta com o conhecimento crítico da vivência diária dos usuários (p. 70).
No ambiente hospitalar, o estudo de Kotaka e Favero (1998) teve como objetivo
examinar os limites e alcances dessas avaliações, considerando as constantes
transformações desses estabelecimentos. Os resultados apontaram a importância em
considerar, na utilização dos métodos e técnicas, as peculiaridades de cada hospital.
Como exemplo, os autores citam a linguagem empregada nos questionários, que deve
ser acessível a todas as pessoas que o responderão. Além disso, recomendam o uso mais
constante dessas avaliações.
A humanização da arquitetura dos hospitais é pouco enfatizada nos estudos
acadêmicos sobre os projetos físicos de hospitais. Em resposta a um levantamento
49
realizado no Banco de Teses da Capes (www.capes.gov.br) o termo “humanização”
aparece nas entrelinhas de alguns trabalhos que não têm esse assunto como foco, mas o
conforto térmico ou lumínico de alguns ambientes.
Karman e Fiorentini (2002) se referem à humanização dos espaços como um dos
elementos formuladores do projeto arquitetônico, mas não definem o termo, nem se
preocupam em apresentar seus elementos definidores agrupados por setores do hospital,
atividades ou pessoas envolvidas/beneficiadas. Apenas enumeram alguns pré-requisitos
a serem considerados no projeto, como paisagem, insolação, cores, lazer, relações
humanas, lojas, flores e lanchonetes.
Em posição semelhante, Corbioli (2002) e Rogar (2002) também expõem o
conteúdo de maneira confusa, definindo a humanização como o projeto de “ambientes
coloridos e elegantes” ou “projeto de hospitais que não parecem hospitais”. A esse
respeito, como veremos a seguir, existe uma inclinação por parte de alguns autores em
comparar esses estabelecimentos a hotéis e shoppings centers, com a justificativa de que
esse é o caminho da humanização da arquitetura de edifícios de atenção à saúde.
4.3. Hotelaria hospitalar: uma nova tendência
O modelo de hotel começou a ser utilizado nas construções dos hospitais
somente a partir dos anos 1980, ocasião em que os sistemas de saúde foram
descentralizados e os cuidados com o paciente começaram a fazer parte do objetivo
principal dos estabelecimentos. Segundo Miller e Swensson (1995), foi uma forma de
proporcionar uma estada confortável para pacientes e familiares durante a internação
dos primeiros, além de possibilitar uma vantagem a mais para atrair “clientes”.
Hospitais e hotéis compartilham de raízes lingüísticas semelhantes, ligadas à palavra
50
“hóspede” e de semelhanças de alguns dos seus serviços, como apartamentos, cozinhas,
restaurantes e lavanderias.
De acordo com Godoi (2004), a semelhança existente entre hotel e hospital não
está somente nas suas estruturas físicas. Embora tenham funções diferentes e
características específicas que os tornam diferentes na natureza da operação, a
semelhança pode ser vista nos diversos setores e funcionários que eles têm em comum,
como no caso da recepção, cozinha e manutenção. Para o autor, “(...) hotelaria
hospitalar é a introdução de técnicas, procedimentos e serviços de hotelaria em hospitais
com o conseqüente benefício social, físico, psicológico e emocional para pacientes,
familiares e funcionários” (p. 40). O objetivo principal da hotelaria é a hospitalidade, ou
seja, o ato de receber e hospedar bem, de atender às necessidades da pessoa em
deslocamento. O autor comenta que, enquanto vários hospitais do Brasil já contam com
esse tipo de serviço, outros ainda pecam na forma de apresentar suas instalações e seus
serviços aos clientes.
Para desenvolver a hotelaria hospitalar, Godoi (2004) comenta que as iniciativas
variam desde a contratação de profissionais que trabalham com gastronomia e hotelaria,
até os que trabalham com o espaço, como arquitetos e decoradores, já que a estrutura
física do prédio exerce forte impacto visual sobre o público externo e deve primar pelo
conforto para o público interno. Além disso, determinados espaços do hospital podem
ser utilizados para congressos e jornadas médicas, incluindo atividades de que os
próprios pacientes e familiares pudessem participar, como palestras e apresentações
culturais.
Godoi (2004) se remete à recepção e a internação como sendo os setores ou
departamentos mais importantes na prática da hotelaria e enfatiza que tudo deve ser
pensado antes da construção do hospital. Em alguns casos, quando isso não é possível,
51
alguns setores isolados podem ser focalizados dentro dessa tendência, como por
exemplo, os restaurantes, as cozinhas e as áreas de jardim. Dentre os setores que podem
ser criados ou estruturados de forma a aumentar o conforto do paciente e gerar novos
recursos para o hospital estão: auditório, solarium, galeria de arte, brinquedoteca,
biblioteca, floricultura, drogaria e ouvidoria. Este último necessariamente não precisa
ser um setor, mas deve contar com uma ou mais pessoas encarregadas de ouvir queixas
e prestar informações. A contratação de pessoas para ocupar as posições de
mensageiros, maleiros, garçons, chefes de cozinha, recreacionistas, governantas e
camareiras também já pode ser vista pelos hospitais da rede particular do Brasil,
principalmente nos estados do sul e sudeste.
Além desse modelo, Miller e Swensson (1995) apontam a existência de outros
dois: o modelo de shopping e o residencial. O primeiro surgiu como uma possibilidade a
mais de lucro para o empreendedor e entretenimento para pacientes e visitantes, já que
possui lojas, praça de alimentação e outros serviços. O segundo modelo, o residencial, é
aplicado somente ao quarto do paciente e tem a finalidade de proporcionar a sensação
de “estar numa casa” e não num hospital. A decoração do ambiente e a presença de
elementos como camas diferenciadas, tapetes e cortinas, é semelhante à que é utilizada
nas residências.
A necessidade de projetar e construir hospitais com base não só na eficiência das
atividades a serem desempenhadas, mas na opinião dos usuários do edifício, em especial
os pacientes, gerou a procura cada vez maior pelos estudos pessoa-ambiente, como
veremos a seguir. Além disso, tais estudos representaram e ainda representam, a
oportunidade de verificar o efeito dos elementos e modelos construtivos no
comportamento e satisfação dos usuários.
52
5. Interação pessoa-ambiente no contexto hospitalar
Este capítulo discute a relação entre os estudos pessoa-ambiente e a
humanização do ambiente sócio-físico dos edifícios hospitalares. Em linhas gerais,
veremos como surgiu e como vêm se desenvolvendo os estudos pessoa-ambiente,
particularmente algumas pesquisas no contexto hospitalar, desde os primeiros trabalhos
em instituições psiquiátricas, até os mais recentes, realizados principalmente em
estabelecimentos fora do Brasil e que servem de base para os ideais da humanização.
5.1 Sobre Psicologia Ambiental
A Psicologia Ambiental se ocupa em estudar a forma como o homem age sobre
o seu ambiente e é influenciado por ele, de modo a entender as relações psicológicas
que se estabelecem entre as pessoas e seus entornos. Caracteriza-se pela forma
multidimensional ou interdisciplinar com que estuda essa interrelação, porque aproxima
os aspectos relevantes de uma variedade de disciplinas cujos interesses se referem à
compreensão do comportamento humano em sua relação com ambientes específicos
(Ittelson, Proshansky, Rivlin & Winkel, 1974; Pinheiro & Elali, 2001).
Além disso, engloba diferentes métodos de investigação, já que nas ciências do
comportamento a complexidade das questões pode exigir a adoção de várias estratégias
para a coleta de dados (Sommer & Sommer, 1997). Assim, a escolha de métodos e
técnicas a empregar, cada um com alcances e limites diferenciados, está baseada no
problema e nas circunstâncias nas quais o estudo se desenvolve. Segundo Aragonés e
Amérigo (1998), existem mais dois aspectos que são característicos da Psicologia
Ambiental. Primeiramente, uma abordagem holística, já que estuda o indivíduo dentro
53
de um contexto. Em segundo lugar, a discussão de temas da Psicologia Social, como por
exemplo, espaço pessoal e aglomeração.
Os pioneiros no estudo do comportamento em seu contexto natural foram os
psicólogos Barker e Wright (Barker, 1987), no final dos anos de 1940. Influenciados
pelas idéias do psicólogo Kurt Lewin e suas teorias sobre comportamento como função
da interação pessoa-ambiente, iniciaram uma série de discussões a respeito dos métodos
tradicionais de pesquisa baseados nos experimentos em laboratórios e procedimentos
clínicos, que não reproduziam os acontecimentos ocorridos naturalmente. Surgiu então
o que se chamou de Psicologia Ecológica, ramo da Psicologia que trata de como o
comportamento e as experiências das pessoas estão relacionadas com seus ambientes do
dia-a-dia.
Barker e Wright desenvolveram uma pesquisa numa estação de campo em
Oskaloosa, Kansas, Estados Unidos, a fim de observar e registrar o comportamento das
crianças nos seus mais variados contextos. A partir desse trabalho, sugerem métodos
mais apropriados para estudar a relação pessoa-ambiente e identificam novos conceitos,
como o de behavior setting. Foi o que Valera (1996) chamou de primeiro nascimento da
Psicologia Ambiental.
Os anos de 1960 e 70, marcaram o início de um período de grande aproximação
entre Arquitetura e Urbanismo e Psicologia (Valera, 1996). Como citado anteriormente,
o período pós-guerras suscitou o aparecimento de questões derivadas da problemática
urbana e habitacional e gerou discussões de arquitetos, sociólogos e psicólogos na busca
de alternativas. Caracterizado por um contexto econômico favorável, o aumento da
demanda por novas construções e mudanças no planejamento urbano proporcionou a
expansão das ideologias humanistas, como vimos no caso dos hospitais. Nesse período,
a Psicologia Ambiental era também chamada de Psicologia Arquitetônica e ampliava
54
sua área de interesse aos aspectos mais sociais relacionados com a satisfação residencial
e a qualidade de vida.
A partir dos anos de 1980, o número crescente de trabalhos que abordam os
problemas ambientais assinala uma nova fase dentro da Psicologia Ambiental,
denominada por Pol (1993) de Psicologia Ambiental Verde. Tais estudos discutem
questões que dizem respeito à conservação da natureza, energia, recursos, contaminação
e condutas pró-ambientais.
Não é de admirar que uma área ainda jovem seja questionada entre os seus
estudiosos e pesquisadores, nem que receba diferentes terminologias para identificá-la.
Dependendo do país ou continente de origem, bem como da sua própria carreira
acadêmica e influências que recebeu, alguns autores se referem à Psicologia Ambiental
como “Estudos comportamento-ambiente” e nem sempre a consideram uma disciplina
(Altman, 1997; Kaminski,1983). Isto porque é uma área que oscila entre diversos
campos do saber e se utiliza de diferentes conceitos e métodos provenientes de outras
disciplinas. Contudo, para a maioria dos pesquisadores da área, é exatamente esta
vertente que a torna aplicável. Autores como Sommer (1990) e Proshansky (1990)
conseguiram vislumbrar o valor da pesquisa interdisciplinar e realizaram alguns dos
primeiros trabalhos em Psicologia Ambiental com equipes formadas por profissionais
de diferentes disciplinas, como será visto a seguir.
5.2 O ambiente hospitalar como campo de estudo
O trabalho em hospitais psiquiátricos marcou o início dos estudos da interação
pessoa-ambiente. Um dos pioneiros dessa área, Robert Sommer, começou com o
objetivo de criar espaços atrativos que permitissem o contato entre os usuários,
desencadeando uma série de questões que deram início ao conceito de espaço pessoal
55
(Sommer, 1973). O termo reflete dois empregos: o primeiro refere-se à zona
emocionalmente carregada em torno de cada pessoa, uma área com limites invisíveis
que cerca nosso corpo e que é defendida contínua e ativamente. O segundo, refere-se
aos processos através dos quais as pessoas marcam e personalizam os espaços nos quais
e com os quais convivem, seja moradia, trabalho, instituições ou locais de lazer.
No final dos anos de 1950, Sommer foi chamado a um hospital psiquiátrico no
Canadá para descobrir o que havia de errado no local. Mesmo com o piso, esquadrias,
iluminação e mobiliário reformados, não permitia interação entre os pacientes. Uma das
primeiras questões levantadas por Sommer foi o fato dos usuários do ambiente não
serem ouvidos quanto às mudanças realizadas no espaço e demais aspectos da vivência
no hospital. A partir do momento em que começou a conversar com essas pessoas,
descobriu que os pacientes recém-chegados reclamavam mais e observavam coisas que
os mais antigos nem mencionavam. Odores, ruídos e alguns detalhes da rotina hospitalar
que incomodavam visitantes, não eram percebidos pelos funcionários, pois com o
tempo, por mais estranho e desagradável que pareça, o costumeiro torna-se fixo e
natural.
Padrões de ocupação de bancos e cadeiras em diferentes lugares também fizeram
parte das observações de Sommer, até porque embasariam as novas soluções de
organização espacial das enfermarias. Buscando o enriquecimento da pesquisa, o
comportamento de pacientes e funcionários continuava sendo observado depois das
modificações no ambiente, assim como o pedido de opinião continuava auxiliando o
trabalho realizado. Nesse sentido, Sommer dá início a uma série de discussões a respeito
dos métodos de pesquisa a serem adotados nos estudos pessoa-ambiente, o que inclui
entrevistas, questionários e observação natural.
56
No mesmo período, outro trabalho dentro dessa mesma vertente é conduzido nos
Estados Unidos, com a participação de uma equipe de psicólogos (Ittelson, Proshansky,
& Rivlin, 1970; Proshansky, 1990). Inicialmente, os profissionais deveriam realizar uma
revisão de literatura sobre o projeto físico dos hospitais psiquiátricos e sua possível
relação com o comportamento de profissionais e pacientes, a fim de discutir de que
forma o ambiente físico poderia interferir no tratamento desses últimos. Pesquisas nessa
área eram escassas, portanto, tiveram de desenvolver sua própria orientação conceitual e
metodológica para abordar o problema. Assim, nesse tipo de estudo, tornava-se
essencial conhecer pacientes e profissionais e saber como e quando os espaços eram
utilizados.
Segundo Rivlin (1992), trabalhos dessa natureza possibilitaram a observação e
documentação da interferência do sistema hospitalar no comportamento de pacientes e
funcionários, bem como o surgimento de conceitos envolvendo a relação pessoa-
ambiente. Essas pesquisas também geraram a elaboração de artigos e livros sobre a área
em questão, incluindo a participação de arquitetos, antropólogos, geógrafos e
psicólogos, fato que leva em conta o desenvolvimento da interdisciplinaridade
defendida por Proshansky e outros pesquisadores da época.
De acordo com Lee (1977), os estudos sobre o impacto do ambiente físico do
hospital no comportamento dos pacientes, revelaram meios de oferecer melhorias aos
ambientes pouco atrativos, monótonos e sombrios, com repetições de elementos como
portas, janelas e desenhos de piso. Além disso, trouxeram à tona diferentes problemas
da própria cultura médica e de estrutura ambiental do edifício que acabam
desencadeando um funcionamento ultrapassado da instituição.
Um aspecto muito característico dos hospitais, é a variedade de usuários
presentes e suas diferentes necessidades ou expectativas, fato que pode ocasionar
57
conflitos na forma de cada subgrupo (pacientes, funcionários e visitantes) lidar com o
espaço físico (San Juan, 1998). Como exemplo, o autor aponta o problema existente na
sensação de conforto térmico, acústico e visual dos pacientes em relação aos
funcionários. Enquanto os primeiros preferem uma atmosfera mais tranqüila, com
silêncio e pouca iluminação, os segundos, por se encontrarem em constante atividade,
requerem maior iluminação e temperaturas mais baixas. Na maior parte das vezes, a
maximização da eficácia médica é o primeiro fator a ser levado em consideração no
desenho dos hospitais, quando deveria estar no mesmo patamar do cuidado com o bem-
estar do paciente e de uma série de recomendações acerca dos projetos de tais
estabelecimentos. Uma delas, a possibilidade de projetar espaços que permitam a
interação entre pacientes, é reforçada com a ressalva de que a interação não deve ser um
imperativo, mas sim uma opção.
A continuidade e aprofundamento dos estudos na área passa pela necessidade de
adotar-se soluções administrativas e arquitetônicas que valorizem a opinião dos
pacientes e visitantes no processo de planejamento de hospitais (Carpmam et al.,1986).
Como veremos a seguir, diversos profissionais encontram-se envolvidos em trabalhos
dessa natureza, seja nas avaliações do ambiente, seja em relação à percepção das
pessoas acerca da qualidade do atendimento prestado em edifícios de atenção à saúde.
5.3 Panorama atual: introduzindo variáveis da pessoa e do ambiente
Segundo Devlin e Arneill (2003), a evolução do hospital e a sua nova imagem
modificada pelas tecnologias e humanização dos espaços gerou o aparecimento de
edifícios que primam pelo conforto oferecido ao paciente. Sabendo que vários fatores
contribuem para a sensação de conforto do paciente, apontam algumas variáveis do
ambiente que podem afetá-lo negativamente, como o excesso de luminosidade, sensação
58
de aglomeração, odores fortes e ruído. Outras variáveis, como é o caso da paisagem
observada pela janela do quarto do paciente e a presença de objetos de arte no ambiente
hospitalar, já são avaliadas positivamente dentro da nova ótica da humanização dos
espaços.
Whitehouse et al. (2001) realizaram uma avaliação pós-ocupação (APO) num
hospital infantil em San Diego, Estados Unidos, com o objetivo de avaliar a utilização e
a satisfação de pacientes, familiares e funcionários com um jardim planejado no
ambiente. Através de entrevistas, observações e questionários, os pesquisadores
verificaram que as pessoas percebiam o jardim como um lugar que favorecia o
restabelecimento dos pacientes e reduzia o estresse dos funcionários, mas que não era
utilizado tão efetivamente quanto poderia. Entre outros fatores, os pesquisadores
recomendaram mudanças para promover um uso mais freqüente do jardim.
O trabalho de Ulrich (2000) sugere a implantação de áreas de jardins dentro do
hospital como medida terapêutica, até mesmo porque pode diminuir os gastos com
medicamentos e os elementos naturais auxiliam na diminuição do estresse e podem ser
empregados tanto dentro do hospital como nas áreas externas. Esse tipo de medida era
comumente utilizada nos hospitais psiquiátricos e começa a ser retomada nos hospitais
gerais, como resposta a um modelo no qual imperavam o excesso de funcionalidade e o
“não desperdício” com áreas livres.
A qualidade do atendimento prestado ao paciente pode ser por ele avaliada de
diferentes maneiras (Arneill & Devlin, 2002). Uma delas é através dos procedimentos
médicos utilizados, que o paciente geralmente não entende, e a outra é pela forma como
o atendimento é oferecido e percebido pelo paciente. De acordo com o estudo realizado,
quanto melhor a aparência e a iluminação do ambiente e mais novos os móveis, melhor
59
é avaliada a qualidade do atendimento, ressaltando que a capacidade de compreensão do
médico ou profissional de saúde também interferem na percepção da qualidade.
O ambiente hospitalar também pode ser avaliado no que diz respeito à questão
temporal, ou seja, também pode ser visto como um local que manifesta um sentido de
tempo muito peculiar: o presente e o imediatismo. Para Ribeiro (1993), o “aqui e agora”
do hospital é sua característica marcante, dadas as atividades que precisam ser
executadas rapidamente. Mas não deve ser o único modo de enxergar o hospital, pois
ele não está congelado no tempo e nem no espaço e deve ser observado através da
história para que muitas questões possam ser compreendidas e melhoradas para o
futuro.
A leitura de Sommer (1979) sobre o tempo na relação pessoa-ambiente aparece
no que ele denomina por “vivência ambiental”. Todos os ambientes têm um tempo
próprio, que é o seu período de existência, mas também têm um tempo que depende das
pessoas e atividades ali desempenhadas, percebido a partir dessa vivência. Um hospital,
por exemplo, por se tratar de um recorte do presente, ocasiona um impacto em relação
ao tempo porque retira a pessoa de um tempo vivenciado lá fora e a coloca em outro.
Além disso, as pessoas se relacionam num mesmo ambiente com coordenadas de tempo
completamente diferentes, como é o caso dos médicos - sempre apressados para atender
vários pacientes em vários hospitais – e do paciente internado que ainda vai permanecer
ali por algum tempo.
Discorrendo sobre o tema, Tuan (1983) sugere que uma paisagem, um panorama
ou um espaço aberto possibilitam os mais variados pensamentos, fazendo-nos retroceder
ou avançar no tempo. Sendo assim, o fato de vislumbrar uma paisagem através de uma
janela de um hospital e imaginar a volta para casa, faz o paciente internado se mover em
60
duas direções: um futuro promissor, com a volta para o lar; mas também passado, já que
a família e o lar ficam no centro da vida e tem a ver com origem e começo.
Remen (1993) discute a diferença entre o tempo do relógio, destituído de
conteúdo e valor, e o tempo da vida, um tempo que deveria ter mais qualidade. Em
geral, as pessoas têm a ilusão de que se houvesse mais tempo cuidariam melhor da sua
saúde e vivem com a idéia de que ficar doente é uma das maneiras socialmente aceitas
para conseguir um afastamento temporário dos papéis desempenhados. Em geral, as
pessoas não dão tempo para si próprias e quando estão internadas num hospital e presas
à cama, ficam deprimidas porque se desacostumaram a dar tempo e espaço para os seus
pensamentos e energias.
De acordo com Pinheiro (2002), essa noção de um tempo embutida nas pessoas
ainda é pouco analisada nos estudos pessoa-ambiente, talvez porque essa área do
conhecimento tenha surgido por influências da Arquitetura e Geografia, comprometidas
muito mais com o espaço. Em sua pesquisa sobre comprometimento ambiental, aponta
para a importância de considerarmos, além dos comportamentos das pessoas, aspectos
que indiquem como está acontecendo a interação com o ambiente, o que incluiria o
tempo. Segundo o autor, quanto cada um de nós está disposto a ceder ou reivindicar nas
interações com o ambiente também envolve tempo.
Baier (1995) comenta que estar internado num hospital significa repensar o que
passou e o que vem em seguida, numa relação com o tempo que implica passado,
presente e futuro. Muitas vezes os pacientes passam o tempo esperando a chegada de
uma visita querida, de uma decisão médica importante ou fazendo planos para o futuro,
por isso as janelas também são elementos importantes. Através delas – do contato com o
mundo lá fora e da possibilidade de ver a cidade, um jardim, o dia, a noite - a sensação
de estar isolado diminui e o paciente se sente mais relaxado.
61
O papel do ambiente físico do hospital no processo de recuperação dos pacientes
tem sido tema de diversas discussões no campo da Psicologia Ambiental. Apesar deste
fato, Devlin e Arneill (2003) chamam a atenção para a ausência de estudos dessa
natureza que sejam testados empiricamente dentro da Arquitetura, talvez por não existir,
nesta área do conhecimento, uma tradição em pesquisa. Por outro lado, as ciências
médicas ainda não consideram os benefícios de determinados componentes da estrutura
físico-espacial do edifício para o restabelecimento de pacientes e bem-estar dos demais
usuários do hospital.
A partir dessa constatação, apesar de ser proveniente de estudos realizados fora
do Brasil, podemos dizer que essa “descrença” da classe médica também é encontrada
no nosso país e pode ser um dos motivos para a ausência de trabalhos sobre
humanização que mencionem Arquitetura ou os estudos pessoa-ambiente. Se o objetivo
maior da humanização é a valorização da pessoa nas práticas de saúde (Brasil, 2000), a
relação com o ambiente, bem como os benefícios por ele proporcionados, deveriam ser
igualmente enfatizados.
Entretanto, uma pesquisa realizada por uma enfermeira, com o objetivo de
investigar o sentimento dos pacientes frente à invasão do seu espaço territorial e
pessoal, sugere que tais aspectos começam a ser levados em consideração pela categoria
(Sawada, 1995). O referencial teórico é constituído por autores da Psicologia Ambiental
que tratam das distâncias interpessoais, do espaço pessoal e da territorialidade. O estudo
é composto por escalas adaptadas à cultura brasileira, aplicadas a pacientes internados
em hospital público. Os resultados apontaram, entre outros aspectos, a interrupção do
sono e descanso, entrada no espaço físico sem permissão, toque e proximidade íntima.
Com base nos estudos de Hall e na sua teoria da proxêmica (1977), todos nós
nos relacionamos e nos comunicamos utilizando determinadas distâncias interpessoais.
62
Entre os animais, além da territorialidade, tais espaçamentos adquirem diversas funções,
seja controle da população, distanciamento por diferenciação entre as espécies ou
expressão de status. Entre nós, seres humanos, variam conforme a cultura e sistemas
sensoriais (visual, auditivo, olfativo, tato). Dentro da proxêmica, o espaço pode ter
características fixas (como por exemplo, uma parede); características semi-fixas
(mobiliário ou obstáculos) e ainda ser informal, que é o espaço ao redor do corpo e que
determina as distâncias interpessoais (divididas em íntima, pessoal, social e pública).
Partindo desta base, a regulação do espaço ao redor das pessoas também pode
ser entendida a partir do estudo da territorialidade. Segundo Valera e Vidal (1998), este
conceito tem a ver com a defesa de uma área contra invasões e pode ou não envolver as
distâncias interpessoais. Para os animais, a função da territorialidade é a sobrevivência;
para nós, ajuda na organização social, na proteção do espaço físico e na identidade
pessoal e grupal.
Dentro da Psicologia ambiental, espaço pessoal, distâncias interpessoais e
territorialidade estão intimamente ligados às noções de privacidade. Segundo Valera e
Vidal (1998), a privacidade tem a função de regular as interações, controlar informações
e proporcionar às pessoas recursos para manter estruturas grupais. Os mecanismos para
alcançar esse nível ideal de privacidade, diferente para cada indivíduo, incluem os
verbais, não verbais, ambientais e sócio-culturais. Com ênfase nos mecanismos
ambientais para regular a privacidade, estão presentes a utilização de determinadas
vestimentas, do espaço pessoal, das distâncias pessoais e da territorialidade. Neste
sentido, grande parte dos estudos sobre privacidade apresenta relação com
territorialidade, conceito considerado como elemento-chave para o entendimento das
interações sociais.
63
De acordo com Altmam (1975), o termo privacidade significa “o controle
seletivo de acesso ao eu” (p.18) e pode ser considerada como um dispositivo que cada
um de nós tem para regular nossas fronteiras pessoais, portanto perpassada sempre pela
subjetividade. Como já foi explicitado anteriormente, cada pessoa tem diferentes
dimensões a serem consideradas e uma bagagem psicológica, histórica e cultural
essencial na sua relação com a doença. Se é assim, cada um fica doente ao seu modo e
atravessa as experiências da hospitalização também de modo particular. Para Altman
(1975), existe uma dialética natural da privacidade que envolve restrição e procura da
interação, o que justifica a presença de um processo de otimização, no qual cada pessoa
escolhe quanto de acesso ao seu eu vai permitir aos demais.
A esse respeito, como focalizado no capítulo sobre o paciente hospitalizado, a
falta de privacidade e a transformação da vida privada do paciente numa vida pública,
constantemente acessível aos membros da equipe médica e de enfermagem, é um fator
característico da internação (Rodriguez-Marín, 1995; Santos & Sebastiani, 2001).
Característico, mas que pode e deve ser amenizado. Estabelecendo uma ligação com os
comentários de Shumaker e Pequegnat (1991), vemos que a equipe de enfermagem,
apesar de não possuir o mesmo poder de decisão dos médicos, apresenta maior
responsabilidade e sensibilidade diante dos sentimentos dos pacientes.
A procura pela área de estudos pessoa-ambiente e, consequentemente, a procura
por novos métodos de pesquisa que envolvam o usuário dos edifícios ou espaços
abertos, vem se intensificando a cada dia. Vários trabalhos de Arquitetura que levam em
conta esses fatores são apresentados em periódicos de Psicologia Ambiental, mostrando
a ligação entre as duas áreas e a preocupação dos profissionais que trabalham com o
espaço em considerar a relação pessoa-ambiente (Devlin & Arneill, 2003; Whitehouse
et al., 2001).
64
Um dos poucos exemplos dessa interdisciplinaridade no Brasil, pelo menos no
que diz respeito a estudos que tratam do ambiente hospitalar, é a pesquisa de Fontes et
al. (2004), cujo objetivo foi verificar a percepção dos usuários do ambiente – pacientes,
acompanhantes e funcionários - sobre um pátio com jardim construído num hospital
público. Através de entrevistas e questionários, os pesquisadores constataram que a
presença do jardim significa a humanização daquele espaço, já que proporciona
conforto térmico, visualização da natureza e do ciclo dia/noite. A base para esta
afirmação, pouco aprofundada, é o conjunto de trabalhos que tratam dos benefícios dos
jardins e áreas abertas para os usuários do ambiente hospitalar.
A influência dos estudos pessoa-ambiente no fazer profissional do arquiteto é
destacada por Jácome (1999). Sua pesquisa apresenta uma comparação entre os
arquitetos que cursaram e os que não cursaram Psicologia Ambiental durante a
graduação e utiliza como instrumento a entrevista. A diferença central entre os dois
grupos é a preocupação com a opinião/satisfação dos usuários com o ambiente projetado
pelo profissional, principal aspecto mencionado pelos que cursaram Psicologia
Ambiental.
A partir do que foi exposto até o momento, vimos a diversidade de fatores que
determinaram, ao longo do tempo, as mudanças nas funções e na estrutura físico-
espacial do edifício de atenção à saúde. Vimos também a importância dos estudos
pessoa-ambiente para o reconhecimento da influência do espaço físico no processo de
recuperação dos pacientes e satisfação dos demais usuários do hospital. Além disso, tais
estudos proporcionaram a inserção da opinião dos usuários no planejamento e projeto
dessas instituições.
65
Até aqui podemos dizer que, quanto maior o enfoque nessas relações, mais o
usuário do ambiente é contemplado e, consequentemente, mais próximo se chega dos
ideais da humanização hospitalar.
Deste ponto em diante, este estudo volta-se para a consulta a arquitetos
especialistas em projetos de estabelecimentos assistenciais de saúde, com o objetivo de
verificar a percepção desses profissionais acerca do processo de humanização
hospitalar.
66
6. A consulta aos arquitetos especialistas
6.1. Participantes
A pesquisa foi baseada em entrevistas com arquitetos de Natal/RN, da área de
projetos hospitalares e que trabalham ou já trabalharam no planejamento/execução das
construções de estabelecimentos de saúde da cidade. Além desses critérios, o fato de ser
especialista neste tipo de projeto delimitou a participação dessas pessoas no estudo e
totalizou um universo de nove profissionais. Destes, apenas um foi selecionado para
participar da entrevista piloto, enquanto os oito restantes representaram os dados oficiais
desta pesquisa.
Considerando que a descrição detalhada a respeito do perfil dos participantes
implicaria na exposição dos mesmos, optei por apresentar apenas alguns dados
considerados relevantes para o trabalho, sendo cada uma dessas pessoas identificadas
com uma letra do alfabeto em ordem seqüencial.
Entre as oito pessoas entrevistadas, cinco são mulheres e três são homens. Seis
sujeitos estão compreendidos numa faixa etária entre 42 e 48 anos e terminaram o curso
de Arquitetura entre os anos 1982 e 1986. Apenas dois entrevistados estão
compreendidos fora dessa faixa etária e do período de conclusão de curso, já que um
estudou durante os anos 1970 e outro no início dos anos 1990. Dos oito arquitetos, sete
foram alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Em relação a cursos de Pós-graduação, sete profissionais possuem
especialização na área de sistemas de saúde/projetos hospitalares, com os respectivos
títulos obtidos entre o final dos anos 1990 e o ano de 2003.
67
Seis arquitetos exercem suas funções em instituições públicas e também
possuem escritório. Apenas um é funcionário de empresa privada e outro não possui
vínculo empregatício, já que é profissional liberal.
6.2. Instrumento
O roteiro de entrevistas foi elaborado com base em aspectos relevantes da
literatura da área e inspirado por minhas reflexões, estruturado de modo a abarcar três
aspectos principais: humanização hospitalar, projetos de arquitetura na área e algum tipo
de experiência como paciente ou acompanhante que o entrevistado tenha considerado
como positiva ou negativa (ver Apêndice A). Inicialmente o roteiro apresentava um
número menor de questões, dispostas e redigidas diferentemente do formato final. As
alterações na ordem das perguntas e na redação das mesmas só foi possível após uma
entrevista piloto, que também serviu como treino para a pesquisadora.
6.3. Procedimento
Para cada um dos arquitetos, o primeiro contato foi feito via telefone, ocasião em
que marcamos data e local para a realização das entrevistas. Antes de perguntar se as
pessoas estavam dispostas a colaborar com o trabalho prestando seus depoimentos, eu
me identificava e apresentava o objetivo da pesquisa.
As entrevistas foram realizadas nos respectivos locais de trabalho dos arquitetos.
Em cada contato realizado pessoalmente com os entrevistados, conversamos
primeiramente a respeito de como a entrevista seria conduzida, qual o seu conteúdo e
mais uma vez sobre o objetivo da pesquisa. Explicitei o fato de que a entrevista seria
gravada, para que depois houvesse a possibilidade da transcrição integral dos
depoimentos, com a ressalva de que o anonimato do entrevistado seria garantido, bem
68
como o de pessoas e estabelecimentos citados durante a conversa. A partir daquele
momento, aceitando participar da entrevista, o arquiteto estaria concordando com os
termos expostos. Todas as pessoas mostraram-se disponíveis para contribuir.
6.4. Análise dos dados
O processo de análise das entrevistas implicou uma primeira leitura dos
depoimentos transcritos a fim de reconhecer suas características básicas. Em seguida, o
conteúdo foi separado por respostas e, de cada uma delas, retirados os temas de maior e
menor ocorrência. Após repetidas leituras, os dados foram categorizados, dispostos em
blocos ou eixos temáticos, tabulados por freqüência e interpretados (Sommer &
Sommer, 1997; Quivy & Campenhoudt, 1998). Esses eixos temáticos não obedeceram o
roteiro de entrevistas, mas às informações que emergiram do conjunto de respostas. Por
fim, a análise das relações obtidas (intra e inter-blocos) e seus respectivos conteúdos,
permitiu o aparecimento e análise de novas questões, não identificadas na literatura
pesquisada até o momento.
69
7. O que define a humanização hospitalar: a percepção dos arquitetos
A apresentação dos resultados da pesquisa foi organizada segundo uma estrutura
composta por quatro blocos lógicos ou eixos temáticos: a) humanização hospitalar, b)
hospitais do passado e do presente, c) estabelecimentos públicos e privados e d) projeto
arquitetônico de estabelecimentos assistenciais de saúde (Figura 1).
Hospitais Públicos e Privados
Figura 1: Apresentação dos bloco
Tomando como base o co
veremos de que forma esses dados
partir do trabalho cuidadoso de e
arquitetos entrevistados, serão foca
relevantes para a discussão sobre h
Humanização Hospitalar
Passado e Presente
Projeto Arquitetônico
s ou eixos temáticos e suas interrelações
nteúdo dos blocos apresentados na figura anterior,
se relacionam entre si e com a literatura da área. A
leger determinadas passagens dos depoimentos dos
lizadas as que mais visivelmente traduzem aspectos
umanização.
70
7.1. Humanização hospitalar
De acordo com a grande maioria dos especialistas, a humanização hospitalar
envolve - ou pelo menos deveria envolver - elementos relativos ao atendimento e ao
espaço físico, estando entre os primeiros a relação estabelecida entre o profissional de
saúde e os pacientes, e entre os segundos, a ambientação do edifício e seu paisagismo
(Tabela 1)5.
Tabela 1 Componentes da humanização hospitalar mencionados Componentes mencionados FreqüênciaAtendimento + ambiente físico 7 Ambiente físico 1
Antes de realizar as entrevistas, cheguei a imaginar que, por serem profissionais
que trabalham com o espaço, atentariam somente para o projeto de arquitetura como
caminho rumo à humanização. Porém, como mostram seus depoimentos, isso não
aconteceu:
Olhe, é porque eu conceituo humanização hospitalar de dois pontos de vista diferentes: um, no que diz respeito ao ambiente e o outro, no que diz respeito às relações interpessoais que acontecem dentro daquele ambiente.(Arquiteto A) Eu acho que é uma coisa muito ampla. Envolve vários aspectos desde físicos como comportamentais de quem está se servindo, de quem está prestando o serviço. É o ambiente como um todo.(Arquiteto G)
Quando os participantes da pesquisa são questionados a respeito de alguma
experiência como paciente ou acompanhante em hospitais, o espaço físico predomina
como aspecto positivo. Em contrapartida, os aspectos considerados negativos disseram
respeito ao atendimento prestado pelos funcionários e aos serviços oferecidos de uma
maneira geral:
5 Dependendo do contexto de análise, algumas tabelas têm como total o número de participantes (N=8), enquanto outras consideram o número total de ocorrência das categorias em questão.
71
Eu fiz uma cirurgia lá, uma coisa simples. Eu entrei num dia, fiz a cirurgia e saí no outro dia. Achei, assim, o tratamento da enfermagem, frio, distante. Quanto ao ambiente não. (...) O ambiente físico tá (...) bem mantido, bem organizado. (...) Agora eu achei a falta de calor humano do pessoal da enfermagem, sabe, assim, impressionante. (Arquiteto A) Positivo, a evolução no tipo de projeto hospitalar, a descaracterização daquele ambiente frio. (...) Negativo (...), eu fui como paciente ao Hospital X, numa situação de pressão alta e como paciente não fui bem acolhida.(Arquiteto H) Bastante positivo, foi no acompanhamento do meu pai. É que existe hoje um cuidado maior com a questão do espaço do hospital, ou seja, no tocante à organização dos espaços nos hospitais e pontos em relação a acabamento (...) E pontos negativos, o excesso de exigência desnecessária nos exames. (Arquiteto F) É importante ressaltar que apenas quatro pessoas aceitaram se expor e tecer
comentários a respeito de suas vivências em hospitais. Mesmo assim, podemos observar
que, apesar da arquitetura dos estabelecimentos ser um fator primordial para os
entrevistados, é no quesito atendimento que aparecem suas maiores queixas. Será que os
hospitais freqüentados não têm um atendimento satisfatório, ou será que somente a
aparência diferenciada não faz do hospital um local “humanizado”?
Vimos no decorrer do trabalho que vários autores se referem ao atendimento e
ao espaço físico como sendo os componentes necessários para o restabelecimento dos
pacientes, independente de quão especializada seja a instituição (Arneil & Devlin, 2002;
Malkin, 1992; Whitehouse et al. 2001). Em relação ao atendimento, vários autores
focalizam a importância das relações entre profissionais de saúde e pacientes e das
informações prestadas a estes últimos (Boltanski, 1989; Remen, 1993; Traverso-Yepez
& Morais, 2004). Tais aspectos também apareceram nos depoimentos dos respondentes,
indicando ser esse um tipo de preocupação que, pelo menos em tese, deveria ser
incorporada pelos prestadores dos serviços de saúde, reforçando o fato de que só uma
aparência de hotel e ambientes bem decorados não resolve:
72
Passa primeiro pelo pessoal qualificado. Não adianta você ter um espaço bem organizado, projeto bem feito, cores adequadas, equipamentos e mobiliários muito bons, se o pessoal não estiver treinado para isso. Então, primeiro, a humanização é a forma que você é tratado desde o médico e o enfermeiro, até o atendente de enfermagem, o pessoal do hospital. (Arquiteto F) E às vezes também (...) o enfermeiro vai lá ao aposento, verifica sua pressão e sai. Nem diz nada. Ou você toma um medicamento e nem sabe o que é. Isso, esse tratamento e essa proximidade da pessoa saber o que é que está sendo feito, recebendo de tratamento e como está a situação dele em termos de pressão, de pulso. É importante que seja informado e aí torna realmente o negócio mais próximo e fica mais humano. (Arquiteto E)
A respeito das informações prestadas ao paciente, vale acrescentar ao que já foi
citado por Malkin (1992), um comentário de Sommer (1979). Segundo o autor, um
administrador hospitalar lhe perguntou se existiam estudos mostrando que o paciente se
recupera mais rapidamente se souber o que lhe vai acontecer e porque vai acontecer. No
período em que o livro foi escrito, as discussões sobre o assunto não tinham as
proporções atuais, nem os estudos haviam comprovado esse tipo de relação direta como
já comprovaram hoje. Mesmo assim, Sommer respondeu ao administrador que se o
paciente vai se sentir melhor ou mais descontraído sabendo para onde o estão levando e
porque, isso já é uma boa razão para mantê-lo informado.
Os entrevistados enumeraram uma série de ações de humanização a serem
incorporadas como meta de trabalho nas instituições de saúde, seja para melhorar o
serviço oferecido, seja para melhorar as relações estabelecidas entre profissionais e
pacientes (Tabela 2). Além do número de ocorrência de respostas, vemos algumas
diferenças na natureza da ação de humanização, como por exemplo “treinamento” e
“chamar paciente pelo nome”. Enquanto a primeira, assim como “implantação de
hotelaria”, são mais abrangentes porque envolvem outros aspectos do trabalho
administrativo, a segunda parece definir melhor o que deve ser incluído no contato entre
profissionais e pacientes.
73
Tabela 2 Ações apontadas para humanizar os serviços Ações FreqüênciaTreinamento 3 Prestar informação ao paciente 2 Mudança do uniforme dos profissionais 2 Implantação de hotelaria 2 Chamar o paciente pelo nome 1 Apoio psicológico ao funcionário 1 Caixa de sugestões 1
Entre os profissionais que prestam atendimento ao paciente, enfermeiros e
auxiliares também foram bastante mencionados. Como estes últimos geralmente
mantêm um contato mais freqüente com o paciente, são direcionadas a eles as maiores
queixas dos entrevistados. Esses profissionais poderiam ter em vista que seu trabalho e
sua relação com os pacientes têm efeitos sobre o processo de recuperação destes últimos
e podem atenuar ou não as implicações geradas pelas rotinas hospitalares e pelo próprio
ambiente físico. Na medida do possível, o fato de respeitar o espaço pessoal de cada
paciente ou estar atento às distâncias interpessoais e privacidade nos procedimentos
realizados, demonstraria um atendimento mais humano (Sawada, 1995).
Em contrapartida, o trabalho do médico - e seu atual afastamento do paciente -
também foram focalizados pelos entrevistados:
Primeiro, o atendimento: você tem que fazer o médico voltar a pegar no doente, porque hoje quem pega são as máquinas. (Arquiteto F)
(...) naquela situação de paciente, a gente está entregue nas mãos de um médico, então é muito importante como esse médico também vai lidar com o cliente. Se ele tem realmente um tratamento humanizado ou se ele ainda é aquela figura que está ali quase como um semideus e o paciente afastado. Então, tudo isso envolve e eu acho que favorece um atendimento humanizado, um atendimento mais com calor humano.(Arquiteto G)
Podemos dizer que o afastamento entre o médico e o paciente, citado por
Boltanski (1983) e Gorayeb (2003), ainda é um aspecto notório na prestação dos
serviços de saúde. Por um lado, está a relação entre o atendimento prestado ao paciente
74
e o grau de superioridade do médico; e por outro, a tecnologia e os equipamentos
utilizados a favor dos avanços da ciência, mas que por vezes dificultam esse contato
profissional-paciente.
Nesse contexto, uma pessoa mencionou a preocupação dos profissionais de
saúde em não poder perder tempo:
Se você pedir uma informação, essa deveria ser dada, porque às vezes as pessoas estão tão atarefadas, que a gente pergunta uma coisa e elas não querem nem parar para responder. Eu acho que seria interessante em cada ambiente de trabalho haver algumas reuniões. Alguma coisa que relaxasse. Porque é só trabalho, trabalho, e de repente parar um pouquinho e daí ter algum tipo de apoio, até com psicólogos ou uma pessoa que saiba lidar com essa parte. Estão sempre querendo otimizar o tempo, mas que parasse um pouquinho para conversar um pouco sobre as relações, sobre o que o outro está fazendo, como agiu, seria interessante.(Arquiteto C)
Sobre isso, Remen (1993) comenta que as pressões do tempo são culpadas pelas
abordagens, métodos e estilos de vida que não reconhecem as necessidades humanas do
paciente e do profissional. Muitas vezes os profissionais lutam contra o tempo e
parecem não estar presentes quando cuidam do paciente e interagem com ele. Em
alguns casos, a competência profissional é medida pela habilidade em resolver as
necessidades imediatas, características do treinamento profissional dentro do modelo
biomédico tradicional, como vimos no capítulo sobre humanização da assistência
hospitalar.
7.2. Hospitais do passado e do presente
A comparação entre os hospitais do passado e os construídos recentemente foi
mencionada por todos os arquitetos durante as entrevistas. Vejamos alguns exemplos:
Eu acho isso uma coisa boa e que houve uma mudança de uns 5 anos para cá aqui em Natal. (...) Que isso vai interferir nessa história da humanização e eu acho que já há uma preocupação hoje com isso. Então o usuário se sente bem, até parece que não é hospital. (Arquiteto C)
75
A gente nota mudança do espaço físico, mudança no critério de ocupação do solo, questão de você dar mais conforto ao paciente, mas eu não noto assim aquela evolução em termos de pessoal. (Arquiteto F)
Todos os entrevistados se referiram ao espaço físico como algo fortemente
modificado de alguns anos para cá e metade dos arquitetos diz que a evolução dos
projetos pode ser vista principalmente nos saguões de entrada e conforto nos
apartamentos dos hospitais. Além disso, existe uma forte tendência em dizer que esses
novos hospitais não parecem hospitais e comparar sua estrutura físico-espacial à de
shoppings e hotéis:
No meu projeto mais recente, que foi o hospital Z, a gente buscou resolver esses problemas, dotar o hospital de uma estrutura que lembre um hotel 5 estrelas, um shopping, um ambiente pra cima, iluminado. (Arquiteto B)
Na realidade, um hospital que me impressionou pelo aspecto positivo foi o hospital Y, porque logo que foi construído, foi um diferencial em Natal (...) Lógico que surgiram os outros depois e que seguiram a mesma linha, mas o hospital Y em Natal foi para mim uma referência pelo saguão imenso de entrada com aquela cara de não hospital. (Arquiteto E)
A chegada no hospital, o saguão de entrada, a amplitude, muitas vezes você ter um pé direito mais alto, que não lhe dê uma sensação de aperto, você ter uma sensação de amplitude. É a primeira impressão. (...) O quarto tem que ter maiores cuidados e que isso se estende ao serviço de nutrição, o que você vai escolher para sua refeição. (Arquiteto G)
Esse modelo de hotel e shopping, comentado por Miller e Swensson (1995) e
Godoi (2004), começou a ser utilizado a partir dos anos 1980 para oferecer ao paciente
conforto e opções de serviço, bem como oferecer aos empreendedores mais uma opção
de lucro. Aliado à questão da aparência do edifício, está o serviço de nutrição, um dos
pontos mais comentados pelos entrevistados em relação à implantação da hotelaria
hospitalar:
76
E alimentação, a gente não valoriza, mas é um fator importantíssimo para a recuperação do paciente. Então, outra coisa que lá a gente ouve, eu já ouvi de outros pacientes: todo mundo achando bom, boa a comida do hospital, sabe? Primeiro a pessoa diz que não parece comida de hospital. A forma como é apresentada, como é servida, né? (Arquiteto A)
Paralelamente a essas considerações, aspectos que dizem respeito à necessidade
de assepsia dentro desses estabelecimentos e, consequentemente ao “cheiro de hospital”,
também foram apontados por duas pessoas entrevistadas:
(...) porque já tem os cheiros e se você consegue dar uma aparência melhor ou com vegetação, apenas em alguns lugares, e até mesmo com quadros, com cores, com mobiliário, então humanizar, em termos de espaço físico, é isso.(Arquiteto C)
Tirar aquela sensação de ambiente tão frio, embora a assepsia na unidade hospitalar seja indispensável, quer dizer, um ponto primordial que você tem que respeitar, mas não é só a assepsia. O fato de ser asséptico não significa que seja feio ou totalmente frio.(Arquiteto E)
A assepsia é um fator imprescindível neste tipo de edifício, dados os
procedimentos realizados e os cuidados no tocante à infecção hospitalar, embora hoje já
se saiba que alguns setores permitem condutas de higienização em níveis menores de
exigência. Por esse motivo, os depoimentos anteriormente citados sugerem uma
mudança na aparência geral do hospital e em alguns setores, principalmente aqueles em
que o paciente, visitante e acompanhante circulam. Segundo Carpman et al. (1986), o
paciente que vivencia determinada situação num local como esse, leva consigo algumas
imagens positivas ou negativas do que foi visto, ouvido, cheirado ou tocado. Sendo
assim, o trabalho do arquiteto deve considerar tais fatores através da organização
espacial e ambientação do edifício.
O fato dos entrevistados considerarem o espaço físico como marco na evolução
dos hospitais, pode ser conseqüência de sua formação profissional. Não é minha
pretensão fazer generalizações, mas como a maioria estudou Arquitetura nos anos 1980
77
e fez especialização depois dos anos 1990, fica evidente que as transformações no
padrão construtivo dos hospitais a partir dessa época, exerceram forte influência na
forma dessas pessoas verem e projetarem esses edifícios. Portanto, tendo os arquitetos
participado desse período de mudanças, não é de admirar que façam referências a esse
momento.
Ao comparar os estabelecimentos de ontem com os que foram construídos
recentemente e, portanto, mais humanizados, algumas sensações são expostas,
principalmente as que estão ligadas ao ambiente físico, como “aconchegante”,
“agradável” e “confortável” em oposição a “frio” e “sombrio” (Tabela 3).
Tabela 3 Sensações associadas ao hospital do passado e do presente Tipo de hospital Resposta Hospitais do passado
Frieza
Hospitais do presente
AconcheganteAgradável Bem-estar
Os arquitetos também fazem referência às cores, comentando que o hospital
construído há alguns anos tinha que ser branco e que o de hoje já pode ter a presença de
várias cores.
Nós temos a antiga imagem dos hospitais (...) sombrios, escuros, de ambientes... é... sem vida, sem uma ambientação que deixe a pessoa se relacionar com aquele espaço, ambiente frio. Então nos nossos hospitais a gente procura dar à pessoa aquilo que ela procura, que é um ambiente feliz, alegre, pra cima, colorido, com materiais que ela se identifique, materiais nobres, que está dando qualidade ao espaço.(Arquiteto B)
Antigamente, o hospital era o que? Quanto mais sem nada, quanto mais fácil de limpar e lavar, melhor. E hoje isso mudou um pouco mais, principalmente quando se trata da parte ambulatorial, onde você não precisa ter esse controle tão rígido. Você pode ter uma urbanização dentro, você pode ter hoje cortina, alguns tipos de tapetes e que isso aí deixa o ambiente mais aconchegante.(Arquiteto D)
78
Antigamente sentia-se só aquela coisa branca, não tinha a presença do uso de cor. Já os próprios órgãos de Vigilância Sanitária proibiam, nada fundamentado, que não podia ter água, ter música dentro deles e a gente vê nos grandes hospitais, principalmente no sul do país, que eles são bem humanizados.(Arquiteto H)
A forma encontrada para relacionar o hospital construído recentemente com a
humanização é um aspecto que diferencia tais informações das que foram obtidas na
literatura pesquisada até o momento, uma vez que, entre os autores citados, não aparece
esse tipo de relação.
7.3. Hospitais públicos e privados
A ênfase dada aos estabelecimentos públicos e privados em sua relação com a
humanização, foi um ponto marcante nas respostas dos arquitetos. De acordo com a
Tabela 4, vemos o número de estabelecimentos públicos e particulares considerados
humanizados pelos participantes da pesquisa.
Tabela 4 Tipo de estabelecimento e freqüência de citação Tipo e localização de estabelecimento FreqüênciaPúblico em Natal 2 em outras cidades 1 Privado em Natal 4 em outras cidades 4
Ao todo, incluindo os que se localizam em Natal e em outros estados brasileiros,
os arquitetos lembraram-se de onze hospitais, sendo três públicos e oito particulares.6
6 De um universo de vinte e cinco estabelecimentos existentes em Natal (ver Apêndice B), as respostas representaram apenas 1/4 do total, focalizando as construções mais recentes e que se fizeram presentes em grande parte das respostas dos especialistas. Para que o leitor pudesse ver o número de hospitais do Brasil, tentei uma busca em banco de dados do Ministério da Saúde e junto ao IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contudo, as informações disponíveis contemplam apenas os estabelecimentos públicos e ainda misturam hospitais e outras unidades de saúde, como por exemplo, os laboratórios. Além disso, os dados do IBGE apresentam somente o número de leitos hospitalares e não de hospitais.
79
Vale salientar que a referência aos hospitais de Natal e de outros estados implica
no conhecimento dos mesmos, seja como paciente, visitante ou como profissional
responsável pelo projeto. Creio que, por essa razão, não houve menção a nenhum
hospital estrangeiro. Oito estabelecimentos da rede privada foram citados como
humanizados, ao lado de apenas três da rede pública, o que mostra que os arquitetos
estão visitando, projetando e/ou utilizando mais os primeiros. Além desses motivos,
como alguns relataram, está o fato de que ao longo da suas vidas profissionais, esses
foram os estabelecimentos mais visitados durante os cursos ou projetos realizados. A
referência aos dois hospitais públicos de Natal fez parte apenas das respostas dos
arquitetos que participaram de tais projetos e não porque utilizaram seus serviços.
Aqui cabe acrescentar que, quando os arquitetos falam a respeito dos hospitais
que consideram humanizados, os estabelecimentos públicos são mencionados como
tendo um atendimento dessa natureza. Por outro lado, quando falam dos
estabelecimentos particulares, é o espaço físico que é focalizado:
Eu visitei um hospital X em São Paulo. Lá, as UTI’s são... têm um tratamento todo especial. Os apartamentos são muito bons também. Geralmente eles colocam estampas coloridas, florais, pintam um apartamento de uma cor diferente. Isso eu falei dos hospitais privados (...) Agora tem um hospital da rede pública que funciona direitinho, que é o hospital Y. (...) O pessoal de lá vestiu a camisa mesmo, é um pessoal que ama aquilo ali. Então eles cuidam, eles tratam, sabe? (Arquiteto A) Aqui no Rio Grande do Norte, a administração antiga do Hospital Y. (...) Existia um sentido de equipe muito grande, do corpo médico e de enfermagem, era uma equipe muito organizada. Nos outros hospitais você tem algumas transformações do espaço físico. (Arquiteto F)
Como já vimos, isso pode estar ligado às suas experiências profissionais e
pessoais, muito mais freqüentes em estabelecimentos privados. Mas a que se deve o fato
de mencionarem o atendimento prestado nos hospitais públicos como uma prova da sua
humanização? Talvez porque a prática de um atendimento mais humano nesses
80
estabelecimentos já esteja acontecendo, uma vez que os entrevistados se referiram às
atitudes dos profissionais de saúde. Esse movimento surgiu como resposta ao
afastamento entre o profissional de saúde e o paciente, visando a introdução de novas
iniciativas e o fortalecimento das existentes (Brasil, 2000; DeMarco, 2004).
Especificamente sobre o PNHAH, apenas um arquiteto que trabalha na área
pública mostrou ter conhecimento sobre o assunto:
E eles tem também aquele...é... programa da mãe-canguru, que é reconhecido, assim, pelo Ministério, como um programa que funciona muito sem gastos.(Arquiteto A)
A respeito de outras ações de humanização, o trabalho realizado pelos
voluntários foi lembrado por apenas um arquiteto, que hesitou em afirmar que a
presença de palhaços e músicos seja de fato um aspecto válido para o paciente e que
signifique a humanização de um determinado hospital.
Esse tipo de prática passou a ser desenvolvida inicialmente nas enfermarias
infantis como forma de distrair as crianças, mas em seguida se estendeu aos demais
setores hospitalares. Grupos de voluntários se dispõem a contar estórias, tocar
instrumentos, ler ou levar pequenos animais para o hospital acreditando que estão
minimizando a dor e o sofrimento de pacientes e acompanhantes.
No meu entendimento, o trabalho de participação de voluntários nos hospitais é,
sem dúvida nenhuma, um ato extremamente humano, mas não significa que confere ao
estabelecimento a qualidade de “humanizado”. A humanização deve ser trabalhada por
todas as pessoas que prestam seus serviços dentro da área da saúde, na tentativa de
compreender as fragilidades próprias de cada um e de auxiliar no processo de
recuperação do paciente.
81
7.4. Projetos arquitetônicos de estabelecimentos assistenciais de saúde
Antes de comentarmos mais a respeito do que define a humanização, falarei
sobre os projetos de arquitetura. A Tabela 5 apresenta os elementos de projeto que
devem ser contemplados na construção do edifício humanizado.
Tabela 5 Elementos do projeto arquitetônico mencionados Elementos FreqüênciaAmbientação cores 8 mobiliário 8 Paisagismo 6 Janela 2
Segundo os participantes da pesquisa, ambientação e paisagismo são os
componentes principais para que um ambiente se torne agradável e proporcione bem-
estar. Quanto aos ambientes ou setores do hospital, a UTI foi bastante mencionada,
especialmente no que diz respeito à falta de privacidade dos pacientes:
A maioria das UTI’s de hospitais são quase como um grande ambiente,(...) com todo mundo ali dividido por pequenas cortinas, que faz com que qualquer paciente sinta, perceba e passe pelo problema do seu vizinho. Então, nos nossos hospitais, a gente buscou uma forma de eliminar isso. (...) Cada paciente fica realmente num espaço completamente isolado dos demais, interligados todos a um sistema de controle e monitoramento. (Arquiteto B)
A falta de privacidade e a despersonalização da pessoa hospitalizada, são
aspectos característicos de determinados setores do edifício de atenção à saúde
(Rodriguez-Marín, 1995; Santos & Sebastiani, 2001). Como citado anteriormente,
característico, mas que pode ser atenuado. Porém, em entrevistas informais com pessoas
que passaram pela experiência de internação em UTI, nem sempre a falta de privacidade
é o que mais incomoda. O próprio ambiente físico, os procedimentos adotados e o
receio em relação à morte são fatores tão marcantes, que a possibilidade de ser visto ou
82
ouvido pelos demais pacientes num momento de dor e angústia, superam a necessidade
por privacidade. Sendo assim, o ambiente deveria estar preparado para oferecer mais ou
menos privacidade para cada paciente na medida em que fosse mais ou menos
prioridade para cada um deles.
As janelas, assim como a possibilidade de iluminação e ventilação naturais, um
componente inerente a qualquer projeto, são citadas nesse caso com a ressalva de que
devem permitir a visualização do exterior do edifício, assim como possibilitar ao
paciente a noção de tempo:
Dessa forma, quem tá ali internado tem noção do dia e da hora. (...) A maioria das UTIs não dá ao paciente essa possibilidade de você sentir a relação do dia e da hora. (Arquiteto B) Em especial nas nossas UTIs, nós temos um projeto bem interessante. Temos box individualizado onde você tem toda privacidade, onde você não precisa estar ouvindo, sentindo, participando do que o paciente do lado está sentindo, da dor do vizinho, você tem toda privacidade. Você tem amplas janelas que você está vendo um jardim florido, toda a cidade, o sol (...) (Arquiteto G)
O que parece curioso é o fato desses componentes terem sido citados apenas por
duas pessoas, ao passo que na literatura internacional são bastante destacados (Baier,
1995; Devlin & Arneil, 2003; Malkin, 1992). Mesmo assim, ao focalizar alguns detalhes
do edifício ou determinados ambientes, como no caso da UTI, os arquitetos não
expressaram o porquê dessa ênfase, apenas o fato de que é assim que um hospital
humanizado e voltado para as necessidades do paciente deve ser. Penso que isso se dá,
em parte, pela ausência de trabalhos na área no Brasil ou então pela falta de interesse,
por parte desses profissionais, em pesquisar o assunto. Ao mesmo tempo, poderíamos
pensar que o detalhamento dessas questões, próprias do campo da Psicologia
Ambiental, não é uma tarefa fácil, principalmente em se tratando de arquitetos que
provavelmente não estudaram as relações pessoa-ambiente na sua formação. Segundo
83
Jácome (1999), a Psicologia Ambiental só foi introduzida no currículo do curso de
Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte a partir de 1994.
A necessidade de favorecer o paciente com iluminação e ventilação naturais e
organizar o ambiente de forma a auxiliar no seu processo de recuperação, é um aspecto
marcante desde que o hospital começou a ser considerado um instrumento terapêutico
(Verderber & Fine, 2000). No entanto, a importância da noção de tempo para quem está
internado, bem como as questões relativas à privacidade, vem à tona por ocasião dos
estudos pessoa-ambiente nesse contexto, enfatizados por Baier (1995) e Devlin e Arneil
(2003), mas pouco aprofundados.
No tocante ao embasamento para as etapas de projetos hospitalares, todos os
entrevistados incluíram as Normas para Projetos Físicos de Estabelecimentos
Assistenciais de Saúde (1994), no meu entender um aspecto intrínseco a esse processo.
Além disso, incluíram as conversas com a equipe de profissionais responsável pelo
empreendimento ou a que trabalha no local (Tabela 6).
Tabela 6 Base para o projeto arquitetônico Componentes FreqüênciaEquipe médica 8 Normas 8 Congressos 2 Literatura 2
Entre as pessoas consultadas, confirmando a literatura da área (Shumaker &
Pequegnat, 1991), os enfermeiros foram citados como os profissionais que mais sabem a
respeito das necessidades dos pacientes:
(...) principalmente o diretor do hospital e a equipe. Eles são a nossa linha mestra para a gente seguir(...) a gente pede para conversar também com a enfermagem, com a nutrição, porque são eles que lidam direto e tem mais informação (...) O pessoal da enfermagem sabe melhor as necessidades dos usuários, porque lidam diretamente com eles.(Arquiteto C)
84
Mas uma área que muito auxilia a gente, é a equipe de enfermagem, porque o médico como cliente [do arquiteto] às vezes não consegue passar bem o que o seu paciente precisa.(Arquiteto H)
Apesar dessas considerações e da importância de se conversar com a equipe de
enfermagem, na rede particular geralmente são os médicos que contratam o arquiteto e
lhes passam as instruções para o projeto. Já na rede pública, os médicos também fazem
parte da primeira categoria a ser consultada sobre os detalhes do projeto, talvez em
função da própria hierarquia existente entre os trabalhadores da saúde. De qualquer
forma, os arquitetos expressaram opiniões opostas no que diz respeito à participação dos
médicos nas decisões de projeto:
E a gente briga, realmente briga com os médicos, porque eles têm uma visão muito do trabalho dele. Então ele quer espaço de trabalho e o arquiteto, além do espaço de trabalho, quer criar um ambiente (...) para, não só o médico, mas para o paciente. (Arquiteto B) (...) eu procurei conversar muito com quem me contratou. Aí, tudo depende da visão do empresário. Se ele tem uma visão humanizada, se ele está voltado para o cliente ou se ele está voltado para o lucro. É complicado (...) (Arquiteto E)
No primeiro relato, o arquiteto demonstra que a preocupação dos médicos é
desempenhar suas atividades, enquanto a do arquiteto é tentar ajustá-las ao ambiente
que é para o paciente. Se pensarmos na quantidade e complexidade de procedimentos,
equipamentos e funcionários presentes no hospital, não parece que são as atividades dos
médicos que devem se ajustar ao ambiente feito para o paciente, mas alguns elementos
que podem contribuir para o restabelecimento do paciente que se ajustam a todos os
outros aspectos.
No segundo depoimento, vemos que o arquiteto segue inteiramente a equipe
médica, seja porque está só fazendo o seu trabalho, seja porque confia nas instruções do
seu cliente. O que há para se destacar é a relação estabelecida pelo arquiteto entre a
85
humanização e a visão de quem o contratou. Mais uma vez, a humanização aparece
como algo que está além dos limites do trabalho do arquiteto.
Em outros dois relatos, a humanização do espaço físico aparece associada à
satisfação do médico com seu ambiente de trabalho:
Quem não gosta de trabalhar num ambiente agradável, num ambiente mais humano? Antigamente você entrava no consultório que não tinha nem janela. Agora, como é que as pessoas conseguem trabalhar 4 horas presas sem janelas? Então tem tido alguns avanços nisso aí. (Arquiteto D)
O médico, que é o cliente indireto, não vai ser tratado, mas vai utilizar o espaço. Vai tratar, vai operar, vai utilizar outras áreas do hospital e não o quarto. (Arquiteto G)
Embora o projeto arquitetônico tenha de contemplar todos os usuários do
edifício e permitir o desempenho de suas respectivas atividades, fiquei surpresa ao
perceber que alguns entrevistados incluíram, no contexto da humanização, os setores
nos quais o médico circula ou “ocupa” com mais freqüência. Até então, segundo
aspectos comentados pelos próprios arquitetos, esse parecia ser um movimento somente
a favor dos pacientes e seus familiares.
Vimos nos capítulos introdutórios (Focault, 1979; Ribeiro, 1993) que, a partir do
momento em que o médico passou a exercer suas funções no hospital e este último
passou a contribuir para a eficiência das atividades, estava firmado o compromisso com
a recuperação do paciente, mesmo que a cura não fosse alcançada. Seguindo esse
raciocínio, como o espaço físico poderia trazer alguma conseqüência negativa para o
paciente? Porém, quando as discussões a respeito dos sentimentos da pessoa
hospitalizada e da sua relação com o ambiente começam a provocar mudanças no
projeto, o arquiteto se depara com a dificuldade de considerar dois clientes: o que o
contratou e todos os outros que utilizarão o espaço, entre eles, o paciente. Para esse
dilema parece não haver outra solução senão as discussões sobre o assunto entre as
86
partes envolvidas. Segundo autores como San Juan (1998), por exemplo, esse conflito
existente entre os diferentes usuários do hospital na forma de cada um lidar com o
espaço é característico desse tipo de instituição.
Ainda em relação às informações colhidas a partir de médicos e enfermeiros, um
arquiteto expressou que a funcionalidade do edifício - e não questões relativas à sua
humanização - assume papel principal na conversa:
Na realidade a gente parte da direção e das pessoas que estão mais próximas da direção; são elas quem nos orienta. A gente pergunta muito mais no sentido prático da coisa do que no sentido da humanização. (Arquiteto D)
Quando perguntados se consideram seus projetos humanizados, cinco arquitetos
responderam afirmativamente, enquanto dois disseram que não completamente e um
disse não saber. Os que responderam positivamente, citaram os elementos de projeto já
comentados anteriormente, como ambientação, ventilação, iluminação e paisagismo.
Entre esses entrevistados, também merece ênfase a relação existente entre o sucesso dos
seus projetos e o funcionamento satisfatório do estabelecimento ou a opinião dos
usuários. A partir dessas respostas, eu supus poder constatar de que forma os
profissionais avaliam seu trabalho, afinal de contas, verificar a utilização do edifício
pressupõe a volta do arquiteto ao local por ele projetado. Porém, contrariando minhas
expectativas, a maioria respondeu que volta ao local porque existe a necessidade de
reformá-lo, o que é comum neste tipo de empreendimento (Tabela 7).
Tabela 7 Motivos para ter retornado ao edifício Motivos FreqüênciaReforma 5 Precisou dos serviços de saúde 1 Trabalha no local 1 Não retornou ao local 1
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Apesar de ser um retorno ao edifício, isso não ocorre em função do desejo de
verificar se o que foi projetado está dentro das expectativas iniciais; se vale a pena ser
reproduzido; em que circunstâncias isso pode ser feito e se está agradando aos usuários.
Vejamos alguns depoimentos:
Eu já voltei, mas não com esse objetivo. Voltei como usuária. (...) O projeto era nosso e aí eu me coloquei do outro lado, né? A intenção não era analisar, mas como usuário a gente termina fazendo isso.(Arquiteto A) Eu voltei (...) porque a gente fez outros serviços, ampliações, reformas. Agora a gente acabou de fazer uma ampliação. (...) por causa disso a gente começa a conversar. (Arquiteto E)
Segundo Carpman et al. (1986), Ornstein et al. (1995) e Barreto (2002), as
avaliações pós-ocupação enriquecem o repertório do profissional de Arquitetura porque
possibilitam a visualização em uso do que foi planejado e é uma forma de aprender mais
a respeito da opinião de pacientes e visitantes. Especialmente nos hospitais, é uma das
etapas do projeto dito “humanizado” (Carpman et al., 1986).
Apenas um arquiteto insere-se numa situação distinta dos demais: como trabalha
no local, está sempre em contato com os problemas provenientes da estrutura físico-
espacial do edifício e da administração:
(...) Na hora que põe para funcionar, tem sempre ajustes. Os ajustes são sempre feitos pela equipe que trabalha aqui.(...) Algumas adaptações, quando não vêm da equipe, vêm do cliente.(Arquiteto G)
Os dois arquitetos que consideram seus projetos não completamente
humanizados, trabalham na área pública. Dizem que, devido ao tempo reduzido e ao
acúmulo de trabalho, voltar ao edifício para avaliar se as expectativas que se tinha nas
etapas de projeto estão sendo atendidas também não é possível.
(...) Nós somos poucas pessoas e aqui o trabalho é grande, a gente não tem muito tempo para fazer pesquisa. (...) Acontece mais em função de alguma reforma. (Arquiteto D) Apesar das dificuldades mencionadas, um arquiteto expressou a vontade de
iniciar práticas como esta:
88
(...) O arquiteto voltar é muito complicado, mas se a diretora X continuar dirigindo, a gente até já conversou com ela, a gente volta com 1 ano de funcionamento, porque eu acho que só dessa forma a gente vai conseguir melhorar o próximo e a gente não fez isso ainda. A gente não dispõe de tempo, mas é fundamental ter essa resposta. Como funcionária pública até seria uma obrigação nossa.(Arquiteto C)
Para esses dois arquitetos, é difícil incorporar aos hospitais da rede pública o
mesmo padrão e, às vezes, os mesmos elementos de projeto dos hospitais particulares.
Como vimos até o momento, praticamente todos os especialistas no assunto acreditam
ser o modelo de hotel a expressão da humanização do espaço físico do hospital. Nesse
caso, os únicos elementos de projeto que já se encontram presentes nos hospitais da rede
pública são as cores e alguns mobiliários, como as cadeiras das salas de espera:
A gente está tentando mudar essa filosofia daqueles bancos de concreto para colocar cadeiras móveis, para que as pessoas possam ter um pouco mais de individualidade (...) O uso de cores já é uma realidade. Hoje dificilmente você encontra um hospital branco como era antigamente. (Arquiteto D)
O tempo disponível para planejar e conversar com a equipe de médicos e
enfermeiros é um dos principais motivos alegados para a dificuldade em humanizar
esses ambientes. Nos hospitais privados, embora esta não seja uma regra, o grupo de
profissionais responsáveis pela contratação do arquiteto dispõe de tempo suficiente para
discutir todos os pormenores do seu negócio. Nos hospitais públicos, como dependem
de políticas de saúde e de recursos financeiros disponíveis, o prazo para a discussão do
projeto é considerado curto para o planejamento de tantos detalhes. Será esta a
explicação para a diferença existente entre os dois? Talvez esse fato esteja aliado a
outros, como o da compra dos serviços particulares pela rede pública e a concentração
de recursos financeiros nos caixas dos primeiros, como apontado por Conh e Elias
(2001).
Mesmo com as diferenças existentes entre os estabelecimentos públicos e os
particulares, os arquitetos acreditam que a mudança no padrão construtivo e,
consequentemente, na aparência desses hospitais, já é algo firmado e bem aceito pela
população em geral. Eles se vêem como profissionais que cumpriram seus papéis em
89
relação à humanização, restando aos profissionais que prestam seu atendimento em
saúde, fazer a sua parte:
Como arquiteto, é mais fácil, porque para você mudar o ambiente os clientes estão muito abertos a essas mudanças. Agora, eu vejo o problema maior na parte de pessoal. (Arquiteto C)
Outro arquiteto, citando um colega já consagrado nacionalmente nessa área de
projetos hospitalares, mencionou que concorda com a sugestão feita pelo colega de
substituir o termo “humanização” por “medicina com sensibilidade”. O argumento para
essa troca estaria centrado no caráter óbvio da “humanização”, já que todos os
profissionais envolvidos neste movimento, assim como as pessoas que usufruem do seu
produto, são seres humanos, aspecto já comentado neste trabalho (DeMarco, 2003;
Deslandes, 2004).
É interessante notar que, usando “medicina com sensibilidade”, os médicos se
apropriam da humanização como se o processo fosse direcionado somente ao seu papel
como profissional e como se essa já fosse uma realidade. Pode até ser em alguns casos,
mas não foi isso que os arquitetos mencionaram quando se colocaram na posição de
paciente ou acompanhante.
Ao lado dessas considerações, o fato de um arquiteto não saber se seu projeto é,
ou não, humanizado parece ilustrar muito bem a abrangência do termo. Isso porque,
segundo ele, apesar do projeto estar dentro das normas e ter todos os elementos
considerados por ele como expressão da humanização, a instituição faz distinção entre
pacientes do SUS e particulares. Sendo assim, o espaço físico do estabelecimento
também colabora para essa segregação porque foi executado dentro desse padrão.
Vejamos seu depoimento:
Os próprios planos de saúde reclamam porque seus pacientes ficam na mesma espera. Fica a discriminação, que na verdade não devia existir. E aí tem até uma pessoa que eu conheço que reclamou: “Ah! Porque não tem espaço individual
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para a gente fazer, é muito chato”. Tem o lado cultural também, que as pessoas se acham superiores a outras e aí, pessoas também que são de baixa renda, têm pouca cultura e às vezes tumultuam um pouco o ambiente. É muito difícil você avaliar isso. (...) não sei nem se não está humanizado por causa disso, mas a tradição é separar e de qualquer forma existe isso.(Arquiteto E)
A partir desse relato, podemos perceber que a humanização envolve mais do que
um projeto bem feito, dentro das normas, com especificação de materiais de acabamento
de qualidade inquestionável ou de uma aparência de hotel ou shopping. Diante disto,
parece que apenas um arquiteto conseguiu expressar a dimensão do processo:
O principal é mais que uma legislação, mais do que exigências, normas; passa por uma questão ética. Após a ética entra o objetivo do hospital. O que você vai faturar é conseqüência disso e também ter uma população atenta para exigir a melhoria e a qualidade, porque se a população não ficar atenta, o Governo só não vai resolver o problema.(Arquiteto F)
Isto posto, vemos que, se por um lado, a maior parte dos arquitetos concentram
seus relatos nas mudanças da aparência dos novos hospitais, por outro, percebem que o
atendimento é condição primordial da humanização. Vemos também que os aspectos
administrativos, políticos, econômicos e até de conscientização da população definem a
humanização. Além disso, com os dois últimos depoimentos, vemos que alguns
arquitetos enxergaram seus projetos com uma visão mais crítica e perceberam que o
processo inclui aspectos que estão fora do limite do seu trabalho, embora relacionados a
ele.
8. Considerações finais
Este estudo teve como objetivo examinar a percepção dos especialistas em
projetos de estabelecimentos assistenciais de saúde acerca do processo de humanização
hospitalar. Para tanto, além das entrevistas com os arquitetos, a construção deste estudo
contou com outras evidências empíricas, como conversas com profissionais de saúde e a
91
participação em encontros e seminários sobre o assunto. A partir da reunião dessas
informações, foi possível refletir sobre as circunstâncias que deram origem a todo esse
processo e de que forma está sendo trabalhado atualmente no Brasil.
Humanizar não significa somente “tornar humano”, apesar de merecer tal
definição em algumas situações. O ato de humanizar no contexto médico e hospitalar
envolve uma série de aspectos que perpassam pelas discussões a respeito das práticas de
saúde e das atitudes dos profissionais frente aos processos saúde-doença e às relações
estabelecidas com seus pacientes. Essa é a idéia mais explícita quando relacionamos os
trabalhos realizados em saúde e os propósitos do PNHAH. O fim último da
humanização é o atendimento prestado ao paciente e não há referência à arquitetura do
ambiente como requisito para uma assistência de qualidade. Conforme explicitado
anteriormente, parece não haver ainda, nas ciências médicas, a crença nos benefícios
sócio-espaciais para o restabelecimento dos pacientes.
Os arquitetos entrevistados, por sua vez, destacaram o atendimento e também a
estrutura física do edifício, como os elementos definidores da humanização hospitalar,
ou seja, como os principais elementos que colaboram no restabelecimento do paciente.
Apesar destes serem os aspectos mais visíveis, a humanização envolve questões
políticas, econômicas e administrativas, agregadas aos interesses de provedores de
assistência à saúde, empresários e governantes.
Os entrevistados se reconhecem como participantes do processo de
humanização, acreditando que seus trabalhos traduzem parte desse movimento. A outra
parte estaria nas mãos dos profissionais de saúde, que ainda não conseguiram humanizar
o atendimento prestado à população. Vimos que, quando os arquitetos se colocam no
papel de pacientes ou acompanhantes e relatam alguma vivência pessoal em hospitais, a
falta de “acolhimento” e “calor humano” no atendimento, são suas maiores queixas.
92
A esse respeito, gostaria de enfatizar um comentário feito por uma enfermeira,
no IV Encontro por uma Medicina mais humana, no dia 31/05/2003. Lembro-me muito
bem quando ela expressou sua decepção ao ver que todo esse movimento nada mais era
do que a busca de algo que é uma obrigação dos profissionais da saúde. Segundo seu
comentário, as atitudes humanas no cuidado ao paciente é um dever dos que trabalham
nessa área. De fato, como vimos neste trabalho, o termo parece óbvio, mas seu uso vem
de um movimento de resposta ao afastamento entre o profissional e seu paciente; de
resposta ao modelo biomédico concentrado exclusivamente em órgãos doentes e de
resposta à ausência de uma assistência que considere as fragilidades de cada pessoa.
Óbvio, mas necessário.
Outro fator interessante foi a constatação, pelos entrevistados, de duas
tendências de humanização: uma nos estabelecimentos públicos e outra nos particulares,
o que reforça as contradições do sistema de saúde. É importante mencionar que a
procura e a identificação de estabelecimentos que sejam exceção a essa regra,
demandaria a realização de um outro trabalho. Contudo, poderíamos pensar que num
país no qual não há um sistema único e igualitário, também não pode haver uma
humanização que se apresente em todos os aspectos.
Essa observação me faz lembrar de algumas visitas que realizei a
estabelecimentos públicos de Natal, a fim de delimitar o objeto de estudo deste trabalho
e ver de perto o que eu só ouvia falar sobre o PNHAH. O acesso a esses hospitais é
praticamente livre e a quantidade de pacientes e funcionários circulando pelos
corredores é um aspecto marcante. O ritmo das pessoas parece mais acelerado do que
nos estabelecimentos particulares, talvez pela falta de espaço disponível para tanta
gente. De qualquer modo, caso o visitante não se incomode, vários procedimentos
médicos, incluindo os de caráter não emergencial, podem ser realizados na sua presença
93
e na de quem estiver no local. Nesse caso, o que não compreendi foi como um
atendimento dito “humanizado” pode ter sido feito sem que a equipe médica e de
enfermagem me pedisse para sair ou perguntasse ao paciente se ele se incomodava com
a presença de tantas pessoas ao seu redor. Até que ponto o atendimento é de fato
“humano”? Ou o fato de prestar assistência, sob qualquer circunstância, significa
“humanização”?
Aqui, cabe uma ressalva. A princípio, poderíamos dizer que o hospital, assim
como qualquer outro estabelecimento dessa categoria, não é condição para a promoção
da saúde. Dessa forma, a humanização que trago à tona também não deveria ser da
“assistência hospitalar”, mas da “saúde”, termo de maior abrangência e não limitado a
determinados locais, mas às atitudes dos profissionais. Porém, como o PNHAH surgiu
em circunstâncias nas quais o atendimento ou a assistência oferecida nesses
estabelecimentos necessitava de mudanças, é nesse aspecto que concentraram-se
inicialmente suas ações e nada impede que continue funcionando com essa
denominação.
Entretanto, nós, arquitetos, necessariamente precisamos da existência desse local
para realizarmos nosso trabalho. Vimos no decorrer deste estudo que o edifício de
atenção à saúde passou – e ainda passa - por diversas mudanças ao longo do tempo e
teve seu funcionamento repensado em função dos avanços científicos da área e das
discussões acerca das práticas de saúde ali implementadas. O uso do termo
“humanização” em Arquitetura, surge como resposta a um momento em que as pessoas
tinham sido escondidas pela tecnologia, pelo excesso de funcionalidade dos edifícios e
pelos modelos universais, como se todos tivessem mais ou menos o mesmo padrão. De
construções baseadas exclusivamente na eficiência das atividades a serem
desempenhadas, o edifício hospitalar passa, mas ainda em pequena escala no nosso país,
94
para um tempo em que o projeto contempla a opinião de todos os usuários do edifício,
inclusive do paciente. Enquanto fora do Brasil a palavra healing define espaço e
assistência diferenciada, aqui a palavra “humanização” expressa um movimento que
ainda tem muito a crescer e a ser discutido.
Num primeiro estágio de reflexão sobre as entrevistas, a partir das quatro
grandes categorias ou blocos apresentados e discutidos anteriormente, foi possível
estabelecer relações entre a percepção dos arquitetos acerca do processo de
humanização e as informações provenientes da literatura da área. Também foi possível
enumerar elementos que devem ser contemplados na construção dos edifícios de
atenção à saúde para auxiliar no processo de recuperação dos pacientes e proporcionar
bem-estar a todos os usuários do ambiente. Mas não é só isso. Quando, por exemplo, os
arquitetos e a própria literatura destacam a visão da cidade, do dia ou da noite pela
janela do hospital como o mais adequado, não há justificativas.
Num estágio posterior de amadurecimento sobre as informações da literatura e
das respostas dos entrevistados, percebi que os elementos de ligação entre os blocos que
foram contemplados na análise das entrevistas e a humanização do ambiente, eram as
“sensações” provenientes de um conjunto de aspectos, tais como ambiente “agradável”
e “acolhedor”. Sendo assim, a humanização não se justifica apenas pela existência de
uma “receita de como deve ser decorado o hospital”, mas de outros componentes
encontrados na relação pessoa-ambiente. Tal constatação não veio diretamente da
resposta do arquiteto como especialista, mas indiretamente das respostas do arquiteto
como pessoa, como paciente ou acompanhante e das reticências do seu discurso.
Portanto, não é só a composição de um ambiente, nem seus elementos construtivos que
determinam sua humanização, mas as respostas dos usuários a todo esse conjunto, cenas
dos capítulos de um futuro trabalho (ver Figura 2).
95
Respostas ligadas à
humanização do ambiente físico:
Bem-estar Agradável
Aconchegante
Hospitais Públicos e Privados
Passado e Presente
Ar Figura 2: Relação entre humanização
Projeto quitetônico
Humanização Hospitalar
e resposta do usuário do ambiente
96
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APÊNDICE A
Roteiro de entrevistas 1. Da sua experiência nos hospitais por onde você já esteve (como paciente ou como
acompanhante), quais os pontos positivos dessa experiência? E os negativos? 2. O que você entende por humanização hospitalar? 3. Através de que elementos ela pode ser alcançada? 4. Você poderia mencionar algum hospital humanizado? (Necessariamente não precisa
ser em Natal). 5. Por que você acha esse hospital humanizado? 6. Você considera algum de seus projetos hospitalares “humanizado” ? 7. Quais as características desse projeto? 8. Em relação ao item anterior, já que seu cliente não é o usuário do ambiente, em que
você se baseou ou com quem você conversou antes ou durante o processo projetual? 9. E depois que o edifício ficou pronto, você chegou a verificar se estava atendendo às
suas expectativas? (Se sim, como fez isso e se não, por que)
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APÊNDICE B
Hospitais de Natal/RN Hospitais públicos Hospitais particulares Hospitais Forças Armadas
Hospital Colônia João Machado Casa de Saúde Natal Hospital da Guarnição
Hospital da Polícia Militar Casa de Saúde São Lucas Hospital Naval
Hospital Giselda Trigueiro Hospital Antônio Prudente Hospital da Aeronáutica
Hospital Infantil Varela Santiago Hospital do Coração
Hospital Luís Antônio Hospital Itorn
Hospital Luís Soares Hospital Médico Cirúrgico
Hospital Maria Alice Fernandes Hospital Memorial
Hospital Onofre Lopes Hospital Papi
Hospital Santa Catarina Hospital Promater
Hospital Walfredo Gurgel Hospital Femina
Maternidade Januário Cicco Natal Hospital Center
TOTAL= 11 TOTAL= 11 TOTAL= 03
Fonte: Secretaria de Saúde Pública do Rio Grande do Norte e Catálogo telefônico de 2004