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Este artigo tem por objetivo analisar a perícope bíblica de Qohélet 3.1-15 (Eclesiastes 3.1-15) a partir da relação dialética existente entre os conceitos filosóficos e teológicos do determinismo e do livre-arbítrio. E, para podermos alcançar esse objetivo, daremos três passos básicos. Primeiro, daremos a nossa própria tradução do texto original hebraico, a qual será acompanhada por algumas breves observações lexicais e semânticas. Em segundo lugar, forneceremos quatro pontos de vista sobre a relação existente entre o determinismo e o livre-arbítrio. E, em terceiro lugar, faremos a leitura da perícope estudada através da ótica do determinismo e do livre-arbítrio. Neste terceiro item, nos valeremos principalmente das opiniões e comentários emitidos por fontes judaicas.
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Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
ARTIGO TEOLÓGICO
1Qöheºletöheºletöheºletöheºlet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
por
Carlos Augusto Vailatti
RESUMO
Este artigo tem por objetivo analisar a perícope bíblica de Qöheºlet 3.1-15 (Eclesiastes 3.1-15) a partir da relação dialética existente entre os conceitos filosóficos e teológicos do determinismo e do livre-arbítrio. E, para podermos alcançar esse objetivo, daremos três passos básicos. Primeiro, daremos a nossa própria tradução do texto original hebraico, a qual será acompanhada por algumas breves observações lexicais e semânticas. Em segundo lugar, forneceremos quatro pontos de vista sobre a relação existente entre o determinismo e o livre-arbítrio. E, em terceiro lugar, faremos a leitura da perícope estudada através da ótica do determinismo e do livre-arbítrio. Neste terceiro item, nos valeremos principalmente das opiniões e comentários emitidos por fontes judaicas.
Palavras-Chave: Qöheºlet, Eclesiastes, Determinismo, Livre-Arbítrio, Interpretação.
RESUMEN
En este artículo se pretende analizar el pasaje bíblica de Qöheºlet 3,1-15 (Eclesiastés 3,1-15) a partir de la relación dialéctica entre los conceptos teológicos y filosóficos del determinismo y del libre albedrío. Y con el fin de lograr este objetivo, vamos a dar tres pasos básicos. En primer lugar, vamos a dar nuestra propia traducción del texto hebreo original, que será acompañada por unas breves observaciones léxicas y semánticas. En segundo lugar, vamos a dar cuatro puntos de vista sobre la relación entre el determinismo y el libre albedrío. Y en tercer lugar, leemos el pasaje estudiada a través del lente del determinismo y del libre albedrío. En este tercer punto, sobre todo vamos a utilizar las opiniones y los comentarios de las fuentes judías.
Palabras Clave: Qöheºlet, Eclesiastés, Determinismo, Libre Albedrío, Interpretación.
ABSTRACT
This article aims to analyze the biblical passage of Qöheºlet 3.1-15 (Ecclesiastes 3.1-15) from the dialectical relationship between the theological and philosophical concepts of determinism and free will. And in order to achieve this goal, we will give three basic steps. First, we shall give our own translation of the original Hebrew text, which will be accompanied by some brief lexical and semantics observations. Secondly, we will provide four views on the relationship between determinism and free will. And thirdly, we will read the passage studied through the lens of determinism and free will. In this third item, we will use especially the views and comments made by Jewish sources.
Keywords: Qöheºlet, Ecclesiastes, Determinism, Free Will, Interpretation.
1 Este artigo foi apresentado originalmente como trabalho em 06/2011 para a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (Departamento de Letras Orientais) da Universidade de São Paulo (USP).
Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
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INTRODUÇÃO
O livro de Qöheºlet (em hebraico, tl,h,äqo), também conhecido como
Ekklēsiastēs (em grego, VEkklhsiasth,j), termo este derivado da Septuaginta, já
foi chamado, e com muita justiça, de “o mais filosófico dos livros bíblicos”.2
Esse livro sapiencial, que foi escrito provavelmente entre os séculos IV e III
a.C.,3 é, no mínimo, “um livro estranho”, para usar as palavras de Haroldo de
Campos.4 E essa “estranheza” se deve, segundo Robert Balgarnie Young Scott, a
três fatores principais: 1) à divergência radical entre o conteúdo de Qöheºlet e
aquele encontrado no resto da Bíblia Hebraica, 2) à língua na qual o livro foi
escrito e 3) ao nome do livro. De acordo com Scott:
No caso de Eclesiastes, não há (...) possibilidade (...) de harmonizá-lo com o tom
e o ensino do resto da Bíblia. Ele diverge muito radicalmente. Na verdade, ele
nega algumas das coisas sobre as quais os outros escritores colocam a maior
importância – especialmente que Deus tem revelado a si próprio e a sua vontade
para o homem, através do seu povo escolhido, Israel. Em Eclesiastes, Deus não é
apenas desconhecido para o homem através da revelação; ele é incognoscível
através da razão, o único meio pelo qual o autor acredita que o conhecimento é
alcançável. Tal Deus não é Yahweh, o Deus da aliança de Israel. Ele é bastante
misterioso, um Ser inescrutável cuja existência deve ser pressuposta como
aquela que determina a vida e o destino do homem, em um mundo que o homem
não pode mudar e onde todo o seu esforço e valores são esvaziados de sentido.
(...) Um segundo elemento de estranheza é a língua na qual o livro foi escrito,
um tipo de hebraico diferente de qualquer outro no Antigo Testamento. Ele
possui características que se assemelham ao hebraico da Mishná (200 A.D.) e a
algo do rolo de cobre anterior de Qumrã; aparentemente, este foi um dialeto
desenvolvido em certos círculos sob a influência do aramaico, pouco antes do
2 FRIEDMAN, Richard Elliott. O Desaparecimento de Deus: um mistério divino. Rio de Janeiro, Imago, 1997, p.284. 3 CERESKO, Anthony R. Introdução ao Antigo Testamento numa Perspectiva Libertadora. São Paulo, Paulus, 1996, p.299. Para maiores informações sobre a data em que Qöheºlet foi escrito, veja: ARCHER, Gleason L. The Linguistic Evidence For the Date of “Ecclesiastes”. [Journal of the Evangelical Theological Society].Vol.12, nº3, Louisville, Evangelical Theological Society Press,1969, pp.167-181. 4 CAMPOS, Haroldo de. Qohélet = O-que-sabe: Eclesiastes: poema sapiencial. São Paulo, Editora Perspectiva, 1991, p.17.
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início da era cristã. (...) Em terceiro lugar, o nome ou designação do autor,
Qöheºlet (...) é um antigo enigma. Ele tem a forma de um particípio feminino
ativo do verbo q-h-l (não encontrado no tronco simples no Antigo Testamento),
do qual é derivado o substantivo q`h`l, “uma reunião, assembleia,
congregação”. “Qöheºlet” parece significar, portanto, “aquele que reúne uma
corporação ou congregação”. No contexto do movimento de Sabedoria, o termo
ou título poderia designar um mestre ou acadêmico que reúne em torno de si
alunos ou discípulos, como, aliás (nos é dito em xii 9), Qohelet fez.5
Todavia, apesar de ser “estranho”, Qöheºlet é, ao mesmo tempo, um livro
fascinante e bastante atual.6 O livro é fascinante pela profunda sabedoria
atemporal de vida que ele exibe em suas páginas e também é,
concomitantemente, atual, pois, segundo alguns estudiosos, o Qöheºlet advoga
filosofias tais como: o pessimismo, o ceticismo, o agnosticismo, o racionalismo,
o secularismo, o antropocentrismo, o conformismo, o epicurismo, o hedonismo, o
materialismo, o fatalismo e o determinismo, dentre outros, elementos estes que
também podem ser percebidos em larga escala em nossa sociedade
contemporânea pós-moderna.
No que se refere ao propósito que motivou a escrita de Qöheºlet, Stephan
de Jong acredita que o livro tenha sido escrito com o propósito de reagir contra o
espírito tecnocrático helenista, uma vez que a cultura helênica era a cultura
dominante daquela época. Tal espírito, que era caracterizado por um grande
otimismo e por um sentimento de superioridade helênicos, estava influenciando,
sobretudo, a aristocracia judaica, e, por isso, Qöheºlet se dirige contra essa fé nas
possibilidades ilimitadas do homem.7 Haroldo Reimer, que segue uma linha de
pensamento semelhante à de Jong, afirma que o propósito do livro de Qöheºlet é
5 SCOTT, R. B. Y. [Ed.]. Proverbs, Ecclesiastes. Vol. 18. [The Anchor Bible]. New York, Doubleday, 1965, pp.191,192. 6 Ceresko, comentando sobre o conteúdo de Qöheºlet, afirma: “a obra quase soa moderna em suas inquisitivas reflexões”. (Cf. CERESKO, Anthony R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo, Paulus, 2004, p.100). 7 JONG, Stephan de. “Quítate de Mi Sol!”: Eclesiastés y La Tecnocracia Helenística. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-Americana], Nº 11, 1992, p.1.
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duplo. Primeiramente, o Qöheºlet visa refletir criticamente sobre qual é o proveito
real que se pode tirar do trabalho, uma vez que se vive debaixo de um sistema de
dominação, isto é, o sistema helenístico. Em segundo lugar, Reimer ainda
acredita que o Qöheºlet foi escrito para incentivar o judeu, que está dominado por
um sistema estrangeiro, a praticar o seu carpe diem. Tal postura seria uma forma
de contestar o sistema de trabalho helênico escravizante em Judá, o qual vigorava
na metade do III século a.C.8
Seja como for, em nosso trabalho, buscaremos tratar basicamente da
relação dialética existente entre o determinismo e o livre-arbítrio a partir da
análise da perícope bíblica de Qöheºlet 3.1-15. E, a fim de podermos atingir o
nosso objetivo, daremos três passos básicos. Primeiro, daremos a nossa própria
tradução do texto original hebraico, a qual será acompanhada por algumas breves
observações lexicais e semânticas. Em segundo lugar, forneceremos quatro
pontos de vista sobre a relação existente entre o determinismo e o livre-arbítrio.
Em terceiro lugar, faremos o comentário do texto ora estudado, a partir da ótica
da relação dialética existente entre o determinismo e o livre-arbítrio, visando
compreender melhor o seu significado. Neste terceiro item, nos valeremos
principalmente das opiniões e comentários emitidos por fontes judaicas. Depois
disso tudo, mencionaremos finalmente algumas conclusões às quais chegamos ao
término do nosso trabalho.
Feitos estes esclarecimentos, avancemos, então, em nosso estudo.
8 REIMER, Haroldo. “Y ver la parte buena de todo su trabajo” (Eclesiastés 3,12) – Anotaciones Sobre Economia y Bienestar en la vida del Eclesiastés. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-Americana], Nº51, 2005, p.1.
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I – O TEXTO DE QOHÉLET 3.1-15 E A SUA TRADUÇÃO
Antes de começarmos a fazer a nossa análise sobre a perícope de Qöheºlet
3.1-15, é necessário dizer que o nosso estudo se baseará principalmente no texto
massorético (TM) encontrado na BHS.9 Esse texto é visto atualmente como o
mais confiável da Bíblia Hebraica tanto por eruditos judeus, quanto por eruditos
cristãos em todo o mundo. A nossa tradução desse texto buscará ser a mais literal
possível, a fim de valorizar as nuances e características do texto hebraico clássico
(bíblico). Eis o texto hebraico de Qöheºlet 3.1-15 e a sua respectiva tradução:
Qöheºlet öheºlet öheºlet öheºlet 3.1-15 Traduzido Qöheºlet öheºlet öheºlet öheºlet 3.1-15 em Hebraico
1 Para tudo (há) um tempo determinado
E um tempo para todo propósito debaixo dos céus.
!m"+z> lKoßl; 1
`~yIm")V'h; tx;T;î #p,xeÞ-lk'l. t[eîw>
2 Tempo para nascer
E tempo para morrer
Tempo para plantar
E tempo para colher
td<l,Þl' t[eî 2
tWm+l' t[eäw>
t[;j;êl' t[eä
`[:Wj)n" rAqï[]l; t[eÞw>
3 Tempo para matar
E tempo para curar
Tempo para destruir
E tempo para construir
‘gArh]l; t[eÛ 3
aAPêr>li t[eäw>
#Arßp.li t[eî
`tAn*b.li t[eîw>
4 Tempo para chorar
E tempo para rir
Tempo de se lamentar
E tempo de dançar
‘tAKb.li t[eÛ 4
qAxêf.li t[eäw>
dApßs. t[eî
`dAq)r> t[eîw>
5 Tempo para lançar pedras
E tempo de amontoar pedras
Tempo para abraçar
E tempo para afastar-se de abraçar
~ynIëb'a] %yliäv.h;l. t[e… 5
~ynI+b'a] sAnæK. t[eÞw>
qAbêx]l; t[eä
`qBe(x;me qxoïr>li t[eÞw> 9 Cf. ELLIGER, K. & RUDOLPH, W. (Eds.). Bíblia Hebraica Stuttgartensia. [Editio Quinta Emendata]. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft,1997.
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6 Tempo para buscar
E tempo para perder
Tempo para guardar
E tempo para lançar
‘vQeb;l. t[eÛ 6
dBeêa;l. t[eäw>
rAmàv.li t[eî
`%yli(v.h;l. t[eîw>
7 Tempo para rasgar
E tempo para costurar
Tempo para calar
E tempo para falar
‘[:Ar’q.li t[eÛ 7
rAPêt.li t[eäw>
tAvßx]l; t[eî
`rBE)d:l. t[eîw>
8 Tempo para amar
E tempo para odiar
Tempo de guerra
E tempo de paz
‘bhoa/l,( t[eÛ 8
anOëf.li t[eäw>
hm'Þx'l.mi t[eî
`~Al)v' t[eîw>
9 Que proveito (tem)
O trabalhador
No que ele trabalha?
‘!Art.YI-hm; 9
hf,êA[h'(.
`lme([' aWhï rv<ßa]B;
10 Eu tenho visto a tarefa
Que deu Deus
Aos filhos do homem
Para estarem ocupados nela.
!y"©n>[ih'(-ta, ytiyaiär" 10
~yhi²l{a/ !t:ôn" rv,’a]
~d"Þa'h' ynEïb.li
`AB* tAnð[]l;
11 Tudo fez belo em seu tempo;
Também o mundo deu no coração deles,
De tal modo que não descubra o homem
A obra que fez Deus
Desde o princípio e até o fim
AT=[ib. hp,äy" hf'Þ[' lKoïh;-ta, 11
~B'êliB. !t:ån" ‘~l'[oh'-ta, ~G:Ü
~d"ªa'h' ac'äm.yI-al{ rv<ôa] yliúB.mi
~yhiÞl{a/h' hf'î['-rv,a] hf,²[]M;h;(-ta,
`@As)-d[;w> varoïme
12 Eu sei que não há nada
Melhor para eles
Que se alegrarem
E fazerem (o) bem em sua vida
!yaeî yKi² yTi[.d:§y" 12
~B'_ bAjß
x:Amêf.li-~ai yKiä
`wyY")x;B. bAjß tAfï[]l;w>
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13 E também todo homem
Que coma e beba
E veja (o) bem
Em todo seu trabalho
Isso (é) um dom de Deus
‘~d"a'h'-lK' ~g:Üw> 13
ht'êv'w> lk;äaYOv,
bAjß ha'îr"w>
Al+m'[]-lk'B.
`ayhi( ~yhiÞl{a/ tT;îm;
14 Eu sei que tudo (o) que fez Deus
Ele (Isso) será para sempre
Sobre ele (isso) nada (há) para acrescentar
E dele (disso) nada (há) para tirar
E Deus (o) fez
(para) que temam em face dele
‘~yhil{a/h' hf,Û[]y: rv,’a]-lK' yKiû yTi[.d:ªy" 14
~l'êA[l. hy<åh.yI aWh…
@ysiêAhl. !yaeä ‘wyl'['
[:ro+g>li !yaeä WNM,ÞmiW
hf'ê[' ~yhiäl{a/h'w>
`wyn")p'L.mi Waßr.YI)v,
15 O que foi
Ele já (é)
E (o) que será
Já foi
E Deus buscará o perseguido
‘hy"h'V,(-hm; 15
aWhê rb"åK.
tAyàh.li rv<ïa]w:
hy"+h' rb"åK.
`@D")r>nI-ta, vQEïb;y> ~yhiÞl{a/h'w>
Há algumas observações que devem ser feitas aqui sobre alguns vocábulos
em hebraico que aparecem em Qöheºlet 3.1-15 e os significados correspondentes
que escolhemos lhes atribuir.
Em Qöheºlet 3.1, três palavras merecem a nossa atenção. Tratam-se dos
termos: !m"+z> (zümän), t[eî (`ët) e #p,xeÞ (Hëºpec).
Em primeiro lugar, o substantivo masculino !m"+z> (zümän) ocorre uma única
vez em toda a perícope e significa, segundo Holladay, “tempo específico”,
“hora”.10 Gesenius, um dos maiores eruditos do hebraico bíblico, concorda com
esta opinião e declara que o vocábulo significa “tempo”, fazendo referência a
10 HOLLADAY, William L. (Ed.). A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament. Grand Rapids, William B. Eerdmans Publishing Company / Leiden, E. J. Brill, 1988, p.89.
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“um tempo estabelecido”.11 Segundo o Etymological Dictionary of Biblical
Hebrew (Dicionário Etimológico de Hebraico Bíblico), a raiz !mz (zmn) que
aparece aqui significa “designado para um propósito”. Tal raiz, ainda segundo
esse mesmo dicionário, possui como significado cognato o conceito de
“estabelecer um objetivo”.12 O termo aparece em outras passagens na Bíblia
Hebraica para se referir, por exemplo, ao tempo determinado ou designado para
as festas judaicas (Est 9.27,31) e também para se referir ao período de tempo que
Neemias definiu para a sua ausência de Susã (Ne 2.6).13 Em nosso trabalho,
resolvemos traduzir zümän por “tempo determinado”, o que fazem também as
traduções em português: ARA14 e ARC.15
Em segundo lugar, o substantivo feminino t[eî (`ët) que significa
basicamente um “ponto no tempo”, possui outros significados a ele atrelados: 1)
“tempo de um evento” e 2) “tempo para um evento”. O último possui algumas
subcategorias: a) “tempo normal”, b) “o tempo adequado, conveniente ou
apropriado”, c) “o tempo designado” e d) “tempo indeterminado”.16 Contudo,
apesar da grafia distinta dos termos, as duas palavras semitas, zümän e `ët
significam basicamente a mesma coisa.17
A Septuaginta (III–I século a.C.), por outro lado, traduz zümän por cro,noj
(chrónos) e ̀ ët por kairo.j (kairós).18 Segundo o An Intermediate Greek-English
Lexicon (Léxico Intermediário Grego-Inglês) de Liddell e Scott, a palavra
chrónos significa basicamente “tempo”, podendo se referir a “um tempo
11 GESENIUS, H.W.F. Geseniu’s Hebrew-Chaldee Lexicon to the Old Testament. Grand Rapids, Baker Book House, 1992, p.247. 12 CLARK, Matityahu. Etymological Dictionary of Biblical Hebrew. Jerusalem / New York, Feldheim Publishers, 1999, pp.67,68. 13 Cf. NET Bible. Ecclesiastes 3:1, note 2. Disponível em: http://bible.org/netbible/index.htm. Acesso em: 23/04/2011. 14 ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Atualizada). São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. 15
ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Corrigida). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991. 16 Cf. NET Bible. Ecclesiastes 3:1, note 3. Disponível em: http://bible.org/netbible/index.htm. Acesso em: 23/04/2011. 17 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet. [Coleção: Grande Comentário Bíblico]. São Paulo, Paulus, 1999, p.215. 18 Cf. RAHLFS, Alfred. (Ed.). Septuaginta. [Duo volumina in uno]. Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 2004.
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definitivo, um espaço de tempo, período ou estação”.19 Esse mesmo léxico define
kairo.j como “o ponto certo do tempo, o tempo apropriado ou período de ação, o
tempo exato ou crítico”.20 Como Líndez já observou antes de nós, a versão grega
não nos ajuda muito a distinguir os significados dos termos neste caso.21
Por fim, a Vulgata de Jerônimo (IV–V século d.C.) traduziu zümän por
tempus (“tempo”) e ̀ ët por spatiis (“estação”).22 Assim como o hebraico e o
grego, o latim também não nos ajuda a identificar uma distinção nítida entre um
vocábulo e o outro.
Em terceiro lugar, o substantivo masculino #p,xeÞ (Hëºpec) pode significar
“deleite, prazer, desejo, a boa vontade, vontade, propósito, negócio (em época
tardia), questão (em época muito tardia)”.23 A Septuaginta traz no lugar de Hëºpec
o substantivo neutro pra,gmati (prágmati), o qual, por sua vez, é derivado do
termo pra/gma (prâgma), cujos significados básicos, dentre outros, são: “o que
tem sido feito, uma ação, ato, uma coisa, questão, negócio”.24 É da mesma raiz
dessa palavra que vem a nossa palavra moderna “pragmatismo”. Em nossa
tradução, preferimos adotar o termo “propósito” como tradução para Hëºpec.
Em Qöheºlet 3.2, os vocábulos td<l,Þl' (läleºdet) e [:Wj)n" rAqï[]l; (la`áqôr
nä†ûª` ) também merecem atenção. A primeira expressão, läleºdet, é um infinitivo
construto na construção verbal Qal, o qual significa literalmente “dar à luz”.
Porém, o contexto favorece a tradução da expressão no sentido passivo, porque o
que está sendo enfatizado é o nascimento do filho e não o ato de a mãe dar à
luz.25 Por isso, preferimos traduzir läleºdet como “para nascer”. A LXX conserva
o mesmo significado literal do texto hebraico, ao passo que a Vulgata traz aqui
“tempus nascendi”, isto é, “tempo para nascer”. 19 Cf. o verbete cro,noj, in: LIDDELL, H. G. & SCOTT, R. An Intermediate Greek-English Lexicon. (Founded upon the Seventh Edition of Liddell and Scott’s Greek-English Lexicon). Oxford, Oxford University Press, 1889, p.896. 20 Cf. o verbete kairo.j, in: Idem, Ibidem, p.392. 21 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.215. 22 JÁNOS II, Pal. Nova Vulgata Bibliorum Sacrorum Editio. Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 1979. 23 BROWN, Francis, DRIVER, S. R. & BRIGGS, Charles A. Hebrew and English Lexicon of the Old Testament. Oxford, Clarendon Press, 1951, p.343. 24 Cf. pra/gma, in: LIDDELL, H. G. & SCOTT, R. Op.Cit., p.665,666. 25 LÍNDEZ, José Vílchez. Op.Cit., p.215.
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No que diz respeito à expressão la`áqôr nä†ûª` , o seu significado literal é
“arrancar o que foi plantado”. Temos aqui a expressão la`áqôr, que se encontra
no infinitivo construto do Qal e significa “arrancar” e a construção verbal passiva
que aparece no Nif‘al e que pode ser traduzida como “o que foi plantado”.
Apesar disso, optamos por traduzir a expressão la`áqôr nä†ûª` por “colher”, uma
vez que concordamos com o argumento de Líndez, segundo quem “colher” é a
tradução mais preferível por dois motivos: 1) a raiz `qr, de la`áqôr, “arrancar”,
parece ser derivada da raiz fenícia `qrT, significando “armazém”, “depósito” e 2)
a tradução “colher” se encaixa perfeitamente no contexto.26
Em Qöheºlet 3.11, o substantivo masculino ‘~l'[o (`öläm) tem sido alvo
dos mais intensos debates no que diz respeito ao seu significado no citado verso.
Vejamos o que Schökel tem a nos dizer sobre o significado de `öläm:
Significa um tempo ou duração indefinida ou incalculável, no passado ou futuro,
ou o definitivo de uma ação ou estado. A duração ilimitada pode referir-se a uma
medida: no passado, o cósmico, a história; no futuro, a vida de um indivíduo, um
povo, a história, o cósmico.27
O mesmo autor ainda irá dizer mais adiante que `öläm também pode ser
traduzido como “mundo”, em uma concepção mais tardia. Aliás, esta é a
tradução que Schökel propõe para `öläm em Qöheºlet 3.11.28 A LXX, por sua
vez, verte ̀öläm por aivw/na (aiōna), substantivo no acusativo que é derivado de
aivw,n (aiōn), cujos significados básicos são: “tempo, duração da vida, vida,
eternidade, idade, geração, século”.29 Por fim, a Vulgata traduz öläm por
mundum, “mundo”. Curiosamente, a Bíblia Hebraica (BH) publicada pela Sêfer
26 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.215. 27 SCHÖKEL, Luis Alonso. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo, Paulus, 1997, p.483. 28 Idem, Ibidem, p.484. 29 PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1976, p.19.
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traduz öläm por “ânsia de compreender”.30 Seguindo os seus passos, a Bíblia na
Tradução da Linguagem de Hoje (TLH) traz “desejo de entender as coisas que já
aconteceram e as que ainda vão acontecer”.31 Na verdade, estas duas versões
bíblicas refletem mais uma interpretação de öläm à luz do seu contexto imediato,
do que uma tradução propriamente dita. Por outro lado, a Bíblia de Jerusalém
(BJ) traz no lugar de öläm a expressão “conjunto do tempo”,32 sendo
acompanhada de perto pela Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB), que traz
“sentido do tempo”.33 Além dessas versões, a versão espanhola da Bíblia, Reina-
Valera, traz “eternidad”.34 A versão em português de João Ferreira de Almeida,
Revista e Atualizada (ARA) também traz “eternidade”.35 Finalmente, a versão
em português de João Ferreira de Almeida, Revista e Corrigida (ARC) verte
öläm por “mundo”.36 Particularmente, preferi traduzir öläm por “mundo” por
entender que o conceito de “mundo” possui maior materialidade e concretude de
significado, sendo, a meu ver, mais condizente com o contexto de Qöheºlet 3.1-
15, que aborda aspectos “concretos” da vida humana, tais como: “nascer, morrer;
plantar, colher; matar, curar; destruir, construir; chorar, rir; lamentar, dançar;
lançar e amontoar pedras; abraçar e deixar de abraçar; buscar, perder; guardar,
lançar; rasgar, costurar; calar, falar; amar, odiar; guerra e paz” (Qöheºlet 3:1-8).
Obviamente, esta observação não significa que o autor de Qöheºlet fosse incapaz
de abstrair. Aliás, a sua obra como um todo demonstra exatamente o contrário.
Por fim, o sentido da última frase da nossa perícope, isto é, de Qöheºlet
3.15, também tem sido alvo de muita discussão. A frase inteira em hebraico diz:
@D")r>nI-ta, vQEïb;y> ~yhiÞl{a/h'w> (wühä´élöhîm yübaqqëš ´et-nirDäp) que,
30 Cf. GORODOVITS, David & FRIDLIN, Jairo. Bíblia Hebraica. São Paulo, Editora e Livraria Sêfer Ltda., 2006. 31 Cf. A Bíblia Sagrada. (Tradução na Linguagem de Hoje). São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1988. 32 Cf. GIRAUDO, Tiago & BORTOLINI, José. (Eds.). Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Sociedade Bíblica Católica Internacional e Paulus, 1985. 33 Cf. Bíblia –Tradução Ecumênica (TEB). São Paulo, Edições Loyola, 1994. 34 Cf. Santa Biblia (Versión Española Reina-Valera). Miami, United Bible Societies, 1995. 35 Cf. ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Atualizada). São Paulo, Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. 36 Cf. ALMEIDA, João Ferreira de. (Trad.). Bíblia Sagrada. (Edição Revista e Corrigida). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991.
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literalmente, significa: “E Deus buscará o perseguido”.37 Apesar disso, esta frase
parece ser desconexa ou parece estar deslocada dentro do contexto no qual ela
está inserida. Como a LXX acompanha o TM aqui, então, seguindo novamente a
sugestão de Líndez, sou propenso a aceitar a tradução-interpretação da Vulgata
como sendo a mais coerente dentro do pensamento do contexto.38 A versão latina
traz: et Deus instaurat quod abiit, ou seja, “e Deus renova o que passou”. Entre
as versões da Bíblia em português, as que mais se aproximam deste sentido são
as já citadas, Almeida, Revista e Atualizada (ARA): “Deus fará renovar-se o que
se passou” e a Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB): “e Deus vai em busca do
que passou”. Além dessas versões, a também já mencionada Almeida, Revista e
Corrigida (ARC) declara: “e Deus pede conta do que passou”. E, finalmente, a
Nova Versão Internacional (NVI) traz: “Deus investigará o passado”.39 Apesar de
todas essas várias traduções dadas para a frase wühä´élöhîm yübaqqëš ´et-nirDäp
(Qöheºlet 3.15), eu preferi conservar o significado do texto original em minha
tradução, a saber, “e Deus buscará o perseguido”. Contudo, reitero que a versão
latina da Vulgata (“E Deus renova o que passou”) a meu ver, parece ser uma
tradução-interpretação mais coerente com o contexto da passagem, em vez do
complicado texto hebraico: “E Deus buscará o perseguido”. O já mencionado
Líndez, ao explicar a sua preferência pela Vulgata como a tradução-interpretação
mais apropriada para a compreensão da última frase de Qöheºlet 3.15, disse:
O homem, ser passageiro, não pode ser ponto de referência do tempo que foge e
se escapa; Deus, porém, [que] não está sujeito ao processo do tempo, supera-o e
alcança-o em toda sua extensão mesmo de passado e de futuro, por isso não é
estranho que se possa dizer que Deus vai em busca do passado. Segundo a
mentalidade de Qohélet, Deus o encontra e o alcança, o homem não.40
37 O Midrash Qohélet Rabá também traduz a construção verbal nirDäp, que aparece no Nif‘al, como “perseguido”. (Cf. GIRAUDO, Tiago & BORTOLINI, José. (Eds.). Bíblia de Jerusalém, p.1170, nota z). 38 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.236. 39
Bíblia Sagrada (Nova Versão Internacional). Colorado Springs, International Bible Society, 2000. 40
LÍNDEZ, José Vílchez. Op.Cit., p.236. O acréscimo entre colchetes é meu. Os itálicos são do autor.
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Ora, depois de fornecer e justificar a nossa tradução de Qöheºlet 3.1-15,
destacando, sobretudo, o significado que atribuímos a algumas de suas principais
palavras, frases e expressões, podemos partir agora, portanto, para a análise dos
quatro pontos de vista principais sobre a relação existente entre o determinismo e
o livre-arbítrio. A análise e definição preliminar de cada um desses pontos de
vista irão nos auxiliar no comentário e na compreensão do próprio texto em si
que faremos no terceiro e último capítulo do nosso estudo.
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II – QUATRO PONTOS DE VISTA SOBRE A RELAÇÃO EXISTEN TE
ENTRE O DETERMINISMO E O LIVRE-ARBÍTRIO
Há, pelo menos, quatro maneiras fundamentais de entender a relação
existente entre o determinismo e o livre-arbítrio.41 Entretanto, antes de
examinarmos a cada uma delas, vejamos primeiramente o que queremos dizer
com os termos determinismo e livre-arbítrio.
Em primeiro lugar, determinismo é “a crença de que o pensamento, ação e
sentimentos humanos são, em um maior ou menor grau, controlados por uma
grande força e que os seres humanos têm pouco ou nenhum livre-arbítrio de si
mesmos. Esta força pode ser chamada Deus ou Destino, ou os dois podem ser
vistos como idênticos”.42 Já livre-arbítrio (ou liberdade humana) é o nome dado
ao “conceito de que os seres humanos determinam livremente seu próprio
comportamento e que nenhum fator causal externo pode ser adequadamente
responsabilizado por suas ações”.43
A partir destas definições, vejamos então como se configuram os quatro
pontos de vista sobre a relação existente entre estes dois conceitos que acabamos
de apresentar.
41 Para obter maiores informações sobre o determinismo e o livre-arbítrio sobre o ponto de vista filosófico-teológico cristão, veja: GEISLER, Norman & FEINBERG, Paul D. Introdução à Filosofia: uma perspectiva cristã. São Paulo, Edições Vida Nova, 1996, pp.153-162; FEINBERG, John et al. Predestinação e Livre-Arbítrio: quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. São Paulo, Mundo Cristão, 1996; HUNNEX, Milton. Filósofos e Correntes Filosóficas em Gráficos e Diagramas. São Paulo, Editora Vida, 2003, pp.50-52; CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. [Vol.2 | D – G]. São Paulo, Editora Hagnos, 2001, pp.91-96. Já para obter maiores informações sobre este mesmo assunto, mas a partir da perspectiva judaica, confira: MAIMONIDES, Rabi Moshe ben. Guia de Descarriados. Madrid, Editorial Barath, 1988, pp.226-232; REHFELD, Walter I. Nas Sendas do Judaísmo. São Paulo, Perspectiva; Associação Universitária de Cultura Judaica; Tecnisa, 2003, p.63-65. 42 RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth. [The Jewish Bible Quarterly]. Vol.XXX, Nº 2. Jerusalem, Jewish Bible Association Press, 2002, p.1. Shimon Bakon faz questão de distinguir o conceito de Providência Divina do conceito de Predestinação. Segundo ele: “Há uma considerável diferença entre estes dois conceitos, o primeiro significando participação divina, ou mesmo interferência, em assuntos humanos, o outro sugerindo uma força cósmica, predeterminando os destinos dos homens e até mesmo dos deuses. Em ambos, resta pouco espaço para a liberdade humana”. (Cf. BAKON, Shimon. Koheleth. [The Jewish Bible Quarterly]. Vol.XXVI, nº3. Jerusalem, The Jewish Bible Association Press, 1998, p.172). 43 Cf. o verbete: Liberdade Humana, in: ERICKSON, Millard J. Conciso Dicionário de Teologia Cristã. Rio de Janeiro, Juerp, 1995, p.99.
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2.1. Determinismo Radical
Segundo o determinismo radical, a predeterminação divina de todos os
acontecimentos ocorre a despeito da presciência divina das ações humanas livres.
Este ponto de vista argumenta que Deus age com uma soberania tão inacessível
que Suas escolhas são feitas com total desconsideração das escolhas humanas.44
O determinismo radical também pode ser chamado de fatalismo ou, na teologia
cristã reformada, de calvinismo extremado ou hiper-calvinismo.
Os problemas que o determinismo radical traz consigo são basicamente
dois: 1) Ele nega o livre-arbítrio humano, o qual encontra apoio em outras partes
da Bíblia Hebraica e também na experiência humana e 2) Ele nega a
benevolência divina, pois se Deus age desconsiderando as ações humanas, isto
quer dizer que Deus é, em última análise, a origem de todas as coisas, inclusive
do mal.
2.2. Determinismo Moderado
De acordo com o determinismo moderado (ou calvinismo moderado,
como é conhecido na teologia cristã), Deus simultaneamente tanto predetermina
quanto preconhece desde toda a eternidade todos os acontecimentos, incluindo
todos os atos livres dos seres humanos. Este ponto de vista afirma, em outras
palavras, que Deus determinou que os seres humanos façam as coisas livremente
e não que sejam forçados a fazer atos livres.45
Este posicionamento filosófico busca encontrar um equilíbrio entre a
soberania divina e a responsabilidade humana, uma vez que ele assegura as
prerrogativas divina e humana sem que qualquer delas seja prejudicada na sua
autonomia. Sendo assim, nossos atos são realmente livres do ponto de vista das
44 GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres: uma perspectiva equilibrada entre a eleição divina e o livre-arbítrio. São Paulo, Editora Vida, 2001, p.53. 45 Idem, Ibidem, p.62.
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escolhas que fazemos deles, mas são, ao mesmo tempo, determinados, a partir da
perspectiva da presciência que Deus tem deles como Ser atemporal.46
2.3. Livre-Arbítrio Radical
Já o livre-arbítrio radical (o qual é conhecido por vários outros nomes na
teologia cristã, tais como, arminianismo radical, arminianismo extremado,
teísmo do livre-arbítrio, teísmo aberto,47 neoteísmo ou Openess of God, isto é,
“Abertura de Deus”), ao contrário do determinismo radical, exalta o livre-
arbítrio humano à custa do sacrifício da soberania divina. O autor, Clark
Pinnock, no livro intitulado The Openess of God, menciona cinco características
do livre-arbítrio radical ou teísmo aberto, as quais transcrevemos abaixo:
1) Deus não somente criou esse mundo, ex nihilo, mas pode (e às vezes
faz) intervir unilateralmente nos acontecimentos na terra;
2) Deus escolheu criar-nos com liberdade incompatibilista (libertária) –
uma liberdade sobre a qual ele não pode exercer controle total;
3) Deus valoriza tanto a liberdade – a integridade moral das criaturas
livres e de um mundo no qual tal integridade é possível – que não
atropela essa liberdade, mesmo que a veja produzindo resultados
indesejáveis;
4) Deus sempre deseja o nosso mais alto bem, tanto individual como
corporativamente, e assim é afetado pelo que acontece em nossas
vidas;
5) Deus não possui um conhecimento exaustivo de como exatamente
utilizaremos a liberdade, embora possa muito bem, às vezes, ser capaz
de predizer com grande exatidão as escolhas que livremente faremos.48
46 GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres, p.51. 47 Ware assim define o Teísmo Aberto: “Esse movimento é assim denominado pelo fato de seus adeptos verem grande parte do futuro como algo que está ‘em aberto’, e não fechado, mesmo para Deus. Boa parte do futuro está ainda indefinida e, conseqüentemente, Deus o desconhece. Deus conhece tudo o que pode ser conhecido, asseguram-nos os teístas abertos. Mas livres escolhas e ações futuras, por não terem ocorrido ainda, não existem e, desse modo, Deus (até mesmo Deus) não pode conhecê-las”. (Cf. WARE, Bruce A. Teísmo Aberto: a teologia de um Deus limitado. São Paulo, Vida Nova, 2010, p.14). 48 PINNOCK, Clark. The Openess of God, p. 156. Apud: GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres, p.117.
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Como já é evidente por si só, o conceito de livre-arbítrio radical traz
consigo uma série de problemas, pois nega os atributos essenciais de Deus, tais
como, a transcendência, a imanência, a onisciência, a onipresença, a onipotência,
a imutabilidade e a soberania divinas. A meu ver, a filosofia teológica ou a
teologia filosófica do livre-arbítrio radical rebaixou Deus à condição de um ser
impotente, pobre e frágil e, ao mesmo tempo, promoveu o homem, deificando-o,
divinizando-o e entronizando-o em seu livre-arbítrio absoluto ilusório.
Neste tipo de concepção das coisas, os papéis de Deus e do homem são
praticamente invertidos. Deus adquire traços humanos, enquanto que o homem
acaba adquirindo traços divinos. Penso que não pode haver maior equívoco do
que este.
2.4. Livre-Arbítrio Moderado
Segundo o livre-arbítrio moderado, o ser humano possui a capacidade
parcial de agir sem ser condicionado por alguma causa. Essa capacidade de ação
é apenas “parcial” porque, muitas vezes (ou sempre), causas biológicas, culturais
e até mesmo espirituais (como a vontade de Deus, por exemplo), dentre outras, o
levam a fazer o que ele faz.49
Este ponto de vista, assim como o determinismo moderado, busca
encontrar uma relação de equilíbrio entre as ações humanas e a soberania divina.
O conceito de livre-arbítrio moderado reconhece que o homem é livre, mas não
plenamente livre, pois ele está irremediavelmente fadado a viver, em sua
condição de ser humano, dentro de um mundo condicionado por certas leis
naturais, biológicas, genéticas, sociais, espirituais etc.
49 CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol.3. [H-L]. São Paulo, Editora Hagnos, 2001, pp.866,867. Aliás, a esse respeito, Rudman declara que “o homem não é de todo o mestre de sua própria vida”. (Cf. RUDMAN, Dominic. Determinism in the Book of Ecclesiastes. Sheffield, Sheffield Academic Press, 2001, p.33). Seow chama essa liberdade parcial do homem de “determinismo de circunstâncias”. (Cf. SEOW, C.L. Ecclesiastes. New York, Doubleday, 1997, pp.171-172)
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2.5. Um Apelo ao Equilíbrio
Depois de descrever esses quatro pontos de vista sobre a relação existente
entre o determinismo e o livre-arbítrio, eu pude chegar a duas conclusões
fundamentais.
A primeira delas é que tanto o determinismo radical quanto o livre-
arbítrio radical devem ser rejeitados, porque ambos são extremistas em suas
posições, pois negam, de um lado, o livre-arbítrio humano e, do outro, os
atributos essenciais divinos. Portanto, tais posicionamentos filosófico-teológicos
não nos fornecem uma resposta adequada para o nosso assunto em questão.
A segunda conclusão a que cheguei é a seguinte: uma vez que tanto a
soberania divina quanto a responsabilidade humana são duas verdades
repetidamente afirmadas na Bíblia Hebraica, logo, se faz necessário defender um
ponto de vista que leve em consideração esses dois pólos juntos.
Tendo esse intuito em mente, menciono a seguir alguns comentários que
defendem uma postura de equilíbrio sobre a relação entre o determinismo e o
livre-arbítrio, os quais foram feitos por representantes das três maiores religiões
monoteístas do mundo, a saber, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. No que
diz respeito ao judaísmo, o rabi Dan Cohn-Sherbok, apoiando-se na Bíblia
Hebraica e no Talmude, faz a seguinte afirmação:
De acordo com a Escritura, cada pessoa é capaz de escolher entre o bem e o mal.
O conceito de punição e recompensa está baseado neste pressuposto. O Talmude
especifica que Deus é onisciente: não obstante, os seres humanos têm
capacidade para escolher seu próprio estilo de vida.50
Além de Cohn-Sherbok, outro judeu, Jacob B. Agus (1911-1986), em seu
livro La Evolucion del Pensamiento Judio, também fala de forma equilibrada
sobre a relação entre o determinismo e o livre-arbítrio. Eis as suas palavras:
50 COHN-SHERBOK, Dan. A Concise Encyclopedia of Judaism. Oxford, Oneworld Publications, 1998, p.77.
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(...) o monoteísmo afirma que Deus transcende a natureza e que não é idêntico a
ela nem a nenhuma parte dela (...). No monoteísmo, Deus está sujeito às
variações da vida mortal.51
Já o teólogo cristão Arthur W. Pink (1886-1952), ao discorrer sobre a
soberania divina e a responsabilidade humana, comenta:
Duas coisas são indisputáveis: a soberania de Deus e a responsabilidade do
homem. (...) Reconhecemos que existe, sem dúvida, o perigo de salientar demais
uma delas e negligenciar a outra. (...) Ressaltar a soberania de Deus, sem
afirmar, ao mesmo tempo, a responsabilidade do homem, tende ao fatalismo;
[Por outro lado] preocupar-se tanto em manter a responsabilidade do homem, ao
ponto de perder de vista a soberania de Deus, é exaltar a criatura e desonrar o
Criador.52
Além de Pink, a Confissão de Fé de Westminster (escrita em 1646), que
apresenta uma das melhores e mais concisas declarações da fé cristã, em seu
Capítulo III, intitulado Do Decreto Eterno de Deus, faz os seguintes comentários
sobre o determinismo divino e a responsabilidade humana:
Seção I. – Desde toda a eternidade, e pelo sapientíssimo e santíssimo conselho
de sua própria vontade, Deus ordenou livre e imutavelmente tudo quanto
acontece; porém, de modo tal que nem é Deus o autor do pecado, nem se faz
violência à vontade das criaturas, nem é tirada a liberdade ou contingência das
causas secundárias, antes são estabelecidas. Seção II. – Embora Deus saiba tudo
quanto pode ou há de suceder em todas as circunstâncias imagináveis, contudo
não decretou coisa alguma por havê-la previsto como futura, nem como algo que
haveria de acontecer em tais circunstâncias.53
51 AGUS, Jacob B. La Evolucion del Pensamiento Judio: desde la época bíblica hasta los comienzos de la era moderna. Buenos Aires, Editorial Paidós, 1969, pp.16,17. 52 PINK, A. W. Deus é Soberano. São José dos Campos, Editora Fiel, 1997, p.5. Os acréscimos entre colchetes são meus. 53 Confissão de Fé de Westminster. (Comentada por A. A. Hodge). São Paulo, Editora Os Puritanos, 1999, p.95.
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Por fim, além desses comentários, o pensador muçulmano, aiatolá54 Nasir
Makarim Shirazi, também defende um ponto de vista equilibrado entre o
determinismo e a liberdade humana. Segundo Shirazi:
(...) nós sabemos que os seres humanos têm liberdade de escolha e livre-arbítrio,
ao mesmo tempo em que sabemos que Deus é o Governante sobre todas as
pessoas e ações.55
Sendo assim, por mais paradoxal que possa parecer, proponho uma
posição de meio-termo, que leve em consideração tanto o determinismo
moderado quanto o livre-arbítrio moderado, isto é, uma posição que leve em
conta tanto o determinismo divino quanto a liberdade humana como os dois
lados de uma mesma moeda. Aliás, sendo mais explícito ainda, defendo que
embora a relação entre o determinismo divino e a liberdade humana seja um
mistério, tal relação não implica necessariamente contradição. A finitude da
nossa existência humana e a limitação da nossa razão não podem servir como
argumentos infalíveis para comprovar a suposta contradição existente entre essas
duas verdades. Nas palavras de Norman Geisler, “ninguém jamais demonstrou
uma contradição entre predestinação e livre-escolha. Não há conflito insolúvel
entre um acontecimento predeterminado por um Deus onisciente e um evento que
é livremente escolhido por nós”.56
Ora, uma vez que nós definimos e justificamos a posição que, a nosso ver,
corresponde melhor às verdades do determinismo divino e da liberdade humana,
partamos então para o exame de Qöheºlet 3.1-15.
54 Aiatolá é o título pelo qual são conhecidos os principais líderes islâmicos xiitas. O aiatolá é inferior apenas ao Imã. (Cf. LOVISOLO, Elena et al. Dicionário da Língua Portuguesa. (Larousse Cultural). São Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1992, p.33). 55 SHIRAZI, Nasir Makarim. Principios Basicos del Pensamiento Islamico. (Vol. IV: Justicia Divina). Tehran, Bonyad Be‘zat, 1987, p.43. 56 GEISLER, Norman. Eleitos, Mas Livres, pp.47,48.
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III – O QOHÉLET 3.1-15 E A TENSÃO ENTRE O DETERMINI SMO E O
LIVRE-ARBÍTRIO
Segundo Dominic Rudman, autor do artigo Determinism and Anti-
Determinism in the Book of Koheleth (Determinismo e Anti-Determinismo no
Livro de Qohélet), “dentro da erudição moderna, o catálogo dos tempos e
estações em 3.1-8 e o comentário que Qohélet fornece sobre esta passagem em
3.9ss., é visto como um texto chave para a compreensão do livro como um
todo”.57 Tal observação revela a importância de Qöheºlet 3.1-15 e de seu estudo
para a compreensão do tema que ora estamos abordando neste trabalho.
Entretanto, antes de entrarmos no comentário da perícope em si, devemos
mencionar preliminarmente as palavras de Baruch Spinoza (1632-1677) sobre a
liberdade que as pessoas têm de interpretar os textos religiosos em geral e, em
particular, a Bíblia. Dentro de seu Tratado Teológico-Político, no capítulo VIII,
intitulado Da Interpretação da Escritura, Spinoza diz o seguinte:
(...) como todos têm o pleno direito de pensar com liberdade, inclusive em
matérias de religião, e não é concebível que se renuncie a este direito, cada um
dispõe de uma autoridade suma de sumo direito para decidir em questões
religiosas e, portanto, para lhes dar uma explicação e interpretação. Assim como
o direito de interpretar as leis e a decisão soberana dos negócios públicos
correspondem ao magistrado, por serem assuntos de direito político, da mesma
forma cada um tem sua autoridade absoluta para julgar e explicar a religião,
porque esta pertence ao direito de cada um.58
Estas palavras libertadoras de Spinoza, as quais fornecem uma
salvaguarda ao leitor e ao intérprete da Bíblia no que diz respeito ao seu direito
de interpretar o texto sagrado livremente, servirão como ponto de partida para o
nosso estudo de Qöheºlet. Bem, analisemos então o texto de Qöheºlet 3.1-15 a
partir da tensão existente entre o determinismo e o livre-arbítrio. 57 RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth. [The Jewish Bible Quarterly]. Vol.XXX, Nº 2. Jerusalem, Jewish Bible Association Press, 2002, p.3. 58 SPINOZA, Baruch. Tratado Teológico-Político e Tratado Político. [Traducción y estúdio preliminar de Enrique Tierno Galván]. Madrid, Editorial Tecnos S.A., 1985, p.45.
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O trecho de Qöheºlet 3.1-15, assim como todo o livro de Qöheºlet de uma
forma geral, emprega o paralelismo poético, até mesmo quando escreve em prosa
rítmica no lugar do verso.59 Além disso, esse trecho de Qöheºlet apresenta uma
unidade coesa, mas que, estruturalmente falando, pode ser dividido em duas
subperícopes: 3.1-8 e 3.9-15. Em minha opinião, enquanto que a primeira
subperícope (3.1-8) possui um caráter descritivo,60 pois ela descreve
simbolicamente, de forma não exaustiva, todas as situações da vida humana, a
segunda subperícope (3.9-15), por sua vez, tem um caráter explicativo, porque
visa explicar o porquê das coisas acontecerem assim em Qöheºlet 3.1-8.61
3.1. Qöheºlet öheºlet öheºlet öheºlet 3.1-8
1 Para tudo (há) um tempo determinado, e um tempo para todo propósito
debaixo dos céus. 2 Tempo para nascer, e tempo para morrer; tempo para
plantar, e tempo para colher; 3 tempo para matar, e tempo para curar; tempo
para destruir, e tempo para construir; 4 tempo para chorar, e tempo para rir;
tempo de se lamentar, e tempo de dançar; 5 tempo para lançar pedras, e tempo
de amontoar pedras; tempo para abraçar, e tempo para afastar-se de abraçar; 6
tempo para buscar, e tempo para perder; tempo para guardar, e tempo para
lançar; 7 tempo para rasgar, e tempo para costurar; tempo para calar, e tempo
para falar; 8 tempo para amar, e tempo para odiar; tempo de guerra, e tempo de
paz.
59 ALTER, Robert & KERMODE, Frank. (Orgs.). Guia Literário da Bíblia. São Paulo, Unesp,1997, p.299. Auzou diz que o autor de Qöheºlet “escreve em prosa ritmada entrecortada de sentenças e versos”. (Cf. AUZOU, Georges. A Tradição Bíblica. São Paulo, Livraria Duas Cidades Ltda., 1971, p.213). 60 Assim pensa também Loader, segundo quem, “a reflexão sobre as séries de eventos mutuamente exclusivos não é prescritiva, mas descritiva”. (Cf. LOADER, J. A. Polar Structures in the Book of Qohelet. Berlin / New York, De Gruyter, 1979, p.29). 61 Todavia, Lilia Veras possui opinião diferente da minha. Para a autora, 3.1-8 é uma reflexão sobre a incapacidade do homem de interferir na obra de Deus e 3.9-15 é uma revisão de alguns temas que o Qohélet tratou nos capítulos anteriores. (Cf. VERAS, Lilia Ladeira. Un Primer Contacto Con El Libro del Eclesiastés o Libro de Qohélet. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-Americana], nº 52, 2005, pp.8,9). Já Zenger afirma que o trecho de Qöheºlet 3.1-15 está dentro da estrutura maior de Qöheºlet 1.3-3.22, a qual trata do desdobramento e resposta à pergunta pelo conteúdo e pelas condições da felicidade humana. (Cf. ZENGER, Erich et al. Introdução ao Antigo Testamento. [Coleção Bíblica Loyola | Nº 36]. São Paulo, Edições Loyola, 2003, p.334).
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Este primeiro versículo funciona como uma introdução para todo o trecho
de Qöheºlet 3.1-8. Ele nos faz pensar, por exemplo, em um provérbio atribuído ao
lendário autor grego, Esopo (VI Séc. a.C.), que teria dito que “é uma grande
coisa fazer a coisa certa na época certa”.62
Contudo, dentro do contexto judaico, muitas opiniões têm surgido a fim de
poder responder à seguinte questão: “até que ponto a vida humana é
determinada?”.63 No Talmude da Babilônia,64 por exemplo, Rava65 (nascido
aproximadamente em 270 d.C.) afirma que até mesmo as questões mais
elementares da vida humana estão sob a influência do zodíaco. Segundo ele: “A
vida, as crianças e o sustento dependem não do mérito, mas das estrelas [mzl]”
(B. Mo’ed Katan, 28a).66 Tal influência zodiacal também é notada nos menores
detalhes da natureza, conforme pode ser percebido em Gênesis Rabá 10.6: “R.
Simão disse ‘Não há uma espécie vegetal única, mas ela tem uma estrela [mzl] no
céu que a atinge e diz, Cresça!’”.67 De forma bastante curiosa e, às vezes,
também contraditória, o Talmude diz em um momento que Israel é uma nação
predeterminada e em outro momento afirma que Israel é dotado de vontade livre.
Isto pode ser visto nos seguintes trechos talmúdicos: “R. Hanina b. Hama disse:
‘As estrelas [mzl] fazem alguém sábio, as estrelas fazem alguém rico, e há
estrelas para Israel’ (...) R. Yohanan disse: ‘Não há estrela para Israel’” (B.
Shabat 156a-b, cf. Yevamot 21b).68 Além disso, há que se notar também que o
Targum de Qöheºlet não está imune a esse tipo de pensamento determinista
62 SCOTT, R. B. Y. [Ed.]. Proverbs, Ecclesiastes, p.221. 63 V. D’Alario faz o seguinte comentário sobre o conceito de determinismo encontrado no livro de Qöheºlet: “O emprego da palavra hr<q.mi [“acontecimento, evento, destino”] no livro de Qohélet [p.ex., em 3.19] é uma confirmação posterior da singularidade do nosso texto em comparação com outros livros do Antigo Testamento; hr<q.mi na verdade poderia evocar uma força misteriosa que determina os eventos, considerando que na Bíblia o princípio da soberania absoluta de Deus está colocado de forma incontestável”. (Cf. D’ALARIO, V. Liberté de Dieu ou Destin? Un autre dilemme dans l’interprétation du Qohélet. In: SCHOORS, A. (Ed.). Qohelet in the Context of Wisdom. Leuven, Leuven University Press, 1998, p.457). Os acréscimos entre colchetes são meus. 64 Segundo Christianson, o uso que o Talmude faz de Eclesiastes geralmente se concentra na aplicação prática, muitas vezes, em apoio à observação mais banal. (Cf. CHRISTIANSON, Eric S. Ecclesiastes Through the Centuries. Oxford, Blackwell Publishing Ltd., 2007, p29). 65 Seu nome é Rabi Abba Ben Joseph Bar Hama. 66 RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth, p.4. 67 Idem, Ibidem, p.4. 68 Idem, Ibidem, p.4.
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astrológico, o que é evidenciado pelo fato de que esse Targum lê todo o livro de
Qöheºlet a partir da perspectiva determinista. A esse respeito, o filósofo francês
judeu Emmanuel Levinas (1906-1995) escreveu o seguinte:
Em quinze ocasiões, o Targum utiliza o termo MAZAL que eu, com sérias
reservas, tenho traduzido como ‘Providência’... No Targum, Deus determina
mazal (Cf. V,18; VI,2; X,6) e o bom mazal é uma recompensa dada às pessoas
merecedoras (V, 17). Por outro lado, mazal é usado para descrever o destino
inevitável: uma pessoa não pode fazer nada para mudar o seu mazal (IX, 11).
Devido às suas características mecanicistas e deterministas, o Targum o usa para
explicar desigualdades tais como o sofrimento dos justos e o bem-estar do
perverso (VIII, 15). Os elementos mazal no Targum testemunham que a tradição
Farisaico-Rabínica não erradicou o controle da astrologia sobre a opinião
popular, mesmo nos casos onde mazal triunfou sobre zekut, isto é, mérito
acumulado. “Tudo é determinado por mazal!” (IX, 2). No entanto, aqui também
de vez em quando o Targum tempera este fatalismo explicando que Deus
determina até mesmo o que o mazal irá trazer (IX, 12). Finalmente, o Targum
inclui uma severa advertência contra o estudo e a prática da astrologia (XI,4),
embora seja, ele próprio, contaminado por ela.69
A opinião do rabino espanhol Ibn Ezra (1093-1167)70 sobre Qöheºlet 3.1
também merece a nossa atenção. Segundo Ibn Ezra, o destino dos seres humanos
estava sujeito à influência astrológica. Tal tipo de pensamento não deve nos
causar espanto, pois este sábio judeu era um estudioso das ciências em geral e,
mais particularmente, da astronomia. Em seu comentário sobre Qöheºlet 3.1, Ibn
Ezra observa que o texto se refere aos “tempos que são vigorosos sobre a
humanidade, pois o ser humano é obrigado a fazer tudo em seu tempo
determinado, e o início dos tempos determinados e seu fim o restringem”.71
Já Ginsberg (1903-1990) enxerga o Qöheºlet como alguém que se vê
insatisfeito na vida por causa de seu fatalismo e de seu determinismo rígido. 69 LEVINE, E. The Aramaic Version of Qohelet. New York, Hermon, 1978, pp. 75-76. Apud: RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth, pp.4,5. 70 Seu nome é Abraham ben Meir Ibn Ezra. 71 RUDMAN, Dominic. Op.Cit., p.5.
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Segundo ele, o “Qöheºlet considera Deus como um senhor absoluto e arbitrário
do destino”.72
Entretanto, como Rudman declara: “levada à sua conclusão lógica, uma
filosofia determinista implicaria que o próprio Deus, em última análise, é
responsável pela execução não apenas das boas ações dos seres humanos, mas
também das más”.73 Sendo assim, segundo penso, essa leitura determinista
radical de Qöheºlet não é adequada para a compreensão do nosso texto. Contudo,
além destas leituras deterministas, há aqueles que buscaram interpretar a
existência humana através de uma perspectiva mais equilibrada.
Maimônides74 (1135-1204), por exemplo, buscou interpretar esta questão
aliando o conceito de presciência divina ao conceito de liberdade humana. Este
sábio observa que é muita ingenuidade acreditar que o mazal (sorte ou destino
influenciados pelas estrelas e planetas) possa afetar a nossa vida. “Se isso fosse
verdade”, declara o sábio, “a Torá não teria nenhum sentido para nós. Não
existiria o conceito de recompensa e punição”.75 Maimônides ainda afirma:
Nós chegamos à conclusão de que é possível acreditar nos sinais astrológicos
que guiam o destino do homem assim como na Torá. Não são os sinais que
dirigem a vida de uma pessoa, mas eles foram dispostos por D’us de acordo com
a maneira como a vida de uma pessoa seria vivida [presciência divina]. Pois se
os signos fossem capazes de ditar a vida de uma pessoa, isso significaria que ela
não tem escolha [liberdade humana]. Todos os capítulos da Torá de reprovação
não teriam nenhum sentido, se as pessoas fossem guiadas pelos signos.76
Além de Maimônides, outro sábio judeu, Moshe Alshich (1508-1593),
também defende opinião semelhante, combinando o determinismo divino com a
liberdade humana. Segundo Alshich, “desde a época em que D’us criou os céus e
72 GINSBERG, Harold Louis. Supplementary Studies in Koheleth, 1952. Apud: EATON, Michael A. & CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário. [Série Cultura Bíblica]. São Paulo, Vida Nova / Mundo Cristão, 1989, p.84. 73 RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth, p.3. 74 Seu nome é Moshe Ben Maimom. 75 Maimônides, in: WASSERMAN, Adolpho. [Tradutor e compilador dos comentários]. Eclesiastes. São Paulo, Maayanot, 1998, p.20. 76 Maimônides, in: Idem, Ibidem, p.20. Os itálicos e os acréscimos entre colchetes são meus.
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a ordem do zodíaco, Ele conhece o futuro em toda sua inteireza. Ele sabe como
cada pessoa agirá e se ela merecerá recompensa ou punição por suas ações”.77
Porém, em outro momento, este sábio declara que a palavra t[eî (`ët), “tempo”,
em Qöheºlet 3.1, faz referência aos “sinais que são repartidos para todo propósito
e coisa sob os céus. Cada objeto tem seu futuro contido nas estrelas”.78
Já o trecho de Qöheºlet 3.2-8 nos mostra um poema que apresenta 14 pares
de situações ou de ações antitéticas, as quais, embora não abranjam todas as
situações da vida, devem ser vistas como elementos emblemáticos e simbólicos
de sua totalidade, os quais não são de forma alguma casuais.79
Este paralelismo antitético, observado nos 14 pares de situações
juntamente com os seus respectivos opostos, nos faz pensar naquilo que está
escrito no livro apócrifo de Eclesiástico 33.15, que diz: “Contempla, pois, todas
as obras do Altíssimo, duas a duas estão todas uma diante da outra”.80
Segundo Rashi81 (1040-1105 d.C.), as expressões “tempo para nascer” e
“tempo para morrer” (v.2a) se referem, respectivamente, aos limites divinamente
ordenados colocados sobre o tempo de gestação e sobre o breve espaço de tempo
da vida humana.82 De acordo com Rashi, o período natural de gestação de nove
meses está além do controle humano.83 Em outras palavras, Rashi está
descrevendo aquilo que eu chamo de determinismo biológico, o qual afeta a
todos os nascituros. Além disso, podemos dizer de igual modo que tal
determinismo biológico também alcança o ser humano no fim de seu ciclo vital.
Por isso, há um “tempo para morrer”. Dito de outra forma, embora não esteja
determinado que todos devam nascer (com exceção daqueles que já nasceram, é
claro), todavia, está determinado que aqueles que nascerem experimentarão um
ciclo de gestação no ventre materno de aproximadamente nove meses e, está
77 Alshich, in: WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20. 78 Idem, Ibidem, p.20. 79 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.216. Cf. também: ANDERSON, William H. U. Scepticism and Ironic Correlations in the Joy Statements of Qoheleth? [Doctoral Thesis in Philosophy]. Glasgow, University of Glasgow, 1997, p.72. 80 GIRAUDO, Tiago & BORTOLINI, José. (Eds.). Bíblia de Jerusalém, p.1294. 81 Acrônimo de Rabi Shlomo ben Yitschak. 82 RUDMAN, Dominic. Determinism and Anti-Determinism in the Book of Koheleth, p.6. 83 Rashi, in: WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20.
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determinado também que, após o seu nascimento, tais pessoas deverão morrer
algum dia.84
Todavia, Blenkinsopp acredita que as ideias contidas no poema foram
emprestadas da filosofia estóica por um “judeu estoicizado”.85 E, para tentar
comprovar a sua tese, ele traduz equivocadamente a expressão tWm+l'
(literalmente, “para morrer” ) encontrada no verso 2a como “dar um fim à vida
de alguém”, conectando assim o poema com a ideia estóica do suicídio.86 Porém,
tal tradução é bastante forçada, pois não reflete adequadamente o significado da
preposição hebraica, a qual aparece acompanhada pela construção verbal que
ocorre no infinitivo construto do Qal.
A continuação do verso, que diz que há “tempo para plantar e tempo para
colher” (v.2b), também aponta para outro tipo de determinismo, que eu chamaria
de determinismo agrário. Esse tipo de determinismo faz referência ao tempo
certo de plantar e colher as várias espécies de sementes existentes, as quais
possuem um tempo apropriado para a sua plantação e também para a sua
colheita.87 O Midrash,88 contudo, explica essa frase dizendo assim: “um tempo
para plantar em tempo de paz e um tempo para arrancar a planta em tempo de
guerra”.89 Já Jerônimo (347-420 d.C.) aplica todo o verso dois a Israel, dizendo o
seguinte: “um tempo para nascer e plantar Israel; um tempo para morrer e ser
84 Segundo Pfeiffer e Harrison, a morte que ocorre em uma guerra, em defesa própria, por exemplo, nunca é acidental. Segundo estes autores, tal situação encontra eco na expressão moderna “era a sua hora de ir embora”. (Cf. PFEIFFER, Charles F. & HARRISON, Everett F. (Eds.). The Wycliffe Bible Commentary. Chicago, Moody Press, 1987, p.588).Rick Warren, por outro lado, enxerga a questão do nascimento e da morte de forma acentuadamente determinista. Segundo ele: “Uma vez que Deus o fez por um motivo, ele também decidiu o momento de seu nascimento e seu tempo de vida. Ele planejou os dias de sua vida antecipadamente, escolhendo o momento exato de seu nascimento e de sua morte”. (Cf. WARREN, Rick. Uma Vida Com Propósitos. São Paulo, Editora Vida, 2003, p.22). 85 O estoicismo enfatizava o controle pessoal sobre as emoções. (Cf. EVANS, C. Stephen. Dicionário de Apologética e Filosofia da Religião. São Paulo, Editora Vida, 2004, p.51). 86 BLENKINSOPP, Joseph. Ecclesiastes 3.1-15: Another Interpretation. JSOT, Nº 66. Thousand Oaks, 1995, pp.56-57. 87 Kathryn Imray observa que os conceitos de “plantar” e “desenraizar” (“colher”) também podem ser compreendidos aqui como metáforas para o nascimento e para a morte. (Cf. IMRAY, Kathryn. Qohelet’s Philosophies of Death. [Doctoral Thesis in Philosophy]. Perth, Murdoch University, 2009, p.70). 88 Um nome genérico que se refere normalmente a ensinamentos não legais dos rabinos da era talmúdica. 89 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20.
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levado para o exílio. Um tempo para matar no Egito e um tempo para a libertação
do Egito”.90
No que se refere à frase que diz que há “tempo para matar, e tempo para
curar” (v.3a), devemos dar-lhe uma explicação prévia. O Qöheºlet não estava
querendo defender com estas palavras o assassinato premeditado.91 Talvez, ele
esteja se referindo aqui a situações de matanças legítimas, por mais absurdo que
isso nos pareça. Tais situações poderiam ser verificadas, por exemplo, em
contextos de guerra, nos casos de vingança dos vingadores do sangue, nas
ocasiões de pena de morte, ou, até mesmo, em situações de autodefesa.92 Se este
for o caso, então, em Qöheºlet 3.3 nós saímos da “zona determinista” de Qöheºlet
3.1,2 e entramos no “perímetro do livre-arbítrio”. Explico: embora esteja
determinado sobre todos os nascituros que eles devem cumprir certo período de
gestação e que eles também deverão morrer, não está de igual modo determinado
que um soldado irá necessariamente matar alguém em uma guerra ou que ele
deverá matar alguém com o intuito de se autodefender. O soldado pode
simplesmente se recusar a matar alguém por sua livre escolha. Um comentário
lingüístico judaico sobre a Bíblia, chamado em hebraico Michlol Yofi, e escrito
pelo Rav David Kimchi, o Radak (Séculos XII/XIII), explica o verso 3a dizendo
que o “tempo para matar” é o tempo para a execução legal de criminosos e o
“tempo para curar” é o tempo de investigação para uma possível absolvição do
suspeito.93 Na segunda parte do verso três, a expressão “tempo para destruir, e
tempo para construir” (v.3b) é interpretada pelo Midrash como um tempo para
destruir pela guerra e construir na paz.94
No verso quatro, os dois pares de situações envolvem emoções humanas,
primeiro as particulares (chorar/rir) e, depois, as públicas (lamentar/dançar).95 A
90 MANNS, F. Le Targum de Qohelet – Manuscrit Urbinati 1: Traduction et commentaire. [Studium Biblicum Franciscanum]. Jerusalem, Liber Annuus, Nº 42,1992, p.152. 91 LIOY, Dan T. The Divine Sabotage: An Exegetical and Theological Study of Ecclesiastes 3. [Article]. Vol.5. South Africa, South African Theological Seminary, 2008, p.118. 92 CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. [Vol. 4 | Salmos – Cantares]. São Paulo, Editora Hagnos, 2001, p.2713. 93 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.20. 94 Idem, Ibidem, p.21. 95 EATON, Michael A. & CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário, pp.86,87.
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frase “tempo para chorar e tempo para rir” (4a) é interpretada pelo Lekach Tov96
assim: “chorar pela destruição do Templo em Tishá BeAv [9 de Av] e rir pela
redenção de Israel”.97 Já a frase seguinte, “tempo de se lamentar e tempo de
dançar” (v.4b) é compreendida pelo Rabi David Altschuller (Séc. XVIII), em seu
Metsudat David (comentários sobre a Bíblia) como uma referência ao tempo de
luto pelos mortos e ao tempo de dançar em festas de casamento.98
Os dois pares de situações do verso cinco parecem descrever
relacionamentos humanos de amizade e inimizade.99 Todavia, a primeira parte,
do verso, “tempo para lançar pedras, e tempo de amontoar pedras” (v.5a) tem
recebido quatro interpretações principais, as quais mencionamos abaixo:
(i) O Targum aramaico de Eclesiastes via, aqui, uma referência a espalhar pedras
num edifício velho, preparando-se para edificar-se um prédio novo; esta opinião
era defendida, também, por Ibn Ezra. (ii) Outros viam, aqui, uma referência ao
hábito de espalhar pedras nos campos, a fim de torná-los improdutivos (cf. 2 Rs
3.19,25; Is 5.2). (iii) Plumptre via, aqui, “uma velha prática judaica... de atirar
pedras, ou terra, no túmulo, num enterro”, na primeira frase [tempo para lançar
pedras], e a preparação para construir uma casa, na segunda [tempo de amontoar
pedras]. (iv) Eruditos mais recentes têm visto uma referência de ordem sexual
seguindo a interpretação do Midrash.100
Já a segunda parte do verso, “tempo para abraçar e tempo para afastar-se
de abraçar” (v.5b), é interpretada pelo Targum com conotações sexuais. Segundo
o Targum, o texto está se referindo a “um tempo escolhido para abraçar uma
mulher e um tempo escolhido para evitar abraçá-la no período de sete dias de
luto”.101
96 Também conhecido como Pessikta Zutrata, um trabalho midráshico de Rabi Tovia (ben Eliezer) Ha Gadol (1036-1108) sobre vários livros da Bíblia Hebraica, incluindo o livro de Qohélet, sendo este publicado em 1908. (Cf. WASSERMAN. Eclesiastes, p.120). 97 WASSERMAN, Adolpho. Op.Cit., p.21. Os acréscimos entre colchetes são meus. 98 Idem, Ibidem, p.21. 99 EATON, Michael A. & CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário, p.87. 100 Idem, Ibidem, p.87. Os acréscimos entre colchetes são meus. 101 MANNS, F. Le Targum de Qohelet – Manuscrit Urbinati 1: Traduction et commentaire, p.153.
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Contudo, a meu ver, todo o versículo cinco descreve, na verdade, um
paralelismo de ideias cruzadas, no qual as mesmas ideias se repetem, mas com
termos distintos. Em outras palavras, o “tempo para lançar pedras” e o “tempo
para afastar-se de abraçar” são correspondentes e descrevem relações de
inimizade. E, por outro lado, o “tempo de amontoar pedras” e o “tempo para
abraçar” também possuem correspondência, mas descrevem relações de amizade.
Esse paralelismo de ideias cruzadas pode ser exemplificado pelo quadro abaixo:
“ tempo para lançar pedras e tempo de amontoar pedras” (v.5a) A B
A B “ tempo para abraçar e tempo para afastar-se de abraçar” (v.5b)
O verso seis, que diz que há “tempo para buscar, e tempo para perder;
tempo para guardar, e tempo para lançar” (v.6) é interpretado por Rashi a partir
da perspectiva da liberdade humana. Rashi lê assim esse verso: “Um tempo para
buscar os espalhados de Israel e um tempo para perdê-los no exílio. Guardar
quando Israel cumpre a vontade de D’us, e jogar fora quando Israel age contra a
vontade de D’us”.102
Então, neste verso, a capacidade que o homem tem tanto de cumprir
quanto de descumprir a vontade de Deus, evidencia a sua liberdade de vontade e
de ação em relação à vontade de Deus. Portanto, a partir da interpretação que
Rashi dá ao verso seis, verificamos que na “queda de braços” entre o
determinismo e a liberdade humana, a liberdade humana se sagrou vencedora.
Logo, tendo em mente essas observações, podemos dizer que o homem é livre no
que diz respeito à livre escolha de suas ações.
Quanto ao verso sete, que diz que há um “tempo para rasgar, e tempo para
costurar; tempo para calar, e tempo para falar” (v.7), Saadia Gaon103 (892-942)
interpreta a primeira parte deste verso, “tempo para rasgar, e tempo para
102 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.21. Os itálicos são meus. 103 Esta é a forma abreviada de Rabi Saadia ben Yossef Gaon.
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costurar” (v.7a) com estas palavras: “rasgar as roupas em luto pelos mortos e
costurar as roupas para as festas de casamento”.104 Tais ações antitéticas de
“rasgar” e “costurar” as roupas pressupõem, segundo penso, ações humanas
livres, pois, nas situações de luto e de casamento, os atos de rasgar e costurar,
embora possam ser condicionados culturalmente pela sociedade na qual se vive,
constituem-se, porém, em última análise, em atos livres e autônomos por parte
daqueles que os praticam ou deixam de praticá-los. Já a segunda parte do verso,
“tempo para calar, e tempo para falar” (v.7b) pode ser interpretada pelo Talmude,
no Tratado Berachot 6b, assim:
Disse Rav Papa: A recompensa por ir à casa do enlutado – provém do silêncio,
pois é o meio principal de expressar apoio e confortar o enlutado. (...) Disse Rav
Ashi: A recompensa por comparecer a um casamento – provém das palavras
que são ditas aos noivos.105
Aqui, devemos voltar a nossa atenção primeiramente para a frase “tempo
de calar, e tempo de falar” (v.7b). Acredito que esta frase exemplifique, melhor
do que qualquer outra, a liberdade de que gozamos em nossa existência humana.
Digo isso porque, o próprio Tanakh, em outras situações, fala, por exemplo,
sobre o perigo de “estar em silêncio” quando se deve falar e, por outro lado, o
perigo de “falar” quando se deveria estar em silêncio. Davi, em um Salmo
atribuído a ele, faz o seguinte lamento: “Com o silêncio fiquei como mudo;
calava-me mesmo acerca do bem; mas a minha dor se agravou” (Sl 39.2). Vemos
aqui que Davi, no momento em que deveria falar sobre o bem, permanece,
contudo, calado, valendo-se, portanto, da liberdade que tem de ficar em silêncio.
Além disso, lemos também que “como maçãs de ouro em salvas de prata, assim é
a palavra dita a seu tempo” (Pv 25.21).106 Aqui, o texto sagrado enaltece aquele
que sabe falar no momento apropriado, o que nos leva a pensar, por outro lado,
que é igualmente possível alguém falar mesmo quando a ocasião não é 104 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.21. 105 ENDE, Shamai. (Ed.). Talmud Bavli. [Massechet Berachot]. Vol.1. São Paulo, Editora Lubavitch e Yeshivá Tomchei Tmimim Lubavitch, 2010, pp.49,51. Os itálicos são meus. 106 Estas duas citações bíblicas foram extraídas de: ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. (Almeida, Revista e Corrigida). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991.
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conveniente para isso. Em outras palavras, há muitos que “falam pelos
cotovelos” no “tempo para calar” qoheletiano e há também muitos que mantém
um “silêncio ensurdecedor”, por exemplo, diante da injustiça, quando, na
verdade, deveriam gritar a plenos pulmões contra ela.
Além disso, note-se que o Tratado Berachot 6b, que acabamos de citar,
fala ainda sobre as “recompensas” que existem tanto para aqueles que se mantêm
em silêncio na casa do enlutado, quanto para aqueles que falam boas palavras aos
noivos em um casamento. Ora, se há uma recompensa, deve-se pensar
conseqüentemente que há também uma boa ação livre que tenha sido executada e
que, portanto, merece ser justamente retribuída por tal ato.
Finalmente, o último verso desta primeira subperícope de Qöheºlet diz que
há “tempo para amar, e tempo para odiar; tempo de guerra, e tempo de paz”
(v.8). Sobre este verso, o Rabi David Altschuller, em seu já citado Metsudat
David (comentários sobre a Bíblia) declarou que “pode-se amar algo hoje e
detestá-lo amanhã. Há tempos em que uma nação entra em guerra com seu
vizinho e outros tempos em que ela busca conviver com esse vizinho”.107 Essas
declarações do Qöheºlet acrescidas do comentário de Altschuller, mais uma vez
me fazem pensar na liberdade humana. Ou seja, se o ser humano não fosse livre
para poder escolher entre amar e odiar e entre guerrear e viver em paz, então qual
o propósito de textos como Lv 19.18, que diz: “Não te vingarás nem guardarás
ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo: eu
sou o Senhor”?108 Ora, estas ordens dadas ao povo de Israel para que este não se
vingue, não se ire e ame o seu próximo, só podem fazer sentido, se Israel tiver
real liberdade para cumprir ou não tais ordens. Sendo assim, não há como
entender as frases: “tempo para amar, e tempo para odiar; tempo de guerra, e
tempo de paz” (v.8) a não ser que elas sejam vistas sob a ótica da liberdade
humana. Caso contrário, se o homem não é livre para praticar ou deixar de
praticar tais atos, então, por que os mandamentos de Lv 19.18, por exemplo,
teriam sido ordenados? Tal pensamento não faria o menor sentido. 107 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.21. 108 ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. (Almeida, Revista e Corrigida). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991.
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De uma forma geral, na análise que fizemos de Qöheºlet 3.1-8 percebemos
que, enquanto o trecho de Qöheºlet 3.1,2 possui um tom mais determinista
(mencionando, por exemplo, o determinismo biológico e o determinismo
agrário), o trecho de Qöheºlet 3.3-8, por outro lado, acaba enfatizando mais a
liberdade humana.
Neste momento de transição entre Qöheºlet 3.1-8 e Qöheºlet 3.9-15, cabe
citar aqui as perspicazes palavras de Michael Eaton:
Os primeiros oito versículos declaram o controle providencial da vida, porém,
com pouca interpretação ou comentário. Não se mencionou o Deus que origina e
controla este programa de “tempos”. Não se explicou, tampouco, a relevância
que isto tem na vida diária. Os versículos 9-15 retificam essa dupla omissão.109
Ora, depois dessas importantes observações sobre o trecho de Qöheºlet
3.1-8, que, como vimos, possui caráter mais descritivo, partamos então agora
para a análise de Qöheºlet 3.9-15, que, reiteramos, busca explicar aquilo que foi
escrito anteriormente em Qöheºlet 3.1-8.
3.2. Qöheºlet öheºlet öheºlet öheºlet 3.9-15
9 Que proveito (tem) o trabalhador no que ele trabalha? 10 Eu tenho visto
a tarefa que deu Deus aos filhos do homem para estarem ocupados nela. 11
Tudo fez belo em seu tempo; Também o mundo deu no coração deles, de tal
modo que não descubra o homem a obra que fez Deus desde o princípio e até o
fim. 12 Eu sei que não há nada melhor para eles que se alegrarem e fazerem (o)
bem em sua vida. 13 E também todo homem, que coma e beba e veja (o) bem em
todo seu trabalho. Isso (é) um dom de Deus. 14 Eu sei que tudo (o) que fez
Deus, ele (isso) será para sempre. Sobre ele (isso) nada (há) para acrescentar e
dele (disso) nada (há) para tirar, e Deus (o) fez (para) que temam em face dele. 15 O que foi, ele já (é); e (o) que será, já foi; E Deus buscará o perseguido.
109 EATON, Michael A. & CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário, p.87.
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A segunda parte do texto começa com uma importante pergunta: “Que
proveito (tem) o trabalhador no que ele trabalha?” (v.9).110 Segundo James
Crenshaw, a própria forma do poema sobre os tempos em Qöheºlet 3.2-8 já
oferece uma resposta a esta questão. E a resposta é: “uma coisa cancela a
outra”.111 Parece, segundo Kidner, que nós estamos dançando “ao som de uma
música, ou de muitas delas, que não foram compostas por nós”.112 Como disse
Líndez, esse tom cético de Qöheºlet o caracteriza e o distingue radicalmente de
todos os sábios que o precederam.113 Aliás, o tom pessimista deste verso é
questionado tanto por Ibn Ezra quanto pelo Rabi Yaacov ben Yaacov Moshe de
Lissa (1760-1832). Ibn Ezra pergunta: “Uma vez que tudo é governado pelo
tempo, sobre o qual o homem não tem nenhum controle, que esperança existe
para ele em reter o domínio sobre seus esforços?”.114 E o Rabi Yaacov ben
Yaacov Moshé de Lissa, em seus comentários sobre o Qöheºlet intitulados
Taalumot Chochmá, de forma contundente, faz os seguintes questionamentos
sobre a predestinação e a liberdade humana: “Se tudo está predestinado por D’us,
independente da ação humana, seria próprio questionar o que o homem espera
alcançar por seu aparente desperdício em labutar estudando a Torá e praticando
as mitsvót”.115 De uma forma geral, verificamos que o Qöheºlet 3.9 acaba
servindo como introdução a Qöheºlet 3.10-15, versículos estes que, juntos,
fornecem “a resposta teológica de Qohélet à sua grande inquietude como sábio e
110 Longman observa que a palavra yyitrôn, “proveito”, é uma palavra-chave em Eclesiastes, onde aparece nove vezes. Contudo, estranhamente, ela não ocorre em nenhuma outra parte no Antigo Testamento. Ao que tudo indica, o termo deriva do verbo ytr, “sobrar”, “restar”. (Cf. LONGMAN III, Tremper. The Book of Ecclesiastes. [The New International Commentary on the Old Testament]. Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans Publishing Company,1998, p.65). Os Gallazzi, ao comentarem os versos nove e dez, observam: “Tudo parece determinado, escrito, decidido. A vida parece ser um jogo com cartas marcadas. Nem o ‘amal (v.9), o trabalho escravo imposto pelo Mercado, nem o ‘inian (v.10), a fadiga incompreensível imposta por Deus, são de algum “proveito” para o trabalhador (…)”. (Cf. GALLAZZI, Ana Maria Rizzante & GALLAZZI, Sandro. La Prueba de los Ojos, La Prueba de la Casa, La Prueba del Sepulcro: una clave de lectura del libro de Qohélet. Quito, Ribla [Revista de Interpretacion Bíblica Latino-Americana], Nº 14, 1993, p.10). 111 CRENSHAW, James L. Ecclesiastes. [The Old Testament Library]. Philadelphia, The Westminster Press, 1987, p.96. 112 KIDNER, Derek. A Mensagem de Eclesiastes. [Série: A Bíblia Fala Hoje]. São Paulo, ABU Editora S/C, 1998, p.26. 113 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.225. 114 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.21. 115 Idem, Ibidem, p.21.
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como crente”.116 Aliás, é digno de nota que no pequeno trecho de Qöheºlet 3.10-
15, o nome de Deus, ~yhi²l{a/ (´élöhîm), aparece seis vezes (3.10,11,13,14
[2x],15). Tal constatação nos faz concluir que esse pequeno trecho de Qöheºlet
possui “uma das reflexões teológicas mais densas” de todo o livro.117
No que diz respeito aos dizeres do verso dez: “Eu tenho visto a tarefa que
deu Deus aos filhos do homem para estarem ocupados nela” (v.10), eles são
interpretados por Moshe Alshich de forma um tanto quanto confusa, pois, em seu
comentário, Alshich tenta harmonizar, porém, sem sucesso, o determinismo
divino e astrológico com a liberdade humana. Eis as suas palavras:
Tudo é feito de acordo com o plano perfeito de D’us. Ele estabelece que o
nascimento de cada homem se ajuste perfeitamente com o signo sob o qual ele
nasceu, de modo que cada ação de sua parte não contradiga sua vida, conforme
previsto pelas estrelas. Ele pode fazer coisas por seu livre-arbítrio, mas isso
concorrerá com seu destino conforme determinado pelos sinais nos céus.118
Ora, se, segundo Alshich, o destino do homem já foi “determinado pelos
sinais nos céus”, então, não sobra o mínimo espaço para a liberdade humana
atuar. Em outras palavras, de acordo com este sábio, a liberdade humana não
passa de uma mera escrava nas mãos do supremo e implacável senhor zodiacal.
Já o teólogo cristão, R. N. Champlin, diferentemente de Alshich, denuncia
o determinismo absoluto contido no verso dez e faz o seguinte comentário:
Esta (...) declaração reitera o Deus do autor, a Causa Única, mas ignora
completamente que outros fatores operam no mundo – as causas secundárias,
que se originam entre os homens, nas comunidades, na natureza, na lei natural e
até no caos.119
116 LÍNDEZ, José Vílchez. Eclesiastes ou Qohélet, p.225. 117 Idem, Ibidem, p.226. 118 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.22. 119 CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. [Vol. 4 | Salmos – Cantares]. São Paulo, Editora Hagnos, 2001, p.2714.
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Em outras palavras, Champlin revela a teologia deficiente do Qöheºlet
neste ponto no que se refere à sua unilateralidade determinista absoluta. A meu
ver, esse determinismo qoheletiano é fruto da fé essencialmente monoteísta do
autor, a qual, conseqüentemente, é ambivalente em seu caráter e, portanto, acaba
por atribuir erroneamente a Deus todos os acontecimentos da vida, inclusive “a
tarefa que deu Deus aos filhos do homem para estarem ocupados nela” (v.10),
tarefa esta que se refere aos acontecimentos descritos em 3.1-8.
Já o verso onze tem sido visto pelos exegetas como um dos versos mais
difíceis de serem interpretados de todo o Qöheºlet, sobretudo, no que tange ao
significado da palavra hebraica ‘~l'[o (`öläm), que preferimos traduzir aqui
como “mundo”.120 O verso diz: “Tudo [Deus] fez belo121 em seu tempo; Também
o mundo (`öläm) deu no coração deles, de tal modo que não descubra o homem a
obra que fez Deus desde o princípio e até o fim” (v.11).122 A Teodicéia
Babilônica, em sua linha 256, faz um comentário sobre a inescrutabilidade divina
que lembra muito esse verso do Qöheºlet. Segundo essa teodicéia, “a mente de
deus, como o centro dos céus, é remota ... seu conhecimento é difícil”.123
De acordo com Michael Fox, o significado do verbo hf'Þ[' (`äSâ), “fez”,
no verso onze, não se refere à Criação, o que seria irrelevante para este contexto,
120 Shank chama a atenção para a característica polissêmica do termo öläm, o qual possui diferentes significados em outros trechos de Eclesiastes, tais como: 1.14; 3.11,14; 9.6; 12.5. (Cf. SHANK, H. Carl. Qoheleth’s World and Life View As Seen In His Recurring Phrases. [Westminster Theological Journal]. Philadelphia, Westminster Theological Seminary Press, 1974, p.66). 121 Segundo Caneday, aqui o Qöheºlet usa yäpè, “belo, bonito” como sinônimo de †ôb, “bom”. Cf. CANEDAY, Ardel B. Qoheleth: Enigmatic Pessimist or Godly Sage? [Grace Theological Journal]. Winona Lake, Grace Theological Seminary Press, 1986, pp.45,46. 122 Essa incapacidade humana de perscrutar a obra divina mencionada no verso onze é muito bem ilustrada por Davidson, ao dizer: “De nossa posição de criaturas debaixo do sol vemos (...) o avesso do tapete com suas muitas linhas confusas e fios soltos. Procurar desemaranhar o tapete, de nosso ponto de vista, é ficar envolvido num interminável labirinto”. (Cf. DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. [Vol.I]. São Paulo, Edições Vida Nova, 1990, p.660). Kushner também utiliza essa ilustração do tapete, mas a aplica para explicar o propósito divino que existe por trás do sofrimento humano. (Cf. KUSHNER, Harold. Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas. São Paulo, Nobel, 1988, pp.33,34). Já Gerhard von Rad comenta: “Qohelet não tem nada de um niilista que nega a Deus. Sabe que o mundo foi criado por Deus e que a sua atuação soberana perpassa o mundo constantemente, mas é catastrófico para o ser humano não poder entrar em contato com essa forma de Deus atuar, porque é profundamente oculta”. (Cf. RAD, Gerhard von. Teologia do Antigo Testamento. [Vols. 1 e 2]. São Paulo, ASTE, Targumim, 2006, p.443). 123 SCOTT, R. B. Y. [Ed.]. Proverbs, Ecclesiastes, p.221.
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mas se refere aos eventos da vida humana, tal como sumarizado pelo catálogo
dos “tempos” de Qöheºlet 3.1-8.124
Além disso, muitos comentários foram feitos sobre o possível significado
de ̀öläm. Em um trecho, o Qöheºlet Rabá interpreta ̀öläm como “mundo” e diz:
R. Berekias e R. Abbahu, em nome de R. Yonatan, disseram que “pôs o mundo
(h-‘lm) em seu coração” (Qo 3.11) (quer dizer que) pôs o amor ao mundo em seu
coração (mas também que) pôs o amor às crianças em seu coração.125
Entretanto, em outro trecho, o Qöheºlet Rabá interpreta ̀ öläm como
“oculto”, dizendo:
R. Ayawah b. R. Zeira disse que o “h-‘lm” (de Qo 3.11 deve ser entendido
como) ho‘olam (se lhes ocultou) o Nome Inefável.126
Já Sarah Japhet e Robert Salters, em seu livro The Commentary of R.
Samuel Ben Meir Rashbam on Qoheleth (O Comentário de R. Samuel Ben Meir
Rashbam sobre o Qohélet), declaram que este sábio interpretou a palavra `öläm,
em Qöheºlet 3.11, como “eternidade”.127 Aliás, este comentário realça bem o
contraste entre o determinismo e a liberdade humana. Vejamos o que ele diz:
O Santo também colocou o tempo no coração dos homens para que possam
conhecer e compreender que existem tempos designados para o bem e tempos
designados para o mal. Porque o homem não consegue descobrir ou conhecer
[por si mesmo] os atos do Santo desde o início até o fim. Pois, se todos os
tempos fossem para o bem ou todos fossem para o mal, o homem não se
arrependeria diante do Santo, porque ele pensaria: “Uma vez que há um destino
no mundo, ou tudo é para o bem, ou tudo é para o mal, eu deveria abandonar as 124 FOX, Michael V. Qohelet and His Contradictions. [Bible and Literature Series, 18]. Sheffield, Sheffield Academic Press, 1989, p.107. 125 LÓPEZ, Carmen Motos. La Forma Exegética M~v~l en Qohélet Rabbah. [Revista de Ciencias de las Religiones | Nº 6]. Madrid, Universidad Complutense, 2001, p.89. 126 Idem, Ibidem, p.89. 127 Mark Smith que também traduz `öläm como “eternidade”, declara: “(...) entendo que Deus constrói na pessoa humana uma intuição sobre a natureza da eternidade, algo de Divino por si só, mas sem que a pessoa humana seja capaz de apreender as outras dimensões super-humanas do que Deus faz no universo”. (Cf. SMITH, Mark S. O Memorial de Deus: história, memória e a experiência do divino no Antigo Israel. São Paulo, Paulus, 2006, p.115).
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minhas más ações por isso, e qual o benefício que eu receberia em meu
arrependimento?”.128
Além desses autores, vejamos também qual é o comentário que Rashi faz
sobre Qöheºlet 3.11. Segundo este sábio, que interpreta`öläm como “mundo”:
“Ele [Deus] também colocou um enigma em suas mentes” (colocou o mundo no
coração deles) para que não alcancem inteiramente a obra Divina e nem
percebam o futuro, pois se o homem soubesse quão próximo está o dia de sua
morte não construiria uma casa ou plantaria uma videira.129
Este comentário feito por Rashi também aponta, de certa forma, para o
conceito de liberdade humana em suas entrelinhas. Aliás, respeitados os seus
devidos contextos, o exemplo de Rashi é totalmente verificável em nossos dias.
Hoje, muitas pessoas de idade avançada que sabem que estão bem próximas da
morte também não se preocupam, muitas vezes, em construir uma casa ou plantar
uma semente qualquer. Diante da proximidade da morte, tais pessoas, em posse
de sua liberdade, podem simplesmente escolher não querer fazer ou produzir
mais nada até o seu último suspiro de vida.
No verso doze, nos deparamos com a seguinte expressão: “Eu sei que não
há nada melhor para eles que se alegrarem e fazerem (o) bem em sua vida”
(v.12).130 Sobre este verso, o já citado Rabi Yaacov ben Yaacov Moshé de Lissa,
ao comentar o livro de Qöheºlet em seus Taalumot Chochmá, destaca aqui o
papel da liberdade humana na prática das boas ações. Segundo este sábio:
Não há nada melhor nos dias da vida do homem do que a alegria que ele sente
quando praticou uma boa ação por seu livre-arbítrio, e ele percebe a recompensa
que o aguarda.131
128 JAPHET, Sara & SALTERS, Robert B. The Commentary of R. Samuel Ben Meir Rashbam on Qoheleth. Jerusalem, The Magnes Press, 1985, p.116. Os acréscimos entre colchetes são meus. 129 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.22. O acréscimo entre colchetes é meu. 130 Segundo Bentzen, a expressão “fazerem o bem” (la`áSôt †ôb) encontrada em Qöheºlet 3.12 é um helenismo. (Cf. BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. [Vol.2]. São Paulo, ASTE, 1968, p.215). 131 WASSERMAN, Op.Cit., p.23.
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Segundo este comentário, as boas ações (e, por inferência, também as más
ações) são resultantes da nossa liberdade humana. Além do mais, tal pensamento
parece ser tão óbvio, que os praticantes das boas ações inclusive percebem que
há uma recompensa que lhes aguarda. Logo, se há recompensa, há justiça. E, se
há justiça, isto significa que há também agentes livres envolvidos.
O verso treze declara: “E também todo homem, que coma e beba e veja
(o) bem132 em todo seu trabalho. Isso (é) um dom de Deus”. (v.13). Sobre este
verso, Moshe Alshich fez o seguinte comentário:
Quando o homem deixa este mundo, lhe é mostrada a riqueza espiritual que
adquiriu através do estudo da Torá. Mesmo aquele que goza os prazeres deste
mundo pode merecer a riqueza espiritual no próximo mundo. Ele “verá o
sucesso de toda sua labuta” na Torá. O fato de ele ter desfrutado este mundo não
significa necessariamente que uma porção será deduzida de sua partilha no outro
mundo, pois seu sucesso neste mundo foi um “presente” de D’us.133
Aqui, os verbos “adquiriu” e “merecer”, juntamente com a frase “Ele verá
o sucesso de toda a sua labuta na Torá”, apontam, ambos, para o conceito de
liberdade humana. Ora, uma pessoa só pode “adquirir” e “merecer” a riqueza
espiritual se ela “estudar a Torá”. E o ato de querer “estudar a Torá”, por sua vez,
só pode ser exercido por seres humanos livres que escolham estudá-la.
Quanto ao verso quatorze, este diz: “Eu sei que tudo (o) que fez Deus, ele
(isso) será para sempre. Sobre ele (isso) nada (há) para acrescentar e dele (disso)
nada (há) para tirar, e Deus (o) fez (para) que temam em face dele” (v.14). Neste
verso vemos esboçado aquilo que Champlin chama de determinismo absoluto.
Aliás, vejamos o comentário crítico desse autor sobre esse verso:
132 De acordo com Fox, a palavra †ôb possui vários significados no livro de Qöheºlet. Aqui, no verso treze, por exemplo, esse termo significa “prazer”. (Cf. FOX, Michael V. The Meaning of Hebel For Qohelet. [Journal of Biblical Literature]. Madison, University of Madison, 1986, p.419). 133 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.23. Neste comentário de Moshe Alshich, a frase “Ele ‘verá o sucesso de toda sua labuta’ na Torá” está baseada em Is 53.11a, que diz: “O trabalho da sua alma ele verá, e ficará satisfeito”. (Cf. ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. (Almeida, Revista e Corrigida). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1991).
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Tudo quanto Deus faz perdura para sempre; coisa alguma pode ser adicionada ao
que Ele determinou; e coisa alguma pode ser tirada do que Ele estabeleceu.
Determinismo absoluto é o nome do jogo. (...) Para o autor do livro de
Eclesiastes, a vida se caracteriza por um profundo sofrimento, no qual os
homens vivem presos. Mas ele tinha a ideia distorcida de que Deus planejou as
coisas exatamente dessa maneira, visto que o mal faz parte desse determinismo
absoluto.134
Todavia, diferentemente de Champlin, Lioy comenta o conceito de “temer
a Deus” citado neste verso, relacionando-o à ideia de liberdade. Segundo Lioy:
(...) o conceito bíblico de temer a Deus tem “um caráter tanto metafísico quanto
ético”. Dito de outra forma, a noção “incorpora tanto uma teoria de vida quanto
uma direção de conduta”.135
Bem, se isto é realmente assim, então esse “caráter ético” embutido no ato
de temer a Deus que é acompanhado por uma “conduta” adequada, só pode
existir, de fato, em homens e mulheres que sejam agentes verdadeiramente livres.
Somente seres realmente livres podem optar entre praticar algo que seja
eticamente correto ou errado.
Por fim, Rashi faz o seguinte comentário sobre o verso 14:
A eterna criação de D’us e a natureza transitória do homem fazem parte do plano
Divino para promover no homem um senso de dependência, um espírito de
reverência. Desse modo, nada mais resta ao homem senão envolver-se na prática
das mitsvót e no temor de D’us.136
Uma vez que a prática das mitsvót e o “temer a Deus” envolvem, ambos,
aspectos éticos (como acabamos de ver), então, novamente vemos a liberdade
humana envolvida em tais situações.
134 CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Vol. 4, p.2715. 135 LIOY, Dan T. The Divine Sabotage: An Exegetical and Theological Study of Ecclesiastes 3, p.126. 136 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.23.
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Em último lugar, vejamos o que diz o verso quinze: “O que foi, ele já (é);
e (o) que será, já foi; E Deus buscará o perseguido” (v.15).137 Sobre este verso,
vejamos o interessante comentário feito por Moshe Alshich que, novamente,
aborda os conceitos de determinismo e liberdade humana em seu pensamento:
Maimônides já afirmara que se os acontecimentos neste mundo fossem baseados
no acaso ou destino toda a Torá não teria significado. Não teríamos nenhum
direito de condenar o assassino, se a vítima estava predestinada a morrer
assassinada. A Providência Divina supera o destino. D’us procurará aqueles que
foram perseguidos e o perseguidor será punido. Uma vez que um homem torna-
se assassino por seu livre-arbítrio, ele deve pagar com sua vida. Tudo tem seu
propósito. O destino é coordenado de tal maneira que ele não contradiz o livre-
arbítrio do homem, que finalmente é recompensado ou punido de acordo com
suas ações.138
Este comentário feito por Moshe Alshich enfatiza fortemente a liberdade
do ser humano e a sua conseqüente responsabilidade diante do seu próximo. O
acaso, o destino e a predestinação simplesmente não encontram espaço neste
pensamento de Alshich, que, no lugar destes conceitos, prefere adotar o conceito
de providência, segundo o qual a divindade participa ou até mesmo interfere nos
assuntos humanos, mas não predetermina o destino do homem.139
Dessa forma, o trecho de Qöheºlet 3.9-15 funciona como uma resposta
teológica para todo o trecho de Qöheºlet 3.1-8, sobretudo, para o dilema
existencial humano destacado no paralelismo antitético de Qöheºlet 3.2-8. E a
resposta teológica dada pelo Qöheºlet a tal dilema é exemplificada pelo ideal de
justiça localizado em Qöheºlet 3.15. Em outras palavras, ao afirmar que “Deus
buscará o perseguido”, o Qöheºlet estava querendo dizer que Deus procurará 137 Friedman faz o seguinte comentário sobre esse verso de Qöheºlet 3.15: “A ideia que o livro expressa pode ser o eterno retorno, mas pode ser também a ideia de que, no âmbito do mundo que conhecemos, a vida envolve um constante re-encenar de padrões conhecidos de comportamento e acontecimentos”. (Cf. FRIEDMAN, Richard Elliott. O Desaparecimento de Deus: um mistério divino. Rio de Janeiro, Imago, 1997, p.284). 138 WASSERMAN, Adolpho. Eclesiastes, p.24. 139 BAKON, Shimon. Koheleth, p.172.
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todos aqueles que foram perseguidos, os encontrará e lhes fará justiça contra os
seus perseguidores.
Se esse pensamento estiver correto, então, nós encontramos aqui duas
verdades simultâneas. A primeira verdade é que Deus está presente e atuante na
obra da Sua criação. Ou seja, Ele a controla através do Seu infinito poder e
determina muitos dos seus acontecimentos. E a segunda verdade é que o homem,
por ser dotado de liberdade, pode perseguir as pessoas e até mesmo prejudicá-las.
Porém, mais cedo ou mais tarde, a justiça divina se manifestará e isso
demonstrará que as aparentes contradições da vida têm um propósito dentro do
plano perfeito de Deus.
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CONCLUSÃO Bem, chegamos ao fim do nosso trabalho. Neste estudo, buscamos
interpretar o trecho bíblico de Qöheºlet 3.1-15 a partir dos conceitos filosófico-
teológicos do determinismo e do livre-arbítrio e, ao fazê-lo, descobrimos
algumas importantes características qoheletianas, as quais queremos relembrar
aqui de forma resumida.
Em primeiro lugar, vimos introdutoriamente que o livro de Qöheºlet foi
escrito aproximadamente entre os séculos IV e III a.C. e vimos também que o
livro é singular sob o ponto de vista tríplice de seu conteúdo, de sua língua e do
significado de seu título. Além disso, observamos que o propósito da escrita de
Qöheºlet pode ter sido o de refletir sobre qual é o proveito real que se pode tirar
do trabalho quando se vive debaixo de um sistema de dominação estrangeiro, o
sistema helenístico. E, além do mais, sendo mais específico ainda, o Qöheºlet
pode ter sido escrito também com o propósito de incentivar o judeu a aproveitar
as coisas boas da vida (a filosofia do carpe diem), mesmo vivendo dominado por
um sistema estrangeiro. Esse tipo de comportamento seria uma forma de
protestar diante do sistema de trabalho helênico escravizante que havia em Judá,
o qual estava vigente na metade do III século a.C.
Em segundo lugar, no capítulo em que tratamos do texto original de
Qöheºlet 3.1-15 e de sua respectiva tradução, verificamos que existem alguns
termos e expressões encontrados nessa perícope, cujos significados são muito
debatidos pelos estudiosos em geral. Nesta parte do nosso trabalho, optamos por
adotar aqueles significados que julgamos serem mais condizentes com o texto
bíblico estudado.
Em terceiro lugar, escorados, sobretudo, na filosofia, oferecemos quatro
pontos de vista principais sobre a relação existente entre o determinismo e o
livre-arbítrio. Ao expormos tais pontos de vista, mencionamos a nossa predileção
por uma perspectiva mais equilibrada entre essas duas vertentes. Agimos assim
por entendermos que tanto a soberania divina quanto a responsabilidade humana
são duas verdades claramente recorrentes ao longo de toda a Bíblia Hebraica.
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Por fim, em quarto e último lugar, analisamos o texto bíblico de Qöheºlet
3.1-15 tendo como ponto de partida, tanto os conceitos filosóficos do
determinismo e do livre-arbítrio, quanto as fontes predominantemente judaicas.
Ao pesquisar tais fontes, notamos que os vários pensadores judeus citados não
chegaram a um consenso e a uma unanimidade em suas opiniões sobre o
significado do conteúdo de Qöheºlet 3.1-15. Enquanto alguns pendiam para o
determinismo e outros se inclinavam para o livre-arbítrio, um terceiro grupo
ainda buscava defender uma posição de meio-termo. Em nosso trabalho, nos
identificamos com este último grupo, por compreendermos, como já foi dito, que
o determinismo e o livre-arbítrio são duas verdades complementares e não
necessariamente mutuamente excludentes.
Além desse resumo, ao término dessa pesquisa pude chegar a três
importantes conclusões pessoais.
Primeiramente, observei que o Qöheºlet é um autor extremamente ousado,
pois, mesmo sendo um homem religioso (o Qohélet menciona o nome de “Deus”
durante 41 vezes ao longo dos 222 versículos que compõem o livro), ele não
esconde as suas inquietações, frustrações e sentimentos mais íntimos, antes os
expõe corajosamente. A realidade da vida, com seus altos e baixos, com seus
dilemas e paradoxos, com suas bênçãos e desventuras e com seus mistérios e
revelações, fez com que o Qöheºlet expusesse toda a sua filosofia sobre a vida e a
existência. O Qöheºlet filosofa sobre a vida sem nenhum tipo de receio ou pudor e
sem se deixar intimidar pela força dos dogmas ou preceitos da religião oficial
israelita. Ele é um homem de fé, mas é, ao mesmo tempo, um ser pensante e
inquiridor, um teólogo arguto e um atento observador da vida e da efêmera
condição humana.
Em segundo lugar, notei também que conceitos relacionados ao
determinismo e ao livre-arbítrio atravessam todo o livro de Qöheºlet como um
longo fio condutor e estão presentes, inclusive, na perícope estudada de Qöheºlet
3.1-15. Entretanto, por mais que o livro aborde esses assuntos, o dilema existente
entre o determinismo divino e a liberdade humana nunca é definitivamente
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resolvido pelo autor bíblico. Por esse motivo, concluí que as verdades do
determinismo e do livre-arbítrio são, ambas, necessárias, como o são também
igualmente necessários os dois trilhos sobre os quais um trem se desloca em sua
viagem. Assim como o trem precisa de dois trilhos para poder se locomover e
poder chegar ao seu destino, da mesma forma, precisamos aceitar a realidade
dupla do determinismo e da liberdade humana, por mais paradoxais e
antagônicos que possam parecer, como dois elementos necessários sobre os quais
devemos nos mover e existir.
Finalmente, em terceiro e último lugar, cheguei à conclusão de que o
Qöheºlet é alguém que gravita entre dois mundos, o mundo da fé e o mundo da
desilusão existencial. Aliás, o filósofo e teólogo espanhol, José Luis Sicre, ao
discorrer sobre o conteúdo de Qöheºlet, retratou exatamente este tipo de sensação,
ao dizer: “(...) quem sabe não haja neste livro uma profunda honestidade
religiosa. Não a espiritualidade falsa e estereotipada de quem presume ver Deus
em tudo, mas a do sábio modesto e desencantado que se contenta em continuar
crendo em Deus, apesar de todas as desilusões da vida”.140
140 SICRE, José Luis. Introdução ao Antigo Testamento. Petrópolis, Vozes, 1994, p.279.
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Artigo Teológico | Qohélet 3.1-15 e a Tensão entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio
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REHFELD, Walter I. Nas Sendas do Judaísmo. São Paulo, Perspectiva; Associação Universitária de Cultura Judaica; Tecnisa, 2003.
SPINOZA, Baruch. Tratado Teológico-Político & Tratado Político. Madrid, Editorial Tecnos, S.A., 1985. © É permitida a reprodução parcial deste artigo desde que citada a sua fonte.
Citação Bibliográfica: VAILATTI, Carlos Augusto. Qöheºlet öheºlet öheºlet öheºlet 3.1-15 e a Tensão
entre o Determinismo e o Livre-Arbítrio. [Artigo]. São Paulo, Publicação do
Autor, 2011.
Carlos Augusto Vailatti possui Graduação em Teologia pela Faculdade Betel /
Instituto Betel de Ensino Superior (IBES, 1999), Mestrado em Teologia (Master of Arts
in Biblical Theology), com especialização em Teologia Bíblica, pelo Seminário
Teológico Servo de Cristo (STSC, 2009) e Mestrado em Língua Hebraica, Literatura e
Cultura Judaica (em andamento) pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) - Departamento de Letras Orientais (DLO) - da Universidade de São
Paulo (USP). Atualmente leciona diversas disciplinas bíblico-teológicas na Faculdade
Betel / Instituto Betel de Ensino Superior (IBES) e também no Seminário Teológico
Evangélico do Betel Brasileiro (STEBB). Contato: [email protected].
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