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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL DÉBORA BISERRA REBOUÇAS O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO E O COTIDIANO DAS IDOSAS NO RECANTO DO SAGRADO CORAÇÃO FORTALEZA 2013.2

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ ......Gerontologia –, realizado na instituição de Longa Permanência para Idosos, Lar Torres de Melo. Esse trabalho, requisito para a obtenção

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

DÉBORA BISERRA REBOUÇAS

O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO E O COTIDIANO DAS IDOSAS NO

RECANTO DO SAGRADO CORAÇÃO

FORTALEZA

2013.2

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DÉBORA BISERRA REBOUÇAS

O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO E O COTIDIANO DAS IDOSAS NO

RECANTO DO SAGRADO CORAÇÃO

Monografia submetida à aprovação da

Coordenação do Curso de Serviço Social

do Centro Superior do Ceará, com

requisito para obtenção de título de

Bacharel em Serviço Social.

FORTALEZA

2013.2

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À minha mãe, a minha avó Irene, ao meu

avô Etevaldo e ao meu amigo mais que

especial Martins. A todos os professores

que batalharam pelo reconhecimento do

curso e à minha orientadora Joelma Mª de

Freitas, obrigada por tudo.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar a Deus, pelo o dom da vida, a quem eu devo sabedoria

e garra para vencer na vida, pela permanente presença em meus caminhos e por

me propiciar a conclusão de mais uma etapa. Muito obrigada meu Senhor.

À minha mãe e minha avó, por todos os ensinamentos e princípios éticos

e morais que levo até hoje como troféu. Pelo o apoio e força que me deram durante

toda minha vida, pois sempre estavam dispostas a me ajudar em todos os

momentos, depositando toda a confiança e credibilidade em mim. Eu consegui viu

mãe e vó?

A uma pessoa muito especial, meu querido amigo Martins, pela sua

amizade, cuidado, ternura, paciência e preocupações sem fim, ao longo desses

anos. Um ser que sempre vou lembrar com muito carinho, independente dos rumos

que nossas vidas tomarem, pois sempre me compreendeu e me incentivou a

continuar, dizendo: “calma Debinha, vai dar tudo certo”.

A todos os meus colegas de curso, em especial a Auxiliadora, Juliana,

Elisandra e Alfredo, pela afetuosa acolhida e pelas horas de alegria e carinho

vivenciados. Torço muito por vocês e sentirei muitas saudades.

A todos os professores do curso de Serviço Social, o meu muito obrigada,

pelos conhecimentos transmitidos, pela paciência, compreensão e dedicação com

que nos acompanharam ao longo desse percurso acadêmico. Todos foram muito

importantes para mim.

À minha orientadora Prof.ª Ms. Joelma Maria de Freitas, pelas palavras de

incentivo, pela disponibilidade, inúmeras revisões e sabedoria o transmitir seu

conhecimento e experiência durante esse processo.

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Às professoras Ms. Valney Rocha Maciel e Ms. Mayra Rachel da Silva,

por terem aceitado o convite em participar da Banca Examinadora e pelas

importantes sugestões para aprimoramento desse trabalho.

Ao Recanto do Sagrado Coração, em especial as idosas participantes da

pesquisa, pela solidariedade, acolhimento, e por tão prontamente se disporem a

compartilhar um pouco de suas ricas experiências.

Por fim, agradeço àqueles que de alguma forma se fizerem presentes

contribuíram para esse sonho se tornar realidade.

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“O intervalo de tempo entre a juventude e

a velhice é mais breve do que se imagina.

Quem não tem prazer ao penetrar no

mundo dos idosos não é digno da sua

juventude [...], o ser humano morre

quando, de alguma forma, deixa de se

sentir importante.”

(Augusto Cury, O vendedor de Sonhos)

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RESUMO

Este trabalho tem como proposta compreender qual o contexto que leva a mulher

idosa a viver em uma instituição de longa permanência, verificando o cotidiano

desses sujeitos dentro do Recanto do Sagrado Coração. Este estudo tem como

objetivo geral: compreender as repercussões do processo de institucionalização

sobre a vida das idosas do Recanto do Sagrado Coração; e como objetivos

específicos: Identificar as razões da institucionalização; Analisar a percepção das

entrevistadas sobre a velhice; Identificar se existem vínculos afetivos entre os

sujeitos pesquisados e seus familiares e verificar o cotidiano das idosas

participantes dentro da instituição. O estudo utilizou a pesquisa bibliográfica, a

documental e a de campo. No que se refere à abordagem, foi utilizada a qualitativa.

Os instrumentos utilizados para a pesquisa foram o diário de campo e o roteiro

estruturado e como técnicas, utilizei a observação e a entrevista. O envelhecimento

populacional é uma temática que faz parte do contexto mundial, estando presente no

mundo, no Brasil e em suas regiões. Isso ocorre principalmente devido a baixa taxa

de fecundidade e natalidade das mulheres, atribuída à sua inserção cada vez maior

no mercado de trabalho, bem como ao uso de métodos contraceptivos. O

envelhecimento tem uma maior proporção e por sua vez é denominada de

feminização da velhice. As famílias não são compostas apenas por pai, mãe e filhos.

Tem-se a família ampliada ou intergeracional, que é constituída pelos pais, filhos e

outros parentes (netos, primos, sobrinhos, avós) no mesmo convívio familiar. A falta

da família ampliada (marido, filhos, netos, bisnetos, genros, noras, entre outros)

esbarra em um dos motivos que levaram as idosas a procurarem a instituição de

longa permanência como moradia, pois o apoio familiar é quase nulo. Com as

famílias ficando menores e com os laços de solidariedade mais frágeis, os idosos

tornam-se cada vez mais expostos à fragilidade, a problemas de saúde, a perda de

autonomia e ao processo de institucionalização. Isso quer dizer que a existência da

família não garante a permanência do idoso no núcleo familiar.

Palavras-Chave: Envelhecimento. Família. Idoso. Instituições de Longa

Permanência. Gênero. Cotidiano.

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ABSTRACT

This paper aims to understand what the context that leads to elderly woman living in

a long-stay institution, checking the daily life of these subjects within the Retreat of

the Sacred Heart. This study has the general objective: understand the impact of

institutionalization on the lives of the elderly Nook Sacred Heart process, and specific

objectives: Identify the reasons for institutionalization; examine perceptions of

respondents about old age; Identify if there are emotional bonds among the subjects

studied and their families and check the daily lives of elderly participants within the

institution. The study used the bibliographical, documentary and field research. As

regards the approach was used to qualitatively. The instruments used for the

research were the field diary and structured techniques and how to script, I used

observation and interview. Population aging is an issue that is part of the global

environment, and is present in the world, in Brazil and its regions. This is mainly due

to low fertility rates and birth rates of women, attributed to its increasing integration

into the labor market as well as the use of contraceptives. The aging and has a

higher proportion in turn is called feminization of age. Families are not only

composed of father, mother and children. It has been magnified or intergenerational

family, which consists of parents, children and other relatives (grandchildren,

cousins, nephews, grandparents) in the same family environment. The lack of

extended family (husband, children, grandchildren, great-grandchildren, sons,

daughters, etc.) comes up against one of the reasons why older people to seek a

long-term institution as housing because family support is almost nil. With families

getting smaller and the weakest links of solidarity, the elderly become increasingly

exposed to the frailty, health problems, loss of autonomy and the process of

institutionalization. This means that the existence of the family does not guarantee

the permanence of the elderly in the family.

Key-words: Aging. Family. Elderly. Long-stay institutions. Genre. Everyday.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IC – Irmãs de Caridade

ILPI’s – Instituições de Longa Permanência para Idosos

ONU – Organização das Nações Unidas

RSC – Recanto do Sagrado Coração

SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia

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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS.....................................................................................................09

INTRODUÇÃO...........................................................................................................12

CAPÍTULO I: O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO NO BRASIL E AS IMAGENS

DA VELHICE E DA MULHER IDOSA ......................................................................21

1.1 O envelhecimento e suas diferentes conceituações ..................................21

1.2 Definição de gênero e o significado da mulher idosa na sociedade.........28

CAPÍTULO II: FAMÍLIA E ENVELHECIMENTO: COMPREENDENDO A

IMPORTÂNCIA E O SIGNIFICADO DESTA UNIDADE NA VIDA DAS IDOSAS

...................................................................................................................................41

2.1 Histórico do conceito de família .................................................................41

2.2 Discussões sobre a velhice dentro do contexto familiar ............................46

2.3 Relações Intergeracionais ..........................................................................52

CAPÍTULO III – UMA ABORDAGEM SOBRE O PROCESSO DE

INSTITUCIONALIZAÇÃO E O COTIDIANO DAS IDOSAS NO RECANTO DO

SAGRADO CORAÇÃO ............................................................................................56

3.1 Origem histórica das instituições de longa permanência para idosos (ILPS)

..........................................................................................................................56

3.2 O Recanto do Sagrado Coração ................................................................59

3.3 O processo de institucionalização ..............................................................63

3.4 O cotidiano na instituição ...........................................................................71

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................84

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................89

APÊNDICES..............................................................................................................93

ANEXO A: TERMO DE CONSENTIMENTO (ENTREVISTA)...................................94

ANEXO B: TERMO DE CONSENTIMENTO (OBSERVAÇÃO)................................95

ANEXO C: ROTEIRO DE ENTREVISTA.................................................................97

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INTRODUÇÃO

Este estudo tem como proposta compreender qual o contexto que leva

mulheres idosas a viverem em uma instituição de longa permanência, verificando o

cotidiano desses sujeitos dentro da unidade. O despertar do interesse por essa

temática se deu a partir de um trabalho acadêmico em equipe – da disciplina de

Gerontologia –, realizado na instituição de Longa Permanência para Idosos, Lar

Torres de Melo. Esse trabalho, requisito para a obtenção da nota parcial, objetivava

que o grupo pesquisasse como era a vida dos idosos residentes na citada unidade.

Em visita ao Lar Torres de Melo, foi possível perceber que existem duas

alas, uma de cunho público e outra de cunho privado, ou seja, idosos que

contribuem financeiramente com a instituição e aqueles que necessitam de doações

filantrópicas. Os idosos “contribuintes” sobrevivem da aposentadoria, pensão ou

auxílio familiar; moram em quartos chamados “apartamentos” e necessitam, na

maioria das vezes, de um(a) cuidador(a) particular contratado pelos familiares.

Chamou-me a atenção o fato de haver pessoas idosas que procuram o

Lar Torres de Melo e outras instituições de acolhimento por escolha própria.

Instigaram-me muito os relatos da Assistente Social que nos atendeu e as

observações sobre os idosos residentes. Foi somente a partir da visita à citada

instituição que diversos questionamentos começaram a incidir sobre meus

pensamentos, dentre os quais o mais pertinente foi o porquê da procura e da ida de

idosos para acolhimentos como opção de moradia.

Diante do exposto, a motivação para o estudo foi construída, passando

então a me especular por que os idosos, ao invés de estarem no seio familiar, ou

mesmo residindo sós, estão em unidades dessa natureza?. Perguntas do tipo – Por

que esses idosos não estão em casa, no aconchego familiar?; Estar na instituição foi

uma opção do idoso ou da família?; A partir de qual momento isso ocorreu? E por

quê? – me inquietavam bastante, pois, na minha concepção, o processo de

institucionalização deveria ser uma das últimas decisões a serem tomadas.

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Devido à indisponibilidade de o Lar Torres de Melo abrir o espaço para a

pesquisa de campo – uma vez que a Assistente Social Júlia me informou que os

idosos estavam incomodados e exaustos com as recorrentes pesquisas na

instituição –, essa ocorreu no Recanto do Sagrado Coração (RSC). Esta unidade se

caracteriza como associação civil e religiosa, de direito público e privado, de caráter

formativo e assistencial, sem fins lucrativos, fundada em 02 de Setembro de 1917,

sendo sediada na Avenida da Universidade, nº 3106, Benfica, Fortaleza - Ceará,

coordenada pela Ir. Terezinha Silva dos Santos.

Tal instituição recebe exclusivamente pessoas do sexo feminino, acima

de 60 anos, que chegam a ela através de três vias principais: voluntária,

autoescolha; encaminhamento pelo Estado – quando as idosas não têm família ou

quando esta está legalmente impedida de exercer sua tutela; e por iniciativas de

parentes próximos. A unidade é divida em duas alas: a particular, com quinze

idosas, e a pública, com dezesseis. A idade das residentes varia entre 65 e 98 anos,

sendo a maior parte delas proveniente de Fortaleza e de cidades adjacentes. O nível

de escolaridade é diverso: analfabetas, ensino primário ou secundário, superior e

pós-graduação. Um outro dado significativo é o número de mulheres sem filhos,

solteiras ou viúvas.

Um dos critérios utilizados pela instituição para receber essas idosas é a

relativa autonomia motora e cognitiva, condição necessária para sua manutenção na

unidade, que historicamente não conta com a presença de um significativo

contingente de cuidadores no seu quadro de funcionários. As moradoras com

diagnóstico de demência senil avançada, restrição psicomotora severa ou doenças

incapacitantes são assistidas pela família através da contratação de profissionais

especializados. Aquelas que não podem contar com o apoio financeiro dos parentes

são cuidadas pelas Irmãs de Caridade.

Para manter o funcionamento da unidade, as Irmãs contam com o apoio

de funcionários e colaboradores. São ao todo quinze pessoas distribuídas nas

seguintes funções: motorista, cozinheiras, serviços gerais, jardineiro, recepcionista,

entre outros. Os serviços de suporte às residentes – médico, fisioterapêutico,

psicólogo, odontológico, jurídico, entre outros – são, em geral, realizados por

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voluntários ou docentes das mais diversas instituições de ensino superior de

Fortaleza.

Compreendo que este tema se trata de um assunto de grande

importância, apesar de ainda não receber a devida atenção por parte uma boa

parcela da sociedade brasileira como um todo. Debert (1999) relata que a sociedade

vê o idoso como um ser menos produtivo, cuja substituição pelos jovens acaba se

tornando uma ação banal, assim como faz a lei da oferta e da procura que incide

sobre a força de trabalho. Ainda segundo essa autora, a sociedade, assim como o

capitalismo, torna o idoso uma mercadoria a mais, atribuindo qualidades negativas e

desvalorizando essa categoria.

Hoje, na cena contemporânea da sociedade brasileira, é possível

observar que o país está passando por um processo de envelhecimento

populacional. Esse fato se dá devido ao aumento da expectativa de vida da

população, a qual mais que dobrou nos últimos anos. Outro fator que influência esse

processo é, por um lado, a redução da taxa de fecundidade das mulheres, e, por

outro, o planejamento familiar que resulta no número reduzido de filhos.

Born (2001) aponta que, com as famílias ficando cada vez menores, com

a inserção das mulheres no mercado de trabalho, com os laços de solidariedade

mais frágeis e com o crescimento da longevidade da população, os idosos ficam

cada vez mais expostos à fragilidade, aos problemas de saúde e à perda de

autonomia. Isso quer dizer que a existência da família não garante a permanência

do idoso no núcleo familiar.

Silva (2008) aponta que o crescente processo de envelhecimento da

população é um assunto que vem ganhando ênfase nos diferentes campos da

cultura, motivando debates e produzindo novidades e desafios, no que diz respeito à

gestão dos ‘problemas’ sociais. Ainda de acordo com tal autora, no que se refere

aos estudos acadêmicos sobre a velhice, diversos empenhos têm sido empregados

com o objetivo de avaliar, problematizar, verificar e propor novas maneiras de se

compreender o fenômeno do envelhecimento.

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Esses esforços procedem das mais diversas disciplinas, como medicina, psicologia, sociologia e antropologia, sem deixar de mencionar a emergência de mais uma disciplina que almeja a integração dos discursos especializados: a gerontologia. (SILVA, 2008, p. 156).

Pinheiro Junior (2003) relata que nos anos de 1970 novos enfoques

surgem, passando a se preocupar com os reflexos desta temática para a

incorporação das pessoas idosas no espaço social, em estudos e pesquisas que

abrangem não apenas aspectos físicos e mentais, mas também as alterações da

sociedade em relação a elas. Esse autor ainda destaca que a categoria “idoso” é

interpretada pelos indivíduos como sinônimo de gastos, como classe que traz

grandes problemas para os setores da previdência e da saúde pública.

O aumento da expectativa de vida influencia na instituição familiar, pois as

mudanças nos fatores socioculturais e econômicos afetam a dinâmica da família.

Diante dessa cena contemporânea que a sociedade vivencia, novas estruturas

familiares se formam, apresentando novas composições familiares. As famílias não

são mais compostas por pai, mãe e filhos. Tem-se a família ampliada ou

intergeracional que é composta pelos pais, filhos e outros parentes (netos, primos,

sobrinhos, avós) no mesmo convívio familiar.

A relevância desta pesquisa para a sociedade reside no fato de que é

essencial sensibilizá-la sobre os impactos resultantes do aumento significativo do

processo de envelhecimento, como uma maneira de amenizar os estigmas e

estereótipos que giram em torno dos idosos, em especial das mulheres idosas,

estabelecendo uma nova subjetividade para esses sujeitos. É necessário que a

população, assim como a família de idosas institucionalizadas, compreendam a

importância de se manter e fortalecer os vínculos afetivos por meio de visitas e

acompanhamentos após a institucionalização.

Para o Serviço Social, a pesquisa torna-se importante porque pode

propiciar a abertura de espaços de análises e reflexões críticas a respeito da velhice

– já que este é um tema que vem ganhando grandes amplitudes e necessita de um

aparato maior, estabelecendo-se também como fonte de conhecimentos,

investigação e auxílio ao exercício profissional do Assistente Social. Paz (2010)

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descreve que, como o Serviço Social é uma profissão de intervenção que se

sustenta nas ciências humanas e sociais, deve o Assistente Social estar apto para

operar nos diversos espaços sócio-ocupacionais. A autora informa ainda que os(as)

Assistentes Sociais, por meio de ações socioeducativas e organizativas, contribuem

efetivamente para a emancipação das idosas, por meio de planejamentos,

gerenciamentos, execução de políticas, programas e serviços sociais.

A pesquisa se deu na ala particular da instituição. Dessa forma, este

estudo tem como objetivo geral: Compreender as repercussões do processo de

institucionalização sobre a vida das idosas do Recanto do Sagrado Coração. Já os

objetivos específicos são: Identificar as razões da institucionalização das idosas;

Analisar a percepção das idosas sobre a velhice; Identificar se existem vínculos

afetivos entre os sujeitos pesquisados e seus familiares e, por último e não menos

importante, verificar o cotidiano das idosas participantes dentro da instituição.

Este estudo utilizou a pesquisa bibliográfica, documental e a de campo.

Na pesquisa bibliográfica, foram utilizados autores, tais como: Born (1996, 2002);

Camarano (2003, 2004); Debert (1998, 1999); Ferreira e Simões (2011); Giddens

(2005); Goffman (1974); IBGE (2000, 2004, 2010, 2011); Neri (2001, 2005); Santos

(2003, 2004), entre outros. Já as categorias que permeiam este estudo são:

envelhecimento; família; idoso; instituições de longa permanência; gênero e

cotidiano.

No que se refere à abordagem, utilizei a qualitativa, pois, segundo

Chizzotti (2006), esse tipo de pesquisa proporciona ao investigador buscar

interpretar os significados que são apresentados e os que não estão visíveis e

precisam da atenção do pesquisador, isto é, não estão apenas no sentido de colher

as informações, mas, sim, de interpretar os elementos que são fornecidos pelos

sujeitos da pesquisa. Chizzotti (2006, p.26) completa: “As pesquisas qualitativas,

[...], não tem um padrão único porque admitem que a realidade é fluente e

contraditória e os processos de investigação dependem também do pesquisador –

sua concepção, seus valores, seus objetivos”.

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Os instrumentos utilizados para a pesquisa foram o diário de campo e o

roteiro estruturado e, como técnicas, utilizei a observação e a entrevista. A

observação, como informa Gil (2005), possibilita que o pesquisador realize de forma

natural os eventos que acontecem, adotando uma posição de expectador. Já a

entrevista, teve a finalidade de aprofundar o conhecimento sobre a situação que as

idosas vivenciam. Segundo Gil (2011, p. 113): “A entrevista estruturada desenvolve-

se de uma relação fixa de perguntas, cuja ordem e redação permanecem invariáveis

para todos os entrevistados...”.

A pesquisa teve início em Agosto de 2013 e foi concluída em Outubro do

mesmo ano. Para o início do estudo, foi levado o ofício da faculdade para formalizar

o pedido junto à coordenadora e à responsável pelos projetos da instituição. Foi

realizada a gravação das entrevistas, uma vez que esse recurso possibilita que

nenhum dado fornecido pelas participantes seja perdido, além de permitir que o

pesquisador confira inúmeras vezes o conteúdo fornecido pelos sujeitos.

As entrevistas ocorreram nos apartamentos das idosas e foram muito

demoradas, com duração de 1 hora e 30 minutos, em média. As idosas foram

informadas do que se tratava a pesquisa, através do termo de consentimento livre e

esclarecido. Posteriormente, as residentes ficaram cientes de que seria efetuada a

segunda etapa do estudo: a observação não participante. Foram necessários oito

dias para fazer as entrevistas e seis para executar as observações, visto que, antes

de realizá-las, foi preciso estabelecer um primeiro contato com as idosas.

Constaram como coleta de dados a aplicação da análise dos discursos e

alguns recursos da etnografia com anotações em diários de campo. A primeira, de

acordo com Chizzotti (2006), versa sobre o diálogo entre as pessoas que falam,

incidindo sobre um vasto conjunto de doutrinas e técnicas que corresponde a

propósitos e finalidades muito distintos. Esse autor (2006, p.120) ainda discorre: “Em

pesquisa, é análise de um conjunto de ideias, um modo de pensar ou um corpo de

conhecimentos expressos em uma comunicação textual ou verbal, que o

pesquisador pode identificar quando analisa um texto ou fala”.

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Os recursos da etnografia foram utilizados porque, a partir deles, foi

possível escrever e descrever, em diários de campo, o que era visto e ouvido, as

principais características das idosas e da instituição, seus comportamentos, ações,

singularidades e particularidades. (CHIZZOTTI, 2006). Fiz uso dos diários de campo,

porque, através dele, como fala Macedo (2006), é possível conhecer e compreender

o dia-a-dia das participantes e os contextos que fazem parte de suas vidas. Como

fala Borba (1997) sobre este instrumento:

...torna-se uma prática regular de escrita de um texto nosso, com o objetivo de uma maior competência de escrita e de articulação dos nossos espaços de reflexão, um dispositivo que coloca a nu nossas relações e que, assim, nos ajuda a compreendê-la em profundidade. (p.67).

O universo da instituição compreende o total de 31 (trinta e uma) idosas,

dentre as quais foram escolhidas quatro residentes da ala particular para a amostra

do estudo. Para que esta fosse realizada, solicitei que a responsável pelos projetos

da unidade (Socorro Campelo) me auxiliasse na seleção das idosas a serem

pesquisadas, me apresentando a elas. Os critérios utilizados para a escolha das

entrevistadas foram adotados pela citada profissional, que optou por selecionar as

idosas que mais gostavam de participar das pesquisas e que estavam em plenas

condições mentais, não tendo como ir contra a instituição. Os sujeitos da pesquisa

foram denominadas de Rosa Sem Pétalas, Suavidade, Vaidosa e Olhar Triste. Os

nomes são fictícios e foram escolhidos através de características pessoais ou pelas

falas das idosas que percebi no momento das entrevistas, tendo como intuito

preservar a identidade delas.

Suavidade é natural de Bela Cruz – Ceará; nasceu no dia 20 de Abril

de 1929; tem 84 anos, sua religião é católica. Seu estado civil é solteira, nunca

casou e nem teve filhos. Era costureira e fazia serviços domésticos, estudou até os

13 anos, terminando o ensino fundamental I; é aposentada. Sua família era formada

por 10 membros, sendo composta pelos pais e 08 irmãos. Reside, há seis anos, na

instituição e, antes de passar pelo processo de institucionalização, morava sozinha,

vendendo sua casa logo em seguida. Recebe, atualmente, a visita de uma sobrinha.

Suavidade, quando jovem, tornou-se uma excelente costureira. Em relação à saúde,

Suavidade tem problemas de coluna e de vista.

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Olhar Triste é natural de Manaus – Amazonas; nasceu no dia 25 de

Fevereiro em 1943; tem 70 anos, sua religião é católica. Seu estado civil é solteira,

nunca casou nem teve filhos. Trabalhou como professora de inglês e fez curso de

datilografia; estudou até o ensino médio completo. Não teve formação de nível

superior e nem seguiu a vida religiosa, por ter manifestado desde cedo uma saúde

frágil; foi postulante com as Irmãs Franciscanas; é aposentada. Sua família era

formada por 04 membros, sendo composta pelos pais e um irmão. Seu pai era

funcionário público e faleceu quando Olhar Triste era criança. Reside, há seis anos,

na instituição e, antes de passar pelo processo de institucionalização, morava com a

mãe, que faleceu aos 96 anos, na casa que pertencia a Olhar Triste e ao irmão.

Recebe a visita do irmão, da cunhada, dos sobrinhos e de duas primas. Em relação

à saúde, Olhar Triste tem começo de diabetes, problemas nos tendões da mão

direita e apresenta depressão desde os 19 anos.

Vaidosa é natural de Fortaleza – Ceará; tem 82 anos, sua religião é

católica. Seu estado civil é solteira, nunca teve filhos nem casou. Trabalhou como

funcionária pública na Secretaria de Educação do Estado por 32 anos; concluiu o

ensino médio completo; é aposentada. Sua família era formada por 05 membros,

sendo composta pelos pais e três irmãos. Na juventude, Vaidosa fez aulas de piano

e de coral no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno. Reside, há seis anos,

na instituição e, antes de passar pelo processo de institucionalização, chegou a

morar com as tias, com a mãe e posteriormente com uma parenta. A idosa gosta

muito de viajar e passear. Recebe a visita de uma amiga de infância. Em relação à

saúde, Vaidosa tem labirintose.

Rosa Sem Pétalas é natural de Massapé – Ceará; nasceu no dia 19 de

Junho de 1925; tem 88 anos, sua religião é católica. Seu estado civil é viúva, porém

nunca teve filhos; passou 12 anos casada. Trabalhou como costureira; estudou até o

5º ano do ensino fundamental I; é aposentada e pensionista. Sua família era

formada por quatro membros, sendo composta pelos pais e um irmão. A mãe era

costureira e católica. Devido a isso, a participante desde cedo buscou se engajar em

vários grupos religiosos e em organizações de eventos da igreja. Cuidou da mãe até

seu falecimento. O pai era comerciante e faleceu antes de Rosa Sem Pétalas

nascer. Reside, há quatro anos, na instituição e, antes de passar pelo processo de

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institucionalização morava sozinha. Recebe a visita das sobrinhas e do irmão. Não

sente mais prazer nas atividades que realiza, perdendo o ritmo de sonhar. Em

relação à saúde, Rosa Sem Pétalas tem problemas nos joelhos.

O presente trabalho foi estruturado em três capítulos, que, por sua vez,

apresentam os dados e os discursos dos sujeitos pesquisados, estabelecendo

relações com as teorias expostas. O primeiro capítulo, intitulado “O PROCESSO DE

ENVELHECIMENTO NO BRASIL E AS IMAGENS DA VELHICE E DA MULHER

IDOSA”, traz a discussão sobre o envelhecimento no mundo e no Brasil. Faz ainda

uma reflexão sobre idoso, gênero e as imagens e percepções a respeito da velhice e

da mulher idosa.

O segundo capítulo, intitulado de “FAMÍLIA E ENVELHECIMENTO:

Compreendendo a importância e o significado desta unidade na vida das

idosas”, versa sobre o histórico do conceito de família, fazendo uma interface com

as discussões sobre a velhice dentro do contexto familiar, realçando a importância

das relações intergeracionais para as mulheres idosas.

O terceiro capítulo, intitulado “UMA ABORDAGEM SOBRE O

PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO E O COTIDIANO DAS IDOSAS NO

RECANTO DO SAGRADO CORAÇÃO”, aborda a origem e a evolução histórica das

instituições de longa permanência para idosos. Em seguida, busca relatar as

percepções e sentimentos identificados pela pesquisadora nas visitas realizadas no

RSC e, posteriormente, verifica o cotidiano e o comportamento das idosas na

unidade institucional através de observações e anotações em diários de campo.

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CAPÍTULO I – O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO NO BRASIL E AS

IMAGENS DA VELHICE E DA MULHER IDOSA

Este primeiro capítulo aborda o processo histórico do envelhecimento e

suas diferentes conceituações, definindo os termos velhice, velho, idoso e terceira

idade. Visa ainda fazer uma relação das imagens de velhice e das concepções de

mulher idosa a partir da compreensão das narrativas das idosas entrevistadas.

Portanto, este capítulo traz a discussão de gênero em seus diversos âmbitos,

apresentando o significado da mulher idosa na sociedade.

1.1 O envelhecimento e suas diferentes conceituações

A temática do idoso vem ganhando cada vez mais espaços e visibilidade

dentro da sociedade, devendo-se principalmente ao crescente número da população

idosa no Brasil e no mundo. Esse aumento considerável do número de pessoas

idosas tem relação direta com a longevidade desses sujeitos. Sobre isso, o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) aponta que a longevidade dos

idosos tornou-se um fenômeno de amplitude mundial, que traz cada vez mais

preocupações nos espaços sociais e políticos.

Atualmente, no Brasil, o alargamento do topo da pirâmide etária pode ser observado pelo crescimento da participação relativa da população com 65 anos ou mais, que era de 4,8% em 1991, passando a 5,9% em 2000 e chegando a 7,4% em 2010. (IBGE, 2010).

A partir dessas estatísticas, é possível acreditar que o ser humano

obtenha uma vida mais longa do que seus ancestrais. De acordo com os dados do

IBGE (2004), o limite de 70 anos de vida que havia sido dado aos brasileiros foi

deixado para trás em meados do ano 2000, quando a média de vida aumentou para

70,4 anos, no mesmo ano. Segundo essas informações, o Brasil tende a aumentar

cada vez mais a média de vida em anos da população, alcançando em 2050 uma

perspectiva de 81,3 anos, ou seja, 81 anos e 3 meses de idade. (LIMA, 2009).

Já as informações do IBGE de 2011 identificaram que Fortaleza está

entre as cidades que tem o maior índice de pessoas no Brasil, ocupando a quinta

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colocação no ranking com mais de 2 milhões de moradores, dentre os quais

destacam-se a população idosa com mais de 60 anos, o que só comprova que o

número de idosos é maior do que o número de jovens. Com isso, Rodrigues (2012)

declara:

Diante dos dados, percebe-se que o envelhecimento de Fortaleza também está ligado à queda nas taxas de fertilidade e mortalidade como em todo país e mundo, e por sua vez acaba provocando mudança na estrutura etária. Pois, assim como as condições de vida e saneamento básico influenciam na longevidade do país, também influencia nas cidades e regiões. (RODRIGUES, 2012, p.28).

Ainda de acordo com a autora (2012), esse fenômeno pode ter como

causas as transformações que vêm ocorrendo no âmbito familiar, como a ascensão

da mulher no mercado de trabalho e a sua independência na vida privada –

momento em que ela deixa a figura de esposa e de procriadora –; a baixa natalidade

e fecundidade através principalmente do uso de contraceptivos, resultando na

variação da composição familiar, momento em que os casais optam por ter apenas

um filho ou, às vezes, nenhum; a entrada na menopausa e o número cada vez maior

de adolescentes que são assassinados todos os dias devido ao envolvimento com

drogas.

As autoras Ferreira e Simões (2011, p.13) indicam como justificativa para

o crescimento da população idosa a informação:

Esse aumento acentuado da população idosa no mundo justifica-se em função da exploração de medidas produtoras que visam postergar a morte, aliado a outros fatores de caráter tecnológico, médico e científico, bem como à melhora no atendimento das necessidades básicas de saúde.

No que diz respeito à linguagem cotidiana da sociedade ocidental, ao se

pensar no conceito de idoso, uma das primeiras conclusões que se pode chegar é

que ele é uma pessoa frágil, doente, inválida e que passa por constantes perdas de

memória. Diferentemente da perspectiva do senso comum, a definição do que vem

a ser idoso nos dias atuais traz contribuições para amenizar alguns dos muitos

preconceitos que permeiam a condição da pessoa idosa no Brasil. (PINHEIRO

JUNIOR, 2003).

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Segundo Papaleo Neto (2002), existe uma relação próxima entre as

denominações envelhecimento, velhice, velho e idoso. O envelhecimento significa o

processo; a velhice significa a última fase da vida; e o termo velho ou idoso significa

o resultado final. Desse modo, o envelhecimento constitui o processo do qual os

idosos estão vivendo, a velhice é a etapa da vida e velho ou idoso é o último

momento, o estágio final de todo um processo.

Para a ONU (1982)¹, nos países desenvolvidos, são considerados idosos

as pessoas com 65 anos ou mais; já nos países em desenvolvimento – como o

Brasil – , e de acordo com o Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de

2003), são considerados idosos aqueles com idade igual ou superior a 60 anos.

Sobre isso, o artigo 1º do Estatuto do Idoso ratifica: “É instituído o Estatuto do Idoso,

destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior

a 60 (sessenta) anos”.

Outra denominação bastante comum que faz referência às pessoas

idosas é a terceira idade². De acordo com Neri (2000), o surgimento do termo

terceira idade, bastante usado atualmente, ocorreu na França em meados da

década de 1960. Na época, utilizavam-se o termo para se referir à idade com que

as pessoas se aposentavam. A autora ainda relata que a França fazia investimentos

na área do lazer para as pessoas com idade superior a 45 anos, pois acreditava que

se essas pessoas tivessem uma vida ativa e mais dinâmica chegariam à velhice de

forma saudável, evitando futuros problemas para os cofres públicos e para a

sociedade. Dessa forma, Debert (1994) aponta que a palavra terceira idade se

proliferou de maneira rápida no Brasil, configurando uma maneira de se tratar as

pessoas que ainda não receberam uma visão preconceituosa e estereotipada.

_______________________

¹ Em 1982, a ONU, através da Resolução 39/125 fez essa definição durante a Primeira Assembleia Mundial das Nações Unidas sobre o Envelhecimento da População. ² A denominação terceira idade foi criada na Europa no ano de 1957, através da Organização Mundial de Saúde.

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Silva (2008), em seus estudos sobre a terceira idade, aponta que existem

poucas informações sobre seu processo histórico, e que, por isso, o surgimento do

termo terceira idade torna-se bastante complexo. Contudo, essa autora relata que o

processo histórico do surgimento da terceira idade está diretamente ligado a fatores

e características advindos de estudos da área de sociologia e antropologia que

giram em torno de diferentes aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais.

No que diz respeito ao surgimento da velhice, Pinheiro Junior (2003)

retrata que a mesma recebeu os primeiros reconhecimentos científicos a partir do

século XVI, e que alguns cientistas, como Bacon e Descartes, já passavam a

analisar alguns aspectos referentes ao envelhecimento por acreditarem ser

importantes. Contudo, ainda segundo Pinheiro Junior (2003, p. 01): “o médico

francês Jean Marie Charcot, em 1867, foi o primeiro a apresentar um trabalho

científico sobre a terceira idade”.

Segundo Silva (2008 apud Hareven, 1995), até meados do século XIX,

fatores de ordem demográfica, social e cultural juntavam-se de tal maneira que as

sociedades pré-industriais não tinham como separar nitidamente as funções

específicas para as diferentes idades. Foi somente a partir do século XIX, de forma

gradativa, que se tornou possível a divisão dessas funções para cada idade, o

reconhecimento das diferenças entre os segmentos etários e dos espaços

destinados aos diferentes grupos de pessoas.

A diversidade de idades entre as crianças de uma mesma família, a ausência da regulamentação de um tempo específico para o trabalho e a coabitação de famílias extensas são apenas alguns dos fatores que, em conjunto, não favoreciam a fragmentação do curso da vida em etapas determinadas (SILVA, 2008 apud HAREVEN, 1995, p.156).

É possível notar que algumas sociedades ocidentais tinham grandes

dificuldades em separar as pessoas pela a idade: quem era criança, jovem, adulto e

idoso. Tornava-se uma tarefa quase impossível naquela época, pois os sujeitos não

possuíam conhecimentos nem noções específicas sobre o que significam os

diferentes tipos de idade, como a cronológica, biológica, social e psicológica. Dessa

forma, o reconhecimento dessas idades, assim como a classificação etária de cada

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indivíduo, se deu de forma paulatina a partir de estudos que começavam a surgir

sobre a temática no século XIX.

Inicia-se a partir do século XIX a divisão do curso da vida em etapas mais

formais, mudanças rigorosas e iguais de uma prática a outra e a divisão dos

espaços das diversas categorias etárias. Silva (2008) ainda relata que, dessa

maneira, a compreensão da velhice como uma fase singular faz parte tanto de um

processo histórico vasto, quanto de uma propensão contínua em colocar à margem

as idades no campo familiar e social.

O surgimento de categorias etárias relaciona-se intimamente com o processo de ordenamento social que teve curso nas sociedades ocidentais durante a época moderna. [...] Têm início a segmentação do curso da vida em estágios mais formais, as transições rígidas e uniformes de um estágio a outro e a separação espacial dos vários grupos etários. Desse modo, o reconhecimento da velhice como uma etapa única é parte tanto de um processo histórico amplo – que envolve a emergência de novos estágios da vida como infância e adolescência –, quanto de uma tendência contínua em direção à segregação das idades na família e no espaço social. (SILVA, 2008, p.157).

Sobre isso, Silva (2008) adota como hipótese que a velhice esteja

diretamente ligada ao processo de modernização das sociedades ocidentais. Foi a

partir daí que ocorreram mudanças específicas que reordenaram o segmento da

vida e geraram condições para o aparecimento da velhice. Dois fatores foram

fundamentais e determinantes nesse processo: a concepção de novos saberes na

área da medicina que investiram sobre o corpo já envelhecido dos sujeitos e a

institucionalização das aposentadorias. Para Silva (2008, p.158), “a noção de velhice

como etapa diferenciada da vida surgiu no período de transição entre os séculos XIX

e XX”. Em sua reflexão sobre essa noção de velhice, Barros aponta (2007, p.130):

Pensar a velhice em termos de identidade social possibilita perceber que a velhice é uma classificação, uma vez que há uma atribuição por parte da sociedade e uma autoatribuição concomitantemente da identidade etária, separando e arrumando os indivíduos em um parâmetro de idade. Mas a transposição do esquema teórico de identidade étnica para o de identidade etária não é imediata. A identidade social sofre, ela própria, valorizações por parte de grupos e/ou indivíduos em interação social, e as características a ela atribuídas são também bem ou mal valorizadas.

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De acordo com Ferreira e Simões (2011, p.14):

Em algumas culturas, as pessoas envelhecidas eram veneradas, sendo motivo de orgulho possuir um idoso em casa. Também em algumas sociedades primitivas, ao envelhecerem e no aparecimento das dificuldades na realização de seus trabalhos, os idosos não eram deixados de lado, mas colaboravam com suas experiências profissionais e de vidas, de modo a facilitar o cotidiano dos mais jovens.

Contudo, Bosi (1983, p.37) diz: “a sociedade rejeita o velho, não oferece

nenhuma sobrevivência a sua obra. Perdendo a força de trabalho, ele já não é

produtor e nem reprodutor”. Dessa maneira, a sociedade moderna atribui uma visão

negativa aos idosos, em que eles só ‘servem’ e só têm ‘utilidade’ enquanto são

produtivos, enquanto podem vender sua força de trabalho e garantir lucros para a

sociedade capitalista. Sobre essa etapa da vida, o relato a seguir mostra a

percepção que Rosa Sem Pétalas tem sobre a velhice:

Para mim, eu não me preocupo com velhice não, porque eu sei que não sou mais nova, aí eu não me preocupo não. Já quero é que seja o dia de eu ir para o céu. Eu quero ir para o céu. Porque é bom sair daqui, minha mãe num já foi, meu marido num já foi, o que é que eu quero mais aqui? Nada, tem mais vez não, minha vida já passou. (Rosa Sem Pétalas, 88 anos, grifos meus).

Na entrevista com Rosa Sem Pétalas, pude perceber que ela não

demonstrou alegria em estar vivendo essa etapa da vida, e que sempre fazia

referências à mãe e ao marido ao falar em velhice, e o quanto era feliz quando tinha

essas duas pessoas ao seu lado. Quando indagada se tinha medo ou preocupação

de estar vivendo essa fase, e das doenças que poderia estar adquirindo com a

idade, Rosa Sem Pétalas afirmou que não. A entrevistada disse que uma das Irmãs

da instituição chegou a reclamar por ela ter esse tipo de pensamento, mas Rosa

Sem Pétalas disse que só fala aquilo que está sentindo. Quando a instiguei

perguntando se a velhice era uma fase ruim da vida, ela me disse:

É ruim porque eu não vivo junto com a minha mãe e com o meu marido, só isso que é ruim. Não tá com a minha família, viver aquilo tudinho, tudo, eu não ir para o banco receber dinheiro como eu ia, fazer o que eu fazia. Se precisava de médico eu ia sem precisar perturbar ninguém; eu só não gosto é de perturbar.(Rosa Sem Pétalas, 88 anos, grifos meus).

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Na entrevista com Olhar Triste, foi possível verificar que sua percepção a

respeito da velhice é diferente da percepção da entrevistada Rosa Sem Pétalas,

entendendo a velhice como a perda de autonomia. Para Olhar Triste, a velhice e a

morte são encaradas como um fato completamente natural da vida, em que as

pessoas que não morrem na mocidade evidentemente chegarão a essa fase. No

relato da idosa, evidencia-se uma contradição, ao encarar a velhice como um

momento de purificação do ser humano, para entrar no reino dos céus, o que

envolve suplício, algo doloroso que terá que ser vivenciado para se redimir dos

pecados da juventude, como se lê a seguir:

A velhice é uma coisa natural da vida, ou morre antes né na mocidade, que, aliás, eu tive para morrer com 17 anos e não senti medo da morte, nada, naturalmente, criei assim de tudo; e a morte para mim é assim, uma coisa completamente natural e a velhice também natural. Se a gente não morrer antes, tem que envelhecer que, aliás, é uma purificação para mim, é uma purificação para a pessoa entrar no reino de Deus, no reino dos céus, encontrar os parentes que foram bons, os amigos que foram bons para nós, nossos benfeitores que foram bons para a gente; acho que é uma festa lá no céu. Quando envelhece com boa saúde mental né e física é ótimo. Eu vejo tanta gente idosa aí, comentarista de televisão, de futebol, de tudo idoso né, eu acho tão bacana isso. Mas quando ataca a cabeça aí é que é horrível né? Mas mesmo assim eu acho que é uma purificação, é uma purificação de todos os nossos pecados da mocidade, quando chega na velhice a gente se purifica. (Olhar Triste, 70 anos, grifos meus).

Para Schneider e Irigaray (2008), é difícil afirmar quando se inicia a fase

denominada de velhice, pois se torna complexo fazer uma generalização sobre essa

etapa da vida, se levado em consideração os diferentes tipos de idosos e de

velhices. Contudo, as formas de conceituar a velhice são diversas, tomando como

exemplo a definição legal adotada no Brasil, pelo Estatuto do Idoso (2003), que

define como sendo idosas todas as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.

Dessa forma, a definição se baseia na idade cronológica do indivíduo. Existem,

contudo, outros critérios usados para se entender o envelhecimento humano, como

o biológico, o psicológico e o social.

No caso da idade cronológica, é possível dizer que ela se refere à

passagem do tempo em dias, meses e anos, desde o dia do nascimento até a morte,

referindo-se ao número de anos da pessoa, ou seja, a idade que ela tem, pois a

cada dia que se passa o ser humano tende a ficar mais velho. Por assim ser, a idade

cronológica não pode ser considerada como um índice de desenvolvimento

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biológico, psicológico e social para considerar se a pessoa é idosa ou não.

(SCHNEIDER e IRIGARAY, 2008).

Já a idade biológica está relacionada com as modificações que ocorrem

no corpo e na mente no decorrer do processo de desenvolvimento do ser humano,

caracterizando o envelhecimento. A idade biológica é um processo que tem início

antes do nascimento e se estende até a morte. Nessa etapa da vida ocorrem

algumas mudanças físicas, como a diminuição da altura, perda parcial ou total da

audição e visão, perda de elasticidade. (SCHNEIDER e IRIGARAY, 2008).

Ainda de acordo com Schneider e Irigaray (2008), no caso da idade

social, ela pode ser entendida como o processo que o indivíduo tem de adquirir

hábitos e status social. Está relacionada aos papéis sociais, à cultura, ao

comportamento e ao grupo social com o qual os idosos estão envolvidos. A idade

social adquire algumas características próprias, como vestimentas, costumes e falas.

Segundo Neri (2005), a idade psicológica pode ser definida de duas

formas: a primeira está relacionada com a idade cronológica e a capacidade de

percepção, de aprendizado e de memória; e a outra definição está relacionada com

a avaliação da presença ou ausência de fatores biológicos, sociais e psicológicos do

processo de envelhecimento, verificados por diferentes pessoas da mesma idade.

1.2 Definição de gênero e o significado da mulher idosa na sociedade

A partir da apresentação das percepções de Rosa Sem Pétalas e Olhar

Triste sobre a velhice e descritos os diferentes tipos de idade dos idosos, é

importante ressaltar a distinção no conceito entre os termos “idoso” e “idosa”.

Portanto, abordarei a definição de gênero, a relação entre gênero e velhice e gênero

e saúde, para a compreensão do significado do papel da mulher idosa dentro da

sociedade, no ambiente familiar e no processo de envelhecimento.

Sobre o conceito de gênero, Giddens (2005, p.102) informa: Em geral, os sociólogos utilizam o termo “sexo” para se referir às diferenças anatômicas e fisiológicas que definem os corpos masculino e feminino.

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Gênero, em contrapartida, diz respeito às diferenças psicológicas, sociais e culturais entre homens e mulheres. O gênero está ligado a noções socialmente construídas de masculinidade e feminilidade; não necessariamente um produto direto do sexo biológico de um indivíduo. A distinção entre sexo e gênero é fundamental, já que muitas diferenças entre homens e mulheres não são de origem biológica.

Ainda de acordo com Giddens (2005), as diferenças existentes entre

gênero não têm como fator apenas os aspectos biológicos, pois esses por si sós não

determinam o ser humano, que é determinado principalmente pelos fatores culturais

que são adquiridos e produzidos. Dessa forma, o mesmo autor (2005) defende que a

desigualdade de gênero está diretamente relacionada com a diferença de status, de

poder, de valores, de atitudes e de papéis que as mulheres e os homens

desempenham na sociedade e nos grupos com os quais convivem. Ainda é correto

dizer, que as diferenças de gênero não são, ao todo, neutras, pois o gênero torna-se

um dos fatores preponderantes na divisão das atividades entre homem e mulher, na

estruturação social. Sobre isso Giddens (2005, p.105) ratifica: “as desigualdades de

gênero surgem porque homens e mulheres são socializados em papéis diferentes”.

Já para Figueiredo et al.(2007, p.423), a compreensão de gênero está

pautada na seguinte colocação:

Gênero é um conceito útil para entender a sociedade em que vivemos, porque ele nos ajuda a compreender melhor o que representam homens e mulheres nas diferentes sociedades. Gênero nos permite compreender que as desigualdades econômicas, políticas e sociais existentes entre homens e mulheres não são simplesmente produtos de suas diferenças biológicas. Mas, sim, construções resultantes das relações sociais, ou seja, das relações entre as pessoas e delas com a natureza, no desenvolvimento de cada sociedade.

Gênero também está relacionado a uma categoria histórica, significando a

construção do ser masculino e do ser feminino. Embora exista essa diferença de

definição, aquela categoria não se resume a dizer apenas que homens e mulheres

estão em desigualdade, que um é mais ou menos importante do que outro, que o

homem é mais valorizado na sociedade do que a mulher. Dessa forma, o conceito

de gênero, além de estar intimamente ligado ao machismo e ao patriarcado, engloba

ainda diferentes aspectos sociais, culturais e históricos como comenta Saffioti (2004,

p.35):

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As mulheres são ‘amputadas’, sobretudo no desenvolvimento e uso da razão e no exercício do poder. Elas são mais socializadas para desenvolver comportamentos dóceis, cordatos, apaziguadores. Os homens, ao contrário, são estimulados a desenvolver condutas agressivas, perigosas, que revelem força e coragem.

Para Neri (2001), a definição de gênero alcançou maior ênfase no

movimento feminista dos anos 1970 e 1980, o qual realizou uma análise sobre os

estereótipos e estigmas que desvalorizavam a mulher e valorizavam a supremacia

do homem nas diversas esferas sociais como na política, na administrativa, na

financeira e nas ciências exatas. É possível perceber, a partir do que foi exposto,

que homens e mulheres possuem papéis diferentes nas relações sociais, em que os

primeiros tendem a ser frequentemente mais valorizados do que estas em muitas

culturas.

Em algumas sociedades onde reinavam com efervescência o

patriarcalismo e o machismo, a exemplo da civilização romana, estipulava-se que o

homem devia trabalhar para garantir o sustento da casa e da família, sendo o único

a exercer a função de “chefe de família”, enquanto que a mulher devia anular sua

vida, seus desejos e sonhos em prol dos filhos, do marido e do lar. (SILVA, 2008).

Contudo, com o decorrer do tempo, o gênero feminino tem se distanciado

cada vez mais do domicílio para ocupar a esfera pública, que deixa de ser um

espaço essencialmente do gênero masculino. A situação contrária também está

acontecendo, pois os homens estão começando a exercer papéis sociais que antes

pertenciam às mulheres, como cuidar da casa e dos filhos. A inversão dos papéis

sociais entre os gêneros tem contribuído para a luta de uma sociedade menos

desigual, em que homens e mulheres possam ser tratados com mais semelhança de

direitos.

Os estudos de gênero têm contribuído para demonstrar que as características, os traços, os comportamentos e os papéis de homens e mulheres não são produtos da biologia e muito menos naturais e sim atribuição cultural feita a um e a outro sexo. (Diniz, 1999, p.179).

Sobre a condição imposta por muitas sociedades e culturas de que a

mulher deve ser subordinada ao homem, Osterne (2001, p.121) faz, a seguir, uma

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contextualização sobre os modelos que são impostos ao gênero feminino desde a

infância e os modelos impostos aos homens:

O cotidiano das meninas, primeiro na família, depois na escola e nas relações sociais, é permeado por oferta de modelos de comportamentos mais dóceis, mais delicados, com caminhos pouco definidos no mundo das decisões, mas muito forte no que se refere a papéis secundários e submissos. Já dos meninos, são esperados a iniciativa, a agressividade para enfrentar os fatos corriqueiros, o constante acerto nas iniciativas sexuais, a escolha de caminhos característicos de pessoas fortes e vencedoras – os provedores. Inculca-se nos meninos a crença na existência de um homem viril, corajoso, forte, esperto, conquistador e imune às fragilidades, inseguranças e angústias da vida.

As possibilidades de se encontrar sociedades em que os homens sejam

mais ricos, mais poderosos, possuam melhor status, maior poder de decisão, melhor

cargo no trabalho e maior influência na vida social do que as mulheres tornam-se

amplas. Dessa forma, as distinções de gênero se evidenciam também através das

classes sociais, pois, de acordo com Giddens (2005, p.246):

As desigualdades de gênero encontram raízes históricas mais profundas do que os sistemas de classes; a posição dos homens em relação às mulheres era superior até mesmo nas sociedades caçadoras e coletoras, nas quais não existiam classes. No entanto, as divisões de classe estão tão marcadas nas sociedades modernas que não há dúvidas de que elas se “sobrepõem” substancialmente às desigualdades de gênero. A posição material da maioria das mulheres tende a refletir a de seus pais ou maridos.

Contudo, Debert (1994) garante que essa realidade está em constante

transformação, pois a mulher vem conquistando cada vez mais espaços e

reconhecimento dentro da atual sociedade. No que se refere ao status e ao papel

social das mulheres idosas, a autora relata a existente relação entre gênero e

velhice, como exposto a seguir:

Gênero e idade são cruciais para entendermos certas categorias sociais como a velhice, particularmente a situação da mulher idosa. Pensar na relação entre gênero e envelhecimento, é se defrontar com duas formas distintas de conceber a experiência feminina e o avanço da idade. [...] as mulheres na velhice experimentariam uma situação de dupla vulnerabilidade com o peso somado de dois tipos de discriminação, enquanto mulher e enquanto idosa. (DEBERT, 1994, p.33).

Ainda de acordo com tal autora (1994), a passagem da mulher para a

velhice em diversas sociedades ocorre devido ao excesso de valor dado,

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exclusivamente, ao desempenho da função de reprodutora, pois, nessa função, a

mulher ainda é considerada jovem por poder procriar e pelo cuidado que deve ter

com os filhos. Essa passagem, além de ser marcada pelo desprezo de diferentes

pessoas, estaria ligada a diversos fatores, como as perdas que acontecessem ao

longo da vida, o abandono causado pelos filhos, o estado de viuvez e as mudanças

físicas decorrentes da velhice.

Debert (1994) explana que, nas atuais sociedades ocidentais, pode-se

somar a esse conjunto de perdas o desemprego, a baixa remuneração salarial, o

isolamento social e familiar e a dependência, que tendem a caracterizar a condição

das mulheres com idade mais avançada. Como bem informa a autora, essas

diversas perdas sofridas pela idosa podem ser consideradas como sendo fatores

cruciais para o aceleramento da entrada da mulher na velhice. Para as mulheres

idosas, o processo de envelhecimento representa a transição de um mundo repleto

de regras para outro em que elas possam ser protagonistas de suas próprias vidas.

Para Debert (1994), a liberdade, a igualdade e a independência são

valores desejados por muitos idosos, especialmente pelas mulheres, pois tendem a

representar uma vida de bem-estar. Esse bem-estar, vivenciado pelas idosas, é

formado por dois lados que se convergem, significando, de um lado, a contradição

da liberdade conquistada e a opressão dos pais e da sociedade na mocidade, e, de

outro lado, significando a contradição da vivência do avanço da idade para as

mulheres de outrora e para as de hoje.

Para todas as mulheres a velhice de suas mães e suas avós foi o período mais sombrio de suas vidas. Um período em que passavam a se vestir de preto, já não saiam de casa e viviam na dependência dos filhos. Os modelos antigos de envelhecimento acreditam, não vigoram mais na atualidade. No mundo contemporâneo a conquista da liberdade feminina é para elas um fato irreversível, e redefine o que é envelhecer. (DEBERT, 1994, p.48-49).

Em relação à diferença de gênero na fase da velhice, Beauvoir (1990,

p.104) relata:

A velhice não tem o mesmo sentido nem as mesmas consequências para os homens e mulheres. Apresenta para estas últimas uma vantagem particular: depois da menopausa, a mulher não é mais sexuada; torna-se

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homóloga da menina impúbere e escapa como esta, a certos tabus alimentares. As proibições que pesavam sobre ela, por causa da mácula mensal, são suspensas. Pode tomar parte nas danças, beber, fumar, sentar-se ao lado dos homens.

Os aspectos abordados até agora sobre os conceitos do que representa

ser mulher idosa retratam que as idosas estão conquistando paulatinamente sua

autonomia, tornando-se capazes de trilhar sua própria história e mudar conceitos

negativos ainda hoje existentes. Foi possível verificar através da entrevista realizada

com Vaidosa, que ela tem uma imagem positiva sobre esse assunto. Quando

indagada sobre como se sentia sendo mulher idosa, Vaidosa respondeu que se

sentia bem. Além disso, quando questionada se se percebia como idosa, ela disse:

“não, muito não”.

Ultimamente não estou passeando muito, só por causa dessa labirintite né, eu saia só, ia pra rua só, fazia minhas coisas, minhas compras, fazia o que queria; agora eu parei mais, porque sair pra fazer compras eu tenho que ir com uma pessoa, porque que eu tenho medo de cair na rua né, aí tenho que ir com uma pessoa segurando no braço, aí vou pra todo canto.(Vaidosa, 82 anos, grifos meus).

Indagada se tinha espírito de pessoa jovem, Vaidosa afirmou

enfaticamente que sim. É possível perceber através do relato acima, que Vaidosa

não exerce mais suas atividades diárias como antes, devido a um problema de

saúde, o que faz com que ela, sempre que precisa sair para resolver assuntos fora

da instituição, como ir ao salão de beleza às quintas-feiras, vá acompanhada de

outra senhora. Contudo, ela não deixa de ir a nenhum dos passeios da unidade –

apontando isso como o que mais gosta de fazer – e afirma participar de todas as

atividades que ocorrem na mesma. A seguir, a entrevistada faz um resgate histórico

de como sua vida era ativa antes de ser idosa, e do quanto passeava quando saía

de férias do trabalho:

Se pudesse ainda estava viajando. É porque também meu estado, e minhas amigas se casaram e outras morreram. Eu ia muito pra Santos, pra casa de uma amiga minha, ia muito. Quando eu tirava minhas férias da secretaria ela me telefonava e dizia: Quando é tuas férias? Aí ela tirava lá com o marido, aí eu ia daqui pra gente poder passear. Não ia ter esse negócio eu não vou porque vou trabalhar, não. Aí combinava a minha com a dela. Passei muito, conheci muitos lugares. (Vaidosa, 82 anos, grifos meus).

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Já na entrevista realizada com Olhar Triste, pude perceber que a opinião

que ela tem de como se sente sendo mulher idosa difere da participante Vaidosa.

Quando perguntei se Olhar Triste se considerava idosa, ela disse: ‘sim, idosa’. O

conceito da entrevistada sobre o assunto em questão se evidencia melhor nas

palavras que seguem:

Esperando, a cada dia que se passa a gente vai amolecendo, parece que um dia é bom outro dia é mole. Se faz um trabalho se cansa, se cansa logo; e quando é nova não, o trabalho não se cansa; e quando já é idosa já se cansa, já sente dor, essa coisas de cada dia. Aí vem a velhice vem tudo, vêm as enfermidades né. (Olhar Triste, 70 anos).

Na oportunidade pude perguntar se ela, por ser mulher, acreditava haver

diferença entre ser mulher idosa e ser homem idoso na nossa sociedade, e se a

primeira sofria algum tipo de discriminação ou preconceito por ser do gênero

feminino e estar vivenciando essa etapa da vida. A resposta de Olhar Triste voltou-

se muito para o lado da religião, pois, de acordo com ela, quem tem religião tem

respeito para com as pessoas. A seguir é possível compreender através de sua fala:

Não, eu acho que depende de quem tem religião né, porque quem tem religião respeita a todos né, respeita tudo, tudo que acontece, tudo que é de Deus. Pra mim tudo tem Deus, [...] a gente rezado ele não desampara ninguém. (Olhar Triste, 70 anos).

Olhar Triste declara que, mesmo sendo idosa e se vendo como tal, sente-

se com alma de jovem, como uma criança. A idosa possui ainda uma imagem

negativa e estigmatizada sobre as mulheres idosas que dançam, que casam, que

fazem atividades físicas, que se maquiam e que vão a festas. Para Olhar Triste, é

reprovável o comportamento de idosas que agem como jovens, que não

acompanham a idade que têm, e que saem do convencional para agir

diferentemente dos padrões sociais que são impostos e colocados como certos. A

opinião da participante deixa claro que a atitude desses sujeitos vai contra seus

princípios, e que é comum encontrar preconceito e discriminação vindos dos

próprios idosos. Essa questão aparece com maior evidência abaixo:

Às vezes eu me sinto é criança demais (risos), muito criança, muito tola, muito tola, muito criança, mas eu acho que isso é errado viu, não é bom não. É bom a maturidade, é bom a gente ser madura e acompanhar a idade da gente, negócio de ser criança é quando se é jovem, na velhice não, a gente tem que acompanhar a idade da gente (pausa), eu acho né,

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não sei não. Tem uns que querem ser jovens vão dançar, vão até casar, eu acho isso o cúmulo, eu acho. Mas quem gosta de casar case, quem não gosta não case. Para o homem e para a mulher eu acho o cúmulo, mas se eles querem casar, se são capacitados pra casar, é como Jesus disse: uns são capacitados pra casar e outros não são, sabe; uns tem vocação pra casar e outros não tem. Então, tem uns que são solteiros por falta de capacidade de casar, outros porque não tem vocação pra casar; outros casam porque tem vocação, por exemplo, meu irmão, ele tem vocação, ele adora criança, adora filho, é um pai ideal sabe, que vive para os filhos. Então, eu não tenho esse apego de criar menino sabe, eu não tenho, nunca tive. Até religiosa eu já quis ser, de ser Franciscana, cheguei a ser postulante, queria ser postulante, mas aí lá vem a saúde [...]. Vivi pra minha mãe, cuidei dela na velhice, até a morte dela, ela morreu com 93 anos; então ela foi meu pai, foi minha mãe, foi minha filha, a filha que eu não tive, foi minha irmã, a irmã que eu não tive, foi tudo pra mim, foi tudo. O idoso tem que se comporta como idoso, não tá se queixando pra todo mundo, que eu tô com isso to com aquilo, não. Mas ser uma pessoa normal né, normal. Não ser nem criança nem imaturo. Agora eu não aprovo essas idosas dançando, e se pintando, e fazendo ‘cooper’, eu não aprovo não. Eu não sei como é que elas aguentam viu, francamente o peso da idade né, eu vou te contar, o peso é grande, é ruim; mas tem gente que aguenta tudo né, tem gente que aguenta tudo. Eu acho que depende também da alimentação né, da raça né, de tudo. Sair é bom, passear, é ótimo, mas esse negócio de dançar ou de cantar, casar na velhice, não, nada disso eu aprovo; na velhice não. Dançar e casar eu não aprovo, na velhice; na mocidade tudo é bom. (Olhar Triste, 70 anos, grifos meus).

Como já supracitado, as mulheres idosas estão cada vez mais

autônomas, mais independentes e mais envolvidas em atividades antes destinadas

apenas para os jovens, como dança, excursão, esportes, cursos, teatro. Essa

mudança no comportamento dos idosos, em especial, do gênero feminino, tende a

ficar cada vez mais comum, pois, além do número de mulheres com idade avançada

exceder o número de homens idosos, elas estão se tornando importantes agentes

de mudanças. Sobre o aumento de idosas na população, Lima (2009, p.273)

informa: “mesmo a velhice sendo um processo universal, apresenta um forte

componente de gênero, pois existem mais idosas que idosos (55% de mulheres no

país)”.

De acordo com Giddens (2005), os idosos em geral, mas principalmente

as mulheres idosas, estão aceitando cada vez menos o processo de envelhecimento

como algo ruim, que traz sofrimento e prejuízos ao corpo e à saúde. A percepção

negativa que as idosas tinham sobre a velhice está mudando a cada dia, sobretudo,

a partir dos constantes avanços na área da medicina e na ciência, melhorando,

significativamente, os indicadores de bem-estar, higiene e alimentação, trazendo

resultados positivos aos idosos.

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Sobre isso, Salgado (2002, p.08) concorda afirmando: “no mundo, em

geral, existe uma proporção maior de mulheres idosas do que de homens, quando

se considera a população total de cada sexo”. Salgado (2002, p.08) ratifica ainda:

As mulheres vivem, em média, sete anos mais do que os homens e estão vivendo mais do que nunca. Outra característica deste grupo populacional é que existe uma maior proporção de viúvas do que em qualquer outra faixa etária. Uma razão que poderia explicar essa situação é que, por tradição, a mulher tende a se casar com homens mais velhos do que ela, o que, associado a uma mortalidade masculina maior do que a feminina, aumenta a probabilidade de sobrevivência da mulher em relação ao seu cônjuge. Outra explicação do fenômeno de um maior número de mulheres viúvas nessa faixa etária é o fato de que os viúvos voltam, mais do que as viúvas, a se casar depois de enviuvar. Essa situação é a mesma para os divorciados.

De acordo com Salgado (2002), o aumento de vida das pessoas em

âmbito mundial resulta em mais de uma geração de idosos – de ambos os sexos –

no mesmo seio familiar. Os índices demográficos apontam que, em alguns anos,

essas gerações de idosos serão - sobretudo, de mulheres idosas - provavelmente

estarão cuidando de suas mães e/ou avós. Essa realidade pode ser identificada nos

relatos de Rosa Sem Pétalas e Olhar Triste, já apresentados, quando elas

informaram que assumiram a responsabilidade de cuidar de suas mães, da velhice

até a morte, pois elas representavam tudo em suas vidas. Salgado (2002, p.15)

explana:

Exatamente quando acabaram de criar os filhos ou filhas, surge a necessidade de cuidarem dos pais ou mães que se tornam dependentes por condições físicas ou mentais. Isso vem, muitas vezes, junto com a grande possibilidade de os mesmos necessitarem de cuidado por um grande espaço de tempo, comprometendo o que restou do tempo que poderia ser dedicado a outras tarefas.

As mulheres idosas possuem fatores que as diferenciam dos homens

idosos dentro da sociedade. Esses fatores geralmente estão relacionados ao baixo

nível de escolaridade, posto que as mulheres casam-se cedo e assumem o papel de

esposa e dona de casa e, por conta disso, não concluem seus estudos; seja devido

à baixa qualificação profissional, normalmente resultado do abandono da escola;

seja em relação ao estado civil, em que grande parte das mulheres são viúvas,

separadas e divorciadas, tornando-se, além de donas de casa, chefes de família.

Dessa forma, as mulheres de idade mais avançada, além de sofrerem discriminação

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devido à faixa etária, são frequentemente desvalorizadas por serem mulheres e por

serem idosas. (SALGADO, 2002). Sobre isso, considerem-se as seguintes

ponderações de Rodrigues (2012, p.48):

As idosas vêm apresentando um papel social na sociedade contemporânea, especialmente, as viúvas que têm que assumir todas as responsabilidades das despesas da casa, que antes poderiam ser compartilhadas com o marido e sem essa renda, resta apenas a sua para assumir com os compromissos de casa. Com as transformações na demografia brasileira se acentuando na feminilização, os papéis sociais das mulheres também sofrem alterações, essas podem representar o papel de provedora do lar por meio da sua aposentaria ou pensão, assim como também cuidar dos netos.

Segundo informações do Censo de 2000, tem crescido

consideravelmente o número de famílias que são chefiadas pelos idosos, em

especial os do gênero feminino. Os dados do IBGE apresentam que 62,4% das

famílias brasileiras, no ano de 2000, tinham os idosos como responsáveis pelo lar.

Já no ano de 1991, esse percentual era de 60,4%. Além disso, houve um acréscimo

nos percentuais de casais que não têm filhos – seja por opção ou não –, de

mulheres que moram sozinhas e de mães solteiras. Esses fatores também são

reflexos do aumento de famílias que são chefiadas por mulheres idosas. Contudo,

essa responsabilidade que é atribuída às idosas como chefes da casa, pode estar

diretamente relacionada ao aspecto financeiro. (IBGE, 2000).

Como reflexo disso, é digno de nota o fato de que não são raros os casos

em que moram no mesmo imóvel com a idosa, sobrevivendo apenas de sua renda,

filhos, netos, genros, noras e outros parentes. Essa situação pode ser resultado de

fatores como o aumento do desemprego no Brasil e o alto índice de divórcios e

separações entre os casais, gerando o retorno dos filhos para a casa dos pais.

(FERREIRA E SIMÕES, 2011).

As mesmas autoras apontam ainda que, de certa forma, essa condição da

idosa em residir no mesmo imóvel com sua família pode gerar duas situações

antagônicas. A primeira delas pode trazer benefícios na convivência e no

estreitamento dos laços familiares de ambos, tornando a idosa uma pessoa

imprescindível no lar; na segunda situação, ao contrário da primeira, a família passa

a incumbir à mulher idosa pelas obrigações rotineiras da casa. Nesse caso,

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normalmente, o sujeito deixa de ser dono de suas vontades e da sua renda em prol

da casa e da família, e, mesmo sendo o único provedor do sustento do imóvel, tende

a perder sua autonomia.

Para Camarano (2003), existem dois grupos de famílias que têm o(a)

idoso(a) no convívio familiar: famílias de idosos – são aquelas nas quais o idoso ou

seu cônjuge ocupa a condição de chefe do lar; e as famílias com idosos – são

aquelas em que os idosos residem no imóvel, na qualidade apenas de parentes do

chefe do lar. No caso do primeiro grupo, a matriarca ou o patriarca assume o papel

de destaque na família, tornando-se responsável pela organização dela e da casa.

Nesse caso, é possível que o status que o idoso assuma não esteja relacionado

apenas ao sustento das despesas econômicas. Já no segundo grupo, a mulher

idosa ou o homem idoso ocupa normalmente um status de menor significância e

relevância dentro de casa, podendo gerar constantes desentendimentos entre os

familiares e o idoso. Ferreira e Simões (2011, p.40) afirmam:

As famílias com idosos, em que os mesmos vivem na condição de parente do chefe do domicílio, parecem apresentar mais complicações referentes ao relacionamento familiar, principalmente se o idoso tiver problemas de saúde e necessitar de cuidados mais intensos, pois isto altera a rotina doméstica da família e as atividades sociais, podendo gerar conflitos, principalmente se houver mais de duas gerações diferentes num mesmo domicílio.

Esses fatores, que mostram ora a evolução social da mulher idosa, ora a

perda de direitos e de decisão dentro de casa, assemelham-se com a realidade de

uma das idosas que foi entrevistada. Das quatro participantes pesquisadas, apenas

uma é viúva e sem filhos. As outras três são solteiras e residiam com irmãos, tias e

outros parentes antes de ir para a unidade, enquadrando-se na família com idoso.

Um dos relatos que me chamou mais atenção foi o de Olhar Triste, pois

retrata as privações sofridas dentro do domicílio, a intolerância e a exclusão familiar

causada pelos parentes, principalmente pelo o irmão, tendo como resulto o lado

negativo de ser mulher e idosa. De acordo com ela, o responsável por ela estar, há

quase sete (07) anos, na instituição, é o irmão, que a expulsou duas vezes da casa

onde ela morava com a mãe. Quando indagada de quem partiu a decisão de morar

na unidade, Olhar Triste informou:

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Aí não foi da minha vontade não. Eu tinha minha casa, que, aliás, não era só minha casa, porque era do meu irmão também, e ele tinha a maior parte na herança nessa casa do que eu, aliás, ele tinha colocado mais dinheiro na casa do que eu. Nós compramos a casa, mas ele tinha mais dinheiro na casa do que eu. Aí ele tomou a casa para ele e me botou para fora. Aí me botou para fora, aí eu fiquei desesperada né; aí eu fui para a casa duma prima minha, lá eu passei 1 mês e 12 dias, aí eu já conhecia aqui aí vim para cá. Ela não me quis na casa dela de jeito nenhum. Eu tenho uma família imensa como eu disse, todos têm posses, são doutores, doutoras, mas nenhum me quis na casa deles; eu também não fazia conta de tá na casa deles não, porque tira a privacidade deles né, e o meu conforto eu também não tinha né, eu não ia ter um quarto só pra mim. Meu irmão foi muito cruel comigo. Foi uma dor muito grande ser colocada pra fora da casa da gente. Saí com uma mão na frente e outra atrás. (Olhar Triste, 70 anos, grifos meus).

A partir dessa fala, é possível inferir que, de acordo com a entrevistada,

ela foi desrespeitada como mulher, como idosa e como pessoa por um ente da

família, em quem ela deveria encontrar apoio e segurança. Dessa forma, fica claro,

que nem sempre a relação e o convívio do idoso com seus familiares são benéficos

para ambas as partes, pois podem trazer sofrimento e dor, como é o caso de Olhar

Triste que perdeu o direito de morar na casa que pertencia a ela e ao irmão, para se

sujeitar a residir em uma instituição de acolhimento para idosos. O relato da

entrevistada deixa evidente também que o preconceito e a desregulamentação dos

direitos da pessoa idosa podem ter início no âmbito doméstico.

Outro fator que está ligado diretamente ao aumento da população de

mulheres idosas, em relação com a população de homens idosos, é a relação

existente entre gênero e saúde. Com o avanço da idade, as mulheres manifestam

um maior índice de dependência e uma diminuição da capacidade funcional,

enfrentando desafios de ordem física, emocional, mental, social e econômica. Esses

desafios resultam em problemas como perda das funções vitais, perda da confiança

em si mesmo, tristeza, solidão, stress, depressão, o que as impede de seguirem

suas vidas de forma plena e normal. (EDIT; PAZ e SANTOS, 2006).

Para a idosa, a possibilidade de adquirir doenças torna-se maior quando

passa a morar sozinha. Segundo Doyal (1995), os protótipos de bem-estar das

mulheres e as doenças que são adquiridas por elas podem ter relação direta com as

atividades que influenciam suas vidas cotidianamente. Ainda de acordo com Doyal

(1995, p.22): “são os efeitos cumulativos desses vários fatores que são os maiores

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determinantes dos estados de saúde das mulheres”. Ao encontro desse autor vem

Neri (2001, p.9):

A taxa de doenças letais é muito maior entre os homens idosos do que entre as mulheres idosas, entre as quais predominam as doenças não fatais, mas incapacitantes e crônicas, entre elas artrite e hipertensão. Entre os homens prevalecem as doenças isquêmicas do coração. As mulheres idosas têm taxas mais altas de morbidade, mas exibem taxas de mortalidade mais baixa do que os homens para as mesmas moléstias. Entre pessoas de 65 anos e mais, de ambos os sexos, as principais causas de morte são, pela ordem, as doenças cardíacas, o câncer e as doenças cérebro vasculares. Com a idade ocorre uma inversão nessa ordenação e desaparecem as diferenças entre os gêneros quanto à frequência de doenças cardíacas.

Como mencionado acima, as mulheres, na fase da velhice, vivem mais do

que os homens idosos, porém elas são mais vulneráveis a contrair doenças do que

os eles. As mulheres procuram com maior frequência hospitais e consultórios

médicos, e, com isso, conseguem detectar mais fácil e rapidamente as doenças pelo

o autoexame. Nos países desenvolvidos, as idosas são mais suscetíveis a adquirir

ansiedade e depressão do que os idosos. Os acidentes e a violência são os maiores

causadores de morte entre os homens, que, por sua vez, consomem mais álcool e

drogas ilícitas do que as mulheres. (GIDDENS, 2005).

As causas de morte e os padrões de doença mostram algumas diferenças entre homens e mulheres. As doenças cardíacas são as mais freqüentes causas de morte entre homens e mulheres [...]. De modo geral, os homens tendem a adoecer com menos frequência, mas as doenças que afligem os homens tendem a ser mais ameaçadoras à vida. (GIDDENS, 2005, p.133).

Os referidos problemas ligados a gênero, velhice e saúde repercutem no

processo de institucionalização da mulher idosa, pois a ida delas para as unidades

de acolhimento prevalece em relação ao número de idosos residentes nessas

instituições. Dessa forma, é possível apreender que, nas mais diversas esferas e

sociedades, o gênero feminino é intrínseca e amplamente diferente do gênero

masculino, principalmente quando relacionado aos papéis sociais exercidos pela

mulher, como trabalho doméstico, reprodução sexual, maternidade, fertilidade entre

outros. (DOYAL, 1995).

Então, como abordado neste capítulo, o envelhecimento dos indivíduos,

sobretudo, das mulheres idosas tem aumento a cada dia, à medida que a população

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de crianças e jovens diminui. Somado a isso, diversos fatores negativos são

agregados ao gênero feminino na velhice, deixando as idosas em desvantagem em

relação aos homens idosos, nos mais diferentes âmbitos da sociedade. Foi

apontando ainda a forte relação existente entre gênero e velhice e gênero e saúde,

indicando que, ao mesmo tempo em que as mulheres têm uma vida mais longa,

tornam-se mais propícias contrair mais doenças.

O capítulo que segue tem como objetivo abordar, no primeiro tópico, o

histórico do conceito de família, enquanto no segundo tópico, são trazidas as

discussões sobre a velhice dentro do contexto familiar, versando sobre a importância

do vínculo afetivo na vida das idosas e, para finalizar, é apresentado, no terceiro

tópico, o crescimento das experiências intergeracionais entre a mulher idosa – que

assume papel de avó – e os netos.

CAPÍTULO II – FAMÍLIA E ENVELHECIMENTO: COMPREENDENDO A

IMPORTÂNCIA E O SIGNIFICADO DESTA UNIDADE NA VIDA DAS IDOSAS

2.1 Histórico do conceito de família

Definir o significado de família, pode se tornar uma tarefa complexa, se

levada em consideração a diversidade de conceitos e valores construídos ao longo

do tempo, os quais permeiam as reflexões teóricas sobre a categoria em foco.

Barbosa dos Santos e Costa Santos (2008) explanam que o histórico do

entendimento dessa temática teve início nas sociedades primitivas através do

arranjo familiar das tribos que aconteceu de forma miscigenada, pois seus

componentes eram obrigados a praticar a endogamia³, ou seja, os envolvimentos

amorosos aconteciam apenas internamente, entre os próprios membros.

_______________________

³ Endogamia é a forma de casamento em que os indivíduos são obrigados a escolher os cônjuges dentro do grupo a que pertencem, implicando na limitação ao direito de escolha do(a) companheiro(a). Exs: na áfrica do Sul, vigorou durante muito tempo a endogamia racial, em que o branco só poderia se casar com branco, e o negro com outro negro. Os ciganos também seguem a endogamia dentro de seu contexto cultural, possuindo uma série de valores, costumes e atividades próprias. (DIAS, 2000).

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Devido a isso, tornava-se difícil identificar os familiares e a paternidade

das crianças nascidas, uma vez que somente as mães eram distinguidas. Barbosa

dos Santos e Costa Santos (2008, apud Caio Mário, 1996, p.17) relatam: “essa

posição antropológica que sustenta a promiscuidade não é isenta de dúvidas,

entendendo ser pouco provável que essa estrutura fosse homogênea em todos os

povos”.

Ainda segundo Barbosa dos Santos e Costa Santos (2008), alguns anos

depois, a realidade desses povos foi se modificando, pois os indivíduos do sexo

masculino passaram a se envolver com mulheres pertencentes a outros grupos

culturais, deixando de obedecer as regras estabelecidas dentro das suas tribos para

exercer a exogamia4. A partir de então, incidiu sobre os homens o interesse por

relacionamentos exclusivos, ou seja, apenas com uma companheira, originando a

monogamia5. Contudo, a relação com mais de uma mulher – a poligamia6 – ainda

era cultivada em algumas regiões.

Com o tempo a família foi adquirindo outras formas de compreensão, e

assim como a era primitiva foi a pioneira no entendimento desta instituição, a

sociedade romana que originou a sociedade patriarcal e o machismo também

desempenhou importante contribuição para a construção da família, pois abrangeu

além da esfera social uma série de esferas econômicas, religiosas, políticas e

jurídicas. (B. DOS SANTOS; C. SANTOS, 2008).

_______________________ 4 Exogamia é a forma de casamento, em que as pessoas são obrigadas a selecionar parceiros fora de

um grupo específico. Ex: em nossa sociedade, é proibido se casar com parentes de sangue próximos, como irmã ou irmão. A escolha deve ser feita fora do grupo de parentesco. (DIAS, 2000). 5 Monogamia é a forma de casamento mais comum. É quando um homem é casado com uma só

mulher ou vice-versa. Na sociedade brasileira é a única forma admitida. (DIAS, 2000). 6

Poligamia é quando um homem é casado com mais de uma mulher ou vice-versa. A maior parte dos países tem proibições legais contrárias à poligamia. Vale frisar que a mesma pode ser de dois tipos: poliandria, que é o casamento de uma mulher com mais de um homem, a exemplo do que existiu no Quilombo dos Palmares e ainda pode ser encontrado na região central da China, entre as tribos do Tibete e entre os esquimós. E há ainda a poliginia, quando ocorre a união de um homem com mais de uma mulher, a exemplo dos povos muçulmanos e entre alguns africanos. (DIAS, 2000).

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A família é a instituição basilar da sociedade sendo, desde os tempos antigos, considerada um elemento de grande importância na estrutura social. Dentre os organismos sociais e jurídicos, foi a família que sofreu mais alterações, tanto na sua compreensão, quanto na extensão. A organização familiar passou de entidade amplíssima para restrita, com o decurso do tempo. (B. DOS SANTOS; C. SANTOS, 2008, p.3).

Ainda de acordo B. dos Santos e C. Santos (2008), a civilização romana

foi fundamentada no controle e domínio da figura paterna, que era o único

componente que tinha total poder dentro de casa – o chamado chefe de família – e a

quem os filhos, a esposa e os empregados deviam respeito e submissão, sendo ele

próprio o responsável por cuidar de todo o patrimônio que lhes pertenciam.

Sobre o modelo de família conhecido como patriarcal, Dias (2000, p.107)

ratifica:

Denomino família patriarcal, genericamente, a família na qual os papéis do homem e da mulher e as fronteiras entre público e privado são rigidamente definidos; o amor e o sexo são vividos instâncias separadas, podendo ser tolerado o adultério por parte do homem e a atribuição de chefe da família é tida como exclusivamente do homem.

Barbosa dos Santos e Costa Santos (2008) relatam que, na idade média,

a Igreja Católica exercia grande autoridade no âmbito familiar. O catolicismo pregou,

durante muitos anos, que o único padrão de família era aquele formado pelo

casamento religioso e que os sentimentos de afeto não deveriam ser levados em

consideração – por isso, o casamento no civil só surgiu no ano de 1767, na França.

Os pais tinham como principais funções zelar pelos estudos dos filhos,

norteá-los a respeito da carreira profissional que deveriam trilhar, e criá-los dentro

dos princípios católicos. Nesse tipo de sociedade, assim como na civilização

romana, o modelo de família também era marcado pelo patriarcalismo, pois era o pai

quem tomava todas as decisões referentes à casa e à prole.

Em meados do século XVI, com o desenvolvimento industrial e com a

expansão do mercado de trabalho, o conceito de família passa a adquirir novas

roupagens. O patriarca começa a perder seu status de poder e o privilégio de chefe

da casa para as esposas; a função de educar as crianças - principalmente os

meninos -, passa a ser dos colégios e os filhos não são mais obrigados a receber os

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ensinamentos da religião católica que eram dados pelos pais. Dessa forma, o novo

modelo de família composto pelo pai, mãe e filhos é denominado de nuclear. (B.

DOS SANTOS; C. SANTOS, 2008).

Por volta da década de 1970, começa a aparecer um novo tipo de família

que é formada pela figura paterna ou materna e pelos filhos, chamada de

monoparental. É com a Constituição Federal de 1988 que a definição de família

começa a ser expandida, tendo como propósito reconhecer, para além do

matrimônio, as instituições familiares advindas da união estável entre um casal e

também da união entre qualquer um dos genitores e sua prole. (B. dos Santos e C.

Santos, 2008). Sobre a monoparentalidade, Leite (2003, p.22) elucida: “uma família

é monoparental quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem

cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças”.

De acordo com a concepção de Giddens (2005), as formas de família

estão mudando cotidianamente, pois, na sociedade atual, algumas pessoas não

estão colocando o matrimônio como prioridade, como ocorria em tempos passados.

Desse modo, muitas pessoas estão deixando para se casar cada vez mais tarde.

Alguns casais estão preferindo morar juntos antes do casamento, como uma forma

de primeira experiência, resultando na chamada união estável. Segundo Giddens

(2005, p.151): “uma família é um grupo de pessoas diretamente unidas por

conexões parentais, cujos membros adultos assumem a responsabilidade pelo

cuidado das crianças”.

Ainda segundo Giddens (2005), para que se possa classificar um grupo

de indivíduos como família, é necessário que esses façam parte do mesmo arranjo

familiar e possuam alguma ligação direta de parentesco uns com os outros, ou seja,

que sejam unidos através de laços sanguíneos ou não, como é o caso das relações

homoafetivas. Na maioria das vezes, esse arranjo familiar é composto pela mãe, pai

e filhos biológicos e/ ou adotados, residindo em um mesmo ambiente. Essa relação

entre os componentes é denominada de família conjugal, nuclear ou, ainda, núcleo

familiar.

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De acordo com o mesmo autor, há ainda a família reconstituída, que se

concretiza quando o marido ou a esposa tem filhos de um relacionamento anterior, e

todos moram no mesmo domicílio. Sobre estes aspectos, Dias (2000, p.150) ilustra:

“a família é considerada como uma unidade social básica e universal. Básica, por

dela depender a existência da sociedade; e universal, pois é encontrada em todas

as sociedades humanas, de uma forma ou de outra”.

Para Dias (2000) e Falcão (2006), a compreensão de família vem

passando por diversas alterações, desde a entrada feminina no mercado de trabalho

e sua independência financeira – momento em que as mulheres passam a executar

atividades antes desempenhadas apenas pelos homens, sendo considerada como

uma das características mais significativas –; o aumento também significativo de

separações e divórcios e o decréscimo do número de filhos por casal; até a

conquista paulatina de igualdade na relação conjugal. Todos esses fatores são, ao

todo, responsáveis pelas novas roupagens e moldes que as famílias atuais vêm

apresentando, o que as tornam cada vez mais heterogêneas e complexas para

serem analisadas.

Portanto, com essas mudanças decorrentes dos fatores socioculturais e

econômicos que afetam e influenciam o cotidiano da família contemporânea, novos

arranjos são criados, proporcionando novas organizações familiares. Desse modo,

Giddens (2005) avalia que, além do pai, da mãe e dos filhos, as famílias modernas

passam a ser constituídas também pelos demais parentes (primos, sobrinhos, netos,

tios, bisnetos, cunhados, avós) morando no mesmo campo doméstico, e recebendo

a denominação de família ampliada ou intergeracional.

Em seus estudos, as autoras Camarano e Kanso (2003) conceituam outro

modelo familiar intitulado como unipessoal, ou seja, quando os idosos moram sós.

Esse tipo de família não é aplicado apenas às pessoas da terceira idade, mas a

qualquer pessoa, independentemente da idade que tenha, que, por algum motivo,

venha a residir só, seja pela a condição de viuvez, divórcio, separação ou mesmo

por escolha.

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2.2 Discussões sobre a velhice dentro do contexto familiar

Segundo Dias (2000) e Falcão (2010), a família deve representar para

todos os seus membros um ambiente de afeto, respeito, carinho, solidariedade,

reciprocidade, amor, segurança, aprendizagem, valores, cuidado, inclusão e apoio

nas mais diversas situações. Contudo, a família também pode se transformar em um

campo de violência – das mais diversas –, desrespeito, intolerância, incompreensão,

esquecimento e exclusão.

Pasinato et al. (2006, p.08), que parte da mesma linha de pensamento

dos autores supracitados, esclarece que: “a família e, de uma forma mais concreta,

o lar/domicílio, são tradicionalmente entendidos, nas mais diversas culturas, como

um local de amor, um porto seguro contra a violência externa”. A respeito disso,

Vilhena (2005, p.01), completa:

A família pode ser pensada sob diferentes aspectos: como unidade doméstica, assegurando as condições materiais necessárias à sobrevivência, como instituição, referência e local de segurança, como formador, divulgador e contestador de um vasto conjunto de valores, imagens e representações, como um conjunto de laços de parentesco, como um grupo de afinidade, com variados graus de convivência e proximidade e de tantas outras formas. Existe uma multiplicidade de formas e sentidos da palavra família, construída com a contribuição das várias ciências sociais e podendo ser pensada sob os mais variados enfoques através dos diferentes referenciais acadêmicos.

Na entrevista com Suavidade, foi possível compreender através do seu

relato que seu entendimento sobre família significa união e cuidado mútuo entre

todos os entes familiares, ressaltando ainda a presença da religião, como mostra a

seguinte explanação: “viver unido, cuidar uns dos outros, família é isso, é para ser

assim mesmo; por que família desunida é muito triste. Família é quem tem Deus no

coração. (Suavidade, 84 anos)”.

Contudo, não foram esses sentimentos que prevaleceram na família

dessa idosa, pois ela mesma informou só receber a visita de uma sobrinha, uma vez

que os outros parentes não têm tempo disponível, e ainda assim, as visitas levam

em média três meses para ocorrer. Dessa forma, depois que foi morar na instituição,

Suavidade perdeu quase que totalmente o vínculo com seus parentes, o que reforça

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a ideia de que, com a chegada da velhice e com a institucionalização, os idosos, em

especial, as idosas, passam por um processo de afastamento e enfraquecimentos

dos laços familiares.

Já na entrevista com Vaidosa, pude apreender que a percepção que ela

tem sobre família se baseia nos sentimentos de segurança e apoio na resolução dos

problemas, como evidencia o seguinte relato: “é muito bom a pessoa ter uma família,

por que acontece alguma coisa você tem com quem conversar, com quem você

contar, resolver os problemas. É a base. (Vaidosa, 82 anos)”. Esse entendimento

que a idosa tem também não ocorre entre ela e seus familiares, pois, após sua ida

para a instituição, o contato com os irmãos tornou-se difícil, uma vez que, como eles

moram em outros estados, quase não a visitam nem telefonam para ela. Dessa

forma, cabe a ela a iniciativa de telefonar para eles – o que também não acontece

com frequência. Portanto, devido a tais circunstâncias, a figura de família para

Vaidosa manifesta-se em uma amiga de infância que sempre esteve presente em

sua vida, sendo atualmente a única pessoa que lhe dá apoio, segurança e amizade.

A respeito do contato entre os idosos e as famílias, Ferreira e Simões

(2011, apud Rodrigues, 2002, p. 39) exprimem:

As relações familiares são as que o idoso vive com mais assiduidade e intensidade, pois ao longo da história, a estrutura familiar para ele é fundamental em muitos sentidos, do mando e da influência, do cuidado e da proteção, da aceitação e da valorização social da sua experiência acumulada.

Na entrevista com Olhar Triste, pude inferir do seu relato que sua

concepção sobre família está pautada nos conceitos de ensino e educação, bem

como de religião. De acordo com a idosa, os ensinamentos que o ser humano

aprende ao longo da vida são passados pelos familiares. No que diz respeito ao seu

entendimento, a pesquisada explanou:

A família é uma coisa muito importante, pra mim é muito importante. A família é quem ensina a gente a ter religião, a ter educação né? Os pais da gente ensina, os avós, os tios, tudo isso ensina a gente, os primos. Todos são teus instrutores, compreendeu? Eles morrem mas estão sempre perto da gente.(Olhar Triste, 70 anos).

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Olhar Triste informou ainda que o vínculo existente entre ela e sua família

também diminuiu bastante depois que passou a morar na instituição, afetando,

dessa forma, o contato com suas primas, irmão, sobrinhos e cunhada. Ao ser

indagada se seus familiares a visitavam com frequência, Olhar Triste respondeu:

Não. Ele vem uma vez por mês, de quinze em quinze dias, sabe? Não me telefona mais, de primeiro ele me telefonava muito, mas não tá me telefonando. Eu que telefono pra ele. (Olhar Triste, 70 anos, se referindo ao irmão – grifos meus).

Meus sobrinhos e minha cunhada só vêm com ele. (Olhar Triste, informando que os sobrinhos e a cunhada só vão visitá-la quando o irmão também vai – grifos meus). As minhas primas vêm as duas, às vezes só uma. Porque uma é muito doente, diabética. Às vezes é uma vez por ano, uma vez de seis em seis meses, sabe? Às vezes é de quinze em quinze dias, uma vez por mês, de dois em dois meses, sabe? (Olhar Triste).

Contudo, olhando para além do que está posto e partindo da análise dos

discursos feitos pelas entrevistadas, é essencial compreender que muitas vezes os

familiares se afastam dos seus entes idosos não por escolha ou opção, mas por

motivos de força maior, condicionando, de certa forma, sua participação na

prestação de cuidados aos idosos. Isso acontece por causa dos inúmeros desafios

da vida cotidiana, das exigências da sociedade capitalista, das pressões sociais e

das expressões da questão social que são atribuídas à grande parte das pessoas

(baixa remuneração, banalização do ser humano, desemprego), fazendo com que a

população se veja sujeita a trabalhar fora de casa para garantir o sustento da

família. (FERREIRA, 2009).

Dessa forma, ainda de acordo com Ferreira (2009), os familiares, que tem

em seu núcleo pessoas da terceira idade (família ampliada ou intergeracional), criam

uma divisão de responsabilidades e funções diferentes, em que uns saem para

trabalhar e outros, para estudar, enquanto os idosos acabam ficando mais tempo

sós, não recebendo assistência necessária por parte da família, ocasionando, assim,

a quebra ou o enfraquecimento dos vínculos afetivos. Referente a isso, Santos

(2006), ilustra:

Requerem das famílias um grau maior de responsabilidade no que tange aos cuidados aos idosos, mas em contrapartida, não são atribuídas aquelas

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condições essenciais no que concerne a determinação de horários, especificação de direitos sociais e financeiros, regalias.

Por esses motivos, muitos idosos optam por morar em Instituições de

Longa Permanência para Idosos (ILPI’s) ou são deixados pelos familiares nessas

unidades. Quando é a família a responsável pela institucionalização da pessoa

idosa, ela geralmente acredita ser essa a melhor solução, pois o ente familiar

passará a conviver com outros indivíduos da mesma idade e passará a ter o suporte

e a atenção de que precisa para a sua sobrevivência. Com isso, as chances de

acontecer o que as participantes relataram são inúmeras. Contudo, Ferreira e

Simões (2011, p.40) manifestam-se de forma inversa: “embora encontremos várias

famílias que apesar das dificuldades em oferecer apoio ao idoso, apresentam elos

afetivos e culturais fortíssimos, sendo descartada a hipótese da exclusão do idoso

do convívio familiar”.

Com isso, a família tem a função de representar para os idosos uma rede

de proteção e suporte, um pilar de sustentação. É por meio do convívio e assistência

familiar que os idosos têm a oportunidade de desenvolver mecanismos de

enfrentamento para as mudanças que surgem na fase da velhice. Para Ferreira e

Simões (2011, p.39): “é na família que estão descritas todas as suas histórias de

vida, seu passado, seu presente e o entusiasmo para viver o futuro”. A respeito

disso, Falcão (2010, p.15) ainda completa:

A principal função da família é favorecer a aprendizagem de códigos sociais, sistemas de regras específicas, valores, padrões de relacionamentos e vínculos, ainda que, nos diversos recantos culturais, as estruturas sociais familiares possam ser diferentes das conhecidas pelas sociedades modernas mais desenvolvidas.

Os integrantes da família tendem a interagir e se relacionar de maneira

singular e heterogênea uns com os outros. É nesse momento de interação entre os

familiares que surgem as trocas de valores, de sentimentos, de culturas, de

gerações e de histórias de vida. Portanto, para que se estabeleça uma relação sadia

e harmoniosa com os idosos, é necessário primeiramente que haja a compreensão e

aprovação da diversidade. (FERREIRA e SIMÕES, 2011). As autoras completam:

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Viver em família é estar inserido num processo de constantes mudanças de comportamentos e de perdas e ganhos, buscando sempre um estado de equilíbrio frente a um evento, assim, a família é o esteio e o suporte para todo ser humano, principalmente para o idoso que faz dela toda a significância para a sua vida diária. (FERREIRA e SIMÕES, 2011, p.39).

De acordo com Neri (2001), quando os idosos dispõem de mecanismos

suficientes de autonomia e independência em suas vidas, eles se tornam capazes

de acomodar e organizar seus espaços da maneira que desejam, com suas próprias

características, com o intuito de poderem se identificar, tornando-se mais seguros.

Entretanto, se esses sujeitos não estão mais aptos em preparar e adaptar esses

espaços, é preciso que os familiares assumam essa responsabilidade. Sobre isso,

Debert (1999, p.87) retrata que a relação entre o idoso e a família é: “ora fazer um

retrato trágico da experiência de envelhecimento, ora minimizar o conjunto de

transformações ocorridas nas relações familiares”.

De acordo com Falcão (2006), são muitos os desafios que são postos às

famílias que têm em sua composição familiar pessoas em processo de

envelhecimento. Com a vinda da velhice, tais desafios se tornam inúmeros e muito

complexos.

A resposta de cada família para essa fase do ciclo da vida decorre comumente dos relacionamentos, vínculos e padrões familiares anteriores a essa fase, desenvolvidos para manter a estabilidade e a integração entre seus componentes. (FALCÃO, 2010, p.15).

Para Ferreira e Simões (2011), a forma como a família, bem como seus

integrantes, encaram o momento da velhice e as transformações que se sucedem

com a pessoa idosa dependerá da estrutura familiar que foi construída no decorrer

dos anos e da competência de adequar-se aos padrões recentes, assim como às

demandas e modificações que resultam dessa etapa. Torna-se, portanto,

imprescindível avaliar como se dão as relações de convivência, a interação, os

sentimentos e os comportamentos dos familiares para com o idoso. Caso contrário,

na falta do respeito, da cumplicidade e do entendimento no relacionamento com os

idosos, estes possivelmente deixarão de satisfazer suas vontades e anseios.

(FERREIRA e SIMÕES, 2011; FALCÃO, 2010).

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As características de cada família também estão associadas à saúde mental e física de seus membros, bem como à qualidade de vida e ao bem estar psicológico. O relacionamento familiar baseado em aceitação, comunicação interativa, afetividade, regras claras, supervisão, companheirismo, dentre outros aspectos, pode facilitar o ajustamento social de seus membros. (FALCÃO, 2010, apud FRANCO e LEVITT, 1998; MINZI, 2006, p.16).

De acordo com Rodrigues (2012, apud CAMARANO et al. 2004, p. 52),

como resultado das políticas neoliberais que minimizam, ao máximo, as ações do

Estado, no que diz respeito à efetivação dos cuidados e direitos dos idosos, a família

passa a ser designada como a primeira instância a amparar e zelar pela vida e bem

estar das pessoas idosas. Assim como a Constituição Federal de 19887, o artigo 3º

do Estatuto do Idoso preconiza:

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e a convivência familiar e comunitária.

Falcão (2010) relata que tem se tornado cada vez mais frequente nos

depararmos com situações e ações que restringem a independência dos idosos

dentro do seio familiar. Isso pode acontecer devido a aspectos culturais, sociais,

históricos e, principalmente, ao entendimento da família de que a pessoa idosa é

incapaz, inútil, frágil, demente, e não apresenta mais a mínima condição de fazer

suas próprias escolhas e ser protagonista da sua vida.

Ocorre que a inversão e as incertezas quanto às questões hierárquicas dão margem a relações caóticas, perturbando o sistema familiar e o desenvolvimento global de cada um de seus membros. Isso pode acontecer, por exemplo, quando os filhos assumem um poder hierárquico maior do que o de seus pais. (FALCÃO, 2010, p.23).

____________________ 7 A C.F de 1988 através do Título VIII - Da Ordem Social, capítulo VII e dos artigos 229 e 230 colocam

a família como o centro de amparo ao idoso, assim, nesse sentido, tem que existir a responsabilidade mútua entre os pais e filhos e o Estado, este último, por sua vez, tem o dever de oferecer programas de amparo ao idoso, porém esses programas têm preferencialmente a execução nos lares. O artigo 229 coloca os filhos como ser responsável pelos pais na velhice, na carência ou na doença, mas também atribui aos pais o cuidado com os filhos na infância e na adolescência. Já o artigo 230 tem-se a tríade família, sociedade e Estado com o dever de amparar o idoso afirmando a sua participação na comunidade e garantindo o direito à vida. Na PNI, o seu artigo 3º inciso I também tem a tríade família, sociedade e Estado como provedores e de garantirem aos idosos todos os seus direitos: cidadania, participação na comunidade, defendendo a sua dignidade, bem-estar e direito à vida. (RODRIGUES, 2012, p. 52).

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Contudo, ainda de acordo com Falcão (2010), a proteção e o cuidado

excessivos dos familiares para com os idosos pode ser muito prejudicial no cotidiano

de todos os envolvidos, pois, devido a percepções estigmatizadas sobre a velhice e

o envelhecimento, os parentes passam a agir no lugar dos mais velhos, impedindo-

os de ter autonomia sobre suas decisões e de viver mais ativamente. Desse modo,

tanto os idosos como os integrantes precisam ter conhecimento das funções que

lhes cabem e que precisam desempenhar dentro do contexto familiar.

2.3 Relações Intergeracionais

Outro aspecto recente e de extrema importância, que devo mencionar

neste capítulo, é o crescimento das experiências intergeracionais entre a mulher

idosa – que assume papel de avó – e seus netos. Diante disso, Falcão (2010) relata

que, com o fenômeno da longevidade no gênero feminino, novas atribuições e

atividades vão sendo inseridas no dia-a-dia das idosas, colaborando para as

variações no âmbito familiar e influenciando diretamente o convívio entre as

gerações. Debert (1999, p. 25), em sua obra, apresenta exatamente esse momento

diferenciado entre as mulheres idosas, assim, a autora comenta: “a situação da

mulher na velhice, momento em que a reprodução e o cuidado dos filhos pequenos

não são mais definidores do feminino”.

Portanto, essa nova realidade da sociedade contemporânea que se

encontra em constante ascendência e que está diretamente ligada ao fenômeno do

envelhecimento feminino e as modificações que acontecem no ciclo da vida

atribuem maior reconhecimento às idosas e colaboram para as constantes práticas

da fase da velhice. Esses aspectos desenvolvem mecanismos que proporcionam às

idosas a vivenciar, por mais tempo, o posto de avós e o estreitamento dos laços de

afetividade e intimidade com seus netos, pois a avó, parafraseando Vitale (2002),

não está mais ligada à imagem da pessoa com cabelos brancos e sentada em uma

cadeira de balanço, fazendo tricô ou crochê.

Dentro desse contexto, é relevante levar em consideração as mudanças

que vêm acontecendo na composição das famílias, bem como as experiências e o

modo como elas se organizam. Assim sendo, é essencial que haja constantes

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entendimentos e negociações por parte das diferentes gerações, ou seja, das avós e

dos netos, já que, com o avanço da expectativa de vida das idosas, estas

possivelmente permanecerão por um período maior de tempo nas famílias.

(FALCÃO, 2010, apud BARROS, 2006; BIASOLI-ALVES e MORAGAS, 1997;

OLIVEIRA, 2007, p. 38). Dessa forma, Ferreira e Simões (2011, p. 87) salientam:

“Compreendemos que a percepção da criança sobre o idoso e a velhice é de

fundamental importância na construção da imagem que se tem do idoso na

sociedade”.

Em relação à convivência intergeracional, Vitale (2002, p. 98 - 99) explica:

... o aumento da expectativa de vida, bem como a maior permanência dos jovens em casa, modifica significativamente as relações intergeracionais: as crianças e jovens tendem a conhecer e a conviver mais com seus avós e bisavós. Há com frequência, quatro gerações coexistindo numa mesma família [...].

A partir destas análises, Falcão (2010), afirma que a função de avó, que é

destinada às idosas, é, em grande maioria, colocada como forma de necessidade e

obrigação decorrentes dos contrastes socioeconômicos do Brasil. Vale considerar

ainda que, em muitos casos, o papel desempenhado pelas avós não é realizado por

vontade ou por opção, ao contrário, é gerado pela imposição das famílias, em troca

de cuidado e proteção prolongados.

Assim, o conjunto de experiências e vivências advindas das idosas deve

sempre ser tratado com respeito e consideração. No que se refere ao

redimensionamento dos diferentes papéis executados por cada membro da família,

Falcão (2010, p. 41) expõe:

As diferentes formas de avós e pais exercerem a corresponsabilidade em relação às gerações mais jovens da família convidam a refletir sobre o impacto das mudanças sociais nos padrões de relacionamento entre as gerações e nos papéis exercidos pelos membros do contexto familiar. As dificuldades econômicas e a ausência cada vez maior do Estado no âmbito social, no mundo do trabalho e do consumo, exigem que os adultos em idade produtiva ocupem cada vez mais o tempo com as atividades laborais. Essa realidade solicita criatividade das famílias na invenção de novas formas de cuidados compartilhados, fazendo com que a partição de funções na família torne-se mais complexa.

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A transferência de cultura entre as diferentes gerações, a conjuntura

sociocultural, as lembranças e as histórias do passado e as que o futuro ainda

reserva são informações fundamentais para que se possam compreender as

interações sociais traçadas no meio familiar. Isso se dá através de um processo

contínuo e descontínuo, em que características antigas e contemporâneas ora se

contrapõem, ora se completam. Com isso, os novos protótipos de convivência que

se manifestam na atualidade determinam que as funções de cada integrante da

família, assim como a tomada de decisões, sejam remodeladas cotidianamente na

esfera intergeracional. (FALCÃO, 2010). Tal raciocínio se assemelha com o que

segue:

Compreendemos que o relacionamento entre o idoso e outras gerações é de fundamental importância para ambos, dessa forma, criar condições em que o idoso possa relacionar-se com uma criança, por exemplo, é dar a ambos, oportunidade de um aprendizado mútuo. (FERREIRA e SIMÕES, 2011, p. 86).

Falcão (2010) descreve que as discordâncias que abordam as

características peculiares da vida cotidiana podem se agravar quando existe, no

interior das famílias, a ausência de momentos de comunicação e conversa entre as

diferentes gerações. Desse modo, Falcão (2010, p.41), ainda completa dizendo: “a

boa qualidade da vida afetiva das famílias exige de todos um posicionamento mais

flexível e aberto, diante da necessidade atual de construir, também na família, a

cultura do respeito à diferença e da solidariedade intergeracional”. Salles e Farias

(1997, p.144) elucidam:

A presença de um ser diferente [...] pode alterar a dinâmica familiar, tornando-a instável e as reações dos membros também sofrerão mudanças de acordo com cada individualidade. Entretanto, essa presença também pode fortalecer as relações e ressignificar os valores familiares. A importância do relacionamento familiar reside na sua contribuição para cada membro, tornando possível a interação e as realizações individuais e grupais.

A atual situação, em que se encontram as idosas nos domicílios, vem

revelando um novo papel para essa categoria, em que elas passam a exercer o

papel de “cuidadora” dos netos e de chefes de famílias. Outro fator importante é que

o relacionamento entre os mais jovens e a mulher idosa, na figura de avó, pode

estar marcado ora por sentimentos de afetos e carinho, ora por atritos e conflitos,

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podendo, dessa forma e respectivamente, juntá-los ou afastá-los. Essa mistura de

sentimentos e desavenças parece significar uma separação, dificultando o

reconhecimento da grande importância que têm as gerações mais velhas. (FALCÃO,

2010).

Como supracitado, tem se tornando, cada dia, mais comum encontrar

mulheres idosas assumindo a responsabilidade de cuidar dos netos. Entretanto,

apesar de ser este um tema recorrente na atualidade, o contexto da intergeração

familiar difere da realidade que encontrei na pesquisa realizada com as idosas

institucionalizadas. As mesmas optaram – com exceção de Rosa sem Pétalas que

casou – a nunca casar e nem ter filhos – por consequência nunca tiveram netos –,

detectando-se o apreço pela vida religiosa como um dos fatores que as levaram a

não escolher o matrimônio.

Em conversa com Rosa Sem Pétalas, ela disse que, enquanto era

casada, os filhos, as noras e os netos do seu marido eram muito presentes na vida

deles, sempre participando de almoços e jantares em sua casa. Contudo, quando o

companheiro da idosa morreu, aqueles não a visitaram mais e não lhe deram

nenhuma assistência nem suporte. Esses fatores levam a crer que os familiares do

seu esposo não a consideravam membro da família e que, com o falecimento do

cônjuge, todo o convívio e relação com Rosa Sem Pétalas acabou, provavelmente

porque, para eles, ela só existia enquanto o marido era vivo.

No caso dos outros sujeitos pesquisados, tal fenômeno não é diferente.

Devido ao fato de as participantes nunca terem vivenciado a experiência de conviver

com adolescentes ou crianças e de nunca terem tido netos, não sabem o papel que

as mulheres idosas têm assumido nas relações intergeracionais nem como elas são

importantes para muitas estruturas familiares hodiernas. A falta e/ou a fragilidade

dessas relações e da família para as idosas são fatores que ocasionam a

institucionalização. Por isso, como as idosas poderiam ter assumido alguma função

social no grupo familiar se nem mesmo existe uma forte integração com seus

parentes? Disso, deduz-se que, quando não é construída uma relação de afeto entre

as pessoas, não há como a afetividade ser dissolvida, uma vez que nunca existiu.

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A proposta do capítulo III é abordar, no primeiro tópico, a origem e a

evolução histórica das instituições de longa permanência para idosos (ILPI),

ressaltando as diferentes denominações que elas receberam ao longo do tempo.

Posteriormente busca-se relatar as percepções e sentimentos identificados pela

pesquisadora nas visitas realizadas no Recanto do Sagrado Coração (RSC) e os

contextos que determinam o processo de institucionalização. Para finalizar, o último

tópico versa sobre o cotidiano e o comportamento das idosas na unidade

institucional através de observações e anotações em diários de campo.

CAPÍTULO III – UMA ABORDAGEM SOBRE O PROCESSO DE

INSTITUCIONALIZAÇÃO E O COTIDIANO DAS IDOSAS NO RECANTO DO

SAGRADO CORAÇÃO

3. 1 Origem histórica das Instituições de Longa Permanência para Idosos

(ILPI’s)

As instituições de longa permanência se originaram na época do Império

Bizantino, e a mais antiga legislação de funcionamento destes estabelecimentos se

vincula ao Código Justiniano, que remonta a data de 534 da era cristã. No mundo

ocidental, a primeira instituição de acolhimento foi fundada pelo Papa Pelágio II

(520-590), que fez da sua própria residência um hospital para a população idosa.

(REZENDE, 2002).

No que concerne à origem dos asilos, Lima e Pelbart (2007) declaram que

tais espaços são de cunho filantrópico, sendo grande parte deles criados pelas

instituições de natureza católica, a exemplo da Sociedade de São Vicente de Paulo

(SSVP), surgida no ano de 1833, em Paris, que se pôs a serviço das pessoas

pobres, mantidos através de ajudas comunitárias e religiosas. Sobre as instituições

de longa permanência, Goffman (1974, p.11) as avalia como sendo: “um local de

residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação

semelhante, separados da sociedade mais ampla por um considerável período de

tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”.

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De acordo com Ferreira e Simões (2011), ao se falar em asilo, logo vêm à

tona os termos abrigo, refúgio, amparo, hospitais e sanatórios. Outrora, o serviço

prestado nesse local era mantido com ajudas comunitárias e era destinado, além de

idosos carentes, a pessoas com algum tipo de deficiência física ou cognitiva, a

pessoa com problemas de saúde, doença de pele e aos pobres que não tinham

como ter e manter uma moradia e prover o sustento. A respeito dos asilos, Born

(2001); Davim et al. (2004) e Novaes (2003) apontam: “a instituição asilar é

apontada como a modalidade mais antiga e universal de atendimento ao idoso fora

do seu convívio familiar”.

Nos dias atuais, os locais que acolhem pessoas da terceira idade são

chamados de ILPI’s. Contudo, podem ainda ser popularmente denominados como

asilos, casas de repouso, instituições de acolhimento, abrigos e clínicas geriátricas.

Esses estabelecimentos têm como função desenvolver um sistema de suporte social

e assistencial aos idosos quando for constatado que eles não dispõem de domicílio,

de recursos financeiros para o sustento, quando não têm família ou proteção

familiar, ou mesmo quando são abandonados. (GORZONI e PIRES, 2006).

Segundo Boechat e Born (2002, p.990), consideram-se instituições de

longa permanência:

Instituições com denominações diversas, equipadas para atender idosos, sob regime de internato ou não, pagas ou não, por período de tempo indeterminado, que dispõem de funcionários capazes de atender a todas as necessidades da vida institucional.

No Brasil, as unidades de acolhimento para idosos emergiram em

meados dos séculos XIX e XX, na cidade do Rio de Janeiro, através da Ordem

Terceira da Imaculada Conceição, com o propósito de atender cerca de 30 idosos.

Um dos primeiros asilos, fundados na referida cidade, chama-se Fundação do Asilo

São Luiz para a Velhice Desamparada. Dentro da ordem filantrópico-assistencialista,

essa instituição começou acolhendo idosos pobres, dentro da ordem filantrópico-

assistencialista, que esforçavam-se para que eles pudessem ser reconhecidos como

uma população com particularidades próprias, com o intuito de torná-los alvos das

preocupações sociais. (BORN; BOECHAT, 2006).

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Ainda segundo Born e Boechat (2006), tal Fundação criou, a partir do ano

de 1909, uma ala particular para aqueles que podiam pagar as cotas que eram

estipuladas, passando, com o tempo, a ser considerada uma instituição para idosos

de alta renda. Nas reflexões de Ferreira e Simões (2011), a maioria das IPLS do

Brasil, no presente tempo, é sustentada por Organizações Não Governamentais

(ONGs) que oferecem serviços a idosos necessitados financeiramente, embora seja

grande a incidência de instituições privadas.

De acordo com Christophe (2009), no Brasil, a nomenclatura Instituição

de Longa Permanência para Idosos passou a ser usada pela Sociedade Brasileira

de Geriatria e Gerontologia para expressar:

“As ILPI’s são estabelecimentos para atendimento integral institucional, cujo público alvo são as pessoas de 60 anos e mais, dependentes ou independentes, que não dispõem de condições para permanecer com a família ou em seu domicílio. Essas instituições, conhecidas por denominações diversas – abrigo, asilo, lar, casa de repouso, clínica geriátrica e ancianato – devem proporcionar serviços na área social, médica, de psicologia, de enfermagem, fisioterapia, terapia ocupacional, odontologia, e em outras áreas, conforme necessidades desse segmento etário”. CHRISTOPHE (2009, apud SBGG, 2003, p.23).

Tomando como base o relatório da V Caravana Nacional dos Direitos

Humanos, cuja função é avaliar o Sistema Asilar no Brasil, Rolin (2002) declara que

têm em média 19 mil idosos vivendo em instituições de acolhimento. Ainda de

acordo com o autor, a quantidade de idosos institucionalizados pode ser bem maior,

caso seja levado em consideração que muitos destes lugares funcionam de forma

clandestina.

É possível encontrar no Brasil diversos tipos de unidades de acolhimento

para indivíduos da terceira idade, a exemplo das privadas, das filantrópicas, das

chamadas mistas (são aquelas em que existem duas alas: a particular e a pública) e

daquelas provenientes dos programas nacionais do governo federal, através do

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que oferta programa de

atenção à pessoa idosa. (FERREIRA e SIMÕES, 2011).

Acerca disso, Ferreira e Simões (2011, apud Agência Nacional de

Vigilância Sanitária – Anvisa, 2004), discorrem:

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Segundo Regulamento Técnico para Funcionamentos das Instituições Residenciais sob Sistema Participativo e de Longa Permanência para Idosos, deve ser assegurada as condições mínimas de funcionamento das instituições de atendimento ao idoso com idade igual ou superior a sessenta anos, de modo a garantir a atenção integral, defendendo a sua dignidade e os seus direitos humanos.

Ferreira e Simões (2011) ainda apontam que as instituições privadas são

aquelas que têm fins lucrativos e são intituladas casas de repouso, clínicas

geriátricas, colônia ou residencial para idosos. O valor que é cobrado por cada idoso

varia conforme o tipo de serviço prestado pelo local, recebendo idosos com alto

poder aquisitivo. Já as filantrópicas são aquelas que recebem auxílio e donativos de

comunidades religiosas e que possuem um longo histórico assistencial. Os valores

cobrados por cada idoso variam entre três e oito salários mínimos, em média, de

acordo com o nível de dependência da pessoa. E por último, as instituições mistas,

que oferecem longa permanência para os idosos, e contam com prestação de

serviços cujas características são de cunho privado e público. (BORN e BOECHAT,

2002).

3.2 O Recanto do Sagrado Coração

Antes de visitar o Recanto do Sagrado Coração pela primeira vez, nunca

havia imaginado que lá funciona uma ILPI. Às vezes em que eu passava em frente

ao local, pensava ser ali um seminário ou um convento, mas jamais pensei que,

naquele lugar, moram mulheres idosas. Eu sempre via freiras saindo e entrando, de

um lado para o outro, mas nunca havia percebido as idosas no pátio externo da

instituição. Contudo, umas das assistentes sociais do Lar Torres de Melo me

informou que o RSC é uma unidade de acolhimento para mulheres idosas e que lá

haveria possibilidade de a pesquisa ser realizada.

Quando cheguei à unidade para falar sobre o estudo, comecei a analisar

as características da unidade e o comportamento de algumas idosas diante das

minhas visitas. As instalações exteriores são compostas por construções

arquitetônicas antigas, porém bastante conservadas, e os muros laterais da unidade

são bem altos, não podendo se ver ou se quer construir uma imagem interna do

local. Toda a extensão da frente é pintada na cor salmão, e na fachada está fixado o

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nome da instituição, em letras azuis e graúdas. Já o muro frontal é baixo e

gradeado, sendo possível que os transeuntes tenham uma visualização quase que

total da área de fora.

As entradas para ingressar na instituição se dividem em três, a saber:

uma delas é pela rua lateral, e serve para os profissionais contratados, os

funcionários da instituição, os visitantes e pessoas que fazem parte do núcleo

familiar das idosas e que vão de carro; e as duas outras ficam na parte da frente,

localizadas na Avenida da Universidade. Um destes acessos é também para quem

vai de carro e o outro para quem entra a pé. No acesso dos pedestres, é possível

encontrar um portão de ferro alto e pesado, de cor cinza, e um pequeno lance de

degraus.

Passando-se desse ponto e se encaminhando em direção à segunda

entrada que dá para as acomodações internas da instituição, é possível verificar que

ela é constituída de um estacionamento de tamanho mediano, onde se encontram

árvores e plantas frondosas, nove janelas, quatro bancos de madeira nas cores

branca, azul, amarela e verde – dois em cada lado –, outro portão que sempre está

aberto durante o dia, em formato de grades também na cor cinza, sendo bem menor

que o primeiro, um recepcionista e uma Irmã de Caridade para prestar eventuais

informações.

Assim que passa o segundo portão, há um corredor que dá acesso à

capela, composta por assentos de madeira, por um pequeno altar e por várias

imagens de santos e santas espalhadas pelo recinto. Deste também, é possível se

notarem alguns quartos de visitantes e/ou familiares e de algumas idosas. No final

do corredor, há uma pequena recepção onde fica uma pequena cristaleira com

produtos religiosos à venda, uma mesa e um telefone – que sempre está tocando –,

e, vizinho ali, existe uma espécie de copa. A instituição é muita limpa e organizada,

por isso, tinha a sensação de, às vezes, estar em um lugar não habitado, em uma

casa que está sempre do mesmo jeito, com as mesmas formas e da mesma

maneira, uma vez que nunca vi nada fora do lugar nem em desordem.

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Foi com o decorrer dos dias que pude notar que, sempre que eu ia para a

instituição as residentes passavam várias vezes por mim, com olhares meio que

curiosos e com expressões de indagações, apresentando o desejo de serem vistas e

de se fazerem presentes, talvez se perguntando quem eu era e o que eu fazia ali.

Achava tão interessante quando eu estava com as participantes em seus

apartamentos e as outras moradoras andavam bem devagarzinho e aproximavam-

se com cumprimentos de ‘bom dia’ e ‘boa tarde’. Por diversas vezes, algumas idosas

vieram me indagar se eu era sobrinha de Rosa Sem Pétalas ou parente de alguma

outra.

No pátio interno existe um pequeno jardim, com plantas bonitas e bem

cuidadas. Foi ali que consegui captar o cheiro de terra molhada quando as plantas

eram regadas, fora isso, tive a impressão de o ar ser inodoro. Há também uma

espécie de fonte que sempre estava seca. No jardim existe a imagem de uma santa,

a qual não pude identificar, e quatro bancos de cimento. Do lado esquerdo do jardim,

ficam os compartimentos das irmãs (refeitório, dormitório, escritório). Próximo a

esses, é possível ver algumas cadeiras e mesas de centro. No mesmo lado, já

começam os apartamentos das residentes, inclusive, de duas das entrevistadas.

Do lado direito, há um telefone público para as idosas efetuarem e

receberem ligações. Ainda nesse lado, há um refeitório adequadamente limpo e

higienizado onde são servidas todas as refeições. Há uma mesa comprida em

formato retangular para os visitantes e familiares e seis mesas redondas com quatro

ou cinco cadeiras cada, usadas durante a alimentação das idosas. Vale ressaltar

ainda que as idosas da ala particular se alimentam separadas das idosas da ala

pública, e que, por isso, existem dois refeitórios.

As refeições estão prontas quase sempre nas mesmas horas, sendo o

café da manhã entre 06h, 07h, o almoço por volta das 10h40min, 11h00min, o café

da tarde em torno das 14h e o jantar às 16h30min, 17h00min. É nítido perceber as

regras e rotinas da instituição; o horário em que são servidas as comidas e que são

fechados os portões – por volta das 19h – são exemplos disto. Existe um sino na

instituição que é tocado várias vezes por dia pelas Irmãs, para anunciar as

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alimentações, as missas para as idosas, as missas para as irmãs, entre outros

motivos.

Pude sentir que o ambiente é agradável e silencioso, gerando certo

incômodo em mim, principalmente no final da tarde, momento em que as atividades

cessavam e os profissionais iam embora. Nas tardes, em especial, parecia que tudo

que tinha vida perdia seu brilho, perdia sua vida, era o momento em que as idosas

ficavam mais caladas, mais recolhidas e mais sozinhas.

O silêncio tão gritante do ambiente chegava a me causar uma verdadeira

e profunda sensação de solidão, de melancolia, de medo de me imaginar morando

em uma ILPI e de saudade de algo que eu não sabia precisar – talvez do mundo lá

fora. Creio serem esses os sentimentos vividos por muitas residentes lá dentro. Até

mesmo os cantos dos pássaros e o barulho das buzinas dos automóveis podiam ser

ouvidos sem dificuldade alguma, pois os sons ecoavam pela instituição adentro. Por

várias vezes, me especulei: como pode um lugar com várias idosas morando com

outros tantos trabalhando ser mantido dentro da ordem e da tranquilidade?

A ala da frente é a particular, onde moram as participantes da pesquisa.

Já a ala de trás é a pública, contendo um pequeno jardim e outro refeitório, uma sala

comunitária com televisão – que funciona como área de convivência –, uma

pequena enfermaria onde é realizado atendimentos com médico e fisioterapeutas,

apartamentos e alguns cômodos, entre eles um que serve para guardar remédios.

As idosas vivem individualmente em pequenas unidades habitacionais com

banheiros, as quais são limpas pelas funcionárias da instituição ou pelas cuidadoras.

Os apartamentos são vizinhos uns dos outros e dispõem de

eletrodomésticos, móveis e objetos pessoais que foram levados pelas moradoras no

processo da mudança ou adquiridos posteriormente, como: frigobar, geladeira,

ventilador, televisão, guarda-roupa, cômoda, cama, malas, redes, porta-retratos e

pequenos enfeites. É de responsabilidade das moradoras manter limpas e

organizadas suas moradias e seus objetos pessoais, enquanto que a instituição

providência as refeições e as atividades recreativas e religiosas com as quais

aquelas ocupam seu tempo.

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Não existe uma programação semanal para os passeios, podendo

acontecer em qualquer época do ano. Através deles, as idosas já tiveram a

oportunidade de ir a cinemas, shoppings, praias e locais que contam a história de

Fortaleza, a exemplo do passeio público. As atividades recreativas também não

ocorrem consecutivamente, podendo variar muito de uma para outra. As oficinas de

artesanato e de pintura são realizadas frequentemente.

Durante o período da pesquisa foi possível verificar duas dessas

atividades, a saber: uma com estudantes de enfermagem e a outra com estudantes

do curso de manicure e pedicure, ocasiões em que as idosas se divertiram muito. Na

semana do idoso, a instituição faz um planejamento de eventos diários de lazer com

dinâmicas, shows de humor, palestras com universitários, brincadeiras, passeios e

refeições diferenciadas. As Irmãs sempre incentivam as idosas a participarem das

atividades e dos momentos de convivência. Contudo, muitas não gostam e preferem

não compartilhar desse contexto.

3.3 O processo de institucionalização

A falta da família ampliada (marido, filhos, netos, bisnetos, genros, noras,

entre outros) esbarra em um dos motivos que levaram as idosas a procurarem a

instituição de longa permanência como moradia, pois o apoio familiar é quase nulo.

A respeito disso Salgado (2002, p.17) se manifesta: “nem sempre existe uma família

disponível, pois muitas mulheres idosas nunca tiveram filhos ou nunca se casaram e

seu sistema de apoio familiar é quase inexistente”.

Diante das já citadas mudanças estruturais na família e das condições

sociodemográficas da atualidade, parece tornar-se incerto que os idosos, em

particular as idosas, continuem a morar e a ser cuidadas por suas famílias, já que há

cada vez menos filhos e netos, e as mulheres, consideradas cuidadoras, estão bem

menos disponíveis para executar essa tarefa. Esses são aspectos que explicam

prováveis problemas que a idosa pode encontrar no domicílio. (HERÉDIA et al.

2004; CAMARANO, 2007).

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Mateus (2008) esclarece que o papel de cuidador pode ser executado por

indivíduos do gênero masculino ou feminino, de classes sociais e econômicas

distintas, que proporcionam auxílio às pessoas que estão ou são, de algum modo,

dependentes. Kurz (2008), em seus estudos, revela que o cuidador ou a cuidadora é

a pessoa que adquire a responsabilidade nos cuidados ao idoso dentro do seio

familiar, e simboliza a ligação entre paciente e família.

Ainda dentro desse contexto, essa autora vai além, apontando que

existem dois tipos de cuidadores: os formais e os informais. Kurz (2008, p.1) define

os cuidadores formais como sendo: “os profissionais e instituições que realizam este

atendimento sob a forma de prestação de serviços”, ou seja, exercem o trabalho de

maneira remunerada. Já os cuidadores informais são: “constituídos por pessoas com

algum grau de parentesco com o idoso dementado, amigos próximos e vizinhos,

frequentemente mulheres”. Sobre estes últimos, a autora completa:

Destacando-se ainda pela inexistência de formação específica, exercendo tarefas de ‘apoio e cuidados voluntários para suprir a incapacidade funcional do idoso’. Ora, este último sistema funciona sob o princípio da solidariedade e de reciprocidade entre gerações. (Kurz, 2008, p.1).

Espitia e Martins (2006) consideram que existem fatores que intervêm na

permanência das idosas no seio familiar, entre os quais ressaltam: a incidência da

pobreza; os novos padrões de matrimônio e de família; o aumento sensível dos

conflitos e das tensões familiares e a divergência de ideias que resultam do convívio

entre as diferentes gerações; a saída dos integrantes da família para o mercado de

trabalho, em especial das mulheres; o aparecimento e/ou agravamento de doenças

que podem causar a perda total ou parcial da independência, e a quebra e/ou

enfraquecimento dos laços afetivos e de solidariedade com o desgaste emocional.

O convívio entre o idoso e a família só pode ser benéfico tanto para um quanto para outro, se além de valores sociais e culturais, [...] fosse considerado também, o querer conviver juntos, o querer compartilhar, fortalecendo a missão e a responsabilidade de cada um dentro do seu convívio, gerando respeito, amor e cumplicidade para a nova fase de vida que é envelhecer. (FERREIRA e SIMÕES, 2011, p.41).

Segundo Ferreira e Simões (2011), a decisão de institucionalizar a

pessoa idosa é mais favorável e adequada para a família, no que diz respeito à

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condição de cuidar. Com isso, muitos idosos e idosas são levados por seus

familiares para instituições de longa permanência, levando-os geralmente ao

desamparo, exclusão e isolamento. No que tange à institucionalização, Ferreira

(2009, p.10-11), ratifica:

Diante de tais circunstâncias, quando o idoso passa a precisar de apoio e a rede familiar está incapacitada para dar resposta a esta necessidade, surge a institucionalização como a opção mais viável e o lugar do idoso nessa rede de interação e solidariedade familiar fica também comprometido.

Muitas vezes, a institucionalização se dá também em decorrência da

perda do(a) cônjuge, dos filhos, familiares ou de pessoas muito próximas, bem como

por circunstâncias de fragilidade ou afastamento do círculo familiar em que a pessoa

idosa se encontra. (Barros, 2011; Yamada et al., 2012). A respeito da situação em

que se encontram alguns idosos, Beauvoir (1970, p.312), afirma: “quando não

podem mais sustentar-se, física e economicamente, o único recurso dos velhos é o

asilo”.

As políticas de atenção à pessoa idosa, ao prever que a família deve propiciar ao idoso o atendimento de suas necessidades e dignidade, mas não disponibilizam recursos para fortalecê-la no sentido de viabilizar a manutenção do idoso no seio familiar. (PERLINI; LEITE e FURINI 2007, p.233).

Trazendo essas informações para a história das idosas pesquisadas,

posso afirmar, partindo da análise dos relatos, que os motivos determinantes que

ocasionaram a ida delas à instituição de acolhimento RSC derivam de uma

conjugação de diversos fatores, e não só de uma ou duas causas. Nesse sentido,

Rosa Sem Pétalas relata quais as razões que levaram à sua entrada na unidade:

Quando morreu a minha mãe e meu marido, aí eu fiquei muito assim (pausa), sem vida. A minha vida se acabou e tudo; aí o meu irmão achou que eu podia adoecer, que podia acontecer uma coisa assim em mim. Enquanto eles não alugaram, – eu nem sabia, eu nem conhecia isso aqui, (pausa) –; enquanto eles não me arrumaram um apartamento pra eu vim pra cá e eu não aceitei, eles não sossegaram. Já a minha cunhada: “olha, tu não quer sair e, se teu irmão adoecer, se tiver uma coisa e morrer, tu é a culpada; porque tu não quer fazer, se ele não aceitar e ele adoecer, tu é a culpada”; aí eu tive medo né, de acontecer alguma coisa com meu irmão e eu ser culpada mesmo. (Rosa Sem Pétalas, 88 anos, se referindo ao irmão e a cunhada).

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Foi ele quem disse, ele pediu pra eu vim olhar: “minha irmã, você vai ter tudo lá; têm as salas das irmãs perto de você”, – porque eu morava na minha casa mesmo –, você não vai depender de viver só, vai ter pessoas pra você viver, é uma vida diferente você aqui, aí eu disse: eu não vivo só, tenho minhas vizinhas aqui. (Rosa Sem Pétalas, 88 anos, se referindo ao irmão).

Nesse caso, é notório perceber que a tomada de decisão e a escolha que

levaram a institucionalização da idosa não partiram dela, ou seja, ela não participou

diretamente dessa decisão. Rosa Sem Pétalas aceitou ir para a unidade por

insistência do irmão e da cunhada, pois não queria contrariá-lo nem causar maiores

problemas. Dessa forma, posso inferir que a idosa não foi protagonista de sua

vontade, pois a sua subjetividade e o direito de permanecer em sua casa não foram

levados em consideração.

Devido ao fato de a idosa ter sido, de certa forma, persuadida pelos

familiares a concordar com a transição, sua adaptação na instituição foi um processo

difícil e doloroso. Na narrativa que segue, a participante identifica os sentimentos

que pairavam sobre ela e como foi essa adaptação nos primeiros dias:

Senti de saudade, muita saudade da casa que eu morava, das minhas vizinhas que ainda hoje eu sinto. Tinha uma vizinha que era uma mãe pra mim, era uma felicidade pra mim. (Rosa Sem Pétalas, 88 anos, grifos meus).

Foi difícil. Aí eu senti, eu chorei, eu chorei muitos dias depois que ei vim pra cá. Chorei muito, mas depois fui deixando de chorar; mas eu chorei muito. Ainda hoje eu choro, não parei de chorar não, ainda hoje eu choro. Eu sentia saudade não era nem da minha mãe nem do meu marido; do meu marido ei sinto aqui, da minha mãe eu sinto aqui. (Rosa Sem Pétalas, 88 anos, grifos meus).

No caso de Suavidade, a decisão de morar na instituição também não

partiu dela, mas de sua irmã mais velha, que, ao vê-la morando sozinha em outro

município, com problemas de saúde, já idosa e sem ter nenhum suporte familiar,

resolveu trazê-la para Fortaleza, para dar apoio a ela. No entanto, a idosa aceitou vir

em respeito à irmã, mas contra sua vontade, o que reforça que, muitas vezes, as

idosas aceitam ser institucionalizados para não contrariarem os familiares, assim

como aconteceu também com Rosa Sem Pétalas. No discurso abaixo, a

entrevistada relata, de forma mais precisa, esse processo:

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Eu não queria vim não, eu morava sozinha, mas como a minha irmã que é Irmã aqui é mais velha, foi e me trouxe pra cá. Nesse tempo ela era superiora daqui, ai ela me trouxe pra cá. Foi me buscar lá, doida que eu viesse, porque lá eu morava só; aceitei vim, tive que aceitar minha filha. (Suavidade, 84 anos, grifos meus).

Na entrevista com Vaidosa, a participante informou que passou o período

de (01) um ano residindo em outro estado, com um dos seus (03) três irmãos – já

falecido –. Contudo, antes de passar pelo processo de institucionalização, ela não

quis morar sozinha nem com nenhum dos outros dois irmãos, pois, além de serem

casados, moravam longe, o que lhe tornaria difícil a adaptação ao convívio. No que

se refere à iniciativa do processo decisório de morar na instituição e quais as razões

que a levaram a fazer essa escolha, Vaidosa afirma:

Foi de mim mesma, porque eu fui criada por avó e tias (pausa) morreram tudo. Aí minha mãe morava no Rio, meus irmãos viram que estava aqui só, mandaram buscar mamãe para morar comigo, aí morei (pausa), morreu. Aí eu fiquei (pausa) sabe, numa casa de uma parenta minha, fiquei lá uns tempos, mas aí a família foi aumentando, a casa ficando pequena e eu já tava (pausa), a gente fica assim sabe? Então um dia, uma conhecida nossa conversando aí disse que aqui tem um pensionato muito bom; aí eu vim ver aqui com minha amiga e aqui eu fiquei, achei bom. (Vaidosa, 82 anos, grifos meus).

Vaidosa não se recorda dos principais fatos referentes ao dia em que

entrou no RSC. Contudo, lembra que gostou do que viu e não ficou surpresa com

nada, pois não fazia nenhuma ideia do local. De acordo com seu relato, sua

adaptação foi rápida, pois nunca foi preocupação para ela pensar nessa situação.

Quando perguntei se Vaidosa tinha sentido algum tipo de medo, angústia ou

preconceito, por estar em uma unidade para idosas, a participante respondeu de

maneira apática:

Não, não tive nadinha, nem ligava, até hoje, não passou nada, porque aqui era uma beleza né? achei foi bom, porque eu tava longe, na casa da minha parenta. Esse tempo eu andava só e queria vir pra rua fazer compra, alguma coisa, precisava vir alguém comigo porque era longe demais. Aí eu achei que aqui era mais perto, e melhor, e é mais bem localizado. E eu tava no meu quarto né? (Vaidosa, 82 anos, grifos meus).

Olhar Triste comentou que, quando entrou na instituição, ficou surpresa

com a quantidade de doenças mentais e o abandono das famílias. Sobre as

impressões da idosa relacionadas ao que tinha visto no primeiro dia da nova

habitação, ela relatou: “gostei, adorei, Ave Maria, como eu gostei”; “cheguei a dizer

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que estava no céu”. No que tange aos sentimentos que a participante sentiu ao

entrar no RSC, Olhar Triste disse:

Ah, eu tava feliz. Tava feliz porque eu tava dona de mim, dona do meu quartinho, aos poucos eu fui comprando televisão, cama, essas coisas sabe? Guarda-roupa né? Eu tive muitos amigos, a amizade das irmãs (pausa), fiz logo amizade com as irmãs, elas me apoiaram né? Foram muito boas pra mim, Ave Maria! (Olhar Triste, 70 anos, grifos meus).

O que posso compreender do relato de Olhar Triste é que ela, mesmo

tendo passado por um grande problema familiar, sentia-se feliz em estar na

instituição, pois, pela primeira vez, podia dizer que era dona de si e de seus

pertences, o que se manifesta nas ideias de independência e autonomia, já que, na

casa, que pertencia ao irmão, ela não dispunha desses sentimentos. De acordo com

a idosa, sua adaptação no local se deu de forma rápida e, sobre suas recordações

dos primeiros dias, Olhar Triste discorreu: “foram ótimos, gostei demais, tomava meu

banho, ai como eu gostava de tomar banho na água fria, levava o cabelo, meu

cabelo era grande. Eu cuidava dos cabelos, das unhas, era vaidosa, tudo, eu tinha

63 anos né?”.

DaMatta (2001) relata que a rua é o espaço do movimento, onde os

indivíduos sempre encontram violência, disputa, discórdias; é um local de

desconhecidos e desavisados, em que nos tornamos mais um no meio de tantos

outros, no centro da multidão. Sensação diferente pode ser sentida quando se está

em casa, pois se encontram sossego, segurança e aconchego. Em nossa morada,

vivemos rodeados de pessoas com as quais temos laços sanguíneos ou não, com

sujeitos que temos algum tipo de afinidade, que nos conhecem e nos entendem.

Quando falamos da “casa” não estamos nos referindo simplesmente a um local onde dormimos, comemos, ou que usamos para estar abrigados do vendo, do frio ou da chuva. Mas estamos nos referindo a um espaço profundamente totalizado numa forte moral. (DaMATTA, 2011,p.24).

Dentro de casa, somos capazes de ter nossa realização e identidade

pessoal reveladas, já que temos o direito tomar decisões, de fazer o que almejamos,

de mudar um móvel ou comprar outro, de pintar as paredes da sala ou dos quartos,

de fazermos a comida que gostamos, de sair e chegarmos a hora que queremos e

de receber as visitas que nos fazem bem. Somente no nosso lar é que o sentimento

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de pertencimento se faz aparecer, pois é nele que podemos reconhecer nossa

personalidade em uma simples fotografia no porta-retratos, ou mesmo pelo o modo

como decoramos os cômodos, a música que ouvimos; os mínimos detalhes são

capazes de evidenciar nossas características mais peculiaridades. Até o nosso

cheiro está entranhado nos ambientes da casa. (DaMATTA, 2001).

No que diz respeito às sensações e sentimentos de não viver no próprio

ambiente e de conviver com pessoas que não fazem parte das histórias passadas,

Suavidade demonstrou que se acostumou com a nova “casa”, devido à sua fase de

velhice, mas que não se sente bem vivendo no RSC. Já Olhar Triste, expõe sobre o

local de moradia:

Gosto, gosto muito. Pra mim é o melhor lugar que pode existir depois da minha casa própria. Porque foi como eu disse, se eu sair daqui vou pra onde? Vou morar na rua, porque meu dinheiro é pouco, da pra pagar meu quarto, as coisinhas que eu compro, alimentação, mas não pra eu comprar uma casa pra mim. (Olhar Triste, 70 anos, grifos meus).

Partindo da análise de que, dentro de casa, dispomos de liberdade para

nos locomover e exercer o direito de ir e vir, do mundo externo para o interno,

Suavidade relatou que as idosas podem circular livremente por toda a instituição,

encontrando restrição apenas no momento de sair. No entanto, tomando como base

a concepção e o discurso de Olhar Triste, é perceptível notar uma incoerência

quando a idosa elucida que nenhuma das idosas – incluindo ela – podem se

comportar livremente nos espaços da instituição, bem como não dispõe da liberdade

que teriam em casa. A entrevistada explana: “Não, não. Elas sabem (pausa), são

muitas regras”. (Olhar Triste, 70 anos, grifos meus).

Nunca me senti como se tivesse em casa, na minha casa não. É muito raro, às vezes eu sinto, mas é uma coisa muito passageira. Eu sinto que é na casa dos outros, casa das irmãs, entendeu? Agora meu quartinho eu gosto, mas eu sei que não é meu quarto, porque to pagando aqui. (Olhar Triste, 70 anos, grifos meus).

É possível verificar que existe uma contradição nas falas de Olhar Triste,

quando informou ter conquistado independência a partir do momento em que foi

morar na instituição, considerando-a como o melhor lugar que pode existir – com

exceção de sua casa própria, e quando disse nunca ter se sentido como se

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estivesse em sua casa, em seu ambiente, ou seja, ela não se reconhece naquela

instituição, o que gera um processo de despertencimento e perda de identidade.

Olhar Triste e Suavidade descrevem respectivamente as mudanças que

sucederam em suas vidas a partir da institucionalização, apontando os fatores

positivos e negativos:

Pra pior, foi porque aumentei a idade, fiquei com menos saúde, aí pronto né? Piorou a saúde; de ruim foi porque eu piorei de saúde. E pra melhor, foi porque eu aprendi muita coisa com o mundo né? To no meio do mundo; o mundo é um mar de lágrimas. Aprendi muitas coisas com esse mundo. Muita coisa que eu não sabia viu? As doenças, a velhice, o abandono (pausa), eu pensava que tudo era amor. (Olhar Triste, 70 anos, grifos meus).

A gente tem um médico mais perto né, pertinho. E lá (cidade onde morava), agora é que tem [...], mas aqui é fácil. Porque minha irmã cuida de mim, olha por mim. (Suavidade, 84 anos, se referindo aos fatores positivos da institucionalização).

O pessoal é muito desumano, todo mundo, porque matam, porque é muita violência minha filha e roubo. Morre gente em desastre, morre gente que matam. Eu sei lá que vida é essa. (Suavidade, 84 anos, se referindo aos fatores negativos como sendo os altos índices de violência em Fortaleza, diferentemente da sua cidade de origem).

Tomando como referência os relatos das idosas, entende-se que a

percepção das participantes sobre o Recanto do Sagrado Coração é descrita de

modo diverso, nas respostas às entrevistas realizadas. Embora reconheçam que

vivenciaram uma transição para a instituição, poucas idosas responderam, de forma

clara e objetiva, os fatores positivos e negativos que estão ligados ao processo de

institucionalização. Dessa forma, esses fatores levaram as residentes a

confundirem-se com as experiências do passado e as do presente, onde elas

expuseram fatos da vida ocorridos anteriormente à entrada na unidade e os da vida

atual, para mostrar que compreendiam as mudanças que aconteceram em suas

vidas.

Sobre isso, Lemos (2005), afirma que, com a institucionalização, o idoso

tende a defrontar-se diariamente com fatos totalmente novos e contrários à vida

anterior ao acolhimento, ou seja, na nova moradia as pessoas idosas passam por

situações e vivências próprias das ILPI’s, com as quais nunca haviam tido contato e

que, de certa forma, podem não ser capazes de enfrentar.

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3. 4 O cotidiano na instituição

Neste tópico, abordarei a categoria cotidiano, com a intenção de

conhecer, a partir dos relatos e da observação simples, o dia-a-dia das idosas

entrevistas, desde o momento em que acordam até a hora que se deitam; o que

mais gostam de fazer; as atividades por elas realizadas e o convívio na instituição.

Brant e Netto (2012, p.23) expõem a vida cotidiana da seguinte forma:

... é aquela vida dos mesmos gestos, ritos e ritmos de todos os dias: é levantar nas horas certas, dar conta das atividades caseiras, ir para o trabalho, para a escola, para a igreja, cuidar das crianças, fazer o café da manhã, fumar o cigarro, almoçar, [...]. Nessas atividades, é mais o gesto mecânico e automatizado que as dirige do que a consciência.

Nesse sentido, Vaidosa, Rosa Sem Pétalas e Olhar Triste descreveram o

dia-a-dia desde que se acordam até a hora em que se deitam. Os seguintes relatos

apresentam os acontecimentos de suas rotinas diárias:

Minha filha, aqui de primeiro eu fazia muita coisa, eu bordava, mas abandonei os trabalhos manuais, não via muita vantagem quando eu tive o problema de vista né?[...]. Depois do jantar a gente pega as cadeiras e senta lá fora, depois a gente entra, fica por aqui, depois é o terço. Assisto televisão, leio; as meninas fazem os programas aqui a gente vem assistir. Às vezes as meninas daqui vêm conversar, eu passo um bom pedaço aqui fora aí entro, fico assistindo as novelas, aí quando é 22h30min eu fecho a televisão porque já tá tarde e vou dormir (pausa), tem o terço, rezo e depois vou dormir. (Vaidosa, 82 anos).

Se eu tiver que sair pra igreja, tiver que ir pra missa na terça feira eu vou pra missa, quando eu chego da missa aí eu vou tomar café, aí quando eu acabo de tomar café aí eu me sento aqui (se referindo a sua cama); vou ler, vou rezar minhas novenas que eu tenho que rezar, eu rezo, leio, às vezes me deito um pedaço antes do almoço (pausa),às vezes me deito um pedaço depois do almoço, é assim, aí passa o dia. Eu só vivo no quarto. Eu não conheço nem lá trás, nunca fui lá trás. É que eu não gosto de ouvir besteira, conversa boba, pra mim não dá, eu não fui acostumada com besteira. Eu rezo terço todo dia; todo dia tem uma coisa sabe? Mas eu não vou, fico rezando o terço, depois me deito. (Rosa Sem Pétalas, 88 anos, grifos meus).

Eu acordo, me levanto, me asseio né, aí vou tomar café; depois eu volto, vou lavar a louça, arrumar o quarto, as coisas sujas da noite; porque às vezes eu passo a noite acordada [...]. Arrumo a cama, eu limpo a geladeira, limpo o ventilador, varro o quarto, lavo o banheiro, eu faço tudo, sou eu que faço. Quando eu to doente eu chamo uma moça daqui; só não lavo roupa pesada, mas roupa leve eu lavo. De noite eu vejo muito programa policial, gosto muito de jornal, política, não gosto de futebol, não gosto de novela. Às vezes eu durmo depois do almoço, às vezes eu não durmo. Eu assisto o

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Barra Pesada, o Comando 22 [...]. Faço muita leitura de autoajuda, religiosa, espírita. Às vezes vem uma visita pra cá, conversa depois vai embora. (Olhar Triste, 70 anos).

Eu me acordo, me acordo é 5h, umas 5h30 aí eu me sento na cama aí vou rezar. Rezo dois terços e rezo um rosário, se der tempo eu rezo os dois antes do café da manhã, se não der eu rezo depois. Depois que eu vou para o banheiro, me asseio, aí vou tomo café, volto. Quando eu chego eu vou rezar [...]. Pois bem, depois eu vou para o banheiro, lavo minhas peças íntimas, depois às vezes antes se der tempo antes do almoço eu rezo outro terço, se não der tempo aí eu vou pro almoço; quando chegar eu descanso nessa cadeira, aí eu cochilo, aí vou rezar o resto, quando acabar vou tomar meu banho, depois vou jantar, ligo a televisão, assisto a televisão e vou dormir; quando eu for dormir é umas 22h, 22h30min. Eu não faço mais nada por causa da minha vista, o que eu posso fazer eu faço. (Suavidade, 84 anos).

As alterações e as adaptações de rotina marcam a vida das idosas

participantes, assim como a forte presença da religião. No início da

institucionalização, as entrevistadas passaram por um processo de novas rotinas e

regras. Contudo, analisando os relatos das participantes, percebe-se que as

descrições feitas sobre o cotidiano são muito parecidas e monótonas, em que é

notório verificar que as atividades executadas pelas idosas tornaram-se rotineiras.

De acordo com Ferreira e Simões (2011), quem vive em uma unidade de

acolhimento terá que lidar quase que diariamente com as mesmas rotinas e com o

mesmo contexto. Isso acontece devido ao distanciamento do mundo externo, dos

familiares e das pessoas com quem conviviam, sendo necessário criatividade para

suportar a inalterabilidade.

Sobre as atividades recreativas que mais executa, Vaidosa manifestou

que sempre está envolvida em todas as atividades que ocorrem na instituição, pois é

muito participativa. Ela completou expondo sobre o que mais gosta de fazer: “...

participar dos passeios, porque eu toda vida gostei muito de passear [...], eu venho e

pergunto assim: Quando é o outro?”. Já Rosa Sem Pétalas contou que adora

participar dos passeios e de tudo que tem na instituição, e que gosta principalmente

de ler, rezar e fazer crochê. A idosa finalizou: “Crochê eu faço, quando eu tô com

vontade adoro fazer crochê, gosto demais, crochê eu gosto”.

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No caso de Olhar Triste, o que ela mais gosta de fazer na instituição e o

que lhe dá mais prazer é escrever. A idosa discorreu sobre sua presença nas

atividades e passeios que são organizados no RSC:

Eu participo geralmente das oficinas da Maninha (artesã), das oficinas de artesanato; o resto eu não participo não, esse negócio de festa, de bolo, eu já sou pré-diabética, então eu evito. Não vou aos passeios, vou não. Sou mais recolhida, também não tenho saúde não; de primeiro eu ia quando cheguei aqui, pegava o ônibus com as outras idosas, mas de um tempo pra cá, faz uns dois três anos que to deprimida, triste, vendo muita gente morrer, é o ambiente triste, muito abandono da família. (Olhar Triste, 70 anos, grifos meus).

Por último, Suavidade informou que, quando está sem nenhuma

ocupação, gosta dos trabalhos artesanais e das brincadeiras que acontecem na

instituição. A explanação que segue refere-se à sua participação nas atividades e

passeios que acontecem:

Às vezes não, às vezes sim. Não participo dos passeios porque tenho dificuldade pra andar. Vai eu pra uma coisa dessa, quem é que vai tomar conta mim? Eu não posso minha filha.Se eu pudesse eu ia, mas não posso não vou. Às vezes eu não vou porque o chão é tão liso que eu tenho medo de cair. (Suavidade, 84 anos).

O envolvimento das idosas nas atividades e passeios da unidade é

apresentado de forma diferenciada, não seguindo a mesma regra para as

participantes. A maioria delas, como Vaidosa e Rosa Sem Pétalas, têm prazer em

participar dos momentos de lazer que acontecem interna ou externamente à

instituição. No caso de Suavidade, apesar de demonstrar vontade em participar das

atividades externas, se vê impossibilitada devido a problemas de saúde. No caso de

Olhar Triste, ela perdeu a vontade de participar das dinâmicas, dos passeios e das

brincadeiras, porque, de acordo com seu relato, vive momentos de tristeza e

depressão. Essa falta de estímulo de Olhar Triste pode ser reflexo da ruptura com o

seu passado.

Ferreira e Simões (2011) consideram, de modo geral, que o que mais se

observa nos espaços das unidades de acolhimento é a dificuldade que as residentes

encontram em ter uma vida dinâmica e mais próxima do ambiente externo. Esse tipo

de afastamento tende a gerar, nos idosos, problemáticas ainda maiores, podendo

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favorecer, inclusive, doenças próprias do envelhecimento. Além do surgimento e

expansão das doenças, o isolamento social furta das idosas suas experiências e

recordações mais íntimas, isso porque boa parte da história do ser humano é

construída a partir do contato com outras pessoas. Bosi (1983, p.331) explica

melhor:

É preciso reconhecer que muitas de nossas lembranças, ou mesmo de nossas ideias, não são originais: foram inspiradas nas conversas com os outros. Com o correr do tempo, elas passam a ter uma história dentro da gente, acompanham nossa vida e são enriquecidas por experiências e embates.

Se o cotidiano das idosas entrevistadas for refletido e analisado, será

possível verificar que muitas dessas atividades mecânicas e automáticas expostas

pelos autores, realmente, estão presentes no dia-a-dia daquelas. A partir do

momento em que ocorre a institucionalização das idosas, elas são sujeitadas a

desempenhar todos os dias as mesmas atividades, as mesmas ações, sempre da

mesma forma e com o mesmo grupo de pessoas. (FERREIRA e SIMÕES, 2011).

Estas autoras ainda apontam:

O fato do idoso não estar na sua própria casa, não lhe dá o direito de escolha sobre quais normas e regras deve acolher, e em que exato momento deseja realizar. Sem contar o fato de que essas instituições possuem espaços coletivos, quartos, salas, refeitórios, tirando toda a privacidade dos idosos, que muitas vezes ficam submissos à presença de pessoas com as quais não conseguem ter nenhum vínculo afetivo. (FERREIRA e SIMÕES, 2011, p.86).

Ainda de acordo com essas autoras, todos esses aspectos acabam

separando-as de suas vivências, de suas histórias passadas e de seu espaço,

podendo ter como consequência a perda da sua originalidade, particularidade e

singularidade. (FERREIRA e SIMÕES, 2011). Na mesma direção, seguem as

reflexões de Beavouir (1970, p.319): “A partir daquele momento, todos os atos de

sua vida, inclusive a morte, irão realizar-se diante de testemunhas, muitas vezes

malévolas ou, pelo menos, críticas. Nunca estamos sós, é horrível, há sempre gente

a nossa volta”.

Apesar de o cotidiano ser encarado como algo mecânico, repetitivo e

rotineiro, ele não pode ser desarticulado do histórico de vida das pessoas, uma vez

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que ele é um dos elementos que faz parte das representações sociais dos indivíduos

que se realizam a partir de suas reproduções, ou seja, no dia-a-dia, o ser humano se

reproduz diretamente enquanto sujeito e reproduz indiretamente a totalidade social.

(PAES, 2003). O mesmo autor (2003, p.28) fala: “O que se passa no cotidiano é a

rotina, costuma-se dizer”.

Para Brant e Netto (2012), o cotidiano surge como manifestação da

existência humana no mundo, pois versa sobre a execução das tarefas habituais e

da repetição das atividades fundamentais. O indivíduo prepara seu dia-a-dia

gerando um contexto de relações que o influencia, e a maneira como leva sua vida

gera uma cotidianidade. Marinho (2012, p.24) cita:

O cotidiano é a vida de todos os dias e de todos os homens em qualquer época histórica, não existe vida humana sem o cotidiano, pois ele está presente em todas as esferas da vida do indivíduo, seja no trabalho, na vida familiar, nas relações sociais e no lazer.

Um dos problemas encontrados no cotidiano de idosas que moram em

instituições de longa permanência, é o enfraquecimento no relacionamento com os

familiares, amigos e pessoas próximas, o que pode resultar em um possível

afastamento social e em perdas de objetivos, sonhos, expectativas e sentimentos na

vida desse grupo etário. Sobre isso, Ferreira e Simões (2011, apud Carstensen,

1995, p.86) apontam: “Justamente pelo fato de estarem asilados, longe do

aconchego familiar é que deveriam receber condições de se reintegrar na

sociedade, buscar novos relacionamentos e no mínimo ter condições dignas de

moradia”.

Certamente, existem características positivas no ambiente que permeia essas instituições. Independente de ser gratuita ou particular é possível encontrar uma boa qualidade de atendimento, embora as reações dos idosos nestas experiências estejam associadas às relações emocionais e sociais estabelecidas. (FERREIRA e SIMÕES, 2011, p.88).

Através das anotações realizadas nos diários de campo, irei relatar as

observações do dia-a-dia das idosas entrevistadas no RSC, meio pelo qual foi

possível identificar as repercussões advindas da vida cotidiana, os limites e as

problemáticas enfrentadas pelas participantes:

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No dia 04.09.2013 às 16h20min, ao adentrar a instituição para realizar a primeira observação simples – as participantes e o RSC já estavam cientes – verifiquei que algumas idosas encontravam-se sentadas em lugares diferentes, algumas conversando entre si, outras conversando com suas cuidadoras, e outras encontravam-se sós e pensativas, como foi o caso de Vaidosa e Rosa Sem Pétalas. A primeira estava sentada, quase que imóvel, em um ambiente comum as outras moradoras; já a segunda, estava posicionada próxima ao jardim. O fato de elas estarem sós me incomodava de alguma forma, pois aquele estado me remetia à ideia de solidão, de que elas não queriam ter ou não tinham amigas lá dentro. Neste dia não tive como observar com precisão Suavidade e Olhar Triste, uma vez que as duas estavam em seus apartamentos e consegui visualizar quando foram se alimentar. O período da tarde é o momento em que a instituição fica mais silenciosa, principalmente após a última refeição no refeitório. No horário em que cheguei as idosas não haviam jantado ainda, o que contou como fator positivo para minha observação, já que eu tinha mais um motivo para permanecer no local e vê-las jantar. Uma das Irmãs de Caridade tocou o sino para avisá-las que poderiam se encaminhar para o refeitório. Eu já tinha presenciado outras irmãs tocando esse sino, mas jamais imaginei que o toque das 16h47min fosse para anunciar a ceia, e fiquei mais uma vez a me indagar se era certo a última refeição do dia ser posta naquela hora e se mais tarde as residentes não sentiriam fome. Segui as idosas em seus passos lentos e hesitantes, e pude verificar que as mesmas sentavam-se em grupos de três ou quatro em uma mesa. Enquanto eu permanecia do lado de fora do local onde estavam se alimentando, percebi que enquanto umas entravam, comiam e saiam caladas – como Rosa Sem Pétalas e Vaidosa –, outras conversam assuntos variados. Depois disto, estas se encaminharam para seus quartos para aguardar a adoração que ocorre todas as quartas-feiras na capela. Acabado o tempo da minha observação, deixei o local repleta de indagações sobre como seria passar uma noite ou morar em uma ILPI. (Diário de Campo).

No diário acima estão evidenciadas minhas impressões sobre a rotina e

as regras impostas às idosas pela instituição. Percebi que as participantes

demonstraram pouco interesse em fazer amizades com as outras residentes e em

formularem conversas, preferindo manter-se afastadas. A respeito da rotina nas

unidades de acolhimento, Ferreira e Simões (2011, p.85) apontam:

A rotina a qual os idosos são submetidos diariamente, a realização das mesmas coisas, sempre do mesmo jeito, com as mesmas pessoas, o separam de seu passado, de seu ambiente, perdendo toda sua personalidade e individualidade.

As regras e os regulamentos são ditados pelas ILPI’s como fatores que se

esperam conseguir mediante obediência. As unidades as impõem, mas não levam

em conta o fato de que ali residem seres diferentes, constituídos de essências

diversas e que têm necessidades distintas uns dos outros.

... dentro das instituições, o idoso deve seguir regras, horários, ou seja, come-se não quando se está com fome, mas de acordo com o horário

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estabelecido pelo local, dorme-se não quando se está com sono, mas quando a campainha indica o momento de se recolher. (FERREIRA e SIMÕES, 2011, p.176).

No que tange ao estado de solidão, grande parte dos idosos que moram

em ILPI’s estabelecem pouco convívio entre eles, optando muitas vezes em não

estreitar a relação com os demais, como é o caso das participantes. Com isso,

restringem-se os contatos com as pessoas externas e com os acontecimentos da

rua, o que tende a torná-los mais frágeis a conflitos pessoais. (SHERRON e

LUMSDEN, 1990).

No dia 09.09.2013 cheguei ao RSC por volta das 16h com o propósito de verificar novamente a dinâmica do período da tarde. Neste dia assim que passei do segundo portão avistei Olhar Triste dialogando com uma IC, e logo depois voltou para seu apartamento. Suavidade estava outra vez em seus aposentos e só foi possível vê-la quando foi para o refeitório. Rosa Sem Pétalas estava em seu quarto rezando seu terço, e só saiu quando o sino foi tocado às 16h39 para o jantar. Observei que os mesmos grupos de idosas do dia 04.09.2013 sentavam-se novamente juntas, no mesmo ritmo da outra vez: chegavam, comiam e saiam sem dizer nada. Rosa Sem Pétalas pronunciava uma ou duas palavras e mais nada; Olhar Triste calada, sempre com aquele olhar que faz jus ao nome fictício; Vaidosa falava sobre alguns assuntos e Suavidade, naquele seu jeito delicado estava comunicativa. Algumas IC andavam de um lado a outro, enquanto alguns profissionais se aprontavam para irem embora, visto que a tarde já estava acabando. Contudo, devido ao fato de o local ser bastante silencioso e tranquilo, tive a impressão de que o tempo estava adiantado. Quando se está lá dentro parece que o dia acaba mais rápido, que o céu escurece mais ligeiro que em qualquer outro lugar. Pelo o que eu tinha colhido nas entrevistas, sabia que Olhar Triste – sempre de porta fechada – iria arrumar alguma coisa em seu quarto; Suavidade – também com a porta fechada – iria rezar; Vaidosa, sentou-se na cadeira de balanço do seu apartamento e Rosa Sem Pétalas, assentou-se no banco vizinho ao seu cômodo. Depois de fazer minhas anotações e a gravar muitas cenas em minha mente, fui embora. (Diário de Campo).

Foi mostrado nas observações acima expostas, que as idosas não

estabelecem vínculos de sociabilidade com as outras residentes, por vontade, quer

por falta de afinidade. Isso se evidencia nos comportamentos das entrevistadas, que

demonstraram ser introspectivas. Para Almeida (2008, p.80):

A pessoa idosa vai ter que se familiarizar com um conjunto de situações completamente novas como sejam: novo espaço, novas rotinas, pessoas que não conhece e com quem vai ter que partilhar a sua vida. Esta nova realidade pode, por isso, originar reações de angústia, medo, revolta e insegurança.

Nessa perspectiva, Ferreira e Simões (2011, p.173) completam:

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... muitos idosos encontram dificuldades em iniciar novos relacionamentos na instituição, isso porque não escolhem as pessoas com as quais é preciso conviver, muitas vezes dividem o mesmo quarto com outros idosos com os quais não possui nenhum tipo de afinidade e a consequência disso é o isolamento, a solidão e carência sentida por eles.

Contudo, Monteiro (2002) relata que os idosos encontram grandes

obstáculos no momento de fazer de novas amizades, principalmente quando estas

não são construídas de forma afetiva. Portanto, para que as adaptações das

participantes se deem de forma positiva, é necessário que elas estejam abertas a

novas integrações e relações internas, ou seja, as que se constroem entre as idosas

e as outras residentes.

No dia 19.09.2013 às 09h cheguei à instituição no exato momento em que estava havendo uma palestra com estudantes de enfermagem de uma faculdade aqui de Fortaleza. Foi a primeira vez que eu assisti as idosas participando de uma atividade na instituição, e confesso ter adorado ver o entusiasmo e a alegria com que Suavidade e Rosa Sem Pétalas brincavam. Este foi um dos únicos dias que vi está última se descontrair, já que na maioria das vezes ela esta “armada”, ou seja, fechada para conversas. Entristeci-me ao saber que Vaidosa estava perdendo esse momento porque tinha ido ao salão, e que Olhar Triste não estava presente por que disse não está se sentindo bem. Cada momento como este é único da vida destas mulheres, e a presença de cada uma delas é essencial, o que pode fazer toda diferença em seu cotidiano. Após isso, os universitários fizeram uma dinâmica com uma bolinha de papel, que deveria passar por todas as residentes enquanto uma música tocava, e quando esta parece de tocar, a idosa que estivesse com a bolinha tinha que responder corretamente a pergunta feita por um dos estudantes sobre as informações ditas na palestra. Depois as idosas mediram a pressão e voltaram para o quarto para esperar o almoço. Resolvi aguardar para ver que horas o sino seria tocado. Era pouco menos de 11h quando umas das IC tocou o sino em várias badaladas. As idosas foram então almoçar. Com isso, resolvi encerrar minha observação por aquele dia. (Diário de Campo).

Nesse dia, em especial, a rotina das idosas foi quebrada devido à palestra

que houve com os estudantes de enfermagem. Constata-se que o simples fato de

haver uma visita, uma dinâmica ou mesmo uma palestra é suficiente para alterar a

rotina das residentes. Sobre isso, Gonçalves (2010) defende que as instituições

devem criar mecanismos de interação com os idosos, respondendo a suas

necessidades, trabalhando a promoção e garantindo os seus direitos.

O fato de as idosas estarem nas áreas externas do apartamento, mesmo

que dentro da instituição, corresponde, de alguma forma, aos espaços da “rua”. Por

isso, notei a patente alegria estampada no rosto das idosas, pois, apesar de os

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quartos representarem – mesmo que de modo mínimo – para as participantes a

figura de suas casas, momentaneamente elas se sentiam fora da instituição, fora de

casa, vendo, naquela ocasião, uma saída para se refugiar do cotidiano.

No dia 02.10.2013 às 16h05min fui outra vez ao RSC observar a dinâmica da instituição e o cotidiano das idosas. Atentei para a presença de alguns visitantes conversando com uma IC. Ao me dirigir para o pátio interno, avistei Olhar Triste saindo do refeitório em direção ao seu quarto. Como não tinha tido nenhum contato com ela depois das entrevistas finalizadas e nem após o início das observações – já que a mesma passa a maior parte do tempo em seu quarto – decidi ir atrás dela para saber como estava passando. Olhar Triste me informou que tinha tido uma briga com seu irmão pelo o mesmo motivo: a casa que pertence aos dois. Ela achava-se muito chateada e disse que não queria mais saber do mesmo, que iria esquecer que ele existe. Creio que este é mais um motivo para Olhar Triste deixar de participar das atividades que acontecem e de se fechar cada dia mais em seu íntimo. Passado este momento, ao voltar para o ambiente onde ficam os cômodos das idosas, encontrei Vaidosa sentada no mesmo local de costume – na sala comum às outras moradoras –, na mesma cadeira e envolta dos seus pensamentos. Cumprimentei-a e perguntei se estava tudo bem, e a mesma respondeu de forma melancólica que sim. Despedi-me dela e me encaminhei para o corredor que dá acesso aos apartamentos de Rosa Sem Pétalas e Suavidade. No percurso, verifiquei que as portas dos quartos de ambas encontravam-se fechadas, portanto preferi não incomodá-las. Algumas cuidadoras e funcionários da unidade ora iam ora viam de um lado a outro; na verdade o ritmo deles nunca para. Mesmo com os visitantes e o movimento dos funcionários, o silêncio das idosas prevalece na instituição. As IC apesar de educadamente cumprimentarem com bom dia e boa tarde, e alguns sorrisos perdidos, mantém uma postura séria, sempre da mesma forma, não são de muita conversa. Neste dia, não foi possível ter contato com Suavidade e Rosa Sem Pétalas pelo o motivo já supracitado. Com isso, deixei o local antes do jantar ser anunciado. (Diário de Campo).

A dinâmica da instituição, como já referido, não difere muito de um dia

para o outro. Pelo fato de os dias serem muito parecidos e devido à rotina, a

instituição e as idosas acabam se acostumando. Até mesmo as atividades executas

pelos profissionais e pelas Irmãs são rotineiras. Sobre isso, Dias (2011, p.165)

evidencia:

A qualidade de vida dos idosos institucionalizados, além do acolhimento na instituição, depende também do convívio de pessoas próximas, através de amigos ou familiares, de forma a evitar o estado de solidão ou isolamento que muitos vivem devido ao afastamento destas pessoas. São de suma importância as ligações afetivas próximas.

Na opinião de Ferreira e Simões (2011), é necessário ressaltar outro

problema relativo às normas e regulamentos de funcionamentos dessas instituições,

que buscam viabilizar um convívio pacífico e amigável entre as residentes

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moradoras desses locais. Outro aspecto essencial que merece ser enfatizado é o

fato de as mulheres idosas se relacionarem sempre com pessoas do mesmo grupo

etário. Sobre essa convivência, Beavouir (1970) menciona que não há como

mensurar se é benévolo ou malévolo para as idosas conviverem somente com

pessoas da mesma faixa etária. Debert (1999, p.118) cita o relato de uma moradora

que vive em uma instituição de acolhimento: “... a grande desvantagem do asilo é

que aqui só tem gente velha”.

Ferreira e Simões (2011, p. 184) evidenciam ainda: “... consideramos

importante ressaltar, que o idoso mantém um relacionamento social restrito dentro

da instituição. Seus contatos são geralmente com os outros idosos internos e com

funcionários daquele local”. Contudo, o que se percebeu foi que as entrevistadas

não mantêm uma relação próxima com os funcionários. As participantes elogiam a

qualidade dos serviços realizados, mas preferem se manter mais reservadas, apesar

daqueles serem bem educados e simpáticos, tratando todas com respeito.

Partindo desses aspectos, tais autoras (2011, p.173), avaliam ainda:

“sobre este aspecto, consideramos importante a ligação do funcionário da instituição

com o idoso, pois através de uma relação e diálogo e comunicação, de respeito e de

olhar para o outro, cria-se a oportunidade de uma aproximação afetiva”.

No dia 07.10.2013 às 09h40min fui à instituição pela manhã. Constatei que as idosas também estavam mais ativas, diferente daquele comportamento quase que inerte de costume. Vaidosa tinha ido passar o final de semana na casa de sua melhor amiga e não havia voltado ainda. Por um lado fiquei feliz por ela estar respirando outros ares, mas por outro lamentei porque seria um dia sem poder observá-la. Neste dia teve fisioterapia para as residentes, mas nem Olhar Triste, nem Suavidade e nem Rosa Sem Pétalas haviam ido. Olhar Triste permanecia em seu quarto, dessa vez não quis chamá-la e Rosa Sem Pétalas estava sentada próxima a recepção esperando um dos funcionários do RSC chegar com o cartão telefônico que a mesma tinha pedido para comprar, uma vez que ela tem dificuldade de sair sozinha. Sentei em um banco de cimento quando percebi que a idosa vinha meio que sorridente, sentar ao meu lado. Ela puxou conversa, enquanto aproveitava para dizer com orgulho e ao mesmo tempo com um ar de saudade que havia sido muito feliz em seu casamento, e que os anos que passou ao lado do seu esposo foram os melhores de sua vida. Aproveitei e perguntei se a mesma continuava recebendo visitas das sobrinhas, e a idosa respondeu que sim, apesar de estarem viajando muito; completou dizendo que há algum tempo não via o irmão, uma vez que esse está a cuidar da esposa com ‘Alzheimer’. Rosa Sem Pétalas se despediu de mim informando que ia se aprontar para o almoço. Saí dali e fui até o apartamento de Suavidade saber notícias suas, já que há dias eu não a via. Bati na porta e entrei, encontrando a mesma sentada na cadeira de

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balanço. Suavidade sempre me transmitiu calma e paciência. Indaguei se ainda lembrava-se de mim, e para a minha satisfação ela lembrou. Conversamos pouco, e saí logo em seguida, pois não queria tomar seu tempo. Como já tinha feito minhas observações sobre Rosa Sem Pétalas e Suavidade, deixei o local antes que fosse servido o almoço. (Diário de Campo).

Nesse dia, o que me chamou mais atenção foi o fato de Rosa Sem

Pétalas fazer alusões às suas memórias passadas ao tempo presente. A idosa

trouxe à tona sentimentos de orgulho e de saudade ao se referir ao esposo. O relato

da participante deixa claro que ela ainda está muito presa a acontecimentos ligados

ao seu passado, deixando a idosa cada vez mais deprimida, entendendo que a

morte é a solução dos seus sofrimentos vivenciados. Rosa Sem Pétalas sente-se

impotente diante dessas circunstâncias, uma vez que ela ainda não aceitou o

falecimento do companheiro e sente-se presa às suas vivências tristes.

Partindo dessa análise, Ferreira e Simões (2011, apud Sad, 2001, p.169)

explanam:

Os medos advindos das perdas relacionadas às mudanças físicas e aos que surgem nos momentos de transformação interior, exigida pelo fluxo da vida são naturais e precisam ser considerados, acolhidos e tratados com o cuidado que merecem [...]. Esses momentos de mudanças envolvem quase sempre um sentimento de perda do que se foi e do que é preciso deixar para trás, abrindo espaços para novas vivências.

Com isso, satisfação de vida dos idosos em ILPI liga-se com ao conceito

que se faz da vida como um todo. Desse modo, Paúl (1992) ressalta a falta de

conformidade em relação aos problemas ligados à distinção entre satisfação de vida

e formas de bem-estar, resultando na discrepância percebida entre os fatos que

passaram e os que estão por vir. Faz-se importante que as idosas institucionalizadas

superem suas dificuldades e os conflitos pessoais, conseguindo, desse modo,

satisfazer seus anseios. Do contrário disso haverá um isolamento crescente das

residentes, como é o caso de Rosa Sem Pétalas.

No dia 10.10.2013 às 10h fui ao RSC. Cheguei ao local e adentrei o corredor da mesma forma que fiz das vezes anteriores, só que como uma única diferença: ter a dura missão de informar para a coordenadora da instituição, mas principalmente para as idosas, que eu estava finalizando minha pesquisa nesse dia. Com isto ocorreu em mim uma mistura de sentimentos, uma sensação de dever cumprido e de resultados alcançados, mas também de saudade, de angústia e tristeza. Como não poderia ser

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diferente, o tempo que passei entrevistando e observando as idosas fez surgir um carinho que vai além do papel de pesquisadora e pesquisado. Iniciei informando para Rosa Sem Pétalas que já havia concluindo o processo de pesquisa na unidade, e que não precisaria mais ir ao local. Apesar do seu jeito sisudo me dizendo muitas vezes que não tinha mais nada para informar, que já tinha dito tudo da sua vida e que não sabia o que eu ainda queria perguntar, notei em seu semblante e em suas palavras que ela ficou triste, pois disse: “Mas já acabou? Quer dizer que você não vem mais aqui não?”. Expliquei que iria voltar outras vezes para visitar ela e as outras idosas participantes, mas não mais para o trabalho da faculdade. Saí para dar a notícia a Suavidade, contudo estava tomando banho. Decidi então ir falar com Olhar Triste, e ao me aproximar do apartamento vi que ela conversava com uma IC em frente à porta do cômodo. Esperei a oportunidade propícia para falar com a idosa, e quando notei que a irmã havia deixado o local fui ao seu encontro. Contudo, Olhar Triste pareceu não estar querendo conversar, pois abriu a porta do quarto e disse que estava ocupada. Eu claro, tive que me conformar com aquela recusa e aproveitei para ir ao quarto de Vaidosa. Essa achava-se sentada, olhando uma ou outra pessoa que passava. Da mesma forma que dei a notícia para Rosa Sem Pétalas, dei também para Vaidosa. Sua reação não teve comentários, talvez porque como já mencionado, esta é bem reservada e introspectiva. Eu ainda estava a conversar com ela quando o sino soou instituição adentro para avisar do almoço. A idosa pegou as colheres que leva para fazer as refeições, trancou a porta do apartamento e saímos em direção ao refeitório. Não sei se pelo o fato de ser aquele meu último dia de pesquisa, mas tive a sensação que naquele dia o silêncio estava gritante. Não sei explicar como um lugar que sempre tem gente trabalhando e conversando, pode ser ao mesmo tempo tão silencioso, tão quieto, tão parado. Aguardei do lado de fora do refeitório e quando Vaidosa saiu nos despedimos. Fui falar com a coordenadora em sua sala para agradecer a disponibilidade da unidade nos dias e horários em que precisei ir. No caminho da saída e já no último portão, quis ter uma visão do lado externo da instituição, então olhei para a fachada, para o pátio, para os muros altos que rodeiam todo o ambiente e fui embora. (Diário de Campo).

Esse diário de campo refere-se, como supracitado, ao último dia de

pesquisa na instituição. Pude inferir, no decorrer das visitas e observações, que a

institucionalização agregada à velhice e a rotina diária fazem as idosas terem a

sensação de estar incapacitadas no exercício de suas práticas cotidianas, de

desempenhar suas potencialidades de maneira incompleta e de não acreditar em

expectativas futuras, sendo esses fatores representados pela maioria das

residentes. Sobre os dias e sonhos para o futuro, Olhar Triste e Suavidade

descrevem:

Cada dia é diferente do outro. Tem uma senhora aqui que diz: Ah, todo dia é igual aqui, todo dia, aí eu digo: É não, todo dia é diferente, cada dia é um dia só. Sonhar na casa? Eu sonho na minha casa; [...] de ter minha casa, morar com a minha amiga casada; porque eu não pretendo morar com meu irmão e nem ele me convida. Não moraria sozinha, tenho horror à solidão. (Olhar Triste, 70 anos).

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Eu pra mim é, eu penso, às vezes tem saúde, às vezes não. Tem dia que eu amanheço tão sem coragem (pausa), penso que vou é morrer; aí me levanto, vou pro banheiro, tomo um copo d’água aí melhoro. Eu não. Eu sou uma velha de 84 anos, o quê que eu posso esperar? Melhorar das pernas pra poder eu ir pra igreja, poder enxergar melhor pra fazer minhas coisas. Sonho é pra gente novo minha filha, pra mim né! Eu não sonho com nada nessa vida, com nada. (Suavidade. 84 anos).

Portanto, dessas falas, infiro que os diálogos e as percepções de ambas

são distintos em muitos aspectos. Para Olhar Triste, os dias são todos diferentes,

possuindo significados e histórias únicas, em que cada dia deve ser vivido de forma

singular. A idosa cultiva intensamente o sonho de sair do RSC para morar com uma

amiga, na casa que foi prometida pelo irmão. Dessa forma, a institucionalização não

apagou da entrevistada o ritmo dos sonhos.

Já para Suavidade, os dias estão atrelados à sua saúde, se ela

amanhece disposta ou não; partindo disso é que ela pode dizer se os dias são iguais

ou não. No que concerne aos sonhos, ela diz que não espera nada e não sonha com

nada, pois já está na fase da velhice. O que ela deseja é ter saúde para poder

realizar os afazeres diários e ir à igreja. No caso dessa entrevistada, a

institucionalização atrelada ao processo de envelhecimento fez com que a idosa

perdesse a vontade de sonhar e de planejar o futuro.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O envelhecimento populacional é compreendido, neste século, como um

fenômeno mundial, tendo em vista que a população idosa vem crescendo de forma

progressiva e acelerada em relação à população jovem. O mundo enfrenta grandes

transformações demográficas e intensas mudanças nas pirâmides etárias, sendo

marcado por inúmeras transformações biológicas que traz consigo intensas

mudanças de caráter social e econômico, além de inúmeros estigmas carregados de

preconceitos. Esse fenômeno não só tende a repercutir nas novas estruturas

familiares vivenciadas hoje. Logo, a expectativa de vida da população brasileira está

ficando cada vez mais acentuada, sendo o grupo feminino quem mais envelhece.

Nesse contexto de envelhecimento, a categoria gênero traz uma

peculiaridade: as mulheres apresentam uma longevidade maior do que os homens.

Desse modo, é plausível verificar também o fenômeno da feminização do

envelhecimento. Tal fenômeno, recorrente em todo o mundo, ocorre devido a alguns

fatores biológicos (taxas de hormônios, por exemplo), menos consumo de álcool e

tabaco, utilização dos serviços de saúde de forma contínua, além de sua inserção

diferenciada no mercado de trabalho.

O gênero também está relacionado a uma categoria histórica, significando

a construção do ser masculino e do ser feminino. Embora exista essa diferença de

definição, aquela categoria não se resume a dizer apenas que homens e mulheres

estão em desigualdade, que um é mais ou menos importante do que outro, que o

homem é mais valorizado na sociedade do que a mulher. Dessa forma, o conceito

de gênero, além de estar intimamente ligado ao machismo e ao patriarcado, engloba

ainda diferentes aspectos sociais, culturais e históricos.

Grande parte da população feminina enfrenta, na fase da velhice,

intensas modificações que ultrapassam noções biológicas e permeiam o universo

das mudanças sociais. É possível perceber, a partir do que foi exposto, que homens

e mulheres possuem papéis divergentes nas relações sociais, em que aqueles

tendem a ser frequentemente mais valorizados do que estas em muitas culturas. No

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que diz respeito aos papéis sociais exercidos pelas idosas, é possível dizer que as

mesmas sofreram importantes modificações ao longo do processo de

envelhecimento. A passagem da mulher para a velhice está marcada pelo desprezo

de diferentes pessoas, estando ligada a diversos fatores, tais como: as perdas que

acontecessem ao longo da vida, o abandono causado pelos filhos, o estado de

viuvez e as mudanças físicas decorrentes da velhice.

Outro aspecto recente e de extrema importância, que deve ser

mencionado, são os novos papéis sociais que as mulheres adquirem na

contemporaneidade que, categoricamente, não assumiam. Entre esses papéis,

destaco o crescimento das experiências intergeracionais entre a mulher idosa – que

assume papel de avó – e seus netos, e a função de provedoras do lar. Dessa forma,

com o aumento do gênero feminino, novas atribuições e atividades vão sendo

inseridas no dia-a-dia das idosas, colaborando para as variações no âmbito familiar

e influenciando diretamente o convívio entre as gerações.

O grupo familiar deve representar para todos os seus membros um

ambiente de afeto, respeito, carinho, solidariedade, reciprocidade, amor, segurança,

aprendizagem, valores, cuidado, inclusão e apoio nas mais diversas situações. A

família deve ter a função de representar para os idosos uma rede de proteção e

suporte, um pilar de sustentação. É por meio do convívio e assistência familiar que o

longevo tem a oportunidade de desenvolver mecanismos de enfrentamento para as

mudanças que surgem na fase da velhice.

A família, como principal integrante na vida do idoso, tem que aprender a

lidar com ele, para que o convívio entre todos não se torne uma obrigação, uma

peleja; para que o ente idoso não se sinta rejeitado pelos próprios familiares, uma

vez que se sentindo ameaçado e desprezado por estes, pode resultar em uma série

de alterações psíquicas e fisiológicas. Os idosos passam a necessitar de mais

atenção de seus parentes na última etapa da vida.

Com mais mulheres trabalhando fora de casa, com jovens adiando a

formação de família, com as novas formas atípicas de família, com o crescimento da

monoparentalidade, com o desenvolvimento de uma atitude assente na

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individualidade e com a competitividade entre as sociedades devido ao capitalismo,

parece tornar-se incerto que os idosos, em particular as idosas, continuem a morar e

a ser cuidadas por suas famílias, já que há cada vez menos filhos e netos e, as

mulheres, consideradas cuidadoras, estão bem menos disponíveis para executar

essa tarefa.

A presença do longevo no núcleo familiar pode contribuir para todos os

integrantes, já que ele, além de ter uma história pessoal a oferecer ao ambiente,

representa ainda a história da estrutura familiar em si. Contudo, na conjuntura em

que estão inseridos os idosos, a família contemporânea deve estar atenta para as

limitações que surgem no exercício da tarefa de responsabilizar-se pela proteção e a

apoio a estes. Diante das já citadas mudanças estruturais na família e das condições

sociodemográficas da atualidade, as relações sociais dos cuidadores – de cuidar de

um familiar que precisa de constante atenção –, implica em fortes influências na sua

vida social, pois passa a limitar suas atividades fora de casa, impedido muitas vezes

de desenvolver novas amizades, uma vez que fica a maior parte do seu tempo em

torno do familiar idoso.

No desenvolvimento dessa pesquisa, procurou-se entender a vida das

idosas institucionalizadas, valorizando suas opiniões, sentimentos e percepções

acerca do seu atual estado de institucionalização, da velhice e do cotidiano na

unidade. Os resultados revelam a realidade vivenciada pelas residentes do RSC. A

percepção da sensação de solidão, a baixa interação social, a motivação restringida

na hora de participar das atividades diárias, o distanciamento e a dissolução dos

laços afetivos permeiam os discursos, conforme sinalizado nos relatos

apresentados. Há com isso uma perda de identidade, uma limitação do espaço de

decisão e de influência das residentes.

Ao longo das observações e das entrevistas, pude inferir que as visitas

dos familiares são raras, o que as faz as idosas sofrerem com sentimentos de

saudades, sentindo-se tristes e desamparadas. Duas entrevistadas demonstraram já

terem se habituado à ILPI, pelo o fato de não haver outro meio, já que a família não

adquire a responsabilidade em cuidar das mesmas. Não se pode ignorar que a

carência de recursos da família, conflito na estrutura familiar, somando a

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impossibilidade de os membros conciliarem atividades profissionais e pessoais com

cuidado à pessoa idosa lhes proporcionando atenção, conforto e especialmente

atendimento às suas necessidades básicas são fatores condicionantes da

institucionalização (PERLIN; LEITE, FURINI, 2007). Entre os motivos citados para a

institucionalização, a falta de suporte familiar e a fragilização nas relações afetivas

ficaram em evidência.

Inferi que três entrevistadas não apresentaram perspectivas de vida para

o futuro, restringindo suas expectativas à cotidianidade. Uma entrevistada gostaria

de sair da instituição e ter sua própria casa, e uma outra manifestou a vontade de

morrer o mais breve possível, percebendo a morte como resolução dos sofrimentos

vivenciados. Outra constatação evidenciada através de seus discursos é que, além

de manterem contatos pouco regulares com seus familiares e amigos, as idosas

deixam de conviver com as pessoas com quem habitualmente partilhavam seu dia-

a-dia, alterando seus hábitos diários.

Ainda é comum as ILPI’s estarem agregadas a conceitos negativos e

estigmatizados por parte da sociedade, sendo muitas vezes encaradas como um

local de idosos que esperam a hora de morrer. Por certo, a situação ideal para as

idosas seria a de residir com sua família ou em suas próprias casas, tendo em vista

que o fato de elas estarem institucionalizadas pode trazer alterações de suas

funções biológicas e de qualidade de vida. Contudo, se as idosas não encontram

afetividade, segurança, proteção, ambiente agradável e aceitação dentro da família

ou não têm mais condições de viver sozinhas, a única maneira é o suporte social

das instituições, uma vez que representa o lugar mais seguro para as idosas.

No cotidiano a vida é marcada por alterações e adaptações de rotina,

responsabilidades e horários aos quais devem se adequar e que fazem parte de

quem vive em ILPI. Essas implantam regras e normas para os sujeitos, mas não

levam em consideração o fato de que ali moram seres singulares e complexos, que

têm necessidades distintas uns dos outros. Estas alterações mudam o estado de

espírito das anciãs. Acredito que a concepção que está agregada à

institucionalização como um processo de constantes perdas que traz para as idosas

a sensação de estarem incapacitadas de desempenharem suas potencialidades de

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maneira completa e de acreditar em expectativas futuras, é representado pela a

maioria das residentes.

O entendimento das participantes sobre o Recanto do Sagrado Coração é

referido de modo diverso nas respostas às entrevistas realizadas. Embora

reconheçam que vivenciaram uma transição para a unidade, poucas idosas

responderam de forma clara e objetiva os fatores positivos e negativos que

mudaram com o processo de institucionalização. Elas compararam fatos da vida

anterior à entrada no RSC e com os da vida atual, demonstrando que compreendiam

as mudanças ocorridas em suas vidas.

Defendo que as idosas precisam de outras respostas que reduzam a

procura pelas ILPI’s. Dessa forma, considera-se este estudo um despertar para as

questões ligadas às unidades de acolhimento, como ponto de partida para futuras

reflexões e análises, capazes de promover futuros e maiores debates acerca desta

temática. Ressalto que os dados obtidos nesta pesquisa objetivaram contribuir para

uma melhor compreensão da realidade estudada, para que se possam apreender

melhor as problemáticas vivenciadas pelas residentes dentro do RSC e o processo

de adaptação delas na unidade.

Enfatizo que uma pesquisa nunca esgota uma temática, pois sempre

surgem indagações a serem esclarecidas. No campo social, devido à sua dinâmica e

à complexidade do assunto tratado, e considerando a sua abrangência diante do

crescente número de idosos no Brasil e no mundo, há a necessidade de se

estabelecerem novos instrumentos de avaliação específicos para a população idosa,

que contemplem uma apreciação mais intensa das emoções, vontades,

perspectivas, necessidades e significados desse grupo etário.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(OBSERVAÇÃO)

Convido a senhora a participar da pesquisa “As repercussões do

processo de institucionalização de idosas acolhidas no Recanto do Sagrado

Coração”, sob execução da pesquisadora Débora Biserra Rebouças e da

orientadora Joelma Maria Freitas, a qual pretende compreender os motivos que

levaram à ida de idosas a instituição de acolhimento Recanto do Sagrado Coração,

e o cotidiano das mesmas dentro da unidade .

Sua participação ocorre de forma voluntária, não havendo despesas

pessoais e nem compensação financeira. A participação se dará por meio de

observação pela pesquisadora, tendo como finalidade o acesso a sua rotina no local

de acolhimento e as atividades que são realizadas cotidianamente, bem como

observar os espaços físicos da unidade. A observação será realizada na própria

instituição, no dia previamente marcado, de acordo com a sua disponibilidade.

Se a senhora aceitar participar, estará contribuindo com minha pesquisa

de monografia para obtenção de conclusão de curso e para minha futura formação

profissional como Assistente Social.

A pesquisadora assume o compromisso de utilizar os dados somente

para esta pesquisa, não havendo riscos na sua participação, sendo resguardado o

sigilo da sua identidade. A senhora possui a liberdade de contatar a pesquisadora

para o esclarecimento de dúvidas ou para retirar sua permissão a qualquer

momento, pelo fone: 88006346.

Consentimento Pós–Informação

Eu,______________________________________________________,fui informada

sobre o que a pesquisadora quer fazer e porque precisa da minha colaboração, e

entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar da pesquisa, sabendo que

não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Esse documento é emitido em

duas vias que serão assinadas por mim e pela pesquisadora, ficando uma via com

cada uma de nós.

______________________________________ Data: ___/ ___/ ___

Assinatura da Participante

_____________________________________

Assinatura da Pesquisadora Responsável

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APÊNDICE B TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(ENTREVISTA)

Convido a senhora a participar da pesquisa “As repercussões do

processo de institucionalização de idosas acolhidas no Recanto do Sagrado

Coração”, sob execução da pesquisadora Débora Biserra Rebouças e da

orientadora Joelma Maria Freitas, a qual pretende compreender os motivos que

levaram à ida de idosas a instituição de acolhimento Recanto do Sagrado Coração,

e o cotidiano das mesmas dentro da unidade.

Sua participação ocorre de forma voluntária, não havendo despesas

pessoais e nem compensação financeira. A participação se dará por meio de um

roteiro de entrevista, que consiste em responder as perguntas apresentadas pela

pesquisadora. A entrevista será realizada na própria instituição, com duração média

de 1hora, no dia previamente marcado, de acordo com a sua disponibilidade. Os

depoimentos desta entrevista serão gravados com seu consentimento.

Se a senhora aceitar participar, estará contribuindo com minha pesquisa

de monografia para obtenção de conclusão de curso e para minha futura formação

profissional como Assistente Social. A pesquisadora assume o compromisso de

utilizar os dados somente para esta pesquisa, não havendo riscos na sua

participação, sendo resguardado o sigilo da sua identidade. A senhora possui a

liberdade de contatar a pesquisadora para o esclarecimento de dúvidas ou para

retirar sua permissão a qualquer momento, pelo fone: 88006346.

Consentimento Pós–Informação

Eu,______________________________________________________________, fui

informada sobre o que a pesquisadora quer fazer e porque precisa da minha

colaboração, e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar da

pesquisa, sabendo que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser. Esse

documento é emitido em duas vias que serão assinadas por mim e pela

pesquisadora, ficando uma via com cada uma de nós.

______________________________ Data: ___/ ____/ ____

Assinatura da Participante

_______________________________

Assinatura da Pesquisadora Responsável

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APÊNDICE C ROTEIRO DE ENTREVISTA

Nome:__________________________________________

Entrevista nº:_______ Data: ___/___/___ 1. Dados de Identificação a) Idade: _________ b) Estado Civil: ( ) solteira ( ) casada ( ) viúva ( ) separada ( ) divorciada ( ) união estável c) Naturalidade: ____________ d) Profissão: ______________ e) Escolaridade: ( ) alfabetizada ( ) não alfabetizada ( ) ensino fundamental completo ( ) ensino fundamental incompleto ( ) ensino médio completo ( ) ensino médio incompleto ( ) superior completo ( ) superior incompleto f) Renda: ( ) aposentada ( ) pensionista ( ) outros ____________ g) Tem família: ( ) sim ( ) não h) Têm filhos(as): ( ) sim ( ) não Quantos: _____ 2. Questões Norteadoras a) Qual o seu entendimento sobre a velhice? b) Como a senhora se sente sendo mulher e idosa? c) Há quanto tempo a senhora reside no Recanto do Sagrado Coração? d) De quem partiu a decisão de morar nessa instituição? e) Quais as razões que levaram a sua entrada no Recanto Sagrado Coração? f) O que a senhora lembra sobre o dia em que entrou no “Recanto”? Quais eram seus sentimentos? Medos? Quais as pessoas que a acompanharam na sua vinda? g) Logo que entrou na instituição a senhora gostou do que viu? Ficou surpresa? O que esperava encontrar nessa instituição? Pôde escolher o quarto?

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h) O que trouxe consigo para o lar? i) Quais seus sentimentos no momento em que conheceu o espaço físico e as pessoas que moravam no “Recanto”? j) Como foi a sua adaptação a essa instituição? Recorda-se dos primeiros dias? Houve alguém na instituição que lhe tivesse dado muito apoio no início da sua adaptação?

k) Como descreveria o seu dia a dia desde que acorda até que a hora se deita? l) O que gosta mais de fazer? Participa das atividades que ocorrem na instituição? O que gostaria de fazer e não faz? Há algo que a incomoda? m) Costuma conviver com as outras idosas? Com todas ou apenas algumas? Por quê? Especificar os residentes com quem se dá melhor. Como caracteriza e analisa essas relações? n) Qual a pessoa que mais a apoia? Como é que acha que a tratam nessa instituição? o) Como se sente morando nessa instituição? A senhora gosta da instituição que mora? Qual espaço do lar que mais gosta? E o que menos gosta? Acha que as idosas, no lar, podem circular livremente pelos espaços, como se estivessem em suas casas? Como avalia, no geral, os serviços prestados pelo lar? São suficientes e com qualidade? Respondem às necessidades das idosas? O que está em falta, no seu entender? p) O que a senhora acha sobre as instituições de acolhimento para idosos?

q) O que mudou em sua vida a partir do momento em que a senhora chegou à instituição, no que diz respeito aos fatores positivos e/ou negativos? r) Existe algum vínculo entre a senhora e sua família? s) Seus familiares a visitam? Com qual frequência? t) Quais os familiares com quem habitava? u) O que pensa sobre família? v) Quais os sonhos e expectativas quanto ao futuro? O que mais gostaria que lhe acontecesse? Acha que os dias são todos iguais? Ou ainda valerá a pena sonhar?