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FACULDADE GAMALIEL HELENICE OLIVEIRA ANDRADE TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE COMBATE

Trabalho analogo ao de escravo

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FACULDADE GAMALIEL

HELENICE OLIVEIRA ANDRADE

TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO

MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE COMBATE

TUCURUÍ2014

HELENICE OLIVEIRA ANDRADE

TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO

MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE COMBATE

Trabalho de Conclusão de Cursoapresentado à Faculdade Gamalielpara obtenção do título deBacharel em Direito.

Orientador: Luiz Moda

TUCURUÍ2014

BANCA EXAMINADORA

TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO

MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE COMBATE

Este exemplar corresponde àredação final da Monografia degraduação defendida porHelenice Oliveira Andrade eaprovada pela Comissãojulgadora em:

___/___ /2014

__________________________________

Joniel de Abreu

__________________________________

Aline Amaro Correa

__________________________________

Luiz Moda

TUCURUÍ2015

Aos meus professores quedignamente me guiaram até aquiacreditando em meus potenciais,encorajando a fazer adiferença, valorizando ideiase, claro, compreendendo minhasfalhas.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, pois sem ele jamais teria passado

pelas dificuldades e adversidades destes anos de faculdade.

Ao meu marido e filhos que me incentivaram e apoiaram não

só durante este curso, mas em todos os momentos de minha

vida.

Ao meus professores que me ajudaram sempre.

Aos meus amigos com quem convivi estes anos, que

acompanharam e participaram dos momentos bons e dos não tão

bons, me inspiraram e me impulsionaram para esta

realização.

"As correntes da escravidão só prendem as

mãos. É a mente que faz livre o escravo."

Franz Grillparzer

ANDRADE, Helenice Oliveira. Trabalho Análogo ao de Escravo- Meios Extrajudiciais de Combate. 2014. 39f. Trabalho deConclusão de Curso (Graduação) – Curso Bacharel emDireito, Faculdade de Gamaliel, Tucuruí, 2014.

RESUMO

O Brasil apresenta, atualmente, altos índices de

trabalhadores submetidos a formas desumanas de

exploração. A escravidão, embora formalmente abolida em

1888, existe ainda hoje, identificada pelo trabalho

degradante de homens, mulheres e crianças e manifestada

em diversas formas, sobretudo pela denominada

escravidão contemporânea por dívida. Assim, torna-se

necessário formular medidas para uma célere erradicação

do trabalho escravo. Propõe-se, para tal fim, a

implementação de instrumentos extrajudiciais, por meio

da atuação do Ministério Público do Trabalho e do

Ministério do Trabalho e do Emprego, dentro de suas

prerrogativas assim como meios alternativos de combate e

prevenção. Trata-se de formas de se erradicar está

degradante exploração do homem trabalhador, enaltecendo

a justiça e a promoção do trabalho digno.

Palavras Chave: Escravidão, Trabalho, Direito, Extrajudicial,Combate.

ANDRADE, Helenice Oliveira. Analogous to the work of Slave- Means to Combat Extrajudicial. 2014. 39f. Completion ofcourse work (undergraduate) course - Bachelor of Law,Faculty of Gamaliel, Tucuruı, 2014.

ABSTRACT

The Brazil currently has high rates of workers subjected to

inhumane forms of exploitation. Slavery, although formally

abolished in 1888, still exists today, identified by

degrading labor of men, women and children and manifested

in various ways, especially by contemporary denominated

debt bondage. Thus, it becomes necessary to formulate

measures for the speedy eradication of slave labor. Is

proposed for this purpose, the implementation of voluntary

instruments, through the agency of the Ministry of Labour

and the Ministry of Labor and Employment within their

prerogatives as well as alternative means of combating and

prevention. These are ways to eradicate is degrading

exploitation of the working man, praising justice and the

promotion of decent work.

Key Words: Slavery, Labor, Law, Extrajudicial, Combat.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 101. DA ESCRAVATURA AO TRABALHO ESCRAVO 121.1. A história da escravatura 121.2. Escravatura no Brasil Colonial 131.3. Escravatura Contemporânea no Brasil 16

1.4. O Uso da Expressão Trabalho Escravo 182. MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE COMBATE 212.1. Grupo Especial De Fiscalização Móvel (GEFM)

212.2. A “Lista Suja” 222.3. Atuação extrajudicial do Ministério Público do Trabalho

232.3.1 Inquérito civil Público2.3. 2 Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)

2829

3. ALTERNATIVAS PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ANALÓGO AO DE ESCRAVO

333. “Eu não sabia que era escravo” 313.1. Educação, Fiscalização e Desenvolvimento 323.2. Chaga a ser exterminada 36CONSIDERAÇÕES FINAIS 37REFERÊNCIAS 38

10

INTRODUÇÃO

A exploração da força de trabalho em regime análogo à

escravidão permanece como uma prática recorrente nas

relações entre empregadores e empregados no Brasil. Apesar

de a conduta ser tipificada como crime pelo artigo 149 do

Código Penal brasileiro, a punição dos acusados é pouco

frequente e as denúncias geralmente são solucionadas

somente com o pagamento de indenizações e de verbas

trabalhistas. A fim de instituir formas para coibir a

continuidade do trabalho escravo no país, faz-se necessária

a atuação extrajudicial.

Ao longo dos tempos o Direito surgiu como mecanismo de

organização de seus indivíduos de acordo com o contexto ao

qual está inserido. Criando e sistematizando formas de

organização para que cada conduta esteja de acordo com a

sociedade ou a comunidade na qual o individuo é

pertencente.

Por tanto, este trabalho tem por finalidade apresentar

meios extrajudiciais de se combater o trabalho análogo ao

de escravo, com pesquisas bibliográficas em livros, bem

como na internet, revistas e jornais e como método

argumentativo para justificar as nossas acepções a respeito

do tema em questão.

11

Veremos que a esfera extrajudicial desenvolve papel muito

importante na luta contra a erradicação da condição análoga

ao trabalho escravo, ainda existente em diversas regiões do

nosso país e que vem a deturpar toda a ordem democrática e

o princípio da liberdade, elencado na Constituição Federal.

O trabalho estrutura-se em três capítulos, sendo que o

capítulo inicial apresentará o panorama do trabalho

exercido em condições análogas à escravidão e sua

caracterização na contemporaneidade, salientando sua

conceituação e suas semelhanças e diferenças no que se

refere à escravidão chamada de histórica. O Segundo

capítulo trata dos meios extrajudiciais de prevenção e

combate ao trabalho análogo ao de escravo, suas

características, e os mais recentes resultados obtidos em

seu desempenho. Para finalizar, o terceiro capítulo aborda

formas alternativas de combate ao trabalho escravo e

discorre sobre formas de aperfeiçoa-los.

12

1. – DA ESCRAVATURA AO TRABALHO ESCRAVO

1.1 - A história da escravatura

Diferente do que vemos em livros, a escravatura não existiu

sempre e não existiu em toda parte, é o que afirma

DELACAMPAGNE em sua obra História da escravatura (2013, p.

13

11), segundo o autor trata-se de uma instituição muito

disseminada, mas que não é o mal necessário nem a

fatalidade das sociedades humanas, e que apareceu apenas há

cerca de 5000 anos no Oriente médio, na mesma época em que

nasceram a escrita e os primeiros Estados e foi

desempenhando um papel mais ou menos importante em várias

sociedades, sendo mínimo ou até inexistente nas Sociedades

sem Estado, primitivas ou selvagens da Oceania e da Índia.

E não foi há muito tempo que a escravidão começou a ofender

a consciência humana, foi condenada, pela primeira vez, na

Europa, na segunda metade do século XVIII, tornando-se

radicais somente a partir dos anos 1760 a 1770. Até ali a

promoção da ideia de liberdade foi no campo político e

apenas para os brancos. Cabe enfatizar que foi no

Iluminismo, e no seio da cultura ocidental, que surgiu o

movimento de crítica à escravatura. (Delacampagne, 2013, p.

11).

Contrario a uma crença igualmente espalhada, a escravatura

não deixou de existir no fim do século XIX, consagrou a sua

abolição legal praticamente na mesma época, na maioria dos

países ocidentais, mas os dispositivos abolicionistas não a

impediram de continuar a existir clandestinamente sob novas

formas (Delacampagne, 2013, p. 11).

Neste exato momento, o trabalho análogo ao de escravo,

termo utilizado na atualidade, continua a devastar seres

humanos em todo o planeta, quer na zona urbana, quer na

14

zona rural, seja na atividade doméstica, econômica ou

sexual. O trabalho análogo ao de escravo coloca o ser

humano na situação que em vez de vender sua força de

trabalho é obrigado a vender a si próprio, para sobreviver,

e quase sempre de forma subumana, degradante, invertendo

assim a relação trabalhador-força de trabalho – onde se

compra o trabalhador e não a força de trabalho, condenando

o trabalhador, que se tornou uma mercadoria, a uma morte

social.

1.2 - Escravatura no Brasil Colonial

No século XVI, quando o Brasil começou a ser colonizado, um

dos problemas enfrentados pelos portugueses foi o de mão-

de-obra. Isso porque era necessário um grande contingente

de trabalhadores para cultivar os latifúndios e a população

de Portugal era reduzida, o que não permitia que os colonos

da época trouxessem seus compatriotas para o labor. Além do

mais, essa mão-de-obra seria excessivamente cara e

inviabilizaria a concorrência.

Tentando solucionar o problema, os portugueses começaram

praticando o escambo com os índios e, com dificuldades,

tentaram escravizá-los. Contudo os índios possuíam uma

forma de vida muito diferente daquela pretendida pelos

portugueses.

15

Os índigenas brasileiros não estavam acostumados ao tipo de

trabalho impostopelos portugueses, já que possuíam um

processo produtivo multimilenar e uma economia de

subsistência organizada de forma particular. Assim não

precisavam dos “brancos” para sobreviver e isso foi um dos

fatores que dificultaram a sua escravização.

Em decorrência das dificuldades em lidar com os índios e da

facilidade de compra de escravos africanos, os colonos

começaram a traficar escravos negros, que possuíam uma boa

estrutura física para suportar o trabalho braçal, exigido

pelos colonizadores, e acabavam tendo maior facilidade de

adaptação à nova situação, não por a aceitarem, mas por

estarem longe de suas comunidades, de seus amigos e da

família, o que os enfraquecia e os tornava mais fáceis de

serem dominados.

Como pode ser observado, a colonização do Brasil deu-se por

intermédio da utilização da força de trabalho formada por

escravos africanos, tanto pela facilidade e lucratividade

do comércio quanto pela facilidade de enfraquecê-los diante

da nova condição. Os escravos eram tratados como

mercadorias; nunca como seres humanos.

Conforme Arruda e Piletti (1996, p.160),

Nas fazendas, os escravos viviam em promiscuidade,

em habitações coletivas, as senzalas, quase sem

janelas, para facilitar a vigilância. Trabalhavam

de sol a sol em canaviais, moendas, caldeiras,

16

praticamente sem descanso, pois aos domingos

cuidavam de roçados para seu próprio sustento. O

alimento principal era a mandioca.

A dureza do trabalho e a precariedade da

alimentação fazia com que a vida útil do escravo

chegasse no máximo aos dez anos. Seus filhos os

substituíam desde cedo. Assim, por todo o período

colonial e monárquico, os negros forneceram a maior

parte da mão-de-obra.

Os capatazes mantinham vigilância permanente.

Qualquer deslize implicava severo castigo, como: o

tronco, em que os negros, presos pelas canelas,

eram açoitados com o bacalhau, chicote que abria

fendas, nas quais se punha sal; o vira mundo,

instrumento de ferro com vários braços em forma de

gancho. Faltas mais graves podiam merecer penas

mais cruéis ainda, como a castração, amputação de

seio, quebra de dentes a martelada e emparedamento

vivo.

Os escravos resistiam de várias formas. Havia os

que se suicidavam ou matavam os feitores. Os

fugitivos eram caçados pelos capitães-do-mato,

profissionais que recebiam certa quantia por

escravo recapturado. Muitos conseguiam escapar e

formar quilombos.

O contexto de desrespeito aos direitos humanos era

gritante. Os negros africanos e índios brasileiros eram

tratados como “animais”, “mercadorias” de alto valor e

desejadas por todos, inclusive por aqueles que não possuíam

17

muitas posses. Os escravos eram submetidos a situações

desumanas, humilhantes, degradantes e indignas.

Depois de muita pressão internacional, principalmente pelo

fato de a Inglaterra ter aprovado, em 1833, a Lei da

Abolição, que deu incentivo para que alguns abolicionistas,

inconformados com a situação dos países que, assim como o

Brasil, possuíam legislação permitindo a escravidão,

lutassem pela extinção universal da escravidão e do tráfico

de escravos em todo o mundo (SUTTON, 1994). Em função da

pressão, medidas abolicionistas também foram tomadas no

Brasil, como a assinatura da Lei Diogo Feijó que, em 7 de

novembro de 1831, ratificou a proibição do tráfico de

escravos. Ratificou, pois Portugal, sob pressão da

Inglaterra, já havia assinado o

“Tratado de Cooperação e Amizade” (1810), que considerava o

tráfico de escravos ilegal e o transformou em crime contra

a humanidade. Em seguida, foi a vez da Lei

Euzébio de Queiroz, de 4 de setembro de 1850, que

autorizava o governo brasileiro a apreender as embarcações,

de qualquer nacionalidade, que estivessem sob suspeita de

praticar tráfico de escravos (DODGE, 2007).

Mas, apesar das leis citadas, o tráfico de escravos,

principalmente dos africanos, permaneceu. Foi somente em 5

de junho de 1854, que uma nova lei autorizou o emprego de

maiores esforços na repressão ao tráfico. “O tráfico,

todavia, persistiu, e motivou a edição de nova lei, em 5 de

18

junho de 1854, que autorizou maior repressão sobre os

importadores de escravos da África. O último desembarque de

escravos parece ter ocorrido em 13 de outubro de 1855)”

(DODGE, 2007, p.5). Nesse momento, o tráfico de escravos

estava sendo combatido com vigor e, por isso, os negros não

entravam, nem saíam do Brasil. Mas o problema ainda não

estava resolvido, uma vez que, em nossas terras, a mão-de-

obra básica continuava sendo a do trabalhador escravo. O

tráfico havia sido proibido, mas ter trabalhadores escravos

ainda não era ilegal.

Foi somente em 1871, com a assinatura da Lei do Ventre

Livre, que medidas começaram a ser tomadas em favor dos

escravos que aqui permaneceram. Ela garantia a liberdade

dos filhos de escravos que nascessem a partir daquele

momento, desde que eles trabalhassem para o senhor de suas

mães até completar 21 anos (SUTTON, 1994).

Finalmente, em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel

assinou a Lei Áurea, que versava sobre a abolição da

escravatura no Brasil. A partir desse momento, a escravidão

tornou-se legalmente proibida no País. No entanto, a

abolição não significou vida nova para os escravos, pois

eles continuaram à margem da sociedade, uma vez que não

tinham oportunidades.

Pronto. Tinha acabado a escravidão. Na corte, deram

um baile comemorativo. Os negros só puderam entrar

como criados. Depois da abolição, a data era

comemorada ostensivamente pelas elites, sem nenhuma

19

voz dos negros. Para que ninguém discutisse a

situação dos ex-escravos. A lei não previa nenhuma

proteção social. De escravos, os negros tornaram-se

trabalhadores muito pobres (e poderia ser

diferente, quando você deixa de ser um escravo?),

sem chance de progredir numa sociedade de

latifundiários cheios de preconceito. Até hoje

discriminados, não perderam a capacidade de luta

[...] (SCHMIDT, 1998, p.198).

Assim, apesar da Lei Áurea, parece que o termo escravidão

deixou de existir apenas na teoria, pois, na prática, até

os dias de hoje, encontramos seres humanos em situação

análoga à de escravo, submetendo-se à indignidade para

sobreviver, mesmo tendo seus direitos fundamentais, apesar

de garantidos pela Constituição Federal, desrespeitados,

devido a atitudes primitivas de empresários que somente

visam ao lucro, sem se preocupar com a forma como o

alcança, bem como por uma sociedade egoísta que não

consegue enxergar e lutar contra as barbáries que vêm sendo

praticadas com outros seres humanos. O mais impressionante

é que essa forma de trabalho, que, em regra, nos remete ao

campo, também vem sendo praticada nas grandes cidades.

1.3 - Escravatura Contemporânea no Brasil

No Brasil, é considerada escravidão contemporânea os casos

em que a pessoa está submetida a:

20

Condição degradante de trabalho (que retira do trabalhador

sua dignidade e expõe a riscos sua saúde e segurança física

e mental)

Jornada exaustiva (que o leva ao limite de suas forças)

Forma de cerceamento de liberdade (como a servidão por

dívida, a retenção de documentos e o isolamento geográfico

do local de trabalho)

O que diz o Código Penal:

Artigo 149. Reduzir alguém a condição análoga à de

escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a

jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições

degradantes de trabalhando, quer restringindo, por qualquer

meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o

empregador ou preposto:

Pena- reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena

correspondente à violência.

§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:

I- cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte

do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se

apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador,

com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

21

I – contra a criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor etnia, religião

ou origem.

O governo federal brasileiro assumiu a existência do

trabalho escravo contemporâneo perante o país e a

Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1995. Assim,

o Brasil se tornou uma das primeiras nações do mundo a

reconhecer oficialmente a ocorrência do problema em seu

território. De 1995 até 2011, mais de 45 mil trabalhadores

foram libertados de situações análogas a de escravidão.

Tradicionalmente, esse tipo de mão de obra é empregada em

atividades econômicas, desenvolvidas na zona rural, como a

pecuária, a produção de carvão e os cultivos de cana-de-

açúcar, soja e algodão. Nos últimos anos, essa situação

também tem sido verificada em centros urbanos,

especialmente na indústria têxtil, construção civil e

mercado do sexo. Infelizmente, há registros de trabalho

escravo em todos os estados brasileiros.

No Brasil, 95% das pessoas submetidas ao trabalho escravo

rural com fins de exploração econômica são homens. As

atividades para as quais esse tipo de mão de obra é

utilizado exigem força física, por isso os aliciadores têm

procurado basicamente homens e jovens. Os trabalhadores

rurais libertados são, em sua maioria, migrantes que

22

deixaram suas casas com destino à região de expansão

agrícola. Saem de suas cidades atraídos por falsas

promessas de aliciadores ou migram forçadamente pela

situação de penúria em que vivem.

Em zonas urbanas, a situação de imigrantes latino

americanos, como a de bolivianos, paraguaios e peruanos,

merece a atenção. O recente crescimento econômico do Brasil

e a crise mundial contribuíram para aumentar

significativamente o número de estrangeiros no país nos

últimos anos. De acordo com dados do Ministério da Justiça,

de 2010 até abril de 2012, o número de estrangeiros em

situação regular no Brasil aumentou em 60%. Há ainda

aqueles que, por estarem em situação irregular, são mais

vulneráveis à exploração e a terem seus direitos

desrespeitados. A migração deve ser considerada um direito

humano, no entanto, muitas vezes, o fenômeno está

relacionado a violações de direitos, como o trabalho

escravo contemporâneo e o tráfico de pessoas.

1.4 - O uso da Expressão Trabalho Escravo

A expressão trabalho escravo originou-se junto com a Lei

Áurea e hoje seria mais adequada a utilização da expressão

trabalho análogo ao de escravo, conforme previsto pelo

Código Penal Brasileiro (CPB). Contudo, de acordo com o que

se vivencia por meio da tradição e facilidade apresentada

23

pela primeira expressão – trabalho escravo – Ricardo

Figueira (2004, p.48) argumenta:

[...] por força de construção social, manifestada nas

pressões de grupos específicos e no seu uso cada vez mais

freqüente pelo conjunto das organizações oficiais e não

oficiais, a modalidade de trabalho forçado sobre a qual

escrevo tem sido reconhecida como não apenas parecida com a

escrava, mas de fato escrava. Os que empregam a categoria

consideram que sua utilização não obscurece ou confunde seu

significado, mas o torna mais visível.

Assim, os usos e costumes acabam fazendo com que seja

utilizada a expressão trabalho escravo a trabalho análogo

ao de escravo ou trabalho forçado. Quanto à utilização da

expressão trabalho forçado, é importante observar que é a

redução das condutas tipificadas como trabalho análogo ao

de escravo, sendo assim inadequada a sua utilização na

caracterização do crime tipificado, no art. 149 do CPB.

A fim de consolidar o pensamento anterior, basta imaginar

uma matéria de jornal noticiando que foram encontrados

trabalhadores em regime de trabalho forçado.

Imagine se a expressão utilizada fosse em regime de

trabalho escravo; a segunda frase é muito mais impactante

do que a primeira. Denise Andrade (2005, p. 79) coaduna com

esse pensamento e afirma que “[...] trabalho escravo é a

forma reduzida e comumente aceita para se referir a tipo

trabalho em condições análogas à de escravo, previsto no

24

Código Penal, art. 149, recentemente alterado pela Lei n.

10.803/03”.

Segundo RIcardo Figueira (2004), foi no começo do governo

do presidente Luiz Inácio

Lula da Silva, em 2003, que a expressão “trabalho escravo”

tomou maiores proporções, já que ele e seus ministros

passaram a usar a expressão corriqueiramente e até mesmo o

Programa Nacional passou a ser chamado de Programa Nacional

de Erradicação do Trabalho Escravo e não mais como Grupo

Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) como

era no governo de Fernando Henrique Cardoso. O autor também

narra:

[...] Ao mesmo tempo, as declarações também cada

vez mais freqüentes de membros da Procuradoria da

Justiça e do Trabalho, da Procuradoria e da Justiça

Federal se referiram com insistência ao fenômeno

como ‘escravidão’. Além disso, os documentos, as

conferências e os seminários promovidos pela OIT no

Brasil, por funcionários do Ministério do Trabalho,

pela Associação Nacional de Juízes Federais, por

Procuradores Federais também se referem à mesma

categoria. Mesmo a expressão adotada pelo CPB – de

‘análoga à de’, complementando a categoria

‘escravo’- tem sido desprezada (2004, p. 48).

Cláudio Brito Filho (2005, p.10) entende que a denominação

legal é trabalho análogo ao de escravo, mas nada impede a

utilização do termo “trabalho escravo”, que seria a forma

reduzida da primeira. Para ele, a única coisa que não pode

25

ser esquecida é que se trata da redução do termo e não do

seu significado. Além disso, ele afirma que, pelo fato de a

escravidão não ser uma prática admitida no Brasil, não se

pode permitir que seres humanos, mesmo por conduta ilícita

de outrem, sejam tratados como escravo.

Segundo o autor, a pessoa estará, no máximo, em condição

análoga à de escravo, mas nunca será efetivamente um

escravo.

2. – MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE COMBATE

26

Uma das medidas mais eficazes para concretizar a

erradicação do trabalho análogo ao de escravo são os meios

extrajudiciais de resolução de conflitos na área laboral.

De 2010 até hoje, o Ministério Público Federal aumentou

mais de 800% a instauração de procedimentos extrajudiciais

contra condições análogas à escravidão.

Há distintos instrumentos que atuam na prevenção e

repressão ao trabalho escravo de forma extrajudicial,

vejamos a seguir, portanto os principais mecanismos:

2.1 - Grupo Especial De Fiscalização Móvel (GEFM)

O Grupo Especial de Fiscalização Móvel foi criado em 1995,

com o fim de agir diretamente nos casos de prática de

trabalho escravo diante das denúncias provindas de vários

pontos do território nacional. Este Grupo possibilitou ao

Ministério do Trabalho e Emprego estabelecer mecanismos

mais adequados de ação, o que permitiu à fiscalização do

trabalho atuar de forma eficiente no combate ao trabalho

escravo. SCHWARZ (2008) menciona que a criação da

Fiscalização Móvel decorreu das seguintes necessidades:

centralizar o comando para diagnosticar e dimensionar o

problema; garantir a padronização dos procedimentos de

supervisão direta dos casos fiscalizados; assegurar o

sigilo absoluto na apuração das denúncias; e deixar a

fiscalização local livre de pressões e ameaças.

27

Conduziu sua criação à obtenção de resultados

significativos na repressão de trabalho escravo a partir de

1995. O grupo consegue atuar de forma ágil e mais ou menos

independente das pressões de grupos políticos e econômicos

influentes nos Estados. Exemplificando, apenas no ano de

1997, atuou em cinco fazendas na repressão à escravidão,

constando in loco a existência da prática de escravidão, e

libertou 455 trabalhadores (SCHWARZ , 2008).

Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE

2009):

Em 2009 foram fiscalizadas 200 fazendas e

resgatados 2.216 trabalhadores em 85 operações

realizadas, lavrados 219 autos de infração e pagas

indenizações que totalizam em R$ 3, 5 milhões. No

Pará foram lavrados 427 autos de infração (maior

índice brasileiro), correspondendo a R$ 230,6 mil

em multas. Neste Estado foram deflagradas 16

operações e fiscalizadas 30 fazendas. Ao todo, 177

empregados que viviam em condições inadequadas

foram resgatados. O segundo que mais tem infrações

é o Paraná, 283, responsáveis por indenizações na

ordem de R$ 188,8 mil. Foram deflagradas 10

operações e fiscalizadas 33 propriedades, sendo

resgatados 106 trabalhadores. No Estado de

Pernambuco ocorreu o maior número de trabalhadores

libertados, 369.

As 6 operações realizadas percorreram 9 propriedades e

foram lavrados 280 autos de infração que ensejaram o

pagamento de indenizações na ordem de R$ 755, 8 mil. Por

28

sua vez, no Rio de Janeiro foram resgatados 361

trabalhadores das 3 fiscalizações efetuadas em uma única

operação, lavrados 69 autos que deflagraram o pagamento de

indenizações na ordem de R$229,2 mil.

“Na mesma ocasião em que instituído o Grupo Especial de

Fiscalização Móvel ,em 1995, também foi criado o Grupo

Executivo de Repressão ao Trabalho Escravo (GERTRAF). A

partir de 2003 foi alterado o objetivo de “combate” a essa

prática, para o compromisso de sua erradicação” (SCHWARZ ,

2008).

O GERTRAF foi substituído pela Comissão Nacional de

Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), que elaborou o

Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, hoje

em sua segunda edição.

2.2 – A “Lista Suja”

Em novembro de 2003, o governo federal lançou a primeira

“Lista Suja”, um importante instrumento de repressão ao

trabalho escravo no Brasil. A “Lista Suja” é um cadastro

que agrupa nomes de empregadores (pessoas físicas e

jurídicas) flagrados na exploração de trabalhadores em

condição análoga à escravidão. Após a inclusão no cadastro,

o empregador será fiscalizado por dois anos. Se, durante

esse período, não houver reincidência do crime, forem pagas

todas as multas resultantes da fiscalização e forem

29

quitados os débitos trabalhistas e previdenciários, o nome

do empregador poderá ser excluído da “Lista Suja” (COSTA,

2010).

Embora o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) não

penalize diretamente os empregadores que fazem parte da

“Lista Suja”, os nomes presentes neste cadastro ficam

sujeitos a restrições financeiras, pois diferentes órgãos e

entidades comprometidos com a erradicação do trabalho

escravo no país deixam de fornecer créditos e outros

benefícios aos empregadores incluídos na lista. A “Lista

Suja” é um dos mais eficazes mecanismos de combate à

escravidão no Brasil, pois atinge economicamente os

negócios das pessoas e empresas que se utilizam desse tipo

de mão de obra.

2.3 – Atuação extrajudicial do Ministério Público do

Trabalho

A Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988

foi decisiva para o Ministério Público, que deixou de ser

mero apêndice do Poder Executivo para se transformar em

instituição permanente, independente, autônoma e essencial

à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa

da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis.

30

Assim, com o advento da Carta Magna de 1988, o Ministério

Público passou a ser um órgão constitucional extrapoderes,

não integrando nenhum dos poderes clássicos do Estado,

atuando com plena autonomia funcional, administrativa e

financeira, não sendo recepcionados, portanto, os artigos

736 e 737 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o

primeiro que qualificava os membros do Ministério Público

do Trabalho como agentes do Poder Executivo e o segundo que

subordinava a instituição ao Ministro de Estado. (MARTINS

FILHO, 1993)

A mudança do perfil constitucional do Ministério Público

pela Carta Política de 1988, que realçou o papel do órgão

ministerial como pilar do estado democrático de direito,

acarretou profundas transformações no seio do Ministério

Público do Trabalho. A instituição, que atuava

preponderantemente como órgão interveniente, na emissão de

pareceres nos processos submetidos à Justiça do Trabalho

(CLT, arts. 746, a, e 747), passou a funcionar também como

órgão agente, não apenas nas ações trabalhistas envolvendo

menores e incapazes (CLT, art. 793) e no dissídio coletivo

de greve (CLT, art. 856), como também na instauração de

inquéritos civis e na propositura de ações civis públicas

(CF, art. 129, III).

Assim, após a Constituição de 1988, o Ministério Público do

Trabalho, ramo do Ministério Público da União (CF, art 128,

I, b) especializado na defesa da ordem jurídica

trabalhista, passou a canalizar sua atuação, como órgão

31

agente, para a defesa dos interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos, definidos pelo art. 81, parágrafo

único, incisos I, II e III, da Lei nº 8.078/1990 (Código de

Defesa do Consumidor), com fulcro no art. 129, III, da CF;

art. 1º da Lei nº 7.347/1985, que disciplinou a ação civil

pública; e art. 83, III, da Lei Complementar nº 75/1993,

que aprovou o Estatuto do Ministério Público da União.

O inquérito civil, na seara administrativa, e a ação civil

pública, no âmbito judicial, passaram a ser os principais

instrumentos de atuação do Ministério Público do Trabalho

na tutela dos interesses transindividuais (difusos,

coletivos e individuais homogêneos) decorrentes das

relações de trabalho, possibilitando a atuação do MPT na

luta contra o trabalho análogo ao de escravo, o que passou

a ocorrer, principalmente, após a promulgação da LC nº

75/1993, que previu, de forma expressa, o cabimento da ação

civil pública na Justiça do Trabalho, dissipando qualquer

dúvida sobre a competência da Justiça Especializada para o

julgamento da referida ação.

Nesse sentido, em junho de 2001, o Procurador-Geral do

Trabalho instituiu, através das Portarias de nº 221 e 230,

uma comissão temática com o fim de elaborar estudos e

apontar políticas para a atuação do MPT no combate ao

trabalho forçado, como forma de coordenar a atuação da

instituição ministerial, que ocorria de maneira desordenada

no âmbito das Procuradorias Regionais do Trabalho. (MARTINS

FILHO, 1993)

32

Os trabalhos realizados pela comissão tiveram como ponto de

partida o documento intitulado “Carta de Belém”, que

representava a síntese do seminário internacional realizado

na Capital paraense, em novembro de 2000, sob o título

“Trabalho forçado – realidade a ser combatida”, que

discutiu, entre outros pontos, a utilização de

trabalhadores com intermediação de gatos; o aliciamento de

trabalhadores, mediante falsas promessas, em municípios ou

estados distantes dos locais dos serviços; e a servidão por

dívidas, com cercamento da liberdade. Assim, a partir das

situações fáticas apresentadas, foram discutidas soluções e

definições de políticas institucionais com o fim de

otimizar a atuação do MPT na questão do trabalho análogo ao

de escravo, sendo, então, instituída a Coordenadoria

Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (CNCTE), que passou

a ser denominada, posteriormente, de Coordenadoria Nacional

de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE).

A CONAETE, composta por Procuradores que representam todos

os Estados brasileiros, tem por finalidade coordenar e

harmonizar a atuação dos membros do Ministério Público do

Trabalho em todo o território nacional, além de buscar

parcerias com outras instituições governamentais que atuam

na área do combate ao trabalho análogo ao de escravo, como

o Ministério do Trabalho e Emprego, a Polícia Federal, a

Justiça do Trabalho e outros ramos do Ministério Público, a

par de tentar uma maior articulação com a sociedade civil

organizada.

33

A referida coordenadoria é integrada por cerca de 50

(cinqüenta) Procuradores do Trabalho, que compõem escala de

revezamento destinada a acompanhar as operações do Grupo

Especial de Fiscalização Móvel, com o fim de aproximar-se

dos trabalhadores e aprimorar a coleta de provas para

embasar a atuação extrajudicial e judicial do Ministério

Público do Trabalho.

Como resultado deste trabalho apresenta-se os seguintes

quadros:

QUADRO 1

Quadro geral das operações de fiscalização para

erradicação do trabalho escravo - Sit/Srte 1995 A 2013

34

Disponivel em http://portal.mte.gov.br

QUADRO 2

35

Quadro das operações de fiscalização para erradicação do

trabalho escravo sit/srte - 2013

Disponivel em http://portal.mte.gov.br

Observação: O presente quadro, quando comparado com o quadro geral das

operações 2013, apresenta divergências quanto ao número de operações

realizadas. Isso se deve ao fato de que neste quadro as operações são

distribuídas por Unidade da Federação. Assim, uma mesma operação do

quadro geral pode ser duplicada no presente quadro para atender ao critério

da separação por UF, quando a fiscalização alcançou mais de um Estado.

36

Assim, após esse breve histórico, cabe analisar os

principais instrumentos extrajudiciais utilizados pelo

Ministério Público do Trabalho na luta contra as formas

contemporâneas de escravidão:

2.3.1 – Inquérito civil Público

Por meio do Inquérito Civil Público, o Ministério Público

do Trabalho está autorizado a coletar elementos que

embasarão Ações Civis Públicas, ou seja, poderá ele

requisitar, de qualquer órgão público ou particular,

certidões, informações, exames ou perícias, assim como

expedir notificações, ouvir testemunhas, entre outras

diligências (VIANA 2007). Nos últimos anos, o MPT organizou

núcleos/grupos de trabalho regionais, os quais, por sua

vez, debateram e criaram projetos visando à proteção dos

direitos fundamentais dos trabalhadores. Como exemplo,

podemos citar os seguintes núcleos/grupos de trabalho:

Combate a terceirização ilícita, nos mais diversos

ramos de atividade;

Combate as cooperativas irregulares;

Combate ao trabalho escravo;

Acompanhamento de obras na construção civil pesada, em

especial daquelas integrantes do PAC;

Promoção do trabalho decente no setor sucroalcooleiro;

37

Proteção/inclusão de cidadãos portadores de

deficiência.

Nas palavras do ex-ministro do TST Ives Gandra da Silva

Martins Filho, egresso do Ministério Público do Trabalho,

“a imparcialidade do Ministério Público, como órgão de

defesa da ordem jurídica, e não de interesses particulares,

dá-lhe maior credibilidade perante o Poder Judiciário ao

intentar as ações coletivas”.

Tal faceta, de acordo com o aclamado jurista, vem se

perdendo ultimamente em determinados segmentos do MPT, os

quais, por ideologia, confundem a defesa da ordem jurídica

com a defesa exclusiva dos trabalhadores, afeta aos

sindicatos.

Atualmente, existem diversas correntes doutrinárias e

jurisprudenciais no que diz respeito a legitimação para a

propositura de Ações Civis Públicas por parte do MPT ou

então pelos sindicatos.

VIANA (2007) entende que, com base no artigo 129 da CF/88,

a legitimação do MPT está restrita aos interesses difusos e

coletivos, ou seja, aqueles que pertencem a um grupo,

classe ou categoria indeterminável de pessoas, que são

reunidas entre si pela mesma situação de fato (Ex:

moradores de região atingida por poluição ambiental ou

destinatários de propaganda enganosa divulgada em canal de

televisão).

38

2.3.2 – Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)

Não há dúvidas que a atuação do Ministério Público do

Trabalho, em sua função de órgão agente, revela sua

importância na medida em que permite a solução da

controvérsia, com a efetiva proteção dos direitos sociais,

pela realização de termos de ajuste de conduta (TAC).

A importância do TAC, celebrado perante o órgão do

Ministério Público do Trabalho, reside nas seguintes

considerações: A primeira consiste no fato de que a

celebração do compromisso contribui para o desafogamento da

Justiça do Trabalho, como ressalta FAVA (2005) “economizando-

se todo um processo de conhecimento que poderia percorrer todas as esferas

trabalhistas”.

Ademais, o termo de compromisso de ajustamento às normas

legais imputa “ao denunciado obrigações de fazer e de não fazer (...)” FAVA

(2005), com a fixação de prazo para o cumprimento dos

deveres impostos e previsão de penalidade a ser aplicada no

caso de inobservância. Nesse sentido, o ajuste de conduta

prevê a abstenção das irregularidades verificadas no caso

concreto (tutela de natureza inibitória), bem como poderá

estipular o pagamento de indenizações por dano moral

coletivo (tutela de natureza reparatória).

39

Por último, FAVA (2005) afirma que o termo de

compromisso firmado tem eficácia de título executivo

extrajudicial, o que:

(...) amplia os horizontes do Ministério Público do

Trabalho que passa a atuar de forma muito mais

efetiva extrajudicialmente, uma vez que, a partir

deste entendimento, o compromissado não descumprirá

facilmente o termo de ajuste de conduta já que

poderá se submeter à execução concretamente.

Caso não seja possível a celebração do ajuste, compete

aos órgãos ministeriais atuar judicialmente na defesa dos

interesses violados, destacando-se o uso da Ação Civil

Pública, a seguir analisada.

O trabalho análogo ao de escravo, ainda que diferente dos

moldes do período escravocrata, carrega consigo violações

de vários direitos inerentes ao ser humano, em especial, a

dignidade da pessoa humana assegurada pela Carta Magna.

Deve esta ser tutelada por todos os meios possíveis, como

vem sendo no tangente a exploração do trabalho análogo ao

de escravo, para garantir aos trabalhadores condições

mínimas de uma vida com dignidade.

40

3. – ALTERNATIVAS PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO

ANALÓGO AO DE ESCRAVO

“Eu não sabia que era um escravo”

Tudo começa com um moço chamado "gato". Ele chega na cidade com boas

promessas. Uma pessoa está passando necessidade e ele diz: "Rapaz, você não

quer trabalhar lá no Pará? Lá o serviço é bom, você vai ganhar bem". Aí a

pessoa se anima, mas diz que não tem como ir. Ele fala que não tem problema,

que o patrão paga adiantado, e dá o dinheiro para pagar a passagem e pra

deixar com a família. Aí a pessoa se anima e vai.

Chegando lá, a escravidão já começou. Quando vai acertar a primeira

mensalidade com o patrão, este pergunta: "Qual dinheiro que você quer?". - "O

dinheiro do meu serviço." E o patrão: "Não, você é que está me devendo. Não

dei dinheiro pra sua família, pra sua passagem, as ferramentas que você

pegou pra trabalhar? Então, tudo isso está anotado num caderno e vai ser

pago, com juro e tudo". Os alimentos que você compra a preços absurdos

ajudam a endividar mais rápido ainda. Além disso, a água que se bebe é suja e

41

é a mesma dos animais. Isso sem falar dos vigias que passam armados na sua

frente.

Não passava pela minha cabeça que eu estava sendo um escravo, porque pra

mim escravidão já tinha acabado. Fiquei com medo, pensei que não ia mais ver

minha família e voltar para a minha terra. Eu não tinha uma corda presa nos

meus pés ou nas mãos, mas estava amarrado lá, pois não podia sair, não tinha

contato com ninguém de fora, estava endividado e em má situação. Os

trabalhadores sempre ajudavam que pelo menos um fugisse, para fazer a

denúncia e libertar os outros. Depois do nosso resgate, a CPT começou a travar

uma grande luta de conseguir um pedaço de terra pra nós trabalharmos e de

nos indicar quais eram os nossos direitos e como a gente deveria agir.

Após quatro anos, conseguimos um assentamento, a 700 km da capital

Teresina. Embora pareça incrível, as coisas não melhoraram tanto assim.

Quando nos deparamos com a totalidade do assentamento, havia um arame

farpado bem no meio, pois um fazendeiro já tinha se apoderado da metade da

terra. Na parte que a gente está, não foi liberado ainda nenhum tipo de

crédito, de habitação, apoio e infraestrutura. Assim, descobrimos que só a

terra não basta.

Por um lado, estamos animados, porque estamos trabalhando na nossa terra,

mas por outro, estamos desanimados, porque a situação precária faz com que

o companheiro esmoreça na luta e se arrisque, voltando para esses trabalhos

degradantes. Quase todos sabem como é o trabalho escravo e como fazer para

acabar com ele, mas não adianta resgatar o trabalhador da fazenda sem ter

toda uma continuidade nesse processo.

42

Francisco José dos Santos Oliveira, presidente da

Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Prevenção

do Trabalho Escravo em Monsenhor Gil, PI

Texto extraído do site Revistas das Missões

(www.revistamissoes.org.br em 15/11/2014 as 18:15h)

3.1 – Educação, Fiscalização e Desenvolvimento

Existem várias formas de trabalho escravos, MEDEIROS (2006)

cita entre elas “o aliciamento de pessoas para trabalhos

forçados em zonas rurais de difícil acesso, e a imigração

de bolivianos para cidades do Brasil, São Paulo

principalmente, para o trabalho em confecções”.

Embora a escravidão moderna não seja marcada por pessoas

acorrentadas em senzalas oitocentistas, grilhões,

pelourinhos e chicotes, ela é tão degradante e presente

quanto àquela “abolida” há mais de 100 anos.” Resta-nos

encontrar alternativas eficientes o bastante para erradicar

o trabalho escravo (MEDEIROS, 2006).

Apresenta-se a seguir alternativas para combater esse mal

social:

A primeira delas, talvez seja a mais importante, porém seus

resultados não podem ser notados a curto prazo, pois trata-

43

se de propiciar a educação de qualidade para a nossa

sociedade.

A relação entre educação e trabalho escravo é visível de

duas maneiras: a primeira delas diz respeito a alegações

sempre presentes segundo as quais “a educação” esta

diretamente ligada as precárias condições de vida, aqui

relativas às populações rurais brasileiras. Reivindica-se à

ação educativa o dom que irá ajudar a minorar os riscos que

correm homens e mulheres, jovens, adultos - e até mesmo

crianças - de cair na condição servil. Estes trabalhadores

são considerados pessoas sem conhecimentos que, deixadas à

margem da educação formal, seriam incapazes de conseguir

colocações profissionais com o mínimo de decência. Temos

assim centenas de homens e mulheres indefesos em relação

aos ardis daqueles que aliciam trabalhadores desempregados

para o trabalho em regiões distantes. Pois é sabido que os

que sofrem este tipo de exploração e violência são

enganados e a precariedade de sua situação social e

principalmente educacional facilita a ação de pessoas

inescrupulosas em busca de ganhos fáceis.

Dessa forma, para que as pessoas tenham consciência do

tamanho do problema que é o trabalho escravo e como afirma

NETO (2008) “é necessário que sejam educadas de acordo com

programas honestamente elaborados, que as façam conhecer

seus direitos.”

44

Como segunda alternativa temos a maior fiscalização das

áreas, conhecidas por meio de denúncia, que utilizam o

trabalho escravo em suas atividades. Uma pesquisa realizada

em 2003, pela Secretaria de Inspeção e Trabalho, traz uma

comparação entre o número de denúncias e o de resgate

relativos ao trabalho escravo. Revela ainda que quanto

maior a incidência de trabalhos forçados no Estado, maior

será a discrepância entre denúncia e resgate. O estado do

Pará, que é campeão em trabalho forçado, marca 4.556

denúncias e somente 1.774 resgates. Mato Grosso, que está

entre os cinco estados brasileiros de maior incidência de

trabalho escravo, relaciona 927 denúncias contra 676

resgates. Como se percebe, a margem de diferença entre

denúncias e resgates é absurda, e contribui para a

manutenção da exploração.

O que é necessário é que ações sejam implementadas no

sentido de garantir a fiscalização permanente em locais

onde há maior incidência de denúncias e ocorrências.

A fiscalização deve ser acompanhada de aparato policial

para garantir sua plena execução, pois se sabe que alguns

fiscais podem ser e são ameaçados e até mesmo assassinados

quando estão desempenhando suas atividades VIANA (2007).

A terceira alternativa para a erradicação do trabalho

escravo seria a promoção de desenvolvimento nas regiões de

origem da maioria dos cativos.

45

Programas que resultem na melhoria da condição de vida das

pessoas oriundas de áreas com baixo índice de educação e

condições de vida adequadas devem ser implementados e

colocados em prática. Atualmente, existem programas do

Governo Federal, como Fome Zero, Bolsa Escola, Programa

para Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho

Infantil – PETI, dentre outros que deveriam garantir o

mínimo necessário para a sobrevivência das famílias mais

pobres, mas infelizmente esses programas não estão

atingindo os objetivos pretendidos.

Uma solução para a melhoria deste quadro seria a integração

dos programas federais, com iniciativas de ONG’s,

movimentos sociais e com programas estaduais e municipais.

O resultado deste trabalho interligado seria o

desenvolvimento significativo nas regiões, e

consequentemente o desinteresse dos explorados a saírem de

onde vivem para trabalharem em outros locais.

É necessário que alternativas como maior fiscalização de

áreas conhecidas como usurpadoras de trabalho escravo,

desenvolvimento das regiões de onde provêm os cativos e

educação adequada para a sociedade, sejam utilizadas como

ferramentas para a erradicação do trabalho forçado (NETO

2008).

3.2 – Chaga a ser exterminada

46

A erradicação do trabalho análogo ao de escravo é um dos

principais objetivos da agenda brasileira de promoção dos

direitos humanos. A promulgação da PEC (Proposta de Emenda

Constitucional) do Trabalho Escravo em junho de 2014

representou uma grande vitória para a sociedade. Ela efetua

uma alteração no artigo 243 da Constituição, prevendo, além

da expropriação sumária das terras em que se constate a

exploração do trabalho escravo, a reversão da área

expropriada para os colonos que nela já trabalhavam.

Dados do Ministério Público Federal (MPF) mostram que desde

2010, os procedimentos extrajudiciais instaurados

aumentaram mais de 800%. Já as ações penais autuadas quase

dobraram. Ambos relativos ao crime tipificado no artigo 149

do Código Penal, que é a redução da pessoa a condição

análoga à de escravo

Durante evento com ruralistas na Confederação da

Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a presidenta DILMA

(2014) falou sobre o tema:

“Estou certa que todos os produtores concordam que

essa é uma chaga a ser exterminada do nosso país,

para que a maioria dos bons produtores não seja

discriminada pelos erros de uns poucos. A condição

deste crime ganhará força, quanto mais precisa for

a sua definição. Há que ser extremamente específico

e preciso. Acredito que avanços nessa direção

poderão ser obtidos no aprimoramento da legislação

pelo Congresso Nacional”.

47

Outra forma de ajudar é assinar o abaixo-assinado pela

aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC

438/2001), pela qual seriam confiscadas as terras de quem

utiliza trabalho escravo.

Acesse: www.trabalhoescravo.org.br/abaixo-assinado

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho análogo ao de escravo fere princípios e regras

constitucionais, não podendo ser tolerado pela sociedade

brasileira, que deve encontrar os mecanismos suficientes

para erradicar esse problema, social e econômico.

Como dentre os principais entraves à erradicação do

trabalho análogo ao de escravo contemporâneo encontram-se a

ausência de um conceito preciso do fenômeno e a dificuldade

de sua caracterização, a pesquisa procura definir trabalho

análogo ao de escravo e indicar suas principais

características, na esperança de contribuir para sua

eliminação.

O trabalho escravo é uma chaga social que perpassa a

história da humanidade desde os primórdios até os dias

48

atuais. A existência de forma tão degradante de exploração

humana suscita o desenvolvimento de ações extrajudiciais

que sejam capazes de combatê-lo em favor da promoção de um

trabalho decente, respeitado e louvável pelo todo social,

vez que construtor da própria identidade humana.

Assim, na ousada proposta de enfrentar esse desafio, preza-

se pela atuação do Ministério Público do Trabalho e do

Ministério do Trabalho e Emprego, dentro de suas

prerrogativas, como um dos principais mecanismos jurídico-

institucionais, mas também como evidencia este

trabalho, extrajudicialmente, orientados à erradicação

das modalidades de escravidão contemporânea.

Enfim, a promoção da dignidade no trabalho, mas também da

liberdade humana, direcionadas à efetivação do Direito do

Trabalho enquanto instrumento de justiça, são decisivas

para o alargamento da inclusão social, além de despontar

como orientações indispensáveis à cultura jurídica.

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49

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antiguidade aos nossos dias. 1ª Edição. Rio de Janeiro:

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