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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR, AMBIENTE FÍSICO E RELAÇÕES ASSISTENCIAIS: A PERCEPÇÃO DE ARQUITETOS ESPECIALISTAS Luciana de Medeiros Natal 2004

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR, AMBIENTE FÍSICO E RELAÇÕES

ASSISTENCIAIS: A PERCEPÇÃO DE ARQUITETOS ESPECIALISTAS

Luciana de Medeiros

Natal 2004

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Luciana de Medeiros

HUMANIZAÇÃO HOSPITALAR, AMBIENTE FÍSICO E RELAÇÕES

ASSISTENCIAIS: A PERCEPÇÃO DE ARQUITETOS ESPECIALISTAS

Dissertação elaborada sob a orientação do Prof.Dr. José de Queiroz Pinheiro e apresentada aoPrograma de Pós-Graduação em Psicologia daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte,como requisito parcial à obtenção do título deMestre em Psicologia.

Natal 2004

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A dissertação “Humanização hospitalar, ambiente físico e relações assistenciais: a

percepção dos arquitetos especialistas”, elaborada por Luciana de Medeiros, foi

considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo

Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título

de MESTRE EM PSICOLOGIA.

Natal, RN, 25 de outubro de 2004

BANCA EXAMINADORA

Profº Dr. José de Queioz Pinheiro ______________________________

Profª Dr.ª Sônia Marques da Cunha Barreto _______________________________

Profº Dr. Jorge Castellá Sarriera _______________________________

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A vida seria muito mais fácil se a cada melhoria no

ambiente físico ou social correspondesse um aumento

claro e mensurável na produtividade e saúde humanas.

Robert Sommer

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus, pela saúde e pela vida. À minha família, pelo amor que nos une e nos fortalece. Ao professor Dr. José de Queiroz Pinheiro, pela confiança depositada no meu

trabalho e pelo incentivo nos momentos difíceis. À professora Dr.ª Gleice Azambuja Elali, que me acompanha desde a graduação,

pelas valiosas contribuições ao longo da minha vida acadêmica. À arquiteta e amiga Maria Alice Lopes, por ter me apresentado à Arquitetura

Hospitalar e por ter acreditado na minha capacidade profissional desde então. À professora Dr.ª Martha Traverso, à professora Dr.ª Clara Santos e demais

professores do Programa de Pós-graduação em Psicologia, pelas sugestões apresentadas nos seminários de dissertação.

Aos meus colegas arquitetos, que prontamente me concederam seus

depoimentos. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES,

pela concessão da bolsa de estudos.

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Sumário

Lista de figuras............................................................................................................ viiLista de tabelas............................................................................................................ viiiResumo........................................................................................................................ ixAbstract.......................................................................................................................

x

1. Introdução................................................................................................................

11

2. Hospital: história, políticas de saúde e normatização.............................................. 16 2.1. O hospital na história....................................................................................... 16 2.2. Brasil: Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecimentos públicos e privados..................................................................................................................

23

3. Humanização e assistência hospitalar..................................................................... 28 3.1. O paciente hospitalizado................................................................................. 28 3.2. Saúde e doença................................................................................................ 30 3.3. A relação profissional-paciente....................................................................... 34 3.4. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar.....................

37

4. Humanização e Arquitetura hospitalar.................................................................... 40 4.1. Antecedentes................................................................................................... 40 4.2. O projeto arquitetônico e a humanização........................................................ 44 4.3. Hotelaria hospitalar: uma nova tendência.......................................................

49

5. Interação pessoa-ambiente no contexto hospitalar................................................ 52 5.1. Sobre Psicologia Ambiental........................................................................... 52 5.2. O ambiente hospitalar como campo de estudo............................................... 54 5.3. Panorama atual: introduzindo variáveis da pessoa e do ambiente..................

57

6. A consulta ao arquiteto especialista........................................................................ 66 6.1. Participantes.................................................................................................... 66 6.2. Instrumento...................................................................................................... 67 6.3. Procedimentos................................................................................................. 67 6.4. Análise dos dados............................................................................................

68

7. O que define a humanização hospitalar: a percepção do arquiteto especialista...... 69 7.1. Humanização hospitalar.................................................................................. 70 7.2. Hospitais do passado e do presente................................................................. 74 7.3. Hospitais públicos e privados.......................................................................... 78 7.4. Projeto arquitetônico de estabelecimentos assistenciais de saúde...................

81

8. Considerações finais................................................................................................

91

9. Referências ............................................................................................................. 96Apêndices

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Lista de figuras Figura

Página

1. Apresentação dos blocos ou eixos temáticos e suas interrelações...................

69

2. Relação entre humanização e resposta do usuário do ambiente....................... 95

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Lista de tabelas Tabela

Página

1. Componentes da humanização hospitalar mencionados..................................

70

2. Ações apontadas para humanizar os serviços..................................................

73

3. Sensações associadas ao hospital do passado e do presente............................

77

4. Tipos de estabelecimentos e freqüência de citação..........................................

78

5. Elementos do projeto arquitetônico mencionados...........................................

81

6. Base para o projeto arquitetônico.....................................................................

83

7. Motivos para ter retornado ao edifício............................................................. 86

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Resumo

A criação do Programa de Humanização da Assistência Hospitalar e o número crescente

de artigos e teses que discutem práticas mais humanas no atendimento em saúde

expressam a ênfase dada ao tema no Brasil. Nessas discussões, entretanto, não costuma

haver referência à arquitetura como fator relevante para a humanização hospitalar,

embora já se saiba que a estrutura física do edifício pode auxiliar no restabelecimento

dos pacientes; elementos como jardins, uso de cores e espaços abertos podem amenizar

o impacto causado pela rotina hospitalar sobre os pacientes. Considerando a

contribuição que o projeto arquitetônico pode trazer para a humanização de hospitais, o

objetivo deste estudo foi verificar a percepção dos arquitetos acerca do processo de

humanização hospitalar. Além de ter buscado subsídios em entrevistas informais com

profissionais de saúde, em visitas a hospitais e seminários sobre o assunto, a pesquisa

foi baseada em entrevistas semi-estruturadas com os arquitetos de Natal, Rio Grande do

Norte, especialistas neste tipo de projeto. A análise do conteúdo das entrevistas revelou

que espaço físico e atendimento são essenciais ao processo de humanização. Para

aqueles profissionais, há duas tendências de humanização: enquanto hospitais privados

têm a aparência física de sua estrutura considerada como humanizada, hospitais

públicos enfatizam a humanização do atendimento, num contraste que reforça as

contradições do sistema de saúde do país. Os entrevistados consideram a avaliação do

edifício depois de entregue ao uso um exercício de aprendizagem que contribui para

novos projetos, mas, surpreendentemente, não contemplam a opinião dos pacientes.

Confirmam-se duas inquietações decorrentes dos levantamentos preliminares: raros são

os trabalhos que focalizam as relações pessoa-ambiente, e a definição de ambiente

hospitalar humanizado ainda é abrangente e imprecisa. Isso sugere a necessidade de

novas pesquisas para compreender melhor como os dois fatores apontados neste estudo

– atendimento e espaço físico – interagem para uma verdadeira humanização hospitalar.

Palavras-chave: humanização hospitalar, atendimento em saúde, arquitetura hospitalar,

relação pessoa-ambiente, arquiteto.

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Abstract

The creation of the Humanization Program of Hospital Care and the increasing number

of academic works and journal articles that discuss more humane practices in the health

care services express the emphasis given to the theme in Brazil. In these discussions,

however, it is not usual to find reference to architecture as a relevant factor in the

humanization of hospitals, even though it is known that the physical structure of the

building may help the recovering of the patients; elements such as gardens, the use of

colors and open spaces may soften the impact caused by the hospital routine on patients.

Considering the contribution the architectural project may bring to the humanization of

hospitals, the aim of this study was to verify how the architects perceive the hospital

humanization process. Besides having searched for subsides in informal interviews with

health professionals, in visits to hospitals and in related seminars, the study was based

on semi-structured interviews with architects of Natal, Rio Grande do Norte, who are

specialists in this kind of projects. The content analysis of the interviews showed that

physical space and attendance are essential to the humanization process. Those

professionals see two humanization tendencies: while private hospitals have the

structural physical appearance considered as humanized, public hospitals emphasize the

humanization in attendance, fact that illustrates the contradictions in Brazilian health

system. The interviewees consider the post-occupancy evaluation of the building as a

learning exercise that contributes to new projects, but surprisingly they do not mention

the patients’ opinion as part of it. Two annoying facts have emerged from the

interviews, as also seen in preliminary stages of the study: rare are the works that focus

on the person-environment relationship, and the definition of humanized hospital

environments is still broad and inaccurate. This suggests the need of new studies in

order to better understand how the two factors shown in this study – attendance and

physical space – interact towards a true hospital humanization.

Key words: Hospital humanization; health care; hospital design; person-environment

relationship; architect.

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1. Introdução

“Por uma Medicina mais humana”. Essa era a mensagem escrita numa faixa,

daquelas fixadas nos postes das vias públicas, que indicava a realização de um encontro

entre profissionais de saúde nas instalações da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, a realizar-se exatamente naquele dia, 22 de fevereiro do ano de 2002. Resolvi me

dirigir até o local do evento e entrar, afinal de contas, também estava escrito na faixa

que o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar - PNHAH1 - seria

discutido na ocasião. A proposta do Programa para aquele ano era humanizar

quinhentos hospitais da rede pública do país, sendo sete aqui no Estado. Como eu não

era da área da saúde, nem tinha feito inscrição, tive que conversar com os funcionários

da recepção para conseguir participar do encontro como ouvinte. Ao responder as

perguntas que me fizeram, do tipo formação profissional e curso de pós-graduação, não

pensei que o fato de ser arquiteta, aluna da pós-graduação em Psicologia e interessada

em humanização hospitalar, fosse deixar aquelas pessoas tão confusas. No entanto, após

todos os esclarecimentos, tive permissão para entrar, não só nesse, mas em outros

eventos semelhantes que aconteceram posteriormente.

Assim como as pessoas do exemplo acima, o leitor também deve estar esperando

uma explicação. Com a experiência de trabalho num escritório de Arquitetura

Hospitalar, comecei a perceber a complexidade existente neste tipo de projeto. Já

interessada nas relações pessoa-ambiente, pois esta havia sido uma das disciplinas

cursadas na graduação em Arquitetura, me perguntava que implicações um local

planejado para tantas atividades diferentes poderia trazer para as pessoas que o

1 A partir desse trecho, sempre que o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar for mencionado, será utilizada a abreviação PNHAH.

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utilizavam. O grande dilema do profissional que projeta esse tipo de edifício, ainda que

eu tenha participado apenas de algumas etapas do processo projetual, é conciliar uma

gama enorme de pré-requisitos, normas, recursos financeiros destinados à obra, gosto do

cliente, detalhes específicos e ainda idealizar espaços ditos “humanizados”. Mas o que é

um ambiente hospitalar humanizado?

Segundo Malkin (1992), alguns fatores têm a função de propiciar o

restabelecimento das pessoas hospitalizadas, entre os quais podem ser citados a

possibilidade de comunicação com a equipe médica e de enfermagem, o controle de

ruídos e a criação de espaços que permitam, por exemplo, a visualização da natureza.

Logo, uma assistência voltada para os cuidados com o paciente, deve incluir aspectos

relativos ao atendimento prestado e à estrutura físico-espacial do edifício.

Diversos trabalhos em Arquitetura e Psicologia Ambiental, publicados

principalmente em periódicos internacionais, têm focalizado o papel do ambiente físico

no processo de recuperação dos pacientes (Whitehouse, Varni, Seid, Cooper-Marcus,

Ensberg, Jacobs, & Mehlenbeck, 2001; Devlin & Arneill, 2003). Porém, na ênfase dada

a tais relações, a literatura internacional não apresenta necessariamente o termo

“humanização”, mas “ambientes com potencial terapêutico” ou “elementos de design

que promovem saúde”. Trata-se dos elementos presentes na própria organização

espacial2 e ambientação3 do edifício que beneficiam o paciente durante a internação ou

algum tipo de procedimento realizado.

Entretanto, no Brasil, muito se fala mas pouco se tem certeza a respeito da

humanização hospitalar e o emprego do termo pode ser observado tanto para

2 Organização espacial pode ser entendida como o conjunto de características físico-funcionais dos ambientes necessárias ao desenvolvimento das atividades previstas na edificação. 3 Ambientação: projeto que indica os materiais de acabamento, cores e disposição e desenho detalhado do mobiliário a ser utilizado na composição de um ambiente.

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caracterizar a estrutura física de um local como para caracterizar o serviço prestado à

população. Referir-se a um ambiente como humanizado é uma prática constante no

ramo da assistência médico-hospitalar, principalmente porque existe uma idéia de que,

para atrair cliente, essa é uma marca garantida de um padrão superior de qualidade. Há

quem diga ainda, que um ambiente humanizado é aquele no qual existem pessoas

realizando trabalho voluntário.

No tocante ao atendimento em saúde e aos trabalhos publicados recentemente no

país, diversos autores têm se dedicado à humanização, seja afirmando sua prática

(DeMarco, 2003), reforçando sua necessidade (Traverso-Yépez & Morais, 2004) ou

questionando sua definição (Deslandes, 2004). Além disso, a criação do PNHAH, cuja

meta é a valorização da pessoa nas práticas da saúde pública e a utilização de um

manual com diretrizes para implantação e fortalecimento das ações de humanização,

ilustram muito bem a notoriedade do tema.

Por outro lado, em Arquitetura, parece não haver interesse nesta discussão, dado

o número reduzido de trabalhos que só agora começam a ser publicados (Fontes, Alves,

Santos, & Cosenza, 2004). De acordo com a literatura pesquisada até o momento, o

assunto é explorado superficialmente, sem apresentar uma definição clara do que seja

um ambiente hospitalar humanizado, nem estabelecer uma relação entre a humanização

e os estudos pessoa-ambiente (Corbioli, 2002; Rogar, 2002). Além disso, existe uma

tendência em comparar a estrutura de determinados hospitais à de hotéis, atribuindo-

lhes a qualidade de “humanizado” devido a variedade das opções de serviço e conforto

oferecido ao paciente (Godoi, 2004).

Portanto, o objetivo desta pesquisa é verificar a percepção dos arquitetos de

Natal, Rio Grande do Norte, especialistas em projetos de estabelecimentos assistenciais

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de saúde, acerca do processo de humanização hospitalar. A partir dessa exploração,

outras questões serão respondidas:

a) Como o profissional de Arquitetura se insere no processo mais amplo de

humanização hospitalar?

b) Em que circunstâncias surgiram as idéias que originaram a humanização hospitalar?

c) De que maneira o processo tem se desenvolvido no Brasil?

As respostas a essas indagações trazem à tona as contribuições da Arquitetura e

dos estudos pessoa-ambiente para o processo de humanização e focalizam as

transformações do edifício de atenção à saúde em decorrência das políticas de saúde e

da crescente valorização dos cuidados com o paciente.

Sendo assim, esta pesquisa tem como base as entrevistas com os arquitetos

especialistas, mas também outras evidências empíricas, como informações colhidas com

profissionais de saúde, visitas a hospitais, congressos e seminários sobre o assunto, além

da revisão da literatura da área, incluindo Arquitetura, Psicologia, Medicina e Saúde

Pública. Portanto, as páginas que seguem serão um diálogo entre a literatura, a minha

visão enquanto arquiteta e os especialistas em projetos físicos de estabelecimentos

assistenciais de saúde.

As partes que compõem este documento têm início com um capítulo sobre o

surgimento do hospital como instrumento terapêutico e a conseqüente inclusão do

paciente como alvo principal dos serviços de saúde.

Em seguida, no terceiro capítulo, a humanização aparece associada aos aspectos

presentes na hospitalização, aos processos saúde e doença, à relação profissional-

paciente e ao PNHAH.

No quarto capítulo, são expostos alguns dos trabalhos em Arquitetura que

abordam a humanização dos ambientes hospitalares, os elementos que auxiliam no

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processo de recuperação dos pacientes e o surgimento da hotelaria hospitalar como uma

nova tendência administrativa do setor.

O quinto capítulo destina-se aos estudos pessoa-ambiente no contexto hospitalar

e às pesquisas realizadas na área, apresentando as possíveis contribuições deste campo

para a humanização.

No sexto capítulo, são explicitados o percurso metodológico para a realização

das entrevistas com os arquitetos e os procedimentos de coleta e análise dos dados.

No sétimo capítulo, está a percepção dos arquitetos acerca do processo de

humanização e a articulação entre esses resultados e o que foi apresentado na revisão da

literatura.

O capítulo oito expõe minhas reflexões sobre humanização, assistência,

Arquitetura e estudos pessoa-ambiente no contexto hospitalar, incluindo alguns

questionamentos sobre este trabalho e futuras possibilidades que surgem à luz da sua

realização.

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2. Hospital: história, políticas de saúde e normatização

Neste capítulo abordarei de que forma a instituição hospitalar se torna um

instrumento terapêutico e a partir de que momento o paciente passa a ser prioridade

nesses serviços. Como conseqüência, veremos a importância das tecnologias médicas e

das políticas de saúde no processo de projeto e planejamento do hospital e no início das

discussões que culminaram na adoção de sistemas descentralizados, que atendessem

melhor a população. Sobre o Brasil, veremos semelhanças e diferenças entre

estabelecimentos públicos e privados, e a sua relação com os critérios do Sistema Único

de Saúde (SUS). Não se trata de uma recapitulação histórica prolongada, mas da seleção

de fatos considerados relevantes para o entendimento deste trabalho.

2.1. O hospital na história

Os hospitais existem desde a antigüidade, antes mesmo de serem considerados

instituições ou possuírem as características atuais. Na Grécia Clássica e no Egito,

funcionavam em templos religiosos e eram chamados de templos-hospitais, com o papel

de abrigar e cuidar dos enfermos, necessitados e indigentes, servindo também como

uma espécie de hospedaria, daí o termo “hospital”. Dada a sua ligação com a religião,

traço mantido até hoje em diversos estabelecimentos, eram como uma espécie de casa

de caridade, não para curar, mas para cuidar das pessoas abandonadas, pobres e

excluídas da sociedade (Kellman, 1995; Rodriguez-Marín, 1995). Nesse sentido, muitos

hospitais, também chamados de “Santa Casa”, ainda que não sigam inteiramente o

propósito de servir para a caridade, guardam algumas das características desse período,

como por exemplo, serem administrados por religiosos.

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Até o século XVIII, especialmente no continente europeu, tais edifícios eram

considerados um lugar para morrer, já que o seu principal personagem não era o doente

que precisava ser curado, mas o pobre que estava morrendo. Durante a Idade Média,

religiosos e leigos detinham o poder e cuidavam das pessoas, buscando sua salvação

eterna através das obras de caridade. O médico, subordinado ao pessoal religioso, só era

chamado em último caso, apenas como uma garantia e não como uma prática regular.

As consultas médicas eram privilégio dos que podiam pagar e a qualidade do médico

assegurada pelas receitas transmitidas e não pelas experiências hospitalares (Foucault,

1979).

Esse perfil só começou a mudar com os hospitais militares, local de grande

concentração de pessoas vindas de diferentes regiões e por isso mesmo, foco de doenças

e desordem econômica. Com o mercantilismo, o rápido adensamento urbano e intenso

movimento portuário geraram a adoção de medidas sanitárias abrangentes por parte do

Estado. O hospital passou a ser responsabilidade da administração pública, começando

então um período de disciplina, controle, vigilância e de inserção do médico nesse

contexto. Parte dessa trajetória política e social teve continuidade nos países colônias e a

intervenção do Estado no hospital colonial era bastante insuficiente. No continente

americano, a iniciativa de construí-lo e mantê-lo era da própria comunidade, o que não

assegurava a qualidade desses estabelecimentos, já que a proliferação de doenças

desconhecidas, a falta de médicos, as más condições de higiene e o excesso de doentes

agravava a situação (Ribeiro, 1993).

Ainda não havia, até o século XVIII, a intenção de buscar uma ação positiva do

hospital sobre o doente (Foucault, 1979). Começava-se a acreditar que a doença era

proveniente das ações do meio sobre o indivíduo e que os ambientes “não naturais”

favoreciam a sua disseminação. Alguns países europeus criaram políticas de intervenção

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que variavam desde os cálculos de natalidade, mortalidade e registro de epidemias até a

vacinação coletiva e a normalização da prática e do saber médicos. Tais iniciativas se

deram em conjunto com avaliações dos lugares de acúmulo e amontoamento de tudo

que pudesse provocar doenças, gerando o desenvolvimento de medidas em relação à

circulação do ar entre as casas e à qualidade da água, bem como à disposição e

organização dos equipamentos urbanos pela cidade, como os hospitais, por exemplo. A

medicina tornava-se social, urbana e coletiva, porque passava a ser, além dos homens e

dos organismos, a medicina do ar, da água, das condições de vida e do meio.

O início do século XIX foi marcado pelo surgimento de outro paradigma

médico: a teoria anátomo-clínica (De Marco, 2003). Os médicos passaram a concentrar-

se no paciente individual, especialmente nos tecidos do corpo, na tentativa de adquirir

conhecimentos sobre patologia. Para que essa experiência clínica fosse possível como

forma de conhecimento e ação, o campo hospitalar necessitava de toda uma

reorganização administrativa e do seu espaço físico.

De acordo com Foucault (1979), o trabalho de organização desses espaços tem

seu início quando estudiosos – não arquitetos - realizaram viagens pela Europa a fim de

observar e registrar sua funcionalidade. Como havia a necessidade de reformar e

reconstruir antigos hospitais, acreditava-se que somente as teorias médicas ou somente

os planos arquitetônicos eram insuficientes para definir um programa que significasse

eficiência. Pouco se conhecia a respeito de como o hospital era capaz de agravar,

multiplicar ou atenuar as doenças.

Essas observações incluíram número de doentes, número de leitos, dimensões

das salas, taxa de mortalidade e de cura, os percursos das pessoas e os deslocamentos

das roupas limpas e sujas dentro do hospital, além da relação entre os fenômenos

patológicos e espaciais. O setor destinado à internação dos pacientes foi dividido de

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acordo com os tipos de doenças e em cada um desses ambientes, leitos e mobiliário

foram dispostos de forma a acomodar pessoas e atividades. Desse momento em diante, a

arquitetura do hospital passou a ser discutida como fator e instrumento de cura e o

médico o principal responsável pela organização hospitalar. Um sistema de registro

permanente começou a ser utilizado, com dados de identificação do doente, seu

diagnóstico e tratamento, além das anotações feitas pelas enfermeiras. O indivíduo

passou a ser importante, objeto do saber e da prática médica, porque era observado,

seguido, conhecido e curado. A partir da disciplinarização do espaço hospitalar e da

nova face da intervenção médica, o hospital aparece como instrumento terapêutico e de

intervenção sobre a doença e o doente (Focault, 1979).

A organização da estrutura física dos hospitais como um importante meio na

recuperação dos pacientes também é pensada por uma enfermeira, Florence Nightingale

(Malkin, 1992; Verderber & Fine, 2000). Em meados do século XIX, alguns hospitais

europeus tiveram seus espaços modificados em função desse trabalho, centrado

principalmente, no setor de internação. Nightingale buscava formas de beneficiar os

pacientes e combinava noções de saúde e cuidados de enfermagem com elementos do

ambiente físico, ventilação e iluminação naturais, controle de ruído e medidas sanitárias.

Para que isso fosse possível, as enfermarias deveriam estar agrupadas em pavilhões,

como pequenas partes separadas, mas fazendo parte do mesmo conjunto hospitalar.

Dessa forma, cada pavilhão ou enfermaria, seria favorecida com ventilação e

iluminação naturais.

Acima de tudo, Nightingale se preocupava com a supervisão dos seus pacientes,

criando um novo arranjo dos leitos e posto de enfermagem dentro da internação. Suas

teorias implicaram no planejamento dos hospitais dos próximos cem anos e, segundo

Malkin (1992), continuam ajudando nesse processo. Verderber e Fine (2000)

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consideram o trabalho de Nightingale um marco na história da arquitetura dos hospitais,

chegando a defini-lo como um período ou fase do design dos edifícios de cuidado em

saúde.

O hospital do século XIX assumiu uma nova missão: a de incorporar

tecnologias, a princípio artesanais, e mais tarde, industrialmente produzidas (Ribeiro,

1993). A cirurgia, por exemplo, até então praticada nas residências dos pacientes, passa

a ser realizada dentro do hospital. As altas taxas de mortalidade provocadas pela

infecção hospitalar, aumentavam a crença dos cirurgiões de que o mal estava além dos

agentes microbianos e das bactérias. Tal fato culminou na adoção de vários métodos de

anti-sepsia, sendo um deles, a lavagem das mãos, empregado até os dias atuais. O

hospital só começou a ser utilizado pelas pessoas mais abastadas após a queda da

mortalidade ocasionada pelas infecções e à instalação de quartos diferenciados.

De acordo com Freire (2002), hoje já se sabe que o agente infeccioso de grande

parte dos casos de infecção hospitalar é a flora natural do indivíduo infectado e não o

ambiente externo, como se acreditava. A preocupação com a assepsia do paciente e do

profissional que interage com ele é ainda maior porque se sabe que as mãos e os

procedimentos invasivos são os grandes veículos de contaminação. Sabe-se também que

a água e os grãos de poeira podem ser meios de contaminação por alguns

microorganismos, exigindo os cuidados específicos no tratamento e monitoramento

desses agentes de proliferação e contágio.

O período pós-guerras é caracterizado como sendo o mais expressivo nas

transformações sofridas pelo hospital (Verderber & Fine, 2000). A expansão dos

serviços de saúde em diversas nações, principalmente nos Estados Unidos, Europa e

Canadá, teve seu início firmado a partir do aumento da demanda por leitos hospitalares

e o conseqüente investimento dos governos na construção de hospitais. Os recursos

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financeiros destinados para tal fim permitiram o crescimento dessas instituições em

número e complexidade, além de ter proporcionado o aparecimento de diferentes

empregos na área. O surgimento das especialidades médicas e o avanço tecnológico

também funcionaram como molas propulsoras dessa nova fase e possibilitaram

alterações no planejamento dos hospitais.

As mudanças sofridas pelas cidades, fruto das conseqüências trazidas pelas

guerras, se estenderam a todos os setores, fosse educacional, residencial, comercial ou

hospitalar. A Arquitetura e o Urbanismo começaram a ser pensados em função de

exigências técnicas e econômicas, devendo expressar os princípios do seu tempo:

racionalidade e funcionalidade, bases dos ideais modernistas (Verderber & Fine, 2000).

Segundo Frampton (2000), o próprio desenvolvimento industrial e o

conseqüente crescimento das cidades, iniciado ainda no século XIX, determinaram o

aparecimento das idéias que deram origem ao Modernismo. O caráter puramente

estético da Arquitetura e os estilos reproduzidos até então, começaram a ser

questionados e considerados ultrapassados. A Arquitetura Moderna deveria se basear

nos materiais do novo tempo, como concreto armado, aço e vidro, satisfazendo as

principais necessidades das pessoas.

Os padrões de construção adotados na época, baseados em formas geométricas

simples, ausência de ornamentação, racionalidade e funcionalidade, eram a expressão

perfeita para esses novos hospitais, também chamados de “máquinas de curar”. Cada

vez mais especializados e projetados para assegurar eficiência das atividades

desenvolvidas, concentravam todos os serviços numa só estrutura, dividida em três

zonas ou departamentos: a zona de diagnóstico e tratamento; a zona de apoio técnico e

logístico - cozinha, lavanderia e manutenção são exemplos de ambientes desse setor - e

zona de internação (Verderber & Fine, 2000).

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Apesar da construção desses edifícios representar um momento de grandes

inovações na área de projeto e planejamento, as críticas ao hospital-máquina tiveram

fortes repercussões no setor, como será visto nos próximos capítulos. A partir dos anos

de 1970, o crescimento dos hospitais em tamanho e complexidade agravou o período de

crise financeira por parte dos governos e possibilitou o aparecimento de grupos de

empresários dispostos a financiar parte das construções, que teriam fins lucrativos. É

neste cenário que surgem os questionamentos acerca das políticas de saúde em prática e

do próprio hospital em uso, extremamente funcional e centralizado.

Além disso, estudiosos no assunto iniciaram discussões a respeito de uma

possível descentralização dos serviços, baseada na construção de unidades médicas

menores distribuídas pelas cidades. Cada unidade, dependendo da sua complexidade,

deveria atender a uma determinada comunidade, ou seja, a uma quantidade específica de

habitantes de uma região. Por serem menores, essas unidades atenderiam também ao

aspecto economia de custos com sua infra-estrutura reduzida. Nessa ocasião, os

provedores dos serviços dividiram-se em dois grupos: os que estavam interessados na

discussão a respeito da universalidade do direito à saúde e nas questões relativas ao

processo saúde-doença; e os que viam na prestação dos serviços a possibilidade de

lucro, como uma empresa que deve oferecer algo para atrair seus clientes. No início,

essas duas correntes funcionavam como ponto de vistas separados, mas em seguida

convergiram e proporcionaram uma reorganização nas estruturas médico-hospitalares

(Verderber & Fine, 2000).

Segundo Conh e Elias (2001), as idéias que deram origem à criação de um

sistema de saúde que garantisse o direito universal à assistência, tiveram como palco de

discussão as conferências internacionais organizadas com o apoio da Organização

Nacional de Saúde e do Banco Mundial. A recomendação principal era de que os países

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subdesenvolvidos e em desenvolvimento adotassem um sistema em que a assistência

básica fosse responsabilidade do estado e que a especializada e com grande

incorporação tecnológica fosse prestada pelo setor privado.

O mega-hospital, como é chamado por Verderber e Fine (2000), só começou a

ser substituído e reestruturado no início dos anos de 1980, quando surgiu na Europa,

Estados Unidos e países em desenvolvimento, um novo sistema de saúde

descentralizado e direcionado para o cuidado com o paciente.

Assim, hospitais e demais estabelecimentos do ramo, assumem uma nova

configuração no que diz respeito ao espaço físico e à assistência prestada ao paciente,

aspectos abordados tanto na seção sobre os estudos pessoa-ambiente, como na seção

sobre humanização hospitalar. A seguir, veremos de que forma as políticas de saúde

implementadas no Brasil interferiram no distanciamento entre o setor público e privado

e em que circunstâncias surgiram as normas para projetos arquitetônicos desses

estabelecimentos.

2.2. Brasil: Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecimentos públicos e privados

A assistência médico-hospitalar brasileira começou a ser coberta pelos antigos

Institutos de Pensões e Aposentadorias em 1920, através de serviços próprios ou

contratados, distribuídos nas capitais e grandes centros urbanos (Conh & Elias, 2001;

Ribeiro, 1993). Como as antigas Caixas e depois os Institutos de Aposentadorias e

Pensões eram organizadas por empresas, em sua maioria com recursos insuficientes

para a construção de uma infra-estrutura de serviços médicos, estes passaram a ser

oferecidos através da compra de serviços privados, sob a forma de credenciamento

médico. A conseqüência desse vínculo foi a privatização precoce dos serviços de saúde.

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Em 1966, esses institutos foram extintos, surgindo o Instituto Nacional da

Previdência Social (INPS), centralizado e diretamente subordinado ao Ministério

correspondente. A população não coberta pelo sistema previdenciário, utilizava os

hospitais públicos, filantrópicos, beneficentes e lucrativos, estes últimos ainda muito

raros. Como a população não inclusa nas relações formais de emprego ficava excluída

da assistência prestada pela Previdência, era considerada indigente e tinha de valer-se

das Santa casas, já elucidadas anteriormente.

Nessa época, começaram as discussões a respeito do direito universal à saúde e

de uma possível reforma sanitária (Conh & Elias, 2001). As propostas tiveram êxito nos

anos de 1970 através da criação de dispositivos legais que asseguravam a cobertura a

determinados grupos populacionais, no caso, as pessoas acima de 70 anos. Somente a

partir da Constituição de 1988, a saúde passou a ser um direito de todos os cidadãos,

contribuintes ou não do sistema.

As empresas médico-hospitalares de caráter lucrativo apareceram ainda nos anos

de 1970, tanto nos principais centros urbanos, como nas principais cidades do interior

dos estados, principalmente na região sudeste. Junto à Previdência, esses grupos

firmaram acordos, contratos e políticas de preços vantajosos sem processo de licitação,

o que estimulou a construção ou adaptação de prédios em hospitais, clínicas e serviços.

A Previdência Social era compradora quase exclusiva dos seus serviços e ainda hoje se

vêem políticas semelhantes sendo preservadas (Ribeiro, 1993). A iniciativa privada

buscava meios para sua consolidação e expansão, quer vendendo seus serviços, como já

foi dito, quer organizando a assistência suplementar através das cooperativas médicas

ou dos planos de saúde.

No que diz respeito às normas para projetos físicos de estabelecimentos

assistenciais de saúde, o surgimento do primeiro documento que representou uma

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medida disciplinadora na construção desses edifícios foi em 1977, ocasião em que o

governo se propunha a financiar uma grande expansão da rede hospitalar pública e

privada (Barreto, 2002). A aprovação dos projetos e a conseqüente liberação dos

recursos estava vinculada ao cumprimento das normas, que posteriormente incluíram

quesitos relacionados aos equipamentos e unidades específicas, como hemocentros e

farmácias. Durante esse período, as normas sofreram diversas críticas quanto aos

problemas não previstos no documento e quanto aos modelos de hospital que eram

dados como exemplos. Muitos estabelecimentos tiveram suas construções baseadas

nesses modelos, como uma cópia dos projetos apresentados no instrumento normativo.

Em 1994, outra norma foi lançada pelo Ministério da Saúde, em que não existia mais o

“hospital” como tipologia definida, mas o estabelecimento assistencial de saúde com

atribuições associadas às atividades a serem desenvolvidas. Uma metodologia de

planejamento da instituição foi enfatizada com base nas demandas por serviços

assistenciais em cada área de cobertura, seja município ou perfil epidemiológico de

determinada região.

Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990, norteado pelos

princípios de Universalidade, Equidade e Integralidade, ficou resolvido que cada

hospital, centro ou posto de saúde da rede pública faria parte de um sistema integrado,

regionalizado e hierarquizado, sendo dever do Estado prover meios para o exercício do

direito à saúde, com participação direta dos municípios. Se posto em prática em sua

abrangência, o SUS privilegiaria o setor público, enquanto o privado (ou particular)

participaria apenas em caráter complementar.

Segundo determinações do SUS, os estabelecimentos assistenciais de saúde

podem ser divididos em três níveis conforme o grau de diferenciação das atividades que

suportam. No nível primário encontram-se as unidades básicas de saúde, ou seja, os

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postos e centros de saúde. No nível secundário estão os hospitais que oferecem atenção

ambulatorial com todo o suporte nas quatro especialidades básicas (clínica médica,

ginecologia, cardiologia e pediatria), internação, urgência, e reabilitação. No nível

terciário estão os hospitais que possuem uma capacidade resolutiva maior dos casos

mais complexos de atenção ambulatorial, internação e urgência (Pinto, 1996).

Aqui cabe ressaltar que, de acordo com os critérios do SUS quanto ao nível de

atenção à saúde e aos tipos de estabelecimentos, os parâmetros servem de base para

qualquer projeto físico de estabelecimentos de saúde, seja ele público ou privado.

Porém, existem mais diferenças do que semelhanças entre os dois, a começar pela

lógica na sua distribuição nas cidades. As instituições particulares não têm sua estrutura

pensada a partir do número de habitantes de cada localidade na qual está se instalando.

Basta que se forme um grupo de profissionais da saúde ou de empresários dispostos a

investir seus recursos na construção de um novo edifício da saúde para que os planos

saiam do papel e se transformem em realidade. É também por este motivo que tantos

hospitais particulares fecham suas portas ou mantém parcerias com outros grupos de

empresários e com planos de saúde.

Segundo Conh e Elias (2001), outra diferença entre a organização dos serviços

públicos e privados reside no fato de que, ao contrário do que deveria acontecer, o setor

privado termina sendo responsável pela parcela de atendimento mais rentável, que se

concentra nos estabelecimentos do tipo policlínicas e hospitais. Ao setor público cabem

todas as medidas de caráter coletivo e os procedimentos de complexidade mais

onerosos. Dada a primazia do setor particular lucrativo sobre o setor público, ocorre

também a concentração de equipamentos de saúde nos principais centros urbanos e

estados mais ricos. Além disso, o SUS apresenta outros problemas:

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Não conseguiu ainda ser totalmente descentralizado: as decisões terminam sendo do

Governo Federal, sobrando pouca autonomia aos estados e municípios;

Continua privatizando seus serviços: o atendimento ao doente é realizado pelo setor

privado e pago pelo Estado;

Continua distante das necessidades da população: grande parte dos problemas

poderia ser resolvido nas unidades básicas, mas a população termina sendo atendida

por serviços em que o acesso não corresponde à necessidade nem à disponibilidade

tecnológica, mas à necessidade de lucro do setor privado;

Continua discriminatório e injusto: a população que não tem vínculos empregatícios

termina indo para os hospitais-escolas ou filantrópicos;

Distorções no financiamento: o Estado termina não investindo na saúde porque o

acesso à assistência médica acaba por estar vinculado a um contrato com a

Previdência.

Diante desse contexto, vemos que o SUS apresenta grandes contradições e ainda

não conseguiu ser implantado em sua totalidade. Além disso, o próprio modelo

biomédico em uso e o conseqüente distanciamento entre profissionais e pacientes,

culmina na necessidade de repensar o atendimento em saúde e os aspectos inerentes à

essa questão, num processo denominado de humanização hospitalar. De que forma isso

aconteceu e de que forma vem se desenvolvendo nas redes pública e privada, será o

assunto das próximas seções.

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3. Humanização e assistência hospitalar

Humanização da assistência hospitalar é um termo abrangente utilizado para

definir um movimento em busca da valorização da pessoa que faz uso dos serviços de

saúde, considerando o paciente e o profissional como parte essencial no processo, sendo

o primeiro o principal foco da atenção. Conforme veremos a seguir, a humanização tem

sido tema de diversas discussões em Medicina, Psicologia e demais áreas da saúde.

3.1. O paciente hospitalizado

A dificuldade gerada pela hospitalização pode ser observada na maior parte dos

pacientes que necessita de internação. Apesar dos avanços científicos e tecnológicos da

área da saúde, o aparecimento desses problemas independe da classe social a que o

indivíduo pertence, já que o sentimento de fragilidade de cada pessoa frente à doença e

ao hospital lhe é peculiar.

Quando alguém entra num hospital, o primeiro impacto é o do ambiente físico,

seguido, se for o caso, da total falta de intimidade e da transformação da sua vida

privada em pública, permanentemente acessível aos profissionais (Rodriguez-Marín,

1995). O paciente é obrigado a obedecer as instruções da equipe médica e a cumprir

regras gerais do local. Se for internado, assume o papel de enfermo hospitalizado e

dependente do sistema da instituição. O pessoal do hospital assume todo o controle dos

meios, recursos e mobilidade dos pacientes, incluindo recursos físicos e de informação.

Ocorre o sentimento de despersonalização ou perda da identidade, segundo o qual

pertences/objetos pessoais e indicadores sócio-psicológicos são substituídos pelos

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objetos e identificadores do hospital. De acordo com o autor, a hospitalização aparece

como:

Um estressor cultural: o paciente deve aceitar novas normas, valores e símbolos de

uma subcultura hospitalar, que freqüentemente são inconsistentes com ele mesmo.

Um estressor social: o papel do paciente hospitalizado envolve elementos que

pressionam a identidade psicossocial do indivíduo, e as interações sociais em um

hospital podem ser fonte de estresse.

Um estressor psicológico: pode introduzir desde fenômenos de dissonância entre

dois ou mais fenômenos cognitivos a situações de dependência ou situações

consideradas infantis.

Um estressor físico: a maioria das percepções físicas do hospital (odores e ruídos) e

o próprio entorno físico do mesmo podem causar emoções negativas na maioria dos

pacientes.

Nesse sentido, Santos e Sebastiani (2001) comentam que a despersonalização

implica na perda de particularidades e singularidades do sujeito, que passa a adquirir

regras e costumes do ambiente que agora vivenciará. Geralmente ocorrem conflitos

quanto à privacidade, ocasionados pela alteração da condição de intimidade e

particularidade, acompanhada da sensação de invasão.

Percebe-se que uma série de sentimentos confusos e dolorosos podem acompanhar o indivíduo a partir do aparecimento da doença a ser agravada com a internação hospitalar. A internação reforça a condição de dependência, que pode ser sentida pelo paciente como agressão, pois se encontra sobre o domínio de uma estrutura hospitalar, sob o poder dos profissionais de saúde que, muitas vezes, tiram o sentido de autonomia e a capacidade de decisão do próprio paciente (p. 152).

Apesar dos autores considerarem necessárias algumas condições colocadas pela

instituição, principalmente porque determinam o seu funcionamento, a forma

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despersonalizante com que isso acontece é criticável. Como o hospital tem a função

isoladora e o doente internado fica desligado do “mundo exterior”, a sensação de

abandono, medo do desconhecido, descontentamento e desgosto pode acompanhá-lo

durante a sua estada no local.

Para complementar essas afirmações, vale ressaltar que, dependendo da situação

e da instituição, nem sempre o paciente fica totalmente só. Geralmente isso ocorre nas

unidades de terapia intensiva (UTI), em enfermarias (com ausência de outras pessoas

internadas) e em quartos de isolamento, quando, em virtude de alguma infecção,

necessita de cuidados especiais. No primeiro caso, os familiares dos pacientes podem

visitá-lo por um período de tempo estabelecido pelo hospital; enquanto nos dois

últimos, os familiares podem permanecer por mais tempo com o paciente, mas também

devem obedecer normas internas e horários de visitas. Para cada instituição, esses

regulamentos variam, assim como varia o tipo de alojamento. Em alguns locais, nos

quais as internações também se apresentam em quartos duplos e individuais, geralmente

pagos pelos planos de saúde, as visitas e a permanência dos familiares já assumem outro

caráter: pacientes e familiares podem ficar juntos durante todo o dia (apartamentos

duplos) ou por vinte e quatro horas seguidas (apartamentos individuais). São as

diferenças entre os que podem pagar mais, os que podem pagar menos e os que não

podem pagar pelos serviços de saúde.

3.2. Saúde e doença

Para cada área do conhecimento, saúde e doença apresentam definições

diferentes. Se por um lado são processos biológicos, por outro recebem influência direta

das condições de vida das comunidades, além de assumirem, para cada um de nós, um

sentido pessoal. O que hoje se sabe, apesar de serem fenômenos bastante abrangentes, é

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que saúde não é só ausência de doença, pelo menos não quando observada sob a ótica

da Psicologia Social ou mesmo das determinações da Constituição Brasileira (Brasil,

1988).

Segundo Nunes (2000), a doença é um distúrbio biológico fortemente afetado

por fatores sociais. Segundo o autor, ainda no século XVIII surgiam na Alemanha os

primeiros estudos acerca dessa relação, existente em virtude das condições precárias de

vida e trabalho, envolvendo questões sanitárias e de higiene. Com a Revolução

Industrial, tal fato se agravou e as cidades tornaram-se sede de problemas sociais e de

saúde, como já foi citado no início deste trabalho. Em seguida, na segunda metade do

século XIX, a preocupação com os aspectos sociais da doença foi transferida para os

aspectos individuais, visto que os estudos da época mostravam a descoberta da

bacteriologia. A doença então passou a ser tratada como uma variação somente de

fenômenos fisiológicos. O século XX foi marcado pelo aparecimento de estudos que

consideravam os princípios da ecologia no processo de adoecimento. Nos anos de 1960,

profissionais da chamada Medicina Social discutiam que as causas da doença não

deveriam ser baseadas apenas nos processos biológicos ou ecológicos, mas nos

processos sociais.

Conforme discute Martins (1996), esse tipo de abordagem social analisa saúde e

doença com uma visão materialista histórica, utilizando somente as categorias de classe

social e trabalho. Os aspectos econômicos, políticos e ideológicos superam os aspectos

psicológicos, tão importantes quanto os anteriores. Segundo a autora, essa discussão é

antiga, até mesmo no âmbito das Ciências da Saúde, área que ainda não conseguiu

superar alguns impasses. Apesar de admitirem a relação entre as emoções e os fatores

fisiológicos do ser humano, continuam agindo como se a causa da doença fosse somente

orgânica e o tratamento exclusivamente medicamentoso.

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Segundo Minayo (1997), a nossa sociedade capitalista vê saúde e doença como

fatores de produção, isto é, como se o indivíduo produtivo fosse aquele que tem um

bom funcionamento de todos os órgãos do seu corpo, não importando os problemas de

ordem emocional. Nesse caso, a doença é um fenômeno organicamente localizado,

tratado com medicamento ou cirurgia, principalmente na prática das especializações

médicas. Angerami-Camon (2001) cita que “(...) a especialização clínica, na maioria das

vezes, ao aprofundar e segmentar o diagnóstico deixa de levar em conta até mesmo as

implicações dessa patologia em outros órgãos e membros desse doente” (p.17).

Este tipo de idéia pode ser considerada fruto do modelo biomédico vigente,

influenciado pelas ciências naturais - e portanto com uma visão única, objetiva e

verdadeira da realidade - baseado na divisão cartesiana entre corpo e mente (Traverso-

Yépez, 2001). Os profissionais da saúde trabalham com uma visão muito fragmentada

do indivíduo, focalizando a doença como se fosse um problema exclusivamente do

corpo, desconsiderando todo o contexto no qual a pessoa está inserida, sua história de

vida, aspectos psicológicos e sociais. De acordo com a autora, uma das razões para a

continuidade e aceitação deste modelo se dá em virtude do lucro gerado pela produção

de medicamentos e também pela própria formação acadêmica dos profissionais de

saúde, ainda sustentada numa visão antropocêntrica e individualista.

Dessa forma, independente do público alvo ou do tipo de instituição de

atendimento, vemos que o cuidado e atenção são fatores primordiais no contato

profissional-paciente, principalmente porque essas atitudes amparam o indivíduo que se

encontra doente. A mesma doença pode significar coisas distintas para cada um de nós e

provocar diferentes sintomas, pois o sentido atribuído a essa experiência é próprio de

cada um e depende de vários fatores da vida em sociedade.

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As diferenças entre as classes sociais e a forma de lidar com saúde e doença são

comentadas por Boltanski (1989). Segundo o autor, os membros das classes populares

acreditam que os médicos possuem conhecimentos, meios materiais e direitos que lhes

conferem poder, o que justifica o distanciamento e as barreiras lingüísticas entre ambos.

Quando adoecem, os membros das classes populares expressam suas sensações através

de um discurso reconstruído, utilizando alguns termos científicos empregados pelo

médico, acrescidos dos seus próprios termos, fundamentados no que faz sentido para

eles. Por conhecerem um repertório de doenças, se automedicam e compram remédios

sem receitas, principalmente quando se trata de algo considerado por eles como sendo

de baixa gravidade. Por vezes, procuram a ajuda de rezadeiras e curandeiros, atitudes

que demonstram seu modo abrangente de conviver com as doenças.

Segundo Martins (1996), alguns trabalhos em Psicologia vêm demonstrar o

efeito das emoções como causa das doenças, explicando que, quando as emoções não

são expressas, são desviadas para canais inapropriados do organismo. A medicina

psicossomática, por exemplo, aparece ainda nos anos de 1940 relocando a questão da

unicidade do organismo, sem a dicotomia mente/corpo.

De acordo com Remen (1993), saúde é o equilíbrio das dimensões mente-corpo-

sentimento e requer uma vida com qualidade, calor, amizade, propósito, humor e

esperança. A ruptura desse equilíbrio, aliado às nossas escolhas e uso que fazemos do

nosso corpo, afeta os três aspectos da pessoa e ocasiona a doença, seguida de dor e

sofrimento próprios de cada um. Em posição semelhante, Santos e Sebastiani (2001)

apontam que a doença é “(...) a desarmonia orgânica ou psíquica, que, através de sua

manifestação, quebra a dinâmica de desenvolvimento do indivíduo como um ser global,

gerando desarmonização da pessoa; compreende-se esse desequilíbrio como um abalo

estrutural na condição de ser dentro de sua sociocultura” (p.150). Complementam suas

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colocações mostrando a importância de tornar a equipe de saúde sensível a essas

questões, à comunicação que estabelece com o paciente e ao trabalho interdisciplinar.

Dentro do hospital, essas medidas instrumentalizam os profissionais em sua relação com

o paciente a fim de melhorar a qualidade de vida na hospitalização e tratamento.

Frente ao exposto, a humanização aparece como tentativa de resgate da condição

de sujeito como ser integral e de uma nova concepção do processo saúde-doença, o que

inclui a preocupação com os significados atribuídos ao adoecer.

3.3. A relação profissional-paciente

Dentro do modelo biomédico tradicional, como já foi citado anteriormente, a

influência das ciências físicas e da necessidade de lidar com verdades e certezas,

desencadeia uma realidade na qual a subjetividade é desconsiderada.

Segundo Remen (1993), confiamos mais no que pode ser expresso por números,

objetivamente, do que no que pode ser expresso por palavras. Enxergamos a doença e

não o doente; vemos as pessoas como se fossem suas doenças e não como se estivessem

doentes; pré-julgamos e fazemos uso de rótulos. Frases do tipo “fulano é diabético” ou

“sou asmática”, servem para ilustrar rotulações que provocam a sensação de uma

situação estática, congelada, alimentando a falta de esperança e limitando o potencial de

mudança. “(...) o rótulo pode até definir a doença, mas o paciente geralmente é definido

por aquilo que ele acredita ser” (p.34). A autora arrisca comentar que a atribuição dos

rótulos por parte dos profissionais pode ser um esforço para adquirir imunidade contra a

dor e o sofrimento do ambiente hospitalar.

De acordo com Boltanski (1989), os próprios médicos costumam utilizar rótulos

para caracterizar os tipos de doentes, principalmente os das classes populares. Na

opinião do autor, os médicos não se esforçam na tentativa de estabelecer um diálogo

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“horizontal” com os pacientes, que terminam ficando cada vez mais distantes na relação

com “os donos do saber”. As dificuldades no relacionamento são inúmeras, desde a

diferença de linguagem utilizada pelos dois, até a pouca duração da consulta e à

raridade do contato médico-paciente. Dentro do hospital os doentes das classes

populares reprovam – mas por vezes se conformam e aceitam – o fato de existir tantos

intermediários separando-os dos médicos e da sua família. São atitudes que

regulamentam e limitam seu comportamento, além de aumentar a barreira do

vocabulário e das explicações/ informações - quando dadas - especializadas.

A relação entre o médico e o seu cliente, como discute Gorayeb (2003),

começou a mudar desde o momento em que o hospital tornou-se um instrumento

terapêutico e a presença do médico se consolidou na instituição. Antes e até durante

esse processo, o local das consultas e procedimentos era a casa da pessoa doente, com

sua família envolvida nas decisões que eram tomadas. A partir do momento em que a

assistência médica e os benefícios oferecidos pelos serviços de saúde passam a ser

assunto de políticas públicas e a transferência do relacionamento médico-paciente se dá

para o hospital e demais estabelecimentos, uma série de aspectos passam a ser

considerados. Entre eles, as contradições existentes no SUS aparecem em primeiro

plano, incluindo, principalmente, a qualidade do fator humano envolvido. Se por um

lado, a remuneração dos profissionais fica aquém de um mínimo respeitável, por outro

lado, na maioria dos casos, falta infra-estrutura suficiente para prestar um atendimento

satisfatório. A própria clientela, por vezes conformada com o que recebe, não se dá

conta da possibilidade de vigilância desses serviços, mantidos por meio do pagamento

dos impostos.

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A complexidade dessas questões já se estende por décadas, antes mesmo das leis

de implantação e implementação de políticas de saúde. Vale citar a mais recente

Constituição Brasileira (Brasil, 1988), artigo 196:

A saúde é um direito de todos e um dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visam a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A partir do momento em que é introduzido o SUS, fica acertado que o paciente -

não passivo - seria consciente e atuante, porque informado, participaria do processo,

questionando, avaliando e exigindo seus direitos. Contudo, são muitas as dificuldades

para a aplicação do SUS, considerações que servem para reafirmar que o fato de estar na

lei não garante a prática.

As especializações médicas e a substituição de alguns profissionais por

equipamentos podem ser considerados como importantes aspectos dentro da relação

médico-paciente, embora DeMarco (2003) acredite que as críticas à especialização

possam ser um grande equívoco. Segundo o autor, a especialização é fundamental para

o crescimento e evolução de todos os campos do conhecimento, sendo a fragmentação

rígida o principal responsável pelo bloqueio do trânsito entre as diferentes áreas e

aspectos envolvidos.

Segundo Benincá (2004), toda política de saúde e estrutura hospitalar encontra

sua razão de ser no ser humano, sujeito e beneficiário dos serviços e não objeto dos

cuidados que lhe são prestados. O esforço em humanizar a relação entre o médico e o

paciente já pode ser visto a partir das modificações dos currículos universitários. Dentre

as disciplinas cursadas pelos estudantes de Medicina, estão Filosofia, Antropologia,

Sociologia e Psicologia Médica. Além disso, grupos de discussão/reflexão sobre a tarefa

assistencial poderiam auxiliar o estudante a expor suas dificuldades ligadas ao exercício

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profissional. Acima de tudo, o atendimento humanizado busca responder a uma angústia

e a um pedido de ajuda de quem procura o profissional de saúde.

3.4. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH)

O PNHAH surgiu no ano de 2000 por iniciativa do Ministério da Saúde e tem

como objetivo principal a promoção da pessoa como valor fundamental nas práticas

públicas de saúde por meio do aprimoramento da relação profissional-paciente e

hospital-comunidade. Através de um manual e da participação das secretarias estaduais

e municipais de saúde, as ações de humanização começaram a ser implantadas, dentre

as quais podem ser citadas os grupos de trabalho e as capacitações dos profissionais

(Brasil, 2000).

No Rio Grande do Norte, o Programa teve início com a humanização de dois

hospitais no ano de 2002, seguidos de outros dois no ano de 20034. Além dos sete

estabelecimentos previstos pelo Programa Nacional, a Secretaria de Saúde do Estado

pretende humanizar todos os hospitais, até mesmo as demais unidades de saúde. Cada

instituição, dependendo das suas peculiaridades, possui ações de humanização

diferenciadas. Entre as ações comentadas nos encontros sobre o tema, podem ser citadas

como exemplo: trabalho com as mulheres que abortam e são vítimas de violência

sexual; programa do banco de leite; parto humanizado; educação continuada dos

plantonistas; supervisão e controle das ações de enfermagem; capacitações dos

profissionais; e incentivo ao vínculo paciente-família.

É importante observar, ainda, que o Programa tem como objetivo humanizar

somente os hospitais da rede pública, mas isso não significa que os da rede privada não

4 Informações obtidas no IV Encontro por uma Medicina mais humana, no dia 31/05/2003.

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possam buscar, com recursos próprios, a humanização do seu atendimento. Porém,

como veremos adiante, os estabelecimentos particulares estão investindo seus esforços

em outros meios para tornar o ambiente humanizado.

O trabalho da humanização ainda caminha lentamente, necessitando de maiores

incentivos e, na maioria dos casos, de boa vontade por parte dos profissionais. Segundo

Remen (1993), os próprios médicos deveriam trabalhar aceitando as fragilidades e as

forças da sua humanidade para aceitar a fragilidade e a força dos outros. Apesar destes

contratempos, os primeiros passos em direção a atitudes mais humanas no cuidado da

saúde já foram dados e o esforço deve ser contínuo, tanto por parte desses profissionais,

como de qualquer um que possa ser afetado pela doença.

Conforme apresentamos até o momento, vários autores da área da saúde têm

realizado estudos acerca das questões que envolvem o relacionamento profissional-

paciente e os processos saúde-doença, discussões estas que se encaixam nos ideais

propostos pela humanização. Embora venham alertando os profissionais que exercem

suas práticas diretamente ligadas ao paciente a respeito da importância de tornar mais

humana essa assistência, alguns autores questionam o uso do termo humanização.

Nesse contexto, Deslandes (2004) analisa o discurso oficial do Programa,

especificamente do Manual do PNHAH (Brasil, 2000), comentando que o uso do termo,

apesar de óbvio porque trata de práticas de saúde feita para e por seres humanos, deixa

subentendido que tais práticas estão (des) humanizadas. Os eixos principais de sua

análise compreendem a importância do diálogo entre profissional e usuário do serviço, a

ligação entre tecnologia e relacionamento ente as pessoas e melhorias das condições de

trabalho do cuidador nas práticas de saúde.

Ao lado dessas considerações, DeMarco (2003) também chama a atenção para o

caráter óbvio do termo, afinal o fato de que as qualidades pessoais do médico

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possibilita-o a se relacionar bem com os clientes nos serviços e influi nos resultados da

assistência prestada, não é nenhuma novidade. Apesar disso, comenta o autor, “(...)

parece que em um mundo onde impera uma linguagem altamente racionalizada, é

necessário que uma pesquisa formal evidencie o óbvio para que ele possa ser levado em

conta novamente” (p. 103).

Na pesquisa de Traverso-Yépez e Morais (2004), a humanização é enfatizada em

relação aos significados atribuídos pelos usuários dos serviços públicos de Natal/RN

sobre a assistência que lhes é prestada, seus direitos e expectativas acerca do contato

com o profissional de saúde. O estudo foi realizado em unidades básicas de saúde e

contou com a aplicação de questionários. A passividade da população ao quadro atual

do sistema de saúde, já que os respondentes se percebem sem poder para suscitar

mudanças, é um dos aspectos focalizados nos resultados. Entre outros, está a

necessidade de valorização da subjetividade do usuário dos serviços e a importância do

atendimento “acolhedor” por parte dos profissionais. Outro fato que merece ênfase, é o

resultado obtido quando os participantes da pesquisa apontam o que gostariam de ver

melhorado no serviço. A estrutura física e os aspectos materiais são os mais

mencionados, reafirmando a necessidade de humanização da arquitetura dos edifícios de

atenção à saúde, tema do próximo capítulo.

A partir dos estudos supracitados, vemos que os autores não utilizam o termo

“paciente”, mas “usuários” para fazer referência à pessoa que utiliza os serviços ou é

atendido pelos profissionais de saúde. Nos capítulos seguintes, que também focalizarão

o espaço físico, esses “usuários dos serviços” também serão “usuários do ambiente”.

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4. Humanização e Arquitetura Hospitalar

A humanização hospitalar engloba, além das questões relacionadas à assistência,

aspectos que dizem respeito à estrutura físico-espacial do edifício, gerada a partir de

projetos de Arquitetura. Difundida a partir das últimas décadas do século XX, a

humanização da Arquitetura Hospitalar busca padrões de projeto que proporcionem a

satisfação e o bem-estar dos usuários, utilizando artifícios de organização espacial e

ambientação que ajudam no processo de recuperação dos pacientes. E de que forma

tudo isso começou?

4.1. Antecedentes

Para Verderber e Fine (2000), o período pós-guerras e toda a transformação

sofrida pela arquitetura dos estabelecimentos de saúde são significativos para a

compreensão dos acontecimentos em administração e planejamento hospitalar. Sem

desmerecer trabalhos anteriores ao seu ou que se remetem a períodos anteriores, os

autores acreditam que a análise dessa fase e, consequentemente, dos edifícios

hospitalares construídos do final da 2ª Guerra até os dias atuais, implica no

preenchimento de uma lacuna no campo de pesquisas da área. Implica também no

esclarecimento de questões acerca dos cuidados de saúde, antes centrados no sistema e

depois centrado no paciente, hoje uma das maiores conquistas no ramo.

Os edifícios hospitalares tinham como base o estilo internacional, predominante

na arquitetura a partir da Segunda Guerra. Esse estilo se caracterizava pela valorização

dos aspectos funcionais da arquitetura e pela rejeição dos aspectos estéticos. Os projetos

deveriam enfatizar praticidade e economia da edificação, empregando elementos

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padronizados e recusando a ornamentação ou os detalhes desnecessários que

encareceriam a construção (Frampton, 2000; Verderber & Fine, 2000).

Além disso, arquitetos e demais planejadores, criaram um modelo, baseado em

diagramas com os fluxos de pessoas e materiais em cada setor ou pavimento, que se

repetia na maior parte dos edifícios. Ao adotar a forma de cubo, círculo ou triângulo

para a torre de internação dos pacientes, como era chamado esse setor, os profissionais

estavam preocupados em aumentar a eficiência do staff, minimizando as distâncias por

estes percorridas e maximizando a visualização do maior número possível de pacientes

(Verderber & Fine, 2000).

Os moldes horizontais ou as formas espalhadas pelo terreno, do tipo pavilhonar

defendida por Nightingale, foram radicalmente abandonadas e substituídas pelas formas

verticalizadas como alternativa para diminuir os custos, já que o edifício poderia se

concentrar em lotes menores e mais baratos. Além disso, os custos com sistemas

sofisticados de ventilação, aquecimento, ar condicionado e demais instalações também

seriam diminuídos. As grandes distâncias percorridas no plano horizontal dos antigos

hospitais eram substituídas por distâncias reduzidas, pois em cada pavimento

funcionava um setor e dependendo do caso, o deslocamento por setores era feito pelos

elevadores (Verderber & Fine, 2000).

O emprego de materiais pré-fabricados, justificado pela economia de tempo e

dinheiro nas construções de estabelecimentos de saúde, foi uma técnica bastante

utilizada durante as guerras, nos hospitais militares, e que começava a ganhar espaço em

várias regiões do mundo. No Brasil, por exemplo, a construção de um hospital com tais

características teve repercussões positivas na cidade em que foi implantada, no caso

Manaus. Naquela época, final dos anos 1960, a população local passou a ser melhor

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assistida pelo crescimento no número de médicos e serviços oferecidos (Verderber &

Fine, 2000).

Com o desenvolvimento cada vez maior do setor tecnológico a favor das

mudanças nos serviços de saúde, uma gama enorme de equipamentos e alguns setores

do hospital desenhados para recebê-los, terminavam ficando obsoletos. Os planejadores

começavam a se preocupar em criar maneiras para se beneficiar da rapidez com que as

mudanças precisavam ser realizadas no espaço físico e da quantidade de aparatos

necessários para o bom funcionamento da edificação. Os projetos eram concebidos com

detalhes que permitissem, pelo menos, a manutenção e troca das máquinas e

equipamentos de instalações, sem grandes alterações na estrutura física do

estabelecimento (Verderber & Fine, 2000).

Assim, num edifício com vários andares, alguns destes eram destinados somente

às instalações e equipamentos, chamado andar intersticial. Tal solução, ajustada às

necessidades atuais, ainda hoje é adotada por algumas equipes de profissionais

responsáveis por projetos dessa natureza (Góes, 2004). Na época em que foram

idealizados, esses espaços entre um pavimento e outro eram o que mais se aproximava

da tão comentada – e desejada – flexibilidade, atualmente um dos pré-requisitos na

construção de um hospital. Segundo Karman e Fiorentini (2002), todo estabelecimento

de saúde deve oferecer condições para expansão e mudança, ou seja, quanto mais

“atualizável” for o empreendimento, mais apto e suscetível se encontrará para

comportar e atender reformulações e modernizações.

Segundo Verderber e Fine (2000), vários aspectos presentes nos projetos e

construções da época sofreram críticas e foram modificados a partir dos anos de 1980.

Pessoas envolvidas numa perspectiva mais humanista sugeriam a aplicação das ciências

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comportamentais no planejamento e design do ambiente construído. Essas críticas

baseavam-se em quatro observações:

As decisões de projeto e planejamento eram tomadas com base na opinião de

arquitetos, engenheiros e administradores. O paciente não era consultado.

A máxima do modernismo, “a forma segue a função”, ocasionava a desvalorização

das necessidades dos pacientes frente ao funcionamento e aos equipamentos do

hospital.

Uso de modelos padronizados para organização espacial e mobiliário do edifício,

como se as pessoas também fossem padronizadas.

Falta de interesse em conhecer as implicações do ambiente hospitalar para o

comportamento dos usuários.

Um dos movimentos que deu origem à mudança de pensamento dentro do setor

foi a criação de espaços destinados aos doentes crônicos ou terminais, parcela de

pacientes que até então não recebia nenhum tipo de cuidado diferenciado. Os novos

hospitais que abrigavam essas pessoas pareciam residências, bastante amplas,

localizadas em grandes terrenos, mais baratos, geralmente situados na periferia da

cidade. Apesar deste ser um aspecto que mostra o isolamento da pessoa doente, neste

caso era uma tentativa de oferecer um serviço de melhor qualidade, porque envolvia

também o contato com a natureza. No quesito atendimento prestado, uma equipe

interdisciplinar dava o suporte necessário ao paciente e à família, que também

participava das decisões (Verderber & Fine, 2000).

Como já foi comentado anteriormente, é a partir desse momento que a

arquitetura dos estabelecimentos assistenciais de saúde passa por diversas

transformações, tanto em função das críticas ao hospital modernista - extremamente

funcional, focalizado na eficiência das atividades dos funcionários - quanto em relação

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às novas políticas de saúde. Projeto e administração hospitalar passam a ter uma nova

prioridade: o cuidado com o paciente.

4.2. O projeto arquitetônico e a humanização

De acordo com Carpman, Grant e Simmons (1986), um “projeto humanístico”

de arquitetura deve contemplar o ponto de vista de pacientes e visitantes. Para alcançar

esse fim, arquitetos e demais planejadores devem considerar a interação das pessoas

com seus ambientes e consequentemente, o estado emocional e psicológico em que se

encontram os pacientes ao serem submetidos a algum procedimento e ao entrarem em

contato com a diversidade/quantidade de aparatos e pessoas presentes no local. Segundo

os autores, as necessidades dos pacientes e visitantes são levadas em conta quando

quatro aspectos são obedecidos: sinalização, conforto físico, possibilidade de regular o

contato social e cuidado com significados transmitidos pelo ambiente.

Sinalização: em se tratando de edifícios com uma organização espacial complexa e

bastante diferente da que pacientes e visitantes estão acostumados, as sinalizações

tornam-se essenciais na orientação das pessoas no espaço.

Conforto físico: o projeto deve considerar elementos como iluminação, temperatura

e nível de ruído, favorecendo os ambientes de permanência de pacientes e visitantes

e possibilitando o controle/ajuste por parte destes últimos.

Regulação do contato social: o projeto também deve considerar a possibilidade de

regulação da interação entre as pessoas.

Significados simbólicos: o ambiente pode transmitir significados através dos

elementos citados anteriormente e também pode ser apreendido através dos sentidos.

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No arranjo ou organização dos espaços, lembrar que pacientes e visitantes podem levar

consigo uma imagem positiva ou negativa do que foi visto, tocado, cheirado e ouvido

durante o período que passaram no hospital.

Malkin (1992) também sugere que o projeto arquitetônico leve em consideração

aspectos semelhantes aos anteriores, apesar de seu modelo apresentar uma lista mais

extensa e mais detalhada do que seria um “healing environment”. A privacidade, por

exemplo, pode ser trabalhada com elementos que permitam, ou não, o contato do

paciente com outros (box individuais) ou ainda que possibilitem esse paciente não ser

visto do lado de fora do hospital (controle das janelas). Com isto, também estará sendo

trabalhada a visão da natureza e a entrada de luz e/ou ventilação natural no quarto. As

cores e as texturas dos materiais (incluindo piso, parede, teto, mobília e acessórios)

devem ser levadas em consideração no momento da ambientação do espaço, assim

como locais para acomodação dos familiares, no caso salas, jardins internos e

lanchonetes.

A autora comenta que alguns desses componentes envolvem antigas filosofias

orientais, como as terapias holísticas de integração mente-corpo e o uso de elementos

como água, música, vegetação e cores para ajudar no processo de recuperação do

paciente. É importante lembrar que os fatores a serem considerados na criação de um

ambiente terapêutico, geralmente são focalizados nas áreas de circulação e maior

permanência dos pacientes, como setor de internação, mais especificamente o quarto ou

enfermaria e as unidades de terapia intensiva (UTI).

Sabendo que Malkin (1992) utiliza o termo “healing environment” e que sua

tradução poderia ser “ambiente de restabelecimento” ou “ambiente de cura”, podemos

tecer alguns comentários sobre esse assunto. Em primeiro lugar, quando a tradução é

feita, nem sempre trabalhamos com o que a palavra quer dizer originalmente. Em

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segundo lugar, na tentativa de resolver o impasse com as traduções encontradas, torna-

se necessário localizar na referência citada outros indícios que auxiliem na definição do

termo. Nesse caso, a autora também faz uso do termo “potencial terapêutico dos

ambientes construídos” e se remete aos elementos presentes no ambiente como

importantes para a “recuperação” do paciente. Isto posto, torna-se claro que o ambiente

não vai curar, mas vai auxiliar no tratamento. Kellman (1995) questiona o papel de cura

dos hospitais e demais estabelecimentos porque, apesar de necessário, não é o único.

Este é apenas um lado da moeda, talvez o mais mencionado pelos profissionais

envolvidos nas práticas de saúde, geralmente esquecidos de um detalhe: curar é

diferente de cuidar. O cuidado com o paciente é tão importante quanto a sua cura,

muitas vezes não alcançada.

Em relação aos cuidados recebidos pelo paciente, Malkin (1992) apresenta

exemplos de hospitais que seguem uma filosofia chamada de Planetree, baseada na

premissa de que o paciente deve ter poder de escolha e controle sobre vários aspectos

ligados ao seu tratamento. É o que se denomina de “cuidado centrado no paciente”,

conjunto de medidas que envolvem a relação médico-paciente, o apoio da família e

principalmente o acesso à informação, desde a lista de medicamentos prescritos pelo

médico, até o acesso à informação em livros e revistas da área. No processo de

recuperação acrescentam-se música, filmes, literatura e, na medida do possível, a opção

por determinadas refeições.

Portanto, uma instituição centrada no paciente inclui inúmeros fatores, sendo o

ambiente físico um deles. Para que o projeto arquitetônico se aproxime das necessidades

dos pacientes, as avaliações do edifício depois do início do seu funcionamento tornam-

se essenciais e devem fazer parte das etapas do projeto (Carpman et al., 1986; Malkin,

1992).

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Na sua idéia de participação dos usuários do ambiente no processo de

planejamento e projeto, Sommer (1979) dá prioridade às avaliações dos edifícios. Para o

autor, o arquiteto não deveria impor suas preferências aos outros e, por isso mesmo,

deveria procurar conhecer mais seus clientes e os seus desejos, bem como o resultado

do seu projeto depois de construído e ocupado. As avaliações deveriam ser realizadas

por equipes interdisciplinares e por meio de métodos e técnicas também utilizadas nas

ciências do comportamento. Os custos das avaliações poderiam ser inclusos no valor

cobrado pelo projeto.

Shumarker e Pequegnat (1991) sugerem a prática das avaliações pós-ocupação

como uma forma de verificar se o que foi projetado está atendendo às necessidades dos

usuários do ambiente. Esse exercício deve ser uma etapa inerente ao processo de

planejamento e projeto, tão importante quanto o desenho e a construção do edifício.

Como os hospitais são estabelecimentos em constante mudança, devido ao avanço das

tecnologias médicas e das decisões das políticas de saúde, o número de pessoas

envolvidas no processo projetual tem aumentado consideravelmente nas duas últimas

décadas. Participam dessas etapas: arquitetos, engenheiros, técnicos, administradores do

hospital, agências reguladoras, consultores e usuários do ambiente, entre eles os

profissionais de saúde, pacientes e visitantes.

Segundo Shumarker e Pequegnat (1991), a equipe de enfermagem é uma fonte

essencial de informação sobre as atividades desenvolvidas no hospital, sobre detalhes do

espaço físico e sobre o paciente, já que possui um contato direto com este último.

Apesar de serem profissionais com baixo nível de controle das decisões, possuem um

alto nível de responsabilidade perante os cuidados prestados ao paciente. Além disso,

conhecem as minúncias do funcionamento do hospital porque se deslocam

frequentemente pelo ambiente.

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No que diz respeito aos projetos arquitetônicos de estabelecimentos assistenciais

de saúde brasileiros, grande parte do que foi comentado se aplica à construção dos

nossos hospitais, principalmente em relação às normas e à consulta aos profissionais de

saúde nas etapas de desenho e planejamento. As avaliações pós-ocupação (APO), apesar

de serem bastante mencionadas por alguns autores da área, ainda são pouco realizadas

nos edifícios de atenção à saúde.

De acordo com Barreto (2002), o conhecimento acerca do desempenho dos

espaços construídos se dá através de procedimentos de avaliação pós-ocupação. A

importância dessas avaliações está na superação dos problemas básicos e persistentes

relacionados às concepções de Arquitetura pouco qualificadas. Mas não é só

relacionado a estes problemas que o emprego da avaliação pós-ocupação se faz

necessário, pois é preciso conhecer boas soluções para reutilizá-las, se for o caso,

obviamente levando em conta os diferentes contextos nos quais um novo edifício é

construído. Segundo Ornstein, Bruna e Roméro (1995), a avaliação pós-ocupação é:

Um conjunto de métodos aplicados aos estudos das relações ambiente-comportamento, cujos resultados se relacionam com a participação, na própria pesquisa, dos diversos agentes envolvidos na produção e uso do ambiente em foco e, principalmente porque conta com o conhecimento crítico da vivência diária dos usuários (p. 70).

No ambiente hospitalar, o estudo de Kotaka e Favero (1998) teve como objetivo

examinar os limites e alcances dessas avaliações, considerando as constantes

transformações desses estabelecimentos. Os resultados apontaram a importância em

considerar, na utilização dos métodos e técnicas, as peculiaridades de cada hospital.

Como exemplo, os autores citam a linguagem empregada nos questionários, que deve

ser acessível a todas as pessoas que o responderão. Além disso, recomendam o uso mais

constante dessas avaliações.

A humanização da arquitetura dos hospitais é pouco enfatizada nos estudos

acadêmicos sobre os projetos físicos de hospitais. Em resposta a um levantamento

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realizado no Banco de Teses da Capes (www.capes.gov.br) o termo “humanização”

aparece nas entrelinhas de alguns trabalhos que não têm esse assunto como foco, mas o

conforto térmico ou lumínico de alguns ambientes.

Karman e Fiorentini (2002) se referem à humanização dos espaços como um dos

elementos formuladores do projeto arquitetônico, mas não definem o termo, nem se

preocupam em apresentar seus elementos definidores agrupados por setores do hospital,

atividades ou pessoas envolvidas/beneficiadas. Apenas enumeram alguns pré-requisitos

a serem considerados no projeto, como paisagem, insolação, cores, lazer, relações

humanas, lojas, flores e lanchonetes.

Em posição semelhante, Corbioli (2002) e Rogar (2002) também expõem o

conteúdo de maneira confusa, definindo a humanização como o projeto de “ambientes

coloridos e elegantes” ou “projeto de hospitais que não parecem hospitais”. A esse

respeito, como veremos a seguir, existe uma inclinação por parte de alguns autores em

comparar esses estabelecimentos a hotéis e shoppings centers, com a justificativa de que

esse é o caminho da humanização da arquitetura de edifícios de atenção à saúde.

4.3. Hotelaria hospitalar: uma nova tendência

O modelo de hotel começou a ser utilizado nas construções dos hospitais

somente a partir dos anos 1980, ocasião em que os sistemas de saúde foram

descentralizados e os cuidados com o paciente começaram a fazer parte do objetivo

principal dos estabelecimentos. Segundo Miller e Swensson (1995), foi uma forma de

proporcionar uma estada confortável para pacientes e familiares durante a internação

dos primeiros, além de possibilitar uma vantagem a mais para atrair “clientes”.

Hospitais e hotéis compartilham de raízes lingüísticas semelhantes, ligadas à palavra

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“hóspede” e de semelhanças de alguns dos seus serviços, como apartamentos, cozinhas,

restaurantes e lavanderias.

De acordo com Godoi (2004), a semelhança existente entre hotel e hospital não

está somente nas suas estruturas físicas. Embora tenham funções diferentes e

características específicas que os tornam diferentes na natureza da operação, a

semelhança pode ser vista nos diversos setores e funcionários que eles têm em comum,

como no caso da recepção, cozinha e manutenção. Para o autor, “(...) hotelaria

hospitalar é a introdução de técnicas, procedimentos e serviços de hotelaria em hospitais

com o conseqüente benefício social, físico, psicológico e emocional para pacientes,

familiares e funcionários” (p. 40). O objetivo principal da hotelaria é a hospitalidade, ou

seja, o ato de receber e hospedar bem, de atender às necessidades da pessoa em

deslocamento. O autor comenta que, enquanto vários hospitais do Brasil já contam com

esse tipo de serviço, outros ainda pecam na forma de apresentar suas instalações e seus

serviços aos clientes.

Para desenvolver a hotelaria hospitalar, Godoi (2004) comenta que as iniciativas

variam desde a contratação de profissionais que trabalham com gastronomia e hotelaria,

até os que trabalham com o espaço, como arquitetos e decoradores, já que a estrutura

física do prédio exerce forte impacto visual sobre o público externo e deve primar pelo

conforto para o público interno. Além disso, determinados espaços do hospital podem

ser utilizados para congressos e jornadas médicas, incluindo atividades de que os

próprios pacientes e familiares pudessem participar, como palestras e apresentações

culturais.

Godoi (2004) se remete à recepção e a internação como sendo os setores ou

departamentos mais importantes na prática da hotelaria e enfatiza que tudo deve ser

pensado antes da construção do hospital. Em alguns casos, quando isso não é possível,

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alguns setores isolados podem ser focalizados dentro dessa tendência, como por

exemplo, os restaurantes, as cozinhas e as áreas de jardim. Dentre os setores que podem

ser criados ou estruturados de forma a aumentar o conforto do paciente e gerar novos

recursos para o hospital estão: auditório, solarium, galeria de arte, brinquedoteca,

biblioteca, floricultura, drogaria e ouvidoria. Este último necessariamente não precisa

ser um setor, mas deve contar com uma ou mais pessoas encarregadas de ouvir queixas

e prestar informações. A contratação de pessoas para ocupar as posições de

mensageiros, maleiros, garçons, chefes de cozinha, recreacionistas, governantas e

camareiras também já pode ser vista pelos hospitais da rede particular do Brasil,

principalmente nos estados do sul e sudeste.

Além desse modelo, Miller e Swensson (1995) apontam a existência de outros

dois: o modelo de shopping e o residencial. O primeiro surgiu como uma possibilidade a

mais de lucro para o empreendedor e entretenimento para pacientes e visitantes, já que

possui lojas, praça de alimentação e outros serviços. O segundo modelo, o residencial, é

aplicado somente ao quarto do paciente e tem a finalidade de proporcionar a sensação

de “estar numa casa” e não num hospital. A decoração do ambiente e a presença de

elementos como camas diferenciadas, tapetes e cortinas, é semelhante à que é utilizada

nas residências.

A necessidade de projetar e construir hospitais com base não só na eficiência das

atividades a serem desempenhadas, mas na opinião dos usuários do edifício, em especial

os pacientes, gerou a procura cada vez maior pelos estudos pessoa-ambiente, como

veremos a seguir. Além disso, tais estudos representaram e ainda representam, a

oportunidade de verificar o efeito dos elementos e modelos construtivos no

comportamento e satisfação dos usuários.

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5. Interação pessoa-ambiente no contexto hospitalar

Este capítulo discute a relação entre os estudos pessoa-ambiente e a

humanização do ambiente sócio-físico dos edifícios hospitalares. Em linhas gerais,

veremos como surgiu e como vêm se desenvolvendo os estudos pessoa-ambiente,

particularmente algumas pesquisas no contexto hospitalar, desde os primeiros trabalhos

em instituições psiquiátricas, até os mais recentes, realizados principalmente em

estabelecimentos fora do Brasil e que servem de base para os ideais da humanização.

5.1 Sobre Psicologia Ambiental

A Psicologia Ambiental se ocupa em estudar a forma como o homem age sobre

o seu ambiente e é influenciado por ele, de modo a entender as relações psicológicas

que se estabelecem entre as pessoas e seus entornos. Caracteriza-se pela forma

multidimensional ou interdisciplinar com que estuda essa interrelação, porque aproxima

os aspectos relevantes de uma variedade de disciplinas cujos interesses se referem à

compreensão do comportamento humano em sua relação com ambientes específicos

(Ittelson, Proshansky, Rivlin & Winkel, 1974; Pinheiro & Elali, 2001).

Além disso, engloba diferentes métodos de investigação, já que nas ciências do

comportamento a complexidade das questões pode exigir a adoção de várias estratégias

para a coleta de dados (Sommer & Sommer, 1997). Assim, a escolha de métodos e

técnicas a empregar, cada um com alcances e limites diferenciados, está baseada no

problema e nas circunstâncias nas quais o estudo se desenvolve. Segundo Aragonés e

Amérigo (1998), existem mais dois aspectos que são característicos da Psicologia

Ambiental. Primeiramente, uma abordagem holística, já que estuda o indivíduo dentro

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de um contexto. Em segundo lugar, a discussão de temas da Psicologia Social, como por

exemplo, espaço pessoal e aglomeração.

Os pioneiros no estudo do comportamento em seu contexto natural foram os

psicólogos Barker e Wright (Barker, 1987), no final dos anos de 1940. Influenciados

pelas idéias do psicólogo Kurt Lewin e suas teorias sobre comportamento como função

da interação pessoa-ambiente, iniciaram uma série de discussões a respeito dos métodos

tradicionais de pesquisa baseados nos experimentos em laboratórios e procedimentos

clínicos, que não reproduziam os acontecimentos ocorridos naturalmente. Surgiu então

o que se chamou de Psicologia Ecológica, ramo da Psicologia que trata de como o

comportamento e as experiências das pessoas estão relacionadas com seus ambientes do

dia-a-dia.

Barker e Wright desenvolveram uma pesquisa numa estação de campo em

Oskaloosa, Kansas, Estados Unidos, a fim de observar e registrar o comportamento das

crianças nos seus mais variados contextos. A partir desse trabalho, sugerem métodos

mais apropriados para estudar a relação pessoa-ambiente e identificam novos conceitos,

como o de behavior setting. Foi o que Valera (1996) chamou de primeiro nascimento da

Psicologia Ambiental.

Os anos de 1960 e 70, marcaram o início de um período de grande aproximação

entre Arquitetura e Urbanismo e Psicologia (Valera, 1996). Como citado anteriormente,

o período pós-guerras suscitou o aparecimento de questões derivadas da problemática

urbana e habitacional e gerou discussões de arquitetos, sociólogos e psicólogos na busca

de alternativas. Caracterizado por um contexto econômico favorável, o aumento da

demanda por novas construções e mudanças no planejamento urbano proporcionou a

expansão das ideologias humanistas, como vimos no caso dos hospitais. Nesse período,

a Psicologia Ambiental era também chamada de Psicologia Arquitetônica e ampliava

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sua área de interesse aos aspectos mais sociais relacionados com a satisfação residencial

e a qualidade de vida.

A partir dos anos de 1980, o número crescente de trabalhos que abordam os

problemas ambientais assinala uma nova fase dentro da Psicologia Ambiental,

denominada por Pol (1993) de Psicologia Ambiental Verde. Tais estudos discutem

questões que dizem respeito à conservação da natureza, energia, recursos, contaminação

e condutas pró-ambientais.

Não é de admirar que uma área ainda jovem seja questionada entre os seus

estudiosos e pesquisadores, nem que receba diferentes terminologias para identificá-la.

Dependendo do país ou continente de origem, bem como da sua própria carreira

acadêmica e influências que recebeu, alguns autores se referem à Psicologia Ambiental

como “Estudos comportamento-ambiente” e nem sempre a consideram uma disciplina

(Altman, 1997; Kaminski,1983). Isto porque é uma área que oscila entre diversos

campos do saber e se utiliza de diferentes conceitos e métodos provenientes de outras

disciplinas. Contudo, para a maioria dos pesquisadores da área, é exatamente esta

vertente que a torna aplicável. Autores como Sommer (1990) e Proshansky (1990)

conseguiram vislumbrar o valor da pesquisa interdisciplinar e realizaram alguns dos

primeiros trabalhos em Psicologia Ambiental com equipes formadas por profissionais

de diferentes disciplinas, como será visto a seguir.

5.2 O ambiente hospitalar como campo de estudo

O trabalho em hospitais psiquiátricos marcou o início dos estudos da interação

pessoa-ambiente. Um dos pioneiros dessa área, Robert Sommer, começou com o

objetivo de criar espaços atrativos que permitissem o contato entre os usuários,

desencadeando uma série de questões que deram início ao conceito de espaço pessoal

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(Sommer, 1973). O termo reflete dois empregos: o primeiro refere-se à zona

emocionalmente carregada em torno de cada pessoa, uma área com limites invisíveis

que cerca nosso corpo e que é defendida contínua e ativamente. O segundo, refere-se

aos processos através dos quais as pessoas marcam e personalizam os espaços nos quais

e com os quais convivem, seja moradia, trabalho, instituições ou locais de lazer.

No final dos anos de 1950, Sommer foi chamado a um hospital psiquiátrico no

Canadá para descobrir o que havia de errado no local. Mesmo com o piso, esquadrias,

iluminação e mobiliário reformados, não permitia interação entre os pacientes. Uma das

primeiras questões levantadas por Sommer foi o fato dos usuários do ambiente não

serem ouvidos quanto às mudanças realizadas no espaço e demais aspectos da vivência

no hospital. A partir do momento em que começou a conversar com essas pessoas,

descobriu que os pacientes recém-chegados reclamavam mais e observavam coisas que

os mais antigos nem mencionavam. Odores, ruídos e alguns detalhes da rotina hospitalar

que incomodavam visitantes, não eram percebidos pelos funcionários, pois com o

tempo, por mais estranho e desagradável que pareça, o costumeiro torna-se fixo e

natural.

Padrões de ocupação de bancos e cadeiras em diferentes lugares também fizeram

parte das observações de Sommer, até porque embasariam as novas soluções de

organização espacial das enfermarias. Buscando o enriquecimento da pesquisa, o

comportamento de pacientes e funcionários continuava sendo observado depois das

modificações no ambiente, assim como o pedido de opinião continuava auxiliando o

trabalho realizado. Nesse sentido, Sommer dá início a uma série de discussões a respeito

dos métodos de pesquisa a serem adotados nos estudos pessoa-ambiente, o que inclui

entrevistas, questionários e observação natural.

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No mesmo período, outro trabalho dentro dessa mesma vertente é conduzido nos

Estados Unidos, com a participação de uma equipe de psicólogos (Ittelson, Proshansky,

& Rivlin, 1970; Proshansky, 1990). Inicialmente, os profissionais deveriam realizar uma

revisão de literatura sobre o projeto físico dos hospitais psiquiátricos e sua possível

relação com o comportamento de profissionais e pacientes, a fim de discutir de que

forma o ambiente físico poderia interferir no tratamento desses últimos. Pesquisas nessa

área eram escassas, portanto, tiveram de desenvolver sua própria orientação conceitual e

metodológica para abordar o problema. Assim, nesse tipo de estudo, tornava-se

essencial conhecer pacientes e profissionais e saber como e quando os espaços eram

utilizados.

Segundo Rivlin (1992), trabalhos dessa natureza possibilitaram a observação e

documentação da interferência do sistema hospitalar no comportamento de pacientes e

funcionários, bem como o surgimento de conceitos envolvendo a relação pessoa-

ambiente. Essas pesquisas também geraram a elaboração de artigos e livros sobre a área

em questão, incluindo a participação de arquitetos, antropólogos, geógrafos e

psicólogos, fato que leva em conta o desenvolvimento da interdisciplinaridade

defendida por Proshansky e outros pesquisadores da época.

De acordo com Lee (1977), os estudos sobre o impacto do ambiente físico do

hospital no comportamento dos pacientes, revelaram meios de oferecer melhorias aos

ambientes pouco atrativos, monótonos e sombrios, com repetições de elementos como

portas, janelas e desenhos de piso. Além disso, trouxeram à tona diferentes problemas

da própria cultura médica e de estrutura ambiental do edifício que acabam

desencadeando um funcionamento ultrapassado da instituição.

Um aspecto muito característico dos hospitais, é a variedade de usuários

presentes e suas diferentes necessidades ou expectativas, fato que pode ocasionar

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conflitos na forma de cada subgrupo (pacientes, funcionários e visitantes) lidar com o

espaço físico (San Juan, 1998). Como exemplo, o autor aponta o problema existente na

sensação de conforto térmico, acústico e visual dos pacientes em relação aos

funcionários. Enquanto os primeiros preferem uma atmosfera mais tranqüila, com

silêncio e pouca iluminação, os segundos, por se encontrarem em constante atividade,

requerem maior iluminação e temperaturas mais baixas. Na maior parte das vezes, a

maximização da eficácia médica é o primeiro fator a ser levado em consideração no

desenho dos hospitais, quando deveria estar no mesmo patamar do cuidado com o bem-

estar do paciente e de uma série de recomendações acerca dos projetos de tais

estabelecimentos. Uma delas, a possibilidade de projetar espaços que permitam a

interação entre pacientes, é reforçada com a ressalva de que a interação não deve ser um

imperativo, mas sim uma opção.

A continuidade e aprofundamento dos estudos na área passa pela necessidade de

adotar-se soluções administrativas e arquitetônicas que valorizem a opinião dos

pacientes e visitantes no processo de planejamento de hospitais (Carpmam et al.,1986).

Como veremos a seguir, diversos profissionais encontram-se envolvidos em trabalhos

dessa natureza, seja nas avaliações do ambiente, seja em relação à percepção das

pessoas acerca da qualidade do atendimento prestado em edifícios de atenção à saúde.

5.3 Panorama atual: introduzindo variáveis da pessoa e do ambiente

Segundo Devlin e Arneill (2003), a evolução do hospital e a sua nova imagem

modificada pelas tecnologias e humanização dos espaços gerou o aparecimento de

edifícios que primam pelo conforto oferecido ao paciente. Sabendo que vários fatores

contribuem para a sensação de conforto do paciente, apontam algumas variáveis do

ambiente que podem afetá-lo negativamente, como o excesso de luminosidade, sensação

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de aglomeração, odores fortes e ruído. Outras variáveis, como é o caso da paisagem

observada pela janela do quarto do paciente e a presença de objetos de arte no ambiente

hospitalar, já são avaliadas positivamente dentro da nova ótica da humanização dos

espaços.

Whitehouse et al. (2001) realizaram uma avaliação pós-ocupação (APO) num

hospital infantil em San Diego, Estados Unidos, com o objetivo de avaliar a utilização e

a satisfação de pacientes, familiares e funcionários com um jardim planejado no

ambiente. Através de entrevistas, observações e questionários, os pesquisadores

verificaram que as pessoas percebiam o jardim como um lugar que favorecia o

restabelecimento dos pacientes e reduzia o estresse dos funcionários, mas que não era

utilizado tão efetivamente quanto poderia. Entre outros fatores, os pesquisadores

recomendaram mudanças para promover um uso mais freqüente do jardim.

O trabalho de Ulrich (2000) sugere a implantação de áreas de jardins dentro do

hospital como medida terapêutica, até mesmo porque pode diminuir os gastos com

medicamentos e os elementos naturais auxiliam na diminuição do estresse e podem ser

empregados tanto dentro do hospital como nas áreas externas. Esse tipo de medida era

comumente utilizada nos hospitais psiquiátricos e começa a ser retomada nos hospitais

gerais, como resposta a um modelo no qual imperavam o excesso de funcionalidade e o

“não desperdício” com áreas livres.

A qualidade do atendimento prestado ao paciente pode ser por ele avaliada de

diferentes maneiras (Arneill & Devlin, 2002). Uma delas é através dos procedimentos

médicos utilizados, que o paciente geralmente não entende, e a outra é pela forma como

o atendimento é oferecido e percebido pelo paciente. De acordo com o estudo realizado,

quanto melhor a aparência e a iluminação do ambiente e mais novos os móveis, melhor

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é avaliada a qualidade do atendimento, ressaltando que a capacidade de compreensão do

médico ou profissional de saúde também interferem na percepção da qualidade.

O ambiente hospitalar também pode ser avaliado no que diz respeito à questão

temporal, ou seja, também pode ser visto como um local que manifesta um sentido de

tempo muito peculiar: o presente e o imediatismo. Para Ribeiro (1993), o “aqui e agora”

do hospital é sua característica marcante, dadas as atividades que precisam ser

executadas rapidamente. Mas não deve ser o único modo de enxergar o hospital, pois

ele não está congelado no tempo e nem no espaço e deve ser observado através da

história para que muitas questões possam ser compreendidas e melhoradas para o

futuro.

A leitura de Sommer (1979) sobre o tempo na relação pessoa-ambiente aparece

no que ele denomina por “vivência ambiental”. Todos os ambientes têm um tempo

próprio, que é o seu período de existência, mas também têm um tempo que depende das

pessoas e atividades ali desempenhadas, percebido a partir dessa vivência. Um hospital,

por exemplo, por se tratar de um recorte do presente, ocasiona um impacto em relação

ao tempo porque retira a pessoa de um tempo vivenciado lá fora e a coloca em outro.

Além disso, as pessoas se relacionam num mesmo ambiente com coordenadas de tempo

completamente diferentes, como é o caso dos médicos - sempre apressados para atender

vários pacientes em vários hospitais – e do paciente internado que ainda vai permanecer

ali por algum tempo.

Discorrendo sobre o tema, Tuan (1983) sugere que uma paisagem, um panorama

ou um espaço aberto possibilitam os mais variados pensamentos, fazendo-nos retroceder

ou avançar no tempo. Sendo assim, o fato de vislumbrar uma paisagem através de uma

janela de um hospital e imaginar a volta para casa, faz o paciente internado se mover em

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duas direções: um futuro promissor, com a volta para o lar; mas também passado, já que

a família e o lar ficam no centro da vida e tem a ver com origem e começo.

Remen (1993) discute a diferença entre o tempo do relógio, destituído de

conteúdo e valor, e o tempo da vida, um tempo que deveria ter mais qualidade. Em

geral, as pessoas têm a ilusão de que se houvesse mais tempo cuidariam melhor da sua

saúde e vivem com a idéia de que ficar doente é uma das maneiras socialmente aceitas

para conseguir um afastamento temporário dos papéis desempenhados. Em geral, as

pessoas não dão tempo para si próprias e quando estão internadas num hospital e presas

à cama, ficam deprimidas porque se desacostumaram a dar tempo e espaço para os seus

pensamentos e energias.

De acordo com Pinheiro (2002), essa noção de um tempo embutida nas pessoas

ainda é pouco analisada nos estudos pessoa-ambiente, talvez porque essa área do

conhecimento tenha surgido por influências da Arquitetura e Geografia, comprometidas

muito mais com o espaço. Em sua pesquisa sobre comprometimento ambiental, aponta

para a importância de considerarmos, além dos comportamentos das pessoas, aspectos

que indiquem como está acontecendo a interação com o ambiente, o que incluiria o

tempo. Segundo o autor, quanto cada um de nós está disposto a ceder ou reivindicar nas

interações com o ambiente também envolve tempo.

Baier (1995) comenta que estar internado num hospital significa repensar o que

passou e o que vem em seguida, numa relação com o tempo que implica passado,

presente e futuro. Muitas vezes os pacientes passam o tempo esperando a chegada de

uma visita querida, de uma decisão médica importante ou fazendo planos para o futuro,

por isso as janelas também são elementos importantes. Através delas – do contato com o

mundo lá fora e da possibilidade de ver a cidade, um jardim, o dia, a noite - a sensação

de estar isolado diminui e o paciente se sente mais relaxado.

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O papel do ambiente físico do hospital no processo de recuperação dos pacientes

tem sido tema de diversas discussões no campo da Psicologia Ambiental. Apesar deste

fato, Devlin e Arneill (2003) chamam a atenção para a ausência de estudos dessa

natureza que sejam testados empiricamente dentro da Arquitetura, talvez por não existir,

nesta área do conhecimento, uma tradição em pesquisa. Por outro lado, as ciências

médicas ainda não consideram os benefícios de determinados componentes da estrutura

físico-espacial do edifício para o restabelecimento de pacientes e bem-estar dos demais

usuários do hospital.

A partir dessa constatação, apesar de ser proveniente de estudos realizados fora

do Brasil, podemos dizer que essa “descrença” da classe médica também é encontrada

no nosso país e pode ser um dos motivos para a ausência de trabalhos sobre

humanização que mencionem Arquitetura ou os estudos pessoa-ambiente. Se o objetivo

maior da humanização é a valorização da pessoa nas práticas de saúde (Brasil, 2000), a

relação com o ambiente, bem como os benefícios por ele proporcionados, deveriam ser

igualmente enfatizados.

Entretanto, uma pesquisa realizada por uma enfermeira, com o objetivo de

investigar o sentimento dos pacientes frente à invasão do seu espaço territorial e

pessoal, sugere que tais aspectos começam a ser levados em consideração pela categoria

(Sawada, 1995). O referencial teórico é constituído por autores da Psicologia Ambiental

que tratam das distâncias interpessoais, do espaço pessoal e da territorialidade. O estudo

é composto por escalas adaptadas à cultura brasileira, aplicadas a pacientes internados

em hospital público. Os resultados apontaram, entre outros aspectos, a interrupção do

sono e descanso, entrada no espaço físico sem permissão, toque e proximidade íntima.

Com base nos estudos de Hall e na sua teoria da proxêmica (1977), todos nós

nos relacionamos e nos comunicamos utilizando determinadas distâncias interpessoais.

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Entre os animais, além da territorialidade, tais espaçamentos adquirem diversas funções,

seja controle da população, distanciamento por diferenciação entre as espécies ou

expressão de status. Entre nós, seres humanos, variam conforme a cultura e sistemas

sensoriais (visual, auditivo, olfativo, tato). Dentro da proxêmica, o espaço pode ter

características fixas (como por exemplo, uma parede); características semi-fixas

(mobiliário ou obstáculos) e ainda ser informal, que é o espaço ao redor do corpo e que

determina as distâncias interpessoais (divididas em íntima, pessoal, social e pública).

Partindo desta base, a regulação do espaço ao redor das pessoas também pode

ser entendida a partir do estudo da territorialidade. Segundo Valera e Vidal (1998), este

conceito tem a ver com a defesa de uma área contra invasões e pode ou não envolver as

distâncias interpessoais. Para os animais, a função da territorialidade é a sobrevivência;

para nós, ajuda na organização social, na proteção do espaço físico e na identidade

pessoal e grupal.

Dentro da Psicologia ambiental, espaço pessoal, distâncias interpessoais e

territorialidade estão intimamente ligados às noções de privacidade. Segundo Valera e

Vidal (1998), a privacidade tem a função de regular as interações, controlar informações

e proporcionar às pessoas recursos para manter estruturas grupais. Os mecanismos para

alcançar esse nível ideal de privacidade, diferente para cada indivíduo, incluem os

verbais, não verbais, ambientais e sócio-culturais. Com ênfase nos mecanismos

ambientais para regular a privacidade, estão presentes a utilização de determinadas

vestimentas, do espaço pessoal, das distâncias pessoais e da territorialidade. Neste

sentido, grande parte dos estudos sobre privacidade apresenta relação com

territorialidade, conceito considerado como elemento-chave para o entendimento das

interações sociais.

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De acordo com Altmam (1975), o termo privacidade significa “o controle

seletivo de acesso ao eu” (p.18) e pode ser considerada como um dispositivo que cada

um de nós tem para regular nossas fronteiras pessoais, portanto perpassada sempre pela

subjetividade. Como já foi explicitado anteriormente, cada pessoa tem diferentes

dimensões a serem consideradas e uma bagagem psicológica, histórica e cultural

essencial na sua relação com a doença. Se é assim, cada um fica doente ao seu modo e

atravessa as experiências da hospitalização também de modo particular. Para Altman

(1975), existe uma dialética natural da privacidade que envolve restrição e procura da

interação, o que justifica a presença de um processo de otimização, no qual cada pessoa

escolhe quanto de acesso ao seu eu vai permitir aos demais.

A esse respeito, como focalizado no capítulo sobre o paciente hospitalizado, a

falta de privacidade e a transformação da vida privada do paciente numa vida pública,

constantemente acessível aos membros da equipe médica e de enfermagem, é um fator

característico da internação (Rodriguez-Marín, 1995; Santos & Sebastiani, 2001).

Característico, mas que pode e deve ser amenizado. Estabelecendo uma ligação com os

comentários de Shumaker e Pequegnat (1991), vemos que a equipe de enfermagem,

apesar de não possuir o mesmo poder de decisão dos médicos, apresenta maior

responsabilidade e sensibilidade diante dos sentimentos dos pacientes.

A procura pela área de estudos pessoa-ambiente e, consequentemente, a procura

por novos métodos de pesquisa que envolvam o usuário dos edifícios ou espaços

abertos, vem se intensificando a cada dia. Vários trabalhos de Arquitetura que levam em

conta esses fatores são apresentados em periódicos de Psicologia Ambiental, mostrando

a ligação entre as duas áreas e a preocupação dos profissionais que trabalham com o

espaço em considerar a relação pessoa-ambiente (Devlin & Arneill, 2003; Whitehouse

et al., 2001).

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Um dos poucos exemplos dessa interdisciplinaridade no Brasil, pelo menos no

que diz respeito a estudos que tratam do ambiente hospitalar, é a pesquisa de Fontes et

al. (2004), cujo objetivo foi verificar a percepção dos usuários do ambiente – pacientes,

acompanhantes e funcionários - sobre um pátio com jardim construído num hospital

público. Através de entrevistas e questionários, os pesquisadores constataram que a

presença do jardim significa a humanização daquele espaço, já que proporciona

conforto térmico, visualização da natureza e do ciclo dia/noite. A base para esta

afirmação, pouco aprofundada, é o conjunto de trabalhos que tratam dos benefícios dos

jardins e áreas abertas para os usuários do ambiente hospitalar.

A influência dos estudos pessoa-ambiente no fazer profissional do arquiteto é

destacada por Jácome (1999). Sua pesquisa apresenta uma comparação entre os

arquitetos que cursaram e os que não cursaram Psicologia Ambiental durante a

graduação e utiliza como instrumento a entrevista. A diferença central entre os dois

grupos é a preocupação com a opinião/satisfação dos usuários com o ambiente projetado

pelo profissional, principal aspecto mencionado pelos que cursaram Psicologia

Ambiental.

A partir do que foi exposto até o momento, vimos a diversidade de fatores que

determinaram, ao longo do tempo, as mudanças nas funções e na estrutura físico-

espacial do edifício de atenção à saúde. Vimos também a importância dos estudos

pessoa-ambiente para o reconhecimento da influência do espaço físico no processo de

recuperação dos pacientes e satisfação dos demais usuários do hospital. Além disso, tais

estudos proporcionaram a inserção da opinião dos usuários no planejamento e projeto

dessas instituições.

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Até aqui podemos dizer que, quanto maior o enfoque nessas relações, mais o

usuário do ambiente é contemplado e, consequentemente, mais próximo se chega dos

ideais da humanização hospitalar.

Deste ponto em diante, este estudo volta-se para a consulta a arquitetos

especialistas em projetos de estabelecimentos assistenciais de saúde, com o objetivo de

verificar a percepção desses profissionais acerca do processo de humanização

hospitalar.

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6. A consulta aos arquitetos especialistas

6.1. Participantes

A pesquisa foi baseada em entrevistas com arquitetos de Natal/RN, da área de

projetos hospitalares e que trabalham ou já trabalharam no planejamento/execução das

construções de estabelecimentos de saúde da cidade. Além desses critérios, o fato de ser

especialista neste tipo de projeto delimitou a participação dessas pessoas no estudo e

totalizou um universo de nove profissionais. Destes, apenas um foi selecionado para

participar da entrevista piloto, enquanto os oito restantes representaram os dados oficiais

desta pesquisa.

Considerando que a descrição detalhada a respeito do perfil dos participantes

implicaria na exposição dos mesmos, optei por apresentar apenas alguns dados

considerados relevantes para o trabalho, sendo cada uma dessas pessoas identificadas

com uma letra do alfabeto em ordem seqüencial.

Entre as oito pessoas entrevistadas, cinco são mulheres e três são homens. Seis

sujeitos estão compreendidos numa faixa etária entre 42 e 48 anos e terminaram o curso

de Arquitetura entre os anos 1982 e 1986. Apenas dois entrevistados estão

compreendidos fora dessa faixa etária e do período de conclusão de curso, já que um

estudou durante os anos 1970 e outro no início dos anos 1990. Dos oito arquitetos, sete

foram alunos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Em relação a cursos de Pós-graduação, sete profissionais possuem

especialização na área de sistemas de saúde/projetos hospitalares, com os respectivos

títulos obtidos entre o final dos anos 1990 e o ano de 2003.

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Seis arquitetos exercem suas funções em instituições públicas e também

possuem escritório. Apenas um é funcionário de empresa privada e outro não possui

vínculo empregatício, já que é profissional liberal.

6.2. Instrumento

O roteiro de entrevistas foi elaborado com base em aspectos relevantes da

literatura da área e inspirado por minhas reflexões, estruturado de modo a abarcar três

aspectos principais: humanização hospitalar, projetos de arquitetura na área e algum tipo

de experiência como paciente ou acompanhante que o entrevistado tenha considerado

como positiva ou negativa (ver Apêndice A). Inicialmente o roteiro apresentava um

número menor de questões, dispostas e redigidas diferentemente do formato final. As

alterações na ordem das perguntas e na redação das mesmas só foi possível após uma

entrevista piloto, que também serviu como treino para a pesquisadora.

6.3. Procedimento

Para cada um dos arquitetos, o primeiro contato foi feito via telefone, ocasião em

que marcamos data e local para a realização das entrevistas. Antes de perguntar se as

pessoas estavam dispostas a colaborar com o trabalho prestando seus depoimentos, eu

me identificava e apresentava o objetivo da pesquisa.

As entrevistas foram realizadas nos respectivos locais de trabalho dos arquitetos.

Em cada contato realizado pessoalmente com os entrevistados, conversamos

primeiramente a respeito de como a entrevista seria conduzida, qual o seu conteúdo e

mais uma vez sobre o objetivo da pesquisa. Explicitei o fato de que a entrevista seria

gravada, para que depois houvesse a possibilidade da transcrição integral dos

depoimentos, com a ressalva de que o anonimato do entrevistado seria garantido, bem

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como o de pessoas e estabelecimentos citados durante a conversa. A partir daquele

momento, aceitando participar da entrevista, o arquiteto estaria concordando com os

termos expostos. Todas as pessoas mostraram-se disponíveis para contribuir.

6.4. Análise dos dados

O processo de análise das entrevistas implicou uma primeira leitura dos

depoimentos transcritos a fim de reconhecer suas características básicas. Em seguida, o

conteúdo foi separado por respostas e, de cada uma delas, retirados os temas de maior e

menor ocorrência. Após repetidas leituras, os dados foram categorizados, dispostos em

blocos ou eixos temáticos, tabulados por freqüência e interpretados (Sommer &

Sommer, 1997; Quivy & Campenhoudt, 1998). Esses eixos temáticos não obedeceram o

roteiro de entrevistas, mas às informações que emergiram do conjunto de respostas. Por

fim, a análise das relações obtidas (intra e inter-blocos) e seus respectivos conteúdos,

permitiu o aparecimento e análise de novas questões, não identificadas na literatura

pesquisada até o momento.

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7. O que define a humanização hospitalar: a percepção dos arquitetos

A apresentação dos resultados da pesquisa foi organizada segundo uma estrutura

composta por quatro blocos lógicos ou eixos temáticos: a) humanização hospitalar, b)

hospitais do passado e do presente, c) estabelecimentos públicos e privados e d) projeto

arquitetônico de estabelecimentos assistenciais de saúde (Figura 1).

Hospitais Públicos e Privados

Figura 1: Apresentação dos bloco

Tomando como base o co

veremos de que forma esses dados

partir do trabalho cuidadoso de e

arquitetos entrevistados, serão foca

relevantes para a discussão sobre h

Humanização Hospitalar

Passado e Presente

Projeto Arquitetônico

s ou eixos temáticos e suas interrelações

nteúdo dos blocos apresentados na figura anterior,

se relacionam entre si e com a literatura da área. A

leger determinadas passagens dos depoimentos dos

lizadas as que mais visivelmente traduzem aspectos

umanização.

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70

7.1. Humanização hospitalar

De acordo com a grande maioria dos especialistas, a humanização hospitalar

envolve - ou pelo menos deveria envolver - elementos relativos ao atendimento e ao

espaço físico, estando entre os primeiros a relação estabelecida entre o profissional de

saúde e os pacientes, e entre os segundos, a ambientação do edifício e seu paisagismo

(Tabela 1)5.

Tabela 1 Componentes da humanização hospitalar mencionados Componentes mencionados FreqüênciaAtendimento + ambiente físico 7 Ambiente físico 1

Antes de realizar as entrevistas, cheguei a imaginar que, por serem profissionais

que trabalham com o espaço, atentariam somente para o projeto de arquitetura como

caminho rumo à humanização. Porém, como mostram seus depoimentos, isso não

aconteceu:

Olhe, é porque eu conceituo humanização hospitalar de dois pontos de vista diferentes: um, no que diz respeito ao ambiente e o outro, no que diz respeito às relações interpessoais que acontecem dentro daquele ambiente.(Arquiteto A) Eu acho que é uma coisa muito ampla. Envolve vários aspectos desde físicos como comportamentais de quem está se servindo, de quem está prestando o serviço. É o ambiente como um todo.(Arquiteto G)

Quando os participantes da pesquisa são questionados a respeito de alguma

experiência como paciente ou acompanhante em hospitais, o espaço físico predomina

como aspecto positivo. Em contrapartida, os aspectos considerados negativos disseram

respeito ao atendimento prestado pelos funcionários e aos serviços oferecidos de uma

maneira geral:

5 Dependendo do contexto de análise, algumas tabelas têm como total o número de participantes (N=8), enquanto outras consideram o número total de ocorrência das categorias em questão.

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Eu fiz uma cirurgia lá, uma coisa simples. Eu entrei num dia, fiz a cirurgia e saí no outro dia. Achei, assim, o tratamento da enfermagem, frio, distante. Quanto ao ambiente não. (...) O ambiente físico tá (...) bem mantido, bem organizado. (...) Agora eu achei a falta de calor humano do pessoal da enfermagem, sabe, assim, impressionante. (Arquiteto A) Positivo, a evolução no tipo de projeto hospitalar, a descaracterização daquele ambiente frio. (...) Negativo (...), eu fui como paciente ao Hospital X, numa situação de pressão alta e como paciente não fui bem acolhida.(Arquiteto H) Bastante positivo, foi no acompanhamento do meu pai. É que existe hoje um cuidado maior com a questão do espaço do hospital, ou seja, no tocante à organização dos espaços nos hospitais e pontos em relação a acabamento (...) E pontos negativos, o excesso de exigência desnecessária nos exames. (Arquiteto F) É importante ressaltar que apenas quatro pessoas aceitaram se expor e tecer

comentários a respeito de suas vivências em hospitais. Mesmo assim, podemos observar

que, apesar da arquitetura dos estabelecimentos ser um fator primordial para os

entrevistados, é no quesito atendimento que aparecem suas maiores queixas. Será que os

hospitais freqüentados não têm um atendimento satisfatório, ou será que somente a

aparência diferenciada não faz do hospital um local “humanizado”?

Vimos no decorrer do trabalho que vários autores se referem ao atendimento e

ao espaço físico como sendo os componentes necessários para o restabelecimento dos

pacientes, independente de quão especializada seja a instituição (Arneil & Devlin, 2002;

Malkin, 1992; Whitehouse et al. 2001). Em relação ao atendimento, vários autores

focalizam a importância das relações entre profissionais de saúde e pacientes e das

informações prestadas a estes últimos (Boltanski, 1989; Remen, 1993; Traverso-Yepez

& Morais, 2004). Tais aspectos também apareceram nos depoimentos dos respondentes,

indicando ser esse um tipo de preocupação que, pelo menos em tese, deveria ser

incorporada pelos prestadores dos serviços de saúde, reforçando o fato de que só uma

aparência de hotel e ambientes bem decorados não resolve:

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Passa primeiro pelo pessoal qualificado. Não adianta você ter um espaço bem organizado, projeto bem feito, cores adequadas, equipamentos e mobiliários muito bons, se o pessoal não estiver treinado para isso. Então, primeiro, a humanização é a forma que você é tratado desde o médico e o enfermeiro, até o atendente de enfermagem, o pessoal do hospital. (Arquiteto F) E às vezes também (...) o enfermeiro vai lá ao aposento, verifica sua pressão e sai. Nem diz nada. Ou você toma um medicamento e nem sabe o que é. Isso, esse tratamento e essa proximidade da pessoa saber o que é que está sendo feito, recebendo de tratamento e como está a situação dele em termos de pressão, de pulso. É importante que seja informado e aí torna realmente o negócio mais próximo e fica mais humano. (Arquiteto E)

A respeito das informações prestadas ao paciente, vale acrescentar ao que já foi

citado por Malkin (1992), um comentário de Sommer (1979). Segundo o autor, um

administrador hospitalar lhe perguntou se existiam estudos mostrando que o paciente se

recupera mais rapidamente se souber o que lhe vai acontecer e porque vai acontecer. No

período em que o livro foi escrito, as discussões sobre o assunto não tinham as

proporções atuais, nem os estudos haviam comprovado esse tipo de relação direta como

já comprovaram hoje. Mesmo assim, Sommer respondeu ao administrador que se o

paciente vai se sentir melhor ou mais descontraído sabendo para onde o estão levando e

porque, isso já é uma boa razão para mantê-lo informado.

Os entrevistados enumeraram uma série de ações de humanização a serem

incorporadas como meta de trabalho nas instituições de saúde, seja para melhorar o

serviço oferecido, seja para melhorar as relações estabelecidas entre profissionais e

pacientes (Tabela 2). Além do número de ocorrência de respostas, vemos algumas

diferenças na natureza da ação de humanização, como por exemplo “treinamento” e

“chamar paciente pelo nome”. Enquanto a primeira, assim como “implantação de

hotelaria”, são mais abrangentes porque envolvem outros aspectos do trabalho

administrativo, a segunda parece definir melhor o que deve ser incluído no contato entre

profissionais e pacientes.

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Tabela 2 Ações apontadas para humanizar os serviços Ações FreqüênciaTreinamento 3 Prestar informação ao paciente 2 Mudança do uniforme dos profissionais 2 Implantação de hotelaria 2 Chamar o paciente pelo nome 1 Apoio psicológico ao funcionário 1 Caixa de sugestões 1

Entre os profissionais que prestam atendimento ao paciente, enfermeiros e

auxiliares também foram bastante mencionados. Como estes últimos geralmente

mantêm um contato mais freqüente com o paciente, são direcionadas a eles as maiores

queixas dos entrevistados. Esses profissionais poderiam ter em vista que seu trabalho e

sua relação com os pacientes têm efeitos sobre o processo de recuperação destes últimos

e podem atenuar ou não as implicações geradas pelas rotinas hospitalares e pelo próprio

ambiente físico. Na medida do possível, o fato de respeitar o espaço pessoal de cada

paciente ou estar atento às distâncias interpessoais e privacidade nos procedimentos

realizados, demonstraria um atendimento mais humano (Sawada, 1995).

Em contrapartida, o trabalho do médico - e seu atual afastamento do paciente -

também foram focalizados pelos entrevistados:

Primeiro, o atendimento: você tem que fazer o médico voltar a pegar no doente, porque hoje quem pega são as máquinas. (Arquiteto F)

(...) naquela situação de paciente, a gente está entregue nas mãos de um médico, então é muito importante como esse médico também vai lidar com o cliente. Se ele tem realmente um tratamento humanizado ou se ele ainda é aquela figura que está ali quase como um semideus e o paciente afastado. Então, tudo isso envolve e eu acho que favorece um atendimento humanizado, um atendimento mais com calor humano.(Arquiteto G)

Podemos dizer que o afastamento entre o médico e o paciente, citado por

Boltanski (1983) e Gorayeb (2003), ainda é um aspecto notório na prestação dos

serviços de saúde. Por um lado, está a relação entre o atendimento prestado ao paciente

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e o grau de superioridade do médico; e por outro, a tecnologia e os equipamentos

utilizados a favor dos avanços da ciência, mas que por vezes dificultam esse contato

profissional-paciente.

Nesse contexto, uma pessoa mencionou a preocupação dos profissionais de

saúde em não poder perder tempo:

Se você pedir uma informação, essa deveria ser dada, porque às vezes as pessoas estão tão atarefadas, que a gente pergunta uma coisa e elas não querem nem parar para responder. Eu acho que seria interessante em cada ambiente de trabalho haver algumas reuniões. Alguma coisa que relaxasse. Porque é só trabalho, trabalho, e de repente parar um pouquinho e daí ter algum tipo de apoio, até com psicólogos ou uma pessoa que saiba lidar com essa parte. Estão sempre querendo otimizar o tempo, mas que parasse um pouquinho para conversar um pouco sobre as relações, sobre o que o outro está fazendo, como agiu, seria interessante.(Arquiteto C)

Sobre isso, Remen (1993) comenta que as pressões do tempo são culpadas pelas

abordagens, métodos e estilos de vida que não reconhecem as necessidades humanas do

paciente e do profissional. Muitas vezes os profissionais lutam contra o tempo e

parecem não estar presentes quando cuidam do paciente e interagem com ele. Em

alguns casos, a competência profissional é medida pela habilidade em resolver as

necessidades imediatas, características do treinamento profissional dentro do modelo

biomédico tradicional, como vimos no capítulo sobre humanização da assistência

hospitalar.

7.2. Hospitais do passado e do presente

A comparação entre os hospitais do passado e os construídos recentemente foi

mencionada por todos os arquitetos durante as entrevistas. Vejamos alguns exemplos:

Eu acho isso uma coisa boa e que houve uma mudança de uns 5 anos para cá aqui em Natal. (...) Que isso vai interferir nessa história da humanização e eu acho que já há uma preocupação hoje com isso. Então o usuário se sente bem, até parece que não é hospital. (Arquiteto C)

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A gente nota mudança do espaço físico, mudança no critério de ocupação do solo, questão de você dar mais conforto ao paciente, mas eu não noto assim aquela evolução em termos de pessoal. (Arquiteto F)

Todos os entrevistados se referiram ao espaço físico como algo fortemente

modificado de alguns anos para cá e metade dos arquitetos diz que a evolução dos

projetos pode ser vista principalmente nos saguões de entrada e conforto nos

apartamentos dos hospitais. Além disso, existe uma forte tendência em dizer que esses

novos hospitais não parecem hospitais e comparar sua estrutura físico-espacial à de

shoppings e hotéis:

No meu projeto mais recente, que foi o hospital Z, a gente buscou resolver esses problemas, dotar o hospital de uma estrutura que lembre um hotel 5 estrelas, um shopping, um ambiente pra cima, iluminado. (Arquiteto B)

Na realidade, um hospital que me impressionou pelo aspecto positivo foi o hospital Y, porque logo que foi construído, foi um diferencial em Natal (...) Lógico que surgiram os outros depois e que seguiram a mesma linha, mas o hospital Y em Natal foi para mim uma referência pelo saguão imenso de entrada com aquela cara de não hospital. (Arquiteto E)

A chegada no hospital, o saguão de entrada, a amplitude, muitas vezes você ter um pé direito mais alto, que não lhe dê uma sensação de aperto, você ter uma sensação de amplitude. É a primeira impressão. (...) O quarto tem que ter maiores cuidados e que isso se estende ao serviço de nutrição, o que você vai escolher para sua refeição. (Arquiteto G)

Esse modelo de hotel e shopping, comentado por Miller e Swensson (1995) e

Godoi (2004), começou a ser utilizado a partir dos anos 1980 para oferecer ao paciente

conforto e opções de serviço, bem como oferecer aos empreendedores mais uma opção

de lucro. Aliado à questão da aparência do edifício, está o serviço de nutrição, um dos

pontos mais comentados pelos entrevistados em relação à implantação da hotelaria

hospitalar:

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E alimentação, a gente não valoriza, mas é um fator importantíssimo para a recuperação do paciente. Então, outra coisa que lá a gente ouve, eu já ouvi de outros pacientes: todo mundo achando bom, boa a comida do hospital, sabe? Primeiro a pessoa diz que não parece comida de hospital. A forma como é apresentada, como é servida, né? (Arquiteto A)

Paralelamente a essas considerações, aspectos que dizem respeito à necessidade

de assepsia dentro desses estabelecimentos e, consequentemente ao “cheiro de hospital”,

também foram apontados por duas pessoas entrevistadas:

(...) porque já tem os cheiros e se você consegue dar uma aparência melhor ou com vegetação, apenas em alguns lugares, e até mesmo com quadros, com cores, com mobiliário, então humanizar, em termos de espaço físico, é isso.(Arquiteto C)

Tirar aquela sensação de ambiente tão frio, embora a assepsia na unidade hospitalar seja indispensável, quer dizer, um ponto primordial que você tem que respeitar, mas não é só a assepsia. O fato de ser asséptico não significa que seja feio ou totalmente frio.(Arquiteto E)

A assepsia é um fator imprescindível neste tipo de edifício, dados os

procedimentos realizados e os cuidados no tocante à infecção hospitalar, embora hoje já

se saiba que alguns setores permitem condutas de higienização em níveis menores de

exigência. Por esse motivo, os depoimentos anteriormente citados sugerem uma

mudança na aparência geral do hospital e em alguns setores, principalmente aqueles em

que o paciente, visitante e acompanhante circulam. Segundo Carpman et al. (1986), o

paciente que vivencia determinada situação num local como esse, leva consigo algumas

imagens positivas ou negativas do que foi visto, ouvido, cheirado ou tocado. Sendo

assim, o trabalho do arquiteto deve considerar tais fatores através da organização

espacial e ambientação do edifício.

O fato dos entrevistados considerarem o espaço físico como marco na evolução

dos hospitais, pode ser conseqüência de sua formação profissional. Não é minha

pretensão fazer generalizações, mas como a maioria estudou Arquitetura nos anos 1980

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e fez especialização depois dos anos 1990, fica evidente que as transformações no

padrão construtivo dos hospitais a partir dessa época, exerceram forte influência na

forma dessas pessoas verem e projetarem esses edifícios. Portanto, tendo os arquitetos

participado desse período de mudanças, não é de admirar que façam referências a esse

momento.

Ao comparar os estabelecimentos de ontem com os que foram construídos

recentemente e, portanto, mais humanizados, algumas sensações são expostas,

principalmente as que estão ligadas ao ambiente físico, como “aconchegante”,

“agradável” e “confortável” em oposição a “frio” e “sombrio” (Tabela 3).

Tabela 3 Sensações associadas ao hospital do passado e do presente Tipo de hospital Resposta Hospitais do passado

Frieza

Hospitais do presente

AconcheganteAgradável Bem-estar

Os arquitetos também fazem referência às cores, comentando que o hospital

construído há alguns anos tinha que ser branco e que o de hoje já pode ter a presença de

várias cores.

Nós temos a antiga imagem dos hospitais (...) sombrios, escuros, de ambientes... é... sem vida, sem uma ambientação que deixe a pessoa se relacionar com aquele espaço, ambiente frio. Então nos nossos hospitais a gente procura dar à pessoa aquilo que ela procura, que é um ambiente feliz, alegre, pra cima, colorido, com materiais que ela se identifique, materiais nobres, que está dando qualidade ao espaço.(Arquiteto B)

Antigamente, o hospital era o que? Quanto mais sem nada, quanto mais fácil de limpar e lavar, melhor. E hoje isso mudou um pouco mais, principalmente quando se trata da parte ambulatorial, onde você não precisa ter esse controle tão rígido. Você pode ter uma urbanização dentro, você pode ter hoje cortina, alguns tipos de tapetes e que isso aí deixa o ambiente mais aconchegante.(Arquiteto D)

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Antigamente sentia-se só aquela coisa branca, não tinha a presença do uso de cor. Já os próprios órgãos de Vigilância Sanitária proibiam, nada fundamentado, que não podia ter água, ter música dentro deles e a gente vê nos grandes hospitais, principalmente no sul do país, que eles são bem humanizados.(Arquiteto H)

A forma encontrada para relacionar o hospital construído recentemente com a

humanização é um aspecto que diferencia tais informações das que foram obtidas na

literatura pesquisada até o momento, uma vez que, entre os autores citados, não aparece

esse tipo de relação.

7.3. Hospitais públicos e privados

A ênfase dada aos estabelecimentos públicos e privados em sua relação com a

humanização, foi um ponto marcante nas respostas dos arquitetos. De acordo com a

Tabela 4, vemos o número de estabelecimentos públicos e particulares considerados

humanizados pelos participantes da pesquisa.

Tabela 4 Tipo de estabelecimento e freqüência de citação Tipo e localização de estabelecimento FreqüênciaPúblico em Natal 2 em outras cidades 1 Privado em Natal 4 em outras cidades 4

Ao todo, incluindo os que se localizam em Natal e em outros estados brasileiros,

os arquitetos lembraram-se de onze hospitais, sendo três públicos e oito particulares.6

6 De um universo de vinte e cinco estabelecimentos existentes em Natal (ver Apêndice B), as respostas representaram apenas 1/4 do total, focalizando as construções mais recentes e que se fizeram presentes em grande parte das respostas dos especialistas. Para que o leitor pudesse ver o número de hospitais do Brasil, tentei uma busca em banco de dados do Ministério da Saúde e junto ao IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contudo, as informações disponíveis contemplam apenas os estabelecimentos públicos e ainda misturam hospitais e outras unidades de saúde, como por exemplo, os laboratórios. Além disso, os dados do IBGE apresentam somente o número de leitos hospitalares e não de hospitais.

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Vale salientar que a referência aos hospitais de Natal e de outros estados implica

no conhecimento dos mesmos, seja como paciente, visitante ou como profissional

responsável pelo projeto. Creio que, por essa razão, não houve menção a nenhum

hospital estrangeiro. Oito estabelecimentos da rede privada foram citados como

humanizados, ao lado de apenas três da rede pública, o que mostra que os arquitetos

estão visitando, projetando e/ou utilizando mais os primeiros. Além desses motivos,

como alguns relataram, está o fato de que ao longo da suas vidas profissionais, esses

foram os estabelecimentos mais visitados durante os cursos ou projetos realizados. A

referência aos dois hospitais públicos de Natal fez parte apenas das respostas dos

arquitetos que participaram de tais projetos e não porque utilizaram seus serviços.

Aqui cabe acrescentar que, quando os arquitetos falam a respeito dos hospitais

que consideram humanizados, os estabelecimentos públicos são mencionados como

tendo um atendimento dessa natureza. Por outro lado, quando falam dos

estabelecimentos particulares, é o espaço físico que é focalizado:

Eu visitei um hospital X em São Paulo. Lá, as UTI’s são... têm um tratamento todo especial. Os apartamentos são muito bons também. Geralmente eles colocam estampas coloridas, florais, pintam um apartamento de uma cor diferente. Isso eu falei dos hospitais privados (...) Agora tem um hospital da rede pública que funciona direitinho, que é o hospital Y. (...) O pessoal de lá vestiu a camisa mesmo, é um pessoal que ama aquilo ali. Então eles cuidam, eles tratam, sabe? (Arquiteto A) Aqui no Rio Grande do Norte, a administração antiga do Hospital Y. (...) Existia um sentido de equipe muito grande, do corpo médico e de enfermagem, era uma equipe muito organizada. Nos outros hospitais você tem algumas transformações do espaço físico. (Arquiteto F)

Como já vimos, isso pode estar ligado às suas experiências profissionais e

pessoais, muito mais freqüentes em estabelecimentos privados. Mas a que se deve o fato

de mencionarem o atendimento prestado nos hospitais públicos como uma prova da sua

humanização? Talvez porque a prática de um atendimento mais humano nesses

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estabelecimentos já esteja acontecendo, uma vez que os entrevistados se referiram às

atitudes dos profissionais de saúde. Esse movimento surgiu como resposta ao

afastamento entre o profissional de saúde e o paciente, visando a introdução de novas

iniciativas e o fortalecimento das existentes (Brasil, 2000; DeMarco, 2004).

Especificamente sobre o PNHAH, apenas um arquiteto que trabalha na área

pública mostrou ter conhecimento sobre o assunto:

E eles tem também aquele...é... programa da mãe-canguru, que é reconhecido, assim, pelo Ministério, como um programa que funciona muito sem gastos.(Arquiteto A)

A respeito de outras ações de humanização, o trabalho realizado pelos

voluntários foi lembrado por apenas um arquiteto, que hesitou em afirmar que a

presença de palhaços e músicos seja de fato um aspecto válido para o paciente e que

signifique a humanização de um determinado hospital.

Esse tipo de prática passou a ser desenvolvida inicialmente nas enfermarias

infantis como forma de distrair as crianças, mas em seguida se estendeu aos demais

setores hospitalares. Grupos de voluntários se dispõem a contar estórias, tocar

instrumentos, ler ou levar pequenos animais para o hospital acreditando que estão

minimizando a dor e o sofrimento de pacientes e acompanhantes.

No meu entendimento, o trabalho de participação de voluntários nos hospitais é,

sem dúvida nenhuma, um ato extremamente humano, mas não significa que confere ao

estabelecimento a qualidade de “humanizado”. A humanização deve ser trabalhada por

todas as pessoas que prestam seus serviços dentro da área da saúde, na tentativa de

compreender as fragilidades próprias de cada um e de auxiliar no processo de

recuperação do paciente.

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7.4. Projetos arquitetônicos de estabelecimentos assistenciais de saúde

Antes de comentarmos mais a respeito do que define a humanização, falarei

sobre os projetos de arquitetura. A Tabela 5 apresenta os elementos de projeto que

devem ser contemplados na construção do edifício humanizado.

Tabela 5 Elementos do projeto arquitetônico mencionados Elementos FreqüênciaAmbientação cores 8 mobiliário 8 Paisagismo 6 Janela 2

Segundo os participantes da pesquisa, ambientação e paisagismo são os

componentes principais para que um ambiente se torne agradável e proporcione bem-

estar. Quanto aos ambientes ou setores do hospital, a UTI foi bastante mencionada,

especialmente no que diz respeito à falta de privacidade dos pacientes:

A maioria das UTI’s de hospitais são quase como um grande ambiente,(...) com todo mundo ali dividido por pequenas cortinas, que faz com que qualquer paciente sinta, perceba e passe pelo problema do seu vizinho. Então, nos nossos hospitais, a gente buscou uma forma de eliminar isso. (...) Cada paciente fica realmente num espaço completamente isolado dos demais, interligados todos a um sistema de controle e monitoramento. (Arquiteto B)

A falta de privacidade e a despersonalização da pessoa hospitalizada, são

aspectos característicos de determinados setores do edifício de atenção à saúde

(Rodriguez-Marín, 1995; Santos & Sebastiani, 2001). Como citado anteriormente,

característico, mas que pode ser atenuado. Porém, em entrevistas informais com pessoas

que passaram pela experiência de internação em UTI, nem sempre a falta de privacidade

é o que mais incomoda. O próprio ambiente físico, os procedimentos adotados e o

receio em relação à morte são fatores tão marcantes, que a possibilidade de ser visto ou

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ouvido pelos demais pacientes num momento de dor e angústia, superam a necessidade

por privacidade. Sendo assim, o ambiente deveria estar preparado para oferecer mais ou

menos privacidade para cada paciente na medida em que fosse mais ou menos

prioridade para cada um deles.

As janelas, assim como a possibilidade de iluminação e ventilação naturais, um

componente inerente a qualquer projeto, são citadas nesse caso com a ressalva de que

devem permitir a visualização do exterior do edifício, assim como possibilitar ao

paciente a noção de tempo:

Dessa forma, quem tá ali internado tem noção do dia e da hora. (...) A maioria das UTIs não dá ao paciente essa possibilidade de você sentir a relação do dia e da hora. (Arquiteto B) Em especial nas nossas UTIs, nós temos um projeto bem interessante. Temos box individualizado onde você tem toda privacidade, onde você não precisa estar ouvindo, sentindo, participando do que o paciente do lado está sentindo, da dor do vizinho, você tem toda privacidade. Você tem amplas janelas que você está vendo um jardim florido, toda a cidade, o sol (...) (Arquiteto G)

O que parece curioso é o fato desses componentes terem sido citados apenas por

duas pessoas, ao passo que na literatura internacional são bastante destacados (Baier,

1995; Devlin & Arneil, 2003; Malkin, 1992). Mesmo assim, ao focalizar alguns detalhes

do edifício ou determinados ambientes, como no caso da UTI, os arquitetos não

expressaram o porquê dessa ênfase, apenas o fato de que é assim que um hospital

humanizado e voltado para as necessidades do paciente deve ser. Penso que isso se dá,

em parte, pela ausência de trabalhos na área no Brasil ou então pela falta de interesse,

por parte desses profissionais, em pesquisar o assunto. Ao mesmo tempo, poderíamos

pensar que o detalhamento dessas questões, próprias do campo da Psicologia

Ambiental, não é uma tarefa fácil, principalmente em se tratando de arquitetos que

provavelmente não estudaram as relações pessoa-ambiente na sua formação. Segundo

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Jácome (1999), a Psicologia Ambiental só foi introduzida no currículo do curso de

Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte a partir de 1994.

A necessidade de favorecer o paciente com iluminação e ventilação naturais e

organizar o ambiente de forma a auxiliar no seu processo de recuperação, é um aspecto

marcante desde que o hospital começou a ser considerado um instrumento terapêutico

(Verderber & Fine, 2000). No entanto, a importância da noção de tempo para quem está

internado, bem como as questões relativas à privacidade, vem à tona por ocasião dos

estudos pessoa-ambiente nesse contexto, enfatizados por Baier (1995) e Devlin e Arneil

(2003), mas pouco aprofundados.

No tocante ao embasamento para as etapas de projetos hospitalares, todos os

entrevistados incluíram as Normas para Projetos Físicos de Estabelecimentos

Assistenciais de Saúde (1994), no meu entender um aspecto intrínseco a esse processo.

Além disso, incluíram as conversas com a equipe de profissionais responsável pelo

empreendimento ou a que trabalha no local (Tabela 6).

Tabela 6 Base para o projeto arquitetônico Componentes FreqüênciaEquipe médica 8 Normas 8 Congressos 2 Literatura 2

Entre as pessoas consultadas, confirmando a literatura da área (Shumaker &

Pequegnat, 1991), os enfermeiros foram citados como os profissionais que mais sabem a

respeito das necessidades dos pacientes:

(...) principalmente o diretor do hospital e a equipe. Eles são a nossa linha mestra para a gente seguir(...) a gente pede para conversar também com a enfermagem, com a nutrição, porque são eles que lidam direto e tem mais informação (...) O pessoal da enfermagem sabe melhor as necessidades dos usuários, porque lidam diretamente com eles.(Arquiteto C)

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Mas uma área que muito auxilia a gente, é a equipe de enfermagem, porque o médico como cliente [do arquiteto] às vezes não consegue passar bem o que o seu paciente precisa.(Arquiteto H)

Apesar dessas considerações e da importância de se conversar com a equipe de

enfermagem, na rede particular geralmente são os médicos que contratam o arquiteto e

lhes passam as instruções para o projeto. Já na rede pública, os médicos também fazem

parte da primeira categoria a ser consultada sobre os detalhes do projeto, talvez em

função da própria hierarquia existente entre os trabalhadores da saúde. De qualquer

forma, os arquitetos expressaram opiniões opostas no que diz respeito à participação dos

médicos nas decisões de projeto:

E a gente briga, realmente briga com os médicos, porque eles têm uma visão muito do trabalho dele. Então ele quer espaço de trabalho e o arquiteto, além do espaço de trabalho, quer criar um ambiente (...) para, não só o médico, mas para o paciente. (Arquiteto B) (...) eu procurei conversar muito com quem me contratou. Aí, tudo depende da visão do empresário. Se ele tem uma visão humanizada, se ele está voltado para o cliente ou se ele está voltado para o lucro. É complicado (...) (Arquiteto E)

No primeiro relato, o arquiteto demonstra que a preocupação dos médicos é

desempenhar suas atividades, enquanto a do arquiteto é tentar ajustá-las ao ambiente

que é para o paciente. Se pensarmos na quantidade e complexidade de procedimentos,

equipamentos e funcionários presentes no hospital, não parece que são as atividades dos

médicos que devem se ajustar ao ambiente feito para o paciente, mas alguns elementos

que podem contribuir para o restabelecimento do paciente que se ajustam a todos os

outros aspectos.

No segundo depoimento, vemos que o arquiteto segue inteiramente a equipe

médica, seja porque está só fazendo o seu trabalho, seja porque confia nas instruções do

seu cliente. O que há para se destacar é a relação estabelecida pelo arquiteto entre a

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humanização e a visão de quem o contratou. Mais uma vez, a humanização aparece

como algo que está além dos limites do trabalho do arquiteto.

Em outros dois relatos, a humanização do espaço físico aparece associada à

satisfação do médico com seu ambiente de trabalho:

Quem não gosta de trabalhar num ambiente agradável, num ambiente mais humano? Antigamente você entrava no consultório que não tinha nem janela. Agora, como é que as pessoas conseguem trabalhar 4 horas presas sem janelas? Então tem tido alguns avanços nisso aí. (Arquiteto D)

O médico, que é o cliente indireto, não vai ser tratado, mas vai utilizar o espaço. Vai tratar, vai operar, vai utilizar outras áreas do hospital e não o quarto. (Arquiteto G)

Embora o projeto arquitetônico tenha de contemplar todos os usuários do

edifício e permitir o desempenho de suas respectivas atividades, fiquei surpresa ao

perceber que alguns entrevistados incluíram, no contexto da humanização, os setores

nos quais o médico circula ou “ocupa” com mais freqüência. Até então, segundo

aspectos comentados pelos próprios arquitetos, esse parecia ser um movimento somente

a favor dos pacientes e seus familiares.

Vimos nos capítulos introdutórios (Focault, 1979; Ribeiro, 1993) que, a partir do

momento em que o médico passou a exercer suas funções no hospital e este último

passou a contribuir para a eficiência das atividades, estava firmado o compromisso com

a recuperação do paciente, mesmo que a cura não fosse alcançada. Seguindo esse

raciocínio, como o espaço físico poderia trazer alguma conseqüência negativa para o

paciente? Porém, quando as discussões a respeito dos sentimentos da pessoa

hospitalizada e da sua relação com o ambiente começam a provocar mudanças no

projeto, o arquiteto se depara com a dificuldade de considerar dois clientes: o que o

contratou e todos os outros que utilizarão o espaço, entre eles, o paciente. Para esse

dilema parece não haver outra solução senão as discussões sobre o assunto entre as

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partes envolvidas. Segundo autores como San Juan (1998), por exemplo, esse conflito

existente entre os diferentes usuários do hospital na forma de cada um lidar com o

espaço é característico desse tipo de instituição.

Ainda em relação às informações colhidas a partir de médicos e enfermeiros, um

arquiteto expressou que a funcionalidade do edifício - e não questões relativas à sua

humanização - assume papel principal na conversa:

Na realidade a gente parte da direção e das pessoas que estão mais próximas da direção; são elas quem nos orienta. A gente pergunta muito mais no sentido prático da coisa do que no sentido da humanização. (Arquiteto D)

Quando perguntados se consideram seus projetos humanizados, cinco arquitetos

responderam afirmativamente, enquanto dois disseram que não completamente e um

disse não saber. Os que responderam positivamente, citaram os elementos de projeto já

comentados anteriormente, como ambientação, ventilação, iluminação e paisagismo.

Entre esses entrevistados, também merece ênfase a relação existente entre o sucesso dos

seus projetos e o funcionamento satisfatório do estabelecimento ou a opinião dos

usuários. A partir dessas respostas, eu supus poder constatar de que forma os

profissionais avaliam seu trabalho, afinal de contas, verificar a utilização do edifício

pressupõe a volta do arquiteto ao local por ele projetado. Porém, contrariando minhas

expectativas, a maioria respondeu que volta ao local porque existe a necessidade de

reformá-lo, o que é comum neste tipo de empreendimento (Tabela 7).

Tabela 7 Motivos para ter retornado ao edifício Motivos FreqüênciaReforma 5 Precisou dos serviços de saúde 1 Trabalha no local 1 Não retornou ao local 1

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Apesar de ser um retorno ao edifício, isso não ocorre em função do desejo de

verificar se o que foi projetado está dentro das expectativas iniciais; se vale a pena ser

reproduzido; em que circunstâncias isso pode ser feito e se está agradando aos usuários.

Vejamos alguns depoimentos:

Eu já voltei, mas não com esse objetivo. Voltei como usuária. (...) O projeto era nosso e aí eu me coloquei do outro lado, né? A intenção não era analisar, mas como usuário a gente termina fazendo isso.(Arquiteto A) Eu voltei (...) porque a gente fez outros serviços, ampliações, reformas. Agora a gente acabou de fazer uma ampliação. (...) por causa disso a gente começa a conversar. (Arquiteto E)

Segundo Carpman et al. (1986), Ornstein et al. (1995) e Barreto (2002), as

avaliações pós-ocupação enriquecem o repertório do profissional de Arquitetura porque

possibilitam a visualização em uso do que foi planejado e é uma forma de aprender mais

a respeito da opinião de pacientes e visitantes. Especialmente nos hospitais, é uma das

etapas do projeto dito “humanizado” (Carpman et al., 1986).

Apenas um arquiteto insere-se numa situação distinta dos demais: como trabalha

no local, está sempre em contato com os problemas provenientes da estrutura físico-

espacial do edifício e da administração:

(...) Na hora que põe para funcionar, tem sempre ajustes. Os ajustes são sempre feitos pela equipe que trabalha aqui.(...) Algumas adaptações, quando não vêm da equipe, vêm do cliente.(Arquiteto G)

Os dois arquitetos que consideram seus projetos não completamente

humanizados, trabalham na área pública. Dizem que, devido ao tempo reduzido e ao

acúmulo de trabalho, voltar ao edifício para avaliar se as expectativas que se tinha nas

etapas de projeto estão sendo atendidas também não é possível.

(...) Nós somos poucas pessoas e aqui o trabalho é grande, a gente não tem muito tempo para fazer pesquisa. (...) Acontece mais em função de alguma reforma. (Arquiteto D) Apesar das dificuldades mencionadas, um arquiteto expressou a vontade de

iniciar práticas como esta:

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(...) O arquiteto voltar é muito complicado, mas se a diretora X continuar dirigindo, a gente até já conversou com ela, a gente volta com 1 ano de funcionamento, porque eu acho que só dessa forma a gente vai conseguir melhorar o próximo e a gente não fez isso ainda. A gente não dispõe de tempo, mas é fundamental ter essa resposta. Como funcionária pública até seria uma obrigação nossa.(Arquiteto C)

Para esses dois arquitetos, é difícil incorporar aos hospitais da rede pública o

mesmo padrão e, às vezes, os mesmos elementos de projeto dos hospitais particulares.

Como vimos até o momento, praticamente todos os especialistas no assunto acreditam

ser o modelo de hotel a expressão da humanização do espaço físico do hospital. Nesse

caso, os únicos elementos de projeto que já se encontram presentes nos hospitais da rede

pública são as cores e alguns mobiliários, como as cadeiras das salas de espera:

A gente está tentando mudar essa filosofia daqueles bancos de concreto para colocar cadeiras móveis, para que as pessoas possam ter um pouco mais de individualidade (...) O uso de cores já é uma realidade. Hoje dificilmente você encontra um hospital branco como era antigamente. (Arquiteto D)

O tempo disponível para planejar e conversar com a equipe de médicos e

enfermeiros é um dos principais motivos alegados para a dificuldade em humanizar

esses ambientes. Nos hospitais privados, embora esta não seja uma regra, o grupo de

profissionais responsáveis pela contratação do arquiteto dispõe de tempo suficiente para

discutir todos os pormenores do seu negócio. Nos hospitais públicos, como dependem

de políticas de saúde e de recursos financeiros disponíveis, o prazo para a discussão do

projeto é considerado curto para o planejamento de tantos detalhes. Será esta a

explicação para a diferença existente entre os dois? Talvez esse fato esteja aliado a

outros, como o da compra dos serviços particulares pela rede pública e a concentração

de recursos financeiros nos caixas dos primeiros, como apontado por Conh e Elias

(2001).

Mesmo com as diferenças existentes entre os estabelecimentos públicos e os

particulares, os arquitetos acreditam que a mudança no padrão construtivo e,

consequentemente, na aparência desses hospitais, já é algo firmado e bem aceito pela

população em geral. Eles se vêem como profissionais que cumpriram seus papéis em

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relação à humanização, restando aos profissionais que prestam seu atendimento em

saúde, fazer a sua parte:

Como arquiteto, é mais fácil, porque para você mudar o ambiente os clientes estão muito abertos a essas mudanças. Agora, eu vejo o problema maior na parte de pessoal. (Arquiteto C)

Outro arquiteto, citando um colega já consagrado nacionalmente nessa área de

projetos hospitalares, mencionou que concorda com a sugestão feita pelo colega de

substituir o termo “humanização” por “medicina com sensibilidade”. O argumento para

essa troca estaria centrado no caráter óbvio da “humanização”, já que todos os

profissionais envolvidos neste movimento, assim como as pessoas que usufruem do seu

produto, são seres humanos, aspecto já comentado neste trabalho (DeMarco, 2003;

Deslandes, 2004).

É interessante notar que, usando “medicina com sensibilidade”, os médicos se

apropriam da humanização como se o processo fosse direcionado somente ao seu papel

como profissional e como se essa já fosse uma realidade. Pode até ser em alguns casos,

mas não foi isso que os arquitetos mencionaram quando se colocaram na posição de

paciente ou acompanhante.

Ao lado dessas considerações, o fato de um arquiteto não saber se seu projeto é,

ou não, humanizado parece ilustrar muito bem a abrangência do termo. Isso porque,

segundo ele, apesar do projeto estar dentro das normas e ter todos os elementos

considerados por ele como expressão da humanização, a instituição faz distinção entre

pacientes do SUS e particulares. Sendo assim, o espaço físico do estabelecimento

também colabora para essa segregação porque foi executado dentro desse padrão.

Vejamos seu depoimento:

Os próprios planos de saúde reclamam porque seus pacientes ficam na mesma espera. Fica a discriminação, que na verdade não devia existir. E aí tem até uma pessoa que eu conheço que reclamou: “Ah! Porque não tem espaço individual

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para a gente fazer, é muito chato”. Tem o lado cultural também, que as pessoas se acham superiores a outras e aí, pessoas também que são de baixa renda, têm pouca cultura e às vezes tumultuam um pouco o ambiente. É muito difícil você avaliar isso. (...) não sei nem se não está humanizado por causa disso, mas a tradição é separar e de qualquer forma existe isso.(Arquiteto E)

A partir desse relato, podemos perceber que a humanização envolve mais do que

um projeto bem feito, dentro das normas, com especificação de materiais de acabamento

de qualidade inquestionável ou de uma aparência de hotel ou shopping. Diante disto,

parece que apenas um arquiteto conseguiu expressar a dimensão do processo:

O principal é mais que uma legislação, mais do que exigências, normas; passa por uma questão ética. Após a ética entra o objetivo do hospital. O que você vai faturar é conseqüência disso e também ter uma população atenta para exigir a melhoria e a qualidade, porque se a população não ficar atenta, o Governo só não vai resolver o problema.(Arquiteto F)

Isto posto, vemos que, se por um lado, a maior parte dos arquitetos concentram

seus relatos nas mudanças da aparência dos novos hospitais, por outro, percebem que o

atendimento é condição primordial da humanização. Vemos também que os aspectos

administrativos, políticos, econômicos e até de conscientização da população definem a

humanização. Além disso, com os dois últimos depoimentos, vemos que alguns

arquitetos enxergaram seus projetos com uma visão mais crítica e perceberam que o

processo inclui aspectos que estão fora do limite do seu trabalho, embora relacionados a

ele.

8. Considerações finais

Este estudo teve como objetivo examinar a percepção dos especialistas em

projetos de estabelecimentos assistenciais de saúde acerca do processo de humanização

hospitalar. Para tanto, além das entrevistas com os arquitetos, a construção deste estudo

contou com outras evidências empíricas, como conversas com profissionais de saúde e a

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participação em encontros e seminários sobre o assunto. A partir da reunião dessas

informações, foi possível refletir sobre as circunstâncias que deram origem a todo esse

processo e de que forma está sendo trabalhado atualmente no Brasil.

Humanizar não significa somente “tornar humano”, apesar de merecer tal

definição em algumas situações. O ato de humanizar no contexto médico e hospitalar

envolve uma série de aspectos que perpassam pelas discussões a respeito das práticas de

saúde e das atitudes dos profissionais frente aos processos saúde-doença e às relações

estabelecidas com seus pacientes. Essa é a idéia mais explícita quando relacionamos os

trabalhos realizados em saúde e os propósitos do PNHAH. O fim último da

humanização é o atendimento prestado ao paciente e não há referência à arquitetura do

ambiente como requisito para uma assistência de qualidade. Conforme explicitado

anteriormente, parece não haver ainda, nas ciências médicas, a crença nos benefícios

sócio-espaciais para o restabelecimento dos pacientes.

Os arquitetos entrevistados, por sua vez, destacaram o atendimento e também a

estrutura física do edifício, como os elementos definidores da humanização hospitalar,

ou seja, como os principais elementos que colaboram no restabelecimento do paciente.

Apesar destes serem os aspectos mais visíveis, a humanização envolve questões

políticas, econômicas e administrativas, agregadas aos interesses de provedores de

assistência à saúde, empresários e governantes.

Os entrevistados se reconhecem como participantes do processo de

humanização, acreditando que seus trabalhos traduzem parte desse movimento. A outra

parte estaria nas mãos dos profissionais de saúde, que ainda não conseguiram humanizar

o atendimento prestado à população. Vimos que, quando os arquitetos se colocam no

papel de pacientes ou acompanhantes e relatam alguma vivência pessoal em hospitais, a

falta de “acolhimento” e “calor humano” no atendimento, são suas maiores queixas.

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A esse respeito, gostaria de enfatizar um comentário feito por uma enfermeira,

no IV Encontro por uma Medicina mais humana, no dia 31/05/2003. Lembro-me muito

bem quando ela expressou sua decepção ao ver que todo esse movimento nada mais era

do que a busca de algo que é uma obrigação dos profissionais da saúde. Segundo seu

comentário, as atitudes humanas no cuidado ao paciente é um dever dos que trabalham

nessa área. De fato, como vimos neste trabalho, o termo parece óbvio, mas seu uso vem

de um movimento de resposta ao afastamento entre o profissional e seu paciente; de

resposta ao modelo biomédico concentrado exclusivamente em órgãos doentes e de

resposta à ausência de uma assistência que considere as fragilidades de cada pessoa.

Óbvio, mas necessário.

Outro fator interessante foi a constatação, pelos entrevistados, de duas

tendências de humanização: uma nos estabelecimentos públicos e outra nos particulares,

o que reforça as contradições do sistema de saúde. É importante mencionar que a

procura e a identificação de estabelecimentos que sejam exceção a essa regra,

demandaria a realização de um outro trabalho. Contudo, poderíamos pensar que num

país no qual não há um sistema único e igualitário, também não pode haver uma

humanização que se apresente em todos os aspectos.

Essa observação me faz lembrar de algumas visitas que realizei a

estabelecimentos públicos de Natal, a fim de delimitar o objeto de estudo deste trabalho

e ver de perto o que eu só ouvia falar sobre o PNHAH. O acesso a esses hospitais é

praticamente livre e a quantidade de pacientes e funcionários circulando pelos

corredores é um aspecto marcante. O ritmo das pessoas parece mais acelerado do que

nos estabelecimentos particulares, talvez pela falta de espaço disponível para tanta

gente. De qualquer modo, caso o visitante não se incomode, vários procedimentos

médicos, incluindo os de caráter não emergencial, podem ser realizados na sua presença

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e na de quem estiver no local. Nesse caso, o que não compreendi foi como um

atendimento dito “humanizado” pode ter sido feito sem que a equipe médica e de

enfermagem me pedisse para sair ou perguntasse ao paciente se ele se incomodava com

a presença de tantas pessoas ao seu redor. Até que ponto o atendimento é de fato

“humano”? Ou o fato de prestar assistência, sob qualquer circunstância, significa

“humanização”?

Aqui, cabe uma ressalva. A princípio, poderíamos dizer que o hospital, assim

como qualquer outro estabelecimento dessa categoria, não é condição para a promoção

da saúde. Dessa forma, a humanização que trago à tona também não deveria ser da

“assistência hospitalar”, mas da “saúde”, termo de maior abrangência e não limitado a

determinados locais, mas às atitudes dos profissionais. Porém, como o PNHAH surgiu

em circunstâncias nas quais o atendimento ou a assistência oferecida nesses

estabelecimentos necessitava de mudanças, é nesse aspecto que concentraram-se

inicialmente suas ações e nada impede que continue funcionando com essa

denominação.

Entretanto, nós, arquitetos, necessariamente precisamos da existência desse local

para realizarmos nosso trabalho. Vimos no decorrer deste estudo que o edifício de

atenção à saúde passou – e ainda passa - por diversas mudanças ao longo do tempo e

teve seu funcionamento repensado em função dos avanços científicos da área e das

discussões acerca das práticas de saúde ali implementadas. O uso do termo

“humanização” em Arquitetura, surge como resposta a um momento em que as pessoas

tinham sido escondidas pela tecnologia, pelo excesso de funcionalidade dos edifícios e

pelos modelos universais, como se todos tivessem mais ou menos o mesmo padrão. De

construções baseadas exclusivamente na eficiência das atividades a serem

desempenhadas, o edifício hospitalar passa, mas ainda em pequena escala no nosso país,

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para um tempo em que o projeto contempla a opinião de todos os usuários do edifício,

inclusive do paciente. Enquanto fora do Brasil a palavra healing define espaço e

assistência diferenciada, aqui a palavra “humanização” expressa um movimento que

ainda tem muito a crescer e a ser discutido.

Num primeiro estágio de reflexão sobre as entrevistas, a partir das quatro

grandes categorias ou blocos apresentados e discutidos anteriormente, foi possível

estabelecer relações entre a percepção dos arquitetos acerca do processo de

humanização e as informações provenientes da literatura da área. Também foi possível

enumerar elementos que devem ser contemplados na construção dos edifícios de

atenção à saúde para auxiliar no processo de recuperação dos pacientes e proporcionar

bem-estar a todos os usuários do ambiente. Mas não é só isso. Quando, por exemplo, os

arquitetos e a própria literatura destacam a visão da cidade, do dia ou da noite pela

janela do hospital como o mais adequado, não há justificativas.

Num estágio posterior de amadurecimento sobre as informações da literatura e

das respostas dos entrevistados, percebi que os elementos de ligação entre os blocos que

foram contemplados na análise das entrevistas e a humanização do ambiente, eram as

“sensações” provenientes de um conjunto de aspectos, tais como ambiente “agradável”

e “acolhedor”. Sendo assim, a humanização não se justifica apenas pela existência de

uma “receita de como deve ser decorado o hospital”, mas de outros componentes

encontrados na relação pessoa-ambiente. Tal constatação não veio diretamente da

resposta do arquiteto como especialista, mas indiretamente das respostas do arquiteto

como pessoa, como paciente ou acompanhante e das reticências do seu discurso.

Portanto, não é só a composição de um ambiente, nem seus elementos construtivos que

determinam sua humanização, mas as respostas dos usuários a todo esse conjunto, cenas

dos capítulos de um futuro trabalho (ver Figura 2).

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Respostas ligadas à

humanização do ambiente físico:

Bem-estar Agradável

Aconchegante

Hospitais Públicos e Privados

Passado e Presente

Ar Figura 2: Relação entre humanização

Projeto quitetônico

Humanização Hospitalar

e resposta do usuário do ambiente

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APÊNDICE A

Roteiro de entrevistas 1. Da sua experiência nos hospitais por onde você já esteve (como paciente ou como

acompanhante), quais os pontos positivos dessa experiência? E os negativos? 2. O que você entende por humanização hospitalar? 3. Através de que elementos ela pode ser alcançada? 4. Você poderia mencionar algum hospital humanizado? (Necessariamente não precisa

ser em Natal). 5. Por que você acha esse hospital humanizado? 6. Você considera algum de seus projetos hospitalares “humanizado” ? 7. Quais as características desse projeto? 8. Em relação ao item anterior, já que seu cliente não é o usuário do ambiente, em que

você se baseou ou com quem você conversou antes ou durante o processo projetual? 9. E depois que o edifício ficou pronto, você chegou a verificar se estava atendendo às

suas expectativas? (Se sim, como fez isso e se não, por que)

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APÊNDICE B

Hospitais de Natal/RN Hospitais públicos Hospitais particulares Hospitais Forças Armadas

Hospital Colônia João Machado Casa de Saúde Natal Hospital da Guarnição

Hospital da Polícia Militar Casa de Saúde São Lucas Hospital Naval

Hospital Giselda Trigueiro Hospital Antônio Prudente Hospital da Aeronáutica

Hospital Infantil Varela Santiago Hospital do Coração

Hospital Luís Antônio Hospital Itorn

Hospital Luís Soares Hospital Médico Cirúrgico

Hospital Maria Alice Fernandes Hospital Memorial

Hospital Onofre Lopes Hospital Papi

Hospital Santa Catarina Hospital Promater

Hospital Walfredo Gurgel Hospital Femina

Maternidade Januário Cicco Natal Hospital Center

TOTAL= 11 TOTAL= 11 TOTAL= 03

Fonte: Secretaria de Saúde Pública do Rio Grande do Norte e Catálogo telefônico de 2004