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Quilombos e Quilombolas: indicadores e propostas de monitoramento de polícas

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Quilombos e Quilombolas: indicadores e propostas de monitoramento de políticas

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Ministro de Estado dos Direitos Humanos

Gustavo do Vale Rocha

Secretário Executivo

Engels Augusto Muniz

Secretário Executivo Adjunto

Marcelo Dias Varella

Secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial:

Juvenal Araújo Júnior

Secretário Adjunto de Políticas de Promoção da Igualdade Racial:

Marcelo Silva Oliveira Gonçalves

Consultora responsável pelo conteúdo

Juliana Mota de Siqueira

Esta publicação tem a cooperação do PNUD no âmbito do Projeto BRA/13/020 (Apoio ao desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades negras tradicionais), que tem por objetivo apoiar o desenvolvimento sustentável de comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais de matriz africana. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte do PNUD e do MDH a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites. As ideias e opiniões expressas nesta publicação são as dos autores e não refletem obrigatoriamente as do PNUD ou as do MDH, nem comprometem o Programa ou o Ministério. O conteúdo desta publicação não foi submetido à revisão de texto, sendo de responsabilidade de seu (s) autor (es) eventuais erros gramaticais.

Ministério dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Quilombos e Quilombolas: indicadores e propostas de monitoramen-to de políticas / elaboração de Juliana Mota de Siqueira – Documento eletrônico – Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2018, 51 p.

Palavras chave: Programa Brasil Quilombola. Painéis de monitoramento. Políticas públicas.

CDD: 350

CDU: 351

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Índice

QUILOMBOS E QUILOMBOLAS: INDICADORES E PROPOSTAS DE MONITORAMENTO DE POLÍTICAS ............................................................................. 5

RESUMO ............................................................................................................................................. 6

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ..........................................................................................7

1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 10

2. QUILOMBOS E QUILOMBOLAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE SUAS ORIGENS E TRAJETÓRIAS ............................................................................................................................... 12

2.1. Quilombo: perspectiva histórica .......................................................................................... 122.2. A questão quilombola, o Estado e as políticas públicas no cenário recente .............. 17

2.2.1. O Programa Brasil Quilombola (PBQ)....................................................................... 232.3. Quilombo: uma categoria em disputa ................................................................................ 25

3. PRODUÇÃO, GESTÃO E DIAGNÓSTICOS DE INFORMAÇÕES NO ÂMBITO DO PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA: EM QUE PONTO ESTAMOS E PARA ONDE NOS DIRECIONAMOS? ......................................................................................................................... 29

3.1. Introdução ............................................................................................................................... 293.2. Integração e disseminação de dados do Programa Brasil Quilombola: o Sistema de Monitoramento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial ......................................... 30

3.2.1. A arquitetura de informações do SMPPIR ................................................................ 323.2.2. Avaliação geral dos indicadores e funcionalidades que compõem os Paineis de Monitoramento PBQ ................................................................................................................ 34

3.2.2.1. Conteúdo .................................................................................................................. 353.2.2.2. Usabilidade ............................................................................................................... 41

4. RECOMENDAÇÕES E CONSIDERAÇÕES .......................................................................... 42

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................45

SITES VISITADOS ............................................................................................................. 49

ANEXOS.............................................................................................................................. 50

1. ACÓRDÃO 2771/2014 TCU .................................................................................................. 51

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Resumo

A história do Brasil é marcada por diversos processos, interpretações e enfrentamentos da questão quilombola, a ponto de não deixar dúvida sobre sua importância na projeção de trajetórias nacionais passadas, presentes ou futuras. Mergulhada em inconsistências, a busca de sua compreensão exige consciência de que o percorrer de suas cartografias não permite atalhos e só se inicia no movimento de ruptura com os lugares comuns da historiografia positivista, mito da democracia racial, reducionismos conceituais e, sobretudo, com as rígidas estruturas da sociedade nacional. Em um país em que a abolição da escravatura jamais foi completada, a histórica invisibilidade e opressão a que os povos e comunidades quilombolas foram submetidos, se reflete em estatísticas e cartografias sociais coletadas, analisadas e disseminadas por instituições formadoras do Programa Brasil Quilombola (PBQ). Neste contexto, a recente intencionalidade do Estado em acumular e disponibilizar informações sobre esse grupo mostra que se por um lado, a trajetória de implementação de pesquisas quantitativas e cartográfica não é evidente, por outro é central e sintomática da evolução da conquista de direitos dos povos e comunidades negras tradicionais. Por isso, a partir de uma revisão crítica das origens, trajetórias e conceitos que permeiam a questão quilombola no Brasil, este trabalho visa aportar elementos para a otimização da visibilidade estatística e cartográfica desse grupo, em prol da superação das tradicionais assimetrias que o cerca. Para isso, terá como referência principal as informações presentes e potenciais disponíveis nos Painéis de Monitoramento do PBQ, lançado em 2013. Ancorado nos Programas, Ações e Iniciativas presentes no PPA 2012-2015, além o conteúdo dessa plataforma online, foram avaliadas também funcionalidades do Painel que ampliem as oportunidades de diálogo e participação social, de modo a garantir a agilidade e transparência nos processos de tomada de decisão.

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Lista de abReviatuRas e sigLas

ABA Associação Brasileira de Antropologia

ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ANCRQ Articulação Nacional Provisória das Comunidades Remanescentes de Quilombos

ASQ Agenda Social Quilombola

ATER Assistência Técnica de Extensão Rural

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BME Banco Multidimensional de Estatística

BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

CadÚNICO Cadastro Único para Programas Sociais Do Governo Federal

CAISAN Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional

CF Constituição Federal

CFR Casas Familiares Rurais

CGASC Comitê de Gestão da Agenda Social Quilombola

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CNMP Conselho Nacional do Ministério Público

CNEFE Cadastro de Endereços Para Fins Estatísticos

CNPCT Conselho Nacional Dos Povos e Comunidades Tradicionais

CNPIR Conselho Nacional de Políticas de Igualdade Racial

CNS Conselho Nacional de Saúde

CONAE Conferência Nacional em Educação

CONAQ Coordenação Nacional de Quilombos

CONEP Comissão Nacional de Ética Em Pesquisa

CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação

CPT Comissão Pastoral da Terra

DCNT Doenças Crônicas não Transmissíveis

DEM Partido Democrata

DPPS Domicílios Particulares Permanentes

ECINF Pesquisa da Economia Informal Urbana

EFAS Escolas Famílias Agrícolas

EJA Educação de Jovens e Adultos

ENAP Escola Nacional de Administração Pública

ENDEF Estudo Nacional da Despesa Familiar

ESTADIC Pesquisa de Informações Básicas Estaduais

FAQ Perguntas frequentes

FCP Fundação Cultural Palmares

FNDE Fundo Nacional de Educação

FUNAI Fundação Nacional do Índio

FUNASA Fundação Nacional de Saúde

GPS Global Positioning System

GSHS Global School-Based Student Health Survey

IASI Inter American Statistical Institute

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IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis

IBGE Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística

ICMBIO Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

INCRA Instituto Nacional De Colonização e Reforma Agrária

INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos

IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias

LOA Lei Orçamentária Anual

MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Ministério da Saúde

MC Ministério das Comunicações

MCidades Ministério das Cidades

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MDSA Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário

MEC Ministério da Educação

MI Ministério da Integração Nacional

MinC Ministério da Cultura

MJ Ministério da Justiça

MME Ministério de Minas e Energia

MP Medida Provisória

MPF Ministério Público Federal

MPU Ministério Público Federal

MS Ministério da Saúde

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

MUNIC Pesquisa de Informações Básicas Municipais

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMS Organização Mundial De Saúde

ONG Organização Não-Governamental

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PAR Programa de Ações Articuladas

PBF Programa Bolsa Família

PBQ Programa Brasil Quilombola

PDA Personal Digital Assistant

PENSE Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar

PIA População em Idade Ativa

PIB Produto Interno Bruto

PIR Política de Igualdade Racial

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PME Pesquisa Mensal de Emprego

PNAD Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios

PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar

PNBE Plano Nacional de Bibliotecas Escolares Temáticos

PNE Plano Nacional de Educação

PNPCTPolítica Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais

PNS Pesquisa Nacional de Saúde

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PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

POF Pesquisa de Orçamentos Familiares

PPA Plano Plurianual

PPIGRE Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia

PR Casa Civil da Presidência da República

PRODOC Documento de Projeto

PT Partido dos Trabalhadores

RAIS Relação Anual de Informações Sociais

RD Razão de Dependência

RIDE Região Integrada de Desenvolvimento

RTID Relatório Técnico de Identificação e Delimitação

SDH Subsecretaria de Direitos Humanos

SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

SELOR Sistema Receita Federal e do Sistema de Elaboração Orçamentária

SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária

SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública

SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

SESP Serviço Especial de Saúde Pública

SIAFI Sistema de Administração Financeira do Governo Federal

SIASG Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais

SICONV Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse do Governo Federal

SIDRA Sistema IBGE de Recuperação Automática

SIEST Sistema de Informações das Empresas Estatais

SIGPLAN Sistema de Informações Gerenciais e de Planejamento

SIM Sistema de Informações de Mortalidade

SIOP Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento

SIPD Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares

SMPPIR Sistema de Monitoramento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial

SM Salário Mínimo

SPOA Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração

STF Supremo Tribunal Federal

SUAS Sistema Único de Assistência Social

SUS Sistema Único de Saúde

TCU Tribunal de Contas da União

TI Terra Indígena

UFPR Universidade Federal do Paraná

UNCME Conselhos Municipais de Educação

UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

UPAS Unidades Primárias de Amostragem

VIGITELInquérito Telefônico de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas

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1. intRodução

Somente após cem anos da abolição da escravatura os povos e comunidades qui-lombolas conquistam, por meio da Constituição de 1988, o status de grupo forma-dor da sociedade brasileira. Em seu Artigo 68, o texto da constituinte evoca pela primeira vez não apenas uma “identidade histórica”, mas a expansão das políticas de reconhecimento, defesa e reparação de prejuízos gerados com os processos de escravidão e abolição longe de serem completados.

Desde então, entre avanços e retrocessos, o Estado tem jogado por vezes do lado da solução e por outras do lado do problema. Atuando com frequência em defesa da permanência de privilégios das elites econômicas, políticas e também culturais, uma parcela do poder público passa a responder à abertura democrática e pressão dos movimentos sociais por ações afirmativas de caráter integrador. Nesse con-texto, ideais como inclusão, diversidade e diferença assumem posição de crescen-te destaque no vocabulário das políticas públicas.

A partir do estabelecimento dessa nova perspectiva política, povos e comunida-des negras tradicionais de todo o país, aliados a movimentos sociais, instituições governamentais e acadêmicas, têm reivindicado a garantia de seus direitos, visto que nesse novo patamar não basta ser uma comunidade quilombola, mas é pre-ciso garantir a sua existência como tal. Por outro lado, ainda sob os resquícios da política de branqueamento e frente a interesses econômicos, a ausência de es-quematismos conceituais e sociais das situações denominadas quilombo tem sido constantemente evocada por grupos hegemônicos (tais como a grande mídia e setores empresariais) como uma tentativa de deslegitimar a suficiência do critério de auto-atribuição e a formação atual e heterogênea desse grupo.

Em meio a tantas disputas e conquistas constantemente ameaçadas, torna-se fun-damental a existência de sistemas que confiram agilidade e transparência às ações em processos sociais ligados às populações quilombolas. Com base nessa pers-pectiva são criados os painéis de monitoramento do Programa Brasil Quilombola no âmbito do Sistema de Monitoramento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Este Sistema, que tem como objetivo geral dar visibilidade às demandas e transcurso social de povos e comunidades negras tradicionais no Brasil, amplia a capacidade de atuação do Estado, ao mesmo tempo que implementa valores democráticos tais como canais de prestação de contas e participação social.

A partir dessa lógica, assentado em uma revisão crítica sobre as origens e trajetó-rias da questão quilombola no Brasil, bem como na arquitetura do Programa Brasil

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Quilombola refletida nos Planos Plurianuais, este trabalho propõe uma avaliação de possibilidades presentes e futuras dos painéis de monitoramento do PBQ. Nes-te processo são considerados aspectos como conteúdo, usabilidade e funcionali-dade da plataforma, centrado na proposta de geoespacialização da informação. Para isso, parte-se do pressuposto de que este movimento desanima os inúmeros interesses contrários à manutenção e progresso do Programa, visto que corrobora com a sinalização de horizontes límpidos para a ampliação de direitos do grupo em questão.

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2. QuiLombos e QuiLomboLas: consideRações sobRe suas oRigens e tRajetóRias

2.1. Quilombo: perspectiva histórica

A história do Brasil é marcada por diversos processos, interpretações e enfrentamentos da questão quilombola, a ponto de não deixar dúvida sobre sua importância na projeção de trajetórias nacionais passadas, presentes ou futuras. Mergulhada em inconsistências, a busca de sua compreensão exige consciência de que o percorrer de suas cartografias não permite atalhos e só se inicia no movimento de ruptura com os lugares comuns da historiografia positivista, mito da democracia racial, reducionismos conceituais e, sobretudo, com as rígidas estruturas da sociedade nacional.

Em 1974, o Conselho Ultramarino Português define quilombo como “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”. Esta designação, propositalmente generalizante, visa maximizar a identificação quilombola como um objeto de desaceitação e punição (LEITE, 2000; ARRUTI, 2008), comporta cinco elementos centrais: 1) a concepção recriminatória de fuga; 2) a quantidade mínima e intencionalmente baixa de fugidos; 3) o isolamento geográfico e da chamada civilização, vinculando-os a um modo de vida incompreensível; 4) o tipo de moradia habitual, denominada como “rancho”; e 5) a não exigência de capacidade de autoconsumo e reprodução, simbolizado na imagem do pilão (ALMEIDA, 2002).

Esta caracterização colonial estende-se historicamente por muitos estudos e definições jurídico-formais em torno da temática quilombola, que se no período colonial é definido como um objeto claro de repressão e controle, no regime republicano, por muito tempo, “nem aparece mais, pois com a abolição da escravatura imaginava-se que o quilombo automaticamente desapareceria ou não teria mais razão de existir” [grifo nosso] (ALMEIDA, 2002, p. 53). Com isso, consolida-se a ideia de quilombo como um sistema social atrasado, em vias de desaparecimento e que deve ser no máximo rememorado, em detrimento do compromisso com sua conformação presente, heterogênea e demandante de direitos reconhecidos e expandidos.

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Cerca de 60 anos após a instituição do regime republicano, sobretudo entre os anos 1950 e 1960, os discursos sociais e políticos apropriam-se da questão quilombola para torná-la símbolo de resistência cultural, reprodução e ressignificação do modo de vida africano. Esta perspectiva, que se destaca na obra de autores como Ramos (1953), Carneiro (1958) e Batisde (1973), apoiada em uma abordagem antropológica, tenta explicar os processos de continuidade, ruptura e transformação de práticas culturais de afro-brasileiros em relação ao contexto africano, ou seja, identificar a “África em nós”. (ARRUTI, 2008).

Um segundo aspecto simbólico assumido pelo quilombo, segundo Arruti (2008), é o de resistência política e modelo de pensamento das relações de classes sociais e hierarquias existentes no Brasil. Esta proposta, que se fortalece a partir de 1950, segundo Lopes, Siqueira e Nascimento (1987), assume duas vertentes principais: por um lado fundamenta-se nos ideais de igualdade e liberdade da Revolução Francesa, posição política em que o quilombo é romantizado e idealizado, e por outro, em concepções marxistas-leninistas, que associam o movimento a posturas revolucionárias e de luta armada (LEITE, 2000).

Já na década de 1970, o quilombo é tomado como imagem da reivindicação pela redemocratização do país e Zumbi e os quilombolas de Palmares, uma metáfora de enfrentamento contra a ditadura (FIABANI, 2008). Ao mesmo tempo, cresce a significação do quilombo como ícone da resistência negra e ideal aglutinador da militância do movimento no Brasil (ARRUTI, 2008). No ano 1978, em concomitância com a inauguração do “Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial” em São Paulo, propõe-se a criação do Dia Nacional da Consciência Negra, tendo como referência central o assassinato de Zumbi dos Palmares. Apoiado no mesmo princípio, 13 de maio assume o simbolismo de Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, ao mesmo tempo que nega a abolição como um acontecimento de emancipação dos negros.

O ano de 1988, significativo por coincidir com o Centenário da Abolição, estimula tanto a participação política do movimento negro (nesse período já organizado em praticamente todo o país), quanto a multiplicação de estudos acadêmicos relacionados à escravidão. Além disso, após o período de repressão política, a população em geral vê-se engajada no ideal de cidadania e projeta na Constituinte um importante instrumento de construção de um Estado de direito. Estas oportunidades são aproveitadas pelos movimentos de combate ao racismo, que nesse momento esforçam-se por evidenciar a hierarquia racial incrustada na sociedade brasileira e fortalecer os ideais da militância (FIABANI, 2008).

Foi também nesse momento que se sepultou o princípio da democracia racial, que aliado ao discurso do Estado de elogio à mestiçagem, afirmava não haver um

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“problema racial” no Brasil, mas sim uma segregação social a ser superada. Em contraposição a esta ideia, autores como Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso evidenciaram a reprodução da desqualificação social dos negros como competidores, traduzida na forma de preconceito e discriminação.

É nesse contexto que se posiciona a formulação do artigo 68 da Constituição Federal de 1988 (ADCT/ CF-1988), que é representativo por estabelecer um limite temporal introdutório na intencionalidade de uma nova forma de relação entre o Estado brasileiro e as comunidades quilombolas do presente. Esta legislação, apesar de encontrar pouco consenso em sua formulação e dos inúmeros impasses conceituais que evidencia e provoca, anuncia a disposição de reparação de prejuízos gerados com o processo de escravidão e por uma abolição que não veio acompanhada de medidas de inclusão e acesso a direitos. O texto aprovado pela Constituinte versa:

Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos (BRASIL, 1999).

A decisão pelo termo “remanescente”, que no início não provocou debates e manteve-se intacto em dois dos três enunciados de alteração da proposta, passou a ser alvo de inúmeras críticas. Isso porque muitos consideram que o texto “remanescentes das comunidades dos quilombos” está alinhado com a premissa colonial de uma formação social atrasada, fixa e cristalizada no passado. Além disso, considera-se que este enquadramento conceitual estimula a concepção de quilombo como uma unidade igualitária, harmônica e coesa, e com isso, desconsidera a diversidade deste grupo e sua necessidade de direitos diferenciados (LEITE, 2000).

Compondo uma perfeita dualidade, mas sob um eixo argumentativo distinto, o termo “remanescente” é também considerado um diferencial importante na terminologia quilombola e uma conquista do movimento negro e dos parlamentares envolvidos na luta antirracista. Primeiramente é importante destacar a coincidência entre o termo adotado no artigo 68 e o utilizado para descrever as comunidades indígenas. Em ambos os casos, ao construir a ponte entre o direito originário no passado e a inevitabilidade de assimilação futura, fortalece-se a visão culturalista na nova legislação (ARRUTI, 2008). A partir dessa proposição Arruti (1997, p. 21) defende que “o termo ‘remanescentes’ surge para resolver a difícil relação de continuidade e descontinuidade com o passado histórico, em que a descendência não parece ser um laço suficiente”. Por isso, sobretudo quando acompanhado da ideia de “comunidade”, potencializa a afirmação de identidade e a ideia de um grupo que se

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organiza politicamente na busca de equilíbrio do binômio memória-direito.

Além disso, o artigo 68 representa uma importância singular para as comunidades quilombolas, pois a despeito da forte pressão exercida pelas elites econômicas nacionais, cem anos após a abolição da escravidão, se estabelece como o “único instrumento legal [...] que se refere a direitos sobre a terra por parte de ex-escravos e seus descendentes” (ALMEIDA, 1999, p. 11).

A primeira Lei de Terras lavrada no Brasil em 1850, além de coibir a posse e instituir a aquisição legal pela via da compra, garante a exclusão definitiva dos africanos e seus descendentes do acesso à terra ao enquadra-los na categoria de “libertos” 1. Com isso, as oligarquias brasileiras asseguram a consistência e perpetuação do tripé latifúndio/escravismo/monocultura e transformam o direito elementar ao espaço de vida em um ato de luta, guerra e resistência ao caráter excludente com que a questão agrária sempre foi tratada no Brasil (LEITE, 2000; CARVALHO e LIMA, 2013).

Esta problemática ganha evidência com a denúncia de que até 1985 tudo o que pudesse ser registrado na área rural deveria enquadrar-se nas categorias “estabelecimento” (unidade básica de exploração empregada pelo Censo Agropecuário do IBGE) ou “imóvel rural” (categoria cadastral baseado na ideia de propriedade e com finalidade tributária adotada pelo INCRA). Em contato direto com uma grande diversidade de situações, os movimentos camponeses denunciam que as categorias tradicionalmente utilizadas para pensar as estruturas agrárias não são suficientes para a identificação de ocupações diferenciadas, em que pese o caso dos quilombolas, indígenas, babaçueiros, caiçaras, seringueiros, entre outras formas comunitárias até então ignoradas pelo sistema fundiário brasileiro. Com relação a esta diversidade, Almeida (2002, p. 45) esclarece:

Pode-se adiantar que compreendem, pois, uma constelação de situações de apropriação de recursos naturais (solos, hídricos e florestais), utilizados segundo uma diversidade de formas e com inúmeras combinações diferenciadas entre uso e propriedade e entre o caráter privado e comum, perpassadas por fatores étnicos, de parentesco e sucessão, por fatores históricos, por elementos identitários peculiares e por critérios político-organizativos e econômicos, consoante práticas e representações próprias.

Esta agora transparente lacuna do sistema agrícola nacional, somada à efervescência das denúncias do Centenário da Abolição, interesse dos parlamentares em atrair votos de simpatizantes do movimento negro e desconhecimento dos

1  Segundo Leite (2000), isso acontecia mesmo quando a terra era comprada ou herdada de antigos senhores através de testamentos lavrados em cartório.

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deputados da dimensão da temática quilombola2, culminam na aprovação do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (FIABANI, 2008).

Esta conquista política do campesinato negro foi também possível graças ao fato de que os estudos e articulações políticas do movimento de pequenos produtores rurais aconteciam justamente em áreas caracterizadas pela forte presença de população negra. Desse modo, inaugurando uma pauta na organização do movimento afrodescendente no país, que até então concentrava seus esforços no combate ao racismo de contexto urbano, acontece em 1985 a primeira articulação camponesa negra no Estado do Pará, nomeada “Encontros de Raízes Negras”. Mais adiante, em 1987, o “I Encontro das Comunidades Negras do Maranhão” funciona como motor de novas organizações políticas estaduais e microrregionais (ARRUTI, 2008).

Amparados pela aprovação da Constituição de 1988, ratificada mesmo (ou talvez justamente) sem um debate constitucional relativo à estrutura fundiária nacional, consolida-se a aliança entre o campesinato negro e a militância pela Reforma Agrária, que visualiza nessa legislação uma estratégia de consecução de suas demandas. Segundo Arruti (2008, p. 323), o artigo 68 “aparecia como instrumento que poderia fazer o ordenamento jurídico nacional reconhecer a legitimidade das modalidades de uso comum da terra”, em um contexto de forte resistência das elites econômicas nacionais. Esta conciliação política consolida também a perdurável associação entre as questões quilombolas e fundiárias, ainda hoje centrais nas bases teórica e jurídica do movimento.

No campo teórico, como tentativa de acompanhar essas constantes transformações e de encontrar um eixo de identificação unívoco, mas que respeitasse a diversidade de acesso à terra pelo campesinato negro, culminou-se na formulação sociológica terra de uso comum. Este conceito que permite a generalização de conformações sociais como Terras de Santos, Terras de Preto, Terras de Parentes, Terras de Irmandade, Terra de Herança e Terra de Índio potencializa a visibilidade e entendimento político tanto dentro do movimento campesino negro, quanto de sua articulação com outras esferas político-organizacionais (ARRUTI, 2008; LEITE, 2000).

A partir dessa grande conquista, sob a forma de um movimento de resistência às elites econômicas políticas, sociais e também culturais, os quilombolas se reafirmam com crescente potência no cenário sócio-político nacional, localizados com frequência “em algum lugar entre trabalhadores sem terra, os indígenas, as favelas e os universitários cotistas” (ARRUTI, 2010, p. 10).

2  Leite (2002) e Arruti (1997) defendem que imperava um desconhecimento sobre a questão por parte dos parlamentares, que pensavam tratar-se somente de casos pontuais, como o do Quilombo de Palmares.

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2.2. A questão quilombola, o Estado e as políticas públicas no cenário recente

Com a aprovação do texto constitucional de 1988, impõe-se o desafio de identificar os sujeitos do direito e transpor os critérios classificatórios de auto-atribuição de contexto local, em macro-categorias de nominação político-jurídicas. Isso deveria ser feito sob os cuidados de se preservar as comunidades quilombolas de definições imobilizantes, que ignorem tanto heterogeneidade das categorias operadas em torno do tema, quanto seu caráter dinâmico e contemporâneo (ARRUTI, 2008).

Como uma tentativa de normalizar a interpretação de quilombo e de avançar na aplicação do artigo 68, em 1990 a revista IstoÉ publica a versão da Fundação Cultural Palmares que, em parceria com o Instituto Brasileiro de Patrimônio Histórico, definem quilombos como: “sítios historicamente ocupados por negros que tenham resíduos arqueológicos de sua presença, inclusive as áreas ocupadas ainda hoje por seus descendentes, com conteúdos etnográficos e culturais” (ARRUTI, 2008, p. 325). Esta formulação, que se sustenta na ideia de patrimônio cultural, representa uma parcela do movimento negro que defendia o estabelecimento de critérios historicistas e arqueológicos na identificação dos sujeitos a serem alcançados pelas políticas públicas.

Contudo, após visitas técnicas das instituições envolvidas e tentativa de aderência às realidades locais, ficou rapidamente evidente que esta concepção de quilombo estava desconectada das verdadeiras demandas das comunidades do presente, além de impô-las a decomposição de suas identidades em categorias limitantes. Para resolver tal impasse e minimizar as inúmeras dubiedades aparentes na aplicação de ADCT de 1988, mobiliza-se a já estabelecida parceria entre a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e o Ministério Público Federal (MPF) para povos indígenas (ARRUTI, 2008; LEITE, 2000).

Sob a demanda de uma “definição judiciosa e de caráter científico” (ARRUTI, 2008, p. 317) do conceito de quilombo, reuniu-se em outubro de 1994 o hoje extinto “Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais” da ABA, que elabora a seguinte formulação negativa:

[...] não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de uma referência histórica comum, construída a partir de vivências e valores partilhados (ABA, 1994, p. 81-82).

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Com isso, baseado na ideia de “grupos étnicos” proposta por Barth (1969) e na evidenciação de alguns traços distintivos da territorialidade - como o predomínio de uso comum baseado em relações de solidariedade e reciprocidade e respeito à sazonalidade das atividades -, a ABA expõe a necessidade de representar a variedade de experiências dos agentes sociais que vivem as situações denominadas quilombo.

No mesmo ano, no âmbito do “IV Encontro de Comunidades Negras Rurais do Maranhão”, apoiadas no tripé Sindicatos de Trabalhadores Rurais/ Organizações Não Governamentais ligadas ao movimento camponês e indígena/ Pastorais da Igreja Católica, amplia-se a rede nacional de comunidades, até então concentrada nos estados do Maranhão e Pará. Orientados pelo tema “Os quilombos contemporâneos e a luta pela cidadania”, realizou-se um amplo debate sobre a necessidade de reduzir incertezas, estabelecer rotinas jurídicas, além de avançar na regulamentação de áreas de quilombos já reconhecidas pelo artigo 68 (ARRUTI, 2008; FIABIANI, 2008).

Em 1995, ano do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, foi mais uma vez emblemático e mobilizador de militâncias sociais, poder público e finalmente da mídia nacional. Neste ano, realiza-se a “Marcha Zumbi dos Palmares, Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida”, que reúne cerca de 30 mil pessoas de todas as regiões do país no alerta sobre a perpetuação do racismo no Brasil e a exigência de medidas de promoção da igualdade racial. Além disso, nesse ano acontece o primeiro encontro da “Articulação Nacional Provisória das Comunidades Remanescentes de Quilombos” (ANCRQ), que elabora um documento listando as 50 comunidades demandantes de reconhecimento (ARRUTI, 2008).

Em 27 de abril de 1995 a senadora Benedita da Silva encaminha o Projeto de Lei nº 129/95 que “regulamenta o procedimento de titulação de propriedade imobiliário aos remanescentes das comunidades dos quilombos” (BRASIL, 1995). A senadora do PT do Rio de Janeiro, membro do movimento negro urbano, indica o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) “como instituição responsável pela discriminação e demarcação dessas terras” (SILVA, 1996, p. 31). Além disso, Silva defende que é preciso “evitar que terceiros, aproveitadores e oportunistas viessem a se beneficiar do direito constitucionalmente assegurado” e, segundo Arruti (2008), menciona até mesmo a possibilidade de serem realizados exames de sangue.

Em consulta à ABA feita pela senadora, o antropólogo João Pacheco de Oliveira, entre outras críticas, discorda da proposição de critérios baseados em aspectos biológicos e raciais. Além disso, propõe o Ministério da Cultura como condutor do processo “uma vez que, se trata de assunto que em última instância, interessa ao seu mandato de preservação do patrimônio cultural brasileiro em um de seus aspectos

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mais salientes, o da diversidade étnica e cultural” (OLIVEIRA, 1996, p. 85).

Em 13 de junho de 1995, o deputado Alcides Modesto, ex-padre católico ligado à militância da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e advogado da comunidade de Rio das Rãs, juntamente com outros parlamentares, propõem um novo modelo de regulamentação do artigo 68. Baseado em ideais de proteção à cultura e ao património cultural brasileiro e a partir de uma leitura ressemantizada da experiência quilombola, Modesto (1996, p. 30) defende que “os procedimentos de reconhecimento das comunidades e delimitação das terras deve ser realizado em conjunto pelo Órgão Fundiário e pela Fundação Cultural Palmares (FCP)” (ARRUTI, 2008).

Mesmo em meio a estes impasses políticos, a despeito das discordâncias, decide-se no seminário público realizado na Câmara dos Deputados pela unificação das proposições, restando estabelecer entre o INCRA e a FCP a responsabilidade pela titulação das terras.

Em dezembro de 1996, por meio de um decreto presidencial, o Governo Fernando Henrique Cardoso cria o Grupo de Trabalho Interministerial, que integra os Ministérios da Cultura, Justiça, Meio Ambiente e Recursos Naturais e da Amazônia Legal, INCRA, FCP e Instituto de Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN). No ano 2000, sob forte pressão das lideranças das comunidades e do movimento negro, o governo emite uma Medida Provisória (MP) que define a FCP como executora exclusiva dos trabalhos de reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas (ARRUTI, 2008; FIABANI, 2008).

Em 2001, esta MP é transformada no Decreto Presidencial n. 3.912/01, que estabelece entraves como o prazo máximo de um ano para o encaminhamento de demandas por regularização fundiária quilombola e comprovação histórica de no mínimo cem anos de posse pacífica da terra (BRASIL, 2001). Além disso, acrescentavam-se os argumentos de que os direitos deveriam ser destinados aos indivíduos e não à comunidade, desvirtuando seu caráter coletivo e, impedindo a continuidade da atuação do Ministério Público Federal (ARRUTI, 2008).

Após uma sequência de portarias e decretos, que mesmo depois de quatorze anos de implementação da Constituição de 1988, além de não favorecerem a regulamentação e efetivação deste dispositivo legal, tentaram impor conceitos reducionistas à experiência social quilombola. Em função disso paralisam-se por algum tempo as ações governamentais sobre a temática.

O assunto volta a tomar fôlego na ascensão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, que no dia 21 de março, por meio da Lei n. 10.678, cria a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) vinculada à

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Presidência da República, cujo compromisso principal é a “formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial” (BRASIL, 2003a) e o Conselho Nacional de Políticas de Igualdade Racial (CNPIR). Este órgão colegiado de caráter consultivo, além de três membros notáveis indicados pela Secretaria, é composto atualmente por 22 órgãos do Poder Público Federal e 19 entidades da sociedade civil, entre as quais estão representantes quilombolas, que em respeito à Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais, passam a ter acesso direto ao governo.

Em 20 de novembro de 2003, dia Nacional da Consciência Negra, o Decreto Presidencial n.4.887, dá um importante passo rumo à efetivação da Constituição de 1988, que em seu artigo 2º, define remanescentes de quilombos como:

Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. (BRASIL, 2003).

Partindo dessa concepção, a proposta se esquiva de definições históricas stricto sensu e comporta o alargamento crítico apresentado pela Antropologia e pela Convenção 169 da OIT. Ratificada pelo Brasil em 2002, a Convenção defende em seu artigo 1º que “a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção” (OIT, 1989).

Além disso, o Decreto n.4.887/03 impõe um movimento de resistência em relação ao de n. 3.912/01, pois isenta as comunidades da responsabilidade de comprovar a descendência direta de remanescentes de comunidades de escravos fugidos, e com isso, inverte “o ônus da prova, cabendo a quem discorda produzir evidências e documentos de que a comunidade reivindicante de dado território não é descendente de quilombo” (Ridalvo de Arruda apud OLIVEIRA, 2009, p. 84). Ademais, promove uma reforma institucional ao transferir ao INCRA a responsabilidade pelo processo de regularização fundiária e de desapropriação de terras particulares para fins de titulação de território quilombola.

Determina ainda que a titulação das terras deve ser efetuada em nome da entidade representativa da comunidade, resgatando seu caráter coletivo e social. Segundo Arruti (2008), este último aspecto é especialmente importante, pois incorpora a “terra” a dimensão conceitual de território. Nesse sentido, esta

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definição não coincide necessariamente com a área diretamente ocupada, mas com o espaço de vida de cargas materiais e simbólicas necessário a “reprodução física, social, econômica e cultural” dessas comunidades (BRASIL, 2003).

Configura-se a partir de então uma intencionalidade positiva – e constantemente ameaçada - em prol da ampliação de políticas e dutos institucionais em torno da pauta quilombola. Centralizadas principalmente na Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e no Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (PPIGRE) do então Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), essa abertura favorece também a agregação de novas temáticas, tais como saúde e educação, âmbito em que se começa a discutir a pertinência de escola e currículo diferenciado3. Além disso, é também nesse contexto que se inaugura em 2004 o Programa Brasil Quilombola (PBQ) e em 2007 a Agenda Social Quilombola, instrumentos políticos de força e amplitude crescentes nas conquistas de direitos da população quilombola em todo o país.

No ano 2005, o INCRA põe em vigor a Instrução Normativa n. 20, que direciona os procedimentos administrativos necessários para o cumprimento do Decreto 4.887 e cria a Coordenação-Geral de Regularização de Territórios Quilombolas, a fim de normalizar os processos de identificação, reconhecimento e titulação de terras em todo o país.

No dia 7 de fevereiro de 2007, o Decreto n.6.040 institui a “Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais” que tem como objetivo central “promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições” (BRASIL, 2007a). Este decreto configura-se como o primeiro instrumento jurídico de garantia de direitos e reconhecimento de formas de comunidades tradicionais, para além de grupos indígenas ou comunidades quilombolas.

Outra iniciativa que sinalizou a disposição do governo em ampliar os recursos destinados aos quilombolas foi a aprovação em 10 de julho de 2010 da Lei n.12.288/10 que promulga o Estatuto da Igualdade Racial, anteriormente apresentada pelo deputado Paulo Paim nos Projetos de Lei n.3.198/2000 e 203/2003. Este dispositivo legal, entre outros grupos sociais e questões, inclui a garantia de direitos das populações quilombolas em áreas como saúde, educação, cultura e acesso à terra (BRASIL, 2010).

Em conformidade com a “Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial”, 3  Estas medidas são discutidas em instrumentos como as “diretrizes curriculares nacionais para a educação escolar quilombola na escola básica” (BRASIL, 2012).

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em janeiro de 2013 a SEPPIR lança o “Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana”. Este plano foi elaborado a partir de um intenso debate com representantes de diferentes matrizes africanas das cinco regiões do país e do Grupo de Trabalho formado por outros 11 órgãos do Governo Federal (SEPPIR, 2013b).

Em 9 de maio de 2016, por meio do Decreto 8.750/10 institui-se o “Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais” diretamente vinculado à estrutura do então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Composto por 44 membros titulares, dos quais 29 são representantes de grupos tradicionais de diferentes segmentos e os outros 15 de diferentes órgãos públicos, entre outras atribuições o Conselho visa “coordenar, acompanhar e monitorar a implementação e a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT e do Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, em colaboração com os órgãos competentes por sua execução, e as previsões orçamentárias para sua consecução” (BRASIL, 2016).

Como marco do início de um contra-movimento, em 12 de maio de 2016, com o afastamento da presidente Dilma Roussef, o governo interino revoga a Lei n. 10.683 de 28 de maio de 2003 e edita a Medida Provisória n.726. Entre outras mudanças, esta iniciativa promove a fusão entre os Ministérios do Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o que define um enorme retrocesso na pauta do desenvolvimento agrário e agrícola do país. Além disso, esse decreto retira uma vez mais do INCRA a competência pela delimitação e demarcação de terras quilombolas, que passa a ser de responsabilidade do recém criado Ministério da Educação e Cultura.

No dia 20 de maio do mesmo ano, a MP 726 é retificada de modo a manter a titulação das terras quilombolas com o INCRA, que agora se vincula ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA). Contudo, como símbolo da resistência política do novo governo quanto à manutenção e ampliação dos direitos das populações quilombolas, o Artigo 2º do Decreto 8.780 de 27 de maio de 2016 estabelece a transferência do MDSA para a Casa Civil da Presidência da República a competência pela “delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos e determinação de suas demarcações, a serem homologadas por decreto.” (BRASIL, 2016b). Na sequencia, em 29 de setembro ainda de 2016 o presidente em exercício Michel Temer, por meio do Decreto 8.865, transfere a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário e INCRA para a Casa Civil.

Atualmente liderada pelo Ministro Eliseu Padilha (PMDB-RS), a Casa Civil da Presidência da República assume uma clara postura em benefício dos grandes

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empresários do campo do agronegócio, o que caracteriza inequívocos retrocessos sociais, ambientais e políticos. Somado a este golpe, neste momento tramita no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta em 2004 pelo Partido Democrata (DEM). Esta Ação questiona o Decreto 4.884/2003, que é precisamente o principal instrumento normativo de regulamentação dos direitos das comunidades quilombolas estabelecidos na ADCT 1988.

O julgamento que se estende desde 2012 será retomado no dia 16 de agosto de 2017. Nesta ocasião caso os Ministros do Supremo Tribunal Federal votem a favor da inconstitucionalidade do Decreto, para terem seus territórios reconhecidos, as comunidades quilombolas deverão comprovar cientificamente a sua organização social em data anterior à abolição legal da escravidão. Além disso, ficará estabelecido que somente comunidades na posse de seus territórios na data da promulgação da Constituição, terão o direito à titulação.

Como resistência a estas notórias involuções, deu-se inicio à campanha “O Brasil é quilombola: Nenhum direito à menos” que circula amplamente nas redes sociais. A ação é um convite à sociedade para a assinatura de uma petição on-line que será enviada aos ministros do STF em apoio à manutenção do Decreto 4.884/2003. #nenhumquilomboamenos!

2.2.1. O Programa Brasil Quilombola (PBQ)

Diante do atual cenário aterrador para a sociedade brasileira e para as comunidades quilombolas de forma especial, torna-se ainda mais importante a consciência sobre os avanços e possíveis debilidades das políticas vinculadas a este grupo. Neste contexto, o Programa Brasil Quilombola destaca-se como instrumento potencial e efetivo de planejamento e execução da agenda pública, o que justifica a importância do esquadrinhamento de sua arquitetura e a transparência na produção e gestão de suas informações.

O PBQ foi lançado em 12 de março de 2004 na comunidade remanescente de quilombo Kalunga, situada nos municípios de Cavalcanti, Teresina de Goiás e Monte Alegre, no estado de Goiás. O Programa é coordenado pela SEPPIR e conta com a colaboração de 11 órgãos da administração pública federal.

Norteado pelos princípios definidos pelo Decreto nº 4.886 de 20 de novembro de 2003 que estabelece a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, o Programa Brasil Quilombola se sustenta na tríade: gestão descentralizada, transversalidade e gestão democrática. Esta proposta, além de adotar a estratégia de distribuir compromissos entre diferentes órgãos do governo federal, prevê o fortalecimento das redes institucionais de âmbito estadual e municipal, bem

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como o protagonismo das comunidades quilombolas e dos movimentos sociais na proposição de diretrizes e monitoramento da política. Com a finalidade de transparecer e dar efetividade às estratégias e instrumentos políticos que orientam o Programa Brasil Quilombola cria-se em 20 de novembro de 2007 a Agenda Social Quilombola (ASQ). Definida pelo Decreto n.6.261/07, em seu Artigo 1º estabelece (BRASIL, 2007b):

As ações que constituem a Agenda Social Quilombola, implementadas por meio do Programa Brasil Quilombola, serão desenvolvidas de forma integrada pelos diversos órgãos do Governo Federal responsáveis pela execução de ações voltadas à melhoria das condições de vida e ampliação do acesso a bens e serviços públicos das pessoas que vivem em comunidades de quilombos no Brasil, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Assenta-se, portanto, a opção por não atribuir a um único órgão, ministério, secretaria ou fundação, o compromisso com a temática quilombola. Com isso, evidencia-se também a mudança de postura do Estado brasileiro diante da pauta, que deixa de ter seu centro na questão cultural, para considerar novas dimensões da conformação social desse grupo. Arruti (2009) destaca que esta situação se transparece no fato de que entre 1997 e 1999 as três ações destinadas a comunidades de quilombo foram executadas pela Fundação Cultural Palmares. A partir de 2004, houve uma multiplicação não somente do número de iniciativas, mas também do espectro de áreas de atuação e do orçamento destinado a este grupo.

Neste contexto, o Comitê de Gestão da Agenda Social Quilombola (CGASC) além da SEPPIR define outros 10 membros, quais sejam: Casa Civil da Presidência da República e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); os então Ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) (que atualmente integram a Casa Civil e o Ministério de Desenvolvimento Social); Ministério da Cultura (MinC) e Fundação Cultural Palmares (FCP); Ministério da Educação (MEC) e Fundo Nacional de Educação (FNDE); Ministério de Minas e Energia (MME); Ministério da Saúde (MS) e Fundação Nacional de Saúde (FUNASA); Ministério da Integração Nacional (MI); Ministério das Cidades (MCidades) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) (SEPPIR, 2004).

As medidas da Agenda Social Quilombola foram estruturadas em quatro eixos principais de ações, sendo eles: 1) acesso à terra – conforme definido no

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Decreto 4.886/03, define a “execução e acompanhamento dos trâmites necessários para a certificação e regularização fundiária das áreas de quilombo, que constituem título coletivo de posse das terras tradicionalmente ocupadas”; 2) infraestrutura e qualidade de vida – “consolidação de mecanismos efetivos para destinação de obras de infraestrutura (saneamento, habitação, eletrificação, comunicação e vias de acesso) e construção de equipamentos sociais destinados a atender as demandas, notadamente as de saúde, educação e assistência social” ; 3) inclusão produtiva e desenvolvimento local – “apoio ao desenvolvimento local e autonomia econômica, baseado na identidade cultural e nos recursos naturais presentes no território, visando a sustentabilidade ambiental, social, cultural, econômica e política das comunidades”; e 4) direitos e cidadania – “fomento de iniciativas de garantia de direitos promovidas por diferentes órgãos públicos e organizações da sociedade civil, junto às comunidades quilombolas considerando critérios de situação de difícil acesso, impacto por grandes obras, em conflito agrário, sem acesso à águas e/ou energia elétrica e sem escola” . Além destes, atualmente o CGASC discute a inclusão da agenda socioambiental como um eixo específico de atuação das políticas voltadas às populações quilombolas (SEPPIR, 2013a).

Como um indicador das forças colaborativas e de atrito para o pleno desenvolvimento do PBQ, observa-se um constante retorno à discussão dos conceitos que giram em torno do tema. Estes muitas vezes resistem em reconhecer que igualdade e diversidade não são princípios excludentes e a responsabilidade do Estado em afirmar a diferença.

2.3. Quilombo: uma categoria em disputa

Em meio a tantos conflitos de interesse, ficou claro que disposto no push-and-pull comandando por diferentes forças, o conceito de quilombo se configura como um objeto em disputa, tanto no campo teórico, quanto no de instrumentos jurídico-organizacionais.

Se por um lado parece evidente que ao longo da história o termo foi sendo desenredado de uma concepção crescentemente reconhecida como conservadora e retrógrada (que em certa medida acompanha a evolução sofrida pela própria noção de direitos humanos), por outro os caminhos construídos não apontam direcionamento claros, sendo ainda altamente dependentes de determinações políticas e estruturalismos econômicos.

Por isso, é salutar observar que a discussão do conceito de quilombo passa necessariamente pelo debate sobre ampliação, acesso e legitimação de direitos.

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Falar em quilombos é, portanto, falar de resistência e luta política. Sendo assim, não surpreende que neste campo, como em tantos outros em que há coincidência entre vulnerabilidade econômica e política, a conquista desses direitos seja conflituosa e oscilante.

Além disso, como declarou Arruti (2008), a noção de quilombo está sempre (implícita ou explicitamente) acompanhada de um qualificante. Eles são, por isso, históricos/ contemporâneos, urbanos/rurais, permanentes/nômades, isolados/integrados, autossuficientes/dependes, extrativistas, agrícolas, de modo que a abrangência do conceito seja ela mesma objeto de disputa.

Posicionada na linha de frente dos sintomas sociais, a percepção sobre fatos e eventos que definem a questão quilombola não estabelecem seus limites em esquemas inertes, uniformes e autocontidos. Como um objeto que “não ‘é’, mas sim ‘está em curso’” (ARRUTI, 2008, p. 315), a questão quilombola se forma justamente no encontro de suas polissemias e dessemelhanças empíricas, atributo este que deve ser constantemente defendido da tentativa de instrumentalizá-lo como um argumento de contestação de sua existência ou de legitimidade de suas reivindicações enquanto grupo social.

Ademais, deve-se considerar que esta vastidão de significados cujo centro se desloca em função das diferentes posições de seus segmentos, é complexificada pela inevitável sobreposição de categorias sociais, que não permitem enquadrar os povos e comunidades negras tradicionais em caixinhas e prateleiras bem-acabadas e detalhadas. Além de identificarem-se como quilombolas, este grupo se reconhece em pautas diversas, que em sua heterogenia interna, deve ter o potencial de fortalecer o cumprimento de suas demandas. Com relação a esta coexistência de identidades, Almeida (2002, p. 72) declara:

Elas são coletâneas do movimento quilombola e com ele coexistem em termos de mobilização étnica. Critérios de gênero, como no caso das quebradeiras de coco babaçu (MA, PA, PI e TO) e das artesãs de arumã do Rio Negro (AM), critérios ocupacionais e de atividades, como no caso de seringueiros e castanheiros, critérios de localização geográfica, como no caso dos ribeirinhos, e critérios alusivos à modalidade de intervenção governamental, como no caso dos atingidos por barragem, têm possibilitado explicar a formação de movimentos sociais recentes e sua força política. Além disso, têm permitido o advento de territorialidades específicas e autônomas, tais como reservas extrativistas, babaçuais, castanhais e seringais, sem o controle dos mediadores tradicionais, isto é, seringalistas e grandes proprietários.

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Na tentativa de conexão entre a proposição teórica, governamental e normativa, ante a complexidade do tema e aos conflitos de interesses que engendra, encontrou-se no significante “etnicidade” o estimo remoto que unificaria a caracterização da organização social quilombola. Esta solução mediadora teria, portanto, o potencial de romper com perspectivas conservadoras ou idealizadoras (tais como a legislação repressiva do século XVIII ou o romantizado modelo pombalino) e iluminar os processos sociais e simbólicos vividos cotidianamente pelas populações quilombolas em sua heterogenia e dinamismo4.

A partir desse prisma teórico, segundo Almeida (2002), promove-se a afirmação da identidade coletiva, em que o mais importante não é como uma ONG, partido político ou a própria academia define e projeta a questão quilombola. Ao contrário, segundo essa perspectiva, os critérios de classificação que interessam são aqueles que invertem a prática histórica de se pensar os princípios político-organizativos de fora para dentro e do global para o local, de modo a preservá-los de categorias estigmatizantes e possíveis conveniências regimentais.

Esta necessidade de modelização, como declarou Arruti (2008, p. 339) estabelece, portanto, “um jogo de fuga e captura entre modelização e diversificação, entre norma e variante, no qual os discursos antropológico, jurídico e político estão em permanentes deslizamentos e reapropriações”. Uma evidência desse processo reside na proposta de auto-atribuição, que se por um lado liberta o modelo de quilombo de estruturas com vestígios coloniais, por outro o aprisiona em casos em que o próprio grupo se reconhece politicamente em tal formação social. Esta condição, que pode ser construída somente a partir da existência de trabalhos de base e auto-discussão, evidencia o caráter nativo desse grupo denominado quilombola, em que o que está em jogo é a capacidade do sistema normativo em reconhecê-lo e nunca o contrário.

Por fim, deve-se atentar a muitas vezes bem-intencionada e naturalizada correlação que se estabelece entre as questões indígenas e quilombolas. Sem desconsiderar os casos em que esta conexão é realmente intrínseca e dissociável, como nas Terras de Índios, de modo geral estas temáticas caminham por estruturas de referências políticas e sociais muito distintas. Arruti (1997) argumenta que enquanto a temática indígena está ligada à frequentemente romantizada noção de autóctones, que possuem direitos naturais ligados à identidade do país, os quilombolas são muitas vezes encarados como externos, que devem ser controlados, educados e dissociados das categorias sociais nacionais.

4  A partir dos aportes teóricos de Weber (2004), para comunidades étnicas, e de Barth (1969) para grupos étnicos, converge-se na concepção de etnicidade como elemento unificador da vontade política, que se reconhece a partir da auto-atribuição e não da cultura ou contato com grupos étnicos diferentes.

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Também como um sintoma central do princípio de expansão de direitos e visibilidade da questão quilombola, crescem as iniciativas em torno da ampliação estatísticas e cartografias sociais de qualidade para esse grupo. Desenvolvida e defendida por diferentes setores da sociedade, esta conquista promete avançar nas indefinições sobre a abrangência e características gerais e específicas do fenômeno referido e com isso inseri-los de forma definitiva em uma perspectiva contemporânea, dotada de passado, mas também de presente e futuro.

Para isso, reconheceu-se como imperativo a existência de uma plataforma que amplie os canais de comunicação entre os diversos setores da sociedade. A solução encontrada foi a construção de um ponto nodal denominado Sistema de Monitoramento de Políticas de Promoção da Igualdade Social, entre outras intenções, objetiva avançar com transparência no debate sobre as (in)definições, políticas públicas e transformação social das populações quilombolas no Brasil.

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3. PRodução, gestão e diagnósticos de infoRmações no âmbito do PRogRama bRasiL QuiLomboLa: em Que Ponto estamos e PaRa onde nos diRecionamos?

3.1. Introdução

A evolução histórica dos processos que giram em torno da temática quilombola transparece o considerável avanço obtido com a aproximação dos discursos jurídicos e antropológicos na elaboração, reconhecimento e defesa dos direitos desse grupo. Nesse percurso, que ainda hoje segue tensionado entre conquistas e riscos de retrocessos, além de produzir ferramentas intelectuais mediadoras, evidenciou os caminhos que separam os remanescentes de quilombos da sociedade em geral, do Estado e de diferentes disciplinas acadêmicas.

Em consonância com a trajetória de repressão e exclusão que caracteriza esse grupo, não gera espanto o fato de que os registros de suas características socioeconômicas, demográficas e territoriais sejam precários e fragmentados. Almeida (2002) destaca que impressiona a quantidade de cartórios que já sofreram incêndios, o estado de deterioração dos papéis e a desorganização dos arquivos paroquiais e das agências do Judiciário que contenham informações sobre os quilombos e suas populações.

Além disso, por estarem tradicionalmente mais próximos de disciplinas como antropologia, sociologia e direito, grande parte dos estudos sobre os povos e comunidades quilombolas seguem metodologias etnográficas, sociológicas ou arqueológicas. Esta tendência adiou por muito tempo a necessidade de inclusão da dimensão quantitativa e a formação de massa crítica (em áreas como demografia, sociologia quantitativa ou economia) que possa atuar na interpretação, compreensão e realização de pesquisas com o uso intensivo de estatísticas e cartografias sociais.

Recentemente, seguindo a tendência de fortalecimento de direitos e a partir do reconhecimento de que a invisibilidade desse grupo se reflete na ausência de informações estatísticas e cartográficas de qualidade, observa-se, sobretudo a partir do ano 2003, um esforço de instituições de diferentes setores da sociedade

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em coletar, organizar, disseminar e interpretar informações que intencionem saber quantos, como vivem e onde estão os povos e comunidades negras tradicionais do Brasil.

Este novo nível de comprometimento do Estado se traduz em iniciativas como a coleta de dados sobre grupos tradicionais pelo CadÚnico e Chamada Nutricional Quilombola, que permitem estimar que em 2016 a população negra tradicional é formada por 639.677 pessoas, o que representaria cerca de 0,3% da população brasileira. Cresce também o reconhecimento de que este grupo (que se aproxima dos 817.963 pessoas que segundo o Censo Demográfico se declaram como indígenas no Brasil em 2010)5, apesar da sua representatividade numérica, superior à população de cerca de 70% dos municípios nacionais, deve ser quantificado e localizados não somente por sua profusão quantitativa. A partir do princípio da representatividade pela qualidade, mesmo os grupos menores e mais isolados devem ser visibilizados, pois tendem a indicar com ainda mais potência a extensão do genocídio colonial e a urgência em repará-lo.

Neste contexto, ainda que se observe uma grande divergência nos dados, fato que se explica pelos diferentes recortes amostrais, desenho conceitual e capacidade operacional das diferentes instituições, estas informações são capazes de revelar a grave situação de vulnerabilidade social a que estão expostas às famílias quilombolas, além de oferecer parâmetros para pesquisas subsequentes sobre essa temática.

Nessa perspectiva, estes dados, juntamente com outras fontes de informação, estão sendo organizados e divulgados pelo projeto de integração e disseminação de dados do Programa Brasil Quilombola, que representa uma iniciativa de grande êxito, mesmo frente aos inúmeros desafios encontrados.

3.2. Integração e disseminação de dados do Programa Brasil Quilombola: o Sistema de Monitoramento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial

No Decreto n. 8.750 de 9 de maio de 2016, que institui o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), em seu artigo 2º estabelece como competência do conselho iniciativas como:

5  Vale destacar que as informações sobre povos e comunidades negras tradicionais provêm de um registro administrativo, enquanto sobre povos indígenas do Censo Demográfico, o que não permite uma comparação definitiva sobre o montante populacional desses dois grupos.

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Parágrafo V - coordenar, acompanhar e monitorar a implementação e a regulamentação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT e do Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, em colaboração com os órgãos competentes por sua execução, e as previsões orçamentárias para sua consecução; Parágrafo IX - promover a ampliação e o aperfeiçoamento dos mecanismos de participação e controle social por intermédio de órgãos congêneres municipais, estaduais, distritais, regionais e territoriais e outras instâncias de participação social;Parágrafo XVI - estimular o diálogo com outros órgãos e esferas da sociedade e a troca de experiências com os institutos de pesquisa e com a sociedade civil de outros países que já iniciaram processos de inclusão de povos e comunidades tradicionais em suas pesquisas; Parágrafo XVII - propor medidas para a implementação, o acompanhamento e a avaliação de políticas relevantes para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, respeitando sua autonomia, seus territórios, suas formas de organização, seus modos de vida peculiares e seus saberes e fazeres tradicionais e ancestrais. (BRASIL, 2016).

Esta proposta vai de encontro à criação do Sistema de Monitoramento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SMPPIR) que reúne dados e indicadores cartográficos, socioeconômicos, de provisão e acesso de serviços públicos das políticas de igualdade social. Esta ferramenta tem como objetivos principais aprimorar os canais de interação entre atores governamentais (das três esferas) e não governamentais (gestores, beneficiários de políticas de igualdade racial, integrantes as sociedade civil, pesquisadores) a partir de informações centralizadas, confiáveis e atualizadas. O resultado é maior transparência dos processos, o que potencialmente amplia a qualidade dos serviços prestados e garante maiores oportunidades de participação social (SEPPIR, 2013c, 2016).

Com isso o Sistema consolida caminhos para a gestão da informação e integração de dados em uma política de desenho transversal e intersetorial como o PBQ. Essa prática fortalece a cultura organizacional de compartilhamento de informações, ao mesmo tempo que confere maior organicidade à Política. Além disso, amplia as possibilidades de controle social e estimula a produção de estudos sobre povos e comunidades negras tradicionais.

Criado no âmbito do Programa Brasil Quilombola (PBQ), lançado em 12 de março de 2004, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Fundação Ford

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e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), implementa-se em 2013 o projeto de integração de dados e gestão da informação do PBQ no âmbito do SMPPIR (SEPPIR, 2013b).

Este projeto converge as demandas dos movimentos sociais por transparência na evolução dos quatro eixos estruturais do programa e dos gestores por aprofundamento e ampliação dos subsídios para a implementação de políticas públicas. O resultado desse esforço colaborativo é um arranjo institucional e tecnológico inovador e exitoso.

Reconhecido com o prêmio de Inovação na Gestão Pública promovido pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), o projeto enfrenta desafios como a pulverização de dados em diferentes instituições públicas - que possuem processos e sistemas de monitoramento e gestão igualmente heterogêneos, capacidade de manejo e armazenamento de grandes bases e ausência de normatização no tratamento dos dados dentro da própria SEPPIR. Com isso elimita-se o acúmulo de informações redundantes e a necessidade de retrabalhos de modo a garantir a reprodutibilidade nos processos de identificação, catalogação, consolidação e cruzamento de informações.

3.2.1. A arquitetura de informações do SMPPIR

O SMPPIR atualmente está formato por ferramentas que monitoram tanto o Programa Brasil Quilombola quanto o Plano Juventude Viva6. Para isso, a construção do Sistema está estruturado em duas vertentes principais: 1) captura e centralização das bases de dados do Governo e 2) Visualização de informações. A primeira cumpre com o objetivo de extrair, transformar e armazenar informações sobre povos e comunidades tradicionais de forma centralizada e eficiente. Já a segunda disponibiliza recursos de visualização de informações gráfica e espacialmente, além de possibilitar agregação, filtros e sobreposição de diferentes dados (Figura 1).

6  O Programa Juventude Viva é coordenado pela SEPPIR juntamente com a Secretaria Nacional de Juventude e a Secretaria-Geral da Presidência da República. O Programa tem como objetivo reduzir a vulnerabilidade dos jovens negros por meio de ações de prevenção. Estas se concen-tram em quatro eixos: Fim da Cultura de Violência Inclusão; Emancipação e Garantia de Direitos; Transformação de territórios e; Aperfeiçoamento institucional (PR, 2014).

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Figura 1: Painéis de Monitoramento do Programa Brasil Quilombola

Fonte: www.monitoramento.seppir.gov.br . Visualização: ago. 2017.

Para divulgar os dados padronizados e integrados, o projeto criou a plataforma eletrônica denominada Painéis de Monitoramento do Programa Brasil Quilombola, que dividido nos quatro eixos principais do PBQ, apresenta de forma amigável dados de fontes como: Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), Ministério da Saúde (MS), Ministério da Educação (MEC), Ministério de Minas e Energia (MME), INCRA e FCP.

Além de sua plataforma on-line, os dados podem também ser manipulados com mais liberdade e recursos por meio das soluções intranet: DataSEPPIR, Pesquisa Quilombola, Serviço PBQ e ELTs (a serem acessados mediante demanda de senha e usuário).

A plataforma DataSEPPIR constitui a principal ferramenta para o gestor, visto que permite visualizar em detalhes e manejar de maneira interativa as informações disponíveis. O produto dessa manipulação se apresenta em formas como tabelas e gráficos, que podem ser exportados e salvos em formatos variados. Atualmente as bases que compõem a ferramenta são: Cadastro Único, Censo Escolar, Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), Censo Demográfico, Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e dados referentes a certificação e titulação de comunidades quilombolas e aos serviços públicos instalados nas comunidades (Figura 2).

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Figura 2: Plataforma DataSEPPIR

Fonte:www.monitoramento.seppir.gov.br/analise. Visualização: ago. 2017.

Por sua vez, a Pesquisa Quilombola é uma ferramenta com a qual servidores da SEPPIR, FCP, INCRA e MDSA alimentam informações sobre certificação e titulação de Territórios Quilombolas, bem como sobre as comunidades que formam estes territórios. Para isso, a fim de reduzir a redundância e inconsistência dos dados e ampliar a possibilidade de cruzamento de informações entre diferentes fontes do governo, cria-se um identificador único (ID_Quilombola).

O Serviço PBQ consiste em um diretório que agrega todas as políticas públicas (Minha Casa, Minha Vida; Luz para Todos; Água para Todos, etc.) monitoradas pelo PBQ. Com isso, o Serviço contribui para a evolução e padronização do conteúdo das Políticas que circundam a temática quilombola, bem como dos produtos e resultados das ações governamentais do Programa.

Finalmente a ferramenta ETLs (Extração, Transformação e Carga) são recursos de programação que permitem converter de forma automática o formato de bases de dados demandados pelos diferentes sistemas (SEPPIR, 2013c, 2016).

3.2.2. Avaliação geral dos indicadores e funcionalidades que compõem os Paineis de Monitoramento PBQ

Atualmente a Sistema de Monitoramento tem sido aprimorado em uma plataforma on-line ainda em construção (versão 2.0). O desenvolvimento dessa ferramenta foi possível graças a um Termo de Execução Descentralizada firmado com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e um Documento de Projeto (PRODOC) assinado com o PNUD que visam implementar novas funcionalidades,

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informações estatísticas e geoespaciais à versão anterior. Além disso, estas parcerias objetivam a qualificação das informações já incorporadas, divulgação e capacitação dos diferentes públicos que se relacionam com a ferramenta (Figura 3).

Figura 3 : Painéis de Monitoramento do Programa Brasil Quilombola Versão 2.0

Fonte: www.monitoramento.seppir.gov.br/seppir2.0/index.html . Visualização: ago. 2017.

Nessa conjuntura, devido ao seu estágio avançado de desenvolvimento, serão consideradas tanto a versão 1.0 quanto a 2.0 como referências para a avaliação da adequabilidade das informações e funcionalidades das plataformas.

Para isso, adotaram-se os critérios propostos pela cartilha de usabilidade do governo federal (BRASIL, n.d) e por Villela (2003), quais sejam: conteúdo e usabilidade7. Em cada um desses parâmetros foram selecionadas submedidas que se adequam à proposta dos Painéis de Monitoramento do PBQ.

3.2.2.1. Conteúdo

O conteúdo da plataforma dos Painéis de Monitoramento do PBQ será avaliado tendo como norte o objetivo proposto no primeiro plano da versão 2.0 do SMPPIR que é “dar visibilidade às demandas sociais e à atuação do Estado, de maneira a promover um melhor diálogo social e aprimorar a eficiência e eficácia das políticas públicas”.

Esta análise está centrada no teor das propostas dos Planos Plurianuais, com ênfase na edição 2012-2015. Este recorte foi adotado visto que o PPA 2016-2019 7  Dado o objetivo do Painel de Monitoramento do PBQ que é o de consulta a informações, optou-se por não incluir a dimensão “funcionalidade” que seria mais adequada para avaliar a plataforma de SEPPIR como um todo.

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permite reduzidas conclusões diretas sobre as comunidades de quilombo (Produto 3). Contudo, deve-se considerar que mesmo no PPA 2012-2015 grande parte dos objetivos, metas e iniciativas não dispõem de coletas e divulgação sistematizada de dados, o que inviabiliza sua incorporação ao SMPPIR.

Conforme indica a Tabela 1, quinze programas do PPA 2012-2015 se relacionam diretamente com a temática quilombola, estando eles presentes nos quatro eixos dos painéis de monitoramento.

Tabela 1: Programas que envolvem ações voltadas para comunidades quilombolas identificados a partir do PPA 2012-2015.

Programas que envolvem a questão quilombola no PPA 2012-2015 Órgão responsável

2012 - Agricultura Familiar MDA

2015 - Aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde (SUS) MS

2019 - Bolsa Família MDS

2020 - Cidadania e Justiça MJ

2025 - Comunicações para o Desenvolvimento, a Inclusão e a DemocraciaOperações Oficiais de Crédito

2027 - Cultura: Preservação, Promoção e Acesso MinC

2029 - Desenvolvimento Regional, Territorial Sustentável e Economia Solidária MDA

2030 - Educação Básica MEC

2031 - Educação Profissional e Tecnológica MEC

2034 - Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial SEPPIR

2037 - Fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) MDS

2044 - Autonomia e Emancipação da Juventude PR

2062 - Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes SDH

2068 - Saneamento Básico MS

2069 - Segurança Alimentar e Nutricional MDS

Fonte: PPA 2012- 2015 (BRASIL, 2014).

Neste escopo, conforme destacado no Produto 3 e também identificado no Acórdão 2771/2014 realizado pelo TCU (Anexo I):

Constatou-se também que os dados orçamentários não estão disponibilizados para consulta pública no Sistema de Monitoramento das Ações do PBQ gerenciado por essa Secretaria. Nesse sistema, visualizam-se apenas dados relativos aos indicadores de desempenho e metas físicas previstas nas ações, específicas e de caráter universal, dos 4 (quatro) eixos temáticos do programa, não sendo possível identificar os gastos realizados no âmbito de cada ação do programa (TCU, 2014).

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Conforme identificado em ambas as investigações, a falta de transparência orçamentária acontece em parte devido o caráter transversal do PBQ, que desde 2004 encontra-se cada vez mais diluídos em diversos Programas, Objetivos e Iniciativas. Soma-se a isso a dificuldade da gestão enfrentada pela própria SEPPIR, que não dispõe de uma Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração (SPOA) como os outros ministérios. Esta condição reduz a transparência orçamentária dentro da própria Secretaria e se reflete na ausência dessa informação nos Paineis de Monitoramento do PBQ. Com relação a esta situação a representante da SEPPIR esclarece:

Todos os outros ministérios têm vinculado à Secretaria executiva o que a gente chama de SPOA, que é uma secretaria que lida com o dinheiro. Tanto a SEPPIR quanto a SDH não tinham essa secretaria vinculada à secretaria executiva. Por que isso era problemático? Por que o secretário executivo ele basicamente era uma peça de ficção [...]. Ele tinha que influenciar na escolha do Ministério, uma vez que você tinha uma secretária, ele tinha que influenciar a secretaria para ela aceitar fazer o que ele estava propondo. Essa história mostra que havia e ainda permanece um descolamento muito grande entre o que é o tratamento orçamentário da política e o tratamento da política que a gente faz aqui, mais técnico. E há um desconhecimento dos dois lados. Tanto a gente não sabe, quanto eles. Hoje se você me perguntar quantos por cento a gente já utilizou do orçamento, nem a Secretaria sabe dizer, porque essa informação mais atualizada a gente não sabe (Produto 3).

Este cenário é sintomático da ausência de padronização de procedimentos no planejamento, estabelecimento de metas, acompanhamento e monitoramento das ações da agenda quilombola, o que limita a oportunidade de participação social (TCU, 2012 e Produto 3).

No que concerne ao conteúdo do Eixo 1 - Acesso à Terra, observa-se que as informações reunidas e divulgadas pela FCP e INCRA são apresentadas de forma clara e acessível. Nota-se que, sobretudo a versão 2.0 disponibiliza dados atualizados (até 2016) e geolocalizados (comunidades, territórios, UF), o que amplia a possibilidade de estudos detalhados sobre as diferentes modalidades de reconhecimento territoriais dos povos e comunidades tradicionais.

Contudo, apesar dos avanços, considera-se que além de dados tabulares é fundamental o compartilhamento de informações sobre localização, limites, área, etc. de comunidades e territórios quilombolas em formatos vetoriais como shapefile

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e klm e em formato matricial tais como TIFF/GeoTIFF, GIF, PNG, ERDAS e JPEG. Estas informações devem ser preferencialmente apresentadas e compartilhadas em relação a outras tais como malha municipal e estadual, infraestruturas públicas, limites de Terras Indígenas, Unidades de Conservação (como prevê em parte a versão 2.0 do Painel de Monitoramento do PBQ).

Recomenda-se ainda que a plataforma compartilhe informações já sistematizadas de fontes como Comissão Pastoral da Terra que especifica pessoas e comunidades quilombolas como grupos vítimas de assassinatos, violência, ameaças de morte, entre outros conflitos ligados à terra.

No PPA 2012-2015, o Eixo 2 – Infraestrutura e Qualidade de Vida do PBQ está diretamente vinculado aos seguintes programas: PROGRAMA: 2068 - Saneamento Básico, PROGRAMA: 2069 - Segurança Alimentar e Nutricional e de forma geral ao PROGRAMA: 2034 - Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial. Já no PROGRAMA: 2049 - Moradia Digna, PROGRAMA: 2033 - Energia Elétrica, PROGRAMA: 2066 - Reforma Agrária e Ordenamento da Estrutura Fundiária, benefícios como energia elétrica, água e habitação digna apresentam-se inseridos em políticas universais.

Esses dados estão traduzidos no Painel de Monitoramento em informações do CadÚnico (MDSA), quais sejam: número de famílias quilombolas por UF e por situação de domicílio; proporção de domicílios quilombolas com energia elétrica, tarifa social de energia e coleta de lixo; além da proporção de domicílios por tipo de abastecimento de água e escoamento sanitário (2016). Observa-se que estas informações foram selecionadas para compor o painel em detrimento de outras como “material predominante na construção do domicílio” e “existência de banheiros ou sanitários” também disponíveis no CadÚnico. Este fato evidencia que as informações transparentes no Painel do PBQ passaram por uma seleção de seu conteúdo, cujos critérios não estão claros.

Além disso, a v 2.0 apresenta informações da Caixa Econômica Federal de unidades do Programa Minha Casa, Minha Vida contratadas (2012 e 2013), proporção de ligações do Programa Luz para Todos por região (2015) (MME) e recursos de saneamento rural contratados (2009 - 2013) (FUNASA). Nota-se que o descompasso entre as temporalidades disponíveis dificulta estudos longitudinais, além de nem sempre estarem atualizados.

Ainda no âmbito do PPA 2012-2015, o Eixo 3 – Desenvolvimento Local e Inclusão Produtiva do PBQ está inserido nos seguintes programas: PROGRAMA: 2012 - Agricultura Familiar, PROGRAMA: 2069 - Segurança Alimentar e Nutricional e PROGRAMA: 2029 - Desenvolvimento Regional, Territorial Sustentável e Economia

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Solidária e de forma geral no PROGRAMA: 2034 - Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial. Além disso, o PROGRAMA: 2049 - Moradia Digna dispõe de informações como presença de cisterna que podem incluir quilombolas em políticas universais.

Esta seção exibe as seguintes informações do CadÚnico: renda média das Famílias Quilombolas por UF e total per capita; número e proporção de famílias por faixa de renda; proporção de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família e proporção de trabalhadores dedicados ao extrativismo (2016). Com isso, confirma-se mais uma vez uma seleção previa dos dados a serem apresentados na plataforma, visto que, por exemplo, outras ocupações não estão disponíveis.

Este Eixo representa também informações do MDA, a saber: declaração de aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) (2003-2013), número de famílias que vendem ao Programa de Aquisição de Alimentos (2012-2013), proporção de famílias atendidas e valor investido por região no Programa de Assistência Técnica e Extensão Rural (data não especificada).

Para além dos dados já apresentados, recomenda-se a inclusão no Painel do PBQ, bem como em suas outras plataformas (DataSEPPIR, Serviço PBQ, Pesquisa Quilombola e ELT) de informações investigação institucional e de registro administrativo da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) e Estaduais (ESTADIC). Estas pesquisas desenvolvidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dispõem de informações sistematizadas sobre ações e estrutura administrativa dos governos municipais e estaduais nas áreas de Segurança Alimentar e Nutricional (questionário básico 2014) e Inclusão Produtiva (questionário suplementar 2014 ) (Produto 2).

O Eixo 4 – Direito e Cidadania está presente em grande parte dos programas do PPA 2012-2015 que tem como público alvo as populações quilombolas, quais sejam: PROGRAMA: 2012 - Agricultura Familiar, PROGRAMA 2015 - Aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde (SUS), PROGRAMA: 2019 - Bolsa Família, PROGRAMA 2020 - Cidadania e Justiça, PROGRAMA 2030 - Educação Básica, PROGRAMA 2031 - Educação Profissional e Tecnológica, PROGRAMA 2037 - Fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), PROGRAMA 2044 - Autonomia e Emancipação da Juventude, PROGRAMA 2062 - Promoção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, além do PROGRAMA: 2034 - Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial.

Esta seção apresenta dados do CadÚnico - Famílias que recebem Bolsa Família por UF e total, população quilombola por escolaridade e faixa etária em 2016 - ;Censo Escolar/ INEP – número de escolas quilombolas (2012-2015), proporção

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com energia elétrica e abastecimento de água ligado pela rede pública, acesso à internet e material específico para quilombola (2014) - ; DataSUS – número de equipes de saúde da família atuando em territórios quilombolas (2008 a 2013) e número de médicos do Programa Mais Médicos atendendo populações quilombolas (2013) e finalmente; Ministério da Educação – estudantes quilombolas beneficiados com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) entre 2009 e 2013.

Neste Eixo constata-se mais uma vez a decalagem temporal dos dados, bem como sua não atualização em alguns casos. Além disso, repete-se a prática de seleção de informações a serem apresentadas, mesmo quando estas estão disponíveis nas bases de dados de referência, tais como “presença de laboratórios de ciências e informática” em escolas quilombolas.

Como conteúdo complementar, assim como no Eixo 3 recomenda-se a inclusão de informações de investigação institucional e de registro administrativo da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) e Estaduais (ESTADIC). Estas bases de dados incluem informações sistematizadas de temas nos níveis municipais e estaduais tais como: identificação de povos e comunidades quilombolas entre os grupos assistidos pelos serviços socioassistenciais, presença de órgão gestor de direitos humanos que execute ações em grupos específicos, entre outros (para mais detalhes, ler Produto 2).

Além disso, acredita-se que esta seção poderia incluir estatísticas do próprio Ministério dos Direitos e SEPPIR, tais como chamadas do Disc 100 e Ouvidoria Nacional de Igualdade Racial. Presume-se que a divulgação dessa informação estimularia tanto a prática de denuncias que envolvam violações de direitos contra povos e comunidades negras tradicionais quanto novos níveis de compreensão sobre os elementos imbricados nessas denúncias.

Por fim, no âmbito geral defende-se que o Painel de Monitoramento PBQ incorpore seções como Biblioteca de Fotos, Vídeos, assim como bases de dados de pesquisas quantitativas e qualitativas que, entre outras origens, possam ser alimentadas pelas próprias populações quilombolas.

A partir dessas considerações sobre o conteúdo do Painel do PBQ é possível identificar as seguintes fragilidades:

• Muitas informações são apresentadas de forma estática no tempo, além de nem sempre estarem atualizadas, o que dificulta a prática de estudos longitudinais do conteúdo da plataforma;

• Limitação quanto ao conteúdo disponível, visto que muitas das pesquisas apresentam informações (e mesmo recortes) adicionais que não estão disponíveis na plataforma;

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• Pequenos erros de digitação foram observados no texto dos Paineis.

Deve-se considerar que estas conclusões e considerações são extraídas a partir das versões do Painel PBQ 1.0 e 2.0, que ainda estão em fase desenvolvimento. Algumas inconsistências como a não concordância entre as datas dos gráficos e mapas com a descrição das variáveis, bem como no próprio conteúdo das descrições e pequenos erros de digitação são possivelmente atribuíveis a este fato.

3.2.2.2. Usabilidade

A usabilidade segundo Brasil (n.d.) e Villela (2003) refere-se à facilidade de uso de uma determinada ferramenta. No presente contexto, esta propriedade deve assegurar que qualquer pessoa consiga utilizar os Painéis de Monitoramento do PBQ internet e que estes funcionem de forma esperada e constante.

Neste sentido, considerando que a plataforma ainda está em desenvolvimento é possível recomendar a inclusão de ferramentas que facilitem a navegação, tais como mapas do site, indicadores de novas informações disponíveis, ferramentas de busca, etc. Além disso, recomenda-se a criação de um canal de comunicação entre os usuários e um interlocutor competente (telefone e email), que possa esclarecer dúvidas e fornecer sugestões tanto sobre o conteúdo, quanto sobre suas ferramentas. Estes suportes podem ser complementados com seções de ajuda e Perguntas Frequentes (FAQ).

Caso necessário, deve-se indicar ainda a existência de um ou mais browsers preferenciais para a plena visualização e consulta dos dados. Além disso, deve-se garantir que todos os recursos do portal possam ser acessados por mídias variadas, tais como computadores, celulares e palm-tops. Por fim, recomenda-se que a plataforma incorpore mecanismos especiais para pessoas portadoras de deficiências.

A partir dessas considerações, sobre a usabilidade do Painel do PBQ é possível identificar as seguintes fragilidades gerais:

• Em alguns casos a distribuição das informações não é intuitiva. Por exemplo: número total de famílias inscritas no CadÚnico está inserido no Eixo 2, enquanto sua divisão por Faixa Etária encontra-se no Eixo 3;

• Ausência de ferramentas de interação e participação social em caso de dúvida, sugestões e colaboração;

• Ausência de mecanismos facilitados de pesquisa, tais como mecanismos de busca e mapas do site.

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4. Recomendações e consideRações

Os Painéis de Monitoramento do Programa Brasil Quilombola representam um significativo avanço no sentido de permitir uma melhor gestão do Programa entre as diferentes instituições comprometidas com o seu sucesso. Além disso, a partir da integração e disponibilização de informações, reforça o compromisso com a transparência e com a busca de estratégias para o aprimoramento das políticas públicas voltadas à comunidades quilombolas no Brasil.

Neste contexto, assentado na revisão crítica das origens, trajetórias e conceitos que giram em torno das populações quilombolas, do este trabalho somou esforços no sentido de aprimorar tanto o conteúdo quanto as funcionalidades presentes nessa plataforma, que entre as recomendações é possível destacar:

Conteúdo

• A incorporação do formato do DataSEPPIR (ou seja, de um formato aberto) aos Painéis de Monitoramento do PBQ, o que conferirá mais transparência e versatilidade nas consultas, tanto no que se refere ao seu conteúdo, quanto escalas espaciais e temporais;

• Manutenção do fluxo atualizado das bases de dados, tendo por princípio a goespacialização das informações;

• Fortalecimento da institucionalização interna e externa por meio da Assinatura de Cooperação Técnica com órgãos participantes ou não do Comitê Gestor do PBQ tais como: IBGE, MEC, INCRA e FCP;

• Fortalecimento das trocas de informações e estudos com as universidades, sociedade civil e em especial com as próprias comunidades quilombolas;

• Incorporação de informações sobre o orçamento destinado e efetivamente gasto no âmbito do PBQ presentes em fontes como Sistema da Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) e Sistema de Informações Gerenciais Avançadas (Siga Brasil) (Para maiores detalhes, ler Produto 3);

• Compartilhamento via download de informações cartográficas sobre características das comunidades e territórios quilombolas em formatos vetoriais (tais como shapefile e klm) ou matricial (como TIFF/GeoTIFF, GIF, PNG, ERDAS e JPEG);

• Disponibilização via download de informações cartográficas adicionais tais como malha municipal e estadual, infraestruturas públicas, limites das Terras Indígenas e Unidades de Conservação que permitam a apreensão

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do contexto em que estão inseridas as comunidades quilombolas no Brasil (como prevê em parte a versão 2.0 do Painel de Monitoramento do PBQ);

• Disponibilização via download de informações tabulares com o ID de referência na escala mais detalhada possível, a fim de facilitar a integração de dados de forma geolocalizada;

• Compartilhamento e fortalecimento de informações já sistematizadas de fontes como Comissão Pastoral da Terra;

• Inclusão de bases de dados do IBGE, com destaque para a MUNIC e ESTADIC;

• Inserção de potenciais informações do próprio Ministério dos Direitos e SEPPIR, tais como chamadas do Disc 100 e Ouvidoria Nacional de Igualdade Racial relacionadas à denuncias que envolvam povos e comunidades tradicionais;

• Inclusão de Bibliotecas de Fotos, Vídeos e bases de dados de pesquisas quantitativas e qualitativas que, entre outras fontes, possam ser alimentadas pelas próprias populações quilombolas;

• Implementação de estratégias de mídia por meio da produção de vídeos e materiais didáticos;

• Criação de ferramentas para a emissão de relatórios de dados.

Usabilidade

• Inclusão de links que remetam à origem da informação apresentada (quando disponível);

• Revisão da divisão do conteúdo da plataforma;• Inserção de um canal de comunicação (telefone e email) no próprio Painel

que disponha um interlocutor capacitado para orientar o usuário em caso de dúvida ou sugestões quanto ao conteúdo e ferramentas do portal;

• Incorporação de recursos que possam facilitar a navegação, tais como mapas do site, indicadores de novas informações disponíveis, ferramentas de busca, etc;

• Inclusão de recursos como seção de ajuda e perguntas frequentes (FAQ);• Formação dos gestores, populações quilombolas e demais públicos

relacionados à temática por meio de cursos presenciais, apostilas ou vídeos; • Caso haja, indicação de browsers preferenciais para a plena consulta no

site;• Garantia de que todo o conteúdo e ferramentas estão disponíveis também

em mídias tais como celulares e palmtops;

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• Segundo o princípio da diversidade, incorporação de recursos especiais para pessoas portadoras de deficiências.

Com isso, parte-se do pressuposto de que este movimento desanima os inúmeros interesses contrários à manutenção e progresso das políticas destinadas à populações quilombolas no Brasil, visto que corrobora com a sinalização de horizontes límpidos para a ampliação de direitos e manutenção de conquistas.

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Anexos

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1. Acórdão 2771/2014 TcU

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de relatório de auditoria de natureza operacional no Programa Brasil Quilombola – PBQ.

ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo relator e com fundamento no inciso III do art. 250 do Regimento Interno do Tribunal, em:

9.1. recomendar à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – Seppir/PR que:

9.1.1. publique os dados relativos à execução orçamentária de todas as ações, específicas e de caráter universal, no âmbito da Agenda Social Quilombola – ASQ no Sistema de Monitoramento do Programa Brasil Quilombola – PBQ;

9.1.2. elabore e divulgue relação das ações orçamentárias, previstas no PPA 2012-2015, que beneficiem comunidades quilombolas, de modo a contribuir para melhoria da transparência, do acesso e controle social da Agenda Social Quilombola – ASQ;

9.2. recomendar aos órgãos integrantes do Comitê Gestor da Agenda Social Quilombola – ASQ que:

9.2.1. estabeleçam mecanismos que assegurem apresentação dos dados orçamentários e financeiros pelos órgãos executores para todas as ações, específicas e de caráter universal, da agenda quilombola;

9.2.2. adotem mecanismos e instrumentos institucionalizados de coordenação, com vistas a formulação, implementação e monitoramento da Agenda Social Quilombola – ASQ, que possibilitem a atuação conjunta das partes interessadas no desenvolvimento das ações integrantes dessa política pública transversal;

9.3. determinar à Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado – SecexAdministração que monitore o cumprimento das recomendações dos subitens 9.1 e 9.2 acima;

9.4. encaminhar cópia deste acórdão, bem como do relatório e do voto que o fundamentaram, à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – Seppir/PR e aos órgãos integrantes do Comitê Gestor da Agenda Social Quilombola – ASQ; e

9.5. arquivar os autos.