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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros RENILDO, S. Estado e capital na China [online]. Salvador: EDUFBA, 2018, 285 p. ISBN 978-85-232- 2002-0. https://doi.org/10.7476/9788523220020. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. Estado e capital na China Renildo Souza

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros RENILDO, S. Estado e capital na China [online]. Salvador: EDUFBA, 2018, 285 p. ISBN 978-85-232-2002-0. https://doi.org/10.7476/9788523220020.

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license.

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0.

Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0.

Estado e capital na China

Renildo Souza

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ReitorJoão Carlos Salles Pires da Silva

Vice-reitorPaulo Cesar Miguez de Oliveira

Assessor do ReitorPaulo Costa Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

DiretoraFlávia Goulart Mota Garcia Rosa

Conselho EditorialAlberto Brum NovaesAngelo Szaniecki Perret SerpaCaiuby Alves da CostaCharbel Ninõ El-HaniCleise Furtado MendesEvelina de Carvalho Sá HoiselJosé Teixeira Cavalcante FilhoMaria do Carmo Soares de FreitasMaria Vidal de Negreiros Camargo

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2018, Renildo Souza.Direitos dessa edição cedidos à Edufba.Feito o Depósito Legal

Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

Capa e Projeto GráficoIgor Almeida

Revisão Lia Simões Nery

NormalizaçãoTatiely Neves

Sistema de Bibliotecas – UFBA

Souza, Renildo. Estado e capital na China / Renildo Souza.- Salvador: EDUFBA, 2018. 285 p.

ISBN: 978-85-232-1775-4

1. China - Política econômica. 2. China – Condições econômica. 3. China - Relações econômicas exteriores. I. Título.

CDD - 338.951

Elaborada por Evandro Ramos dos Santos CRB-5/1205

Editora afiliada à

Editora da UFBARua Barão de Jeremoabos/n – Campus de Ondina

40170-115 – Salvador – BahiaTel.: +55 71 3283-6164

[email protected]

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Sumário

7 PREFÁCIO

15 INTRODUÇÃO

Capítulo I

27 AREORIENTAÇÃOPOLÍTICA

Capítulo II

47 AREORIENTAÇÃOECONÔMICA

Capítulo III

83 DESCOLETIVIZAÇÃONOCAMPO

Capítulo IV

97 LIBERALIZAÇÃODOMERCADODETRABALHO

Capítulo V

117 UMAFORMADEDESESTATIZAÇÃODAESTRUTURAPRODUTIVA

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Capítulo VI

141 INTEGRAÇÃOÀECONOMIAMUNDIAL

Capítulo VII

167 OIMBRÓGLIOFINANCEIRO

Capítulo VIII

193 ECONOMICISMO

Capítulo IX

221 DESENVOLVIMENTODESIGUALECOMBINADO

Capítulo X

243 AONDEVAIACHINA?

255 REFERÊNCIAS

283 LISTADEABREVIATURASESIGLAS

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Prefácio

Eis aqui um livro que começou a existir em 2007 como uma tese de doutorado em Administração na Universidade Federal da Bahia (UFBA), mas que, mediante aperfeiçoamentos, transformou-se numa obra esclarecedora sobre o caráter das transformações con-temporâneas da China. Estado e capital na China trata das refor-mas econômicas que ocorreram no período que vai de dezembro de 1978 até o presente, ou seja, na era que se iniciou após o faleci-mentodeMaoZedong,ocorridaem1976.Oseuobjetivocentralédiscutir a questão de saber se essas transformações rumam para o socialismo ou para o capitalismo, numa perspectiva não economi-cista,ouseja,negandoqueelastranscorreramsegundoumrumohistórico inexorável determinado pela necessidade econômica.

Ora, não se pode abordar essa questão de uma perspectiva mar-xista semcomeçarpelopróprioMarx.Comose sabe, esse autortratoudasuperaçãodocapitalismoaolongodetodaasuavida;en-tretanto, na busca de um ponto de partida para examinar o estudo aqui em discussão, parece correto admitir que ele se encontre em sua obra máxima, ou seja, em O capital.Marxtratoudosocialismojánoprimeirocapítulodessaobraedemodomuitosignificativo:

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eis que o fez na quarta e última seção deste capítulo, ou seja, na seção que trata do caráter fetichista da mercadoria e que visa a des-vendaroseusegredo.Issoimplicaque,paraele,osocialismo,en-tendido aqui como a sociedade formada por “homens livremente socializados”, só pode nascer quando é superada a forma mercado-ria inerente ao capitalismo e, assim, o fetichismo que está entra-nhado na sociedade em que domina o modo de produção capita-lista.Eisoquedisseaí:

A figuradoprocesso socialdavida, istoé,dopro-cesso da produção material, apenas se desprenderá do seu místico véu nebuloso quando, como produto de homens livremente associados, ela ficar sob seu controle consciente e planejado. Para tanto, porém, se requer uma base material da sociedade ou uma sé-rie de condições materiais de existência, que, por sua vez, são produto natural de uma evolução histórica longaepenosa.(MARX,1988a,p.76)

Essetrechoécrucial;apartirdele,algumasconclusõesseim-põemdeimediato.Mesmosementrarnosdetalhesdasexperiên-ciassocializantesdoséculoXX,épossíveldizerdeimediatoque:a)osocialismodelineadoporMarxaindanãochegouaexistirnafacedoplanetaTerra;b) todas essas experiênciashistóricas, taiscomo a russa, a chinesa e a cubana, partiram de condições mui-to insuficientes e, por isso, constituíram-se como processos que tentaram ou ainda tentam construir as bases materiais necessárias para a possível vinda do socialismo – mesmo se ousaram, por ante-cipação, chamarem-se de socialistas ou mesmo de comunistas. Para aqueles que querem examinar e discutir essas experiências, trata--se, então, de examiná-las com o intuito de saber se foram ou es-tão sendo bem-sucedidas nesse desiderato ou se se desviaram por

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caminhosque,aofimeaocabo,nãolevamsenão,dealgummodo,a repor o capitalismo.

O livrodeRenildoSouza, que trata especificamentedo caso“China”, deve ser lido, interpretado e avaliado – e esta é a opinião daquele que faz esse prefácio – estritamente nessa perspectiva. O antagonismosocialismoversus capitalismo orienta todo o seu esfor-ço de compreender essa experiência histórica específica. As reali-zações e desventuras do processo realmente observado são enxer-gadas sobaperspectivada realizaçãopossível,masdifícil,deumsocialismo comunitário e democrático que seja também capaz de criar as condições para a supressão do Estado, tal como aquele que animouopensamentooriginaldeMarx.Eisque,paraambos,over-dadeiro socialismo é uma “associação de homens livres” que já não estãomaissubmetidosà“violênciadeumaleinaturalreguladora”tal como ocorre no capitalismo. Portanto, a lei do valor tem de ser abolidajánaprimeiraetapadaconstruçãocomunistaemquevigo-raoprincípiodo“igualdireito”,ouseja,quemandarepartirtudooque é produzido dando a cada conforme o seu trabalho.

Em sua introdução, mostra como e por que o Partido Comunista da China, em dezembro de 1978, diante das dificuldades em pro-mover um rápido desenvolvimento das forças produtivas, optou pelaestratégiadeusar“ocapitalismo,aproveitarseucapital, tec-nologia e mercado, para construir seu antípoda, o socialismo”.O argumentoentãousadoeradequeomodelosoviéticobaseadofortemente na planificação, o qual fora reproduzido grosso modo naChinasoba liderançadeMao,era ineficienteporqueexcluíao mercado e desprezava, assim, a sua capacidade natural de alocar recursos escassos entre fins alternativos. Nesse sentido, o socialis-mo chinês realmente existente, para ser bem-sucedido, foi sendo pouco a pouco transformado – supostamente – em um socialismo demercado.Renildo,entretanto,nãodeixademencionarlogonoinício de seu escrito que “nesse processo, transparece a retórica

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nacionalistadoresgatedopapelgrandiosodaChina,emseupas-sadomilenar,comoofamosoepoderosoImpériodoMeio”.

O escrito como um todo pretende mostrar diferentes aspectos datransformaçãodocaminhosocializantedaeraMaoemalgoqueo autor denomina, com felicidade, de trajetória nacional-desen-volvimentista. E não apenas em sua dinâmica interna que já é bem complexa,mastambémlevandoemconsideraçãoocontextogeo-político da competição imperialista em nível internacional. Como se sabe, essa mudança de rumo foi muito bem-sucedida em seu pro-pósito de rapidamente desenvolver as forças produtivas e, assim, de alavancar o crescimento econômico, fazendo da China, em poucas décadas,umapotênciaemergentecapazderivalizarcomaspotên-ciasjáestabelecidashámaislongotempo.AChina,comosesabe,tornou-seumprotagonistatãoexpressivonocenáriomundialque,atualmente, encontra-se no ponto de ameaçar a hegemonia dosEstadosUnidosqueaindafigura,dentreospaísesmaispoderosos,como aquele realmente dominante. Ademais, ao enveredar por um caminho desenvolvimentista, a China criou aparentemente uma alternativa ao modelo neoliberal amplamente prevalecente na esfe-ra de dominação do imperialismo norte-americano.

Contudo,o focodoestudodeRenildoSouzaéaquestãodesaber:aondevaiaChinaenquantomododeprodução?Éporissoquebuscou responder ao longode seu texto,muito claramente,dentreváriasoutras,umaperguntacentral:asreformasdosistemaeconômico e do Estado realizadas paulatinamente na China desde 1978 expandiram apenas a dominação da relação de capital e, as-sim,desviaram-nadorumodosocialismo?Ou,alternativamente,havendo adotado um caminho que os seus proponentes chamam de“socialismodemercado”,mantiveram-naaindanesserumo?Oabandono do “sistema de acumulação centralizado” que caracteri-zou o modelo soviético vem abrindo de qualquer modo novas pers-pectivasparaodesenvolvimentodasociedadecontemporânea?

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Com esse objetivo, o estudo que aqui se recomenda enfatica-mente, tendo por base uma pesquisa muito ampla das fontes na-cionais e internacionais que versam sobre a história recente da China, desenvolve-se por dez capítulo. No primeiro, o autor dis-corre sobre como se deu a ascensão de uma nova liderança no PC chinês e como ela passou a criticar as tendências e os resultados alcançadosnoperíodoanteriorlideradoporMaoZedong.Expõeem particular como a crítica da “revolução cultural” permitiu a construção de um novo discurso político após o falecimento do líder revolucionário.

Nosegundo,semfugirdascontrovérsiaseamparadonomate-rialismohistórico,apresentacomoemergiuumnovosistemaeconô-micoemsubstituiçãodaquelequeforaconstruídoapósaRevoluçãoChinesa de 1949 e que se caracterizava sobretudo pela coletivização das terras, controle estatal da economia e nacionalização de empre-sasestrangeiras.Otemageraldessecapítulo,então,édevidamentedesdobradonosseguintesemalgunsdeseuscomponentesmaisim-portantes.Adescoletivizaçãodocampoétratadanoterceiro;alibe-raçãodomercadodetrabalhoévisadanoquarto;adesestatizaçãodaestruturaprodutivaéencaradanoquinto.Seguem-sedoiscapítulosquetratamdosproblemasengendradospelasprópriasmudançasre-tratadasnosanteriores:odenúmeroseisversasobreaintegraçãodaChina à economia mundial e o de número sete debruça-se sobre o quedenominade“imbrógliofinanceiro”.

O capítulo oitavo merece uma atenção especial, pois ele se de-dica a discutir criticamente as matrizes de pensamento que tam-bém buscaram explicar o caráter do desenvolvimento recente da China.Segundooautor,essasseriambasicamentequatro:oevo-lucionismo, o economicismo, o desenvolvimentismo e o liberalis-mo. As duas primeiras recebem no texto um tratamento especial porque,segundoele,embasaramaideologiadoslíderesreformistaschineses.Parajustificarareorientaçãodaestratégiadeconstrução

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do futuro, eles teriam se valido das teses de uma caduca ortodoxia quevicejaranocampodomarxismojánofimdoséculoXIX.Eisqueestatinhacomocaracterísticacentralprivilegiarodesenvol-vimento das forças produtivas como suposta rota automática para alcançar o socialismo. Ao focarem apenas a expansão da produção eoavançotecnológico,oslídereschinesesdesprezaramalutadeclasses e, assim, a dimensão política da construção de uma socieda-de que pretende abolir a forma mercadoria e, assim, a alienação, a exploração e a dominação que caracterizam o capitalismo.

Nosdoiscapítulosfinais,RenildoSouzaexpõeassuasconclu-sões. Primeiro, apresenta a sua interpretação crítica desse curso histórico atribulado que costuma ser visto pelos apologistas doeconômicocomoomaisnovomilagredocapitalismo,o“milagrechinês”. Na tradição do materialismo histórico, encontra uma cha-veparaumaavaliaçãomaisjustadessecursonumateseclássica:odesenvolvimentodesigualecombinadocomparticularidadesna-cionais é inerente a um modo de produção que tende a se tornar um sistema mundial e que tem como meta própria a acumulação insaciável de capital, mas, ao mesmo tempo, contraditoriamente, precisa produzir os valores de uso que dão sustentação à reprodu-ção da sociedade.

Para o bem ou para o mal, a China – enfatiza – tornou-se um protagonista muito importante nesse sistema mundial cada vezmais entrelaçado, de tal modo que seu desenvolvimento em parti-cular passou a influenciar de modo decisivo o curso do desenvolvi-mentodasociedadeglobal.OfuturodaChina,contudo,tambémnãoestápredeterminado.Nocapítulofinalquesignificativamentedenominou“AondevaiaChina?”,RenildoSouzaprocuroumos-trar, de um lado, como as contradições e as tendências do sistema mundial condicionam o desenvolvimento da própria China e, de outro, como as contradições internas do modo de produção capi-talista, as quais se manifestam por meio de tendências sistêmicas

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e de lutas sociais, continuam a trabalhar aí para redirecionar o seu futuro como sociedade.

Enfim, tem-se em mãos um estudo que merecer ser lido com atenção. Trata-se de um extraordinário esforço para apreender, nos planos da história e da teoria, o desenvolvimento recente da China,segundoumaperspectivaquenasceunoséculoXIX,pormeio,principalmente,daobradeKarlMarx.Enquantoinvestiga-ção que vai além do propósito meramente acadêmico, enriquece a compreensão e o debate sobre o curso de evolução do sistema de acumulaçãochinês,oqualseencontraagorainseridonosistemacapitalista plenamente mundializado.

As perspectivas civilizatórias estão hoje bem obscurecidas. No entanto, sabe-se pelo menos, apesar da falta de luz no fim do túnel, que a história ainda não acabou e que é preciso encontrar os meios para escapar da barbárie.

EleutérioF.S.PradoProfessor aposentado da Faculdade de Economia e Administração

da Universidade de São Paulo (FEA/USP)

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Introdução

Asgrandes transformaçõescontemporâneasnaChinasãooob-jeto da avaliação crítica exposta neste livro.A crítica à viragemsistêmica em favor do capital, independentemente do desejo e das intenções proclamadas pelos dirigentes chineses, não empana obrilho dos impressionantes êxitos do desenvolvimento econômico etecnológico,bemcomoocrucialpapeldoEstadochinêsnarever-sãodadominaçãogeopolíticaunipolardosEstadosUnidos.Nestesentido,aascensãodaChinanaordeminternacionalengendroupossibilidades, alternativas e oportunidades de relação internacio-nalparaospaísesperiféricosemcontrastecomaagressividadepo-lítica e militar do imperialismo estadunidense.

O Partido Comunista da China, na III Sessão Plenária do 11º Comitê Central, em dezembro de 1978, justificou o lançamento da assim chamada reforma econômica como uma modernização socia-lista.Ahegemoniadoprojetode reformasdependeudecrenças,expectativas e pragmatismo.Assim, a empreitadamodernizadoraseria levada à prática pelo capital (nacional, inclusive da diáspora chinesa,eestrangeiro)epeloEstado(políticaeconômicadesenvol-vimentista, crédito, subsídios, infraestrutura), que atuariam como

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parceiros e protagonistas. Em vez de restauração ou renovaçãodocapitalismonaChina, entendeu-sequea estratégia seriausaro capitalismo, aproveitar seucapital, tecnologiaemercados,paraconstruir seu antípoda, o socialismo. Forjou-se a compreensão dequesema rigidez importadadovelhomodelosoviéticoe semovoluntarismodosgrandesplanosmaoístas tratava-sede respei-tar as condições particulares da China, construindo-se aquilo que veio a receber o título de “socialismo com características chinesas”. Na medidaemqueavançavaareformachinesa,otítulofoimudan-do, cada vez mais, para “socialismo de mercado”.

Aideia,simplista,équeograndeerrodaeconomiadosocia-lismo real foi a oposição entre plano e mercado, ou dito de outra forma, socialismo sem mercado. Afora essas questões, no período recente da China também se mantém o importante e justo apelo daunidadenacional,comoretornojáconquistadodeHongKongeMacaueaexigênciadereunificaçãocomTaiwan.Arestauraçãodaintegridadenacionalforçou,decertaforma,aorecursodehabi-lidade política manifestada no modelo de “Um país, dois sistemas”. Aintegridade,asoberaniaeodesenvolvimentodagrandenaçãochinesatêmespecialimportâncianaresistênciaàglobalizaçãoneo-liberal desejada e imposta ao mundo pelo imperialismo norte-ame-ricano. Nesse processo, transparece a retórica nacionalista do res-gatedopapelgrandiosodaChina,emseupassadomilenar,comoofamosoepoderosoImpériodoMeio.

Do ponto de vista do contexto internacional, há uma coinci-dênciaconjunturalinteressante:asreformaschinesascomeçaramem 1979, nomesmo ano emqueMargarethThatcher torna-se agovernantedaInglaterra,enoanoseguinte,1980,RonaldReaganelege-sepresidentedaRepúblicadosEstadosUnidos.Ambosgo-vernantes–ThatchereReagan–apareceramcomocampeõesdadoutrinapolíticaeideológicadoneoliberalismoelíderesdareno-vada cruzada anticomunista.

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As mudanças na China ocorrem em uma época mundial em que são marcantes a derrota do socialismo real na União Soviética enospaísesdoLesteEuropeu,ahegemoniadocapitalismoneoli-beral e as diversas facetas da mundialização do capital. Há domi-naçãoesmagadoradafinançademercadonomundo,expansãodeconglomeradosfinanceiroseprodutivosglobalmente,recusavee-mentedopapeldoEstadonaregulaçãodabuscadodesenvolvi-mento econômico e social. Predominam, sobretudo, preconceitos enegaçãoreferentesaosdireitosdemocráticosesociaisdostraba-lhadores.Persisteaintolerânciaemfacedalegitimidadedaslutassociais concretas.

O ambiente político predominante deixa visível a noção he-gemônicadequejáteriasidoprovadacabalmenteainviabilidadedo socialismo em substituição ao capitalismo. O socialismo seria umapáginavirada.Seriaociosaeanacrônicaadiscussãosobremo-delos de renovação social radical. Nessas circunstâncias, avalia-se que seja uma audácia propor, no mundo de hoje, o debate sobre a China, do específico ponto de vista da questão da preservação ou não do socialismo. Nesses tempos difíceis, é preciso voltar a dizer que a liberdade de pesquisa, a abertura para o debate e a exposição dasdivergências,considerandooexamerealistaeoreconhecimen-to das contradições e evolução econômica e social do capitalismo, são fatores indispensáveis para o avanço do conhecimento. Se essa perspectivaepistemológicaénegada,mergulha-se,então,nodog-matismo,estagnaçãoteórica,preconceitos,vulgarizaçãocientífica,pensamento único pró-capital.

Portanto, tratando-se da China, seria impossível renunciar àdiscussãodo socialismo.É inaceitável qualquer tipode subes-timação do debate sobre a questão do socialismo chinês. O pano de fundo das reformas chinesas, chamadas por Deng Xiaopingde modernização socialista, consiste no exame das contradições e

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fracasso do socialismo na China, como projeto e como experiên-cia, em associação com as visões sobre o mercado.

Como se sabe, não há, nem nunca houve, mercado sem Estado nocapitalismo.Arigor,oconceitode intervençãodoEstadonaeconomia não faz muito sentido. O Estado e as lutas sociais já são parteintegrantedofuncionamentodaeconomia,sempre.Ocapi-tal tem suas leis de movimento, tem sua dinâmica própria de acu-mulação, lucro, competição e crises, tem sua determinação sobre ocaráterdasociedade.Masnãoháordemnatural.Étudosocialehistórico.Éclaroque,naeconomia,aformainstitucionaleafor-çadaregulaçãodoEstadosãocruciais,mudammuitoeajudamaconfigurarosdistintosmomentoshistóricos.Nessesentido,opro-cesso de modernização chinês retoma e atualiza os debates sobre planoemercadocomoprincípiosderegulaçãodaeconomia.Emvezdaintegralalocaçãoadministrativaderecursos,nosentidodasdecisões centralizadas no Estado, avança, passo a passo, a alocação mercantil dos mesmos.

Além da instrumentação da relação entre Estado e mercado, na China contemplam-se os extraordinários feitos da bem-sucedida modernização econômica em curso. Assim, na trajetória chinesa contemporânea, as reformas pretendem, aparentemente, combinar socialismoenacional-desenvolvimentismo,cujaslógicastêmnatu-rezasdistintas,comvariadasconfiguraçõesdeinteressessociais,erepresentam formasorganizacionaisda sociedade comdiferentesníveisdecomplexidadeeabrangência.Onacional-desenvolvimen-tismo foi um modelo da periferia capitalista, no período de 1930 ou 1950 até 1980, que almejou o desenvolvimento econômico e social em rivalidade com o capitalismo periférico dependente, que se vin-culavaaoimperialismonorte-americanoeaosinteressesoligárqui-cosnativosemcadapaís.Éclaroqueaindahojeograndecapital,a partir das suas matrizes nos Estados Unidos e Europa Ocidental, opõe-se ao projeto do nacional-desenvolvimentismo. No contexto

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histórico contemporâneo, desde a década de 1980 e no curso do sé-culoXXI,ograndecapitalforçasualiberdadeglobaldemovimentoeacumulaçãoerivalizacomaregulaçãodepoderososestadosna-cionais, como é o caso da China.

No clima político de liberalismo mundial, a partir dos anos 1980, surgiramposiçõesextremadasemdefesadomercado.Pretende-seque, nas novas condições do mundo, bastaria contemplar o dia a dia daadministraçãoeconômica,regidapeloespontaneísmomercantil,e colher seus resultados naturais e inelutáveis. Propaga-se umacompreensão simplista e equívoca de que a instituição mercantil, como condutora da economia, comprovou-se como inarredável eabsoluta,semmediações.Omercado–imaginárioeimaginado– é apresentado como a chave pura, perfeita e exclusiva para a alocação de recursos, eficiência, incentivos, progresso técnico esatisfação da soberania e preferências dos consumidores. Essa visão bloqueia questionamentos sobre a irracionalidade da finalidade do lucro, com subordinação do atendimento das necessidades sociais. A atual exaltação da ideologia domercado e do capitalamplia a subestimação ounegaçãododesperdício de recursos edosperigosambientais,doconsumismo,dasdesigualdadessociaisedaexploraçãodaforçadetrabalho,daoligarquianasestruturasde poder nos estados e nas empresas, da volta dos preconceitos e conflitosraciais,étnicos,religiososetc.

Diante disso tudo, cabe se conformar com uma visão de mundo apologéticadocapitalismo,comumainterpretaçãodesimplicida-de e de estado estacionário e de quietude do mundo, sem conflito entreclasses,interesses,aspirações?EcomosesituaaChinanessecontexto?Oqueé,essencialmente,atransformaçãochinesahoje?O que se passa ali, como se desdobram seus processos políticos e econômicos?Quaisassuasimplicaçõeseperspectivas,nessecon-textomundial de capitalismodemãosdesembaraçadas?EmqueaChinacontestaouconfirmaosmovimentoshegemônicos,nas

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suasatuais formas,nomundo?Oquesignificacapitalismoeso-cialismoparaaChinahoje?Oprazodecorridodequatrodécadasde reformas na China já oferece amplas possibilidades, evidências, paraainvestigaçãosobreanatureza,astendênciaseasimplicaçõesdesse importantíssimo processo de mudanças.

AsreformasnaChinae,sobretudo,seuprolongadoeaceleradocrescimento econômico, atraem cada vez mais a atenção do mun-do, inclusive, obviamente, do Brasil.1 “A irrupção da China como potência econômica e política é fator de primeira ordem na con-figuração das relações sistêmicasmundiais”. (CHESNAIS, 2005,p.21)EsseautorchegaaafirmarqueaChina,juntamentecomosEstados Unidos, conforme seus interesses, impôs novas condições econômicas mundiais, que devem ser observadas pela maioria dos países.RobertSkidelsky(2006,p.22)exaltavaagrandiosidadedofenômenoeconômicochinês:

A ascensão da China se transformou no principal tó-pico de discussão sobre o futuro do planeta. O século XXIseráoséculodaChina?Oavançochinêsocorre-rádemodopacíficoouviolento?AChinajáfaziapormereceressaatençãoháalgumtempo.Nosúltimos25 anos, a economia do país cresceu mais de 9% ao ano,tornando-seoitovezesmaior.Masnãoésóessaenorme cifra que impressiona e assusta. É o tama-nhodeumaeconomiaemcrescimento.A economia

1 Esse interesse, despertado pelo processo econômico chinês, além de sua emergênciacomopolodepoderregionaleinternacional,ficoupatenteado,entre nós, no Brasil, por exemplo, pela missão brasileira à China, encabeçada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com um recorde de comitiva, que contou commais de 400 empresários, sete governadores, cincoministros,parlamentares e representantes diplomáticos, em maio de 2004.

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chinesa,emtermosdepoderdecompra,chegaadoisterços do tamanho da americana.

QuasetudoquesedizdasreformasdaChinarefere-se,sobre-tudo, (i) à admiração mundial diante de seu extraordinário cres-cimento econômico, (ii) à natureza de sua política econômica em contraste com o neoliberalismo, ou (iii) ao papel da China como protagonistapolíticomundial,inclusivecomocontençãopotencialdadominaçãounilateraldosEstadosUnidos, globalmente.Tudoissoémuitíssimoimportante.Reconheça-sequeaapreciaçãosobrea “política econômica” do Estado chinês, o denominado Consenso dePequim,emcontrasteaoConsensodeWashington,éumtemaque, com justiça, suscita muita atenção no mundo às voltas com astragédiasdoneoliberalismo.Aquestãodapositivacontribuiçãochinesa para a construção sistêmica do multilateralismo nas rela-çõesinternacionais,hoje,tambémdeveserreconhecida,porque:i)a China é um Estado que poderá ajudar, mundialmente, na busca da paz e de melhores condições para a luta pelo desenvolvimento econômicoeoprogressosocial,aofavorecerainterdiçãodounila-teralismoedobelicismodosEstadosUnidos;eii)aChinajáéumdosprincipaisprotagonistasdoséculoXXIemtodasasdimensõesdo sistema mundial.

Contudo, não obstante a relevância desses temas, o livro que ora se apresenta tem como foco uma questão de fundo, no que diz respeitoàChina:asreformasdoEstadoedaeconomiareferentesà negação do socialismo e à expansão da dominação do capital.Nessa perspectiva, é preciso não se limitar, por exemplo, à variação espetacular do Produto Interno Bruto (PIB), mas debater a questão sistêmica acerca do capitalismo e do socialismo na China hoje. Incorrer-se-ia em uma manifestação de pensamento metafísico, uma avaliação do crescimento econômico chinês, ou de sua política econômica, isoladamente, em si mesmos, em separação e

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descolamento do seu passado revolucionário e da disputa entre socialismo e capitalismo na sociedade chinesa.

No estudo sobre as transformações atuais na China é preciso ter como ponto de partida a experiência do socialismo real, com suascontradiçõeseimpasses.MaoZedong(2003c,p.83),oprincipaldirigenteda revolução chinesa, sempre repetia, insistentemente:“Só o socialismo pode salvar a China”. Nesse sentido, há que se ter em conta que a China hoje, através das autoridades do Estado, se proclama como um país de socialismo de mercado.2 Esse mesmo Estado adota reformas que repõem o debate sobre a natureza do sistemasocialnopaís.Háumprocessomaisgeraldeestruturaçãoda pluralidade de capitais chineses e estrangeiros dentro daeconomia chinesa. Além da superfície do mercado e do fenômeno do crescimento econômico, é preciso compreender a essência e a profundidade do enraizamento crescente de todas as extensas e múltiplas determinações características da dominação do capital, com o recrudescimento da divisão da sociedade em classes sociais.

Acomplexidadedas transformaçõesnaChinaexigea inves-tigação com visão de totalidade e flexibilidade interdisciplinar,

2 Este presente estudo tem como foco a experiência da China e não adentra o chamadosocialismodemercadodaHungriaedaPolônia,nasdécadasde1970e 1980 com características muito distintas (por exemplo, forte restrição à ex-ploraçãodetrabalhoassalariadoalheio)doatualcursochinês.(FERNANDES,2000,p.46)Apesardaimportânciadascitadasexperiênciaseaindadastenta-tivasdereformasnaURSS,comoprogramadeKossiguinnosanos1960,ouaperestroika,comMikhailGorbachev,esclareça-sequeoobjetodesteestudofoi delimitado e circunscrito às experiências da própria China. No caso da apreciaçãodaNovaPolíticaEconômica(NEP)naURSS,paraoestudocom-parado, cabe observar os contextos muito distintos, no debate sobre as con-tribuições fundamentais e profundas na teoria sobre a transição socialista e os problemas do plano, mercado, desenvolvimento econômico, propriedade, Estado, democracia, economia mundial e revolução mundial.

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articulando os aspectos históricos, políticos, econômicos e sociais na explicação das políticas e das formas das mudanças institucio-naisegestoriaisdoEstadoedaeconomiachinesa.

Ralph Miliband advertia que os “marxistas e socialistas emgeralsempretenderamasubestimarosproblemasdecorrentesdaorganização e da administração de uma sociedade pós-capitalis-ta”.(2000,p.101)Lêninpercebeu,amargamente,depois,oerroemsimplificar a administração da economia socialista. Essa simplifi-caçãoapareceu,navésperadaRevoluçãodeOutubro,emseulivroO Estado e a Revolução,nosseguintestermos,

[...] a imensa maioria das funções do velho ‘poder de Estado’ simplificou-se de tal maneira, e pode ser reduzidaaoperaçõesderegistro,inscrição,controletão simples, que essas funções estão completamente aoalcancedequalquerpessoaalfabetizada”.(LÊNIN,1980b, p. 251)

Organizaremosagrandeproduçãopartindodoquejá foi criado pelo capitalismo, [...] reduziremos o pa-pel dos funcionários públicos à simples execução de nossas instruções, como ‘chefes de seção e con-tadores’comobrigaçãodeprestarcontas,emcargosrevogáveis e modestamente pagos (naturalmentecomtécnicosdetodososgêneroseníveis).(LÊNIN,1980b, p. 255)

O modelo da Comuna de Paris explicitava a democracia direta, cargosrevogáveis,ínfimadiferençasalarial,unificaçãonomesmocorpoestataldastarefasexecutivaselegislativas.Arupturacomaburocracia no poder e a criação de um novo Estado, sob controle dos trabalhadores, seriam, na prática, no entanto, um desafio e uma empreitada de extrema complexidade. Mostrou-se muitomaisdifícil,naprática,aprevisãoacercadaextinção,gradual,do

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“governosobreaspessoas”,restandoapenasaadministraçãodascoisas, da produção.

NocasodaChina,YichingWu(2005,p.62)defendeque

[...] uma dupla crítica coerente – uma crítica tanto do capital quanto do Estado, tanto da acumulação econô-mica quanto do poder burocrático, e uma compreen-são ampla das suas conexões estruturais e históricas – é uma tarefa imperiosa e possível.

Nessalinha,então:quaissãoasprincipaisrelaçõesentreare-formadoEstadoeadominaçãodocapitalnaChinapós-1978?Oque mudou? Por quê? Como? Quais implicações? “Mais de umquarto de século depois que a China se lançou no caminho do mercado,éhoradeumaavaliaçãorigorosaedefazeralgumasper-guntascruciais”,jáenfatizavaYichingWu,em2005.

Portanto,ocasochinêspodeserenfocadosegundodoiseixos:o Estado – no que diz respeito à sua reforma econômica, ao recuo de um tipo socializante da planificação (na suposta e explícita for-ma da tentativa de construção socialista), à mudança do tipo de regulaçãoestatalnaeconomia,aodeclíniorelativodosetorpro-dutivo estatal, à evolução das suas relações internacionais; e adominação do capital – examinando as novas relações sociais de produção,geradasapartir:daliberdadeepoderdecisórioempre-sarial;doavançodasvariadasformasdeprivatização,emseupesoerelevâncianaestruturaprodutivaenodesempenhoeconômico;dasmudançasnomercadodetrabalho,nagestãoedisciplinadaforçadetrabalho;daexploraçãodostrabalhadoreseaumentodasdesigualdadessociaiseregionais;edahegemoniadaideologiabur-guesanasociedade.

A ideologia, a teoria e ométodo combinam-se significativa-mente nas apreciações sobre as transformações de fundo por que

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passaaChina.CarlosMedeiros(1999,p.92)reconheceque:“Comonão poderia deixar de ser, o debate sobre a China é realizado com altasdosesdeideologia”.Ressalve-seque,adespeitodaalegaçãogeral comum, da concordância, entre alguns autores marxistas,sobreajustezadoempregodoinstrumentaldomaterialismohis-tórico para o estudo da China, constatam-se apreciações muito divergentes.Porexemplo,MartinHart-LandsbergePaulBurkett(2004)apontamarestauraçãocapitalistanaChina.MasDomenicoLosurdo(2004,p.194)assevera,categoricamente,anaturezasocia-listadatransiçãochinesaatual,edivergeradicalmentedoscríticosdeesquerda:

Para estimular a malevolência, a esquerda, em rela-çãoàRepúblicaPopulardaChina,contribuicomatese,largamentedifundida,segundoaqualnaquelepaís já se teria verificado uma completa restauração do capitalismo.

Para compreender a China contemporânea, não se pode per-der de vista a comparação entre o período maoísta e a fase das re-formas pós-1978. Nesse sentido, é a própria China – sua história, economia, sociedade e instituições – que constitui o material de contraste e esclarecimento entre dois períodos históricos diferen-tes,mas intimamente relacionados. SheyingChen (2002, p. 199)consideraque:“Osproblemaspolíticos,econômicosesociaisdaChina, portanto, precisam ser estudados nos termos de suas duas principais fases de desenvolvimento, isto é, antes e depois de 1978”.

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CAPÍTULO I

A reorientação política

A construção do novo discurso do PCC Pós-Mao

Operíodoprecedente, aqui denominadoEraMao, teria que sersubmetido a uma interpretação conclusiva, no Partido Comunista Chinês(PCC),apartirdasegundametadedosanos1970,apósamorteemsetembrode1976doseu,atéentão,indiscutidoprincipaldirigente,MaoZedong.3EssebalançodoperíodoMaoassociou-se às ideias subjacentes às reformas que reorientaram o Estado chinês, a partir de fins da década de 1970. A consolidação do novo poder político, as transformações econômicas, as reviravoltas diplomáticas,oGrandeSaltoàFrenteeaRevoluçãoCultural(RC)

3 Na grafiadosnomes chineses, observou-seo sistemaortográficooficial ro-manizado pinyin,mantendo-se,comoessesistemafaculta,algumasexceções.Assim, empregamos a ortografia conhecida anteriormente paraCantão, em vez de Guangzhou, Chiang Kai-chek,emlugardeJiang Jieshi, Sun Iat-sen e não Sun Zongshan e Pequim, em vez de Beijing.EscrevemosMaoZedong,conformeosistema pinyin,masmantivemosagrafiaoriginalcomoMaoTsé-tungouMaoTsetungdeacordocomalgunscasosdereferênciasbibliográficasoucitações.

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foram acontecimentos de extrema importância, condensados em umperíododetempomuitocurto,aEraMao.Forameventosqueabalaramosalicercesdasociedadechinesa,gerandocontrovérsiase rivalidades sobre o futuro do regime, com choques abertos,envolvendo as massas e os líderes do Estado e do Partido Comunista Chinês.EssaavaliaçãodaEraMaopropriamenteditavinculou-seà necessidade de interpretação do momento vivido pela China, no final dos anos 1970, e à proposição dos novos caminhos.

NanovafasedaChina,destacou-seopapelpolíticodeDengXiaoping.Elecomandouasmudançastantonaavaliaçãodomao-ísmoquantonareorientaçãodaeconomia.Dengocupouopostodesecretário-geraldoPCCefoidestituídodeseuscargosem1966,naRevoluçãoCultural,mas foimantidonopartido.Nãohouveexpurgo e, emabril de 1973,Maopropôs a convocaçãodeDengpara o primeiro plano político com sua nomeação para o Bureau PolíticodoComitêCentraldoPCC.Emoutubrode1974,Maode-fendeuanomeaçãodeDengparaocargodevice-primeiro-minis-trodoConselhodeEstado.Emdezembrode 1974,MaotambémindicouonomedeDengparaacumular,alémdopostodevicepri-meiro-ministro,oscargosdevice-presidentedaComissãoMilitaredeChefedoEstadoMaiordoExércitoPopulardeLibertação.Em novembro de 1975, em razão de atritos com o chamado “bando dosquatro”,principaisdirigentesdaRevoluçãoCultural,Dengfoiafastadodealgumasresponsabilidades.Em1976,houveuma“cam-panhadecríticaaDengXiaopingecontra-ataqueaoventodirei-tista”.Aindaemabrilde1976,Dengvoltouaserdemitidodetodososseuscargos,sobaacusaçãodequeteriaorganizadoasmanifes-taçõespopularesdeapoio,aparentemente,ao legadodo falecidoprimeiro-ministroZhuEnlai,emabril,quandoocorremtradicio-nalmentehomenagensaosmortos,para,naverdade,desferirumataqueaMaoeàRevoluçãoCultural.DengXiaoping,quesempreteve forte apoio entre os quadros veteranos e no exército, retomou

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suasatividadesdirigentesem1977,e,apartirde1978,tornou-se,naprática, oprincipaldirigente chinês,habilitadopara conduzir asreformas econômicas.

Na experiência do socialismo real, não obstante a localização das disputas entre os dirigentes na superfície da vida política,observa-se que, além das posições pessoais, a exemplo do irracional cultodapersonalidadedeMao,taisdisputasrelacionam-secomoprocessoeoconteúdodedecisõesestratégicassobreoproblemada construção socialista. Nesse sentido ampliado, essas disputas nacúpulapartidáriapodiamserenxergadascomoreflexosdeumanova forma de luta de classes. Nesse contexto, prevaleceu, em geral, o atentadocontra ademocracia socialista.NaURSS, comStálin,houveexpurgos,prisões,desaparecimentosefuzilamentos,inclusiveatingindodestacadosehistóricos líderesbolcheviques,enquanto na China, a despeito das arbitrariedades, a luta na cúpuladoPCCvazavaparaoexteriordas instânciasdirigentes,envolvendo diretamente as massas, através das campanhas políticas, oqueocorreu explosivamentenaRevoluçãoCultural.Em geral, os dirigentes eram afastados das funções, perdiam oscargos, emborapermanecessemnas fileirasdoPartido,demodoque os veteranos líderes puderam reassumir suas posições no Partido e no Estado, ainda na primeira metade dos anos 1970, com o apoiodeMao.No casodas expulsõesdopartido,destaca-se adeLiuShaoqi,ex-presidentedaRepúblicaPopulardaChina,porresoluçãodaPlenáriadoComitêCentral,emoutubrode1968.

Viragem interpretativa

OquetinhaadizeroPCCpós-Mao?Efetivamente,amaioriadoPCC,soba liderançadeDengXiaoping,assumiuumanovafor-madeexaminarosproblemaschineses.Essanovavisãohegemô-nica foi discutida, formulada e oficializada no discurso do PCC,

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sobretudo entre 1978 e os primeiros anos da década seguinte.Destacou-se uma condenação da atividade política de Mao emseus últimos 20 anos de vida.

No discurso oficial,4 a RevoluçãoCultural aparece especial-mente como a prova absoluta do desastre maoísta, levando a Chinaaexigirnovosediferentescaminhos.OpróprioMaojulgouaRevoluçãoCulturalcomomajoritariamenteacertadaevitoriosanalutadeclassecontraosassimchamados“seguidoresdocami-nho capitalista”, mas apontou seus dois principais erros nas políti-casde“derrubartudo”e“guerracivil”.AdireçãodoPCCpós-Maoconsolidou a sua interpretação do período contemporâneo da po-lítica chinesa, através do livro Breve História do Partido Comunista da

China, com primeira edição em 1994. Nessa obra, consta um capí-tulo intitulado “Os dez anos de caos interno durante a ‘revolução cultural”.Adespeitodasressalvasecautelas,otomgeraldenotaumacertavingançacontraMao.Comemora-sequea“bancarrotadateoriaedapráticada ‘revoluçãocultural’”teria levado“MaoZedongamergulhareminsondáveldoredesilusão”.(OFICINA,1994, p. 781) Nessa Breve História,afirma-se:5

4 Sobrea influência ideológicadodiscurso,cabeconsideraroseguinte:“Aspalavras ou vocábulos que usamos para nomear as coisas ou os fatos e acon-tecimentosnãosãoinocentes.Buscamdarsentidoousignificarestascoisas,estes fatos ou acontecimentos em consonância com interesses vinculados a determinadosgrupos,classesoufraçõesdeclasse.Mesmoosconceitosresul-tantes de um processo de elaboração sistemática e crítica ou científica não são, como querem os positivistas ou as visões metafísicas da realidade, imu-nesaosinteressesemjogonasdiferentesaçõeseatividadesqueossereshu-manosefetivamnaproduçãodesuaexistência”.(FRIGOTTO;CIAVATTA,2003,p.46)

5 A partir deste ponto do texto, a Breve História do Partido Comunista da China é abreviada,nagrafia,paraBreve História.

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Aassimchamada‘granderevolução’foiiniciadaedi-rigidaporMaoZedong.Aoiniciá-la,esteteveainten-ção de prevenir a restauração do capitalismo, manter a pureza do Partido e explorar um caminho socialista próprio da China. Nessa altura, no entanto, tinham evoluídoatéumgraudesumagravidadesuaerrôneacompreensão da luta de classes na etapa do socialis-mo e sua equivocada avaliação da situação política do Partido e do Estado. (OFICINA, 1994, p. 728)

[Mao] [c]onsiderava [...] que somente fazendo usode uma forma como a ‘revolução cultural’, destina-da a mobilizar as amplas massas de maneira aberta, completa e de baixo para cima, seria possível pôr a descoberto cabalmente o sombrio aspecto na vida do Partido e do Estado e recuperar o poder usurpado pelos‘dirigentesseguidoresdocaminhocapitalista’,tal como ele os denominava. (OFICINA, 1994, p. 729)

[...] se produziu uma onda louca e anárquica orienta-daa“derrubartudo”esedeulugaraumgrandecaosinterno em escala nacional, fazendo com que o traba-lho do Partido e do Estado e a ordem pública normal sofressem enormes prejuízos, e a empresa socialista de nosso país experimentasse os reveses e as perdas maisgravesdesdeafundaçãodaRepúblicaPopular.(OFICINA, 1994, p. 729)

NaRevoluçãoCultural,ateoria,apolíticaeosmétodosdeMaoZedong teriam sido “completamente equivocados”. (OFICINA,1994,p.729)MuitasideiasdeMaosobreosocialismoseriam“utó-picas,desligadasdarealidade”. (OFICINA, 1994,p.747)Ele teriabuscado “uma espécie de ideal socialista perfeito”. (OFICINA, 1994) Na Breve História, contesta-se o teor de um escrito sintético deMao, a Instrução de 7 de maio (de 1966).Nessa Instrução,Mao,

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segundoaBreve História (OFICINA,1994,p.746-747),teriaexigidoquetodasasprofissõesfossemadministradasemorganizaçõesso-ciais,congregando,simultaneamente,indústria,agricultura,cultu-raepreparaçãomilitar,comoobjetivodeserestringir,gradativa-mente, a divisão social do trabalho e a produção mercantil. Com basenessas“organizaçõessociais’”autossuficientesousemiautos-suficientes economicamente, deveria ser promovida uma restrição paulatina do princípio de distribuição “a cada um segundo seutrabalho”, limitando o apelo do interesse material individualista. Na mencionada narrativa da Breve História, assinala-se que, nessa Instrução,Mao“consideravaque,semtaisrestrições,seengendra-ria o capitalismo”.

Na Breve História identifica-seapropostadeorganizaçõesso-ciais com a concepção das comunas populares de 1958. Assim, no referidolivro(OFICINA,1994,p.747),oPCCpós-Maosentencia:

[E]ste tipo de concepção de socialismo, de tintura ilu-sória e caracterizada pelo igualitarismo, era absoluta-mente impraticável e não pôde deixar de ser boicotada emdiferentesgrauspormuitoscamaradasdoPartido.(grifodoautor)

Na Breve História, relembra-se que os fundadores do marxismo, referindo-seaMarxeEngels,tinhamapontadoapenasosgrandestraços da sociedade socialista, partindo da realidade de países rela-tivamente desenvolvidos. A interpretação errônea dessas observa-ções dos clássicos teria levado a ilusões. No caso da China,

[d]esde muito tempo atrás, uma série de pontos de vistateóricos‘esquerdistas’deMaoZedongsobrealuta de classes na etapa socialista e certas concepções sobreosocialismotingidasdeutopismotinhamsidotomadosedivulgadosamplamentecomoimportante

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desenvolvimento da teoria marxista, o que conduziu as pessoas a afundar-se cada dia mais no extravio do exagerodalutadeclasses.(OFICINA,1994,p.748)

No terreno da economia, desde o início da planificação, os anosde1967e1968teriamsidoosúnicosmomentosdahistóriadoEstado da China Popular em que não foram implementados planos econômicos,emrazãodocaossocialprovocadopela“RevoluçãoCultural”. (OFICINA, 1994, p. 782-783) Em vez de irracionais, como se julgavanoperíododaRevoluçãoCultural,os regulamentosenormas, na esfera da administração das empresas, são considera-dos, hoje, no período das reformas, como eficazes e provados, ou seja, “princípios e políticas específicos mais ou menos perfeitos”. (OFICINA, 1994, p. 783) Afirma-se, hoje, que a administração em-presarial tinha entrado em colapso, quando, no passado, foram rejeitados como trivialidades burguesas os critérios de gestão, aexemplo do sistema de responsabilidade dos diretores, dos indica-doresdelucroedoprincípio“acadaumsegundooseutrabalho”.(OFICINA, 1994) Há quem discorde disso. A administração das unidadesdeprodução,noperíododaRevoluçãoCultural,contou,por exemplo, com a aprovação e otimismo de Charles Bettelheim. Esse economista marxista francês exaltou o impacto positivo da Revolução Cultural sobre a participação dos trabalhadores nasmudançastantonagestãoquantonoprocessodetrabalhonoin-terior das empresas.

O novo discurso do PCC recorreu à ferramenta das estatísticas (OFICINA, 1994)que,nocasodoagitadoperíododaRevoluçãoCultural,sãosempreobjetodemuitacontrovérsia:ovalorglobaldaproduçãoindustrialeagrícolateriarecuado9,6%em1967,emrelaçãoaoanoanterior;essemesmoíndiceteriadiminuído4,2%em1968,emcomparaçãoa1967.Entretanto,osdirigenteschineses,pós-Mao,sãoforçadosareconhecerqueovalorglobaldaprodução

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industrial e agrícola cresceu– inimagináveis – 23,8% já em 1969,comparadoaoanoprecedente,apósrefreadasalgumasinvestidasdaRevoluçãoCulturaleretomado,emparte,ocontrolegoverna-mental sobre a economia. Aqui, novamente, seria necessário ob-servarquesetratadeumíndicedecrescimentomuitoexagerado,discutível, mesmo considerando a suposta fraca base de compara-ção estatística da produção do ano anterior.

Nos anos de 1970 e 1971, a economia continuou obtendo ele-vadíssimos índices de crescimento.Mas denunciou-se, naBreve

História,queoIVPlanoQuinquenal,aprovadoemmarçode1970,teriaexageradonaavaliaçãodeameaçadeinvasãomilitar,adotan-do-seumprogramademassivadescentralizaçãodaadministraçãodasempresasparaosgovernoslocais;imensaconstruçãodeuni-dades econômicas voltadas para sistemas econômicos razoavel-menteindependentesemdiversasregiõesdopaís;eaceleraçãodaprodução industrial militar. Lançou-se, conforme o novo discurso, aacusação:umdesviode“esquerda”teriaempurrado,em1970,aChina novamente para mais um assim chamado “avanço temerá-rio”. Tentou-se, na Breve História,demonstraraacusação:oresul-tadodoavanço temerário teria sidoumademandaexageradadeforça de trabalho (operários e funcionários), elevação exageradada massa salarial, sobreaquecimento das vendas de cereais. Aqui, nesse caso, a nova narrativa do PCC sequer mencionou, como res-salvas, os propósitos econômico-sociais como a redução das desi-gualdadesregionaismarcantesnaChina,ouademocratizaçãodagestãoeconômica,comatransferênciadefunçõesparaosgover-noslocais.Ignoraram-se,nareinterpretaçãohistórica,aspossibili-dadesdenovasrelaçõesentreindústriaeagriculturanasdiversaspequenasunidadesdeprodução.Menosprezou-seaaproximaçãoentre o trabalho de direção e de execução na atividade produtiva.

Na forma dessa narrativa da Breve História, os feitos econômi-cosquandosãoreconhecidos,nocursodaRevoluçãoCultural,têm

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umaapreciaçãocuriosa.Sãocitadosalgunsexemplosdeconstruçãodeinfraestruturaeinstalaçãoindustrialnoperíodo:conclusãodasferroviasdeChengdu-Kunmingem1970,deZhuzhou-Guiyangem1972,deXiangfan-Chongquingem1973,lançamentodosatélitear-tificialem1970,grandesunidadesdeexploraçãodepetróleocomoocampopetrolíferodeDaquing,plantas industriaisdefertilizan-tes químicos, de produtos químicos e petroquímicos. (OFICINA, 1994, p. 787-788) Todavia, esses êxitos obtidos em nada foram con-tribuiçõesdaRevoluçãoCultural.Sãoapresentadascomovitóriasalcançadas em razão, sobretudo, das medidas de reajuste, a partir de 1972-3, com a contenção do chamado avanço temerário. São apon-tadas como vitórias do retorno à planificação unificada, disci plina, relaçõesproporcionaisentreagriculturaeindústriaecortesnain-dústriamilitar. É estranha essa lógica quedesprende e separa osêxitoseconômicosdarelaçãocomoprocessoglobaldaRevoluçãoCultural.Oqueé“bom”nãotemnadaavercomaRCeoqueé“ruim”temaverapenascomaRC.Porumlado,cabereconhecer,éverdade, que os defeitos sérios na vida econômica e social da China estiveram,obviamente,articuladoscomagravetensãopolíticadoperíodo. Todavia, por outro lado, os êxitos econômicos tiveram a vercomamobilizaçãodosquadrosedasmassassegundoaslinhas,programasecontextodaRevoluçãoCultural,semdiminuirascon-tribuiçõespolíticaseadministrativasdogovernolideradopelopri-meiro-ministroZhouEnlai.

Viragem no núcleo do poder político

Na busca de legitimidade para as reformas das últimas décadas,a liderança chinesa exagerou a avaliaçãoda importância dos re-sultados, sobretudo econômicos (normalização dos transportes, aumento da produção industrial), do chamado trabalho de reor-denamento,conduzidoporDengXiaopingàfrentedoConselho

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deEstado,noanode 1975, comesforçosparaa reorganizaçãodaeconomia e em favor da estabilidade e normalidade da ordem pú-blica. (OFICINA, 1994, p. 815-9) O prazo de um ano é muito breve paratantosfeitosalegados.Nãoéverdadequeotrabalhodereor-denamento teria sido uma espécie de ensaio para as ideias das fu-turasreformasdeDeng.Nesseanode1975,Dengnãoencaminhoumedidas, sequer experimentais, acerca do compartilhamento da regulaçãodaeconomiacomomercado,capitalestrangeiro,priva-tização,descoletivizaçãodaagriculturaetc.

O trabalho de reordenamento vinculou-se com o futuro papel deDeng,notocanteàsreformas,emrazãodecertalegitimidadetipi-camente política, alcançada por ele em decorrência direta do exercí-ciodopoder.Deng,nopoder,acumulouforçapolítica,legitimidadee mobilizou aliados. Nesse sentido, o ano de 1975 foi uma amostra da sua liderança na China. Isso se materializou tanto nas suas funções –naprática–deprincipalgovernante,tendooirrestritoapoiodoprimeiro-ministroZhouEnlai,bastanteenfermo,quantonas suasfunções de chefemilitar, estandoMao também adoentado e comsuaatividadereduzidanapresidênciadaComissãoMilitar,órgãodeimenso poder na estrutura do Estado chinês.

As explicações oferecidas pelo PCC para as disputas e mudan-çaspolíticasentre 1976e 1978sãomuito limitadas.6 Insiste-se na narrativadeepisódios,concentradosemtornodealgumasperso-nalidades. Há uma ênfase na denúncia do esquerdismo do cha-mado“bandodosquatro”:JiangQing,ZhangChunquiao,WangHongwen eYaoWenyuan.WangHongwen era vice-presidentedoPartidodesde 1973; ZhanChunqiao,membrodo comitêper-manente do bureau político e do Comitê Central do PCC, e Yao

6 As informações podem ser consultadas através da obra. (OFICINA, 1994, ca-pítulos 8 e 9)

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Wenyuane JiangQing,membrosdobureaupolíticodesde1969.ApósamortedeMao,emespetacularreviravoltapolítica,eles,osquatro, foram expulsos do PCC.

Na reunião [do Comitê Central de julho de 1977] decidiu-seexpulsardoPartido,para sempre,WangHongwen, Zhang Chunqiao, Jiang Quing e YaoWenyan,destituindo-osdetodososcargosquede-sempenhavam dentro e fora do Partido. (OFICINA, 1994, p. 835)

O“bandodosquatro"teriainstigadoofacciosismoeaanarquiadaRevoluçãoCultural.Apresenta-secomoobjetivodosquatroex--dirigentes,sobretudodeJiangQing,aambiçãopelopoder.Tudoteria sido motivado apenas para a finalidade da tomada do poder poresseagrupamento.Descreve-seoproblemadasucessão,comoseDengXiaopingtivessesidovítimadosesquerdistas,sendoprete-rido de sua suposta natural nomeação como novo primeiro-minis-troapósamortedeZhouEnlai,emfevereirode1976.Olugarna-turaldeDengteriasidousurpadocomadecisãodeMaodeproporHuaGuofengparaprimeirovice-presidentedoComitêCentraldoPCCeprimeiro-ministrodoConselhodeEstado,emabrilde1976.

Aprisãodochamado“bandodosquatro”,emoutubrode1976,significou,defato,aderrotadeumacorrentepolíticaeoencerra-mento daRevoluçãoCultural.Os veteranos dirigentes do PCC,tradicionalmente refratários àRevoluçãoCultural,mostraram-seuma força política hegemônicanonovo contexto dodesapareci-mentodeMaoZedong.Assim,comoocorrianaURSS,aquedadatendência esquerdista não decorreu de processos políticos demo-cráticos, com participação popular. Foi uma decorrência da inter-venção política e militar do Partido-Estado, a partir da maioria dos seusdirigentes,inclusiveHuaGuofeng,nochoqueentreascorren-tespolíticas,pelopoder,depoisdamortedeMao.Oexercíciodo

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podersignificavaocontroledoBureauPolíticodoComitêCentral,que era uma peça muito importante na disputa entre os líderes do PartidoComunistaChinês,sobretudonaausênciadeMao.

Cabe falar em golpe de Estado na China nesse momento?Charles Bettelheim afirma que aconteceu um verdadeiro golpede estado, em 6 de outubro de 1976, perpetrado pelas forças desegurança.O primeiroministro,HuaGuofeng, pronunciou umdiscurso no dia 18 de setembro de 1976, atacando os seguidoresdo caminho capitalista, apontando sua presença na cúpula diri-gentechinesa,oquepodeserinterpretadocomoumareferência,sobretudo,aDengXiaoping.Noentanto,imediatamente,emseisde outubro, Hua muda de posição, decreta a prisão do “bando dos quatro”,sendo,emseguida,agraciado,nanoitedoprópriodiaseis,pela decisão da reunião do bureau político do comitê central, que onomeavapresidentedoPCCepresidentedaComissãoMilitar.

Em1999,maisde20anosdepois,WingThyeWooreafirmou,inequivocamente,ocarátergolpistadamudançapolítica: “Apri-são do bando dos quatro foi um coup d’État. Ele foi feito pelo mare-chalYeJianiyng,omaisimportantelídernaChina”.(WING,1999,p. 27)DengXiaopingestavaafastadodopoderdesdeabrilde1976.SegundoaanálisedeWing,omarechalYeJianiyngtentavasepro-jetar,esvaziandoopoderdeHuGuofengecuidandodareabilita-çãodeDengeoutrosveteranosdirigentes.Depoisdo11ºCongressodoPCC,emagostode1977,onovoBureauPolíticoPermanentedoComitêCentraldoPCCfoicomposto,segundosuahierarquiafor-mal,porHuaGuofeng,YeJianiyng,DengXiaoping,LiXiannianeWangDongxing.LiXiannianfoiministrodaFazendanoperío-dode1957a1975eWangDongxingeraumveteranocomandantemilitar e participou da operação de prisão do “bando dos quatro". Comosevê,àexceçãodeHuaGuofeng,amaisalta instânciadopoder político da China já tinha sido rapidamente recomposta pe-losvelhosquadros,hámenosdeumanodamortedeMaoZedong.

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Fim da turbulência maoísta

Bettelheimavaliouque“nofimde1976,um‘novocurso’tomafor-ma, correspondendo à vitória de uma linha revisionista e da bur-guesia existente no interior do Partido”. (BETTELHEIM, 1979d,p. 171)Asportasdopoder foramabertasparaumaburguesiadeEstado.Eleafirmou:

Nestascondições,osavançossocialistasdaRevolu-ção Cultural são destruídos. Os comitês revolucio-nários de fábrica são suprimidos. A disciplina de novo imposta do alto pela direção das empresas e pelos engenheiros e técnicos.Os regulamentos au-toritários são restabelecidos nas fábricas. O mesmo ocorre quanto aos prêmios e os “estímulos mate-riais”.(BETTELHEIM,1979d,p.173)

Acontraofensivadesentidoburguês,emúltimainstância,de-corrente de um tipo especial de luta de classes em torno da natureza e da evolução das relações sociais de produção durante a transição socialista, foi considerada, naquela conjuntura, naquele momento, inevitável.(BETTELHEIM,1979d,174-176)Areaçãofoiprofunda,quebrando as relações sociais novas ainda em construção, além do afastamento de novos quadros políticos proletários. A insuficiên-cia democrática, inclusive a preservação dos velhos esquemas de relaçõespolíticaseideológicasnointeriordoPCC,eoserrosdossetores revolucionários forjaram, paulatinamente, a indiferença dasmassas,queassistirampassivamenteaogolpedeestado.Apar-tir daí, as massas se deixaram “influenciar pelo quadro falsamente pessimistatraçadodasituaçãoeconômica‘legada’pelaRevoluçãoCultural”, concluiu Bettelheim (1979d). Lançou-se sobre as massas o discurso da “modernização” e a promessa de “uma melhoria rá-pida, possível, de seu nível de vida”.

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OfatoéqueaRevoluçãoCulturalfracassou.EcomelafalhouaestratégiamaoístadeconstruçãodosocialismonaChina.Apre-venção da restauração capitalista só teria chance de se consumar com a própria vitória definitiva do socialismo. Todavia, essa era umatarefa,digamos,hercúlea,considerandoocontextoglobaldedificuldades diversas do socialismo real na realidade chinesa e no mundo.Esgotadoomaoísmo,aChinaestavaemumaencruzilhadasistêmica,englobandoosaspectossociais,econômicos,tecnológi-cos/produtivosegeopolíticos.Ofracassomaoístaforneceuargu-mento e abriu a possibilidade para um novo processo político em torno da modernização econômica, encaminhando-se para recuos sucessivos nas relações sociais de produção, do ponto de vista da classe trabalhadora.

A Revolução Cultural produziu choques, confrontos, quaseguerracivilparaproduzir...maischoques,confrontos,quaseguerracivil. Nem as massas rebeldes ofereciam um desenlace de norma-lidadecivil, estabilidadedemocrática,novopoder,novahegemo-nia, nem as velhas camadas dirigentes do Partido-Estado cediamsuas posições, inclusive concepções sobre os rumos da China. EnquantoMaoestavavivo,todosseapresentavamcomomaoístas,unsmaisdoqueoutros.Maoera,aomesmotempo,oárbitroeoprincipal operador da atividade política na China. Em vez do po-der democrático das massas, havia o culto da personalidade. Em vez da explicitação de concepções e projetos claros, havia apelos, sem substânciaprogramática,àlutadeclasses,àsmanifestaçõespúbli-cas em combinação com a tentativa de rápida transformação das forças produtivas e das relações sociais de produção.

Maodenunciavaa localizaçãodecorrentesconservadorasnointerior da cúpula do Partido-Estado, mas não propunha uma so-luçãoalternativadereorganizaçãodemocráticadasinstituiçõesdoregimepolítico,comaindicaçãodenovasformasconcretasparaopapel do Partido e do Estado, ultrapassando o problema do papel

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deumaououtrapersonalidadedirigente.ARevoluçãoCulturalarrastou-se por demasiado tempo, prejudicando a democracia po-lítica, exacerbando o papel do exército, subestimando o papel da intelectualidade, menosprezando a centralidade da contribuição científica e restringindo a atividade normal das universidades.A vida política transtornada e as modestas condições de vida do povogeravamdúvidassobreasescolhasestratégicaseconômicasetumultuavam a percepção sobre a construção do socialismo.

Naviragempolíticaemcurso,HuaGuofengdesembaraçou-seda“esquerda”etentouatrairoapoiodosveteranosdirigentesdoexército,partidoeestado,polarizados,emsuamaioria,porDengXiaoping.Entretanto,ele,recém-chegadoaopoderaindanospró-prios anos 1970, não compreendeu que a primazia na liderança já eradeDeng,umdosúltimossobreviventesdogrupodosmaisim-portantesdirigentescomunistasdesdeostemposdaLongaMarcha,comotítulodeimportantecomandantemilitarnaguerra.Deng,jánosanos1950,tinhasidosecretário-geraldoPCC.Elerepresentavauma corrente tradicionalmente enraizada na vida política chinesa. Hua não compreendeu a nova situação, na cúpula partidária, diante dopapeldeMaoZedong,sobretudoemfacedaRevoluçãoCulturaledosdesafiosdeestratégiaeconômica.Ele,Hua,tentavacapitali-zarasuaindicaçãoparaalgunsdosprincipaiscargos,pelopróprioMao.Agarrava-seaofatodetersidoo“sucessor”tacitamenteousupostamenteescolhidopeloGrandeTimoneiro.NoXICongressodoPCC,emjulhode1977,Dengeoutrosveteranosforamreabilita-dos, além da incorporação de novos quadros dessa mesma corrente, modificando sensivelmente a correlação de forças dentro da com-posiçãodoComitêCentraledoBureauPolítico.Aolongodosanosde1977e1978,acorrentedeDengassediouasposiçõesdepoder,aocontestar a preservação da linha partidária chamada de “duas to-das”,jáqueHuaGuofenginsistiaemmanter(i)“todasasdiretivas”e(ii)“todasasorientações”deMao.(POMAR,2003,p.102-104)

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Emabrilde1978,oprimeiro-ministroHuaGuofengconseguiulançarumgrandeplanodeaceleraçãodaconstruçãoeconômica,com rápida industrialização, grandes obras de infraestrutura emassivaimportaçãodetecnologia.Eracomosefosseumarecaídano“avançotemerário”.Dengpropunhaumreajustamentodaeco-nomia,“umaretiradaparcial,noestilodaGrandeMarcha”,einsis-tianaavaliaçãocríticadeMao.Acorrentemajoritária,lideradaporDeng,noComitêCentral,impôsarejeiçãodalinhapolíticadama-nutenção das “duas todas” maoístas, na famosa 3ª Sessão Plenária, emdezembrode1978,e,emabrilde1979,classificoucomograndefracassooplanoeconômicodeHuaGuofeng,planoesteapenasrecém-adotado. Apontaram os resultados de déficit orçamentário, déficit comercial, inflação etc. Decidiu-se por uma nova política para“reajustar,reformar,corrigiremelhorar”aeconomia.WingThyeWoo contrasta a tentativa de política econômica de Hua(WING,1999,p.28-9),cujoconteúdoeracaracterizadopormas-siva e acelerada industrialização, isolamento comercial e planifica-çãoestatal,comaspropostasdeDeng,quesebaseavamemincen-tivos materiais, busca de eficiência econômica e desenvolvimento com destaque ao comércio exterior.

AviragempolíticanãopoupouHuaGuofeng.Elefoiafasta-do de suas funções no início de 1980, mantendo-se com os títulos apenasnominalmente,enquantoZhaoZiyang,apoiadoporDeng,assumia, na prática, as tarefas de primeiro-ministro. O ato final dadeposição formaldeHuaGuofengdapresidênciadoPartidoedaComissãoMilitaraguardouapenasoritualdarealizaçãodoCongressodoPCC,emjunhode1981,ea8ªPlenáriado11ºComitêCentral. Deng passou de vice-presidente para presidente daComissãoMilitardoComitêCentraleindicouHuYaobangparaapresidênciadoPCC.Em1982,ocargodepresidentedoPCCfoiextinto,apagando-secriticamentea simbologiada fórmula“pre-sidente Mao”, recriando-se o posto de secretário-geral, que foi

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ocupadoporHuYaobang.Nareferida8ªPlenária,concluiu-se,nobalançodopapeldeMaoZedong,quesuascontribuiçõesteriamocorrido até 1957, como se tal separação cronológica exata fossepossível. Nesse balanço, foi claramente destacada a condenação àRevoluçãoCultural,apresentadacomoumdesviodeesquerdacujaresponsabilidadeprincipalrecaíasobreMao.

Os erros da turbulência política maoísta são magnificadospelo discurso oficial de condenação avassaladora da RevoluçãoCultural,sempreeatéhoje.MasessacríticaexacerbadacomeçaasofreralgunsabalosnaChina,apartirdaemergênciadocapitalis-moedeseusefeitosdeletérios.Assim,RobertWeilnoticiouque,paraalgunsacadêmicos,aRevoluçãoCulturalestácomeçandoaser“umtópicodediscussãoereexame”.(WEIL,2006,p.16)Issoéum fato importante jáqueDengXiaoping fez,no lançamentodasreformas,umagrandeconclamaçãoàparticipaçãodosacadê-micos e intelectuais na modernização chinesa, propondo “trocar o vermelho pelo especialista”. Weil lembrou, porém, que a maio-riadosacadêmicosavaliaaindamuitonegativamenteaRevoluçãoCultural. Uma inclinação positiva na interpretação dos movimen-tospolíticosmaoístasdosanos1960poderágerarreaçõesgoverna-mentais punitivas, e qualquer acadêmico, assim, teria sua carreira arruinada. A despeito disso, começa a haver uma nova atitude, so-bretudo,dealgunsjovenspesquisadores,quedescobremmateriaiseregistrosfundamentaisdaRevoluçãoCulturalefazementrevis-tas com participantes daquele processo político.

Internacionalmente, é claro, não há unanimidade contrária àsideiaseeventosdomaoísmo.Aimprensa,oscírculosgoverna-mentaiseaindústriadepropagandaanticomunistanoOcidente,inclusive algumas obras de cinema,7 continuam manipulando

7 VerofilmeBalzac e a costureirinha chinesa, baseado no livro de Dai Sijie.

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negativamente, sem trégua, a lembrançadaRevoluçãoCultural.OsGuardas Vermelhos são pintados com as tintas do ridículo,burlesco, grotesco. Entretanto, alguns setores intelectuais noOcidenteavaliamadenúnciacontraaRevoluçãoCulturalcomoparte de um esforço conservador para condenar os movimentos antissistêmicosdosanos1960.Assim,GuoJianregistraqueArifDirlikeMauriceMeisnercompreendemateoriadeMaosobreaRevoluçãoCulturalcomoamaisimportanteideologiarevolucio-náriacontemporânea.(GUO,1999,p.343-344)JáFredericJamesonaconsideracomoamaisricateoriadosanos1960.

Independentemente do conteúdo das controvérsias sobre a polí-tica maoísta, efetivamente, desde o final da década de 1970, na China, amáquinadaviragempolíticafoipostaemmovimento,atropelan-do os adversários e resultando em uma operação bem-sucedida. Umdeterminadofatopolítico,temposdepois,acentuouamagnitu-dedaviragemocorridanaChina,alémdecomprovaressamudançadosventospolíticosnonúcleodirigentedosistemaPartido-Estado:em 14 de novembro de 2002, o 16º CongressoNacional do PCCaprovou os novos Estatutos do Partido e modificou os critérios de filiaçãopartidária.NosnovosEstatutosdoPCC,emseuartigopri-meiro,8estabeleceu-seque:

8 Vale lembrar, a títulohistórico,queaorigemdonomebolchevique,entreos comunistas russos, deveu-se a uma divergência, em um congresso doPartidoOperárioSocialDemocrataRusso(POSDR),emquesurgiuumaala,dirigidaporLênin,eumaoutralideradaporMártov(menchevique),emquehouve uma divisão, entre outros motivos, exatamente pela redação do arti-goprimeirodosestatutosdoPartido,definindooscritériosdeadmissãodomilitante e suas condições de militância partidária. A maioria (bolchevique) optou pela definição do membro do partido que implicava na formação de umavanguardaderevolucionáriosprofissionais.Portanto,quaseumséculodepois,ochinêsJiangZemin,presidentedoPCC,atualizaorussoMártov.

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Qualquertrabalhador,camponês,militar,intelectualou qualquer pessoa progressista de outros estratossociais que seja maior de 18 anos e que aceite os esta-tutoseprogramadoPartidoedesejeunir-seeatuarativamente em uma das organizações partidárias,cumprindoasdecisõesdoPartidoepagandoascon-tribuições militantes, pode ser membro do Partido Comunista da China.

Portanto, as portas do PCC foram, dessa forma, abertas para o ingressodecapitalistas.Napreparaçãodessamudançanacompo-siçãopartidária,opresidenteJiangZemin,em1dejulhode2001,alegandoascaracterísticasdastransformaçõesemcursonaChina,propôs a admissão, no PCC, de chineses que estivessem à frente de empresasprivadascomoproprietáriosegerentes.

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CAPÍTULO II

A reorientação econômica

Estado e capital em novo curso

Emvezdesimplesmenteapontaroslimiteshistóricosdealgumasformas econômicas específicas e os impasses, a direção do PCC, sobaliderançadeDengXiaoping,adotouumanovalinhapolítica,voltadapara,globalmente,interditaradiscussãotantodaspossi-bilidadesdecorreçãodaestratégiaeconômicamaoísta,quantodaretomadadoprojetosocialista.Masasmudançaseconômicasne-cessárias não tinham como única e inevitável opção o caminho da acumu lação capitalista e restauração do mercado em combinação com um tipo de Estado desenvolvimentista.

As reformas chinesas não são uma versão contemporânea da Nova Política Econômica (NEP) de Lênin. Não tem cabimento a comparaçãoentreaChina,nofimdosanos1970,eaRússiadoiní-cio da década de 1920, com a NEP. Na China, a partir de 1979, não se tratava de recuperação e reconstrução do país e da economia depoisdeguerrasdevastadorascomoocorreunaRússia.Porém,DengpintouaRevoluçãoCulturalcomocaoseregressão,sobre-tudo na economia. Daí o apelo de racionalização, modernização,

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desenvolvimentodasforçasprodutivas.OGrandeSaltoàFrenteeaRevoluçãoCulturalforamepisódiosfortementecondenados.Foramapresentadoscomofasesprofundamenteregressivas,quaserivalizandocomosperíodosdesastrososdaocupaçãoestrangeiraoudogovernoditatorialecorruptodeChiangKai-chek.Seriamcomprovações indiscutíveis do caráter negativo, destrutivo, dapartederradeiradatrajetóriadeMao.Naverdade,semestamparessesdoisgrandesfracassos,herançamaldita,seriadifíciljustificaraguinadapolítica,econômicaesocialnaChina,apartirdasrefor-masdeDeng.

A solução dos problemas acumulados poderia abrir uma nova perspectiva socialista com reformas econômicas de descentralização das decisões e eficiência produtiva, inclusive a adoção de vínculos indispensáveis e regulados com o mercado mundial. Ou poderiaabrirumaviragemparaocapitalismo,àreveliadasverdadeirasinten-çõesdosnovosdirigentesdoPCC.Nalógicacapitalista,aestruturaindustrialmaoísta,comcertograudedispersão,significavasimples-mente duplicação de esforços, desperdício de recursos, ineficiência produtiva. Seria apontada como o exemplo típico da politização, prejudicando a eficiência da alocação dos recursos. Afora isso, em meados dos anos 1970, apresentaram-se concretamente as dificul-dades da industrialização extensiva, destacaram-se as carências tec-nológicas,chamouaatençãooritmofracodoconsumomédiofinalda população e tornou-se mais preocupante a relação entre o estado daeconomiaeascondiçõesdemográficas.Deve-sereconhecerque,efetivamente, no período maoísta, a pobreza persistia, amplamente, napopulação,emumquadrodeigualitarismodasdificuldadesma-teriais,denunciandooslimitesdasestratégiaseconômicasadotadasnaquelaépoca.Eraprecisomudar.Masmudarcomo?Paraonde?

Comosepercebe,ainterpretaçãonegativadodesempenhodaeconomianaestratégiamaoístacumpriu,econtinuacumprindo,seu papel. Foi um recurso de convencimento importante, embora

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hajaapreciaçõesdivergentes.ParaoeconomistaBettelheim(1979d,p.  176), por exemplo: “Umaanálise sériamostraqueo ‘balanço’econômico pessimista traçado dos anos 1966-1976 é um balançofalsificado”.

Samir Amin (2001, p. 60-63) apontou a exaustão das escolhaspossíveisdentrodomodelodeplanificaçãocentralizada.Atingiu-seo limite histórico da fase maoísta. Para Amin, o resultado era desper-dício de recursos, redução da eficácia dos investimentos, despropor-cionalidade entre os setores econômicos com excessiva participação daindústriapesada,baixoníveltecnológicoeisolamentoeconômicointernacional.Amin,contudo,defendeoconjuntodaestratégiaeco-nômicamaoísta:“andou-sesobreduaspernas”–indústriaeagricul-tura;prioridadeparaainiciativadasmassasnoprocessodetrabalho,industrialização;igualitarismosocial.Adespeitodisso,eleconcluiu:

No final dos anos 1970, o sistema de planificação centralizada e as escolhas que lhe eram associadas deviam ser profundamente reformados. Era preciso passaraumanovafasededesenvolvimento.(AMIN,2001,p.63)

MartinHart-LandsbergePaulBurkett(2004,p.29-30)reconhe-cem que na fase final do período maoísta a planificação tornou-se rigidamente centralizada, embora a economia tenha se tornadomaiscomplexa;haviaexcessivaconcentraçãonaindústriapesada;surgiramdificuldadesnostransportes;einsuficiênciaemáquali-dadedosbensdeconsumodapopulação.Aorganizaçãoindustrialjáapresentavaquedadaprodutividade,empregoredundante,salá-rioscongelados.Ostrabalhadoresecamponesesencontravam-sefrustrados e descontentes.

Portanto,haviaumabase realparaacontestaçãoàestratégiamaoísta. Nem tudo era retórica e falsidade na crítica levantada por

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DengXiaoping.Ademais, apesar da nova carga personalista emtornodeDeng,adespeitodoreconhecimentodoseupapelcentral,as reformas enquadram-se na conjuntura de disputas no sistema Partido/Estado e nos conflitos na sociedade chinesa. Assim, não é ofatorpessoal,simplesmente,representadoporDeng,queexplicaa reviravolta chinesa. Elementos factuais emprestavam veracidade àsdenúncias,aexemplodasgrandesdificuldadesnasuniversida-des,noaugedaRevoluçãoCultural.Problemaseconômicosreaisexigiam solução, cobravam mudança. Evidentemente, houve opesodasconvicçõesedasintervençõesdeDeng.Elefoioprinci-pallíderque,concretamente,esteveàfrentedacríticaaMao.Eleconduziuasdecisõesdedezembrode1978paraadeflagraçãodasreformas. Ele emprestou sua autoridade política para respaldar a ascensão de autoridades liberais e o empreendimento das rodadas de liberalização econômica, sem prejuízo da manutenção do poder peloPartidoedopapeleconômicodoEstado.Deng,emsuahis-tóricaviagemàsregiõesindustriaisdosuldaChina,desferiusuaúltima cartada em 1992 para deliberadamente abortar a ten tativa, desde 1988,dealguns setoresdadireçãodoPCCde reduçãodoritmoedaabrangênciadasreformaspró-mercadoesetorprivado.

Nopassado,DengXiaoping,àfrentedogoverno,duranteode-senrolar do ano de 1975, efetivamente não explicitou qualquer pro-posta de combinação do Estado com liberalismo na administração econômica.Naquelemomento,Deng começou a centralizar suaatençãonapropostadasQuatroModernizaçõesnasáreasdeagri-cultura,indústria,defesaeciênciaetecnologia,queanteriormen-te,em1964,tinhasidoformuladaporZhouEnlai.Amodernizaçãoeconômica seria omote da viragemna orientação econômica, apartir das decisões de dezembro de 1978.

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Origem e lógica das reformas

O slogan“Enriqueceréglorioso”,proclamadoporDeng,continuaexercendoseuapelopolíticoesocialmuitoforte.Éóbvioque,emqualquer lugar,o crescimentoeconômicoaumenta a riqueza so-cial, seja na China ou nos Estados Unidos, aumentando o bem--estar material imediato de uma parcela expressiva da população, emboraasdesigualdadesderiquezapossamtornar-seexacerbadas,como se vênomundohoje, sob a ideologianeoliberal. É óbvio,também,queempobrecernãotemnadadeglorioso!Mascomosãoassociados o problema da satisfação das necessidades materiais e espirituais,deumlado,eotipodesociedade,aorganizaçãodosis-tema econômico, a democracia, a autonomia de um e de todos os homens,deoutro?

Eduard Bernstein (1997a), importante líder da social-democracia alemãdofinaldoséculoXIXedasprimeirasdécadasdoséculoXX,argumentavaquenocapitalismodesenvolvidojáestariaaumentan-do o número de ricos na população, em vez da tendência da paupe-rização.Assim,osraciocíniosdeDengeBernsteincoincidiramnaaposta de que o desenvolvimento econômico no capi talismo, ou seja, a modernização econômica por si mesma resultará em mais riqueza geradae,cadavezmais,distribuída.Trata-sedeumaargumentaçãobaseadanas lógicasevolucionistaepositivista.Hoje,omundoeaChinanão confirmamessa tendência progressiva, crescente, essamarchabatidadejustiçasocialnadistribuiçãodariqueza.As desi-gualdadessociaisexacerbadassãoacrisedoséculoXXI.

Bernstein, confiante no avanço da riqueza social, proclamava que não diminuíram, nem relativa nem absolutamente, as classes possuidoras. Para ele, o futuro do socialismo resultaria da partici-pação no aumento da riqueza social. Nesse âmbito, tanto Bernstein comoDenglançaramconfusãosobrearealidadeeasperspectivasdo socialismo.Quemestá enriquecendo?Como?Oproletariado

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enriqueceu-se?Tornou-seex-proletariado?Onde?Ocritérioespe-cífico e restrito da riqueza, no que diz respeito à divisão das classes sociais, consistia e mantém-se, especialmente, na propriedade ou não dos principais meios de produção, inclusive incorporando no-vas formas patrimoniais financeiras.

As contradições de classe mudaram de forma, tornaram-se mais complexas,mas não foram apagadas pelo crescimento emoderni-zaçãodaeconomia.Adominaçãodapropriedadedograndecapitalnãopodeserofuscadapelapropriedadedealgunsbensdeuso,con-sideradosrelativamentemaisabundanteseluxuosos;oumesmo,porcertopesodapropriedadedepequenasempresas;ouainda,restritapossedeativosfinanceirosnasmãosdealgunsmembrosdascama-dasmédiasdasociedadeedealgunsoperáriosqualificados.

Uma coisa é dizer que o socialismo depende, entre outros fato-res, do aumento das forças produtivas, da elevação da riqueza so-cial.Masoutracoisa,muitodiferente, é ignorarquais sãoasclas-sesque se apropriamdessa riqueza.É ignorar adeterminaçãodasrelações entre as classes sociais na estrutura da economia sobre as condiçõesdedistribuiçãodarendaedariqueza.Éignoraromeca-nismo da apropriação capitalista. A multiplicação da riqueza tem correspondidoaorecrudescimentodasdesigualdadesentreclassessociais, sobretudo nas últimas décadas, desde o advento do neolibe-ralismo.Umpequenopunhadodealgumascentenasdecapitalistaspossui a maioria da riqueza do mundo. Na China, avança e multi-plica-severtiginosamenteoprodutodaatividadeeconômica,massurgeumaínfimaminoriadosricosebilionários,eampliam-seasdesigualdades.Melhoramascondiçõesdevidadegrandesmassasdapopulação,masaparecemnovasformasdeprivaçõesparaalgunssetores sociais, como agricultores pobres. Os serviços sociais, deacesso público, são limitados. A exploração e a opressão sobre os trabalhadores são mantidas, estruturalmente.

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Bernstein (1997b,p. 61), alegandounilateralmente adefesadatesedeMarxsobreocrescimentodacomposiçãoorgânicadocapi-tal, reconheceu que a “forma característica da moderna evolução” se dá com o aumento absoluto do capital e correspondente dimi-nuiçãorelativadoproletariado.Nessemesmodiapasão,Dengexor-touaorápidocrescimentoeconômicodaChina,ouseja,“a moder-naevolução”.Noentanto,issosignificaapenasqueocursoefetivoda modernização chinesa, com a explosiva elevação do capital e o aumentodoproletariado,vindodaagricultura,éconsistentecomodesenvolvimento da economia capitalista. Foi isso que se processou na China, apesar de todas as suas importantes peculiaridades. Em termos comparativos, a taxa de crescimento do capital constante é maior do que a própria aceleração do aumento do capital variável na bem-sucedida reestruturação produtiva chinesa.

Comosesabe,háumatradicionaldivergênciaentreossocia-listas acerca do reformismo ou da revolução como o caminho da transformação da sociedade. Os marxistas firmaram o ponto de vistadanecessidadedarevolução,semnegaraimportânciadasre-formas.OpróprioMarxexaltava,porexemplo,alutapelareduçãoda jornada de trabalho como uma reforma fundamental nos mar-cosdocapitalismo.Entretanto,oconceitodereformasnãoéigualaodereformismo.Reformassãomudançasparciaisprogressistas,reformismoéumaestratégiapolíticageralouumatendênciapo-líticaeideológica.NoséculoXX,asocial-democraciaeuropeia,apartirdaSegundaGuerraMundial,apareceucomoopartido,porexcelência,doreformismo.Asuaestratégia,comimportantesga-nhos sociais para os trabalhadores, tornou-se, cada vez mais, uma acomodação, conciliação e defesa do grande capital europeu, aolado do Welfare State.

A concepção de revolução entre os próprios marxistas é ob-jeto de acesa polêmica, desde a forma insurrecional da “tomada do Palácio de Inverno”, à guerra popular prolongadamaoísta, à

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transformação processual gramsciana etc., observando as muta-ções na sociedade capitalista, suas injunções políticas e as circuns-tâncias de cada momento histórico. Contudo, esclareça-se que revolução se denota como mudança sistêmica decorrente da tran-siçãodocapitalismoparaosocialismoeocomunismo.Revoluçãonão se confunde com uma forma específica de mera conquista do poderpolítico.Ideologia,políticaeculturaentrelaçam-senalutapelahegemonia.Emqueperspectivasistêmicaecampoestratégicositua-seoatualrumodoPartidoComunistaedoEstadonaChina?ParaosdirigentesdoPCC,nãohádúvida: aChinaé socialista.Creem que continuam a revolução chinesa nas condições concre-tas, materiais e históricas da China e do mundo hoje.

A avaliação adequada das condições reais é, obviamente, in-dispensável para definir a justeza ou não de determinadas medi-das, políticas ou econômicas, inclusive para um partido no poder, como é o caso do PCC. Por isso, Lênin conclamava os bolchevi-ques, já no poder, a

verificarcomomaiorsangue-frioelucidezemquemomento, em que circunstâncias e em que terreno se deve atuar revolucionariamente e em que mo-mento, em que circunstâncias e em que domínio de açãosedevesaberpassaràaçãoreformista.(LÊNIN,1980u, p. 552)

Contudo, em vez de passos táticos, medidas pontuais, confor-me as circunstâncias, parece que os chineses, conscientemente ou não,passaramaumanovaestratégiaglobaleduradouraderefor-mismo,sustentadoalongoprazo.

No entanto, aqui não cabe uma análise simplista. O papel e o lugardasreformasnastransformaçõessociaissãoproblemasmui-to complexos, que se renovam, como Lênin percebeu, ao se ver diantedastarefasconcretasdoexercíciodaadministraçãoestatal:

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Depois da vitória do proletariado, nem que seja num sópaís,algodenovoaparecenarelaçãoentrearefor-ma e a revolução. Em princípio, o problema permane-ce o mesmo, mas na forma produz-se uma mudança, queMarx,pessoalmente,nãopôdeprever,masquesó pode ser compreendida no terreno da filosofia e do marxismo. [...]. Até a vitória do proletariado, as reformas são um produto acessório da luta de clas-se revolucionária. Depois da vitória (embora à esca-la internacional continuem a ser o mesmo ‘produto acessório’) constituem, além disso, para o país onde a vitóriafoialcançada,umatréguanecessáriaelegíti-ma nos casos em que é evidente que as forças, depois duma tensão extrema, não são suficientes para levar a cabo por via revolucionária determinada transição. (LÊNIN,1980u,p.555-556)

Historicamente, as reformas foram vistas como mudanças pro-gressistas.Maspodem,naprática, serempreendidasparamudarou conservar o status quo. Para a classe trabalhadora, as reformas seriam uma acumulação de forças, ensejariam uma preparação política, as reformas significariam importantíssimamelhoria dascondiçõesimediatasdevida;deveriamserumpassoemdireçãoàsmudançasmaisprofundas,mesmopagandoopreçodeconcessõesmomentâneas ao capital.

Aideologianeoliberaltrouxeumanovidade:asreformas,ago-ra,sãomedidasregressivas–políticaesocialmente.Sãoasrefor-mas para forçar a roda da história para trás. Os direitos sociais são cancelados. Medidas abertamente reacionárias são adotadas emfacedosmovimentos sociais.Asdesigualdades sociais são apro-fundadas. As restrições às liberdades democráticas são reforça-das.Ospatrocinadoresdasreformasneoliberaissão,viaderegra,partidospolíticosconservadores.Naorigemdessenovoprocesso

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e dessa nova natureza das reformas, destacaram-se intelectuais comoFriedrichHayekeMiltonFriedmanepersonalidadespolíti-cascomoRonaldReaganeMargarethThatcher,comumpontodevista extremamente reacionário, opondo-se até mesmo a qualquer veleidade social-democrata. No processo de desmantelamento do socialismo real, as personalidades políticas e os movimentos na União Soviética e do Leste Europeu em favor da restauração do capitalismo foram classificados no Ocidente, pela mídia e meios acadêmicos, como reformistas, a exemplo do governo de BorisIeltsin,naRússia.Eoosopositores,ouseja,osquequeriamaper-manência do socialismo real, eram chamados de conservadores.

Énessenovocontextointernacionalquesesituamasreformaschinesas, a despeito de suas peculiaridades e de sua oposição ao neoliberalismo. Trata-se da proposição de novos rumos. O Estado deveria ser reorientado para liderar o esforço de modernização econômica, no sentido específico de favorecer, com incentivos e proteção,aatraçãodecapitaisprivadosestrangeirose,simultanea-mente, preservar determinada presença estatal direta na gestãoeconômica e na esfera produtiva. Os capitais da diáspora chinesa foram atraídos e contribuíram decisivamente para a aceleração do crescimento econômico. A aposta e a confiança nos efeitos estru-turaisepositivosdaintegraçãocomomercadomundial,semabrirmãodaregulaçãoestatal,levaramà“políticadeportasabertas”edeestreitamentodasrelaçõescomoJapãoeoOcidente,sobretu-dos os Estados Unidos. Abandonava-se, dadas as novas circuns-tânciashistóricas,aestratégiamaoístadeindependêncianacionalassentada na construção econômica baseada nas próprias forças, com a China submetida a duro cerco e isolamento internacional.

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Circunstâncias históricas chinesas

Éclaroquealógicadasreformasnãoapareceuderepentenemseapresentoucompletaesistemáticadeumasóvez.Assim,aolongodotempo,desde1978,foramsurgindoesesedimentandoasconcep-çõesealógicadonovomodelodedesenvolvimentochinês.Houveumprocesso de gestação e amadurecimento das primeiras ideiasdas reformas nos marcos da contraposição à estratégia maoísta.Assim,aatualetapadaChinatornou-seglobalmenteumarupturacomoperíodomaoísta.Érupturapolítica,ideológica,econômicaesocial,inegavelmente,sobretudoquandoseobservaoconjuntodasmudanças operadas desde 1979 e os resultados sistêmicos verificá-veis no presente momento, independentemente da sinceridade das intençõessocialistasproclamadaspelosdirigenteschineses.

Entretanto, há um fio condutor, também inegável, entre osdois períodos, que é a persistente estrutura institucional Partido-Estado, com toda sua centralidade, ora contestada, ora reforçada, e seusefeitosamploseprofundos,ideológicos,políticoseeconômi-cos na vida chinesa. Com a vitória da revolução em 1949, o Partido Comunista Chinês tornou-se a principal instituição política para atomadadedecisãodosrumosestratégicosdaChina,emsimbio-se com o aparato estatal. Constituiu-se o novo Estado nacional, reunificandoapátria,superadaaguerracivilevencidaaocupaçãoestrangeira.Restaurou-seadignidadenacional,ultrajadapelosim-perialistas há mais de um século. Nesses termos, em um processo tumultuado, com tensões e conflitos, marchas e contramarchas, setoresdaburguesiachinesaquepermaneceramnopaís,àexce-ção dos chamados “compradores”, desempenharam certo papel di-rigenteautônomo,àfrentedealgumasatividadeseconômicasnoiníciodonovo regime.Emseguida, essesburguesesatuaramemassociação com o Estado. E, por fim, eles incorporaram-se ao exer-cíciodasresponsabilidadescomogestores,emdiversosâmbitosdo

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Estado, inclusive na direção das empresas. Não seria simples e au-tomáticaasuperaçãodapresençaburguesaoriginadadasarraiga-dastradiçõesdenegóciosdegrandescentroscomoXangai,CantãoeNanquim,inclusivedos22anosdegovernodoGuomidang.

AcomplexarelaçãoentreremanescentesinfluênciasburguesaseonovoEstadodaChinaPopularfoiobjetodereflexãodeMao,aoargumentarsobreascontradiçõesnoseiodopovo.Nesseprocesso,ocorrerammomentosde aguda tensãoentredistintas concepçõese experiências sobre o Estado e as relações sociais de produção. Foi oqueocorreuquandoemergiuumensaiodeEstadodascomunaspopularesededescentralizaçãodaorganizaçãoprodutiva,em1958,enaRevoluçãoCultural,entre1966e1968.Todavia,prevaleceuavi-são do Estado, à frente das tarefas do desenvolvimento econômico, o Estado como centralização tradicional da vida política e econô-mica. Posteriormente, esse tipo de visão estatal se refletiu na lide-rançaexercidapelasautoridades,conduzindoadeflagração,gestãoeaprofundamentodasreformasdeDeng,dandoumpassoadiante–ouatrás–pelarestauraçãodasinfluênciasburguesaschinesas,aoincorporarmassivamenteoscapitaisdaburguesiadeHongKong,Macau,Taiwanedasdemaispartesdadiásporachinesa.

Nessa persistência da visão estatal, poderia, em uma nota for-çada,seremontaraopassadodacivilizaçãodoImpériodoMeio,motivodeorgulhonacionalrenascidoecultuadohojenamentedos chineses, lembrando a secular tradição do Estado e dos admi-nistradoresmandarinsnaChina.Registre-se,porém,que,napri-meirametadedadécadade1970,Maodeflagrouacampanhapo-lítica e ideológicaparao repúdiodas influências – simultânea eestranhamentedeLinBiao,ex-comandantemilitardaRepúblicaPopular da China e líder ultraesquerdista da Revolução daCultural,eConfúcio,patronodoimaginadosempiternomodoele-vado de pensar e de ser dos chineses. O passado confuciano, com a exaltação da hierarquia, harmonia, conformismo, estabilidade,

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conservadorismo, deveria ser desarraigado da subjetividade doschineses. Supunha-se, no cálculo maoísta, que seria preciso eli-minar a influência do pensamento confuciano, a fim de liberar as menteseasenergiasdopovoparaimpulsionaraconstruçãoecon-solidação do socialismo.

Constata-se uma certa continuidade histórica, entre os perío-dosMaoeDeng,noquedizrespeitoaoparadigmadaconstruçãoestataldo socialismo.Mao titubeavaentrea iniciativaeautono-mia das massas, de um lado, e o aparato Partido-Estado, de outro. Emblematicamente,mesmo durante a RevoluçãoCultural,Maofezsemprequestãodeprotegeremanterintocadoopapeldirigen-tesupremodeZhouEnlai,comoeternoprimeiro-ministro,man-darimvermelho,homemdoEstado,veteranodirigentecomunista.KalpanaMisrachamaaatençãoparaofatodequeMaoassegurouosuportetácitoàdominaçãodosdirigentesmoderadosnoâmbitoeconômico e, simultaneamente, encorajou a retórica ultraesquer-distanadenúnciadaspolíticaseconômicasmoderadas.(MISRA,1997,p.268)YichingWureconheceaimportânciaassumidapelaexpropriação dos meios de produção pela Revolução Chinesa(YICHING,2005,p.48),maseledenunciaqueocontroleefetivoda economia ficou nas mãos de imenso aparato burocrático, sem ocontroledemocráticodostrabalhadores.Yichingavaliaqueessefato é fundamental para compreender por que foram possíveis as diversasmudançasnaChina,aolongodosanos,e,também,asre-formas contemporâneas.

Nadisputa pelo podernoPartido-Estado,MaoZedong, entre1969e1975,emdiversosepisódios,optoupelacontençãodasforçasde“esquerda”.IssoresultounaliquidaçãodogrupodeLinBiaoepreparou o terreno para o esmagamento do “bando dos quatro”,posteriormente,nofinalde1976.ApesardasdivergênciasexpostaseargumentadasporMaoedasgrandestentativaspráticasderupturado paradigma soviético, através doGrande Salto e da Revolução

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Cultural,oresultadogeralfoiapreservação,naexperiênciachinesa,da importante influência da via estatal de socialismo.

Para construir o socialismo, seria necessário o desenvolvimento econômico, tanto na União Soviética quanto na China, inevitavel-mente. Porém, para essa acelerada transformação da base material dopaís–URSSouChina–,algumaviaestataldeveriaseradotada.Adependerdomomentohistórico,houvemaioroumenorgraudecentralizaçãodoplano,dapropriedade,dagestão,dosprocessosadministrativos de decisão, de estruturação de instrumentos fun-damentais,aexemplodacomissãodoplano,dosórgãosdeestatís-ticas, dos ministérios, dos departamentos etc.

Guardadas as diferenças nacionais e ressalvadas as distintastrajetórias do processo revolucionário, era como se o Estado es-tivessecriandoasociedadeeosocialismonaURSSenaChina.ComMao seriaumaversãode socialismodeEstado combinadocomparticipaçãodemassas.ComDeng,paraseuautoproclamadoobjetivo de modernização socialista, recorria-se a um capitalismo monopolista de Estado combinado – por mais estranho que pa reça – com a globalização neoliberal. Essa combinação curiosa, comDeng,seriaconstituídaporumtipodeEstadodesenvolvimentistae, ao mesmo tempo, pela liberalização para o setor privado, para o mercadoeparaaintegraçãoàeconomiamundial.Deformainte-ligente,aliderançadoPCC,comasreformas,aproveitoueusouaglobalizaçãoneoliberalpara,paradoxalmente, alcançarosobjeti-vos nacional-desenvolvimentistas do Estado chinês.

As reformas deDengherdaram a permanente – e inevitável–obsessão,desdeo iníciodavidadaRepúblicaPopular,deven-cer o imenso atraso relativo chinês no terreno das forças produti-vas, como se verificou no desejo da multiplicação da produção de açonoGrandeSalto.Aatitudedecríticaaaspectosdaestratégiamaoísta e o espírito de busca de novos caminhos na economia her-daramaexperiênciadoperíododereajusteenormalizaçãode1962

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a1965,sobaliderançadopresidenteLiuShaoqieZhouEnlai.ApósidasevindasduranteaRevoluçãoCultural,oregressodefinitivodeDengXiaopingaopoderocorreucomsuaocupaçãoemtarefasgovernamentaisnoterrenodaeducação,ciênciaetecnologia,du-ranteosanosde1977e1978.Aotratardessesproblemas,Dengnãopodia perder de vista a comparação com os elevadíssimos níveis tecnológicosecientíficosdospaísesdesenvolvidos,sobretudoosEstadosUnidoseoJapão.ParasuperaroatrasorelativodaChina,sefazianecessáriaamodernizaçãoeconômica.Porisso,Dengde-clarou,em1977:

Em nosso esforço para concretizar a modernização, o ponto chave é elevar o nível de nossa ciência e tecno-logia.Paradesenvolvermosessasúltimas,é impres-cindível o nosso empenho na educação. [...] Temos de criar no seio do Partido uma atmosfera de respeito aosaberedeestimaàspessoasdetalento.(DENG,1984, p. 54-55)

Emvezdenaturais,asreformasdeDengtiveramcaráterhis-tórico, resultaram de uma trajetória de conflitos e se inseriram em uma determinada conjuntura política da China e do mundo. São  reformasque expressamuma época.OdesaparecimentodeMao,a liquidaçãopolíticaimplacáveletotaldo“bandodosqua-tro”, o estreitamento das relações com os Estados Unidos e o anta-gonismobeligerantecomaUniãoSoviéticaforamfatorespolíticose ideológicosqueconstituíramoambienteemquesesituaramajustificativa, a oportunidade e a viabilidade das novas escolhas dos dirigentes chineses. Em vez de desdobramento espontâneo,oprocessodereformasfoideflagrado,comoopçãoedeliberação,nafamosaIIISessãoPlenáriadoComitêCentraldoXICongressodoPartidoComunistaChinês,emdezembrode1978.Quemem-palmava o poder, naquele momento, tomou a decisão conforme

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suasreferênciaspolítico-ideológicasesuaanálisedarealidade.Edepois,aolongodasdécadasseguintes,arealidadefoiconstruindonovosproblemasenovas tarefasparaa reconfiguraçãodocursodas reformas.

Há um reiterado equívoco sobre a nova orientação do Estado chinês.Insiste-seemalgoquejásetornoulugarcomum,clichê,emdiversostiposdeapreciaçõesdafasedasreformas:oeixodonovoperíodo seria a economia, em substituição do eixo do pe ríodo maoísta,alutadeclasses.Economiaemvezdepolíticaradical.É oquedizemerepetem.SheyingChen(2002,p.7),porexemplo,argu-mentasobreumadespolitização,comDengXiaoping.Nadamaisenganoso.Asprofundastransformaçõeseconômicasesociaistêmtudo a ver com o poder político que ultrapassa os marcos da rotina cotidianadosaparatosadministrativosestatais.Épolíticooimpac-to sobre as classes sociais em decorrência das mudanças relativas à propriedade e à posse dos meios de produção, à exploração do trabalho.Issotudoépolítica,opressão,hegemoniadedetermina-dos interesses sociais. As conquistas reais e valiosas de melhoria dascondiçõesdevidaparaasmassasnãosignificamneutralidadedas reformas do ponto de vista da relação entre capital e trabalho. Nessesentidomaisprofundo,asmassasestãosendoconstrangi-das,contidas,pelaaçãodeliberadadoEstado,pelaideologiadomi-nante,pelas emergentes relações sociaisdeproduçãoburguesas.Foi imposta uma nova reverência, respeito ao Estado, em relação à sociedade, sem prejuízo das iniciativas dos indivíduos e das locali-dades em favor da nova reestruturação do país.

Importância da retórica oficial

A fundamentação, a explicação e o discurso dos reformadores chi-neses devem ser observados, examinados, porque são recursos po-líticos que tentam justificar as mudanças. Não se pode dizer que se

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trataapenasdeoratóriavazia.Hábasereal,evidentemente.Étam-bémapropagandaoficialdoregime.AretóricadoPartido/Estadoapresenta as reformas como expressão de racionalidade, clareza, superioridade, objetivos progressistas. Nota-se um esforço dostextos oficiais em defender as reformas como medidas coerentes e necessárias à construção do socialismo nas condições específi-cas da China. Na fase inicial das reformas, chama a atenção a hie-rarquiadosdiscursosoficiais,naseguinteordem,apartirdomaisgeralemaisimportante:i)osquatroprincípiosdarevolução;ii)astrêstarefasestratégicas;iii)asquatromodernizações;iv)osquatrotrabalhos;v)osdezprincípiosdagestãoeconômica.Mirandoofu-turo,proclamava-sequeoobjetivoestratégicodamodernizaçãoésituar a China como um país desenvolvido em 2050.

No início, argumentava-se, pelo pronunciamento oficial,de que haveria um limite para as mudanças. Assim, as reformas não poderiam subverter os quatro princípios da revolução, a sa-ber: socialismo, ditadura democrático-popular, direção do PCCemarxismo-leninismo,pensamentoMaoZedong.Em1980,Dengexpôsas trêsprincipais tarefasestratégicasparaadécadaque seavizinhava: i) lutacontraohegemonismodas superpotências; ii)reunificaçãonacional,sobretudoavoltadeTaiwanàChina;eiii)aceleraçãodaconstruçãoeconômica.Osquatrotrabalhosseriam:i) reforma estrutural da administração e revolucionarização dos quadros,commaiorpreparaçãoculturaleprofissional; ii)desen-volvimentodoespíritosocialista;iii)combateaosdelitos,sobretu-donaeconomia;iv)retificaçãodoestilodetrabalhoeconsolida-çãoorgânicadoPCC,apartirdosnovosEstatutos.Dezprincípiosorientariamagestãodaeconomia:i)políticadedesenvolvimentodaagricultura,inclusivecontandocomavançoscientíficos;ii)for-talecimento da indústria leve e reajuste da indústria pesada; iii)consumoeficienteda energia e fortalecimentodas indústriasdeenergiaedetransportes;iv)transformaçãotécnicanasempresas;

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v)  organização econômica com base em grupos de empresas; vi)elevaçãodos investimentosnaconstrução;vii)políticadeportasabertas para a economia internacional e reforço da autossusten-tação; viii) reforma da estrutura da economia emaior iniciativadosváriossetores; ix)elevaçãoculturalecientíficadostrabalha-doresemaiorprogressodaciênciaedatecnologia;x)prevalênciadaorientaçãogeralde“tudoparaopovo”,vinculandoeconomiaecondiçõesdevidadasmassas.(POMAR,1987,p.168-169)

“Modernização”, “Tríplice Representatividade”, “Desenvolvi-mentocientífico”,“Sociedadeharmoniosa”e“Quatroprincípiosabrangentes” são slogans dos diversos momentos do processo de reformas.DepoisdeDengXiaoping,quemorreuem1997,oprin-cipaldirigentedaChinafoiopresidenteJiangZemin,entre1990e2001. Jiangdivulgouachamadateoriada“TrípliceRepresenta-tividade”, como representação do processo em curso na China, reunindo: i) máxima produtividade (empresariado); ii) elevaçãocultural (intelectualidade); e iii) defesados interessesdamaioriadopovo.OpresidenteHuJintaoeoprimeiro-ministroWenJia-bao encabeçaram o sistema partido-Estado entre 2002 e 2012. Nes-seperíodo,osdirigenteschinesesfalavamdo“conceitocientíficode desenvolvimento”. Tratar-se-ia do desenvolvimento centrado nopovo,desenvolvimentoabrangente,coordenadoesustentável,paraapromoçãodoprogressoglobaldaeconomiaedasociedade.As necessidades dos indivíduos teriam que ser priorizadas. Nessa mesmalinha,opresidenteHuJintaoexpôsaretóricaemqueaprin-cipal bandeira seria a construção de uma “sociedade harmoniosa”, comareduçãodasdesigualdadessociais,dasdiscrepânciasentrecampo e cidade, com a aproximação entre os cidadãos e o Estado. OpresidenteXi Jinping, na liderança do Partido/Estado, a par-tirde2013,propõeos“Quatroprincípiosabrangentes:sociedadepróspera, reformas profundas, Partido Comunista disciplinado e governoconformealei”.NapropagandaoficialdogovernodeXi,

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proclama-se: “prosperidade é o objetivo, reforma é progresso, ousodaleiégarantido,reforçaroPartidoéachave!”.

Sóoformalismopodelevaraumainterpretaçãoingênuadessaprofusão de discursos e slogans oficiais, inclusive às menções a su-postosprincípiosmarxistaseestratégiasocialista.Todaessaretó-ricaoficialcondizcomosentidogeraldasreformasadotadascon-cretamente desde 1979. Não obstante as referências ao so cialismo com características chinesas, a oratória dos dirigentes chinesesjustifica as reformas de desmantelamento das comunas populares, descoletivizaçãodaagricultura,privatizaçãodepartedaeconomia,dominaçãodalógicadocapitalepropagaçãodosvaloresideológi-cosburgueses,comameaçadebloqueiodaperspectivasocialista.

É insuficienteconstatarqueosproblemasreaisdaeconomiachinesa reclamavammudanças.Mas qual deveria ser a naturezadasreformas?Importasaberqualadireçãodessasreformas.Éin-dispensávelexaminarorumogeraldasmudanças.Énecessárioterumavisãodeconjuntosobreosresultadosdasreformasa longoprazo.Investigarassuasimplicaçõessobreaconfiguraçãodafor-mação econômica e social da China. Como ocorrem e quais são as implicaçõessistêmicasdesseprocessodereformas?

Embora as alterações em curso desde 1979 sejam denomina-das como reformas econômicas, as mudanças ultrapassaram os marcos da economia, caracterizando-se como uma transforma-çãohistóricageralnasociedadechinesa.Juntocomamoderniza-çãoeconômica,surgiramalteraçõesprofundasnosistemasocial.Construiu-se uma estrutura econômica de reprodução do capital e suas correspondentes instituições; ampliou-se a diferenciaçãosocialesuacorrespondenteestruturaçãodeclasses;reapareceramvaloresecostumesburguesese individualistaseseuscorrespon-dentespensamentoeideologia.Emummistodeescárnio,cinismoemistificação,expandiu-se,emalgunssetoresprivilegiadosdaso-ciedade,umaatitudederidicularizaçãoenegaçãodosmovimentos

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radicaisdeesquerda,constrangendoaretomadadeumaoposiçãosocial autônoma ao capitalismo.

AtémesmoumorganismocomoaOrganizaçãoparaaCoope-ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma expressão institucionaldasgrandespotênciasedograndecapital,julgaqueas reformas, desde 1978, são vastas, transcendem a economia e pro-movemumareconfiguraçãodoEstado:

A China procede atualmente a uma transforma-ção radical de seu sistemade governançade formaa adaptar suas instituições e o funcionamento do Estado a uma economia cada vez mais aberta ao merca-

do.Umcertonúmerodetensõesligadasaosdesequi-líbrios orçamentários e financeiros no país, ao cres-

cimento das desigualdades e à degradação ambientaltornaram-se inevitáveis nessa mutação. (OCDE, 2005, p.12,traduçãonossa,grifodoautor)

Asreformas–soboânguloimediatoeestritamenteeconômico–foramarticuladasemtornodetrêseixos:i)subordinaçãodopla-no aomercado; ii) liberalização tanto da posse, por famílias, naterra – em detrimento da coletivização – quanto da propriedade daempresaurbana;eiii)integraçãoàeconomiamundial.Oprag-matismo foi adotado como o critério fundamental de decisão do Estado chinês. Isso foi simbolizado pelo slogan de que “não impor-taacordogato,contantoqueelecaceorato”.Osresultadosprá-ticosforamperseguidos, independentementedarelaçãoentreosmeiosempregadoseasrelaçõessociaisdeprodução.Asmetasdocrescimento econômico e desenvolvimento das forças produtivas desvincularam-sedasconsequênciasregressivasclassistas,alongoprazo, na estruturação da sociedade. As mudanças foram imple-mentadas paulatinamente, recorrendo inicialmente à experimen-tação em projetos-piloto. Essa transição ao mercado e às novas – e

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retrógradas – relações sociaisdeprodução, atravésdogradualis-mo, tentou evitar maiores fricções políticas, contornar resistên-cias sociais, prevenir colapsos econômicos. Adotou-se na China o gradualismodasreformasemvezdadesastrosaterapiadechoquedaRússiadosanos1990:gradualismoouchoque–odestinofinal,apesardasgrandesdiferençasnacionais,éarestauraçãocapitalistanesses dois países.

O principal trunfo das reformas é o impressionante e duradouro crescimento acelerado da economia chinesa. A sustentação de ele-vadas taxas de crescimento econômico seria a comprovação do acerto das mudanças. Porém, essa rápida multiplicação da produção cria mais expectativas de crescimento da riqueza no futuro, provo-cando,segundoalógicavigente,umacrençaeumaexigênciadeno-vas e crescentes medidas de liberalização econômica, com potencial estreitamentodaregulaçãoestatal.Oregimepolítico,porsuavez,extraisuadefesaelegitimidade,emgrandeparte,dessafrenéticaeexitosacorridaprodutiva.Mas,nasegundadécadadoséculoXXI,a China já não cresce com o mesmo ritmo acelerado das primeiras décadas das reformas. A relativa queda das taxas de crescimento da economia desde 2012 pode criar importantes dificuldades para as necessidadescruciaisdegeraçãodeemprego.Éóbvioqueseriaim-possível a mera continuidade do elevadíssimo crescimento econô-mico. A redução do ritmo produtivo chinês tem a ver com as preo-cupaçõesdosdirigentesdoPartido/Estadosobre:i)aexacerbaçãodasdesigualdadessociaise regionais; ii)os limitesdadegradaçãoambiental;iii)oexcessivoendividamentodeempresasegovernoslocais, em associação com os desdobramentos da crise capitalista mundial,deflagradaem2008,eastendênciasaindaduradourasdemedíocre crescimento econômico no mundo.

MartinHart-LandsbergePaulBurkett (2004,p. 26-54) elabo-raram uma periodização do processo de reformas na China. Eles denominaramdeestágioIoperíodoentre1978e1983,deestágio II,

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entre1984e1991,comreformasurbanas,atingindoinclusiveasem-presas estatais ou State-Owned Entreprises (SOEs);edeestágio III,a partir de 1991, com privatização de empresas estatais, reforma financeira, nova abertura e adesão à Organização Mundial doComércio (OMC)em2001.Noprimeiroestágio, foramconcedi-dasmaioresprerrogativasaosórgãosdeplanejamentoprovincialeregional,coexistindocommaiorautonomianaadministraçãodasempresas e estímulo à criação de empresas cooperativas e privadas. Nessaprimeira fase,ocorreuadescoletivizaçãonocampo, surgi-ramas empresasdemunicípios e aldeias (Township andVillageEntreprises – TVEs) e foram constituídas as primeiras ZonasEconômicasEspeciais(EconomicSpecialZones–ESZs).

Planificação estatal e mercado

ComoressurgiuomercadonaChina?Opovoreivindicouavoltadomercado?Quandocomeçouoprocessodas reformas,opovonão estava reclamando a implantação de mercado, não havia mani-festação popular nesse sentido, mas a liderança do PCC inclinou-se em favor da via mercantil. (HART-LANDSBERG; BURKETT,2004,p.31)FoiavontadeedeterminaçãodacúpuladirigentedoPCC.Assim,promoveu-seumdeslocamentosignificativo:merca-doemvezdeumtipoespecíficodeplanosocializante.Negava-seaforma de plano a serviço da tentativa de construção do socialismo real. O que se chama “plano quinquenal” hoje na China é uma regulaçãofortedoEstadonaassimchamada“economiamista”,jáconhecidanomundodepoisdaSegundaGuerraMundial.

ÉclaroqueacriaçãodosmercadosedosetorprivadonaChinatemqueestararticulada,emumplanomaisgeral,comrelaçõesdeclassessociais.(YICHING,2005,p.49)Háalgumabaseemtermosdedesigualdades,interesses,privilégioseideologiaparaoreapare-cimentodomercado.Asdeterminaçõeshistóricasgeraisvigentes

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na China impõem, de modo complexo, as condições de adaptação ao mercado. A opção pela reintrodução dos mecanismos de mer-cadoedosetorprivadofoiclara.Jánaprópria3ªSessãoPlenária,em dezembro de 1978, declarou-se que as forças de mercado eram a chave da modernização socialista. Isso poderia ser interpretado como, simplesmente, uma retomada de realismo na economia. Poderiaserumreconhecimentodanecessidadedaregulaçãomer-cantil na economia chinesa, em paralelo à planificação estatal. Poderia ser uma tomada de consciência das dificuldades advindas da burocratização do plano ou da estatização completa e absoluta da atividade econômica. Poderia ser resultado de um amadureci-mento sobre as dificuldades, os ritmos e os prazos da construção econômica do socialismo, sob os bloqueios capitalistas mundiais. Masnãoeranadadisso!Passava-separaumavisãonova,distinta,específica.Omercado,agora,apareciacomoumreguladorchaveda economia. Os preços de mercado seriam a ferramenta do cál-culo econômico. E, ainda mais, lançou-se, posteriormente, uma confusão entre os conceitos de mercado e de socialismo, conforme as formulações do PCC, no início dos anos 1990, acerca do assim chamadosocialismodemercado,lembrandovagamenteideiasdetransiçãosocialistacomoasformulaçõesdeOscarLange.

Aregulaçãodomercadoestariaassentadanacompreensãodavigênciaobjetiva,inarredável,daleidovalornoperíododecons-trução econômica do socialismo. O mercado espontaneamente orientariaaalocaçãoderecursos,segundoaleidovalor.Noperíodode transição socialista, não caberia, simplesmente, trocar o funcio-namento do sistema de preços, conforme as forças de oferta e pro-cura no mercado, pela fixação de preços, administrativamente, por representantes do Estado. Assim, a liderança chinesa pós-1978 teria aceitado a operação do mercado como essencial ao funcionamento daeconomia,segundoascondiçõesconcretasvividaspelaChina.Parece ser essa a fundamentação do caminho escolhido pela China

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pós-1978:aceitaraleidovalorcomoalgonatural,incontrolável,ne-cessária praticamente pela eternidade. Nesses termos, seria viável impulsionar a produção para a finalidade da valorização do capi-tal, o que requer propriedade privada e mercado. Assim, quaisquer formasemeiosseriamlegítimosepoderiamserempregados,afimde desenvolver completamente as forças produtivas, estruturar e modernizar a economia. Pela retórica das autoridades chinesas, isso seria a própria construção do socialismo, em um processo evolucio-nário,natural,alonguíssimoprazo.

Anecessidadedomercadoem lugardoplanoedagestãodoEstado,emmoldessocializantes,étambémargumentadasegundoos termos já levantados por Bernstein. (1997b, p. 90) Para ele, era im-possívelagerênciaestataldasempresasnosocialismo.IssoresultariaeminviávelgigantismogerencialporpartedoEstado,àfrentedadi-reção de imensa quantidade de empresas pequenas e médias, e mes-mo no comando “só das empresas maiores”. Independentemente das justificativas expostas pela liderança chinesa, o fato é que, no início do processo, a criação dos mercados foi uma imposição do governosobreopovo.Aliberalizaçãodaorganizaçãodaagriculturaporfamíliaealivrevendadeprodutosagrícolasfoiumamaneiradeiniciar a reintrodução das transações mercantis.

Jean-FrançoisHuchet(2006,p.10)avaliaque,praticamente,to-dos os mecanismos de administração de uma economia planificada deixaram de ser utilizados na China. O desmonte da coletivização daagricultura,aliberalizaçãodospreços,adiversificaçãodasfor-mas de propriedade, a privatização de parte das empresas estatais, o crescimento do peso econômico do setor privado, o reconheci-mentoda legitimidadedaempresaprivada,aampliaçãodosetordeserviçosprivados,otipodegestãodamonetizaçãoedaliquidezna economia, a forma assumida pelo consumo de massas e a com-petição demercado são alguns elementos comprobatórios desseabandono da planificação de tipo socializante.

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AjitSingh(1994,p.661)enxergaduascaracterísticasessenciaisna reforma chinesa. Primeiro, “houve uma ruptura decisiva com a planificação central de tipo stalinista, em benefício da maior uti-lização dos mercados, dos sinais de mercado e dos seus estímulos correspondentes”.Segundo,amudançainstitucionalfoigradualeprogressiva.

WingThyeWoo(1999,p.15)analisaastransformaçõesestru-turaisdaeconomiachinesa,observandooperíodode1978a1996.Nessa análise, ele destaca, na sua ótica, as três principais mudan-ças:primeiro,odeclíniodaimportânciadaagriculturaeaascensãodaindústriaedosetorterciário;segundo,aradicaldiversificaçãoda estrutura de propriedade, com o recuo da participação das em-presas estatais (SOEs) e o destaque da ascensão das empresas de municípios e aldeias (TVEs); terceiro, aorientaçãoda economiaparaocomércioexterior.ParaWing(1999),osquatromomentosprincipais de tensão e mudança nos processos de decisão econô-micapela liderança chinesa foram: i)Adesregulação, sobretudodaagricultura,emdezembrode1978;ii)Asreformasurbanasem1984; iii)A(frágil,acrescente-se)ascensãopolíticadoschamadosconservadores favoráveisàplanificaçãosocializante,em1988; iv)AviagemdeDengXiaopingaoSudestechinêsindustrial,em1992,após o colapso definitivo da União Soviética, exortando a utiliza-ção do mercado e das ferramentas capitalistas na construção do socialismo de mercado com características chinesas.

No final da década de 1970, os camponeses começaram a ter a or-ganizaçãodasuaatividadeprodutivaliberalizada,informalmente,suprimindo-se as formas estatais e coletivas, adotando-se o sistema de contrato de responsabilidade por família (baochan daohu). Após a venda da cota de produção para o Estado, a família camponesa passou a vender qualquer quantidade no mercado. Tanto o pre-sidenteHuaGuofengcomooverdadeironovolíderemascensão,Deng Xiaoping, estavam interessados na obtenção do respaldo

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político advindo das famílias camponesas beneficiadas pelas me-didas de liberalização. Em janeiro de 1983, foi reconhecido formal-menteosistemadecontratocomunidadesfamiliaresnolugardascomunas populares.

AsZonasEconômicasEspeciaisforammaisumcapítulonalibe-ralização e no abandono da planificação estatal. A experiência dos países asiáticos de industrialização recente na atração de capitais estrangeiros repercutiamuito fortemente e não foi ignorada pelaliderança chinesa, interessada em imprimir o avanço na economia do país. Assim, nos marcos da política de portas abertas, o Estado chinês, sem abrir o mercado doméstico, criou, em abril de 1979, qua-troZonasEconômicasEspeciaisnacostasuldaChina,nasproxi-midadesdeHongKongeTaiwan,importantesalvosparaaintegra-çãonacional.Oscapitaisprivadosdomésticoseestrangeiros,commuitas filiais de multinacionais e majoritariamente de empresas da diásporachinesa,comdestaqueparaHong-Kong,seinstalaramnasZonasEconômicasEspeciais semsubordinaçãoaosistemadepla-nificação,contandocommuitogenerososincentivosfiscaiselivresparacontrataregeriraforçadetrabalho.Essasempresasconcentra-ram-se na produção intensiva em mão de obra, dispondo da abun-dante e barata força de trabalho, e contaram com isenção tributá-riaparaimportarpeçasecomponentes.Assim,alcançou-segrandecompetitividade nessas empresas voltadas para as exportações.

As reformas das empresas estatais, a partir principalmente de 1984, subtraíram importantes decisões econômicas e administrati-vasdosmarcosdaplanificaçãoegestãoestatais.ParaWing(1999,nota9,p.61),nocasochinês,umaempresaestatal(SOE)écontro-ladaedirigida,emúltimainstância,pelogovernocentral,mesmoquesuagestãoimediatasejaassumidaporgovernoslocais;eose-tor não estatal é composto por empresas que não são subordinadas ao governo central: cooperativas e empresas de propriedade co-letiva, individuais,privadaseassociadascomcapitalestrangeiro.

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As reformasliberalizaramaadministraçãodasempresas,tantoemrelação aos investimentos e produção, quanto no que diz respeito às compras e vendas dessas firmas no mercado. A multiplicação impressionantedasempresasdemunicípiosealdeiastambémsig-nificou um tipo de esvaziamento das possibilidades da planificação egestãoestataiscomocontrole,direção,coordenaçãodaatividadeeconômica nacional.

Durante os anos 1980 tentou-se uma conciliação entre a adminis tração e a liberalização dos preços. Isso pode ser visto como umsistematrinitário,comoEstadofixandoalgunspreçosemo-nitorando outros, enquanto para uma quantidade cada vez maior de produtos admitia-se a determinação dos preços pelas forças de mercado.(MACEDO,1994,p.40)Ou,simplesmente,issopodeservistocomoumsistemadual,comalgunspreçosaindadetermina-dos administrativamente, como nas cotas de produtos a serem ven-didas ao Estado no início das reformas, e com outros preços deter-minadospelomercado.Jáemoutubrode1984,foramliberadosospreçosdamaioriadosprodutosagrícolasedamaioriadosprodutosmanufaturados (esses últimos, dentro de uma banda de variação dos preços). Sem idealizar o mecanismo de mercado, é claro que sua precificação, a depender das circunstâncias de concorrência, representa uma possibilidade de refletir melhor os custos, além de ajustamento às condições da demanda, como reclamariam os repre-sentantes das teses das reformas pró-mercado, como Alec Nove.

Nadistribuiçãodastransaçõesde1978a2003,segundoaformadedeterminaçãodospreços, registraram-seas seguintesmudan-ças:em1978todosospreçosnoatacadoeramfixadospeloEstado,mas passaram para a determinação pelo mercado em 13% das tran-saçõesem1985,78%em1995e87,3%em2003;astransaçõesdospro-dutos no varejo tinham a determinação dos preços pelo mercado em3%em1978,em34%em1985,89%em1995e96,1%em2003.

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Tabela 1- Distribuição das transações de 1978 a 2003, segundo a forma de determinação dos preços (em %)

1978 1985 1995 2003

PRODUTOS NO ATACADO:

Preços de mercado 0 13 78 87,3

Preços regulados pelo Estado 0 23 6 2,7

Preços fixados pelo Estado 100 64 16 10

PRODUTOS NO VAREJO:

Preços de mercado 3 34 89 96,1

Preços regulados pelo Estado 0 19 2 1,3

Preços fixados pelo Estado 97 47 9 2,6

PRODUTOS AGRÍCOLAS:

Preços de mercado 6 40 79 96,5

Preços regulados pelo Estado 2 23 4 1,6

Preços fixados pelo Estado 93 37 17 1,9

Fonte: Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento e anuários de preços conforme Dougherty e Herd (2005, p. 5, Tabela 1).

A liberalização dos preços, com impactos de inflação e de desorganizaçãoeconômica,foiumimportanteobjetodedisputanointeriordosistemaPartido-Estado,nasegundametadedadécadade1980.Ainflaçãoavançoucomtaxasde6%em1986,7,3%em1987e18,5%em1988.DengXiaopinginsistiunaliberalizaçãodepreçosem1986ecomeçou,apartirdemaiode1988,aconclamar,publi-camente,pelaadoçãoda liberdadedospreçosdemercado.O su-peraquecimento da economia, a inflação e a ameaça de desequilí-brios maiores, em 1988, ao lado dos protestos na praça Tiananmen, em1989,suscitaramdivergências,alinhando,deumlado,osassimchamadosreformadorese,deoutro,ostidosconservadores.Os pri-meirosdefendiamaregulaçãodaeconomiapelomercadoeosúlti-mos seriam os defensores da planificação central socializante.

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A elaboração econômica de Chen Yun, o mais importante ve-teranodirigentedepoisdeDeng,eraaprincipal referênciaparareduzir a liberalização da economia. Para Chen, a economia deve-riaserreguladaem80%peloplanoe20%pelomercado.Segundosua metáfora, a economia era um pássaro voando em um espaço livre,omercado,masesseúltimotinhadeserrestringidoporumagaiola,oplano.

Com o afastamento de Hu Yaobang da secretaria geral doPartido,easuasubstituiçãoporZhaoZiyang,quedeixouocargode primeiro ministro, os tidos conservadores passaram a contar comonovoprimeiro-ministro,LiPeng,ecomofortalecimentodochefe da Comissão Estatal de Planificação, Yao Yilin. Em setem-bro de 1988, o Comitê Central decidiu conter o ritmo das refor-mas.Ogovernoadotoumedidaseconômicasausterase,em1990,a inflação caiu para 2,1%, enquanto o crescimento da economia “recuou” para 4,1%.

Divulga-sefortementeaideiadequenofinaldosanos1980oschamadosconservadoresteriamconseguido“congelar”,paralisarasreformas.Éverdadequeocorreramdisputas,conflitos,dúvidas.Ofocodetudoissoestavadirigidoparaapolêmicadoplanover-

susomercado.Épreciso,porém,evitaroexagero,tãogeralmenteaceito,de interpretaressapolêmicacomoumatentativaglobalerealdereversãodasreformas,apartirdasiniciativasdealgunsim-portantesdirigentes,entre1988e1991.Oexageroétãouniversaletãogritantesobreosfatosdessedeterminadomomentohistóri-coquesecaracterizaaviagemdeDengXiaopingaosuldaChinacomoumnovopontodeviragem,comorelançamentodasrefor-mas e a derrota dos chamados conservadores.

AvisitadeDengaShenzen,Xangai eoutros centros indus-triaisfoimuitoimportante,inequivocamente,masnãosignificouinflexão, e sim continuidade e aprofundamento do que já vinha sendo implementado.Nisso tudohámuita fantasmagoria,masé

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essa forma, essa fantasia,que todomundoquis escrevere regis-trar.Poressaleitura,apartirdaexaltada,últimaegenialcartadadeDeng,asreformasforam“descongeladas”epuderamseraprofun-dadas.AimprensaocidentalcomemoroubastanteessaviagemdeDengenaverdadeessaincursãodochefereformistafoiutilizadapelos ocidentais para justificar a superação do esfriamento das re-lações entre os Estados Unidos e a China, desde a crise da Praça de Tiananmen, em 1989.

EmcontrastecomaquaselendaunânimedopériplodeDeng,é possívelrecordaralgunsfatosquenãosignificaramdemonstra-ção de força dos chamados conservadores. Com efeito, nesse pe-ríodo,não se registra ademonstraçãodemedidas contrárias aosmecanismos de funcionamento de uma economia capitalista. Nesse sentido,foiemblemática,comoreforçodostípicosmecanis-mosdemercado,acriaçãodasduasúnicasBolsasdeValoresdaChina (afora aBolsadeHongKong), exatamentenesse supostoperíodo antirreformas.De fato, aBolsadeXangai foi aberta em1990eadeShenzen,em1991.Foi tambémsignificativa,politica-mente,aeleição,emjunhode1989,deJiangZemin,quedepoisseprovou não ter nenhum compromisso com a reversão das refor-mas,paraasecretariageraldoPartidoComunistaChinês.

O8ºPlanoQuinquenal,lançadoemdezembrode1990,nãocon-tinha nenhuma mudança da rota orientada para o mercado. Não se cogitounenhumapolíticadeataqueaosinteressesjácriados.Essesinteresses já estavam cristalizados através da disseminação das em-presas de municípios e aldeias, da autonomia dos diretores das em-presas, da expansão do papel político dos secretários do Partido nas provínciasedofortalecimentodosgovernoslocais,sempreenvol-vidosemnegócios,contratos,joint-ventures e atração de investimen-tos, no sentido da expansão da atividade econômica privada.

Na verdade, as dúvidas das lideranças chinesas, entre 1989 e 1991, se deveram aos problemas da economia, sobretudo à inflação,

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aos protestos de Tiananmen e aos receios advindos da queda do Leste Europeu e, depois, da União Soviética. As lutas internas no PCC se prendiam aos efeitos futuros das reformas em termos de socialismo (na versão chinesa) e capitalismo, especialmente com a repercussão da crise do socialismo real no mundo. A partir daí, surgiamcertosconflitos,mashavianadireçãodoPCCumauni-dade básica, consenso, sobre a inevitabilidade das reformas em fa-vordomercadoedosetorprivado,emmaioroumenorgrau,semprejuízodaregulaçãoestatal.Discutia-sesobreasdimensõesdali-beralização.Justificava-sequeomercadoéapenasuminstrumen-to, um meio, para servir ao socialismo chinês, assim como serve ao capitalismo.Argumentava-sequeosocialismo,comapreservaçãodosistemaPartido-Estado,seriacompatívelcomaeconomiaregu-ladapelomercado.RobertWeil (1999,p. 1-2) chamava a atençãodequeopróprioDengXiaoping teveahabilidadede introduzirmecanismoscapitalistasnaeconomia,mantendoalgumascaracte-rísticas da tradição socialista chinesa, como o núcleo da estrutura produtivaindustrialestatizada,perseverandonaconfiguraçãodeum modelo misto.

Édifícilcaracterizarumapolíticamonetáriacontracionistaparacombateainflação,segundoumreceituáriotradicional,comoumaprova de tentativa de reversão das reformas pró-mercado. Isso não tinha o propósito de se constituir em um ataque aos florescentes negóciosprivadosdaregiãocosteira,jáhabituadosealimentadoscom abundante oferta de créditos oficiais. Ainda dentro do obje-tivoanti-inflacionário,algumasmedidasprovisóriasetímidasdecerta centralização de recursos orçamentários foram adotadas pelo governocentral,apenasconjunturalmente,afimdereduzirosim-pactos de novos investimentos, novas atividades, impulsionados pelosgovernos locais.Osmomentâneoscontrolesdepreçosnãoeram duradouros, não impediriam a retomada, posteriormente, da liberalizaçãodospreços.Em2006, 90%dosprodutos industriais

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e80%dosbensdaagricultura jácontavamcompreços livresdemercado.(HUCHET,2006,p.10)

Por fim, sobre esse pretenso embate entre as correntes da “pla-nificação”edomercado,pode-seregistrarqueDengXiaopingmor-reu em fevereiro de 1997, mas no final desse mesmo ano, os prin-cipais líderes veteranos da ala chamada conservadora, Chen Yun, PhengZhen,WangZheneLiXiannian,jáestavammortos.Dengdeixouherdeiros, como Jiang Zemin – presidente daRepública,secretário-geraldoPCCepresidentedaComissãoMilitar–,queaprofundaram as reformas “liberalizantes”, enquanto Chen Yun nãotevesucessoralgum.

Conciliação com a tese do Estado mínimo

A administração estatal direta do conjunto da economia recuou tremendamente na comparação com o período maoísta. A despeito disso,oEstadocontinuatendoumgrandepesonaestruturapro-dutiva e no sistema financeiro da China, mantendo importante re-gulaçãodaatividadeeconômica.Todavia,oEstadomudouradical-mente sua finalidade e sua forma de intervenção, com o abandono daplanificaçãoeconômicabaseadaemprincípiosorganizacionaiscoletivistas e de sentido socializante.

Omercadotornou-seumreguladorimportantedaeconomia.Agestãopúblicacomeçouadeslizargradativamenteparameiosin-diretos, como as políticas macroeconômicas convencionais para o gerenciamentodataxadejuros,tributação,taxasdecâmbio.Amu-dança decisiva foi, posteriormente, a separação entre propriedade estatalegestãodasempresas,estabelecendo-seaautonomiaem-presarialajustadaaosditamesdomercado.Surgiuumnovocentrodepoderdecisórionaeconomia,apartirdaliberdadegerencialdasempresas. Cristalizou-se o poder de decisão dos múltiplos capitais privados,desdeosnegóciosdadiásporachinesaàsmultinacionais.

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Ademais,atémesmo,essagestãomacroeconômicaconvencionalécadavezmaisrestringidapelotipodedescentralizaçãoimplemen-tado,comosgovernoslocaisfortementeimbricadoscomacorridadenovosnegócios.Nessesentido,ampliou-se,significativamente,aparceladerecursosfiscaisdosgovernoslocaiseprovinciais,quepassaramaterliberdadeparadecidirseusgastos.Adescentraliza-ção assumiu uma nova forma, em vez da simples transferência de poderesparagovernoslocais,inaugurando-seumarelaçãodedes-centralização do Estado e da planificação em favor das empresas, comoosnovoseprivilegiadoscentrosautônomosdedecisão.

As privatizações de parte das empresas estatais são uma decisiva reformadoEstado chinês.Ao longode todooperíododas reformas econômicas, ocorreu, em paralelo, um movimento de reestruturação do aparelho do Estado, que buscou adaptar o sistema institucional às novas condições políticas, econômicas e sociais. Ao mesmo tempo, isso apareceu, em certa medida, como uma conciliação com a tese liberal do Estado mínimo, embora os dirigenteschinesestenhamumaatitudeprática,clara,derejeiçãoa qualquer ideia que assimile o Estado a um mal em si mesmo. Pelos seus atos, a liderança chinesa repudia a ideia de que o Estado, por natureza,éfontedeineficiênciaeconômica,privilégios,corrupçãoe autoritarismo. Nessa nova adaptação institucional, o Estado as-sumiuaforteregulaçãodaeconomiaagoramista.

Desde o início das reformas, o momento de maior esvaziamento das estruturas anteriores do Estado chinês ocorreu em 1988, envol-vendoosâmbitosnacional,provincialelocal.ÉsignificativoqueessegolpecontraoaparelhodoEstadotenhaantecedidoasmani-festações da Praça Tiananmen (em 1989), quando um dos motivos iniciaisdadeflagraçãodosprotestosfoiadenúnciadacorrupção,quegrassava entreos funcionáriosdamáquinaestatal conduto-ra das reformas liberalizantes desde 1979. Ou seja, pairava no ar umdesgastedealgunsaspectosdaformaçãodoEstadodentrodo

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curso das reformas econômicas. E isso expressava-se, na superfície davidapolítica,comodiscussõessobreextinçãodeórgãosestataisou protestos sociais.

No ano de 1988, a reforma do aparelho do Estado redundou na eliminação de cerca de 4 milhões de postos de trabalho na máquina pública.(RODRÍGUEZ,2005,p.18)Osministériosecomissõesnogovernocentralpassaramde40,em1983,para29,em1989.Nanovaestrutura,aáreadecontrolemacroeconômicoreuniaoMinistérioda Fazenda, o Banco Popular da China (Banco Central), a Comissão Estatal de Planificação e Desenvolvimento e a Comissão Estatal de EconomiaeComércio.Aáreadegestãoeconômicacontavacomosministérios dosTransportes Ferroviários; dasComunicações;da Construção; da Agricultura; da Conservação da Água; doComércio Exterior e Cooperação Econômica; e da Informação(fusão dos ministérios dos Correios e Telecomunicações e da Indústria Eletrônica); alémdaComissão deCiência,Tecnologiae Indústria deDefesa.A área de administração agregava osmi-nistérios da Educação;Ciência e Tecnologia;Cultura; TrabalhoeSeguridadeSocial;RecursosNaturais.Osdemais12ministérioscompunhamaáreadeassuntosdegovernoedeEstado.

ConformeSheyingChen(2002,p.211),oCongressodoPovo,também chamado Assembleia Nacional Popular (ANP), em sua 9ª sessão,reunidaem1998,aprovouofimdeimportantíssimosde-partamentos econômicos, em resposta a uma certa aproximação com uma visão – liberal, acrescente-se – de “pequeno governo,grandesociedade”.Esseautorchamaaatençãoparaaimportânciado esvaziamento econômico do Estado, através da desresponsa-bilização das unidades de trabalho (empresas estatais), em relação à seguridade social (habitação, assistência à saúde, educação)e àinfluência na vida da comunidade (repressão à criminalidade, con-trole de nascimento etc.).

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A estrutura do Conselho de Estado contava com comissões centrais que desempenhavam um importante papel de articula-ção dos diversos ministérios, ajudando a formular propostas mais globaisparaapolítica,planificaçãoegestãodaeconomiaedaad-ministração naChina.Mas, com as transformações econômicasdo mercadoedapropriedadeprivada,tudoissofoiperdendosen-tido, substância, efetividade. Então, em março de 2003, já no curso do cumprimento da liberalização imposta sobre a China pelo acor-docomaOrganizaçãoMundialdoComércio(OMC),foiextintaaComissãodeEconomiaeComércio.E,muitomaissignificativa-mente, a Comissão de Planificação e Desenvolvimento foi elimina-da e substituída por uma estrutura voltada para comandar a conti-nuidadedasreformasemfavordomercadoe,porconseguinte,daincorporação dos capitais privados. Essa instituição foi chamada deComissão daReforma eDesenvolvimento.Afirmou-se orga-nicamente, no interior do aparelho do Estado chinês, a troca da planificação socializante pelo reforma pró-mercado. Ademais, na linguagemdosdirigenteschineses,aorientaçãoeplanificaçãoso-cializantes da economia passaram a ser substituídas, cada vez mais, pelo que eles chamam de “controle macroeconômico”, baseando-se nas fórmulas convencionais de política econômica, sob pressão conflituosadekeynesianos,liberaisedesenvolvimentistas.

As Unidades de Serviço Público (USP – shiye danwei) são ins-tituições públicas incumbidas de tarefas nas áreas de educação, ciênciaetecnologia,culturaesaúdenaChina.Conta-secomumagrande diversidade de estrutura, financiamento e serviços entreasUSPsnasdiversaspartesdopaís. Já foramfeitas reformasemfavor de maior autonomia das USPs para sua administração, para abuscadereceitasforadasprovisõesorçamentáriasgovernamen-tais e para fomentar maior concorrência no mercado de traba-lho,reconheceaOCDE(2005,p.90).Éclaroque,naóticaliberal,qualquer seguridade social gera acomodação dos trabalhadores,

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minimizandoaconcorrênciaentreelesporvagasnomercadodetrabalho.A OCDEquermais:

De fato, no quadro da passagem da economia pla-nificada para a economia de mercado, a reforma das USPs está no coração da redefinição do tamanho e do

papel da Administração na economia, bem como na de-finição de seu [das USPs] modo de funcionamento e mecanismos de financiamento. (OCDE, 2005, p. 90, grifodoautor)

Portanto, as reformas pretenderam, na China, transformar al-gumasUSPsemempresasereestruturaroutras,diminuindoaindamaisasobrigaçõessociaisdoEstado.

As reformas liberalizantes, inclusive a privatização, que ante-cederamoacordocomaOrganizaçãoMundialdoComércio,em2001,equeprosseguem,significamumamudançaprofunda,emdi-versos âmbitos do Estado. Assim, cabe destacar que, em função do acessoàOMC,oEstadochinêsrevolveusignificativamentetodasuaestruturaçãolegalformal,comaemenda,modificaçãoerevo-gaçãode trêsmil leis e regulamentos, comoreconheceuHanqinXue(2005,p.138),embaixadordaChinanaHolanda.Opropósitodessareviravoltanalegislaçãodopaíséabuscadaadaptaçãoins-titucional às condições requeridas para a obtenção do status de economia de mercado, como desejava a liderança chinesa em razão dasua filiaçãoàOMC,nocontextodacrescentedependênciaeintegraçãovantajosasdaChinanomercadomundial.

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CAPÍTULO III

Descoletivização no campo

Originalmente,emcontextosbastantediversos,registraram-seal-gunsescassoscasosdeformasdecontrataçãodeproduçãoetra-balhodecamponesesem1956,emáreasremotasnasprovínciasdeAnhui,Sichuan,ShanxieZhejiang,enoperíodode1962a 1965.Na reforma do final da década de 1970, a terra mantinha-se, for-malmente, como propriedade coletiva, em sua maioria, mas a sua posse, atualmente por prazo mínimo de 30 anos, e o seu usufruto passaramaserasseguradosàsunidadesfamiliares.Ogovernodaaldeiaouocomitêdaaldeianãopodemvenderoualugaraterra.Inexiste clareza sobre quem representa a coletividade com poderes legaissobreaterra:sesãoasunidadesfamiliares,camponesesindi-viduais,comitêdealdeiaougovernoslocais.(SARGESON,2004,p. 638)Mas, crescentemente, esses poderes legais sobre a possee transferência da terra foram sendo concentrados na década de 2000 em cada família individualmente. Em setembro de 2017, o MinistériodaTerraedosRecursosdecidiuprorrogaroPrograma

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PilotodeReformaFundiáriaRuralatéofimde2018.Oobjetivodesseprograma,iniciadoem2015,éestabeleceraexperiêncialegale prática de constituição formal e clara do mercado de terras, com a compra e venda dos direitos dos camponeses sobre o uso do solo. (REUTERS,2017)

Nas aldeias menores, o xiaozu,grupoformadopor30a40fa-mílias, responde pela coletividade, redistribuindo as terras, a cada três ou cinco anos, considerando os casamentos, nascimentos ou mortes. De qualquer sorte, a família pode renovar seu direito de posseindefinidamente,podelegarasuaparceladeterraparaseusherdeiros e pode ceder essa posse para outra família. Tudo isso mostraquesetratou,naverdade,deumareformaagrária,comaefetiva distribuição de terras para o controle de cada unidade fami-liar camponesa. As famílias, sob contrato, passaram a ter uma mar-gemdeliberdadeparaescolherasculturasecomercializarpartedaprodução. Em 1983, foi concluído o processo de desmantelamento dascomunaspopulares.Anovaformadeexploraçãoagrícolaalas-trou-se,cadavezmais,generalizando-seemtodoopaís,ealcançou95% das famílias camponesas em 1984.

Preços altos subsidiados

Politicamente, era mais importante começar as reformas pelo campo. Aí,amaioriadapopulaçãochinesadefrontava-seaindacomgran-desdificuldadesdevida.Oatrasonaagriculturaeravisívelemumquadroestruturaldegrandepopulaçãocompoucaáreaagricultá-vel.Foinaárearuralqueaestratégiamaoístaimpulsionouosistemaorganizacionaldas comunaspopulares, exaltandoo igualitarismo.Portanto,seeraparadistinguir-sedomaoísmo,tinhaquecomeçarpeladescoletivizaçãonocampo.Osucessodareformanaagricultu-ra empurraria a sociedade a aderir ao conjunto das reformas, como lembrouAjitSingh(1994,p.668).

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Maseraprecisodistribuirganhosparaincentivarosagriculto-res,favorecendoareforma.Porisso,oEstadodecidiugarantir,comrecursos orçamentários, o êxito desse tipo especial de liberalização daagricultura.Entre 1979e 1981,ogovernoaumentouospreçosdos produtos comprados dos camponeses em 40%. (LEMOINE,2006,p.20)Naprimaverade1979,ogovernoelevouem20%ospre-çosdosgrãosdacotaobrigatóriaaserentreguepeloscamponesesao Estado e em 50% os preços da produção excedente, destinada ao mercado.Fezmais:paraevitaroaumentodospreçosdeconsumo,assumiuosencargosdesubsídios,afimdemanteremníveisbai-xos os preços ao consumidor.

A partir das decisões de dezembro de 1978, os produtos in-dustriaisfornecidosàagriculturaforamrebaixadosde10%a15%.(POMAR,1987,p.187)Estabeleceu-seumarelaçãodetrocaentreos preços dos produtos das empresas estatais, na cidade, e os pre-çosdosbensagrícolas,emfavordarendadasfamíliascamponesas.Reconheça-seque comessas condições especiais,despojando-sedo mito dos poderes maravilhosos dos mecanismos capitalistas, aproduçãoagrícolamultiplicou-se.Jáem1979,muitoantes,por-tanto,daliberalizaçãocompletadosmercadosagrícolas,asafradecereais cresceu para 332 milhões de toneladas contra 304 no ano anterior. Acrescente-se que, no período de 1979 a 1984, o cresci-mentodaproduçãobeneficiou-sedecondiçõesclimáticas,emge-ral,muitofavoráveis–oexatoavessodoclimaquandodoGrandeSaltoàFrente.Nessanovafasedaagricultura,houveumusomaisintensivodeadubos,energiaelétricaeoutrosinsumos.(SINGH,1994,p.668)

Afamaeosucessodessamudançanaagriculturaforamatri-buídosaquê?À iniciativa,aos incentivos,ao individualismo,aoempreendedorismo, ao mercado, à liberalização, enquanto a co-letivizaçãofoiexecrada.Acontada“generosidadeestatal”apare-ceu no início dos anos 1980, na forma de crescente déficit fiscal,

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jáqueossubsídiosàagriculturacomprometiamcercade25%doorçamento nacional. Na contracorrente interpretativa, MartinHart-LandsbergePaulBurkett(2004,p.35-36)afirmamque,nesseprimeiroestágiodasreformas,ograndesaltonaproduçãoagrícola,em vez de ser um resultado da descoletivização e do mercado, de-veu-seaosefeitosdosganhosdecorrentesdosaumentosdepreçosdegrãosdeliberadospelogoverno.

Cumprida a tarefa de “demonstrar” a superioridade do início da liberalização, era preciso ir adiante. Tratava-se de avançar na criação dos mercados livres. Dessa forma, em 1982, foi quebrado o monopólio estatal sobre a comercialização dos cereais. E, em 1985, avançou-se decisivamente na obra de liquidação da planificação estatalnaagricultura,comumpassofundamental,ouseja,alibe-ralizaçãodastrocasdequasetodososprodutosagrícolas.A alo-cação dos recursos na produção agrícola passou a depender dasflutuações do mercado, a despeito das intervenções públicas, so-bretudoapolíticaagrícolarelativaaalimentosbásicos.

Nãoobstanteas loascantadasaosganhosdeeficiênciada li-beralização, deve-se observar que a maior abertura mercantil da agricultura, na segunda metade dos anos 1980, coincidiu comuma diminuição na taxa de crescimento da produção agrícola,quefoide7%aoano,entre1979e1984,masregistrou4,5%aoano,no período de 1985 até 1990. Em 2004, a liberalização total do co-mércioagrícoladerrubouosúltimospedaçosdocontroleestatal.O Estadodecidiusuprimiroqueaindarestavadecotas(devendasdeprodutosadeterminadosórgãospúblicos)eosremanescentespreços administrados.

Asreformasnocampoeaindaarepercussãodasreformasgeraise do crescimento econômico acelerado transformaram, profunda-mente,apaisagemruralchinesa.Aagriculturarecuousuapartici-paçãonoPIBde39%,em1978,para18%,em1996,e15%,em2004.(WING,1999,p.8-15;OCDE,2005,p.533)Nessesanos,aagricultura

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ocupava, respectivamente, 71%, 51% e mais de 40% da força de tra-balho do país. A renda real per capitanocampoelevou-seem9,6%,enquantonascidadesocorrespondenteaumentofoide6,3%,entre1980e1989.(SINGH,1994,p.664)OgovernoXiJinpingestabeleceuametadereduziraocupaçãoagrícolanaforçadetrabalhototalde38%em2010para 11,6%em2030,noquadrodadesejadamodernaproduçãoagrícolaaoladodapolíticadeurbanizaçãoacelerada.

Além do cumprimento das tarefas básicas da segurança doabastecimento para sua imensa população, sem excluir as neces-sárias importações, a China, no período de 2000 a 2002, realizou exportações agrícolas líquidas de 3 a 4 bilhões de dólares. ParaClaudeAubert(1996,p.525),processava-se“umaverdadeirarevolu-çãonasproduçõesagrícolasenaestruturadoconsumoalimentar”.As transformações na área rural atingiram a estrutura produtivaamplamente. Nesse sentido, a partir da herança da industrialização ruraldaestratégiamaoísta surgiram,noperíododas reformas,asempresas de municípios e aldeias, que desempenhariam im portante papelnaprodução,empregoe,posteriormente,exportação.

Apersistentedesigualdadedeprodutividadenaagriculturaen-treasregiõesdaChinatementreseusfatoresexplicativosamaiorou menor influência do passado coletivista de comunas populares. Onde, no período maoísta, houve mais avanço da coletivização, há, hoje, no tempo das reformas, maior crescimento da produtividade agrícola.Assim,ZhunXu(2017,p.290)avaliaque:

Estelegadocoletivistanãoapenasincluiainfraestru-tura construída na era coletivista, mas também con-ta com componentes imateriais como alfabetização, solidariedade e propensão ao aprendizado produtivo e tecnológico. Estes aspectos interagem frequente-mente. Por exemplo, a massiva infraestrutura cons-truída pelas coletividades consistiu não apenas de

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umnúmerodeprojetosdeconstrução; foi tambémumprocessodemobilização,organizaçãoedegeren-ciamento. Ao mesmo tempo, melhorias na educação e saúde foram apoiadas pelo caráter coletivo das instituições e da produção. Em essência, o conceito delegadocoletivistaqueestamospropondoaquiserefere aos efeitos residuais tanto das forças produti-vas quanto das relações sociais de produção na era das comunas populares. Uma comunidade com mais legadocoletivistaterá,entreoutrosbenefícios,me-lhores condições para aumentar sua produtividade naagricultura.

Problemas sociais e ambientais no campo

A reestruturação rápida e extensa do campo na China resultou em aldeias esvaziadas, constatam Hualou e colaboradores (2012, p. 12). Sob o impacto das aceleradas industrialização e urbaniza-ção, as populações das aldeias rurais têm abandonado suas casas. A  reestruturação rural chinesa combinou em pouco tempo, apartir das reformas desde 1979, duas mudanças profundas vividas pelaEuropa.Primeiro,duranteaprimeirametadedoséculoXX,os europeus promoveram o aumento da urbanização e queda do empregonaagricultura.Depois,aEuropacontemporânea,nasúl-timasdécadas,comaglobalização,osrecursoseaculturanocam-po foram submetidos aos imperativos do mundo das mercadorias e a produção rural vinculou-se ainda mais fortemente às redes e mercados internacionais.

Nãoobstantetodasasgrandesmudanças,aszonasruraisaindaconcentram quase metade da população do país, e há uma crise latentenocampo.Desdeasegundametadedosanos1980,exata-mente em paralelo com a liberalização do mercado de produtos

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agrícolas, começou a perder força amarcha da convergência derenda entre a cidade e o campo. Desde a década de 1990, a renda real dos camponeses estagnou-se, instaurando-se uma crescentedivergência entre a rendana cidade eno campo.Amaior parteda rendados camponeses,hoje,vemdeatividadesnãoagrícolasedosmigrantesparaascidades.Voltouaaumentarofossoentreo nível de vida nas cidades e no campo, como revela a compara-ção entre as despesas de consumo urbanas e rurais, que caíram da razão de 3,2/1, em 1978, para 2,3/1, em 1985, mas tornou a aumentar para3,3/1, segundoocálculocomabasedeyuans constantes em 1995.(HUALOUetal.,p.532)Entretanto,adesigualdadederendaentre o campo e a cidade começou a declinar entre 2010 e 2011, o quetemlevadoalgunsautoresafalaremumpontoLewisdeinfle-xão.Falamdoiníciodoesgotamentodaofertailimitadaedebaixaprodutividade da mão de obra do campo, em referência às conheci-dasanálisesdeArthurLewissobreomercadodetrabalhoemumaeconomia subdesenvolvida. Assim, discute-se sobre o processo gradualdeaumentodossaláriosnaChina.Contudo,aindaoprin-cipal e decisivo fator por melhoria da renda das famílias campone-sas continua sendo as remessas recebidas de seus parentes que são trabalhadoresmigrantesnascidades.(STOBER,2016,p.8)

LiDasheng, JohnDaviseLimingWangdefinemoqueseriaa sustentabilidadedaagricultura,nocasochinês, comoumpro-cesso viável de combinação de oferta de produtos para as necessi-dades de alimentação e vestuário da população, melhoria dos re-cursosnaturaisegarantiaderazoávelrendaparaoscamponeses.(LI; DAVIS; LIMING, 1998, p. 214-5) Esses autores reconhecemque,nas atuais circunstâncias, a sustentabilidade éumgrande edifícil desafio na China, que é o país mais populoso do mundo, possuirecursosnaturais limitadoseadotaumaestratégiaeconô-micacentradanarápidaindustrialização.Nofuturopoderásurgirdúvidas sobre a capacidade da China prover alimentos para seu

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povo,conformeoscritériosdesegurançaalimentar.Ocrescimen-to esperado da população e da renda per capita, até 2030, represen-tará um aumento preocupante da demanda sobre os produtos da agricultura.Contudo,aproduçãoagrícoladaChina,globalmente,tem aumentado, e desde meados da década de 2000 as exportações totais de alimentos superam as importações. As importações líqui-dassãoconcentradasemoleaginosas,comoasojacomprada,porexemplo, dosEstadosUnidos e doBrasil.As colheitas de grãosaumentaram anualmente em 1,9% em média entre 1978 e 2014. (JIKUN;GUOLEI,2017,p.120)Aspreocupaçõescomasegurançaalimentar têm aumentado em paralelo com o crescimento da de-manda de alimentos e os problemas ambientais no campo. A fa-bulosaquantidadede640milhõesdetoneladasdegrãoséprevistacomonecessáriaparaapopulaçãode1,6bilhõesem2030naChina.(WEI;ZE;XIANGZHENG,2016,p.563)

A combinação entre recursos limitados, rápido crescimen-to econômico e degradação ambiental já tem implicaçõesmuitoimportantesnaChina,comoobservamLi,DaviseLiming(1998,p. 216-217),comosdadosaseguirapresentados.AChinatinhaape-nas 94,97 milhões de hectares de área cultivada, estabelecendo-se uma relação de 0,078 hectares por pessoa, em 1995. Essa baixa re-lação, que está diminuindo ainda mais, representava apenas 33% da média mundial, 17% da dos países desenvolvidos e 45% da dos paísesemdesenvolvimento.Nomundo,aáreaagricultávelcresce,diferentemente da China. Esse país defronta-se com escassez de águaparaaagricultura,enquantoaumentaseuusoparaaindús-triaeresidências.AChinacontavacom2.800km3 de recursos de águadoce,oquerepresentavaapenas2.470m3 por pessoa, enquan-toamédiaglobalerade7.690m3. O desflorestamento e a expan-são da pecuária, entre outros fatores, têm resultado em erosão do solo. Os 13,5% de terras erodidas, em 1985, passaram para 17%, em 1991. Amplia-se a salinização do solo. Dos 30 milhões de hectares

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atingidosporinundaçõesesecas,noiníciodadécadade1980,pas-sou-sea40milhõesdehectaresprejudicados,comgrandesperdasde colheitas, entre 1985 e 1990. A poluição química resulta na chuva ácidaecontaminaçãodeáguaesolo.Noanode2005,assistiu-seaalgunsacidentesextremamentegraves,dopontodevistaambien-tal, com o descarte de imensa quantidade de produtos químicos emáguasdeimportantesriosnaChina.

A contaminação das plantações de arroz com cádmio, um me-talcancerígeno,temalcançadograndeescalanosudestedaChina.Em2016,YuananHu,HefaChengeShuTao(YUANAN;HEFA;SHU,2016,p.516-517)denunciavam:

O rápido desenvolvimento industrial e a insuficiente proteção ambiental durante as últimas três décadas resultaram em extensa poluição por metais pesados na China, particularmente em áreas vizinhas à mine-raçãoeindústriametalúrgica[...].

Acontaminaçãoaindacontacomairrigaçãoagrícolacomáguadescartada pela indústria. Esses autores relatam que o cádmio e o chumbo já contaminam 20 milhões de hectares de solo cultivado naChina.Issorepresenta20%detodaaáreaagricultáveldopaís.Maisde13milhõesdehectaresforamcontaminadosporcádmio.

Tendência à desresponsabilização do Estado

Dopontodevistaliberal,levanta-seumaqueixaexageradasobrea nova forma de intervenção estatal remanescente na China sobre aagricultura.Assim,segundoumestudodaOCDE(2005,p.541-546),recomenda-sequeopapeldoEstadodeverialimitar-seacriarumcontextofavoráveleharmonizarasregrasparaaslivresdeci-sõesdosagricultoreseempresasagrícolas,paraofuncionamento

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dos mercados, em conformidade com o sistema de incentivos ba-seadosnaautodisciplinadosagenteseconômicos.

No entanto, observando de perto o quadro institucional descrito pelopróprioestudodaOCDE,nãosevênaChinaumgrandecon-trastecomagovernançapúblicanaagriculturanosmaisdiversospaísesnomundo.Osistemachinêsdeadministraçãodegrãos,em2004, era constituído da seguinte maneira (OCDE, 2005, p. 541-542): i)AComissãoEstatalparaoDesenvolvimentoeaReforma(CEDR),atravésdaAdministraçãoNacionaldeGrãos,formulavaa orientação sobre as compras, distribuição, estoques de reservas, preçosmínimos.Osgovernosprovinciaissupervisionavamoequi-líbrioentreaofertaeademanda; ii)OMinistériodaAgriculturapropunhamedidassobreaproduçãodosgrãos,inclusivereorgani-zaçãodasculturas;iii)ACEDRcuidavadeplanosdeimportaçãoeexportaçãodegrãos.OMinistériodoComércioocupava-sedasnegociações comerciais. Havia um departamento comercial paracereais,óleoseprodutosalimentares.OMinistériodaAgriculturaelaborava as propostas relativas à importação e exportação de se-menteseimpostosdeimportação;iv)OBancodeDesenvolvimentoAgrícoladaChina(BDAC)emprestavafundosparacompra,esto-cagemecomercializaçãodosgrãos;v)AAdministraçãoNacionaldeGrãosocupava-sedaqualidadeeinspeçãodosgrãosecooperavacomavigilânciasanitáriadasimportaçõeseexportaçõesdosgrãos;evi)OMinistériodaAgriculturacuidavadeadubosquímicos,pes-ticidasesementesedasnormasparaamecanizaçãoagrícola.

Protestou-se, nesse estudo da OCDE (2005), contra a partici-paçãodemuitosministérios (pelomenos 14) eórgãos,umvastoaparato estatal, com diversos níveis de interferência na política agrícola.Todavia,nessemesmoestudoreconheceu-sequeamaiorparte desse aparato seria desmantelada na China. (OCDE, 2005, p. 543)Reconheceu-se, também,queosobjetivoseosplanos fo-ram colocados em segundo plano, pela primazia das decisões

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descentralizadas, via mercado, na produção agrícola chinesa.Dever-se-ia reconhecer, ainda, que esse arranjo institucional do governochinês,inclusiveadefiniçãodefunçõesecompetências,tem restrita incidência prática, no sentido de contrariar a liberdade dedecisãodosdiversossegmentosprivadosenvolvidoscomosne-góciosnaagriculturachinesa.Aoqueparece,noEstadochinêsháumainsuficiênciadeum“sistemaeficazderegulaçãodospreçosedasproduçõesagrícolas”.(LEMOINE,2006,p.21)

Assim, na verdade, o problema não é a excessiva presença es-tatal.De fato, constatam-sealgunscasosdedescompromissodoEstadoemcertasáreas,causandosériosproblemas.Algumassitua-çõesdedesengajamentodoEstado,por razõesorçamentáriasouliberalizantes,criamcertadegradaçãodasobrasdeinfraestruturahidráulicanasaldeias.Osgovernoslocaisaumentaramosimpos-tospagospeloscamponeses,masessasinstânciasgovernamentaisnãotêmconseguidoresponderàsnecessidadesdasinfraestruturasagrícolas(e,alémdisso,osserviçossociaisnasaldeias).Omercado,por simesmo,nãoprovê asobrasparaproteger apopulaçãoe aagricultura das calamidades naturais. O próprio ministro dessaárea,YangZhenhuai,denunciou,em1988,queumterçodasobrashidráulicassedeterioravam,ameaçandoapopulação;500milhec-taresdeirrigaçãoseperderamemumano;canaisereservatóriossedegradavam;eaprovínciadeAnhuijátinha70%depoçosaban-donados.(AUBERT,1991,p.526)

Ao mesmo tempo, entretanto, há aspectos importantes da açãogovernamentalnocampocomimpactopositivosobreamo-dernizaçãodaproduçãoagrícola.Assim,ogoverno temadotadopolíticastecnológicasnocampoeoinvestimentoempesquisanaagriculturacresceuemmédia8%aoanode1999a2008.(WEI;ZE;XIANGZHENG,2016,p.570)

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A cantilena dos direitos de propriedade

No interior do sistema Partido-Estado, há sempre uma disputa entre os assim chamados “reformadores” (pró-mercado, setor privado) e os ditos “conservadores” (pró-Estado, menos capital privado, sobre-tudoestrangeiro).Apropriedadedaterranãoescapadessasdispu-tas. Presencia-se a adoção de novas leis e um permanente processo dediscussãonogovernosobreosdireitosdepropriedadenocampo.Organismosinternacionaiseeconomistasliberaispressionampelacriaçãodeumautênticomercadodeterras.Protesta-secontraafrag-mentação da terra em parcelas de até meio hectare, que implica em impossibilidade de racionalizar as explorações e obter economias de escala. Critica-se a extrema lentidão no processo, chamado natural, deconcentraçãoderecursoseterrasempoucasmãos.Argumenta-sequeodireitocoletivoderedistribuiraterrageraincertezasobreamanutençãodessaposse,nofuturo,e,porisso,ainsegurançadeses-timula os investimentos. (OCDE, 2005, p. 545)

A Constituição da China foi emendada, reconhecendo-se a legitimidade e inviolabilidade da propriedade privada. No país,a terra é o único e restante meio de produção que ainda é obje-to de uma certa resistência social à privatização estrita e absoluta. O pressupostodosreformadoresliberaisédequeaformalizaçãodos direitos de propriedade privada dos camponeses e das empre-sasagrícolaseomecanismodelivrevendaecompradeterraresul-tarãoemelevaçãodaeficiênciaeconômicanaagricultura.Acena-se com muitas promessas, especulando-se que esses direitos de propriedadeprivadadaterradeverãogerar:capitalizaçãoparaoscamponeseseempresários;segurançaeincentivosparaosproprie-tários aproveitarem as oportunidadesmais racionais; ganhos deprodutividade;contençãodaatualdegradaçãodoníveldevidanasaldeias; constituição de grandes emodernas empresas agrícolas,

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comescalaepreçosparacompetirinternacionalmente;eempregodenovastecnologiasnaagricultura.

Expõe-se um ponto de vista simplista no sentido de que as mudanças no mundo rural deverão estar em consonância com a “natural evolução” da sociedade no processo de industrialização e urbanização. Portanto, o campo e a sua população camponesa não poderão manter-se como o eixo da nova sociedade chinesa. Em vez de um simples processo de urbanização na sociedade chinesa, as formasdequeserevesteacrescentemigraçãodocampoparaaci-dade atestam uma desestruturação social, desde a dissolução das comunas, empanando o tão reiterado sucesso econômico e social no campo.

Anaturezaregressivadasreformasnocampoécriticada,glo-balmente, porSallySargesson (2004). Ela denuncia a ameaçadaprivatização e mercantilização da terra como uma forma de des-pojamento dos camponeses, expulsando-os da sua terra, transfor-mando-os em proletários. O baixo custo da mão de obra, a partir dos fluxos do campo, é um aspecto que a indústria e demais seto-res,nascidades,naChina,nãoqueremabrirmão.Alega-sequea formalização completa da propriedade privada da exploração agrícola poderia eximir o Estado de qualquer responsabilidade,pelosefeitostantodacontinuidadedealgunsaspectosdeliberali-zaçãoeinternacionalizaçãodaagriculturachinesa,sobretudocomaquedadastarifasdecorrentesdaadesãoàOrganizaçãoMundialdo Comércio, quanto das flutuações e especulações nos mercados agrícolasnomundo.Cadaproprietárioouempresaagrícolateriaque assumir tais efeitos adversos.

Avançaumaondade transações ilegaisde terra. Ilegalmenteoucom tramitação legal, crescemas expropriaçõesde campone-ses,inclusivepelaaçãodegovernoslocais,registrando-se,em2002,uma quantidade de terra perdida que era o dobro em comparação comoanoanterior.Aleisobrecontrataçãodeterrasrurais(Rural

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LandContractingLaw–RLCL)promulgada em2003, e as suasregulamentações,favoreceramacontrataçãoindividual,emvezdaunidadefamiliar,paraaposseeexploraçãodaterra.Essalegislaçãolançou as bases para a evolução no rumo de um certo mercado dos direitos individuais de uso do solo, contribuindo ainda mais para acriaçãodecamponesesdespossuídos. Járessurgiramoscampo-neses sem terra na China, havendo 35 milhões deles em 2003. Até 2013, contavam-se 50 milhões que tinham sido deslocados da terra agrícola, inclusivepara satisfazer asdiversasnecessidadesdaur-banizaçãorápida,recebendoirrisóriospagamentospelaperdadodireitodeusodosolo.(YING;WANYI;WEI,2014,p.2)

Formalmente, a terra continua como propriedade do Estado. Contudo, já na reforma de 1984, estabeleceu-se a permissão para alugaraterra,obtidapormeiodeconcessãodospoderespúblicos.Apartirdaí,“[U]mmercadodealuguelde terrasedesenvolveu,masosarranjosdelocaçãoentreoscamponesestêm,geralmente,um caráter informal e provisório”, segundo a análise daOCDE(2005, p. 543). O uso da terra tornou-se objeto de transações de mercado, através de compra e venda, arrendamento e hipotecas. (HART-LANDSBERG;BURKETT,2005,p.609)Comasmudan-çasjáimplementadas,Sargeson(2004,p.651)avaliaque,aoadotarformas tendentes à privatização e individualização da proprieda-de da terra, o Estado lavaria as mãos dos resultados inevitáveis dedespojamentodoscamponeses.Ogovernocentralseisentariaperanteaatitudedospróprioscamponeses,obrigadosindividual-mente, em meio às mais diversas privações, a alienar seus próprios direitos de propriedade de sua parcela de terra.

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CAPÍTULO IV

Liberalização do mercado de trabalho

Ecriou-seomercadodetrabalho!Eacriatura,comosesabe,éo cerne do capitalismo. A China, então, foi virada de ponta-cabe-ça,comareformadaregulaçãoestataldotrabalho.Foiconstruídoo caráter de mercadoria da força de trabalho, a despeito de suas características especiais. As reformas tornaram a força de traba-lho chinesa, plenamente, uma mercadoria que, com os capitalistas consumindoseuvalordeuso,geraumvalormaiordoqueoseupróprio (da força de trabalho) valor. A reinvenção do mercado e da propriedade privada na China não é uma simples volta à mí-tica economia de mercado smithiana da China de séculos antes das guerrasdoópio, conforme a impressionante imaginação e odesejo deGiovanni Arrighi (2008).Mercado e propriedade pri-vada, criaturas sociais contemporâneas, engendram, na China,gradual e inevitavelmente: o fetichismo da mercadoria, as rela-ções “pelas costas dos produtores”, a caracterização do trabalho comoumapropriedadedamercadoriaecomoalgoestranhoaos

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trabalhadores, a alienação do trabalho, a exploração do trabalho pelo capital, a teleologia absoluta do lucro. Institucionalizou-se,na China contemporânea, a assimetria estrutural, tipicamente ca-pitalista, entre a demanda e a oferta da força de trabalho, com a concorrência aberta entreos trabalhadores e coma insegurançasocial da sobrevivência, disciplinadora, diante da necessidade de preservaçãodoemprego.

As reformas liberalizantes criaram certas características de exploraçãodos trabalhadores chineses, que guardamalguma se-melhança com outros processos de desenvolvimento capitalista. Além disso, o contexto do neoliberalismo no mundo e a queda do socialismo real na União Soviética favoreceram o apelo a velhas e novas torpezas contra os trabalhadores. Internacionalmente, na década de 2010, no cortejo da sucessão de novas fases da crise do sistema capitalista, recrudesceu o ataque ao trabalho, com retro-cessos nos direitos trabalhistas e previdenciários, a exemplo dos episódiosnaGréciaeEspanhaatéasreformas legais,apartirde2015, na França e no Brasil. Foi retomada a importância da extra-ção da mais-valia absoluta no mundo, a despeito dos revolucioná-riosavançostecnológicosnoprocessodeprodução,comameaçaspavorosassobreoempregonoséculoXXI.Assiste-seàrenovadafúriadeexploraçãocapitalista,semasrestriçõesdopassado:aslu-tas do movimento operário, no mundo, por direitos e reformas so-ciais, de um lado, e a presença da União Soviética e a experiência dagranderevoluçãochinesa,deoutro.

A exploração acentuada também ocorre na China, apesar de suas particularidades, embora a economia chinesa desfrute de exu-berantemodernizaçãoeconômicaeprogressotécniconasúltimasdécadas.AChinaindustrializa-se,enquantoalgunsoutrospaíses,sejam os Estados Unidos, seja o Brasil, desindustrializam-se. Se a exploração como fonte do lucro não fosse tão elevada na China não teriahavidoavertiginosaegigantescaexpansãodoexércitoativo

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de operários fabris, em contraste com o drástico encolhimento do número de trabalhadores no chão da fábrica nos países centrais.

Guardadas as grandes diferenças das épocas históricas, podeser feito um paralelo no que concerne à exploração do trabalho em cursonaChina, comocomeçoda industrializaçãona Inglaterra.O queensinaahistória?Aesserespeito,pode-setomaremconside-raçãooesclarecimentodeFriedrichEngels,mostrandoqueocon-textodo“estágio juvenildeexploraçãocapitalista”,naInglaterra,foimarcadopelaexploraçãosemlimitedoiníciodagrandeindús-tria.(ENGELS,197-?ou198-?d,p.214)Engelsexplicouque,poste-riormente,nonovoestágioeconômico, jáavançado,asastúciasepequenos roubos contra os operários já não faziam sentido, porque jásecontavacomoprogressodagrandeindústriainglesaeosmer-cados mais amplos. (ENGELS,197-?ou198-?dp.213)Paraagrandeempresa,surgiuanecessidadedecertamoralidadecomercialedeconcentrar o seu tempo e atenção em aspectos mais relevantes dos negócios.Sóospequenosfabricantesaindaseatiravamaostostões,aos truques mesquinhos, para tentar sobreviver. Na etapa produti-va avançada, ocorreram as reformas sociais, como o fim do truck sys-

tem(pagamentodotrabalhoemprodutos)eaaprovaçãodaleidasdezhoras.Essasmedidasde regulamentaçãopúblicado trabalhocontrariavam o espírito do liberalismo desenfreado, mas, paralela e paradoxalmente,reforçavamosgrandescapitalistasemdetrimentodosconcorrentesmaisfrágeis,analisavaEngels.

Anecessidadedegrandenúmerodeoperáriosnasmaioresem-presas levou os mais importantes empresários industriais a preve-nirconflitosinúteiseaceitarossindicatos,observouEngels.Tudoisso estava em conformidade com o movimento de aceleração da concentração do capital e supressão dos concorrentes menores. E depois? E agora? No “capitalismo juvenil” em países periféri-cos reconhecem-se, como na atual retomada produção ca pitalista na China, o retorno às torpezas, além da exploração estrutural

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da relação social entre capital e trabalho. Isso é demonstrado so-bejamentepelavidae trabalhodosmigrantes,pelossaláriosbai-xos, pelo crescimentodadesigualdadededistribuiçãode renda.Tambémestáassociadoàsprecáriascondiçõesdevidadegrandesmassas trabalhadoras, sobretudo camponeses emigrantes traba-lhadores chineses, apesar dos reconhecidos avanços da China na redução da assim chamada extrema pobreza.

No período das reformas do Estado e da dominação do capital na China, as mudanças no que diz respeito às relações sociais de produçãotornaram-sefundamentais.Eraprecisoadaptaraorgani-zaçãoeagestãodoprocessodetrabalhoaocontroleempresarial.Erapreciso contar com uma força de trabalho disciplinada, submetida à hierarquia. A autonomia da direção das empresas, reafirmando a divisãodotrabalho,seriaumensaio,umaliçãodecasa,preparan-do as futuras mudanças na propriedade das empresas para entroni-zar o controle sobre o trabalho e o produto. As práticas, nos moldes capitalistas, de incentivos monetários, a despeito da predominân-ciadossaláriosbaixos,substituíramosoutroraapelosideológicossocialistas.Emborauniversalmentetãodivulgadoselembrados,os“incentivosmonetários”sãoumaexpressãodemasiadamenteenga-nosa, como atesta a realidade salarial inferior dos chineses em com-paração aos ganhos dos trabalhadores dos países desenvolvidos.Os bônus,asgratificaçõeseossaláriosporproduçãoforamadota-dos, desde 1979, nas empresas estatais da China. Implementaram-se fórmulas de intensificação da jornada do trabalho. O trabalho mais intenso ou o aumento da produtividade do trabalho passaram a coexistircomapossibilidadeformaldodesemprego,quesetornouaceito,assimilado,normal,comoumfatodanatureza,emboraogo-verno chinês, típica e corretamente, esteja sempre atento e ativo à necessidadeeconcretizaçãodageraçãodeemprego.

NaConstituiçãode1982,proibiu-seoexercíciodagreve,comouma resposta ou uma prevenção para a resistência dos trabalhadores

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diantedaliberalizaçãotrabalhista.Prosseguemsempreaspressõespor mais rodadas de aprofundamento da liberalização da contrata-çãoda forçade trabalho.Aprimeira legislação trabalhistaabran-gente tardou.Só foi aprovadapeloCongressoNacionaldoPovo(CNPouANP,AssembleiaNacionalPopular)em1994.ParaYingZhu(1995,p.37),oprocessodeaparecimentodediversasformasdepropriedade e de organização das empresas gerou, consequente-mente,sistemasvariadosdegerenciamento.9 Em razão desse movi-mentodemudançasgerenciais,asrelaçõestrabalhistastornaram-semais complicadas, diversificadas, o que contribuiu para dificultar a simpleseconvencionalfiscalizaçãodanovalegislaçãotrabalhista.

Anteriormente, no âmbito da planificação econômica de tipo socializante,constavamoempregopermanentee,marginalmente,oemprego temporário.Osdepartamentosde trabalhodoestadoregulavamorecrutamento,transferênciasedemissões.Asempre-sas estatais e coletivas garantiamo emprego e assumiamamplasresponsabilidadesdeseguridadesocial.Todavia,comasreformas,os contratos começaram a substituir o statusdeempregoperma-nente. Instituiu-se a liberalização do recrutamento e demissões. Estabeleceu-seumanovaefrágilformadesistemasocialdeseguri-dade,inclusiveparaosdesempregadoseaposentados,diminuindoasobrigaçõesdiretasdeseguridadesocialdasempresasnoscustosde reprodução da força de trabalho.

Gigantesco reservatório de mão de obra no campo

Osistemaderegistrododomicílio(hukou) ainda existe, mas já se encontra bastante modificado e reduzido nas cidades e nas aldeias.

9 Osadministradoresegerentescontavam1,2%daforçadetrabalho,em1978,epassarampara3,6%,em1999.(TOGETrichisglorius.,2002,p.2002)

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Ele ajudava a evitar o êxodo descontrolado para as cidades, impe-diaaconcentraçãodegrandesmassasdapopulaçãocomacriaçãodefavelas,comoocorreunasmegalópolesdospaísesdaperiferiacapitalista,aexemplodoBrasil,Méxicoe Índia,comaexpulsãodos trabalhadores do campo. (AMIN, 2001) Durante o períodomaoísta, o registrodamoradia e, em especial, a coletivizaçãodaagricultura, viabilizaram a estabilidade de uma extensa rede devilasealdeiaseasseguraramascondiçõesdetrabalho,produçãoesobrevivênciadagigantescapopulaçãoruralnaChina.

As cidades simplesmente não comportariam o deslocamento imediatode imensamassapopulacionalchinesa.Mas,aala libe-ralnaliderançadaChina,nocursodasreformas,sóenxergavaeenxergaessesistemaderegistrocomoumobstáculoaofluxodamão de obra, prejudicial à constituição de um mercado de trabalho livre e unificado em toda a China. O hukou era visto simplesmente comoumentraveparaograndeobjetivodomercadodetrabalhonacional, com a livre circulação da força de trabalho pelas áreas rurais e urbanas. O problema, para os reformistas liberais, não era exatamente a liberdade de movimento do indivíduo, um direito democrático fundamental, mas a mobilidade da força de trabalho. Ignoravam-seascircunstânciasespeciais,ascaracterísticasdemo-gráficas,oslimiteseaspossibilidadesdaeconomiaemcertomo-mento da história chinesa. Assim, em contraste ao liberalismo, o hukou deveria, na verdade, ser compreendido como uma medida transitória, uma restrição temporária, uma imposição penosa das circunstâncias, um sacrifício provisório do direito de mobilidade do cidadão. Com o hukou, as pessoas, é claro, podiam circular no país, mas isso era sacrificado, lamentavelmente, na prática pela fi-xaçãolegaldaresidência.

Amédioe longoprazo,umaconvincenteeeficientepolíticadedesconcentração econômica e regional, inclusive com forte emoderna industrialização, favorecendo o desenvolvimento social,

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teria sido uma forma mais adequada para incentivar a permanência dessasgrandesmassasdehabitantesemsuasregiões,aldeiasevi-las, com urbanização sem desestruturação social. O en frentamento das desigualdades regionais teria desvanecido a necessidade docontrole da mobilidade das pessoas. Uma política dessas para a desconcentraçãoeconômicaeseguridadesocial,porém,éadversaàlógicadaespacialidadedaalocaçãocapitalistadosrecursos.

Portanto,odesmontedosistemaderegistrodamoradia(hukou) é um avanço democrático e ao mesmo tempo uma reforma para li-beralizar,cadavezmais,osfluxosmigratórios,semassegurar–eisso é fundamental – condições satisfatórias de trabalho, de remu-neração,deseguridadesocialedeliberdadepolíticaesindicalparaamaioriadosmilhõesdemigrantestrabalhadores.Mas,dopontode vista do interesse do capital, o desmonte do hukou não deve ser completo.Nessesentido,é importantemanterumasegmentaçãonomercadode trabalho, discriminando-se osmigrantes.Assim,nasegundadécadadoséculoXXI,persistem“cercade17%dapo-pulação da China, ou 230 milhões de pessoas, como ‘população flutuante’,quevivenascidadesmasnãopossuioregistro(hukou) local”.(LOONEY;RITHMIRE,2016,p.2)

Milhõesdepessoassaemdocampo,temporáriaoupermanen-temente, para buscar qualquer tipo de ocupação na cidade “criando oportunidadesparaosempregadoresdosetorprivadoexploraremamão-de-obra”,afirmaYing(1995,p.44).Odesmontedasanterio-resestruturasprodutivas socializantesnocampo,odesemprego,a pobreza e as privações produziram, no contexto das reformas, a necessidadeeacoerçãodemigraçãoparagrandesmassasdetra-balhadores.São“proletárioslivrescomoospássaros”,diriaMarx(1988b, p. 253). Assim, como se fosse uma reedição da acumulação primitiva de capital, constituiu-se essa nova classe proletária, com decisiva influência da oferta da mão de obra barata advinda do

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campoedemandadapelasfábricasnaregiãocosteira,inclusivenasZonasEconômicasEspeciais.

Depoisde 1983,cadavezmais,os funcionáriosdoMinistériodo Trabalho raramente fiscalizam se os novos contratados nas em-presas urbanas possuem o cartão de identidade domiciliar (hukou). Masotrabalhadortemqueexibirocartãoderegistrodemoradiaparateracessoaosserviçospúblicos.Assim,nasgrandescidades,concentra-seumagrandemassadetrabalhadoresmigrantes,comose fossem clandestinos em seu próprio país. A despeito disso, há a experiênciaemalgumascidadesdeconcessãodecartãoderesidên-ciaparaosmigrantesquecomprovamoemprego“permanente”.Surgiu,ainda,aprópriaoficializaçãodavendadehukou, pelas au-toridades das cidades, desde meados de 1980.

As próprias transformações no sistema produtivo, nas cidades e no campo, conduzem objetivamente à liberação de mão de obra daagricultura.Assim,registra-sequecercadeum1/3daforçadetrabalhoruralocupava-seematividadesnãoagrícolasnofinaldosanos1990. (FLEISHER;YANG,2003,p.426)A“corridapelo lu-cro”dasunidadesfamiliaresnaexploraçãoagrícola,adominaçãodas relações de mercado e as demandas resultantes do crescimento globalda rendana sociedade forçam, inevitavelmente, amarchapelamecanizaçãoetecnificaçãodaagriculturacomoobjetivodeelevar a produtividade. Entre os diversos efeitos desse amplo pro-cesso de transformação econômica no país, há obviamente esse problemadaliberaçãodeumimensocontingentedemãodeobraparaascidades,naspeculiarescondiçõesdemográficaschinesas.Contudo,omaiscontundentegolpedeliberaçãodaforçadetraba-lho, a partir do campo, parece que está sendo preparado, conforme osestudosdogovernoenovasleis,sobreacriaçãoeliberalizaçãocompletadomercadodeterras,estabelecendograndesemodernasempresasagrícolasprivadas.(SARGESON,2004)

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Phillip Anthony O’Hara (2006, p. 401-402) argumenta que oprocesso capitalista chinês de criação das classes de trabalhadores assalariados e de capitalistas depende da expansão do mercado de trabalho com os fluxos demigrantes do campo para as cidades.A OCDE(2005,p.374)estimavaumfluxodepelomenos10milhõesde pessoas das áreas rurais por ano. O’Hara chama a atenção de que, no ritmo de crescimento econômico de 9% ao ano, o reservatório dos supostos, pelo menos 150 milhões de trabalhadores rurais exce-dentes,seesgotaria,relativamente,entre2020e2022.O crescimen-to econômico desacelerou-se, mas mantém em nível ainda elevado. Jánadécadade2000estavaocorrendoummovimentodesubsti-tuição do trabalho pelo capital, apesar dos baixos salários, lembra o próprio O’Hara. O crescimento dos investimentos, o aumento da produção e o acirramento da concorrência já estariam levando ao aumentodacomposiçãoorgânicadocapitaleaosseusefeitosso-bre a lucratividade. O crescimento mais rápido da massa de capital, em contraste com a menor expansão da disponibilidade da força de trabalho, já estaria pressionando a taxa de lucro na China, mas a queda relativa do ritmo de crescimento da economia desde 2012 afrouxa essa pressão da demanda por força de trabalho.

Contudo, seguramente, aindapor algum tempo razoável, in-dependentementedealgumasestimativassobreofuturodomer-cado de trabalho chinês nas próximas décadas, as condições do mundo do trabalho continuarão muito desfavoráveis ao conjunto dos trabalhadores, sobretudo os migrantes, em comparação àsvantagensusufruídaspelosempresários.Ascentenasdemilharesde empresas estrangeiras, sobretudodeorigem tambémasiática,instaladasna região costeiradaChina, ao longodoperíododasreformas, representaram e continuam representando uma atração detrabalhadoresmigrantesdasprovínciasdoOesteedoCentrodopaís.Essesmigrantesconstituemaparcelamajoritáriaocupadana manufatura trabalho-intensiva que caracteriza mais de 70% das

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empresasestrangeiras,inclusiveasfirmasdepropriedadedoscapi-tais da diáspora chinesa.

Portas abertas para a exploração do trabalho

Essenovosegmentodaforçadetrabalho–osmigrantesemmassa–surgidoemmeioàsreformas,resultouemdiversificaçãoeflexi-bilizaçãodomercadode trabalhourbano.Eles sãoatingidosporviolentaexploração,combaixossalárioseprolongamentoexces-sivo das jornadas de trabalho. (YUCHAO, 2004) As condições de trabalhoespecíficasdosmigrantestornam-se,nochãodafábrica,comuns, extensivas, emcertamedida, emcertograu, a todosostrabalhadores, inclusive os já tradicionais operários advindos, eventualmente, das demissões das empresas estatais, por exemplo. Como funciona esse mecanismo de nivelamento por baixo das condições salariais e de trabalho, a partir da força do exemplo dos migrantes?Emimagem,écomosefosseumêmbolo(asegmenta-ção, desproteção e especificidade dosmigrantes), deslocando-separabaixo(rebaixandoeesmagandoascondiçõessalariaisedetra-balhoparaosoperáriosemgeral)ecircunscritoàsparedesde umcilindro ou envoltório (interior da fábrica, longe da regulação eproteçãolegalsocialexterna).

Os abusos trabalhistas são marcantes, destacadamente nas pequenas e médias empresas estrangeiras, muitas originárias dechinesesdeHong-Kong.Háausênciade instalaçõesparahigienebásica, acidentes de trabalho frequentes, ambientes superlotados, exposição à poluição, alta temperatura e barulho, falta de equipa-mentos de proteção, ocorrência de doenças profissionais, hora- extra compulsória, metas de produção muito elevadas, remunera-çãoabaixodosaláriomínimo,atrasosdepagamento,admissãodetrabalhadoressemregistro, imposiçãodemultasporausênciaemcasosdedoençaetc.Minqi(1999,p.63)denunciaque

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[n]os anos 80, os direitos dos trabalhadores foram continuamenterevogadosnamedidaemqueaburo-cracia [estatal] impunha a ‘administração científica’ nas empresas estatais – na verdade, a disciplina do trabalho, no estilo capitalista – e quebrava o iron rice

bowldoempregoseguro.

A Federação dos Sindicatos da China (All-China Federation ofTradeUnions–ACFTU)é aorganização sindicaloficial.Elatemsidoineficaznadefesadagrandemassademigrantesenasal-vaguarda dos interesses do conjunto dos trabalhadores.Osmi-grantestêmtomadoiniciativasautônomascomogreves,petições,denúncias e manifestações de protesto, enquanto o Estado proíbe ereprimequalquerorganizaçãosindical independente.Sãocres-centesasgrevesespontâneasdostrabalhadoresemgeral.

A Federação Sindical contava com 103 milhões de filiados em 1994,mas,comoeradeseesperar,essaorganizaçãooficialencon-tra-semergulhadaemtensõesvariadas.AFederaçãoépuxadadeumladoparaooutro:os interessesedescontentamentodostra-balhadores em contraste com o apoio às reformas econômicas. As dificuldadesdosindicalismooficialseagravaramcomoavançodadominação do capital na economia, ameaçando a coesão naciona-listachinesa,jáqueautoridades,intelectuaisegerentespassamaassumirosinteressesdagrandeemodernaempresaestrangeiraounacional (internacionalizada), em detrimento dos interesses dos patrícios trabalhadores. Nesse quadro de conjunto, acumulam-se ascondiçõesparaosurgimentodealgumasorganizaçõessindicaisnão oficiais, como já tem, limitadamente, ocorrido.

A assim chamada “flexibilização contratual”

Em1983,alémdoiníciodassubstituiçõesdoempregopermanentepelocontratodetrabalhoeadoçãodosempregostemporários,foi

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criado um mecanismo para incentivar a dispensa, assim chamada voluntária,dosempregados.Essemecanismode1983permitiaaotrabalhadorsairdaempresaestatal,procurarempregoemalgumafirmanãoestatal,naqualsemantinhaempregado,enquanto,du-rante dois anos, detinha o direito, se assim preferisse, de voltar paraseulugarnaestatal.Nessesdoisanos,otrabalhadornãorece-bia o salário da empresa estatal nem a maioria de outros benefícios, comoaassistênciamédica,masgeralmentemantinhaamoradia.Foramcriadosórgãosespecíficos,comocentrosparaadministraressas“trocasdeemprego”.Issocresceuejáexistiam30mildessescentrosaté1996.(GANG;LUNATI;O’CONNOR,1998,p.33)

Em1985,osempregados,sobcontrato,contavam3,7%daforçade trabalho nas empresas estatais, passando para 18,9% em 1992. Em1986,oscontratosdetrabalhoforamadotados,naprática,emtodoopaísparaosnovosempregados.Depoisdasprivatizações,fusõesereorganizaçãodasempresasestatais,restarampoucostra-balhadorescomempregopermanente.Oobjetivoeraageneraliza-çãodoscontratostemporáriosdetrabalho,que,apósoCódigodeTrabalhode1994,foramimpostos,comonormaobrigatória,paratodas as novas contratações em todas as empresas.

Informalidade massiva

AtentativadoCódigodoTrabalho,de1994,deexpressarharmo-nização com as normas trabalhistas internacionais não tem sido, nempoderiaser,umobstáculoparaqueoEstadochinêspersigauma lógicadesenvolvimentista,noâmbitodaconvencional rela-ção entre o capital e o trabalho. Portanto, as políticas públicas, em geral, inclinam-se em favordos interessesdas empresas, compa-rativamenteaosdostrabalhadores.Quandoogovernoquebrouocontrato de direitos da “tijela de arroz de ferro”, enfraqueceu a pro-teção social e criou os mais diversos tipos de contrato de trabalho,

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o resultado só poderia ser a insegurança para os trabalhadores.Essa insegurança, vulnerabilidade, torna os trabalhadores umapresa fácil para a intensificação da exploração capitalista. Impõe-se mais flexibilidade no mercado de trabalho, mais disciplina aos trabalhadores, mais pressão produtiva.

Alegislaçãotrabalhistaseguiuomodeloconvencionalburguês.Oscontratossãoestipuladoscomaprevisãolegaldapossibilidadedasuarescisãoaqualquermomento.Nãohágarantiadeemprego,aempresa pode demitir livremente, mediante aviso prévio e indeniza-ção.Ajornadalegaléde8horaspordiae44horasporsemana,comliberdade para horas-extras. Os sindicatos negociam convençõescoletivas.Tudoissoéoquerezaoformalismolegal.Mas,naprática,atémesmoaabrangênciadacoberturadoCódigodeTrabalhoémi-noritária,porqueatingeapenasosetorformalurbano.Asleistantodotrabalhoquantodasempresas,promulgadasem1994,permitirama liberdade das empresas para tomar suas decisões, no âmbito das relaçõesdetrabalho,semingerênciagovernamental.

Conforme a OCDE, baseando-se no anuário estatístico da Chinade2004,haviaumaesmagadorainformalidadenomercadode trabalho. (OCDE, 2005, p. 375, ver tabela 11.1.) Apenas cerca de 1/5dostrabalhadoresestariamenquadradosnanovalegislaçãodotrabalho. Essa minoria era formada pelo pessoal da administração pública, das empresas estatais, das empresas coletivas urbanas, das sociedades anônimas, das empresas mistas, das empresas de capi-tal estrangeiroepartedos trabalhadoresdaspequenasempresasurbanasregistradas.Nofinalde2003,os744milhõesdetrabalha-doreseram,aproximadamente,repartidosem49%paraaagricul-tura,17%paraatividadesnãoagrícolasnaárearural,15%nosetorformal urbano, 13% para outros setores urbanos, 7% para profis-sionais independentes e assalariados de pequenas empresas urba-nas.Reconhece-sequeomercadodetrabalhoformalélimitadoeargumenta-se,comosefossealgodapróprianatureza,inevitável,

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que essa é uma característica de todos os países ditos em desenvol-vimento.Quasesejustificaqueasáreasruraiseinformaissãome-nos produtivas e por isso seria natural que os trabalhadores nes-sessetoressejammantidosafastadosdequaisquerdireitoslegais. (OCDE, p. 371)

Asinspeçõesdetrabalho,porpartedeagentesdogoverno,sãomuito precárias em relação a problemas como jornadas excessivas, salários abaixo do valor mínimo e atrasos salariais. Isso reforça as denúncias, sobretudo dos sindicatos de países concorrentes, acer-cadaatraçãodefirmasestrangeiraspelaChinaemrazãodosbai-xos padrões trabalhistas.

Desemprego nas estatais

A reforma nas empresas estatais é como se fosse sinônimo de desempregoemmassa.Areestruturaçãoprodutivaéumahistóriasem fim, um movimento permanente e expressa-se sobretudo como mudança na estrutura produtiva do Estado. Essa reforma im-plicou, paulatinamente, nas mais diversas medidas de libe ralização econômica,desdeacontrataçãoegestãodaforçadetrabalho,auto-nomia dos administradores, até a privatização e a atração do afluxo doinvestimentodiretoestrangeiro.“Namedidaemqueareformadas empresas públicas se acelerou na China no curso dos últimos anos, uma parte crescente da mão de obra se tornou ‘supérflua’”, constataramGang,LunatieO’Connor(1998,p.7),nasegundame-tade dos anos 1990. Estimava-se que 20% a 25% eram mão de obra tornada redundante nas empresas estatais.

ParaJean-FrançoisHucheteYanXiangjun(1996,p.599),haviade 30 a 40 milhões de trabalhadores excedentes nas empresas esta-tais,em1996.Nesseano,asempresasdemunicípiosealdeiasem-pregavam20%daforçadetrabalho,enquantoasempresasestataisocupavam16%. (WING, 1999,p. 15)Asmulheres, representando

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36%da forçade trabalhonasempresasestataisem1996,eramasmais vulneráveis às demissões. Comparativamente aos homens, as mulheres tinham menor qualificação, ocupavam postos secundá-rioseerammaissujeitasaempregostemporários.

Uma certa proporção de trabalhadores era afastada das suas atividades nas empresas estatais, caracterizando, na prática, a de-missão. Eles (os xiagang), contudo, mantinham o vínculo formal deempregadonasempresasestatais.Assim,nãoeramregistradoscomodesempregadose,porisso,nãotinhamacessoaoseguro-de-semprego.Recebiamumauxíliomonetário,menordoqueseuúlti-mosalário,emantinhamalgunsbenefíciossociaisqueaindarestas-semnaempresa.Portanto,nãoestavamtotalmentedesprotegidos.Esses efetivamente demitidos constituíam a parcela de maior peso nodesempregonaChina,emboranãoaparecessemnataxaoficialdedesemprego.(GANG;LUNATI;O’CONNOR,1998,p.48)

Jánosprimeirosanosdadécadade1990,houvedemissõesemmassa nas empresas estatais, em uma conjuntura de precarização dosrecursosdeseguridadesocialeaumentodadistânciaentreri-cos e pobres. (CHEN, 2003, p. 117) As empresas estatais dispensa-ram cerca de 30 milhões de trabalhadores, entre 1998 e 2004. Sem emprego,21,8milhõesdetrabalhadoresurbanos,noiníciode2006,sobreviviamcomumirrisórioauxíliogovernamental.O valordes-se auxílio era de somente 19 dólares por mês, enquanto o salário médio dos trabalhadores urbanos era de cerca de US$ 165, emjunhode2005.(HART-LANDSBERG,2006,p.14)

Adistribuiçãodo emprego, conformeo tipodepropriedadeda empresa, mostra claramente que as empresas estatais já tinham sido abandonadas como principal fonte de ocupação para a força de trabalho, refletindo a privatização da estrutura produtiva chi-nesa, inclusive o fim das comunas populares e da coletivização no campo. Em 1997, a participação das empresas estatais no total de empregos já tinha sido esmagada para apenas 15,9%, com dados

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do Banco Asiático de Desenvolvimento, uma fonte insuspeita, do ponto de vista do capital.10

Em 2002, o setor não estatal já era responsável por 90,3% dos empregosnaChina,conformeasinformaçõesdoBancoAsiáticode Desenvolvimento. Dentro desse setor aparecia, nas explorações agrícolasfamiliares,agrandeparceladeemprego,cercade44%em2001, na qual grassavam a plena informalidade e o subemprego.Vale chamar a atenção para um fato importantíssimo: a empre-sa integralmente privada, tão elogiada pela sua modernizaçãoe eficiência, é uma decepção no quesito geração de empregos.Comprovadamente, ela só compareceu com ínfimos 3,7% de par-ticipaçãonototaldeempregosem2001.Eissocontrastaflagran-tementecomsuagrandepresençanaprodução,exportaçõeselu-cros, no processo de crescimento econômico acelerado na China, sob as reformas de mercado.

As mudanças no sistema de propriedade e na distribuição do emprego geraram muitas implicações, a começar pelas novas eacrescidasdificuldadesparaaspolíticasdeplenoemprego.Emcon-trastecomopassadosocializante,odesempregodeixoudeserumaheresia na China, e passou a ser encarado como uma decorrência daresponsabilidadedecada indivíduo.Mas, simultaneamente,apolítica econômica bem-sucedida do Estado pela modernização e crescimentodaproduçãoresultouemconstanteemassivageraçãodeempregos.

10 VernoestudodoBancoAsiáticodeDesenvolvimentoatabelasobreonú-merodeempregosemempresasconformeotipodepropriedade(emmilhõesdepessoaseem%),de1997até2002.In:ADB.PrivateSectorAssesstement–PRC.AsianDevelopmentBank.(ADB,2003,p.6)

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Desmonte da seguridade social

Oobjetivodeflexibilizaromercadodetrabalhoexigiaque“o sis-tema de seguridade social fosse dessolidarisado da empresa”.(GANG;LUNATI;O’CONNOR,1998,p.7)AOCDEdestacoucomo um dos principais efeitos das reformas econômicas na China a“evoluçãodopapeldosempregadores”,jáqueagoraasempresaspoderiam se concentrar nas suas atividades específicas. (OCDE, 2005,p.371)Asempresasteriamsidoliberadasdosencargossociaise administrativos que anteriormente eram assumidos pelas unida-des de trabalho (danwei), uma herança do período maoísta.

Comasmudanças,surgiramasagênciaspúblicasdeemprego.Ainspeçãodascondiçõesdetrabalhoeaseguridadesocialpassa-ram para uma nova forma de suposta responsabilidade do Estado, apósaLeidoTrabalho,de1994.Masissonãofoisóumadistinçãode papéis entre o Estado e a empresa. Na verdade, foi uma distin-ção entre tarefas do Estado, a serviço da acumulação do capital, para a exitosa transformação produtiva do país, e o papel da em-presa privada, cada vez mais dominante na estrutura produtiva da China, com todas suas implicações sociais e políticas. Antes das reformas,nãoerailógicaaresponsabilidadedaempresaestatalcomo conjunto das necessidades materiais e de condições de vida dos trabalhadores. As reformas e a volta das empresas privadas, a assim chamadaevoluçãodopapeldosempregadores,ouseja,doscapita-listas,promoveram,naChina,umanovavisãoglobalsobreoslu-cros e a acumulação de capital, com exploração dos trabalhadores.

O Estado está implantando, em um processo muito demora-do, sem fim, desde meados da década de 1990, os instrumentos de seguridade social comum formatode sistema, embora as re-formaseocancelamentodaantigaestruturadedireitossociaisjátenhamocorrido.Oscincoprincipaisprogramasforamlançadosatravésdapromulgaçãodasleisdoseguro-maternidade,em1994;

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doseguroporacidentedetrabalho,em1996;daaposentadoria,em1997;doseguropordoença,em1998;edoseguro-desemprego,em1999.Ésintomáticoqueoseguro-desempregosótenhaobtidosuaregulamentaçãonacionalelegalaprovadaem1999,depoisdalongacrisedodesempregonasempresasestataisdurantetodaadécadade 1990, e, em especial, após o pico das dispensas em 1998, com a aceleração das privatizações em massa.

Os valores, tanto das contribuições de trabalhadores e de em-presas, quanto dos benefícios, variam entre as províncias e mesmo entre as cidades. (OCDE,2005,p.387-8)Acoberturadosprogra-mas é mínima. A aposentadoria só cobria cerca de 21% dos traba-lhadores,inclusivefuncionáriospúblicos,em2003.Oseguro-de-sempregosótinhacoberturapara14%dostrabalhadores.Oseguropordoença,11%decobertura.Oimportantíssimoseguroporaci-dentede trabalho,6%.O seguro-maternidade, 5%.Constatou-seque o programa de aposentadorias encolheu sua cobertura noperíodode1995a2003.Aseguridadesocialdostrabalhadores,naChina, sobretudo para os mais pobres, vai mal.

O sistema de aposentadoria limita-se à área urbana, com três regimes.Háumagrandedescentralizaçãonosistemaporqueages-tão, inclusive a definição dos valores de contribuições e benefícios, éencargo,namaioriadoscasos,dasadministraçõesdascidades.O primeiroregimeéoderepartiçãocombenefíciosdefinidos,comidadedeaposentadoriade60anosparaoshomensede 50anospara amaioria dasmulheres.O segundo regime é de contribui-ções definidas com contas individuais de aposentadoria. Os assa-lariados depositam 8% de seus salários nessas contas. Os patrões contribuem com apenas 3% de um valor de referência nacional nesseregime.Esseregimedecapitalização,comosesabe,émuitofavorável aomercado financeiro.O terceiro regime é o de pou-pançavoluntária-aposentadoria,oferecidoporalgumasempresascomoumsistemafechadoparaseusempregados.Agrandemassa

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trabalhadora rural está esquecida no atual sistema de aposenta-doria. Para se aposentar, o trabalhador rural deve efetivar, sozinho, os seus depósitos, como uma poupança pessoal e voluntária, tendo direito apenas aos proventos de aposentadoria correspondentes à sua soma de recursos capitalizados na conta pessoal, contando, às vezes,comalgumaajudadacomunidade. (OCDE, 2005, p. 390)

Embora as primeiras experiências de seguro-desempregotenhamsidoiniciadasem1986,eadespeitodasuaposteriorcon-solidaçãolegal,nãohánenhumtipodeseguro-desempregoparaamaioriadaspessoaspobresousubempregadasnaChina.Emumafamíliaruralmédiacomtrêsadultos,háumempregadonosetorruralnãoagrícola,que temsidoquaseaúnicae limitada forma,nomercadode trabalho,dealiviarodesempregoeapobrezanocampo. O auxílio para os demitidos das empresas estatais (xiagang) foitransformadoemconvencionalseguro-desemprego,entre1999e2006.(OECD,2010,p.274)Umaminoriadostrabalhadorestemacesso à habitação, assistência médica, às pensões e à educação.

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CAPÍTULO V

Uma forma de desestatização da estrutura produtiva

Emprimeiro lugar, éprecisodeixar claroqueos conglomeradose firmas estatais desempenham importante papel na economia chinesa.A partir da segundametade da década de 2000, houveconcentração de esforços para ampliação e consolidação de con-glomeradosdeempresasestataisselecionadasemsetoresprioritá-riosdaeconomia.Oêxitodessaestratégiagovernamentaléilustra-do pelo fato de que são estatais quase todas as empresas chinesas que constam na lista anual das 500 maiores firmas do mundo, no levantamento da revista Fortune. Ao mesmo tempo, é preciso res-saltar a função econômica do Estado chinês em auxiliar a elevação dos lucros dos capitais no país, através da desvalorização relativa do capital constante dos investimentos em razão do fornecimento, pelas empresas estatais, de máquinas, equipamentos, peças, insu-moseenergia,empreçosvantajosos,comosefosseumsubsídiodoEstado para as demais firmas.

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OpapelativodoEstadochinêsnaeconomiaeapresençadegi-gantescasempresasestataisdificultamsobremaneiraapercepçãodoprocesso de desestatização da estrutura produtiva do país. Faltam estudos sistemáticos, consolidados, diversos e acessíveis, com inter-pretações e informações completas e precisas sobre o avanço do se-torprivado,emgeral,eavendatotalouparcialdeempresasestatais,emparticular.Paraosgovernanteschineses,asupostahegemoniadapropriedade estatal na economia do país, com o controle de empre-sasebancos,éumargumentodeúltimainstânciaparatentarprovarapersistênciadocarátersocialistadoregime.Supõe-se,porém,quese trata do controle estatal sobre as empresas maiores e situadas nos chamados setoresestratégicos.Todavia, tantoédiscutívelanatu-reza dessahegemonia produtiva estatal, quanto é inaceitável essaprópria concepção reducionista de socialismo.

A privatização não pode ser compreendida e medida apenas pela transformação de empresas estatais já existentes em proprie-dade privada, como ocorreu nos países ocidentais sob o neolibe-ralismo. Essa é uma avaliação superficial. Há que se reconhecer, mais amplamente, a força e a operação da tendência privatista e do capitalismo na China, hoje, com uma interpretação diferen-te. Por  óbvio, antes das reformas não havia empresa privada naChina.Portanto,semorigemestatal,novasempresasdeproprie-dade privada surgiram, foram constituídas, instaladas naChinano curso das reformas. Isso também é privatização. Isso é pene-tração capitalista na estrutura produtiva do país. A propriedade dessas novas empresas encontra-se em mãos de capitais privados domésticos,ouoriundosdeHongKong,Taiwan,Cingapuraedadiásporachinesa,oudosmaisdiversoscapitaisestrangeiros,inclu-sivedasprincipaispotênciasocidentais,alémdeJapãoeCoreiadoSul. A admissão de empresas privadas em áreas novas do ponto devistadomercado,doprodutooudatecnologiaaparececomo

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justificativa segundoos termos da bem-sucedida política indus-trial do Estado desenvolvimentista chinês.

Difunde-se, também, a ideia de que a privatização na China, diferentementedoqueocorreuemoutraspartesdomundo,guardou,em certa proporção, uma particularidade dada pela ascensão dos pró-prios ex-administradores como novos proprietários. Teria sido uma privatização“pordentro”,comempresáriosdeorigemnamáquinaestatal nacional. Portanto, a propriedade passou para aqueles que já conheciam, pela sua experiência concreta, a realidade da empresa. Os novos proprietários estavam mais preparados para promover as mudanças necessárias e para alcançar maior eficiência nessas empre-sasagoraprivadas.Algunsverdadeiroscolossosempresariaispriva-dos nacionais nasceram do açambarcamento de uma empresa estatal ou coletiva, passando depois a adquirir novas unidades empresariais públicas supostamente em dificuldades financeiras.

Mesmo as joint-ventures, entre capital estrangeiro e empresasestatais,nãopodemserapresentadascomoumanegaçãodoavan-ço da propriedade privada na China. A propriedade capitalista dos meios de produção se expressa através dos mais diversos aspectos formais do controle sobre a produção e a circulação de mercado-rias.Ograndecapital, inclusivecomapresençadetodasasmaisimportantes empresas transnacionais, tem, cada vez mais, expres-siva participação na formação econômica chinesa. Configura-seuma realidade material econômica em consonância com as rela-çõessociaisdeproduçãoburguesas.Issoéprivatizaçãocapitalista,concretamente.Issodeveserchamadodeguinadaprivatista.

Há eufemismos e justificativas as mais diversas para a muta-ção da propriedade na estrutura produtiva na China. Assim, em vez de privatização, prefere-se falar em transferência de ativos. Argumenta-sequeapropriedadeprivada,emmassa,édoschine-ses,inclusiveosmembrosdadiáspora.Assim,osestrangeirosnãocontrolamapropriedade.Alega-sequeosnacionais,oschineses,

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porsupostoconstrangimentomoralporcontadosentimentona-cionalista, não têm possibilidade de repassar empresas privatizadas paraasmãosdeestrangeiros. Justifica-sequeasempresassaíramdo controle do Estado, mas ficaram com os chineses, evitando a desnacionalização. Se é capitalista, mas é chinês, não há problema, portanto, para o socialismo com características chinesas.

A nova forma da industrialização rural

As comunas populares foram dissolvidas, operou-se a descoleti-vizaçãodocampoea industrializaçãoruraldaestratégiamaoístatomou uma nova forma com as empresas de aldeias e munícipios (EAMs). Essas empresas apossaram-se dos ativos e recursos dasindústrias rurais anteriormente existentes. Essas pequenas no-vas empresas ruraisnão agrícolas firmaram-se comouma inova-ção de espetacular êxito, no contexto das reformas. Em 1993, as EAMsmultiplicaram-seeempregavam123milhõesdetrabalhado-res,enquantoem1978contavamcom28milhõesdeempregados.(HART-LANDSBERG;BURKETT,2004,p.35)Contudo,asem-presas de aldeias e munícipios, na prática, em sua quase totalidade, não são empresas coletivas. Funcionam, de fato, como se fossem empresasprivadas,sobcontroleindividualdelíderesgovernamen-tais locais e/ou de seus próprios administradores, à revelia dos tra-balhadores, submetidosabaixossalários.Emalgunscasos,essasempresasassociaram-seaocapitalestrangeiro.

Apenas formalmente as empresas de aldeias e munícipios sãopropriedadesdos governos locaisou são empresas coletivas.Às EAMsinteressaexibirumafachadacomo“chapéuvermelho”,a fim de tirar proveito de recursos produtivos, fornecimentos, créditos,acessoamercados,assistênciatécnicaeproteçãogover-namentais. Nessa controvérsia, entretanto, há quem afirme que

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efetivamente essas empresas seriam propriedades das instâncias locaisdegoverno.(CAULFIELD,2006,notanº5,p.265)

Acumularam-se as vantagens apontadas na experiência dasempresas de aldeias e munícipios. Principalmente na década de 1980 e até a primeira metade dos anos 1990, essas empresas eram apresentadas como a comprovação irrefutável do sucesso e da peculiaridade das reformas chinesas. Essas empresas seriam a pro-va:i)daexpansãoirrefreávelevitoriosadasiniciativaslocais;ii)daparticipaçãodiretaedesburocratizadanavidaeconômica; iii)daindústrianaprópriaárearural;iv)dacrescenteparticipaçãodape-quenaempresanaproduçãoenasexportações;ev)daformacria-tivaeeficazdegeraçãodeempregos,ajudandoaconteroêxododapopulaçãoruralparaosgrandescentrosurbanos.

ZhangXiahoe (2001, p. 138), em 2001, fez umbalanço críticodessaexperiência:

As empresas de aldeias e munícipios são frequente-mente dependentes dos diferentes níveis dos poderes municipais. Beneficiando-se do suprimento de mão--de-obrabarataecomdespesas limitadas,asEAMsconheceram um crescimento impressionante nesses vinte anos. A despeito disso, sua contribuição para o crescimento da renda rural total manteve-se limitada:apenas8,4%emmédiaentre1980e1996epoucomaisde11%em1996.Nestemesmoano,elasgeraram(...)somente26%doempregototalnoscampose11%darenda das pessoas. Ademais, elas estão, em sua maio-ria,situadasnasregiõescosteirasprósperas.Maisde70%doprodutonacionalemaisde62%doempregototalforamasseguradospeloLestedopaísem1996.Dadas as diferenças entre as regiões, o desenvolvi-mentorápidodasatividadesdasEAMsveioreforçar

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a desigualdade nadistribuiçãoderendadeumaregiãoaoutranoseiodomundorural.(grifosdoautor)

WingThyeWoo(1999,p.51)propôsoapoiopolíticodoEstadocomo a principal razão para a expansão das empresas de aldeias e municípios.Asmelhoresoportunidadesdenegócios,ocréditoeosuportedosgovernoslocaisconfiguraramumaexplicaçãopolí-tica para o sucesso dessas empresas nos anos 1980 até meados da décadade1990.Teriahavido,segundoWing(1999),umtratamen-to discriminatório das autoridades para com as demais empresas privadas na comparação com as condições oferecidas às empresas de aldeias e munícipios. Por isso mesmo, no período mencionado, centenasdemilharesdeempresáriospreferiramregistrarsuasem-presascomosefossemcoletivas,formalmenteEAMs,buscandoaproteção do chamado “chapéu vermelho”. A prova dessa explica-ção,principalmentepolítica,paraocasodasEAMs,seriaoamor-tecimentodesuaexpansão,apósaigualdadedetratamentoentreempresas privadas, coletivas e estatais e o reconhecimento dos direitos, interesses, legitimidadedaempresaprivada,comoparteintegrantedoassimchamadosocialismochinês.

A partir do final dos anos 1990, aumentaram as dificuldades doEstadoemmanterintegralmentetodososapoiosparaalavan-car as empresas de aldeias e munícipios para novos patamares de produçãoeconcorrência.Osefeitosdessanovarealidadelogosemanifestaram com força. Nesse sentido, o conjunto das empresas reconhecidascomocoletivas,inclusiveasEAMs,limitou-seacon-tar com uma participação de 10,5% no produto industrial, em 2001, registrando,inclusive,amaiorqueda(15,6%)nacomparaçãoentretodas as formas de empresas, na variação dos valores entre os anos 2000 e 2001. (ADB, 2003)

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A vez das reformas nas empresas estatais urbanas

No início das reformas econômicas, a partir de 1979, foram ado-tadas algumas poucas iniciativas, sobretudo reforçando a auto-nomia da direção da empresa. Esse não foi um esforço inédito na RepúblicaPopulardaChina, já que, vale lembrar, em 1958hou-ve um esforço de descentralização, delegando-se a gerência damaioriadasempresasparaas instâncias locaisdegoverno.Entre1982 e 1983, as reformas urbanas foram suspensas, em meio às di-ficuldades conjunturais econômicas, como déficit público e infla-ção.Asreformasforamretomadaspelo12ºCongressodoPartidoComunista Chinês, em 1984, decidindo-se pela construção de uma “economia mercantil planificada”. Esse foi um passo importante na caminhada da oficialização da subsunção do plano, outrora de natureza socializante, ao mercado.

Essas reformas promoveram uma forma de liberalização da gestãodasEmpresasEstatais(EEs).Jáemoutubrode1984,foramliberadosospreçosdamaioriadosprodutosagrícolasedamaioriados produtos manufaturados, esses últimos, dentro de uma ban-da de variação dos preços. Haveria uma certa quantidade tanto de insumos como de produto, com os preços fixados pelo plano, en-quantoumaoutraparte,excedente,serianegociadanomercado,com preços livres.

Imediatamente depois das medidas liberalizantes, colheram-se osresultados:asempresasestataischinesascomeçaramsuatraje-tória de crescentes dificuldades. Os lucros desabaram, a contribui-ção das estatais para a receita do Estado caiu de 34% do produto na-cionalbruto,em1978,para25%,em1984,e20%,em1988.(WING,1999,p.37)Aala liberaldoprimeiro-ministroZhaoZiyang,agre-gadano InstitutodeReformaEconômica, combatiaasempresasestatais,masem1985foiobrigadaareconheceraassociaçãoentreas reformas e o colapso dos lucros das EEs. Como esses intelectuais

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e quadros liberais explicavam que as tão desejadas reformas pró-mercado, salvadoras, tenham levado as empresas estatais à cri-se?Arespostaeramuitosimples,paraavisãosuperficialdeles:osgerentesdasEEs,comaamplaautonomiaadquirida,abusaramnasdespesas,nosinvestimentos,nasgratificaçõessalariais.Osgeren-tes,comreceiodefalhas,teriamexageradoosinvestimentos,embuscadeaumentodaprodução,protegendo-sedepossíveis san-ções políticas advindas do Estado.

As reformas de 1984 podem ser compreendidas como um afastamento fundamental do sistema de planificação centraliza-da,denaturezasocializantedopassado.Agora,oplanobuscava,supostamente,aestritaeficiênciaempresarial. (SHEYING,2002,p. 211) A autonomia para tomar decisões em cada empresa e a res-ponsabilidade pelos seus resultados foram uma substancial mu-dançasistêmica,avaliaSheyingChen.Paradoxalmente,osétimoplanoquinquenal,paraoperíodode1986a1990,foimaisumpas-so no desmonte da planificação socializante da economia. Plano antiplano!Assim, sobo sétimoPlano, as reformasnas empresasurbanas se associaram à abertura do mercado de capitais, ao novo sistema de administração via responsabilidade contratual e à lei de falência de empresas. As empresas deveriam absorver suas perdas, sem o socorro do Estado. As empresas estatais passaram a depen-der de seus próprios lucros e de empréstimos bancários para finan-ciar sua atividade. Em vez de remeter seus lucros para o Estado, as empresaslimitar-se-iamapagarimpostos.Conformearetóricali-beralconhecida,oEstadodeveriaserumregulador,emvezde“in-terventor” econômico direto. O Estado deveria cuidar da criação de condições e da estrutura de incentivos para a empresa privada, inclusiveestrangeira.

Há falhas evidentes nas análises tradicionais sobre os proble-mas das empresas estatais.Geralmente, não se questiona a pró-prianaturezadasreformascomopartedaorigemdasdificuldades

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crescentes das empresas estatais. Há fatores diversos que deveriam ser considerados. Por exemplo, seria necessário considerar que houve um forte aumento dos tributos sobre as empresas estatais, de48,6%,em1986,para71,1%,em1994,oqueesmagouoslucrosde-pois dos impostos, contribuindo para as dificuldades financeiras dessas empresas, inclusive forçando-as ao endividamento pe rante osbancos.(HUCHET;YAN,1996,p.601-604)Asempresasdepe-quenoporte eram90%das estatais, em 1996, e experimentaram,comasreformas,certasdificuldadesdeapoiodosgovernoscentrale local, tanto para financiamento quanto para suprimento de in-sumos. Essas empresas eram candidatas simplesmente à falência, ameaçandooempregodemetadedostrabalhadoresemempresasestatais,ouseja,140milhõesdepessoasem1996.

A direção das empresas passou a dispor de liberdade, cada vez maior, para tomar as decisões de produção, investimento, comer-cialização,comércioexterior,suprimento,preço,pessoal,organi-zaçãodotrabalho,organogramainterno.Logicamente,naCosta,comonaprovínciadeCantão(Guangdong),commaisaberturaàinstalação de filiais de multinacionais, avançava-se com mais ra-pideznaliberalizaçãodagestãodasempresasestatais,comocons-tataramHucheteYan(1996,p.613),apartirdeinformaçõesdeumestudo com 889 empresas.

Guinada privatista

Desde 1986 começaram as privatizações de empresas estataisem Shenyang, centro histórico da indústria pesada no períodomaoísta,nonordestedaChina.Apóso14ºCongressodoPartidoComunista Chinês, em outubro de 1992, as perdas das empresas estatais(EEs)foram,comodiagnóstico,cadavezmaisvinculadasa problemas dos direitos de propriedade, levando o PCC à polí-tica de desestatização para “segurar as maiores EEs e liberar as

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menores” (zhua da, fan xiao). Em 1994, o Estado decidiu reter as maiores empresas e desfazer-se das demais, através de diversas for-mas.Muitas empresas foram transformadas emcooperativasba-seadas em ações, mas, em sua maioria, eram firmas privadas nas mãos dos seus administradores, à revelia total dos trabalhadores.

JiangZemin,secretáriogeraldoPCC,declarouno15ºCongresso,emsetembrode1997,queasgrandesemédiasempresasdeveriamter esclarecidas pela lei as características da propriedade, para efe-tivaraseparaçãoentreoEstadoeagestãodasempresas.Osdivi-dendos recebidos pelo Estado seriam correspondentes aos fundos públicos integralizados no capital da empresa, por um lado, e asresponsabilidades do Estado pelas dívidas das empresas também seriam limitadas, por outro. As pequenas empresas estatais seriam reorganizadas,fundidas,teriamseucapitalacionárioabertoouse-riamfechadas. (WING, 1999,p.46)De fato,a reestruturaçãodasempresas (qiye gaizhi) foi formalizada como conversão das peque-nasemédiasempropriedadeprivada(nacionalouestrangeira),semdescartar a possibilidade da decretação, simplesmente, da falência.

O objetivo de diversificar a estrutura de propriedade, com suas supostas repercussões positivas na eficiência econômica, foi a justi-ficativa para a decisão de privatizar em massa as pequenas e médias empresas estatais. Para ser realista, a diversificação, contudo, deve ser traduzida como privatização. Essas decisões favoráveis à pro-priedadeprivadaestavamligadasàtrajetóriadeadoçãodemedidaspró-mercadoaolongodoperíododasreformas.Assim,omercadoterminou conduzindo a China à privatização. E o mercado e a pri-vatização conduziram à dominação do capital na economia.

Noentanto,emvezdeprivatização,aliderançachinesaargu-menta que a propriedade estatal está se transformando em proprie-dade pública. Tentam mostrar que a propriedade pública, através de diversas formas chamadas de coletivização, estaria crescen-do, enquanto diminui a forma estatal de propriedade. Contudo,

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isso nãocorrespondeà realidade,aosnúmerosdaestruturapro-dutiva de fato. Além disso, o que se chama de propriedade cole-tiva são empresas em que o controle e os lucros vão para poucos –administradoresougovernanteslocais–esãolocaisdeproduçãoondeavozdamassatrabalhadoranãoéouvidanadireçãodonegó-cio e onde ocorre a exploração do trabalho, inclusive com a prática dosbaixossalárioseausênciadosprogramassociaisanteriormenteexistentes nas empresas estatais.

ParaRobertWeil,o 15ºCongresso foiumpontode inflexãono sistema econômico e social chinês. (WEIL, 1999, p. 1) A priva-tização aprovada, na mais alta instância do PCC, é “rio sem volta”, ruptura com o passado. Ao decidir pela privatização ou liquidação deempresasestatais,atingiu-seoqueerajustificado,paraalguns,como o coração do socialismo chinês, ou seja, 300 mil unidades de produção.FengChen(2003,p.237)reiterouessaavaliaçãodequeo15ºCongressodoPCCoperouumaguinadanavisãosobreasem-presasestatais.OEstado,afirmouFeng,pretendia,assim,escaparde obrigações financeiras decorrentes dessas empresas e, simul-taneamente, desvencilhar-se de sua propriedade e administração, forçandoessasfirmasàoperaçãoconformeasregrasdomercado.

A leide falênciade 1986 tevesua implementaçãoaceleradaapartirde 1994,e foi substituídaporumanova legislação,que foiaprovadaemagostode2006eentrouemvigordesde1dejaneirode2007.Aleiantigaabrangiaapenasasempresasestatais.Agora,a atual lei, refletindo a nova estrutura empresarial com presença dapropriedadeprivada,abrangetodasasempresas,comopessoasjurídicas (qiye faren), inclusive instituições financeiras. A  novalei, à semelhança do que vem ocorrendo nas mudanças desse tipodelegislaçãoemváriaspartesdomundo,propõetrêsformasdeabordagemdainsolvênciadaempresa,ouseja,reorganização,

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reconciliação e liquidação.11A grande novidade é que foi razoa-velmentereduzidaaprioridadedosempregadosemreceberospa-gamentosdosseusdireitos,emfacedainsolvênciadaempresa,e,porconseguinte, foiampliado,relativamente,oatendimentoaosdemais credores.

Sean Dougherty and Richard Herd (2005) saíram em defe-sa da aceleração da privatização da economia chinesa.12 Para eles, essencialmente, a ausência de claros direitos de propriedade priva-da–alémdogradualismodasreformas,dosistemadualdepreços,domarcoregulatóriopró-mercadoincompleto–teriaproduzido,nas décadas de 1980 e 1990, distorções na estrutura de produção, nos preços, na produtividade e no comércio. Assim, as estruturas produtivas estavam sendo replicadas em diversas províncias, em desacordocomasvantagenscomparativas.Asbarreirasentreasprovíncias geravam implicações negativas aos fluxos comerciaisregionais. Mas, conforme esses autores, a partir, sobretudo, de1998, com o alargamento da presença de empresas privadas naChina, teria começadoumprocessode reversãodessas alegadasdistorções.Elesargumentamque,comaprivatização,apareceramespecializações produtivas regionais, os preços tenderam à con-vergência,aumentouaintegraçãodosmercadoscomoprofundorecuo das barreiras interprovinciais.

OqueDoughertyeHerd (2005)nãoquiseramenxergar foianecessidade de que a estruturação industrial, em uma econo-mia planificada, contemplasse o combate, dentre outros alvos, às

11 Verodocumento(WORLDBANKoffice,2006,p.20).Aaprovaçãodeleise-melhantenoBrasilseguiuessaorientaçãobásicaneoliberaleinternacional.

12 SeanDoughertyeRichardHerd(2005)elaboraramumestudodaestruturaindustrial, considerando todas as empresas com faturamento anual a partir de cinco milhões de yuans, em valores correntes, cobrindo o período de 1998 a 2003.

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desigualdadesregionais,queeramesãoextremamenteacentuadasna China. O mercado, nas condições da China, tende a acentuar essasdiferençasentreasregiões.Oquesedenominaespecializa-çãoprodutivaregionalpodeservisto,também,comodesigualda-de, subdesenvolvimentoepobrezadealgumasáreas,ao ladodasvantagensedesenvolvimentodeoutras.

DoughertyeHerdnãoperceberamanecessidadedeassocia-çãoentreestruturaprodutivaepolíticasdeplenoemprego.Elesnãoentenderamqueasmerasvantagenscomparativas,nocasodaChina,confinamodesenvolvimentoeconômicoàregiãocosteira,sobretudoolitoralsudeste,conformelógicadecadaempresapri-vada em busca da maximização do seu lucro. Um outro aspecto não lembrado pelos autores foi a influência do maior aprofunda-mento da abertura comercial da China, por causa de sua adesão àOrganizaçãoMundialdoComércio(OMC),sobreascondiçõesdo mercado interno. Por isso mesmo, os dados de 2002 e 2003 mostraram, no curso de nova rodada de liberalização, o aumento do númerode firmas, representado, sobretudo,pelo surgimentodeempresasprivadas,jánoambientemaisdesreguladodopaís.13 Assim,registrou-se,nessesdoisanos,fortecrescimentodoprodu-to, das exportações e dos lucros, enquanto o número de empre-gadosrevelou-semenordoqueem1998,criando-seaameaçadedesemprego.

13 VernoestudodeSeanDoughertyeRichardHerdatabelasobreoperfildaestrutura industrial com empresas com faturamento a partir de cinco mi-lhões de yuans (em moeda corrente) de 1998 até 2003, com o número de firmas, númerodeempregados,produtobrutoapreçosconstantes(ano-base1990), exportações, lucros, impostos sobre os lucros, ativos fixos líquidos, passivos de curto prazo e taxa de retorno sobre o produto líquido. In:Dougherty,Sean;Herd,Richard(2005).BureauNacionaldeEstatísticas(NBS)eNBS-OCDEapudSeanDoughertyandRichardHerd(2005).

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Emseulevantamento,DoughertyeHerd(2005,p.8;26)verifi-caram que o valor adicionado industrial do setor privado cresceu de27,9%em1998para53,3%,em2003.Quasemetadedessecresci-mento deveu-se às empresas de propriedade individual. Eles con-cluíram que

[A] rápida emergência de uma substancial econo-mia privada naChina, que é controlada por orga-nizações não-públicas e situa-se na esfera de preços de mercado, transformou a paisagem produtiva eelevou os lucros nos últimos cinco anos até 2003. (DOUGHERTY;HERD,2005)

Argumentaramqueosaltoslucros,aexpansãodosnovosne-gócioseamelhoriadaalocaçãodosrecursosteriamsidoorigina-dos da “eficiência superior no setor privado”. Como se vê, trata-se de uma defesa cerrada da privatização na China. Tudo foi justifica-do como resultado da expansão da empresa privada.

Entretanto, na verdade, houve e persistem a ação forte do Estado, ainfraestruturapública,osincentivosfiscais,osgenerososnegóciose associações com empresas estatais, para não falar dos indiscutíveis baixíssimos salários e péssimas condições de trabalho, especialmen-te nessas empresas de propriedade individual. Nota-se, ainda, que essesautores,DoughertyeHerd,foramobrigadosaconsiderar,deforma brevíssima, rapidamente, em apenas uma linha, que essas em-presasprivadas,emnúmerocrescente,estariamocupandoo lugardeixado pelo encolhimento dos setores estatal e coletivo. É claroque em qualquer país, onde ocorre a privatização e liquidação de empresas estatais, expandem-se o papel e os resultados das empre-sasprivadas.Élógico!Portanto,nãoéprecisorecorreraoargumentoforçadodasuperioridadedaempresaprivadaburguesa.

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AlgumascausasdaprivatizaçãonaChina forampesquisadaspor Kai Guo e Yang Yao (2005).14 Assim, comparando a exten-são do livre mercado nas províncias, eles verificaram que quanto maior a liberalização do mercado na economia de uma província, maior será a probabilidade de privatização. Ainda se confirmou a hipótese de que excessivos débitos e a redundância da força de trabalhonasempresasestataisrestringemaprivatização,comde-sinteresse dos compradores. Constatou-se a quase ausência de determinação da privatização pelo fator da eficiência da empresa. Porém,KaieYang(2005,p.212)reconhecemamassivaprivatizaçãonaChinadesdemeadosdadécadade1990.Équesupostasrestri-ções à privatização, conforme esse estudo, a exemplo de excessivo númerodeempregadosougrandesdébitos,levaram,naverdade,aos planos de reestruturação de estatais, com as demissões e sanea-mento financeiro, por ação do Estado, a fim de tornar essas empre-sas atrativas para serem vendidas ao setor privado.

Pelo discurso convencional, era de se esperar que a pouca efi-ciência da empresa, ou seja, sua limitação na lucratividade, tivesse umacorrelaçãonegativacomaprivatização.Todavia,issonãoapa-receunapesquisadeKaieYang.Aempresaestatal,emumacons-trução do socialismo, pode ser apontada como eficiente ou não, por diversosmotivossistêmicos,quesãoestranhosàlógicaefinalida-de da empresa no capitalismo. O contexto socialista ou capitalista condiciona a natureza do critério de eficiência da empresa estatal. A ineficiência poderia, também, no caso concreto desse período de reformas na China, ser eventual, determinada pela conjuntura de negligênciadoEstadopelasortedessasempresas,sobascondiçõese a política de um movimento de desestatização produtiva.

14 KaiGuoeYangYao(2005),comosdadoscoletadosde683firmas,localizadasem 11 cidades, no período de 1995-2001, testaram hipóteses de causas da priva-tização na China.

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Deflagradaaprivatizaçãomassivaem1997,osresultadosnãotardaram.Logonoinício,até1998,jáhavia100empresasdogovernocentrale2.500dosgovernoslocais,–firmasdeportemédioegran-de–queforamprivatizadaseconvertidasemorganizaçõesderes-ponsabilidade limitada ou sociedade anônima. Ao lado da priva-tização, verificou-se necessariamente o declínio relativo do setor produtivo estatal. Esse declínio já se mostrou claro, por exemplo, em1999,quandoasempresasestataisempregavam83milhõesdepessoas,ouseja,12%dototaldoempregoesuaparticipaçãonoPIBrecuoupara38%.(HART-LANDSBERG;BURKETT,2004,p.43)

OBancodeDesenvolvimentodaÁsia(ADB)advertesobreaimprecisão das estatísticas oficiais chinesas a respeito da natureza privada, estatal ou de capital estrangeiro das empresas. (ADB,2003, p. 2) Há uma classificação com variados tipos de estrutura de propriedade e número de trabalhadores. Assim, o ADB obser-vou,que,segundoascategoriasestritamenteprivadas,oConselhode Estado reconheceu, em 1981, a primeira forma de empresa pri-vada,caracterizadapelochamadoautoemprego(geti hu). Em 1988, oficializou-se a empresa (sying qiye) voltada para o lucro, empre-gandomaisdeoitopessoas.Easempresascoletivas?Especialistasconsideram que entre 70% a 100% das empresas coletivas chine-sas são, na verdade, firmas privadas. Nesse sentido, a Corporação Financeira Internacional (IFC), subsidiária do Banco Mundial(WB), avalia que pelo menos a metade das empresas coletivas re-presenta negócios privados. AComissão deAdministração dosAtivos, criada em 2002, relatou que 80% das pequenas empresas estatais,noâmbitodascomarcas,e60%,noníveldosmunicípios,haviamsidoprivatizados.(KANAMORI;ZHAO,2005,p.4)

Rapidamente,encolheuonúmerodeempresasestatais,sobre-tudocomasdecisõesdo15ºCongressodoPCC.Eramcercade120milunidadesdeproduçãoestataisem1996ecaírampara61.300em1999. (CHEN, 2005, p. 330, nota nº 3) Considerando apenas o capital

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doméstico e as empresas “estritamente” privadas na conceituação oficial chinesa, constatou-se que, entre 1993 e 2001, o número das empresas que exploravam a mão de obra de mais de oito pessoas registrouumataxamédiadecrescimentode32%.15 Enquanto isso, aquantidadedeempresasmenores,dochamadoautoemprego,ex-perimentou uma queda persistente.

AChina continental registrava a existência de 4,65milhõesde empresas de propriedade privada, desde o primeiro semestre de2006,conformeasestatísticasdaAdministraçãoEstatalparaaIndústriaeoComércionopaís.(4.65MILLION,2006)Essainfor-mação deve se referir às empresas distintas daquelas denominadas como empresas de propriedade individual, conforme a termino-logiadoDiário do Povo. O número dessas empresas contava com 2,029 milhões, em 2001.16 A lista das 100 maiores empresas privadas naChina,em2006,passouparaopatamarmínimodefaturamentode 1,889 bilhões de yuans,emlugarde1,1bilhõesdeyuans em 2005. (TOP100listedprivateenterprisesunveiled,2006)

Atémesmo nos chamados setores estratégicos – tecnologia,finança, infraestrutura,meios de produção – existe inegável pe-netração do grande capital privado nacional e estrangeiro. EssapresençaimportanteéconfirmadapelosdadosdoBancoMundial

15 VernoestudodoBancoAsiáticodoDesenvolvimentoatabelasobreonúme-ro de empresas privadas domésticas (em milhões), entre empresas individuais (geti hu) e empresas de propriedade privada (sying qiye), incluindo a taxa de crescimento desses dois diferentes tipos de propriedades no período de 1993 até2001.In:ADB.PrivateSectorAssesstement–PRC.AsianDevelopmentBank(ADB,2003,p.3),inclusivecomdadosdoAnuárioEstatísticodaChina(ChinaStatisticalYearbook2001e2002).

16 Cf. a nota anterior.

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sobre a participação privada em empresas e projetos na China em infraestrutura, insumos e bancos no período de 2000 a 2005.17

Encolhimento produtivo das estatais

OjornalgovernamentalChina Daily,em2deagostode2017,infor-mavaque:

Na primeira metade deste ano, os investimentos privados aumentaram em 7,2% em comparação ao anoanterior,resultandoem60,7%dototaldeinves-timento do país, conforme os dados do Escritório Nacional de Estatísticas. [...] Na China, desde as re-formas nos anos 1980, o setor privado tem assumido maior importância na condução do crescimento eco-nômico.Osetoragoracontribuicommaisde60%docrescimento do PIB e é responsável por mais de 80% dosempregos.[...]Atéofimdejunho,aChinatinha13.554 projetos de parceria público privada (PPP) de abrangêncianacionalcominvestimentosde16,3tri-lhõesdeyuanes(US$2,43trilhões),segundoosda-dos do Centro de Parcerias Público-Privada.

17 Ver dados sobre a participação privada em empresas e projetos naChinaem infraestrutura, insumos e bancos no período de 2000 a 2005 (em milhões de dólares). Foram registradas as participações privadas em 31 projetos deinfraestrutura,11deeletricidade,14deáguaesaneamento,10eminstituiçõesfinanceirasetc.Destacam-sepelovalordatransação,asseguintesparticipa-ções:naChinaUnitedCommunicationscomUS$5,6bilhões,noBankofChinacomUS$3,1bilhões,naChinaLifeInsuranceCoLtd,comUS$ 3,022milhões e na PetroChina comUS$ 2,890 milhões. In:World Bank. IFC.Privatization Database.

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A empresa privada, no setor manufatureiro, registrou umcrescimento de 140 vezes no seu valor adicionado entre 1985, com 29,6 bilhõesdeyuans, e 2002, com 4 120 bilhões de yuans. (CHEN, 2005, p. 320) Portanto, considerando apenas as empresas com fatu-ramento superior a 5 milhões de yuans, ocorreram duas transfor-mações destacadas nesse âmbito manufatureiro.18 A primeira foi a variação acelerada do crescimento da quantidade de empresas não estatais, entre 2000 e 2001, a partir de um patamar já elevado. Assim, a proporção dessas empresas passou de 73,2% para 79% do setor industrial.A segunda evolução importante ocorreu com aparticipaçãodasempresasestrangeirasquesomam18,4%dasfir-mas industriais da China em 2001.

O impacto da privatização apareceu claramente no próprio Produto Interno Bruto (PIB), sem deixar dúvidas sobre sua impor-tância no desempenho da atividade econômica da China. Assim, os efeitos da transformação da estrutura de propriedade na econo-mia chinesa já foram evidenciados nos números do fluxo da produ-çãoaolongodotempo.Comprovou-sequeosetorestatal,segun-dooBancodeDesenvolvimentodaÁsia,recuousuaparticipaçãono PIB sistematicamente durante todo o período das reformas,

18 VernoestudodoBancoAsiáticodeDesenvolvimentoatabelasobrenúmerode empresas estatais e não estatais do setor industrial (em milhares e em %) nos anos de 2000 e 2001. Na tabela são explicitadas diversas formas de compa-raçãocomvariadosângulosderegistrodostiposdeempresas:coletivas;coo-perativasporações;corporaçõesderesponsabilidadelimitada;empresasdecapitalaberto;empresasprivadas;empresasestrangeirasoriundasdaGrandeChina (HongKong,Macau e Taiwan); empresas estrangeiras com origemforadaGrandeChina.In:ADB.PrivateSectorAssesstement–PRC.AsianDevelopmentBank(ADB,2003,p.3),comdadosdoAnuárioEstatísticodaChina(ChinaStatisticalYearbook)de2002.

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tornando-se minoritário.19 Essa situação contrasta com a evolução das empresas privadas, que saltaram de 5,2% para 33% de participa-ção no PIB, entre 1978 e 2000. Essa tendência privatista revela-se ainda mais clara quando são somadas as participações das empresas privadas e das empresas coletivas, as quais são consideradas, em sua grandemaioria,comonegóciosefetivamenteprivados.

As empresas estatais recuaram da participação de 82% do valor brutodoprodutoindustrialpara26%,entre1978e1996,enquantoas empresas coletivas e individuais aumentaram sua participação de 18% para 55%. Nesse mesmo período, a indústria teve sua parcela no Produto Interno Bruto aumentada de 38% para 54%, enquanto o setordeserviçosaumentouem14%suafatianoproduto.(WING,1999,p.8;15)

Na indústria, o setor estatal declinou sua participação para ape-nas 23,4% do produto em 2001.20 Trata-se de uma queda livre dessa

19 VernoestudodoBancoAsiáticodeDesenvolvimentoatabelasobreoPIB,em bilhões de yuans, no período de 1978 até 2000, com distribuição da parti-cipação absoluta e relativa dos diferentes tipos empresas conforme sua pro-priedade.Registra-seaseparaçãoglobalentreasempresasestataisenãoesta-tais. Destacam-se ainda as empresas coletivas e as empresas de propriedade privada.In:ADB.PrivateSectorAssesstement–PRC.AsianDevelopmentBank(ADB,2003,p.4).Comdadosdediversasfontes,inclusivedoEscritórioNacionaldeEstatísticadogovernochinês.

20 VernoestudodoBancoAsiáticodeDesenvolvimentoatabelasobreovalordo produto industrial bruto de empresas com faturamento maior do que 5 milhões de yuans (em bilhões de yuans) nos anos de 2000 e 2001. No setor industrial,sãoregistradasasparticipaçõesabsolutaerelativadeempresases-tatais ou controladas pelo Estado, de um lado, e de empresas não estatais, de outro. No conjunto de empresas não estatais são apresentados os números para as empresas coletivas, as cooperativas por ações, as empresas de respon-sabilidade limitada, as empresas privadas (sying qiye)easfirmasestrangeirasseparadaspelaorigemdentroouforadaGrandeChina(HongKong,MacaueTaiwan).In:ADB.PrivateSectorAssesstement–PRC.AsianDevelopmentBank.(ADB,2003,p.5)ComdadosdoAnuárioEstatísticodaChina(ChinaStatisticalYearbook)de2002.

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participação, como se constatou no recuo de 9,3%, comparando apenasos anos imediatosde2000e 2001.Qualitativamente, taisperdassignificamqueoEstadoseafasta,relativamente,dosetorindustrial, que é uma área na qual há possibilidade de maior dina-mismoemtermosdetecnologiaeprodutividadedotrabalho,de-terminando,emgrandemedida,orumodoconjuntodaeconomia.É assim que, na prática, paulatinamente, a orientação estatal ésubstituída pelos ditames do mercado em razão dos interesses das empresasprivadasembuscadelucros.Adespeitodisso,éinegávela preservação do papel da política industrial do Estado em defesa dofortalecimentoprodutivoedacapacitaçãotecnológicadopaís.

Mas, emdefesa da liberalização, Jean-FrançoisHuchet (2014)argumentaqueoEstadochinês,emmatériadepolíticaindustrial,játrocouoqueelechamadeEradoDirigismo,entre1978emeadosde 1990, pelo que ele supõe como realismo e eficiência da empresa privada.Paraele,apolíticaindustrialdirigistatinhacomoobjetivoacriaçãodegrandesgruposempresariaisnacionais,aabsorçãodetecnologiaestrangeiraeareformadosistemadepesquisaedesen-volvimento (P&D). A seu ver, com o abandono do sistema socia-lista, no início dos anos 2000, a política industrial tornou-se menos intervencionista, mostrou-se favorável às empresas de todos os tiposdepropriedadeeconcentrou-senaeficiênciaenergéticanaindústria,nocombateàdegradaçãoambientalenainteriorização,para o Oeste, da indústria. Entretanto, o papel do Estado na pro-moção dos gigantescos grupos empresariais estatais chineses nadécada de 2010 relativiza essa análise de Huchet.

A OCDE argumenta que as empresas de sociedade anôni-ma, que empregavam somente 2,1% dos trabalhadores, são asmais lucrativas, porque geraram apenas 11,7% do produto, masretiveram expressivos 23,2% dos lucros do total das empresas da China, em 2000. (OECD, 2003, p. 141) As sociedades anônimas te-riam,segundoessescritérios,lucrosduasvezesmaioresdoqueas

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empresas estatais. Então, a OCDE, sintomaticamente, conclui que as estatais, classificadas como menos lucrativas, estariam, por isso mesmo,destinadas, logicamente, adesapareceremumambientemaiscompetitivo.Esseéumtipodeanáliseque“jogaáguanomoi-nho”daprivatizaçãonaChina.Éumalógicasimplesetambémre-gressiva,centradaexclusivamentenoaltolucro,desconsiderandoparticularidades da empresa estatal. Não são levadas em conside-ração as razões de fundo das dificuldades de lucros nas empresas estatais,verificandosuaconfiguraçãoeseuconstrangimentopelasreformas privatistas.

A desestatização, nesse contexto, era inescapável, inexorável. A privatizaçãoerasóumaquestãodetempo.Assim,adesestatiza-ção das empresas na estrutura produtiva teve que ocorrer dentro de um processo de reformas, como esse que há quase 40 anos revolve profundamente as várias dimensões da China. Convenha-se que não seria possível manter a estrutura produtiva baseada em em-presas estatais depois de tantos eventos liberalizantes, a despeito doativismoedirigismodoEstadochinêsnaeconomia.Nessesen-tido, podem ser listados como tópicos liberalizantes, em maior ou menorgrau,dodesenvolvimentochinês:odesmantelamentodascomunaspopulares,asZonasEconômicasEspeciais,aliberalizaçãodospreços,acriaçãodebolsasdevalores,apenetraçãodegrandesempresas privadas, inclusive multinacionais, o aproveitamento da globalização,apresençadosbancosestrangeiros,oacordocomaOMCeaincorporaçãodocapitalismodadiásporachinesa.

Aformadeautonomiagerencialdesenvolvidapelasreformas,frisandounilateralmente a separação entre gestão epropriedadeestatal,engendrou,nocontextodecrescenteliberalizaçãodaeco-nomia, as condições para um papel decisivo dos administradores na privatização ou liquidação das empresas estatais. Administradores saquearam os recursos de empresas, aparecendo, depois, como proprietários de novas empresas privadas. Conforme Weil, no

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exercício da administração, os gerentes ampliaram a exploraçãodos trabalhadores e se apropriaram da mais-valia, através de ele-vados bônus, gratificações e vantagens custeadas pela firma, aexemplo de carros e padrão de vida elitista. (WEIL, 1999, p. 5) A corrupção teria favorecido o surgimento de uma camada socialcompostapor“gerentesnovosricos”,enquantoasempresasesta-tais eram apresentadas como fontes de perdas, sorvedouros de re-cursospúblicos,campeãsdoatrasotecnológicoeformasinviáveisde propriedade.

Todavia, a simples denúncia da corrupção não revela comple-tamentealigaçãoentreaprivatizaçãoeatransformaçãoemcursonasrelaçõessociaisdeprodução.ParaYichingWu(2005,p.51-52),a privatização das empresas estatais, com a expropriação de ativos públicos, é um dos fatores da formação de uma classe dominante na China nesse momento. Burocratas e quadros, através da dife-renciaçãosocialepolítica,vãoseconstituindoemparteintegrantede uma nova classe capitalista, no quadro amplo da transforma-ção do tecido estrutural da sociedade, reconstituição do Estado e acumulação de capital.

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CAPÍTULO VI

Integração à economia mundial

AChinadefendeaglobalização.OsEstadosUnidosdefendemoprotecionismo.Papéistrocados?Omundoviroudeponta-cabeça?Em janeiro de 2017, emDavos, no Fórum EconômicoMundial,confraria de exaltação das belezas do neoliberalismo e do capita-lismo,opresidenteXiJinpingexaltouaChinacomoacombatentemilitanteemdefesadaglobalizaçãoedolivrecomércio.Xilançouumdesafiocontundenteaodiscursoantiglobalizaçãoeprotecio-nista do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

AsgrandestransformaçõeseconômicasdaChinatêmumvín-culo especial com o mercado mundial. O ano de 2013 constituiu-se emummarcodaascensãochinesa:nesseano,aChinaultrapassouosEstadosUnidoscomooprotagonistadocomérciomundial,aorealizarUS$4,16trilhõesemexportaçõeseimportaçõesdemerca-dorias.(ANDERLINI;HORNBY,2014)AChinajátinhasetorna-doomaiorexportadordomundoem2009.AChina,em2016,com13,15% das exportações, mantinha-se como o maior exportador

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domundoecom9,78%dasimportaçõesdetinhaosegundolugarcomoimportadorglobalmente.Portodaparte,avitrinedemaiorexposição do vínculo entre a ascensão chinesa e o comércio mun-dial são os produtos com o selo made in China.Agora, essevín-culo polariza as atenções através da Iniciative One Belt, One Road, a rota da seda por terra e por mar, o maior conjunto de obras de infraestruturadeabrangênciainternacionaldoséculoXXI.Desdeo início das reformas em 1979, a política de portas abertas corres-pondeàcompreensãodequeaintegraçãoàeconomiainternacio-naléumrecursodecisivoparaamodernizaçãotecnológicaeaex-pansãoprodutivaecomercialdaChina.Umacomplexaestratégia,combinando liberalização e regulação estatal, temmoldado essaintegraçãochinesaàeconomiamundial.

Ao longo do tempo, gradual e seletivamente, reduziu-se oumodificou-se a discricionariedade estatal, em termos de política industrial, e expandiu-se a liberalização econômica, sobretudo de-poisdoacordocomaOrganizaçãoMundialdoComércio(OMC)em2001.MasaomesmotempoaChinadriblou,comastúcia,asimposiçõesdaOMC,tirandooEstadocomumamãoecolocando--ocomaoutramão,sobnovasformasderegulaçãodaindústria,investimentos e comércio. Com as reformas orientadas ao mer-cado, o Investimento Direto Externo (IDE) instalou as filiais de empresas estrangeiras, com controle forâneode 100%do capitalempresarial,emalgunscasos,efoiobrigadoaassociar-se,criandojoint-ventures, com as mais diversas formas de empresas chinesas, inclusive as firmas estatais, em outros casos.

Em 2015, a China manteve-se na liderança das exportações de bens, com vendas de US$ 2,27 trilhões, representando 14% do total exportado no mundo, enquanto nas importações o país situou-se emsegundolugarcomUS$1,68trilhões,emumaparcelade10%

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dasimportaçõesglobais.21 A corrente de comércio passou de 10% doprodutonacionalbrutoem1978,para36%,em1996,eosinves-timentos diretos externos saltaram de apenas US$ 2 bilhões, em 1983,paraUS$45bilhões,em1997.(WING,1999,p.8;15)Em2016,aentradadecapitaisestrangeirosatingiuUS$126bilhões.AChinaexibe, ou exibiu até 2012, a mais elevada taxa de crescimento do PIB. Conta com trilhões de dólares de reservas internacionais. A imprensanomundonãosecansadeveicularnotíciascomosnúmeros da dimensão econômica chinesa, destacando sua partici-pação na demanda mundial de petróleo, aço, cimento, soja, auto-móveis, computadores etc.

Zonas Econômicas Especiais

A política de portas abertas, a partir de 1979, pretendeu atrair o investimento direto externo, especialmente com a criação de qua-tro Zonas Econômicas Especiais (ZEEs). As primeiras zonas fo-ram implantadas em Shenzen e Shantou, na província de Cantão (Guangdong), em frente a Hong Kong, em Zhuhai, próxima deMacau,eemXiamen,naprovínciadeFujian,emfrenteaTaiwan.Aconstruçãodevínculos,aolongodotempo,comoscapitaisdadiáspora chinesa, nessas Zonas Especiais, teria que resultar emcondiçõesmuito favoráveisparaa reintegraçãodeHong-KongeMacauàChina,aguardandoaindaTaiwan.Aexpectativaeraqueasempresasnessaszonastrouxessemtecnologia,servissemcomoalavancasdasexportações,criassemempregosefossemescolasde

21 Os Estados Unidos, em segundo lugar, tiveram exportações de US$ 1,50trilhões,com9%dovolumeglobaldeexportações.Osnúmeroscorrespon-dentesparaaAlemanhaforam:US$1,33trilhõese8%.(WORLDTRADEORGANIZATION.WorldTradeStatisticalReview2016,p.44(https://www.wto.org/english/res_e/statis_e/wts2016_e/wts2016_e.pdf)

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atuação no mercado. Em 1983, permitiu-se que o IDE assumisse a propriedade total de empresas. A área de penetração do capital es-trangeirofoiampliada,naregiãocosteira, incorporando-se14ci-dades,em1984,eastrêszonasdosdeltasdosriosdasPérolas,MineIangtsé,em1985.

ParaJoh-renChen(2005,p.326),asZEEssãoumfatordecisi-vonaatraçãodo investimentodiretoexterno.Aocriar asZonas,o Estado chinês deflagrou um processo que se realimentava emtermosdeatraçãodeinvestimentoecomércioexterior.AsZonasteriamcontribuídoparaoêxitodanovaestratégiavoltadaparaomercadoeparaoexterior.Issojáfoiprovadoefuncionou:Taiwanjá contava com zonas de processamento de exportação desde os anos1960.Eraumaexperiênciatambémemoutrospaísesasiáticos.

Semsairdavisãotradicional,Chen(2005,326-327)listoualgu-masvantagensdasZEEs.Assim,asZonassãoinstrumentosmaisadequadosparaalongatransiçãodaplanificaçãoparaomercado.Emvezdeumamudançaglobalnopaís,émaisfácilaexperiênciadeliberalizaçãoemumaáreadelimitadacomoumaZEE,constituindonovasinstituiçõespassoapasso.Emsegundolugar,asZonastêmos apoios, infraestrutura, incentivos fiscais e comércio liberalizado paraaviabilizaçãodosinvestimentos.Terceiro,asZEEsfavorecemalivreimportaçãodeinsumoseafragmentaçãoglobaldaprodu-ção manufatureira e impulsionam a competitividade conforme os termosdomercadomundial.Quarto,asZEEscontamcomosefei-tospositivoscriadospelaconcentraçãonomesmolugardesetoresestratégicos.AsZEEsreduziriamoscustosadministrativosdepe-quenas e médias empresas.

De fato, o comércio exterior exerceu, desde o início das refor-mas, uma influência fundamental nas mudanças produtivas chi-nesas, a começar pela viabilidade emprestada ao escoamento da produçãodasZEEs.

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Capital estrangeiro para trazer tecnologia, produzir e exportar

Aconcretizaçãodapresençadocapitalestrangeiroocorreu,signi-ficativamente, em associação com as empresas domésticas, for-mando joint-ventures, com acentuado controle dos chineses na administração dessas firmas. O volume e o papel desempenhado peloIDEdistinguiram-sedasdemaisexperiênciasnaChina.Oin-vestimento externo representava apenas 1,5% do produto interno brutodaChina,em1991,mas,logoemseguida,alcançouamarcade6,7doPIB,em1994.Nessebrevíssimolapsodetempo,de1991a1994, o IDE passou de 3,9% para 17% da formação bruta de capital. O Estado lançou mão de políticas de incentivos fiscais, benefician-doosinvestimentosestrangeiros,emdetrimentodasempresaschi-nesas.(YASHENG,2003,p.415)AAssembleiaNacionalPopular,nasessãodemarçode2007,aprovouumanova legislaçãocomaexpectativadealcançaraigualdadedetratamentotributárioentreasempresaschinesaseasestrangeiras,amédioprazo,naChina.

A política do Estado chinês foi marcada pela liberalização, em certosaspectoseconômicos,paraatraçãodocapitalestrangeiro,in-clusivepormotivostecnológicos,emborasemantenhaumacertaaproximaçãodasabordagensjaponesaecoreanadefortepolíticain-dustrial protecionista. O complexo, parcial e diferente liberalismo econômicochinês,nocaso, sepatenteiapelo importantegraudeconfiançadepositadanolivrecursodasempresasestrangeirasparaalavancar a produção, as exportações e promover a superação da defasagemtecnológicadopaís.NoJapãoenaCoreia,oEstadoem-preendeuum grande esforço de construção do desenvolvimentotecnológiconacional,ao ladodaproteçãoparaaconsolidaçãodegrandesempresasegruposprivados, comoszeiretsus japoneses e os chaebols coreanos. Porém, há que se notar a relativa autonomia do crescimento econômico da China em face do investimento ex-terno, considerando, por exemplo, que o tamanho do PIB real se

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elevou em 90%, entre 1994 e 2002, enquanto o volume da entrada real de IDE aumentou em 40%. (FLASSBECK, 2005, p. 35-37)

No período de 1980 a 2001, mais 380 mil empresas de capital es-trangeiroseinstalaramnaChina,comquase90%delaslocalizando--senaregiãocosteira.22Oinvestimentodiretoexternoagudizougra-vementeasdesigualdadeseconômicasregionaisnopaís.(YUCHAO,2004, p. 1011-1012)Em 1995, as empresas integralmente estrangeirascontavamcomuminvestimentoqueultrapassavaUS$ 60bilhõesedetinham34%docomércioexterior.(YING,1995,p45)

O período de reformas na China coincidiu com a deslocali-zação das firmas dos países desenvolvidos e dos novos países in-dustrializados, inclusive asiáticos, transferindo suas linhas de produção mais intensivas em trabalho para outros países, relati-vamente atrasados. A gigantesca, barata e disciplinada força detrabalho chinesa, além dos incentivos fiscais e liberdade comercial egerencial,transformouopaísemumímãparaessetipodeem-presas. Ademais, há a peculiaridade da diáspora chinesa, que teve seuscapitaisemHongKong,Taiwan,CingapuraeoutraspartesdaÁsia,atraídosparaasnovasoportunidadeseestabilidadeofereci-das pela China continental.

A China passou da atração de US$ 3,5 bilhões de investimento diretoexternolíquido,em1990,paraUS$60,6bilhões,em2004.(HART-LANDSBERG,2006,p.13)Acorridaparaasprivatizações,emespecialapartirdasegundametadedosanos1990,foiumadas

22 VernoestudodoBancoAsiáticodeDesenvolvimentoatabelasobreinvesti-mentodiretoexternonoperíodode1996a2002(emmilhõesdedólares).Sãoapresentadososnúmerossobreo IDErealeocontratado(esperado).É re-gistradaadistribuiçãoregionaldoIDEentreacosta,ocentroeooestedaChina. In:ADB.PrivateSectorAssesstement–PRC.AsianDevelopmentBank(ADB,2003,p.7).ComdadosdoAnuárioEstatísticodaChina(ChinaStatistical Yearbook) de 1998, 1999 e 2001 e do Ministério do ComércioExterioredaCooperaçãoEconômica(MOFTEC).

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maneiras de ampliar o afluxo do Investimento Direto Externo. O anode2002foimarcanteparaonovopatamarinauguradopelaChinanaatraçãodecapitalestrangeiroporque,comoinfluxodeUS$ 52,7 bilhões, o país foi o maior receptor de IDE no mundo. O  investimento externo aumentou a capacidade produtiva daChina, mas o país tornou-se mais dependente das exportações dasempresasintegralmenteestrangeiras.Portanto,aeconomiadaChina depende, em parte, dos humores dos mercados internacio-naisedasdecisõesdascorporaçõesestrangeiras.

Os principais estados ocidentais sempre denunciaram o Catá-logodeDirecionamentodosInvestimentosEstrangeiros na China como a prova cabal das restrições do Estado chinês a assim cha-mada livre economia de mercado. Pequim determina o que e onde é aceito como InvestimentoDiretoEstrangeiro (IDE).A impor-tância da internacionalização dos capitais chineses, a necessidade deaumentaraparticipaçãonascadeiasdevalorglobaleastrans-formações produtivas internas no país levaram o Estado chinês à revisãodoCatálogodoIDE,em2017.ForamreduzidososcasoseostiposdefirmasestrangeiraslistadasnoCatálogocomodepen-dentesde aprovaçãodogoverno.Foram relacionadosos investi-mentos desejados e que são considerados estratégicos em favordoavançodaeconomiadopaís.AsproibiçõesnoCatálogoparaoIDEforamreduzidasde93para66regulamentaçõessobresetoreseconômicos,abrindo-seopaísparao IDEem:serviçosde infor-maçãoeavaliaçãodecrédito,contabilidadeeauditoria;operaçãoemmercadosdegrandeescalanosnegóciosaatacadodeprodutosagrícolas;equipamentosferroviários,óleodesoja,exploraçãoemáreasnãoconvencionaisdeóleoegás(petróleodexistoeareia;gásdexisto).ForamampliadosnoCatálogoostiposdeinvestimentosque serão objetos de incentivos, a exemplo de pesquisa e produção de componentes sofisticados de impressão 3D.

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O impulso exportador

No início das reformas, o crescimento das exportações chinesas ocorreu mais lentamente do que outras experiências asiáticas. No períododedezanos,entre1981e1990,aChinasóconseguiuau-mentarem50%suasexportações.Mas,emcomparação,anterior-mente,em1968,aCoreiadoSulprecisoudeapenasquatroanosparadobrarsuasexportações.Apartirde1994,aChinaconseguiuacelerar suas exportações, e em apenas três anos, de 2000 a 2003, quase dobrou suas vendas externas. Entre outros fatores, a ade-sãoàOMCem2001,paradoxalmente,ajudouessedesempenhoaodiminuir relativamente barreiras para as vendas chinesas. A ade-sãoàOMCocorreusemqueaChinatenhaaderidoaoneolibe-ralismo subjacente às imposições desta instituição internacional, polarizada pelos Estados Unidos e União Europeia. As exporta-ções chinesas cresceramaumamédia anual, comoporcentagemdo PIB, em 10,5%, no período de 1981 a 1988, e em 25,1%, de 1994 a 2003. A partir dos anos 1990, o desempenho comercial da China assemelhou-se às experiências asiáticas, como o que ocorreu no JapãoenaCoreiadoSul.(FLASSBECK,2005,p.4-6)

As exportações diversificaram-se rapidamente, dos têxteis aos eletroeletrônicos. A exportação de manufaturados cresceu 20% ao ano, desde 1980. As vendas de bens manufaturados saltaram de 40%, em 1980, para 90%, em 2001, como participação na pauta de exportaçõesdaChina.Ovalordasexportaçõeschinesas, em1990,representava16%doPIBdopaís.Masessarelação–exporta-ções/PIB–puloupara36%,em2003.(HART-LANDSBERG,2006,p. 13) Então, o crescimento econômico passou a depender mais das exportações, que precisaram ser cada vez maiores.

Zhang Junavaliou em2006queoProduto InternoBrutodaChina estava em cerca de 70% relacionado com o comércio exte-rior, demonstrando a dependência da economia em face das trocas

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internacionais. Apesar da constatação dessa dependência, o pro-fessorZhangavaliavapositivamenteessa realidade.AChinaes-taria demonstrando competitividade. Essa arrancada exportadora, alémdosbaixossaláriosedaspolíticaspreferenciaisdogoverno,sustentariaagrandeatraçãodoinvestimentoexternoparaaChina.“Eu acho que o crescimento econômico na China tem sido ampla-menteumresultadodaglobalizaçãodaproduçãochinesadema-nufaturados”,afirmouZhangJun(2006).Estranhamente,aocon-centrar-senaglobalizaçãocomofatorcausal,Zhangsepara,deumlado,osbaixossalários,os incentivos,ascondiçõesprivilegiadaspara as próprias empresas exportadoras, e, de outro, o desempenho exportador chinês, ou seja, dessas mesmas empresas em sua com-petitividade. Contudo, entre esses dois lados, parece que o primei-roécausae,osegundo,efeito.Essaseria,assim,umamelhorexpli-cação,entreoutrosfatores,paraaatraçãodoIDE.As exportaçõesdas empresas de capital estrangeiro aumentaram rapidamente,saindo de 20%, em 1992, e alcançando 50% do conjunto das vendas externas da China, em 2001.23Mas,em2010,jáaçambarcaram56%de todas as suas exportações.

Mantém-se uma grande polêmica, principalmente entre osEstados Unidos e a China, a respeito da questão cambial. Pole-miza-se sobre os efeitos da desvalorização do renminbi na compe-titividade das exportações chinesas, reforçando o grande déficit

23 Ver no estudo de Heiner Flassbeck o gráfico com a participação das fir-mas estrangeirasnas exportações totaisdaChina (em%),noperíodo 1985a2003.Em1992,essaparticipaçãoalcançou20%,em1996passoude40%eem2001atingiu50%.In:FLASSBECK,Heiner.China’sSpetacularGrowthSinceMid-1990.MacroeconomicConditionsandEconomicPolicyChanges.UNCTAD(2005).ChinainaGlobalizingWorld.p.36.

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norte-americano.24 Com a incorporação do renminbi aos Direitos Especiais de Saques do FMI, em outubro de 2016, aChina terámuito mais dificuldade para adotar medidas de depreciação da sua moeda. Todavia, no período das reformas, na China, qual foi a trajetóriada suapolítica cambial?Embora tenha incorrido emvalorizaçãocambialnadécadade 1980,aChina,comumregimede câmbio múltiplo e controles cambiais, promoveu, por diversas vezes, a desvalorização do renminbi, até 1994. Nesse mesmo ano, foram unificados os mercados de câmbio oficial e swap, sob forte desvalorização.Asfirmasdomésticasjánãoseriamobrigadasatro-car suas receitas em dólares pela taxa oficial desfavorável. A partir daí, as autoridades só permitiam uma flutuação, com bandas mui-to estreitas, ancorando o renminbi no dólar. Assim, obtinha-se uma razoávelestabilidade.Entretanto,ataxarealdecâmbioregistrouimportantedesvalorizaçãonasegundametadedosanos1990.Nes-ses termos, a China passou a dispor de uma taxa de câmbio estável e competitiva, favorecendo os investimentos e as exportações.

Apesar dos protestos dos Estados Unidos, há forte crescimen-to das importações chinesas desde a década de 2000. A China passouaoterceirolugarnasimportaçõesnomundojáem2005.25

24 A moeda chinesa é denominada renminbi – traduz-se como “dinheiro do povo”etemcomosiglaRMB.Empregam-seindistintamenteasdenomina-ções renminbi ou yuan (CNY, yuan da China). O renminbi tem como unidade básica o yuan, que é dividido em dez jiaos, e um jiao divide-se em 10 fens.

25 VernanotadeSergioMartínoquadrocomos10paísescommaisexporta-ções e os 10 com mais importações no comércio mundial em 2005 (em bilhões dedólareseem%).AChina,em2005,jáestavaemterceirolugarnoranking tanto da exportação quanto da importação no mundo. Os dois primeiros ex-portadores eram a Alemanha e os Estados Unidos, com 9,3% e 8,7% do total exportado, respectivamente. Na importação, as posições eram trocadas, com osEstadosUnidoseaAlemanhaparticipandocom16,1%e7,2%, respecti-vamente.In:MARTÍN,Sergio.China,la tercera maior potencia comercial del

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As  compras chinesas de insumos industriais e commodities agrí-colas avançaram por toda parte, inclusive com forte presença na ÁfricaeAméricaLatina.Ademais,hádéficitsestruturaischinesesnastrocascomalgunsvizinhosasiáticos.

Montagem para exportações versus capacitação tecnológica

Noinício,aindústriademontagemtevemuitoavercomosucessodas exportações chinesas. De certa forma, a China transformou-se em uma poderosa plataforma de exportações para as firmas estran-geiras, inclusivedadiáspora chinesa.A lógicaprodutiva, empar-te, consistiu no processamento de insumos importados. Por isso mesmo,asfirmasestrangeiras,commaisde70%dosetor,domina-vamocomérciobaseadoemindústriademontagem.Aspeças,com-ponentes e insumos para essas firmas são supridos, principalmente, por firmas dos vizinhos asiáticos, e em muitos casos, na troca intra-firmas, relacionando a matriz, externamente, com a filial chinesa.

Deve-se ressalvar que o aspecto da especialização produtiva chinesaemindústriademontagemnãoéarepetiçãodofenômenodas maquiladoras doMéxico. Há traços que aparentam algumasimilaridade entre as duas experiências, como os baixos salários, a dependência do capital e tecnologia estrangeiros, uma apro-ximação de enclave etc. Porém, além de outros fatores políticos, o tamanho e o dinamismo da economia chinesa, sua acelerada

mundo. CasadeÁsia-Economia,n.193,nov.2006,p.1.Veraindaatabelasobrea evolução do comércio exterior da China no período de 1995 a 2005, com o re-gistrodarápidaescaladadasexportaçõesedasimportações.AsexportaçõessaltaramdeUS$148bilhõesem1995paraUS$761bilhõesem2005,enquantoas importaçõesaumentaramdeUS$132bilhõesparaUS$660 bilhõesnosmesmosanos.In:MARTÍN,Sergio.China,la tercera maior potencia comercial

del mundo.CasadeÁsia-Economia,n.193,nov.2006,p.2.

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evolução tecnológicaea formada integraçãoprodutiva regionalnaÁsiadiferenciamcompletamenteastrajetóriasmexicanaechi-nesa.Ademais,existeimensonúmerodefirmasintegralmentechi-nesasespecializadasnocomérciodebensdemontagem.

Areelaboraçãoeamontagemdeinsumosimportadosrespon-diampelaelevadíssimapercentagemde90%,nocasodasexpor-taçõesdealtatecnologiaem2002,segundoCong.(CONG,2004,p. 6-7)Nessesegmentoeconômico,verificava-senaquelemomen-toaindagrandedesigualdadenocomércio,comumaposiçãoim-portadora da China.26

Françoise Lemoine e Deniz Ünal-Kesenci avaliavam que o in-vestimento direto externo tem desempenhado um papel positivo para o aumento da produtividade e para o crescimento econômico da China. (LEMOINE; ÜNAL-KESENCI, 2004, p. 840-842)Criticavam,contudo,oinsignificantetransbordamentodacapaci-taçãotecnológicaedacompetitividadedasfirmasestrangeirasparaasempresasintegralmentechinesas.Elesapontavamparaumdua-lismonaestruturatecnológicaecomercialdaChina.Assim,asfir-masdemontagemestavamlocalizadasnaregiãocosteira,sobretudonasZonasEconômicasEspeciais.Sãofirmasmaisvoltadasparaasexportaçõeseconcentravamamodernizaçãotecnológica.Emcon-traste,asfirmas integralmentechinesastêmumalocalizaçãorela-tivamentemais dispersa geograficamente, estavammais voltadasparaomercadodomésticoesãodefasadastecnologicamente.

26 VernoestudodeMasahiroKatsunoatabelasobreacomposiçãodocomérciodealtatecnologiadaChinaem2003,comasimportaçõeseasexportaçõesdecomponentes eletrônicos, equipamentos de computação, equipamentos de telecomunicações,outrosbensdetecnologiadeinformaçãoecomunicação,equipamentos de áudio e vídeo. In: KATSUNO, Masahiro. Status andOverviewOfficial ICTIndicators forChina.OECD,ITCSdatabaseapud

Katsuno (2005, p. 20).

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Na década de 1980, predominavam as exportações de têxteis, mas desde os anos 1990 passaram a prevalecer os produtos elétricos e eletrônicos nas vendas externas da China. Isso não quer dizer que amaioria das empresas integralmente chinesas tenha adquiridocapacidade inovativa para uma produção mais sofisticada tecno-logicamente. A produção pode sair das fábricas integralmentechinesas–e,portanto,nãosomentefirmasestrangeiras–,masoprocessoprodutivoaindasebaseia,significativamente,natecno-logiaestrangeira.Éporissoqueem2004aspatentesestrangeirasestavampresentes em95%dosprodutos,no setor farmacêutico;em 80%, na produção de chips;em70%,nasmáquinasdecontroledigitaleequipamentotêxtil,eem90%emautomóveis,conformeLi Deshui, diretor do Departamento Nacional de Estatísticas da China.(FOREIGN,2005)

Entretanto, há uma importante mudança, desde a década de 2000, no que diz respeito ao esforço próprio chinês no desenvolvi-mentotecnológico.Em2016,segundoaWorldIntellectualPropertyOrganization(WIPO),aChinaapresentou1,3milhãodesolicitaçõesde patentes, superando a soma dos EUA (605.571), Japão (318.381),Coreia do Sul (208.830) e União Europeia (159.358). Conforme a OCDE,aChina,em2004,jáestavaemsegundolugarcomoinvesti-dorempesquisaedesenvolvimento(P&D),ultrapassandooJapão,enquanto os Estados Unidos se mantinham na liderança. (CHINA WILL, 2006) Assim, a estimativa da hierarquia dos gastos, embilhõesdedólares,comP&Dem2004era:EUA,com$330;China,com$136,eJapão,com$130;enquantoaUniãoEuropeia(EU-15,comprincipaispaíses)gastouUS$230bilhões.AChinateve, segundoaOCDE,umaascensãomuitorápida,tantonosgastos,quantononúmerodepesquisadores,emumcontextoglobaldemaiorcompe-tição.Osgastoschinesesforamdobradosentre1995 (0,6%doPIB)e 2004 (mais de 1,2% do PIB). Em 2015, a China respondeu por 21% dototalmundialdegastosempesquisaedesenvolvimento,ficando

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atrás apenas dos Estados Unidos, conforme a Fundação Nacional de CiênciadosEUA(NSF).Alémdisso,amassivamigraçãodascor-porações ocidentais para a China alcançou um novo patamar com o início de atividades de P&D nas filiais chinesas.

Nasegundametadedadécadade2010,aChinapassouafazerparte dos protagonistas das cadeias de valor global, ao lado dosEstadosUnidoseAlemanha,comainovaçãotecnológicatomandoolugardossaláriosbaixosnacompetitividadechinesa.Assim,paraAndrewShengeXiaoGeng(2017),arápidadigitalizaçãonaecono-mia e na sociedade é o veículo principal da ascensão da China nas cadeiasdevalor.Emdefesadessaperspectivada“Chinadigital”,ShengeGeng,emvisãomuitootimista,subestimandoosproble-masdodesemprego,apontamosmaisvariadosargumentos:ospla-nosgovernamentaisMade in China 2025 e Internet Plus contribuem paraasmudançascomintegraçãodainteligênciaartificial,big data, robótica,impressãoem3Deprocessosdigitaisdeproduçãoindus-trial,alémdemídiasocial;osgastoschinesesempesquisaedesen-volvimento superamosdispêndiosdaUniãoEuropeia; aChinajá situa-se em paridade com os Estados Unidos nas publicações científicas;hásuperioridadechinesanonúmerodedoutoresemciênciasnaturaiseengenharia;aChina,desde2015,játinhaatin-gido 18%do totalde suas vendasdovarejo atravésdo comércioeletrônico,enquantonosEstadosUnidossão8%;ospagamentosatravés de smartphones alcançaram um valor 50 vezes maior do que nosEUAem2016.

Em janeirode2018, foidivulgadoumfatoextremamente re-levante: aultrapassagemdosEstadosUnidospelaChinanonú-mero de artigos científicos publicados, conforme a avaliação daFundaçãoNacionaldeCiência (NSF)dosEUA.Assim,em2016autoresdaChinapublicarammaisde426mil estudos, 18,6%dototal,enquantoosEstadosUnidosconseguiram409mil,deacordocom a base de dados Scopus da editora Elsevier.

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A China driblou a OMC

AntesdoingressonaOMC,aChinacomeçouasualiberalizaçãocomercial parcial com a extinção do monopólio estatal do comér-cioexterior,areduçãodastarifasebarreirasnãoalfandegáriasefimdossubsídiosdiretosàexportação.(FUKASAKU;YU;QIUMEI,1999)Astarifasalfandegáriassobreasimportaçõescaíramde41%,em1992,para16,8%,em2001.Omomentocrucialdaliberalizaçãofoi a adesão àOMC,em2001.Entretanto, aChina aplicouumafinta, um drible, um movimento inesperado e desconcertante:aproveitandoasbrechaslegaisnaOMC,criounovosinstrumen-tosestataisderegulaçãoepromoçãodassuasexportaçõeseinves-timentos,ao ladodocontrolesobreocapitalestrangeiroemsuaestrutura produtiva doméstica.

Anteriormente,existiramestudosdogovernochinês,vislum-brandoos ganhos econômicos líquidos do acordo com aOMC.Tambémhaviapreocupações:jáem1998,estimava-sequeoacesso,pela concorrência estrangeira, aos mercados chineses agrícolas,alémdosmercadosdebensindustriais,deixaria9,6milhõesdetra-balhadores ruraisdesempregados. (FUKASAKU;YU;QIUMEI,1999,p.7)AentradadaChinanaOMCajudouaabrirmaismerca-dos para as suas exportações, porém, em contrapartida, diminuiu, mesmo que apenas relativamente, sua autonomia anterior para fa-zer política industrial. A especificidade da China – em razão do dinamismo e tamanho da sua economia e do seu posicionamento já alcançado no mercado mundial –, fez com que a maior liberali-zaçãodoseumercadodomésticonãotenhageradobloqueiosparaa graduação tecnológica das empresas integralmente chinesas epara a constituição de um sistema nacional de inovação. Em 2001, a China já estava, vantajosamente, para seus interesses nacionais, bastante integradaaomercadomundial.Defato,aartilhariadospreçosbaixosdasexportaçõeschinesastrouxegrandesbenefícios

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paraaeconomiadopaís,apósamelhoriagradualdeacessoaomer-cadomundialporcontadoacordocomaOMC.

Aoladodasmajoritáriasvantagenscomerciaisetecnológicas,oacordocomaOrganizaçãoMundialdoComércio resultouemalgumas situações de falência ou privatizações de parte de em-presas estatais, em razão do aumento da concorrência externa. (HART-LANDSBERG;BURKETT,2004,p.49)Asempresasasiá-ticas, norte-americanas e europeias já tinham avançado substan-cialmente na década de 1990 com exportações de bens destinados ao mercado interno da China. No entanto, diante disso, a crença dogovernoeradequeaprópriaaberturaexternadocomércioedoinvestimentodeveriaprovocarosurgimentodenovasoportunida-desdenegóciosparaasempresaschinesas.Nessemesmosentido,acreditava-se que, nas novas condições de liberalização dos mer-cados, surgiriaum impulso ao crescimentodo setorde serviços,que, com dinamismo e competitividade, seria capaz de absorver os migrantesrurais,dadososlimitespotenciaisdademandapormãodeobranaindústria,comaescaladatecnológica.

Algunstiposdeperigosdoaprofundamentodaliberalização,commaisdominaçãodocapital,conformeoacordocomaOMC,nãoprovocaramparalisiadeaçãonosdirigentesdoEstadochinês.Caberessalvarqueemsentidosistêmico,profundoealongoprazo,a liderança do Estado-partido decidiu dar mais um passo adiante na integraçãomundial,nostermosdoliberalismodocapital,mesmoquemitigado,emlugardaparticipaçãonaeconomiainternacionalem conformidade com uma planificação de orientação socialista. Essadecisãoestavaemconsonânciacomaestratégiaeconômicaemcursoequesebaseavanaregulaçãodomercadoenacentralidadedaeconomiamista.Comoconfirmaçãodoacertodessaestratégia,oacessoàOMCteveimpactopositivosobreoestritocrescimentoeconômico. Portanto, os dirigentes chineses lutaram com firme-zaparaingressarnaOMC,assumindotodasassuasimplicações.

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As  principais potências, especialmente os Estados Unidos, sóderamoavalparaaChinanaOMCemtrocademaioraberturado mercado interno chinês, “particularmente, acesso aos lucrati-vosmercadosdeserviçosdopaís”.(FUKASAKU;YU;QIUMEI,1999,p.7)NasnegociaçõesdoacordodoschinesescomaOMC,osEstadosUnidoseaUniãoEuropeiaconseguiramestabelecercotasdeexportaçõesdetecidoseroupaschinesasaté2008.OgovernochinêscumpriuoAcordocomaOMCemtodasasinéditas–his-toricamente – imposições de rápida redução de tarifas, abertura de diversos setores e abandono de aspectos de políticas públicas discricionárias,obedecendotodasasetapasdocronogramademe-didasdeliberalização.(ARRIGHI,2008,p.285)OsEstadosUnidosfizeramexigênciasextremamenteabusivas,violentaseexageradas,dentrodascláusulasdoAcordodaChinacomaOMC,comafina-lidade de liquidar a soberania nacional do Estado chinês. O tempo mostrou que a China soube driblar os abusos imperialistas e colo-nialistas contrabandeados pelos Estados Unidos para os termos do AcordochinêscomaOMC.

Mesmoantesderodadasdeliberalizaçãodosmercadosdomés-ticos de serviços, aChina já tinha aumentado significativamentesuas importações de serviços. Em 1987, a China importava em ser-viços 5% do seu total de comércio, mas, apenas dez anos depois, em 1997, esse percentual já tinha subido para 14%. Comparativamente, nesses mesmos anos, os Estados Unidos tinham os percentuais de 14,8% e 14,3%. As exportações de serviços da China, como porcenta-gemdoseutotaldevendasexternas,avançarammuitolentamente:em 1987, eram 9,7% e, em 1997, só avançaram para 11,8%. Novamente, na comparação, os Estados Unidos tinham nos citados anos os per-centuaisde25,5%e25%.(FUKASAKU;YU;QIUMEI,1999,p.9)

NoacordocomaOMC,aChinafoiforçadaaaceitarsuaclassi-ficaçãocomoumaeconomiaquenãoerademercado(Non-marketEconomy–NME)atédezembrode2016.Durante15anos,aChina

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foiobrigadaaaceitarregrasprotecionistasdeoutrospaíses,atra-vésdesalvaguardasedireitos“antidumpings”.Apósaexpiraçãodesse prazo de 15 anos, os Estados Unidos, a União Europeia e o Japãodesobedecemefraudam,naprática,asregrasimpostasporeles próprios sobre os chineses, e continuam a recusar o status de economia de mercado para a China. Desconsideram a liberalização já efetivada, e acusam a persistência de práticas “desleais” de co-mércio e investimentos, com interferência do Estado chinês. Nesse sentido,aUniãoEuropeiajáimplantounovasregrasprotecionis-tasem2017,claramenteilegaisnoâmbitodaOMC,pararestringirasimportaçõesdepaísesquepossuamalegadaaltaestatizaçãodaeconomia e do sistema financeiro e baixos níveis dos custos tra-balhistas e de proteção do meio ambiente, os chamados dumpings social e ambiental. O alvo dos europeus é a China.O governoTrump, com retórica alarmista, avalia que o reconhecimento dos direitos de economia de mercado para a China seria um cataclismo naOMC.Mas,legalmente,aChinajáémembroplenodaOMC,e assim deveria ser considerada economia de mercado por todos osdemais163membrosdestainstituição.Nofundohá,porpartedas potências ocidentais, um discurso tipicamente falso ao sepa-rar economia e estado. Prevalece o inconfessável objetivo realis-tadepromoçãode seuscapitaisoriginariamentenacionaise suaeconomia doméstica. Para os interesses do grande capital, comsuas corporações produtivas e financeiras, o Estado é sempre in-dispensável, na dança contínua entre liberalismo e protecionismo. O Estadodasgrandespotênciasépartedalutacompetitivainevi-tável e sobredeterminante entre os capitais.

A China é campeã dos processos antidumping no mundo. Esse país,em2004,tinhaomaiornúmerodeinvestigaçõesdedumping, com48 casos, enquanto aCoreiadoSulvinha, em segundo lu-gar, com apenas 12 casos. Por causa do status de economia “não mercado”daChina(NME),apartedaacusaçãotevevantagensna

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simplificação de provas e na liberdade de escolha do país, que ser-vedeparadigmadecustosparacontrastarcomoscustoschineses.A propósito,umdosfatoresdorebaixamentodoscustoséobaixonível salarial dos trabalhadores chineses, embora Li Yuefen (2005) considereavantagemdecustosdaChinacomodecorrênciadesuaeficiência econômica. Li acusa as multinacionais como os princi-pais fomentadores e beneficiários das medidas antidumping em re-lação às firmas chinesas.

Nova Divisão Internacional e Regional do Trabalho

O tamanho e o dinamismo da economia chinesa passaram a desem-penhar um papel-chave no desempenho da economia mundial, desdeasegundametadedosanos1990.Háalgocomoum“efeitoChina”, que consiste em reorganização da divisão internacio-nal e regional do trabalho, conforme a polarização exercida pelaeconomiachinesa.Opatamaralcançadopelaintegraçãochinesanaeconomia mundial levou a China a exercer um papel de duplo polo, tornando-se umdos centros da globalização e, simultaneamente,umabasedecentralizaçãoregionalasiática.(MEDEIROS,2006)

Amigração de capitais tanto globais quanto asiáticos tem aChina como um dos destinos prioritários. A produção e as expor-taçõesdessepaísajudamarefazerasegmentaçãointernacionaleregional das cadeias produtivas. Muitas empresas classificadascomointegradorasnascadeiasglobaisdevalortêmunidadespro-dutivas estratégicasnaChina.Amarcha aceleradada produçãochinesa alterou profundamente as relações interindustriais no Leste e Sudeste daÁsia.Constituiu-se, com a participação chi-nesa, um novo espaço asiático de compartilhamento produtivo e comercial, bem como de competição. Entretanto, constata-se, ao mesmo tempo, uma crescente influência das empresas transnacio-nais na China e no Leste asiático.

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Depois de 1995, com a nova valorização do yen em relação ao dó-lar, com a diminuição do ritmo de importação japonesa de produtos asiáticos e com certa retração do investimento direto externo japo-nês, a China avançou, inclusive beneficiando-se da desvalorização de sua moeda, em 1994, e acelerando suas exportações. As expor-taçõesdoschamadostigresasiáticosedosmembrosdaAssociaçãoEconômicadoSudestedaÁsia(Asean)começaram,decertafor-ma, a sofrer um desvio de comércio, devido à penetração da China em mercados ocidentais, como os Estados Unidos. Estabeleceu-se, em contrapartida, forte dinamismo nas trocas asiáticas, nas quais a China é o destino de crescentes exportações dos países vizinhos, sobretudo de insumos. Além disso, as firmas asiáticas se instala-ram lá, massivamente, participando do êxito exportador chinês paraterceirosmercados.Há,aomesmotempo,comoprotagonis-modaChina,acirramentodacompetiçãonaÁsia,algumgraudesimilaridade em parte da produção e um potencial de crise nas re-lações econômicas internas ao Leste asiático.

Nas relações econômicas da China com outras nações do Leste eSudestedaÁsia,avalia-sequeosganhosmútuosdecomércioeinvestimentoseriamefetivos,comoesperavaJohnWeiss(2005),emmeadosdadécadade2000.Nãoobstanteessasvantagensrecípro-cas, haveria tanto riscos para setores individuais quanto necessida-de de flexibilidade e reajustes das empresas e Estados. Conforme JohnWeiss(2005,p.47-50),aChinatinhaumaestruturainterme-diária de comércio porque era menos sofisticada do que Japão,CoreiadoSul,TaiwaneCingapura,porémeramaisavançadadoqueIndonésia,Malásia,TailândiaeFilipinas.Masissomudou:aChinanadécadade2010jágalgoupatamarestecnológicoseleva-dos em muitos setores de máquinas e equipamentos, em compara-ção com seus rivais asiáticos mais avançados.

Alega-se ainda que a relação comercial poderia ser acompa-nhada pela unificação monetária, colocando em um nível mais alto

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acooperaçãoentrealgumasnaçõesasiáticas.Arapidezdocresci-mentoedaintegraçãodaseconomiasdoLesteasiático,bemcomoo relativo sincronismo dos seus movimentos cíclicos, de curto e longoprazo,játeriamcriadoascondiçõesnecessáriasparaauniãomonetáriaeamoedacomumdessaregião,segundoKiyotakaSatoeZhaoyongZhang(2006).

Aintegraçãoàeconomiamundialtemexigidoainternaciona-lização dos próprios capitais chineses. Essa é uma necessidade de sobrevivência–produtiva,comercial,financeiraetecnológica–nacompetiçãocomasfirmasestrangeiras.Essascorporaçõesestran-geirasatuamnaChina–paraosmercadosdaChinaedomundo,via exportações – e se beneficiam de seus próprios e diversos re-cursos e instrumentos já instalados na economia internacional, emespecialnosplanosfinanceiroetecnológico.Essascorporaçõesbeneficiam-se também da flexibilidade e diversidade, inclusive de custos, dadas pela miríade de fornecedores e parcerias produtivas dispersasnas cadeiasdevalor global.Assim,paraos chineses, anecessidade inexorável da nova concorrência internacional já se manifestavaem2002,no iníciodadécadadeviragemde seu lu-garnaeconomiamundial,quandoaChinajácontavacom2.382empresasinstaladasem128países,nasmaisdiversasregiões,comum total de investimento direto externo chinês de US$ 29,9 bi-lhões. (YUANJIANG, 2005, p. 46) Os investimentos chinesesdesdeoiníciosempreforamdirecionadosparaassegurarosupri-mentodealimentos,matérias-primaseenergia,comoseconstatanasuapresençanaAméricaLatina,naÁfricaenaprópriaÁsia,em combinação com a aquisição ou fusão de empresas da Europa, Estados Unidos e Canadá em função de incorporação de tecnolo-giaeposicionamentonascadeiasglobaisdevalor.Apartirde2010,aproveitando o momento de dificuldades das potências ociden-tais com os desdobramentos da crise de 2008, a China acelerou os investimentos no exterior, com suas empresas estatais e privadas.

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Há variadas críticas de analistas ocidentais sobre o IDE chinês. Alguns, alinhados aos interesses dosEstadosUnidos, esgrimemum ponto de vista econômico claramente convencional e conser-vadorismopolítico,negandorelevânciaaoIDEdaChina,porqueseriam recursos concentrados em países periféricos com exces-siva instabilidade política, com ameaças potenciais de perdas ou prejuízos dos capitais investidos. Esses mesmos críticos também concluemqueaChinasóconseguecomprarfirmassecundárias,comdebilidadestecnológicasedemercado,nosprincipaispaísesocidentais. De outro lado, absolutamente distinto, críticos de es-querda denunciam um novo tipo de imperialismo operado pela China na dimensão dos negócios, em vez das tradicionais inge-rências políticas e intervenções militares ocidentais. Para esses críticos,asalegadasvantagensdesenvolvimentistastrazidaspelasempresas chinesas para os países periféricos são uma nova forma de dependência perante os capitais e o poder da China, além do comércio assimétrico em que a China vende manufaturados, com maisvaloragregado,ecompracommoditiesbásicas,empurrandoesses parceiros comerciais na periferia capitalista para a desindus-trialização e o neocolonialismo.

AsestratégiaserespectivosprogramasgovernamentaisGoing

Global, Made in China e Belt and Road são articulados para a pro-moçãoesustentaçãodemarcas,empresasenegóciosnoexterior.Desde a década de 2010, os investimentos externos chineses no exterior crescem com mais rapidez do que a entrada de capitais es-trangeirosnaChina.Assim,desde2014,2015e2016,ovolumedeIDE chinês já ultrapassou a entrada de capitais na China. E essa diferença deve ser maior do que os números apresentados pelo Ministério do Comércio da China, porque, como se sabe, umaparcela muito relevante dos investimentos chineses no exterior estámascaradacomosefossecapitaldeHong-KongedeparaísosfiscaiscomoLuxemburgoeIlhasCayman.

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A exemplo dos grandes grupos empresariais do Japão e daCoreiadoSul, aChinaconstituiuconglomeradosegrandesem-presas para dispor de poder e autonomia financeira, capacitação tecnológicaeinternacionalizaçãonascadeiasdevalor,comcapaci-dadedecompetiçãonosmercadosglobais.DentrodacombinaçãocomplexadeliberalizaçãoeregulaçãonaChinafoicriada,em2003,a Administração Supervisora dos Ativos Estatais (State-OwnedAsset Supervision Administration – Sasac), que controla as prin-cipais decisões das 150 maiores empresas estatais. A Sasac suprimiu a dispersão entre diversos ministérios para a condução da política industrialdirecionadaparaessesconglomeradosempresariaisesta-tais. São estatais todas as 12 primeiras empresas chinesas que apa-receram na lista das 500 maiores companhias do mundo em 2014, conforme a revista Fortune. Nesse ano, da China, constavam na lis-taglobal76estataiseapenas22firmasprivadas.(FORTUNE,2015)Nalistade2016,aChinasubiupara110corporações,ocupandoasegundaposição,depoisdosEstadosUnidos.27Aescaladaéclara:em2012,eram73empresaschinesase68japonesas;28em2006,eram20 empresas da China A lista é composta por empresas listadas em bolsas de valores e o critério de classificação é o volume de fatura-mento. As empresas chinesas atuam principalmente nos setores de petróleo,energia,banco,telecomunicações,automóveis,ferroviaseconstruçãocivil.Em2016,asestataischinesasStateGrid(eletri-cidade),ChinaNationalPetroleumCorporationeSinopecGroup(petróleo)eoIndustrial&CommercialBankofChinasituaram-senossegundo,terceiroequartoe15º lugares,respectivamente.Em2006,apetroleiraSinopeceraamaiorempresadaChina,detinha

27 Verlistadas500maioresempresas,em2016,naFortunedisponívelem:<http://beta.fortune.com/global500/list>

28 Verlistadas500maioresempresas,em2012,naFortune disponívelem:<http://fortune.com/fortune500/2012>

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a 23ªposiçãona lista e só ficava abaixodaToyota, considerandoapenas as empresas asiáticas.

BRICS

O crescimento econômico dos chamados países emergentes, a ascensão chinesa em particular, os problemas e as políticas dos paí-ses centrais no cenário da crise de 2008 e os limites da representa-çãomultilateralemimportantesorganismosinternacionais,comooFundoMonetárioInternacional(FMI)eoBancoMundial,sãoosquatro fatores principais que motivaram a criação e evolução do grupoBRICS,congregandooBrasil,aRússia,aÍndia,aChinaeaÁfricadoSul.Desdeoperíodode2012e2016,acriseeconômicano Brasil e na Rússia, as grandes dificuldades da economia daÁfricadoSuleadesaceleraçãodocrescimentonaChinaprovo-carama renovaçãodas avaliações sobre a fragilidadedoBRICS.Diantedisso, aChina,pela sua grande expressão econômicanomundo,adespeitodamencionadadesaceleração,équemconseguedarviabilidadeerelevânciaaoBRICS.Trata-sedeumbloco,semconfiguração convencional de comércio e de espaço geográfico.Os paísesdoBRICSestãoemtodososcontinentes,reúnem42%da população mundial e detinham 21% do PIB mundial em 2015.

Asignificativaheterogeneidadepolíticaeeconômica,eatéaparcialseparaçãogeográficadosmembrosdoBRICS,comdesta-que para a esmagadora superioridade da economia chinesa, sãoenfatizados pelos críticos dessa iniciativa institucional de países da periferia e semiperiferia do sistema capitalista mundial. De fato, háfortestensõesinternasnoBRICS.Nessesentido,háasdisputasdefronteirasentreChinaeÍndia.Aliás,aÍndiatomouaatituderelevantedeabririnvestigaçõesdeantidumpingcontra13produ-toschinesesnaOMCem2017.Valelembraroimpactodesindus-trializante e reprimarizante sobre a estrutura produtiva brasileira,

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emrazãodagritanteassimetriadostiposdemercadoriasnocomér-cio entre China e Brasil.

DentrodoBRICS,aChina,paradoxalmente,éoelementodediferença,rivalidadeehegemoniaeaomesmotempoéocimentoeunidade do bloco. As relações comerciais são limitadas entre Brasil, Rússia,ÍndiaeÁfricadoSul,masaChinaéoparceirocomercialdestacadode todos eles. Para aChina, oBRICS tornou-seumaarma indispensável–embora insuficiente–emsuaestratégiaderelações internacionais para conquistar projeção e poder nos or-ganismose instâncias tradicionais,para forçaroalargamentodomultilateralismo em seu benefício, para diminuir a desenvoltura políticadosEstadosUnidos.Damesmaforma,oBRICSéimpor-tanteparaaChinaparaasegurançadoacessotantoaosuprimentode alimentos, energia ematérias-primasquantodas suas vendasexternas de manufaturados para os grandes mercados dos seusparceirosnobloco.OBRICSémaisuminstrumento,pelomenoscomo demonstração de aliança política, “cartão de visita”, para a Chinaabrirportasparaseusinteresseseconômicosgerais,paraainternacionalização das suas empresas, para as oportunidades de negóciosnaAméricaLatina,ÁfricaeRússiaeÍndia.

NascríticasaoBRICStransparecearesistênciaaqualquermo-vimentointernacionalmaisautônomoemfacedahegemoniadosEstados Unidos e Europa Ocidental. A denúncia de que se tratava de um fórum para meros discursos políticos e troca de opiniões dos chefes de Estado, sem qualquer relevância prática, tem sido respon-dida por um processo em que, lentamente, a cada ano, são estabele-cidos entendimentos de cooperação em diversas áreas, sobretudo em temas econômicos, financeiros, comerciais e de ciência e tec-nologia.Aprincipalrespostaàinviabilidadeeirrelevânciadoblo-cofoiacriação,em2014,dochamadobancodoBRICS,ouseja,oNovoBancodeDesenvolvimento(NBD),eoArranjoContingentede Reservas (ACR). O argumento da incontornável incipiência

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organizacional do bloco foi vencido pela institucionalização doBRICSatravésdoNBDedoACR.OBancodestina-sea finan-ciar projetos de infraestrutura diante da insuficiência de recursos edirecionamentopolíticodeWashingtonnosfinanciamentosdoBancoMundial.OACRéummecanismodesocorroparaospaísescomproblemasdebalançodepagamentos,sematradicionalpolí-ticadecondicionalidadeseingerênciadoFMI,emboraosexíguosrecursosdoACRnestemomentosótenhamimportânciaefetivaparaumaeconomiapequenarelativamentecomoaÁfricadoSul.Éevidenteque,adespeitodesuanovidade,importânciaenecessi-dade,essainstitucionalidadefinanceiradoBRICSaindanãotemporte e alcance para já se caracterizar como alternativa e exclusão doFMIeBancoMundial.Sãoinstituiçõesefetivamentecomple-mentaresaosorganismostradicionaisesemforçaparaimporumareforma da arquitetura do sistema financeiro internacional.

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CAPÍTULO VII

O imbróglio financeiro

AgrandedisputaemtornodafinançanaChinaestádirecionadaprincipalmente no ataque ao sistema bancário, acusado de ine-ficiente, concentrado, vulnerável, a serviço da ingerência polí-ticadoEstado chinês. “Cartagodeve serdestruída”: eliminema“repressão financeira”, liberalizem os mercados de capitais, des-montem os quatro grandes bancos, com capital majoritário es-tatal (Banco Comercial e Industrial da China, Banco da China, BancodaConstruçãoeBancodaAgricultura)!29 Com o Banco das Comunicações, com participação estatal minoritária, constituiu-se o grupo dos cinco grandes bancos.A concentração bancária na

29 Valeexplicarqueháumacertaconfusãosobreaidentificaçãodos“quatrograndes”.Parauns,comoaconsultoriaMcKinsey,alémdoBancodaChina,Banco da Construção e Banco Comercial e Industrial, o quarto seria o Banco dasComunicações.Masparaoutros,comoDeutscheBank,mantidosostrêsprimeiros,oquartoseriaoBancodaAgriculturadaChina.(HANSAKUL,2006,p.2)

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China em ativos é acentuada e encontra-se nas mãos de dez institui-ções. Há duas décadas permanece a cantilena alarmista sobre o cer-to e iminente colapso total da China por conta do endividamento monumental das empresas e dos governos provinciais e locais.Como remédio, recomendam-se a privatização do setor bancário, ofimdoscontrolesdosfluxosdecapitais,ocancelamentodoregi-me de administração do câmbio, novas etapas de aprofundamento da livre internacionalização e convertibilidade do yuan (é claro, subordinadoaodólar,globalmente),elevaçãodastaxasdejuroseliberalizaçãoerelevânciadasempresasprivadaseestrangeirasnasbolsasdaChina.Emgeral,pressiona-sepelaaberturadaChinaàglobalizaçãofinanceira,moldadapeloregimedólar-WallStreet.

Masparaoscapitaisjáinstaladosnaestruturaprodutivachine-sa, o financiamento por meio de massivo e barato crédito dos ban-cos públicos contribui para seus lucros. Esses capitais só precisam repassar para os bancos volumes relativamente menores de mais--valia,sobaformadepagamentosdejurosnacomparaçãointerna-cional. Há aqui uma função econômica do Estado chinês, através dos bancos públicos, em subsidiar o rendimento efetivo do capital. Atéquandoaintegralidadedessemecanismoésustentável?

Quando o plano de crédito sai de cena

PorqueafinançanaChinaseencaminhouparaessaencruzilhada?Aqui é preciso voltar à distinção entre a planificação do tipo so-cializante, do passado, e a planificação associada ao mercado e ao capital privado, do período das reformas. Anteriormente, no pe-ríodo maoísta, a planificação estabelecia a alocação dos recursos, mesmo considerando os esforços de descentralização econômi-ca e administrativa ocorridos, especialmente, em 1958 e em 1970. O Estadoimplementavaessaalocaçãoderecursos,conformeregrasorçamentárias e de planificação da produção. Havia um plano de

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crédito e um plano monetário que eram operados, sobretudo, pelo Banco Popular da China. Esse Banco controlava quase todos os ati-vos financeiros e suas respectivas transações, os fluxos monetários nos mercados consumidores e a transferência de recursos entre os ramoseconômicos.Alógicafinanceiraeraoutra,bastantedistintada atual. As questões de eficiência, concentração e vulnerabilidade no sistema bancário eram importantes, mas estavam situadas em circunstâncias distintas das de hoje, associavam-se a processos di-ferentes, condicionavam-se aos objetivos da transição socialista.

A estratégia financeira chinesa expõe-se a muitos riscos nocontextodafinançaglobalizadaque,cadavezmais,tendeaamar-rar-seàChina,pormilfios.Oneoliberalismoeaglobalizaçãofi-nanceira, durante quase quatro décadas – coincidentemente com o período das reformas chinesas –, impuseram a assim chamada tirania dos mercados financeiros. A financeirização entronizou o comandodocapitalfinanceiroeoaumentodainfluênciadalógicada valorização das empresas no mercado acionário, dependendo daespeculaçãosobreosganhosbursáteisdosoperadoresnocurtoprazo. Criou-se uma nova autonomia relativa da finança, preser-vando-sesuainterpenetraçãocomaprodução.Vive-seaépocadadesregulaçãodosmercadosfinanceiros,aliberalizaçãodosfluxosinternacionais de capitais, a hipertrofia dos chamados investidores institucionais (fundos de pensão, fundos mútuos, companhias de seguro).Estabeleceu-seumanovadivisãode trabalhonoâmbitofinanceiro,comnovolugarparaocréditobancárioeoavançodafinançadiretaatravésdetítulosdiversos,inclusivenegociáveisemconfigurações quaisquer em balcão ou em formas padronizadasnas bolsas.Multiplicaram-se as oportunidadesde especulação e,simultaneamente, de riscos. Liberalizaram-se as taxas de juros, ao ladoda submissãoda taxade câmbio aosperigosde gravevola-tilidade. Sucedem-se crises financeiras, como ocorreu na própria Ásia,em1997-8eglobalmenteem2007-2008.

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Se, na China, depois de 1978, as reformas foram orientadas para o mercado, então já não cabia a planificação da alocação dos recursos financeiros. Assim, com as reformas financeiras, o pro-cesso conduziu, cada vez mais, à extinção do plano de crédito, ao fortalecimento da política monetária convencional e à criação e liberalização, gradualmente, dosmercados financeiros.O BancoPopular da China foi submetido a reformas desde 1979, separou--sedoMinistériodasFinançasetornou-sebancocentralem1984.Nas reformas,atribuiu-seaoBancodaChinaatarefadelidarcomocapitalestrangeiro,emrazãodocomércioeinvestimentodireto.OBancodaAgriculturadaChinadeveriaseocupardastransaçõesna área rural. O Banco da Construção do Povo da China assumi-ria as transações bancárias decorrentes dos investimentos, ou seja, formação de capital, inclusive na produção industrial. O Banco Comercial e Industrial da China, fundado em 1984, seria o res-ponsável por todas as transações ainda não atribuídas aos outros bancos.Aolongodosanos1980,foramcriadasinstituiçõesmeno-res:bancosdosgovernoslocais,nasZonasEconômicasEspeciais,ecooperativas de crédito, em áreas rurais e nas cidades. Em 1994, foi abolida a sobrevivência do mecanismo de crédito direto do banco central(BancoPopulardaChina),que,emseguida,passouaope-rarplenamentesobcritériosdemercado,apartirdalegislaçãode1995.(MEHRAN;QUINTYN,1996;ALLEN;JUN;MEIJUN,2005)Em vez do plano, as operações de mercado ampliaram-se, cada vez mais, como tinha de ser.

A expansão dosmercados financeiros tinha e tem de exigirmaior liberalização. Do ponto de vista liberal, a China deve abolir oslimites,controleseaçãoestratégicadoEstadonafinança.Erae é preciso tirar da frente aquela estrutura formada pelos cinco grandesbancos.Era e épreciso abrirpassagemaosmercados fi-nanceirosprivados,livreseinternacionalizados.Ocontrolegover-namentalsobreocréditoévisível:nofinalde2006verificava-se

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que,alémdeoutrosbancosestatais,apenasosquatrograndes–oComercial e Industrial, o Banco da China, o Banco da Construção eoBancodaAgricultura–detinham52,5%dosativosbancários.Assim, uma das formas de atacar os resquícios de controle estatal sobre a finança é a ensurdecedora campanha, sobretudo martelada poracadêmicos,mídiaebancosocidentais, alémdoFMI,BancoMundialeOMC,sobreagigantescadívidaincobráveldasempre-sasestataisegovernoslocaisjuntoaosbancos.Aremanescentein-terferênciaestatalestariagerandooperigodeumagrandecrisenaeconomia da China, além de distorcer a oferta de crédito e a aloca-çãodosrecursosporcausadasalegadaspreferênciasdeempresasestatais e das taxas de juros impositivamente baixas. Portanto, essa anunciada grande crise, tão desejada por décadas, estaria sendopreparada pelos créditos bancários, os quais, contudo, têm sido um dos principais mecanismos de respaldo da alta taxa de investimen-to para manter o crescimento do PIB. Nesse sentido, em resposta àcriseglobalde2008,ocréditobancárioampliou-seaindamais.

Na orientação econômica chinesa, a tendência, o futuro, é pre-valecerafinançademercadosobreafinançaregulada.Maisumavez,asoluçãorecomendadapelograndecapital,apartirdaspraçasdeNovaIorqueeLondres,éadesregulaçãodosmercadosfinan-ceiros,compenetraçãodosbancosestrangeiroseliberalizaçãodabolsa.Éclaroqueasgrandesinstituiçõesestrangeirasanseiamporum pedaço do lugar ainda ocupado pelos cinco grandes bancoschineses.Ocomeçodolongoeatéagoracontroladoprocessodeliberalizaçãocontoucomaprogramaçãoeocalendáriodasmedi-das desestatizantes, que tinham sido assumidas no acordo com a OrganizaçãoMundialdoComércio,em2001.Masamudançatemcustos:oEstadochinês,atémeadosdadécadade2000,despendeuUS$ 400 bilhões no saneamento dos bancos desde 1998. (CHINA TOOPEN,2006)ZhuMin,vice-presidentedoBancodaChina,comemorou,emnovembrode2006,aliberalizaçãodapropriedade

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bancária,comsuasaçõesnegociadasembolsa,queteriaprovocadoareduçãodoscréditosdedifícilrecuperaçãoparaapenas5%.Minesclarecia que os bancos chineses, como última meta da reforma, sevoltariamparaumagestão,aseuver,moderna,eficiente,confor-meoscritériosdemercado.(INTENSIFICA,2006)

A despeito de todos os passos liberalizantes, não tem sido sim-ples nem efetivo o desmonte do sistema bancário estatal em um país como a China. Com esses bancos estatais, o país não está crescendo hátantotempo,apesardasadversidadesdacrisemundial?Nãoéesse ainda certo controle estatal remanescente que influencia a oferta de crédito para a produção, que tem beneficiado o ritmo de crescimentodaeconomiaeosempregos?Considerem-seosdadosseguintes:i)aindaem2004,osbancosconcentravam72%dosesto-ques financeiros do país, enquanto, comparativamente, o sistema bancáriodosEstadosUnidosdetinha19%eodaCoreiadoSul,33%;ii)em2005,aparcelaesmagadorade95%dosnovosrecursosfinan-ceirosparaasempresasoriginou-sedecréditobancárionaChina;iii) havia um gigantesco volume de depósitos bancários:US$ 3,5trilhões, aproximadamente metade das famílias e metade das em-presas,emmarçode2006.(FARREL;LUND;MORIN,2006,p.1)

Entretanto, há uma forte crítica de que a atividade rural dos camponeses é quase excluída do acesso ao crédito. Todos os recur-sos,segundoalógicademercadopeloscritériosdeliquidezelucro,são direcionados para a industrialização e urbanização. Nas décadas de2000e2010,osgovernosdeHuJintaoeXiJinpingtêmenfatizadoa retórica do apoio à construção do chamado novo campo socialista. Emjunhode2006,oEstadofundouoBancoPostaldePoupanças,comoplanodeatingiramplamenteovarejoeasregiõesruraisdopaís, com a perspectiva de se tornar um dos maiores bancos comer-ciais da China. Os bancos de aldeia e municípios, que eram apenas noveem2007,aumentarampara1.071em2013.Masessesbancosseempenharampouconoapoioàagriculturacamponesa.Naverdade,

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registrou-sefortequedadonúmerodefiliaisdebancosecoopera-tivas no campo, na década de 2010. De 1978 até 2013, a China passou por grandes avanços econômicos,mas a parcela de créditos paraa agricultura, inclusive considerando as empresas rurais, flutuoudentro da banda de 3% a 8% do total de empréstimos. Assim, no fim de2012haviamenosde20%dos273milhõesdeagricultorescomacessoaocrédito.(ZHOU;FENG;DONG,2016)

Na China, os bancos, voltados para as atividades urbanas, empres tam principalmente para as empresas, em vez dos consumi-dores.Ocréditobancárioprivilegiaasgrandesempresasestatais,enquanto as pequenas e médias firmas, juntamente com as com-panhias estrangeiras, só conseguemuma parcelaminoritária dosempréstimos bancários. Então, a pressão liberal insiste que, para começar,oalvodareformadeveserosquatrograndesbancoses-tatais, que precisariam ser submetidos aos “padrões de classe mun-dial através da diversificação da propriedade, com capitais externos eofertapúblicadeações”.(FARREL;LUND;MORIN,2006,p.1)Elogia-seadesregulaçãodastaxasdejurosnosbancos,comasu-pressão do teto das taxas para os empréstimos e do piso para as taxas os depósitos. As chamadas instituições financeiras não bancárias já têmliberdadedefixaçãodataxadejuros,dentrodemargensesta-belecidas,desdeo iníciodosanos 1990. (MEHRAN;QUINTYN,1996,p.19)Em2001,aholdingfinanceiraprivadaPing’anInsurerob-teveolucrolíquidode1,76bilhõesdeyuans (US$ 212 milhões). Em janeirode2003,areceitadosprêmiosdesegurosdascompanhiasprivadas já tinha alcançado US$ 15,53 bilhões e metade das empre-sas de leasingeramprivadas.(TANG,2003)

A economia doméstica da China ainda é dominada pelo financia-mentobancário,comomostramosdadosseguintes(HANSAKUL,2006,p.2):i)nototaldofinanciamentoaosetordomésticonãofi-nanceiro, os empréstimos bancários passaram de 75,9%, em 2001, para86,8%,em2006.Sóissojáexplicaograndeinteressedosbancos

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estrangeirosemcomprarouseassociarcomosbancoschineses;ii)comparativamente, os títulos da dívida pública, no mesmo período, entre2001e2006,caíramde15,7%para1,4%,mostrandoainexpres-sivadependênciadeemissãodedívidapelogovernoparafinanciarseusgastos,demonstrandoumaautonomiaimportantediantedoscredoresparafazerpolíticamonetária;iii)aemissãodetítulospelasempresasaumentoude0,9%,em2001,para6,1%,em2006,signifi-cando um importante crescimento, mas a quantidade de finança diretaaindaébaixíssimanaChina;eiv)aemissãodeinstrumentosparaos investimentosdosgrandespatrimônios financeiros repre-sentou7,6%,em2001,ebaixoupara5,6%,em2005.

A promessa de liberalização bancária

O tamanho e a importância do sistema bancário da China apare-cem claramente na comparação com outras economias asiáticas.30 Oportedaatividadebancáriaemumagrandeedinâmicaecono-mia como a chinesa desperta o grande interesse internacional.As pressõespela liberalização,privatização e internacionalizaçãoda estrutura bancária e dos serviços financeiros são persistentes. As reformas buscam responder a essas pressões, preservando um limitedecontroleestatal.Nesseprocesso,registre-seque,emja-neirode2003,ocapitalprivado–chinêseestrangeiro–controlava14,6%dosativosdosbancoscomerciaisnaChina.

30 Ver gráfico no estudo de Hansakul (2006, p.1) com os volumes de depó-sitos e empréstimos bancários (em % do PIB) na comparação entre China, Índia,CoreiadoSuleIndonésia,em2005.NaChina,registralargafolgadedepósitos(quase160%doPIB)sobreosempréstimos(cercade105%doPIB).Ademais, o volume de transações bancárias, como proporção do PIB, é muito superioraospaísesdacomparação.NaCoreia,essastransaçõesnãoatingem60%doPIB.

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AComissãoReguladoraBancáriadaChina(CBRC)conduziuum plano para ampliar a liberalização financeira. Assim, confor-mecompromissoassumidoperanteaOMC,osbancosestrangei-rostiveramgradualmenteliberdadeparatransaçõesnosmercadosdomésticos com a moeda chinesa. Isso foi concretizado a partir de dezembrode2004,emPequim,KunmingeXiamen,eatéofimde2005,emShengyang,NingboeShantou.Foiestimuladaapartici-pação,nasmaisvariadasformas,deinvestidoresestrangeirosnosbancoschineses.Ogoverno, semabrirmãodocontrole,buscouatrairumavariedadedebancosestrangeiros.(BANKING,2004)

Conforme o China Daily (ediçãode5deagostode2004),ogover-noadotouresoluções,emvigorapartirde1ºdesetembrode2004,afimdeampliaraaberturaparaosbancosestrangeiros.Os requeri-mentos mínimos de capital para abertura de filial e para atuação no varejo, com transações domésticas em renminbi, foram reduzidos, respectivamente,deUS$48paraUS$36milhõesedeUS$72paraUS$60milhões.Nesseconjuntodemedidas,adotou-searevoga-çãoqueproibiaainstalaçãodemaisdeumaagênciadeumbancopor ano.Uma centena de bancos estrangeiros já tinhanegócioscom clientes chineses, operando com o renminbi, fazendo com que aChinaseantecipasseaocompromissocomaOMCmarcadopara2006relativamenteà liberalização internapara transaçõescomamoeda chinesa. Assim, em junho de 2004, os ativos dos bancos es-trangeiros,denominados renminbi, totalizavam US$ 10,2 bilhões. (CHINA’SDOOR,2004)

OConselhodeEstado,em15denovembrode2006,emitiunovaregulamentação sobre os bancos estrangeiros, liberalizando suasatividades.(CHINAISSUES,2006)Assim,desde12dedezembrode2006,osbancosestrangeiroscomeçaramaatuarlivrementenopaís, realizando as transações do varejo bancário com a moeda lo-cal, o renminbi (yuan,ouseja,CNY),emnegóciosdiretamentecomasempresasepessoasdaChina.Osbancosestrangeirospodemter

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acesso ao mercado de depósitos menores, ou seja, menos que um milhão de yuans, se funcionar, antes, por três anos, com dois anos consecutivosderegistrodelucro.

Algumaliberalizaçãobancária,dopontodevistaformal,foiumdos mais importantes compromissos já cumpridos pelo Estado chi-nêsperanteaOMC.EssaaberturaprovocouummovimentodosbancosestrangeirosparainstalarsuasfiliaisnaChina,comosmes-mos direitos e tratamento dos bancos nacionais. (INTENSIFICA, 2006)Formalmente,osbancoschinesesestãomaisexpostosàcon-corrência e podem vender certa participação acionária aos bancos estrangeiros.Aregulamentaçãoprioriza,teoricamente,osestran-geiros que criem sólidas estruturas bancárias locaisnaChina, oque é mais fácil para os bancos com maiores recursos, ou seja, as maiores instituições financeiras internacionais.

Quantoaosquatrograndesbancos,oavançodamodalidadedelimitada privatização “por dentro”, através de ofertas públicas de ações,começouem2005e,sobretudo,noanode2006.Pordentroda estrutural estatal, avançariam pequenas parcelas de capital pri-vado.Osquatrograndesbancosdeixaramdeserbancosintegral-mente estatais, passando uma pequena parte de sua propriedade aos detentores de ações, inclusive os maiores bancos internacio-nais.Arestringidaprivatização“pordentro”échamada“parceriaestratégica”.Argumenta-sequeessamudançaparcialnaproprie-dade,preservadooclarocontroleestatal,podeprovocarosurgi-mentodeumanova culturade gerenciamento independentedocrédito e administração dos riscos, conforme os padrões do mer-cado.O fechamentodeagênciasem25%entre2002e2005,bemcomoareduçãodonúmerodeempregadosem7%,foijustificadocomo medidas para aumentar a eficiência nesses maiores bancos. (HANSAKUL,2006)

Conformeasnovasregrasdejaneirode2004,comostetosparaparticipaçãonocapitaldeumbancochinês,umsócioestrangeiro

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está limitado a possuir até 20% da propriedade, enquanto todos ossóciosestrangeirosjuntossópodemreter25%dapropriedade.Supõe-se que a associação com os bancos estrangeiros disponi-biliza inovações, tecnologia e métodos gerenciais modernos daatividade bancária, assim como abertura de oportunidades para expansãodosnegóciosemaiorfoconabuscadelucros.OBancoIndustrial e Comercial da China, o maior do país, já tinha vendido uma participação de 10% no seu capital ao consórcio formado por GoldmanSachs,AllianzeAmericanExpress,aopreçodeUS$ 3,8bilhões,emjaneirode2006.(GUERRERA;McGREGOR,2006)O Banco da Construção já conta no seu conselho de administra-çãocomosrepresentantesdeseusnovossócios,BankofAméricae Singapore’s Temasek, que agora detêm 14% do referido ban-co chinês.OBancodaChina vendeu 16%de seu capital para oRoyalBankofScotland31,MerrilLynch,LiKa-shing(umempre-sáriodeHongKong),Singapore’sTemasekHoldings,UnionBankSwitzerland(UBS)eAsianDevelopmentBank(ADB).

Desenvolve-se a transformação controlada da propriedade estataldebancosmenores–regionais,locais,setoriais–,comsuaes-truturadepropriedadesendo,emparte,negociadaembolsa.O con-trole acionário (85,59% do capital) do Banco de Desenvolvimento de Cantão (Guangdong)foicompradopeloCitigroupàfrentedeumconsórciodeinstituiçõesestrangeirasechinesas,emnovembrode2006.Obancoadquiridoeraumdosmaisimportantesdopaís,esta-va sediado na província mais industrializada e possuía uma rede de 500agências.Dessaforma,oCitigrouptornou-seaparelhadoparaadisputadovarejobancáriochinês,alémdosnegócioscomasgrandesempresas.(CITIGROUP...,2006)OBancodePequimassociou-se

31 ORoyalBankofScotlandsofreu imensosprejuízoscomacriseglobalem2008e2009efoiresgatadocomrecursospúblicos,quelevaramàparticipaçãomajoritáriaestataldoReinoUnidonocapitalsocialdobanco.

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ao INCGroup e à IFC (World Bank).O Banco deXangai ven-deu participação para o HSBC, IFC e para o Banco Comercial de Xangai(sediadoemHongKong).OsBancosComerciaisdascida-desdeHangzhoueJinanpassaramapartilharocapitalcomoBancoCommowealthdaAustrália.OBancoComercialdeNanchongtemparticipaçãodoDEGGMBH.OBancoComercialdeNanjingcon-tacomrecursosde IFCeBNPParibas.OBancoNingbovendeupartedesuasaçõesaoOCBCdeCingapura.OsBancosComerciaisdaRegiãodeXangaiedacidadedeTianjinassociaram-seaoGrupoBancárioAustrália&NovaZelândia (ANZ).OBancoComercialde Urumqi incorporou a participação do Banco Habib. O Banco ComercialdeXi’an temna suapropriedadeapresençade IFCeScotia Bank.OANZ adquiriu 19,9%doBancoRural deXangai.(HANSAKUL,2006,p.6)

Otamanhodapresençaestrangeiraaindaédiminutonosetorbancário da China, no qual apenas o Banco Comercial e Industrial da China, Banco da China, Banco da Construção e o Banco das Comunicações possuem uma imensa rede de 70 mil agências epostos.Oslucrosdosbancosestrangeirosdobraramnoperíodode2001a2005,passandodeUS$196milhõesparaUS$446milhões,masissoémuitoinsignificantecomolucrobancárioemumaeco-nomia como a chinesa. Pela trajetória dos fatos, a promessa de li-beralizaçãovaiexigirumlongoperíododetempo.Antesdacrisecapitalistamundialde2007-8,osbancosestrangeirosplanejavamparticipar da atração dos dois trilhões de dólares das contas de poupançanopaís.(CHINATOOPEN,2006)

Emumestudodivulgadoemdezembrode2006,oDeutscheBankexclamousuasurpresaesatisfaçãocomaprofundidadedasreformasnosistemabancáriodaChina(HANSAKUL,2006),emtrêsanos,de2004a2006,sobretudonaestruturadepropriedade.AsmedidasdeaberturadaOMCaumentaramademandadoschi-nesesporaplicaçõesnosbancosestrangeiros,emboraestesainda

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estejammuitoconcentradosnasáreascorporativas,comgrandestransações e administração de investimentos de ricos patrimô-niosfinanceiros.Háumprocessodereorganizaçãobancária,mais fusões e aquisições, associação com bancos locais voltados para o varejo bancário (consumo, cartão de crédito, empréstimos a empre-saslocais).Masasmedidasdeparcialliberalizaçãobancáriaficarammais no papel, sem efetividade. Portanto, em 2009, as diversas ins-tituições bancárias estatais ou controladas pelo Estado possuíam elevadíssima parcela de 72,73% dos ativos bancários do país, que foimantidaem68,51%em2014,enquantoosbancosestrangeirosnessesrespectivosanosdetinhamapenas1,68%e1,58%dosativos.(WATSON,2017,p.26)OBancoComercialeIndustrialdaChinaeoBancodaConstruçãodaChina em2016, como jáocorrehámuitos anos, mantêm-se como os dois maiores bancos do mun-do,seguidosnoreferidoanopelosamericanosJPMorganChaseeWellsFargo,respectivamenteemterceiroequartolugar.

Bolsas importantes, mas ainda secundárias

Osadvogadosda liberalização financeiranaChina sempreutili-zamoargumentodocontrasteentreotamanhojáalcançadopelaeconomiachinesa,comosegundomaiorPIBdomundo,eaestrei-teza do mercado de capitais no país. Todavia, desde 2014, as bolsas deXangaiedeHongKongcomeçaramumprocessodeconexãodesuas operações e, no futuro, é provável que esse mercado unificado daChinapossaseaproximardealgumacompetiçãocomapraçafinanceiradeNovaIorque.Masessaéumacaminhadalongaecar-regadadasturbulênciastípicasdafinança,adespeitodoscontrolesgovernamentaischineses,comoficoudemonstradonosepisódiosde crashnabolsadeXangaiemmeadosde2015enoiníciode2016,refletindoosperigosdaascensãoespeculativa.

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AsbolsasdevaloresdeXangaieShenzhenforamcriadasem1990e1991,respectivamente,emboranocasodeXangaitenhasidouma recriação, porque nessa cidade a bolsa foi aberta, pela primeira vez,em1860.Desdeosanos1990,omercadodecapitaiscriadonãoacompanhou o crescimento acelerado da própria economia. No pe-ríodode1993a2003,somente244empresascomregistronasbolsaschinesas asseguraramopagamentodedividendos,por três anosconsecutivos, aos detentores de ações. Em 2001, houve uma onda de alta dos preços dos ativos cotados nas bolsas chinesas, mas, nos anosseguintes,ovolumedenegócioseavalorizaçãodemercadomostraram-se muito baixos. As bolsas chinesas continuam com suadivisão:asaçõesdotipoAsãonegociadasemyuans e as ações detipoBsãotransacionadasemmoedaestrangeira.Oschinesespodemoperarnosdoissegmentos,masosinvestidoresestrangei-rossópodemnegociarasaçõesdetipoB,quetêmsidoosetordasbolsas chinesas com maior expansão. Há um movimento, inclusi-vecomofertapúblicainicialdeempresasestratégicas,paratentardiminuirafortepresençaestatal.Masessalimitaçãodosnegóciosbursáteis começou a ser superada na década de 2010. De fato, as bolsas chinesas passaram a experimentar importante expansão.

Em dezembro de 2014, a bolsa de Xangai possuía 3758 tipos diferentes de títulos, entre ações, títulos de dívida pública, papéis comerciais das empresas, títulos de fundos de investimento etc. Essa bolsateveem2014osignificativovolumedenegóciodemaisde128bilhões de yuans, registrandoocrescimento–especulativo, insus-tentável – de 48,13% em relação ao ano anterior, 2013. (XANGAIStockExchange,2015,p.5)Comparativamente,valelembrarquenofinalde2004ovalordemercadodasempresascomaçõesnegocia-dasemHongKongenoexterioralcançoulimitados2,21bilhõesdeyuans,enquantooconjuntodasempresasregistradasnasBolsasdeXangai eShenzen tinhaumvalor aindamais acanhadode 1,2 bi-lhões de yuans.(EMPRESAS,2005)Mas,nofinalde2014,abolsade

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Xangairegistrouacapitalizaçãodemercadodemaisde24bilhõesde yuans, conforme a valorização das ações das 995 empresas listadas.

Há uma tendência inexorável à internacionalização, inclusive financeira, das empresas chinesas, e uma pressão para que o mer-cadodecapitaischinêssejamaisliberalizado.Jáem2005,ogover-nolançouumareformaliberalizante.Asleiseregulamentosforammodificados,adaptando-osaosassimchamadospadrõesgeralmen-te aceitos, conforme os principais mercados financeiros do mundo. As medidas promoveram a conversão de parte do bloco de ações nãonegociáveisemnegociáveis.Tratava-sedeumblocoestratégico,porque eram ações detidas pelo Estado e que viabilizavam o contro-leestatalsobrealgumasempresas.Assim,aceleradamente,maisde300empresas,aindanosegundosemestrede2005,játinhamtoma-doasdecisõesdenegociabilidadedesuasações.Nos anosseguintescontinuou o curso das mudanças na sua estrutura patrimonial das empresas,comimpactosobreosnegóciosnasbolsas.As maioresempresasebancosdaChina,apartirdemeadosde2006,começa-ram a lançar ofertas públicas iniciais e concretizar a listagem embolsa, como ocorreu, por exemplo, com a maior empresa chinesa, a petroleira Sinopec.

Conforme a retórica convencional, argumenta-se que o regis-trodosgrandesbancosestataisnabolsadevaloresfavoreceadis-ciplina de mercado sobre a administração bancária, priorizando os lucrosdosacionistas.Emjulhode2006,pelaprimeiravez,umdosquatrograndes,oBancodaChina, colocou suasaçõesparacota-çãonapartecontinental,ouseja,naBolsadeXangai.Supõe-sequea oferta pública das ações do Banco da China no mês anterior, na BolsadeHongKong,tenhasidofeitacompreçosexcessivamentebaixos. O Banco estava sendo vendido muito barato. Para confir-mar isso, houve a valorização expressiva das ações no lançamento na BolsadeXangai,noqualseobteveumaumentodeUS$2,5bilhõesde aumento na cotação da oferta pública. Esse é um exemplo dos

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inevitáveisjogosbursáteis.Emoutubrode2006,foiavezdoBancoComercial e Industrial da China ser listado, simultaneamente, nas BolsasdeValoresdeHongKongedeXangai.Osoutrostrêsgran-desbancosjátinhamsuasaçõesnegociadasembolsa.OprimeiroaserregistradoembolsafoioBancodaConstrução,emoutubrode2005,naBolsadeHongKong.Nesseano,conformeacapitalizaçãode mercado, o Banco Comercial e Industrial (BCI) é o maior do país e o quinto maior do mundo. Desmentindo todos os ataques libe-rais desferidos contra o sistema bancário chinês, a oferta pública de ações do BCI defrontou-se com elevada demanda e teve uma subs-criçãocomumágiodeUS$22bilhões. Issomostraqueospreçosiniciais das ações foram propostos em níveis muito baixos, mas tam-bém revela o interesse privado pelos bancos estatais, pela lucrativi-dadeepotencialidadedessesbancos.(WORLDBANK,2006)

Como reflexo da reforma implementada no final de 2005 houve a recuperação do mercado acionário chinês, como revelou a alta do ÍndiceCompostodeXangai.Masissofazsentido:asaçõesdoEstadopassaram a ser vendidas a preço de ocasião. Por isso mesmo, em ou-tubrode2006,ovolumederecursosmobilizadopelascorretorasdevaloresalcançoumaisde604bilhõesdeyuans, registrandoumau-mento de aproximadamente 183% sobre o mesmo mês do ano ante-rior. Os ricos e as empresas chinesas foram às compras nas Bolsas de Valores,porqueorendimentoesperadoeramuitoelevado.As esta-taisestavambaratas!Nodia14denovembrode2006,aXinhua (Nova China),aagênciadenotíciasdaChina,divulgouumanotamuitoexagerada, relatando que a população chinesa estaria apostandoemaçõesereduzindoapoupançanosbancos.(LA POBLACIÓN,2006)Bem,nãoéapopulação,nãosãoosoperáriosecamponeses,certamente, que estãonegociandonaBolsa e lucrando comessespassos ainda pequenos e controlados de leve alteração da proprie-dade estatal nas bolsas chinesas, via oferta pública de ações.

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Osacontecimentosnasbolsaschinesasem2015e2016demons-tramamaterializaçãoinevitável,quevaichegar,emboraaindasu-jeita aos controles estatais, da tendência especulativa da finança na China.Asbolsaschinesasestãosendogradualmentelevadasparao horizonte predominante na alta finança internacionalmente. A crisede2008eseusdesdobramentosnãocontiveramofenôme-no da financeirização no capitalismo contemporâneo. Nos princi-pais mercados no mundo, os detentores de patrimônio financeiro apoiam-senos títulosnegociáveis embolsa, emumcontextodereorganizaçãodoespaçoantesocupadopelocapitalismomaisvin-culado a operações produtivas, que também tinha suas conexões orgânicascomomercadofinanceiro.AChina,querendoounão,vai sendo, aos poucos, empurrada, pelos grandes capitais, parauma trajetória liberalizada e internacionalizada de seus mercados financeiros. A China não pode escapar, incólume, ilesa, aos me-canismos e processos da especulação e financeirização no mundo. Essa tendência da finança se insinua e se introduz na China de for-ma particular e distinta, com as peculi aridades chinesas, a despeito dalargamentedominantedinâmicaprodutiva,associadaàfinançaorganizadaereguladapeloEstadoatravésdocréditobancário.Emjulhode2010,ogovernochinêsautorizouaemissãodebônus,de-nominados em renminbi,porempresasestrangeirasnãofinancei-ras.Chegouummomento,nasegundametadedadécadade2010,emqueaChinafoiobrigadaalutarpelainternacionalização,aindacontrolada, do renminbi.A contade capital dobalançodepaga-mentosfoisubmetidaaalgumgraudeliberalização.

Como perspectiva para a China, é possível que a ala dos refor-madores liberais sonhe com um futuro na forma que já foi dese-nhadaporEduardBernstein:umséculoatrás,eleafirmava,comotimismo reformista que “o número de acionistas e o volume mé-diodadetençãodetítulostêmcrescidorapidamente”;eera“óbvio

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que nem todos os acionistas merecem o nome de capitalistas”. (BERNSTEIN,1997b,p.56)

Shadow banking com características chinesas

Em2012,oJPMorganChaseestimouotamanhodoshadow banking daChinaemUS$6trilhões,ouseja,em69%doPIBdopaís,ou39%dosativosdosbancoschineses,enquantooBankofAmericaMerrillLynchavaliouemUS$2,3trilhões,istoé,28%doPIB,ou15% dos ativos bancários. (TSAI, 2015, p. 20) A natureza do shadow

banking,tantoemtermosdeausênciaderegistrocontábilnosba-lanços dos bancos quanto no que diz respeito às operações majori-tariamentelivresdasupervisãogovernamental,dificultaatémes-mo a mensuração do verdadeiro tamanho dos ativos envolvidos. A respostagovernamentalchinesaàcriseglobalde2008reforçoua forte expansão do crédito na China nos anos 2000. Esse processo combinou-se com as reformas de liberalização parcial nas finanças, resultandoemnovaconfiguraçãofinanceiranaChina,onde,de-poisdacrisede2008,houveumaretomadadosperigosdasgrandesdívidasdeempresasegovernoslocaiseoagigantamentodoshadow

banking com características chinesas.Na China, proliferam as atividades financeiras de shadow ban-

kingenvolvendobancoseempresasestatais,governoslocaiseose-tor privado nas mais variadas escalas e formas. Aparece até mesmo umaespéciedeagiotasemdemasiaesobasvistasgrossasdasauto-ridades. Criou-se um sistema financeiro informal, com múltiplos canais de aplicação e especulação através da internet e redes so-ciais,empresasdecorretagem,pequenosemédiosbancos,canali-zando recursos em busca de retornos elevados. Na prática, há uma desregulaçãodisseminada,independentementedasnormaseins-tituiçõesreguladoras,interligandoesolidarizandoossetoresesta-tal e privado no potencial de riscos e crises, como demonstrou a

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origemeiníciodacrisede2008nomercadofinanceirodosEstadosUnidos, sob a exuberância de especulação e dívidas. Nas condi-ções dessa arquitetura financeira de interpenetração das operações dos bancos universais e do shadow banking, uma crise de crédito transformou-se em crise financeira global, que se desdobrounachamadaGrandeRecessão,apartirde2008.

Finança e concentração da riqueza

O casamento entre os mercados financeiros e a concentração da riquezaempoucasmãos tambémocorrenaChina?DianaFarrel,SusanLundeFabriceMorin(2006,p.3)advertemqueosbancoschineses dependem dos poucos ricos para seus lucros, já que apenas 2%dasfamíliasconcentram60%dariqueza.Chama-seaatençãodeque,pelocoeficientedeGini,ariquezaémaisconcentradanaChinadoquenosEstadosUnidos,ondeadesigualdadetempro-vocadograndesmalessociaisepolíticos.Assim,naChina,éclaroquealgunsricospodemsacarseusdepósitos,ouobtercréditos,es-peculando em busca de aplicações com melhor retorno financeiro. Em2006,ogovernodeuumpequenopassonaliberalização,oquefavoreceu a especulação, com a permissão para que os indivíduos pudessem adquirir títulos nos mercados financeiros internacionais até o limite de US$ 20 mil por ano, mas esse ainda era um teto ex-tremamente baixo para a quantidade de dinheiro concentrada nas mãos de poucos nesse país. Em 2015, na busca da internacionaliza-ção do renminbi,ogovernoliberalizouosnegóciosdeindivíduosre-sidentes na China em ações, títulos e imóveis no exterior. As auto-rizaçõespriorizaramaspessoascompatrimôniomínimode160milrenminbi. Os indivíduos podem investir nos mercados financeiros estrangeirosatémetadedosseusativoslíquidos.

A tendência de fortalecimento das bolsas de valores e inter-nacionalizaçãofinanceiracombinou-secomosurgimentodeum

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gruposocialdemuitoricosnaChina.Essaconcentraçãoderique-za favoreceu a especulação no setor da construção civil, submetido a um ritmo febril de atividade, que tem marcado as décadas de 2000 e2010naChina.Emnovembrode2006,oBancoMundialadvertiusobreosefeitosdaexpansãodocréditoparaageraçãodeproble-mas em razão dos persistentes riscos financeiros no mercado imo-biliário chinês.OsempréstimosdasAgênciasdeFinanciamentodaHabitação(HousingProvidentFunds–HPFs)nãosãodiversi-ficadosgeograficamenteedestinam-seàsmoradiasparaosricos.Em Xangai,emmeadosdadécadade2000,jáhaviaumatransfor-mação imobiliária completa, com três milhões de trabalhadores ocupados em 21 mil canteiros de obras de construção civil, o que resultou na realocação de 4,7 milhões de pessoas para apartamen-tosmodernos.(HEARTFIELD,2005,p.197)

AsAgências de Financiamento daHabitação, vinculadas aoMinistériodaConstrução,adespeitodosapelosesubsídiosdogo-verno,nãoviabilizamoacessoàmoradiaparaossegmentossociaisde rendamédia e baixa.Os desempregados ou os ocupados emsetores informais simplesmente não têm acesso ao financiamento damoradiaporqueosFundosdeSeguridadeImobiliária(HousingProvidentFunds–HPFs)sóaceitamafiliaçãodeempregadosnosetorformalequecontribuamregularmentecomseusdepósitos.MesmoosparticipantesdasHPFsdebaixarendanãoconseguemsatisfazerasexigênciasparaaobtençãodofinanciamento.Os po-bres são obrigados a tentar constituir a sua própria poupança,submetendo-se às condições de mercados, aceitando os depósi-tosbancáriosquepagamasmaisbaixastaxasdejuros.(WORLDBANK,2006)

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Trilhões de reservas

A China tem o maior estoque de reservas internacionais do mun-do, apesar de seu recuo para US$ 3,100 trilhões em fins de 2017. As reservaschegaramaalcançarmaisdeUS$4trilhõesem2014.Em fevereiro de 2006, eramUS$ 853,7 bilhões, e já era omaiordepositário de divisas no mundo, enquanto o Banco Central do Japão,nessemomento,tinhareservasdeUS$850bilhões.Asre-servas chinesas foram impulsionadas pela aceleração das suas exportações na década de 2000. Assim, as reservas já tinham crescido 34% em 2005, em comparação com 2004. As reservas são principalmente denominadas em dólares em razão da presença de títulos norte-americanos, em sua maioria públicos, na elevada proporçãode60%totaldosrecursosem2015.(CHINA’SForeign,2006;NEELY,2016,p.1)Aalturaatingidapelovolumedereservasda China ocorreu muito rapidamente, considerando que o Banco Popular da China (Banco Central) detinha “só” US$ 140 bilhões, nofinalde1997,eUS$258,6bilhões,nofinalde2002.Houveumsaltodasreservasemquatroanos,de2003a2006,coincidindocomoperíodoqueexigiriamaiorpreparaçãointernadaChina–sobre-tudocomaautonomiarelativapermitidaporgigantescasreservas– para situar-se diante dos efeitos da liberalização comercial e fi-nanceira,segundoocalendáriodoacordocomaOMC.

A China adotou um regime cambial administrado, com es-treita flutuação em um mercado nacional unificado. Em julho de 2005,atendendoàspressõesdasgrandespotências,sobretudoosEstados Unidos, valorizou o yuan, em apenas 2,1% contra o dólar. Naépoca,ogovernoestadunidensedenunciavaqueamoedachi-nesaestavadesvalorizadaem40%emrelaçãoaodólar.Ogovernochinês também, na oportunidade, trocou a âncora cambial apenas com o dólar, por uma referência cambial de uma cesta das prin-cipaismoedasestrangeiras.Todavia,oschineses têmcaminhado

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para medidas monetárias e financeiras de gradual e controladaliberalização, inclusive a abertura de entrada e saída de capitais e flutuação do câmbio.

Hásempreumdebatesobreaformadeempregarasgigantes-cas reservas chinesas. As reservas ajudam a aumentar a liquidez e baixar as taxas de juros, estimulando os investimentos que im-pulsionama atividade econômica chinesa.Mas, a partir de certoponto, é preciso esterilizar os efeitos da ampla liquidez monetária tendentesagerarpressões inflacionárias,oquetemlevadoogo-verno a utilizar a maior parte das reservas para comprar títulos dos EstadosUnidos.Ograndemotivo,porém,desseinteresseporessespapéis,éasustentaçãodarelaçãoeconômicageral,principalmen-te comercial, entre as duas nações – EUA e China. Isso ultrapassa oslimitesdessespaísesetemumagrandeimportânciaparaaeco-nomia mundial. Constituiu-se, desde o final dos anos 1990, uma triangulaçãoemqueosamericanosgarantemumaparcelaimpor-tante de compras dos produtos chineses, mas têm a contrapartida asseguradadofinanciamentododéficitcomercialatravésdacom-pra de títulos estadunidenses, públicos e privados, pela China, uti-lizandoasreservas. (HEARTFIELD,2005,p. 197)Natriangulaçãodessacomposiçãodocircuitoeconômicoglobal,aChinademan-da commodities industriais e agrícolasdeoutrospaíses, sobretudodaAméricaLatinaeÁfrica,elaborasuasmanufaturasevende-asem todo o mundo, com destaque para os Estados Unidos e Europa. As maioresvantagensdessatriangulaçãosãoobtidaspelaescaladaprodutivaetecnológicadaChina.Pelanaturezaturbulenta,desi-gualecombinada,comaacumulaçãoeconcorrênciadecapitaisnomundo,essatriangulaçãonãopodesermuitomaisduradoura.

O Banco Popular da China, além de outros bancos centrais asiáticos, é um importante fiador da relativa estabilidade do dólar, em benefício tanto das exportações asiáticas quanto da domina-çãoglobaldosmercadosfinanceirosedascorporaçõesdosEstados

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Unidos.Mastudoissonãoconsisteapenasemrelaçõesrecíprocasdeestabilidade,massimrelaçõesprenhesdecontradições.Por queos Estados Unidos são os emissores da principal moeda reserva in-ternacional, emitida sem lastro e portadora de flexibilidade cam-bial,etêmamaioreconomia,amaiorsofisticaçãotecnológicaeosmaiores mercados financeiros mais amplos e profundos, não há li-mite para o seu endividamento, cada vez mais assombroso em face doproduto,narelaçãodívida/PIB?AChinaeosasiáticosnãotêmlimiteparaajudarnofinanciamentodosEstadosUnidos?É claroque tudo isso tem resiliência, mas não deixa de ser um arranjo pre-cário, como demonstraram os reiterados episódios de crises nos Estados Unidos, a partir dos mercados financeiros, nos anos 1990, 2001 e 2008.

Além dos problemas da dominação nacional estadunidense e da estabilidade internacional do dólar, outros temas aparecem no capítulo do uso das reservas chinesas. Efetivamente, a China tem procuradomelhorempregodasdivisas,atravésdediversasformas:capitalização dos fundos de pensão chineses, saneamento e rees-truturação das empresas estatais, construção de infraestrutura, elevação das reservas de petróleo, aplicação em ações, derivativos e outros instrumentos em outras praças financeiras fora de Nova Iorqueembuscademelhorrendimento.(WORLDBANK,2006,p.6)Masacrisede2008eonovopapeldaChinanomundonoséculoXXIfizeramacenacomeçaramudar.Agrandenovidadeéque os trilhões de reservas da China passaram a ser um dos motores dos crescentes fluxos de saídas de recursos desse país, a partir da segundadécadadoséculoXXI.Asempresaschinesastêmpressae aceleram sua internacionalização. A estratégica Iniciative One

Belt, One Road,comcréditosegastoschinesessemprecedenteseminfraestrutura no exterior, também tem motivado uma aplicação mais interessante de recursos do que os irrisórios rendimentos dos títulos públicos dos Estados Unidos. A forte demanda por divisas

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para destinar a operações no exterior diminuiu rapidamente as re-servas de mais de 4 trilhões para cerca de 3,23 trilhões de dólares, entrejunhode2014efevereirode2016.(NEELY,2016,p.1)

Degraus da liberalização financeira

Pela primeira vez, desde o ano 2000, houve a prevalência de fluxos de saídas de recursos sobre as entradas na China por cinco tri-mestresconsecutivos,emníveisrecordes,entre2014e2015.(NIE;SLY, 2015, p. 1) Afrouxamento dos controles de capitais, aquisi-çõesefusõesempresariaisnoestrangeiro, instalaçãodefiliaisdecompanhias chinesas, empréstimos ao exterior, relativa desace-leração econômica interna e as turbulências financeiras nas bol-sasdaChinasãoalgumasexplicaçõesparaessagrandenovidade.Contudo, há que se observar que esse passo de internacionalização financeirachegariaemalgummomento,eraesperado,fazpartedosmecanismosdeintegraçãodoscapitaisglobalmente.

Pequiméobrigadalidaretentarregularainternacionalizaçãodos capitais chineses. Era previsível que a China, dadas as dimen-sões já assumidas pelo seu capital privado, seria forçada, pelos seus próprios interesses, a influenciar e participar mais plenamen-te da finança mundial, afora os canais tradicionais do comércio. Chama a atenção que 40% dos imensos volumes de recursos dos fluxos de saídas em 2014 tenham sido de empréstimos ao exterior. A China,semprejuízodapermanênciadesuasingularcapacidadeprodutiva,estáinevitavelmentecomeçandoaingressarmaisativa-mentenafinanceirizaçãoglobal.

No final de 2015, o FundoMonetário Internacional incorpo-rou o yuannasuacestademoedas.Apartirdeoutubrode2016,o yuan passou a ser a terceira moeda de reserva com 10,92% nos DireitosEspeciaisdeSaquedoFMI,enquantoodólarprevalececom 41,73%, acompanhado pelo euro com 30,93% de participação,

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restando as últimas duas posições para o iene japonês com 8,33% e a libra esterlina com 8,9%. Essa presença chinesa no sistema mone-tário internacional conduzirá à crescente conversibilidade do yuan em um quadro que resultará em uma trajetória da China de acei-taçãodedeterminadosgrausdeliberalizaçãofinanceiraecambial.

Em 2017, as autoridades financeiras da China anunciaram fu-turas medidas de liberalização.32 Seria elevada de 49% para 51% a propriedadeestrangeiraemfundoseinstituiçõesdosmercadosfi-nanceiros de títulos e de futuros na China. Ademais, esse limite, depoisdetrêsanosemvigência,serátotalmenteeliminado.Seráeliminadootetodepropriedadeestrangeirade20%paraaproprie-dadedebancoscomerciaisnopaísede25%parafirmasdegestãodeativos.Olimiteparaaparticipaçãoestrangeiraemcompanhiasdeseguros,emjoint ventures, será aumentado, no prazo de três anos, para 51%, e será eliminado em cinco anos. Desde 2017, as filiais de agências de classificação de riscos, compropriedade integral es-trangeira,jáestavamautorizadasafuncionarnaChina.

32 Ver:FinancialTimes.Chinarelaxescurbsonforeignfinancialstakes.Video,10nov.2017.Disponívelem:<https://www.ft.com/video/a470d674-252e-48d-f-b232-eae7a401c60d>

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CAPÍTULO VIII

Economicismo

A reforma do Estado e a dominação do capital foram e continuam sendo concretizadas através do mais diversos processos e medidas quemudamaChinaprofundamente.Essasmudanças, ao longode quatro décadas, produziram debates e interpretações das mais diversas.O quemudou e está sendomudado?Como? Por quê?Quaisas implicações?As transformaçõesnaChina têmexplica-ções controversas, com acesas polêmicas. O evolucionismo – como pensou Bernstein –, o economicismo – das reformas econômicas e determinismotecnológico–,odesenvolvimentismo–daspolíticasdoEstado–eoliberalismo–daautorregulaçãodomercadoeglo-balização do capital – são as quatro matrizes das tentativas de fun-damentação teóricaedeargumentaçãopolíticaeeconômicadasreformas chinesas. Há uma quinta interpretação que identifica a transformação em curso na China como expressão de um modelo de economia de mercado, puramente, sem capitalismo, mas essa explicação é uma mescla das interpretações do liberalismo e evo-lucionismo,emumresgateforçadodeAdamSmith.(ARRIGHI,2008) Em vez de exclusão mútua, as matrizes teóricas, políticas e econômicas rivalizam e, simultaneamente, combinam-se no caso

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chinês. Emvez de implicações globais harmoniosas, são geradascontradições sistêmicas que, na verdade, são pouco estudadas e compreendidas.Aondevai aChina?Parece, aopostode grandepotência econômica ede sociedadedivididapor agudapolariza-ção de classes, conforme a restauração capitalista, que se insinua, penetra, autonomiza-se, à revelia das intenções e esforços do Partido Comunista Chinês.

Atraso econômico

Em fins da década de 1970, o reconhecimento da persistência do atrasoeconômicoetecnológicodaChina,nascondiçõesdaeco-nomia internacional, apareceu como se fosseumdiagnósticodecausas de problemas políticos e sociais. A modernização da China para superar esse atraso relativo exigiria, portanto, as reformaseconômicas.Masnãoéverdadequeasreformasdemercado,taiscomo foram adotadas, eram a única possibilidade real na China. Aceitaresseargumentoésubmeter-seaumainterpretaçãodarea-lidade chinesa, em conformidade com um forte determinismo eco-nômico. A sociedade chinesa não se deparava com um único, es-treito e inarredável caminho em favor do mercado, da propriedade privada, do capital e da estruturação de diferentes classes sociais. Existiam outras vias de reforma, alternativas, com suas próprias características e lógicas.Hoje, essas possibilidades sópodem seracenadas como meras conjecturas, anacronismo, incipiente exer-cício contrafactual. A planificação poderia ser modificada radical-mente com novas formas de descentralização das decisões, prio-rizandoosempregos.Areorganizaçãodosinvestimentospoderiaimpulsionar a produção para o aproveitamento das potencialida-desdemercadodemassasparaosbensdeconsumo. Jáexistiambases para o incremento da produtividade do trabalho com melhor alocação da mão de obra entre o campo e a cidade. Com o benefício

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dodinamismovividopelaregiãodoLesteasiáticoeaproveitandoa influência econômica e a propriedade empresarial da diáspora chinesa nessaárea,aChina,comseugrandepotencialeconômi-co, poderia e deveria buscar formas de participação no mercado internacional,beneficiando-sedecomércioetecnologia,semabrirmãodecertograudemonopóliodocomércioexteriorpeloEstado.É  claro que o percentual relativo ao ritmo do crescimento eco-nômiconãoatingiriadoisdígitos,masaindaseriarazoavelmenteforte para fazer avançar a economia. Dever-se-ia aumentar a sua inserção internacional, mas ressalvando todos os obstáculos da sa-botagemedadominaçãocapitalistanaeconomiaglobal.

A luta política no interior do sistema Partido-Estado resul-tou no êxito de determinadas propostas de reforma da economia. A partirdaí,omercadoe,emseguida,apropriedadeprivada,subs-tituindo a planificação estatal de tipo socializante, seriam assimila-dos como instrumentos indispensáveis para viabilizar o almejado desenvolvimento econômico. Ao longo das diversas etapas dasreformas,alterou-selargaeprofundamenteopapeldoEstadonaeconomia, alienando-o ainda mais do controle das massas traba-lhadoras,embora,aomesmotempo,aregulaçãoestatalrestrinjaaliberdade do movimento do capital dentro da estrutura econômica chinesa.Oambienteinternacional,ascondiçõesgeopolíticaseascontradições e tensões na formação social chinesa estabeleceram os limites e as possibilidades das decisões sobre as reformas, com o poder político concentrado na cúpula do Partido Comunista da China. Buscou-se forjar, tacitamente, alguma espécie de pacto,coesão, hegemonia como consentimento, na sociedade, em tor-no do desenvolvimento econômico e do progresso técnico e da expectativa de frutos benéficos para todos, ao lado da restauração doorgulhonacionalistadoImpériodoMeio.

Na sociedade chinesa, a despeito da revolução socialista e da industrialização, quase metade da população ainda se encontra,

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hoje,nasáreasrurais.NoséculoXX,alémdaChina,sónaÍndiaenoscasosdepopulaçõespaupérrimas,comonoNepaleÁfricaSubsaariana, persistiram uma maioria camponesa. Todavia, é na China que se concentra a maior população camponesa, em termos absolutos,eaindacomgrandegraudedependênciadaagricultura,apesardaindustrializaçãoruraldesdeostemposdeMao.Agrandepressãodemográficaeapobreza levaramàrestriçãodotamanhoda família na China, adotando-se a política de um só filho. Essa política podia ser um pouco flexibilizada em certas situações espe-ciais,aexemplodemenor,relativamente,densidadedemográficaemdeterminadolocalouemalgunscasosdeminoriasétnicas.

AavaliaçãodascondiçõeseconômicasdaChinaeojulgamen-to do Partido Comunista da China (PCC) sobre as transformações doperíodomaoístaqualificamerelativizamodiagnósticodoatra-soeconômicogeraldopaís.Vale lembrarqueoritmodocresci-mento econômico nos quase 30 anos do período maoísta pode ser considerado alto, comparado aos padrões de dinamismo das eco-nomiascapitalistas,tantocentraisquantoperiféricas.As dificul-dadeseconômicas,nosmarcosdoGrandeSalto,foramagravadaspeladecisãodaURSS,emjulhode1960,deretirartodososseusespecialistas e romper os acordos de cooperação econômica e téc-nica.Não obstanteasdificuldades,problemaseimpasses,era,dequalquer forma, com as condições e bases herdadas do período maoísta, que se contava para sustentar as primeiras reformas eco-nômicas. Por isso, consegue-se descobrir uma raridade no livroBreve História do Partido Comunista, ou seja, uma curtíssima, isolada e contraditória nota de reconhecimento de certos feitos positivos doGrandeSaltoàFrente,asaber:

O‘grandesaltoadiante’[1958-1960]acarretouenormesdevastações e desperdícios na produção industrial e agrícola e na construção; nãoobstante, foinaqueles

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anosquandosecomeçouaorganizargrande parte das

numerosas tarefas de desenvolvimento da construção industrial, de investigação científica e de tecnologias

sofisticadas de uso militar, assim como de constru-ção de obras hidráulicas no campo e do desenvolvi-mento da mecanização e modernizaçãodaagricultura.(OFICINA...,1994,p.717,grifodoautor)

Reformas exigidas pela economia

A análise realista das condições da economia da China parecia recomendarumanovaestratégiadeavançodasforçasprodutivas.Essaestratégiafoitomadacomoa“restauraçãodomarxismo-leni-nismoadaptadoaosdesafiostecnológicosdomundocontemporâ-neo”. (TRINDADE, 1987, p. 95)Lênin, emoutro contexto, jánãoteria especulado sobre o encaminhamento da transição socialista através de um “pagamento à burguesia?” (LÊNIN, 1980g, p. 498)DiziaLênin: “Nomomentoatual, aquiloqueénovoparaanossarevolução é a necessidade de recorrer ao método de ação ‘reformis-ta’,gradual,deprudenterodeionasquestõesfundamentaisdacons-truçãoeconômica”.(LÊNIN,1980u,p.551)Contudo,deve-seprestaratenção à qualificação dessa temática, já que Lênin falava de método reformista para servir às finalidades da revolução socialista.

O reformismo poderia, talvez, ser compreendido como uma estratégiapacífica,gradual,inclusivecomrecursosparlamentares,paraalcançarosocialismo?(COATES,2001,p.313-314)Asreformasnão se limitariam às melhorias sociais do desenvolvimento capita-lista?Aretóricasobreessecaminhoreformistaparaosocialismoapareceu na trajetória da social-democracia, sobretudo entre os anos 1920,pós-PrimeiraGuerraMundial,eosanos 1950,pós-Se-gundaGuerraMundial.

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Na China, durante quatro décadas, parece desenrolar-se um processo de reformas distinto tanto de uma política de meras refor-mas sociais (melhorias, direitos, cidadania), quanto de uma estra-tégiareformistaparaosocialismo.Adiferençaessencialresidenanaturezaregressivadasreformasatuaischinesas,dopontodevistasistêmico e classista. As reformas foram implementadas em um país, uma sociedade em que se tentava a construção do socialismo. O tempo passou e o próprio sucesso do crescimento econômico com mercado e propriedade privada construiu pari-passu o fortale-cimento do capital por dentro da sociedade e da economia chinesa. Dialeticamente, o Estado chinês precisa, depende, não pode abrir mão do fortalecimento do capital para construir uma economia avançada, mas ao mesmo tempo a força do capital corrói pouco a pouco as resistências e a autonomia estatais e a perspectiva socia-lista.Qualquerumpodeverisso:asreformaschinesassãoperma-nentes,aspropostasdemaisliberalizaçãonuncacessam,ograndecapital e o imperialismo norte-americano não esmorecem em suas pressões. Não é necessário aplicar a receita do neoliberalismo na China, o Estado pode continuar com suas reformas de característi-cas chinesas, porque o capital não é ameaçado em sua reprodução ampliada e sistêmica.

No sentido sistêmico e essencial da questão do tipo de socie-dade, as reformas implementadas não são orientadas no sentido do socialismo. Não são reformas do fortalecimento do movimento operário em choque com o capital. Não são medidas de controle operário sobre o processo de produção. São reformas, como se diz naimprensaocidental,“amigáveisaomercado”,suprimindodirei-tossociais,comoagarantiadodireitoàseguridadesocialpúblicae ao emprego.A própria palavra “reforma” estámal-empregadanocasodaChina.Reforma,naóticados trabalhadores, temumsentido de avanço social. As medidas chinesas são conhecidas, na

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terminologiadomovimentooperário,comoreação,ouseja,umaresistênciaqueseopõeaoprogressosocial.

Socialismo evolucionário

Uma abordagemmuito discutida do reformismo é o socialismoevolucionário, formulado por Eduard Bernstein. Trata-se da li-nha de conquistas parciais e reformas sociais no próprio curso do desenvolvimentoeconômicocapitalista.Imagina-seumatransfor-maçãopaulatina socialista, engendradapeloprópriomovimentodas sociedades capitalistas avançadas. Compreende-se que sem forças produtivas desenvolvidas não seria possível a transformação da sociedade. Porém, no caso concreto da China contemporânea, o Partido Comunista já estava no poder, há 30 anos, quando foram deflagradas as reformas chamadas econômicas, confiando-se emum tipo de evolucionismo advindo da restauração do mercado, da propriedade privada e do capital.

Na China, submetida às reformas, o evolucionismo confunde--se com a modernização das forças produtivas. O desenvolvimento econômico,emsentidomuitoestrito,passouaocuparolugardaperspectiva e do futuro de superação das classes sociais, esvazia-mento do papel do mercado, desnecessidade do aparato político doEstadoaoladodaliberdadegeraldosindivíduosedasociedade.Difundiu-seumidealdesenvolvimentistaemlugardosocialismo.Quaisquermeiossãoconsideradoslegítimosparaconseguirocres-cimentoeconômicosignificativo.Odesenvolvimentoeconômico,nessestermos,évistocomooveículodalegitimaçãodoregimeedagarantiadasobrevivênciadaChinacomonação.EssetipodeevoluçãodaeconomiafoitomadocomoocaminhodaintegraçãodaGrandeChina,comadesejadafuturaincorporaçãodeTaiwan,depoisdeHongKongeMacau,alémdainfluênciasobreamaioriachinesaemCingapura,semfalardadiásporachinesanomundo.

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Catch Up

O emparelhamento econômico – catch up – com os países desen-volvidos relativamente no mundo implica em aceitar os mecanis-mos já provados, supostamente, e já reconhecidos como eficazes poressesEstadosavançados,aexemplodoJapão,CoreiadoSul,Alemanha e Estados Unidos. Esses assim chamados mecanismos necessários ao desenvolvimento e emparelhamento são o mercado, apropriedadeprivada,ocapitaleaintegraçãocomaeconomiain-ternacional.Ademais, a gestão capitalista do processo de traba-lho passa a ser imitada, ou diretamente implantada pelas próprias empresasestrangeiras,comparticularexacerbaçãodaexploraçãodaforçadetrabalho,promovendo-seumaregressãosistêmicanasrelações sociais de produção na China. Embora não tenha conse-guidoainda,aChinacaminharapidamenteparaagarraraúltimapalavradocapitalismoemtermosdeavançoemorganizaçãoeco-nômicaetecnologia.

No esforço pelo catch up, o campo não pode ser esquecido. Na marchadosacontecimentosnaChina,ograndecapital jáco-meçou a penetrar na agricultura. Intensificam-se os debates nogoverno sobre a eficiência econômica que resultaria das grandesempresasagrícolas.Essemovimentodepenetraçãocapitalistaemgrandeescalanaagriculturaseráumresultadoesperado,coerente,doconjuntodaexpansãocapitalistanopaís.Éclaroqueissoresul-taráemmodernizaçãotécnicaagrícola,emmaisavançodasforçasprodutivas. Contudo, isso implicará em uma pá de cal nas restan-tes possibilidades de acesso aos meios de trabalho para as centenas de milhões de camponeses pobres na China. Haverá um salto no alargamentodasmigraçõesparaasgrandescidades,agravando-seodesemprego.

A fim de usar os terrenos para a instalação de empresas, o Estado, através das autoridades das cidades e aldeias, já vem

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desalojando os camponeses de suas terras, nas últimas décadas, como é um fato sabido. Os camponeses despojados nesses casos nãorecebemumacompensaçãorazoávelepassamaengrossarasfi-leiras do exército industrial de reserva ou passam a ser trabalhado-resmigrantesocupadosemcondiçõesdetrabalhomaisprecárias.

OcicloexpansivodelongoprazonaChinaéumêxitoeconô-mico. Issoé inegável.Masesseêxitoconverte-seempressãopornovasreformasecrescentesgarantiassobreafuturatrajetóriachi-nesa em favor da persistente dominação do capital. O crescimen-to econômico é transformado em um fetiche. Deixa de ser uma conquista social, em um Estado socialista, para ser encarado como resultado lógico e indiscutível, omanáextraídoda eficiênciadapropriedadeegestãoprivadasdosmeiosdeprodução,semprejuí-zodacentralizaçãodecapitaisemgigantescasempresasebancosestatais. Em sentido estrito, crescimento econômico chama-se acu-mulação de capital, na verdade. Como se sabe, as decisões do “ca-pitalista em função” são balizadas pelas perspectivas de lucro. Sem lucro,nãohádistribuiçãodedividendosneminvestimentos.Éló-gico:osinvestimentosresultarãoemproduçãoerealizaçãonofu-turo.Avalorizaçãodocapitaldeveserummovimentosemfim.E aacumulaçãodecapitaléummoinhodegeraçãodecontradições,mas teme surpresas, crises, recessões e, por isso, paradoxalmente, é muito importante um Estado forte e previsível na economia, como o chinês. Novamente, o neoliberalismo pode ser dispensa-do,aChinaémais importante.AChinabemvaleumamissa:ograndecapital,sobretudoonativochinês,nestemomento,aindaaceita, sem deixar sua profissão de fé, in pectore, converter-se ao modeloeconômicocomcaracterísticaschinesasde regulaçãoes-tatal. Como se diz, dinheiro é dinheiro, aqui e na China. O Estado nãoéanegaçãodocapital.

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Foco em um tipo de desenvolvimento das forças produtivas

O Estado chinês defronta-se com essa crucial tarefa de manter o grandeêxitorepresentadopelajálongatrajetóriadecrescimentoeconômico. Por isso mesmo, no curso das conquistas econômicas, a estratificação de classes sociais, já alcançada na China, com a dominação do capital, é o leito inescapável, embora indesejável, da orientaçãogeraldoPartido-Estado,quetododiaéforçadoarea-firmar publicamente o compromisso com o sentido e a direção das reformas econômicas.Mas estruturalmente, o êxito econômico,com as características chinesas, não podeser descolado do apro-fundamento efetivo das relações sociais de produção capitalistas.

À frente doEstado, Jiang Zemin (2002) – secretário-geral doPCC,presidentedaRepúblicaepresidentedaComissãoMilitar– emitiu, em novembro de 2000, o parecer oficial com um balanço dosresultadosdaestratégiaimplementadaparaodesenvolvimen-todasforçasprodutivas:

Desde a reforma e abertura, as forças produtivas so-ciais do nosso país têm se desenvolvido sem parar, o poderio nacional tem aumentado muito, a vida do povo tem melhorado visivelmente e a posição inter-nacionaldaChinatemseelevadodiaadia.(ZEMIN,2002, p. 419)

Quereformaeabertura?Mudançaseramnecessárias,mases-sas que foram adotadas representaram a adoção de mecanismos ca-pitalistas, cada vez mais, na estruturação e funcionamento da eco-nomiadaChina,independentementedavontadeeilusõesdeJiangZeminedirigenteschineses.Osignificadoimediatoeaperspecti-va das transformações econômicas tiveram implicações institucio-naisdemonta,comareorganizaçãodasformasdepropriedadeemudanças no aparato do Estado.

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NobalançodopresidenteJiangZeminexistemlacunaseviden-tes. Tratava-se, naquele momento, ainda de um desenvolvimento econômicomaisextensivodoqueintensivo.Éprecisoreconhecerque, naquele contexto dos baixíssimos salários, (i) os lucros, inclu-sive em perspectiva, (ii) a abertura de imensas e muitíssimas opor-tunidades de investimentos na China para as exportações e para o mercado doméstico e (iii) o abundante crédito dos bancos estatais na sustentação das decisões de elevado investimento são motores do crescimento econômico. Portanto, os baixíssimos salários, as péssimas condições de trabalho, a abundante mão de obra, a re-pressão política e sindical aos trabalhadores, os incentivos fiscais, ascondiçõesdisponíveisdeinfraestruturaeconômicasãoalgunsfatoresqueexplicamamultiplicaçãodenegóciosprivadosdoschi-neses, a atração massiva do investimento direto externo, inclusive dadiásporachinesa,eograndesaltoexportadorchinês.Ogigan-tesco potencial do mercado chinês é um chamariz irresistível dos capitaisnativosouestrangeiros,provavelmente,emníveiseleva-dos e por muito tempo, apesar dos efeitos da crise mundial de 2008 e da desaceleração do crescimento econômico desde 2012.

O foco no desenvolvimento das forças produtivas não pode ignorar asmutaçõesno terrenodas classes sociais.Diversospro-cessos confluem na trajetória econômica da China. Autoridades, membros do Partido e administradores de empresas estatais e cole-tivasempenham-separaalcançarganhoseposiçõessociais,atravésdaautonomiadassuasdecisõeseparticipaçãodiretanosnegócios.Beneficiam-se dos investimentos, da criação de subsidiárias e da associaçãocomocapitalestrangeiro.Ossaquesdosativosdasem-presas estatais e as privatizações representaram uma forma parecida com uma acumulação primitiva de capital. Essa forma de acumula-ção contribui para a diferenciação social, conformando classes de beneficiários,privilegiados,dominantes–osnovoscapitalistas–,ededespojados,despossuídos,oprimidos–ostrabalhadores.Muitos

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administradores transmutaram-se em compradores, a preços de ocasião, das próprias empresas estatais ou coletivas, por eles pró-priosjádilapidadas.AconjugaçãodoInvestimentoDiretoExterno(IDE),dacorridaexportadora,dosgrandesprojetosdeinfraestru-tura e da “acumulação primitiva de capital” favoreceram os resulta-dos do crescimento do produto. Os elevados investimentos reper-cutiram na sustentação das altas taxas de crescimento econômico.

Determinismo tecnológico

Asreformasjáteriampromovidooavançocientífico-tecnológicoe a instauração da sociedade de informação na China, avalia o em-baixadorAmauryPortodeOliveira(2003,p.6).Paraele,asmudan-ças econômicas contemporâneas seriam a terceira revolução chi-nesa,depoisdainstauraçãodaRepública,em1911,edarevoluçãocomunista,em1949.Assim,oprogressotécnicoéexaltadocomoum deus ex-machinaouequiparadoaumarevoluçãosocialdamag-nitude de outubro de 1949.

De onde vem essa exagerada confiança na tecnologia, em simesma?Naantiguidade,oschinesesforampioneirosemdiversasinvenções, como a escrita, o papel, a imprensa, a pólvora, a bússola, oaçoetc.Nostemposcontemporâneos,apartirdoséculoXX,asorigensdomarxismonaChinaajudamaexplicaragrandeexpec-tativanoprogressotécnicodeper si. Até o início da década de 1920, teria havido uma influência dominante do determinismo econô-mico na concepção marxista abraçada pelos marxistas chineses. Mas,conformeNickKnight(2005),umdosfatoresparaasuperaçãodesse economicismo foi a tradução do livro Uma Explicação da

Concepção Materialista da História, de autoria do marxista alemão HermanGorter.Esselivrodavaumainterpretaçãomultifacetadapara o processo de transformação social, considerando a intera-ção entre diversos fatores. Embora reconhecesse a importância

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damudançatecnológica,Gorterchamavaaatençãodainfluênciadaconsciênciapolíticaedasconvicçõesideológicas,conformeascircunstânciasparticularesdecadaprocessohistórico.Knightava-liaqueainterpretaçãomaterialistadialéticadeGorter,apartirdeFriedrichEngels,terminouinfluenciandodiretaouindiretamenteMaoZedong.

Maisdemeioséculodepois,nadeflagraçãodasreformas,sobaliderançadeDengXiaoping,enfatizou-se,justificou-se,argumen-tou-seeinsistiu-sequeanovaestratégiadeconstruçãodo“socia-lismo” consistia na atenção à economia, na premissa do avanço tecnológico,deixando-sedeladoaimportânciadasatividadespo-líticaeideológicaealutadeclassedostrabalhadores.

Agora, no atual curso daChina, pragmaticamente, é o “valetudo” para desenvolver a economia. A luta política de massas teria sido um desvio esquerdista deplorável de Mao Zedong.Abandonou-seumaleituradomarxismo,quecomMao,conseguiureconhecer o papel dos homens, da ação humana, da consciência e davontade,econseguiuelaborarconcepçõesdelutapolíticaadap-tadasàscondiçõessociaisehistóricas,incorporandoogigantescocampesinatoeaguerradeguerrilhas.Agora,comasreformas,comotêmsidoimplementadas,proclama-seumaortodoxiavulgardoma-terialismo histórico, limitado ao automatismo e unilateralismo do desenvolvimento das forças produtivas. Nesse sentido, as reformas chinesasaferram-seaumaexplicaçãocarregadadedeterminismotecnológico.

Em vez do resultado aberto a múltiplas possibilidades, no curso do processo social, conforme uma leitura ampla do materialismo histórico, agora, os reformadores chineses afirmam, perempto-riamente, que, na data já marcada de 2050, a China será um país “socialista” de desenvolvimento médio. Confia-se que o atual de-senvolvimento econômico por si só, mecanicamente, entregaráa encomenda requerida em 2050, na data aprazada, com certeza.

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Éo fatalismododestinoeapassividadepolíticadasmassasqueocupamolugardaconcepçãomaterialistadahistória,emboracon-traditoriamente o novo curso econômico da China esteja domina-do por reforma do Estado e dominação do capital, em corrosão à perspectiva do socialismo.

Nasatuaisreformas,aabordagemdaChinasobreodesenvol-vimentotecnológicoécaracterizadacomoumavisãoutilitaristadatecnologia,conformeXiaobaiSheneRobinWilliams.(XIAOBAI;WILLIAMS,2005)A“tecnologiaévistacomoumasimplesferra-menta,destacadadoseucontextopolíticoesocial”;“évistacomoumprodutoacabado,minimizando-seoprocessodeaprendizagemtecnológica”;eaespecializaçãotécnicaélimitadaàciênciaeàenge-nharia,comumaabordagempreconceituosaemrelaçãoàexpertise política,socialegerencial.Atecnologiaécompreendidasimples-mente como progresso, ignorando-se que alguns resultados po-dem ser imprevisíveis e indesejados. Uma perspectiva de estudos quesedenominaCondicionamentoSocialdaTecnologiacontes-taodeterminismotecnológicoechamaaatençãoparaoprocessoeconômico-social. Em vez de se limitar a discutir os impactos pro-dutivosda tecnologia, caberia, segundoessa perspectiva, exami-narporqueecomosechegouadeterminadatecnologia.AChinadeveriaabrira“caixapreta”datransferênciadetecnologia,com-preendendo a sua seleção, adaptação, condicionamento local, co-nhecimentos e práticas, considerando a interação entre pesquisa e desenvolvimento, empresas e clientes, condicionadas pelas estru-turaspolíticas,econômicasesociais,advertemXiaobaieWilliams.(2005, p. 201)

Historicamente, recorda-se que o choque da modernidade, depois das guerras do ópio, no séculoXIX, levou os chineses acompreender a tecnologia apenas em termos de potentes armasde fogo e canhoneiras que faltavam para “salvar a nação”.MaoZedong,contudo,teriainovado,aocriticarosmodeloselitistasde

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desenvolvimentotecnológico,buscandotecnologiasalternativas,comoapequena indústria rural, conformea realidadedemográ-fica e territorial da China, embora os resultados imediatos sejam controversos. O princípio maoísta de “andar com as duas pernas” leva a contar com os próprios recursos, além das conquistas do exterior; levaaveratecnologiaeoderredor,semautonomizarainovação do ambiente. A “linha de massas” maoísta teria levado a iniciativastecnológicasendógenas,desmistificandoodesenvolvi-mentotecnológico.

Para Charles Bettelheim (1979b), a revolução cultural estava associadaaumagrandetransformaçãonaorganizaçãoindustrial,contribuindo para novas relações sociais de produção na China. Esseprocessoligava-seàlutapolíticaeideológicadaassimchama-dalinhaproletária,lideradaporMao,emconfrontocomaassimdenominadalinhaburguesadeLiuShaoqi.Dessemodo,navisãoexageradamente otimista de Bettelheim, as massas operárias jáempalmavam as decisões dentro das empresas, através das formas organizacionaisrepresentadaspelosguardasvermelhos,pelosco-mitês revolucionários e pelo próprio comitê do partido.

Teria surgido ‘um novo tipo de progresso técnico,umprogressoquenãotemmaisocapitalcomolimi-te e condição, o que, entre parênteses, reveste de um caráter completamente fantasmático as tentativas dos economistas que pretendem aplicar na China ‘modelos de desenvolvimento’ que foram elaborados parapaísescapitalistas.Essenovotipodeprogressotécnico corresponde ao desenvolvimento socialista das

forças produtivas’.(BETTELHEIM,1979b,p.110,grifodo autor)

Percebe-se alguma similaridade entre as interpretações deBettelheim, no início da década de 1970, e a análise deXiaobai

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Shen eRobinWilliams, em2005.Chama a atençãoque emumtexto,maisde30anosdepois,essesdoisestudiososdatecnologia,XiaobaieWilliams,tenhamumaavaliaçãorazoavelmentepositi-vadaabordagemmaoístasobreatecnologia.Paraeles,noGrandeSalto à Frente, “o Estado chinês investiu pesadamente em ciência etecnologiaebuscouampliaroacessoaoconhecimentocientíficoetecnológicoecolocaraciênciaeatecnologianasmãosdopovo”.(XIAOBAI;WILLIAMS,2005,p.208)Contudo,comasreformasde mercado, as atenções se voltaram, unilateralmente, para forma-çãodeespecialistaseparatransferênciadetecnologiaestrangeira.“Iniciativas de massas e autonomia são frequentemente vistas comoresíduosdedogmasideológicosdeMaoeirrelevantesparaoespíritodasreformaseconômicas”.(XIAOBAI;WILLIAMS,2005,p.210)Deumpontodevistasocial,XiaobaieWilliamsrecomen-dam que China precisa “desenvolver sua própria cultura crítica paraanáliseeavaliaçãodatecnologia”.

As dimensões da China, sua heterogeneidade de estruturasprodutivas e ritmos de crescimento, podem abrir espaço para ati-vidades,compatíveiscomasnecessidadeslocaisdegeraçãodeem-pregoerenda,comdiversosníveistecnológicos,inclusivelevandoemconsideraçãoograndeexcedentedemãodeobra.Asregiõesdo Oeste e Centro da China carecem de investimentos e de uma políticaquelhesfavoreçaematividadesdebaixaealtatecnologia.Semprejuízodanecessidadedeavançotecnológico,seriapossívelumacertacombinação,viaregulaçãoestatal,depadrõesextensivoe intensivo de desenvolvimento, em contraste com o que já vem ocorrendopelaaçãodomercadocomaumentodasdesigualdadessociaiseregionais.

Háquesereconhecerumgrandeeexitosoesforçodeinovaçãotecnológicanasúltimasquatrodécadas;éclaroqueaínãohácontro-lepolíticodasprópriasmassas.Oavançotecnológicoéatestado,porexemplo,pelas52zonasdedesenvolvimentodealtatecnologiaque

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foram criadas até 1998. Contudo, a quase totalidade desses tecno-polosfoiinstaladanaregiãocosteira,ondejáseconcentraamaiorparte da atividade econômica, esquecendo-se do interior do país.

Em uma situação de atraso relativo, não se pode empreender o desenvolvimento econômico vedando a importação de tecnolo-gia.Entretanto,asimplesestratégiadeemparelhamentoeconômi-co,sobumavisãodecosmopolitismo,podereforçaramarcageraldas estratégias empresariais das firmas chinesas privadas que seconcentramemimportaçãodetecnologiaeimitação,alémdacon-corrência via preços, sem o esforço da inovação. A externalização produtivadascorporaçõesocidentaisejaponesas,migrandoparaaChina,jáapresentaalgunscasosdeintroduçãodeatividadesrela-tivasàconcepção,engenhariaedesign. Entretanto, é provável que “asgrandesmultinacionaisamericanas,japonesaseeuropeias,evi-dentemente,nãovãocolocarnaChinaseusprogramasmaisestra-tégicos”.(LA CHINE,2002,p.10)Emreaçãoaisso,grandesempre-sas ocidentais têm sido fortemente atraídas pelas oportunidades deimensosnegóciosdentrodaChina,emtrocadetransferênciadetecnologia.

Há ainda uma função econômica do Estado como recurso au-xiliardocapital,articulandotecnologiaelucratividade.Assim,dopontodevistageral,háquesereconhecerqueaspolíticas,açõesegastosdoEstadochinêsemfavordaaceleradaescaladatecnológicado país resultam em uma importante forma de ajuda à elevação da taxa de lucro médio dos capitais nativos e forâneos na China, a partir do aumento da mais-valia relativa. Nesse sentido, cada vez mais, as transformações tecnológicas, em vez de apenas saláriosbaixos dos trabalhadores chineses, são o mecanismo de elevação da taxa de mais-valia ou taxa de exploração.

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Gradualismo

Em nome do desenvolvimento das forças produtivas foram imple-mentadas as reformas, com medidas de contínuo aprofundamento da liberalização da economia chinesa, apesar da persistência de muitosefortescontroleseconômicosemmãodoEstado.Algunsmarcosdessa liberalizaçãopodemser identificadosnasseguintesdatas e eventos: i) a partir de 1979: descoletivizaçãono campo eimplantaçãodasZonasEconômicasEspeciais;ii)1984-6:reformasurbanas (autonomia das empresas estatais, contratos de trabalho, liberaçãodepreços); iii) 1992: renovaçãodasgarantias aos inves-tidores externos através da viagem de Deng à região Sudeste eadoçãodafórmuladosocialismodemercado;iii)1997:decisãodeprivatizaçãoemmassadas empresas estataispequenas emédias;iv) 2001:acordocomaOMC;ev)2005-6:vendaembolsasdeva-lores de parte das ações do controle do Estado sobre as principais empresasegrandesbancos.

O conteúdo e a forma das medidas adotadas, o calendário e a sequência de implementação das reformas, ao lado das experiên-cias prévias e localizadas das reformas, como projetos pilotos, são algunselementosapresentadoscomoprovasdogradualismochi-nês contemporâneo. Ademais, a estratégia gradualista seria, atémesmo, a grande responsável pela ascensão econômica chinesa.A China teria sidomais venturosa,na assimchamada transiçãoparaomercado,doqueaRússiadosanos1990.Aprimeirateriasebeneficiadodasreformasgraduais,cautelosas,estratégicas,en-quantoasegundateriasofridocoma“terapiadechoque”,imple-mentando-se o mercado e a privatização como um ato, de um só golpe,sobocomandodosespecialistasdoFMI,doBancoMundialedeuniversidadesamericanas.Nãoobstanteasgrandesdiferençasentre russos e chineses, tudo é explicado nos limites dos meios em-pregados–gradualismoouterapiadechoque–paradesmontaro

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socialismorealmenteexistentenaURSS,emumcaso,eparaaban-donar o tipo de planificação socializante e implementar as refor-masamigáveisaomercadonaChina,nooutrocaso.Discutem-seos meios, descolando-os dos conteúdos e finalidades das reformas.

Ogradualismo e a experimentação comomerosmétodos nãosão estranhos ao socialismo no período maoísta, como notou Betellheim(1979a,p.11,notanº7):

De qualquer modo, não há que esquecer que uma das características da política do Partido Comunista Chinêsconsisteemextrairprogressivamenteliçõesda experiência e, portanto, deixar que se desenvol-vamdiversasiniciativasantesdepreconizaragene-ralizaçãodestaoudaquelaformadeorganização.

Algumasrazõesparaocarátergradualdasreformasdemercadoe privatização na China poderiam ser encontradas nas remanes-centes disputas programáticas na cúpula dirigente do Partido-Estado,semesquecerascontrovérsiasde1989.Wing(1999,p.30-35)argumenta que, sobretudo, entre 1977 e 1985, teria havido polê-micas entre algumas proposições programáticas: amaoísta, a deestilostalinistaeapró-mercado.Éóbvioqueaprópriamagnitu-de do empreendimento – a mudança para uma economia baseada no mercado e na propriedade privada – aconselhava prudência no ritmo de implementação das medidas, contornando as eventuais resistências políticas herdadas da tradição revolucionária, restrin-gindooespaçoparaamanifestaçãododescontentamentosocial.

O gradualismo tem sido enfocado de diversas perspectivasteóricas, a exemplo da Nova Economia Institucional (NEI). Essa é umadasexplicaçõesliberaisparaocasodaChina.ParaDouglassNorth (1993), representante daNEI, o progresso econômico nãopode decorrer de processos revolucionários. As rupturas estão condenadas ao fracasso, por definição, conforme esse detentor

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do prêmio Nobel de Economia. Para North, cada país possui uma matriz institucional, com crenças e incentivos estruturados e arrai-gados.Adependênciada trajetória, ahistórianacionalpercorri-da eos retornos institucionais crescentes asseguram resistência,manutenção e estabilidade da matriz institucional. Assim, nessa visão conservadora, as mudanças efetivas só podem resultar de alteraçõesincrementais,graduais,emumprazomuitolongo,paravenceramatrizinstitucionalestabelecida.Mas,omaisimportantepara North, bem entendido, só podem ser mudanças em favor de maismercado,maispropriedadeprivada,defesaintransigentedosdireitos de propriedade. Em uma palavra, capitalismo, de preferên-ciaemconformidadecomaslendasemitos,propagadasporNorth,sobreagloriosaeharmoniosahistóriaeconômicaanglo-saxônica.

Conforme a Nova Economia Institucional, as interações en-tre os indivíduos, com a busca da maximização de sua riqueza, e a livre ação das forças de mercado, tendem a criar os incentivos e as regraspara superaçãodosmercados imperfeitos emdireçãoàs instituições eficientes e aos mercados perfeitos somente encon-trados nas sociedades desenvolvidas, particularmente, nos Estados Unidos. Contudo, as dificuldades no processo de aperfeiçoamento são naturais. Não há nada a fazer, a não ser confiar na evolução di-tada pelo mercado, já que “o pior [fato inescapável] é que o marco institucional que determina a estrutura básica da produção tende a perpetuar o subdesenvolvimento”, proclama Douglass North.(1993, p. 93) As instituições favoráveis às transações econômicas complexas só apareceram nos países ocidentais em um processo históricomuito longo. (NORTH, 1993,p. 52)Portanto, aplicandoesse marco teórico convencional e liberal, conforme North (1993), ao caso da China, só restaria lamentar a tomada do poder pelo Partido Comunista, condenar a revolução socialista e apoiar as contemporâneas reformas de mercado, assimiladas às institui-ções capitalistas (ocidentais). Nessa situação, a matriz institucional

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maoísta, fonte de todos os males, deveria ser demolida, peça a peça, desmontandoacoletivizaçãodaagricultura,ascomunaspopula-res, privatizando as empresas estatais e suprimindo a planificação estatal de tipo socializante.

A expansão econômica acelerada da China, em certo sentido, contradiz tantooapeloradicaldeDouglassNorthnadefesadossacrossantos direitos de propriedade – como condição sine qua non

dodesenvolvimento–quantoseuataqueàingerênciadosistemaPartido-Estado, vestígio da matriz institucional estatista. Northaplaudea liberalizaçãochinesa,masfazgestõesdiretamente – “eu vou à China todo ano” – para influenciar por uma liberalização maisrápidaeabrangente,porqueparaaNEIosincentivosparaainovação e o desenvolvimento decorrem, em primeiro lugar, damais completa e mais absoluta reverência a todos e quaisquer direi-tos da propriedade privada, sem qualquer veleidade de interven-ção estatal, como tem ocorrido na China.33

Para YingyiQuian, a imperfeição dosmercados surgidos naChina seria inevitável inicialmente, mas a regulação mercantiltende, semembaraços, a se aperfeiçoar ao longodos estágiosdatransformação chinesa. Foi o queYingyi sugeriu emum estudo

33 North declarou: “Eu vou àChina todo ano. Sou uma estrela de rock naChina [risos]. A razão para isso é que a China leva a sério as análises institu-cionais. Até hoje, na China, as trocas pessoais dominam o modo como o sis-temafunciona.Elestêmnoslivrosregrasdedireitosdepropriedade,maselasnãosignificammuito.Maselesestãoseriamentetentandomudaressejogo.Seos chineses serãobem-sucedidosounão, éumapergunta interessante.No que se refere àAméricaLatina, eunãovejonenhumsistemapolítico,partido político que esteja se abrindo, que venha sendo tão consciente sobre osproblemasqueenfrentam,comooschinesestêmsido”.(FRAGA,2006)

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centrado nas mudanças institucionais em direção ao mercado, nos marcosdeumaConferênciadoBancoMundial.34

Pragmatismo

Aviachinesadetransformaçãoeconômicanãoseesgotanométodogradualista.Amudançaincrementalchinesaexprimeaprevalênciadopragmatismo,escapandodasdiscussõesteóricassobrecapitalis-moesocialismo,fugindodasdistinçõesentreomarxismoeaideo-logiaburguesa.Marxjádiziaqueumaaçãoconcretadeavançodomovimentosocialvaliamaisdoqueumadúziadeprogramas.NãoadiantaoprogramadoPCCfalarhojeemsocialismo,masfazeraintrodução do capitalismo. Lênin afirmava que a prática é o crité-rio da verdade. A prática da penetração da dominação do capital mostra a verdade de um direcionamento objetivo para a restaura-ção capitalista na China, a despeito das palavras de autoilusão dos dirigentesdoPCC.Maopropunha:“Descobriraverdadeatravésda prática e, novamente através da prática, comprová-la e desenvol-vê-la”.(MAO,2003a,p.19)AcompreensãodeMarx,LênineMao

34 “A transição da China para uma economia de mercado ocorre em dois es-tágios.Noprimeiro(1978-93),osreformadoresintroduziramincentivos,res-trições orçamentárias e concorrência através da descentralização governa-mental,permitindoqueasempresasnão-estatais (principalmente ligadasagovernoslocais)sedesenvolvessem,preservando-seaestabilidadefinanceiraeadotando-seumaabordagemdualparaaliberalizaçãodomercado.Nose-gundoestágio, aChinabuscoudesenvolver asmais eficientes instituiçõesde mercado. Durante os primeiros cinco anos (1994-98), implementou-se a convertibilidade da conta corrente, a revisão do sistema tributário, a reor-ganizaçãodobancocentral,areduçãodotamanhodogovernoeoiníciodaprivatização das empresas estatais. A experiência de transição chinesa revela queprogressossignificativospodemserconquistadoscominstituiçõesade-quadas,emboraimperfeitas."(YINGYI,1999,p.377)

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sobre a prática não poderia resvalar, não poderia se confundir com oprimarismopragmáticodasreformascontemporâneaschinesas.O PCC expõe análises que denotam intenções socialistas, mas são justificativas de um tipo de reformas em favor mercado, de proprie-dade privada e do capital, em uma prática em que os fatos se en-trelaçameseautocondicionamemdesfavordosocialismo.Para osmarxistas, há, a despeito das distinções, unidade entre a teoria e a prática, conforme o materialismo dialético.

Deng Xiaoping usava a metáfora “vadear o rio, pulando depedra em pedra, deslocando-se de umamargem à outra”, a fimde justificar o gradualismo das reformas de mercado. Qual eraaoutramargem?Oque se esperava encontrardooutro ladodorio?Gradualismo,experimentação,reforma:comquefinalidade?O certoéque,nodecorrerdotempo,asreformasgraduaisconsti-tuíram um acúmulo de mudanças das partes que não podem deixar incólume o todo, o sistema. E o todo, nessas circunstâncias, reper-cuteeinterage,internaeorganicamente,comaspartes,redefinin-do-as. Aos poucos, o todo vai sobredeterminando as partes. Os re-sultadosfinais,conclusivos,alongoprazo,tendemaapagar,deixarpara trás, esquecer cada passo de alteração incremental e prudente. Buscaraverdadenos fatos,comodiziaDeng,édeparar-se,hoje,após quatro décadas de reformas, com uma alteração de conjun-to na estruturação econômica, na prática, ao lado das mudanças regressivasnasrelaçõessociaisdeprodução.

As mudanças, passo a passo, já trilharam mais do que o tempo de uma geração.A acumulação quantitativa e gradual de refor-mas pró-mercado, propriedade privada e capital criou, ao longodotempo,ascondiçõesparaoprocessoemcursodeemergênciade um patamar qualitativo “novo” na formação econômico-social da China, com a prevalência de tendências e formas capitalistas, estruturalmente. As raízes mais profundas da economia chinesa foram alteradas.

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Porfim,cabedesfazeralgunsmitos:i)nãohouveessegradualismoem diversas mudanças, como, por exemplo, na transformação da forçadetrabalhoemumamercadoria,segundoasnecessidadesdaacumulaçãodocapital,nobrevíssimoprazoentre1984e1986,coma liberaçãodasdemissões, fimdagarantiadeemprego, surgimen-todocontratotemporárioeosfluxosdetrabalhadoresmigrantes;ii)  foiextremamenteaceleradaaprivatizaçãodeempresasestatais,sobretudo pequenas e médias, no período condensado de 1978 a 2001.A criaçãodomercadodetrabalho,segundoalógicacapitalista,foi um processo incomparavelmente mais rápido do que a trajetória plurisecular de formação do proletariado em todas outras experiên-ciashistóricas,bastandolembraraexperiênciainglesa.

Produtivismo predatório

No balanço dos resultados do crescimento econômico chinês, há que se considerar os custos ambientais gravíssimos.35 Desde as

35 “Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processoemqueohomem,porsuaprópriaação,medeia,regulaecontrolaseumetabolismocomanatureza”.(MARX,1988a,p.142)“Assim,acadapas-so, os fatos recordam que nosso domínio sobre a natureza não se parece em nada com o domínio de um conquistador sobre o povo conquistado, que não éodomíniodealguémsituadoforadanatureza,masquenós,pornossacar-ne,nossosangueenossocérebro,pertencemosànatureza,encontramo-nosem seu seio, e todo o nosso domínio sobre ela consiste em que, diferentemen-te dos demais seres, somos capazes de conhecer suas leis e aplicá-las de ma-neira adequada. Com efeito, aprendemos a cada dia a compreender melhor as leis da natureza e a conhecer tanto os efeitos imediatos como as consequên-cias remotas de nossa intromissão no curso natural de seu desenvolvimento. [...]Quandoumindustrialouumcomerciantevendeamercadoriaproduzidaou comprada por ele e obtém o lucro habitual, dá-se por satisfeito e não lhe interessademaneiraalgumaoquepossaocorrerdepoiscomessamercadoriae seu comprador. O mesmo se verifica com as consequências naturais dessas

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últimasdécadasdoséculoXX,osproblemasecológicosalcança-ramníveisextremamenteameaçadoresparaaspróximasgerações,comojáevidenciamasmudançasclimáticas.Otipodeestratégiaprodutivista chinesa, subordinada ao mercado e ao capital e des-coladadaresponsabilidadeambiental,tempioradoaglobalesca-lada predatória do meio ambiente. Na China, a visão estreita da expansão das forças produtivas, o produtivismo e o economicismo mecanicistaagridem,alémdosdireitosenecessidades sociaisdamassa trabalhadora, o meio ambiente.

Acelerou-seaerosãodosolo,alémdadesertificaçãoemalgu-masáreas,aoladodaescassezdaágua,prejudicandoaagricultura.Essesproblemasdedegradaçãodasterrasatingiramcercade42%a 45% da área agricultável, chegando a 71% de erosão na regiãodo solo loess.36Anualmente, cercade 20mil km2 de terras estão sendo atingidas por desertificação, erosão, salinização etc. (LEE;ZHANG,2005)Em2005,jáeramdesertos25%doterritóriochinês,segundoaOCDE.(2005,p.260)

mesmasações.QuandoemCuba,osplantadoresespanhóisqueimavamosbosques nas encostas das montanhas para obter com a cinza um adubo que sólhespermitiaumageraçãodecafeeirosdealtorendimentopoucolhesim-portavaqueaschuvastorrenciaisdostrópicosvarressemacamadavegetaldo solo, privada da proteção das árvores, e não deixassem depois de si senão rochasdesnudas!Comoatualmododeprodução,enoquesereferetantoàs consequências naturais como às consequências sociais dos atos realizados pelos homens, o que interessa prioritariamente são apenas os primeiros re-sultados,osmaispalpáveis”.(ENGELS,197-?ou198-?f,p.277-280)

36 VerShan(2000,p.539).“Loess:Depósitoeólicodistal,poucoounãoestrati-ficado,defraçõesfinasquesofreramdeflaçãoeforamacumuladasmarginal-mentearegiõesdesérticas,emregiõesdemenorenergiaeólica,propiciandoa formação de terrenos de alta fertilidade, a base de quartzo e calcita comuns, eoutrosmineraisquenãosofreramintemperismoquímicosignificativonascondições desérticas”. (INSTITUTO..., [200-])

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Airrigaçãoéempregadaem80%dasterrascultivadasnaChina,consumindomaisde80%daáguautilizadanopaís.Nocasodousodaáguanaindústria,houvetriplicaçãodoseuconsumode1978a1995.Mas, tantoacontaminaçãodaáguaquantoadegradaçãodosolo ampliaram-se em razão do aumento da taxa média de aplica-çãode fertilizantesquímicosde63,60kg,em1973,para 307,06kgem 1992, enquanto os correspondentes números no mundo, nesses mesmosanos,foram60,20kge109,57kg.Pesquisastêmconstatadoáreascomcontaminaçãodeáguaporaltaconcentraçãodenitrato.Emtodoopaís,amédiadepresençademateriaisorgânicosnaster-ras é de menos de 1,5%. Essa perda da fertilidade do solo, conforme a segundapesquisanacional,nofinaldadécadade1980,em1.403dis-tritos, foi evidenciada pela presença deficiente de fósforo em 50% dasterrasagricultáveis;depotássioem23%dessasterras;defósforoedepotássio,em14%.(LI;DAVIS;LIMING,1998,p.224;227)

A contaminação das terras e águas, através de fertilizantes,pesticidas químicos, resíduos e efluentes industriais, agrícolas eurbanos, tem repercussão ampla e grave sobre a saúdehumana,inclusive dos trabalhadores diretamente ocupados em atividades maisexpostasàcontaminação(agricultura,pescaelazer).Agrandeproporçãodemaisde75%daságuasfluviais,comosriosquepas-sam por áreas urbanas, é considerada imprópria para o consumo humano.Essapoluiçãodaáguateminfluenciadooaumentodosabortosespontâneos,anomaliascongênitasemortesprematuras.(OCDE, 2005, p. 559)

Noquedizrespeitoàenergia,aChinadeixoudeserexportadoralíquida de petróleo nos anos 1990. A expectativa é que a China im-portará mais da metade do petróleo que consome, em 2020, e mais de80%,em2050.(MINQI,2005,p.443)WarwickJ.McKibbin(2006,p.157-158)chamouaatençãodequeaChina,jáem2006,eraoter-ceiro maior produtor e o segundomaior consumidor de energiadomundo.Jáeraresponsávelpor10%dousoglobaldeenergiaea

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expectativa era alcançar a marca de 15%, nesse consumo, em 2025. Emrelaçãoaocarvão,aChinadetinha28%daproduçãoe26%doconsumo no mundo. Era o terceiro maior consumidor e a sexta maior reserva comprovada de petróleo. Possuía cerca de 9,4% da ca-pacidade instaladadegeraçãodeeletricidade,asegundamaiordomundo.AusinahidrelétricadeTrêsGargantas,sobreorioYangtze,é a maior do mundo. Foram construídas dezenas de novas plantas de usinanuclear.Ogigantismodesseusodeenergiatemconsequên-cias diversas sobre o meio ambiente e sobre a saúde nos âmbitos local,regionalemundial.DepoisdosEstadosUnidos,aChinaéomaioremissordegáscarbônico,originadodecombustíveisfósseis,com13%dasemissõesglobaisecomprevisãode18%em2025.

A combustão de carbono é o principal fator de poluição do ar, e sabe-se que a poluição atmosférica está associada a mais de 300 milmortesprematurasporano,conformeaOCDE.(2005,p.560)As“chuvasácidas”atingemcercadeumterçodasterrasagricultá-veis no país. Em 2002, a China tinha seis cidades entre as 10 mais poluídasdomundo.AOrganizaçãoMundialdeSaúdeavaliouqueapenas 31% das cidades chinesas tinham padrões adequados de qualidade do ar em 2004.

Contudo, cabe ressalvar que, obviamente, é impossível o Esta-do chinês ficar omisso e passivo completamente na questão am-biental. Assim, constata-se que já houve uma clara mudança no discursodePequimdesdea segundametadedadécadade2000.Oprópriogovernochinêsdivulgoua informaçãodequeapenastrêsdas74maiorescidadesdopaísregistraram,em2013,condiçõesclimáticas em conformidade com os padrões nacionais considera-doscomodesejáveisenormaisnaChina.Podemsercitadasalgu-masiniciativasdogovernocomumanovavisãosobreoproblemaambiental, como a assinatura do Protocolo de Kyoto, massivosinvestimentosemenergiadeorigemhidrelétricaetermonuclear,tentandodiminuiragrandedependênciadecombustíveisfósseis,

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e medidas para a redução de dióxido de enxofre, mas pouco empe-nhonadiminuiçãodaemissãododióxidode carbono. (McKIB-BIN,2006,p.165-166)AChinajálideraaproduçãodeenergiasolarnomundo.HáumdesafiodifícilparaoEstadochinês:concretizara defesa do meio ambiente e crítica ao produtivismo predatório e, aomesmotempo,conseguiralimentar22%dapopulaçãomundialcomapenas6%daterraagricultáveldomundo,emumcontextodeaceleradas urbanização e industrialização que são necessárias para gerarempregossuficientes.Comanovaretóricade“guerraàpo-luição”e“civilizaçãoecológica”,osgovernanteschinesesdiscutemsobre os limites da rapidez do crescimento econômico.

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CAPÍTULO IX

Desenvolvimento desigual e combinado

Perspectiva histórica e mundial

Desenrola-seumagrandedisputasobreanaturezadoatualcursochinês.Deumlado,muitosintérpretes,comoadvogadosdocapi-talismo no Ocidente querem capitalizar os êxitos do crescimento econômico como demonstração da superioridade do liberalismo, do mercado, da propriedade privada e do capital. Os neoliberais congratulam-secomessainterpretação.Masesquecemdascondi-ções especiais da China, inclusive do papel ativo e forte do Estado chinês na economia. Ademais, desconsideram a herança econômica doperíodomaoísta.Ignoramasvantagensdotamanhoedinamis-moprópriosedomésticosdaeconomiachinesa.Nãoenxergamosbenefícios produtivos e comerciais para a China que resultaram dosimpactosdaascensãoeconômicadaÁsia,sobretudodoLesteasiático. Não avaliam corretamente os interesses, cooperação e riva-lidadegeopolíticosdasrelaçõesentreaChinaeosEstadosUnidos.

De outro lado, o Partido-Estado classifica como modernização socialistaasgrandesconquistaseconômicasdaChina.Osdesen-volvimentistas e os regulacionistas enfatizam a autonomia, as

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políticaseasestratégiasdoEstadochinês.Teriasidoavitóriadeum Projeto Nacional. Também se insiste na explicação óbvia da singularidadedodesenvolvimentoeconômicodaChina.Ospró-priosdirigentesdoPartido-Estadorepisamaparticularidade:“so-cialismodemercadocomcaracterísticaschinesas”.Singularidade,sim, é verdade, mas em que sentido sistêmico, universal, a China hojecontribuiparaaemancipaçãodostrabalhadoresnomundo?Qual é o universalismo daChina contemporânea, deixando deladoasingularidadenacionalchinesa?

As transformações econômicas naChina são singulares, emprimeiro lugar,porqueparadoxalmente representamum tipodemudança sistêmica em um país de um passado revolucionário re-cente. Ademais, há todas as marcantes particularidades históricas, culturais, econômicas e sociais da China milenar. Tem de ser sin-gularumasociedadedemaisdeumbilhãoe300milhõesdehomensemulheres.Nãoéprecisofazerjulgamentomoralparareconhecerque o capitalismo é o mesmo sistema de exploração da classe tra-balhadora em toda parte, mas o desenvolvimento capitalista tem particularidades nacionais em cada país. Assim, faz sentido o capi-talismo com características chinesas, pois.

Em perspectiva histórica e mundial, a revolução industrial, pri-meiro, e o advento do imperialismo dos monopólios e alta finança, depois,produziramclivagenseassimetriasestruturaisentreosdi-versospaíses.Aépocamodernaregistraprocessosdiversos,singu-lares,como:i)arevoluçãoburguesanaFrança,em1789e1848;ii)aunificação alemã, comoEstadobismarkiano e a viaprussianadedesenvolvimento, preservando o poder dos junkers latifundiários;iii) a independêncianacional, em 1776, e a guerrade secessão,nadécadade1860,constituindoumamodernasociedadeburguesa,apartirdoNorte,noquesechamouEstadosUnidos;iv)acolonizaçãona América do Sul e depois a independência nacional na primeira metadedo séculoXIX, constituindoEstadosda aristocracia rural

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nativa e persistente atraso econômico; v) a aceleração da corridapelapartilhadaÁfricaentreaspotênciasimperialistasnasúltimasdécadasdoséculoXIX;vi)alongadominação,adentrandooséculoXX,dosimpérioscoloniais,destacadamenteoinglêseofrancês,noOrienteMédioenaÁsia,suscitando,emalgunscasos,osurgimentode movimentos nacionais ou socialistas. Como se vê, é da natureza docapitalismoodesenvolvimentodesigualecombinadocomassin-gularidades, comascaracterísticasnacionais.Alémdisso,nocasoda China, salta aos olhos a relevância da incidência da dominação estrangeiraedaagressãoimperialista,nochamadoséculodehumi-lhaçãoetratadosinjustos,desdeaprimeiraguerradoópio.

Portanto, não tem cabimento qualquer explicação da atual as-censão econômica chinesa em termos a históricos, como se fosse uma revelação da força espiritual confunciana. A China das refor-masdeDengnãoéachamadaNovaChinadeMaoemuitome-nos a China do Primeiro Imperador. As particularidades nacionais são importantes, mas não estão na contemporaneidade descoladas do contexto histórico mundial moldado pelo capitalismo. A com-preensão do desenvolvimento chinês não pode ser feita isolada das condições internacionais. Isso seria um absurdo, denunciado, até mesmo,peloengajamentodoscapitaisestrangeiros,sobretudodadiáspora chinesa – reforçado pelo êxodo com a vitória da revolução maoísta em outubro de 1949 –, pelas exportações, pelo novo papel da Chinanadivisãoregionaleinternacionaldotrabalho.Atestandoodesenvolvimentodesigualecombinadodocapitalismo,comosiste-mamundial,overtiginosocrescimentoeconômicodaChinacon-vive necessariamente com o fraco ritmo da acumulação de capital, inclusivecasosdeestagnação,emoutrospaíses.

A crise asiática de 1997-8 tem um pedaço de sua explicação as-sentadonacompetiçãochinesae,porconseguinte,emumcertodeslocamento das exportações de países do Leste Asiático para terceiros mercados, sobretudo os Estados Unidos. Houve, por

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exemplo,migraçãodealgumasempresasdoMéxicoparaaChina.O Brasil se ressente da invasão do seu mercado por têxteis, cal-çados e brinquedos chineses.37 No curso dos desdobramentos da criseglobalde2008,aChinatornou-seasegundamaioreconomiadomundo,comseuPIBultrapassandoodoJapãoem2010.

Universalismo entre URSS e China

Ainda, insistindo na perspectiva histórica e mundial, no caso do mais importante exemplo do socialismo realmente existente, aUniãoSoviética (URSS), comosediz, saiudoaradomovidoàtraçãoanimalnaagriculturaparaopostodesuperpotênciaerivaldos Estados Unidos. No breve período de quatro décadas (de 1920 a 1960),esseesforçode titânicaconstruçãoeconômicaconheceu

37 Exportadores brasileiros de soja, minério de ferro e aço têm ampliado imen-samentesuasvendasparaaChina,eogovernobrasileirodeuseureconhe-cimento à China como economia de mercado, apesar dos protestos do em-presariadobrasileiro.Mas,emjunhode2005,ogovernodopresidenteLulafoi obrigado a regulamentar as salvaguardas contra importações chinesas,conforme o Protocolo de Acesso da China na Organização Mundial doComércio.Umdecretoderegulamentaçãovolta-separaprodutoschinesesemgeralevigoraaté2013,eosegundodecretoédirecionadoparaaindústriatêxtil. Em outubro de 2005, a indústria têxtil protocolou o pedido de aplica-çãodassalvaguardascontraaChina.Aproduçãodecercade70produtostêxteis estaria sendo prejudicada pela concorrência chinesa. O Sindicato da Indústria Têxtil do Estado de São Paulo estima que cerca de 30 mil postos de trabalho deixaram de ser criados devido às importações da China em 2004. O Sinditêxtil denuncia que “um quilo de calça de lã [foi] importado [pelo Brasil] em média a US$ 1,14 da China, enquanto o mesmo produto foi expor-tadoparaosEstadosUnidosaUS$48,80”(SPITZ,2005).Tambémaindústriadebrinquedosrequereuproteçãocomercial.Emagostode2006,ogovernodoBrasilaindainsistiaemumanegociaçãocomaChina,pretendendoqueo Estado chinês adotasse restrições voluntárias nas suas exportações para o mercadobrasileiro.(CAMACHO,2006)

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altos índices de crescimento econômico, com mecanismos de plani-ficaçãoegestãoestatais.Algunsdadosjáficaramesquecidosecaberelembrá-los,asaber:i)amédiaanualdecrescimentodaeconomiafoide13,2%,16,1%e12,5%,nosperíodosdosprimeiro, segundoeterceiro(interrompidopelaagressãoalemã)planosquinquenais;ii)a participação soviética na produção industrial mundial elevou-se de2,8%,em1929,para5,6%,em1938;iii)aparticipaçãonaproduçãoagrícolamundialfoidecercade8%,semalteração,comparando--se1929e1938; iv)a taxade investimentoemrelaçãoaoprodutonacionalsubiude7%,em1928,para21%,em1937;ev)oritmodecrescimento da produção industrial entre 1913 (ainda no czarismo) e 1950 foi o mais rápido do mundo, inclusive em comparação com os países capitalistas.

É claro que houve, nesse processo, as deformações burocrá-ticas, além da queda da produtividade do trabalho e tendência à estagnaçãoapartirdemeadosdosanos1970,paranãofalardagra-víssima ausência da democracia socialista. O capitalismo não con-cedeuàURSSumminutodepaz.Nalinhadotempo,noséculoXX,aURSSfoisubmetidaaumaguerracivil,àinvasãoavassala-doranazistanaSegundaGuerraMundialcommaisde20milhõesdesoviéticosmortos,ocercoimperialistaimplacável,aguerrafriacom todas as suasmúltiplas sabotagens e ameaças, a gigantescaindústriadepropagandaanticomunistanasuniversidades,naim-prensa e no cinema. Enfrentando tudo isso, a obra econômica da UniãoSoviética registrou fortecrescimentoeconômicoe indus-trialização.AespetacularascensãoeconômicadaURRSchamoutantaatençãoqueinfluenciou,emalgumgrau,certasiniciativasdeplanificaçãogovernamentalempaísescapitalistascentraiseperifé-ricos,principalmentenoimediatopós-guerra.38

38 “Por iniciativa dos EUA, foi criado, em 1949, o Comitê Coordenador para oControledasExportaçõesMultilaterais (COCOM), abarcando todosos

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EqualfoiouniversalismodaURSS,emcontradiçãocomseuregimerepressivo?Que tipodeuniversalismo,apesarda suane-gaçãoda liberdade e, portanto, negaçãodo socialismo emarxis-mo?A despeitodasgravescontradiçõesinterasàURSS,ahistó-riaregistra,paraoexterior,o impactoprogressista,democrático,avançado da União Soviética sobre as condições de vida dos tra-balhadoresnomundo,sobreadescolonizaçãonaÁfricaenaÁsia,sobre os direitos das mulheres, sobre a contenção dos preconceitos raciais e da xenofobia nacionalista, sobre as liberdades democráti-cas e a cidadania. Tudo isso ocorreu porque o capitalismo, acossa-do e denunciado pela suas inevitáveis exploração e opressão, foi obrigadoafazerconcessõesaopovonacompetiçãocomocomu-nismo soviético no mundo. Tudo isso tem a ver com universalis-mo,aoinvésdesingularidade.DepoisdofimdaURSS,ograndecapital se sentiu com as mãos livres para eliminar os direitos so-ciais, previdenciários e trabalhistas com as reformas neoliberais no mundo.E agora,comparativamente,qualéoimpactouniversalistaemliberdadeeprogressosocialqueaChinacontemporâneaestáforçando o imperialismo norte-americano a ceder, a fazer conces-sões,ase“humanizar”?

paísesmembrosdaOTAN(menos IslândiaeaEspanha)eo Japão.Criadasob a égide daOTAN, o COCOM se constituiu num órgãomultilateraldestinado a conter e reduzir o comércio dos países capitalistas centrais com aURSSedemaispaísessocialistas,sobaalegaçãode‘razõesdesegurança’.Poucodepoisdasuacriação,osEstadosUnidosdeterminaramaoCOCOMainclusãodemaisdeduasmilcategoriasdeartigosnalistadebenseserviçosproibidos de serem comercializados com o ‘campo socialista’. Isso represen-tava,naépoca,quasemetadedosartigosdisponíveisnomercadomundial!”.(FERNANDES,1991,p.122)

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De te fabula narratur!

Marxnuncafalouemmundoplano.Nuncadissequeosprocessoseconômicosseriamiguaisemtodaparte.Nuncapreviudesenvol-vimentoavançadoigualemtodosospaíses.Faloudanecessidadede acumulação de capital, do capitalismo no mundo, das contradi-çõesecrises.Eraomundoàimagemesemelhançadaburguesia,comtodoseucortejodedesigualdades,misérias.Marxnãorene-gouoseumaterialismohistórico.Sementraremumapolêmicain-terminável em que há quem veja contradição – ao que parece, sem razão–entreointernacionalismo,ouniversalismodeMarxesuaposição sobre as lutas nacionais, retoma-se aqui sua proclamação sobreavelhaefragmentadaAlemanhaeseufuturocapitalista,sóisso:de te fabula narratur!

Na história econômica do capitalismo, o espetacular êxito chi-nês é acompanhado por diversas outras experiências, com suas características próprias. Basta constatar, por exemplo, as elevadís-simastaxasdecrescimentoeconômicodaInglaterra,comoimpé-riocolonialepioneiro industrial,namaiorpartedoséculoXIX.Também ocorreu a aceleração das economias estadunidense e ale-mã,apartirdasúltimasdécadasdoséculoXIX.Nosanos 1950e1960,designou-se,àépoca,areconstruçãodaAlemanhaocidentaledoJapãocomo“milagreseconômicos”.OBrasiljáteveoseu“mi-lagre”entre1968e1973-4,alémdarápidaindustrializaçãoentreadécadade1930eofinaldosanos1970.NaÁsia,apareceramospri-meiroseossegundos“tigres”.ACoreiadoSultransformou-sedeumpobreepequenopaísagrário,dilaceradoporumaguerra,emuma nação desenvolvida no prazo de 40 anos (entre outras razões, porquehouveumpequenodetalhe:aguerrafria,comosinteressesdosEstadosUnidosnaÁsia–sóessedetalhe).

A sabedoria convencional, no entanto, está sempre a postos para exaltar cada episódio de impulso econômico, na forma estrita

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deumadeterminadaestratégia,pontoporponto,comoumapos-sibilidade aberta, factível, à mão de todo e qualquer país. A essa altura, é ocioso falar que se confunde deliberadamente crescimen-to econômico com desenvolvimento. Assim, é obscurecida a típica persistência do problema do subdesenvolvimento para a maioria dos povos, nos marcos do capitalismo.

Evidentemente, capitalismo pressupõe acumulação de capital e, mesmo sob o imperialismo, seria um absurdo a expectativa do colapso mecânico e automático da viabilidade do crescimento eco-nômico.Éverdadeque,historicamente,noperíodorecente,desdea década de 1970, o capitalismo já não exibe a mesma vitalidade mundial, o mesmo dinamismo global de antes. A economia dopós-guerra foiumaexcepcionalidade.Osepisódiosdecriseedeestagnação,sobadominaçãodosmonopólios,dafinanceirizaçãoedo neoliberalismo, não impedem, porém, a possibilidade de situa-ções específicas de aceleração do crescimento, como ocorreu no mundo no breve intervalo de 2003 até 2007. Teoricamente, Lênin já esclarecia que

[S]eria um erro pensar que esta tendência para a de-composição[afinanceirizaçãodominanteglobalcomsuascrisesedesemprego,poderiasedizerhoje]excluio rápido crescimento do capitalismo. Não, certos ra-mos industriais, certos setoresdaburguesia, certospaíses, manifestam, na época do imperialismo, com maior ou menor intensidade, quer uma ou outra des-sas tendências. No seu conjunto, o capitalismo cresce

com uma rapidez incomparavelmente maior do que an-

tes, mas este crescimento não só é cada vez mais desigual comoadesigualdadesemanifestatambém,demodoparticular, na decomposição dos países mais ricos em capital.(LÊNIN,1979d,p.668,grifodoautor)

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A cartada dos Estados Unidos

Na perspectiva histórica e mundial, ao estudar a China, há que se perceber o imperialismo norte-americano em seu envolvimento direto na trajetória econômica do Extremo-Oriente. Os Estados Unidos atuaram decisivamente, nosmarcos da guerra fria, paracontarcomimportantesEstadosaliadosnoLesteAsiático.A his-tóriadocrescimentoeconômiconoJapãoenaCoreiadoSulde-pendeu diretamente do apoio, dos mais variados recursos e do mer-cado dos Estados Unidos. Em contraste, a China sofreu o bloqueio comercial,desde1950,comandadopelosEstadosUnidos.A vitóriacomunista emoutubrode 1949 levantouumagrandeondapolí-tica dentro dos Estados Unidos, que lamentavam pela “perda da China”. Depois da assim chamada “perda da China”, os estadu-nidensesseempenharamtotalmentenaguerracivilcoreana.EaOrganizaçãodasNaçõesUnidas(ONU),naconjunturadaguerracoreana, foi usada pelos norte-americanos para o cerco comercial contra a China.

Somenteem1972,comaviagemdopresidenteNixonàChina,começou-seaquebraressebloqueiocomercial.AvisitadeDengXiaopingaosEstadosUnidos,em1979,selouorestabelecimentodas relações diplomáticas, com repercussões econômicas estraté-gicasparaaChina.ParaWangHui(2000,p.137),

[...]aspolíticasdeportasabertasdeDengXiaopingprecisavam de uma inserção muito mais profunda daChinanomercadomundial.Comoistoocorreu?Um passo chave neste processo foi a invasão chinesa doVietnãem1978.Umadasrazõesdamesma,quede outra maneira teria sido um ataque sem sentido a um pequeno vizinho, era o desejo de uma nova rela-ção com os Estados Unidos. A invasão foi como uma oferendapolíticaaWashington,eseconverteupara

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a China no bilhete de entrada no sistema mundial. Aqui, o excesso de violência era a condição prévia de uma nova ordem econômica.

Osnorte-americanossinalizaramparaoscapitaisglobaisoseuinteresse geopolítico nas reformas demercado naChina.A co-meçarpelaprópriadiásporachinesaeHongKong,osvínculosdaChina com a economia internacional estabeleceram-se, cada vez mais. Os Estados Unidos abriram seu mercado para os produtos da China, que contava com os benefícios do reconhecimento do princípio de nação mais favorecida. Estreitaram-se os laços tan-to comerciais e financeiros, quanto diplomáticos e acadêmicos (publicações, ingressodechinesesemuniversidadesamericanas)entre os Estados Unidos e a China. Especialistas e consultores norte-americanos influenciaram as mudanças econômicas atra-vés das mais diversas maneiras, inclusive com a formação de pro-fissionais de economia e administração, segundo osmanuais denegócios.Portanto,asreformaschinesasforam,emcertamedida,um exercício de real politik, especialmente até os eventos da Praça Tiananmen,em1989,eadesagregaçãodaUniãoSoviética,em1991.

Assim,aascensãodaChinabeneficiou-sedosseguintesfato-res,conformeCarlosMedeiros(1999,p.94-95):

[Da] estratégia americana de isolamento e desgastedaex-URSS,[d]aofensivacomercialamericanacomo Japão e [de]uma complexa estratégiadogovernochinês visando à afirmação da soberania de Estado sobre território e população através do desenvolvi-mento econômico e modernização da indústria.

Aglobalização acentuou aindamais o caráter do capitalismocomosistemamundial,agregandoproblemasnovosparadificultarasestratégiaseconômicasnacional-desenvolvimentistasdepaíses

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periféricos.Essaconfiguraçãodosistemacapitalista impõerestri-ções para a solidez das tão enfatizadas peculiaridades nacionais pre-sentes em um suposto modelo de desenvolvimento com caracterís-ticas chinesas.O capital e a tecnologia estrangeiros aumentaramograudedependênciadaeconomiachinesaemfacedocomércioexterior. O Estado chinês tem recorrido a diversos instrumen-tos de estímulo e favorecimento aos investimentos estrangeiros.(YASHENG,2003,p.415)

A questão da pertinência da via chinesa

É preciso discutir a natureza das relações entre dependência e autonomia na economia da China. A dependência não é um aci-dente e pode ter graus e formas muito variados. Ao contrário,trata-se de uma realidade que se vincula às políticas e às reformas implementadas pelo Estado chinês. Estabeleceu-se uma tensão en-tre nacionalismo, de um lado, e cosmopolitismo, de outro, na es-tratégiaeconômicachinesa.Incentivoseisençõesfiscais,infraes-truturaezonasespeciais,atraçãodecapitalestrangeiroeapoioaexportações não são mecanismos exclusivos do modelo chinês. Tudo isso aparece sob as mais diversas formas de política indus-trial, explícitas ou não, na experiência de diversos países. No en-tanto, é possível concordar que existe um caminho ou via chinesa dedesenvolvimento,emcertosentido.JosephStiglitz(2002,p.97)destacaocontrasteentreaviachinesaeomodelodaglobalizaçãoneoliberal,elogiandoas“sensataspolíticaseconômicas”daChina.

Os latino-americanos, que sofreram os efeitos perversos da adoçãodomodelodoConsensodeWashington,nadécadade1990,talvez possam, esperançosos, olhar a China como um modelo, uma via chinesa, contraposta a simples liberalização. Não obstante o re-conhecimentodasdistinçõesentreoConsensodeWashingtone

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um suposto Consenso de Pequim, há que se compreender as duas questõesseguintes.

Primeiro, política industrial não é simplesmente o exato oposto de liberalização, como, por exemplo, mostra a liberalização finan-ceira na Coreia do Sul nos anos 1990. Existem as mais diversas políticas industriais, relativamente aos monopólios, ao desenvol-vimento,àproduçãoecomércioexterior, à ciênciae tecnologia.A administraçãodeGeorgeBush,campeãodoliberalismo,logonoinício do seu primeiro mandato, adotou a política de sobretaxas alfandegárias,comoprotecionismoparasalvaguardarassituaçõesdedefasagemcompetitivadaindústriasiderúrgicaestadunidense,por exemplo.

Segundo,aChinadeslocou-sedapolíticadeumdeterminadotipodeplanificaçãoegestãodaeconomiaemmãos,sobretudo,doEstado, na tentativa de construção do socialismo para a admissão dealgunsgrausdeliberdadeedominaçãodocapitalprivado,quan-to a decisões de investimentos, produção e processo de trabalho. Esse deslocamento é um processo, com etapas, tensões, percorren-do décadas de reformas de mercado e privatização. A China pro-moveualiberalizaçãorestringidadaeconomiaemreferênciaàsuasituação anterior ao final da década de 1970. Ao mesmo tempo, a China, preocupada com sua estabilização social, precisa sempre exerceroposiçãoaaspectosdeagudaliberalização,especialmentea alguns tópicosde investimentos, finançae serviços,queultra-passamosacordosassinadosejácumpridos,comprogramaçãodemedidasliberalizantes,conformeoscompromissoscomaOMC.

Portanto, a administração e as políticas públicas não podem ser compreendidas em si mesmas, abstratamente, descoladas do contexto e da conjuntura política. Não há um molde estritamente igualdeviaeconômicaparatodosospaíses.Énessesentidoquesepode dizer que existe uma via chinesa, um modelo, influenciado pela história, pelas instituições e pela realidade social da China.

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É nessestermosqueháumcaráterpróprio–chinês–desuaviadedesenvolvimento.Masisso–aconstataçãodeumaviachinesa,emcertosentido–éinsuficiente.Éprecisoiralém,discutindooqueéessemodelochinêseaondevaiaChina.Éassimque,nestelivro,buscou-se identificar as principais relações entre o Estado chinês e a dominação do capital, examinando, concretamente, cada âmbito das reformas de mercado e da privatização.

O papel ativo do Estado na economia, desenvolvimentismo, capitalismo de estado, não são descobertas chinesas, como se sabe. A via chinesa não inventou a empresa estatal nem o controle dos fluxos de capitais de curto prazo. Desde sempre, no capitalismo, no mundo, há vínculos entre a acumulação de capital e o Estado. Aolongodahistória,aviolênciaestatal,comoumadasexpressõesdo poder da classe dominante, contribuiu para a diferenciação e polarização de classes sociais, para a acumulação primitiva de ca-pital,paraaregulaçãoeconômica,paraaproteçãodaordemedapropriedade privada, para impor o cumprimento dos contratos. Há muitos debates e experiências sobre as políticas do Estado. Ademais, há estados imperialistas e estados subordinados. Sempre houve participação decisiva do Estado no capitalismo, basta lem-brar, por exemplo, o protecionismo defendido por Alexander HamiltonnosEstadosUnidos,asleisdoscereaisdaInglaterracri-ticadasporDavidRicardo,aproteçãoà indústrianascenteargu-mentada pelo alemão Friedrich List, o intervencionismo na orien-taçãodaeconomiaalemãdetestadoporLudwigVonMisses,atéapolítica econômica anticíclica de administração do déficit público emsituaçõesdedesempregoemmassa,conformeJohnMaynardKeynes.OmarxistapolonêsMichalKalecki(1987,p.23)propunha:

Quando o investimento cai abaixo do nível neces-sário à manutenção da demanda efetiva, o gap é co-bertopelosgastosgovernamentais [financiadospor

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empréstimos, evitando redução de renda com au-mento de impostos].

Assim, escapando à acusação de experiência exótica ou inova-ção temerária, a reforma do Estado chinês e a dominação do ca-pitalpodem,emaliança,convivercomalgumaspolíticaspúblicasdefortecontroleegestãodaeconomia,comotemocorrido,alémdapermanênciadealgumasgigantescasempresasebancos,comocontrole acionário estatal.

Finança e capitalismo

Alguns dos principais traços da evolução do capitalismo (traba-lho, monopólios, finança, Estado) foram objeto de muito debate entre os marxistas, tentando-se compreender as características do imperialismo e suas implicações políticas. Por exemplo, em 1928, a Internacional Comunista discutiu a tese da estabilização do capi-talismo, através da intervenção do Estado e do poder dos monopó-lios. O crescimento econômico, com aumento da produtividade do trabalhoequedadoscustos,sugeriaum“capitalismoorganizado”peloEstado.ParaEvgueniVarga,opoderdosmonopólioseare-dução do tempo de trabalho seriam, porém, acompanhados por crises desencadeadas pela superprodução e disputa de mercados. (GALLISSOT,1987,p.269-270)

Em contraposição aos efeitos da monopolização produtiva, até onde o capital financeiro – capital industrial e capital bancá-rio,comadominaçãodoúltimo,conformeaversãodeRudolphHilferding–eaaçãoeconômicadiretadoEstadopoderiamcon-tribuir para a racionalização da economia, configurando algocomoumcapitalismoorganizado?Mas,emvezdefuncionamentoregulado,estável,organizado,estourouagrandecrisede1929.Adepressão dos anos 1930 trouxe a mão visível do Estado ao centro

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dopalco:compolíticasfiscaisdeausteridade,comoforamaplica-daspelo gabinete trabalhistanoReinoUnido; coma ondapro-tecionistadeflagradaapartirdagritanteelevaçãodastarifasnosEstadosUnidos; comosprogramaseosgastospúblicosnoNew

DealdeRooseveltounomilitarismodeHitler.Todavia,agora,aviachinesadescobriu,enfim,algumaformadeimunidadeanteosefeitos deletérios inerentes aos monopólios e à finança, dois fato-resestruturaisdocapitalismonomundo?Acrisemundialde2008eadesaceleraçãoeconômicadaChinaapartirde2012negamessaimunidade chinesa.

Ocapitalfinanceirotomouumanovaforma,sobaglobalizaçãoneoliberal,agravandoainstabilidadeimanentedaeconomiacapi-talista, provocando a assim chamadaGrandeRecessão de 2008,embora não se repita um episódio como o da quebra da Bolsa de ValoresdeNovaYorkem 1929e seudesdobramentonaGrandeDepressão na década de 1930. Hoje, no caso da via chinesa, na se-gundadécadado séculoXXI, tenta-se, comdificuldades, conteresseladodisruptivodafinanceirização.ParaLuizGonzagaBelluzzo(2004, p. 115), a China não tinha se deixado enredar na “depen-dênciadoshumoresmercuriaisdosmercadosfinanceirosglobali-zados”. Na verdade, Belluzzo se referia aos anos 1990 , quando fazia essaavaliaçãoarespeitotantodaChinacomodaÍndia,que

aolongodadécada,cuidaramdeexercercontrolese-letivoerigorososobreaentradaeasaídadecapitais,evitaram o endividamento privado em moeda forte e dirigiramoinvestimentodiretoestrangeiroparaim-pulsionar as exportações e substituir importações de forma eficiente.

Enasdécadasde2000e2010?Comojáfoimostradoanterior-mentenestelivronocapítuloVII,jáhouveimportantesmudançasnos mercados financeiros chineses. A realidade mundial e chinesa

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depois da crise de 2008 mostra, a exemplo dos episódios de aba-losseguidosdasbolsaschinesasem2015e2016,queaChinaestásendoempurradaparacerto tipodeparticipaçãonaglobalizaçãofinanceira, a despeito da importância e permanência de algunscontroles e do ativismo da política econômica do Estado chinês.

Transição econômica

Aolongodadécadade2010,oassimchamadomodelodecresci-mentoeconômicochinêsfoisubmetidoagrandestensões.Jánãoé suficiente a fórmula de restrição aos capitais especulativos de curto prazo, atração do investimento direto e impulso exportador, urbanizaçãoeindustrialização.Essafórmuladeucertoegerouim-pactos positivos na estruturação produtiva, cada vez mais privada, enquanto,paralelamente,oEstadomantinhasignificativaparceladedecisõesdegastosautônomosegrandescorporaçõesempresa-riais e bancárias.

O crucial e assombroso investimento de quase metade do PIB, comomotor do crescimento chinês, articulava-se com a vertigi-nosa expansão tanto do mercado doméstico quanto das vendas aomundo.Masdeclinaram,relativamente,aspossibilidadesparaos produtos chineses de uma demanda solvável representada, so-bretudo, pelo mercado estadunidense. Aumentam as pressões por novas rodadas de aumento do consumo, no mercado doméstico chinês, para compensar a diminuição relativa das exportações. Mostra-se insustentável o padrão de repartição do produto naChina, entre consumo com imenso potencial, mas ainda restrin-gido–ecomimpactosadversosparagrandesmassastrabalhado-ras mais pobres – e o exacerbado investimento. A interação dessas diversas tensões tende a produzir uma trajetória chinesa prenhe de instabilidade e complexidade, nos marcos do capitalismo dos monopólios e da finança de mercado no mundo.

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O crescimento econômico resultante no chamado modelo chi-nês, a despeito do vínculo decisivo entre seu elevado investimento e seu mercado doméstico, tem uma dependência importante da demanda norte-americana, para a realização do “salto mortal” das mercadorias. As compras americanas eram e são decisivas, apesar do papel sempre e cada vez mais importante da demanda interna chinesa. Os Estados Unidos compram e os chineses multiplicam seusfundosdedivisas.Mas,nesseterreno,aacumulaçãodereser-vas de trilhões de dólares é uma manifestação de desequilíbrios mundiais, a partir dos Estados Unidos. Nada mais irracional para o capitalismo do que a hipótese de que “[O] dinheiro petrifica-se, então, em tesouro e o vendedor de mercadorias torna-se entesou-rador”.(MARX,1988a,p.110)Ademais,naChina,trata-sedeum“equilíbrio”comameaçadegrandedesempregodaforçadetraba-lho, em um país imenso e com o desenvolvimento ainda bastante confinadoàsuaregiãolitorânea.

Reciprocidade de reformas e contradições

Aassimchamadaviachinesanãoselimitaaumaestratégiadede-senvolvimento. Essa via é constituída de reformas, que adquirem dinamismo próprio e, em consonância com a operação do mer-cado, criam tensões e contradições, como argumentam MartinHart-Landsberg e Paul Burkett (2004). Portanto, por exemplo, oinvestimento direto externo, as fusões e aquisições pelo IDE e as exportações não poderiam continuar com a China dispondo de normas de comércio e investimento domésticas em confronto com as normas internacionais. A China teve que operar mudanças com certograudeliberalização.Aviaouocaminhovaicondicionandoa estrutura econômica na China. Esse movimento não é uma mera explicitação de ausência de alternativas. Nesse sentido, não se trata de uma específica reforma que se impõe, sem escapatória, e, em

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seguida,puxaumaoutradeterminada reforma,percorrendoumroteiro já predeterminado, com definições a priori,aolargodees-colhas e lutas dos homens e mulheres trabalhadores.

Contudo, sem se desviar para um raciocínio simplista e linear, cabereconheceravigênciadessaformadedependênciadocami-nho (path dependency), percebendo o encadeamento entre o merca-do, a propriedade privada e a caminhada no sentido da restauração do capitalismo na China. Poderia ser diferente, mas não foi. Essa viachinesaeseusefeitoseencadeamentosestãointegrados,semautomatismos, com a operação de tendências políticas e classistas em curso na China, com repercussões no sistema Partido-Estado.

Dopontodevistadocosmopolitismo,háalgunsaspectosdeproximidade entre a via chinesa e os vínculos entre exportações e investimento direto externo. Os planos quinquenais existem, estão mantidos, têm grande importância na tarefa de naturezadesen volvimentista, mas a orientação do curso econômico perdeu o papel da planificação central de sentido socializante. Os inves-timentos,aproduçãoeoempregojánãosãomajoritariamentedeempresas estatais. O capitalismo do Leste Asiático baseou-se no estímulo estatal e na acumulação privada de capitais, com uma in-dustrialização vinculada às exportações. Na Coreia do Sul, imple-mentaram-se planos quinquenais, com metas, crédito bancário e política industrial. Sim, há hibridismo chinês, indiscutivelmente. Porém, o hibridismo é constituído pelas características especiais daChinacomoumgrandepaís,pelaadaptaçãodasexperiênciasde desenvolvimento econômico no Leste Asiático e pela novida-de das fortes influências, nas mais diversas esferas, dos Estados Unidos e do Ocidente.

As reformas constituíram a via chinesa. As reformas variam portipodeabordagem,ritmoeabrangência.Acadaetapa,novascontradições e novas reformas concretizam a própria reconfigu-ração do Estado chinês e o curso da dominação do capital. Esse

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processo mesclou-se com as mudanças do capitalismo no mundo, em certa medida. As relações entre a reforma do Estado e a do-minação do capital na China passaram a refletir, em determina-donível, as exigências tanto conjunturaisquantoestruturaisdocapitalismoglobalmente.Dessemodo,pode-sedizerqueaChinanãoutilizou seupoderparamudaroConsensodeWashington.Não teve esse interesse. Não se lançou a contribuir efetivamente para o desenvolvimento de outras nações periféricas em desafio e em oposição explícita e internacional às políticas de ajustamento edeneoliberalismodoFundoMonetárioInternacional,doBancoMundialedaOrganizaçãoMundialdoComércio.Émaisprovávelqueo“sistemaglobal[ouseja,ocapitalismo]modifiqueaChina”,emvezdocontrário,reconheceHarryWilliams.(2001,p.162;187)

AChinajáestáenvolvidanoprocessoregionaleinternacionalde expansão e riscos dos mercados financeiros desregulados.Dentro da lógica das reformas econômicas gerais em curso naChina, não há como escapar das pressões dos mercados financei-ros,dentroeforadopaís.Surgemproblemasamplosecomplexos.Porexemplo,em2dejulhode1997,nodiaseguinteàdevoluçãodeHongKongparaasoberaniadaChina,estourouaassimcha-mada crise asiática, a partir do ataque especulativo contra o bath, a moedadaTailândia.AespeculaçãocontraodólardeHongKongcomeçou no mesmo mês, setembro de 1997, quando se realizou o 15ºCongressodoPartidoComunistadaChina,onde sedecidiua favor da privatização massiva das empresas estatais – “reter as grandesesoltaraspequenas”.

Entretanto, a China foi o país menos afetado pela crise “asiáti-ca” de 1997 e tornou-se, naquele momento, um fator de estabilidade relativanaregião.Conseguiuevitaradesvalorizaçãodasuamoe-da e sofreu apenas uma pequena queda no fluxo de investimentos externos diretos e no ritmo das exportações no primeiro semestre de 1998. O crescimento econômico manteve-se elevado e a inflação

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baixa.TudoissofortaleceuoprestígioregionaleinternacionaldaChina.Alguns fatores favoreceram a economia chinesa em facedessacrise,asaber:afortedesvalorizaçãoantecipadadoyuan em 1994;anãoaberturadesuacontadecapital,preservandoasrestri-ções aos capitais especulativos de curto prazo, e a aceleração de suas exportações, inclusive em competição com as vendas externas de seus vizinhos. Preocupados com as fraquezas reveladas do modelo asiáticode fortepresençaestatal,nocursodacrise,osdirigentescomunistas, reunidos na sessão plenária do Comitê Central, em marçode1998,resolveramadotaralgumasmedidasdemaiorlibe-ralizaçãoeconômica.Decidiramaceleraralgumasreformasliberali-zantes nas empresas estatais e no sistema bancário, principalmente implementando asprivatizações. (LAUTARD, 1999)Masdesde asegundametadedadécadade2000,aChinacentralizouseuscon-glomeradosempresariaisestataisselecionadoseestratégicos.

Século XXI: mudança de modelo

MudançademodeloéumtemaqueanimaasdiscussõessobreaChina na década de 2010. Trata-se de uma concepção de modelo muito estreita, economicista, concentrada nas relações entre as de-mandas doméstica e externa e seu efeito sobre o crescimento eco-nômicodaChina.Exageramqueasexportaçõeseoinvestimentodireto externo teriam sido quase os únicos motivos do ritmo im-pressionante de expansão do produto interno bruto da China. A despeitodasuainquestionáveledecisivaimportância,oIDEeas exportações situaram-se em um determinado contexto histó-ricochinêseglobal,que foiespeciale favorávelaodesempenhoeconômicodaChina.A incorporaçãodogiganteasiático,desta-cando seu mercado e sua massa de força de trabalho, soou como uma benção ao terreno especificamente produtivo do capitalismo no mundo, envolto em tensões e contradições em seu dinamismo.

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E agora?Mudança demodelo? Só daChina? Na verdade, oproblemaultrapassao talmodelochinês.Acrise,deflagradaem2007-2008, nos Estados Unidos, continuará, por muito tempo, produzindomaisconstrangimentosemaistransformaçõeseconô-micas,políticasesociaisglobais.Osproblemassãodediversasna-turezas,maspertencemaomesmoquadrogeraldocapitalismodasprimeirasdécadasdoséculoXXI.Ademais,éumquadromarcadopelasdesigualdades,violênciaeintolerância.AagoniadaGrécia,o Brexit, a ascensão da extrema-direita na Europa, Estados Unidos, AméricaLatinaetc.,asguerrasinfindáveisenecessáriasaoimpe-rialismo,asmultidõesdeimigrantesperseguidos,oobscurantismodofundamentalismoreligioso,ohorrordasreformastrabalhistasem diversos países, tudo isso é manifestação da mutação do capi-talismodoséculoXXI.Éumarevanchetenebrosasobrearazão,oprogressoeademocracia.

Dopontodevistadaeconomia,oséculoXXIestácarregadodeameaças.Falamemestagnaçãosecular,eradamediocridade,mons-tro da deflação. Conforme a instituição US Conference Board, a produtividadeglobaldotrabalhocresceumedíocres2,1%em2014.(ROBERTS,2016,p.129)Antesdacrise,esseindicadorfoide2,6%entre1999e2006.NosEstadosUnidos,aprodutividaderecuoude1,2% para 0,7% de 2013 para 2014. O conjunto das economias desen-volvidas registrouapenas0,6%decrescimentodaprodutividadeem2014.Pararecuperaraeconomia,ograndecapitalapostaemno-vas rodadas de aprofundamento do neoliberalismo com privatiza-ções e cancelamento dos direitos sociais e trabalhistas. O principal movimento é a intensificação da exploração dos trabalhadores. Há movimentos, como o Tea Party nos Estados Unidos e a Frente Nacional na França, que propõem a xenofobia nacionalista com isolamentoeconômico.Muitoscobramdoschinesesmaiscomprasexternas e redução das suas exportações.

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Na verdade, a China tornou-se importante demais e influencia decisivamente a economiaglobal.O recuo relativodas importa-ções chinesas de commodities abalou o desempenho econômico na AméricaLatinaeÁfrica.Háumagradualdesaceleraçãodaprodu-tividade do trabalho na China. O assim chamado “novo normal” da economia chinesa deveria mostrar menor dependência das exportações,daconstruçãociviledosgastosgovernamentaiseminfraestrutura.MasoalargamentodoconsumonaChina,motivodegrandesexpectativasnamudançadomodelo,aindasedefrontacom a restrição do poder de compra das massas trabalhadoras mais pobres,pressionadasadicionalmentepelosgastoscomosdiversosserviços privados, como saúde, educação, além da previdência. Os saláriostriplicaramemrelaçãoaosanos2000,masmesmoas-sim os lucros cresceram ainda mais e a participação do trabalho narendadiminuiu.(ROBERTS,2016,p.260)Avalia-sequeomer-cadodetrabalhonaChinajáteriaatingidoochamadopontodeinflexãodeArthurLewis,noqualocampojánãoteriaoexceden-te ilimitado de força de trabalho pressionando para baixo os salá-rios urbanos, em prejuízo da distribuição de renda e da demanda doméstica.Éverdadequeocrescimentodossalárioschinesestematé provocado a instalação de plantas em países com salários rela-tivamentemaisbaixos,comooVietnã,masaChinaaindadispõe200milhõesdetrabalhadoresmigrantes.Oproblematorna-seex-tremamente complexo, porque ao mesmo tempo há um movimen-to de automação dos processos de trabalho, como, por exemplo, o impressionanteplanodeummilhãoderobôsnaFoxconn.

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CAPÍTULO X

Aonde vai a China?

A nova superpotência do século XXI

O patamar econômico internacional já alcançado pela China res-taurou o orgulho nacional do seu povo. Todavia, as grandiosasconquistas econômicas da nação repercutem mais positivamen-te em todos aqueles que são diretamente beneficiários da ascen-são da China, ou seja, empresários chineses do continente ou da diáspora,osburocratasdoPartido-Estadoealgunssetoresdeclas-semédia.OprojetoderesgataropapelhistóricodaChinacomograndepotênciadeprimeiraordemousuperpotêncianomundoéumadasformasdelegitimaçãodastransformaçõeseconômicasemcurso, uma das maneiras de justificar as reformas.

ParaMarie-ClaireBergère(1996,p.725),

[n]amortedeMaoZedong,aChinaqueDengher-doueraumagrandepotência,maseraumagrandepotência débil, marcada pela tarefa inacabada de sua modernização econômica, pelos arcaísmos de sua burocracia, pela instabilidade política induzida pela violência das lutas entre as facções.

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OmovimentoderesgatedaGrandeChinacontemplaapers-pectivadamaislargareunificaçãodoEstadonacionalatravés,es-pecialmente,daincorporaçãodeTaiwan,sobafórmula“umpaís,doissistemas”.Entretanto,umaestratégianacionalistaquetendeaserestringiràreconstituiçãoeprotagonismodaburguesiachinesaenfrentará inúmeros percalços na China e no mundo. As atuais condiçõesdoimperialismo–comaglobalizaçãoeconômica,afi-nanceirizaçãoeoneoliberalismo,eaindaaagressividadedocapi-tal decorrente dos ecos do colapso das experiências do socialismo real–enfatizamainviabilidadedeumaestratégiaeconômicaforte-mente centrada em uma espécie de burguesia nacional chinesa.Pode funcionar por determinado período, mas não se sustenta, sem reveses, nas condições de estruturação e funcionamento do capitalismo contemporâneo.

É preciso considerar, em primeiro lugar, que nem a própriaclasseburguesa,emformaçãodentrodaChina,teráinteresseemseaventuraremumaestratégiaeconômicaestreitamentenaciona-lista, relativamente autorreferenciada, nas atuais circunstâncias globais.Ograndecapital,dentroeforadaChina,assimilouopaíscomograndepotênciadeprimeiraordem,aprofundandoseuatualcurso de participação na economia mundial. E isso não é possí-vel semmodernização econômica segundoos termosdo capital.Assim, a transformação da economia chinesa tem de ser impul-sionadapelaglobalização,conformeoavançodocapitalnativoeestrangeiroedasmaisvariadasformasdeinternacionalizaçãodaspróprias empresas estatais, inclusive em associação com o setor privado forâneo.

Manter-se capital e voltar à China

A despeito dos estreitos vínculos com o capital estrangeiro, odesenvolvimento econômico da China não é uma repetição do

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capitalismo comprador que prosperou entre as últimas décadas do séculoXIXearevoluçãode1949,emXangai,Cantão(Guangzhou), Hong Kong e Macau. Com a revolução, os compradores fugi-ram da China continental. Estima-se que 51 milhões de chineses expatriadosdetinhamativosdeUS$2,5 trilhões, em 1996.AlémdassituaçõesdeHongKong,MacaueTaiwan,oscapitalistaschi-neses ou descendentes controlavam 81% da economia da Tailândia eCingapura,70%daIndonésia,69%naMalásiaede50%a60%nasFilipinas,conformeJamesHeartfield(2005,p.198).

Assim, para Heartfield, a economia da China, hoje, não é de-pendente. Ele tem razão ao reconhecer a vitalidade no capitalismo endógenodopaís.Umadasrazõesdessaautonomiaéqueaprin-cipal fonte de investimento externo direto são os próprios capi-talistas chineses expatriados. Os compradores estariam voltando para casa. Nesse sentido, a via de desenvolvimento seria chinesa mesmo.AndrewGlyn (2006,p. 15) chamaa atençãoparaumas-pecto muito relevante: apenas 10% do investimento domésticochinêseramdeorigemexterna(IDE)noiníciodadécadade2000.Adespeitodisso,oIDE,globalmente,temsidomuitoimportantena China. Ademais, os próprios dados oferecidos por Heartfield mostraram uma mudança extremamente rápida do IDE, a partir docrescimentomaisaceleradodoscapitaisorigináriosdasgrandespotênciasocidentaisedoJapão,comapresençadasmaisimpor-tantes empresas transnacionais.

Em2010,asfirmasdepropriedadetotalmenteestrangeiradeti-veramaparcelade56,65%dasexportaçõese26,67%dovaloradicio-nadonosprodutos exportados. (TANG;WANG;WANG, 2015,p.30)Muitasdessasempresaspertencema investidoresdeHongKong,MacaueTaiwan(HKMT).Em1997,oinvestimentodiretoexternoproveniente de partes daGrandeChina, ou seja,HongKong,Macau,TaiwaneCingapura,representaramumaparcelade54,94%emcomparaçãocomos45,06%dosEstadosUnidos,União

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EuropeiaeJapão.Em2002,noprazoexíguodeseisanos,essasci-frastrocaramdeposições:daGrandeChinaforamatraídos46,94%do total do IDE, no mesmo período de comparação, enquanto os EUA,aUEeoJapãopassaramparaaposiçãomajoritáriade53,06%.Assim, aChina é um campo emdisputa do capital estrangeiro, embora o Estado chinês conte com a ajuda desse mesmo capital forâneo para, contraditoriamente, transformar-se em uma super-potência, em prol dos seus próprios interesses nacionais.

Retórica da ascensão pacífica

“Ascensão pacífica”, é assim que a China define sua escalada na ordem internacionalno séculoXXI.AChinaprecisadepazpormuito tempo para concentrar o máximo dos esforços na busca da liderançaeconômica,tecnológicaefinanceiranomundo,semdes-curardasrelaçõesdiplomáticas.Mas,dessavez,diferentedoséculodehumilhaçãoetratadosinjustosdesdeaprimeiraguerradoópio,a China não está nem estará despreparada militar e politicamen-tediantederivais.FoiviradaapáginadoassombrosoisolamentointernacionaldaChinanoséculoXIXemtermosdeserviçosdiplo-máticos no Ocidente. Naquele século, a China foi submetida a su-cessivasinvasõesederrotasmilitaresperanteaInglaterra,aFrançaeatéoJapão,entreoutrosagressores,comperdadepartesdoterri-tório,alémdosimensossaquesatítulodeindenizaçõesdeguerra.OstratadosinjustosforamabolidosnocursodaSegundaGuerraMundialeasoberaniaeadignidadedanaçãoforamrecuperadasapartir da vitória da revolução comunista em outubro de 1949.

NoiníciodoséculoXXI,aChinajásetransformouemumagrandepotênciaeconômicaepolítica,apresentando-secomoumpolo de poder, um campo de oportunidades de investimento e um motor do crescimento da economiamundial. “A emergência daChinacomoumagrandepotência industrialeexportadora [...]é

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inquestionável”, conclui Heartfield. (2005, p. 1) A ascensão chinesa resultou em reforço, em vez de debilitamento, da economia do sis-temacapitalista.AascensãodaChinasignificou,aomesmotempo,acirramento, tanto da concorrência e das tensões comerciais quan-to das disputas diplomáticas, políticas e militares. Em paralelo com a ascensão econômica mundial do país, avança o papel da China no cenário geopolíticomundial. AChina tende a avançar paraumaposiçãodehegemoniaregionalnoLesteAsiático,anuncian-doumarelaçãocomplexacomoJapão.

AbandeiradaChinacomograndepotência,atravésdodesen-volvimentismo econômico, apresenta-se como um instrumento de mobilização e coesão política da nação. Ao mesmo tempo, essa ideologiainspiraumaespéciedeabstraçãosobrealutadeclasses.Favoreceaconstituiçãoeconsolidaçãodeumaburguesianacionalchinesa.Daídecorre,parece,aimportânciadeatraçãoeagregaçãoprecisamentedosprincipaisempresáriosdeorigemchinesa,osmaisexperienteseosmaisinfluentes,residentesemHongKong,Macau,Taiwan,Cingapura,Indonésia,Malásia,Austrália,CalifórnianosEstadosUnidos,Canadáeemtodosos lugaresporondese loca-lizou a diáspora chinesa. Além da realidade dos fatos das mudan-çaseconômicasdegrandevulto,serianecessário,nessaconcepção“nacional-desenvolvimentista-globalista”, brandir os símbolos dacivilização milenar, do poderio do Império doMeio, da GrandeChina,daterra-mãe.AChinaéodragão–gigantesco,poderoso,mas lendário, colorido, pacífico, operoso, promissor.

Com os olhos na China e no mundo

Avisãodegrandepotênciacontemplaapreservação,ofortaleci-mento e a internacionalização das chamadas empresas estatais es-tratégicase,aomesmotempo,abarcaaprivatizaçãodasinúmerasmilhares de outras firmas públicas deslocadas para as mãos da nova

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burguesiachinesaemformaçãonoContinente.Aautarquizaçãoeo isolamento econômico frustrariam inapelavelmente o desenvol-vimentismochinêseseupapeldegrandepotência,comoseperce-benocasodasnecessidadesdeprogressotécnico,viaimportaçãodetecnologiaeabsorçãodeinvestimentodiretoestrangeiro,semfalar da necessidade de influenciar nas decisões relevantes na or-dem internacional.

Paraaburguesiachinesa,semabrirmãodeseusprópriosnegó-cioseinteresses,aideologianacionalistaéetemdesercompatívelcomaassociaçãoaocapitalestrangeiroeaintegraçãoàeconomiamundial. Desde o início, a modernização esteve assentada na po-lítica de portas abertas. A abertura é um dos principais pilares das reformas. A influência ocidental, cada vez mais, perpassa os diversos terrenos da vida social na China, a despeito de todas as proclamações retumbantes, simbólicas, da preservação da especi-ficidade cultural chinesa. Essa retórica adequou-se bem ao nacio-nalismoepragmatismoprevalecentesnaconduçãodas reformaseconômicas. Independentemente das intenções e desejos do PCC, abuscadagrandezadoEstadoedanaçãonãotemsidodissociadado atropelamento dos direitos dos trabalhadores e imposição da dominação do capital. A afirmação nacional da China tem passado pela sua ascensão econômica, política e militar no mundo como a nova e efetiva superpotência.

Autoilusão

OPCC,emoutubrode2017,realizouoseu19ºCongresso.Reafir-mouomarxismo.ReiterouocarátersocialistadaChina.Assim,élegítimoalguémpensarquesenãoexistisseagrandiosidadedaChina, proclamando-se como um país dirigido por comunistas,desfraldando a bandeira vermelha da foice e do martelo, a causa do comunismo estaria em maiores e imensas dificuldades, depois

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da derrota devastadora da União Soviética. Ainda, nesse sentido, a China faz o mundo recordar da existência do marxismo e do socia-lismo.Mas,dadasascircunstânciasconcretas,éprovávelqueessasreflexõessejamenganosas,ilusórias.

Agora,agrandenovidadedoPCCéoassimchamado“pen-samentoXi Jinping”.O19ºCongressoaprovoua inscriçãodessepensamentoaoladodareferênciaao“pensamentoMaoZedong”nosEstatutosdoPCC.XifoireconduzidoparamaisummandatodecincoanosnapresidênciadaChina,alémdasecretariageraldoPCCepresidênciadaComissãoMilitar.OdiscursodeXiémaisassertivo em entusiasmo e confiança na futura superioridade da China na economia e na ordem internacional. Enfatiza a crucial importância da redução das desigualdades sociais. Demonstraengajamentonocombateàpoluiçãoedefesadomeioambiente.Ataca duramente a corrupção. Declara abertamente o supremo e incontestável poder e direção do PCC em todos os terrenos da vida política, econômica e social da China. Dedica-se à defesa de maior fortalecimento militar do país. Desenvolve intensa atividade política juntoadiversossegmentosdentrodopaíseemmissõesinternacionais. Propõe que a globalização sejamais aberta,maisequilibrada e mais justa para todos, como uma retórica curiosa, comosefossepanglossiana,emquenãoaparecemconflitossociaiseabalosnocapitalismoetodosganham.

No governoXi, entre 2013 e 2016, aChina teve crescimentoeconômico de 7,2%, contribuindo em 30% para o crescimento da economia mundial no período. No balanço desses quatro anos, a imprensachinesadivulgaumnúmeroimpressionantede360refor-masqueresultaramem1500medidasdegoverno.Háumagrandeprioridade para a Initiative One Belt, One Road, que promoverá de-mandaexternaparaacapacidadeociosadealgunssetoresindus-triais da China e contribuirá para o aumento da projeção política chinesanomundo.O19ºCongressoaprovouametadecompletar

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em 2020 a construção da China como uma sociedade moderada-mente próspera. Proclama-se que em 2035 a modernização socialis-ta estará fundamentalmente completada. Deseja-se que, de 2035 até 2050, a China deve se tornar um país socialista, com prosperida-de, força, democracia, cultura avançada. A partir de 2018, durante 15 anos,colocou-seametadeatraçãode2 trilhõesdedólaresdeinvestimento direto externo na China e também US$ 2 trilhões de investimento chineses no exterior.

Porqueo fatorXi agora?Houveumaclara tomadade cons-ciênciadoslíderesdoPCC,apartirdogovernodopresidenteHuJintao,sobreaestruturaçãodeantagonismosfundamentaisentreclassessociais,aoladodasgrandesvitóriaseconômicasdodesen-volvimentismo.ÉclaroquenemHuJintaonemXiJinpingvãodis-corrersobreisso.Aocontrário,ograndeslogan de Hu era sociedade harmoniosa.As atenções dos dirigentes comunistas voltaram-semais para as desigualdades sociais e aumentaram as referênciasao marxismo. Portanto, os limites e as contradições da corrida de-senvolvimentista associados aos desafios do futuro são a causa do surgimentodeumconjuntodeelementosnovose integradosnavidapolíticadaChinanoséculoXXI,como:odiscursodeXicujocerneéaChinacomoanovasuperpotência;anecessidadedequa-secomeçodocultodapersonalidadedopresidenteXi;aexaltaçãodopapelincontestáveldoPCCedosmilitares;orelançamentodaeconomiacomatençãoredobradaàsdesigualdadessociaiseregio-naiseaomeioambiente;asaliançasgeopolíticas,sobretudocomaRússia;areconfiguraçãodadançadeconflitoecooperaçãocomosEstadosUnidos;aretóricanasrelaçõesinternacionaisdepazeganhosparatodos.

AnovacenapolíticadaChina,comopresidenteXi,mostraque os líderes chineses, compulsoriamente, estão se defrontando com os limites, as contradições e os perigos que se aproximamcomograndecapitaldentrodecasa.Osefeitosdaformaçãoem

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processo de poderosíssima classe de capitalistas chineses, com ne-góciosdegigantescacentralizaçãodecapitais,transbordam,poucoapouco,daeconomiaparaapolítica,aideologia,acultura.Ascon-tradiçõessociaissãodenunciadaspelasgritantesdesigualdadesderenda e riqueza.

OPartidoComunistaChinêsreiteraenfaticamenteavigênciadomarxismo-leninismoemsuaorientaçãogeral. Insisteempro-clamarosocialismonaChina.MasoPCCparece,naverdade,queestásendoconstrangidoaserumseguidordeumaideologianacio-nal-desenvolvimentistaatualizadaparaostemposdaglobalização.AChinaconseguiurealizaraimportantetarefadonacional-desen-volvimentismo como uma etapa da modernização econômica, com a acumulação extensiva, superando os atrasos na infraestrutura, industrializaçãoeurbanização.Masosproblemasagoratornam-se,provavelmente, mais difíceis em razão dos desafios da assim cha-madaacumulaçãointensiva,dastransformaçõestecnológicas,dacorrosão da sociedade dividida em classes sociais mais nítidas e polarizadas, dos limites ambientais e das novas formas das tensões internacionais a partir dos Estados Unidos

Ogigantismoeo inexorável funcionamentodoscapitaischi-nesesjáimpuserametendemaintensificaranecessidadeorgânicae histórica de mais mercados, mais lucros e mais acumulação, com penetração em todo o mundo, com estruturais impactos políticos esociais.Sãoatingidasasasdimensõeseconômicasmaisdiversas,desde o comércio, a tecnologia e inovação, os recursos naturais,a força de trabalho e as finanças, inclusive a típica exportação de capitais. Isso é própriodo grande capital, a partir deuma super-potência,sobretudonascondiçõesdocapitalismodoséculoXXI.Tendem a crescer as acusações de imperialismo nas relações eco-nômicas internacionais dos capitais chineses já fortemente concen-trados e poderosos, que ainda contam com as políticas expansio-nistas do Estado chinês, a exemplo da Initiative One Belt, One Road.

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Entre 2003e2017,oscapitaischineses,sobretudoestatais,usurpa-ramnoBrasilprincipalmenteempresaseáreasdeenergia,óleoegás,inclusivecamposdopré-sal,emineração,comapenas11%emprojetosnovos.(FERNANDES;WARTH,2018)OBrasilconstruiuempresasedesenvolveutecnologiasqueagoraforamaçambarcadaspelos interesses estratégicos do imperialismo chinês em prejuízoda soberania nacional brasileira. Ademais, os capitais chineses não podem escapar dos conflitos interimperialistas entre os Estados Unidos, em defensiva, e da China, em ofensiva, pela liderança e controle de tecnologia, produção, comércio e finanças, além deproblemas políticos, como tem demonstrado a guerra comercial,comelevaçãodetarifas,deflagradapelogovernoTrumpem2018.

Aqui, por fim, vale lembrar a famosa advertência de Marx:“Os homensfazemasuaprópriahistória,masnãoafazemsegundoa sua livre vontade”. Há o peso das condições da realidade social. Os homens do PCC podem desejar fazer a história do socialismo na China.Mas,dadasascircunstânciaseconômicasesociaisconcretase as condições espirituais e culturais da China, parece que os líde-resdoPCCseenredamemilusõesaofalaremsocialismo.Éconfu-saainterpretaçãopolíticadoslídereschinesesemfacedasgrandesvitórias da modernização econômica, da redução da pobreza e do construído consentimento do povo. Estatização não é socialização dos meios de produção. De fato, os trabalhadores não têm contro-le da produção (com mediações e sem voluntarismo, claro) nem do poderpolítico–comliberdadeselegalidade,inclusiveinstituiçõesda democracia representativa, claro. Há uma corrosão social já em curso, em decorrência da restauração capitalista, em sentido objeti-voesubjetivo,quejáseinsinuouesepropaganointeriordasocie-dadechinesa.Mas,adespeitodosatuaisretrocessossistêmicosnosentidodosocialismo,arespostaàquestão Aonde vai a China? nãoestá predeterminada. O próprio Estado chinês, tão decisivo na as-censão do país, não é onipotente, não é portador de capacidade e

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neutralidade técnicas, não tem trajetória linear, não é monolítico, não pode deixar de ser condicionado pelas relações de produção e lutas de classes. A nova e imensa classe trabalhadora chinesa tem dado inúmeras provas de capacidade de luta. Na China, diferen-tementedeoutroslugares,nãofoiapagadocompletamenteolega-do do passado revolucionário. A evolução da sociedade chinesa e ascontradiçõesdocapitalismodoséculoXXIdeixamemabertoofuturodessanaçãodeimportânciaestratégicanomundo.Hoje,jáchegouàChina,comoatestamasdiscussõessobreajustesdomo-delo econômico, o curso necessário da dinâmica capitalista turbu-lenta, através da articulação entre sobreacumulação, superprodu-ção, capacidade produtiva ociosa e pressões sobre os lucros, com seus impactos políticos e sociais.

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Lista de abreviaturas e siglas

ACFTU Federação dos Sindicatos da China, ou central sindical (All-China Federation of Trade Unions)

ACS Academia de Ciências Sociais

ADB Banco de Desenvolvimento da Ásia

ASEAN Associação de Nações do Sudeste Asiático

ANZ Grupo Bancário Austrália & Nova Zelândia

BDAC Banco de Desenvolvimento Agrícola da China

BM ou WB Banco Mundial (World Bank)

CBRC Comissão Reguladora Bancária da China (China Banking Regulatory Comission)

CEDR Comissão Estatal para o Desenvolvimento e a Reforma

CG Coeficiente de Gini

CNY Moeda nacional da China: yuan (ou renminbi)

CNP ou CP ou ANP

Congresso Nacional do Povo (também chamado Congresso do Povo ou Assembleia Nacional Popular)

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FIEs Empresas estrangeiras (foreign investment enterprises)

FMI Fundo Monetário Internacional

GRCP Grande Revolução Cultural Proletária

HPFs Agências de Financiamento da Habitação (Housing Provident Funds)

Hukou Sistema de registro do domicílio

IDE ou FDI Investimento direto estrangeiro (foreign direct investiment)

CFC ou IFC Corporação Financeira Internacional, subsidiária do Banco Mundial

NEI Nova Economia Institucional

NEP Nova Política Econômica

NME Economia não mercantil (non-market economy)

OCDE ou OECD Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OMC ou WTO Organização Mundial do Comércio

ONU Organização das Nações Unidas

PCC ou PCCH Partido Comunista da China

P&D Pesquisa e desenvolvimento

RLCL Lei de contratação de terra rural (rural land contracting law)

SASAC Administração Supervisora dos Ativos Estatais (State-Owned Asset Supervision Administration)

SEZs ou ESZs Zonas econômicas especiais (special economic zones ou economic special zones)

SOEs Empresas estatais (state-owned entreprises)

TINA “Não há alternativa (ao neoliberalismo)” (there is no alternative)

TINNFA “Não há necessidade de alternativa (ao capitalismo)” (there is no need for an alternative)

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TVEs Empresas de municípios e aldeias (township and village entreprises)

UBS Union Bank Switzerland

UNCTAD Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento

USP Unidades de serviço público (shiye danwei)

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