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L UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA - UVA LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA I PROF.ª CRISTINA PRATES Angola 2013-2

Angola - 20132 - P1

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    UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA - UVA

    LITERATURAS AFRICANAS DE LNGUA PORTUGUESA I

    PROF. CRISTINA PRATES

    Angola

    2013-2

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    Angola

    1482 Construo da primeira fortaleza pelos portugueses nas costas de Angola.

    1571 Paulo Dias de Novais nomeado primeiro capito-donatrio de Angola.

    1576 criada a cidade de Luanda (S. Paulo de Assumpo de Luanda).

    1600 Aparecimento de pequenos estados entre os Ovimbundos.

    1617 Fundao de Benguela.

    1648 Salvador Correia de S e Benevides expulsam os holandeses de Luanda (ocupada por estes desde 1642). 1836 Abolio do trfico de escravos no Atlntico.

    1849 Chegada a Moamedes de colonos portugueses expulsos do Brasil (Pernambuco). 1854 Abolio parcial da escravatura.

    1874 Num panfleto distribudo em Angola apela-se Independncia.

    1875 Publicao do Cdigo de Trabalho Indgena. 1878 Fim da escravatura. 1917 Inicio da Explorao dos Diamantes.

    1921 O Governador de Angola Norton de Matos dissolve a Liga Angola e o Grmio Africano.

    1929 Fundao em Luanda da Liga Nacional Africana e da Associao dos Naturais de Angola (Anangola). 1953 Fundao do PLUA-Partido da Luta dos Africanos de Angola.

    1954 Fundao, em Leopoldeville (Kinshasa) da UPNA-Unio das Populaes do Norte de Angola, sob a presidncia de Roberto Holden. Em 1958 a UPNA passa a chamar-se UPA-Unio das Populaes de Angola.

    1956 7 a 17 de Maro. Movimentos de greve dos trabalhadores contratados do norte de Angola.

    Segundo a cronologia oficial, a 10 de Fevereiro. Fundao do MPLA- Movimento Popular de Libertao de Angola, sob a presidncia de Agostinho Neto, por fuso do PLUA e do MIA - Movimento pela Independncia de Angola.

    1959 Prises em massa em Luanda (Maro e Julho). 1960 Priso de Agostinho Neto e do Pe. Joaquim Pinto de Andrade.

    1961 6 de Janeiro. Massacre de agricultores de algodo, na Baixa do Cassangue.

    4 de Fevereiro. Inicio da Guerra de Libertao. Ataque s prises de Luanda.

    1962 27 de Maro. A UPA e o PDA fundam a FNLA-Frente

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    Nacional de Libertao de Angola.

    Agostinho Neto evade-se de Lisboa onde estava em priso domiciliria.

    1965 O MPLA obtm da Zmbia e da Tanznia importantes apoios para a guerra de libertao no leste de Angola. 1968 Inicio da Extrao do petrleo em Cabinda. 1974-5 xodo de 300 mil portugueses. 1975 11 de novembro - Independncia de Angola. Guerra Civil entre o MPLA, UNITA e FNLA. 1977 Intentona de Nito Alves no MPLA. 1979 Jos Eduardo dos Santos nomeado Presidente da Repblica. 1991 Paz. 1992 Vitria do MPLA nas Eleies. Reinicio da Guerra. 1994 Acordo de Paz em Lusaca. Reinicio da Guerra. 2002 Morre Jonas Savimbi, dirigente da Unita. Acordo de Paz entre a Unita e o Governo de Angola.

    Resumo:

    1956. Fundao do MPLA- Movimento Popular de Libertao de Angola, sob a presidncia de Agostinho Neto. 1960. Priso de Agostinho Neto e do Pe. Joaquim Pinto de Andrade. 1961. . Inicio da Guerra de Libertao. Ataque s prises de Luanda. 1962. FNLA-Frente Nacional de Libertao de Angola. Agostinho Neto foge de Lisboa. 1975. 11 de novembro - Independncia de Angola/ Guerra Civil entre o MPLA, UNITA e FNLA. 1979. Jos Eduardo dos Santos nomeado Presidente da Repblica. 1992. Vitria do MPLA nas Eleies/ Reincio da Guerra. 2002. Acordo de Paz entre a e UNITA o Governo de Angola.

    Indicadores

    Capital: Luanda Localizao: Costa ocidental de frica, a sul do equador com 1650 km de costa martima e 4837 km de fronteiras terrestres. Tem fronteiras com as Repblicas Popular do Congo, do Zaire e da Zmbia e com a Nambia. Clima: equatorial e tropical 1.246.700 km2: superfcie Populao: 18 milhes (em 2011), bantu (maioria), cuissi, bosqumanes, etc.

    Lngua: Portugus (lngua oficial). Outras lnguas: umbundu, kimbundu, kikongo, tchokwe kwanyama e mbunda Moeda: kwanza Taxa de Natalidade: 42/1000 habitantes (2011)

    Taxa de alfabetizao: 67% (2011) Religio: catlicos e protestantes: 68%; religies tribais: 30%; mulumanos: 2% (2011). Recursos naturais: Petrleo, diamantes, mina de ferro, fosfato, cobre, feldspato, ouro, bauxita e urnio, zinco, chumbo, volfrmio, mangans, estanho, madeiras preciosas (pau-preto, bano, sndalo, pau-raro e pau-ferro).

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    Textos crticos

    Texto I: Literaturas africanas de lngua portuguesa: Aspectos gerais 1

    Portugueses na frica: foram os primeiros europeus a se situarem em frica (1415, Ceuta, em Marrocos), estabelecendo, no territrio africano, devido presena de comerciantes, marinheiros etc., o chamado pidgin, de base portuguesa, idioma usado para relaes, sobretudo comerciais. Esse idioma evolui, no caso dos PALOP (Angola, Moambique, Guin-Bissau, Cabo Verde e So Tom e Prncipe.), para o crioulo, especialmente nos pases em que o comrcio era muito valorizado. O pidgin e o crioulo conviviam com as outras lnguas de origem autctone, num imenso mosaico lingustico, um dos fatores responsvel pela desunio dos africanos durante muito tempo, pois, por no se compreenderem mutuamente, foram mais facilmente absorvidos pelo processo de aniquilao cultural desenvolvido pela metrpole.

    1926: Antnio Salazar, primeiro ministro ditatorial portugus, estabeleceu uma lei que diferenciava os africanos em civilizados e brbaros, sendo que, para serem considerados civilizados, teriam de saber falar (e, numa perspectiva idealista, ler e escrever) o portugus, o que, paradoxalmente, serviu como motor de unificao, em pases marcados pela diversidade lingustica.

    Literaturas africanas: Processo de conscientizao que se iniciou nos anos 40 e 50 do sculo XIX, relacionado com o grau de desenvolvimento cultural nas ex-colnias e com o surgimento de um jornalismo por vezes ativo e polmico.

    Esquema cronolgico sugerido pelo Professor Manuel Ferreira2, sobretudo para a poesia africana: "os momentos/etapas do produtor do texto".

    Primeiro momento: o escritor est em estado quase absoluto de alienao, inteiramente absorvido pela cultura colonizadora, reproduzindo seus ideais. Os seus textos poderiam ter sido produzidos em qualquer outra parte do mundo: o menosprezo e a alienao cultural.

    Segundo momento: corresponde fase em que o escritor ganha a percepo da realidade, apontando distines geogrficas, sociais etc. em relao metrpole. O seu discurso revela influncia do meio, bem como os primeiros sinais de sentimento nacional: a dor de ser negro; o negrismo e o indigenismo.

    1 Esse texto foi adaptado do ensaio Panoramas das literaturas africanas de lngua, de Maria Nazareth

    Soares Fonseca e Terezinha Taborda Moreira. Disponvel no site: http://www.ich.pucminas.br/posletras/Nazareth_panorama.pdf

    2 FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expresso portuguesa. Lisboa: Biblioteca Breve;

    Instituto de Cultura e Lngua Portuguesa, 1986. 2 v. Manuel Ferreira, portugus, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: inaugurou, em 1974, o estudo das literaturas africanas de expresso portuguesa nas universidades lusas.

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    Terceiro momento: aquele em que o escritor adquire a conscincia nacional de colonizado. Liberta-se, promovendo um pensamento dialtico entre razes profundas e coibio de sujeio colonial. A prtica literria enraza-se no meio scio-cultural e geogrfico: a desalienao e o discurso da revolta.

    Quarto momento: corresponde fase histrica da independncia nacional, quando se d a reconstituio da individualidade plena do escritor africano: a fase da produo do texto em liberdade, da criatividade e do aparecimento de outros temas, como o do mestio, o da identificao com frica, o do orgulho conquistado.

    Quinto momento: (Embora Manuel Ferreira no fale dele): marcado, pela despreocupao em valorizar-se excessivamente a africanidade: as fragilidades humanas, as vulnerabilidades que so, agora, enfatizadas.

    Esquema cronolgico sugerido por Patrick Chabal, que destaca a valorizao da oralidade para o escritor africano

    Primeira fase: a assimilao > modelo de escrita sob influncia europeia

    Segunda fase: a resistncia > o escritor como construtor, arauto e defensor da cultura africana. Fase do rompimento com os moldes europeus. Conscientizao da africanidade, sob a influncia da negritude de Aim Csaire, Lon Damas e Lopold Senghor; a negritude lusfona.

    Terceira fase: posterior independncia > afirmao do escritor africano que se preocupa em "definir a sua posio nas sociedades ps-coloniais em que vive".

    Quarta fase: atualidade > fase da consolidao: novas coordenadas nacionais e busca de insero no cenrio literrio universal.

    Viso de conjunto das literaturas africanas de lngua portuguesa: fases da produo do texto e os momentos de ruptura com os cdigos estabelecidos > Surgimento de movimentos literrios significativos ou de obras importantes para o desenvolvimento das literaturas.

    Movimentos de ruptura

    em Cabo Verde, a publicao da revista Claridade (1936-1960); em So Tom e Prncipe, a publicao do livro de poemas Ilha de nome santo (1942), de Francisco Jos Tenreiro; em Angola, o movimento Vamos descobrir Angola (1948) e a publicao da revista Mensagem (1951-1952) em Moambique, a publicao da revista Msaho (1952); na Guin-Bissau, a publicao da antologia Mantenhas para quem luta! (1977), pelo Conselho Nacional de Cultura.

    Temticas recorrentes das literaturas africanas: 1. As dificuldades do sujeito potico de se encontrar com seu universo africano. 2. A busca da identidade cultural e a tomada progressiva de uma conscincia nacional.

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    3. A constatao de que sempre possvel detectar, nos autores, o momento potico da luta, que se configura num discurso de resistncia e de reivindicao por mudanas. 4. As mudanas que encaminham para um processo de releitura constante que liga o presente e o passado na construo de uma frica que se renova continuamente.

    Texto II: TRS LITERATURAS DISTINTAS, Maria Aparecida Santilli3

    Velhos tempos: literatura tradicional

    Quando se quer pegar o fio da prosa de fico angolana, cabo-verdiana ou moambicana, onde que se vai buscar as pontas do seu princpio? As naes de Angola, Cabo Verde e Moambique eram originariamente grafas, no tinham escrita, embora houvessem cultivado uma literatura oral. Como revelariam pesquisadores dessa literatura, ela foi praticada em diversas modalidades. Basta lembrar que Hli Chatelain, missionrio suo que chegou a Angola em 1885 e que se dedicou a recolher e estudar a literatura oral de outros povos africanos, chegou a definir seis categorias nas quais a literatura oral angolana se apresentava. Props Chatelain que a primeira seria a das estrias de fico, denominadas mi-soso em quimbundo, estrias que pendem para o maravilhoso, o fantstico, o excepcional. As fbulas a tambm caberiam. A segunda classe seria a das estrias verdadeiras ou tidas como tal. Chamadas maka, tanto eram de finalidade til, para instruir e prevenir, como tambm ldica, para lazer ou prazer. Outra classe seria a das ma-lunda (ou mi-sendu), nas quais os feitos da nao ou tribo eram transmitidos entre velhos e ancios, de uma gerao a outra, na forma de um segredo de Estado, s em partes revelado fora desse estrito crculo de competncia e autoridade. Os provrbios, que frequentemente so a sntese de uma estria, comporiam a quarta classe. Conhecidos como ji-sabu em quimbundo, representam a filosofia da nao ou tribo, no que toca a seus costumes e tradies. Mas h, ainda, a quinta e sexta classes: a da poesia e msica, que aparecem juntas, em canes chamadas mi-embu, com vrios estilos, desde o pico at o dramtico; e a das adivinhas, ji-nongongo, que tanto se destinavam a entreter quanto a incitar a inteligncia e a memria. Enquanto Chatelain publica, em 1894, cinquenta contos populares de Angola, o angolano Oscar Ribas edita, entre 1961 e 1964, trs volumes, respectivamente: 26 contos, mais quinhentos provrbios; a psicologia dos nomes, comidas, bebidas, desdns, passatempos; finalmente, adivinhas, canes, splicas, prantos por morte e instantneos da vida africana. Esses dados so indcio do rico patrimnio oral que ainda falta recuperar, trazendo outros elementos para sua devida avaliao. Quanto a essa questo em Cabo Verde, Manuel Ferreira, incansvel colecionador, historiador e ensasta no campo das literaturas africanas de lngua portuguesa, referiu-se sua quantidade e variedade, em contraposio "magra" coleta que desse patrimnio se tem feito, citando a de Elsie Clews Parsons, reunida em dois volumes.

    3 SANTILLI, Maria Aparecida. Estrias africanas. So Paulo: tica, 1998.

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    Publicada pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1923, a coleo da investigadora norte-americana rene 133 contos, em duas verses, crioulo e ingls. Os contos foram recolhidos de imigrantes do arquiplago de Cabo Verde, nos Estados Unidos, em 1916-1917. A colecionadora observou que a maior parte dos contos tem origem europia e muito provavelmente narrados como em Portugal; outros, ainda que de provenincia europeia, aclimataram-se ao contexto islenho ou africano; finalmente, h os que so inteiramente africanos. Alm dos contos, Parsons juntou uma srie de provrbios, ditados e adivinhas. Ferreira faz ainda meno s dezenas de contos da Guin, recolhidos em portugus, dando relevo contribuio do guineense Marcelino Marques de Barros para esse fim. Da literatura oral moambicana nos d conta Orlando Mendes, no sem antes lembrar que as recolhas estiveram a cargo de estrangeiros que nem sempre a haveriam compreendido no tocante "verdade histrica de que a tradio era veculo e as realizaes dramticas do povo". Orlando Mendes considera a literatura africana em suas mltiplas manifestaes, desde histrias de acontecimentos, que interpretariam conjunturas especficas ou genricas, at lendas e fbulas, que testemunham as experincias ancestrais do conhecimento feito da prtica vivida, do domnio imperfeito da Natureza com que se estava em permanente luta e das relaes mutveis dos homens com a Natureza e entre si". Com isso, Mendes assinala o carter evolutivo dessa literatura, em oposio ao conceito equivocado de que ela se repetia e firmava-se sobre formas cristalizadas. O Escritor refere-se, ainda, a uma linha da oralidade constituda de contos, fbulas e lendas, povoados de animais das florestas, dos elementos da Natureza, dos "espritos e smbolos do sobrenatural, da sociedade, dos antepassados, das transformaes vividas e transmitidas". Dessa forma, a literatura oral, por si, demoliria o pensamento hoje descartado de que as sociedades africanas seriam estticas, no passveis de evoluo. No elenco da literatura oral, Orlando Mendes inclui tambm os provrbios e as adivinhas, a cujas finalidades prprias acrescenta as caractersticas que tinham em comum: um repositrio da "filosofia de experincias acumuladas e dialticas do quotidiano". Em quaisquer modalidades, sua importncia no prazer e no convvio no excluiria a de suas funes que, antes exercidas sobre a sociedade e estrutura de poder feudais, deslocaram-se para as correspondentes do sistema de ocupao colonial. Se j no existia uma escrita entre esses africanos, o colonizador portugus tambm no fez por dar-lhes logo o cdigo grafado de sua lngua, da lngua que lhes levava de emprstimo. A histria da colonizao portuguesa revela que do sculo XVI ao sculo XIX uma frao insignificante da populao negra chegara a ler e a escrever. E as estatsticas de Angola, Guin-Bissau, Moambique, So Tome e Prncipe mostravam 95% de analfabetos entre a populao nacional ao tempo da guerra de libertao que h poucos anos lhes deu autonomia poltica. A produo literria restringiu-se, ento, literatura de viagens. Eram os prprios portugueses que, no s na historiografia, nas crnicas, como na poesia, nos depoimentos cientficos e religiosos davam seu testemunho ou impresses sobre a frica "brbara", extica, a que os levara a expanso ultramarina. Entre outros escritores da expanso, citam-se: Gomes Eanes de Zurara, Joo de Barros, Diogo do Couto, Ferno Mendes Pinto, Damio de Gis, Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira.

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    Mas os ecos das descobertas alcanam tambm a poesia do Cancioneiro e chegam at a de Cames, com passagem pelo teatro de Gil Vicente.

    Outros tempos: literatura colonial

    O desenvolvimento cultural no interior das colnias africanas demorou a receber os influxos de fora. Basta lembrar que os portugueses iniciaram a rota da frica no sculo XV, mas, apesar de medidas isoladas anteriores por parte da Metrpole, na rea do ensino, s a partir do sculo XIX que sua influncia se fez sentir ponderavelmente. Quanto a Cabo Verde, o mesmo Manuel Ferreira repassa a informao segundo a qual, entre 1853 e 1892, fundaram-se na Praia desde 1858 treze associaes recreativas e culturais, como a Sociedade de Gabinete de Literatura (1860) e a Associao Literria Grmio Cabo-verdiano (1880). Assinala, ainda, que, por essa altura, se cria a imprensa de Angola e Moambique e que a se d um notvel surto de jornalismo. Aparecem os primeiros peridicos, como A Aurora (1856), A Civilizao da frica Portuguesa (1866), O Eco de Angola (1881), O Futuro de Angola (1882), O Farol do Povo (1883), O Sero (1886), A Civilizao da frica Portuguesa (1886), O Arauto Africano (1889), Ensaios Literrios (1891), Luz e Crena (1902-1903). Colaborou para O Farol do Povo e O Arauto Africano Joaquim Dias Cordeiro, que j ento exortava os filhos do pas a desenvolverem a literatura nascente. Muitos jornais surgem e, embora a maior parte tivesse curta durao, at o final do sculo j se enumeravam 46 deles, os quais contaram com a participao de europeus e de africanos. A dois jornalistas da poca cabe especial meno: Pedro Flix Machado e Alfredo Troni, porque cultivaram tambm a prosa de fico. Pedro Machado escreveu um romance, Scenas d'frica, cuja primeira edio deu-se em folhetim na Gazeta de Portugal, sendo reeditado em 1882. Alfredo Troni, que nasceu em Coimbra, mas passou a maior parte da sua vida em Luanda, onde morreu em 1904, fundou e dirigiu o Jornal de Luanda (1878), Mukuarimi (1888?) e Os Conselhos de Leste (1891). Troni, que fora contemporneo de Ea de Queirs na Universidade de Coimbra, alm de advogado e personagem poltica de pouco agrado do governo, em Luanda, foi deputado eleito para representar Angola junto s cortes portuguesas. Marcou presena na literatura como precursor da prosa moderna em Angola, com a noveleta Nga Muturi (Senhora viva). Publicada em folhetins na imprensa de Lisboa em 1882, s reaparece em 1973, ou seja, quase um sculo depois, edio que veio, ento, possibilitar o acesso do grande pblico leitor de hoje. A noveleta de Troni faz a estria de uma menina, negra fula, que, de escrava (buxila) e concubina de comerciante branco, passa condio Nga Muturi, com a morte deste. Depois dos primeiros acontecimentos, numas terras muito longe, onde se localiza seu povo, os demais iro ocorrer na cidade de Luanda, para a qual trazida. Como num rito de passagem, ela se despede de seus hbitos clnicos, desfazendo-se do penteado e das vestes de sua longa viagem de entrega. E, assim, envolve-se num processo progressivo de antropofagia cultural, na medida em que vai sendo culturalmente tragada pelo homem-civilizao branca que se atravessa no seu caminho. A estria assinala os lances da assimilao que acabam por levar Nga Muturi a rezar em

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    mbundu, a achar que a terra do rei de Portugal, Muene Putu, muito melhor que o mato, a pagar seus impostos e viver de juros... Troni explora a desadaptao remanescente no procedimento da personagem transplantada, bem como os comportamentos coletivos onde a coliso de culturas deixa espaos de desgaste ou instaura os do sincretismo. Assim o rito das missas de "rquiem" mestiado pelo toque festivo das cerimnias locais nessas ocasies, assim como as "sembas" (umbigadas), nas comemoraes pelo aniversrio do bito. Nga Muturi tem sido considerada precursora pela sensibilidade voltada j para os dados do mundo africano "nessa poca recuada". Em Cabo Verde tem-se notcia de uma obra em prosa, O escravo, de Jos Evaristo de Almeida, da qual haveria um nico exemplar conhecido, em mos de seus descendentes, em Cabo Verde. A narrativa giraria em torno de acontecimentos ocorridos na primeira metade do sculo passado, na ilha de Santiago, com personagens idealizadas ao gosto do Romantismo, movimento literrio ainda em voga na poca. Como o nome indica, a estria versa sobre o tema da escravido, ressaltando-se o ponto de vista abolicionista do narrador e sua perspectiva direcionada para a valorizao do homem africano. Recentemente localizaram-se outros textos at ento esquecidos, demonstrando-se a existncia de uma prosa colonial cabo-verdiana mais encorpada a ser conhecida. Os dados referidos vm mostrar como na segunda metade do sculo XIX, no bojo desse surto de jornalismo, lanaram-se os fundamentos para as modernas literaturas africanas de lngua portuguesa. Como em Angola e em Cabo Verde, a imprensa moambicana tambm se instala nesse perodo, mais precisamente em 1854, quando se inicia, ento, o Boletim Oficial. Em 1869 surge o primeiro peridico moambicano, O Progresso, e despontam pginas ou sees literrias e de artes na imprensa. Precursores de periodicidade semanal foram O Africano (1877), O Vigilante (1882), Clamor Africano (1892).

    Tempos novos: em direo de uma literatura nacional

    A virada do sculo j marcada pelos movimentos da "Negritude" e as questes africanas alcanam o estgio de polmica em foros internacionais. Em 1905, no Manifesto sado do movimento de Nigara, proclama-se a "igualdade absoluta entre todos os cidados brancos e negros". Entre suas ressonncias, surge, em 1910, a NACP (Associao Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor), que deu base ao "Black Renaissance", congregando intelectuais e polticos negros, que se constituram numa pujante gerao de lutadores em defesa dos direitos do homem de cor. Nessa altura, a revista The Crisis prope-se a despertar a conscincia para o grande problema do sculo - a questo da cor. Todo o projeto, que se denominou "Pan-africanismo", no se confinava ao mbito dos americanos. Estendia-se s reivindicaes dos negros onde quer que fosse. Seus reflexos chegam a Portugal, onde se funda, em 1912, a "Junta de Defesa dos Direitos de frica", que continua mais tarde na Liga Africana. Em 1919, realiza-se o I Congresso do "Pan-africanismo", em Paris. quando se d a Conferncia da Paz, ocasio oportuna para se reivindicar a deciso do destino da frica para os africanos. Na literatura, ao projeto humanista-universalista do "Pan-africanismo" correspondeu o da "African Personality, na busca de determinar uma identidade coletiva do africano, vtima da disperso pelo mundo. Obras dessa linha de afirmao da

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    personalidade negra comeam a aparecer, como o romance Batouala (1921), do martiniquenho Ren Maron, funcionrio da administrao francesa na hoje Repblica Centro-Africana, onde a alma negra se desvela. Divulga-se a msica negra - o jazz, os blues e spirituals e os escritores negros norte-americanos chamam a ateno geral para a causa que defendem. Na dcada de 30 o movimento da "Negritude" - de que Batouala fora um marco - organiza-se em Paris, em torno da revista estudantil Lgitime Dfense e, em 1934, ao redor de outra, L'tudiant Noir, editada por Aim Cesaire, Lopold Sdar Senghor e Lon Damas. Mais uma revista, Prsence Africaine (1947-1968), e a Anthologie de La Nouvelle Posie Ngre et Malgache (1948), organizada por Senghor e prefaciada por Sartre, com toda sua polmica, e esses movimentos do Pan-africanismo e da "Negritude" logravam carrear considerveis proveitos causa africana.

    Entre os angolanos

    Embora no sculo passado comeassem a surgir condies para a criao das modernas literaturas nacionais, os resultados pouco ultrapassaram o aparecimento de publicaes esparsas em jornais e revistas. Da a razo da importncia histrico-literria que teve para Angola a obra de autoria de Antnio de Assis Jnior, O segredo da morta, romance de costumes angolanos, publicada em 1929 nos folhetins do jornal A Vanguarda, de Luanda, e reeditada em livro, em 1935, pela tipografia A Lusitana, tambm em Luanda. Esse romance tornou-se um marco notvel no encaminhamento da literatura angolana para sua identidade nacional. Escrito, ento, no perodo que vai de 1910 a 1940, de "quase no-literatura" em Angola, como diz Henrique Guerra no prefcio da ltima edio, O segredo da morta ocupa todo um vazio literrio, como ponte entre duas geraes de escritores preocupados com a revitalizao angolana, duas geraes que se representavam anteriormente por Cordeiro da Mata e posteriormente por Castro Soromenho. Segundo as palavras da "Advertncia", do prprio Assis Jnior, a obra seria oferecida leitura de todos aqueles "pretos e brancos" que se interessam pelo conhecimento das coisas da terra... A vida do angolense que a civilizao totalmente no obliterou aquela civilizao que se lhe imps mais por sugesto e medo do que por persuaso e raciocnio -, vivendo ao seu modo e educando-se consoante os recursos ao seu alcance". Assis Jnior cria, assim, uma atmosfera de tensa expectativa antes de relatar os fatos, aliciando o leitor como se fossem verdicos e como se o Escritor no tivesse resistido a revel-los, porque constituiriam "um forte apoio para a formao da histria das coisas, ainda mal conhecidas, e das pessoas que, com poder e merecimento, nasceram, passaram e viveram" em sua terra. Dilogos ou manifestaes espontneas das personagens j aparecem em quimbundo. A lngua local passa, pois, a ser mais uma senha da identidade nacional que a obra assinala. Mas a critica enfatizou, nesse livro, sua "forte angolanidade". De fato, essa angolanidade mostra-se logo na concepo do romance. Alguns ou vrios mistrios fazem o tecido narrativo. Para desvendar o maior deles, o segredo da morta, h que decifrar outros (entrelaados ou subsidirios) at desemaranhar-se o principal. Tem-se, assim, uma reminiscncia do gosto pelas adivinhas a que se referem os conhecedores dos hbitos populares de tradio angolana. Na prdiga imaginao do Autor, elas permitem criar situaes engenhosas, em que cada enigma funciona como uma espcie

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    de adivinha para movimentar uma microestria no conjunto da macroestria. Surpreendentemente, o mistrio, cifrado num cdigo simblico, comea a rarefazer-se por traduo para outro cdigo mais permevel, menos vago. o caso dos sonhos, que iro proliferar como formas cifradas de outros tantos mistrios a colocarem-se e desvendarem-se progressivamente. Dessa forma, as tradues para diferentes cdigos nas microestrias promovem uma reafirmao de mensagens que se iluminam reciprocamente, deixando, em cada traduo, um saldo revelador, de resposta a algum "por qu?", em funo do qual as micro e macroestrias se organizam. As incgnitas das estrias valem, pois, como adivinhas que as impulsionam a abrir alternativas para um desfecho. A moral que delas procede vai ter respaldo nos provrbios. So tantos que, juntos, fazem um pano de amostras do adagirio local. E, se as adivinhas apelam para o ldico, para o jogo das descobertas, os provrbios solicitam a reflexo, uma avaliao, uma deduo. Na rede da estria, tecida pelo impulso dos enigmas e sustenta a nos pilares ideolgicos dos provrbios, a mstica e a Histria se conjugam para que o romance totalize um painel. A se recupera a vida colonial ao tempo do florescimento de uma faixa de africanos assimilados que constituiriam, pelos fins do sculo XIX, uma pequena burguesia ao lado da burguesia compradora ou intermediria, localizadas, sobretudo nas povoaes ao longo do rio Kuanza. Por a se dera a penetrao e colonizao portuguesas. Nesse romance de Assis Jnior apareceria para fazer a ponte de acesso moderna prosa de fico angolana. Trata-se de Fernando Monteiro de Castro Soromenho (1910-1968). Natural de Moambique, Castro Soromenho fez-se angolano de vivncia. Filho de um alto funcionrio da administrao colonial, transfere-se para Angola, onde mais tarde, em vez de aspirar a um posto de localizao privilegiada, opta por instalar-se na Lunda, a nordeste de Angola. A trabalhou como funcionrio, mas alternava essa tarefa com a peregrinao pelas aldeias negras, nas quais pde observar costumes, recolher informaes. Nesse trato com os negros que devia recensear, entendeu a situao que os angustiava e no tardou que sua simpatia e adeso fosse por eles, ento miserveis e oprimidos, cuja causa no mais abandonou. Os lundas de quem Soromenho tratou so vistos at a crise que os abalaria, j mal com os deuses, enquanto outra tribo, a dos quiocos, chegava supremacia sobre eles, como se v em A morte da chota. Dessa convivncia e aprendizado no serto angolano, surgem as primeiras narraes de Soromenho, Lendas negras, Nhri; o drama da gente negra, Rajada e outras histrias e Calenga. Aos contos e novelas seguem-se os romances, Noite de angstia, Homens sem caminho, Terra morta, Viragem, A chaga. Quem os percorre atravessa uma terra em transe, desde a tenso interna do primeiro, ainda entre lundas. Trata-se de um crime de morte por feitiaria e conseqente punio, que vo dar a medida do rigor dos cdigos de bravura e honra, de coragem e lealdade, pelos quais eles mantiveram, outrora, suas foras de coeso. No segundo romance, a decadncia dos lundas se acentua em seus confrontos com os quiocos, com o saldo negativo dos temores pelas ameaas que ento os cercam. J em Terra morta se faz a imagem da Angola sujeita ao programa chamado "indigenato", convertendo o homem angolano de membro de uma comunidade entendida como "primitiva" condio de assimilado pela cultura do colonizador, proposta como "civilizada".

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    Assiste-se, assim, a um projeto visando destribalizar, levar o africano a perder seu sistema de organizao com o auxlio dos prprios angolanos que fazem o jogo do colonizador, atuando como cipaios e capitas. A fora agnica das tribos, j minadas por dentro e por fora, se reduz luta isolada do negro pela terra, in extremis: em seu reduto final, o ltimo soba, X-Macuari, suicida-se para escapar caada dos brancos, e seus poucos fiis liderados o sepultam, incendeiam as palhoas da aldeia, para depois passarem a vau o rio Luita e seguirem o destino de nmades. A partir de ento, o conflito entre brancos e negros, colonizadores e colonizados de seus dois ltimos romances aprofunda-se na sondagem dos sofrimentos impostos ao povo angolano, e, com A chaga, na luxria dos brancos, de quem as negras e as mulatas so vtimas indefesas. Ao longo da obra de Soromenho depara-se, pois, com a imagem de inocncia do mundo africano que se vai desfigurando, no quadro de uma experincia e cativeiro, como um inferno existencial do homem negro.4 Por volta dos anos 40 os escritores africanos de lngua portuguesa comeam a se organizar volta de canais de divulgao, especialmente as revistas. Em Angola, com o impulso do "Movimento dos Jovens Intelectuais de Angola" e com a bandeira de "Vamos Descobrir Angola" surge a Antologia dos novos poetas de Angola (1950). Antologia se segue a revista Mensagem (1951-1952), onde colaboraram escritores que se tornaram grandes nomes da literatura angolana: Agostinho Neto, Alda Lara, Antero Abreu, Antnio Cardoso, Antnio Jacinto, Mrio Antnio, Mrio de Andrade, scar Ribas, Viriato da Cruz e at moambicanos, como o poeta Jos Craveirinha, alm de portugueses radicados em Angola. Os objetivos da revista centravam-se na busca da redefinio e valorizao dos dados bsicos de caracterizao nacional. Os escritores propunham-se alfabetizao e melhoria das condies culturais do operrio, a diversificadas atividades no setor da cultura nacional. Outras revistas circularam, como a Mensagem (1949), da Casa dos Estudantes do Imprio, em Lisboa, por onde passaram grandes escritores africanos que participavam dos movimentos de libertao das colnias portuguesas da frica. As idias da "Negritude", transpostas nas vozes de Senghor e Csaire, dos escritores negros norte-americanos Richard Wright, Countee Cullen e Langston Hughes, do cubano Nicolas Guilln, ento ganham terreno e impressionam os da frica Portuguesa, envolvendo nomes como o do angolano Mrio de Andrade e do so-tomense Francisco Jos Tenreiro. A partir dos anos 60 vm os tempos de mais aguda represso, e, alm dos escritores j citados, ligam-se a essa gerao: Ernesto Lara Filho, Henrique Guerra (Andiki), Arthur Maurcio Pestana dos Santos (Pepetela), Jofre Rocha, Jorge Macedo, Arnaldo Santos, Manuel dos Santos Lima, Agostinho Mendes de Carvalho (Uanhenga Xitu), Manuel Pacavira, Carlos Gouveia, Bobela Motta, Manuel Rui. Quanto aos prosadores desta Antologia, Agostinho Neto foi, sobretudo um poeta. Com Nusea, conto publicado em 1952 na revista Mensagem, Neto faz sua incurso na prosa, com rpidas pinceladas de um retrato angolano, e, como em seus poemas, as figuras humanas preenchem espaos de admirao e ternura. Alm do annimo

    4 Sites com ensaios sobre Soromenho: http://www.revues-plurielles.org/_uploads/pdf/17/27/17_27_10.pdf

    4 http://www.ueangola.com/index.php/criticas-e-ensaios/item/219-castro-soromenho-e-a-agonia-da-terra-

    algumas-considera%C3%A7%C3%B5es-neo-realistas.html

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    individual ou coletivo, seus versos povoam-se de imagens fraternas, como as de famlia ou do "Mussunda amigo". Esse exerccio na prosa se processa com o tema do mar, o mar revisitado. A repetio de uma experincia no caso a experincia vivida com o mar implcita ou explicitamente remete a uma comparao. o que Neto vai explorar. No confronto do mar ali/agora, com o mar alm/pretrito, a memria estabelece as relaes conseqentes do espao-tempo. O contraste mar versus interior resulta em paralelos sociais: de um lado, a miserabilidade conhecida dos musseques, sempre recuados; de outro, a prosperidade dos lugares amenos, do litoral, que os turistas da vida acabam por ocupar. Nesses paralelos sociais cruzam-se tambm os paralelos do tempo. O presente do mar, do mar que se atualiza, remete ao passado de onde emergem as manchas da Histria, da dispora e escravido africanas, que se projetam no ali e agora da revisitao desse nh Joo simblico, por isso mesmo irremediavelmente comprometida. Em sua espordica passagem pela prosa, Neto d-nos uma obra com um enredo sem complicaes. Chamado conto, mas quase crnica, o texto manifesta menos a inteno de relatar um acontecimento do que a necessidade de exteriorizar um estado de nimo, uma disposio intima da personagem, tal como se daria na poesia, o que confirma, assim, a vocao de poeta. Nas pginas que precedem o prefcio segunda edio de Nusea, outro escritor, tambm poeta, Antnio Jacinto, refere-se correspondncia mantida com Neto: Jacinto remetera-lhe uma cpia de seu conto, Vov Bartolomeu - que ento se denominava Sorte de preto - e Neto, em troca, enviou-lhe uma cpia de Nusea. Como Neto, Antnio Jacinto (Orlando Tvora) faz com Vov Bartolomeu um relato linear, cujo atrativo est na prpria singeleza de sua concepo, desde as personagens at o conflito em torno das questes primrias, mas, por isso mesmo, bsicas sobrevivncia. Sobre o Bartolomeu dessa estria, assim como sobre outros vavs e vavs to presentes na literatura de Angola, recaem a estima e o apreo das novas geraes. O respeito aos velhos, tpico da tradio africana, no impede, entretanto, que no conto de Antnio Jacinto se delegue juventude o papel de rompimento com um estado de coisas ou de esprito que tem de ser superado em favor de novas perspectivas de futuro. a ideologia da resistncia que j se insinua. Ainda que ai se trate de resistncia diante das foras brutas da Natureza, e preciso sobrep-la interpretao fatalista da sorte do negro e aos sentimentos de inferioridade que comprometem sua autoconfiana e deliberao. E, ao abordar a literatura da resistncia, outro prosador toma vulto: Jos Mateus Vieira da Graa, que se fez conhecido com o pseudnimo de Jos Luandino Vieira. Sua j extensa produo literria conta com edies tanto em portugus como em tradues nas lnguas de vrios pases. O tempo histrico recoberto pela fico de Luandino o da guerra de libertao, sobretudo o dos momentos da conspirao anticolonialista, prembulo da luta armada que a partir da se desencadearia. So horas de terrores, em que as etapas da resistncia se organizam e nas quais o xito ou malogro de cada passo dado em segredo torna-se uma questo de vida ou morte; so horas de temores, quando a desconfiana genericamente instalada lana confuses e dvidas entre todos; so horas de tremores, quando a delao precipita os exlios e torturas de que exemplar A vida verdadeira de Domingos Xavier e O fato completo de Lucas Matesso". O espao das estrias de Luandino , por excelncia, o dos musseques, bairros proletrios fora do permetro urbanizado da cidade. Sem as condies mnimas de

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    salubridade ou conforto, tornam-se, portanto, indicadores da faixa social mais discriminada ou desfavorecida, de que muito tpica sua gente, retratada desde os primeiros contos, os de A cidade e a infncia e de Luuanda, at os ltimos, de Macandumba e de Laurentino Dona Antnia de Souza Neto e eu, assim como nas narrativas Ns, os do Mukulusu, e Joo Vncio e seus amores. Esse um espao de amplo espectro para a aprendizagem da vida - a infncia que se reconstitui do nevoeiro da memria e por isso mesmo se traduz metaforicamente no texto mais ambguo, mais opaco, de Luandino Vieira, No antigamente na vida. Suas personagens so pessoas comuns do povo. na prtica do quotidiano que elas crescem e se destacam pela dura conquista da capacidade de relutncia, de oposio, de recusa ao sistema dominante, razo pela qual podem ser sacrificadas. Luandino d a imagem da sociedade angolana em processo de simbiose ou de influncias, onde traos de diferentes culturas se atritam e disputam primazias. Um desses traos, a fala, isto , o quimbundo ou o portugus dialetizado, por oposio lngua, o portugus de Portugal, funciona tambm como um cdigo de identificao no conjunto de fatores que passam a caracterizar a angolanidade. Pelos denominadores comuns, desde a fala, seus angolanos se reconhecem como tal e estabelecem entre si os vnculos, fortalecidos no sentimento de solidariedade que oferece sustentao resistncia coletiva, organizada, e viabiliza sua libertao. A obra de Luandino Vieira ocupa um lugar proeminente na moderna literatura de Angola, pelas qualidades estticas, pela importncia histrico-literria. Como escrita transgressiva, de ruptura tanto com o modelo ideolgico quanto com o padro lingstico do portugus, , portanto, um novo marco na arrancada em direo de uma literatura nacional.5 Da mesma forma que Agostinho Neto, Antnio Jacinto e Jos Luandino Vieira, outro escritor teria sua experincia literria vivida na priso ou no exlio. o poeta Antnio Cardoso, com uma coleo de contos marcados como os de Luandino pelo espao comum, Baixa e musseques, onde transcorrem suas estrias. Para Antnio Cardoso quer aos homens, quer s mulheres, em seus especficos e tpicos problemas sociais. "O cipaio Mandombe" uma amostra significativa da obra de Cardoso, onde se explora uma das formas de aliciamento para o servio de manuteno do sistema colonial. O cipaio, figura que aparece com freqncia na literatura angolana, como representao de uma das mais embaraosas funes, o angolano recrutado para servir no quadro policial portugus. Desempenha, assim, o papel de instrumento de ao contra os seus prprios patrcios, nos mais dramticos constrangimentos criados pelos esquemas de represso. Nesse conto de Cardoso reconstituem-se os passos da "carreira" do cipaio, a partir do ritual violento da iniciao, quando despojado do que o caracteriza em sua angolanidade para assumir, do outro lado, a nova identidade que lhe o, as variantes de situao de vida no contexto comum dos bairros miserveis so a via de abertura para os momentos de iluminao da conscincia de sua gente. Fazem ver claro o estado de limitaes a que est sujeita, desde a explorao de sua fora de trabalho at as demais discriminaes outorgada. Mandombe passa pelos testes que provem sua fidelidade no cumprimento da nova misso. Mas a estria tenta reabilitar sua imagem como a daqueles que, nessa conjuntura e no obstante as aparncias, representam tambm, de alguma forma, a

    5 Ensaio: JOO GUIMARES ROSA E JOS LUANDINO VIEIRA: A PALAVRA EM LIBERDADE

    Patrcia Simes de Oliveira Rosa* http://www.catjorgedesena.hpg.ig.com.br/html/textos/patricia_rosa.pdf

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    resistncia angolana. pela solidariedade que, a duras penas, se preserva entre os cidados nacionais, jogados assim em posies antagnicas. Como Antnio Cardoso, outro poeta, Costa Andrade, far a literatura das injustias sociais, centradas nas especficas circunstncias da poca colonial. O contrato, isto , o trabalho forado o grande tema de seu livro de contos, por isso mesmo declaradamente Estrias de contratados. Dos anos 1958 e 59, quando a luta armada pela libertao no estava ainda declarada, as estrias de Costa Andrade mostram as alteraes produzidas no Planalto Central de Angola pela penetrao portuguesa, como foi, sobretudo, a desagregao das comunidades angolanas, que perderam sua estrutura natural sob presses de vria ordem, ao longo do tempo. Quando no por isso, a degringolada dessas comunidades resultaria das migraes, ou da imigrao, quer compulsria, quer deliberada, por decorrncia dos impactos ecolgicos e sociais. "Um conto igual a muitos" uma medida da transformao da fisionomia dos grupos interioranos. O contratado de So Tom a est como prottipo das populaes assim dispersadas que, por fim, de experincia em experincia vivida, esboam uma conscincia da condio a que foram reduzidas e uma compreenso, se tanto, ainda estreita do sistema que as absorveu. Costa Andrade reproduz esse percurso da sociedade angolana nos descaminhos da prpria lngua, pela expresso popular, onde a infrao s normas gramaticais revela a apropriao em processo do portugus. Dois outros escritores, Arnaldo Santos e Agostinho - Mendes de Carvalho (Uanhenga Xitu) podem ilustrar diferentes formas de presso tendentes a descaracterizar, por um lado, a cultura angolana e a impedir, por outro lado, a descaracterizao da cultura portuguesa. Tanto um escritor quanto o outro souberam, cada qual a seu modo, mostrar no s a defesa do angolano, mas tambm a do portugus, na preservao de seus respectivos patrimnios culturais. o que d luta, assim bifronte, o tom de choque cultural. Nas Prosas que escreveu o poeta Arnaldo Santos, os conflitos de raa e de classe da colonizao enraizam-se tambm no espao fsico dos musseques, ou eventualmente outros, enquanto tecido sociocultural representativo da Angola da maioria, na aventura da vida diria em que se peculiariza. Entre seus contos o centro de interesses freqentemente oscila de retratos a casos humanos, ou o inverso, de modo que se tem um conjunto significativo de tipos, de homens e mulheres de uma sociedade crioulizada. "A menina Vitria" bem ilustrativo de um reconhecimento africano que se opera nas Prosas, ento pela perspectiva crtica com que Arnaldo Santos apreende o projeto didtico da professora, da menina Vitria. o projeto que incorpora o objetivo metropolitano de preservao das normas da linguagem, neutralizando a angolanidade de pronncia ou da sintaxe do aluno, ou excluindo do "modelo" o universo angolano, cuja criatividade fica fadada ao grau zero de identificao pessoal e nacional. Entre os contos de Uanhenga Xitu, ao lado dos fortemente marcados pela angolanidade dos costumes, das crenas, das tradies retidas, como Vozes na sanzala ou Bola com feitio, h lugar tambm para aquele que, no processo de aculturao, d nfase aos traos mal incorporados da cultura estrangeira, aos traos que o autodidatismo no consegue assimilar. Assim acontece em "Mestre Tamoda", onde o jogo despropositado com as palavras torna-se o prprio motivo da estria. Nesse caso, o cmico da situao esbarra no trgico ou no grotesco, podendo provocar tanto o riso, pelo nonsense do vocabulrio distorcido, quanto a comoo, pela inslita figura de Tamoda, o "etimologista", "dicionarista", descido na senzala.

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    Nessa caricatura da indigesto cultural, Uanhenga Xitu ganha espao para as falas locais: prolifera o quimbundo, transtorna-se o portugus, no obstante as foras em contrrio. Essa espontaneidade e vivacidade da linguagem popular definem, por excelncia, a qualidade de escrita de Agostinho Mendes de Carvalho. Como acontecer em outra obra, Manana, a perspectiva crtica em que v o assimilado acaba por deixar clara a crise que pode tambm surgir da no-resistncia, da entrega tcita ou at prazerosa do angolano quilo que degenera o carter nacional. No encalo de uma literatura prpria esto tambm prosadores mais recentes, como Boaventura Cardoso e Jofre Rocha. Boaventura Cardoso prosador que se posiciona no treinamento de uma redao nacional. Isso fica claramente expresso em seu segundo livro de contos, O fogo da fala, pelo subttulo "Exerccios de estilo". O fogo da fala no ttulo de nenhuma das estrias que a se relatam, mas, no conjunto, ttulo e subttulo caracterizam a escrita como processo, o texto como produo verbal. Desse visvel trabalho da matria da fico com os utenslios da linguagem resultam j seus primeiros contos, reunidos em Dizanga dia muenhu (A lagoa da vida). J nesses textos ficam acentuadas as caractersticas do uso lingustico, a qualificao angolana de quem fala. Qualquer leitor de lngua portuguesa, no-angolano, como nos outros casos mencionados desde Luandino Vieira, sentir um forte efeito de estranhamento, o de estar em convivncia com falantes que no usam o mesmo portugus. Esses usurios da lngua, que dela vo fazendo o seu portugus, so preferencialmente os angolanos dos ltimos tempos coloniais. A atribulao, o infortnio, os contratempos parecem estar sempre espera deles, como na fbula do lobo e do cordeiro. Por isso mesmo, vivem os estados tpicos do clima repressivo, de prontido, de sobreaviso, como que de pr-mobilizao para a luta organizada que os libertaria. o clima que se sustenta na prepotncia, no menosprezo da dignidade humana, resultante das discriminaes sociais, na correspondncia ou no entre ideologia e ao anticolonialista, na problematizao do trabalho e at nos desnveis de compreenso da fase ps-libertadora ou dos espaos de exerccio da liberdade. "Nostempo de mido", de Dizanga dia muenhu, um conto ilustrativo dos grandes motivos e do processo do Escritor. As crianas, cuja presena e marcante em sua fico, respiram esses ares pesados que, no limite, invadem o espao delas e as privam da descontrao natural da sua idade. Por outras palavras, Boaventura, como a maior parte dos prosadores angolanos contemporneos, assinala a participao da criana no processo da libertao, sua grande escola, onde a pedagogia da luta tem como lio obrigatria a conscincia do perigo, que a cada dia preciso reavivar.6 A infrao s leis de "segurana" que a criana comete na estria corresponde infrao que a escrita comete contra as leis de segurana da norma culta portuguesa.

    6 Ver o ensaio: Tradies Reinventadas em Boaventura Cardoso: a criana, a rvore e o ancio, de

    Renata Souza da Silva. Disponvel em: http://setorlitafrica.letras.ufrj.br/mulemba/download/artigo_1_8.pdf Tese de mestrado: BOAVENTURA CARDOSO, UM (RE) INVENTOR DE PALAVRAS E TRADIES, Renata Souza da Silva. Disponvel em: http://www.letras.ufrj.br/posverna/mestrado/SilvaRS.pdf

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    A estria de Boaventura relata a partida de futebol interrompida pela polcia. Como os meninos na estria, o narrador no discurso escapa da represso, driblando todos os cdigos de garantia e estabilidade que reprimem seu livre jogo que visa autonomia nacional. Jofre Rocha tambm recupera pelas memrias de infncia os costumes tradicionais remanescentes nos bairros pobres de periferia. Em suas Estrias do musseque, a criana contracena com os vavs e vavs. Em visvel simpatia por essas faixas etrias, o Escritor focaliza as desventuras das famlias, freqentemente desfalcadas quer pelo xodo de seus membros vlidos em busca de sobrevivncia, em fuga ou na priso devido s lutas com o colonizador, quer por outras decorrncias prprias da discriminao e misria. Como correspondente interiorano do musseque, a sanzala tambm aparece enquanto cenrio da desorganizao dos grupos tnicos, pela prepotncia sobre os sobas, o desafio sua liderana, pelo trabalho obrigatrio, estranho aos esquemas de preservao do equilbrio em suas sociedades e na Natureza. "A estria da confuso que entrou na vida do ajudante Venncio Joo e a desgraa do seu cunhado Lucas Manuel" mostra o agravamento do conflito entre portugueses e angolanos. So j os tempos de recrudescimento da represso, em conseqncia dos focos de luta armada pela libertao da frica. Os preconceitos ento se somam e se reforam. No sero mais os de raa ou cultura apenas, mas os de ordem poltica e social que aceleram os desastres no s das famlias consangneas, mas da grande famlia dos musseques que elas constituem. No conto de Jofre Rocha j nenhuma neutralidade se faz vivel, porque o contexto de radicalizao de posies. Qualquer dilogo entre colonizador e colonizado, mesmo aleatrio a princpio, vai-se tornando impossvel com a sobrecarga de guerra declarada em que se comprometem irreversivelmente. E, como nos outros contos, a linguagem tambm constitui um divisor de guas, na medida em que pe do mesmo lado as personagens angolanas e o seu criador. Os dias de alta tenso entre colonizador e colonizados so os que vivem tambm os heris do escritor Arthur Maurcio Pestana dos Santos, conhecido por seu pseudnimo, Pepetela. Embora tenha passado pela vivncia de compor textos de teatro, com A corda e A revolta da casa dos dolos, de escrever ensaio potico, com Muana Pu, Pepetela tem-se dedicado mais prosa de fico. As aventuras de Ngunga, seu primeiro livro publicado, editou-se em plena luta armada, na Frente Leste de Angola, quando apareceram trezentos exemplares mimeografados. Com declarado carter didtico, a estria do menino Ngunga mostra o processo de escolarizao, do pequeno heri, processo em que aprender a ler e escrever integra-se com aprender a defender a revoluo. A proposta da alfabetizao como instrumento de luta d um sentido norteador s aventuras do pioneiro", palavra sugestiva com que os angolanos designam as crianas. Na escola, cujo espao o da Guerra de Independncia, o conhecimento o meio e a libertao, o fim. Um homem "s pode ser livre se deixar de ser ignorante", diz o professor. Como o objetivo da luta coletivo, Ngunga aprende a pautar seu raciocnio sobre o plural, ou seja, na e pela sociedade de que faz parte. Assim, vai chegando conscincia mais clara das contradies, dos concertos e desacertos desse mundo em que vive, atravs dos riscos de vida e de morte de que esto cheios os seus caminhos.

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    Os dois romances seguintes no abandonariam essa perspectiva didtica. Em Mayombe, Pepetela desenvolve tcnicas de fico que acentuam a literariedade de seu novo texto, revelam a maturidade artstica do Escritor, mas que no deixam de resultar num painel, tambm didtico, das tenses internas nos quadros da luta de libertao, quando da guerrilha nas matas de Mayombe. As vrias vozes que se alternam na narrativa, questionando-se umas s outras, convertem o texto num corajoso debate, cujo princpio est na perspectiva de autocrtica com que a realidade angolana , ento, apreendida. No ltimo romance, Yaka, recentemente publicado, Pepetela retoma uma linha tradicional de romances, os romances de famlia. Vale-se dela para fundir na estria de consecutivas geraes dos Semedo, a partir do primeiro emigrado para a "colnia", um segmento da Histria de Angola, que vai de fins do sculo passado aos recentes anos 60, perodo decisivo, portanto, na definio do presente nacional. Dessa forma, chega para o leitor um grande contingente de informaes que o ficcionista habilmente organiza num amplo cenrio da vida angolana. Como a mscara de Muana Pu, a enigmtica esttua Yaka desse romance s no ltimo momento revela o segredo que Alexandre Semedo sempre dela procurara tirar. Nesse momento, toda a simbologia da odissia angolana se decifra, o final da saga pica aparece claro atravs da morte que simboliza a ltima gerao de colonizadores, o princpio de Angola livre. Nessa obra de Pepetela, abre-se espao para uma reviso dos grupos de conflito na sociedade colonial e para uma reavaliao dos papis que cada um nela desempenhou, ficando assinalada a resistncia angolana nos vrios e subseqentes focos de luta entre redutos nacionais e grupos de controle do colonizador.

    Texto III: Fichamento: Estrias africanas, Maria Aparecida Santilli.

    As naes de Angola, Cabo Verde e Moambique eram originariamente grafas, no tinham escrita, embora houvessem cultivado uma literatura oral. Manuel Ferreira, incansvel colecionador, historiador e ensasta no campo das literaturas africanas de lngua portuguesa, referiu-se sua quantidade e variedade Orlando Mendes considera a literatura africana em suas mltiplas manifestaes, desde histrias de acontecimentos, que interpretariam conjunturas especficas ou genricas, at lendas e fbulas, que testemunham as experincias ancestrais do conhecimento feito da prtica vivida, do domnio imperfeito da Natureza com que se estava em permanente luta e das relaes mutveis dos homens com a Natureza e entre si". Com isso, Mendes assinala o carter evolutivo dessa literatura, em oposio ao conceito equivocado de que ela se repetia e firmava-se sobre formas cristalizadas. A histria da colonizao portuguesa revela que, do sculo XVI ao sculo XIX, uma frao insignificante da populao negra chegara a ler e a escrever. E as estatsticas de Angola, Guin-Bissau, Moambique, So Tome e Prncipe mostravam 95% de analfabetos entre a populao nacional ao tempo da guerra de libertao que h poucos anos lhes deu autonomia poltica. A produo literria restringiu-se, ento, literatura de viagens. Eram os prprios portugueses que, no s na historiografia, nas crnicas, como na poesia, nos depoimentos cientficos e religiosos davam seu testemunho ou impresses sobre a frica "brbara", extica, a que os levara a expanso ultramarina. Entre outros

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    escritores da expanso, citam-se: Gomes Eanes de Zurara, Joo de Barros, Diogo do Couto, Ferno Mendes Pinto, Damio de Gis, Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira. Mas os ecos das descobertas alcanam tambm a poesia do Cancioneiro e chegam at a de Cames, com passagem pelo teatro de Gil Vicente.

    Final do sculo XIX: surto de jornalismo

    Pedro Flix Machado e Alfredo Troni, dois jornalistas que cultivaram tambm a prosa de fico. Pedro Machado escreveu um romance, Scenas d'frica, cuja primeira edio deu-se em folhetim na Gazeta de Portugal, sendo reeditado em 1882. Alfredo Troni, que nasceu em Coimbra, mas passou a maior parte da sua vida em Luanda, onde morreu em 1904, fundou e dirigiu o Jornal de Luanda (1878), Mukuarimi (1888?) e Os Conselhos de Leste (1891). Troni, que fora contemporneo de Ea de Queirs na Universidade de Coimbra, alm de advogado e personagem poltica de pouco agrado do governo, em Luanda, foi deputado eleito para representar Angola junto s cortes portuguesas. Marcou presena na literatura como precursor da prosa moderna em Angola, com a noveleta Nga Muturi (Senhora viva). Publicada em folhetins na imprensa de Lisboa em 1882, s reaparece em 1973, ou seja, quase um sculo depois, edio que veio, ento, possibilitar o acesso do grande pblico leitor de hoje.

    Nga Muturi (Senhora viva), Alfredo Troni

    A noveleta de Troni faz a estria de uma menina, negra fula, que, de escrava (buxila) e concubina de comerciante branco, passa condio Nga Muturi, com a morte deste. Depois dos primeiros acontecimentos, numas terras muito longe, onde se localiza seu povo, os demais iro ocorrer na cidade de Luanda, para a qual trazida. Como num rito de passagem, ela se despede de seus hbitos clnicos, desfazendo-se do penteado e das vestes de sua longa viagem de entrega. E, assim, envolve-se num processo progressivo de antropofagia cultural, na medida em que vai sendo culturalmente tragada pelo homem-civilizao branca que se atravessa no seu caminho. A estria assinala os lances da assimilao que acabam por levar Nga Muturi a rezar em mbundu, a achar que a terra do rei de Portugal, Muene Putu, muito melhor que o mato, a pagar seus impostos e viver de juros... Troni explora a desadaptao remanescente no procedimento da personagem transplantada, bem como os comportamentos coletivos onde a coliso de culturas deixa espaos de desgaste ou instaura os do sincretismo. Assim o rito das missas de "rquiem" mestiado pelo toque festivo das cerimnias locais nessas ocasies, assim como as "sembas" (umbigadas), nas comemoraes pelo aniversrio do bito. Nga Muturi tem sido considerada precursora pela sensibilidade voltada j para os dados do mundo africano "nessa poca recuada".

    Tempos novos: em direo de uma literatura nacional

    A virada do sculo j marcada pelos movimentos da "Negritude" e as questes africanas alcanam o estgio de polmica em foros internacionais. Em 1919 realiza-se o I Congresso do "Pan-africanismo", em Paris. quando se d a Conferncia da Paz, ocasio oportuna para se reivindicar a deciso do destino da frica para os africanos.

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    MOVIMENTO DA NEGRITUDE Na dcada de 30 o movimento da "Negritude" organiza-se em Paris, em torno da revista estudantil Lgitime Dfense e, em 1934, ao redor de outra, L tudiant Noir, editada por Aim Cesaire, Lopold Sdar Senghor e Lon Damas. Mais uma revista, Prsence Africaine (1947-1968), e a Anthologie de La Nouvelle Posie Ngre et Malgache (1948), organizada por Senghor e prefaciada por Sartre, com toda sua polmica, e esses movimentos do Pan-africanismo e da "Negritude" logravam carrear considerveis proveitos causa africana

    ENTRE OS ANGOLANOS Antnio de Assis Jnior, O segredo da morta, Importncia histrico-literria que esse romance teve para Angola: Escrito, ento, no perodo que vai de 1910 a 1940, de "quase no-literatura" em Angola, como diz Henrique Guerra no prefcio da ltima edio, O segredo da morta ocupa todo um vazio literrio, como ponte entre duas geraes de escritores preocupados com a revitalizao angolana, duas geraes que se representavam anteriormente por Cordeiro da Mata e posteriormente por Castro Soromenho. O segredo da morta, Antnio de Assis Jnior, Livro marcado, por "forte angolanidade": Dilogos ou manifestaes espontneas das personagens j aparecem em quimbundo. A lngua local passa, pois, a ser mais uma senha da identidade nacional que a obra assinala.

    Castro Soromenho: (1910-1968). Natural de Moambique, Castro Soromenho fez-se angolano de vivncia. Filho de um alto funcionrio da administrao colonial, transfere-se para Angola, onde mais tarde, em vez de aspirar a um posto de localizao privilegiada, opta por instalar-se na Lunda, a nordeste de Angola. A trabalhou como funcionrio, mas alternava essa tarefa com a peregrinao pelas aldeias negras, nas quais pde observar costumes, recolher informaes. Nesse trato com os negros que devia recensear, entendeu a situao que os angustiava e no tardou que sua simpatia e adeso fosse por eles, ento miserveis abandonou. Os lundas de quem Soromenho tratou so vistos at a crise que os abalaria, j mal com os deuses, enquanto outra tribo, a dos quiocos, chegava supremacia sobre eles, como se v em A morte da chota. Ao longo da obra de Soromenho depara-se com a imagem de inocncia do mundo africano que se vai desfigurando, no quadro de uma experincia e cativeiro, como um inferno existencial do homem negro.

    Antologia dos novos poetas de Angola (1950). Antologia se segue a revista Mensagem (1951-1952), onde colaboraram escritores que se tornaram grandes nomes da literatura angolana: Agostinho Neto, Alda Lara, Antero Abreu, Antnio Cardoso, Antnio Jacinto, Mrio Antnio, Mrio de Andrade, scar Ribas, Viriato da Cruz e at moambicanos, como o poeta Jos Craveirinha, alm de portugueses radicados em Angola. Os objetivos da revista centravam-se na busca da redefinio e valorizao dos dados bsicos de caracterizao nacional. Os escritores propunham-se alfabetizao e melhoria das condies culturais do operrio, a diversificadas atividades no setor da cultura nacional.

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    Outras revistas circularam, como a Mensagem (1949), da Casa dos Estudantes do Imprio, em Lisboa, por onde passaram grandes escritores africanos que participavam dos movimentos de libertao das colnias portuguesas da frica.

    As ideias da "Negritude", transpostas nas vozes de Senghor e Csaire, dos escritores negros norte-americanos Richard Wright, Countee Cullen e Langston Hughes, do cubano Nicolas Guilln, ento ganham terreno e impressionam os da frica Portuguesa, envolvendo nomes como o do angolano Mrio de Andrade e do so-tomense Francisco Jos Tenreiro.

    A partir dos anos 60 vm os tempos de mais aguda represso, e, alm dos escritores j citados, ligam-se a essa gerao: Ernesto Lara Filho, Henrique Guerra (Andiki), Arthur Maurcio Pestana dos Santos (Pepetela), Jofre Rocha, Jorge Macedo, Arnaldo Santos, Manuel dos Santos Lima, Agostinho Mendes de Carvalho (Uanhenga Xitu), Manuel Pacavira, Carlos Gouveia, Bobela Motta, Manuel Rui. Quanto aos prosadores desta Antologia, Agostinho Neto foi, sobretudo um poeta. Com Nusea, conto publicado em 1952 na revista Mensagem, Neto faz sua incurso na prosa, com rpidas pinceladas de um retrato angolano, e, como em seus poemas, as figuras humanas preenchem espaos de admirao e ternura. Alm do annimo individual ou coletivo, seus versos povoam-se de imagens fraternas, como as de famlia ou do "Mussunda amigo".

    TEMAS: Esse exerccio na prosa se processa com o tema do mar, o mar revisitado. A repetio de uma experincia no caso a experincia vivida com o mar implcita ou explicitamente remete a uma comparao. o que Neto vai explorar. No confronto do mar ali/agora, com o mar alm/pretrito, a memria estabelece as relaes conseqentes do espao-tempo. O contraste mar versus interior resulta em paralelos sociais: de um lado, a miserabilidade conhecida dos musseques, sempre recuados; de outro, a prosperidade dos lugares amenos, do litoral, que os turistas da vida acabam por ocupar. Nesses paralelos sociais cruzam-se tambm os paralelos do tempo. O presente do mar, do mar que se atualiza, remete ao passado de onde emergem as manchas da Histria, da dispora e escravido africanas, que se projetam no ali e agora da revisitao desse nh Joo simblico, por isso mesmo irremediavelmente comprometida. Em sua espordica passagem pela prosa, Neto d-nos uma obra com um enredo sem complicaes. Chamado conto, mas quase crnica, o texto manifesta menos a inteno de relatar um acontecimento do que a necessidade de exteriorizar um estado de nimo, uma disposio intima da personagem, tal como se daria na poesia, o que confirma, assim, a vocao de poeta.

    Jos Luandino Vieira, pseudnimo de Jos Mateus Vieira da Graa O tempo histrico recoberto pela fico de Luandino o da guerra de libertao, sobretudo o dos momentos da conspirao anticolonialista, prembulo da luta armada que a partir da se desencadearia. So horas de terrores, em que as etapas da resistncia se organizam e nas quais o xito ou malogro de cada passo dado em segredo torna-se uma questo de vida ou morte; so horas de temores, quando a desconfiana genericamente instalada lana confuses e dvidas entre todos; so horas

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    de tremores, quando a delao precipita os exlios e torturas de que exemplar A vida verdadeira de Domingos Xavier e O fato completo de Lucas Matesso". O espao das estrias de Luandino , por excelncia, o dos musseques, bairros proletrios fora do permetro urbanizado da cidade. Sem as condies mnimas de salubridade ou conforto, tornam-se, portanto, indicadores da faixa social mais discriminada ou desfavorecida, de que muito tpica sua gente, retratada desde os primeiros contos, os de A cidade e a infncia e de Luuanda, at os ltimos, de Macandumba e de Laurentino Dona Antnia de Souza Neto e eu, assim como nas narrativas Ns, os do Mukulusu, e Joo Vncio e seus amores. Esse um espao de amplo espectro para a aprendizagem da vida - a infncia que se reconstitui do nevoeiro da memria e por isso mesmo se traduz metaforicamente no texto mais ambguo, mais opaco, de Luandino Vieira, No antigamente na vida. Suas personagens so pessoas comuns do povo. na prtica do quotidiano que elas crescem e se destacam pela dura conquista da capacidade de relutncia, de oposio, de recusa ao sistema dominante, razo pela qual podem ser sacrificadas. Luandino d a imagem da sociedade angolana em processo de simbiose ou de influncias, onde traos de diferentes culturas se atritam e disputam primazias. Um desses traos, a fala, isto , o quimbundo ou o portugus dialetizado, por oposio lngua, o portugus de Portugal, funciona tambm como um cdigo de identificao no conjunto de fatores que passam a caracterizar a angolanidade. Pelos denominadores comuns, desde a fala, seus angolanos se reconhecem como tal e estabelecem entre si os vnculos, fortalecidos no sentimento de solidariedade que oferece sustentao resistncia coletiva, organizada, e viabiliza sua libertao. A obra de Luandino Vieira ocupa um lugar proeminente na moderna literatura de Angola, pelas qualidades estticas, pela importncia histrico-literria. Como escrita transgressiva, de ruptura tanto com o modelo ideolgico quanto com o padro lingstico do portugus, , portanto, um novo marco na arrancada em direo de uma literatura nacional. Antnio Cardoso Coleo de contos marcados como os de Luandino pelo espao comum, Baixa e musseques, onde transcorrem suas estrias. "O cipaio Mandombe" uma amostra significativa da obra de Cardoso, onde se explora uma das formas de aliciamento para o servio de manuteno do sistema colonial. O cipaio, figura que aparece com freqncia na literatura angolana, como representao de uma das mais embaraosas funes, o angolano recrutado para servir no quadro policial portugus. Desempenha, assim, o papel de instrumento de ao contra os seus prprios patrcios, nos mais dramticos constrangimentos criados pelos esquemas de represso. Nesse conto de Cardoso reconstituem-se os passos da "carreira" do cipaio, a partir do ritual violento da iniciao, quando despojado do que o caracteriza em sua angolanidade para assumir, do outro lado, a nova identidade que lhe o, as variantes de situao de vida no contexto comum dos bairros miserveis so a via de abertura para os momentos de iluminao da conscincia de sua gente. Fazem ver claro o estado de limitaes a que est sujeita, desde a explorao de sua fora de trabalho at as demais discriminaes.

    OUTROS ESCRITORES: Costa Andrade, Estrias de contratados. Arnaldo Santos, conto "A menina Vitria"

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    Agostinho - Mendes de Carvalho (Uanhenga Xitu), conto Vozes na sanzala ou Bola com feitio. Boaventura Cardoso: como a maior parte dos prosadores angolanos contemporneos, assinala a participao da criana no processo da libertao, sua grande escola, onde a pedagogia da luta tem como lio obrigatria a conscincia do perigo, que a cada dia preciso reavivar.

    Arthur Maurcio Pestana dos Santos, conhecido por seu pseudnimo, Pepetela. Os dias de alta tenso entre colonizador e colonizados As aventuras de Ngunga, seu primeiro livro publicado, editou-se em plena luta armada, na Frente Leste de Angola, quando apareceram trezentos exemplares mimeografados. Com declarado carter didtico, a estria do menino Ngunga mostra o processo de escolarizao, do pequeno heri, processo em que aprender a ler e escrever integra-se com aprender a defender a revoluo. Em Mayombe, Pepetela desenvolve tcnicas de fico que acentuam a literariedade de seu novo texto, revelam a maturidade artstica do Escritor, mas que no deixam de resultar num painel, tambm didtico, das tenses internas nos quadros da luta de libertao, quando da guerrilha nas matas de Mayombe. Yaka, recentemente publicado, Pepetela retoma uma linha tradicional de romances, os romances de famlia. Como a mscara de Muana Pu, a enigmtica esttua Yaka desse romance s no ltimo momento revela o segredo que Alexandre Semedo sempre dela procurara tirar. Nesse momento, toda a simbologia da odissia angolana se decifra, o final da saga pica aparece claro atravs da morte que simboliza a ltima gerao de colonizadores, o princpio de Angola livre. Nessa obra de Pepetela, abre-se espao para uma reviso dos grupos de conflito na sociedade colonial e para uma reavaliao dos papis que cada um nela desempenhou, ficando assinalada a resistncia angolana nos vrios e subseqentes focos de luta entre redutos nacionais e grupos de controle do colonizador.

    Histria da Poesia Angolana - Posterior a 1980

    A partir da dcada de 80 e apesar do esfacelamento do projeto social coletivo, os poetas, - muito marcados pela ideologia poltica e por experincias catastrficas como as convulses polticas de 1974-75, a represso de 27 de Maio de 1977 e a guerra civil, - buscam a partir de alguma fenda original uma nova ptica lrica, nas guas do passado os elementos essncias para exorcizar a morte e a dor. Inicia-se o afastamento do discurso emblemtico do exaltar da luta de libertao, em que a poesia contempornea opta por operar uma revoluo no mago da linguagem [e leva] s ltimas consequncias a meta-conscincia potica j praticada, desde os anos 70, por alguns poetas de Angola. a vaga das Brigadas Jovens de Literatura. As primeiras formam-se nos principais centros urbanos, nomeadamente, Luanda, Lubango e Huambo. Desenvolvem-se novos inventivos poticos, liberdades lingusticas, renovaes temticas dos estados de alma e ontolgicos, que, tem como trao constante a temtica da desiluso e da angstia diante da situao de Angola, que, at ao momento presente, no resolveu a questo da fome, da misria, das guerras internas as dvidas em

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    relao ao futuro fecham, atualmente, as possibilidades entreabertas pelas utopias revolucionrias dos anos 60 e incio dos 70. , pois, com um discurso crtico, que busca na memria um tempo distante - anterior quele da opresso e das desiluses - que os poetas da contemporaneidade encontram as imagens que sero metaforizadas por meio de recursos lingusticos que os remetem para as suas origens lingusticas, e concomitantemente s caractersticas nacionais e regionais angolanas, para compor um cenrio potico capaz de exprimir simultaneamente uma viso de mundo e uma forma de estar nele.

    Destacam-se pelo rigor e riqueza imagtica os poetas Jos Lus Mendona, Joo Maimona, Joo Melo, Paula Tavares, Lopito Feij, Jorge Macedo, Adriano Botelho de Vasconcelos, Antnio Pomplio, Antnio Gonalves, Joo Tala, Fernando Kafukeno, Amlia da Lomba, Abreu Paxe, Ruy Duarte de Carvalho, Carlos Ferreira, Paula Tavares, Ana Santana, Conceio Cristvo, Sapiruka.

    Fontes:

    SECCO, Carmen Lucia Tind Ribeiro. A magia das letras africanas: ensaios escolhidos sobre literaturas de Angola, Moambique e alguns outros dilogos. Rio de Janeiro: ABE Graph, 2003. CARVALHO, Ruy Duarte. In: Poesia africana de lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2003. MATA, Inocncia. Literatura angolana: silncios e falas de uma voz inquieta. Lisboa: Mar Alm, 2001, TEIXEIRA Vanessa Relvas de Oliveira. Pelas Letras de Ruy Duarte e Arlindo Barbeitos e Pelas Telas de Antnio Ole, o Desvendar da Face Angolana (http://www.uea-angola.org/artigo.cfm?ID=669)

    TRS LITERATURAS DISTINTAS, Maria Aparecida Santilli

    MAIS UM RESUMO

    Literatura oral; Estrias de fico, estrias verdadeiras, estrias picas, segredos, provrbios, poesia e msica e adivinhas > Hli Chatelain, missionrio suo que chegou a Angola em 1885> 1894: publica 50 contos populares de Angola; Oscar Ribas edita, entre 1961 e 1964, trs volumes; 1923 > Elsie Clews Parsons: 133 contos, em duas verses, crioulo e ingls, nos

    Estados Unidos; Orlando Mendes > a literatura oral, por si, demoliria o pensamento hoje

    descartado de que as sociedades africanas seriam estticas, no passveis de evoluo; Do sculo XVI ao sculo XIX: frao insignificante da populao negra

    chegara a ler e a escrever; Literatura de viagens: Gomes Eanes de Zurara, Joo de Barros, Diogo do Couto,

    Ferno Mendes Pinto, Damio de Gis, Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira; Entre 1853 e 1892 > surto de jornalismo;

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    Alfredo Troni: jornalista e escritor: precursor da prosa moderna em Angola, com a noveleta Nga Muturi (Senhora viva) 1882 e depois em 1973: sincretismo.

    Tempos novos: em direo de uma literatura nacional

    Virada do sculo: Movimentos da Negritude 1919: I Congresso do "Pan-africanismo", em Paris: jazz, os blues e spirituals e os escritores negros norte-americanos chamam a ateno geral para a causa que defendem. Romance Batouala (1921), do martiniquenho Ren Maron; Dcada de 30 o movimento da "Negritude; Revista estudantil Lgitime Dfense e, em 1934, ao redor de outra, L'tudiant Noir, editada por Aim Cesaire, Lopold Sdar Senghor e Lon Damas; Prsence Africaine (1947-1968), e a Anthologie de La Nouvelle Posie Ngre et Malgache (1948), organizada por Senghor e prefaciada por Sartre.

    Entre os angolanos

    1929: Antnio de Assis Jnior, O segredo da morta, romance de costumes angolanos, nos folhetins do jornal A Vanguarda, de Luanda, e reeditada em livro, em 1935. Ponte entre Cordeiro da Mata e Castro Soromenho. Coisas da terra; uso do quimbundo. Forte angolanidade; gosto pelas adivinhas (ldico); sonhos; provrbios (reflexo); vida colonial; africanos assimilados: pequena burguesia ao lado da burguesia. Fernando Monteiro de Castro Soromenho (1910-1968): moderna fico angola Obra: Lendas negras, Nhri; o drama da gente negra, Rajada e outras histrias e Calenga; Noite de angstia, Homens sem caminho, Terra morta, Viragem, A chaga. > Histrias acerca dos lundas. > Ao longo da obra de Soromenho depara-se, pois, com a imagem de inocncia do mundo africano que se vai desfigurando, no quadro de uma experincia e cativeiro, como um inferno existencial do homem negro.

    Sites sobre o autor>http://www.revues-plurielles.org/_uploads/pdf/17/27/17_27_10.pdf 1 http://www.ueangola.com/index.php/criticas-e-ensaios/item/219-castro-soromenho-

    e-a-agonia-da-terra-algumas-considera%C3%A7%C3%B5es-neo-realistas.html

    1950: a Antologia dos novos poetas de Angola (1950). Movimento dos Jovens Intelectuais de Angola; "Vamos Descobrir Angola"; Revista Mensagem (1951-1952): Agostinho Neto, Alda Lara, Antero Abreu, Antnio Cardoso, Antnio Jacinto, Mrio Antnio, Mrio de Andrade, scar Ribas, Viriato da Cruz e at moambicanos, como o poeta Jos Craveirinha; "Negritude", de Senghor e Csaire, dos escritores negros norte-americanos Richard Wright, Countee Cullen e Langston Hughes, do cubano Nicolas Guilln, ento ganham terreno e impressionam os da frica Portuguesa, envolvendo nomes como o do angolano Mrio de Andrade e do so-tomense Francisco Jos Tenreiro.

    A partir dos anos 60: aguda represso. Outros nomes fazem adeso: Ernesto Lara Filho, Henrique Guerra (Andiki), Arthur Maurcio Pestana dos Santos (Pepetela), Jofre Rocha, Jorge Macedo, Arnaldo Santos, Manuel dos Santos Lima,

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    Agostinho Mendes de Carvalho (Uanhenga Xitu), Manuel Pacavira, Carlos Gouveia, Bobela Motta, Manuel Rui; Agostinho Neto: Maior relao com a poesia; Conto A nusea; tema do mar, o mar revisitado >> Musseque # litoral; mar do passado: dispora africana; Antnio Jacinto (Orlando Tvora): conto> Vov Bartolomeu; Jos Luandino Vieira (Jos Mateus Vieira da Graa): guerra de libertao; conspirao anticolonialista; Obras: A vida verdadeira de Domingos Xavier; O fato completo de Lucas Matesso. A cidade e a infncia; Luuanda; Ns, os do Mukulusu, e Joo Vncio e seus amores. Ncleos temticos: musseques, bairros proletrios; quimbundo ou o portugus dialetizado, por oposio lngua, o portugus de Portugal, funciona tambm como um cdigo; resistncia.

    Ver ensaio> JOO GUIMARES ROSA E JOS LUANDINO VIEIRA: A PALAVRA EM LIBERDADE, Patrcia Simes de Oliveira Rosa* http://www.catjorgedesena.hpg.ig.com.br/html/textos/patricia_rosa.pdf Luunda: - em seu livro de contos de 1964, Luuanda, escrito na priso, retrata o bilinguismo da capital Luanda, onde o portugus, lngua oficial, convive com o kimbundu, a lngua do dia a dia. Em contos e novelas, Luandino Vieira retrata contradies sociolingusticas, expressas em conflitos de geraes, etnias, e ideologias. Antnio Cardoso: experincia literria vivida na priso ou no exlio. Obras: contos > Baixa e musseques; "O cipaio Mandombe" > cipaio> angolano recrutado para servir no quadro policial portugus. Desempenha, assim, o papel de instrumento de ao contra os seus prprios patrcios, nos mais dramticos constrangimentos criados pelos esquemas de represso. Costa Andrade: a literatura das injustias sociais, centradas nas especficas circunstncias da poca colonial. Obra: Contos > Estrias de contratados: "Um conto igual a muitos"; os contratados de So Tom. Arnaldo Santos: "A menina Vitria" > as questes da linguagem: A personagem que assume o papel de educador representante do poder colonial, que silencia e reprime a menina Vitria. Vitria uma mestia, que tinha se formado na Metrpole. Tal vivncia fez com que esta adquirisse no s a lngua e conhecimento portugus, mas tambm assimilasse a cultura e a ideologia dominante. Detentora do conhecimento do colonizador, Vitria assume a postura da metrpole e torna-se uma aliada no processo de opresso de seu povo. Ela rasura toda a cultura de seus antepassados e busca, tanto ideologicamente como at fisicamente, se assimilar aos colonizadores. Mendes de Carvalho (Uanhenga Xitu): angolanidade dos costumes; Mestre Tamoda",> o jogo despropositado com as palavras torna-se o prprio motivo da estria. Boaventura Cardoso: a participao da criana no processo da libertao, sua grande escola, onde a pedagogia da luta tem como lio obrigatria a conscincia do perigo, que a cada dia preciso reavivar; Integra a "gerao de 70" angolana, ao lado de muitos outros escritores seus contemporneos, a saber: Manuel Rui, Jofre Rocha, Ruy Duarte de Carvalho e Jorge Macedo. Obras: A morte do velho Kipakaa (1987): Dizanga dia muenhu. (A lagoa da vida); Coletnea de 10 contos sobre os musseques de Luanda, onde mulheres e crianas passam fome. O fogo da fala.

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    Jofre Rocha: pelas memrias de infncia os costumes tradicionais remanescentes nos bairros pobres de periferia. Estrias do musseque; agravamento do conflito entre portugueses e angolanos. Pepetela. (Arthur Maurcio Pestana dos Santos) Ensaio potico, com Muana Pu: mscara tchoku, usada, na tradio, nos rituais de circunciso; As Aventuras de Ngunga: a estria do menino Ngunga mostra o processo de escolarizao, do pequeno heri, processo em que aprender a ler e escrever integra-se com aprender a defender a revoluo; Mayombe: Dedicatria> Aos guerrilheiros do Mayombe, que ousaram desafiar os deuses, abrindo um caminho na floresta obscura, vou contar a histria de Ogum, o Prometeu africano. Invocando Ogum, deus da guerra, orix do ferro e das batalhas, o discurso enunciador conclama os guerrilheiros luta. Mayombe denuncia os dios tribais, mostrando que tambm eles foram responsveis pelo dilaceramento do corpo social angolano. Chama ateno para os dramas individuais e existenciais que ultrapassam o puramente ideolgico. Esse romance levanta a questo de a histria de Angola no poder ser lida apenas por um maniquesmo redutor que ope os Tugas (portugueses) aos Turras (terroristas angolanos). A modernidade de Mayombe reside no plurifoco narrativo, formado pelo depoimento de nove narradores que tecem um painel multifacetado da guerra colonial angolana. O eplogo do livro, constitudo pela voz do Comissrio, teoriza sobre a existncia e sobre o prprio ato de escrever, concebido este ltimo como recriao da vida e da morte. O escrever torna-se metfora de uma luta solitria do escritor que corta a pele da linguagem e a veste para melhor refletir sobre as mudanas sociais e existenciais, discutindo a aprendizagem. Gerao da Utopia: faz um balano dos vinte anos de Independncia, mostrando como as guerrilhas entre a UNITA e o MPLA dilaceraram ainda mais a nao. Esse romance se divide em quatro partes que se referem a tempos histricos determinados: a primeira focaliza a gerao da utopia, dos jovens angolanos da Casa dos Estudantes do Imprio que, em Lisboa, urdiram as bases para as lutas contra o colonialismo; a segunda relembra os anos de guerra em Angola, na dcada de 70; a terceira focaliza Luanda, nos anos 80, aps a Independncia; finalmente, a quarta se ocupa de Angola, nos anos 90, criticando os esquemas e a perda dos valores ticos dos tempos revolucionrios. O discurso enunciador alerta para o perigo dos fanatismos e denuncia o vazio comunicacional, a corrupo, a burocracia, os privilgios das elites; O Desejo de Kianda: exacerba essas crticas, fazendo o retrato alegrico da Angola atual, devastada pela guerra civil fratricida que se desencadeou aps o resultado das eleies presidenciais realizadas em 1992. A ao romanesca se desenvolve no ano de 1994 e o cenrio a cidade de Luanda. O romance principia com o casamento das personagens principais, Joo Evangelista e Carmina Cara de Cu, e com a queda inexplicvel do primeiro prdio. A runa a imagem catalisadora do universo romanesco. Os desmoronamentos apontam para a deteriorao dos valores ticos, para o vazio dos antigos sonhos e utopias. Os deslizamentos metaforizam a entrada do capitalismo transnacional, alertando, como ensinou o velho Marx, que tudo que era slido desmancha no ar. As npcias dos protagonistas representam a aliana de ideologias antes inconciliveis. Joo Evangelista, o noivo, de origem protestante, encena a figura do acomodado, que aceita passivamente tudo para no se indispor e no perder os privilgios. Carmina, a noiva, atia, de temperamento forte e combativo, mantm ligaes com o governo, mas, embora tenha sido militante do Partido, como muitos companheiros, se beneficia, agora, do poder, esquecida dos princpios que engendraram a luta poltica do MPLA. Joo Evangelista o exemplo do alienado no trabalho e no casamento, fugindo constantemente atravs do computador diante do qual fica horas a se distrair com um jogo que revive a queda do

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    Imprio Romano. Aprisionado no imaginrio eletrnico, em um pas onde falta tudo, at energia eltrica, Evangelista vive, na tela, a decadncia de Roma, sem perceber a que o rodeia e desmantela seu prprio lar e seu prprio pas. A modernidade do discurso de Pepetela reside justamente nessa ponta de ironia corrosiva a desvelar as contradies presentes. O jogo do computador funciona, pois, na narrativa, como um duplo irnico e alegrico das guerras que destroem Angola. O interessante a soluo romanesca encontrada para expressar a revolta e a sensao de avaria que define a realidade angolana do fim dos anos 90. Em contraponto ao discurso ctico do narrador e desesperana dos dilogos travados pelas personagens, emerge, em itlico, o canto mgico de Kianda, a deusa angolana do mar, alegorizando a identidade perdida, a impossibilidade atual do retorno s origens. O final do romance, em aberto, com a imagem de Kianda, livre, fugindo para o alto mar, remete, ambiguamente, para o esfacelamento das utopias, mas, entretanto, acena para uma trilha talvez possvel: a do universo mtico-literrio, espao de reflexo crtica e denncia. A fuga de Kianda configura, assim, no s a impossibilidade de os antigos ideais socialistas persistirem, mas se constitui como alegoria de uma esperana latente e desesperada de rebeldia; A Gloriosa famlia: trata do sculo XVII em Angola, focalizando, em especial, os sete anos (de 1642 a 1648, inclusive) em que os holandeses (aqueles que conquistaram o Brasil) foram buscar escravos em Luanda. Da o subttulo: "o tempo dos flamengos". Ao recriar episdios da Histria geral das guerras angolanas, da autoria de Antnio Oliveira Cadornega, o romance se erige tambm como homenagem a esse historiador que, em 1680, j incorporava em sua linguagem palavras das lnguas africanas como o quimbundo, por exemplo; Parbola do Cgado Velho (1996): ao dar voz aos homens do campo que mais sofreram com as guerras, continua na mesma clave de repensar, a contrapelo, a histria de Angola. Ao adotar a parbola como estratgia narrativa, evoca, no plano ficcional, por comparao, realidades histricas vivenciadas, em diferentes tempos, pelas populaes do interior. Entrelaando o fictum e o factum, constri uma textualidade cifrada, que tambm penetra a esfera mtica, procura das origens fundadoras da cultura e da histria angolanas. Ao focalizar alegoricamente a estria de amor entre Munakazi e Ulume, bem como a inimizade entre os irmos Luzolo e Kanda, narra, na verdade, uma histria subjacente de dios ancestrais. A animosidade entre os filhos de Ulume alegoriza, em ltima instncia, a guerra fratricida travada pela UNITA e pelo MPLA, aps a Independncia.. A trajetria de Angola , ento, revisitada a partir de cinco planos temporais: o do antigamente, tempo primordial, da oratura, das tribos, dos sobas; o do outrora colonial, tempo das guerras de kuata-kuata, em que se apanhavam escravos; o do passado da Revoluo contra o colonizador e da paz aparente que reinou logo aps a Independncia; o do passado recente com a guerra civil desencadeada entre o MPLA e a UNITA; e, finalmente, o do presente dilacerado, aps tantas lutas mutiladoras do corpo social angolano.

    Texto IV Entrevista com Tnia Macedo 7

    P - Que autores angolanos so mais referenciados pelos seus alunos e quais as principais fontes bibliogrficas sobre a literatura angolana em gera De forma geral, a literatura angolana tem uma excelente aceitao dos alunos. Os poemas, romances e contos so lidos com interesse e ateno e, no raro, os alunos

    7Entrevista com Aguinaldo Cristvo http://www.uea-angola.org/destaque_entrevistas1.cfm?ID=827

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    prosseguem as suas leituras, independentemente das demandas escolares. Como de se esperar, os autores publicados no Brasil so os mais lidos, na medida em que os seus livros so mais facilmente encontrados. Pepetela, Ruy Duarte, Ondjaki, Agualusa, Manuel Rui e Luandino Vieira so alguns desses. Mas, obviamente, o Programa de Literatura Angolana da USP tambm contempla autores paradigmticos, como: Agostinho Neto, Antonio Jacinto, Viriato da Cruz, Paula Tavares, Jos Lus Mendona, Joo Maimona, para falarmos de alguns poetas. Relativamente bibliografia crtica, deve-se mencionar que a Universidade de So Paulo tem efetuado esforos no sentido de publicar e fazer conhecida uma bibliografia sobre a literatura produzida nos pases africanos de lngua oficial portuguesa. Dentre os ttulos, vale enfatizar o livro A kinda e a misanga Encontros brasileiros com a literatura angolana (Editora Cultura Acadmica e Nzila), que congrega artigos de praticamente todos os professores das universidades brasileiras dedicados ao estudo da literatura de Angola. Organizado pelas professoras Rita Chaves, Rejane Vecchia e eu, o trabalho focaliza momentos importantes do processo literrio do pas, bem como os seus autores e/ou textos paradigmticos. Temos ainda: Portanto... Pepetela; Boaventura Cardoso, a escrita em processo; Marcas da diferena, entre outros ttulos. O mais recente lanamento a coleo Literaturas de lngua portuguesa - Marcos e Marcas (Editora Arte e Cincia), dedicada ao ensino bsico e com um volume especial sobre Angola.

    P - Li, durante muitos anos, referncias suas, por serem escassos os estudiosos de literatura angolana, sobretudo na Amrica. Retive, da mesma forma, Xos Lus Garca e Russel Hamilton. Gostaria que se referisse a estes professores - freqentadores assduos de vrios encontros internacionais de literatura - e aos seus trabalhos, que vm sendo importantes para escritores e estudantes de letras. R - Felizmente, o nmero de estudiosos da literatura angolana cresceu bastante ao longo dos ltimos anos. No Brasil, em razo da Lei 10639 - promulgada pelo presidente Lula da Silva em 2003 e que prev a incluso de tpicos de literatura e de culturas africana e afro-bras