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FACULDADE GAMALIEL
HELENICE OLIVEIRA ANDRADE
TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO
MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE COMBATE
TUCURUÍ2014
HELENICE OLIVEIRA ANDRADE
TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO
MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE COMBATE
Trabalho de Conclusão de Cursoapresentado à Faculdade Gamalielpara obtenção do título deBacharel em Direito.
Orientador: Luiz Moda
TUCURUÍ2014
BANCA EXAMINADORA
TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO
MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE COMBATE
Este exemplar corresponde àredação final da Monografia degraduação defendida porHelenice Oliveira Andrade eaprovada pela Comissãojulgadora em:
___/___ /2014
__________________________________
Joniel de Abreu
__________________________________
Aline Amaro Correa
__________________________________
Luiz Moda
TUCURUÍ2015
Aos meus professores quedignamente me guiaram até aquiacreditando em meus potenciais,encorajando a fazer adiferença, valorizando ideiase, claro, compreendendo minhasfalhas.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, pois sem ele jamais teria passado
pelas dificuldades e adversidades destes anos de faculdade.
Ao meu marido e filhos que me incentivaram e apoiaram não
só durante este curso, mas em todos os momentos de minha
vida.
Ao meus professores que me ajudaram sempre.
Aos meus amigos com quem convivi estes anos, que
acompanharam e participaram dos momentos bons e dos não tão
bons, me inspiraram e me impulsionaram para esta
realização.
Franz Grillparzer
ANDRADE, Helenice Oliveira. Trabalho Análogo ao de Escravo- Meios Extrajudiciais de Combate. 2014. 39f. Trabalho deConclusão de Curso (Graduação) – Curso Bacharel emDireito, Faculdade de Gamaliel, Tucuruí, 2014.
RESUMO
O Brasil apresenta, atualmente, altos índices de
trabalhadores submetidos a formas desumanas de
exploração. A escravidão, embora formalmente abolida em
1888, existe ainda hoje, identificada pelo trabalho
degradante de homens, mulheres e crianças e manifestada
em diversas formas, sobretudo pela denominada
escravidão contemporânea por dívida. Assim, torna-se
necessário formular medidas para uma célere erradicação
do trabalho escravo. Propõe-se, para tal fim, a
implementação de instrumentos extrajudiciais, por meio
da atuação do Ministério Público do Trabalho e do
Ministério do Trabalho e do Emprego, dentro de suas
prerrogativas assim como meios alternativos de combate e
prevenção. Trata-se de formas de se erradicar está
degradante exploração do homem trabalhador, enaltecendo
a justiça e a promoção do trabalho digno.
Palavras Chave: Escravidão, Trabalho, Direito, Extrajudicial,Combate.
ANDRADE, Helenice Oliveira. Analogous to the work of Slave- Means to Combat Extrajudicial. 2014. 39f. Completion ofcourse work (undergraduate) course - Bachelor of Law,Faculty of Gamaliel, Tucuruı, 2014.
ABSTRACT
The Brazil currently has high rates of workers subjected to
inhumane forms of exploitation. Slavery, although formally
abolished in 1888, still exists today, identified by
degrading labor of men, women and children and manifested
in various ways, especially by contemporary denominated
debt bondage. Thus, it becomes necessary to formulate
measures for the speedy eradication of slave labor. Is
proposed for this purpose, the implementation of voluntary
instruments, through the agency of the Ministry of Labour
and the Ministry of Labor and Employment within their
prerogatives as well as alternative means of combating and
prevention. These are ways to eradicate is degrading
exploitation of the working man, praising justice and the
promotion of decent work.
Key Words: Slavery, Labor, Law, Extrajudicial, Combat.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 101. DA ESCRAVATURA AO TRABALHO ESCRAVO 121.1. A história da escravatura 121.2. Escravatura no Brasil Colonial 131.3. Escravatura Contemporânea no Brasil 16
1.4. O Uso da Expressão Trabalho Escravo 182. MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE COMBATE 212.1. Grupo Especial De Fiscalização Móvel (GEFM)
212.2. A “Lista Suja” 222.3. Atuação extrajudicial do Ministério Público do Trabalho
232.3.1 Inquérito civil Público2.3. 2 Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
2829
3. ALTERNATIVAS PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ANALÓGO AO DE ESCRAVO
333. “Eu não sabia que era escravo” 313.1. Educação, Fiscalização e Desenvolvimento 323.2. Chaga a ser exterminada 36CONSIDERAÇÕES FINAIS 37REFERÊNCIAS 38
10
INTRODUÇÃO
A exploração da força de trabalho em regime análogo à
escravidão permanece como uma prática recorrente nas
relações entre empregadores e empregados no Brasil. Apesar
de a conduta ser tipificada como crime pelo artigo 149 do
Código Penal brasileiro, a punição dos acusados é pouco
frequente e as denúncias geralmente são solucionadas
somente com o pagamento de indenizações e de verbas
trabalhistas. A fim de instituir formas para coibir a
continuidade do trabalho escravo no país, faz-se necessária
a atuação extrajudicial.
Ao longo dos tempos o Direito surgiu como mecanismo de
organização de seus indivíduos de acordo com o contexto ao
qual está inserido. Criando e sistematizando formas de
organização para que cada conduta esteja de acordo com a
sociedade ou a comunidade na qual o individuo é
pertencente.
Por tanto, este trabalho tem por finalidade apresentar
meios extrajudiciais de se combater o trabalho análogo ao
de escravo, com pesquisas bibliográficas em livros, bem
como na internet, revistas e jornais e como método
argumentativo para justificar as nossas acepções a respeito
do tema em questão.
11
Veremos que a esfera extrajudicial desenvolve papel muito
importante na luta contra a erradicação da condição análoga
ao trabalho escravo, ainda existente em diversas regiões do
nosso país e que vem a deturpar toda a ordem democrática e
o princípio da liberdade, elencado na Constituição Federal.
O trabalho estrutura-se em três capítulos, sendo que o
capítulo inicial apresentará o panorama do trabalho
exercido em condições análogas à escravidão e sua
caracterização na contemporaneidade, salientando sua
conceituação e suas semelhanças e diferenças no que se
refere à escravidão chamada de histórica. O Segundo
capítulo trata dos meios extrajudiciais de prevenção e
combate ao trabalho análogo ao de escravo, suas
características, e os mais recentes resultados obtidos em
seu desempenho. Para finalizar, o terceiro capítulo aborda
formas alternativas de combate ao trabalho escravo e
discorre sobre formas de aperfeiçoa-los.
12
1. – DA ESCRAVATURA AO TRABALHO ESCRAVO
1.1 - A história da escravatura
Diferente do que vemos em livros, a escravatura não existiu
sempre e não existiu em toda parte, é o que afirma
DELACAMPAGNE em sua obra História da escravatura (2013, p.
13
11), segundo o autor trata-se de uma instituição muito
disseminada, mas que não é o mal necessário nem a
fatalidade das sociedades humanas, e que apareceu apenas há
cerca de 5000 anos no Oriente médio, na mesma época em que
nasceram a escrita e os primeiros Estados e foi
desempenhando um papel mais ou menos importante em várias
sociedades, sendo mínimo ou até inexistente nas Sociedades
sem Estado, primitivas ou selvagens da Oceania e da Índia.
E não foi há muito tempo que a escravidão começou a ofender
a consciência humana, foi condenada, pela primeira vez, na
Europa, na segunda metade do século XVIII, tornando-se
radicais somente a partir dos anos 1760 a 1770. Até ali a
promoção da ideia de liberdade foi no campo político e
apenas para os brancos. Cabe enfatizar que foi no
Iluminismo, e no seio da cultura ocidental, que surgiu o
movimento de crítica à escravatura. (Delacampagne, 2013, p.
11).
Contrario a uma crença igualmente espalhada, a escravatura
não deixou de existir no fim do século XIX, consagrou a sua
abolição legal praticamente na mesma época, na maioria dos
países ocidentais, mas os dispositivos abolicionistas não a
impediram de continuar a existir clandestinamente sob novas
formas (Delacampagne, 2013, p. 11).
Neste exato momento, o trabalho análogo ao de escravo,
termo utilizado na atualidade, continua a devastar seres
humanos em todo o planeta, quer na zona urbana, quer na
14
zona rural, seja na atividade doméstica, econômica ou
sexual. O trabalho análogo ao de escravo coloca o ser
humano na situação que em vez de vender sua força de
trabalho é obrigado a vender a si próprio, para sobreviver,
e quase sempre de forma subumana, degradante, invertendo
assim a relação trabalhador-força de trabalho – onde se
compra o trabalhador e não a força de trabalho, condenando
o trabalhador, que se tornou uma mercadoria, a uma morte
social.
1.2 - Escravatura no Brasil Colonial
No século XVI, quando o Brasil começou a ser colonizado, um
dos problemas enfrentados pelos portugueses foi o de mão-
de-obra. Isso porque era necessário um grande contingente
de trabalhadores para cultivar os latifúndios e a população
de Portugal era reduzida, o que não permitia que os colonos
da época trouxessem seus compatriotas para o labor. Além do
mais, essa mão-de-obra seria excessivamente cara e
inviabilizaria a concorrência.
Tentando solucionar o problema, os portugueses começaram
praticando o escambo com os índios e, com dificuldades,
tentaram escravizá-los. Contudo os índios possuíam uma
forma de vida muito diferente daquela pretendida pelos
portugueses.
15
Os índigenas brasileiros não estavam acostumados ao tipo de
trabalho impostopelos portugueses, já que possuíam um
processo produtivo multimilenar e uma economia de
subsistência organizada de forma particular. Assim não
precisavam dos “brancos” para sobreviver e isso foi um dos
fatores que dificultaram a sua escravização.
Em decorrência das dificuldades em lidar com os índios e da
facilidade de compra de escravos africanos, os colonos
começaram a traficar escravos negros, que possuíam uma boa
estrutura física para suportar o trabalho braçal, exigido
pelos colonizadores, e acabavam tendo maior facilidade de
adaptação à nova situação, não por a aceitarem, mas por
estarem longe de suas comunidades, de seus amigos e da
família, o que os enfraquecia e os tornava mais fáceis de
serem dominados.
Como pode ser observado, a colonização do Brasil deu-se por
intermédio da utilização da força de trabalho formada por
escravos africanos, tanto pela facilidade e lucratividade
do comércio quanto pela facilidade de enfraquecê-los diante
da nova condição. Os escravos eram tratados como
mercadorias; nunca como seres humanos.
Conforme Arruda e Piletti (1996, p.160),
Nas fazendas, os escravos viviam em promiscuidade,
em habitações coletivas, as senzalas, quase sem
janelas, para facilitar a vigilância. Trabalhavam
de sol a sol em canaviais, moendas, caldeiras,
16
praticamente sem descanso, pois aos domingos
cuidavam de roçados para seu próprio sustento. O
alimento principal era a mandioca.
A dureza do trabalho e a precariedade da
alimentação fazia com que a vida útil do escravo
chegasse no máximo aos dez anos. Seus filhos os
substituíam desde cedo. Assim, por todo o período
colonial e monárquico, os negros forneceram a maior
parte da mão-de-obra.
Os capatazes mantinham vigilância permanente.
Qualquer deslize implicava severo castigo, como: o
tronco, em que os negros, presos pelas canelas,
eram açoitados com o bacalhau, chicote que abria
fendas, nas quais se punha sal; o vira mundo,
instrumento de ferro com vários braços em forma de
gancho. Faltas mais graves podiam merecer penas
mais cruéis ainda, como a castração, amputação de
seio, quebra de dentes a martelada e emparedamento
vivo.
Os escravos resistiam de várias formas. Havia os
que se suicidavam ou matavam os feitores. Os
fugitivos eram caçados pelos capitães-do-mato,
profissionais que recebiam certa quantia por
escravo recapturado. Muitos conseguiam escapar e
formar quilombos.
O contexto de desrespeito aos direitos humanos era
gritante. Os negros africanos e índios brasileiros eram
tratados como “animais”, “mercadorias” de alto valor e
desejadas por todos, inclusive por aqueles que não possuíam
17
muitas posses. Os escravos eram submetidos a situações
desumanas, humilhantes, degradantes e indignas.
Depois de muita pressão internacional, principalmente pelo
fato de a Inglaterra ter aprovado, em 1833, a Lei da
Abolição, que deu incentivo para que alguns abolicionistas,
inconformados com a situação dos países que, assim como o
Brasil, possuíam legislação permitindo a escravidão,
lutassem pela extinção universal da escravidão e do tráfico
de escravos em todo o mundo (SUTTON, 1994). Em função da
pressão, medidas abolicionistas também foram tomadas no
Brasil, como a assinatura da Lei Diogo Feijó que, em 7 de
novembro de 1831, ratificou a proibição do tráfico de
escravos. Ratificou, pois Portugal, sob pressão da
Inglaterra, já havia assinado o
“Tratado de Cooperação e Amizade” (1810), que considerava o
tráfico de escravos ilegal e o transformou em crime contra
a humanidade. Em seguida, foi a vez da Lei
Euzébio de Queiroz, de 4 de setembro de 1850, que
autorizava o governo brasileiro a apreender as embarcações,
de qualquer nacionalidade, que estivessem sob suspeita de
praticar tráfico de escravos (DODGE, 2007).
Mas, apesar das leis citadas, o tráfico de escravos,
principalmente dos africanos, permaneceu. Foi somente em 5
de junho de 1854, que uma nova lei autorizou o emprego de
maiores esforços na repressão ao tráfico. “O tráfico,
todavia, persistiu, e motivou a edição de nova lei, em 5 de
18
junho de 1854, que autorizou maior repressão sobre os
importadores de escravos da África. O último desembarque de
escravos parece ter ocorrido em 13 de outubro de 1855)”
(DODGE, 2007, p.5). Nesse momento, o tráfico de escravos
estava sendo combatido com vigor e, por isso, os negros não
entravam, nem saíam do Brasil. Mas o problema ainda não
estava resolvido, uma vez que, em nossas terras, a mão-de-
obra básica continuava sendo a do trabalhador escravo. O
tráfico havia sido proibido, mas ter trabalhadores escravos
ainda não era ilegal.
Foi somente em 1871, com a assinatura da Lei do Ventre
Livre, que medidas começaram a ser tomadas em favor dos
escravos que aqui permaneceram. Ela garantia a liberdade
dos filhos de escravos que nascessem a partir daquele
momento, desde que eles trabalhassem para o senhor de suas
mães até completar 21 anos (SUTTON, 1994).
Finalmente, em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel
assinou a Lei Áurea, que versava sobre a abolição da
escravatura no Brasil. A partir desse momento, a escravidão
tornou-se legalmente proibida no País. No entanto, a
abolição não significou vida nova para os escravos, pois
eles continuaram à margem da sociedade, uma vez que não
tinham oportunidades.
Pronto. Tinha acabado a escravidão. Na corte, deram
um baile comemorativo. Os negros só puderam entrar
como criados. Depois da abolição, a data era
comemorada ostensivamente pelas elites, sem nenhuma
19
voz dos negros. Para que ninguém discutisse a
situação dos ex-escravos. A lei não previa nenhuma
proteção social. De escravos, os negros tornaram-se
trabalhadores muito pobres (e poderia ser
diferente, quando você deixa de ser um escravo?),
sem chance de progredir numa sociedade de
latifundiários cheios de preconceito. Até hoje
discriminados, não perderam a capacidade de luta
[...] (SCHMIDT, 1998, p.198).
Assim, apesar da Lei Áurea, parece que o termo escravidão
deixou de existir apenas na teoria, pois, na prática, até
os dias de hoje, encontramos seres humanos em situação
análoga à de escravo, submetendo-se à indignidade para
sobreviver, mesmo tendo seus direitos fundamentais, apesar
de garantidos pela Constituição Federal, desrespeitados,
devido a atitudes primitivas de empresários que somente
visam ao lucro, sem se preocupar com a forma como o
alcança, bem como por uma sociedade egoísta que não
consegue enxergar e lutar contra as barbáries que vêm sendo
praticadas com outros seres humanos. O mais impressionante
é que essa forma de trabalho, que, em regra, nos remete ao
campo, também vem sendo praticada nas grandes cidades.
1.3 - Escravatura Contemporânea no Brasil
No Brasil, é considerada escravidão contemporânea os casos
em que a pessoa está submetida a:
20
Condição degradante de trabalho (que retira do trabalhador
sua dignidade e expõe a riscos sua saúde e segurança física
e mental)
Jornada exaustiva (que o leva ao limite de suas forças)
Forma de cerceamento de liberdade (como a servidão por
dívida, a retenção de documentos e o isolamento geográfico
do local de trabalho)
O que diz o Código Penal:
Artigo 149. Reduzir alguém a condição análoga à de
escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a
jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições
degradantes de trabalhando, quer restringindo, por qualquer
meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o
empregador ou preposto:
Pena- reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena
correspondente à violência.
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:
I- cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte
do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se
apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
21
I – contra a criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor etnia, religião
ou origem.
O governo federal brasileiro assumiu a existência do
trabalho escravo contemporâneo perante o país e a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1995. Assim,
o Brasil se tornou uma das primeiras nações do mundo a
reconhecer oficialmente a ocorrência do problema em seu
território. De 1995 até 2011, mais de 45 mil trabalhadores
foram libertados de situações análogas a de escravidão.
Tradicionalmente, esse tipo de mão de obra é empregada em
atividades econômicas, desenvolvidas na zona rural, como a
pecuária, a produção de carvão e os cultivos de cana-de-
açúcar, soja e algodão. Nos últimos anos, essa situação
também tem sido verificada em centros urbanos,
especialmente na indústria têxtil, construção civil e
mercado do sexo. Infelizmente, há registros de trabalho
escravo em todos os estados brasileiros.
No Brasil, 95% das pessoas submetidas ao trabalho escravo
rural com fins de exploração econômica são homens. As
atividades para as quais esse tipo de mão de obra é
utilizado exigem força física, por isso os aliciadores têm
procurado basicamente homens e jovens. Os trabalhadores
rurais libertados são, em sua maioria, migrantes que
22
deixaram suas casas com destino à região de expansão
agrícola. Saem de suas cidades atraídos por falsas
promessas de aliciadores ou migram forçadamente pela
situação de penúria em que vivem.
Em zonas urbanas, a situação de imigrantes latino
americanos, como a de bolivianos, paraguaios e peruanos,
merece a atenção. O recente crescimento econômico do Brasil
e a crise mundial contribuíram para aumentar
significativamente o número de estrangeiros no país nos
últimos anos. De acordo com dados do Ministério da Justiça,
de 2010 até abril de 2012, o número de estrangeiros em
situação regular no Brasil aumentou em 60%. Há ainda
aqueles que, por estarem em situação irregular, são mais
vulneráveis à exploração e a terem seus direitos
desrespeitados. A migração deve ser considerada um direito
humano, no entanto, muitas vezes, o fenômeno está
relacionado a violações de direitos, como o trabalho
escravo contemporâneo e o tráfico de pessoas.
1.4 - O uso da Expressão Trabalho Escravo
A expressão trabalho escravo originou-se junto com a Lei
Áurea e hoje seria mais adequada a utilização da expressão
trabalho análogo ao de escravo, conforme previsto pelo
Código Penal Brasileiro (CPB). Contudo, de acordo com o que
se vivencia por meio da tradição e facilidade apresentada
23
pela primeira expressão – trabalho escravo – Ricardo
Figueira (2004, p.48) argumenta:
[...] por força de construção social, manifestada nas
pressões de grupos específicos e no seu uso cada vez mais
freqüente pelo conjunto das organizações oficiais e não
oficiais, a modalidade de trabalho forçado sobre a qual
escrevo tem sido reconhecida como não apenas parecida com a
escrava, mas de fato escrava. Os que empregam a categoria
consideram que sua utilização não obscurece ou confunde seu
significado, mas o torna mais visível.
Assim, os usos e costumes acabam fazendo com que seja
utilizada a expressão trabalho escravo a trabalho análogo
ao de escravo ou trabalho forçado. Quanto à utilização da
expressão trabalho forçado, é importante observar que é a
redução das condutas tipificadas como trabalho análogo ao
de escravo, sendo assim inadequada a sua utilização na
caracterização do crime tipificado, no art. 149 do CPB.
A fim de consolidar o pensamento anterior, basta imaginar
uma matéria de jornal noticiando que foram encontrados
trabalhadores em regime de trabalho forçado.
Imagine se a expressão utilizada fosse em regime de
trabalho escravo; a segunda frase é muito mais impactante
do que a primeira. Denise Andrade (2005, p. 79) coaduna com
esse pensamento e afirma que “[...] trabalho escravo é a
forma reduzida e comumente aceita para se referir a tipo
trabalho em condições análogas à de escravo, previsto no
24
Código Penal, art. 149, recentemente alterado pela Lei n.
10.803/03”.
Segundo RIcardo Figueira (2004), foi no começo do governo
do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, em 2003, que a expressão “trabalho escravo”
tomou maiores proporções, já que ele e seus ministros
passaram a usar a expressão corriqueiramente e até mesmo o
Programa Nacional passou a ser chamado de Programa Nacional
de Erradicação do Trabalho Escravo e não mais como Grupo
Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) como
era no governo de Fernando Henrique Cardoso. O autor também
narra:
[...] Ao mesmo tempo, as declarações também cada
vez mais freqüentes de membros da Procuradoria da
Justiça e do Trabalho, da Procuradoria e da Justiça
Federal se referiram com insistência ao fenômeno
como ‘escravidão’. Além disso, os documentos, as
conferências e os seminários promovidos pela OIT no
Brasil, por funcionários do Ministério do Trabalho,
pela Associação Nacional de Juízes Federais, por
Procuradores Federais também se referem à mesma
categoria. Mesmo a expressão adotada pelo CPB – de
‘análoga à de’, complementando a categoria
‘escravo’- tem sido desprezada (2004, p. 48).
Cláudio Brito Filho (2005, p.10) entende que a denominação
legal é trabalho análogo ao de escravo, mas nada impede a
utilização do termo “trabalho escravo”, que seria a forma
reduzida da primeira. Para ele, a única coisa que não pode
25
ser esquecida é que se trata da redução do termo e não do
seu significado. Além disso, ele afirma que, pelo fato de a
escravidão não ser uma prática admitida no Brasil, não se
pode permitir que seres humanos, mesmo por conduta ilícita
de outrem, sejam tratados como escravo.
Segundo o autor, a pessoa estará, no máximo, em condição
análoga à de escravo, mas nunca será efetivamente um
escravo.
2. – MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE COMBATE
26
Uma das medidas mais eficazes para concretizar a
erradicação do trabalho análogo ao de escravo são os meios
extrajudiciais de resolução de conflitos na área laboral.
De 2010 até hoje, o Ministério Público Federal aumentou
mais de 800% a instauração de procedimentos extrajudiciais
contra condições análogas à escravidão.
Há distintos instrumentos que atuam na prevenção e
repressão ao trabalho escravo de forma extrajudicial,
vejamos a seguir, portanto os principais mecanismos:
2.1 - Grupo Especial De Fiscalização Móvel (GEFM)
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel foi criado em 1995,
com o fim de agir diretamente nos casos de prática de
trabalho escravo diante das denúncias provindas de vários
pontos do território nacional. Este Grupo possibilitou ao
Ministério do Trabalho e Emprego estabelecer mecanismos
mais adequados de ação, o que permitiu à fiscalização do
trabalho atuar de forma eficiente no combate ao trabalho
escravo. SCHWARZ (2008) menciona que a criação da
Fiscalização Móvel decorreu das seguintes necessidades:
centralizar o comando para diagnosticar e dimensionar o
problema; garantir a padronização dos procedimentos de
supervisão direta dos casos fiscalizados; assegurar o
sigilo absoluto na apuração das denúncias; e deixar a
fiscalização local livre de pressões e ameaças.
27
Conduziu sua criação à obtenção de resultados
significativos na repressão de trabalho escravo a partir de
1995. O grupo consegue atuar de forma ágil e mais ou menos
independente das pressões de grupos políticos e econômicos
influentes nos Estados. Exemplificando, apenas no ano de
1997, atuou em cinco fazendas na repressão à escravidão,
constando in loco a existência da prática de escravidão, e
libertou 455 trabalhadores (SCHWARZ , 2008).
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE
2009):
Em 2009 foram fiscalizadas 200 fazendas e
resgatados 2.216 trabalhadores em 85 operações
realizadas, lavrados 219 autos de infração e pagas
indenizações que totalizam em R$ 3, 5 milhões. No
Pará foram lavrados 427 autos de infração (maior
índice brasileiro), correspondendo a R$ 230,6 mil
em multas. Neste Estado foram deflagradas 16
operações e fiscalizadas 30 fazendas. Ao todo, 177
empregados que viviam em condições inadequadas
foram resgatados. O segundo que mais tem infrações
é o Paraná, 283, responsáveis por indenizações na
ordem de R$ 188,8 mil. Foram deflagradas 10
operações e fiscalizadas 33 propriedades, sendo
resgatados 106 trabalhadores. No Estado de
Pernambuco ocorreu o maior número de trabalhadores
libertados, 369.
As 6 operações realizadas percorreram 9 propriedades e
foram lavrados 280 autos de infração que ensejaram o
pagamento de indenizações na ordem de R$ 755, 8 mil. Por
28
sua vez, no Rio de Janeiro foram resgatados 361
trabalhadores das 3 fiscalizações efetuadas em uma única
operação, lavrados 69 autos que deflagraram o pagamento de
indenizações na ordem de R$229,2 mil.
“Na mesma ocasião em que instituído o Grupo Especial de
Fiscalização Móvel ,em 1995, também foi criado o Grupo
Executivo de Repressão ao Trabalho Escravo (GERTRAF). A
partir de 2003 foi alterado o objetivo de “combate” a essa
prática, para o compromisso de sua erradicação” (SCHWARZ ,
2008).
O GERTRAF foi substituído pela Comissão Nacional de
Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), que elaborou o
Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, hoje
em sua segunda edição.
2.2 – A “Lista Suja”
Em novembro de 2003, o governo federal lançou a primeira
“Lista Suja”, um importante instrumento de repressão ao
trabalho escravo no Brasil. A “Lista Suja” é um cadastro
que agrupa nomes de empregadores (pessoas físicas e
jurídicas) flagrados na exploração de trabalhadores em
condição análoga à escravidão. Após a inclusão no cadastro,
o empregador será fiscalizado por dois anos. Se, durante
esse período, não houver reincidência do crime, forem pagas
todas as multas resultantes da fiscalização e forem
29
quitados os débitos trabalhistas e previdenciários, o nome
do empregador poderá ser excluído da “Lista Suja” (COSTA,
2010).
Embora o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) não
penalize diretamente os empregadores que fazem parte da
“Lista Suja”, os nomes presentes neste cadastro ficam
sujeitos a restrições financeiras, pois diferentes órgãos e
entidades comprometidos com a erradicação do trabalho
escravo no país deixam de fornecer créditos e outros
benefícios aos empregadores incluídos na lista. A “Lista
Suja” é um dos mais eficazes mecanismos de combate à
escravidão no Brasil, pois atinge economicamente os
negócios das pessoas e empresas que se utilizam desse tipo
de mão de obra.
2.3 – Atuação extrajudicial do Ministério Público do
Trabalho
A Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988
foi decisiva para o Ministério Público, que deixou de ser
mero apêndice do Poder Executivo para se transformar em
instituição permanente, independente, autônoma e essencial
à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
30
Assim, com o advento da Carta Magna de 1988, o Ministério
Público passou a ser um órgão constitucional extrapoderes,
não integrando nenhum dos poderes clássicos do Estado,
atuando com plena autonomia funcional, administrativa e
financeira, não sendo recepcionados, portanto, os artigos
736 e 737 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o
primeiro que qualificava os membros do Ministério Público
do Trabalho como agentes do Poder Executivo e o segundo que
subordinava a instituição ao Ministro de Estado. (MARTINS
FILHO, 1993)
A mudança do perfil constitucional do Ministério Público
pela Carta Política de 1988, que realçou o papel do órgão
ministerial como pilar do estado democrático de direito,
acarretou profundas transformações no seio do Ministério
Público do Trabalho. A instituição, que atuava
preponderantemente como órgão interveniente, na emissão de
pareceres nos processos submetidos à Justiça do Trabalho
(CLT, arts. 746, a, e 747), passou a funcionar também como
órgão agente, não apenas nas ações trabalhistas envolvendo
menores e incapazes (CLT, art. 793) e no dissídio coletivo
de greve (CLT, art. 856), como também na instauração de
inquéritos civis e na propositura de ações civis públicas
(CF, art. 129, III).
Assim, após a Constituição de 1988, o Ministério Público do
Trabalho, ramo do Ministério Público da União (CF, art 128,
I, b) especializado na defesa da ordem jurídica
trabalhista, passou a canalizar sua atuação, como órgão
31
agente, para a defesa dos interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos, definidos pelo art. 81, parágrafo
único, incisos I, II e III, da Lei nº 8.078/1990 (Código de
Defesa do Consumidor), com fulcro no art. 129, III, da CF;
art. 1º da Lei nº 7.347/1985, que disciplinou a ação civil
pública; e art. 83, III, da Lei Complementar nº 75/1993,
que aprovou o Estatuto do Ministério Público da União.
O inquérito civil, na seara administrativa, e a ação civil
pública, no âmbito judicial, passaram a ser os principais
instrumentos de atuação do Ministério Público do Trabalho
na tutela dos interesses transindividuais (difusos,
coletivos e individuais homogêneos) decorrentes das
relações de trabalho, possibilitando a atuação do MPT na
luta contra o trabalho análogo ao de escravo, o que passou
a ocorrer, principalmente, após a promulgação da LC nº
75/1993, que previu, de forma expressa, o cabimento da ação
civil pública na Justiça do Trabalho, dissipando qualquer
dúvida sobre a competência da Justiça Especializada para o
julgamento da referida ação.
Nesse sentido, em junho de 2001, o Procurador-Geral do
Trabalho instituiu, através das Portarias de nº 221 e 230,
uma comissão temática com o fim de elaborar estudos e
apontar políticas para a atuação do MPT no combate ao
trabalho forçado, como forma de coordenar a atuação da
instituição ministerial, que ocorria de maneira desordenada
no âmbito das Procuradorias Regionais do Trabalho. (MARTINS
FILHO, 1993)
32
Os trabalhos realizados pela comissão tiveram como ponto de
partida o documento intitulado “Carta de Belém”, que
representava a síntese do seminário internacional realizado
na Capital paraense, em novembro de 2000, sob o título
“Trabalho forçado – realidade a ser combatida”, que
discutiu, entre outros pontos, a utilização de
trabalhadores com intermediação de gatos; o aliciamento de
trabalhadores, mediante falsas promessas, em municípios ou
estados distantes dos locais dos serviços; e a servidão por
dívidas, com cercamento da liberdade. Assim, a partir das
situações fáticas apresentadas, foram discutidas soluções e
definições de políticas institucionais com o fim de
otimizar a atuação do MPT na questão do trabalho análogo ao
de escravo, sendo, então, instituída a Coordenadoria
Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (CNCTE), que passou
a ser denominada, posteriormente, de Coordenadoria Nacional
de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE).
A CONAETE, composta por Procuradores que representam todos
os Estados brasileiros, tem por finalidade coordenar e
harmonizar a atuação dos membros do Ministério Público do
Trabalho em todo o território nacional, além de buscar
parcerias com outras instituições governamentais que atuam
na área do combate ao trabalho análogo ao de escravo, como
o Ministério do Trabalho e Emprego, a Polícia Federal, a
Justiça do Trabalho e outros ramos do Ministério Público, a
par de tentar uma maior articulação com a sociedade civil
organizada.
33
A referida coordenadoria é integrada por cerca de 50
(cinqüenta) Procuradores do Trabalho, que compõem escala de
revezamento destinada a acompanhar as operações do Grupo
Especial de Fiscalização Móvel, com o fim de aproximar-se
dos trabalhadores e aprimorar a coleta de provas para
embasar a atuação extrajudicial e judicial do Ministério
Público do Trabalho.
Como resultado deste trabalho apresenta-se os seguintes
quadros:
QUADRO 1
Quadro geral das operações de fiscalização para
erradicação do trabalho escravo - Sit/Srte 1995 A 2013
35
Quadro das operações de fiscalização para erradicação do
trabalho escravo sit/srte - 2013
Disponivel em http://portal.mte.gov.br
Observação: O presente quadro, quando comparado com o quadro geral das
operações 2013, apresenta divergências quanto ao número de operações
realizadas. Isso se deve ao fato de que neste quadro as operações são
distribuídas por Unidade da Federação. Assim, uma mesma operação do
quadro geral pode ser duplicada no presente quadro para atender ao critério
da separação por UF, quando a fiscalização alcançou mais de um Estado.
36
Assim, após esse breve histórico, cabe analisar os
principais instrumentos extrajudiciais utilizados pelo
Ministério Público do Trabalho na luta contra as formas
contemporâneas de escravidão:
2.3.1 – Inquérito civil Público
Por meio do Inquérito Civil Público, o Ministério Público
do Trabalho está autorizado a coletar elementos que
embasarão Ações Civis Públicas, ou seja, poderá ele
requisitar, de qualquer órgão público ou particular,
certidões, informações, exames ou perícias, assim como
expedir notificações, ouvir testemunhas, entre outras
diligências (VIANA 2007). Nos últimos anos, o MPT organizou
núcleos/grupos de trabalho regionais, os quais, por sua
vez, debateram e criaram projetos visando à proteção dos
direitos fundamentais dos trabalhadores. Como exemplo,
podemos citar os seguintes núcleos/grupos de trabalho:
Combate a terceirização ilícita, nos mais diversos
ramos de atividade;
Combate as cooperativas irregulares;
Combate ao trabalho escravo;
Acompanhamento de obras na construção civil pesada, em
especial daquelas integrantes do PAC;
Promoção do trabalho decente no setor sucroalcooleiro;
37
Proteção/inclusão de cidadãos portadores de
deficiência.
Nas palavras do ex-ministro do TST Ives Gandra da Silva
Martins Filho, egresso do Ministério Público do Trabalho,
“a imparcialidade do Ministério Público, como órgão de
defesa da ordem jurídica, e não de interesses particulares,
dá-lhe maior credibilidade perante o Poder Judiciário ao
intentar as ações coletivas”.
Tal faceta, de acordo com o aclamado jurista, vem se
perdendo ultimamente em determinados segmentos do MPT, os
quais, por ideologia, confundem a defesa da ordem jurídica
com a defesa exclusiva dos trabalhadores, afeta aos
sindicatos.
Atualmente, existem diversas correntes doutrinárias e
jurisprudenciais no que diz respeito a legitimação para a
propositura de Ações Civis Públicas por parte do MPT ou
então pelos sindicatos.
VIANA (2007) entende que, com base no artigo 129 da CF/88,
a legitimação do MPT está restrita aos interesses difusos e
coletivos, ou seja, aqueles que pertencem a um grupo,
classe ou categoria indeterminável de pessoas, que são
reunidas entre si pela mesma situação de fato (Ex:
moradores de região atingida por poluição ambiental ou
destinatários de propaganda enganosa divulgada em canal de
televisão).
38
2.3.2 – Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
Não há dúvidas que a atuação do Ministério Público do
Trabalho, em sua função de órgão agente, revela sua
importância na medida em que permite a solução da
controvérsia, com a efetiva proteção dos direitos sociais,
pela realização de termos de ajuste de conduta (TAC).
A importância do TAC, celebrado perante o órgão do
Ministério Público do Trabalho, reside nas seguintes
considerações: A primeira consiste no fato de que a
celebração do compromisso contribui para o desafogamento da
Justiça do Trabalho, como ressalta FAVA (2005) “economizando-
se todo um processo de conhecimento que poderia percorrer todas as esferas
trabalhistas”.
Ademais, o termo de compromisso de ajustamento às normas
legais imputa “ao denunciado obrigações de fazer e de não fazer (...)” FAVA
(2005), com a fixação de prazo para o cumprimento dos
deveres impostos e previsão de penalidade a ser aplicada no
caso de inobservância. Nesse sentido, o ajuste de conduta
prevê a abstenção das irregularidades verificadas no caso
concreto (tutela de natureza inibitória), bem como poderá
estipular o pagamento de indenizações por dano moral
coletivo (tutela de natureza reparatória).
39
Por último, FAVA (2005) afirma que o termo de
compromisso firmado tem eficácia de título executivo
extrajudicial, o que:
(...) amplia os horizontes do Ministério Público do
Trabalho que passa a atuar de forma muito mais
efetiva extrajudicialmente, uma vez que, a partir
deste entendimento, o compromissado não descumprirá
facilmente o termo de ajuste de conduta já que
poderá se submeter à execução concretamente.
Caso não seja possível a celebração do ajuste, compete
aos órgãos ministeriais atuar judicialmente na defesa dos
interesses violados, destacando-se o uso da Ação Civil
Pública, a seguir analisada.
O trabalho análogo ao de escravo, ainda que diferente dos
moldes do período escravocrata, carrega consigo violações
de vários direitos inerentes ao ser humano, em especial, a
dignidade da pessoa humana assegurada pela Carta Magna.
Deve esta ser tutelada por todos os meios possíveis, como
vem sendo no tangente a exploração do trabalho análogo ao
de escravo, para garantir aos trabalhadores condições
mínimas de uma vida com dignidade.
40
3. – ALTERNATIVAS PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO
ANALÓGO AO DE ESCRAVO
“Eu não sabia que era um escravo”
Tudo começa com um moço chamado "gato". Ele chega na cidade com boas
promessas. Uma pessoa está passando necessidade e ele diz: "Rapaz, você não
quer trabalhar lá no Pará? Lá o serviço é bom, você vai ganhar bem". Aí a
pessoa se anima, mas diz que não tem como ir. Ele fala que não tem problema,
que o patrão paga adiantado, e dá o dinheiro para pagar a passagem e pra
deixar com a família. Aí a pessoa se anima e vai.
Chegando lá, a escravidão já começou. Quando vai acertar a primeira
mensalidade com o patrão, este pergunta: "Qual dinheiro que você quer?". - "O
dinheiro do meu serviço." E o patrão: "Não, você é que está me devendo. Não
dei dinheiro pra sua família, pra sua passagem, as ferramentas que você
pegou pra trabalhar? Então, tudo isso está anotado num caderno e vai ser
pago, com juro e tudo". Os alimentos que você compra a preços absurdos
ajudam a endividar mais rápido ainda. Além disso, a água que se bebe é suja e
41
é a mesma dos animais. Isso sem falar dos vigias que passam armados na sua
frente.
Não passava pela minha cabeça que eu estava sendo um escravo, porque pra
mim escravidão já tinha acabado. Fiquei com medo, pensei que não ia mais ver
minha família e voltar para a minha terra. Eu não tinha uma corda presa nos
meus pés ou nas mãos, mas estava amarrado lá, pois não podia sair, não tinha
contato com ninguém de fora, estava endividado e em má situação. Os
trabalhadores sempre ajudavam que pelo menos um fugisse, para fazer a
denúncia e libertar os outros. Depois do nosso resgate, a CPT começou a travar
uma grande luta de conseguir um pedaço de terra pra nós trabalharmos e de
nos indicar quais eram os nossos direitos e como a gente deveria agir.
Após quatro anos, conseguimos um assentamento, a 700 km da capital
Teresina. Embora pareça incrível, as coisas não melhoraram tanto assim.
Quando nos deparamos com a totalidade do assentamento, havia um arame
farpado bem no meio, pois um fazendeiro já tinha se apoderado da metade da
terra. Na parte que a gente está, não foi liberado ainda nenhum tipo de
crédito, de habitação, apoio e infraestrutura. Assim, descobrimos que só a
terra não basta.
Por um lado, estamos animados, porque estamos trabalhando na nossa terra,
mas por outro, estamos desanimados, porque a situação precária faz com que
o companheiro esmoreça na luta e se arrisque, voltando para esses trabalhos
degradantes. Quase todos sabem como é o trabalho escravo e como fazer para
acabar com ele, mas não adianta resgatar o trabalhador da fazenda sem ter
toda uma continuidade nesse processo.
42
Francisco José dos Santos Oliveira, presidente da
Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Prevenção
do Trabalho Escravo em Monsenhor Gil, PI
Texto extraído do site Revistas das Missões
(www.revistamissoes.org.br em 15/11/2014 as 18:15h)
3.1 – Educação, Fiscalização e Desenvolvimento
Existem várias formas de trabalho escravos, MEDEIROS (2006)
cita entre elas “o aliciamento de pessoas para trabalhos
forçados em zonas rurais de difícil acesso, e a imigração
de bolivianos para cidades do Brasil, São Paulo
principalmente, para o trabalho em confecções”.
Embora a escravidão moderna não seja marcada por pessoas
acorrentadas em senzalas oitocentistas, grilhões,
pelourinhos e chicotes, ela é tão degradante e presente
quanto àquela “abolida” há mais de 100 anos.” Resta-nos
encontrar alternativas eficientes o bastante para erradicar
o trabalho escravo (MEDEIROS, 2006).
Apresenta-se a seguir alternativas para combater esse mal
social:
A primeira delas, talvez seja a mais importante, porém seus
resultados não podem ser notados a curto prazo, pois trata-
43
se de propiciar a educação de qualidade para a nossa
sociedade.
A relação entre educação e trabalho escravo é visível de
duas maneiras: a primeira delas diz respeito a alegações
sempre presentes segundo as quais “a educação” esta
diretamente ligada as precárias condições de vida, aqui
relativas às populações rurais brasileiras. Reivindica-se à
ação educativa o dom que irá ajudar a minorar os riscos que
correm homens e mulheres, jovens, adultos - e até mesmo
crianças - de cair na condição servil. Estes trabalhadores
são considerados pessoas sem conhecimentos que, deixadas à
margem da educação formal, seriam incapazes de conseguir
colocações profissionais com o mínimo de decência. Temos
assim centenas de homens e mulheres indefesos em relação
aos ardis daqueles que aliciam trabalhadores desempregados
para o trabalho em regiões distantes. Pois é sabido que os
que sofrem este tipo de exploração e violência são
enganados e a precariedade de sua situação social e
principalmente educacional facilita a ação de pessoas
inescrupulosas em busca de ganhos fáceis.
Dessa forma, para que as pessoas tenham consciência do
tamanho do problema que é o trabalho escravo e como afirma
NETO (2008) “é necessário que sejam educadas de acordo com
programas honestamente elaborados, que as façam conhecer
seus direitos.”
44
Como segunda alternativa temos a maior fiscalização das
áreas, conhecidas por meio de denúncia, que utilizam o
trabalho escravo em suas atividades. Uma pesquisa realizada
em 2003, pela Secretaria de Inspeção e Trabalho, traz uma
comparação entre o número de denúncias e o de resgate
relativos ao trabalho escravo. Revela ainda que quanto
maior a incidência de trabalhos forçados no Estado, maior
será a discrepância entre denúncia e resgate. O estado do
Pará, que é campeão em trabalho forçado, marca 4.556
denúncias e somente 1.774 resgates. Mato Grosso, que está
entre os cinco estados brasileiros de maior incidência de
trabalho escravo, relaciona 927 denúncias contra 676
resgates. Como se percebe, a margem de diferença entre
denúncias e resgates é absurda, e contribui para a
manutenção da exploração.
O que é necessário é que ações sejam implementadas no
sentido de garantir a fiscalização permanente em locais
onde há maior incidência de denúncias e ocorrências.
A fiscalização deve ser acompanhada de aparato policial
para garantir sua plena execução, pois se sabe que alguns
fiscais podem ser e são ameaçados e até mesmo assassinados
quando estão desempenhando suas atividades VIANA (2007).
A terceira alternativa para a erradicação do trabalho
escravo seria a promoção de desenvolvimento nas regiões de
origem da maioria dos cativos.
45
Programas que resultem na melhoria da condição de vida das
pessoas oriundas de áreas com baixo índice de educação e
condições de vida adequadas devem ser implementados e
colocados em prática. Atualmente, existem programas do
Governo Federal, como Fome Zero, Bolsa Escola, Programa
para Prevenção e Eliminação da Exploração do Trabalho
Infantil – PETI, dentre outros que deveriam garantir o
mínimo necessário para a sobrevivência das famílias mais
pobres, mas infelizmente esses programas não estão
atingindo os objetivos pretendidos.
Uma solução para a melhoria deste quadro seria a integração
dos programas federais, com iniciativas de ONG’s,
movimentos sociais e com programas estaduais e municipais.
O resultado deste trabalho interligado seria o
desenvolvimento significativo nas regiões, e
consequentemente o desinteresse dos explorados a saírem de
onde vivem para trabalharem em outros locais.
É necessário que alternativas como maior fiscalização de
áreas conhecidas como usurpadoras de trabalho escravo,
desenvolvimento das regiões de onde provêm os cativos e
educação adequada para a sociedade, sejam utilizadas como
ferramentas para a erradicação do trabalho forçado (NETO
2008).
3.2 – Chaga a ser exterminada
46
A erradicação do trabalho análogo ao de escravo é um dos
principais objetivos da agenda brasileira de promoção dos
direitos humanos. A promulgação da PEC (Proposta de Emenda
Constitucional) do Trabalho Escravo em junho de 2014
representou uma grande vitória para a sociedade. Ela efetua
uma alteração no artigo 243 da Constituição, prevendo, além
da expropriação sumária das terras em que se constate a
exploração do trabalho escravo, a reversão da área
expropriada para os colonos que nela já trabalhavam.
Dados do Ministério Público Federal (MPF) mostram que desde
2010, os procedimentos extrajudiciais instaurados
aumentaram mais de 800%. Já as ações penais autuadas quase
dobraram. Ambos relativos ao crime tipificado no artigo 149
do Código Penal, que é a redução da pessoa a condição
análoga à de escravo
Durante evento com ruralistas na Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a presidenta DILMA
(2014) falou sobre o tema:
“Estou certa que todos os produtores concordam que
essa é uma chaga a ser exterminada do nosso país,
para que a maioria dos bons produtores não seja
discriminada pelos erros de uns poucos. A condição
deste crime ganhará força, quanto mais precisa for
a sua definição. Há que ser extremamente específico
e preciso. Acredito que avanços nessa direção
poderão ser obtidos no aprimoramento da legislação
pelo Congresso Nacional”.
47
Outra forma de ajudar é assinar o abaixo-assinado pela
aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC
438/2001), pela qual seriam confiscadas as terras de quem
utiliza trabalho escravo.
Acesse: www.trabalhoescravo.org.br/abaixo-assinado
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho análogo ao de escravo fere princípios e regras
constitucionais, não podendo ser tolerado pela sociedade
brasileira, que deve encontrar os mecanismos suficientes
para erradicar esse problema, social e econômico.
Como dentre os principais entraves à erradicação do
trabalho análogo ao de escravo contemporâneo encontram-se a
ausência de um conceito preciso do fenômeno e a dificuldade
de sua caracterização, a pesquisa procura definir trabalho
análogo ao de escravo e indicar suas principais
características, na esperança de contribuir para sua
eliminação.
O trabalho escravo é uma chaga social que perpassa a
história da humanidade desde os primórdios até os dias
48
atuais. A existência de forma tão degradante de exploração
humana suscita o desenvolvimento de ações extrajudiciais
que sejam capazes de combatê-lo em favor da promoção de um
trabalho decente, respeitado e louvável pelo todo social,
vez que construtor da própria identidade humana.
Assim, na ousada proposta de enfrentar esse desafio, preza-
se pela atuação do Ministério Público do Trabalho e do
Ministério do Trabalho e Emprego, dentro de suas
prerrogativas, como um dos principais mecanismos jurídico-
institucionais, mas também como evidencia este
trabalho, extrajudicialmente, orientados à erradicação
das modalidades de escravidão contemporânea.
Enfim, a promoção da dignidade no trabalho, mas também da
liberdade humana, direcionadas à efetivação do Direito do
Trabalho enquanto instrumento de justiça, são decisivas
para o alargamento da inclusão social, além de despontar
como orientações indispensáveis à cultura jurídica.
REFERÊNCIAS
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antiguidade aos nossos dias. 1ª Edição. Rio de Janeiro:
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doutrina/
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modernidade no Brasil de hoje. 1ª Edição. São Paulo:
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