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AVENIDA GUAXENDUBA, 1.490, BAIRRO DE FÁTIMA, SÃO LUÍS/MA – CEP 65.015‐560
FONE/FAX: (98) 3182 7618 [email protected]
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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(ÍZA) FEDERAL DA ______ VARA
FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO
(PAJ: 2011/012-00681)
PRIORIDADE NA TRAMITAÇÃO:
Art. 71 da Lei Nº 10.741/2003 (pessoas idosas)
PEDIDO DE ABRANGÊNCIA
NACIONAL DOS EFEITOS DA AÇÃO
EMENTA: POLÍTICA NACIONAL DE TRATAMENTO DE PESSOAS COM HANSENÍASE (DÉCADAS DE 1920 A 1980). INTERNAÇÃO E ISOLAMENTO COMPULSÓRIOS EM HOSPITAIS E ESTABELECIMENTOS SIMILARES. DESCENDENTES DE INTERNOS RETIRADOS COMPULSORIAMENTE DO CONVÍVIO DE SEUS PAIS LOGO APÓS O NASCIMENTO (“FILHOS SEPARADOS”). SISTEMÁTICA VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS. NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMPENSAÇÃO. PEDIDOS DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, órgão essencial à prestação
jurisdicional, com finalidade constitucional de defender na esfera judicial e
extrajudicial os mais necessitados, atuando na defesa dos interesses coletivos dos
filhos de pessoas com hanseníase separados de seus pais pelo isolamento
compulsório adotado pelo Estado entre as décadas de 1920 e 1980, com base no
artigo 134 da Constituição Federal de 1988, artigo 4º, inciso VII da Lei
Complementar Nº 80/1994 (redação dada pela Lei Complementar Nº 132/2009),
artigo 5º, inciso II da Lei 7.347/1985 (redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007),
vem respeitosamente perante Vossa Excelência propor:
em face da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de Direito Público, representada
para este fim pela Advocacia-Geral da União no Maranhão, a ser citada na pessoa de
AÇÃOCIVILPÚBLICA
COMPEDIDODEANTECIPAÇÃODETUTELA
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um (a) de seus (as) Advogados (as), com sede na Rua Osvaldo Cruz, 1618, Centro,
São Luís, Maranhão, pelos motivos que passa a expor:
1. PRELIMINARES
1.1 Síntese do objeto e dos pedidos da ação coletiva:
Por questões didáticas, assim pode ser sintetizado o objeto e os
principais pleitos da presente ação civil pública:
Objeto:
Planejamento e implantação, pela União Federal, de medidas necessárias
à promoção de políticas voltadas ao regate e à preservação da memória e
dos laços familiares entre pais e filhos que foram rompidos ou mitigados
por práticas de isolamento e internação compulsórios de pessoas atingidas
pela hanseníase, desenvolvidas no Brasil entre as décadas de 1920 e 1980.
Pedidos principais:
Que seja a Requerida obrigada a,
a) em até 180 (cento e oitenta dias), planejar, estruturar e
implementar política voltada à identificação, à catalogação, à
restauração e à manutenção de acervos documentais de
educandários, creches, orfanatos, preventórios, asilos, hospitais ou
estabelecimentos similares, de natureza pública ou particular,
destinados à recepção e manutenção de crianças separadas
compulsoriamente de seus pais em razão da política de isolamento
e internação forçada de pessoas atingidas pela hanseníase;
b) em até 180 (cento e oitenta dias), planejar, estruturar e
implementar política sanitária voltada especificamente aos filhos
separados compulsoriamente de seus pais em razão da política de
isolamento e internação forçada de pessoas atingidas pela
hanseníase, priorizando a atenção à saúde física e mental dessas
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pessoas, de forma a minorar as consequências do rompimento de
vínculos familiares aqui referido;
c) em até 1 (um) ano, planejar, estruturar e implementar política
voltada à identificação e à manutenção de educandários, creches,
orfanatos, preventórios, asilos, hospitais, ou estabelecimentos
similares, de natureza pública ou particular, destinados à recepção
e manutenção de crianças separadas compulsoriamente de seus
pais em razão da política de isolamento e internação forçada de
pessoas atingidas pela hanseníase, em especial desenvolvendo
políticas de preservação e revitalização da estrutura física desses
locais;
d) em até 1 (um) ano, planejar, estruturar e implementar um Sistema
Nacional de Filhos Separados Compulsoriamente de Pais
Atingidos pela Hanseníase (nome apenas sugestivo), tendo como
principal finalidade reunir acervo documental, material genético e
relatos orais relacionados a crianças separadas compulsoriamente
de seus pais em razão da política de isolamento e internação
forçada de pessoas atingidas pela hanseníase no Brasil,
possibilitando, inclusive, que sejam cruzados dados de pessoas
separadas forçadamente de seus pais pela política em referência e
de seus familiares (pais, avós, filhos, netos, irmãos, tios e
sobrinhos), visando, sobretudo, resgatar a memória dessas vítimas
e reatar laços familiares rompidos ou mitigados, devendo haver,
para tal, inclusive a produção de Banco Genético que inclua o
estudo sobre os Grupo Sanguíneo e RH, Histocompatibilidade
(HLA A, B, C, DR), Pesquisa de Isoenzimas eritrócitos e
Investigação de proteínas plasmáticas; e
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e) dar a mais ampla divulgação da decisão que antecipou os efeitos
da tutela e das políticas de Estado nela cominadas, através das
mídias existentes, como televisão, rádio, internet, diários
impressos, dentre outros, inclusive disponibilizando aos
interessados, com destaque aos “filhos separados” e a seus
familiares, a possibilidade de apresentarem documentos e
informações que tenham em seu poder, com a finalidade de
enriquecer ainda mais o acervo documental do Sistema criado;
1.2 Justiça gratuita e contagem dos prazos em dobro
Inicialmente, requerem os autores os benefícios da Justiça Gratuita,
por não poderem arcar com as custas e despesas do presente processo sem prejuízo
de seu sustento próprio e de sua família, com esteio no artigo 4º da Lei nº. 1.060/50.
Realce-se, ademais, a necessidade de observância das prerrogativas
dos defensores públicos federais previstas na Lei Complementar nº. 80/94 e demais
diplomas legais, especialmente no que tange à contagem em dobro dos prazos
processuais e à intimação pessoal, inclusive com carga dos autos, de todos os atos
do processo (LC 80/94, artigo 44, X).
1.3 Prioridade na tramitação do processo
Os assistidos, filhos e filhas separados compulsoriamente de pais com
hanseníase, vítimas da política de segregação e internação compulsória do Estado,
são em sua maioria pessoas idosas.
Isso porque a política de internações compulsórias foi regulamentada
por instrumentos normativos a partir de 1904, tendo o procedimento de separação de
pais e filhos regulamentação em 1949.
Necessário, portanto, destacar a prioridade que as lides envolvendo
idosos tem em suas tramitações, através da Lei Nº 10.741/2003, o Estatuto do Idoso:
Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos
e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais
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em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade
igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância.
No mesmo sentido, o Código de Processo Civil pátrio também
preceitua:
Art. 1.211-A. Os procedimentos judiciais em que figure
como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior
a 60 (sessenta) anos, ou portadora de doença grave, terão
prioridade de tramitação em todas as instâncias. (Redação
dada pela Lei nº 12.008, de 2009).
1.4 Abrangência nacional dos efeitos das decisões
O art. 16 da Lei 7.347/85, com redação dada pela Lei 9.494/97, limitou a
competência do juiz de primeira instância para julgamento das ações civis públicas,
estabelecendo que "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator...".
O art. 2º-A da última Lei citada prescreve:
Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter
coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos
interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os
substituídos que tenham, na data da propositura da ação,
domicílio no âmbito da competência territorial do órgão
prolator.
No entanto, a restrição territorial aos limites subjetivos da coisa julgada
não pode ser aplicada às ações coletivas. Ao restringir a abrangência dos efeitos da
sentença de procedência proferida em ação civil pública aos limites da competência
territorial do órgão prolator, a Lei 9.494 de 10.09.1997 confundiu os limites
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subjetivos da coisa julgada erga omnes com os da jurisdição e da competência, que
nada tem a ver com o tema.
A interpretação literal - e equivocada - do dispositivo aludido significa
que, se diversos atos iguais ou semelhantes, que produzem idênticos efeitos, são
praticados em vários Estados ou Municípios, a competência deve ser dos vários
juízes, cada um competente em relação aos atos praticados e danos sofridos na sua
comarca (Justiça Estadual) ou subseção judiciária (Justiça Federal). Assim, não
poderia ser admitido que ocorra a extensão da competência de qualquer juiz, para
que a sua sentença proferida erga omnes alcance os réus em todo o território
nacional.
Dessa forma, a decisão do juiz na ação civil pública ficaria restrita aos
limites territoriais de sua competência, não podendo abranger todo o território
nacional/estadual ou outro, não integrante de sua jurisdição. Todavia, a norma
aludida não pode assim ser interpretada.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu no sentido de que a
competência referida não está ligada à organização judiciária, mas, à extensão do
dano:
(...) A regra do art. 16 da Lei 7.347/85 deve ser interpretada
em sintonia com os preceitos contidos na Lei 8.078/90,
entendendo-se que os "limites da competência territorial do
órgão prolator", de que fala o referido dispositivo, não são
aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas, sim,
aqueles previstos no art. 93 do Código de Defesa do
Consumidor. Assim: a) quando o dano for de âmbito local,
isto é, restrito aos limites de uma comarca ou circunscrição
judiciária, a sentença não produzirá efeitos além dos próprios
limites territoriais da comarca ou circunscrição; b) quando o
dano for de âmbito regional, assim considerado o que se
estende por mais de um município, dentro do mesmo Estado
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ou não, ou for de âmbito nacional, estendendo-se por
expressiva parcela do território brasileiro, a competência será
do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a
sentença produzirá os seus efeitos sobre toda a área
prejudicada (...).
Adotando-se interpretação diversa da exposta, seria necessário
reconhecer a inconstitucionalidade da limitação da atuação jurisdicional, com base
no art. 5º, XXXV, da CF, uma vez que a própria Carta Magna reconhece o direito à
ação coletiva, podendo reunir, como substituídas, pessoas com sede em vários
Estados da Federação.
Portanto, DEPENDENDO DO CASO CONCRETO, OS EFEITOS DA
DECISÃO PODEM ABRANGER TODO O TERRITÓRIO NACIONAL OU
LOCAL DIVERSO DA JURISDIÇÃO DO JUÍZO, QUANDO O DANO SE
PERPETUAR EM MAIS DE UM MUNICÍPIO, DENTRO OU NÃO DE MESMO
ESTADO.
Nesse passo, ciente de que os danos advindos a partir da política pública
de isolamento aqui debatida extrapolarão a jurisdição desta respectiva vara federal, a
resolução do impasse no que tange a abrangência da decisão em sede da presente
ação civil pública deverá está amparada na aplicação subsidiária da norma contida
no artigo 93 da Lei nº 8.078/90, emprego consentido expressamente pelo artigo 21
da Lei nº 7.347/85, segundo o qual:
Art. 21 Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos,
coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do
Título III da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, que
instituiu o Código de Defesa do Consumidor.
Assim, à luz do dispositivo supracitado (art. 93 da lei nº 8.078/90) e
admitindo-se a transcendência da dimensão, bem como dos reflexos dos danos para
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todo território nacional, pugna-se que a decisão a ser proferida nestes autos não reste
adstrita a uma única região/ âmbito da jurisdição deste MM. Juízo, mas a todo o
país.
1.5 Legitimidade ativa da Defensoria Pública da União
A Defensoria Pública tem por função institucional a orientação
jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. É instituição essencial à
função jurisdicional do Estado justamente por garantir o direito fundamental à
assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, conforme assegura o art. 5º,
LXXIV, da Constituição Federal, umbilicalmente ligado ao direito fundamental do
acesso à justiça, consagrado no art. 5º, XXXV, da CF.
No intuito de abrigar a ideia inerente ao reconhecimento da
legitimidade para o ajuizamento de demandas coletivas pela Defensoria Pública, e
harmonizar a aplicação do Código Consumerista, o legislador pátrio alterou a
redação do artigo 5º da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação
civil pública, legitimando explicitamente a propositura da ação pela Defensoria
Pública da União.
Cumpre observar que o posicionamento de reconhecer a legitimidade
ativa na propositura de Ações Civis Públicas vem sendo consolidado doutrinária e
jurisprudencialmente, inclusive no âmbito das Cortes Superiores, como demonstrado
a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA
AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 134 DA CF.
ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO FUNDAMENTAL. ART.
5º, XXXV, DA CF. ARTS. 21 DA LEI 7.347/85 E 90 DO
CDC. MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS
TRANSINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
INSTRUMENTO POR EXCELÊNCIA. LEGITIMIDADE
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ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR
AÇÃO CIVIL PÚBLICA RECONHECIDA ANTES
MESMO DO ADVENTO DA LEI 11.448/07.
RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA DO DIREITO QUE
SE PRETENDE TUTELAR. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A Constituição Federal estabelece no art. 134 que "A
Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica
e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do
art. 5º, LXXIV". Estabelece, ademais, como garantia
fundamental, o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF), que
se materializa por meio da devida prestação jurisdicional
quando assegurado ao litigante, em tempo razoável (art. 5º,
LXXVIII, da CF), mudança efetiva na situação material do
direito a ser tutelado (princípio do acesso à ordem jurídica
justa).
2. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC,
como normas de envio, possibilitaram o surgimento do
denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos
interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o qual se
comunicam outras normas, como os Estatutos do Idoso e da
Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de
Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar
direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e
institutos podem ser utilizados para "propiciar sua adequada e
efetiva tutela" (art. 83 do CDC).
3. Apesar do reconhecimento jurisprudencial e doutrinário de
que "A nova ordem constitucional erigiu um autêntico
'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos
interesses transindividuais" (REsp 700.206/MG, Rel. Min.
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LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 19/3/10), a ação civil
pública é o instrumento processual por excelência para a sua
defesa.
4. A Lei 11.448/07 alterou o art. 5º da Lei 7.347/85 para
incluir a Defensoria Pública como legitimada ativa para a
propositura da ação civil pública. Essa e outras alterações
processuais fazem parte de uma série de mudanças no
arcabouço jurídico-adjetivo com o objetivo de, ampliando o
acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva, concretizar
o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF.
5. In casu, para afirmar a legitimidade da Defensoria Pública
bastaria o comando constitucional estatuído no art. 5º,
XXXV, da CF.
6. É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior
Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da
Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa
de interesses transindividuais de hipossuficientes é
reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada
a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende
tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro:
assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como
núcleo central dos direitos fundamentais.
7. Recurso especial não provido. (REsp 1106515/MG, Rel.
Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 02/02/2011) (grifou-
se).
Verifica-se, portanto, que longe de estar ligada apenas a uma questão
meramente formal da previsão legal expressa que reconheça a legitimidade para
propositura do presente instrumento jurídico pela Defensoria Pública, tal
reconhecimento ganha força na necessidade de plena atuação na garantia do direito
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fundamental de acesso à justiça, função precípua da instituição, como posto
inicialmente.
Destaque-se a visível pertinência temática entre a pretensão dos
assistidos pela DPU nesta Ação Civil Pública e o exercício das funções típicas da
Instituição, qual seja a defesa de hipossuficientes (art. 5º, LXXIV, CF), dada a
vulnerabilidade tanto da condição social quanto dos meios para emprego de defesa
técnico-jurídica.
1.6 Da não prescrição da demanda
Preliminarmente, com a finalidade de afastar qualquer discussão sobre
a prescrição da pretensão aqui discriminada, suscita-se, desde logo, a
IMPRESCRITIBILIDADE DA DEMANDA, tendo em vista que se trata de pleito
que envolve explícita violação à direitos humanos.
Embora o Superior Tribunal de Justiça, utilizando-se de analogia,
reconheça que o prazo quinquenal para a propositura de ação popular também deve
ser aplicado às ações civis públicas, o mesmo Tribunal reforça a hipótese de ser o
prazo imprescritível quando a demanda tratar de violação aos direitos humanos.
Nesses casos, o Superior Tribunal de Justiça, em reiteradas decisões,
julgou não haver a aplicação do instituto da prescrição:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. DITADURA MILITAR.
PRETENSÃO INDENIZATÓRIA.
IMPRESCRITIBILIDADE. DIREITOS HUMANOS
FUNDAMENTAIS. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.º
DO DECRETO N.º 20.910/32. REDUÇÃO DISPOSITIVOS
DA LEI N. 10.559/2002. INCIDÊNCIA DA SÚMULAS 282
e 356/STF.
1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a
prescrição quinquenal disposta no art. 1º do Decreto
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20.910/1932 é inaplicável aos danos decorrentes de violação
de direitos fundamentais, por serem imprescritíveis,
principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar,
época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a
contento as suas pretensões. Precedentes.
2. O argumento referente à afronta ao Princípio da Reserva de
Plenário foi trazido, tão-somente, nas razões do agravo
regimental ora analisado, o que configura patente inovação da
tese.
3. O art. 16 da Lei nº 10.559/02, bem como a tese a ele
vinculada que "é impossível cumular as indenizações
concedidas com base na Lei n. 10559/02" (e-STJ fl. 640), não
foi objeto de debate pela instância ordinária, e o recorrente
nem sequer provocou a questão via embargos de declaração.
Incidência das Súmulas 282 e 356/STF.
4. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp:
302979 PR 2013/0051940-2, Relator: Ministro CASTRO
MEIRA, Data de Julgamento: 28/05/2013, T2 - SEGUNDA
TURMA, Data de Publicação: DJe 05/06/2013) (grifou-se).
A jurisprudência em destaque se liga aos seguintes precedentes:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL -
INDENIZAÇÃO - REPARAÇÃO DE DANOSMORAIS -
ATIVIDADE POLÍTICA - PERSEGUIÇÕES OCORRIDAS
DURANTE OPERÍODO MILITAR - NÃO-INCIDÊNCIA
DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL - ART. 1º DO
DECRETO Nº 20.910/1932 - IMPRESCRITIBILIDADE.
1. O argumento de que o art. 1º da Lei 20.910/32, que regula a
prescrição a ser aplicada nas ações contra a Fazenda Pública,
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não poderia ter sido afastado a menos que fosse pelo Órgão
Especial da Corte é questão nova na lide, trazida apenas no
agravo regimental.
2. Não é possível em agravo regimental inovar a lide,
invocando questão até então não suscitada.
3. A alegação de que o vício teria surgido apenas na decisão
que negou provimento ao agravo não procede, tendo em vista
que não houve inovação decisória. O decisum ora agravado
apenas confirmou o que ficara decidido no aresto proferido
pelo Tribunal de origem.
4. A prescrição quinquenal disposta no art. 1º do Decreto
20.910/1932 é inaplicável aos danos decorrentes de violação
de direitos fundamentais, por serem imprescritíveis,
principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar,
época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a
contento as suas pretensões.Precedentes.
5. É despicienda a análise em torno do momento inicial para a
contagem do prazo prescricional, na espécie em análise, tendo
em vista a orientação desta Corte no sentido da
imprescritibilidade. 6. Agravo regimental não provido. (STJ
AgRg no Ag 1392493 RJ 2011/0003509-8 ,Relator: Ministro
CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 16/06/2011, T2 -
SEGUNDA TURMA) (grifou-se).
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL –
INDENIZAÇÃO – REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS
E MORAIS – TORTURA – REGIME MILITAR – NÃO-
INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – ART.
1º DO DECRETO N. 20.910/1932 –
IMPRESCRITIBILIDADE.
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1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a
prescrição quinquenal não se aplica aos casos de reparação de
danos causados por violações dos direitos fundamentais que
são imprescritíveis, principalmente quando se fala da época
do Regime Militar, quando os jurisdicionados não podiam
buscar a contento suas pretensões. Precedentes.
2. Ademais, o argumento referente à afronta ao Princípio da
Reserva de Plenário foi trazido, tão-somente, nas razões do
agravo regimental ora analisado, o que configura patente
inovação da tese. "É vedado à parte inovar em sede de agravo
regimental." (AgRg no Ag 875.054/SP, Rel. Min. Denise
Arruda, julgado em 7.8.2007, DJ 6.9.2007). Agravo
regimental improvido (STJ AgRg no REsp 893725 PR
2006/0219140-9, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS,
Data de Julgamento: 23/04/2009, T2 - SEGUNDA TURMA).
Desde já, observa-se que a jurisprudência aqui exposta não restringe a
imprescritibilidade em ações de reparação de danos causados por atos de
perseguição e tortura exclusivamente na época da ditadura militar, POIS
ADENTRAM NO MÉRITO DA POSSIBILIDADE DE SE DESCONSIDERAR A
PRESCRIÇÃO EM CASOS DE DANOS DECORRENTES DE QUALQUER
VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.
Por se tratar de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que, de
acordo com o seu próprio código de conduta, possui a seguinte missão: “Processar e
julgar as matérias de sua competência originária e recursal, assegurando a
uniformidade na interpretação das normas infraconstitucionais e oferecendo ao
jurisdicionado uma prestação acessível, rápida e efetiva.”, entende-se ser intencional
a falta de especificidade dos julgados apresentados, demonstrando interesse do
órgão julgador em reconhecer a possibilidade de não se aplicar a prescrição a
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qualquer tipo de dano sofrido por violação a direitos fundamentais, desde que
comprovada esta hipótese.
As pessoas com hanseníase sofreram toda espécie de ofensa à sua
dignidade. Tiveram cerceada sua liberdade de ir e vir, foram tratados com absurda
desigualdade sem qualquer critério razoável para a discriminação e, posteriormente,
foram “devolvidos” à sociedade, já marcados pelo calvário da exclusão e com
extrema dificuldade para reconstituir seus laços sociais e familiares.
Já os filhos separados de pais com hanseníase tiveram que conviver
com o estigma da doença, não por terem sido necessariamente vítimas dela (alguns
foram, de fato), mas por serem filhos das vítimas. Além do preconceito, os “filhos
separados” – como costumam se autodenominar – após a segregação forçada de seus
pais, eram internados em educandários, nos quais sofriam graves violências físicas,
psicológicas, inclusive abusos sexual, e ainda, dentre outros abusos, não raras vezes
eram vítimas de adoções irregulares (tráfico de pessoas), nas quais na maioria eram
tratados como “empregados”.
Considerando a notória violação a direitos humanos do caso em tela,
tendo em vista o abuso sofrido pelos filhos separados de pais com hanseníase, o
preconceito que foram obrigados a conviver e a perda do contato com os genitores,
requere-se, desde logo, o reconhecimento da IMPRESCRITIBILIDADE DA
DEMANDA.
2. DOS FATOS
A hanseníase, ou vulgarmente chamada de lepra, morfeia, mal de
lázaro, é um moléstia provocada pelo Mycobacterium leprae ou bacilo de hansen.
Conhecida vulgarmente por “lepra” desde os tempos bíblicos, a enfermidade carrega
a pesada marca do preconceito, discriminação e exclusão social desde o seu
surgimento. É uma doença infectocontagiosa de evolução crônica, cujas
manifestações clínicas têm predominância na pele e/ou nervos periféricos.
Seu agente causador é um parasita intracelular que se instala nas
células cutâneas ou nas células de nervos periféricos podendo se multiplicar. O
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início da doença ocorre na maioria das vezes com sensações parestésicas de
extremidades e/ou por manchas hipocrômicas ou eritemato-hipocrômicas, com
alterações de sensibilidade (térmica, dolorosa e táctil). O quadro neurológico ocorre
apenas nos nervos periféricos, quando a extensão da própria lesão cutânea
compromete os troncos nervosos, na maioria das vezes, por metástases bacilares.
O Mycobacterium leprae ataca as fibras do sistema nervoso periférico
sensitivo, motor e autônomo. Durante as reações (surtos reacionais), vários órgãos
podem ser acometidos, tais como olhos, rins, suprarenais, testículos, fígado e baço.
Segundo entidades internacionais sobre saúde, 90% (noventa por
cento) da população mundial possui resistência ao parasita causador da Hanseníase,
sendo que apenas 5% (cinco por cento) dos que não possuem resistência desenvolve
a doença. Ademais, possui a moléstia um longo período de encubação, que leva de 2
(dois) a 20 (vinte) anos, por isso atinge de forma mais comum pessoas adultas.
Por muito tempo não havia conhecimento de como se transmitia a
hanseníase, como também não havia conhecimento sobre a existência de tratamento
adequado e eficaz para a doença. Por isso mesmo, inúmeras medidas foram adotadas
para que não houvesse uma enorme proliferação dessa enfermidade. Há relatos que
em tempos antigos, as pessoas acometidas com hanseníase usavam sinos nos
pescoços para sua presença ser identificada de longe, queima de moradias de pessoas
com hanseníase, dentre outras medidas, dentre as quais deve ser destaca a política de
INTERNAÇÕES COMPULSÓRIAS.
As internações forçadas consistiam no isolamento do paciente com
hanseníase (ou com suspeita de portar a doença) em colônias distantes dos centros
urbanos, mesmo contra a sua própria vontade. A Primeira Conferência Americana
sobre Lepra1 recomendou esse tipo de ação em seu texto final (Anexo 1 –
Conclusões da Primeira Conferência Americana de Lepra):
TERCEIRA — O combate ao contágio constitui o elemento
decisivo na campanha contra a lepra e deverá ser realizado 1 http://hansen.bvs.ilsl.br/textoc/revistas/brasleprol/1946/pdf/v14n4/v14n4concpl.pdf
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principalmente em colônias de leprosos, nos quais sejam
tomadas todas as providências de ordem técnica, que atendam
às diversas doutrinas em litígio realtivas à transmissão da
doença.
Tão logo o Estado brasileiro assumiu tal recomendação como política
pública para o tratamento da hanseníase, inúmeros estados da federação, subsidiados
pelo governo federal, construíram colônias dedicadas exclusivamente ao
“tratamento” das pessoas com hanseníase.
As internações compulsórias então passaram a ser regulamentadas
pela Lei Federal Nº 610/1949 (Anexo 2 – Lei Federal Nº 610/1949)2, na qual se
fixou as regras para profilaxia da hanseníase (“lepra” no texto original), tendo
previsto essa política em seu Artigo 1º:
Art. 1º A profilaxia da lepra será executada por meio das
seguintes medidas gerais:
III – Isolamento compulsório dos doentes contagiantes;
IV – Afastamento obrigatório dos menores “contatos” de
casos de lepra da fonte de infecção;
Em tese, a ideia de isolar pessoas com hanseníase tinha como
justificativas: (1) isolar o paciente de pessoas saudáveis, com a finalidade de evitar
contágio; e (2) nas colônias seriam realizados os tratamento das pessoas doentes.
Todavia, as pessoas que chegavam nas colônias encontraram um
ambiente mais parecido com um campo de concentração, diferente da perspectiva de
um lugar propício para a realização de tratamento da enfermidade. Em verdade, nas
colônias os pacientes encontraram um local inóspito e violento, incompatível com
uma estrutura minimamente destinada à realização de tratamentos médicos.
2 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/L0610impressao.htm
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Somado as internações compulsórias, as pessoas com hanseníase
conviveram (e ainda convivem) com o preconceito que surge com a doença. Na
hanseníase, o estigma é um fenômeno real, que afeta a vida dos indivíduos nos seus
aspectos físico, psicológico, social e econômico e representa o conjunto de fatores
como medos e sentimento de exclusão que atinge as pessoas com a moléstia.
Infelizmente, o preconceito e o estigma associados à doença
ameaçadora e fatal do passado permanecem no imaginário da sociedade, remetendo
os indivíduos ao tabu da morte e da mutilação, trazendo grande sofrimento psíquico
aos doentes e sérias repercussões em sua vida pessoal e profissional.
O estigma se potencializou a partir do isolamento social que envolveu
a doença e nos dias atuais é evidenciado através do claro preconceito que acomete os
indivíduos atingidos pela hanseníase, que preferem se manter calados a respeito do
diagnóstico e ocultar seu corpo, na tentativa de esconder a doença para evitar a
rejeição e o abandono.
Como forma de reparar os danos causados pelo Estado brasileiro,
houve a edição da Medida Provisória nº 373, de 24 de maio de 2007, posteriormente
convertida na Lei nº 11.520/2007 (Anexo 3 – Lei Nº 11.520/2007)3, que dispõe
sobre a concessão de pensão especial às pessoas atingidas pela hanseníase que foram
submetidas a isolamento e internação compulsórios, sendo instrumento onde o
próprio Estado brasileiro RECONHECEU A LESÃO A PESSOAS COM
HANSENÍASE INTERNADAS COMPULSORIAMENTE.
A referida Lei Federal dispõe sobre a concessão de pensão especial às
pessoas atingidas pela hanseníase que foram submetidas a regime de segregação
forçada e autoriza o Poder Executivo a conceder uma pensão especial, mensal,
vitalícia e intransferível, a título de indenização especial, correspondente a R$
750,00 (setecentos e cinquenta), a quem foi internado e isolado compulsoriamente,
por força do diagnóstico de hanseníase, em hospitais-colônia até 31 de dezembro de
1986.
3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11520.htm
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Na exposição de motivos do projeto de medida provisória
encaminhado ao Presidente da República, que culminou com a edição da Lei nº
11.520, de 18 de setembro de 2007, sete Ministros de Estado brasileiros bem
contextualizaram o problema ora trazido à baila (Anexo 4 – Exposição de Motivos
Medida Provisória 373/2007), reiterando ser documento no qual,
inquestionavelmente, o próprio Poder Executivo federal, ora réu, reconhece a
sistemática lesão a direito produzido pelo Estado brasileiro:
“2. A legislação sanitária brasileira da Primeira República, em
conformidade com os conhecimentos científicos da época,
previa o isolamento de pessoas com hanseníase em colônias
construídas especificamente para esse fim. Os Decretos de no
5.156, de 1904 (Regulamento Sanitário Federal), e no 10.821,
de 1914 dispunham sobre a matéria. O Decreto Federal no
16.300, de 31 de dezembro de 1923, por sua vez, reforçou a
disposição de que o isolamento de pessoas com hanseníase
deveria ocorrer preferencialmente em colônias, definidas
nesta norma como estabelecimentos nosocomiais.
3. Contudo, a imposição legal não podia ser cumprida à risca,
uma vez que o número desses estabelecimentos no Brasil era
insuficiente. Vale ressaltar que, ao final da década de vinte do
século passado, havia um clima de pânico social em relação
aos doentes. Marginalizados, os portadores de hanseníase não
podiam trabalhar e, sem condições de subsistir, mendigavam
pelas ruas.
4. No primeiro governo do Presidente Getúlio Vargas (1930-
45), o combate à hanseníase foi ainda mais disciplinado e
sistematizado. Reforçou-se, então, a política de isolamento
compulsório que mantinha os doentes asilados em hospitais-
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colônia. Quando se concluiu a rede asilar do País, o
isolamento forçado ocorreu em massa.
5. A maior parte dos pacientes dos hospitais-colônia foi
capturada ainda na juventude. Foram separados de suas
famílias de forma violenta e internados compulsoriamente.
Em sua maioria, permaneceram institucionalizados por várias
décadas. Muitos se casaram e tiveram filhos durante o
período de internação. Os filhos, ao nascer, eram
imediatamente separados dos pais e levados para instituições
denominadas “preventórios”. Na maioria dos casos, não
tinham quase nenhum contato com os pais.
6. A disciplina nos preventórios era extremamente rígida, com
aplicação habitual de castigos físicos desmesurados. As
crianças eram induzidas a esquecerem de seus pais, porquanto
a hanseníase era considerada uma “mancha” na família.
7. Nos hospitais, as fugas eram freqüentes, mas a dificuldade
de viver no mundo exterior sob o forte estigma da doença,
forçava os pacientes a voltar. Os anos se passaram, e o Brasil,
seguindo a tendência mundial, começou a pôr fim ao
isolamento compulsório mantendo um regime de transição
semi-aberto. A internação compulsória foi abolida
formalmente em 1962, mas há registros de casos ocorridos
ainda na década de 1980.
8. Nos últimos vinte anos, com a consolidação da cura da
hanseníase por meio da poliquimioterapia - tratamento com
múltiplos medicamentos - realizada sem necessidade de
internação, os hospitais-colônia passaram apenas a asilar
antigos doentes que não possuíam mais vínculos familiares ou
sociais fora de seus muros, aqueles que, mesmo curados,
continuavam dependentes de tratamento por conta de
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seqüelas, além de ex-pacientes que saíram, mas retornaram
por não terem condições de sobreviver fora da instituição.
9. Dos 101 hospitais-colônia outrora existentes no País, cerca
de trinta e três continuam parcialmente ativos. Estima-se que
existam atualmente cerca de três mil remanescentes do
período de isolamento.
10. Reconhecendo a gravidade da situação, Vossa Excelência,
em 24 de abril de 2006, assinou Decreto instituindo Grupo de
Trabalho Interministerial (GTI) de Ex-Colônias de
Hanseníase, com o duplo objetivo de proceder a levantamento
da situação dos residentes nas ex-colônias e propor/articular a
execução de ações interministeriais de promoção dos direitos
de cidadania dessa população. O GTI desenvolveu seus
trabalhos até dezembro de 2006, sob coordenação da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República. O Relatório Final foi recentemente concluído.
11. Dentre o amplo leque de recomendações deste Relatório,
destaca-se, pela oportunidade, a criação de uma Pensão
Indenizatória Vitalícia de caráter pessoal e intransferível aos
ex-internos, no valor de R$ 750,00. O gasto total estimado
será de pouco mais de R$ 27 milhões a partir da cobertura
integral dos potenciais beneficiários, com grande impacto na
qualidade de vida de uma população que sofre com as graves
seqüelas adquiridas e a avançada idade.
12. No âmbito internacional, o Governo Japonês foi pioneiro
ao reconhecer a figura do “exilado sanitário” e a estabelecer
indenização para as pessoas com hanseníase que sofreram
reclusão compulsória por motivos sanitários.
13. É neste contexto que se configura a importância desta
Medida Provisória, restabelecendo a iniciativa do Presidente
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da República na reparação aos efeitos causados pela ação do
Estado, ainda que embasada nas teorias científicas vigentes à
época, causadora de danos irrecuperáveis. A iniciativa do
Governo Brasileiro significa uma demonstração contundente
do compromisso de resgatar parte da dívida que a sociedade
tem com esses cidadãos.
14. A urgência e relevância da adoção da providência aqui
proposta, por meio de Medida Provisória, inclusive com o
reconhecimento do direito à pensão a partir de sua edição, é
caracterizada pelo fato de que o público-alvo da medida,
sofrendo de graves seqüelas, possui idade média bastante
avançada e vive em condições precárias, correndo grave risco
de vida, obrigando o Estado a instituir desde já um benefício
de caráter indenizatório.
15. A despesa estimada para o ano de 2007 é de R$ 13
milhões, atingindo R$ 27 milhões nos anos subseqüentes.
16. Para fins de cumprimento do que dispõe o art. 17 da Lei
de Responsabilidade Fiscal - LRF (Lei Complementar no 101,
de 4 de maio de 2000), as despesas decorrentes do pagamento
da Pensão Vitalícia serão atendidas dentro da margem de
expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado,
prevista no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes
Orçamentárias de 2007, Lei no 11.439, de 29 de dezembro de
2006”4 (grifou-se).
O reconhecimento da lesão à dignidade da pessoa humana das pessoas
acometidas com hanseníase foi de extrema importância para que houvesse a
reparação dos danos causados. Todavia, Excelência, a pensão federal adotada para a
4 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Exm/EMI-16-MPS-MP-MF-MS-MDS-SEDH-C.CIVIL.htm. Acessado em 13.07.2009.
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reparação, não abrangeu uma parcela importante de pessoas que foram vítimas da
política de internações compulsórias de hansenianos, qual seja OS FILHOS
SEPARADOS DE PESSOAS COM HANSENÍASE.
Isso porque, com a premissa de isolar as pessoas acometidas com a
doença e especificamente com a finalidade de segregar saudáveis de enfermos para
que não houvesse a proliferação da moléstia, foi o Estado brasileiro responsável por
uma das maiores atrocidades da história recente do Brasil.
A princípio, a atitude de separar pais com hanseníase de filhos
saudáveis pode parecer razoável, visto que, em tese, estaria garantindo-se a
integridade das crianças, evitando que estas fossem acometidas pela mesma
enfermidade dos pais. Todavia, Excelência, esta SEPARAÇÃO FORÇADA afastava
qualquer vínculo familiar entre crianças e genitores.
Conforme citado anteriormente, o Artigo 1º da Lei Federal Nº
610/1949 demonstra que a separação de crianças dos pais com hanseníase era uma
política de saúde pública da época. Após serem afastados dos pais, os “filhos
separados” tiveram diversos destinos oficiais: alguns eram adotados por outras
famílias, outros ficavam em “educandários” e outros era enviados para orfanatos.
Embora as destinações fossem, na aparência, adequadas, eram nelas
que surgiam os maiores tipos de abusos que se pode cometer contra uma criança:
graves agressões físicas e mentais, algumas crianças eram adotadas para serem
“empregadas domésticas” das famílias adotantes, outras sofriam abusos sexuais
dentro dos educandários e orfanatos, dentre outros abusos. QUANTO MAIS
HISTÓRIAS SÃO CONTADAS, MAIS VIOLAÇÕES SÃO RELATADAS.
Somado aos abusos descritos anteriormente, os filhos de pessoas com
hanseníase tiveram que conviver com estigma e preconceito por serem filhos de
vítimas da doença. Na época, sabia-se muito pouco sobre a hanseníase, como esta
era transmitida ou como deveria ser tratada, então, aqueles que tinham a doença
eram estigmatizados, tendo seus filhos sofrido o mesmo estigma, por “herança”.
Sendo a política de separar filhos de pais com hanseníase aplicada
nacionalmente, o Maranhão não ficou de fora. Aqui existiu a Colônia do Bonfim
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(atual Hospital Aquiles Lisboa) como local de internações de pessoas com a doença,
e o Educandário Santo Antônio, como local onde, em regra, as crianças eram
destinadas.
Procurado por maranhenses que passaram pela situação desumana de
conviver em Colônia ou ter sido separado dos pais, indo para educandários ou
estabelecimentos similares, o núcleo maranhense da Defensoria Pública da União,
através de seu Ofício Direitos Humanos e Tutela Coletiva (DHTC), passou a atuar
na defesa destas pessoas, ensejando a abertura do Procedimento de Assistência
Jurídica (PAJ) n. 2011/012-681 (Anexo 5 - Documentos do PAJ e Despacho de
Abertura).
Após a instauração do PAJ, foi realizada audiência pública no
auditório da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Maranhão, organizada pelo
Ofício de DHTC, conjuntamente com a Coordenação Nacional do Movimento de
Reinteração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase – MORHAN (Anexo 6 -
Relatório de Audiência Pública 28.06.2011).
Na audiência, após os debates, foi aprovada de forma unânime pelos
presentes: a apresentação conjunta por diversos órgãos de recomendações à
inúmeras autoridades e órgãos estatais, visando a confecção de projeto de lei com
vistas à reparação pecuniária dos filhos separados de seus pais em razão de políticas
estatais de tratamento de hansenianos, bem como o encaminhamentos de ofícios ao
Hospital Aquiles Lisboa e ao Educandário Santo Antônio, requisitando a
conservação e remessa de cópia de documentos constantes de seu acervo que
atestem, direta ou indiretamente, a separação compulsória de filhos em razão da
hanseníase.
Seguindo o que foi deliberado na audiência pública, a Defensoria
Pública da União enviou recomendação de confecção de projeto de lei (Anexo 7 -
Cópias de Recomendações) e oficiou ao Hospital Aquiles Lisboa e ao Educandário
Santo Antônio (Anexo 8 - Ofícios Hospital Aquiles Lisboa e Educandário Santo
Antônio).
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Em resposta, o Educandário Santo Antônio (Anexo 9 - Ofício
Educandário Santo Antonio), informou o caráter beneficente da sociedade civil,
indicando que não possui quaisquer fins lucrativos, sendo destinada ao amparo
social de crianças desamparadas, carentes, com prioridade a assistência ao filho de
pessoas com hanseníases. A entidade informou também que a política de receber
filhos de hansenianos é ali adotada há 80 (oitenta) anos, realizando o controle de
recebimento das referidas crianças através de registro nos livros da Instituição.
Informou também que forneceu declarações atestando o recebimento de filhos de
hansenianos separados em razão da política de internações e isolamento
compulsórios. A instituição fez remessa da documentação relatada.
Se o Educandário Santo Antonio tenha fornecido um vasto conteúdo e
informativo sobre os internos do educandário, o Hospital Aquiles Lisboa, através de
Ofício Nº 633/2011/GDG/HAL-SES (Anexo 10 - Ofício Nº 633/2011 Aquiles
Lisboa) alegou que existem inúmeros prontuários no hospital, nos quais a maioria
não informa se os antigos internos da Colônia do Bonfim tinham filhos ou não. O
hospital destacou que seria necessário uma grande força tarefa para que os
postulantes possam apresentar certidões de nascimento ou qualquer outro
documentos que possam ser relacionados ao período de internações compulsórias
experimentados pelos pacientes da Colônia.
O Hospital Aquiles Lisboa finalizou o expediente registrando a
necessidade de ser apresentado nomes dos supostos filhos separados, assim como do
genitor, para que pudesse ser realizada uma pesquisa mais densa nos registros.
Concomitante à solicitação de informações referentes ao Maranhão, o
Movimento de Reinteração de Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN) e
outras instituições da sociedade civil organizada têm levantado a bandeira na busca
pela reparação à lesão sofrida pelos filhos separados de pessoas com hanseníase,
motivados pela vitória anterior que foi a pensão federal.
Tais instituições, juntamente com a Defensoria Pública da União,
buscam apoio parlamentar e no Executivo para que a reparação venha a ser
efetivada.
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As movimentações perante o legislativo renderam Projetos de Lei
referentes a reparação dos filhos segregados pela política de internação compulsória
da hanseníase. Dentre eles, destaca-se a atuação da bancada maranhense: PL Nº
2.962/2011, de autoria do Deputado Federal Sarney Filho, PL 3.303/2012, de autoria
do ex-deputado federal Edivaldo Holanda Júnior, e o PL 4.907/2012, de autoria do
ex-deputado federal Domingos Dutra (Anexo 11 - Projetos de Lei).
Ao passo da existência de proposta de norma no Poder Legislativo,
existe movimentação também no Poder Executivo para que haja a publicação de
uma Medida Provisória, nos moldes da que deu origem à pensão federal para as
vítimas de hanseníase que passaram por internações compulsórias.
Porém, apesar da constante negociação com a Secretaria de Direitos
Humanos do Governo Federal, ainda não há nenhuma ação que possa ser
considerada relevante para o reconhecimento à lesão sofrida pelos “filhos
separados”.
Isso porque, independente das tratativas com vistas à reparação
pecuniária dos homens e mulheres vítimas da separação forçada de seus genitores, o
que não constitui objeto desta ação coletiva (NÃO HÁ PEDIDO
INDENIZATÓRIO), há urgência na necessidade de adoção de uma séria de outros
atos com vistas a identificar e proteger a coletividade ora assistida, notadamente
através de políticas públicas específicas. Esse é o propósito da presente ação civil
pública.
Para finalizar o relato dos fatos que ensejam a propositura desta
demanda, segue transcrição integral de carta enviada à Teresa Oliveira, publicado no
livro Nascidos Depois (Anexo 12 - Cópia Integral do Livro “Nascidos Depois”)5, na
qual uma filha separada dos pais com hanseníase conta sua história (pag. 29 – 31):
“Boa Tarde, Teresa Oliveira,
Estou lhe enviando minha história de vida!
5 Nascidos Depois. Teresa Oliveira. Editora Scortecci. São Paulo. 1ª Ed. 2013
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Nasci em 26 de março de 1948, dentro de um hospital
de Hanseníase, na Colônia Padre Damião em UBÁ, Município de
Tocatins – MG, porque meus pais eram portadores da doença. Logo
após o meu nascimento, fui transferida para um Internato, em Juízo
de Fora – MG, ficando até aos meus três anos de idade. Depois, fui
transferida para o Educandário Santa Maria, em Jacarepaguá – RJ,
ficando até os meus 11 anos.
Meus pais se conheceram, se apaixonaram, se casaram
e tiveram 15 filhos! Só que, deste relacionamento, morreram cinco
filhos, com doenças explicáveis e inexplicáveis.
Na época, não havia tantos recursos como temos hoje.
Com o passar dos anos, meus pais foram transferidos
para o Rio de Janeiro, recebendo ordens do Hospital, ou do Governo,
que os filhos teriam que se ISOLAR num Internato, devido ao
contágio desta doença, que estava em altíssimo grau. Em estudos e
experimentos, em laboratórios com várias drogas e remédios
fortíssimos.
O meu isolamento e dos meus nove irmãos foram uma
tragédia inconsequente! Sofri preconceitos perante a sociedade, não
tive a infância que merecia, roubaram o meu cérebro, o meu coração!
Hoje, com 62 anos de idade, não pude chegar aos meus Sonhos, pois
tenho uma deficiência psicologia crônica. Fiz terapia ocupacional,
trabalhai em três empresas quando jovem e não pude ir até ao fim!
Não consigo finalizar o que aprendi. Quando coloco em prática o que
tem em minha mente, tudo me parece confuso; volto para a primeira
ideia, várias vezes, mas não chego lá! Os médicos dizem que possuo
bloqueio imenso, devido a minha infância que se tornou muito pobre
em bases necessárias para o meu desenvolvimento.
O Internato “EDUCANDÁRIO SANTA MARIA”,
onde fomos confinados, tinha várias crianças, principalmente uma
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em especial que cuidei muito e não sabia que era minha irmã, cujo
nome é Neide Guimarães Belo. Ela não comia a refeição do
refeitório e, sim, vinha de outra cozinha, que era das “Freiras”, pois,
no período, elas quem comandavam e dava as regras no Colégio. A
época até que foi favorável, com limpeza, asseio, comida boa.
Depois de alguns meses, ou ano, não sei precisamente, veio
bruscamente uma mudança! As freiras foram embora, não sei por
que. Sei que todo o Educandário, na hora de refeição, sempre servia
um sopão, no café da manhã, um prado de melado com farinha; e no
jantar, Sopão! Tudo muito pouco...
Passamos um bocado de fome! Eu até comia restos da
lixeira da cozinha catava coisas no chão onde jogavam pedaços de
peixes, mas só chupava os espinhos que encontraram pelo gramado,
não sei dizer de quantos meses ou anos estavam ali. Imagine, não sei
a contabilidade de crianças que tinham no colégio. Como sofreram!
Meus pais nem imaginavam o que se passava entre nós! Havia
visitas dos pais: dentro do Colégio e no Hospital Colônia do
Curupaiti. Lembro-me que eu procurava minha MÃE, que também
nos procurava. Eu sentia sua presença. Achava magra, cabelos
grandes, mãos deformadas e sempre só. Digo que não via meu PAI.
E nem sabia quem ele era. Quando fomos retirados do Internato e
fomos morar juntos, sofri calada: com medos, receios. Tudo me
parecia estranho e ao mesmo tempo feliz. Uma felicidade
desconfiada e tímida.
Meus pais queriam absorver e mostrar o carinho deles
por nós, mas a distância que nos separa foi longa demais!
Surgiram momentos de obediência, preconceitos, pois
eles tinham defeitos no corpo, pés e mãos. Aos poucos, meus outros
irmãos se integraram ao convívio de um lar.
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Foi uma educação balançada, sem estruturas básicas e
com poucos de recursos financeiros. Hoje tempos irmãos com vários
problemas mentais sérios.
Minha mãe foi uma lutadora e sofredora. Sem
estruturas emocionais, foi várias vezes abandonada pelo meu pai.
Ele, marinheiro, aos 14 anos, entrou para a Marinha como sinaleiro
de um navio carga. Com o aparecimento da Lepra foi imediatamente
afastado do cargo, indo para o Hospital do Curupaiti. Lá, para
arrumar trabalho, fez o curso de enfermagem e, assim, ocupou o
cargo de enfermeiro. Ela, sempre cuidando da casa e de duas filhas,
uma com 73 anos e outra com 70 anos, hoje, ambas casadas. Uma
casou-se dentro do hospital do Curupaiti, também afastada do
Exército devido à doença. Os outros irmãos que não conheço, os
quais foram juntos comigo, seguem suas vidas.
Minha mãe, Carlita Fialho Guimarães Bello, e meu
Pai, Miguel Monteiro Belo, falecido há mais de 40 anos, e ela
falecida em 12 de fevereiro de 2009 com 98 anos de idade, foi uma
verdadeira heroína. Espero que com este meu depoimento o governo
se sensibilize e digne-se em trazer a milhares de crianças a
recompensa do atraso em que vivemos e que nos ajude a melhorar
este país.
Grata,
Maria das Dores Belo Jurassek
Jacarepaguá/RJ”
Excelência, conforme relatado neste tópico, é visível a situação
humilhante vivida pelas pessoas vítimas da política de internações compulsórias
para tratamento da hanseníase, como também é degradante a situação vivida pelos
filhos separados, uma vez que foram destinados a adoções irregulares (tráfico de
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pessoas), educandários e orfanatos, passavam por todas as situações abusivas que
destroem a formação de uma criança e de um adolescente.
Tais violações feriram a dignidade destas crianças e adolescentes que,
até hoje, já senhores e senhoras de meia idade e idosos, vivem com os danos e
traumas advindos daquela época obscura.
O pontapé inicial para a reparação histórica que estas pessoas
merecem começa pelo reconhecimento da lesão sofrida.
Reitere-se que, embora possa haver a aparência de que a reparação
desejada nesta demanda seja pecuniária, na realidade o objeto é outro:
RECONECTAR OS LAÇOS FAMILIARES PERDIDOS, ou seja, tentar
reaproximar famílias separadas pela política de saúde pública da época. Como
também proteger o acervo histórico, para que sirva de lição a todos nós brasileiros e
para que nenhuma política similar seja repetida.
Portanto, requer-se o RECONHECIMENTO À LESÃO SOFRIDA
pelos filhos separados de seus pais com hanseníase, por força da política de
internações e segregação compulsória no tratamento da doença, como também a
criação de um SISTEMA NACIONAL DE FILHOS SEPARADOS
COMPULSORIAMENTE DE PAIS COM HANSENÍASE, com a finalidade de
cruzar dados entre as pessoas, a fim de reconstituir o elo familiar natural perdido.
Requer-se também A PRESERVAÇÃO DOS PREVENTÓRIOS,
EDUCANDÁRIOS, CRECHES, ORFANATOS E ESTABELECIMENTOS
SIMILARES, UTILIZADOS NA POLÍTICA DE SEPARAÇÃO DE FILHOS DE
PAIS COM HANSENÍASE, assim como a PRESERVAÇÃO DE SEU ACERVO
DOCUMENTAL, com a finalidade de restaurar a história deste período bárbaro do
Brasil, para que sirvam de exemplo, garantindo-se que nenhuma política simular
volte a ocorrer no país.
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3. DO DIREITO
3.1 Alijamento do sistema de proteção a crianças e a adolescentes
Muito embora algumas das normas citadas neste tópico não fossem
aplicáveis na época da segregação compulsória aqui referida, premente a
contextualização dos reais prejuízos advindos da prática de separação forçada ao
sistema de proteção a crianças e adolescentes hoje em vigor, sobretudo para melhor
caracterização da sistemática violação de direitos humanos à qual foi submetida a
coletividade aqui representada.
A doutrina contemporânea, tomando como fonte os postulados
Constitucionais, tem ensinado que a criança e do adolescente não podem ser meros
sujeitos passivos de direito. Por muito tempo negligenciou-se a figura das crianças e
dos adolescentes, permitindo que diversos abusos fossem cometidos, sem que
houvesse uma devida reprovação social. Todavia, a Constituição Federal de 1988, de
forma inovadora, estabeleceu os direitos desses agentes:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
O rol exemplificativo de direitos tem a finalidade de mostrar ao universo
jurídico aquilo que é necessário para que uma criança e o adolescente tenham pleno
desenvolvimento em sua formação. SÃO DIREITOS ESSENCIAIS, OS QUAIS SE
NÃO FOREM RESPEITADOS, HAVERÁ ENORME PREJUÍZO AOS ADULTOS
QUE SERÃO FORMADOS.
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Destaca-se, também, que a Constituição Federal de 1946 já previa que a
obrigatoriedade de haver a devida assistência à infância e à adolescência, em seu
artigo 164, não sendo recente a previsão estatal de garantir direitos as crianças e aos
adolescentes.
A seguir serão evidenciados direitos essenciais para formação de um
indivíduo, os quais foram violados historicamente com relação à coletividade
assistida, prejudicando a formação das crianças e dos adolescentes, hoje adultos e
mesmo idosos, que foram separados de seus pais.
3.1.1. Direito a convivência familiar
Não foi só na Constituição Federal de 1988 que a família recebeu a tutela
do Estado brasileiro, sendo protegida desde as cartas constitucionais anteriores,
como pode ser observado no Artigo 163 da Constituição Federal de 1946:
Art. 163 - A família é constituída pelo casamento de vínculo
indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado
(grifou-se).
A Carta Magna de 1988 não inovou em sentido contrário, garantindo a
proteção do estado à família, previsto no artigo 226. A família é considerada base da
sociedade, sendo a instituição mais antiga da humanidade, sobrevivendo a inúmeras
eras da história.
Para uma criança e um adolescente, a família é o primeiro vínculo social
e afetivo. A convivência familiar é importante para a formação da criança e do
adolescente, visto que é onde estes vão aprender valores éticos, morais, religiosos,
dentre outros. POR ESSES FUNDAMENTOS, O DIREITO A CONVIVÊNCIA
FAMILIAR E COMUNITÁRIA CHEGOU AO STATUS DE DIREITO
FUNDAMENTAL.
Assim, o direito à convivência familiar e comunitária é tão importante
quanto o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à dignidade, à
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liberdade, dentre outros. Isso porque, Excelência, a família, como base da sociedade,
É UM DOS SUSTENTÁCULOS PARA A EFETIVAÇÃO DOS DEMAIS
DIREITOS MENCIONADOS. Negar a convivência familiar e comunitária pode
significar uma grande perda para a criança e o adolescente.
Decisão recente do Superior Tribunal de Justiça informa que é dever do
Estado assegurar com absoluta prioridade à criança o direito à convivência familiar e
comunitária. Informa também que o intérprete do direito não pode utilizar-se de
exegese que atente contra a dignidade da pessoa humana. Seguindo ementa de
acórdão:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO
EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR
MORTE. MENOR SOB GUARDA JUDICIAL.
APLICABILIDADE DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE - ECA. INTERPRETAÇÃO
COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO
INTEGRAL DO MENOR.
1. Caso em que se discute a possibilidade de assegurar
benefício de pensão por morte a menor sob guarda judicial,
em face da prevalência do disposto no artigo 33, § 3º, do
Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, sobre norma
previdenciária de natureza específica.
2. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm
seu campo de incidência amparado pelo status de prioridade
absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria
comprometida com as regras protetivas estabelecidas na
Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
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3. A Lei 8.069/90 representa política pública de proteção à
criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento da ordem
constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal
de 1988 dispor que é dever do Estado assegurar com absoluta
prioridade à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
4. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo
que atente contra a dignidade da pessoa humana e,
consequentemente, contra o princípio de proteção integral e
preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados
são a base do Estado Democrático de Direito e devem
orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.
5. Embora a lei complementar estadual previdenciária do
Estado de Mato Grosso seja lei específica da previdência
social, não menos certo é que a criança e adolescente tem
norma específica, o Estatuto da Criança e do Adolescente que
confere ao menor sob guarda a condição de dependente para
todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei
n.º 8.069/90), norma que representa a política de proteção ao
menor, embasada na Constituição Federal que estabelece o
dever do poder público e da sociedade na proteção da criança
e do adolescente (art. 227, caput, e § 3º, inciso II).
6. Havendo plano de proteção alocado em arcabouço
sistêmico constitucional e, comprovada a guarda, deve ser
garantido o benefício para quem dependa economicamente do
instituidor.
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7. Recurso ordinário provido. (STJ - RMS: 36034 MT
2011/0227834-9, Relator: Ministro BENEDITO
GONÇALVES, Data de Julgamento: 26/02/2014, S1 -
PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 15/04/2014)
(grifou-se).
No caso em tela, a separação forçada dos filhos de seus pais acometidos
com hanseníase representou um grande dano aos direitos ora referidos. Os “filhos
separados” tiveram dilacerado o direito fundamental à convivência familiar e
comunitária, deixando, predominantemente, um imenso vazio na vida dessas
crianças e adolescentes, hoje adultos. Não por outra razão, o sentimento de revolta é
evidente e forte junto a maioria dos filhos que foram separados dos pais com
hanseníase.
Conforme já relatado, os filhos e pais eram separados e dificilmente
conseguiam manter ou restabelecer contato, SENDO POLÍTICA REGULAR DOS
HOSPITAIS-COLÔNIA E DOS EDUCANDÁRIOS, PREVENTÓRIOS, ASILOS,
CRECHES E ORFANATOS DIFICULTAR AO MÁXIMO ESSE CONTATO.
Filhos recém-nascidos, em regra, NUNCA CHEGARAM A
CONHECER SEUS PAIS BIOLÓGICOS, visto que a maioria era destinada a
adoções (tráfico de pessoas), chegando vários ao absurdo de nunca terem tido
ciência de que são vítimas da política de segregação em referência.
Mesmo quando adotadas, poucas dessas crianças tiveram a “sorte” de
irem parar em boas famílias, onde podiam conviver com o AMOR. Por outro lado,
crianças adotadas já com alguma idade viravam “empregadas domésticas” das
famílias adotantes, prática ainda recorrente nos lugares mais pobres do Brasil. Em
qualquer uma dessas condições, tais crianças tiveram mitigada a convivência
familiar, o que obviamente afetou os laços afetivos necessários ao seu
desenvolvimento.
Quanto aos filhos separados que eram destinados a educandários, creches
e orfanatos, foram os que mais sofreram com a ausência da convivência familiar.
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Vivendo em um regime prejudicial a qualquer criança, esses foram as que mais
ficaram distantes de conhecer o que é o vínculo familiar. Isso porque, regra geral,
não havia carinho dentro destes estabelecimentos. As crianças eram meros sujeitos
que moravam, estudavam, alimentavam-se e dormiam naqueles lugares, NÃO
HAVENDO A PREOCUPAÇÃO DE GARANTIR O MÍNIMO DE CARINHO,
AMOR, COMPREENSÃO, DENTRE OUTROS SENTIMENTOS
IMPORTANTÍSSIMOS PARA A FORMAÇÃO DE UMA PESSOA.
Outro símbolo da total destruição dos laços familiares ocorreu quando a
política de separação foi extinta e filhos e pais foram postos para reencontrarem-se.
O que poderia ser um momento feliz, de troca de afetos, mostrou-se um momento de
bastante tortura psicológica para ambos os lados: PAIS E FILHOS, OLHANDO UM
PARA OUTRO, CIENTES QUE POR SUAS VEIAS CORREM O MESMO
SANGUE, MAS COMPLETAMENTE DESCONHECIDOS ENTRE SI.
Ora, Meritíssimo, tanto tempo separado destrói qualquer relação
anterior. Dezenas de anos de separação não pode ser solucionados com um
reencontro ou outros anos de convivência. O tempo da infância com os pais, a
convivência harmônica, preenchida pela figura dos pais, jamais poderá ser
recuperada.
Diante do exposto, patente que o direito à convivência familiar foi
sistematicamente violado no caso dos filhos separados pela política de hanseníase.
Como relatado, a não convivência com a família gerou danos irreparáveis, como a
ausência de sentimentos, princípios e valores importantes para a formação de
qualquer indivíduo.
3.1.2. Direito à integridade física, psíquica e moral e à formação do ser humano
O Estado Democrático de Direito brasileiro tem como fundamento
previsto na Carta de 1988 a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III,
CF/88). O termo “pessoa humana” que consta do princípio, não está ali por mero
acaso, este apresenta ao universo jurídico a obrigatoriedade deste princípio ser
aplicado a todas as pessoas, sem qualquer distinção.
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O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos mais amplos e
abrangentes de nosso ordenamento jurídico, pois compreende inúmeros outros
direitos fundamentais, tais como a vida, a liberdade, a igualdade, dentre outros. Da
mesma forma, OS DIREITOS A INTEGRIDADE FÍSICA, PSÍQUICA E MORAL
TAMBÉM SÃO COMPREENDIDO PELO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA.
No caso tem tela, percebe-se pelos relatos apresentados das inúmeras
vítimas da política de internações compulsórias que em quase sua totalidade as
pessoas sofriam abusos nos locais onde deveriam ser protegidas, sendo a maioria das
crianças destinada a educandários, creches ou orfanatos, onde sofriam abusos que
atingiam sua integridade física, psíquica e moral.
Os agentes estatais, que tinham a obrigação de cuidar das crianças
separadas de seus pais eram, não raras vezes, os responsáveis por agredir
fisicamente, ministrar remédios indiscriminadamente, oferecer alimentação
inadequada, molestar sexualmente das crianças, dentre outros abusos.
Ora, nobre Julgador, especialistas já pacificaram o entendimento que é
na fase da infância que o ser humano é moldado em diversos aspectos. Nesse
período é ESSENCIAL que a criança seja assistida das melhores condições
possíveis e existentes para desenvolver-se plenamente. Ocorre que a política de
internação compulsórias, que separou filhos de pais com hanseníase, teve como
consequência a destruição desse momento de formação da pessoa.
Como pode uma criança que sofreu violência física, moral e psíquica,
desvinculando-se da convivência dos pais, ser um adulto plenamente desenvolvido
sem qualquer problema fisiológico ou psicológico? Caso a resposta seja afirmativa,
certamente se estaria diante da exceção a uma triste regra. Isso porque não existe
possibilidade alguma da pessoa viver plenamente sua dignidade sem ter garantido o
direito ao respeitado a sua integridade física, psíquica e moral.
3.2 Da responsabilidade civil do Estado perante os “filhos separados”
3.2.1. Responsabilidade por violações aos Direitos Humanos
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Responsabilidade Civil do Estado, segundo ensinamento do professor
Helly Lopes Meirelles é: “a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o
dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições
ou a pretexto de exercê-las”.6
Prevista constitucionalmente desde a Carta Magna de 1946, o poder
constituinte originário adotou a teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado
na Constituição Federal de 1988 como pode ser visto, em sua literalidade, no artigo
37 §6º:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte:
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa (grifou-se).
Pela Teoria Objetiva da Responsabilidade Civil do Estado, não existe
necessidade de comprovação de culpa do agente estatal para ser caracterizada a
responsabilidade civil. A responsabilidade surge no momento da ocorrência do ato
lesivo. No Recurso Extraordinário Nº 109.615 julgado no Supremo Tribunal
Federal, o voto do relator Ministro Celso de Melo, apresenta mais ensinamentos
sobre a Responsabilidade Civil do Estado:
6 Hely Lopes Meirelres, Direito Administrativo Brasileiro, 36ª Edição. 2010. Malhjeiros Editora. São Paulo.
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A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos
documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política
de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade
civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes
públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa
concepção teórica, que informa o princípio constitucional da
responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir,
da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo
Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou
patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de
culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do
serviço público7 (grifou-se).
No caso em referência, a lesão começou a partir da separação dos
filhos de seus pais com hanseníase, o que consistiu, consoante fartamente já
comprovado, em política pública adotada pelo Estado brasileiro. No momento desta
separação, toda e qualquer relação familiar harmoniosa que poderia se construir foi
rompida pela política de Estado. Tal separação gerou um dano eterno nas famílias
envolvidas, tendo em vista que a separação forçada destruiu laços indelevelmente.
É oportuno prever que a União deverá argumentar que a política de
segregação era legalmente prevista na época, pela Lei nº 610, de 13 de janeiro de
1949. Ocorre, Excelência, que, como sabido, predomina em nosso país um
pensamento doutrinário e jurisprudencial que admite a reparação por danos
provocados por ato legislativos concretos.
Em regra, a Lei em sentindo amplo é geral e abstrata, ou seja, é de
observância de toda a sociedade. Todavia, a lei pode ter seus efeitos concretos, que
atingem pessoas determinadas, estes atos fogem das características da generalidade e
abstração. A Lei nº 610, de 13 de junho de 1949, que instituiu a política de saúde
pública da hanseníase é um exemplo de ato legislativo concreto, porquanto atingiu
7 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=200815
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uma determinada parcela da população, qual seja pessoas com hanseníase e seus
familiares.
Embora advinda de um poder independente da República e mesmo
que esteja de acordo com o texto constitucional, o ato legislativo de efeitos
concretos pode gerar dano injusto a coletividade atingida. A doutrina sempre
utilizou-se do exemplo do dano patrimonial para explicar o instituto da
responsabilidade civil que surge de ato legislativo concreto, todavia, é
completamente cabível utilizar este instituto no caso em tela, que lida
essencialmente com o dano moral.
Maria Sylvia Di Pietro defende a tese aqui apresentada, informando
que: “Em resumo, quando se trata de lei de efeito concreto, a responsabilidade civil
do Estado em nada difere da responsabilidade por atos da Administração Pública”.8
O primeiro dano causado aos “filhos separados” pelo ato normativo e
pelas práticas dele advindas foi, sem espaço para dúvidas, a própria separação. O elo
familiar, tão importante para a formação social de um indivíduo, foi quebrado.
Embora o dano da segregação familiar já fosse enorme por si só, os “filhos
separados” ainda tiveram que conviver com outras lesões durante a separação
forçada, relativas, como visto, a integridade física, moral e psíquica.
Não pode o Estado ficar desobrigado de sua Responsabilidade Civil
com único fundamento de seus agentes estarem cumprindo a lei. FOI O ATO
LEGISLATIVO DE EFEITOS CONCRETOS QUE GEROU UMA LESÃO
GIGANTESCA ÀS PESSOAS ENVOLVIDAS A ESSA POLÍTICA E ORA
ASSISTIDAS PELA DEFENSORIA PÚBLICA. Devendo, portanto, ser
reconhecida a Responsabilidade Civil do Estado no caso em tela.
Por outro lado, quanto à produção do dano, inconteste que o Estado
brasileiro, através do Poder Executivo federal, já reconheceu a autoria e a
materialidade dos atos de lesão aqui tratados.
Consoante já referido, o Executivo editou a Medida Provisória nº 373,
de 24 de maio de 2007, posteriormente convertida na Lei nº 11.520/2007 (Anexo 3,
8 Maria Sylvia Di Pietro, Direito Administrativo, 23ª Edição, São Paulo, Editora Atlas S.A, 2010
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já referido), que concedeu, como forma de indenização, pensão especial às pessoas
atingidas pela hanseníase que foram submetidas a isolamento e internação
compulsórios.
Na exposição de motivos do projeto de medida provisória, diferentes
Ministros de Estado reconhecem a sistemática lesão a direito produzido pelo Estado
brasileiro a pessoas internadas compulsoriamente em decorrência das políticas
voltadas à hanseníase (Anexo 4, já referido). Igualmente, temos como atingidos os
filhos desses brasileiros e brasileiras, coletividade protegida pela presente ação
coletiva.
3.2.2 Da necessidade e das formas de compensação dos danos causados pelo
Estado
Exposto a fundamentação que confirma a existência de
Responsabilidade do Estado em reparar, visualiza-se a existência de três funções no
instituto da reparação civil: (1) compensatória do dano à vítima; (2) punitiva do
ofensor; e (3) a desmotivação social da conduta lesiva.
A primeira função apontada refere-se ao objetivo precípuo da
reparação civil: retornar as coisas ao status quo ante. A função de punição do
ofensor, apesar de não ser a função básica da reparação civil, tem a utilidade de
provocar no ofensor o cuidado de não mais praticar novamente o ato danoso. Por
fim, a terceira função, de caráter sócio-educativo, tem como finalidade fazer da
reparação civil um exemplo para a sociedade, a qual passa, em tese, a entender que
praticar aquele determinado ato ilícito gera uma sanção.
Embora a reparação econômica seja a mais utilizada nas ações que
visam reconhecer a Responsabilidade Civil de alguém, como visto, ela não será
objeto de nenhum pedido da presente ação. Entende-se que o principal direito
violado na política que separou filhos de pais com hanseníase foi o da convivência
familiar e comunitária. A reparação econômica, a qual está devidamente sendo
debatida nos poderes Legislativo e Executivo, não seria capaz de cumprir a primeira
função da reparação civil, que seria retornar as coisas ao status quo ante.
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No presente caso, o mecanismo viável para compensação às lesões
citadas de forma razoável e completamente possível é a criação de uma SISTEMA
NACIONAL DE FILHOS SEPARADOS COMPULSORIAMENTE DE PAIS
ATINGIDOS PELA HANSENÍASE.
O Sistema Nacional aqui proposto será o pontapé inicial para que elos
perdidos sejam encontrados, que um filho possa encontrar uma mãe, que irmãos
possam finalmente se reencontrar, que avós conheçam netos, dentre outras inúmeras
possibilidades.
Em verdade, o Sistema proposto não seria o pioneiro, nosso país
vizinho, a Argentina, criou um Banco Genética, através da Ley Nacional Nº 23.511
(Anexo 13 – Ley Nacional Nº 23.511)9, com a finalidade de que netos afastados da
família por causa da Ditadura Militar tenham novamente contato com seus
familiares genéticos.
O Banco argentino surgiu após muita luta e reivindicações das
chamadas Avós da Praça de Maio, uma associação civil não-governamental, que tem
por objetivo “localizar e retornar a suas famílias legítimas todas as crianças
desaparecidas, sequestradas pela repressão política, e criar condições para que nunca
mais se repeta tal terrível violação dos direitos das crianças, exigindo punição aos
responsáveis.”10 O Banco Genético das Avós da Praça de Maio é referência mundial
em estudo genético e propiciou centenas de felizes reencontros familiares.
Por outro lado, é preciso haver razoabilidade na criação deste Sistema
Nacional de Filhos Separados Compulsoriamente de Pais Atingidos pela
Hanseníase, o qual deve inicialmente ser subsidiado com documentos – certidões,
prontuários, declarações, dentre outros – das creches, orfanatos, educandários e
preventórios correlatos à política de segregação aqui tratada.
Por fim, de forma similar o Banco Genético argentino, com a
finalidade de garantir no futuro a validade dos exames de sangue produzidos, o
Sistema Nacional de Filhos Separados Compulsoriamente de Pais Atingidos pela
9 http://archivohistorico.educ.ar/sites/default/files/IX_10.pdf 10 http://www.abuelas.org.ar/portugues/historia.htm
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Hanseníase deve conter os mapas genéticos de todas as famílias que tenho perdido
laço com seus parentes, podendo haver cadastro genético de filhos, pais, avós, netos,
tios. Devendo estar registrado no Sistema Nacional e sendo objeto de pesquisa:
A) Grupo Sanguíneo e RH;
B) Histocompatibilidade (HLA A, B, C, DR);
C) Pesquisa de Isoenzimas eritrócitos;
D) Investigação de proteínas plasmáticas.
Por outro lado, premente o desenvolvimento de uma política de
preservação de toda e qualquer instituição e acervo relacionados à separação forçada
entre pais e filhos. Isso porque a não preservação dos educandários, creches e
orfanatos, como também a não preservação de seu acervo documental, pode
acarretar esquecimento de política tão nefasta, ensejadora, quem sabe, da repetição
de práticas tão abomináveis quanto a aqui tratada.
Portanto, para efetivo cumprimento da terceira função da reparação
civil, os educandários, creches, orfanatos, preventórios ou qualquer instituição
análoga, utilizadas como destinação para os filhos separados de pais com
hanseníase, devem ser PRESERVADOS, assim como deve existir a
LOCALIZAÇÃO E A RESTAURAÇÃO DO ACERVO DOCUMENTAL destas
instituições. A preservação física dos prédios e a preservação documental serão de
grande importância para que o povo brasileiro tome conhecimento das práticas de
segregação tratadas nesta ação coletiva.
3.3 Do pedido de antecipação dos efeitos da tutela
O art. 2º da Lei nº 7.347/85 estabelece a possibilidade de concessão de
mandado liminar para evitar dano irreparável ou de difícil reparação ao direito em
conflito, decorrente da natural morosidade na solução da lide.
O referido dispositivo tem natureza tanto cautelar, protetiva da
eficácia do provimento jurisdicional final, quanto de antecipação da tutela
pretendida, de acordo com os contornos traçados pela novel redação do art. 273 do
CPC.
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Com efeito, a Lei n° 8.952/94, alterando a redação do art. 273 do
CPC, abriu ao julgador a possibilidade de antecipar, total ou parcialmente, os efeitos
da tutela jurisdicional definitiva, a requerimento da parte autora, desde que
preenchidos os requisitos que o referido dispositivo legal estabelece.
Razões de extrema urgência na realização do direito violado ou
ameaçado de lesão, a par de um conjunto probatório pré-constituído e da
verossimilhança das alegações do autor, autorizam o julgador a antecipar
provisoriamente os efeitos da tutela jurisdicional definitiva. Nesses casos, a
realização do direito não pode aguardar a longa demora da sentença final.
Quanto aos primeiros requisitos, prova inequívoca e verossimilhança
das alegações, ressalte-se que a argumentação desenvolvida da inicial tem suporte
documental.
Ademais, quanto à fumaça do bom direito, o próprio Executivo já
reconheceu sua existência. Isso porque editou a Medida Provisória nº 373, de 24 de
maio de 2007, posteriormente convertida na Lei nº 11.520/2007, que concedeu,
como forma de indenização, pensão especial às pessoas atingidas pela hanseníase
que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios.
Nunca é demais lembrar que na exposição de motivos do projeto de
medida provisória diferentes Ministros de Estado reconhecem a sistemática lesão a
direito produzido pelo Estado brasileiro a pessoas internadas compulsoriamente em
decorrência das políticas voltadas à hanseníase.
Quanto ao perigo da demora, no caso em análise, patente é o receio de
dano irreparável ou de difícil reparação ao direito que se busca tutelar, eis que os
inúmeros filhos separados pela política de segregação da hanseníase já SOFREM
DIARIAMENTE COM O DANO DA SEPARAÇÃO FORÇADA DE SEUS
FAMILIARES, sendo de extrema importância que esses laços sejam reatados o mais
rápido possível.
Em verdade, os danos da política que surgiu na década de 1920 para
muitos é irreparável, alguns já constituíram família, já falecerem, dentre outros.
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Porém, o imediato provimento jurisdicional ajudará reatar relações quebradas ainda
possíveis, tendo em vista que a política durou ate a década de 1980.
A única forma de conseguir reatar laços separados e destruídos pela
desastrosa política é a criação de um Sistema Nacional de Filhos Separados
Compulsoriamente de Pais Atingidos pela Hanseníase, sendo que sua construção
seria feita por etapas, para que pessoas possam ter mais chance de encontrar
familiares nunca localizados, nos termos aqui já delineados.
Destarte, requisita-se a Vossa Excelência que sejam antecipados os
efeitos da tutela jurisdicional, a fim de determinar que a União Federal crie um
Sistema Nacional de Filhos Separados Compulsoriamente de Pais Atingidos pela
Hanseníase (nome meramente sugestivo), que de início seja sustentado pelo acervo
documental dos estabelecimentos envolvidos na política de separação dos filhos de
pais com hanseníase, depois sendo levantado e cruzado o material genético descrito
anteriormente.
Ainda em sede de antecipação de tutela, pleiteia-se, igualmente, que a
União seja obrigada a preservar a estrutura física e o acervo documental dos
estabelecimentos envolvidos na polícia de internações compulsórias. E, por fim, que
estas medidas sejam amplamente divulgadas para que o todos os interessados tomem
ciência do Sistema e possam fazer o registro de documentos em sua posse e coletar o
referido material genético.
4. DOS PEDIDOS:
Diante de todo o exposto, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO,
pelas razões fáticas e jurídicas desenvolvidas nesta peça inicial, requer de Vossa
Excelência:
4.1 Pedidos preliminares:
a) a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, nos termos da Lei
nº. 1.060/50, e a observância das prerrogativas dos defensores
públicos federais, previstas na Lei Complementar nº. 80/94 e
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demais diplomas legais, especialmente no que tange à contagem
em dobro dos prazos processuais e à intimação pessoal, inclusive
com carga dos autos, de todos os atos do processo (LC 80/94,
artigo 44, X);
b) seja dada prioridade na tramitação desta ação coletiva, em
cumprimento ao Artigo 71, da Lei Nº 10.741/2003 (Estatuto do
Idoso);
c) seja reconhecida a abrangência nacional dos efeitos dos atos
decisórios proferidos nesta ação, compreendendo a extensão de
todo o território brasileiro;
d) o reconhecimento da imprescritibilidade dos diretos ventilados
nesta demanda, dado seu caráter essencial na proteção a violações
a direitos humanos;
e) a citação da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de Direito
Público, representada para este fim pela Advocacia-Geral da
União no Maranhão, a ser citada na pessoa de um de seus
Advogados, com sede na Rua Osvaldo Cruz, 1618, Centro, São
Luís, Maranhão;
f) a notificação do Ministério Público Federal para acompanhar o
presente feito, como fiscal da lei, conforme artigo 5º, parágrafo 1º
da Lei nº 7.347/1985;
4.2 Pedidos de antecipação de tutela:
g) a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, inaudita altera
pars, pelos fundamentos jurídicos acima expostos, com a
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expedição de ordem à Ré para que, nos prazos abaixo sugeridos ou
em outros reputados mais adequados por Vossa Excelência,
planeje e implemente todas as medidas necessárias à imediata
promoção de políticas voltadas ao regate e à preservação da
memória e dos laços familiares entre pais e filhos rompidos ou
mitigados pelas práticas de isolamento e internação compulsórios
de pessoas atingidas pela hanseníase no Brasil, sendo estipulada
multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), ou
outro valor que Vossa Excelência entenda mais adequado, por
descumprimento dos prazos estabelecidos pela decisão que
antecipar os efeitos da tutela, contado do término dos prazos
concedidos, a ser depositada em conta bancária aberta por este
MM. Juízo (art. 13, parágrafo único, da LACP). Para tal, em
específico, requer-se:
g.1) seja a União Federal obrigada, em até 180 (cento e oitenta
dias), ou em outro prazo reputado mais adequado por este juízo, a
planejar, estruturar e implementar política voltada à identificação,
à catalogação, à restauração e à manutenção de acervos
documentais de educandários, creches, orfanatos, asilos,
preventórios, hospitais ou outros estabelecimentos similares, de
natureza pública ou particular, destinados à recepção e
manutenção de crianças separadas compulsoriamente de seus pais
em razão da política de isolamento e internação forçada de pessoas
atingidas pela hanseníase, inclusive mediante a produção de
catálogos eletrônicos que possibilitem a utilização de informações
do acervo para o desenvolvimento de políticas públicas de atenção
aos “filhos separados”, bem como, dentro dos parâmetros de
respeito à privacidade, ao nome e à imagem, disponibilizados a
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pessoas físicas e jurídicas comprovadamente interessadas na
matéria;
g.2) seja a União Federal obrigada, em até 180 (cento e oitenta
dias), ou em outro prazo reputado mais adequado por este juízo, a
planejar, estruturar e implementar política sanitária voltada
especificamente aos filhos separados compulsoriamente de seus
pais em razão da política de isolamento e internação forçada de
pessoas atingidas pela hanseníase, priorizando a atenção à saúde
física e mental dessas pessoas, de forma a minorar as
consequências do rompimento de vínculos familiares aqui
referido;
g.3) seja a União Federal obrigada a, em até 1 (um) ano, ou em
outro prazo reputado mais adequado por este juízo, planejar,
estruturar e implementar política voltada à identificação e à
manutenção de educandários, creches, orfanatos, asilos,
preventórios, hospitais ou outros estabelecimentos similares, de
natureza pública ou particular, destinados à recepção e
manutenção de crianças separadas compulsoriamente de seus pais
em razão da política de isolamento e internação forçada de pessoas
atingidas pela hanseníase, em especial desenvolvendo políticas de
preservação e revitalização da estrutura física desses locais, bem
como que se abstenha de construir, demolir ou fazer grande obra
que altere a estrutura física desses estabelecimentos, quando
constituintes de seu patrimônio ou quando possuir legítimo poder
de política sobre eles;
g.4) seja a União Federal obrigada a, em até 1 (um) ano, ou em
outro prazo reputado mais adequado por este juízo, planejar,
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estruturar e implementar um Sistema Nacional de Filhos
Separados Compulsoriamente de Pais Atingidos pela Hanseníase
(nome meramente sugestivo), tendo como principal finalidade
reunir acervo documental, material genético e relatos escritos ou
orais relacionados a pessoas separadas compulsoriamente de seus
pais em razão da política de isolamento e internação forçada de
atingidos pela hanseníase no Brasil, e a promover a ampla
divulgação/publicidade dessa política e do acervo que dela derive,
possibilitando, inclusive, que sejam cruzados dados de pessoas
separadas forçadamente de seus pais pela política em referência e
de seus familiares (pais, avós, filhos, netos, irmãos, tios e
sobrinhos), visando, sobretudo, resgatar a memória dessas vítimas
e reatar laços familiares rompidos ou mitigados, devendo haver,
para tal, inclusive a produção de Banco Genético que inclua o
estudo sobre os Grupo Sanguíneo e RH, Histocompatibilidade
(HLA A, B, C, DR), Pesquisa de Isoenzimas eritrócitos e
Investigação de proteínas plasmáticas;
g.5) seja, ainda em sede de antecipação de tutela, a União Federal
obrigada a dar a mais ampla divulgação da decisão que antecipou
os efeitos da tutela e das políticas de Estado nela cominadas,
através das mídias existentes, como televisão, rádio, internet,
diários impressos, dentre outros, inclusive disponibilizando aos
interessados, com destaque aos “filhos separados” e a seus
familiares, a possibilidade de apresentar documentos e
informações que tenham em seu poder, com a finalidade de
enriquecer ainda mais o acervo documental do Sistema criado;
h) caso Vossa Excelência entenda não ser possível o deferimento da
antecipação da tutela jurisdicional da forma pretendida, tendo em
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conta a fungibilidade prevista no artigo 273, §7º, do Código de
Processo Civil, bem como o poder geral de cautela, positivado no
artigo 798, do Código de Processo Civil, que determine outras
medidas provisórias que julgue adequadas para assegurar que a
demanda não cause ainda mais danos aos filhos separados de seus
pais pela política de isolamentos e internações compulsórios de
pessoas atingidas pela hanseníase;
4.3 Pedidos principais:
i) que seja, ao final, confirmada a tutela antecipatória, com o
reconhecimento da lesão aos filhos separados de seus pais pela
política de isolamento e internação compulsórios de pessoas
atingidas pela hanseníase no Brasil, condenando-se a União
Federal, de forma definitiva, ao cumprimento das diferentes
medidas arroladas nos itens anteriores (“g” e “h”), assegurando-se
que a Ré planeje e implemente todas as medidas necessárias à
imediata promoção de políticas voltadas ao regate e à preservação
da memória e dos laços familiares entre pais e filhos rompidos ou
mitigados pelas práticas de isolamento e internação aqui referidas,
cominando ainda multa diária, para a hipótese de descumprimento
total ou parcial do provimento, no valor de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais) ou outro reputado mais adequado por Vossa
Excelência, contado do término do prazo concedido, a ser
depositada em conta bancária aberta por este MM. Juízo (art. 13,
parágrafo único, da LACP)
j) por fim, a condenação da Requerida ao pagamento das custas
judiciais e honorários advocatícios, a serem revertido em favor da
Defensoria Pública da União, na forma da lei.
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Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito
admitidos.
Dá-se à causa o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Termos em que aguarda deferimento.
São Luís/MA, 1º de junho de 2015.
YURI COSTA
Defensor Público Federal
Ivaldo da Cruz Lima Júnior Estagiário de Direito DPU-MA