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16 Maria Cristina Neiva de Carvalho / Teima Fontoura / Vera Regina Miranda A importância da integração entre a Psicologia e o Direito re- side no fato de que a lei é elaborada pelo homem, cumprida ou não pelo homem, e os fatos jurídicos serão analisados e julgados também por seres humanos. Isto é, o homem é autor, ator e juiz das leis. O homem, como ser complexo que é, não segue o paradigma da linearidade da lei, justamente em função de sua subjetividade. Tendo estas premissas como base é que organizamos a pre- sente coletânea de trabalhos de psicólogos oriundos do Curso de Espe- cialização em Psicologia Jurídica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e trabalhos produzidos por profissionais de Direito, acredi- tando que estaremos sensibilizando para a prática da interdisciplinari- dade, tão necessária nas questões jurídicas atuais. As organizadoras. DIÁLOGOS ENTRE O DIREITO E A PSICOLOGIA Antonia Lélia Neves Sanches "O Estado não cria direito, o Estado cria leis. E Estado e leis estão abaixo do direito". Erick Kaufmann Objetiva, o presente trabalho, recriar o cenário histórico, filo- úlico e jurídico, que ensejou a abertura sistêmica do Direito. O curso de Direito, outrora composto somente por matérias logmáticas, restritas à mera literal idade dos Códigos, abre-se às demais iências, revelando a crise do sistema até então vigente. Para essa empreitada, será necessário percorrer todo um cami- nho que, a partir do Jusnaturalismo, passa pelo Positivismo, até chegar 11 l'ás-Positivismo. Imprescindível, também, observar a realidade, atra- das lentes filosóficas dos paradigmas do ser, da consciência e do 111/1' comunicativo; e, ainda, desvendar o nascimento das correntes críti- 1111 110 cenário jurídico nacional, pois, sem sombra de dúvidas, a inter- ~n() entre o Direito e a Psicologia se revela como um desdobramento I""MII leitura crítica do Direito, que, até a pouco, era uma ciência pura- ntc norrnativista. Ao final dessa trajetória haverá a certeza que a introdução da [culogia no curso de Direito, além de inevitável, veio de encontro aos IlIl'im; dos operadores do Direito, que, não mais aceitando se submeter mern interpretação literal dos Códigos, estavam sedentos por vislum- \I' 11 alma humana. A partir dela, conseguiram encontrar o real sentido IJircito - aquele que tem o indivíduo, enquanto sujeito de direitos e veres, acima das leis e do Estado. VISÃO HISTÓRICA DO DIREITO () Direito é um fenômeno histórico e cultural, criado pela humana, com o objetivo de servir como instrumento de resolução

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16 Maria Cristina Neiva de Carvalho / Teima Fontoura / Vera Regina Miranda

A importância da integração entre a Psicologia e o Direito re-side no fato de que a lei é elaborada pelo homem, cumprida ou não pelohomem, e os fatos jurídicos serão analisados e julgados também porseres humanos. Isto é, o homem é autor, ator e juiz das leis. O homem,como ser complexo que é, não segue o paradigma da linearidade da lei,justamente em função de sua subjetividade.

Tendo estas premissas como base é que organizamos a pre-sente coletânea de trabalhos de psicólogos oriundos do Curso de Espe-cialização em Psicologia Jurídica da Pontifícia Universidade Católicado Paraná e trabalhos produzidos por profissionais de Direito, acredi-tando que estaremos sensibilizando para a prática da interdisciplinari-dade, tão necessária nas questões jurídicas atuais.

As organizadoras.

DIÁLOGOS ENTREO DIREITO E A PSICOLOGIA

Antonia Lélia Neves Sanches

"O Estado não cria direito, o Estado cria leis.

E Estado e leis estão abaixo do direito".Erick Kaufmann

Objetiva, o presente trabalho, recriar o cenário histórico, filo-úlico e jurídico, que ensejou a abertura sistêmica do Direito.

O curso de Direito, outrora composto somente por matériaslogmáticas, restritas à mera literal idade dos Códigos, abre-se às demaisiências, revelando a crise do sistema até então vigente.

Para essa empreitada, será necessário percorrer todo um cami-nho que, a partir do Jusnaturalismo, passa pelo Positivismo, até chegar

11 l'ás-Positivismo. Imprescindível, também, observar a realidade, atra-das lentes filosóficas dos paradigmas do ser, da consciência e do

111/1' comunicativo; e, ainda, desvendar o nascimento das correntes críti-1111 110 cenário jurídico nacional, pois, sem sombra de dúvidas, a inter-~n() entre o Direito e a Psicologia se revela como um desdobramento

I""MII leitura crítica do Direito, que, até a pouco, era uma ciência pura-ntc norrnativista.

Ao final dessa trajetória haverá a certeza que a introdução da[culogia no curso de Direito, além de inevitável, veio de encontro aosIlIl'im; dos operadores do Direito, que, não mais aceitando se submetermern interpretação literal dos Códigos, estavam sedentos por vislum-\I' 11 alma humana. A partir dela, conseguiram encontrar o real sentidoIJircito - aquele que tem o indivíduo, enquanto sujeito de direitos e

veres, acima das leis e do Estado.

VISÃO HISTÓRICA DO DIREITO

() Direito é um fenômeno histórico e cultural, criado pelahumana, com o objetivo de servir como instrumento de resolução

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de conflitos sociais. O seu surgimento está vinculado ao Estado, fonteprodutora de leis, por excelência. O Direito sempre refletiu o Estado,por vezes revelando-se um instrumento justo e, por outras, se mostrandoum mecanismo de controle e opressão do indivíduo'.

Para Bobbio, o Direito se vinculou ao justo, a partir da inver-são de perspectivas. A relação até então existente, firmada entre sobera-no e súditos, foi substituída pelo nexo Estado e cidadão.

Passaram, os cidadãos, a ter direitos, enquanto que os súditossomente tinham deveres. Tal inversão resultou de guerras e lutas contraas opressões, pois a sociedade não podia mais preponderar ao indivíduo(BOBBIO, 2004, p. 24).

Até o século XIl, devido à descentralização do Poder, o Di-reito em nada se assemelhava ao atualmente conhecido. Com a quedado Império Romano do ocidente houve a descentralização total do Esta-do, com a formação de vários centros de poder.

Com a Baixa Idade Média, no século XIII, o acúmulo de ri-quezas possibilitou que alguns indivíduos passassem a não mais realizaros trabalhos braçais necessários à manutenção do sistema vigente. Essaprimeira e tímida manifestação do capitalismo, somada à redução dosbárbaros na Europa, acarretou a crise do modelo feudal e o início daemancipação intelectual, com a fundação das primeiras Universidades.

O século XIV marca o fim dos glosadores, cuja função restrin-gia-se a meras anotações ao Corpus Iuris Civiles. Em contrapartidaaparecem os comentadores, que viabilizaram o surgimento do EstadoModerno.

O século XV é considerado como o período de transição para oDireito e, ainda, para as concepções medievais que se tinha do Poder.Por essa razão, o movimento cultural desse século recebeu o nome deRenascimento, já que rompeu severamente com a Idade Medieval; inau-gurando um novo momento na Europa.

Jean Bodin contribui para o conceito atual de soberania, dandoorigem a um sistema dividido, similar ao atual. Para ele, a Soberania erao "poder absoluto e perpétuo de uma República" (RISCAL, 2001),numa concepção inovadora, em relação à Idade Média, que entendia a

soberania como o poder absoluto concentrado nas mãos do Rei, queunia as funções de juiz, administrador e rei.

Por sua vez, Maquiavel estabeleceu a diferença entre ética epolítica, ao entender que a dimensão política era um campo totalmentedesapegado da ética e o "príncipe", mais do que buscar condutas mo-ralmente aceitáveis, devia fazer tudo que estivesse ao seu alcance paramanter o poder e sua própria segurança. Esse posicionamento estava emsentido contrário ao defendido por Platão, para quem só podia governaraquele que fosse virtuoso e detentor de grande conhecimento, que ja-mais poderia servir às coisas vãs.

O Renascimento repercutiu no Direito com o surgimento dohumanismo jurídico, que, por captar os contornos da modernidadc quese aproximava, agasalhou inequívoca aversão ao Corpus Juris Civilis e11 tudo que representasse a tradição jurídica medieval.

É por isso que, não obstante os aparentes retrocessos verifica-dos na Idade Média, no que pertine ao Direito, correto está o juristaitaliano Paolo Grossi (2006), ao ensinar que, justamente nesse período:

origina-se, toma/arma e se caracteriza em meio a dois vazios e gra-ças a dois vazios: o vazio estatal que se seguiu à queda do edificiopolítico romano e aquela refinada cultura jurídica estreitamente li-gada às estruturas deste edificio. Aquilo que poderia, à primeiravista, parecer um retrocesso ou, de algum modo, um/ator negativo,ou seja, dois vazios que restaram não preenchidos, constitui - aocontrário - o nicho histórico adequado para o desenvolvimento deuma experiência jurídica bastante original.

Mencionadas experiências jurídicas tiveram início no século\' VI, sobretudo com Thomas Hobbes, que defendia que o Estado surgiun partir de uma vontade individual, manifestada através do contratosucia I.

Para Hobbes, o estado de natureza do indivíduo, antes de ade-rlr ao pacto social, é a causa da insegurança permanente, que resulta naucrra sem fim, de todos contra todos, o que gera a obsessão pela paz e

pela segurança e, finalmente, a celebração do contrato social, tambémluunado de pacto pela paz, que, após a sua formação, produziu umrlclato chamado Estado, que se consubstancia na parcela de poder queI indivíduo, enquanto titular, transfere ao Estado, com o fim de garantir, puz social.

Não existe qualquer fundamento divino, mas, sim a proteçãodireitos individuais. É por essa razão que Hobbes é considerado um

É longa a batalha entre aqueles que consideram o Direito como um fato histórico, construido,ao longo do tempo, como marco do progresso do homem, e aqueles que entendem o Direitocomo imancntc ao ser humano, que o detém pelo simples fato de ter naseido homem. A pre-sente exposição recepciona a primeira corrente, que tem como mestre maior Norberto Bobbio,segundo a qual não existem direitos naturais, porque cada direito tem um marco histórico de-finido de nascimento, passível de aferição no curso da história. (BOBBIO, 2004).

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dos primeiros teóricos a disciplinar a razão, por atribuir à lei o papel decolocar fim à guerra de todos contra todos",

Nasce, aqui, a distinção entre as esferas privada e pública, queinexistia na Idade Média. Essa diferença é mais um dos traços do Esta-do Moderno.

Ao final do século XVII ganhou relevo o pensamento de JohnLocke, pelo qual o Estado é a única forma de viabilizar o pleno exerci-cio do direito de liberdade e do direito de propriedade. Locke foi o pre-cursor do individualismo proprietário e do liberalismo, por considerarcomo homem somente aquele que fosse detentor de uma propriedadeprivada.

Se, para Hobbes, não existia qualquer condição para aderir aopacto social, haja vista que sua finalidade primeira era dar fim à guerrapermanente, para Locke, diferentemente, somente os proprietários é quepodiam fazer parte do pacto que deu origem ao Estado, cabendo-lhes osagrado direito de proteger os seus bens.

Surgiu, desta forma, no final da Idade Média, século XVI, oEstado Moderno, sobre as ruínas do feudalismo.

Nos séculos XVll e XVIII, o Estado incorporou o Jusnatura-lismo Racionalista e, por influência do liberalismo, passou-se a garantiros mínimos direitos aos indivíduos e, logo a seguir, houve a superaçãodo Estado absolutista, com o advento das revoluções francesa e norte-amencana.

No século XIX, o Direito moderno consolidou seus postuladosfundamentais, sob influência da onda positivista que atingiu seus opera-dores, estimulando-os a lutar pela solidificação desse ramo de conheci-mento como Ciência.

Essa fase durou até bem pouco tempo atrás, ainda persistindoem alguns países, como no Brasil.

Entretanto, alguns feixes de luz vêm sendo lançados sobre obreu dominante no cenário jurídico nacional, no qual a lei, para muitos,ainda é considerada como a expressão superior da razão.

Na visão positivista, o Direito encontra-se completamente se-parado da Filosofia, Sociologia, Psicologia, e de qualquer outro campo

Em sentido contrário, Foucault entende que não é o sujeito que detém o poder, mas sim opoder que tem como um de seus efeitos o sujeito. Assim, o Estado não seria fruto da cessãode parcela do poder do indivíduo através do contrato social, mas sim algo que antecede o su-jeito.

Diálogos entre o Direito e a Psicologia 21

do saber. Volta-se, exclusivamente, para a dogmática jurídica, na qualsomente a lei positivada importa. Quaisquer outros fatores que não en-contrem sustentação na estrita legalidade são desconsiderados, mesmoque tenham relevância capital.

Assim, analisada a dimensão histórica do Direito, verifica-seque o cenário é de total estagnação, não mais sendo possível aceitar quea lei, alçada à categoria de elemento primeiro e único do sistema, seja aexclusiva fonte do Direito.

Para a ruptura dessa estaticidade, há que se reconhecer que atransdisciplinaridade do Direito é uma necessidade premente, tambémno que pertine à Psicologia'.

2 MANIFESTAÇÕES FILOSÓFICAS DO DIREITO

A função primordial do Direito é a solução de conflitos e a pa-cificação social. Portanto, sem sociedade não há Direito.

Segundo Paolo Grossi, "o direito é velho como o mundo"(2006, p. 37), uma vez que sempre existiram ordenamentos a seremcumpridos por toda a sociedade, ainda que guardem pouca semelhançaao que se conhece, atualmente, como ordenamento jurídico.

A definição de Direito mudou ao longo da história e para en-tender o seu conceito atual é preciso voltar o olhar para o passado. Essaleitura deve passar, obrigatoriamente, pelas manifestações filosóficas doDireito, consubstanciadas no Jusnaturalismo, no Positivismo e, por fim,110 Pos-Positivismo.

Segundo Luís Roberto Barroso (2002), o termo jusnaturalis-mo significa: "uma das principais correntes filosóficas que tem acom-panhado o Direito ao longo dos séculos, fundada na existência de umdireito natural".

Tal asscrtiva ganha mais força no Brasil, diante dos escândalos de eorrupção c compra devotos que, diuturuamcntc, grassarn os noticiários do País. É impossível aceitar que uma leitenha sido promulgada em razão dos parlamentares terem vendido os seus votos, que nadamais são do que expressão da vontade geral e manifestação da soberania popular. Algunsconstitucionalistas da atualidade já vêm pregando uma nova forma de inconstitucionalidadc,definindo-a de "inconstitucionalidade por quebra de decoro parlamentar". Assim, na hipóte-se da lei aprovada por compra dos votos dos legisladores não padecer de vício de inconstitu-cionalidade formal ou material, a única forma de extirpá-Ia do ordcnarncnto jurídico, ante asua inequívoca dcsconformidadc com a vontade popular, é a declaração de sua inconstitucio-nalidadc por quebra de decoro parlamentar, já que os seus claboradorcs a aprovaram, tão so-mente, em troca de quantias em dinheiro. Nesse sentido é a lição de Pcdro Lcnza, em suaobra Direito Constitucional Esqucrnntizado.

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o Jusnaturalismo defende a existência do Direito Natural e suaprevalência sobre qualquer outra manifestação jurídica.

O significado da expressão direito natural comporta muitascontrovérsias.

Entende Paolo Grossi (2006, p. 71), a partir de uma visão ins-pirada no cristianismo, que o direito natural, base do Jusnaturalismo, éaquele Direito que todo homem tem, pelo simples fato de ter nascidohomem. É um direito que não se encontra em leis postas, mas sim 110

interior de cada indivíduo.A concepção de direito natural foi o móvel para a Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão, de L789.O JusnaturaLismo foi superado pelo Positivismo, ante a sua

inaptidão para explicar direitos que não podem ser usufruídos por todos,pois, nas palavras de Bobbio (2004, p. 25),

e passou a ignorar, por completo, sua legitimidade, que estava na con-formidade com a Moral e com a Justiça.

O apego excessivo às leis, sem levar em conta os casos con-cretos e a conjuntura social diante da qual foram editadas, resultou noaparecimento de movimentos contrários ao Positivismo Jurídico emtodo o mundo, fazendo surgir correntes filosóficas críticas. Com oadvento do Fascismo, na Itália, e diante das atrocidades cometidas pelosNazistas, na Alemanha, estes movimentos se fortaleceram, gerando umsentimento de descrédito no Positivismo (BARROSO, 2002).

A situação colocada era a seguinte: O Direito Natural já nãoera mais suficiente para manter a harmonia da sociedade, dada a suainaptidão para explicar a razão pela qual, sendo o Direito imanente ànatureza humana, nem todos os homens podiam usufruir as mesmasprerrogativas. De igual forma, estava o Direito Positivo, anteriormenteinvocado para legitimar condutas arbitrárias, desprovidas de qualquersenso de justiça.

Diante desse contexto, teve início um novo fenômeno, o Pós-Positivismo ; que sem ignorar o Direito Posto, conferiu relevância aoDireito Natural, fundamentando o sistema jurídico nos princípios demoral, justiça e equidade, os quais, além de serem recepcionados comoprincípios vetores de interpretação, adquiriram força norrnativa, vincu-lando o ordenamento jurídico.

Para Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos (2007,p.279),

os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direi-tos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracteri-zadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos pode-res, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem deuma vez por todas.

Contudo, não se pode negar a importância do Jusnaturalismo,enquanto linha filosófica do Direito.

Com a transformação da razão no principal elemento do Di-reito Natural, através do fenômeno do racionalisrno, passou-se a consi-derar Direito somente o que fosse lei, traço típico do Positivismo.

Tornou-se, assim, o Direito Natural apenas um dos elementospossíveis do Direito Positivo e não mais o único e exclusivo a prevale-cer sobre ele, como outrora acontecia, o que colocou fim à supremaciado Jusnaturalismo.

Como resultado da prevalência do conhecimento científico, oPositivismo Jurídico apenas considerava Direito as leis emanadas doEstado, mediante a produção intelectual dos homens. Ao separar o Di-reito da Moral e da Justiça, o Positivismo Jurídico limitou o Direito ànorma emanada do Estado, atribuindo ao ordenamento jurídico umacompletude jamais vislumbrada.

Ao simplesmente importar conceitos do Positivismo Socioló-gico, tais como a neutralidade e o distanciamento entre sujeito e objeto,o Positivismo Jurídico reduziu o Direito ao ordenamento jurídico posto

o pos-posiüvismo é a designação provisória e genérica de um ideá-rio difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores,princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica cons-titucional e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre ofundamento da dignidade humana.

O sistema jurídico propugnado pelos pós-positivistas não seapoiava, somente, em abstrações decorrentes da natureza, tal como pro-pugnado pelo Jusnaturalismo, nem, exclusivamente, em regras emana-das do Estado, como defendido pelo Positivismo.

Inovou, essa corrente, ao sustentar a junção de regras, princí-pios e valores, que têm, na satisfação dos direitos fundamentais e nabusca por uma vida digna, seus pilares de sustentação.

Foi nesse quadro que se constatou a urgente necessidade de ha-ver a abertura sistêmica do Direito para as outras ciências, estando aí

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incluída a Psicologia. A transdiciplinaridade, como iocus de junção deregras e princípios, constituiu-se em corolário lógico do Pós-Positivisrno.

3 PARADICMAS FILOSÓFICOS DO DIREITO

Para que se entenda o atual momento do Direito, é preciso fa-zer uso dos Paradigmas Filosóficos norteadores do pensamento jurídico,de modo a explicar a razão da insuficiência do Direito Natural e do Di-reito Positivo.

Ludwig (2006) sustenta que a filosofia analisa a realidade apartir das perspectivas cosmológica, teocêntrica, antropocêntrica e bio-cêntrica.

Para a perspectiva cosmológica o essencial era a natureza, ocosmos.

Na perspectiva teocêntrica, a grande questão estava em situara razão num patamar localizado abaixo da fé, de modo a harmonizar asujeição da filosofia à teologia, já que o elemento nuclear do teocen-trismo era a presença de Deus, enquanto Criador do Universo.

Na perspectiva antropocêninca o quadro medieval foi inverti-do, ao atribuir à razão o papel de fundamentar a realidade e por transfor-mar o homem - único animal racional- no elemento central do sistema.

Finalmente, para a perspectiva biocêntrica, o fulcro centralnão era a natureza, nem Deus e nem mesmo o homem, mas sim a vida,em todas as suas formas de manifestação.

Para Ludwig, o modo como as perspectivas filosóficas da rea-lidade vêm sendo interpretadas ao longo do tempo, sobretudo por esta-rem atreladas ao Direito, pode levar ao equívoco de se concluir pelasuperação linear desses aspectos, o que, por certo, não se revela correto.Por tal razão, esse filósofo propõe adotar, na análise histórica da filoso-fia e, também, na filosofia jurídica, a noção de paradigma, asseverando:"A passagem de um paradigma para o outro não configura um proces-so contínuo e cumulativo. Ou seja, a ciência não muda de forma gra-dual e contínua. Ela muda paradigmaticamente. IJ (2006, p. 19-ss.).

Ainda, de acordo com Ludwig, para a compreensão da filosofiajurídica é necessário perquirir acerca dos paradigmas estabelecidos porHabermas - ser, consciência e linguagem - e, ainda, de um quarto para-digma, tratado por Enrique Dussel, que é o paradigma da vida concreta.

Diálogos entre o Direito e a Psicologia 25

Na tarefa de recriar o cenário que reflete a real necessidade datransdisciplinaridade do Direito, passa-se a uma sucinta digressão sobreos paradigmas filosóficos do Direito.

O primeiro paradigma filosófico foi o Paradigma do Ser, sin-tetizado na lição de Parrnênides, na qual "O ser é. o não-ser não é".Esse paradigrna compreendeu as teorias de Platão, Aristóteles e dealguns neoplatônicos surgidos na ldade Média.

No entendimento de Platão, o ser habitava no mundo das ideias,que se contrapõe ao mundo sensível.

Já, para Aristóteles, o ser era a junção de todos os elementos,constituindo-se na essência resultante da forma e da matéria.

No que pertine ao Direito, Luis Fernando Coelho (1991) aduzque o Paradigma do Ser era a raiz do Direito Natural, pois encontravaum fundamento metafísico para o modelo de justiça, então vigente.

Para Descartes, na senda do Paradigma do Ser a humanidadedeixava de caminhar, pois restava eliminada qualquer discussão sobre arazão. Passou-se, então, ao Paradigma do Sujeito, segundo o qual osujeito era dotado de razão e consciência, o que pode ser traduzido por"penso, logo existo".

Em seguida, surgiu Kant criticando a razão desapegada dequalquer senso de justiça e de moral. O ponto central dos ensinamentoskantianos estava no encontro da paz perpétua, através da razão, que sedá quando os homens cumprem seus deveres de buscar a maioridadeintelectual. Por isso, Kant conferia ao conhecimento o papel de desvelarnos homens os sentimentos de moral e justiça.

O Paradigma do Sujeito, também chamado de Paradigma da( 'onsciência, repercutiu no Direito, diante do fenômeno da laicização doDireito, e, posteriormente, face à solidificação da Escola do DireitoNatural.

Tendo em vista que a razão se tornou fundamento e limite detudo, o homem não dependia mais do Deus Criador para saber o que era(I Direito.

A partir do Paradigma do Sujeito, a nova leitura do Direitoprovocou profundas alterações nas funções dos juristas, que deixaramlc ser meros intérpretes das condutas, tornando-se criadores de regras.) Direito vai se transformando, cada vez mais, em uma ciência.

Com isso, abriu-se caminho para o positivismo, que levou àsultimas consequências a leitura do Direito enquanto sistema, de modo abundonar, por completo, os elementos metajurídicos. O Paradigma do

J\,j

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Sujeito foi o condutor do positivismo, haja vista que a razão, enquantofundamento, limite e fator legitimador de tudo, é a base deste paradigmae do positivismo.

O esgotamento do Paradigma do Ser e do Paradigma do Su-jeito resultou na transição para o Paradigma do Agir Comunicativo, quetem na reviravolta linguistico-pragmática sua pedra de toque. "nessenovo paradigrna, a linguagem passa de condição de objeto da reflexãopara a condição de fundamento de todo pensar." (LUDWIG, 2006, p. 93).

A linguagem assume papel central no Paradigma do Agir Co-municativo, pois é ela que serve de meio de reflexão. A comunicaçãodesprovida de coação, violência ou força é o fundamento moral e éticoneste paradigma. Não é mais o ser ou a razão que dão sustentação atodo o sistema, mas sim a Linguagem. Esta transição de paradigmastambém acarreta transformações no Direito, com a adoção, através daLinguagem, de postulados de outros ramos do conhecimento, como aPsicologia, na solução dos problemas.

A apreciação da realidade, a partir dos paradigrnas filosóficosdo Direito, confirma, ainda mais uma vez, que a transdisciplinaridadedo Direito é, de fato, imprescindível.

4 TEORIA CRÍTICA DO DIREITO BRASILEIRO -O INÍCIO DA INTERSEÇÃO COM A PSICOLOGIA

A crise do Paradigma do Ser e do Paradigma do Sujeito, bemcomo a estagnação das correntes Jusnaturalista e Positivista, reveladascom a ascensão do Pós-positivismo e a transposição para o Paradigmado Agir Comunicativo, fez gerar, nos operadores do Direito, um senti-mento de revolta com certos dogmas, o que possibilitou o surgimento deescolas direcionadas ao estudo crítico do Direito.

No Brasil, a Escola de Direito de Recife, no século XIX,passou a criticar o Jusnaturalismo, dando início ao fortalecimento dofenômeno positivista, o que ensejou o movimento de codificação, que,nos anos seguintes, foi extremamente utilizado.

Entretanto, essa onda positivista foi rompida com a expansãodo pensamento jurídico crítico de Miguel Reale, que estabeleceu umconceito tridimensional do Direito, segundo o qual o Direito é fato,valor e norma.

Para Antonio Carlos Wolkmer, a diversidade de fundamentosepistemológicos, estabelecidos com o advento dos mais distintos movi-

Diálogos entre o Direito e a Psicologia

mentos críticos surgidos no Brasil, não deve ser considerada como algoabsoluto, pois todas as linhas críticas de pensamento se aproximam.

Não obstante, oportuno analisar esses movimentos críticos,pois foram seus matizes distintos que acarretaram, no ordenamento pá-trio, a tão necessária transdisciplinaridade do Direito com as demaisciências, incluída aí sua interseção com a Psicologia.

Wolkmer ensina que a teoria crítica delineada no Brasil podeser lida a partir das perspectivas sistêmica, dialética, semiologica eanalítica. (200 i, p. 96).

A crítica jurídica de perspectiva sistêmica, cujo maiorexpoente é Tércio Sampaio Ferraz Júnior, influenciou o Direito, aopossibilitar a adoção do rigor técnico na Ciência Jurídica, atribuindo-lhehermetismo cornunicacional, sob o argumento que o Direito já possuíaelementos suficientes à fundamentação de suas decisões. Embora pareçaacrítico, esse entendimento foi muito importante para legitimar oDireito, até então impregnado por um idealismo exacerbado, oriundo doJusnaturalismo e, também, por uma total ausência de rigor em seusconceitos, o que possibilitou desrnandos de todas as espécies.

Por sua vez, a perspectiva dialética da crítica jurídica se re-velou na inversão do Direito, até então considerado um instrumento dedominação de classes e de lutas pela afirmação da dignidade dosexcluídos.

A perspectiva semiolágica. propugnada por Luis AlbertoWarat, chega ao fenômeno da carnavalização do Direito. Há a necessi-dade de resgatar a subjetividade do Direito, com o abandono das amar-ras legais, até que sejam recuperados os desejos dos indivíduos. Paratanto, é preciso privilegiar os desejos e sentimentos mais profundos,pura que se alcance a libertação jurídica.

Warat abre espaço para a crítica jurídica de perspectiva psica-nalltica, movimento alternativo ainda recente no Brasil, que mostra aultcração de paradigmas que vem passando a ciência jurídica brasileira,no revelar a necessidade da transdisciplinaridade entre o Direito e aPsicologia.

No âmbito da crítica jurídica brasileira, a perspectiva psicana-IItica. começou a despontar a partir da década de 1980. Para Wolkmer,busca-se, com esse movimento

interpretar no espaço institucional a efetiva intertextualidade do'jurídico' e do 'psicanalítico', realçando o simbólico representativoque domina o discurso da dogmáticajurldica, bem como destacando

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a vinculação do texto legal na manipulação dos desejos incons-cientes e na revelação especifica da função normativa enquantoestrutura repressora da sociedade. (2001, p. 130) (grifou-se).

Agostinho Ramalho Marques Neto desempenhou papel fun-damental na tarefa de desconstrução do império da lei, estimulando odesenvolvimento da subjetividade, corno fenômeno central do Direito.Ao estudar o sujeito de Direito, esse autor analisou o sujeito individual,o sujeito das emoções e desejos, para elaborar o conceito de sujeitoscoletivos de Direito (WOLKMER, 2001, p. 132). Estava, portanto, for-temente ligado eom o Direito Alternativo.

Essa corrente volta-se para o sujeito, configurando a manifes-tação inicial da interseção entre o Direito e a Psicologia, que resultou nainclusão dessa última no currículo dos cursos jurídicos brasileiros. Aoretirar a pecha de ciência normativa, atribuída ao longo do tempo, so-bretudo, pelos positivistas do século XIX, essa nova perspectiva críticamostra que o núcleo do Direito, assim como da Psicologia, está na vidahumana, algo, até então, inadmissível.

Tal como a Psicologia e as demais ciências, o Direito precisaconstruir seus fundamentos e existência para os sujeitos, nas suas maisvariadas formas.

O ponto central da transdisciplinaridade" está na transforma-ção teórica havida no interior dos operadores do Direito, que abando-nando, de vez, a idolatria às leis e o respeito a tudo que se pretendaabsoluto, passam a observar o sujeito tal como ele é, e não mais comoele deve ser, conforme estabelecido por um parlamento estatal.

Portanto, essas duas ciências, Direito e Psicologia, até entãocompletamente autônomas, revelam-se estreitamente ligadas, pois, namedida em que o Direito, na sua função de pacificar a sociedade, seocupa das leis formalmente aprovadas, chamadas de normas jurídicas, aPsicologia tem seu foco no indivíduo e nas relações intrapsíquicas einter-relacionais.

É impossível, deste modo, negar a relação de convergênciaentre o Direito e a Psicologia e, por consequência, a abertura sistemáticaoperada na ciência jurídica, com a transposição desses paradigmas.

Existe uma diferença entre interdiseiplinaridade, que ocorre quando as ciências diferentespodem ser aplicadas em conjunto, de transdiseiplinaridadc, que se verifica quando duas ciên-cias se transformam pela influência de uma sobre a outra. O Direito c a Psicologia parecemestar vivendo uma relação de transdisciplinaridade, para além da interdisciplinaridade, umavez que o Direito, depois da sua interseção com a Psicologia, já não é mais o mesmo.

29Diálogos entre o Direito e a Psicologia

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou, o presente trabalho, reconstruir o cen1!hó que propi-ciou a inclusão da Psicologia no currículo dos cursos de Direito, atravésda Resolução 09, de 2004, editada pelo Ministério da Educação.

Em sua primeira parte, verificou-se que a evolução históricado Direito, desde o Período Feudal até a formação do Direito Moderno,abriu caminho para a interseção do Direito com outras ciências, ante aconstatação da estagnação da lei, como exclusiva fonte jurídica.

Em seguida, coube a análise das manifestações filosóficas doDireito, consubstanciadas no Jusnaturalismo, no Positivismo e no Pós-Positivismo, na tarefa de recriar o quadro da abertura sistêmica do Di-reito. A crise do Jusnaturalismo, baseado no Direito Natural, e do Posi-tivismo, fulcrado apenas no Direito Posto, resultou no advento do Pós-Positivismo, fenômeno que, ao aglutinar regras e princípios, inaugurouum sistema jurídico permeável aos interesses da sociedade, de formacompletamente aberta, não mais considerando, apenas, a lei, mas, tam-bém, tudo que rege a vida dos indivíduos, que pode ser incorporado aouniverso jurídico através de princípios.

Para uma melhor compreensão da transmutação teórica havi-da, tratou-se dos Paradigmas Filosóficos do Direito, visto que a histórianão se desenvolve de modo linear, mas sim em idas e vindas, que aca-bam por formar paradigmas. Fez-se, então, uma breve digressão sobreos Paradigmas do Ser, do Sujeito e do Agir Comunicativo e, por fim,sobre o Paradigma da Linguagem, o qual, por suas características, re-velou maior consonância com a interseção do Direito com a Psicologia,já que tem na fala seu ponto nuclear.

Analisou-se, ainda, a teoria crítica, que, ao defender a interse-ção do Direito com as demais ciências, abriu as portas do Direito para aPsicologia, provocando não só o movimento da transdisciplinaridade,mas, também, a transformação de campos do conhecimento até entãototalmente separados, pela influência da penetração dos métodos e con-ceitos de um em outro.

Em considerações finais, chega-se à constatação que o Direitoo a Psicologia, que até pouco tempo eram considerados água e óleo,estão sim muito próximos, o que revela ser imprescindível a transdisci-plinaridade entre esses dois ramos do conhecimento, como solução para11 estagnação das fontes jurídicas, de modo a viabilizar a efetivação daverdade real e a maior consideração do ser humano e dos fatores que o'11 volvem.

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30 Antonia Lélia Neves Sanches

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A "DANÇA" DO CASALVIRA CASO DE POLÍCIA:

UM ESTUDO SOBRE O TRABALHO COM AVIOLÊNCIA DO CASAL NO JUIZADOESPECIAL CRIMINAL DE CURITIBAS

Julio deI Valle MahezMarisa Schmidt Silva

INTRODUÇÃO

A proposta deste artigo é refletir sobre o tema preocupante daviolência" contra a mulher ou violência de gênero que, desde 1998 atéos primeiros meses de 2007, após a promulgação da Lei "Maria da Pe-nha", foi a principal questão abordada no Setor Psicossoeial da Premo-teria de Justiça junto ao Juizado Especial Criminal - JECRIM - da Co-marca de Curitiba.

A Lei 9.099/95, de 26.09.1995, que implantou os Juizados Es-pcciais Cíveis e Criminais e começou a funcionar em Curitiba em de-.cmbro de 1995 foi criada com o objetivo de desafogar o judiciário e o

sistema carcerário, porque já naquela época, e ainda hoje, estes sistemasesrão sobrecarregados com uma demanda maior do que a sua possibili-dade de atendimento. Para tanto, optou-se por privilegiar a utilização de11111 procedimento simples e célerc e a aplicação de medidas de carátersocial menos punitivas, dando uma resposta judicial aos crimes ou in-truções penais denominados "de menor potencial ofensivo" nos quais apena prevista era até um ano de prisão sendo que, atualmente, a com-pctência é de dois anos pela Lei 10.259, de 12.07.2001. Para realizar asaudiências preliminares a Lei instituiu a função de Conciliador e JuizLeigo, os quais têm a incumbência de trabalhar a questão de conflito

Síntese da Monografia apresentada no Curso de Especialização em Psicologia Jurídica -I'UCPR, como requisito à obtenção do título de EspecialistaViolência compreendida como qualquer ato que coloque em risco a sobrevivência física,psicológica, social 0\1 espiritual de uma pessoa ou grupo, na concepção do Dr. GilbertoGiacoia, Procurador de Justiça do Estado do Paraná em palestra proferida em 31.03.2005 no ISeminário de Penas Alternativas realizado em Curitiba - PR.