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FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA – ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO WERKSON DA SILVA AZEREDO 1 WERKSON DA SILVA AZEREDO 2 Curso Pós-Graduação Especialização em Ciências da Religião FANAN – Faculdade de Nanuque RESUMO O teólogo suíço Hans Küng afirma que sem diálogo entre as religiões não há a possibilidade de haver paz “Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as religiões. Contudo a história mostra como a tarefa consiste em um trabalho árduo. E em especial para a comunidade Cristã manter a unidade no ceio da igreja nunca foi tarefa fácil “"Eu sou de Paulo", e outro: "Eu sou de Apolo" [...] (1 Coríntios). Dessa forma a História da igreja Cristã ficou marcada por grandes Cismas, porém na modernidade grupos religiosos buscam um retorno a unidade Eclesial, maior abertura e tolerância. O movimento ecumênico: “Designa o empenho por reunir os fiéis "todos sob o mesmo Cristo", cumprindo o desejo do Mestre de que todos sejam um (Jo 17.21)” e O diálogo inter-religioso: “Trata-se do “conjunto das relações inter-religiosas, positivas construtivas, com pessoas e comunidades de outras confissões religiosas, para um mútuo conhecimento e um recíproco enriquecimento” nascem de pessoas comprometidas com sua fé e religião, mas ao mesmo tempo dispostas ao aprendizado e convívio de forma harmoniosa, o desejo de ir além da tolerância que busca a compreensão sem contudo abandonar a fé pessoal, logo órgãos como Conselho Mundial de Igrejas (CMI) fundado em 1948 tem contribuído para que avanços ocorram, não tratando-se de sincretismo religioso, mas uma busca por maior compreensão e respeito “As ações do CMI têm propiciado um sentimento ecumênico dentre as diversas denominações cristãs. Cada vez mais há um espírito de cooperação e amizade”. 1.INTRODUÇÃO

Fundamentos da educação religiosa ecumenismo e diálogo inter-religioso

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FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO RELIGIOSA – ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

WERKSON DA SILVA AZEREDO 1

WERKSON DA SILVA AZEREDO2

Curso Pós-GraduaçãoEspecialização em Ciências da Religião

FANAN – Faculdade de NanuqueRESUMO

O teólogo suíço Hans Küng afirma que sem diálogo entre as religiões não há a

possibilidade de haver paz “Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre

as religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as

religiões. Contudo a história mostra como a tarefa consiste em um trabalho árduo. E

em especial para a comunidade Cristã manter a unidade no ceio da igreja nunca foi

tarefa fácil “"Eu sou de Paulo", e outro: "Eu sou de Apolo" [...] (1 Coríntios). Dessa

forma a História da igreja Cristã ficou marcada por grandes Cismas, porém na

modernidade grupos religiosos buscam um retorno a unidade Eclesial, maior abertura

e tolerância. O movimento ecumênico: “Designa o empenho por reunir os fiéis "todos

sob o mesmo Cristo", cumprindo o desejo do Mestre de que todos sejam um (Jo

17.21)” e O diálogo inter-religioso: “Trata-se do “conjunto das relações inter-religiosas,

positivas construtivas, com pessoas e comunidades de outras confissões religiosas,

para um mútuo conhecimento e um recíproco enriquecimento” nascem de pessoas

comprometidas com sua fé e religião, mas ao mesmo tempo dispostas ao aprendizado

e convívio de forma harmoniosa, o desejo de ir além da tolerância que busca a

compreensão sem contudo abandonar a fé pessoal, logo órgãos como Conselho

Mundial de Igrejas (CMI) fundado em 1948 tem contribuído para que avanços

ocorram, não tratando-se de sincretismo religioso, mas uma busca por maior

compreensão e respeito “As ações do CMI têm propiciado um sentimento ecumênico

dentre as diversas denominações cristãs. Cada vez mais há um espírito de

cooperação e amizade”.

1. INTRODUÇÃO

Segundo a bíblia sagrada Jesus fundou sua igreja “[...] e sobre esta pedra

edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela;

” Mateus 16:18, uma comunidade que teria como uma de suas prioridades a

igualdade entre os homens “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem

livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.

” Gálatas 3:28, e a unidade “Dei-lhes a glória que me deste, para que eles

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sejam um, assim como nós somos um” João 17:22, contudo o sectarismo já

nos primeiros anos da nascente igreja já era percebido, como no caso da igreja

que se reunia em Corinto:

Irmãos, não lhes pude falar como a espirituais, mas como a carnais,

como a crianças em Cristo. Dei-lhes leite, e não alimento sólido, pois

vocês não estavam em condições de recebê-lo. De fato, vocês ainda

não estão em condições, porque ainda são carnais. Porque, visto que

há inveja e divisão entre vocês, não estão sendo carnais e agindo

como mundanos? Pois quando alguém diz: "Eu sou de Paulo", e

outro: "Eu sou de Apolo", não estão sendo mundanos? Afinal de

contas, quem é Apolo? Quem é Paulo? Apenas servos por meio dos

quais vocês vieram a crer, conforme o ministério que o Senhor

atribuiu a cada um.1 Coríntios 3:1-5

Este não foi um caso exclusivo, um dos primeiros desafios, de amplitude maior,

enfrentados pela comunidade cristã foi a questão da controvérsia judaizante

que somente no concilio de Jerusalém no 50 d. C com os testemunhos de

Pedro, Paulo e a compreensão que Tiago tem dos acontecimentos,

interpretando a profecia bíblia de Amos 9.11,12 a problemática é teoricamente

resolvida. A partir destes apontamentos já pode-se imaginar que manter a

unidade não seria tarefa fácil, movimentos como o: Agnosticismo, Marcionismo,

Docestismo, Arianismo etc. tornaram a tarefa ainda mais difícil e os anos

seguintes assistiriam aos grandes cismas ocorridos entre os Católicos e

Ortodoxos no século XI, mais especificamente no ano de 1054 e no século XVI

o movimento Reformista do qual temos como maior expoente a figura do

monge agostiniano Martin Luther, outras divisões ocorreram, porém não é a

proposta trata-las neste estudo, neste contexto de sectarismo, que instaurou-se

no seio da igreja cristã, é que no século XIX será lançada a base sobre a qual

edificar-se-á o movimento Ecumênico que buscará a unidade Eclesiológica e

maior Diálogo em os diversos segmentos (Católicos, Ortodoxos, Protestantes -

Pentecostais, Neopentecostais etc.) da fé cristã.

_____________________ Aluno do Curso de Pós Graduação- Especialização em Ciências da Religião - Lato – Sensu- Faculdade Vale do Cricaré.2 Graduado em Teologia.

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2. ECUMENISMO

Brakemeier lança algumas perguntas que poderão nos ajudar a formular um

conceito, sobre o que seria o Ecumenismo e sua proposta “Será sinônimo da

tentativa de converter o parceiro e de imprimir-lhe a própria identidade? Limitar-

se-á à preservação da boa vizinhança ou à cooperação em assuntos de

comum interesse? Vai esgotar-se em intermináveis diálogos sem jamais

produzir resultados de ordem político-eclesiástica? ”. Porém, começaremos

analisando o termo em questão e sua origem para em seguida aprofundarmos

a compreensão.

A palavra ecumenismo se origina da palavra grega (oikoumene),

formada a partir de duas outras palavras: do substantivo (oikos), que

significa casa, habitação, família, habitantes da casa, estirpe,

descendência, vivenda, aposento ou povo; e do verbo (meno), que

significa ficar, permanecer, esperar, persistir, continuar a ser, a existir,

a subsistir. Termo em questão significa: casa, terra habitada, mundo

habitado, ou humanidade. Neste sentido, seria o mundo habitado por

diferentes povos.

O primeiro significado atribuído a palavra ecumenismo referia-se a questões de

ordem política fazendo sentindo a um território conquistado, assim Gregos e

Romanos outorgaram tal semântica a palavra Ecumenismo. “Pressupõe-se

que, neste sentido, oikoumene se trata do Império Romano ou todo o mundo

sob o poder dos romanos cujo símbolo do poder político-ideológico era a Pax

Romana. ” (LIRA, 2006) “As perspectivas geográfica e cultural, entrelaçadas,

aparecem como significado primeiro da palavra ecumenismo” (NAVARRO,

1995). Mas como é conhecido, atualmente Ecumenismo refere-se a busca pela

unidade Eclesial.

Houve épocas em que o significado de "ecumenismo" parecia

consensual. Tratar-se-ia do resgate da unidade visível dos cristãos.

Era esse o propósito que estava na raiz do movimento ecumênico

moderno e que lhe conferiu a dinâmica. Embora fosse uma iniciativa

protestante, predominantemente do mundo anglo-saxão, a Igreja

Católica Romana, impelida por teólogos como Y. Congar, K. Rahner

e, sobretudo, pelo Papa João XXIII acolheu o compromisso da

"Reintegração da Unidade", como o decretou o Concílio Vaticano 112.

Portanto, "ecumenismo" é termo de conotação eclesiológica. Tem a

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unidade da Igreja por meta. Designa o empenho por reunir os fiéis

"todos sob o mesmo Cristo", cumprindo o desejo do Mestre de que

todos sejam um (Jo 17.21). Cresce a consciência desse mandato não

ser opcional, e, sim, obrigatório da Igreja. Se ela é essencialmente

uma, como dizem a Escritura e o Credo, a preocupação pela sua

unidade é tarefa inalienável. (BRAKEMEIER, 2001)

A acepção que temos do referido tema tem o início de sua formulação no

século XIX, mais precisamente em 1846 quando da constituição da Aliança

Evangélica constituída com membros de várias denominações cujo objetivo era

convocar um concilio ecumênico mundial, outro evento marcante foi a

Conferencia Ecumênica Missionária realizada na cidade de Nova York em

1900. Segue – se a essa a Conferência Missionária Mundial com realização em

Edimburgo em 1910. Segundo Fontana desta se originará três movimentos:

a) Fé e Ordem é um movimento dedicado a trabalhar pela reconciliação das

denominações divididas. As conferências foram realizadas em 1927, Lausanne

e em 1937, Edimburgo.

b) Vida e Trabalho é movimento preocupado com a relação da fé cristã com as

questões sociais, políticas e econômicas. As conferências foram realizadas em

1925, Estocolmo e em 1937, Oxford.

c) Concílio Missionário Internacional foi formado em 1921 e em 1961 se

integrou formalmente ao Conselho Mundial de Igrejas.

E nas conferencias Vida e Trabalho e Fé e Ordem é aprovada a criação de um

conselho mundial de igrejas (CMI) com local e data para sua efetivação

(Utrecht em 1938), porém somente em 1948 que objetivo é alcançado, pois a

segunda grande Guerra mundial impossibilita a realização.

[...] O Conselho Mundial de Igrejas foi formalmente constituído em

1948 em Amsterdã por delegados de 147 igrejas de 44 países. Hoje

ele congrega mais de 340 igrejas, denominações e associações de

igrejas em mais de 100 países e territórios no mundo, representando

cerca de 400 milhões de cristãos e incluindo a maioria das igrejas

Ortodoxas no mundo, representações das denominações das igrejas

tradicionais da Reforma Protestante como a Anglicana, Batista,

Luterana, Metodista e Reformada, bem como muitas igrejas unidas e

independentes. Exceto a Igreja Católica e algumas (mas não todas)

igrejas evangélicas pertencem ao Concílio Mundial de Igrejas. Os

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romanos atuam conjuntamente com CMI em várias questões comuns

relacionadas ao ecumenismo. (FONTANA, 2006)

Vale ressaltar que mesmo não sendo membra do CMI desde 1961 a Igreja

Católica Romana tem enviado observadores oficiais às assembleias gerais. O

conselho mundial de Igrejas tem atuado principalmente através de suas

assembleias gerais das quais já houverem oito realizações sendo a primeira

realizada em 1948 na Holanda (Amsterdã) “Entre 22 de agosto e 4 de

setembro, mais de 350 delegados, representando 147 igrejas de 44 países,

reuniram-se em Amsterdã. O tema foi As desordens humanas e os desígnios

de Deus. Esta reunião completou a tarefa de criação de um conselho

ecumênico internacional.” E a última realizada em 1998 no Zimbábue “com o

tema Volte-se para Deus,

A atuação do CMI tem permitido o surgimento de um sentimento ecumênico

tem se instaurado cada vez mais entre a diversas denominação como afirma

Fontana e mesmo a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) começa a

reconhecer não possuir toda a verdade, assim há um sentimento de

cooperação e amizade entre as diversas denominações. Ainda perdura entre

os evangélicos um dualismo há os que reconhecem a necessidade de maior

abertura e diálogo, contudo outros vêem com maus olhos a aproximação inter-

religiosa.

As ações do CMI têm propiciado um sentimento ecumênico dentre as

diversas denominações cristãs. Cada vez mais há um espírito de

cooperação e amizade. As igrejas, na maioria, reconhecem que elas

não possuem a verdade toda e estão abertas a aprenderem umas

com as outras. Observa Tony Lane que "até a Igreja Católica Romana

tem modificado significativamente suas reivindicações anteriores de

possuir a verdade toda. Os evangélicos estão divididos em sua

atitude com o movimento de unidade ecumênica, mas a maioria está

pronta para reconhecer os outros como cristãos iguais de quem eles

podem aprender" (FONTANA, 2006).

O teólogo dominicano Francês Yves Congar (1904-1995) tem a visão do termo

ecumenismo como sendo uma “amplitude” uma representação de um todo,

logo dentro deste há um dinamismo expresso por diferentes propostas das

quais Lira elenca algumas em seu artigo “O Ecumenismo como instrumento de

Ação Afirmativa do Centro Ecumênico de Cultura Negra (CECUNE).”:

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Ecumenismo institucional - O ecumenismo não pode ser entendido sem a

tensão entre o institucional e o pessoal. Os pioneiros ecumênicos nunca

renunciaram a vinculação eclesial.

Encontramos exemplos dessa forma organizada e estruturada nos organismos

ecumênicos: Conferencia Missionaria Mundial de Edimburgo (1910),

Assembleias de Lausane e de Edimburgo, que geraram os movimentos ‘Fe e

Ordem’ e ‘Vida e Ação, que constituem elementos de uma estrutura coerente e

organizada a fim de zelar pelo objetivo do ecumenismo.

Ecumenismo doutrinal - O ecumenismo doutrinal e uma expressão

subjacente ao ecumenismo institucional. O que não quer dizer que esteja fora

do institucional. Cientes de que as causas das separações da Igreja se deram

a partir de questões ligadas a profissão da fé verdadeira (ortodoxia),

precisamos admitir que estes problemas de ordem doutrinal continuam gerando

infindos colóquios. Por esta razão, o ecumenismo doutrinal se torna importante,

pois ele constitui como verdadeiro passo em direção a unicidade crista em sua

totalidade.

Ecumenismo espiritual - Nos textos litúrgicos e devocionais de católicos,

ortodoxos, anglicanos e protestantes, apresentam-se orações que pedem a

Deus pela unidade da Igreja. Sem negar a tarefa doutrinal, e notório que a

unidade em sua plenitude e contemplada pela convergência na espiritualidade

compartilhada entre todas as pessoas cristas. Estas orações comuns que

relatam a intensidade de petição pela unidade constituem um passaporte valido

para a unidade: a oração compartilhada nos leva a um sentimento de união

com o Senhor de todos e todas.

Ecumenismo local ou de ‘base’ - O ecumenismo local se dá mediante uma

realidade expressiva, rica e diversa; diferentemente das outras antes citadas.

Embora o ecumenismo local não deixe de ser um ecumenismo institucional,

doutrinal e espiritual, a medida que exigia a representação da hierarquia nos

movimentos sociais que lutavam por justiça, costumava identifica-lo como

‘ecumenismo de base’. Em linhas gerais, ecumenismo local significa o

ambiente ou âmbito em que pessoas leigas, paroquias, constituem uma ‘base’

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ecumênica, ou, em termos eclesiológicos, representa o espaço do povo de

Deus.

Ecumenismo secular - Diante de alguns problemas quanto a uma decisão e

atitude para uma unidade, o ecumenismo eclesiástico parecia insustentável.

Por esta razão, surge o chamado ‘ecumenismo secular’, como fruto de uma

reflexão teológica, em uma proposta por meio de um método indutivo, partindo-

se da história de nosso tempo e considerando a encarnação como tema central

dessa reflexão, terá a capacidade de revivificar um ecumenismo que jazia entre

as paredes e muros das fronteiras eclesiásticas.

Através da apresentação dos diversos tipos de ecumenismo fica claro como

não cabe um mero reducionismo que o coloque apenas como a busca pela

unidade eclesial há os que não querem fugir desta visão (doutrinal-teológica),

uma vez que “Enfrenta a suspeita de promover o sincretismo”, porém tanto na

esfera política quanto social o ecumenismo é atuante - “Para o CMI, a unidade

da Igreja jamais tem sido um fim em si mesma. Deveria ser instrumento de paz

entre todos os habitantes desta terra” -, pois reconhece o que dialogo pode ser

a forma de mediar e remediar conflitos como esclarece Brakemeier.

Fica claro, pois, que o problema da unidade não se esgota numa

questão de dogmática cristã. É assunto eminentemente prático, de

abrangentes relações sociais. Busca evitar o tão falado clash of

cívilizations, a colisão das culturas1? É engajamento em favor da

"paz na terra, entre as pessoas a quem Deus quer bem" (Lc 2.11). O

"Ecumenismo" pode ser o mutirão em favor da dignidade humana, do

que tem sido um bonito exemplo a "Campanha da Fraternidade

Ecumênica" no ano 2000. Diante do desprezo pela vida humana, as

Igrejas se vêem compelidas a cooperar, a despeito de suas

diferenças doutrinais. Buscam o consenso ético numa práxis diaconal

que a seu modo questiona o dissenso no dogma. Mais desta vez o

termo "ecumenismo" adquire um significado peculiar. Reúne um

público distinto daquele que busca o consenso na teologia, processa-

se em outros moldes, persegue não exatamente os mesmos

objetivos.

Refletindo sobre a natureza etimológica da palavra ecumenismo que seria a

casa ou o local de habitação (Oikos) e futuramente entendido sobre

perspectivas políticas seja por Gregos ou Romanos. Uma aplicação coerente

do ecumenismo seria a de preservar nossa casa de habitação (planeta) por

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meio de uma congregação política, como os Romanos deve-se fazer do campo

religioso uma área de influência de domínio, da cordialidade, dialogo e respeito.

Num país em que a cada dia cresce a miséria e se multiplicam as

mortes causadas por fome, subnutrição e violência, a divisão dos

cristãos se constitui em escandaloso luxo. Nessa consciência reside,

sem dúvida, o principal motivo da extraordinária dinâmica que

caracteriza o ecumenismo brasileiro e latino-americano. A unidade

dos cristãos é uma exigência prática, imposta pelas indignas

condições de vida da maioria do povo e decorrente do compromisso

com a luta por justiça e libertação. (BRAKEMEIER)

Segundo Fontana, que é partidário da visão que atualmente o movimento

ecumênico apresenta-se em estagnação. Por parte do ICAR que não participa

do CMI não se colocando como mais uma denominação. Ou por parte de

protestantes que “influenciados pelo Pietismo ou pelo fundamentalismo”

também colocam-se como sendo os Cristãos “verdadeiros”.

O quadro atual não é dos mais positivos. O ecumenismo, segundo

Gottfried Brakemeier, depois de uma época de avanços sofre agora

estagnação.5 O rev. Carlos Calvani é da mesma opinião e chama a

atenção em seu artigo "Pezinho pra frente, pezinho pra trás" –

reflexões de um anglicano sobre o ecumenismo6 para a

inflexibilidade da Igreja Católica Romana quando se fala de

ecumenismo. Não obstante devemos apontar também que existe no

meio protestante uma grande resistência à proposta ecumênica.

(FONTANA, 2006)

A unidade no corpo de Cristo (igreja) foi vivida nos primeiro séculos de sua

existência, assim não é tarefa futura, mas de retorno e de necessidade

teológica, pois foi solicitada por Cristo “Dei-lhes a glória que me deste, para

que eles sejam um, assim como nós somos um” João 17:22 e expressa nas

escrituras Cristãs “Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes

chamados em uma só esperança da vossa vocação; Um só Senhor, uma só fé,

um só batismo;

Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós.”

Efésios 4:4-6, logo o ecumenismo pode ser visto como processo de

restauração de uma ordem já vivida como afirma Brakemeier “a palavra

"ecumênico" passa a qualificar determinada mentalidade. Consiste na

consciência do vínculo que há entre todos que professam o nome de Jesus

Cristo, e da necessidade da reconciliação entre as Igrejas divididas. Pois a

unidade das Igrejas e de seus membros é anterior às suas divisões. A unidade

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está em Cristo. Ela é dom antes de ser tarefa. Não cabe ao ecumenismo

construir ou produzir a unidade. Cabe-lhe, isto sim, visualizar a unidade que em

Cristo já existe”.

3. DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

Diálogo consiste no processo de conversação entre duas ou mais pessoas,

quando aplicado ao contexto das religiões o diálogo assume papel de

mediador, para relações construtivas no âmbito religioso.

O diálogo autêntico traduz um encontro de interlocutores pontuado

pela dinâmica da alteridade, do intercâmbio e reciprocidade. É no

processo dialogal que os interlocutores vivem e celebram o

reconhecimento de sua individualidade e liberdade [...] (TEIXEIRA)

Neste caminho é que o diálogo inter-religiosos se estabelece, pois na relação

com pessoas de outras confissões religiosas haverá o enriquecimento e

valorização do outro, busca-se com isso um conhecimento mútuo que venha

ampliar a cosmovisão que faça entender a natureza das diferenças

estabelecendo-se um ambiente propicio para o respeito e tolerância.

Dentre a extensa variedade de formas de diálogo, situa-se o diálogo

inter-religioso com sua peculiaridade própria. Trata-se do “conjunto

das relações inter-religiosas, positivas construtivas, com pessoas e

comunidades de outras confissões religiosas, para um mútuo

conhecimento e um recíproco enriquecimento”. O diálogo inter-

religioso instaura uma comunicação e relacionamento entre fiéis de

tradições religiosas diferentes, envolvendo partilha de vida,

experiência e conhecimento. Esta comunicação propicia um clima de

abertura, empatia, simpatia e acolhimento, removendo preconceitos e

suscitando compreensão mútua, enriquecimento mútuo,

comprometimento comum e partilha da experiência religiosa.

(TEIXEIRA)

Há que se ressaltar que o diálogo inter-religioso não pode ser confundido com

sincretismo religioso, uma vez que nasce de pessoas comprometidas com sua

fé e religião, mas ao mesmo tempo dispostas ao aprendizado e convívio de

forma harmoniosa, o desejo de ir além da tolerância que busca a compreensão

sem contudo abandonar a fé pessoal o que ressalta a importância do outro na

vivencia e construção da identidade pessoal com esclarece Martin Buber, “o

homem se torna EU na relação com o TU”. É no diálogo que os interlocutores

têm a possibilidade de expressar suas opiniões e ultrapassar seus pré-

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conceitos estabelecidos que sem a conversação podem atuar como barreiras a

boa convivência religiosa. O teólogo suíço Hans Küng faz pontual reflexão

sobre a importância do diálogo inter-religioso como meio de estabelecer um

contexto de paz por meio de uma atitude austera:

Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as religiões.

Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as

religiões. Não haverá diálogo entre as religiões, se não existirem

padrões éticos globais Nosso planeta não irá sobreviver, se não

houver um ethos global, uma ética para o mundo inteiro. (KÜNG,

2004, p. 17)

O que muitos consideram como marco inicial do diálogo inter-religioso

contemporâneo ocorreu em 1893 com o Parlamento Mundial das Religiões,

que ocorreu nos EUA na cidade de Chicago “Reuniu 4000 pessoas na sessão

inaugural. Durante 18 dias, dos 400 delegados, 150 tomaram a palavra. Teve a

adesão de religiosos orientais e a curiosidade de líderes judeus, cristãos e

muçulmanos mais abertos”. Um século depois a cidade de Chicago voltaria a

ser palco de outro marco importante para o processo dialogal das religiões.

Em 1993, um século depois, novamente em Chicago, o “Parlamento”

fazia nova assembleia-geral. Neste, os participantes aprovaram a

“Declaração por uma Ética Mundial”, a partir da ajuda teológica de

Hans Küng e da “Fundação por uma Ética Mundial”, organismo de

caráter internacional e inter-religioso. (BARROS)

É neste evento que são formulados os seis princípios que buscam uma ética

mundial estabelecidos na “Declaração por uma Ética Mundial”:

1. Não é possível uma nova ordem mundial sem uma Ética mundial.

2. A exigência fundamental desta Ética é que todo ser humano seja tratado de

forma humana.

3. É urgente criar uma cultura da não violência e do respeito por cada ser vivo.

4. Uma cultura da solidariedade e uma ordem econômica justa.

5. Cultura da tolerância e de paridade de direitos e igualdade entre homem e

mulher.

6. É necessária uma transformação de consciência sem a qual estas propostas

anteriores não seriam profundas.

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Por parte da ICAR o Concílio do Vaticano II marcou uma abertura do

Romanismo às outras religiões, visto que passam a reconhecer que em outras

expressões religiosas estão presentes manifestações da “verdade” transmitida

pela ICAR.

“Com sincera atenção, a Igreja considera os modos de viver e agir, os

preceitos e doutrinas das outras religiões. Nada rejeita do que, nelas,

existe de verdadeiro e santo. Mesmo que, em muitos pontos, seus

ensinamentos estejam em desacordo com o que a Igreja pensa e

anuncia, não raro, refletem lampejos daquela Verdade que ilumina

todo ser humano” (...)“A Igreja exorta seus filhos a reconhecer,

manter e desenvolver os bens espirituais e morais, como também os

valores socioculturais que existem nas outras religiões que, mesmo

contendo elementos doutrinais que a Igreja não concorda, têm

lampejos da verdade que iluminam todos os seres

humanos” (CONCILIO VATICANO II, apud, BARROS).

Já em território nacional um marco para o contexto brasileiro foi a Eco-92,

Conferência Mundial sobre o meio ambiente, que aconteceu em julho de 1992

na Cidade do Rio de Janeiro fato relevante ocorrido na Eco-92 foi a “celebração

inter-religiosa: um novo dia para a terra”:

Foi uma experiência única para todos aqueles que participaram das

atividades ocorridas na “aldeia sagrada”, que transformou o aterro do

Flamengo com suas tendas espalhadas por todos os cantos. Como

acentuou o antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, cerca de “3000

fiéis de 25 religiões e credos tão diversos como o catolicismo, o

hinduísmo, o judaísmo e o candomblé, esperaram o amanhecer da

sexta feira como a chegada de um novo dia para a Terra”.

(TEIXEIRA)

Quando refletimos sobre o campo religioso brasileiro vislumbramos um

contexto de pluralismo religioso, no qual o convívio mostra-se difícil e uma

realidade de disputas por fieis de pouco diálogo e muitos anátemas. Zabatiero

define algumas características do campo:

Dinamicidade - Os dados estatísticos do Censo 2000 e pesquisas mais

recentes do CPS/FGV indicam, basicamente, que o campo religioso brasileiro

atual possui elevado grau de dinamicidade: * algumas instituições religiosas

crescem em ritmos elevados, algo semelhante ocorrendo com pessoas sem

religião; * a ICAR, que vinha experimentando um intenso declínio quantitativo

até o ano 2000 parece, segundo dados de 2003, estar começando a se

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equilibrar e a recuperar terreno; * o trânsito religioso é intenso, embora a

sociedade brasileira continue predominantemente cristã (90%);

Midiatização - Outro dado a se ressaltar no campo religioso brasileiro atual é a

intensa midiatização do discurso religioso, tanto na TV aberta – mais usada

pelos neo-pentecostais – quanto na TV a cabo – mais usada pela ICAR. *

Através da mídia, a conflitividade do campo se destaca, com intensa busca de

novos fiéis e, especialmente, novos contribuintes/investidores; *

Aparentemente, as estruturas discursivas da TV estão influenciando os modos

de pregação e comunicação em âmbito local (templos); * O discurso religioso

na mídia, especialmente na TV aberta, sugere que a mundanização da fé cristã

continua seu curso, paralelamente a uma reinserção de aspectos mágicos nas

práticas litúrgicas e pessoais.

Mundanização - Continuo usando o termo mundanização no sentido da teoria

da secularização, sem qualquer tipo de conotação moral (o processo mediante

o qual as pessoas se tornam menos preocupadas com questões

transcendentais e mais voltadas às questões intra-mundanas). Talvez se possa

dar uma formulação mais precisa ao termo a partir da análise da pregação

midiática no Brasil: “o processo mediante o qual as pessoas, mediante o

recurso a fatores transcendentais, buscam respostas a questões intra-

mundanas”. Da Mundanização decorre a Mercadorização.

Mercadorização - O processo mediante o qual as crenças e práticas religiosas

são ressignificadas como bens ou produtos a serem consumidos

individualisticamente. Neste caso, pode-se aceitar a validade parcial do

conceito de compensador da teoria da religião, de Stark & Bainbridge: “quando

os seres humanos não conseguem obter recompensas intensamente

desejadas com facilidade e rapidez, eles persistem em seus esforços e podem,

com frequência, aceitar explicações que ofereçam apenas compensadores.

Estes são substitutos intangíveis para a recompensa desejada, tendo o caráter

de dívidas, cujo valor deve ser aceito pela fé”.

Pierre Bourdieu citado por Zabatiero define campo de seguinte forma: “O

campo se define como o locus onde se trava uma luta concorrencial entre os

atores em torno de interesses específicos [...] onde se manifestam relações de

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poder [...]” sua aplicabilidade expande-se ao campo religioso brasileiro onde

fieis são vistos como clientes que devem ter suas necessidades atendidas. A

dinâmica de mercado toma conta das relações religiosas, nas quais teologias

como a da prosperidade legitimam as riquezas como favor divino. Nesta

perspectiva, os fiéis transitam entre diferentes propostas religiosas na busca de

suprir seus desejos e consumir do que lhes é oferecido no mercado da fé,

assim aplica-se a Mundanização, homens e mulheres que se dirigem ao

transcendente na busca de suprir demandas mundanas. Denominações

disputam palmo a palmo novos clientes-fieis, cada denominação é vista como

concorrente, opositora aos objetivos de crescimento (vertiginoso foi o

crescimento experimentado pela IURD “conforme os dados dos dois últimos

Censos Demográficos, essa igreja cresceu nada menos que 718% entre 1991

e 2000”). Logo, diálogo não é a palavra mais comum a ser ouvida entre

algumas denominações (em especial pentecostais e neopentecostais, esses

atuam expressivamente através do meios midiáticos, compreendendo a

sociedade, altamente imagética), o Brasil apresenta elevada pluralidade

religiosa, assim é preciso haver maior abertura, diálogo, de modo que os

anátemas deixem de existir, o monge italiano Enzo Bianchi (citado por Barros)

estabelece algumas atitudes para se chegar ao diálogo que se faz tão

necessário no contexto brasileiro e mundial:

1 – Aceitar que haja uma diferença entre nós e reconhecer o direito que o outro

tem a ser outro (direito à alteridade)

2 – Iniciar o diálogo pela escuta interior e profunda do diferente.

3 – Deixar que seja o outro que se defina e aceitar esta autoleitura. (Por

exemplo, como eu não sou do candomblé, não devo defini-lo)

4 – Assumir a própria identidade e aprofundá-la para distinguir na minha fé o

que é essencial do que não o é.

5 – Olhar o outro como igual. Não há diálogo sem igualdade entre os parceiros

6 – Excluir toda atitude de autossuficiência e de arrogância teológica ou

doutrinal ou ritual.

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7 — Para dialogar com o outro, partir do mais próximo e sublinhar os pontos

em comum.

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