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Page 1: KREUTZ a Educação de Imigrantes No Brasil

ORGANIZADORES:

Eliane Marta Teixeira LopesLuciano Mendes Faria Filho

Cynthia Greive Veiga

500 AN OS DE EDUCA\=AO NO BRASIL

aAutentica

Belo Horizonte2003

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A EDUCA~AO DEIMIGRANTESNO BRASILLUCIO KREUTZ

partir do seculo XIX, urnexpressivo mimero de imi-

grantes de diversas etnias contribuiupara a formac;ao de urn pluralismoetnico e cultural mais visivel nas re-

gioes suI esudeste do Brasil.Parte dosimigrantes italianos, alemaes, japone-ses e poloneses fixaram-se em areasrurais, formando micleos populacio-nais com caracteristicas eestrutura for-

temente etnico-culturais, 0 que lhesdeu essa maior visibilidade. Imigran-tes espanh6is e portugueses, instalan-do-se mais em zonas urbanas, nao

deram tanta enfase a manutenc;ao decaracteristicas etnico-culturais. 0 pro-cesso escolar etnico foi caracteristica

quase exclusiva do primeiro grupo.

Entre os imigrantes a heteroge-neidade foi muito grande, tanto entreas diversas nacionalidades quantonuma mesma, como e0 caso dos italia:

nos e alemaes, que, pela hist6ria deseus paises, tiveram marcantes espe-cificidades regionais. Em relac;aoaosimigrantes alemaes essa heterogenei-dade ainda se tornou maior pela suadivisao entre cat6licos e luteranos.

Houve diferenciac;oes tambem ent~e

componentes de urn mesmo grupoetnico na enfase dada a tradic;ao cul-tural de origem, dependendo da sualocalizac;ao urbana ou rural. Algunsimigrantes poloneses provenientesde uma regiao entao politicamentesubordinada a RUssia foram classifi-

cados como russos. E importante terpresente essa heterogeneidade entregrupos etnicos de imigrantes e mes-mo dentro do pr6prio grupo para quese entenda a dinamica diferenciada

em relac;aoas escolas etnicas.

Estudos mostram que normal-mente os imigrantes conservavam al-guma forma de identificac;ao etnica,especialmente os que vier am ao Bra-sil no seculo XIX como 1/ colonos es-

trangeiros", sinonimo de trabalhador.Substituindo 0 trabalho escravo e com

dificuldade para obter 0 direito a na-turalizac;ao (cidadania) foram os quetiveram as iniciativas mais marcan-

tes quanto a manutenc;ao de espe-cificidades culturais como idioma,

organizac;ao religiosa, associativa eescolar. Porem e mais caracteristica

do final do seculo XIXe das primei-ras decadas do seculo XXa formac;ao

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500 anos de educarao no Brasil

de institui~6es comunitarias para a manuten~ao da tradi~aocultural, especialmente entre imigrantes de areas rurais nosestados do suI. As escolas etnicas foram marcantes nesse con-

texto e periodo hist6rico. No entanto, nao saDfruto apenas dapreocupa~ao de imigrantes com sua tradi~ao cultural. Partedos imigrantes provinha de forte tradi~ao escolar em seu paisde origem, era alfabetizada e conscia da importancia da esco-la, porem, nao encontrando escolas publicas nem muitas pers-pectivas para verem atendido seu pleito, os imigrantespuseram-se a organizar uma rede de escolas comunitarias. NoJapao, na Alemanha, e em parte na Italia e na Polonia, a redeescolar publica estava bastante difundida por ocasiao da imi-gra~ao. A organiza~ao de escolas etnicas deve ser atribuidamais as especificidades do contexto de imigra~ao do que auma op~ao previa dos imigrantes.

Ao se falar de escolas etnicas neste texto, limita-se a ex-

pressao as escolas elementares de imigrantes, de 1820ate 1939,quando, em contexto de acentuado nacionalismo e de decla-ra~ao de guerra aos paises de origem dos grupos que tinhama rede escolar mais expressiva, essa experiencia foi suprimidapor meio da legisla~ao nacionalista do ensino. Escolas etnicasde grupos nao considerados imigrantes ou posteriores a 1939nao entram em considera~ao neste trabalho. Restringe-se aque-les com numero mais expressivo de escolas etnicas. Apresen-ta-se urn panorama dos objetivos do governo com a imigra~ao,sua configura~ao basica, sua iniciativa diferenciada em rela-~ao ao processo escolar e os motivos que levaram a supressaodas escolas etnicas. Atualmente estao sendo desenvolvidas

pesquisas em rela~ao ao processo escolar de praticamente to-dos os grupos de imigrantes. No entanto, ainda nao ha umasistematiza~ao de informa~6es, e as que se tern saD bastantedivergentes, especialmente em rela~ao a numeros. Como essaexperiencia mais sistematizada de escolas etnicas terminoude forma compuls6ria, em clima tenso entre govemo e gru-pos etnicos, promoveram-se informa~6es distorcidas, oculta-men to e destrui~ao de fontes. As pesquisas ora emdesenvolvimento, recorrendo-se tambem a fontes orais, con-tribuirao para uma melhor explicita~ao da tematica. Poremneste texto, apenas e possivel apresentar uma visao bem es-quematica, de carater introdut6rio, em rela~ao ao processoescolar dos imigrantes no Brasil. A dimensao do etnico e adiferenciada concep~ao de na~ao/nacionalidade entre imi-grantes foram elementos fortemente presentes na articula~ao

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A educapo de imigrantes no Brasil- LcJcioKreutz

de seu processo escolar e de algurnaforma marcam a perspectiva do olharda presente analise.

PROJETO POLITICO

PARAANA<;Ao

BRASILEIRA E A IMIGRA<;Ao

Diversos motivos levaram 0 go-verno brasileiro a incentivar a imigra-«;ao. Proclamada a independencia,tornou-se mais intensa a discussao de

urn projeto de na«;ao.0 rapido desen-volvimento dos Estados Unidos, com

grandes levas de imigrantes ha deca-das, come«;oua ser considerado como

urn exemplo a ser seguido pelo Brasil.Em publica«;6ese em debates politicosfalava-se dessa imigra«;ao,da rapidaexpansao do povoamento, do incenti-vo it.pequena propriedade, do cresci-mento das cidades e do incremento desuas atividades artesanais e manufatu-

reiras, progresso esse atribuido emgrande parte it.imigra«;ao.Apontava-se a pequena propriedade como fontefundamental de todas as virtudes.

A imigra«;iiotambem come«;ouaser vista como forma de garantir a ocu-pa«;iiodo espa«;ogeografico, especial-mente na regiao suI, em constanteconflito de fronteira com os paises doPrata. Varios autoresapontam tam-bem motivos de ordem racial na op«;iiodo governo imperial pela imigra«;ao.1

Dava-se preferencia it.imigra«;aode eu-ropeus, que "foram escolhidos a dedopara branquear 0 pais". As colonias deimigrantes criadas pelo governo impe-rial careciam de fundamento economi-

co porque 0 Nordeste tinha muitamao-de-obra disponiveP 0 motivo

era "a cren«;ana superioridade inatado trabalhador europeu, particular-mente daqueles cuja ra«;aera distintada dos europeus que tinham coloni-zado 0 pais". Houve urn ideal debranqueament03 que se aglutinara aoliberalismo politico e economico dosrepresentantes da elite cultural bra-sileira. Por isso, os nucleos de imi-

grantes teriam de ser preservados das"contamina«;oes e preconceitos" doambiente contra 0 trabalho manual,impedindo-se 0 estabelecimento decolonos nativos nos nucleos oficiais

de imigrantes a nao ser em numeroinexpressivo.4

Ao se iniciar a imigra«;aoitalia-na, a partir de 1875,a orienta«;aooficialja foi a de evitar grandes extensoes decolonias etnicamente homogeneas, se-parando-as por terras particulares,pertencentes it.popula«;ao luso-brasi-leira. E a partir do periodo republica-no a orienta«;ao foi pela forma«;aodecolonias mistas. Porem, da parte dosimigrantes, houve urna tendencia con-tinuada it.forma«;aode nuc1eosetnica-

mente homogeneos, pois favorecia suaorganiza«;aoreligiosa, social e escolarem perspectiva comunitaria.

A partir de 1850a politica imi-gracionista oscilou, no governo, entrepequena propriedade e mao-de-obrapara 0 cafe, de acordo com as compo-si«;oesno poder. A partir da proc1ama-«;aoda Republica, a coloniza«;aopas-sou a ser atribui«;aodos estados e, em

conseqiiencia, teve varia«;oes regio-nais. Porem, urna constante na politi-ca oficial de coloniza«;ao foi a de fa-

vorecer a imigra«;ao europeia. E 0incentivo oficial para a forma«;ao decolonias etnicamente homogeneas

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SOOanos de educafffo no Brasil

favoreceu urn conjunto de iniciativas dos imigrantes quanto auma estrutura comunitaria em apoio ao projeto escolar, reli-gioso e socia-cultural.

OS IMIGRANTES E 0 MOMENTO

HIST6RICO DA NACIONALIDADE

No secllio XIX, 0

Brasil tcvc II/II nflllxopCqllCIIO dc ill/igrnlltcs CIIIrcln~fio n 11111COlltCXtOIIwis

nll/plo de ill/igr{/~fiocllropein pnra n AII/ericao

No seculo XIX, 0 Brasil teve urn afluxo pequeno de imi-grantes em rela~ao a urn contexto mais amplo de imigra~aoeuropeia para a America. Dessa imigra~ao,24% foi para a Ame-rica do Sul e 68% para a America Anglo-Saxa. De 1820 a 1861,mais de 5 milhoes de pessoas, provenientes especialmente daEuropa, dirigiram-se para os Estados Unidos. E ate 1850 me-nos de 50.000 imigrantes haviam entrado no Brasil. Na Ame-rica do SuI, 0 maior contingente optou pela Argentina, que,de 1856a 1932, recebeu 6.405.000imigrantes. 0 Brasil, em se-gundo lugar, teve 4.903.991imigrantes entre 1819 e 1947.5

Os alemaes formaram a primeira corrente imigratoriapara 0 Brasil de forma mais sistematica a partir de 1824 emSao Leopoldo, RS. Anos antes, pequenos grupos haviam seestabelecido nos estados da Bahia e do Rio de Janeiro. Ate1947 entraram no Brasil em torno de 253.846 imigrantes ale-maes. Os italianos vieram a partir da decada de 1870 e for-

maram 0 contingente maior: 1.513.151imigrantes. No mesmo periodo vieram1.462.117portugueses, 598.802°espanhois,188.622 japoneses (a partir de 1908),123.724 russos, 94.453 austriacos, 79.509

siria-libaneses, 50.010poloneses e 349.354de diversas nacionalidades. A partir de

1950,e especialmente nessa decada, entraram ainda em tornode 500.000imigrantes no Brasil. Diegues Junior e Lynn Smithcalculam urn nillnero maior de imigrantes japoneses do quede alemaes.6Em ordem nurnerica decrescente teriam sido italia-

nos, espanhois, portugueses, japoneses e alemaes. E questionci-

vel 0 numero de poloneses, ja que muitos teriam sidoclassificados como russos. E importante levar em conta quehouve muita heterogeneidade tanto entre etnias quanto entreimigrantes da propria etnia. a que propiciou maior visibili-dade foram os grupos que se estabeleceram em nucleos etni-camente homogeneos, caso dos alemaes, dos poloneses e partedos italianos e japoneses.

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. A educarao de imigrantes no Brasil- Lticio Kreutz

Os periodos de imigra<;aomaisintensa ao Brasil foram:7.decada de 1850: 117.000imi-

grantes;.decada de 1880:527.000imi-

grantes;.decada de 1890: 1.200.000 imi-

grantes;.decada de 1900:649.000imi-

grantes;.decada de 1910:766.000imi-

grantes;.decada de 1920:846.000imi-

grantes.

A imigra<;aopara 0 Brasil deu-se no momenta historico intemacional

de enfase na forma<;aoda nacionali-dade. Urn conjunto de estudos8 mos-tra que a nacionalidade e a maneiracomo ela foi se constituindo a partirdo final do seculo XVllI, no Ociden-te, tern a ver com uma tendencia deafirma<;ao da unidade. Estabeleceu-se gradativamente urn espa<;ohierar-quizado em que se definia 0 que se- 'ria entendido como verdadeiramente

nacional eo que seria excluido dessacompreensao. Buscava-se urn preten-so coletivo, operava-se uma univer-saliza<;ao no conceito de povo e dena<;aoem detrimento das especifici-dades e diferencia<;5es culturais. 0nacionalismo desencadeava urn mo-

vimento de afirma<;aode uma unida-de simbolica, necessaria pela moder-niza<;ao econpmica. Apoiava-se naexpansao de urn sistema escolar igua-litario, com a fun<;aode difundir umacultura uniforme. Inventava culturas

amplamente desprovidas de todabase etnica, com a finalidade de unifi-

car 0 imaginario das na<;5es.Por isso,

ISEUBSTES

AB.UI!I

IRTCHSTA.BIER-U~D

i...ESEBtJCH.~. . ., ,,. ..~

fl;u nlO~-hst fu.r"die C~lol1i<> V'onST. LBOPO:tDC.

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PORTO AU'~GRE.

::e,lruckl tlnlt ':11J.obllnin der llul"lldrClc7ctl"t~

'!"I)nC. DV/JREUlT. flIul Cm/l.l"

1 832.

"0 mais novo livro de abecediirioe leitura para a

ColOniad£ Siio Leopoldo"(tradUflio do capa) tinha

conw epigrafe "I)que foiiozinho niio aprende foiioniio aprend£rti mais" (1832).

segundo Hobsbawm, institucionaliza-va-se uma lingua em detrimento deoutras, criando-se. centros de identi-fica<;aobasica para a nacionalidade.Tentava-se assegurar a lealdade doscidadaos difundindo e legitimandouma concep<;aode mundo semelhan-te, imposta pelo Estado e transmiti-da especialmente pelo sistema esco-lar. A escola foi chamada a ter urn

papel central na configura<;aode urnaidentidade nacional, sendo ao mesmo

tempo urn elemento de incentivo a ex-clusao de processos identitariosetnicos. Em rela<;aoas divers as etniasconstruia-se uma representa<;ao que

melhor corresponde?se a edifica<;ao

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SOOanos de educa~ao no Brasil

do projeto nacional. Independentemente de origem social ecultural, de experiencias vivenciadas, 0 aluno era simplesmen-te aluno, retratando pouco a diversidade. 0 que para umaetnia pode ser urn percurso de afirma'Sao, para outras foi urnprocesso problemcHico e, por vezes, traurnatico. Assim, ao sepromover a escolariza'Sao na modemidade, sob 0 movimentode forma'Sao dos Estados Nacionais, essa mesma escolariza-

'Saotornou-se fortemente urn fator de imposi'Sao da lingua na-cional e de desautoriza'Sao e desencorajamento de expressoesregionais e de dialetos. A escola foi entao concebida como urndos instrumentos privilegiados para levar a interioriza'Sao daideia de que os conhecimentos tratados nurna perspectiva ge-neralizante saDsuperiores aos saberes particulares e locais. Aescola deveria ser ativada em perspectiva monocultural, tra-tando as diferencia'Soes culturais como algo a ser superado. 0Estado situava-se no centro do processo de forma'Saoda iden-tidade nacional. No processo historico brasileiro isso nao foiurn movimento constante, retilineo. Recorrendo-se a imigra-'Saocom 0 objetivo de modernizar a economia, branquear apopula'Sao e garantir as fronteiras em disputa, certamente aelite politica nao seguiu os dmones entao prevalentes para aforma'Saodo Estado-na'Saoem rela~o a forma de govemo (mo-narquia) e ao descaso com a rede publica de ensino, permitin-do a forma'Sao de escolas etnicas. Esse quadro foi se modifi-cando aos poucos a partir do periodo republicano, com maiorenfase a partir de 1920-1930.

Porem, a identidade etnica tambem nao e urna realidademuda. Elae urna das instfu1ciasfortes no engendramento do pro-cesso historico, mesmo quando marginalizada no imagincirionacional. Em cada grupo etnico ha uma historia de lutas peladetermina'Saode suas metas e valores. Nesse sentido nao se en-tende 0 etnico como algo constituido e estavel, mas fundamen-talmente como urn processo, urn eixodesencadeador de conflitose intera'SOes.9Entende-se que a etnia perpassa os simbolos deurna sociedade, sua organizac;aosocial, como da mesma formaem relac;aoao genero.tOIsso significa que ~ processo hist6rico eetnicizado, atravessado pela etnia. Ao longo do processo histori-co, a sociedade caracteriza, classificae decide sobre 0 espac;odosgrupos etnicos, fazendo-o com disputas e conflitos.u Isso querdizer que as estratmcac;6ese divis6es feitas em termos de divi-saDetnica sao, por vezes, mais fund antes que as de classe.

As iniciativas dos imigrantes em relac;aoao processo esco-lar devem ser entendidas nessa perspectiva, isto e, vinculadas ao

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A educarao de imigrantes no Brasil - Lucio Kreutz

momenta hist6rico da nacionalidade,cuja afirma~ao/ rearticula~ao se da emrela~ao ao privilegiamento ou a nega-~aode processos identitarios etnicos.0conceitode na~ao tambem implicaessaperspectiva dinamica, redefinindo-seconstantemente no processo hist6rico.hnporta perceber como os diferentesdiscursos sobre a concep~ao de nacio-nalidade foram se constituindo, aquemeo que projetaram como expressao au-torizada de povo brasileiro. Entrea tra-di~ao latina e a anglo-saxa havia umaforma diferenciada de se entender a

rela~ao entre cidadania (patria) e na-cionalidade. Os imigrantes alemaesprofessavam sua nacionalidade alemaconcomitantemente com a cidadania

brasileira. Para a tradi~ao latina naoera facil entender como alguem pode-ria dizer-se cidadao brasileiro e, noentanto, insistir simultaneamente natradi~ao etnico-cultural alema, isto e,ser cidadaobrasileiro de nacionalida-

de alema.12Importa que se leve emconta esse contexte com seus aspectosdiferenciados e contradit6rios, para seentender a dinamica do processo es-colar dos imigrantes.

o PROCESSO ESCOLARENTRE IMIGRANTES NO BRASIL

A tradi~ao escolar era bastantediferenciada entre os diversos gruposde imigrantes. Urn levantamento daSecretaria da Agricultura de SaoPaulo, feito entre 1908 e 1932, regis-trou 0 indice de alfabetiza~ao dos

imigrantes que entraram pelo porto deSantos. 0 grau de alfa~etiza~ao porgrupo etnico foi: imigrantes alemaes:

91,1%; imigrantes japoneses: 89,9%;imigrantes italianos: 71,3%;imigran-tes portugueses: 51,7%; imigrantesespanh6is: 46,3%.13Esses dados refe-rem-se somente aos imigrantes queentraram pelo porto de Santos e naopodem ser tornados como represen-ta~ao completa de cada grupo etni-co. Estudos indicam que mesmo entreas etnias com maior tradi~ao escolarhavia varia~6es consideraveis, depen-dendo da regiao de proveniencia. Noperiodo de maior entrada dos mes-mos, na decada de 1890, 0 Brasil ti-nha urn sistema escolar altamente

deficitario, com uma popula~ao demais de 80%de analfabetos. Esse qua-dro levou alguns grupos de imigran-tes a pressionarem 0 Estado em favorde escolas publicas. Outros, especial-mente os que haviam se estabelecidoem nucleos mais homogeneos, inves-tiam em escolas etnicas.

Para se entender a dinamica do

processo escolar entre imigrantes noBrasil e preciso estar atento nao s6 asdiferencia~6es entre os grupos etni-cos mas tambem a diferenciada dina-

mica de sua inser~ao no Brasil. Noestado de Sao Paulo, por exemplo,com maior contingente de imigrantes,os mesmos nao se concentraram taofortemente em colonias isoladas como

os do Rio Grande do Sul, Santa Cata-

rina, Parana e Espirito Santo. Nessesestados a carac~ristica principal foisuaconcentra~ao em nucleos etnicamentehomogeneos, estimulados tanto pelapolitica oficial quanto pela aspira~aodos pr6prios imigrantes. Essas colo-nias "alemas", "italianas" e "polone-sas", isoladas por longo periodo,

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500 anos de educa~o no Brasil

As cscoills dos

ill/igrnlltcs cralll

COlllllllitl7rias, pllrticlllllrcs1'/011pcrtcllcclltcs a IIII/a

. colIgrccr;;a~-iior1'ligiosll.

tendo pouco contato com a popula~ao nacional, empreende-ram urna ampla estrutura comunitaria de apoio ao processoescolar, religioso e sociocultural, com caracteristicas dos paisesde origem. Para a organiza~ao ffsicados mlcleos de imigrantestinha-se como principio que determinado nmnero de imigran-tes (entre 80 a 100 familias) pudesse organizar-se em tomo deurn centro para a comunidade, com infra-estrutura de artesa-nato, comercio e atendimento religioso-escolar, devendo ter ascondi~Oesbcisicaspara a integra~ao entre os moradores. Essaestrutura ffsica foi a base sem a qual nao teria sido possivel arede de organiza~6es socioculturais e religiosas a animar todaa dinamica de vida comunitiria.

As iniciativas quanto ao processo escolar dos imigran-tes foram estimuladas inicialmente por diversos estados pelofato de nao terem condi~6es para oferecer escolas publicas. 0administrador de Sao Leopoldo, nucleo original dos imigran-

tes alemaes no Rio Grande do Sul, quei-xava-se ao Presidente da Provincia da

deficiencia do ensino publico no munici-pio, dizendo que havia apenas tres esco-las publicas para 23 da imigra~ao, dasquais somente uma ensinava em portu-gues, e pedia urna lei obrigando 0 ensino

em lingua nacional. Contra sua expectativa, 0 governo pro-mulgou lei permitindo 0 ensino em alemao tambem nas pou-cas escolas publicas da regiao colonial.14

Os estados com nmnero expressivo de imigrantes tive-ram convivencia relativamente pacifica e ate estfmulo gover-namental as escolas etnicas ate a Primeira Guerra Mundial.Na decada de 20, 0 numero de escolas etnicas diminuiu ex-

pressivamente no estado de Sao Paulo, que nesse momentohistorico estava sendo 0 centro para a discussao de referen-cias para a na~ao brasileira. Nos estados com 0 processo esco-lar de imigrantes mais concentrado em area rural, 0 nmnerode escolas etnicas ainda foi aurnentando ate os primeiros anosda decada de 30. Come~ava ja urn processo de nacionaliza~aopreventiva, abrindo-se escolas publicas perto das etnicas, po-rem sem impedir as iniciativas dos imigrantes. A partir de1930,numa tendencia polftica crescentemente nacionalista, asescolas etnicas ja foram vistas com mais restri~ao. E em 1938-1939, momento da nacionaliza~ao compuls6ria, foram fecha-das ou transformadas em escolas publicas por meio de umasequencia de decretos de nacionaliza~ao.

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As escolas dos imigrantes eramcomunitarias, particulares e/ou per-tencentes a uma congrega~ao religio-sa. Tambem houve diferen~as entreas escolas etnicas urbanas e as da re-

gUio rural. Com exce~ao do caso deSao Paulo, a grande maioria das es-colas etnicas foi de mlcleos rurais. As-

sim, mesmo que se use a expressao,por exemplo, de escolas dos imigran-tes italianos ou de outra etnia, nao se

pode entende-Ia em sentido unlVOCO.Ha diferen~a, inclusive, no processoescolar de uma mesma etnia, de esta-

do para estado. Por exemplo, as es-colas italianas de Sao Paulo tiveram

uma dinamica diferente daquelas da .

mesma etnia em mlcleos rurais do RioGrande do SuI e de Santa Catarina.

A etnia com maior mimero de

escolas de imigra~ao no Brasil ate1939 foi ados imigrantes alemaes,com 1.579escolas, seguindo-se adosimigrantes italianos, com 396 escolasem 1913 (e 167 escolas na decada de30). as imigrantes poloneses tiveram349 escolas e os imigrantes japoneses178.No entanto, 0 mimero de escolas

dos diversos grupos etnicos tambemnao e questao pacifica. No periodo danacionaliza~ao compuls6ria a partirde 1938, segundo 0 entao secretariode Educa~ao do Rio Grande do SuI,Coelho de Souza, havia no estado2.418 escolas etnicas alemas. a entao

interventor no estado, Cel. Oswaldo

Cordeiro de Farias, afirmava queeram 1.841. E na listagem das duasassocia~5es dos professores da imi-gra~ao alema, na qual se especificanome e localidade das escolas, seu ml-mero e de 1.041,em 1937.15

Entre outros grupos de imigran-tes tambem houve algumas iniciativas

de escolas etnicas, porem em peque-no mlmero. Adiante apresento algu-mas informa~5es especificas do pro-cesso escolar entre as etnias que thederam maior enfase, 0 que permitiraperceber uma dinamica diferenciada

em rela~ao a escola nao s6 de um gru-po etnico para 0 outro mas tambemno interior do mesmo grupo.

ESCOLAS DA

IMIGRA(::AO ALEMA

as imigrantes alemaes vieramde regi5es com acentuada tradi~ao es-colar. Nao encontrando escolas publi-cas na regiao de imigra~ao, uniram-separa constru~ao de escolas etnicas,manuten~ao do professor e produ~aode material didatico. A estrutura ffsi-ca dos nucleos rurais favorecia a uniaode 80 ou mais familias em tomo de

uma estrutura comunitciria basica, na

qual a escola vinha em primeira ins-tancia. Nos primeiros anos usavamcartilhas manuscritas e em 1832, oito

anos ap6s a chegada dos pioneiros, im-primiram 0 primeiro abecedario parasuas escolas. Ate 1875 0 crescimento

foi lento, havia no Rio Grande do Sui

99 escolas da imigra~ao alema, sendo50 cat6licas e 49 evangelicas. Porem, apartir de entao, 0 processo escolar co-me~ou a ser assumido mais direta-

mente pelas igrejas, respectivamentecat6lica e evangelica, recebendo cono-

ta~ao confessional. Na passagem dosecuIo eram 308 escolas da imigra~aoalema no RS.

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500 anos de educarao no Brasil

EscolaEvangelicade Linha Nova

(RS),1914.

A partir de 1900,0 processo escolar dos imigrantes ale-maes, concentrados predominantemente no Rio Grande doSui e em Santa Catarina, teve urn grande surto de desenvol-vimento. Alem de ampla prodw;ao de material didcitico, foicriada toda uma estrutura de apoio para 0 processo escolar.Algumas iniciativas eram interconfessionais, no entanto, a es-trutura bcisicade apoio para 0 funcionamento das escolas eraconfessional. Toda a a\ao escolar foi planejada, incentivada ereestruturada como assunto de interesse comum, ~ssumidopelas respectivas confissoes religiosas. Assim, quando se in-troduziu a obrigatoriedade escolar minima de quatro anos apartir de 1900,e de cinco anos a partir de 1920,isso valeu paratodas as escolas e localidades, sendo cobrado com san\oes re-ligiosas. Por isso, criou-se toda urna estrutura de apoio diretoa escola. Em nivel confessional, cat6licos e luteranos tiveram

sua associa\ao de professores, seu jomal do professor, sua es-cola normal, suas reunioes locais e regionais de professores,cursos e semanas de estudo e amplo incentivo a produ\ao dematerial didcitico. Em nivel interconfessional e interestadual,

professores teuto-brasileiros tiveram um fundo de pensao eaposentadoria, realizaram congressos e criaram a Associa~oBrasileira de Professores da Imigra~ao Alema.16

No Rio Grande do Sui tiveram ainda urna revista espe-cializada sobre 0 livro escolar, editada de 1917 a 1938, e pro-duziram mais de 150 manuais didciticos para uso especificona escola teuto-brasileira.

Segundo levantamento das associa<;oesde profess ores,havia no Rio Grande do Sui em 1920 urn total de 787 escolas

teuto-brasileiras, sendo 310 cat6licas, 365 evangelicas e 112mistas. Em 1935 eram 1.041 escolas, sendo 429 cat6licas, 570

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A educarao de imigrantes no Brasil- LLicio Kreutz

evangelicas e 42 mistas. Em SantaCatarina foram 340 escolas em 1937,tendo tambem sua associa<;aoe seujornal do professor. Nos demais esta-dos 0 reduzido nmnero de escolas de

imigra<;ao nao favoreceu essas ini-ciativas de a<;aoconjunta.17

A Associa<;aoBrasileira de Pro-fessores da Imigra<;ao Alema elabo-rou, na decada de 1930, uma lista

nominal de professores e das escolasde cada estado com imigrantes ale-maes. Relatam-se ai 0 nome do pro-fessor, a localidade, a escola, 0 ana defunda<;aoda escola, 0 numero de alu-

nos, se 0 professor era subvenciona-do ou nao e a vincula<;aoreligiosa daescola. Trata-se de uma c6pia manus-crita, encontravel nos arquivos doInstituto Hans Staden em Sao Paulo.

Percebe-se ai que a maioria absoluta

dessas escolas situava-se nos dois es-

tados do suI, sendo predominantes asdo Rio Grande do SuI.

Em 1937,segundo levantamen-to das Associa<;6esde Professores, 0numero de escolas da imigra<;aoale-ma no Brasil era de 1.579,distribuin-

do-se da seguinte forma pelosestados: RS, com 1.041; SC com 361;SP com 61;RJcom 16;ES com 67, ou-tros estados com 33.

As escolas de imigra<;ao ale-ma na regiao rural eram escolas co-munitarias porque foram criadas emantidas pelas comunidades teuto-brasileiras. Porem, na maior partedos casos, eram consideradas tam-bem escolas confessionais. As es-

truturas de apoio eram animadas esupervisionadas pelas respectivas con-fiss6es religiosas. As igrejas, cat6lica

RELA<;Ao DAS ESCOLAS DA IMIGRA<;Ao ALEMA EM 1931

ESTADO T9TA!-

Escola IAlunos I Escola I Alunos I Escola IAlunos I Escola I Alunos

RS 549 18.938 362 16.666 41 1.474 952 37.078

SC 116 4.874 80 4.920 82 3.052 297 12.346

PR 10 309 7 1.142 17 731 34 2.182

SP 6 295 2 690 21 2.261 29 3.165

RJ 1 30 - - 4 400 5 430

ES 21 705 - - 1 12 22 717

MG 2 76 - - - - 2 76

BA - - - - 2 67 2 67

PE - - - - 1 20 1 20

GO - - - - 1 15 1 15

I.Total I'l-7i c.;45[',,0 .2Rq'j. 8.0321.3.45 56.596

Fonte: LehrerKalender.1I

357

Page 13: KREUTZ a Educação de Imigrantes No Brasil

SOOanos de educarao no Brasil

e evangtHica, assurniam a questao escolar como seu principalponto de apoio para a ac;aocontinuada e estruturada nos nu-cleos rurais. E, em contrapartida, para quem nao se compre-metesse com a escolarizac;ao dos filhos e a manutenc;ao daescola e do professor, as sanc;oestambem eram religiosas. Esseprojeto nao seria aceito, nao valeria de forma identica, no es-sencial, para mais de mil nucleos rurais se nao houvesse urnforte simbolismo, urn claro projeto cultural e urna forte estru-tura comunitaria, com ampla rede de associac;oes19criadas edinamizadas nurna perspectiva comurn. Isso permitiu que nasdtkadas de 20 e 30, quando 0 indice nacional de analfabetis-mo ainda estava em tome de 80%, os nucleos de imigrantesalemaes tivessem poucos analfabetos.

Com 0 periodo de nacionalizac;ao compuls6ria a partirde 1938,alem da destruic;ao/ dispersao de fontes, criou-se tam-bem urn clima de silencio constrangedor sobre 0 tema. Hojepercebe-se que a destruic;ao nao foi generalizada e que boaparte das fontes sac recuperaveis, necessitande-se de urn es-forc;o coletivo dos pesquisadores em interac;ao com institui-c;oes de pesquisa e com localidades de origem teuta. Porexemplo, no Rio Grande do SuI ja conseguimos localizar acolec;ao do Jomal/Revista do Professor Cat6lico, de 1900 a1939; boa parte da colec;ao do Jomal/Revista do ProfessorEvangelico, de 1902 a 1939;a colec;aoda revista sobre 0 livroescolar intitulada Das Schulbuch,de 1917 a 1939; e 134 livrosdidaticos elaborados especialmente para escola dos imigran-tes alemaes. Ainda ha muito a se avanc;ar em relac;aoa locali-zac;ao/ recuperac;ao de fontes. Porem, as que foram localizadasja permitem urn leque mais ampliado de pesquisas. Nesse sen-tido, alem do processo de configurac;ao e solidificac;ao dessarede escolar, chamam a atenc;ao pelos seus aspectos tambemsingulares a figura do professor comunitario, 0 metodo peda-g6gico e a produc;ao do material didatico.

ESCOLAS DA

IMIGRAyA.O ITALIANA

Tambem nao podemos falar genericamente de escolasda imigrac;aoitaliana. Ha diferenciac;Oesmotivadas pela regiaode proveniencia dos imigrantes, pelo contexte socioeconomicoregional no qual se inseriam (regiao urbana, trabalhador as-salariado em fazenda de cafe ou pequeno proprietario de ter-ra em localidades etnicamente homogeneas) e tambem pelas

358

Page 14: KREUTZ a Educação de Imigrantes No Brasil

A educafffo de imigrantes no Brasij- Lticio Kreutz

diferenciadas iniciativas dos estados

em rela\ao ao processo escolar, umavez que na Primeira Republica 0 en-sino primario era responsabilidadedos mesmos.

Dependendo da regiao de pro-veniencia, os imigrantes italianos ti-nham maior ou menor vincu1a\ao como processo escolar. Enquanto 0 censofeito no porto de Santos registra que71,36% dos imigrantes italianos queentraram por esse porto eram alfabe-tizados, 0 censo municipal de 1906apresenta os imigrantes de AlfredoChaves (RS)com alto grau de analfa-betismo. Dos 22.707habitantes, 16.110eram analfabetos. 0 mesmo ocorriaem Antonio Prado e em outras locali-

dades povoadas predominantementepor imigrantes italianos no Rio Gran-de do Sul. Em Santa Catarina a situa-

\ao era semelhante entre os imigrantesitalianos de Criciu.ma,Nova Veneza e

outras localidades.20A igreja era 0 cen-tro para a organiza\ao cultural. Naoestabeleciam vincula\ao direta entreigreja e escola. A igreja (ou capela) naoera apenas 0 lugar para 0 culto. En-tendiam-na como 0 espa\o para 0 qualconvergiam as dimensoes sociais, cul-turais e comerciais. Assim, em 1924,

havia no Rio Grande do Sul 950 igre-jas (250em alvenaria) e somente 57 es-colas anexas as igrejas ou capelas.Interessavam-se relativamente poucopela constru\ao de escolas, atribuiamessa tarefa ao poder publico e as con-grega\oes religiosas.21 Nao ha indi-ca\ao de que houvesse toda umaestrutura de apoio ao processo esco-lar, como associa\ao de professores,escola normal e produ\ao de materialdidatico. Boaparte era subsidiada pelo

governo italiano, especialmenteo ma-terial didatico.

Entre os autores que tratam doprocesso escolar dos imigrantes itali-anos ha muitas divergencias sobre 0nu.mero de escolas etnicas. A fonte

mais completa encontrada e a do Mi-nisterio de Rela\oes Exteriores do go-verno italiano. Segundo essa rela\ao,o estado de Sao Paulo foi 0 que teve 0maior contingente, com 187escolasem1913, seguido do Rio Grande do Sulcom 91 e Santa Catarina com 60. Nos

demais estados com imigrantes 0 nu-mero de escolas etnicas era pequeno:30 no Espirito Santo, oito no Parana,sete no Rio de Janeiro, seis em MinasGerais, quatro em Pernambuco e tresem Mato Grosso. No ano de 1913re-

gistrou-se 0 maior nu.mero de escolasda imigra\ao italiana no Brasil:foram396. Na decada de 20 0 nu.mero redu-ziu-se a menos da metade em Sao

Paulo (de 187 para 87), porem aindaaumentou no Rio Grande do SuI (de91 para 123) e em Santa Catarina (de60 para 83).Nos demais estados tam-hem diminuiu. A partir da decada de20 em Sao Paulo, e de 1930 nos esta-dos sulinos, as escolas da imigra\aoitaliana foram passando gradativa-mente para escolas publicas, de modoque em 1938,inicio da nacionaliza\aocompuls6ria, ja nao tinham muitaexpressao. 0 secretario de Educa\aono Rio Grande do SuI no periodo danacionaliza\ao compuls6ria diziaque "na colonia italiana (...) 0 pro-blema da nacionaliza\ao em rigornao existe". Referia-se a 30 escolas

dessa etnia vinculadas a par6quiasque ja nao ofereciam resistencia aa\ao nacionalizadora.22

359

Page 15: KREUTZ a Educação de Imigrantes No Brasil

SOOanos de educarao no Brasil

A tabela abaixo apresenta urn quadro comparativo daevolw;ao das escolas de imigrac;ao italiana nos diversos esta-dos brasileiros. 05 dados ai constantes discrepam com 05 dealgumas publicac;6es regionais, porem sao do Ministerio de

Relac;6esExteriores do governo italiano, que dava subsidio aessas escolas, especialmente por meio de material didatico.

Entre as quatro etnias de imigrantes com maior mimerode escolas etnicas, os italianos foram os que menos vinculavama escola com suas perspectivas de organizac;ao comunitaria e

ESCOLAS PRIMARIAS ITALIANAS NO BRASIL, NA ARGENTINA

ENOS ESTAOOS UNlOOS -1908-1930

(ENTRE PARENTESES, AS ESCOLAS DAS CAPITAlS DE ESTAOO)

Fonte: Ministerio degli Affari Esteri, Annuario delle scvo/e italiane all'estero govemative e sussidiate (Roma, 1908,1911,1913,1924,1930; In: Trento, 1989 p. 182)23

cultural, sendo que a igreja tinha peso maior. Isso tera ajudado

a que reivindicassem mais cedo 0 acesso a escola publica. Nocaso de Sao Paulo, alem das iniciativas governamentais, 0 con-

texto socioeconomico e a localizac;ao tambem terao influido para

360

"'>,.,..,,"v,.-..-.."=""'"

,ESTADOS 1908 1911 1913 1924 1930

Escola Aluno Escola Aluno Escola Aluno Escola Aluno Escola Aluno

.RiodJaneir9 3(2) 7(4) 7(3) 4(4) 901 2(2) 101

£spirito Santo 13 29 30 15

,7(1)

I 4(1)IMinas Gerais 6(1) 6(1) 307 5(1) 321

'ParOitj!, 9(2) 8(1) 8(1) 7(1) 708 7(2) 708

.Pernambuco 3(3) 4(4) 4(4) 5(1) 656 3(3) 61

Rio Grande 47(4) 91(4) 91(4) 123 (5) 4.085 38(6) 3.686

do Suih

SiiO Paulo 115(80) 122(80) 187(121) 87(46) 10.626 56 6.934

(25)

SantJl'CatlHha 33(1) 33(1) 60 83(3) 1.627 56(5) 2.010

:Mato Grosso 2 3(1) 3(1) - - - -

Para - - - 1(1) 30 - -

BRASIL 232 13.656 303 16.295 396 23.323 329 18.940 167 13.821

ARGENTINA 59 6.644 71 6.801 87 9.393 82 13.301 90 21.691

ESTADOS 80 8.044 98 17.395 97 20.340 146 37.734 112 28.550

.QNIDOS,. ",,

Page 16: KREUTZ a Educação de Imigrantes No Brasil

A educapo de imigrantes no Brasij- Ltido Kreutz

que houvesse urn refluxo reipido dasescolas etnicas italianas ap6s a Primei-ra Guerra Mundial. Em 1913,das 187escolas etnicas italianas no estado de

Sao Paulo, 121estavam sediadas na ca-

pital. Nos estados do sul predomina-yam as de nucleos rurais.

IMIGRA<;Ao POLONESA

Em 1876foi fundada a primeiraescola da imigra\ao polonesa no Para-na. No Rio Grande do Sul, foi a partirde 1890.Segundo Stawinski,24a maiorparte dos imigrantes polonesesproveiode regi6es ocupadas por porencias es-trangeiras (RUssiae PrUssia)que havi-am dificultado 0 processo escolar.

Assim, uma grande parte deles era anal-fabeta. Porem, no Brasil, somaram ime-

diatamente esfor\os para organizar 0processo escolar, construindo escolas e

formando urna estrutura de apoio, tan-to para 0 treinamento de professores

quanto para a produ\ao de livros di-deiticos.Jeiem 1891,Jeronimo Durski pu-blicou 0 Manual para escolaspolonesasno

Brasil, e em 1905 os imigrantes funda-ram a Sociedade das Escolas Polonesas

no Brasil como instancia de promo\ao eorganiza\ao de seu processo escolar.

Segundo levantamento reali-

zado por Kasimierz Gluchowski, 0nUmero de escolas e de alunos da imi-

gra\ao polonesa em 1914 tinha a se-guinte distribui\ao por estados:

ALUNOS E ESCOLAS DA IMIGRA~AO POLONESA, POR ESTADO, EM 1914

Fonte: Gluchowoski, apud Wachowicz, 1970, p. 35. 2S

Ao contreirio da experienciaentre imigrantes italianos, as esco-las da imigra~ao polonesa tiveram,a semelhan\a das alemas, urn cres-cimento ate 0 periodo da nacionali-za\ao compuls6ria. Chegaram a terurn total de 349 escolas e 344 pro-fessores.

Wachowicz relata que entre osimigrantes poloneses havia a preocu-pa~ao de manter os valores etnico-culturais e, simultaneamente, 0 desejode que os filhos aprendessem 0 por-tugues e se inserissem como cidadaosativos em seu contexto. Fator retra-

tado pelo curriculo nas escolas da

361

'"

ESTADO ALUNOS ESCOLAS

Parana 1.860 46

Rio Grande do SuI 425 17

Santa Catarina 180 9

Sao Paulo - 1, .._...

Total 2.465 73"" -

Page 17: KREUTZ a Educação de Imigrantes No Brasil

500 anos de educa(:3o no Brasil

QUADRO DAS ESCOLAS E oos

PROFESSORES DA IMIGRA<;:Ao POLONESA, EM 1937

Fonte: Wachowicz, 1970, p. 62 e 65.

imigra~ao polonesa no Parana em 1937:das 167 escolas, 143eram bilingiies, 14lecionavam s6 em portugues e 10 s6 em po-lones. Das 167escolas, 137eram leigas e 30 eram de congrega-~Oesreligiosas.

as imigrantes poloneses fundaram duas Escolas de For-ma~ao de Professores Rurais, respectivamente em Guarani dasMissoes, RS,e em General Mallet, PR, ao b?rmino da Primeira

Guerra Mundial. No entanto, Wachowicz retrata em pesquisaque a maior parte dos prntessores nao tinha qualifica~ao pe-dag6gica adequada. Diz que dos 190 professores da imigra-~ao no Parana, somen te nove tinham preparo pedag6gicoformal. Por isso, a Uniao dos Profess ores das Escolas Polone-

sas Particulares no Brasil, fundada em 1921,promovia treina-mentos intensivos de profess ores em periodo de ferias emantinha bibliotecas volantes, com acompanhamento de pro-fessores. Procurava vincular do melhor modo possivel 0 pro-cesso escolar com a realidade dos alunos, fomentando a

elabora~ao de material didatico e editando manuais, como,

por exemplo, a Cartilha para as crianfas polonesas no Brasil,e as Normas prdtico-metodol6gicas para as escolas polonesasno Brasil, em 1926.

Tambem entre imigrantes poloneses manifestou-se, espe-cialmente a partir da decada de 20,0 dilema entre a manuten~aodas escolas etnicas e 0 envio dos filhos as escolas pUblicas,quan-do acessiveis.Porem, como a grande parte dessas escolas fundo-nava em localidades rurais etnicamente homogeneas,

362

ESTADO ESCOLAS PROFESSORES

Parana 167 190

Rio Grande do SuI 128 114

Santa Catarina 51 36

Espirito Santo 2 2

Sao Paulo 1 2 .Total 349 344

Page 18: KREUTZ a Educação de Imigrantes No Brasil

A educar§o de imigrantes no Brasil - Lticio Kreutz

prevaleciam as escolas etnicas, com 0apoio da Igreja. Em 1938,com 0 pro-cesso de nacionaliza<;ao,essa experien-cia de escolas etnicas polonesastambem findou.

Em As escolasda colonizafaopolonesa no Brasil, Wachowicz apre-senta urna rela<;aode todas as escolasda imigra<;ao polonesa no Brasil em1937, estado por estado, especifican-do a localidade da escola, 0 munici-

pio a que pertencia e 0 nome do(s)professor(es). 0 que chama a aten<;aoe que dos 190componentes do magis-terio no Parana, 102eram professoras;dos 114 componentes no Rio Grandedo Sul, 20 eram professoras e em San-ta Catarina, dos 36 componentes, 10eram professoras. Portanto, sobre urntotal de 344, 134eram do sexo femini-

no. Diferenciava-se da imigra<;aoale-ma que mantinha urn magisMriopredominantemente masculino.

Para a imigra<;aopolonesa, deforma semelhante aalema, 0 processo

escolar tinha urna vincula<;ao diretacom a conserva<;ao dos valores reli-

giosos e etnico-culturais. 0 motivoreligioso e 0 fato de se perceberem comtradi<;aoetnica muito distinta daque-la do contexto brasileiro, aliado a 10-

caliza<;ao em nucleos homogeneos,terao influido tambem na enfase dada

ao processo escolar etnico. Isso,no en-tanto, nao impedia seu esfor<;oemaprender 0 portugues e professar suacidadania brasileira.

IMIGRA<;Ao JAPONESA

A imigra<;ao japonesa iniciouem 1908,fixando-se especialmente no

estado de Sao Paulo. Os japoneses vi-nham com tradi<;ao escolar: 89,9%eram alfabetizados e manifestavam

muita preocupa<;ao com a educa<;aodos filhos, reunindo-se imediatamen-

te em associa<;6espara a organiza<;aode escolas etnicas. Antes mesmo de

providenciar urna sede para sua asso-cia<;aoe para seus encontros sociais,os japoneses procuravam construir aescola para os filhOS.26Nao obstante,muitas familias japonesas, especial-mente as que moravam na cidade de.Sao Paulo, optaram pela escolapublica. Em 1932, todas as escolaspublicas da capital tinham alunos deorigem japonesa.

Segundo Demartini, nao haviaurn padrao Unicode escolajaponesa,po-dendo-se classifica-lasem escolas sur-

gidas da uniao de familias, escolasfundadas por individuos com recursospara atender ademanda por educa<;aoda comunidade japonesa, escolas cria-das pelas companhias de imigra<;aoeescolascriadas por entidades religiosas.

Os imigrantes japoneses tam-bem criaram escolas noturnas com 0

objetivo de acompanhar a forma<;aodos jovens. Tiveram pouco apoio dogovemo japones para suas escolas. Apartir da decada de 30,0 Departamen-to de Educa<;aodo Estado de Sao Pau-lo tornou obrigat6rio 0 registro dasescolas japonesas como Escola MistaRural. Isso facultava 0 ensino do japo-nes como disciplina extracurricular,sendo 0 curriculo regular em portu-

gues. N.esseperiodo, 40% das escolasconstruidas pelos imigrantes japone-ses ja tinham sido passadas para arede oficia!.

363

Page 19: KREUTZ a Educação de Imigrantes No Brasil

500 anos de educafio no Brasil

ESCOLAS DA IMIGRA<;:AOJAPONESA EM 1932

Sao Paulo e suburbio 10 618

Santos e Santos-Juquiii

Registro e vizinhan~a

10

10

364

427

E. F. Paulista 13

5

544

Sao Paulo-Railway' 120

E. F. Central do Brasil 3 140

E. F. Mojiana o o

E. F. Araraquara 6 181

E. F. Douradense 2 46

E.F.Sorocabana 36

83

1.760

E. F. Noroeste 4.669

178

Fonte: Uma epopeia modema, 1992, p. 126.. Atual Santos-Jundiaf

Os imigrantes japoneses, tendo vindo de boa tradic;aode escolas publicas, tambem se defrontaram com urn entre-cruzamento de pressoes para decidirem entre escolas etni-cas e publicas. Houve empenho pelas escolas etnicas paraassegurar lingua e tradic;oes de origem. Porem, tendo chega-do apenas a partir de 1908,encontraram 0 estado de Sao Paulonuma grande efervescencia de transformac;oes socioecono-micas e de debates sobre a questao da nacionalizac;ao do en-sino, levando-os a estimular e, a partir de 1927, a pressionarem favor das escolas publicas. Porem, 0 contexto de trans-formac;oes rapidas tambem levou os imigrantes a aceita-Iasmais facilmente.

A NACIONALIZA<;AO DO ENSINO: TERMINODAS ESCOLAS ETNICAS DOS IMIGRANTES

Ha referencias de que desde 0 inicio da imigrac;ao go-vernantes externavam preocupac;ao quanto as escolas deimigrantes. Mas esbarravam na dificuldade de oferta de esco-las publicas e principalmente de professores. 0 governo pro-vincial, no RiQGrande do SuI, instituiu em 1864 a Lei 579,

364

Page 20: KREUTZ a Educação de Imigrantes No Brasil

A educarao de imigrantes no Brasij- Llicio Kreutz

estabelecendo remunera<;ao especialpara professores que ensinassem 0portugues. Paiva real<;aque 0 senti-do dessa lei, associado a posterior in-fluencia positivista na Primeira Re-

publica, marcou profundamente apolitica rio-grandense em rela<;aoasescolas etnicas. A total liberdade de

ensino concedida as escolas particu-lares, juntamente com urna relativaautonomia cultural para imprensapr6pria e urn associativismo, era bar-

ganhada com a troca de apoio politi-co. 0 Rio Grande do SuI foi 0 estadosulista mais tolerante com as escolas

de lingua estrangeira. Chegou a ter1.041escolas etnicas da imigra<;aoale-ma. A partir de 1909, condicionou 0subsidio aos professores ao ensino deduas horas diarias em portugues. E, apartir de 1920, usou a estrategia deabrir escolas publicas junto as dos imi-grantes, fato que provocou 0 fecha-mento de escolasetnicas,especialmen-te em nucleos com menor nu.mero de

familias. 0 apelo da gratuidade e apossibilidade de os alunos aprende-rem melhor 0 portugues come<;avama falar mais alto do que 0 apelo as es-colas etnicas para muitas familias.

Durante aPrimeira Guerra Mun-

dial, especialmente ao termino da mes-ma, 0 governo brasileiro teve restri-<;5esas escolas da imigra<;ao,coibindoo uso de idiomas que nao 0 portuguese fechando temporariamente a im-prensa de grupos etnicos. Em 1918,find a a legisla<;ao de guerra, inicioucom subven<;6es federais para a na-cionaliza<;aodo ensino. Foi nesse pe-nodo que 0 governo do estado de SaoPaulo teve uma politica de expansao

da escola publica entre imigrantes,interferindo simultaneamente na or-

ganiza<;ao curricular das escolas et-nicas. No Rio Grande do SuI e em

Santa Catarina, 0 governo amplioua politica de subven<;ao e absor<;aode escolas particulares pelas admi-nistra<;6es municipais. No en tanto,devolveu total liberdade de ensino

as escolas particulares.

o final da decada de 30,em con-texto de acentuado nacionalismo e de

conflitos internacionais, registra tam-Mm 0 final das escolas dos imigran-tes. 0 governo, em nivel federal eestadual, ap6s ter encorajado e depoistolerado a iniciativa dos imigrantes emrela<;aoao processo escolar, real<;andoque mantinham com esfor<;opr6prioo que na verdade era dever do Esta-do, come<;oua interferir com legisla-<;aocoibitiva. Com 0 Decreto 406 demaio de 1938, ordenou que todo 0material usado na escola elementar

fosse em portugues, que todos os pro-fessores e diretores de escola fossem

brasileiros natos, que nenhurn livro detexto, revista ou jornal circulasse emlingua estrangeira nos distritos ruraise que 0 curriculo escolar tivesse ins-tru<;aoadequada em hist6ria e geogra-fia do Brasil.Proibia 0 ensino de linguaestrangeira a menores de 14 anos e or-denava que se desse lugar de destaquea bandeira nacional em dias festivos,

rendendo-lhe homenagem.Em 10 de dezembro de 1939,0

presidente da Republica assinou outroDecreto, 0 de numero 1.006, es-

tabelecendo que 0 ministro da Educa-<;aosupervisionasse todos os livrosusados na rede de ensino elementar e

365

Page 21: KREUTZ a Educação de Imigrantes No Brasil

500 anos de educafao no Brasil

Escola daComunidade

Evangelica deTaquara (RS)

em 1911.

de segundo grau. Porem, 0 Decreto de nacionaliza~ao mais im-portante talvez tenha sido 0 de numero 1.545,de 25 de agostode 1939,instruindo os secretarios estaduais de Educa<;aoa cons-truir e a manter escolas em areas de coloniza<;aoestrangeira; aestimular 0 patriotismo por parte de estudantes; a fiscalizar 0ensino de linguas estrangeiras; a intensificar 0 ensino de hist6-ria e geografia do Brasil; a proibir expressamente que uma es-cola fosse dirigida por um estrangeiro ea se fazer uso de algumalingua estrangeira em assembleias e reunifies pUblicas. Tam-bem ordenava que a educa<;aoffsica nas escolas etnicas fosserealizada sob a dire<;aode um oficial ou sargento das For<;asArmadas indicado pelo comandante militar da regiao.

Em 8 de mar<;ode 1940,0 Decreto de n11mero2.072cria-va a organiza<;aoda Juventude Brasileira, tornando-a obriga-t6ria para todas as escolas. Jovens de 11 a 18 anos deveriamsujeitar-se a educa<;aoffsicacomo instrumento importante parauniformizar diferen<;asetnicas por meio de exercicios em co-mum. E, com 0 Decreto 3.580,de 3 de setembro de 1941,proi-bia-se a importa<;aode livros-texto de lingua estrangeira parao ensino elementar e sua impressao em territ6rio nacional.27

Alem da legisla<;aofederal, os estados com escolas deimigra<;aotambem promoveram medidas nacionalizadoras. Foium processo com varia<;6esregionais, mas com muita tensaoentre agentes de nacionaliza<;aoe lideran<;asmais ligadas a pro-mo<;aodas escolas etnicas. Houve exageros, destrui<;aode ma-terial didatico ou seu ocultamento por parte de imigrantes,prisao de professores e de lideran<;asmais exarcebadas.

366

Page 22: KREUTZ a Educação de Imigrantes No Brasil

A educarao de imigrantes no Brasij- LtJdo Kreutz

No entanto, para uma corretacompreensao do processo em quefindaram as escolas da imigra~ao,nao podemos ater-nos unicamenteas medidas restritivas do governo.De fato, elas foram compuls6rias edificultaram de tal forma 0 funcio-

namento das escolas etnicas que, naverdade, significaram seu termino.Porem, nesse periodo, ja estavamem curso uma serie de fatores queaos poucos provocavam a transfor-ma~ao do projeto escolar dos imi-grantes. A estrutura escolar e comu-nitaria come~ava a ceder a pressoesintern as e externas. Internamentehavia uma tendencia crescente de

pais e alunos que, sentindo a neces-sidade de se habilitarem melhor no

aprendizado do portugues e de te-rem melhores condi~oes para os de-safios da atividade pro fissional,aderiam ao apelo da escola publicagratuita. De fora dessas comunida-des, uma serie de fatores concorria

para sua transforma~ao. as meiosde comunica~ao e os novos e melho-res meios de transporte quebraramo isolamento anterior dos nuc1eos

rurais e abriram caminho paratransforma~oes socioeconomicas.

Era urn contexte de tran~forma~oesque dificultava crescentemente 0funcionamento das escolas etnicas.

As me did as de nacionaliza~ao com-puls6ria do ensino apenas precipi-

NOTAS

taram urn processo de transforma-~ao ja em curso.28

Todo 0 projeto escolar dos imi-grantes permite perceber que a di-mensae etnico-cultural estava per-manentemente presente na maneirapeculiar com que se inseriam nonovo contexto. Na sua grande maio-ria, nao pensavam retornar ao paisde origem. Confessavam-se aberta-mente cidadaos brasileiros, poremquerendo manter especificidadesculturais. Essa forma de desenvolver

o processo identitario, diferenciadoentre etnias, gerou as possibilidadespara 0 processo escolar etnico entreimigrantes alemaes, italianos, polo-neses e japoneses e fez com que ou-tras etnias, tendo vindo inclusive em

numero maior do que estas - exce-tuando-se italianos -, nao desenvol-

vessem urn processo escolar especi-fico. Permite perceber tambem queno Brasil houve condi~oes politicaspara a cria~ao de escolas etnicas, di-ficultando-se 0 processo na medidaem que 0 nacionalismo avan~ava. Adinamica do processo escolar entreimigrantes desenvolveu-se forte-mente no tensionamento entre a

afirma~ao do processo identitarioetnico e 0 processo de forma~ao doEstado-na~ao. Dependendo da con-jun~ao desses com outros fatores,prevalecia a afirma~ao do etnico oudo nacionaJ.29

I FURTADO,Celso. Forma~aoeconomicado Brasil. Sao Paulo: Nacional, 1972. IANNI,

Octavio. "Aspectos politicos e economicos da imigrac;aoitaliana". In: Imigra~aoitaliana:estudos.Caxias do SuI:Universidade de Caxias do SuI,EscolaSuperior de Teologia Sao

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500 anos de educafffo no Brasil

Louren~o de Brindes, 1979,p. 11-28.SCHORERPETRONE,Maria Tereza. 0 imigranteea pequenapropriedade.Sao Paulo: Brasiliense, 1982.

2 FURTADO,op. cit., p. 124.

3 Cf. SKIDMORE, Thomas. Pretono branco- rafll e nacionalidade diJpensamento brasileiro. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1976.

4 BUARQUEDE HOLLANDA,Sergio.Hist6riageral da dvilizar£io brasileira: 0 Brasil Monar-

quico3: rea~oesetransa~oes.2.ed.SaoPaulo:DifusaoEuropeiado Livro,1968,v.2,p. 225.5 CARNEIRO,JoseFernando.lmigrartioecoloniza{:t1onoBrasil.Riode Janeiro:Universidadedo

Brasil,1950.BRUIT,Hector.Acumulil(:aocapitalistanaAmirica Latina.SiioPaulo: Brasiliense,1982. DIEGUES JR, Manuel. Regii5esculturaisdoBrasil.Rio de Janeiro: CBPE, INEP, MEC,1960. & Etnias e culturas no Brasil.5. ed. Rio de Janeiro: Civiliza~ao Brasileira, 1976. VIOTTI

DACOSTA,M. E.DaMonarquiaa Republica:momentosdecisivos.Sao Paulo: Grijaldo, 1977.

6SMITH, T. Lynn. Brasil: povoeinstitui~oes.Rio de Janeiro: Bloch, 1967.E DIEGUESJR.op. cit. .

7 CARNEIRO,op. cit.;SCHORERPETRONE,op. cit.

8 BEOZZO,Jose Oscar.Leise regimentosdasmissoes.PoliticaindigenistanoBrasil.Sao Paulo:Ed. Loyola,1983.ENGUlTA,MarianoFernandez.Escuelay etniddad:el casodelpueblogitano. Madrid: EdicionesPiramide, 1996.GIROUX,Henry A. "Praticando estudos cultu-rais nas faculdades de educa~ao". In: SILVA,Tomaz Tadeu da (arg.). Alien{genasna salade aula.Umaintrodu~iioaosestudos culturais em educar£io.Petr6polis: Vozes, 1995, p. 85-103.GRIGNON, Claude. "Cultura dominante, cultura escolar e multiculturalismo popular".In: SILVA,Tomaz Tadeu da. Ibidem, p. 178-89.HALL,Stuart. A identidadeculturalnap6s-modemidade.Rio de Janeiro: DPeA Editora, 1997.HOBSBAWM, E.J. Na~oese nacionalis-mo desde1780.Programa,mito e realidade.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.JULIANO,Dolores. Educacionintercultural: escuelay minoriasetnicas.Madrid: Eudema, SA, 1993.PUJADAS,Joan Joseph. Etnicidad. ldentidad cultural en 105pueblos.Madrid: EUDEMA,1993. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade:uma introdu~iio as teorias docurriculo.BeloHorizonte:Auh~ntica,1999.WEBER,JoaoHernesto.A nar£ioe0para{so.Aconstru~iioda nacionalidadena historiografia literaria brasileira.Florian6polis: Editora daUFSC, 1997, entre outros.

9 BETANCOURT,Raw-Fornet.Aprenderafilosofar desdeel dialogode lasculturas.Trabalhoapresentado no II Congresso Internacional de Filosofia Intercultural, Sao. Leopoldo:UNISINOS,abril, 1997.Questoesdemetodoparaumafilosofia intercultural a partir da lbero-Americana.SaoLeopoldo: Ed. UNISINOS,1994.

10SCOTT,Joan. "Genero: uma categoria util de analise hist6rica". In: Educa~iioeRealidade.Faculdade de Educa~ao da UFRGS, Porto Alegre, v. 16, n. 2, jul/ dez. 1990, p. 5-22.

11A esse respeito veja-se estudos de Epstein, Sutton, Blumer, apud Pujadas (1993).

12A respeito dessa diferencia~ao ver estudos de SEYFERTH,Giralda. "A identidade teu-to-brasileira numa perspectiva hist6rica". In: MAUCH, Claudia e VASCONCELLOS,Naira (orgs.). Os alemiiesno sui do Brasil: cultura, etnicidade e hist6ria. Canoas: Ed.

ULBRA,1994,p. 11-28.RAMBO,Arthur Blasio.A escolacomunitariateuto-brasileira.SaoLeopoldo: Ed. UNISINOS, 1994.

t3 DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri. A educa~iioentrefamz1iasde imigrantesjaponeses:ele-mentospara a historia da educa~iiobrasileira.Texto apresentado no IV Congreso Ibero-Americano de Hist6ria de la Educaci6n Latinoamericana. Santiago, Chile, maio 1998

(texto), p. 2.

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A educafao de imigrantes no Brasij- LtJcioKreutz

14 CARNEIRO,op. cit., p. 88.

15FARIAS, Oswaldo Cordeiro. "Relat6rio apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getulio Domeles

Vargas, DO. Presidente da Republica". In: SILVA, Mourecy Couto et alii (orgs.). RioGrande do Sui: imagem da terra gaucha. Porto Alegre: Cosmos, 1942, p. 9-15. KREUTZ,Lucio. 0 professorparoquial:magisterioe imigra{:Doalemii. Porto Alegre: Editora da Univer-sidade/UFRGS; Florian6polis: Ed. Da UFSC; Caxias do SuI: EDUCS, 1991 & Material

didtitico e currirulo na escola teuto-brasileira. Sao Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1994a. RAM-BO, 1994. SOUZA, J. P. Coelho. Carta enviada ao Exmo. Sr. Cel. Oswaldo Cordeirode Farias,

Interventor Federal no Rio Grande do Sui. Porto Alegre, 30 de julho de 1940. Deniincia: 0nazismo nas escolasdo Rio Grande do Sui. Porto Alegre: Thurmann, 1941. "A educa~ao noRio Grande do SuI." In: SILVA, op. cit., p. 266-88.

16 A referencia completa a todos estes itens, citando-se titulos, nomes oficiais, periodo e loca-liza~ao atual das fontes, inclusive de cada livro didatico, encontra-se em Kreutz, 1994a.

]7DALBEY,Richard O. The german private schools of southern Brazil during the Vargasyears,1930-1945: German nationalism vs. Brasiliannationalization. Indiana University, USA, 1969.(Tese doutorado em Filosofia); KREUTZ, op. cit.

18LEHRERKALENDER. Merk und TaschenbuchJilr Lehreran deutschen Schulen in Brasilien.

Sao Leopoldo: Rotermund, 1931, p. 98.

19 Jomais, anuarios e todo urn conjunto de publica~6es teuto-brasileiras trabalhavam cons-tantemente essa perspectiva.

20 DE BONI,Luis Alberto (arg.) Presenra italianano Brasil.Porto Alegre:EST,1987,p. 219.2] DE BaNI, Luis Alberto; COSTA, Rovllio. Os italianos no Rio Grande do Sui. 2. ed. Porto

Alegre: EST, Caxias do Sui: UCS, 1982, p. 82-7.

22 SOUZA,op. cit.,p. 12.

23 Outras noticias sobre a consistencia numerica das escolas italianas no Brasilpodem serencontradas, para 1905, em 11Brasile egli italiani; para 1900 (porem parciais), em "Popo-lazione delle scuole italiane all'estero". In: MAE, ago. 1900, p. 506-72; para 1907, 1910,1921, 1925, em MAE, Annuario dellescuoleitalianeall'esterogovernativeesussidiate,Roma,1907,1910,1921,1925; para 1923, em CGE, L'emigrazione italiana dal1910 a11923. (Trento,1989, p. 182).

24STAWINSKI, A. V., apud GARDOLINSKI, E. Escolasda colonizariiopolonesa no Rio Gran-de do Sui. Caxias do SuI: Universidade de Caxias do SuI e Escola Superior de TeologiaSao Louren..o de Brindes, 1977.

25WACHOWICZ, Ruy Cristovam. "As escolas da coloniza~ao polonesa no Brasil". In:Anais

da comunidade brasileiro-polonesa.Curitiba: Superintendencia do Centenario da Imigra~aoPolonesa no Parana, 1970, v. 2, p. 13-110.

26VARIOS AUTORES. Uma epopeiamoderna:80anosdaimigrariiojaponesanoBrasil.Sao Pau-lo: Hucitec/Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, 1992, p. 126.

27 DALBEY,op. cit., p. 199-202.28 Em KREUTZ,Lucio."A escolateuto-brasileira cat6licae a nacionaliza~aodo ensino". In:

MOLLER, Telmo Lauro. Nacionaliza{:Doe imigrariio alemii. Sao Leopoldo: Ed. UNISINOS,1994. MOLLER, Telmo Lauro (org.). Nacionaliza{:Do e imigrariio alemii. Sao Leopoldo: Ed.UNISINOS, 1994. PAIVA, Cesar. "Escolas de lfngua alema no Rio Grande do SuI. 0nazismo e a polftica de nacionaliza~ao". In: Educa{:Doe Sociedade.Revista Quadrimestralde Ciencia da Educa~ao.Ano IX,n. 26, abril, Campinas, 1987,p. 5-28 apresenta-se urnestudo bem mais amplo sobre a nacionaliza~aodo ensino.

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29 Pode-se ainda recorrer itseguinte bibliografia: AMSTAD, Theodor. "Hundert Jahre Deusts-chtum". In: Rio Grande do Sui, 1824-1924. Porto Alegre: Typographia do Centro, 1924.CARNEIRO, Jose Fernando. "0 Imperio e a coloniza~ao no sui do Brasil". In: Fundamen-tos da cultura riograndense. Porto Alegre: Faculdade de Filosofia, Universidade Federaldo Rio Grande do Sui, 1960. DALMORO, Selina M. Escola, Igreja e Estado nas colonias

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