A PROBLEMTICA DA GUA EM ANGOLA (1975-2010):
CASO DE ESTUDO LUANDA
Mnica Marina Pires Lobo Jacinto
Mnica Marina Pires Lobo Jacinto
Dissertao de Mestrado em Gesto do Territrio
rea de Especializao em Ambiente e Recursos Naturais
Outubro, 2012
A PROBLEMTICA DA GUA EM ANGOLA (1975-2010):
CASO DE ESTUDO LUANDA
Mnica Marina Pires Lobo Jacinto
Mnica Marina Pires Lobo Jacinto
Dissertao de Mestrado em Gesto do Territrio
rea de Especializao em Ambiente e Recursos Naturais
Outubro, 2012
Dissertao apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do
grau de Mestre em Gesto do Territrio/especialidade em Ambiente e Recursos
Naturais, realizada sob a orientao cientfica do Professor Doutor Jos Eduardo
Ventura.
i
minha me,
por todo amor, carinho e confiana.
ii
AGRADECIMENTOS
Agradeo ao Professor Doutor Jos Eduardo Ventura, meu Orientador de dissertao
de Mestrado, pela disponibilidade que demonstrou logo de incio em trabalhar comigo, pelo
empenho, rigor e pacincia que sempre evidenciou e com que me auxiliou ao longo de todo o
trabalho.
Ao Professor Doutor Mbala Langa Langa, pela inestimvel contribuio a minha
formao acadmica.
Ao Professor Doutor Lukombo N'zatuzola, que muito contribuiu para a aquisio de
bibliografia.
minha famlia, por todo apoio recebido, em especial a minha av Maria dos Prazeres
Pires, aos meus tios e tias, especialmente Eduardo Jorge Pires Santana e Lina Antnia Pires
Lobo Serra.
Aos meus pais, Ral Francisco Jacinto e Ana Luzia Pires Lobo Jacinto, por tudo.
Aos meus irmos, Barbara e Mrio Jacinto.
Ao meu querido sobrinho, Ral Raphael Jacinto Sambwako da Silva.
Aos meus amigos, Carlos Manuel, Cornlio Macundo, Edgar Garo, Jandira Carlos,
Maura Lus, Marcelino Lucas e Mrcia Chissingui.
iii
A PROBLEMTICA DA GUA EM ANGOLA (1975-2010):
CASO DE ESTUDO LUANDA
DISSERTAO DE MESTRADO EM GESTO DO TERRITRIO,
ESPECIALIZAO EM AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS
Mnica Marina Pires Lobo Jacinto
RESUMO
Palavras-chave: Luanda, gua, recursos hdricos, saneamento bsico.
A gua um recurso natural renovvel e imprescindvel ao Homem para as suas
atividades enquanto ser vivo. Da gua depende a vida humana, a segurana alimentar e a
manuteno dos ecossistemas. A gua deve ser reconhecida no s como um bem econmico,
como tambm um bem social. A gua vital para a diminuio da pobreza e para o
desenvolvimento sustentvel.
Angola, um pas que possu um vasto potencial hdrico mas verifica-se que as
necessidades de consumo da populao no so plenamente satisfeitas.
O trabalho de investigao tem por objeto de estudo a anlise da problemtica da gua
em Angola tendo como caso de estudo a capital do pas - Luanda, o enfoque da investigao
ser no abastecimento de gua para o consumo humano, seu impacte na qualidade de vida dos
cidados e propor medidas de polticas e gesto que solucionem os atuais problemas e
acautelem ruturas futuras.
iv
THE PROBLEM OF WATER IN ANGOLA (1975-2010):
CASE STUDY - LUANDA
MASTER THESIS IN MANEGEMENT OF TERRITORY, SPELIZATON IN
ENVIRONMENT AND NATURAL RESOURCES
Mnica Marina Pires Lobo Jacinto
ABSTRACT
Keywords: Luanda, water, water resources, basic sanitation.
Water is a renewable natural resource and indispensable to humans for his activities as
a living being. Human life depends on water, food security and maintenance of ecosystem.
Water should be recognized not only as economic good but also a social good. Water is vital
for poverty reduction and sustainable development.
Angola is a country with a vast hydro potential but it appears that the consumption
needs of the population are not fully satisfied.
The research study has for purpose the analyze of the water problem in Angola as a
study case, the country's capital - Luanda, the research will focus on water supply for human
consumption, it impact on citizens quality life and propose measures and management
policies that solve current problems and beware of future discontinuities.
v
NDICE
DEDICATRIA.........................................................................................................................i
AGRADECIMENTOS.............................................................................................................ii
RESUMO..................................................................................................................................iii
ABSTRACT..............................................................................................................................iv
SIGLAS E ABREVIATURAS...............................................................................................vii
INTRODUO 1
PARTE I A PROBLEMTICA DA GUA EM ANGOLA .7
I.1. Caracterizao hidro-geogrfica ...7
I.2. Abastecimento e saneamento antes da independncia ..19
I.2.1. Abastecimento e saneamento de guas na regio Sul e Sudoeste de Angola ..21
I.3. Evoluo do sistema institucional e o acesso gua potvel 25
I.4. Abastecimento de gua e saneamento bsico depois da independncia ..30
I.4.1. Abastecimento de gua .30
I.4.2. Saneamento bsico 41
I.5. Programas que visam a melhoria do sector ...45
PARTE II A PROBLEMTICA DO ABASTECIMENTO E SANEAMENTO DE
GUA EM LUANDA 49
II.1. Evoluo da cidade, dos servios de gua e saneamento bsico antes da
independncia..49
II.1.1. A cidade .........49
II.1.2.Servios de gua .........55
II.1.3.Servios de saneamento bsico.......59
II.2. Evoluo da cidade e dos servios de abastecimento de gua e saneamento bsico no
perodo ps independncia.62
II.2.1.Evoluo da cidade 62
II.2.2. Servios de abastecimento de gua ..65
II.2.3. Mercado Privado de abastecimento de gua ....71
vi
II.2.4. Consumo per capita de gua.72
II.2.5. Servios de saneamento bsico ....74
II.2.5.1.Sistema de remoo de resduos slidos ....76
II.2.5.2 Saneamento de guas pluviais e residuais...82
II.3. O acesso gua e seu impacte sobre a qualidade de vida dos Luandenses ..83
II.4. Contribuies para melhoria dos servios de acesso gua ..89
CONSIDERAES FINAIS ... 92
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .95
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................99
LISTA DE QUADROS ........................................................................................................101
ANEXOS ...102
ANEXO 1: Questionrio A problemtica da gua em Luanda ....103
ANEXO 2: Fatura de gua ....105
vii
SIGLAS E ABREVIATURAS
ANGOMENHA Associao de Captadores e Transportadores de gua de Luanda
BM Banco Mundial
CDA Centros de Distribuio de gua
DNAS Departamento Nacional de gua e Saneamento
DNH Departamento Nacional de Hidrulica
DW Development Workshop
EASAB Empresa de guas e Saneamento de Benguela
EDEL Empresa de Distribuio de Eletricidade
ELISAL Empresa de Limpeza e Saneamento de Luanda
ENAS Empresa Nacional de guas e Saneamento
EPAL Empresa Pblica de gua de Luanda
ETA Estao de Tratamento de gua
ETAR Estao de Tratamento de guas Residuais
GABHIC Gabinete para Administrao da Bacia Hidrogrfica do Cunene
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
MAPESS Ministrio da Administrao Pblica, Emprego e Segurana Social
MCH Ministrio da Construo e Habitao
MEA Ministrio da Energia e gua
MICS II Inqurito de Indicadores Mltiplos
MPLA Movimento Popular de Libertao de Angola
NAS Ncleo de guas Subterrneas
OMS Organizao Mundial da Sade
PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
PTs Pontos de Transferncia
PRUALB Projeto de Reabilitao Urbana e Ambiental de Lobito e Benguela
viii
SEEA Secretria de Estado de Energia e guas
SEUHA Secretaria de Estado de Energia e guas
SMAE Servio Municipalizado de gua e Eletricidade
UE Unio Europeia
UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia
1
INTRODUO
Justificativa
A gua um recurso indispensvel sobrevivncia humana. A superfcie do
planeta Terra encontra-se coberta em mais de dois teros por gua, nos estados lquido,
slido e gasoso. De acordo com dados do USGS (2006), o volume total de gua no
Planeta estima-se em 1386 milhes de km3. Os oceanos constituem o maior reservatrio
de gua, contendo cerca de 96,5% (1344, 4 milhes de km3) da gua disponvel no
Globo. Os restantes dos 2,5% (41,6 milhes de km3) correspondem a gua doce e, desta
percentagem apenas cerca de 0,2 % encontra-se disponvel para consumo humano.
A gua necessria vida, importante social e culturalmente escassa e est
distribuda de forma no uniforme, o que faz com que haja regies com grande
disponibilidade hdrica e outras com um grande dfice; mais de metade da gua infiltra-
se na sia e Amrica do Sul, e uma grande frao ocorre num nico rio, o Amazonas,
que transporta cerca de 6.000 km3 de gua por ano (Cardoso, 2010:4). Portanto, em
muitas partes do Mundo, a gua no est ao alcance de todos, nem em quantidade nem
em qualidade. Cerca de 1/6 da populao Mundial, ou seja, cerca de 884 milhes de
habitantes, no tm acesso a gua potvel (WHO, UNICEF, 2010). A maior parte dessas
pessoas vivem em pases da sia e frica.
O abastecimento de gua em frica uma questo bastante problemtica, onde
na maioria destes pases, menos de 70% da populao tem acesso a gua potvel.
Estima-se que em 2050 cerca de 90 % da populao dos pases em desenvolvimento no
tenha acesso a gua potvel nem a saneamento bsico (ob. cit.). Portanto, a situao de
abastecimento de gua nos pases africanos, que j crtica tende a piorar. A realizao
deste trabalho constitui uma oportunidade para discutir a problemtica da gua em
Angola, dando particular destaque a Luanda, provncia mais importante do pas, devido
associao de um conjunto de fatores polticos, econmico-sociais, histricos e
demogrficos.
Para o filsofo grego Tales de Mileto, a gua o "princpio de todas as coisas".
A gua um dos fatores primordiais para o desenvolvimento econmico e social das
sociedades. Isto, por si s, j justificaria esta dissertao. Mas a pertinncia deste estudo
sai reforada quando sabemos que o crescimento acelerado da populao urbana, aliado
2
falta de planeamento e ordenamento do territrio, dificultam o fornecimento e
expanso dos sistemas de abastecimento de gua. Neste sentido, relevante a
identificao dos principais problemas e desafios de acesso gua, propondo medidas
de polticas e gesto que solucionem os atuais e acautelem ruturas futuras. As solues
encontradas devero ser vistas no numa perspetiva fechada ou de verdades adquiridas,
mas no sentido de apresentar propostas que suscitem a discusso e o debate alargados
acerca desta importante temtica. fundamental dotar a provncia de Luanda, de
estudos tcnico-cientficos acerca da problemtica da gua. Apesar deste recurso natural
ser um fator sine qua non do desenvolvimento socioeconmico, e at mesmo cultural
de qualquer sociedade, existe uma grande e grave carncia de estudos que abordem
estas questes. Da a urgncia de se refletir sobre esta temtica, colocando nfase nos
impactes que o acesso a gua exerce na qualidade de vida dos Luandenses. Garantir o
acesso a este lquido precioso em quantidades suficientes, e ao saneamento bsico,
essencial ao desenvolvimento humano.
Hipteses
Angola foi uma antiga colnia portuguesa, a sua ocupao comeou no sculo
XV e terminou em 1975, altura em que o pas alcanou a independncia. No sculo XX,
Angola no conheceu a paz desde 1961, primeiro em virtude da guerra contra o domnio
colonial e depois por causa da guerra civil que eclodiu em 1975 entre os principais
movimentos de libertao nacional. A guerra civil trouxe consequncias nefastas para o
pas, desestabilizou os sistemas de ensino e sade, destruiu os sistemas tradicionais de
atividade econmica, provocou a deteriorao de infraestruturas e equipamentos sociais
e a perda de inmeras vidas.
Em Abril de 2002, Angola finalmente alcanou a paz. Com o alcance da paz
houve a necessidade de se reconstruir o pas, por isso, o governo elaborou vrios
programas de reconstruo nacional. Uma das reas que tem merecido destaque nesse
processo de reconstruo o sector de abastecimento de gua.
Angola, possui uma vasta rede hidrogrfica, no entanto, os ndices de consumo
per capita so baixos, sobretudo nas zonas periurbanas e rurais. Por exemplo, em 2002,
o consumo per capita dirio nestas zonas era de 7,6 litros (Pestana, 2011:156). Passados
dez anos de paz e luta pelo desenvolvimento socioeconmico do pas, e apesar de se ter
criado a Lei de guas, a populao ainda enfrenta carncias no que se refere ao acesso
3
gua. Em Luanda, provncia com maior expresso socioeconmica, essas carncias
tornam-se mais evidentes e problemticas.
Tendo como aluso este contexto, a investigao ser orientada por um sistema
de hipteses de partida que pretende encontrar respostas s deficincias de
abastecimento de gua aos angolanos, e em particular aos luandenses. Este sistema
assenta no seguinte conjunto articulado de hipteses:
Angola viveu 41 anos de guerra, 14 de luta pela independncia e
27 de guerra civil, o setor das guas sofreu muito durante o tempo de guerra.
Os recursos financeiros afetados para o setor das guas no so
suficientes para recuperao total de infraestruturas e instalao de
equipamentos afins para que os servios possam enquadrar-se nos padres de
abastecimento universais.
Dificuldades na gesto da gua, pois esta, encontra-se imbricada
na realidade socioeconmica, poltica e institucional com que o pas se
confronta, merc de diversas contingncias histricas ligadas ao processo de
colonizao, descolonizao e formao do Estado.
Esta investigao pretende confirmar ou refutar as nossas hipteses.
Objetivos
Este estudo tem como objetivo geral identificar os principais problemas e
desafios de acesso gua em Luanda, e propor medidas de poltica e gesto capazes de
solucionar ou minimizar os atuais problemas.
De modo a facilitar a concretizao dos objetivos gerais estabelecidos, os
seguintes objetivos especficos foram considerados:
Compreender o papel do sistema institucional da regulao dos
recursos hdricos de Angola.
Analisar a situao atual do abastecimento de gua potvel
populao angolana.
Analisar os programas em curso que visam a melhoria dos
servios de abastecimento de gua.
Relacionar as deficincias do abastecimento de gua com a
qualidade de vida da populao.
Identificar as tendncias da gesto dos recursos hdricos;
4
Identificar as tcnicas de tratamento das guas residuais.
Identificar as principais doenas derivadas da qualidade da gua.
Estrutura da dissertao
O trabalho consubstancia-se numa estrutura assente em duas partes conexas e
complementares, embora formalmente autnomas, que corporiza os objetivos e opes
metodolgicas da investigao:
Parte I A problemtica da gua em Angola - anlise da situao do
abastecimento de gua e saneamento bsico em Angola antes e depois da
independncia, anlise do sistema institucional de governao da gua,
identificar os principais programas que visam a melhoria deste sector, verificar
se os recursos financeiros afetados para este sector so suficientes para que um
maior nmero de pessoas tenha acesso a gua potvel.
Parte II A problemtica do Abastecimento e Saneamento de gua em
Luanda pretende-se identificar os principais problemas e desafios de acesso a
gua potvel em Luanda. Ser destacada a relao entre o acesso a gua potvel
e a qualidade de vida dos Luandenses. Neste captulo foram delineadas algumas
medidas que visam a melhoria do sector e das condies de vida das populaes.
Metodologia
A investigao foi baseada na seguinte metodologia:
1. Reviso bibliogrfica com vista a obteno de informaes especficas
acerca da situao dos recursos hdricos em Angola, foi feita a anlise
documental acerca do abastecimento, saneamento e do sistema
institucional de governao da gua antes e depois da independncia.
Realizou-se a anlise de contedo de notcias publicadas nos media
(sobretudo angolanos) que remetem para a problemtica da gua em
Angola.
2. Seleo e recolha de dados do caso de estudo a informao recolhida
na reviso bibliogrfica permitiu identificar uma regio representativa
dos problemas de acesso a gua em Angola. A rea escolhida foi a
provncia de Luanda. Aps a seleo da rea e do caso de estudo,
5
realizou-se uma retrospetiva histrica acerca desta temtica de modo a
compreender a origem do problema e seus atuais impactes.
3. Seleo e caracterizao dos locais especficos de estudo em Luanda
Ao analisar o abastecimento de gua em Luanda, verificou-se que
existia uma grande carncia de informaes acerca desta temtica.
Existem trs autores que abordam estas questes com rigor, so eles:
lvaro Pereira (2008), Elvira Van Dnem (2003) e Nelson Pestana
(2011). Os dados estatsticos por estes apresentados variam de autor para
autor. Da surgiu a necessidade de se realizarem inquritos por
questionrio e entrevistas formais e informais, de modo a obter valores e
informaes acerca do assunto em questo. Foram realizados inquritos
por questionrio a trs municpios de Luanda, nomeadamente, Cacuaco,
Ingombota e Rangel. A amostra foi de 315 inquritos.
4. Recolha e tratamento dos dados estatsticos numa primeira fase,
deslocamo-nos a Angola, com vista a recolha de informaes/dados junto
das Instituies, nomeadamente, ao Ministrio de Energia e guas,
Governo Provincial de Luanda, Administraes Municipais (Cacuaco,
Ingombota e Rangel), Empresa Pblica de guas de Luanda e a Empresa
de Limpeza e Saneamento de Luanda. Numa segunda fase, em Julho de
2012, procedeu-se aplicao de inquritos aos muncipes. As
informaes recolhidas foram tratadas num pacote estatstico Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS) cujos resultados principais foram
apresentados sob forma de tabelas e figuras.
5. Observaes direta fizeram-se deslocaes a Luanda, com vista a
observar in loco os principais problemas de acesso gua e recolher
imagens ilustrativas das afirmaes feitas ao longo do texto.
6
7
Parte I- A Problemtica da gua em Angola
O objetivo central desta dissertao a problemtica da gua em Luanda, no
entanto, torna-se pertinente esboar o contexto hidro-geogrfico do pas onde se insere a
provncia. Neste mbito, ser analisada a questo do abastecimento e saneamento de
gua, fazendo a sua retrospetiva cronolgica, focando as suas repercusses na situao
atual e dando especial ateno aos programas que visam a melhoria do sector.
I.1.Caracterizao hidro - geogrfica de Angola
Situao Geogrfica
O territrio da Repblica de Angola fica situado na costa ocidental de frica, a
sul do Equador e encontra-se limitada a norte pela Repblica do Congo, a nordeste pela
Repblica Democrtica do Congo, a este pela Zmbia, a oeste pelo Oceano Atlntico, a
sul pela Nambia. As coordenadas extremas do pas so: latitude 4 22' S e 18 03;
longitude 24 05 e 11 41E Gr.
Angola possui uma fronteira terrestre de 4837 km e uma fronteira martima de
1650 km, representando um total de 6487 km. A sua costa pouco acidentada, tendo
poucas reentrncias e poucas salincias. De norte para sul as baas mais importantes so:
baa de Cabinda, Luanda, Porto Ambom, Lobito e baa dos Tigres. As salincias so:
Ponta do Dande, Cabo Ledo, Cabo S. Braz, Cabo de Santa Marta e Ponta do Morro.
Junto da costa passa a corrente fria de Benguela, deslocando - se de sul para norte (IDIA
et CEGIA, 1997: 27).
Administrativamente, o pas est dividido em dezoito provncias, cento e
sessenta e trs municpios e quinhentas e trinta e duas comunas (Fig.1). A provncia de
Luanda capital poltica e administrativa.
8
Fig.1: Diviso Administrativa de Angola
Fonte: http://www.angolaglobal.net/sobre-angola/provincias/
A posio geogrfica de Angola1 (Fig.2) e a suas potencialidades em recursos
naturais faz com que o pas seja uma referncia na geopoltica internacional. O pas tem
assumido um papel de destaque na integrao regional da frica Austral, a nvel da
Comunidade para o Desenvolvimento da frica Austral (SADC). Mesmo durante a
guerra civil que se abateu sobre o pas, o seu potencial manifestou-se ao nvel do que
constitua a principal prioridade da SADC: a garantia da estabilidade poltica e militar
da regio. Angola contribuiu decisivamente para a instaurao de um regime
democrtico na frica do Sul e na Nambia; contribuiu militarmente para a estabilidade
de seus vizinhos do Norte, a Repblica do Congo e a Repblica Democrtica do Congo.
1 A situao geogrfica de Angola no Atlntico Sul excecional, o pas goza de uma ampla costa
martima. Este facto permite Angola, por exemplo, servir de porta martima para vrios pases da frica
Austral; o pas pode ambicionar a criao de uma plataforma logstica intercontinental para a distribuio
de mercadorias, ou de passageiros tanto para negcios como para lazer.
9
Atualmente, Angola um dos pases mais estveis da regio e regista os maiores ndices
de crescimento econmico.
Fig. 2: Localizao Geogrfica de Angola
Fonte: Mapatlas
Relevo
O relevo de Angola constitudo por um macio de terras altas, limitado por
uma estreita faixa de terras baixas cuja altitude varia entre os 0 aos 200 metros. Acima
dos 200 metros encontram-se os planaltos e montanhas, aumentando gradualmente de
altitude at atingir o planalto central cujas altitudes mdias variam entre os 1 200 e 1
600 metros. no planalto central que se situa o ponto mais alto do pas, o Morro do
Mco, com 2 620 metros de altitude (MINUA, 2006: 20).
Esta configurao orogrfica impossibilita a navegabilidade dos rios em grande
extenso. Porm, permite a existncia de grandiosas quedas de gua, como as quedas de
Calandula (ex -Duque de Bragana); e as suas elevaes, declives, desfiladeiros e
fragas, proporcionam um elevado potencial hidrogrfico e um programa de irrigao
que comporta vastas propores nas extensssimas plancies de Angola (Gonzaga, 1969:
10
15). Angola possui um fraco aproveitamento hidroeltrico. Milhares de famlias nas
zonas rurais, encontram-se afastadas das redes eltricas e no possuem capacidades
financeiras para a sua instalao, no entanto, vivem perto de grandes quedas de gua
que podiam ser aproveitadas para gerar a sua prpria energia.
Clima
O clima de Angola afetado por uma diversidade de fatores entre os quais se
destaca a latitude (de 6 a 18), a orografia, a altitude e a corrente fria de Benguela
(MINUA, 2006: 19).
Tendo em conta a altitude, podem distinguir - se os diferentes tipos de clima:
Zona litoral - de 0 a 200 metros de altitude e profundidade
varivel de 50 a 150 km, de chuvas escassas e irregulares, caractersticas
desrticas e predomnio, com exceo dos vales dos rios perenes, de vegetao
xerfila. No norte desta zona o clima sub-hmido seco e semi-rido,
megtermico com temperaturas mdias de 25 a 26 C, humidade relativa de
80% a 85% e precipitao mdia anual entre 300 e 600 mm anuais. Ao Sul, o
clima rido, subdesrtico e desrtico, mesotrmico, com temperaturas mdias
do 18 aos 24 C, humidade relativa de 80% e precipitao anual inferior a
200mm (ob. cit.:22).
Zona montanhosa - Desde 200 metros at aresta do planalto, a
1 000 a 2 000 metros de altitude uma zona de formao de nevoeiros e de
abundantes chuvas, principalmente ao norte da linha de cumeada O-E, onde
esto localizadas as florestas higrfila e mesfila. A esta zona e de Norte para o
Sul, correspondem os seguintes climas: a Noroeste e Sudoeste do Uge o clima
sub-hmido, chuvoso e hmido, megtermico e mesotrmico, temperaturas
mdias de 23 a 27C, humidade relativa de 80% e quedas pluviomtricas de 900
a 1 300 mm anuais. Segue-se uma regio acompanhando a faixa litoral, que
apenas inflecte para interior prximo do Dondo, com um clima sub -hmido
seco, megtermico com temperaturas mdias de 23 a 26C, humidade entre 70
% a 80% e precipitao de 600 mm e 700 mm anuais. Ao Sul, para o interior de
Benguela e Namibe, o clima rido, subdesrtico e semirido, mega trmico,
com temperatura da ordem dos 23-24C, humidade de 60% a 80% e
pluviometria de 100 a 600 mm anuais (ob. cit.:23).
11
Zona planltica de 1 000 a 2 000 metros acima do nvel do
mar, encontram -se as florestas hidrfilas fluviais (florestas-galeria), florestas
mistas mesfilas-xerfilas, mato aberto xerfilo e mato rasteiro (de 0,5 metros
de altura) de subarbustos rizomatosos (chanas e anharas). Esta regio ocupa a
maior extenso territorial do pas e correspondem a climas hmidos,
megatrmicos e mesotrmicos, com precipitaes anuais que vo desde 1 000
mm a 1 400 mm (por vezes mais), variando a temperatura e a humidade com a
latitude: na regio Norte entre 21 a 24 C e nas regies Central e Sul de 18 a
22C; a humidade relativa a Norte de 70% a 80%, e nas regies Central e Sul de
60% a 70%, com decrscimo acentuado na poca seca (MINUA, 2006:23).
De uma forma geral, verifica-se em todo pas a existncia de duas
estaes:
Uma seca e fresca denominada Cacimbo que vai
desde Junho a fins de Setembro;
E outra, quente, a das Chuvas que decorre de
Outubro a meados de Maio. Por vezes, em determinadas regies,
a estao das chuvas dividida por um curto perodo de seca
conhecido por pequeno cacimbo que pode ocorrer de fins de
Dezembro a princpios de Fevereiro (ob. cit.: 24).
A temperatura mdia anual mais baixa de 15-20C e regista-se na zona
planltica e ao longo do deserto do Namibe. A temperatura mdia anual mais elevada
varia de 25 a 27 C e ocorre na regio da bacia do Congo e no filamento sub-litoral do
Norte do Pas (fig. 3).
12
Fig. 3: Distribuio das temperaturas
Fonte: FAO, 2005
Precipitaes
A mdia anual de precipitaes em Angola calculada como sendo 1014 mm,
mas apresenta grandes diferenas na sua distribuio espacial. Ao longo do litoral
Sudoeste, na regio do Namibe, a mdia anual de precipitaes a mais baixa girando
em torno de 50 mm por ano. A regio litoral tem uma crescente precipitao anual de
sul para norte, e das reas litorais para o interior. As regies montanhosas centrais
registam valores de aproximadamente 1300 1400 mm e as precipitaes mais
abundantes ocorrem no nordeste do pas, na provncia da Lunda-Norte, com cerca de
1600mm (Fig.4) (SwecoGroner, 2005:17). A escassez de precipitao na zona sudoeste
do pas causa elevados prejuzos socioeconmicos. Grande parte da populao nestas
regies vive da pecuria e da agricultura, a falta de precipitao origina a escassez do
13
gado e causa fome para os autctones; as populaes so obrigadas a migrar e muitas
vezes arrastam consigo crianas em idade escolar. Na poca colonial desenvolveram-se
programas que visavam o abastecimento de gua as populaes e ao seu gado na regio
Sudoeste de Angola.
Fig. 4: Distribuio da Pluviosidade
Fonte FAO, 2005
Hidrografia
Angola, possui uma extensa e complexa rede hidrogrfica. A hidrologia do pas
reflete as precipitaes, por isso, a origem dos principais recursos hdricos superficiais
de Angola encontra-se nos topos planlticos do Huambo, Bi e Moxico, escoando uma
parte para o Oceano Atlntico atravs dos rios (Zaire, Cuanza, e Cunene) e outra para o
Oceano ndico (rios Zambeze, Cuando e Cubango).
14
O planalto central2 percorrido por diversos sistemas fluviais que no sul drenam
em direo aos rios Cunene e Cubango e no leste correm em direo costa Oriental de
frica. Os terrenos em torno dos cursos de gua so hidromrficos e mais apropriados
para fins agrcolas. Os fundos dos vales tm desde h muito tempo suportado atividades
agrcolas em pequena escala, em particular durante a longa estao seca (6-7 meses). Ao
longo do litoral flui uma complexa rede de pequenos rios que so de grande importncia
para a agricultura de subsistncia das comunidades costeiras. Os cursos de gua so
sazonais (intermitentes), em particular no sul e sudeste do pas, dependem do volume de
precipitao na poca de chuvas. Pelo menos trs dos dez rios principais no tm acesso
direto perene ao mar e formam-se bancos de areia na foz de outros rios, caso do rio
Sembe (MINUA, 2006:172).
A rede hidrogrfica principal de Angola (Fig.5) permite verificar que:
Na grande linha de festo do centro do territrio, em
correspondncia com os topos planlticos do Huambo, Bi e Moxico, tm
origem os grandes rios de Angola, derivando para o norte tanto os rios da aba
atlntica (Queve, Longa, Cuanza e seus principais afluentes), como os da bacia
do Zaire (Cuango, Cuilo, Chicapa, Chiumbe, Cassai), para E - SE, os tributrios
do Zambeze (Luena, Lungu -Bungo, Cuando), para o Sul, o Cubango e Cunene
e respetivos afluentes e diretamente para o Atlntico, do lado Oeste, o
Catumbela (Diniz, 1991 a: 21);
Todos os rios principais da aba atlntica, com origem no interior
planltico so de caudal permanente, desde o M'Bridge at ao Catumbela e
depois, no limite meridional, tambm o Cunene. Desde o Cavaco at ao Curoca,
apesar de envolverem bacias hidrogrficas relativamente importantes so de
regime temporrio, em geral somente com caudal superficial nos meses de
Maro e Abril (ob. cit.: 21).
2 O Planalto Central de Angola um planalto que ocupa grande parte da regio central de Angola. A sua
altitude varia entre os 1520 e os 1830 metros. Vrios rios tm a sua origem neste planalto.
15
Fig. 5: Rede Hidrogrfica Principal
Fonte: Diniz, 1991.
Portanto, em toda extenso do territrio existem cursos de guas superficiais,
contudo, registam-se algumas assimetrias destacando-se a regio Sudoeste onde a
escassez de precipitaes faz com que a maior parte dos rios seja de regime temporrio.
Isto obriga existncia de infraestruturas hdricas de modo a armazenar gua suficiente
para satisfazer as necessidades da populao em pocas de seca.
O rio Cuanza o maior rio exclusivamente angolano, e pode considerar-se o
condutor das guas do corao de Angola. Nasce em Mumbu, municpio do Chitembo,
provncia do Bi, no Planalto Central, o seu curso de 960 km inicia um trajeto de sul
16
para norte infletindo para oeste antes de desaguar no Oceano Atlntico, na Barra do
Cuanza, a sul de Luanda.
O rio Cuanza foi bero do antigo Reino do Ndongo, tendo sido tambm uma das
vias da penetrao portuguesa. O rio d o seu nome a duas provncias de Angola
Cuanza-Norte, na sua margem norte, e Cuanza-Sul, na sua margem oposta, bem como,
desde 1977, unidade monetria nacional, o Cuanza.
A gua para abastecer a cidade capital de Angola Luanda proveniente do
rio Cuanza.
O rio Zaire e Zambeze so dois dos cursos de gua mais importantes do
continente africano. Estes rios internacionais localizam - se em zonas onde o nvel de
precipitao varia entre os 400 a 1200 mm e os seus caudais dependem, em mais de
50%, da precipitao gerada nos pases a montante. Estes dois rios constituem as
principais bacias hidrogrficas de Angola (MINUA, 2006: 172).
O rio Cunene e Cubango so rios internacionais de Angola. O rio Cunene o
nico curso de gua perene que corre ao longo da fronteira entre Angola e a Nambia. O
rio Cubango, com o tributo do Cuto, origina o delta de Okavango a sudoeste de
Angola, no Botswana - de extrema importncia econmica e ecolgica (ob. cit.: 172).
Em Angola, existem 77 bacias hidrogrficas, das quais, 47 so consideradas
principais ou importantes, cujas reas de drenagem variam entre os 254 km e 290.000
km, com exceo dos rios Zaire ou Congo, Zambeze e Chiluango todos os demais tm
a sua nascente em Angola. As outras 30 bacias so consideradas litorais de pequenas
vertentes, nas quais em princpio no vivel efetuar qualquer tipo de aproveitamento
hidrulico. Existem poucas informaes acerca das bacias hidrogrficas situadas no
litoral.
As bacias hidrogrficas do pas esto direcionadas para cinco vertentes (fig.6): a
vertente para o oceano Atlntico com uma rea de afluncia de 41 % da superfcie do
pas, a vertente do Zaire ou Congo com 22%, a vertente do Zambeze com 18%, a
vertente do Okavango com 12 % da superfcie global e a vertente do Ethosa com uma
rea de 4%.
17
Fig. 6: Principais reas de Drenagem de Angola
Fonte: Sweco Groner, 2005
Portanto, evidente que a maioria dos rios angolanos escoam para o oceano
Atlntico, ou para o Rio Congo, no entanto, os rios localizados na regio sudeste do pas
escoam para os pntanos do Okavango Botswana.
Castanheira Diniz (1991a), em sua obra Angola o Meios Fsico e
Potencialidades Agrrias, apresenta um mapa em que descreve as bacias hidrogrficas
dos rios principais do territrio, ou conjunto de bacias hidrogrficas (fig.7):
18
Fig. 7: Bacias Hidrogrficas
Fonte: Diniz, 1991
A bacia hidrogrfica do Cuanza uma das mais importantes bacias de Angola e
apresenta um vasto potencial hidroagrcola que compreende parte dos territrios do
Cuanza-Norte, Cuanza-Sul e Bi e uma grande parte da provncia de Malange (Cruz,
1940: 56). Esta bacia tem a particularidade de estar integralmente confinada dentro dos
limites territoriais do pas, ocupando uma posio privilegiada em relao a todo
territorial, pela sua localizao bem centralizada (Diniz, 2002 b).
19
As barragens de Cambambe e Capanda que produzem a maior parte da energia
eltrica consumida em Luanda esto localizadas na bacia hidrogrfica do Rio Cuanza. A
bacia hidrogrfica do Cuanza, para alm da sua posio central no territrio angolano,
constitui um inestimvel valor estratgico no abastecimento a Luanda no s de energia
mas tambm de gua e produtos agrcolas.
Em relao a quantidade de lagos e lagoas em Angola, eles so pouco
numerosos, cobrem extenses de terreno relativamente pequenas (Ministrio de
Energias e guas de Angola, 2004a:s/p).
Recursos Hdricos Subterrneos
As guas subterrneas so um recurso natural imprescindvel para a vida e
integridade dos ecossistemas, representado mais de 95% das reservas de gua doce
explorveis do globo. A gua subterrnea resulta da precipitao e da alimentao direta
dos rios e lagos.
Em Angola os recursos hdricos subterrneos encontram-se nos aquferos do
litoral: que tm uma profundidade mdia entre 5 a 30 metros, da regio do planalto
central cuja profundidade mdia varia entre 10 a 30 metros, das zonas semiridas
(Cunene) com profundidades da ordem dos 200 metros ou mais (MINUA, 2006).
I.2. Abastecimento de gua e saneamento antes da independncia
A gesto dos recursos hdricos em Angola, comeou a fazer-se sentir nos
primrdios do ano 1950. Nessa altura a potncia colonizadora Portugal decidiu que o
desenvolvimento do pas dependia da existncia de gua e energia eltrica. Para tal as
disponibilizar seria necessrio a construo de empreendimentos hidrulicos, precedidos
dos respetivos estudos hidrolgicos baseados na inventariao do potencial hdrico dos
cursos de gua a utilizar (Mendes, 2004).
Em 1947, foram realizados os primeiros estudos hidrogeolgicos na Repblica
de Angola que tinham como objetivo de abastecimento de gua na regio do baixo
Cunene. Mais tarde, estes estudos foram estendidos para outras regies do pas onde as
carncias no abastecimento de gua se faziam sentir com maior incidncia.
As observaes hidromtricas tiveram incio em 1951, de modo incipiente,
passando em 1967 por uma organizao sistemtica e em 1975 existia uma rede com
20
cerca de 200 estaes hidromtricas para a observaes de dados hidromtricos em todo
pas e cuja cobertura era de 2/3 do territrio angolano, mais precisamente nas regies do
Centro e Sul do pas (Mendes, 2004).
Embora o nmero de estaes no fosse o desejado, os dados observados nessas
estaes permitiram o incio da inventariao de grande parte das bacias hidrogrficas
importantes que serviram para a elaborao do plano de aproveitamento hidrulico,
nomeadamente das bacias do Cuanza, Cunene, Catumbela, Queve, etc.
Entre os anos 19752002, as 200 estaes anteriormente instaladas, praticamente
deixaram de funcionar devido a situaes de insegurana que se viveram nesse perodo.
Em Angola, as instituies necessrias coordenao do sector das guas foram criadas
no perodo entre os anos 40 e 50 do sculo XX, a sua gesto no era coordenada por um
rgo central, estava dispersa por vrios organismos estatais (Van Dnem, 2003: 190).
A explorao e funcionamento dos sistemas de abastecimento de guas s
capitais de distrito (designao dada no perodo colonial atual provncia), cidades e
outros centros urbanos eram da competncia das respetivas Cmaras Municipais. A
nica exceo era a cidade de Luanda, que tinha um servio autnomo municipalizado
(Servio Municipalizado de gua e Eletricidade SMAE), os projetos relacionados ao
sector de guas eram aprovados pela Direo dos Servios de Obras Pblicas (ob. cit.:
190).
Neste captulo merecer destaque o abastecimento de gua Nas provncias
situadas na regio Sul e Sudoeste de Angola, porque estas foram grandes centros da
ocupao portuguesa, como tal, existe mais informaes acerca das mesmas e tambm
por serem regies afetadas pela escassez de gua.
No que se refere a ocupao portuguesa, convm ressaltar que Angola foi
descoberta pelos portugueses no sculo XV, no entanto, neste perodo a ocupao do
territrio era diminuta. Na fase inicial da colonizao, a poltica portuguesa na frica
meridional no visou nem a conquista, nem o povoamento europeu do territrio.
Tomaram-se posies no litoral, como Luanda, Benguela, Cabinda e outras feitorias
comerciais nem sempre bem defendidas.
A aplicao de medidas de colonizao no litoral, a ocupao do interior e a
valorizao das terras angolanas com obras de fomento, ou seja, o povoamento europeu
comea a esboar-se depois da perda do Brasil (1822) e do fim da escravatura, por volta
21
de 1840, data do estabelecimento do primeiro ncleo de colonos na regio de
Moamedes (atual Provncia do Namibe). Em 1845, comea-se a colonizao do
planalto da Hula (Amaral, 1960 a: 16).
No sculo XX, mais precisamente em 1928, concebe-se um grande projeto de
colonizao de Angola, todavia abandonado por causa da recesso econmica por que
Portugal e o mundo Ocidental passavam na altura (ob. cit.: 20). Em 1935, a Companhia
de Ferro de Benguela autorizada a colonizar as terras ao longo da via-frrea.
Finalmente, no ano 1960 processavam-se a bom ritmo os colonatos da Cela (no centro
do pas), com cerca de 2 400 indivduos e da Matala (Cunene) para uma populao de
5000 indivduos (ob. cit.: 20). Os portugueses preferiam habitar nas regies planlticas
do centro e sul de Angola, porque a altitude suavizava os rigores do clima tropical.
I.2.1. Abastecimento e Saneamento de guas na regio Sul e Sudoeste
No perodo colonial o abastecimento de gua zona sul de Angola (inclui as
provncias do Namibe, Hula e Cunene) era feito e continua a partir de guas
subterrneas, estando a sua pesquisa e captao a cargo dos Servios de Geologia e
Minas, enquanto para o resto do pas era utilizada a gua de origem superficial (Van
Dnem, 2003:191).
O governo colonial portugus reconhecia que a falta de gua no interior de
Angola constitua um grande entrave para o crescimento econmico e tinha grande
influncia na qualidade de vida nas populaes dessa regio.
Arajo (1964) escreve: . Quem conhecer o interior de Angola sabe
perfeitamente que a maioria das ditas aldeias luta com grande dificuldade de gua,
sobretudo na poca seca (o que dificulta a higiene do corpo e da alimentao), alm de
que, normalmente, as mulheres e as crianas so obrigadas, a diariamente, ir busca-la,
em quantidades muito irrisrias e servindo-se das vasilhas mais primitivas, a cacimbas
ou riachos, por vezes muito distantes, o que as obriga a um desperdcio de tempo e de
trabalho que poderiam ser empregues em ocupaes mais produtivas
Para se resolver este problema, o governo colonial propunha a abertura de
pequenos poos, na rea das aldeias, prximo das encostas e em zonas no
conspurcadas pelo escoamento dos detritos de tais aglomerados.
22
Arajo (1964) descreve como deveriam ser construdos os poos; de acordo com
o mesmo, eles deveriam ser mais ou menos profundos, de harmonia com as
caractersticas geolgicas de cada regio, devero ter um dimetro pequeno (entre 1,5 m
e 2m) e no de propores exageradas porque acarretaria um trabalho maior a quando
da sua abertura. Sempre que possvel, orientava-se para que o revestimento interior dos
poos fosse de pedra e tal parede interna, deveria na superfcie do terreno, elevar-se de
cerca de 70 cm a 1 m, a fim de constituir uma proteo adequada. Estas obras deveriam
ser realizadas na poca seca. Para a elevao da gua, propunha-se a aplicao de uma
roldana e de um balde dos vulgarmente usados, como embalagens dos leos
lubrificantes. Junto aos poos deveriam ser construdos um pequeno bebedouro para o
gado e um ou mais pequenos tanques para a lavagem de roupa (Arajo, 1964: 170).
De meados de 1948 at ao final de 1974, foram levados a cabo, a expensas do
Estado, nas regies ridas e semiridas do Sul, Sudoeste e Oeste (faixa litoral) de
Angola, importantes aes no sentido de abastecer de gua, as populaes e os
considerveis efetivos pecurios, dispersos por uma rea que abrangia as provncias do
Cuanza Sul, Benguela, Namibe (ex- Momedes) e Cunene (Gouveia, et al. 1993:124).
Assim, como descrito por Van Dnem (2003), pretendia-se alcanar os
objetivos supracitados atravs da captao de guas subterrneas, inicialmente os
trabalhos estiveram a cargo dos Servios de Geologia e Minas; no entanto, tambm
houve o aproveitamento de guas superficiais (Gouveia, et al. 1993:124).
No incio da dcada de 60 do sculo passado foi criada, na Hula a Brigada das
Chimpacas3, para a construo de pequenas obras de reteno de guas superficiais
depsitos escavados (chimpacas) e audes. Os meios que a brigada dispunha eram
bastante escassos, as escavaes eram feitas diretamente pelos respetivos interessados e
as suas dimenses eram, naturalmente, reduzidas (Gouveia, et al. 1993:124). A
utilizao das Chimpacas adaptava-se perfeitamente s condies da regio, por isso a
ideia foi aproveitada, e com a utilizao de meios adequados, foram constitudos
depsitos escavados com a capacidade de armazenamento de dezenas de milhares de
metros cbicos de gua (ob. cit.:107). Verificou-se que tais obras para alm de
satisfazerem as necessidades de gua das populaes, instaladas na sua vizinhana, e do
respetivo gado, podiam suplementarmente fornecer, durante a poca de chuvas,
3Chimpaca um termo herdado do dialeto Cuanhama, onde este tipo de dispositivo de reteno de gua
era tradicionalmente usado: tratava-se de escavao praticada em terreno argiloso, impermevel que,
enchendo na poca das cheias, mantinha armazenada uma certa quantidade de gua para a utilizao na
poca seca.
23
quantidades relativamente apreciveis de peixe. Este, arrastado pelas cheias, na altura
do enchimento, multiplicava-se nas chimpacas (ob. cit.:107).
A Brigada das Chimpacas utilizada para o aproveitamento de guas superficiais
atuava somente na provncia da Hula enquanto a Brigada de Sondagens dos Servios de
Geologia e Minas, organismo criado para a captao de guas subterrneas, desenvolvia
trabalhos em diversas regies. Em ambos casos, os trabalhos que executavam no eram
precedidos de estudos prvios suficientes nem devidamente concertados e coordenados,
o que se refletia negativamente nos resultados obtidos (Gouveia, et al. 1993:125).
Para resolver o problema acima explanado, foi criado o Plano de Coordenao
para o Abastecimento de gua s regies Pastoris do Sul de Angola. O plano foi criado
atravs do despacho de 2 de Maio de 1963, publicado no Boletim Oficial, 1 serie, n.19
de 11 de Maio do referido ano (ob. cit.:107). O plano tinha como atribuies a
realizao de todos os trabalhos de prospeo, pesquisa e captao de guas em curso
ou a efetuar.que se destinem ao abastecimento de pequenos ncleos populacionais ou
a abeberamento de gado (ob. cit.:125). Para realizao de suas atribuies recorria
tanto captao de guas subterrneas como construo de dispositivos de reteno de
guas superficiais (Gouveia, et al. 1993:125).
Os resultados obtidos nas regies da Hula, Cunene e de Momedes (atual
provncia de Namibe) e a necessidade de resoluo de problemas idnticos, em
determinadas zonas das regies de Benguela e do Cuanza Sul, levaram os respetivos
Governos a solicitarem o alargamento da rea de interveno do Plano de Coordenao
s zonas mais carecidas de gua naqueles distritos. Como resultado das aes levadas a
cabo, foi instalada uma importante rede de pontos de gua 1016 captaes de guas
subterrneas e 323 dispositivos de reteno de guas superficiais. As primeiras com um
caudal horrio aproveitado de 6 534 770 litros e as segundas com uma capacidade de
armazenamento de 12 991 770 metros cbicos (ob. cit.: 126).
O aparecimento de gua em regies anteriormente dela desprovida originou
algumas alteraes importantes em tais regies: diminuiu o nomadismo, pela fixao
das populaes e do respetivo gado nas proximidades dos pontos de gua, diminuiu as
enormes mortandades de gado sobretudo no Sul, onde havia situaes de seca e a
concentrao de gado era mais elevada. Outra alterao importante, foi a diminuio
dos riscos de eroso e desertificao por causa da utilizao dos pastos e pisoteamento
j que, por um lado a implantao dos pontos de gua levava em conta, entre outros
parmetros, os efetivos pecurios e por outro lado o aumento do nmero de pontos de
24
abeberamento conduziu, naturalmente, disperso das manadas (Gouveia, et al. 1993:
126).
Apesar do enorme esforo levado a cabo e dos benefcios alcanados, o
problema do abastecimento de guas nas regies ridas e semiridas do Sul, Sudoeste
de Angola no ficou resolvido, ainda era necessrio construir cerca de 2300 pontos de
gua (ob. cit.: 126).
A luta pela independncia e a guerra civil devem ter agravado o problema de
abastecimento de gua as regies Sul, Sudoeste de Angola. No entanto, os estudos feitos
na poca colonial podem ser aproveitados para que se retomem os trabalhos efetuados.
Nas dcadas de 60 e 70, foram feitas muitas cartas topogrficas, cartas geolgicas,
cartas fitogrficas, cartas pedolgicas, etc., que podem ser aproveitadas atualmente,
pois, durante muito tempo, efetuaram-se poucos estudos nesse sentido; no se pode
conceber o desenvolvimento socioeconmico de um pas sem ter em conta as
potencialidades de seu territrio. Outro aspeto a se ter em conta, que as solues
adotadas pelas autoridades coloniais de baixo custo e adaptadas as caractersticas
socioculturais das populaes, se mostraram eficazes; esse um exemplo vlido at aos
dias de hoje.
importante referir que o abastecimento de gua as populaes do interior
contribuiu para a fixao da populao; um dos problemas atuais com que se depara o
pas o acelerado crescimento urbano, sobretudo na cidade capital Luanda. O
acelerado crescimento urbano causa um impacto negativo sobre os equipamentos
sociais. A pobreza em Angola elevada no meio rural, portanto, se no se criam
condies nessas regies as cidades no iro parar de crescer e quanto mais elas
crescerem mais dificilmente se satisfaro as necessidades da populao em gua,
saneamento, cuidados mdicos, entre outras.
Em relao ao saneamento bsico, este sempre representou um problema para a
administrao colonial. Os problemas de saneamento surgiram devido ao clima quente,
chuvadas de forte intensidade e elevada humidade atmosfrica; tais problemas
verificavam - se nos maiores aglomerados urbanos, nomeadamente em Luanda, onde o
desenvolvimento se processou mais rapidamente.
25
I.3. Evoluo do sistema institucional e o acesso gua potvel
Aps a independncia, o sector de abastecimento de gua passou por vrias
tutelas. O Ministrio da Construo e Habitao (MCH) foi a primeira instituio criada
no perodo ps-independncia; este organismo tinha a responsabilidade de efetuar obras
de reabilitao, tendo em conta a destruio, como sequela da confrontao da poca.
Com efeito, foram criados em 1976, a Direo Nacional de Obras de Engenharia, a qual
tutelava o Departamento Nacional de gua e Saneamento (DNAS), que tratava das
questes ligadas aos sistemas de abastecimento de gua e saneamento, e o
Departamento Nacional de Hidrulica (DNH), que se ocupava da promoo das obras
hidrulicas e da planificao e gesto dos recursos hdricos (Van-Dnem, 2003:191).
A Empresa Nacional de guas e Saneamento (ENAS) foi criada em 1978 sob a
tutela do MCH, com a responsabilidade de gerir, a nvel nacional, os sistemas de
abastecimento de gua e saneamento urbanos, transitando, posteriormente, com suas
filiais para o Ministrio da Coordenao Provincial, mantendo a mesma funo (Van-
Dnem, 2003:191). O DNAS foi extinto em 1979 e foi criada a Empresa Tecno-projeto
que, sob orientao do MCH, passou a ocupar-se dos estudos e projetos, enquanto o
acompanhamento e controle transitou para o DNH, que tomou a designao de
Departamento de gua. Nesse mesmo ano foi criada a empresa Hidromina, vocacionada
para a captao de guas subterrneas e tutelada pelo Ministrio da Industria (ob.
cit.:192).
Em 1981, foi criado o Ncleo de guas Subterrneas (NAS) que tinha como
principal objetivo o abastecimento de gua subterrnea e saneamento rural. A Lei n.
13/86, de 15 de Novembro criou a Secretria de Estado de Urbanismo, Habitao e
guas (SEUHA), conferiu a esta poderes para tratar das questes relacionadas com a
problemtica dos recursos hdricos, em geral, e do abastecimento de guas s
populaes, em particular. Em 1987, a ENAS que apesar do seu mbito nacional,
funcionou somente ao nvel da Provncia de Luanda, foi institucionalizada com empresa
provincial. A gesto dos sistemas de gua que nessa altura era da responsabilidade do
Secretariado do Conselho de Ministros, passou para a dependncia dos Governos
Provinciais que, beneficiando da poltica de descentralizao, poderiam cada um criar a
sua empresa (ob. cit.:192).
A Lei n.2/91 de 23 de Fevereiro criou a Secretria de Estado de Energia e
guas (SEEA), como rgo responsvel pelo desenvolvimento da poltica, planificao,
26
coordenao, superviso e controle dos recursos hdricos nacionais. Em 1997, foi criado
o Ministrio da Energia e guas, substituindo a SEEA (ob. cit.:192).
Desde 1997 at aos dias de hoje, o setor de guas tutelado pelo Ministrio de
Energia e guas (MEA), este rgo do Governo responsvel pelo desenvolvimento da
respetiva poltica e pela planificao, coordenao, superviso e controlo das atividades
de desenvolvimento dos recursos hdricos e abastecimento de gua potvel s
populaes, atividades consideradas atualmente como reserva relativa do Estado.
De fato, foram efetuadas vrias mudanas de tutela no setor de abastecimento de
guas (fig. 8). Verifica-se que o setor de saneamento, inicialmente integrado com o
abastecimento de gua no MCH, ficou a partir de certa altura, sem uma definio clara
da sua tutela. Estas alteraes orgnicas, no foram acompanhadas de uma definio
jurdico-institucional e organizativa que estabelecesse o papel dos Governos
Provinciais, da SEEA e demais organismos que intervm neste processo, nem com
mecanismos e formas de coordenao intersectorial.
Fig. 8: Evoluo do Sistema Institucional do Sector de Abastecimento de gua
MCH
(1975)
SEUHA
(1981)
SEEA
(1991)
MEA
(1997)
DNOE ENAS
DNAS TECNO
PROJECTO
ENAS SCM
27
Na dcada de 90, os principais constrangimentos institucionais e orgnicos
enfrentados no sector eram a ausncia de: um Programa Nacional para a Gesto dos
Recursos Hdricos; Planos Diretores para o Abastecimento de gua e Saneamento,
das principais cidades; Normas, Regulamentos e Cdigo das guas; Estruturas e
organismos vocacionados, especificamente para a gesto do setor, tanto de carcter
estatal como privado (Institutos, Sociedades distribuidoras e/ou exploradoras)
(Tavara et. al, 1994).
Alguns dos constrangimentos institucionais e orgnicos verificados neste perodo
foram ultrapassados.
Atualmente, a autoridade e a administrao da poltica sobre a gua e o
saneamento bsico esto reguladas em diversos diplomas. A legislao ordinria
composta por um conjunto de diplomas de que ressalta a Lei das guas (Lei n 6/02, de
Junho). Um aspeto basilar desta lei est consagrado no quinto artigo: as guas enquanto
recurso natural so propriedade do Estado e constituem parte do domnio pblico
hdrico, sendo um direito inalienvel e imprescritvel. O alcance poltico e social deste
princpio ganha contornos mais precisos no captulo referente Utilizao Geral da
gua, nomeadamente com a Classificao de Usos (artigo 22) em usos privativos e
comuns. Os usos comuns so gratuitos e livres quando visam satisfazer as
necessidades domsticas, pessoais e familiares (), incluindo abeberamento e rega ()
desde que os mesmos no sejam para fins comerciais (artigo 23). No que se refere aos
usos privativos esses podem ser usados mediante concesso (artigo 24) e so sempre
preteridos quando pem em causa usos comuns, uma vez que o abastecimento de gua
populao, para consumo humano e satisfao das necessidades sanitrias, tem
prioridade sobre os demais usos privativos (artigo33) (Pereira, 2008:61). A referida lei
consagrou a bacia hidrogrfica como unidade principal de planeamento e de gesto. A
participao dos utilizadores, a obrigatoriedade da coordenao intersectorial expressa
na necessidade de assegurar a compatibilizao da poltica da gesto da gua com a
poltica geral do ordenamento do territrio e poltica ambiental (artigo 9) e o respeito
por obrigaes resultantes de princpios internacionais, so tidos como pressupostos
fundamentais do tipo de gesto preconizado para os recursos hdricos (ob. cit.:61). A
abordagem feita da gesto dos recursos hdricos prev a existncia de regime de taxas e
tarifas aplicadas aos usos privativos da gua (ver figura 9).
28
Fig.9: Princpios fundamentais consagrados na Lei de guas
O grande handicap da Lei de guas a ausncia de regulamentao para reger
as atividades ligadas ao abastecimento pblico de gua e saneamento, abastecimento
ambulante de gua, atribuio de licenas e concesses para o aproveitamento dos
recursos hdricos, qualidade da gua, ao controlo da poluio. Apesar deste
handicap, a criao da Lei de guas constituiu um passo marcante porque adotou
como modelo a gesto integrada dos recursos hdricos. Nos ltimos anos, vem
ganhando terreno com modelo de gesto no seio da comunidade internacional. De uma
forma geral, a gesto integrada da gua tem sido definida como um processo que
favorece o desenvolvimento e a gesto coordenados da gua, solo e outros recursos
relacionados, e tem em vista maximizar de forma equitativa, o bem-estar econmico e
Gesto integrada por Bacia
Hidrogrfica
Consagrada como
Unidade de
Gesto dos
Recursos Hdricos
Gesto Integrada
dos Recursos
Hdricos
Define a gua
como bem social,
renovvel, e com
valor econmico
limitado
Coordenao institucional e participao das comunidades
Recuperao de
custos
29
social, sem, contudo comprometer a sustentabilidade dos ecossistemas vitais (Cunha,
2002a:37). Cabe aos governos gerirem os recursos hdricos de forma integrada e
sustentada, esta gesto dever processar-se no mbito das bacias hidrogrficas, o que
requer a existncia de um plano de bacia. Em Angola, notria a ausncia de um
conjunto de instituies para a gesto das mesmas e para o desenvolvimento de planos
de bacia. Este fato, contribui para que hajam as dificuldades de acesso gua que sero
abordadas no tema subsequente.
No que se refere a instituies do domnio dos recursos hdricos, ao nvel de
bacias hidrogrficas apenas a do Cunene, possui uma instituio formalmente
constituda, o Gabinete para a Administrao da Bacia Hidrogrfica do Cunene
(GABHIC), o qual foi assumindo, ao longo dos tempos a responsabilidade pela bacia do
Cubango, em especial no que se refere a compromissos internacionais (MINEA,2004
a:s/p). Portanto, das 47 bacias hidrogrficas tidas como importantes para o
desenvolvimento socioeconmico do pas somente 2 delas possuem um organismo
vocacionado para sua gesto. curioso verificar que at mesmo a bacia do Cuanza, que
como foi relatado anteriormente, uma das mais relevantes para o pas, no possui uma
instituio para sua gesto. Esse fato evidencia a carncia de instituies e leva a
questionar a viabilidade do modelo de gesto integrada dos recursos hdricos em Angola
(o caminho a percorrer longo).
No entanto, prev-se ultrapassar este constrangimento pois o Ministrio da
Energia e guas pretende elaborar 22 planos diretores para a utilizao das bacias
hidrogrficas do pas no perodo entre 2011 20164.
Em termos de Administrao Pblica, a responsabilidade de garantir o acesso
das populaes gua e ao saneamento bsico, at recentemente, era dos governos
provinciais (a exceo de Luanda). A atual orientao poltica a de fazer a gesto
integrada da gua e do saneamento.
Conclui-se que a nvel institucional, Angola, registou alguns progressos no que
se refere a legislao e administrao; no entanto, verificam-se alguns constrangimentos
como a falta de regulamentos para operacionalizao da Lei das guas.
4 Jornal de Angola de 20 de Novembro de 2010.
30
I.4. Abastecimento de gua e saneamento bsico depois da independncia
I.4.1. Abastecimento de gua
O potencial hdrico de Angola (apesar das assimetrias regionais) suficiente
para cobrir as necessidades da sua atual populao, satisfazer a procura no domnio
da agricultura, promover o desenvolvimento de sistemas hidroeltricos e satisfazer o
desenvolvimento de todo territrio nacional. Apesar, deste fato, os atuais servios de
gua e saneamento bsico no satisfazem a totalidade da populao angolana quer
em termos de cobertura quer em termos de qualidade.
O servio de abastecimento de gua experimentou, aps a independncia,
uma evoluo negativa, evidente pelos indicadores do quadro 1.
Quadro 1
Taxas de cobertura de abastecimento de gua nas zonas urbanas e rurais
(%)
Servios 1980 1990 1995
Zonas urbanas 85 75 60
Zonas rurais 10 20 20
Fonte: DW, 1997
Em 1996, a taxa de cobertura da populao (estimada em 10 milhes de
habitantes) com gua potvel era de 30%. Esses valores eram baixos porque o pas
enfrentava uma guerra civil, de modo que no havia condies para fazer face as
necessidades de reabilitao, ampliao, operao e manuteno dos sistemas (DW,
1997:2).
O Quadro 1 permite verificar uma situao que existia mais de uma dcada
atrs e sabemos que persiste at aos dias de hoje, que a grande diferena entre a
situao de abastecimento de gua potvel entre o meio urbano e o meio rural. Isto
porque, os investimentos feitos no domnio de gua so muito inferiores no meio rural.
No meio urbano, os sistemas de abastecimento de gua neste contexto eram e continuam
bastante precrios com grande incidncia na rea da distribuio.
Desde a independncia, o meio urbano tem crescido desmesuradamente. A
deflagrao da guerra civil logo aps a independncia teve como consequncia a
31
instabilidade nas zonas rurais, que originou a migrao para as capitais de provncia e
outras cidades e vilas do litoral de elevado nmero de deslocados. Angola, em pouco
tempo, transformou-se num pas predominantemente urbano, em que 60% da populao
passou a viver nas principais localidades, nomeadamente nas capitais provinciais
(Pestana, 2011:26). Apesar do aumento rpido da populao dos centros urbanos, as
infraestruturas e os equipamentos no acompanharam a forte demanda de acesso gua
e ao saneamento bsico que isso representou. Pelo contrrio, sofreram uma maior e
rpida degradao.
importante realar que mesmo antes da independncia, na dcada de 70,
algumas cidades j haviam experimentado um elevado crescimento populacional, como
o caso de Luanda, Huambo, Lobito, Benguela, Lubango (ex - S da Bandeira),
Malanje, Saurimo (ex Henrique de Carvalho)5. Em virtude deste crescimento, os
equipamentos sociais j apresentavam profundas e graves deficincias (Rela, 1992:
153).
Depois da Dipanda (independncia) houve uma degradao progressiva de tais
servios que teve reflexos negativos no estado de sade das populaes, nomeadamente
na propagao de endemias e sobretudo nos altos ndices de doenas e mortalidade
infantis, para alm de debilitar ainda mais os j, por si, fracos oramentos.
Segundo Tavara et al. (1994: 5) em 1991, a Direo Nacional de guas (DNA),
realizou um estudo sobre o estado de conservao dos vrios sistemas urbanos de
abastecimento de gua, e concluiu que os principais constrangimentos do sector eram os
seguintes:
Sistemas, em geral, precrios, deficitrios por estarem
saturadas as suas capacidades;
Instalaes com tecnologias e equipamentos obsoletos;
Manuteno deficiente ou praticamente inexistente;
Perdas, consideravelmente elevadas, nas redes de
distribuio, reduzindo de modo drstico a oferta de gua;
5 De acordo com o IV Plano de Fomento (1972), em 1940, a populao total urbana de Angola era de
128. 568 mil habitantes, em 1970 j haviam 847.182 mil pessoas a viver nas principais cidades da ento
provncia de Angola. Segundo o documento acima referido, em 1970 a populao total de Angola era de
5. 673 mil habitantes. Portanto, verifica se, que naquela poca j havia uma tendncia generalizada de crescimento populacional nas grandes cidades, com a guerra civil este crescimento tomou propores
alarmantes.
32
Inexistncia de tratamento na maior parte dos sistemas, em
alguns, efetuava-se apenas a desinfeo por cloro;
Nmero reduzido de ligaes rede, servindo uma
pequena parte da populao;
Inexistncia de uma poltica de recuperao de custos e
consequente total de dependncia financeira do Oramento Geral do
Estado (OGE).
Outra caracterstica do sector de abastecimento e saneamento de guas no meio
urbano, que no foi mencionada no estudo supracitado, era a falta de recursos humanos
qualificados para a sua manuteno e explorao.
Uma caracterstica do sistema colonial portugus, que teve consequncias de
grande alcance na governao do perodo ps-independncia, foi o fato de todas as
instituies modernas serem geridas, esmagadoramente, por portugueses aos nveis
tcnico e de gesto. No foi desenvolvida nenhuma tentativa clara para formar e
promover os africanos com vista a ocuparem posies cimeiras, o que refletia em parte
o ritmo lento de desenvolvimento do sistema educativo no perodo colonial portugus.
No incio dos anos 70, 85% dos angolanos eram analfabetos e eram muito poucos os
que possuam escolaridade a nvel secundrio. Em 1963, foi criada uma universidade
mas, 10 anos depois, 73% dos seus estudantes no eram angolanos. Quando o imprio
portugus se desintegrou, subitamente, no espao de apenas um ano e meio que se
seguiu Revoluo de Abril, a maior parte dos colonos de Angola regressou a Portugal,
o que afetou todos os sectores da economia e enfraqueceu a maior parte das instituies
dependentes dos gestores, tcnicos e trabalhadores especializados portugueses,
incluindo, em particular, a Administrao Pblica (Hodges, 2002: 75). A situao acima
descrita atingiu o sector de abastecimento e saneamento que era caracterizado por uma
falta generalizada de quadros a todos os nveis para sua manuteno e explorao,
aliado a este facto, estava a escassez de quadros de direo dos rgos centrais e
provinciais dos respetivos organismos reitores, o que impossibilitou o exerccio de uma
tutela mais eficiente e o desenvolvimento institucional do sector (ver Quadro 2) (Tavara
et al., 1994: 6).
33
Quadro 2
Recursos Humanos do Setor de abastecimento e saneamento de gua (1994)
Categoria Luanda
%
Benguela
%
Lobito
%
Lubango
%
Sumbe
%
Namibe
%
Cabind
a
%
Tcnicos
superiores
2 1 0 1 0 0 1
Tcnicos mdios 3 2 1 2 0 0 3
Pessoal
administrativo
25 45 58 4 54 54 15
Operrios
qualificados
20 35 30 40 36 36 4
Operrios no
qualificados
50 16 11 53 8 8 77
Fonte: Tavara et.al, 1994. Adaptado.
O quadro 2 ilustra o atraso do sector em termos de quadros tcnicos a nvel
superior e mdio, bem como de operrios qualificados e a desproporo entre as
diferentes categorias; a situao das demais cidades no referidas, era ainda pior.
Observa-se, tambm, que o pessoal administrativo e de direo era constitudo por
pessoas com graus de escolaridade dspares, sendo, na maioria dos casos de nvel bsico
e acontecia o mesmo em relao aos operrios, onde, os considerados como
qualificados, tinham na verdade uma qualificao apenas bsica (Tavara et al., 1994:6).
Portanto, muitos anos de guerra civil em Angola deixaram as infraestruturas
locais e nacionais em runas; em 2004 (dois anos aps o fim da guerra civil) as taxas de
cobertura de acesso gua potvel no meio urbano eram de 71%, dos quais apenas 34%
tinha acesso a gua com os padres mnimos considerados para o meio urbano,
nomeadamente 70 litros por habitante por dia (Ministrio de Energia e guas, 2004a:
s/p). O fato de a taxa de cobertura de acesso gua ser elevada, no quer dizer que as
pessoas tm acesso a gua canalizada para casa, mas sim que a obtm de uma fonte ou
torneira pblica. De acordo com o Banco Mundial (2005), apenas 16% da populao
34
dos centros urbanos possua ligaes canalizadas nos seus lares, a maioria era
dependente dos chafarizes, bicas e sistemas de camies cisterna (ob. cit.:72). Verifica-
se, que as pessoas obtm gua a partir de uma grande diversidade de prestadores de
servio.
Em 2011, em entrevista ao Jornal de Angola, o Secretrio de Estado das guas,
Lus Filipe, disse o seguinte acerca do acesso a gua no meio urbano:
Nas cidades como Luanda, Benguela e Lobito temos um fornecimento, pelo
menos no casco urbano, que ultrapassa os 80 por cento. Nas zonas suburbanas temos
de continuar a trabalhar para alargar o fornecimento. A nvel de cobertura global nas
principais cidades ultrapassamos os 50 por cento. Em termos de quantidade, para o
meio urbano o ndice de dez litros por pessoa. Ainda no estamos com esse ndice.
Nos cascos urbanos, o fornecimento no contnuo. H dias em que a populao de
determinada zona, por problema na rede no tem gua. Grande parte das pessoas
optou pela construo de reservatrios para fazer face as suspenses no
abastecimentoS nas cidades do Lobito e Benguela, pelo menos na rea urbana,
que o sistema de produo de gua funciona permanentemente.H muito trabalho a
fazer a nvel da rede de distribuio. Precisamos de substituir as redes antigas e de
aumentar a capacidade dos reservatrios.
O Ministrio da Energia e guas (MINEA) publicou um relatrio de balano das
atividades do setor referentes ao 1 semestre de 2011, nele admite-se que 82% da
populao nas zonas urbanas e periurbanas tem acesso a gua potvel (MINEA,
2011c:7).
As declaraes do Secretrio de Estado das guas permitem aferir que cerca de
20% da populao no meio urbano no tem acesso a gua potvel e dos 80% que tm
acesso o seu fornecimento processa-se com interrupes. O consumo mdio dirio
extremamente baixo dez litros por pessoa o que evidencia o problema de acesso gua
potvel.
No tocante ao consumo de gua nas zonas periurbanas e rurais, em 2002, o
consumo per capita dirio era de 7,6 litros. Esta gua servia para beber e cozinhar, para
a higiene pessoal e domstica e para lavar o vesturio (Pestana, 2011:156). Estes valores
eram muito baixos comparados aos 20 litros/dia, per capita estabelecidos como mnimo
pela Organizao Mundial da Sade (OMS). Em virtude desta insuficiente capacidade
do setor, grande parte da populao abastecida a partir da venda ambulante de gua,
por meio de camies cisternas, no sendo segura a qualidade da gua fornecida. O
35
abastecimento de gua por camies-cisternas tem aumentado significativamente,
sobretudo, em Luanda.
Convm referir que os nveis de consumo de gua variam em funo das
condies socioeconmicas das famlias e das regies ou das zonas onde vivem. Este
fato permite justificar a disparidade de dados apresentados pelos diferentes organismos.
Por exemplo, em Saurimo, capital da Lunda-Sul, a generalidade da populao abastece-
se diariamente atravs de camies cisternas privados que enchem os recipientes
colocados pelos moradores ao longo das ruas. Estimava-se que em finais de 2006, um
agregado com 5/6 pessoas tinha um consumo dirio que rondava os 200 litros com um
custo aproximado de 5 dlares dirios. Salienta-se que esta regio rica em rios, est
encaixada entre as bacias do Congo e Zambeze (Pereira, 2008:64). Em algumas
provncias de Angola, o consumo dirio de gua est longe dos nveis mnimos
(20/l/dia/hab.) preconizados pela OMS (ver quadro 3).
Quadro 3
Capacidades de produo e consumos de gua per capita em algumas sedes
provinciais (2004)
Sede
Provincial
Capacidad
e de produo
(m3/dia)
Populao
Estimada
Consumo per
capita estimado
(litros/hab./dia)
MBanza
Congo
518 50 000 5
NDalatando 1728 95 000 9
Ondjiva 1536 63 000 9
Huambo 12000 400 000 15
Lubango 17500 300 000 29
Luanda 356000 4 000 000 37
Benguela 35600 400 000 44
Dundo 11000 50 000 50
Fonte: Caraterizao do Sector das guas em Angola, publicada com a Resoluo do Conselho de
Ministros n.10/04 de 11 de Junho.
36
A partir do quadro 3 verifica-se quais so as provncias que registam as piores e
melhores situaes em termos de consumo dirio de gua. A encabear a lista da pior
situao, est MBanza Congo capital da provncia do Zaire banhada pelo majestoso rio
Zaire, e atravessada por outros rios, de pequena e mdia dimenso; no entanto, como se
pode ver, esta regio padece de graves problemas de abastecimento de gua potvel. A
cidade de Dundo, capital da provncia da Lunda-Norte, a que possui o mais padro
elevado no consumo dirio de gua por habitante. curioso notar que o ndice de
consumo nesta cidade, seja maior do que os das cidades de Luanda e Benguela, que so
as principais regies metropolitanas de Angola e as que registam as maiores
concentraes urbanas do pas.
De um modo geral, nos ltimos cinco anos, as capacidades de produo e
consumos per capita nas capitais provinciais do pas aumentaram consideravelmente.
Em 2006, a capacidade de produo de gua nas dezoito provncias de Angola era de
439 438 m3/dia, o consumo per capita mdio dirio por habitante era de 41 litros/dia;
em 2011 a capacidade de produo aumentou 987 409 m3/dia e consumo dirio de gua
por habitante passou para 78 litros/dia (Pestana, 2011:57).
As reas rurais de Angola so aquelas que apresentam uma maior ausncia de
condies bsicas para assegurar o abastecimento adequado da populao em termos de
gua potvel. O abastecimento de gua ao meio rural baseado principalmente em
captaes convencionais como poos e furos, dotados de bombas manuais,
complementadas com obras de drenagem e proteo sanitria, para evitar a
contaminao da gua. No entanto, tais equipamentos so escassos e grande parte da
populao rural consome a gua que estiver ao seu alcance, sem qualquer tratamento.
Em 2001, as estimativas indicavam que 39, 9% da populao rural tinha acesso a gua
potvel (MINEA, 2004 a: s/p). No entanto, o Programa de Governo do MPLA para
2012 2017 (2012), citava que o nvel de cobertura do abastecimento de gua em 2009
era de 22% e que tinha aumentado para 44% em 2011 (ob. cit.:63). Por outro lado, o
relatrio de balano apresentado pelo MINEA em 2011 indicava que s 33% da
populao rural tinha acesso a gua potvel (MINEA, 2011c:7). Portanto, esse fato pode
ser indicador de duas situaes:
Houve uma regresso nos servios de abastecimento, a situao
que j era precria debilitou-se mais ainda, com impactes na qualidade de vida
da populao rural.
37
Os dados estatsticos apresentados para caracterizar e avaliar o
desempenho do sector de abastecimento de gua no so confiveis.
Independentemente da fiabilidade dos dados estatsticos, verifica-se, que existe
uma carncia enorme em termos de abastecimento de gua nas reas rurais. Em
virtude, deste fato, a questo que se coloca :
Porque razes no meio rural as taxas de cobertura so muito
baixas?
Numa primeira fase, pode-se pensar que a causa sejam os custos financeiros,
mas ao analisar-se a questo nota-se que os custos financeiros no constituem a barreira
mais bvia. Os custos per capita de fornecer gua potvel so mais elevados nas zonas
urbanas e nas regies rurais pouco povoadas, mas em mdia a expanso da cobertura
custa menos nas zonas rurais do que nas zonas urbanas densamente povoadas (PNUD,
2006:86). Duas razes que justificam a baixa taxa de cobertura de gua no mundo rural
so a poltica e a pobreza. Para alm das questes tcnicas e de financiamento, as
comunidades rurais tm sobre os seus ombros o peso duplo resultante da grande pobreza
e pouca influncia poltica. As populaes rurais extremamente dispersas, sobretudo nas
zonas marginais, tm pouca influncia sobre as escolhas institucionais que esto na base
das decises e que definem prioridades para afetao dos recursos financeiros do
Oramento do Estado.
A Direo Nacional de guas (DNA) estima que apenas 15 a 20 % da populao
rural (aproximadamente 6,1 milhes em 2002) tem acesso a fontes seguras de gua,
principalmente atravs de uma rede de mais de 3.300 pontos de abastecimento, dos
quais at 50% podem estar inoperacionais devido falta de peas sobressalentes e
manuteno regular. Esse fato faz com que uma elevada proporo da populao rural
esteja dependente de abastecimentos sazonais de gua superficial que podem obrigar a
percorrer distncias significativas para recolher pequenas quantidades de gua (BM,
2005: 72). Em Angola, so as mulheres e raparigas que tm que percorrer longas
distncias para recolher gua. Carregar gua ou como se diz usualmente em Angola
cartar gua faz parte da desigualdade do gnero e retarda as perspetivas de
desenvolvimento humano.
Em relao qualidade da gua consumida em Angola, o Secretrio de Estado
de Estado das guas, afirma: a gua produzida e distribuda no pas apresenta a
qualidade exigida pela Organizao Mundial da Sade e assevera que a qualidade da
gua consumida garantida pelo trabalho realizado nas principais estaes de
38
tratamento e de distribuio e atravs de laboratrios que certificam a sua qualidade.
Essa rede de laboratrios reduzida mas nos pequenos centros populacionais onde no
existem laboratrios, h equipas especializadas do sector, que se encarregam de
recolher amostras que, posteriormente, so enviadas para os laboratrios no sentido de
certificarem a sua qualidade6. Apesar destas declaraes, o Ministrio da Sade e
outros organismos pblicos, recomendam populao, em campanhas publicitrias, o
no consumo da gua das torneiras sem antes ferver ou desinfetar com gotas de lixivia.
As classes abonadas, por falta de confiana, instalam sistemas domicilirios de
filtragem e purificao da gua e diversas operadoras nacionais de turismo recomendam
vivamente aos turistas o consumo de gua engarrafada. Portanto, no obstante as
declaraes oficiais, pode-se dizer que existe uma insegurana em relao qualidade
da gua.
A problemtica da gua em Angola est associada no somente ao acesso e
qualidade deste lquido precioso como tambm ao preo. A gua um recurso natural,
dotado de valor econmico, e, como tal, passvel de cobrana nos diferentes usos em
seu estado bruto (gua bruta). A cobrana pelo uso dos recursos hdricos tem vrios
objetivos, dentre eles destacam-se: o reconhecimento da gua como um bem
econmico; permite ao usurio uma indicao do seu real valor; incentiva a
racionalizao do uso da gua e permite a obteno de recursos financeiros para o
financiamento de programas que visem a melhoria da utilizao dos recursos hdricos.
Em Angola o preo da gua varia em funo do sistema de fornecimento. A gua
mais barata a fornecida pelas redes de distribuio das zonas estruturadas ou cobertas
pelo sistema de chafarizes. A gua mais cara a fornecida pela distribuio dos
camies-cisternas (Pestana, 2011:32).
Em relao a gua das redes de distribuio, segundo as Bases Gerais do
Regime de Tarifas de Abastecimento de gua Potvel (Decreto Executivo n 27/98, de
22 de Maio) cabe aos governos provinciais estabelecer, na sua respetiva rea de
jurisdio, as tarifas da gua a praticar pelas empresas ou entidades responsveis pelo
abastecimento de gua potvel s populaes. De acordo com o diploma supracitado, os
governos provinciais deveriam fazer a atualizao das tarifas em termos reais,
semestralmente, e em funo da inflao e da desvalorizao da moeda nacional,
trimestralmente (ob. cit.:32).
6 Lus Filipe da Silva, Secretrio de Estado das guas, Jornal de Angola de 22 de Maro de 2011.
39
Pestana (2011) afirma que no tem havido regularidade na aprovao de novas
tabelas de maneira que as tarifas correntes no tm permitido aos operadores cobrir os
custos de fornecimento e produo dos sistemas. Neste sentido, a gua fornecida pelas
redes de distribuio, das zonas estruturadas subvencionada pelo Estado. Por exemplo,
a Empresa de guas e Saneamento de Benguela (EASB), recebe fundos de
contrapartida, isto , subvenes, na ordem dos 80 milhes de kwanzas por ms,
destinados cobertura dos custos de produo e manuteno do sistema de distribuio,
bem como da administrao da empresa; os valores das cobranas tm um peso quase
insignificante na tesouraria da empresa.
Em 2004, o governo, fixou o preo da gua potvel em 32 kwanzas por metro
cbico. Os preos oficiais da gua so praticados apenas para os clientes das empresas
ou dos servios municipalizados de gua e saneamento bsico. Todos os demais
usurios pagam a gua ao preo do mercado paralelo de gua, que ronda 1 kwanza, por
litro, ou seja, 1000 kwanzas por metro cbico, 30 vezes mais cara (Pestana, 2011:33). A
compra da gua no mercado paralelo interfere significativamente no oramento das
famlias. Em uma entrevista ao Jornal de Angola, Lus Machado7, disse que em 2003 o
salrio mnimo dos funcionrios pblicos era de 4 mil e 14 kwanzas (este valor
manteve-se inalterado at 2005)8; portanto, um funcionrio pblico que comprava gua
no mercado paralelo gastava todo o seu salrio na compra deste lquido precioso, e
mesmo assim, o seu salrio s daria comprar 4 m3 de gua por ms. A compra de gua
no mercado paralelo a preos exorbitantes contribui, assim, para debilitar os j fracos
oramentos.
Deste modo, os agregados familiares que vivem nas zonas periurbanas e rurais
(geralmente so os mais pobres e vulnerveis) so os que pagam os preos mais
elevados pela gua e muitas vezes de m qualidade, o que constitui uma violao aos
direitos humanos. De acordo com o Comit das Naes Unidas sobre Direitos
Econmicos, Sociais e Culturais ter acesso gua suficiente, segura, aceitvel,
fisicamente acessvel e a um bom preo, para uso domstico e pessoal um direito
humano (PNUD, 2006:77).
partida pode-se pensar que a soluo para que os agregados familiares mais
pobres deixem de pagar mais caro pela gua seria alargar a rede de abastecimento, mas,
7Diretor Nacional de Condies e Rendimentos do Trabalho do Ministrio da Administrao Publica,
Emprego e Segurana e Segurana Social (MAPESS). 8 Disponvel em http://www.angonoticias.com/Artigos/item/18298/salario-minimo-sobe-mais-de-100-por-
cento-em-cinco-anos. Acesso em 16 de 04 de 2012 s 22horas e 50 min.
40
existe um dilema: como alargar o acesso a tais agregados sem aumentar as tarifas para
nveis proibitivos? Como foi acima referido as receitas das tarifas so muito inferiores
ao nvel necessrio para a manuteno e expanso da rede. De acordo com o PNUD
(2006), a maior parte dos pases em desenvolvimento no tem recursos financeiros para
resolver este problema atravs das finanas pblicas, mesmo que tenham disposio
poltica para o fazer.
O problema do acesso gua potvel visto de maneiras diferentes pelos
governantes, pela comunicao social e pela comunidade internacional.
Na comunicao social, as dificuldades do acesso gua potvel so tratadas
como uma questo comum a todo pas, quer se trate de bairros dos cascos urbanos das
cidades, zonas periurbanas e zonas rurais (Pestana, 2011:29). Sabe-se que no pas
existem muitas assimetrias no que se refere ao acesso gua. No entanto, a
comunicao social tem assumido um papel importante porque tem trazido tona os
grandes problemas e progressos alcanados no setor do abastecimento e saneamento de
gua.
A perceo dos governantes relaciona o problema do acesso gua potvel a
diferentes razes, atribuindo particular responsabilidade s populaes que, segundo os
mesmos, muitas vezes, desenvolvem aes de sabotagem das infraestruturas (ob.
cit.:31). Na maioria das vezes, tais aes so perpetradas devido incapacidade das
autoridades de polcia e falta de fiscalizao.
A perceo geral partilhada pela comunidade internacional a de que devido
grande destruio de infraestruturas durante a guerra civil, metade dos angolanos no
tm acesso a gua potvel. A situao crtica nas zonas rurais, onde apenas 40% das
famlias obtm gua de origem segura. Nas zonas urbanas, a situao ligeiramente
melhor 70% da populao tem acesso a gua potvel (ob. cit.:30,31).
Conclui-se que em Angola a situao do acesso a gua potvel continua a ser
crtica embora no se parea com a situao desoladora do ps-guerra. O problema no
depende da disponibilidade hdrica, mas sim, em grande parte de como as polticas
pblicas moldam o acesso s infraestruturas e gua atravs de decises de
investimento, de polticas de preo e como se ver mais adiante da legislao que regula
os fornecedores.
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I.4.2. Saneamento Bsico
Victor Hugo em Os Miserveis diz que a histria dos homens, reflete-se na
histria dos esgotosO esgoto a conscincia de uma cidade. Este escritor francs
usou os esgotos de Paris dos meados do seculo XIX, como metfora do estado da cidade
(PNUD,2006:111). Num sentido mais lato, isto significa que o estado do saneamento
diz alguma coisa sobre o estado de uma cidade ou nao, e diz algo de forma ainda mais
profunda sobre o estado do desenvolvimento