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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE PEDAGOGIA MÁRCIA GISÉLI SIMONI A INFLUÊNCIA DO RELATÓRIO DA UNESCO: EDUCAÇÃO UM TESOURO A DESCOBRIR NA LEGISLAÇÂO DO ENSINO FUNDAMENTAL BRASILEIRO (1996 -2001). Maringá 2010

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE PEDAGOGIA MÁRCIA GISÉLI SIMONI

A INFLUÊNCIA DO RELATÓRIO DA UNESCO: EDUCAÇÃO UM TESOURO A DESCOBRIR NA LEGISLAÇÂO DO ENSINO FUNDAMENTAL BRASILEIRO

(1996 -2001).

Maringá 2010

MÁRCIA GISÉLI SIMONI

A INFLUÊNCIA DO RELATÓRIO DA UNESCO: EDUCAÇÃO UM TESOURO A DESCOBRIR NA LEGISLAÇÂO DO ENSINO FUNDAMENTAL BRASILEIRO

(1996 -2001).

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de graduação em Pedagogia, pelo Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá.

Orientadora: Profª. Dra. Ângela Mara de Barros Lara

Maringá 2010

Ao meu pai e minha irmã que me incentivaram para que eu voltasse a estudar.

AGRADECIMENTOS

À professora Ângela que me orientou nesta pesquisa, com muito carinho e dedicação. Aos Professores do Curso de Pedagogia, em especial aos da área de políticas públicas. À minha família e amigos que sempre me incentivaram a estudar.

“Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, permita-se-me reiterar, é problemático e não inexorável”.

Paulo Freire (1996, p.19).

SIMONI, Márcia Giséli. A Influência do Relatório da Unesco: Educação um Tesouro a Descobrir, na Legislação do Ensino Fundamental Brasileiro (1996-2001). Fls. 54. 2010. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade Estadual de Maringá.

RESUMO

A pesquisa desenvolvida tem como tema as políticas educacionais no Brasil e, para

tanto, sua delimitação foi pensada como a influência do relatório da Unesco: “Educação

um Tesouro a Descobrir”, na legislação do ensino fundamental brasileiro (1996-2001).

O objetivo mais amplo da pesquisa estudou a influência da Unesco na legislação

educacional brasileira para o ensino fundamental, buscando entender como as diretrizes

do Relatório Delors foram incorporadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação,

pelo Plano Nacional de Educação.A problematização da pesquisa procurará elucidar

algumas questões, tais como: por que tais reformas educacionais ocorreram no período?

De onde vieram as recomendações para que tais reformas acontecessem? E quais as

organizações que as influenciaram? E o que essas reformas pretendiam? As respostas a

estas e outras questões foram dadas a partir da análise dos documentos estudados. Esta

pesquisa tem caráter bibliográfico e documental, para tanto, sua perspectiva teórico-

metodológica é o Materialismo Histórico. Concluímos ao final do estudo que os quatro

pilares norteadores da Educação para o século XXI, propostos pelo Relatório Delors,

foram incorporados à legislação brasileira analisada por meio das categorias

examinadas. É importante apreender que, ao incorporar tais categorias à legislação

brasileira, o que de fato se pretendia era racionalizar os gastos com a Educação e

submetê-la à lógica do mercado.

Palavras Chave: Unesco. Relatório Jacques Delors. Estado. Política Educacional Brasileira.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................7

2 A EDUCAÇÃO NO BRASIL APÓS 1990................................................................. 9

2.1 A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO ......................................................... 9

2.2 A REFORMA DA EDUCAÇÃO: O ENSINO FUNDAMENTAL NO BRASIL19

3 UNESCO, O RELATÓRIO DELORS E A LEGISLAÇÃO NO BRAS IL: A LDB (1996) E O PNE( 2001) ................................................................................................. 25

3.1 A UNESCO: PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS................................................ 26

3.2 O RELATÓRIO JACQUES DELORS................................................................. 28

3.3 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A PERSPECTIVA DO ENSINO FUNDAMENTAL NA LDB (1996) E O PNE (2001) ............................................. 33

4 AS CATEGORIAS POLÍTICAS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL NO BRASIL........................................................................................................................................ 38

4.1 EQUIDADE ......................................................................................................... 39

4.2 QUALIDADE ...................................................................................................... 41

4.3 DIVERSIDADE ................................................................................................... 43

4.4 EFICIÊNCIA ........................................................................................................ 47

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 50

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 52

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1 INTRODUÇÃO

“Educação é um direito de todos” - esta frase está muito presente nos meios de

comunicação social, ou seja, na televisão, rádio e internet, mas será mesmo que a Educação

de fato é um direito de todos? Ao ser eleita como a ferramenta principal, será capaz de formar

um cidadão, um sujeito apto ao emprego formal e regulamentado? Ou ainda, será eficiente a

Educação para formar sujeitos autônomos, criativos, capazes de, eles próprios, conseguirem

trabalho, visto que vivemos em uma sociedade onde há poucos postos de serviço formal e

regulamentado?

Em outras palavras, em uma sociedade globalizada, cuja tendência é a diminuição dos

postos de serviços formais e regulamentados e na qual a relação do trabalho e emprego é

precária e flexível, a Educação conseguira diminuir a pobreza, ensinar as pessoas a conviver

pacificamente umas com as outras e ser capaz de promover a inclusão social? Estes são alguns

dos desafios impostos à Educação atualmente. No entanto, convém salientar que esta

sociedade tem como modo de produção da vida o sistema capitalista, esta é uma sociedade

que se guia pela doutrina neoliberal que, em linhas gerais, podem ser definidos como “mais

mercado, menos governo”.

A partir da década de 1990, as ideias do neoliberalismo1 começam a ocupar espaço em

vários países, inclusive no Brasil. Nessa década, também se destacam no cenário mundial e

brasileiro as organizações internacionais vinculadas à Organização das Nações Unidas –

ONU, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - Unesco.

No ano de 1990, houve a Conferência Mundial de Educação para Todos em Jomtien, com o

propósito de satisfazer as necessidades de educação básica para a população que ainda não

tinha acesso a ela.

Atualmente, a doutrina neoliberal tem influenciado nas diretrizes das políticas

educacionais, repercutindo no âmbito escolar. Portanto, não podemos aventar a possibilidade

do desconhecimento da influência das organizações internacionais, como a Unesco, por

exemplo, na sociedade, na Educação e na escola.

A nossa pesquisa se inicia no estudo dessa década, período em que houve reforma na

Administração do Estado e, concomitantemente, reformas na Educação, atingindo as políticas 1 Para essa doutrina, “O Estado deveria transferir ao setor privado as atividades produtivas em que

indevidamente se metera e deixar a cargo da disciplina do mercado as atividades regulatórias que em vão tentara estabelecer” (MORAES, 2001, p.36).

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educacionais. Tem, por finalidade, analisar a influência do Relatório da Unesco: “Educação

um Tesouro a Descobrir”, de Jacques Delors, na legislação do Ensino Fundamental Brasileiro

entre 1996 a 2001. No que diz respeito ao período escolhido convém salientar que tal opção se

deve ao fato de que um marco para a Educação foi a promulgação da Lei nº. 9394/1996, que

estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Esta Lei trata da Educação em todos

os seus níveis e modalidades, estabelecendo os princípios e os fins que devem nortear esta, em

nível nacional. Outra lei fundamental ao estudo é o Plano Nacional de Educação, aprovado

em 2001, com duração de dez anos, em consonância com a LDB e, também, com a

Constituição Federal em vigor.

O presente estudo justifica-se pela importância da apreensão das diretrizes da Unesco

para a educação brasileira após os anos de 1990. Ou seja, quais os interesses que estão em

jogo? Qual a lógica da sociedade e do mercado em que vivemos e que influencia a educação

brasileira? Como pensar na melhoria da qualidade da Educação para o povo brasileiro?

Este trabalho de Conclusão de Curso é de cunho bibliográfico e documental. Para

atingir o objetivo proposto, pretendemos analisar o documento orientador: Educação um

Tesouro a Descobrir, relatório publicado pela Unesco (1996), e os documentos definidores: a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e o Plano Nacional de Educação

(2001), pois estas fontes são a base de análise desta pesquisa. Para complementar a análise,

utilizaremos autores que discutem as reformas da administração do Estado, tendo como foco

as reformas educacionais ocorridas nesse período.

Ao longo do texto, procuramos demonstrar como a legislação brasileira foi

influenciada pelo Relatório da Unesco. Cabe salientar que, para atingirmos tal objetivo, quatro

categorias presentes no Relatório e na legislação brasileira serão analisadas: equidade,

qualidade, diversidade e eficiência.

O presente trabalho foi dividido em cinco seções e suas unidades: 1. A Introdução; 2.

A Educação no Brasil após 1990; 3. A Unesco, o Relatório Delors e a Legislação no Brasil: A

LDB (1996) e o PNE (2001), 4. As Categorias Políticas para o Ensino Fundamental no Brasil;

e, por último, 5. Considerações Finais.

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2. A EDUCAÇÃO NO BRASIL APÓS 1990

Pretendemos, neste capítulo, discutir a Reforma do Estado Brasileiro e a Reforma da

educação. Cabe salientar que é importante destacar que tais reformas aconteceram

concomitantemente. Para melhor compreensão do leitor no primeiro momento discutiremos a

Reforma do Estado Brasileiro e, posteriormente, a Reforma da Educação.

2.1 A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO

A década de 1990 no Brasil foi marcada por profundas mudanças efetuadas na

administração do Estado, e a referida reforma teve como uma de suas características

principais as políticas de descentralização2.

Convém salientar que nessa década os Estados promoveram uma abertura econômica

que resultou em um mercado globalizado. A globalização primeiramente aconteceu nos meios

de comunicação, uma vez que, com as novas tecnologias, as notícias do mundo chegam a nós

em tempo real, no exato momento em que elas ocorrem. De acordo com Chesnais (1996.

p.25), “a globalização é a expressão das “forças de mercado”, por fim liberadas pelo menos

parcialmente, pois a grande tarefa da liberalização está longe de ser concluída”, por isso, nos

discursos a favor da globalização se defendem a desregulamentação e a liberdade de

movimento das empresas e a necessária adaptação da população mundial à globalização.

A abertura das fronteiras e a quebra das barreiras para o comércio tornaram o mundo e

a economia globalizados, e, dito desta forma simplista, a globalização ou mundialização

apresenta-se como algo bom para todos os habitantes do globo terrestre. Porém, esta visão

pouca crítica esconde o caráter excludente da globalização, pois esta não trouxe prosperidade

mundial e, sim, as desigualdades sociais, a miséria, o desemprego e a falta de perspectiva que

assolam grande parcela da população mundial, inclusive das que vivem nos países do

primeiro mundo, embora em níveis inferiores ao dos países periféricos.

O termo de origem francesa, “mundialização”, teve dificuldades para impor-se no

discurso econômico e político francês e nas organizações internacionais, uma vez que o inglês

é o idioma do capitalismo, mas também pelo fato de que a expressão “mundialização”

2 “[...] descentralização vertical, para os níveis estadual e municipal, das funções executivas no campo da

prestação de serviços sociais e de infra-estrutura” (BRASIL, 1995, p.13).

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diminui, pelo menos um pouco, a clareza do conceito “global”, “globalizado”. Assim, a

palavra “mundial” introduz com mais veemência que a palavra “global” que a economia se

mundializou, e que a construção de instituições políticas mundiais com capacidade de conter

esse movimento é importante, porém, isso é o que não querem os países que regem o resto do

mundo (CHESNAIS, 1996, p.24).

Ao falarmos em mundialização do capital ou em um conceito mais crítico da palavra

inglês globalização, na realidade nos referimos a uma nova forma do capitalismo mundial e

aos mecanismos que direcionam seu desempenho e sua regulação (CHESNAIS, 1996, p.13).

Em outros termos, a mundialização é uma etapa da internacionalização do capital e de sua

valorização nas regiões do mundo, onde existem recursos ou mercados (CHESNAIS, 1996,

p.32).

Enfatizamos, baseados em Chesnais (1996, p.37), que os termos “globalização” e

“mundialização” são diferentes, uma vez que o primeiro é usado no enfoque das “business

schools”, escola americana onde teve origem o termo globalização, e se refere à capacidade

da grande empresa de elaborar, conforme os seus interesses, estratégia em nível global,

porém, a estratégia é global para ela e excludente para os demais países, empresas e

trabalhadores. Mas isso o discurso otimista em defesa da globalização não fala, por isso o

discurso a favor da globalização e o uso do termo são ideológicos.

Com base no autor anteriormente citado, o uso indiscriminado e ideológico do termo

globalização é esconder que a “mundialização” tem um movimento duplo de polarização, pois

de um lado é interna a cada país e traz como consequências o desemprego, a diferença entre

os salários e as rendas das pessoas. Do outro lado, a polarização é internacional, pois aumenta

a distância entre os países desenvolvidos e os periféricos. Assim compreendemos que se

utiliza o termo globalização para se ocultar as mazelas que a mundialização tem acarretado à

maior parcela da população mundial.

Os discursos políticos neoliberais incorporam o termo globalização, uma vez que uma

das principais bandeiras da doutrina neoliberal é a desregulamentação do Estado, visando

criar novas oportunidades para a acumulação do capital por meio da livre iniciativa. Por isso,

propõem a retração financeira do Estado no fornecimento de serviços sociais, como, por

exemplo, nas áreas da saúde, habitação para as classes populares, educação, aposentadorias,

“[...] a diminuição da participação financeira do Estado no fornecimento de serviços sociais

(incluindo educação, saúde, pensões e aposentadorias, transporte público e habitação

populares) e sua subseqüente transferência ao setor privado” (TORRES, 1997, p.115 apud

NOMA; LARA, 2007, p.02).

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No final da década de 1970 a mundialização financeira tornou-se sólida e determinou

as “investidas” neoliberais nos anos 1980, “a generalização dos mercados financeiros, a nova

“ordem espontânea” subtrai do governo nacional grande parte do seu poder”, e assim surge

um novo gerente das políticas nacionais, a autoridade suprema que impõe as soberanias

nacionais, antes constituídas por processos eletivos (MORAES, 2001, p.37).

As orientações das políticas neoliberais para os países periféricos, entre eles, os da

América Latina, propõem, além da reforma da administração do Estado, que a Educação seja

“uma ferramenta” essencial para atingir o desenvolvimento econômico e social, uma vez que,

por meio desta, os países alcançariam o desenvolvimento econômico e social. Neste sentido,

as políticas neoliberais procuram atender as populações mais vulneráveis.

A doutrina neoliberal acredita que o mercado não regulado, livre será capaz de

promover o crescimento e aumentar as oportunidades econômicas e sociais, porém, se a

crença dos neoliberais falhar, uma vez que há flutuações no mercado, competições e riscos, o

neoliberalismo prega que é preciso ser criativo, empreendedor, estar aberto a desafios, e essa

postura conduzirá ao sucesso uma sociedade regida pelos valores de mercado.

Enfatizamos que, de acordo com os autores estudados, além do Brasil, outros países da

região latino-americana estiveram pautados nas políticas de descentralização e no novo

modelo de administração pública, que era um modelo gerencial, empresarial, que realizou

reformas na administração do Estado, porém tais reformas atingiram todas as esferas da

saúde, agricultura, segurança, emprego e a Educação, e suas leis, o seu planejamento, sua

gestão, seu financiamento, sua avaliação, seu currículo, entre outros, não ficaram imunes a

tais reformas.

As condições históricas do sistema capitalista dos anos 1990, nas quais se consubstanciaram as reformas do Estado e da educação em análise, resultaram do movimento do capital rumo à sua reprodução, acumulação e expansão, deflagrado a partir de 1970, em resposta às sucessivas crises econômicas e financeiras que se abateram sobre o mundo capitalista (NOMA; LARA, 2007, p.1).

É importante salientar, que desde que ocorreu a crise do petróleo no início da década

de 1970, esta serviu de alerta sobre a importância dos ajustes econômicos para países como o

Brasil, isto é, países que possuíam dívida externa e interna, poupança interna baixa, ou seja,

economias que possuíam problemas que iriam contribuir para o aumento das crises.

A vigência do paradigma neoliberal, como conseqüência da crise do modelo anterior, ainda inspirado nas funções clássicas do Estado-Provedor, adotado

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pela maioria dos países do chamado Terceiro Mundo, veio se consolidando por intermédio de ações de variada natureza, desde que a crise do petróleo do início dos anos 70 alertou os países centrais sobre a importância dos ajustes econômicos que deveriam ser feitos em economias como a brasileira, com altos coeficientes de endividamento - interno e externo – e baixa poupança interna, componentes ideais, ao lado de outros, para o agravamento de crises que vão se sucedendo ao sabor das variações das bolsas, ora da Rússia, do Sudoeste Asiático, de Nova York, São Paulo, etc. [...] (GARCIA, 2001 apud VIEIRA; ALBUQUERQUE, 2001, p.09).

A referida crise, além de atingir a esfera econômica, alcançou a esfera política, em

outras palavras, ocorreu a crise política e todas as instituições do Estado foram afetadas. Mas

a doutrina neoliberal culpou as interferências do Estado, como sendo as responsáveis pelas

crises econômicas ocorridas no período. Assim, as ideias do neoliberalismo foram ganhando

espaço a partir de 1970, quando ocorreu a crise do petróleo.

Com relação às reformas ocorridas na década de 1990, convém destacar que os

organismos internacionais ocuparam papel de destaque, ou seja, incentivaram, apoiaram tais

reformas, uma vez que estavam vinculados ao mercado e trabalharam e operaram no sentido

de garantir o lucro do capital. Dito de outra maneira, as agências internacionais estavam a

serviço do grande capital, do lucro e das nações poderosas (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003,

p. 96).

Na década de 1990 os organismos internacionais promoveram eventos, produziram

documentos e relatórios. A “Conferência Mundial de Educação para Todos”, evento

produzido e financiado pelas agências internacionais como a Unesco, 3 PNUD, 4 e Banco

Mundial5, ocorreu de 05 a 09 de março de 1990. Nela, propôs-se um projeto de educação em

nível mundial para a década que acabava de iniciar-se.

3 A Unesco foi criada em 1945, integra o sistema das Nações Unidas (ONU) com a missão principal de

construção da paz e da seguridade, sua colaboração entre as nações se dá por meio da educação ciência e da cultura, com a intenção de assegurar o respeito universal à justiça, à lei e os direitos humanos e liberdades fundamentais, sem fazer distinção de raça, sexo, idioma ou religião. Mas a agência definiu-se como um laboratório de idéias e uma instituição que fixa parâmetros para a produção de consensos universais a respeito de temas éticos, trabalhando por meio de estabelecimentos de objetivos e pela mobilização da opinião pública (UNESCO, 2004 apud GOUVEA; NOMA, 2008, p.48).

4 Programas das Nações Unidas para o Desenvolvimento- “O PNUD tem como objetivo medir os índices de

desenvolvimento humano na realidade de cada país em todo o mundo. Tais índices se constituem em um instrumento de extrema relevância na definição das ações dos organismos internacionais ligados à ONU [...]” (DAMÁSIO, 2008, p.20).

5 O Banco Mundial - “[...] Banco Mundial, criado em 1944, na Conferência de Bretton Words,. O BM é uma

instituição que financia e maneja operações de créditos, financiamentos e investimentos, envolvendo dinheiro público e privado.” (DAMÁSIO, 2008, p.18).

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Participaram desse evento 155 países, dentre eles, encontrava-se o governo brasileiro.

Esses governos assumiram o compromisso de assegurar educação básica com qualidade para

as crianças, os jovens e para os adultos dos seus países.

O Brasil, como um signatário entre aqueles com maior taxa de analfabetismo do mundo, foi instado a desenvolver ações para impulsionar as políticas educacionais ao longo da década, não apenas na escola, mas também na família, na comunidade, nos meios de comunicação, com o monitoramento de um fórum consultivo coordenado pela Unesco (SHIROMA et al., 20026, p.57-58 apud FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 98).

O Brasil, na época em que houve a referida Conferência, era governado por Fernando

Collor de Mello, que foi alvo de denúncia e cujo mandato teve duração breve, pois este

assumira o governo no início de 1990 e, sofrendo um processo de impeachment, foi destituído

do cargo de Presidente da República em 29 de dezembro de 1992. Entretanto, ele não teve

tempo suficiente para pôr em prática todas as recomendações que os organismos

internacionais sugeriam que, na realidade, eram reformas na administração do Estado e na

educação.

A presença dos organismos internacionais no âmbito da Educação fez com que as

práticas e as políticas educacionais no nosso país tomassem outra direção, uma vez que,

trouxe repercussões para o Brasil que havia acabado de sair da ditadura militar e estava se

democratizando. “Passamos assim, no campo da educação no Brasil, das leis do arbítrio da

ditadura civil-militar para a ideologia do mercado” (FRIGOTTO, 2002 apud FRIGOTTO;

CIAVATTA, 2003, p.107).

Podemos constatar que o Brasil, que mal havia saído de um período conturbado, já

estava sendo pressionado pelos organismos internacionais, que representavam o grande

capital, ou seja, os organismos internacionais, por meio de acordos, assessorias técnicas

apoiavam e incentivavam a reforma da administração do Estado Brasileiro. No entanto, as

reformas da administração do Estado que os organismos internacionais sugeriam só foram

efetuadas nos governos de Fernando Henrique Cardoso, mais precisamente no seu primeiro

mandato.

6 FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M. Educação básica no Brasil na década de 1990: subordinação ativa e consentida à lógica do mercado. Educação & Sociedade. Volume 24, número 82, Campinas: Educação e Sociedade. 2003, p. 93-130. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/es/v24n82/a05v24n82.pdf.> Acesso 26/04/2009.

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No primeiro turno das eleições presidenciais, realizado no segundo semestre de 1994,

Fernando Henrique Cardoso7 foi eleito, e durante o seu governo prosseguiu a política

econômica iniciada em 1990, ou seja, mantiveram-se as exportações, privatizações de

empresas estatais e outras medidas que almejavam inserir o Brasil na esfera de uma economia

globalizada.

Cabe rememorar que, antes do governo Cardoso, o Brasil havia vivenciado um período

de acirrados debates, discussões, uma vez que havia superado a ditadura civil-militar e seguia

rumo à redemocratização. Neste contexto, ocorreram a Constituinte e, posteriormente, a

elaboração da nova Constituição de 1988.

O governo Cardoso constituiu-se sob a doutrina do ajuste fiscal e monetário, este, por

sua vez, em consonância com os princípios dos organismos internacionais e de sua cartilha do

Consenso de Washington8. Deste modo, efetuaram-se as reformas que causaram profundas

mudanças na estrutura do Estado Brasileiro, porém, o ajuste ocorreu de acordo com as leis do

mercado mundial e globalizado, ou seja, a efetivação das políticas de ajuste ocorreu por meio

da desregulamentação de direitos, a privatização do patrimônio público e a descentralização

das responsabilidades (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p.105-106).

É importante salientar que as reformas ocorridas na forma de administrar o Estado

Brasileiro ocorreram com a participação e com a concordância dos atores nacionais, isto é,

dos governantes, pois nesse período o governo Cardoso ocupava a presidência do nosso país.

Ou seja, o referido ajuste nas políticas públicas educacionais foi consequência do confronto

entre as orientações externas e os interesses internos, ou seja, afirmar que a responsabilidade

pelos resultados decorrentes das referidas reformas eram dos organismos internacionais é um

engano. Por outro lado, o governo Cardoso submeteu a sua administração aos organismos

internacionais, que visavam à proteção dos interesses do grande capital. Ao se adotar políticas

neoliberais veiculadas por estes, aumentaram-se no Brasil a desigualdade social, a pobreza e a

miséria do nosso povo.

7 Diferentemente dos demais presidentes do período, Fernando Henrique Cardoso (FHC) é o único a ter dois

mandatos (01/01/1995 a 31/12/1998 e 01/01/1999 a 31/12/2002). Nas duas disputas das quais participa (1994 e 1998), é eleito no primeiro turno, o que significa dizer que em ambos obtém mais de 50% dos votos válidos. Tanto em uma como em outra eleição, seu principal concorrente é Luiz Inácio “Lula” da Silva, do Partido dos Trabalhadores (VIEIRA; FARIAS, 2003, p.153).

8 Esta expressão decorreu da reunião promovida em 1989 por John Williamson no International Institute for

Economy, que funciona em Washington, com o objetivo de discutir as reformas consideradas necessárias para a América Latina. Os resultados dessa reunião foram publicados em 1990. Na verdade, Williamson denominou Consenso de Washington o conjunto das recomendações saídas da reunião porque teria constatado que se tratava de pontos que gozavam de certa unanimidade, ou seja, as reformas sugeridas eram reclamadas por vários organismos internacionais e pelos intelectuais que atuavam em diversas instituições de economia (SAVIANI, 2008, p.427).

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A administração do governo Cardoso foi alvo de análises críticas em várias esferas, ou

seja, na área econômica, política, social, cultural e educacional. Todas essas críticas eram

unânimes em afirmar que, durante o mandato dele, as diferentes políticas foram conduzidas de

maneira associada e subordinada aos organismos internacionais, uma vez que, o governo FHC

pretendia tornar o Brasil viável, seguro para o capital (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003,

p.103).

As quatro estratégias do ajuste do governo Cardoso eram: desregulamentação,

descentralização, autonomia e privatização. Dito de outra maneira, estas estratégias passaram

a nortear e a ser o “carro chefe” do ajuste do governo Cardoso. A desregulamentação deve ser

compreendida como a suspensão de todas as leis, isto é, normas e direitos conquistados, que,

nesse cenário, são confundidos com privilégios. Deste modo, convém salientar que a reforma

do Estado, a reforma da previdência social, a reforma fiscal, a reforma constitucional, todas

almejaram eliminar leis e lançar as bases para a implantação de um Estado mínimo, viável ao

mercado (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p.106).

Com relação à descentralização e a autonomia, estas devem ser vistas como uma

“manobra” que tinha como meta transferir, repassar aos setores educacionais, econômicos e

sociais a possibilidade de responder, no mercado, pela disputa e venda de produtos ou

serviços.

A privatização não se limitava apenas à venda de algumas empresas estatais. Faz-nos

necessário compreender que, ao desfazer-se do patrimônio público, o Estado privatizou

serviços essenciais que eram direitos adquiridos da população como, por exemplo, a

educação, a saúde, aposentadoria, etc. O Estado diminuiu as possibilidades de se promover

tais serviços. Em outros termos, passou-se a oferecer esses serviços somente para aquela

parcela da população extremamente pobre que não tinha como prover tais serviços.

[...] O ponto crucial da privatização não é a venda de algumas empresas apenas, mas o processo de Estado de desfazer-se do patrimônio público, privatizar serviços que são direitos (saúde, educação, aposentadoria, lazer, transporte etc.) e, sobretudo, diluir, esterilizar a possibilidade de o Estado fazer política econômica e social. O mercado passa a ser o regulador inclusive dos direitos (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p.106).

A partir da citação acima, nos torna possível compreender que, ao desfazer-se das

empresas nacionais por meio das privatizações, o governo Cardoso tinha em vista, em

primeiro plano, racionalizar os gastos com os servidores públicos e a manutenção destas

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empresas e, no segundo plano, eximir o Estado da possibilidade de prestar serviços, uma vez

que estes passaram a ser ofertados pela iniciativa privada.

O principal documento da campanha presidencial de 1994, do governo Cardoso, foi a

proposta de governo “Mãos à Obra Brasil”. Este Documento estabelecia cinco metas

prioritárias da proposta do governo: a educação, agricultura, emprego, saúde, segurança

(VIEIRA, 2000, p.174). Porém, a prioridade que se colocava nessa proposta com relação à

Educação era a ênfase na educação básica.

É importante destacar que esse governo durante a sua campanha de 1994, se

comprometeu a dar prioridade às áreas como a Educação e saúde. Ao optar por uma

administração pública gerencial que, segundo o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de

Estado (1995), foi baseado em conceitos da administração de empresas, buscando resultados,

tais como: a redução dos custos, a eficiência e a flexibilidade, enfatizando o atendimento do

“cidadão/cliente”, pagador de imposto. Deste modo o governo passa a ser o regulador desses

serviços ao mesmo tempo em que reduziu seu papel de prestador direto destes.

Na proposta do governo Cardoso, a sua concepção parecia guiar-se por dois princípios

“[...] básicos: a descentralização, que acarretava nova definição da atribuição das três esferas

do Poder Público em quase todas as áreas, e as novas maneiras de articular-se com a

sociedade civil e o setor privado” (VIEIRA, 2000, p. 175).

Cabe ressaltar que o programa da campanha do governo de Cardoso “Mãos à Obra

Brasil” pressupunha uma reforma do Estado, no capítulo IV, que priorizava quatro pontos

como apresenta a autora no quadro XVI: a reforma administrativa, a reforma fiscal, a reforma

da previdência social e a privatização (VIEIRA, 2000, p.174).

Faz-nos necessário compreender que, para poder efetuar as reformas nas áreas

almejadas pelo governo Cardoso, seria necessário promover uma reforma do Estado, porém a

efetivação de tais reformas só foi possível porque esse governo fez aprová-las no Congresso.

A proposta de governo do segundo mandato do governo Cardoso foi o documento “Avança

Brasil” (1998). A proposta apresentava, como diretrizes básicas, promover o crescimento

econômico de maneira sustentável, gerar empregos e oportunidades de rendas, eliminar a

fome, combater a pobreza e a exclusão social, melhorar a distribuição de renda, promover os

direitos humanos e aprofundar e consolidar a democracia (VIEIRA; FARIAS, 2003, p.154).

As reformas, segundo o governo Cardoso, eram indispensáveis para o país tornar-se

moderno, e para que a nossa economia voltasse a crescer, era necessário também privatizar

empresas estatais e atribuir um novo significado à empresa pública.

17

No governo Cardoso houve recessões e desigualdades sociais, e a classe trabalhadora

foi prejudicada, uma vez que, houve o desemprego, o subemprego, perda dos direitos

adquiridos em detrimento do mercado, ou seja, esse governo não foi exercido para

proporcionar melhores condições de vida para os brasileiros que o elegeram para dois

mandatos consecutivos.

A Reforma do Estado Brasileiro, ocorrida na década de 1990, foi conduzida, visando-

se à redução dos gastos públicos, investimentos na esfera social. Esta reduziu, de forma

significativa, a atuação do Estado nas políticas públicas e sociais.

Para corrigir as distorções entre o aumento da procura por serviços públicos estatais

pela população que empobreceu e os poucos recursos investidos para financiar tais serviços

sociais, que, como já mencionamos anteriormente, com a reforma do Estado houve a redução

de investimentos do dinheiro público na área social. Portanto, a saída foi racionalizar os

custos, tendo como foco a população mais pobre, e, assim, uma das primeiras medidas

tomadas em relação à crise e o ajuste estrutural foi formular políticas compensatórias cujo

alvo era a população extremamente pobre.

As diretrizes das políticas de descentralização e o novo modelo de administração

pública implementado no Brasil, na década de 1990, encontram-se no Plano Diretor da

Reforma do Aparelho do Estado – MARE, sendo este elaborado em 1995 no governo Cardoso

(NOMA; LARA, 2007, p.04). No entanto, para legitimar a administração descentralizada,

utilizou-se, no discurso de defesa, que, nesse modo de se administrar, os setores da sociedade

civil iriam atuar de maneira mais próxima das esferas estatais, isto é, iria ocorrer mais

proximidade entre o Estado e a sociedade civil e, consequentemente, a gestão iria aprimorar-

se.

Ao apresentar o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, o governo Cardoso

afirmava que a crise brasileira da última década também foi uma crise do Estado e

consequência dos modelos de desenvolvimento que os governos anteriores a ele adotaram.

Neste sentido, o governo Cardoso alertava que o Estado deixara de lado as suas funções

básicas como os serviços públicos utilizados pela população mais pobre, para dedicar-se ao

setor produtivo, assim a crise fiscal agravou-se e houve inflação.

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (1995) pregava a substituição9 da

administração pública burocrática ineficiente e voltada para o controle dos processos e não

aos resultados para a administração pública gerencial. Nesse novo modelo de administração

9 A substituição só será possível se as mudanças legais forem aprovadas.

18

procuravam-se fortalecer as funções de regulação e coordenação do Estado especialmente no

nível federal e a descentralização para os estados e municípios da prestação de serviços

sociais e de infraestrutura. Neste sentido, o Estado passava a ser o regulador dos serviços

sociais como a saúde, educação, ao mesmo tempo em que reduzia o seu papel de prestador

direto destes serviços. No entanto, o Estado, como promotor e regulador desses serviços,

continuaria a lhes dar subsídio, exercendo concomitantemente o controle social e da

participação da sociedade.

O MARE (1995) alertava que não poderiam ser adiadas as seguintes medidas: o ajuste

fiscal, as reformas econômicas orientadas para o mercado, a reforma da previdência social, a

inovação do mecanismo da política social de modo que atingisse o maior numero de pessoas e

melhorasse a qualidade dos serviços sociais prestados, e a reforma do aparelho do Estado para

torná-lo eficiente e flexível.

Com relação à reforma do Estado esse documento deixa claro que esta deveria ser

compreendida no âmbito da redefinição do papel do Estado, ou seja, este não iria ser o

responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social através da produção de bens e

serviços, mas, ser forte na função de promover e regular esse desenvolvimento. Enfatizava-se

que reformar o Estado era passar ao setor privado atividades sobre as quais o mercado poderia

ter o controle.

Previam-se no Documento a privatização de empresas estatais e a descentralização

para o setor público não-estatal de serviços que não envolvessem o Estado, porém deveriam

ser subsidiados por este. Neste sentido, o Documento faz referência aos serviços educacionais,

culturais, saúde e pesquisa científica, e o Plano da Reforma nominava esse processo de

“publicização”, ou seja, a transferência para o setor público não-estatal da produção dos

serviços, bens não exclusivos do Estado. No entanto, firmaram-se parcerias entre o Estado e

sociedade para seu financiamento e controle, uma vez que a sociedade deveria financiar uma

pequena parte dos custos dos serviços prestados.

Em outras palavras, uma vez efetivada a descentralização, o Estado não iria ser o

agente exclusivo a promover serviços como educação, saúde, habitação, ou seja, o Estado ali

atuaria porque tais serviços eram essenciais. Assim, o Estado iria atuar nessas áreas com as

organizações públicas não-estatais e as privadas.

Cabe salientar que, segundo o Documento, a Reforma do Aparelho do Estado guiou-se

pela eficiência e qualidade na prestação dos serviços públicos e iria garantir maior

“governança”, isto é, maiores capacidades para se governar e condições melhores para se

efetivar políticas públicas, ou seja, o Estado iria ser eficiente nas atividades que detinham

19

exclusividade e também limitaria a sua ação, as suas próprias funções e passaria os serviços

não-exclusivos para a propriedade pública não-estatal e, para o mercado, a produção de bens e

serviços.

Enfim, de acordo com o que foi exposto, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho de

Estado apropriou-se das principais bandeiras da doutrina neoliberal, uma vez que, por meio

dessa Reforma, pretendia diminuir custos e passar para o mercado ou instituição não-estatal

outros serviços, ou seja, o Estado procurava eximir-se ao máximo de prestar serviços sociais

e fazia uma grande aposta no poder do mercado de regular relações e promover o

desenvolvimento econômico e social.

2.2 A REFORMA DA EDUCAÇÃO

As reformas efetuadas na administração do Estado, durante o governo Cardoso na

década de 1990, tiveram repercussão na Educação. Nesse período ocorreu a transferência do

modelo e teorias da administração empresarial para a administração pública e desta para a

gestão educacional, ou seja, a escola passou a ser gerida como uma empresa que precisava

produzir resultados, ser eficiente.

Dentre as mudanças ocorridas a partir dessa década no Brasil, está a redução do papel

do Estado Brasileiro, de maneira significativa, em áreas como energia, telecomunicações e

outras, porém, a explicação dada para essa redução é que o Poder Público precisava efetivar

mais a sua presença nas áreas sociais, dando enfoque maior para a Educação (VIEIRA;

ALBUQUERQUE, 2001, p.22). No entanto, essas mudanças trouxeram consequências para a

Educação, uma vez que passaram a interferir no modo em como esta se organizava. Em outras

palavras, a escola, antes reduto exclusivo de professores, diretores e funcionários, tinha o seu

espaço agora dividido com outros sujeitos, isto é, outros atores, como, por exemplo, os pais

dos alunos, a comunidade.

A transposição da gestão administrativa gerencial na educação brasileira acarretou a

descentralização da gestão dos sistemas educacionais, pautados na transferência dos poderes

administrativos e financeiros para as escolas, e a participação da comunidade escolar por meio

da gestão colegiada e representativa (NOMA; CARVALHO, 2007, p. 227).

A descentralização estabeleceu novas formas de distribuição do poder central, uma vez

que ocorreu a redefinição dos papéis assumidos pelas esferas dos governos federal, estadual e

20

municipal. No entanto, a atribuição de funções à comunidade local foi acompanhada da

centralização das decisões na esfera financeira, pedagógica e administrativa. Deste modo,

cabia ao Estado regulamentar e controlar as ações da escola, mas ele não era o responsável

pela manutenção dela. Em outros termos, a responsabilidade pelo ensino público foi repassada

para as organizações sociais e para a comunidade escolar, e essa nova postura do Estado foi a

causa que estimulou os atores sociais a buscar soluções fora do setor público.

Na administração gerencial o Estado isentou-se da responsabilidade direta de

mantenedor de bens e serviços para assumir o papel de regulador que iria realocar recursos,

subsidiar e redistribuir, como é o caso do FUNDEF10, ou então passaria a estabelecer

parcerias com a sociedade civil ou repassaria para as instituições do setor privado as funções e

serviços que eram prestados por aquele. Portanto, na administração gerencial, o governo

empenhava-se em financiar os resultados e não os recursos, por outro lado, a avaliação dos

resultados do aprendizado permitia ao governo identificar os estabelecimentos que

alcançaram êxito ou fracasso e também se avaliava o desempenho dos professores dentro das

escolas.

O Estado estabelecia que a Educação era responsabilidade social, portanto, os recursos

não deveriam vir somente dele, mas de toda a sociedade, por isso defendiam-se a

diversificação dos recursos, as parcerias com organizações privadas, filantrópicas e projetos

como “Amigos da Escola”11.

O Estado regulador criava mecanismos para controlar a eficiência e o desempenho do

sistema escolar, uma vez que os alunos passavam a ser tratados como clientes/consumidores

de uma mercadoria (educação) e a escola deveria ser gerenciada como uma empresa

prestadora de serviços.

10 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – “o

FUNDEF, instituído pela Emenda Constitucional nº. 14/96 e regulamentado pela Lei nº. 9.424/96, implementado a partir de 1998 em todas as unidades da Federação [...]” (VIEIRA; ALBUQUERQUE, 2001, p.53).

11 Amigos da Escola é um projeto criado pela Rede Globo (TV Globo e emissoras afiliadas) com o objetivo de

contribuir para o fortalecimento da educação e da escola pública de educação básica. O projeto estimula o envolvimento de todos (profissionais da educação, alunos, familiares e comunidade) nesse esforço e a participação de voluntários e entidades no desenvolvimento de ações educacionais – complementares, e nunca em substituição, às atividades curriculares/educação formal – e de cidadania, em benefício dos alunos, da própria escola, de seus profissionais e da comunidade. O projeto é implementado em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Faça Parte, Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), além de instituições e empresas comprometidas com a educação de qualidade para todos (AMIGOS DA ESCOLA..., 2010, p.1).

21

A participação popular nos conselhos e a da comunidade no âmbito escolar

constituíam-se um mecanismo de regulação e controle que apontaria os gastos desnecessários,

os programas governamentais que deveriam ser cortados e quais deveriam receber verbas por

serem eficientes e produtivos, ou seja, quais programas deveriam ser recompensados. Nesse

contexto, o Ministério da Educação e Cultura – MEC, em parceria com a iniciativa privada,

disponibilizava para os “consumidores” o “Fala Brasil – Serviço de Atendimento ao

Cidadão”, serviço que recebia consultas, reclamações e denúncias e sugestões da população

para a área educacional (CARVALHO, 200512, apud NOMA; CARVALHO; 2007 p. 228).

O fato de a escola ser gerida como uma empresa incentiva a competição entre as

instituições escolares; deste modo, recomendava-se premiar os estabelecimentos escolares

bem sucedidos, ou seja, oferecer incentivos à produtividade avaliando o desempenho destes.

As escolas operavam então na mesma lógica da produção industrial, precisavam ter eficiência

e, por meio das avaliações que o Estado fazia, como era o caso do Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Básica (SAEB), verificava-se se estavam produzindo bem e sendo

eficientes. Ou seja, a Educação, que é uma atividade humana porque trabalha com pessoas,

passava a ser mercadoria que poderia ser medida, avaliada. Esse modelo não avaliava as

condições de produção de ensino, uma vez que não envolvia, de modo direto, os docentes,

assim sendo, não era uma avaliação, mas, sim, uma simples mensuração da educação

(FRIGOTTO; CIAVATTA , 2003, p.17).

Compreendemos, a partir do que foi exposto no parágrafo anterior, que esse modelo de

avaliação imposto à educação nada contribuiu para a sua melhoria, uma vez que apenas

“mascarava” a real situação da Educação, ao mesmo tempo em que descaracterizava o caráter

humano desta e o da docência.

A maneira mais adequada de se cortar os custos desnecessários é desenvolver produtos

e serviços adaptados aos diversos clientes, é a gestão por projetos e sua elaboração pauta-se

em critérios de produtividade e eficiência, definidos previamente por órgãos centrais e

assegurados pelos processos de avaliação. Deste modo os governantes introduzem a cultura de

gestão por projetos, inclusive na Educação, como é o caso do projeto-pedagógico da escola,

previsto nos artigos 12 e 13 da LDB (NOMA; CARVALHO, 2007, p. 229).

A partir dos argumentos das autoras acima é possível percebermos que o que

realmente interessa à esfera estatal é cortar os gastos com a Educação, “gerenciar” as escolas

12 CARVALHO, E. J. G. Autonomia da Gestão Escolar: democratização e privatização, duas faces de uma

mesma moeda. 2005. 235 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2005.

22

por meio de projetos de “produção, eficiência e resultado”, como se a escola fosse uma

indústria, os alunos, “clientes”, a Educação, uma “mercadoria” e os professores, os

“executores” de algo que é “definido previamente pelos órgãos centrais”, para o qual nem

sequer foram consultados.

O gestor escolar, na perspectiva gerencial, deve saber influenciar as pessoas, sem ser

autoritário, deve resolver problemas de maneira autônoma, estimular o trabalho em equipe e

saber conviver com outras opiniões, ou seja, deve ser um líder empreendedor, “peça chave”

para a ação democrática e participativa a escola, no modelo gerencial, necessita da parceria e

participação de seus clientes, precisa ouvi-los para saber o que eles desejam para

posteriormente definir programas e implantar o seu projeto-pedagógico.

[...] gestão autônoma e participativa da escola não é senão a confirmação de que a educação é um espaço de transposição de teorias e modelos da administração empresarial para a administração pública e que, no atual contexto, isto significa “desresponsabilização” do Estado, senão integral pelo menos parcial, pela manutenção da escola pública (NOMA; CARVALHO, 2007, p. 232).

A gestão autônoma da escola é defendida nos discursos, uma vez que é vista como a

capacidade de se responder adequadamente à realidade do estabelecimento de ensino e à da

comunidade, ou seja, de o gestor escolar resolver de forma autônoma os problemas

financeiros da escola.

Com relação à Educação, no documento “Mão à Obra Brasil” (1994), o diagnóstico do

ensino básico enfatizava o “padrão caótico e ineficiente” do sistema de educação no Brasil,

destacava as taxas de repetência, problemas de acesso à educação e que as escolas possuíam

problemas com relação à gestão de recursos a ela destinados, ou seja, as escolas não sabiam

administrar bem os recursos que recebiam. Nesse Documento a educação tinha o papel

fundamental, essencial na construção da cidadania e do desenvolvimento econômico do nosso

país.

A atribuição da União, com relação ao ensino básico, não se finda no seu papel

redistributivo, isto é, vai além disso, uma vez que, para que os municípios e estados possam

fazer jus aos recursos federais, faz-se necessário um plano que melhore o sistema escolar

(VIEIRA, 2000, p. 181).

Percebemos o poder de coerção da União que pressiona os estados e os municípios

para que melhorem o seu sistema escolar e apresentem resultados positivos a fim de que

23

possam receber os recursos federais destinados à Educação, ou seja, é preciso sempre ter em

mente que, nesse modo de administração, a ênfase é no resultado.

Cabe ressaltar que, durante os oito anos do governo Cardoso, priorizou-se o ensino

fundamental, no entanto, não ocorreu melhora em seus indicadores básicos, uma vez que a

concepção organizativa e pedagógica do projeto educacional do governo Cardoso pautou-se

nos critérios do mercado e da economia. O governo não queria comprometer o ajuste fiscal e,

mesmo tendo dado prioridade ao ensino fundamental, não aumentou os investimentos, haja

vista que não queria comprometer-se com mais gastos, embora tenha aumentado o acesso ao

ensino e também degredado as condições de democratização do conhecimento (FRIGOTTO;

CIAVATTA, 2003, p. 114). Impôs-se ao ensino fundamental “a promoção automática” que,

uma vez aplicada a todas as séries, aumentou as estatísticas oficiais, mas não o conhecimento

dos alunos (FRIGOTTO; CIAVATA, 2003, p.122).

O governo Cardoso, ao atribuir aos governos municipais a manutenção da Educação

de zero a seis anos, isto é, descentralizar a educação infantil para os municípios sem garantir a

estes condições mínimas de oferecer atendimento de qualidade, justifica outra prova de que

esse governo não queria comprometer-se com a melhoria da educação fundamental.

[...] Com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) para permitir um gasto mínimo aluno\ano no ensino fundamental, os municípios aceleraram o processo de incorporação das matrículas depois que perceberam que poderiam, com isso, aumentar suas receitas compulsórias (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 115).

Concomitante ao baixo investimento na educação fundamental, ocorreu a

desvalorização dos professores, uma vez que surgiram as campanhas apelativas do tipo:

“Amigos da Escola” e do voluntariado. Com isso, as políticas públicas foram substituídas por

campanhas filantrópicas, e a Educação, que é um direito social de todos, passava a ser vista

como um serviço ou filantropia. Deste modo, a educação fundamental não era mais vista

como um dever do Estado e lugar de profissionais qualificados, mas, sim, lugar para a

filantropia e campanhas apelativas, ou seja, lugar onde as pessoas sem especialização

poderiam intervir e assim os docentes não seriam respeitados na sua profissão.

A reforma do Estado brasileiro e a reforma da Educação foram norteadas por certos

eixos, tais como: descentralização, privatização, desregulamentação, autonomia escolar e

parcerias. Percebemos que todas as reformas almejavam a redução dos custos, a retração do

Estado em áreas sociais, ao mesmo tempo em que aumentavam a oferta dos serviços dessas

24

áreas pela iniciativa privada. É possível vislumbrar que as reformas foram elaboradas, tendo

como pano de fundo os pressupostos da doutrina neoliberal e a adequação do Brasil ao

fenômeno da globalização.

25

3 A UNESCO, O RELATÓRIO DELORS E A LEGISLAÇÃO NO BR ASIL: A LDB

(1996) E O PNE (2001)

Almejamos explicitar as circunstâncias que levaram a Organização das Nações Unidas

- ONU a criar uma organização internacional que tem como foco de atuação a Educação, a

ciência e a cultura. Cabe destacar que, ao longo de sua existência, a Unesco promoveu vários

eventos, entre eles, as Conferências Internacionais, dentre as quais o Brasil marcou presença

e, publicou vários documentos internacionais sobre a situação da Educação no mundo.

Esta seção procura discutir a Unesco, o Relatório Delors e a Legislação brasileira

pertinente à educação, no caso desta pesquisa, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o

Plano Nacional de Educação. Para a pesquisa em questão, escolhemos, dentre os vários

documentos publicados por essa Organização, o Relatório Jacques Delors. Este Relatório fez

recomendações para a educação do novo século que se iniciava. O século XXI chegou repleto

de incertezas e inseguranças, foi permeado com o fenômeno irreversível que se convencionou

chamar de “globalização”.

[...] sinaliza na direção de uma nova concepção de educação, e conseqüentemente da função social da escola, é o informe produzido pela Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, da Unesco: Educação um tesouro a Descobrir (1999) também conhecido como “Relatório Jacques Delors”. Na perspectiva desse informe, a educação é concebida a partir de princípios que constituem os “quatro pilares da educação” [...] (VIEIRA, 2006, p.134).

Buscamos apresentar a Lei nº.9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e sobre ela cabe destacar que:

A LDB de 1996 é a primeira lei geral da educação promulgada desde 1961. Trata-se de um texto de 92 artigos, que apresenta princípios, fins, direitos e deveres (Art. 1º a 7º); dispositivos sobre a organização da educação nacional aí incluindo as incumbências das diferentes esferas do Poder Público (Art. 8º a 20); níveis e modalidades de ensino – Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e Educação Superior, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional (Art. 21 a 60). Profissionais da Educação (Art. 61 a 67); Recursos Financeiros (Art. 68 a 77); Disposições Gerais (Art. 78 a 86). Disposições Transitórias (Art. 87 a 92) (VIEIRA; FARIAS, 2003, p. 167).

26

Notamos que a Lei, acima mencionada, trata de todos os níveis e das modalidades da

Educação, é a lei educacional mais importante situada obviamente abaixo da Constituição

Federal (1988).

A Lei nº. 10.172, de 9 de Janeiro de 2001, estabeleceu o atual Plano Nacional da

Educação (PNE), o qual faz um diagnóstico da Educação, estabelece as diretrizes, objetos e

metas para todos os níveis de ensino, inclusive para o magistério da Educação Básica. Este

Documento toca, também, na questão do financiamento e da gestão e, do mesmo modo, faz

um diagnóstico, estabelece as diretrizes, objetivos e metas para a Educação do país. É

importante salientar, com relação ao Plano, que:

[...] destina-se a regulamentar a lei nacional de educação em termo de traduzir a política educacional em vigor em estratégias de comprimento da lei. Esse procedimento supõe uma ampla negociação com a sociedade e com o Legislativo [...] (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 111).

Cabe salientar que as unidades que seguem vão tratar as circunstâncias em que a LDB

(1996) e o PNE (2001) foram aprovados e quais interesses estavam em questão. A perspectiva

foi investigar o Relatório Jacques Delors, enquanto documento orientador da legislação

educacional brasileira e que tratou do ensino fundamental no período escolhido, buscando a

compreensão dos pressupostos que subsidiaram esse Documento.

3.1 A UNESCO: PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS

A organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – Unesco, foi

concebida para funcionar como um laboratório de idéias que difunde os conhecimentos. Sua

criação ocorreu em 16 de novembro de 1945. Cabe destacar que, no ano em que foi criada

essa Organização, a Europa estava destruída, devido ao término da Segunda Guerra Mundial,

e estava em processo de reconstrução.

Criou-se a Unesco como uma organização que zelasse pela paz mundial, solidariedade

e justiça e pelos direitos humanos para que o mundo não tivesse mais que enfrentar guerras

horríveis como a Segunda Guerra Mundial. É importante destacar que essa Organização é

uma agência da Organização das Nações Unidas – ONU tem como missão promover a

cooperação internacional entre os seus membros, pelos demais atores sociais.

27

A Unesco prioriza as áreas da Educação, ciência, cultura; comunicação e informação.

No Brasil a representação da Unesco juntou-se às das demais agências da ONU em 1966,

como parte de um acordo de cooperação técnica celebrado com as autoridades brasileiras em

1964, porém a cooperação foi estreita e produtiva por várias décadas. Em 1992 a Unesco

assinou um amplo acordo de cooperação com o Ministério da Educação do Brasil visando à

defesa da Declaração Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 2006, p.7).

Nas décadas de 1990, o escritório da Unesco no Brasil tornou-se forte, uma vez que

disponibilizou a sua competência técnica para assessorar projetos e iniciativas nas áreas em

que atua. Faz-nos necessário salientar que a Unesco não irá assumir a responsabilidade pela

gestão de projetos de longo prazo, inclusive os de prestação de serviços, porém, ao dar início

a qualquer projeto, a Unesco estabelece uma estratégia de saída, ou seja, a de transferir a

futura responsabilidade para os parceiros nacionais de modo a assegurar a sustentabilidade

dos projetos em andamento (UNESCO, 2006, p.15).

De acordo com o Marco Estratégico para a Unesco no Brasil (2006), esta Organização

precisa contar com os financiamentos de terceiros, ou seja, outros recursos além dos próprios,

haja vista que, para enfrentar os desafios de um país vasto com o Brasil e a fim de promover

uma ação eficaz e duradoura, faz-se necessária a adição desses financiamentos.

Cabe salientar que os objetivos estratégicos para cada área que a Unesco priorizou,

assim como os temas transversais, basearam-se na análise do contexto nacional e os seus

desafios. A Organização considerou também como papel importante as contribuições dos

diferentes parceiros interessados, isto é, autoridades públicas, atores não-governamentais,

setor privado e sociedade civil. É importante destacar que no Brasil a Unesco direcionou as

metas e objetivos inseridos na perspectiva da gestão orientada para os resultados (UNESCO,

2006, p.14).

Essa Organização apresenta-se como “uma entidade politicamente neutra e situada

acima das lutas facciosas” (UNESCO, 2006, p.16). Mas, não o é, uma vez que procura

desenvolver as suas ações por meio de parcerias, mobilização e cooperação entre vários atores

sociais, sejam eles dos níveis governamentais, comunitários, empresas privadas, ONG,

associações profissionais. Portanto, não possui nada de neutro ou imparcial, uma vez que

procura fortalecer a sua capacidade de mobilizar e canalizar recursos nacionais e também

promove a colaboração entre governo e estas organizações.

A Unesco pretende auxiliar o Brasil a alcançar os objetivos de desenvolvimento

constante nos acordos internacionais e também os objetivos de desenvolvimento do milênio

28

(UNESCO, 2006, p.16). É importante destacar que ela se utiliza da Educação como

ferramenta na construção e manutenção da paz mundial almejada pela ONU.

O Marco Estratégico para a Unesco no Brasil (2006) atualmente elabora projetos e

planos educativos, tendo como meta diminuir a probabilidade de conflitos entre os povos, isto

é, os conflitos entre as nações. Para tanto se faz necessário avaliar como os conflitos ocorrem,

isto é, a sua causa, o que os gerou, a fim de se traçar uma estratégia de modo que a Educação

possa superar tais conflitos.

Diante do que foi exposto, notamos que essa Organização atribui muita

responsabilidade à Educação, uma vez que esta resolveria todos os conflitos da nossa

sociedade fossem eles de ordem étnica, cultural ou até mesmo econômica, por isso passa a ser

um “antídoto” receitado a todos: de todas as idades, cor, sexo, etnia e classe social.

3.2 O RELATÓRIO JACQUES DELORS

O relatório “Educação um Tesouro a Descobrir” foi publicado pela Unesco em 1996 e

ficou conhecido como Relatório Delors, haja vista que a Comissão que o elaborou foi

presidida pelo francês Jacques Delors13 e por representantes de outros países14. No Brasil, o

Documento foi publicado em 1998 e apresentado pelo então Ministro da Educação, Paulo

Renato Costa Souza, que enfatizou a importância daquele no sentido de repensar a educação

brasileira (SAVIANI, 2008, p. 433).

A Comissão Internacional sobre a educação para o século XXI reuniu-se entre 1993 e

1996, tendo como objetivo promover intensa reflexão sobre a educação e a aprendizagem no

século que se iniciava. Este exigia novas demandas para a Educação devido ao fato de

vivermos em uma sociedade globalizada e de risco, na qual não se vislumbrava um futuro

promissor, uma vez que o desemprego e a miséria assolavam a maioria da população mundial.

“Ante os múltiplos desafios do futuro, a educação surge como um trunfo indispensável à

13 “[...] antigo ministro da Economia e das Finanças, antigo presidente da Comissão Européia (1985-1995)”

(DELORS, 1998, p.270). 14 Membros da Comissão dos seguintes países: Jordânia, Japão, Portugal, Zimbábue, Polônia, Estados Unidos,

Eslovênia, Jamaica, Venezuela, Índia, México, Coréia do Sul, China (DELORS, 1998, p.270-272).

29

humanidade na construção dos ideais da paz, liberdade e da justiça social” (DELORS, 1998,

p.11).

Com relação à estrutura do Relatório, este se divide em três partes: a primeira trata dos

horizontes e é composta pelos três primeiros capítulos; a segunda parte refere-se aos

princípios e constitui-se pelos capítulos IV e V. Por último, a terceira parte estabelece as

orientações em que se encontram os capítulos VI a VIII.

O Relatório trabalha com a ideia de uma educação ao longo de toda a vida e que seria

a chave para se acessar o século XXI (DELORS, 1998, p.19). Ou seja, a Educação não

deveria limitar-se a um período específico da vida dos sujeitos; assim sendo, em todas as

épocas de suas vidas as pessoas poderiam desenvolver as suas habilidades, competências e

fazer aflorar os seus talentos.

Para atingir o propósito de se educar ao longo de toda a vida, o documento indica os

“quatro pilares da educação” que devem nortear o modelo de educação proposto pela

Comissão Internacional, que pretende formar esse novo modelo de homem para o século XXI:

Aprender a conhecer: Essa aprendizagem iria conduzir o sujeito a “aprender a

aprender”, ou seja, em uma sociedade que se tornou conhecida como sociedade do

conhecimento ou sociedade educativa, na visão do documento é preciso educar as pessoas

para enfrentar dificuldades que hão de surgir em um mundo onde as consequências do

desenvolvimento e da globalização são imprevisíveis.

[...] uma das tarefas mais importantes no processo educacional, hoje, é ensinar como chegar à informação. Parte da consciência de que é impossível estudar tudo, de que o conhecimento não cessa de progredir e se acumular. Então o mais importante é saber conhecer os meios para se chegar até ele (SILVA; CUNHA, 2002, p.78).

Em outros termos, ao longo de toda a vida, faz-se necessário ao indivíduo buscar a

aprendizagem, uma vez que todos os dias novas descobertas ocorrem na nossa sociedade, e

por isso é necessário aprender a aprender durante toda a vida para que o sujeito possa

beneficiar-se das novas tecnologias e conhecimentos. Cabe salientar que o aprender a

conhecer também remete a “uma cultura geral vasta e [à] possibilidade de trabalhar em

profundidade determinado número de assuntos” (DELORS, 1998, p. 91). Em suma, aprender

uma cultura em geral também iria contribuir para que a educação ao longo de toda a vida

ocorresse.

Aprender a fazer: Para o Relatório, esta aprendizagem deve ensinar o aluno a pôr em

prática os seus conhecimentos e adaptar a Educação ao trabalho futuro (DELORS, 1998, p.

30

93). Deste modo, a educação para o século XXI deve conduzir o aluno a aprender a fazer na

prática, isto é, pôr em prática, no seu local de trabalho, os conhecimentos teóricos aprendidos

na escola, ser empreendedor, saber enfrentar e solucionar situações adversas em diferentes

contextos.

Podemos compreender que essas duas primeiras capacidades, isto é, aprender a

conhecer e aprender a fazer estão vinculadas a situações de resolução de conflitos políticos e

sociais, como também ao desempenho profissional das pessoas (RIZO, 2005, p.24). Portanto,

a Educação deve desenvolver no indivíduo certas competências tais como saber trabalhar em

equipe, saber tomar iniciativa, saber resolver conflitos e cultuar o gosto pelo risco, tendo em

conta que a nossa sociedade se constitui de riscos e incertezas, portanto, é importante saber

lidar com eles.

Aprender a viver juntos: Para a Comissão, esta aprendizagem é o maior desafio da

Educação, uma vez que o mundo está repleto de violência, que se opõe à esperança

(DELORS, 1998, p. 96). A importância desse pilar na Educação se deve ao fato de que, no

mundo globalizado do século XXI, tudo está interligado, não há como negar a

interdependência do mundo moderno e a importância que as relações têm. Dito de outra

forma, se ocorrer uma crise econômica ou um conflito em determinado país, acabará havendo

consequências nos quatro cantos do nosso planeta. Portanto, a Comissão entende que:

[...] a educação deve utilizar duas vias complementares. Num primeiro nível, a descoberta progressiva do outro. Num segundo nível, e ao longo de toda a vida, a participação em projetos comuns, que parece ser um método eficaz para evitar ou resolver conflitos latentes (DELORS, 1998, p. 97).

Aprender a ser: Cada vez mais a sociedade atual exige pessoas que possuam

autonomia e responsabilidade, uma vez que coloca a pessoa no centro e, para atender a essa

demanda, novas questões são impostas com relação à formação do sujeito para conviver nessa

sociedade. Neste sentido o Relatório propõe:

[...] Todo ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida (DELORS, 1998, p. 99).

Deste modo, por meio da Educação, as pessoas irão aprender a ser personalidades

desenvolvidas que saberão fazer uso da memória, do raciocínio e de seus talentos, e de suas

31

capacidades físicas em prol da melhoria de qualidade “da sua vida”, “da vida dos outros” e da

“do planeta”.

No que tange à educação básica na parte do Relatório que se refere às orientações, o

Documento propõe, para essa educação, o seu reforço dada a relevância do ensino primário e

de suas aprendizagens básicas, isto é, saber fazer cálculos, saber ler e escrever. Conduz,

também, ao entendimento de que, por meio da educação básica, será construída uma

linguagem que irá facilitar o diálogo e a compreensão (NOMA; LARA, 2009, p. 55). Essa

educação irá contribuir para a compreensão do outro, do local, do global, a convivência

pacífica dos sujeitos nas diferentes culturas e deste modo para a manutenção da paz, sendo

esta a principal preocupação da Unesco.

É importante destacar que para a Comissão:

[...] educação básica (que inclui em especial os ensinos pré-primário e primário) que se forjam as atitudes perante a aprendizagem que durarão ao longo de toda a vida: a chama da criatividade pode começar a brilhar ou pelo contrário, extinguir-se: o acesso ao saber pode tornar-se, ou não, uma realidade. É então que cada um de nós adquire os instrumentos do futuro desenvolvimento das suas capacidade de raciocinar e imaginar, da capacidade de discernir, do senso das responsabilidades, é então que aprende a exercer sua curiosidade em relação ao mundo que o rodeia (DELORS, 1998, p.121-122).

O Relatório propõe que as famílias e as comunidades participem das tomadas das

decisões escolares, para tanto, a Comissão compreende que as autoridades políticas devem

criar mecanismos para que aquelas possam ter maior participação. Também defende a

democracia como sendo o melhor modo de organização civil e política de um Estado Nação e

que somente esta será capaz de conduzir à paz e à justiça social (DELORS, 1998, p. 54).

Com relação à participação da comunidade no âmbito escolar, é importante destacar

que essa se volta mais ao sentido de resolver questões pertinentes à resolução de problemas

como: chamar os pais e a comunidade escolar para fazer um mutirão em uma final de semana

para pintar a escola e fazer pequenos reparos no prédio desta. A participação da comunidade

limita-se à manutenção do prédio da escola, em detrimento do envolvimento nas tomadas das

decisões com relação à Educação, uma vez que tais decisões extrapolam o âmbito escolar,

haja vista que são, na maioria das vezes, tomadas devido a sugestões dos organizações

internacionais, tais como a Unesco.

O Relatório afirma que, diante dos desafios futuros, a educação deve: “[...] fazer com

que cada um tome o seu destino nas mãos e contribua para o progresso da sociedade que vive

32

baseando o desenvolvimento na participação responsável dos indivíduos e das comunidades”

(DELORS, 1998, p. 82).

Falar que o sujeito deve tomar em suas próprias mãos o seu destino significa que a

sociedade, para qual o Documento foi elaborado, tem como essência o individualismo, que é a

base da sociedade burguesa, ou seja, o sucesso e o fracasso dependem de cada um de nós.

Esta análise é típica do sistema capitalista, visto que simplifica a reflexão sobre o social, uma

vez que, para este sistema, aprofundar a análise social não é conveniente.

Noma e Lara (2009, p. 58) compreendem que:

A presença do ethos individualista, da naturalização do social e da psicologização das relações sociais expressa a transmutação dos direitos sociais universais em direitos individuais, na noção de que o bem-estar social deixa de ser responsabilidade coletiva para se tornar encargo individual e de que bem estar social deixa o terreno coletivo e passa para o âmbito privado [...].

É importante perceber que a Unesco utiliza-se de um discurso ideológico humanitário,

mas que fica só na retórica, uma vez que não propõe políticas públicas efetivas capazes de

sanar a questão social. Esta Agência não toca na questão da divisão desigual dos bens que é o

que gera as desigualdades sociais no mundo capitalista.

Com relação à questão social, o Relatório conduz e induz o trato da questão social por

meio de medidas de mudanças de atitudes comportamentais de ordem moral (NOMA; LARA,

2009, p. 60). Esta recomendação acarreta falha nas políticas públicas, uma vez que tais

políticas não são de caráter universal, têm como característica a equidade, ou seja, almejam

conter a pobreza e a exclusão social, uma vez que o foco é a camada mais vulnerável da

sociedade.

A fonte analisada trata da tolerância, da equidade, do respeito às diferenças, da

inclusão, da cooperação internacional e, tal retórica, merece uma análise crítica, visto que esse

discurso torna-se mais consistente na medida em que as desigualdades sociais em nível

mundial, geradas pelo modo de produção capitalista aumentam.

Faz-nos necessário desvendar o que essa retórica esconde:

[...] conscientizamo-nos de que não se tratam de processos individuais, morais e psicológicos, mas de processos que estão, necessariamente, subordinados à lógica do capital e do mercado, portanto sujeitos à diferenciação, segmentação e exclusão social, justamente porque são constituídos em relações sociais que plasmam as assimetrias, a exclusão e as desigualdades que se configuram na estrutura da sociedade capitalista (NOMA; LARA, 2009, p. 61).

33

As recomendações presentes no Relatório são de cunho neoliberal, uma vez que não

propõem políticas públicas efetivas capazes de melhorar a Educação e a questão social,

porque para isso seria necessária uma presença mais efetiva do Estado e isso iria contra os

preceitos do neoliberalismo. Limita-se a fazer denúncia sobre as desigualdades sociais,

recomenda a solidariedade e a tolerância, induzindo as pessoas a procurar a solução dos

problemas da educação, por exemplo, por meio do voluntariado.

Percebemos, no relatório que a educação deve preparar os indivíduos para os desafios

da sociedade atual, é preciso educar sujeitos pacíficos, tolerantes, solidários, que saibam

conviver com as diferenças, sejam elas étnicas, culturais, espirituais, uma vez que deste modo

será possível manter a paz entre os povos da “aldeia global”. A Educação deve, ainda,

promover o alívio à pobreza.

3.3 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A PERSPECTIVA DO ENSINO FUNDAMENTAL

NA LDB (1996) E NO PNE (2001)

Em 20 de dezembro de 1996 foi sancionada pelo Presidente da República, Fernando

Henrique Cardoso, a Lei nº. 9.394, que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional.

É importante destacar que se regulamentou primeiro esta lei, para posteriormente se proceder

à sua aprovação, ou seja:

[...] do ponto de vista lógico, a aprovação da LDB necessariamente precederá a aprovação da legislação específica destinada a regulamentar aqueles dispositivos que explicita ou implicitamente a própria LDB remete à elaboração de uma legislação complementar [...] (SAVIANI, 2008, p. 2).

Um exemplo que pode ilustrar como a nova LDB foi regulamentada antes de ser

aprovada é a Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995. Ou seja, “[...] de fato, exerce o papel

de regulamentar o parágrafo 1º do artigo 8º, o parágrafo 1º do inciso IX do artigo 9º e os

incisos VI (parcialmente), VIII e IX do artigo 9º da LDB atual” (SAVIANI, 2008, p.10). Cabe

salientar que outra lei foi editada, trata-se da Lei nº 9.192, que foi aprovada em 21 de

dezembro de 1995. De acordo com Saviani (2008, p.14), esta iria regulamentar previamente o

parágrafo único do artigo 56 da LDB (1996) e seria aprovada somente um ano mais tarde.

34

O Ministério da Educação e Cultura – MEC, elaborou um documento durante o

governo Cardoso, a Emenda Constitucional nº14, que foi aprovada em setembro de 1996.

Esse governo, por meio dessa Emenda, alterou alguns artigos da Constituição no intuito de

adequar a Carta Magna à LDB e à nova política educacional imposta por ele. A EC nº.14

“modifica os art. 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e dá nova redação ao art. 60 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” (SAVIANI, 2008, p. 95).

Com relação à nova redação dada ao artigo 60 é importante destacar que:

[...] na estratégia adotada na modificação do artigo 60, o MEC conseguiu a proeza de assumir o controle da política nacional do ensino obrigatório, sem arcar com a primazia de sua manutenção. Ao contrário, ampliou a quota dos estados, Distrito Federal e municípios (de 50 para 60%) e reduziu a sua parcela (de 50 para 30%) no financiamento do Ensino Fundamental [...] (SAVIANI, 2008, p. 84).

Pelo exposto pode-se observar que esse governo não queria investir mais recursos no

ensino fundamental, uma vez que não houve comprometimento político de superar a precária

situação da Educação. A administração gerencial daquele, ancorada na doutrina neoliberal,

aumentou seu poder de coerção e controle ao centralizar a política educacional no MEC, ao

diminuir os seus investimentos e descentralizar para os estados e municípios a

responsabilidade pelo aumento do investimento na área educacional.

A Emenda Constitucional acima mencionada trata-se de uma norma superior à LDB,

mas é um dispositivo que por sua vez regulamentou os artigos 74, 75 e 76 que compõem o

Título VII – “Dos Recursos Financeiros” da Nova LDB (SAVIANI, 2008, p.85). Cabe ainda

ressaltar que a EC nº 14 é mais um mecanismo legal que regulamenta os artigos anteriormente

citados da LDB, que viria a ser sancionada três meses depois, ou seja, em 20 de dezembro de

1996.

O texto da LDB (1996) delega aos municípios a manutenção da educação infantil e

que garantam o ensino fundamental (1ª a 4ª séries) como prioridade. Os estados devem

priorizar o ensino médio e colaborar com os municípios no sentido de ofertar o ensino

fundamental (5ª a 8ª séries). Com relação à União, esta deve coordenar a política nacional de

educação, ou seja, dar assistência financeira e técnica aos estados, Distrito Federal e

municípios, estabelecer as diretrizes curriculares para a educação infantil, o ensino

fundamental e o ensino médio. Incumbe-se à União a tarefa de avaliar o rendimento escolar

em todos os níveis de ensino. A LDB estabelece, no artigo 9, inciso I, que a União deve “[...]

35

elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e

os Municípios”.

É importante destacar que no 1º. Parágrafo do artigo 87 das “Disposições Transitórias”

a LDB estabelece os prazos e condições para que a União, a partir da publicação dessa Lei,

teria um ano para encaminhar “ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com

diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre a

Educação para Todos”.

A ideia de elaborar um Plano Nacional de Educação não era algo novo, recente, uma

vez que, desde a publicação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em 1932, já se

previa a elaboração de um PNE.

Pela leitura global do “Manifesto”, pode-se perceber que a idéia de plano de educação se aproxima, aí, da idéia de sistema educacional, isto é, a organização lógica, coerente e eficaz do conjunto das atividades educativas levadas a efeito numa sociedade determinada ou, mais especificamente, num determinado país (SAVIANI, 2008, p. 178).

É importante perceber que a iniciativa de elaborar o Plano no primeiro momento partiu

dos educadores, isto é, eles eram os idealizadores e os maiores interessados em elaborá-lo,

para que ele fosse capaz de melhorar a Educação. Ao analisar o texto da LDB, é possível

perceber que era a União que estava à frente da elaboração do Plano Nacional de Educação

juntamente com os estados e o Distrito Federal e, com um “detalhe”, seguindo as

recomendações da Declaração Mundial sobre a Educação para Todos (1990). Notamos que a

referida Declaração é um marco importante para a Educação, haja vista que, a partir daí,

passou a influenciar as leis e planos nacionais da Educação.

A partir de 1964 o protagonismo no âmbito do planejamento educacional transfere-se dos educadores tecnocratas, fato que, em termos organizacionais, se expressa na subordinação do Ministério da Educação ao Ministério do Planejamento, cujos corpos dirigentes e técnicos eram, via de regra, oriundos da área de formação correspondente às ciências econômicas (SAVIANI, 2008, p.181).

Na citação acima compreendemos que praticamente não houve participação dos

educadores no planejamento da Educação, ou seja, o planejamento educacional foi

coordenado pelos economistas em detrimento dos educadores.

Com relação à política educacional, a medida mais importante decorrente da LDB foi

o PNE. A relevância deste deveu-se ao fato de incluir na organização da educação nacional o

36

seu caráter operacional, a definição das ações e das metas a serem atingidas dentro de

determinado espaço de tempo, ou seja, a própria LDB definiu um prazo com duração de dez

anos para o Plano Nacional de Educação (SAVIANI, 2008, p. 4).

A finalidade desse Plano naquele momento vinha “revestida com outra roupagem”, ou

seja, quando idealizado pelos educadores do “Manifesto dos Pioneiros da Educação”, o intuito

daquele era melhorar a educação nacional e, como Saviani (2008, p.196) afirma: “[...] a idéia

de plano como instrumento de introdução da racionalidade científica na educação [...]”. Mas

agora

[...] o PNE torna-se, efetivamente, uma referência privilegiada para se avaliar a política educacional aferindo o que o governo está considerando, de fato, prioritário, para além dos discursos enaltecedores da educação, reconhecidamente em lugar comum nas plataformas e nos programas políticos dos partidos, ou grupos ou personalidades que exercem ou aspiram exercer o poder político (SAVIANI, 2008, p.4).

Percebemos que o PNE tornou-se um mecanismo do governo no sentido de avaliar a

política educacional, isto é, buscou-se a eficiência através da redução dos custos, dos

investimentos, da racionalidade financeira. Ou seja, como se fosse possível melhorar a

Educação sem aumentar os investimentos por parte do governo federal.

O projeto do Plano Nacional de Educação, elaborado pelas entidades educacionais que

se reuniram em Belo Horizonte, no I e II Congressos Nacionais de Educação, e cujo texto

procurou contemplar os anseios da sociedade brasileira, deu entrada na Câmara dos

Deputados em 10 de Fevereiro de 1998. O texto do Projeto foi “encabeçado pelo deputado

Ivan Valente” do Partido dos Trabalhadores de São Paulo, teve a assinatura de mais de 70

parlamentares e de todos os líderes partidários da oposição. É importante destacar que, dois

dias após dar entrada na Câmara dos Deputados o Projeto elaborado pelas entidades

educacionais, o governo, no dia 12 de Fevereiro de 1998, envia ao Congresso o seu projeto

(SAVIANI, 2008, p.270).

Ressalta-se que o projeto que o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou em 14 de

Junho de 2000 e encaminhou ao Senado Feral foi o “substitutivo da Comissão de Educação,

Cultura e Desporto” (SAVIANI, 2008, p. 273). O projeto que foi aprovado foi o do governo e

não o elaborado pelos educadores.

Com relação aos debates efetuados sobre o Plano Nacional de Educação no Plenário,

“[...] não se pode negar que, ainda que ouvidos, os representantes da sociedade civil não

tiveram seus pleitos levados em conta no texto aprovado [...]” (SAVIANI, 2008, p. 272).

37

Neste contexto, os anseios e os desejos da sociedade civil por uma educação de qualidade

foram postos de lado.

O texto do projeto do governo foi aprovado na íntegra, no dia 14 de dezembro de

2000, sendo que “[...] houve a abstenção do Bloco da Oposição, exceto da senadora Emília

Fernandes” (SAVIANI, 2008, p. 273). Após a aprovação do Congresso Nacional, o texto do

Projeto foi sancionado pela Presidente Fernando Henrique Cardoso e transformou-se na Lei

nº.10.172, em 9 de janeiro de 2001.

Cabe ressaltar que Fernando Henrique Cardoso, antes de sancionar o texto do PNE,

vetou os artigos que faziam menção aos recursos financeiros destinados à Educação.

[...]De fato, os vetos, apostos pelo presidente da República ao texto do PNE aprovado pelo Congresso incidiram dominantemente sobre a questão dos recursos financeiros destinados à educação. E este é o aspecto essencial dos planos, pois, sem que esses recursos sejam assegurados, o plano todo não passará de uma carta de intenções, cujas metas jamais poderão sem realizadas (SAVIANI, 2008, p. 278).

Enfim, notamos que não havia, por parte do governo Cardoso, intenção de aumentar os

investimentos com a Educação, razão pela qual vetou vários artigos do texto do projeto do

PNE. Ao agir dessa maneira, esse governo demonstrou que subordinava a Educação aos

mecanismos de mercado, uma vez que não queria aumentar os investimentos em relação a ela,

mas propunha criar mecanismo para avaliar o rendimento desta.

38

4 AS CATEGORIAS POLÍTICAS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL NO BRASIL

Este capítulo explicitou as relações estabelecidas entre as propostos da doutrina

neoliberal para a Educação, contidas no Relatório Jacques Delors, e sua influência na

legislação brasileira. Verificamos que há uma resignificação, isto é, um novo significado foi

atribuído à Educação para justificar a manutenção do ideário proposto pela organização

internacional, ou seja, a Unesco. As propostas mencionadas perpassaram pela sociedade uma

vez que possuíam cunho econômico, social, político e ideológico.

Cabe ressaltar que as categorias analisadas foram incorporadas ao Relatório Jacques

Delors, à Lei de Diretrizes para a Educação Brasileira e ao Plano Nacional de Educação por

meio das mediações ou acordos internacionais. Em outras palavras, em razão das

Conferências, como a que ocorreu em Jomtien em 1990. Como no Art. 1º da Declaração

(1990) abaixo:

Cada pessoa – criança, jovem ou adulto – deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas) quanto os conteúdos básicos da aprendizagem (como os conhecimentos, habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo.

Percebemos que os argumentos utilizados na Declaração acima para a incorporação da

equidade e da eficiência na educação básica são os mesmos que o Relatório Delors e a

legislação brasileira incorporam. É importante salientar que o Relatório faz menção sobre a

“[...] Declaração da Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em Beijing em

setembro de 1995. Aí se analisaram as diferentes formas de discriminação das jovens e das

mulheres [...]” (DELORS, 1996, p.197). Ou seja, mais uma vez o documento orientador

apropria-se de uma conferência mundial para tomar posse da categoria equidade. Em outras

palavras, prioriza a focalização das políticas públicas para a educação das mulheres e jovens.

Destacamos que, em outro momento, o Relatório focaliza a pobreza:

A Comissão dedicou também especial atenção tanto à maneira como decorreu a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Social, realizada em Copenhague em março de 1995, como às suas recomendações. Ao tratar da pobreza, do desemprego e da exclusão social, esta conferência chamou a

39

atenção para a contribuição que podem dar as políticas educativas (DELORS, 1998, p.198).

Fala-se em aliviar a pobreza e para tanto a Educação precisa ter qualidade, eficiência e

diversidade para dar conta da missão delegada a ela. Deste modo, faz-se necessária a

apreensão de que a Educação é eleita como o “remédio”, ou seja, é como se a falta de

educação básica fosse a responsável pela pobreza, ou seja, não se levam em conta as

desigualdades sociais que de fato geram a pobreza.

As categorias aqui tratadas foram propostas a partir de leitura e estudos da legislação

escolhida para a análise. Os termos equidade, qualidade, diversidade e eficiência são

continuadamente apresentados nos diversos artigos da LDB (9494/96), bem como nas metas

tratadas pelo PNE (2001). Neste sentido, objetivamos esta análise para melhor aprofundarmos

nossa compreensão dos documentos estudados.

4.1 EQUIDADE

Ao analisarmos o conceito de equidade no Relatório Jacques Delors, foi possível

compreender que este termo foi muito utilizado no Documento, mas não possui o mesmo

significado da palavra igualdade. Entende-se por equidade a focalização das políticas públicas

sociais dentre as quais se encontra a educação para grupos sociais vulneráveis como, por

exemplo, os negros, índios, mulheres, os pobres da cidade e da zona rural, etc. Ou seja, “[...]

há ainda no mundo 885 milhões de analfabetos, atingindo o analfabetismo a seguinte

proporção: em cinco mulheres duas são analfabetas e em cinco homens um é analfabeto [...]”

(DELORS, 1998, p. 123).

Percebemos que há, de fato, uma preocupação com grupos mais vulneráveis:

[...]Atingir os que continuam excluídos da educação não exige apenas o desenvolvimento dos sistemas educativos existentes; é necessário, também conceber e aperfeiçoar modelos e sistemas novos destinados expressamente a este ou àquele grupo, no quadro de um esforço coordenado que tenha em vista dar a cada criança e adulto uma educação básica de qualidade (DELORS, 1998, p. 124).

É importante compreender que equidade não possui o mesmo significado do termo

igualdade, por isso o Relatório Delors utiliza-se da expressão equidade em detrimento da

palavra universalização:

40

Focalizar, substituindo a política de acesso universal pelo acesso seletivo. O acesso universal faz com que os serviços sejam considerados direitos sociais e bens públicos. O acesso seletivo permite definir mais limitadamente e discriminar o receptor dos benefícios. Por isso, em muitos países submetidos a programas de ajuste neoliberal, as políticas sociais são praticamente reduzidas a programas de socorro à pobreza absoluta [...] (MORAES, 2001, p. 66).

Pretende-se diminuir e não acabar com o número de pessoas excluídas que não têm

acesso à educação básica. É importante destacar que o documento orientador focaliza, dentre

todos os níveis de educação, a educação básica, pois sabe não ser possível o acesso a todos a

níveis mais elevados de educação, visto que se prioriza o acesso à educação básica aos grupos

mais vulneráveis tendo em vista aliviar os níveis de pobreza.

O Relatório traz ideias sobre a equidade da educação básica, pois compreende que:

[...] A educação básica é essencial se quisermos lutar com êxito contra as desigualdades quer entre os sexos, quer no interior dos países ou entre eles. É a primeira etapa a ultrapassar para atenuar as enormes disparidades que afligem muitos grupos humanos: mulheres, populações rurais, pobres da cidade, minorias étnicas marginalizadas e milhões de crianças não escolarizadas que trabalham (DELORS, 1998, p.125).

O Relatório sugere que a educação seja focalizada para determinados grupos sociais

como é o caso das mulheres: “[...] o baixo nível de instrução das mulheres acarreta, como

conseqüência, uma elevada taxa de mortalidade infantil, uma alta taxa de crescimento

demográfico nas zonas rurais, crianças mal alimentadas e com pouca saúde, bem como a

estagnação da economia” (DELORS, 1998, p.263).

Faz-nos necessária a apreensão de que não há políticas públicas sociais ao se adotar a

equidade como princípio norteador. Em outros termos, com a equidade existem programas

focalizados para grupos sociais mais vulneráveis, com a intenção de diminuir os níveis de

pobreza existentes.

A categoria equidade também é incorporada em vários momentos à Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Brasileira (1996), uma vez que o foco desta é o ensino fundamental. 15 No

Art. 4º I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito inclusive para os que a ele não tiveram

acesso na idade própria. O foco é o ensino fundamental, uma vez que se sabe não ser possível

ou viável oferecer níveis mais elevados de educação para a população. Portanto, ao priorizar a

15 Cabe ressaltar que o foco da nossa análise é o ensino fundamental, mas na atual legislação trata-se da educação básica como um todo.

41

educação básica, pretende-se diminuir o número de analfabetos e os níveis de pobreza

extrema.

Ao analisar o Plano Nacional de Educação, percebemos que a categoria equidade

também é incorporada aos seus objetivos e prioridades, ou seja, destaca-se na Lei: “[...] a

redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência, com

sucesso, na educação pública e [...]” (BRASIL, 2001, p. 7).

O Relatório Delors influenciou a inserção da categoria equidade na LDB e PNE, uma

vez que, por todo o texto documento orientador, o foco é a educação básica e a educação para

grupos vulneráveis como o caso das mulheres e jovens.

[...] Na lógica da eqüidade e do respeito pelo direito à educação trata-se, pelo menos, de evitar que o acesso à educação seja recusado a determinadas pessoas ou grupos sociais; é sobretudo importante que o Estado passe a ter um papel redistributivo, principalmente em favor de grupos minoritários ou desfavorecidos (DELORS, 1998, p.175).

Enfim, fala-se em reduzir as desigualdades, portanto, a equidade se faz presente no

documento orientador e nos documentos normativos, cujo foco é aliviar a pobreza. É

importante perceber que no sistema de produção capitalista já não é mais possível acabar com

a pobreza, por isso utiliza-se muito o termo equidade no Documento acima citado, uma vez

que o foco deste são os grupos minoritários.

4.2 QUALIDADE

O debate sobre o tema qualidade da educação está presente no Relatório Jacques Delors,

e tal preocupação justifica-se pelo fato de vivermos em uma sociedade globalizada, em que

tudo muda muito rápido, inclusive a configuração do trabalho e do emprego, isto é, as formas

como as pessoas produzem a sua sobrevivência estão em constante mudança. Conceitua-se a

qualidade na educação no Relatório deste modo: “[...] Por outras palavras, é preciso

preocupar-se mais com a qualidade e preparação para a vida, num mundo em rápida

transformação, freqüentemente submetido ao império da tecnologia” (DELORS, 1998, p.

135).

Faz-nos necessário destacar que, na redação do Art. 22, na Lei das Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, o conceito de qualidade é o mesmo adotado no Relatório Delors, ou seja,

42

“A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação

comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no

trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 1996). Cabe ressaltar que o ensino fundamental

faz parte da educação básica. Portanto esta deveria ajudar a conter a pobreza, fazendo com

que principalmente os pobres adquirissem as habilidades necessárias para ser produtivos no

mercado de trabalho.

Do mesmo modo, o conceito de qualidade é incorporado ao texto do Plano Nacional

de Educação, visto que, dentre os objetivos e prioridades, o Plano sinaliza para “[...] a

melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis [...]” (BRASIL, 2001, p.7). O PNE

estabelece que o ensino fundamental possua qualidade para “[...] a formação do cidadão

responsável e consciente de seus direitos e deveres” (BRASIL, 2001, p. 8).

Evidenciamos por meio da incorporação do conceito de qualidade que a educação

precisa formar sujeitos aptos para o ingresso em um mundo globalizado onde não há muitos

empregos formais, ou seja, agora existe mais trabalho informal, e se defende essa ideia no

Relatório Delors quando afirma: “[...] adquirem-se as competências empresariais, aprende-se

a conhecer as possibilidades de trabalhar independente, isto é, a substituir a ´esperança de um

emprego` pela ‘criação de empregos` etc” (DELORS, 1998, p. 238).

Incentiva-se a formação de um sujeito empreendedor, que seja capaz de criar o seu

próprio emprego, haja vista que a escola está formando para um mundo cheio de incertezas e

inseguranças. É importante salientar que o documento orientador aviva que a Educação deve

ter qualidade para formar para a cidadania, assim como estabelecem a LDB e o PNE.

[...] a Comissão manifestou a esperança de ver o ensino formal, e especialmente o secundário, desempenhar junto dos alunos um papel cada vez mais importante na formação das qualidades de caráter de que necessitarão, mais tarde, para se anteciparem às transformações e se adaptarem a elas. Os alunos devem poder adquirir na escola instrumentos que os habilitem, quer a dominar as novas tecnologias, quer a enfrentar os conflitos e a violência. É preciso cultivar neles a criatividade e a empatia de que terão necessidade para serem, na sociedade de amanhã, cidadãos ao mesmo tempo atores e criadores (DELORS, 1998, p. 135).

Reafirma uma educação utilitária, prática, visto que, assim, haveria qualidade para se

formar cidadãos solitários e empreendedores. No contexto de restrinção das funções do

Estado a igualdade de acesso aos direitos fica subordinado a condição do pagamento do

direito. Krawczyk (2005) assim afirma:

43

Na época contemporânea, a cidadania moderna aparece ligada à conformação de um sujeito de direito e este à existência de um Estado que garante esse direito. Mas também, e principalmente, à luta social pelas conquistas desses direitos que gerou a exigência de igualdade cidadã. No entanto, no momento em que as funções do Estado se restringem à regulação do mercado – transferindo para a sociedade civil responsabilidades sobre a área social, que passa a assumi-las enquanto iniciativa privada -, a igualdade do cidadão volta a ser subordinada à possibilidade de acesso a estes direitos e um dos critérios mais evidentes é a condição de pagar por esse direito (KRAWCZYK, 2005, p. 800).

Compreendemos que, na atual conjuntura econômica, política, social e com a

instalação de um modelo de Estado forte, minimalista e gerencial, houve uma resignificação

da cidadania, ou seja, o cidadão, para ter acesso a serviços prioritários tais como a educação, a

saúde e a habitação, na maioria das vezes, precisa ter dinheiro para pagar por tais serviços,

visto que estes são ofertados tendo como um dos princípios norteadores a equidade.

No atual contexto é preciso formar para a cidadania, isto significa formar um sujeito

que tenha condições de consumir os bens e os serviços ofertados pela iniciativa privada, que

cumpra as leis e pague os seus impostos. Concluímos ainda que a educação deva ter qualidade

para formar “cidadãos” capazes de criar os seus próprios postos de trabalho quando não

conseguirem acesso ao emprego formal.

4.3 DIVERSIDADE

No Relatório Delors foi destacado que a educação precisa fomentar nos sujeitos o

respeito às diferenças. Ou seja, o Relatório incorpora no seu debate a questão da diversidade

tendo como cerne de suas reflexões as demandas criadas pela globalização. Sobre essa

questão, é importante compreender

[...] a concepção de que a educação é um importante agente para desenvolver uma unidade na diversidade, na qual indivíduos distintos sejam capazes de ter um novo entendimento da condição humana, de respeitar as diferenças e de assumir responsabilidades conjuntas para que se realize o progresso da humanidade [...] (NOMA; LARA, 2009, p. 56).

O Documento defende a incorporação da diversidade no âmbito educacional, pois

compreende ser este um “elo” capaz de proporcionar a coesão social, uma vez que irá fazer

com que as pessoas aprendam a viver juntas. Portanto, para o Relatório, a diversidade é “[...]

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dar mais atenção aos valores culturais universais, que, além da tolerância, promovem o gosto

da diversidade cultural” (DELORS, 1998, p.237).

Evidenciamos que o relatório, ao defender a diversidade étnica e cultural, não toca na

questão das desigualdades sociais e econômicas que permeiam o globo terrestre.

Compreendemos que, com esse discurso sobre a tolerância e o respeito, o Relatório publicado

pela Unesco pretende de fato nivelar a sociedade pela cultura e quer convencer o leitor de que

não há mais divisão de classes sociais e lutas de classe, visto que:

[...] o caráter conflitual e vertical das relações sociais, determinadas por uma lógica que se exerce em múltiplos sentidos, e corresponde à ação de diversos grupos de interesse, bem como à progressiva substituição da luta de classes por conflitos étnicos ou religiosos – culturais anuncia a eclosão de movimentos tribais de grande envergadura (DELORS, 1998, p. 222).

Fica-nos claro que, para a Comissão que elaborou o Relatório Delors, as guerras e os

conflitos que eclodem no mundo não são causados pelas desigualdades sociais e econômicas,

mas pelas diferenças culturais, religiosas e étnicas e por isso defende que a diversidade seja

incorporada à Educação. Ou seja, é necessário que a educação ensine os sujeitos a aprender a

conviver uns com os outros.

Cabe destacar que, devido ao aumento da pobreza e das guerras, houve expansão do

fluxo imigratório da população para outros países, em busca de melhores condições de vida.

Atualmente, com o enfraquecimento do Poder do Estado-nação e com o aumento dos fluxos imigratórios (impulsionado pela pobreza, pela guerra civil, pelos distúrbios políticos, pelos conflitos regionais, etc.), ocorre também enfraquecimento do sentimento de pertença dos indivíduos aos espaços nacionais, que deixam de ser o único quadro de referência. Surge a tendência de se desenvolverem outras formas de identificação, as quais são pensadas com base nas diferenças e não nas características comuns e outros espaços estruturadores da cidadania mais próximos dos indivíduos [...] (CARVALHO, 2010, p.24).

Fica evidente no Relatório Delors a sua preocupação entre o “global” e o “local”, com

a perda, por parte dos sujeitos, de suas raízes, de suas identidades. “A tensão entre o global e

o local: tornar-se, pouco a pouco, cidadão do mundo sem perder as suas raízes e participando

ativamente na vida do seu país e das comunidades de base” (DELORS, 1998, p.14). A

Comissão, ao defender a incorporação da diversidade à educação, espera que esta seja capaz

de formar um sujeito “global” ao mesmo tempo que saiba respeitar e conviver com as

diferentes culturas sem perder as suas raízes.

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Faz-nos necessária a apreensão dos motivos reais que movem os organismos

internacionais e a Comissão do Relatório a “abraçarem” a defesa do tema diversidade, ou seja:

Valorizar e reconhecer as diferenças tem sido a forma encontrada pela Unesco para combater o racismo, a intolerância e o preconceito. O propósito é criar condições para um desenvolvimento humano mais harmonioso e equitativo, de modo a aliviar a pobreza, enfrentar a exclusão socioeconômica, amenizar as opressões e os conflitos; quer globais quer internos a uma sociedade, enfim, atingir a ‘coesão social’ e a paz internacional entre sociedades diversificadas (CARVALHO, 2010, p.18).

Portanto, evidenciamos mais uma vez que o Relatório, ao contemplar a inclusão da

categoria diversidade na sua redação, quer que a Educação ensine as pessoas a aprender a

conviver umas com as outras.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no seu Art. 3, incorpora a categoria

diversidade nos mesmos moldes do Relatório Delors. A referida Lei, ao tratar dos princípios e

fins da Educação Nacional, enfatiza o “[...] IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância”

(BRASIL, 1996). Ou seja, educar para tolerar a diversidade étnica, cultural, religiosa, etc.

É importante salientar que, assim como o Relatório, há uma preocupação com o

“local”, ao estabelecer, nas disposições gerais para a educação básica, a lei normatiza no Art.

22, “§ 2º que o “calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive

climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o

número de horas letivas previsto nesta lei” (BRASIL, 1996).

Notamos que a preocupação em formar um sujeito que saiba preservar as suas raízes e

a sua identidade fica explícita neste artigo, pois, ainda nas disposições gerais da educação

básica, a Lei determina que:

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (BRASIL, 1996, art. 26).

Em outra parte, a Lei incorpora a diversidade cultural por meio do ensino da História e

na seção I das Disposições Gerais da Educação Básica a LDB estabelece: “§ 4º O ensino da

História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a

formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia”

(BRASIL, 1996, art. 26).

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A referida Lei, na seção III, que trata do ensino fundamental, mais uma vez incorpora

a questão da tolerância, ou seja, “IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de

solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vivência social”

(BRASIL, 1996, art. 32). Fala-se em “vivência social”, ou seja, que a Educação ensine as

pessoas a aprender a conviver umas com as outras. Em suma, a nossa Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional deixou-se influenciar pelo Relatório Delors ao incorporar à sua

redação a categoria diversidade nos mesmos moldes do referido Relatório.

É possível perceber que o Plano Nacional de Educação incorpora a categoria

diversidade na sua redação. Ao inserir a educação indígena, estabelece, nos objetivos e metas:

3. Universalizar, em dez anos, a oferta às comunidades indígenas de programas educacionais equivalentes às quatro primeiras séries do ensino fundamental, respeitando seus modos de vida, suas visões de mundo e as situações sociolingüísticas específicas por elas vivenciadas (BRASIL, 2001, p. 61).

Percebemos que há uma preocupação em fazer com que os povos indígenas preservem

as suas raízes, tradições e cultura. O Plano Nacional de Educação, ao estabelecer os objetivos

e prioridades, enfatiza: “[...] domínio dos instrumentos básicos da cultura letrada, das

operações matemáticas elementares, da evolução histórica da sociedade humana, da

diversidade do espaço físico e político mundial e da construção da sociedade brasileira [...]”

(BRASIL, 2001, p. 8).

Fica claro que o PNE incorpora a discussão do Relatório Delors sobre o “o local” e o

“global”, visto que a Educação deve ter subsídios para formar um “sujeito globalizado” que

saiba preservar a sua cultura nacional e ao mesmo tempo respeitar as outras culturas da

“aldeia global”. Com isso, pretende-se formar um indivíduo que respeite as diversidades, as

diferenças e aprenda a conviver em sociedade.

Com relação ao Ensino Fundamental o Documento, ao tratar das Diretrizes, destaca:

[...] O direito embasadas na ciência da educação sinalizam a reforma curricular expressa nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que surgiram como importante proposta e eficiente orientação para os professores. Os temas estão vinculados ao cotidiano da maioria da população. Além do currículo composto pelas disciplinas tradicionais propõem a inserção de temas transversais como ética, meio ambiente, pluralidade cultura, trabalho e consumo, entre outros [...] (BRASIL, 2001, p. 20).

Enfim, evidenciamos que tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação como o Plano

Nacional de Educação sofreram influência do Relatório Delors ao contemplarem a categoria

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diversidade na sua redação. Dito de outra forma, tanto a legislação brasileira como o Relatório

Jacques Delors almejam a mesma coisa, isto é, esperam que a diversidade no âmbito escolar

seja capaz de promover a coesão social, fazer com que os sujeitos “aprendam a conviver” uns

com os outros, de modo pacífico.

4.4 EFICIÊNCIA

A reforma do estado brasileiro, já discutida nesta pesquisa, trouxe nova reconfiguração

do modelo de estado, passou de regulador e provedor para um modelo de Estado forte,

minimalista e gerencial. Tal mudança contribuiu para a constituição de uma sociedade, cujo

cerne é o indivíduo e o mercado, visto que é uma sociedade individualista em que o sucesso e

o fracasso são atribuídos ao sujeito e não às relações sociais e econômicas que permeiam a

sociedade. Do mesmo modo, ao se atribuir ao mercado um lugar central na sociedade, este

passa a interferir, ou seja, regular o comportamento das pessoas, da economia, da educação,

haja vista que todas as relações estabelecidas na sociedade passam pelo “crivo” do mercado.

Exige-se da educação eficiência para formar um sujeito individualista para inserir-se

com sucesso em uma sociedade regulada pelo mercado. Para melhor apreensão da inserção da

lógica do mercado na educação destacamos que:

A descentralização para o mercado é feita por duas vias que tendem a consolidar o espaço de quase-mercado na educação. Uma dessas vias busca, prioritariamente, descentralizar para o mercado a responsabilidade de controle e regulação educacional e a outra pretende a descentralização da responsabilidade da oferta e universalização do serviço educativo: A primeira via pretende a constituição de um mercado de consumo e serviços educacionais, instalando na gestão da educação – do sistema e da escola – uma normativa ancorada na lógica da oferta e da demanda. Ela é apresentada como a dinâmica mais adequada para a construção de um sistema educativo democrático (KRAWCZYK, 2005, p. 811).

É importante compreender a inserção da lógica do mercado na educação, para que

possamos vislumbrar, no Relatório Delors, a preocupação em propor uma educação eficiente

para atender às exigências do mercado globalizado.

[...] não deixar por explorar nenhum dos talentos que constituem como que tesouros escondidos no interior de cada ser humano. Memória, raciocínio, imaginação, capacidades físicas, sentido estético, facilidade de comunicação com os outros, carisma natural para animador, [...] (DELORS, 1998, p.20).

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Evidenciamos que a Educação deve ser eficiente no sentido de formar sujeitos

criativos, polivalentes, que saibam trabalhar em equipe, flexíveis, uma vez que são essas as

competências que o mercado de trabalho e a economia globalizada exigem. Portanto, para

além de um diploma, as pessoas precisam possuir “certas habilidades” que o mercado exige,

caso contrário, não estarão aptas a assumir um posto no mercado de trabalho.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional incorpora o conceito de eficiência

nos mesmos moldes do Relatório Delors, uma vez que estabelece no Art. 24: “a) avaliação

contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos

sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas

finais” (BRASIL, 1996).

Percebemos que a educação, de atividade especificamente humana, passa a ser tratada

como uma mercadoria, que pode ser mensurada e avaliada para se verificar a sua eficiência. O

conceito de eficiência na LDB, ao tratar do ensino fundamental, assemelha-se ainda mais ao

conceito de eficiência defendido no documento orientador, ou seja, em seu Art. 32:

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; (BRASIL, 1996, Art.32). III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos habilidades e a formação de atitudes e valores; (BRASIL, 1996).

Notamos que, na Lei acima mencionada, a lógica do mercado faz-se presente na

educação. Fala-se em desenvolver as habilidades, ou seja, as competências necessárias para o

indivíduo ser eficiente para inserir-se no mercado de trabalho.

O Plano Nacional de Educação, ao tratar das Diretrizes do Ensino Fundamental, prevê

um sistema de avaliação do ensino. Pretende-se criar um mecanismo de avaliação da

educação para verificar a eficiência desta.

E, finalmente, a consolidação e o aperfeiçoamento do censo escolar, assim como do Sistema Nacional da Avaliação Básica (SAEB), e a criação de sistemas complementares nos Estados e Municípios permitirão um permanente acompanhamento da situação escolar do País, podendo dimensionar as necessidades e perspectivas do ensino médio e superior (BRASIL, 2001, p. 21).

Evidenciamos que o Plano Nacional da Educação também incorpora o conceito de

eficiência nos mesmos moldes do Relatório Jacques Delors. Em outros termos, o documento

normativo trata a Educação como uma mercadoria, ao criar mecanismos para avaliá-la, para

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verificar a sua eficiência a subordiná-la à lógica do mercado. A educação, ao ser tratada como

mercadoria, perde a sua especificidade de ser uma atividade humana, reduz-se a treinar os

alunos para ocuparem postos de trabalho.

Em uma pesquisa recente realizada pelo MEC, sobre o que o mercado de trabalho esperava dos alunos ao final do Ensino Médio de cursos profissionalizantes, revelou-se que as empresas querem que esses estudantes tenham o domínio de Língua Portuguesa, saibam desenvolver bem a redação e se comunicar verbalmente. Esta é uma das competências gerais que o ENEM procura avaliar e que a Reforma do Ensino Médio procura destacar. Em segundo lugar, os empresários querem que os futuros trabalhadores detenham os conceitos básicos de matemática e, em terceiro lugar, que tenham capacidade de trabalhar em grupo e de se adaptarem às novas situações. Portanto o que os empresários estão esperando dos futuros funcionários são as competências gerais que só onze anos de escolaridade geral podem assegurar (CASTRO, 2001 apud FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p.109).

Ou seja, o que o mercado espera da educação é que esta seja eficiente o bastante para

formar um sujeito autônomo, que saiba trabalhar em equipe e resolver problemas, tenha

espírito empreendedor, liderança, carisma e iniciativa.

[...] Os direitos individuais do consumidor passam a prevalecer sobre os direitos sociais de educação do cidadão. Nesse sentido, têm sido elaboradas várias estratégias de informação aos pais – do tipo ranking e premiação às escolas -, fomentando a competitividade entre elas para captação de recursos e de prestígio (KRAWCZYK, 2005, p. 812).

Fica-nos evidente que os princípios do mercado foram incorporados ao âmbito escolar,

isto é, eficiência, produção, resultado, premiação para as melhores escolas em detrimento das

escolas com pouco rendimento. Transforma-se a Educação em mercadoria e a escola vira uma

empresa que precisa ser eficiente para formar o “aluno” de acordo com as normas ditadas pelo

“mercado”, para que o seu “cliente” possa ali se inserir com sucesso.

50

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos nesta pesquisa, que tem como tema as políticas educacionais no Brasil,

analisar a influência do relatório da Unesco: “Educação um Tesouro a Descobrir”, na

legislação do ensino fundamental brasileiro (1996 -2001). O objetivo mais amplo da pesquisa

propôs-se a estudar a influência Unesco na legislação educacional brasileira para o ensino

fundamental, buscando entender como as diretrizes do Relatório Delors - que propõe que a

Educação do século XXI deve nortear-se pelos quatro pilares dela - foram incorporadas pela

Lei de Diretrizes e Bases da Educação e pelo Plano Nacional de Educação.

É importante salientar a necessidade da compreensão da problemática da pesquisa

proposta, isto é, qual a influência do Relatório da Unesco na legislação do ensino fundamental

brasileiro? Para tanto foi necessário compreender como a Reforma da Administração do

Estado e a Reforma da Educação, ambas pautadas na equidade, qualidade, diversidade e

eficiência, ocorreram durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, porém, que a

efetivação de tais reformas só foi possível porque esse governo fez aprovar no Congresso tais

reformas.

As estratégias que passaram a nortear o ajuste do governo Cardoso foram a

desregulamentação, a descentralização e a autonomia, ou seja, as “bandeiras” defendidas pela

doutrina neoliberal foram incorporadas à reforma que o governo promoveu no Estado

brasileiro. Assim, tornou-se possível colocar em prática, por meio da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação e do Plano Nacional de Educação, as recomendações do documento orientador,

isto é, os quatro pilares da Educação propostos pelo Relatório Jacques Delors: Aprender a

conhecer; Aprender a fazer; Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros;

Aprender a ser. É imprescindível a apreensão de que os quatro pilares da Educação subjacente

ao Relatório da Unesco representam a doutrina neoliberal para um século no qual a economia

tornou-se globalizada.

Ficou evidente na pesquisa que tanto a Reforma do Estado Brasileiro como a Reforma

da Educação, ocorridas na década de 1990, foram conduzidas, visando-se à redução dos

gastos públicos e dos investimentos na esfera social. Estas reformas reduziram, de forma

significativa, a atuação do Estado nas políticas públicas e sociais.

É possível perceber que a legislação brasileira foi influenciada pelo Relatório Delors,

uma vez que tanto a Lei de Diretrizes da Educação como o Plano Nacional de Educação

incorporaram a categoria diversidade nos mesmos moldes do documento da Unesco. Em

outros termos, o que move a inclusão da categoria diversidade na legislação brasileira é fazer

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com que a Educação ensine as pessoas a aprenderem a viver juntas, sendo este um dos pilares

da Educação do Relatório Jacques Delors.

A legislação brasileira analisada nesta pesquisa foi influenciada pelo Relatório Delors

ao incorporar a categoria qualidade à sua redação. Em outras palavras, a educação brasileira

deixou-se influenciar pelo pilar “aprender a fazer”, uma vez que a Educação para o século

XXI deveria conduzir o aluno a aprender, a fazer na prática, isto é, a pôr em prática os

conhecimentos teóricos aprendidos na escola, no seu local de trabalho, ser empreendedor,

saber enfrentar e solucionar situações adversas em diferentes contextos.

A legislação brasileira analisada, ao incorporar a categoria eficiência, deixou-se

influenciar pelo pilar do Relatório “aprender a ser”. Ou seja, a Educação precisa ser eficiente

para desabrochar no sujeito o uso da memória, do raciocínio e de seus talentos e de suas

capacidades físicas em prol da melhoria de qualidade “da sua vida” e “da vida dos outros” e

“do planeta”. Em suma são as competências que o indivíduo precisa ter, exigidas pela

economia globalizada e também pela lógica do mercado.

Aprender a conhecer é outro pilar do Relatório que é incorporado à Legislação

Brasileira analisada, por meio da categoria equidade. Percebemos que o Aprender a conhecer

conduziu o sujeito a “aprender a aprender”, ou seja, em uma sociedade que se tornou

conhecida como a do conhecimento ou sociedade educativa é preciso educar as pessoas para

enfrentar dificuldades que hão de surgir em um mundo onde as consequências do

desenvolvimento e da globalização são imprevisíveis. É necessário que o indivíduo tenha

autonomia e consciência para buscar a sua aprendizagem, uma vez que todos os dias novas

descobertas ocorrem na nossa sociedade, por isso, é importante aprender a aprender durante

toda a vida para que o sujeito possa beneficiar-se das novas tecnologias e conhecimentos.

É importante deixar bem claro que cabe ao indivíduo essa busca em aprender, uma vez

que as políticas educacionais são norteadas pela categoria equidade, isto é, o foco é o ensino

fundamental e cabe ao sujeito procurar capacitar mais, “tomar em suas próprias mãos o seu

destino”.

Concluímos ao final do estudo que os quatro pilares norteadores da Educação para o

século XXI, propostos pelo Relatório Delors, foram incorporados à legislação brasileira

analisada por meio das categorias examinadas. É importante apreender que, ao incorporar tais

categorias à legislação brasileira, o que de fato se pretendia era racionalizar os gastos com a

Educação e submetê-la à lógica do mercado.

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REFERÊNCIAS

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