24
CELEBRAR OUTUBRO, PROBLEMATIZANDO. Muniz Ferreira * Antes mesmo que o movimento dos Annales desencadeasse uma profícua renovação historiográfica através da crítica ao caráter factual, descritivo, elitista e personalista vigente na historiografia dos finais do século XIX e princípios do século XX, tal abordagem já havia sido colocada em cheque pela tradição marxista. Desde os esboços de interpretação histórica ensaiados pelos jovens Marx e Engels em escritos como A Ideologia Alemã e o Manifesto Comunista, passando por obras maduras como o Dezoito Brumário de Luiz Bonaparte e os estudos engelsianos sobre as Guerras Camponesas na Alemanha, uma perspectiva metodológica e analítica perpassou toda a tradição em seus primeiros tempos: a que assinalava as classes sociais e suas lutas como motores fundamentais dos processos históricos e políticos e as classes revolucionárias como protagonistas das grandes transformações econômicas e sociais. Tal perspectiva não negava ou neutralizava a importância das personalidades individuais nos processos históricos, apenas condicionava a ação dos indivíduos no marco de uma realidade histórico-social preestabelecida pela ação de outros fatores objetivos sobre os quais, os atos individuais exerciam uma influência relativa. Uma * Professor de História Contemporânea da Universidade Federal da Bahia

FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Texto do professor Muniz Ferreira.

Citation preview

Page 1: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

CELEBRAR OUTUBRO, PROBLEMATIZANDO.

Muniz Ferreira*

Antes mesmo que o movimento dos Annales desencadeasse uma profícua

renovação historiográfica através da crítica ao caráter factual, descritivo, elitista e

personalista vigente na historiografia dos finais do século XIX e princípios do século

XX, tal abordagem já havia sido colocada em cheque pela tradição marxista. Desde os

esboços de interpretação histórica ensaiados pelos jovens Marx e Engels em escritos

como A Ideologia Alemã e o Manifesto Comunista, passando por obras maduras

como o Dezoito Brumário de Luiz Bonaparte e os estudos engelsianos sobre as

Guerras Camponesas na Alemanha, uma perspectiva metodológica e analítica

perpassou toda a tradição em seus primeiros tempos: a que assinalava as classes sociais

e suas lutas como motores fundamentais dos processos históricos e políticos e as classes

revolucionárias como protagonistas das grandes transformações econômicas e sociais.

Tal perspectiva não negava ou neutralizava a importância das personalidades

individuais nos processos históricos, apenas condicionava a ação dos indivíduos no

marco de uma realidade histórico-social preestabelecida pela ação de outros fatores

objetivos sobre os quais, os atos individuais exerciam uma influência relativa. Uma

caracterização sintética desta proposição pode ser encontrada na célebre definição

marxiana, segundo a qual,

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstancias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.1

Tal premissa metodológica, incorporada, desde longa data, ao esforço

interpretativo dos historiadores marxistas e demais analistas adeptos das abordagens

histórico-dialéticas, tem constituído uma alternativa fértil à compreensão da história

como emanação do gênio dos grandes personagens ou o resultado arbitrário dos

desígnios de indivíduos privilegiados.

* Professor de História Contemporânea da Universidade Federal da Bahia 1 Cf. Marx, Karl. O Dezoito Brumário de Luiz Bonaparte. São Paulo, Abril, 1978, Col. Os Pensadores, p.329.

Page 2: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

Entendo que a adoção de um enfoque analítico apoiado no método desenvolvido

por Marx e Engels deve nos conduzir à busca da compreensão de grandes processos

históricos, como aqueles nucleados pelo outubro russo de 1917, a partir do papel

desempenhado pelos atores sociais coletivos, ao invés da performance individual das

grandes lideranças revolucionárias. O que não implica, vale dizer, em eliminar o

registro da participação destes naquele grande drama histórico, mas simplesmente

inseri-los no âmbito geral do movimento das grandes forças políticas e sociais

envolvidas.

Coerente com tal concepção, tomo como ponto de partida uma premissa

fundamental: os grandes protagonistas do outubro revolucionário russo foram as massas

revolucionárias daquele povo, cujo suporte central foi a aliança operário-camponesa,

expressa organicamente no papel desempenhado pelos conselhos (sovietes) de

operários, camponeses e soldados.

Admiti-lo significa recuperar, para a análise histórica, um componente

habitualmente eludido na historiografia oficial soviética e também nas narrativas

históricas produzidas por certas tendências marxistas alternativas, a saber, o peso da

espontaneidade popular no processo revolucionário russo. Evocar tal dimensão nos

remete aos primórdios da insurgência das massas russas no século XX, às emblemáticas

jornadas de 1905, inesperadas e imprevistas pelas principais formações político-

partidárias da esquerda daquele país, mas sobre a qual estas se atiraram ansiosamente,

buscando apreender e liderar a novidade revolucionária inventada pelo povo da Rússia,

a organização dos conselhos. Esta espontaneidade primordial encontrou suas

manifestações discursivas mais significativas nos dísticos vocalizados pelas massas

populares e as lideranças revolucionárias nos momentos fundamentais da crise que

precedeu a ruptura revolucionária de outubro de 1917: “paz, pão e terra” e “todo o poder

aos sovietes”.

Perceba-se que as palavras de ordem que mais empolgaram o operariado e o

povo não se encontravam inscritas nos programas e nem integravam o repertório

programático da esquerda socialista russa. Por esta razão, não aludiam expressamente à

superação histórica do capitalismo, ao desencadeamento da transição socialista mundial

ou a outra modalidade de exercício do poder revolucionário que não fosse a democracia

dos conselhos. Como não perceber, nesta rica experiência, os traços dos projetos de

autogestão das massas e organização política federalista e autônoma, tão característicos

Page 3: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

da primeira revolução proletária da história, a Comuna de Paris? Como não relacioná-la

às proposições libertárias, por sinal, efetivamente presentes na constelação

revolucionária russa de 1917, como nos apontam os relatos de Volin2 e Makhnó3? Cabe

a observação de que, o mesmo espírito auto-gestionário, autonomista e libertário que

levou Marx, com sua acuidade analítica, a requalificar seu conceito de ditadura do

proletariado em 1871, também contribuiu para que o Lênin de 1917, ainda que de

forma conjuntural, também redefinisse o seu, como pode ser comprovado através da

leitura de O Estado e a Revolução.

Com a assimilação da original experiência dos sovietes pela esquerda socialista

russa, suas principais formações se perfilariam, com o tempo, entre os grandes

construtores deste novo sistema de poder ou contra-poder revolucionário, produzindo,

destarte, a combinação do impulso espontâneo das massas com o patrimônio

organizativo e contra-hegemônico dos partidos socialistas. Falo conscientemente em

partidos, no plural, em lugar de partido, no singular, de modo a enfatizar a contribuição

comum, embora não consensual nem convergente, aportada por bolcheviques,

2 Vsevolod Mikhailovitch Eichenbaum (1882-1945). Intelectual e militante anarquista russo. Ainda estudante participou dos acontecimentos revolucionários de 1905 em São Petersburgo, como integrante do Partido Socialista Revolucionário. Refugiou-se na França em 1907, onde rompeu com os esseristas e aderiu aos grupos de emigrados anarquistas russos. Retornou ao seu país de origem após o triunfo da Revolução de Fevereiro de 1917, atuando ativamente na imprensa anarco-sindicalista e junto ao soviete de Bobrov. Redigiu, por esta época uma “Síntese Anarquista”, que pretendia reunificar as concepções sindicalista, comunista e individualista, vistas por ele como três aspectos do pensamento anarquista. Em 1919 participou de um movimento insurrecional contra o governo bolchevique, sendo detido e mais uma vez enviado ao exílio na Alemanha e na França. Em seu segundo desterro francês colaborou com a imprensa anarquista espanhola, como redator do periódico em língua francesa “L’Espagne Antifasciste”. Faleceu em Paris no dia 15 de setembro de 1945. 3 Nestor Ivanovitch Makhnó (1888-1934). Organizador político e comandante militar anarquista, nasceu em uma família camponesa na aldeia ucraniana de Hulyai Pole. Após a Revolução de 1905 aderiu a um agrupamento anarquista clandestino, participando de atos de expropriação e justiçamento de agentes repressivos. Preso em 1907, acabou absolvido por falta de provas. Já em 1908 sofreu nova captura que lhe acarretou uma condenação à morte, posteriormente comutada em prisão perpétua em 1910. Libertado dos cárceres do tzar pela Revolução de fevereiro de 1917, retornou à sua Ucrânia natal, onde teve atuação destacada na organização de operários e camponeses ucranianos e , mais uma vez, na expropriação das riquezas dos latifundiários e capitalistas. Após a assinatura dos acordos de Brest-Litovsky, Makhnó se engajou na luta armada de resistência contra a ocupação da Ucrânia pelos exércitos austríacos e alemães. Na ocasião estabeleceu uma frágil coalizão com o Exército Vermelho bolchevique, rompida imeidatamente após a expulsão dos exércitos contra-revolucionários do território ucraniano. A Confederação dos Grupos Anarquistas, organizada sob sua liderança rejeitava a organização de partidos políticos, negava todas as formas de estado e de ditadura (inclusive a do proletariado), recusava a necessidade de qualquer período de transição, advogando a auto-gestão operária e a organização dos conselhos operários autônomos. Após cerca de três anos de resistência militar contra as tropas de ocupação germânicas, os exércitos brancos e o Exército Vermelho bolchevique, o exército negro de Makhnó foi derrotado e obrigado e se refugiar na Romênia. Hostilizado pelo governo daquele país, rumou para a França, onde permaneceria até sua morte por tuberculose em 25 de julho de 1934.

Page 4: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

esseristas4 e mencheviques5 – particularmente as alas esquerdas destas duas últimas

formações políticas – à transformação dos sovietes em uma alternativa de poder na

Rússia de 1917. Lembremo-nos que os atributos revolucionários dos sovietes nos

termos antes mencionados recebera o reconhecimento de Lênin, que lhes concedera um

posto central em suas teorizações sobre a democracia revolucionária e a ditadura do

proletariado. Tal reconhecimento antecedeu o exercício da liderança política

bolchevique sobre os conselhos. Recordemo-nos também que os bolcheviques só

alcançaram uma posição majoritária no Congresso Pan Russo dos Sovietes às vésperas

da insurreição de outubro e através de coalizão com mencheviques e esseristas de

esquerda. Recuperemos o fato de que a derrubada do governo provisório e a tomada do

Palácio de Inverno, conquanto efetivadas pela comissão militar bolchevique e à revelia

da decisão do II Congresso Pan Russo dos sovietes, foi realizada em nome destes. O

novo poder político cristalizado em seguida foi adjetivado como soviético em lugar de

socialista ou bolchevique como vários de nós nos acostumamos a imaginar.

Outubro não é, portanto, um empreendimento puramente bolchevique como se

convencionou dizer, porém soviético e desta maneira é também uma realização dos

socialistas revolucionários e social-democratas de esquerda (mencheviques), para não

dizer da contribuição dos libertários àquele triunfo, particularmente na Ucrânia.

4 As origens dos esseristas russos remontam às últimas três décadas do século XIX, marcadas pela intensificação das ações de grupos de oposição à autocracia tzarista. Entre os vários grupos de democratas-revolucionários, libertários e as primeiras organizações marxistas, destacava-se uma vertente que tinha no terrorismo político uma marca destacada de sua atividade. Outra de suas característica era a defesa da idéia de que a regeneração da Rússia passava pela adoção de um sistema de organização socialista baseado na exploração comum da terra, tal como verificado na experiência da comuna agrária russa, o mir. O que significava que, para eles, a Rússia poderia evoluir em direção ao socialismo, sem a necessidade do desenvolvimento das relações capitalistas no país. O mais importante agrupamento desta vertente chamava-se A Vontade do Povo (Norodnaia Vólia, em russo). Deriva desta nomenclatura a designação “partidários do povo” ou “populistas” (em russo narodniks). Em 1901, os diferentes agrupamentos narodniks espalhados pelo território russo decidiram se unir em um único partido, ao qual denominaram Partido Socialista Revolucionário (Partija Socialistov-Revoliucionerov, literalmente, Partido dos Socialistas Revolucionários), ficando a partir de então conhecidos como “esseristas” ou SR. Identificando no campesinato a força motriz da revolução russa, os esseristas se tornariam, nos anos que antecederam as revoluções russas de 1917, a força de esquerda com maior enraizamento junto às massas do campo. Entre os meses de fevereiro e outubro de 1917 o partido se dividiu: uma ala aderindo aos bolcheviques e outra participando do governo provisório. 5 Mencheviques e bolcheviques, como se sabe, eram duas vertentes da social-democracia russa. Divididos politicamente quando do segundo congresso do Partido Operário Social Democrata Russo, em 1903, em razão de uma polêmica a respeito dos estatutos, separar-se-iam organicamente em 1912, sem, contudo abdicarem do uso da mesma denominação partidária. Nos dias que antecederam à insurreição armada protagonizada pelos bolcheviques, uma fração de esquerda do POSDR (menchevique) se aliou ao POSDR (bolchevique). Após o fechamento da Assembléia Constituinte pelos bolcheviques, em 1918, os mencheviques se reunificaram politicamente, convertendo-se em uma força de oposição ao governo dominado pelos bolcheviques.

Page 5: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

Concretizada a vitória da sublevação revolucionária com grande apoio de massa

e sancionada pelos sovietes, inaugurou-se uma nova conjuntura histórica. Neste novo

momento, o desafio da continuidade e aprofundamento do processo revolucionário

deveria equacionar as dificuldades decorrentes da intervenção estrangeira e da guerra

civil, além da tarefa de consolidar e preservar a aliança operário-camponesa. A

impossibilidade de obter o consenso em torno das respostas aos dilemas colocados

abalou, antes de tudo, a própria unidade bolchevique. Incidentes como a divergência

acerca do acordo de paz de Brest-Litovsky6 exibiria as divisões entre os próprios

partidários de Lênin, ensejando a adoção de medidas discricionárias internas como a

proibição da formação de frações e o recrudescimento dos processos de centralização

das decisões no seio da organização partidária. Porém, no âmbito das relações com as

demais formações da esquerda russa, as implicações seriam piores.

A percepção da magnitude das ameaças externas e internas à consolidação do

governo revolucionário, a redescoberta da maciça presença de esseristas e

mencheviques no movimento dos sovietes e a votação minoritária dos bolcheviques na

composição da Assembléia Constituinte levaram à adoção de medidas persecutórias e

repressivas contra os próprios aliados da véspera. Como resultado, tivemos a dissolução

da Assembléia Constituinte em janeiro de 1918, o afastamento dos socialistas

revolucionários de esquerda do governo, a interrupção do apoio que estes e os

mencheviques de esquerda concediam ao governo e finalmente a expulsão de

mencheviques e esseristas dos sovietes.

O resultado prático destas iniciativas restritivas ao exercício da democracia

revolucionária na Rússia pós-outubro foi a corrosão do consenso político no interior do

partido bolchevique e do campo revolucionário. Processo assinalado de forma

emblemática pela constituição da chamada “oposição operária”, encabeçada por

personalidades representativas da política bolchevique, como Alexandra Kollontai e

Nikolai Bukharin, e marcada dramaticamente pela sangrenta repressão ao soviete de

Kronstadt. Por mais que tais iniciativas fossem compreendidas pelos lideres 6 Acordo de paz entre a governo revolucionário russo e o Império Alemã, o que concretizava a saída da Rússia da guerra, tal como prometido pelos bolcheviques em atendimento às demandas das massas populares russas. Tal acordo cedia grandes extensões de terra do antigo império czarista ao império alemão, inclusive boa parte da Ucrânia, sendo, por isto, motivo de intensas controvérsias no interior do partido bolchevique e do governo soviético. Descontentes com sua assinatura, os esseristas de esquerda retiraram seu apoio ao governo e assassinaram o embaixador alemão em Moscou, o que determinou sua colocação na ilegalidade e a adoção de medidas repressivas pelas autoridades do estado russo.

Page 6: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

bolcheviques mais comprometidos com o projeto da democracia revolucionária como

emergenciais e transitórias na época, tornar-se-iam as primeiras manifestações de um

processo, no curso do qual, a ditadura dos sovietes seria substituída pela ditadura do

partido. O esvaziamento do fator principal da democracia revolucionária ensejaria o

desenvolvimento de tendências crescentemente despóticas e autocráticas na Rússia

Revolucionária e na União Soviética. Seu momento culminante seria atingido sob a

vigência do sistema de poder encabeçado por Stalin.

O deslocamento do eixo do processo revolucionário da esfera de atuação dos

sovietes para o terreno, em cujo interior o partido exercia sua autoridade produziu

conseqüências políticas e culturais. Se, no terreno da política, abortou o processo de

desenvolvimento, pela primeira vez na história da Rússia, de uma autêntica experiência

democrática, no âmbito cultural propiciou graves distorções nos processos de produção

da memória e nas narrativas históricas sobre outubro. Anarquistas, esseristas e

mencheviques foram estigmatizados, quando não expurgados dos relatos oficiais sobre

o evento revolucionário russo e seus desdobramentos, e a performance dos partidários

de Lênin passou a ser apresentada como a única efetivamente relevante e, por

conseguinte, definidora da designação do evento que se consumou em outubro: a

Revolução Bolchevique.

Na historiografia apologética que se produziu na União Soviética e também em

certas narrativas alternativas de reivindicação marxista-leninista, elaboradas fora dela, a

objetividade histórica cedeu lugar à polêmica política. Abjurando-se e desqualificando-

se mutuamente como atores histórico-revolucionários, os porta-vozes da historiografia

marxista militante convergiram, contudo, em um mesmo ponto: o tratamento conferido

aos anarquistas, SR e mencheviques, as vertentes derrotadas da esquerda socialista

russa.

Uma reposição histórica pautada na objetividade dialética e na honestidade

histórico-política deverá, necessariamente, reconhecer que mencheviques e esseristas

são co-autores, juntamente com bolcheviques e libertários, do ano revolucionário russo

de 1917. Pois, para além de sua contribuição à derrubada da autocracia tsarista em

fevereiro/março de 17 e sua contribuição à formação e desenvolvimento dos conselhos

operários, personagens emblemáticos desta vertente da social-democracia russa, como

Page 7: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

Plekhanov7 e Martov8, são parte incontornável da história das revoluções na Rússia. O

primeiro, como um dos principais responsáveis pela introdução do marxismo no país; o

segundo, na luta pela criação do Partido Operário Social Democrata Russo, juntamente

com Lênin, até a ruptura entre os dois no Congresso de 1903. Adversários primordiais

dos bolcheviques no seio da esquerda russa, os mencheviques notabilizaram-se também

pelo apego à idéia de que a realização dos objetivos da política socialista na Rússia

requeria um intenso processo de educação das massas na experiência democrática como

forma de superar o legado do despotismo czarista sobre o imaginário e cultura das

massas russas. O estabelecimento da autocracia estaliniana, de certa forma, confirmou

suas apreensões. Foram eles os primeiros a prever, já em 1922, um “final bonapartista”

para a ditadura bolchevique.

Os esseristas, como herdeiros das tradições do populismo russo, constituíram

uma das cristalizações da tendência à valorização do fator subjetivo no processo

revolucionário − recuperada e desenvolvida por Lênin em sua teoria do partido

revolucionário −, em franca contraposição às concepções economicistas, evolucionistas

e deterministas existentes tanto na esquerda socialista russa quanto internacional.

Ademais, provém do populismo russo a formulação da idéia de que a Rússia,

econômica, política e socialmente atrasada em relação aos países capitalistas do

ocidente, poderia ser o ponto de partida do processo de transformações socialistas

naquele continente. Tal proposição, apresentada a Marx e Engels pela intelectualidade

7 Georg PLEKHÁNOV (1856-1918), Um dos principais teóricos e propagandistas do marxismo, Plekhánov fundou o primeiro grupo marxista da Rússia, em 1883, o Emancipação do Trabalho. Considerado o pai do marxismo russo, foi perseguido pelo czarismo e esteve exilado por diversos anos. Plekhánov também lutou contra o anarquismo e o terrorismo. Lênin, o chamava de “o pai do marxismo russo” e considerava sua obra o que existia de melhor no campo da filosofia do marxismo e do materialismo histórico. Adepto da corrente majoritária no POSDR (menchevique), Plekhánov se opôs a conquista do poder pelos bolcheviques russos. Um decreto assinado por Lênin logo após o triunfo revolucionário de outubro, assegurava a inviolabilidade da pessoa e dos bens deste destacado social-democrata russo. Faleceu em Moscou em 1918. 8 Yuli Osipovich Tsederbaum (1873-1923), Nasceu em istambul (Turquia), em uma familia de classe média russa na emigração. Foi um fundadores, juntamente com Lenin, do Partido Operário Social Democrata Russo. Rompeu politicamente com Lenin, quando do II Congresso do POSDR em 1903, sendo o propositor do item dos estatutos que provocaria a cisão entre mencheviques e bolcheviques. Nos anos seguintes, se tornaria uma das lideranças mais destacadas da tendência menchevique da social-democracia russa ao lado de nomes como Plekhanov, Dan e Tseretelli. Embora tenha se oposto a decisão do governo provisório integrado por seu partido de manter a Rússia na guerra, não apoiou a derrubada do mesmo pelos bolcheviques. Liderou a oposição menchevique na Assembléia Constituinte durante seu curto período do funcionamento. Apesar de haver apoiado as ações do exército vermelho contra os exércitos brancos durante a guerra civil não conseguiu reverter sua marginalização política. Antipatizado por Trotsky e outras lideranças do estado, seguiu para o exílio na Alemanha em 1920, de onde passou a redigir o Mensageiro Socialista, que seria o jornal oficial dos mencheviques no exílio por vários anos. Faleceu em 1923.

Page 8: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

populista russa do final do século XIX e assimilada por eles em seus últimos anos de

vida, seria recuperada, reciclada e atualizada por Lênin.

Através da defesa da posição de que uma revolução na Rússia, entendida por

Lenin como o elo mais fraco da cadeia imperialista, poderia deflagrar um ciclo de

revoluções proletárias no continente europeu, o líder bolchevique desafiaria as posições

marxistas mais ortodoxas, as quais asseveravam que uma revolução protagonizada pelas

classes subalternas não poderia ter lugar na Rússia camponesa e retardatária.

O débito de Lênin para com os esseristas adquire dimensão mais visível na

formulação da solução lenineana da questão agrária. Já foi observado que o

deslocamento lenineano frente à descrença cultivada pela social-democracia ocidental

em relação às potencialidades revolucionárias das massas do campo e a defesa

intransigente por ele do valor revolucionário da aliança operário-camponesa deve-se,

em grande medida, à influência narodniki-esserista sobre o seu pensamento. Em termos

mais objetivos, para Lênin a concretização de tal aliança realizar-se-ia no terreno da

política através da coalizão entre o partido bolchevique e a esquerda do Partido

Socialista Revolucionário e o processo pelo qual se realizaria seria a assimilação, pelos

bolcheviques, do programa agrário dos SR, que previa a entrega da terra aos

camponeses russos. Posição claramente distinta dos projetos da social-democracia

ocidental de socialização ou cooperativização imediata da terra no processo de transição

socialista à revelia das aspirações dos pequenos e médios proprietários rurais de acesso

à propriedade individual da terra.

A opção pela NEP, a partir de 1922, representou a confirmação, por Lênin, do

projeto de construção da aliança operário-camponesa através do reconhecimento do

direito do camponês à exploração privada da terra, livre das requisições forçadas e do

controle, pelo estado, do sistema de comercialização da produção agrícola,

característicos dos anos do “comunismo de guerra”. Mas significou também, de certa

forma, o reconhecimento, por parte do principal líder bolchevique e seus colaboradores

mais próximos, da pertinência das apreensões disseminadas na social-democracia russa

e internacional acerca da existência de obstáculos insuperáveis antepostos pelo atraso

russo à aceleração das transformações socialistas no país, no contexto do fracasso das

revoluções proletárias da Europa ocidental. Tal reconhecimento convalida, em certa

medida, as objeções mencheviques quanto à maturidade da Rússia para servir como

Page 9: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

ponto de partida para as transformações socialistas no plano internacional e suas

apreensões quanto ao risco de se “queimar etapas” no processo revolucionário russo.

O famoso “passo para traz” representado pela NEP, segundo a formulação

lenineana, visava, além dos objetivos antes mencionados, desenvolver a base material

(fator objetivo) necessária ao posterior processo de retomada da construção socialista na

Rússia, o qual, segundo o próprio Lênin, apenas se completaria com o triunfo das

revoluções no ocidente.

Com efeito, a oposição menchevique fora a primeira força política russa a

formular expressamente uma crítica contundente às medidas econômicas draconianas

conhecidas como “comunismo de guerra” desde o imediato pós-outubro e através dos

anos da guerra civil (1918-1921). Um de seus principais líderes Fedor Illitch Dan

(1871-1949) em seu discurso no VIII Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia

(dezembro de 1920), caracterizara o “comunismo de guerra como uma “guerra civil

contra os camponeses”, insistindo na necessidade de interrompê-la e iniciar a

reconstrução da indústria (capitalista), destruída pela guerra9. Segundo André Liebich

tais críticas,

“(...) se fundamentavam essencialmente em uma caracterização do regime

soviético como ‘utópico’, referindo-se tanto à tentativa de impor o socialismo em um

país atrasado e abalado pela guerra, como à tentativa de governá-lo com uma minoria

revolucionária, em oposição à esmagadora maioria da população, incluídos muitos

proletários conscientes”10.

O corolário político lógico dos sucessos antes mencionados seria a restauração

do direito de atuação legal de mencheviques e esseristas, enquanto participantes

secundários da obra de construção do estado soviético e de instauração das bases das

futuras transformações socialistas. Desafio que Lênin, não obstante a honestidade

revolucionária e o espírito autocrítico manifestos na ocasião, não se dispôs a enfrentar.

Ainda segundo André Liebich,

“(...) Os mencheviques esperavam que a nova política econômica fosse

acompanhada por algumas medidas de liberalização em relação aos outros partidos ou

aos sindicatos e sovietes. A NEP econômica não dá lugar, contudo a uma NEP política.

9 Cf. Liebich, André. “Os mencheviques diante da construção da URSS”, in Hobsbawn, Eric J. (org.). História do Marxismo, vol. 7.Tradução de C. N. Coutinho, L. S. Henriques e A. R. Coutinho, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. 10 Idem, pág. 347.

Page 10: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

Ao contrário, os mencheviques são obrigados à ilegalidade total e o controle

bolchevique sobre a vida do país torna-se ainda mais rígido. Os mencheviques,

desiludidos da esperança de serem reconhecidos – pelo menos tacitamente – como uma

espécie de oposição legal, encontram-se em dificuldade também no plano teórico, já que

tinham expresso a convicção de que o regime soviético não poderia manter-se contra

inimigos internos e contra os novos elementos burgueses criados pela NEP sem se abrir

muito às forças sociais capazes de defendê-lo contra uma virada brutalmente

reacionária.11

Em seu sentido geral, tratava-se de combinar a construção do consenso social

projetado na NEP com o consenso político da “normalização democrática do estado”. A

reconstrução do bloco de classes, envolvendo a classe operária, a pequena burguesia e o

campesinato, teria sua expressão na convivência política “pacifica”, ainda que

conflitiva, entre os partidos bolchevique, menchevique e esserista. O agravamento da

enfermidade do líder da revolução de outubro, seu afastamento da direção do partido e

do estado e seu precoce falecimento em 1924 retirariam qualquer viabilidade aquele

projeto. O triunfo final do programa de industrialização acelerada da economia e

coletivização forçada do campo, em detrimento das propostas de Lênin e Bukharin, não

poderia produzir outro resultado senão a afirmação das tendências coercitivas e

autoritárias no seio do estado soviético e na regulação das relações deste com a

sociedade.

Privados da possibilidade da representação político-parlamentar com a

dissolução da Assembléia Constituinte no início de 1918 e expulsos dos sovietes

(juntamente com os esseristas) e acometidos pelo temor da degeneração bonapartista do

regime bolchevique (Martov), a liderança menchevique jamais aderiu à posições contra-

revolucionárias, chegando, em decorrência disto, a propor um governo de coalisão com

os bolcheviques. Segundo Israel Getzler, na medida em que se acirravam os conflitos

entre o governo bolchevique e as forças contra-revolucionárias internas e externas, os

mecheviques,

“Adotaram como pressuposto irrenunciável a convicção de que qualquer

tentativa de derrubar os bolcheviques pela força deveria ‘passar sobre o cadáver do

11 I dem, pp 347-348.

Page 11: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

movimento proletário derrotado’ e, portanto, traria vantagens ‘somente para a contra-

revolução’12.

Segundo o mesmo autor, orientados por esta avaliação, os mencheviques teriam

adotado, ao longo de todo o ano de 1918 uma postura de mediação, procurando evitar o

choque aberto entre socialistas revolucionários (esseristas) e os bolcheviques. Tal

posicionamento “colaboracionista” teria atingido seu ápice,

“(...) no período 1919-1920, quando os mencheviques apoiaram lealmente o

regime bolchevique ‘defensor da revolução’, em face dos ataques da contra-revolução

branca e das intervenções estrangeiras, denunciando, porém, ‘implacavelmente’ o

despotismo e o terrorismo dos bolcheviques, na vã tentativa de induzi-los a uma

democratização. A história se concluiu tragicamente em 1921, quando, terminada a

emergência da guerra civil e com o rigor do regime bolchevique mais intransigente do

que nunca, os mencheviques foram lançados definitivamente no exílio ou na

clandestinidade.”13

Mencheviques e esseristas, no entanto, cometeram erros gravíssimos. Suas

vacilações ante à necessidade de aprofundamento da democracia revolucionária dos

sovietes, as atitudes conciliatórias do governo provisório, sua incapacidade de retirar a

Rússia da guerra e avançar na resolução da questão da terra, ou seja, seu comportamento

não revolucionário em uma conjuntura revolucionária, de certa forma, alimentou o

reerguimento da contra-revolução. Por isto, não obstante a necessidade de recuperação

dos componentes efetivos de sua contribuição à história da esquerda socialista russa, sua

destituição do poder pelos bolcheviques em outubro de 17 foi uma resposta

revolucionária e historicamente válida às limitações de sua política. O mesmo já não se

pode dizer de sua violenta eliminação das etapas subseqüentes do processo

revolucionário e sua erradicação das narrativas históricas.

Como já se disse, foi uma época, na qual as forças dirigentes da revolução

procuraram empregar todos os meios para resistir ao assédio hostil das forças

intervencionistas externas e da reação interior. Porém, foi também uma época marcada

pela pouca ou nenhuma consideração, pelos bolcheviques, da legitimidade da oposição

12 Getzler, Israel, “Martov e os mencheviques antes e depois da revolução”, In ”, in Hobsbawn, Eric J. (org.). História do Marxismo, vol. 5.Tradução de C. N. Coutinho, L. S. Henriques e A. R. Coutinho, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.

13 Idem, ibidem.

Page 12: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

política e do valor positivo do pluralismo partidário no processo de efetivação das

transformações revolucionárias.

O fato do estado soviético, constituído com base no triunfo de práticas

autoritárias, e do movimento comunista internacional que nele se referenciou terem

desempenhado papéis relevantes na animação e no apoio de lutas democráticas,

antifascistas e de libertação nacional revela a complexidade dialética destas objetivações

históricas, irredutíveis e incompreensíveis à luz de abordagens reducionistas e

unilaterais. Porém, pode ser também a manifestação daquilo que Hegel definiu em sua

obra como “a astúcia da razão”. É, sobretudo, a meu ver, a confirmação da idéia de que

a experiência histórica da transição socialista e do movimento comunista mundial no

século XX, embora fortemente condicionada, em certos momentos, pelo fenômeno

estalinista, não pode ser reduzida a ele.

Mesmo no interior da União Soviética e conquanto represadas e engessadas pelo

sistema de poder estaliniano, a energia e a criatividade revolucionárias soviéticas

conseguiram se manifestar ainda que marginalmente e sob formas de coação que, por

vezes, não poupou seus expoentes. É o que podemos constatar através da observação

das obras de intelectuais, cientistas, artistas e criadores culturais como Vertov,

Meyerhold, Essenin e Maikóvsky. Eisenstein, Shostakovitch, Gorky e Makarenko.

Vigostky, Bakhtin, Babel, Blok e Pasternak. Ehrenburg e Tarkovsky. Oparin, Luria,

Rubinstein e Landau. Excluído da política, o espírito revolucionário soviético se

refugiou na arte, na ciência e na cultura, subsistindo tortuosamente no período da

autocracia estaliniana e reaparecendo fugazmente nas épocas de interregnos

liberalizantes como foram o degêlo Khruschoviano e a Perestroika abortada de

Gorbatchov.

Encerrada a experiência histórica da transição socialista na União Soviética,

nada mais pode justificar a subordinação do estudo do outubro russo às contrafações

discursivas oficialistas ou as falsificações tendenciosas em nome da defesa da

revolução. Creio, por isto, que uma necessária releitura de outubro deveria reexaminar

os aspectos problemáticos e controvertidos do processo revolucionário à luz das novas

fontes recentemente disponíveis nos arquivos soviéticos e em diálogo constante com as

tendências renovadoras da historiografia contemporânea. Uma recolocação da trajetória

soviética ante o tribunal da história poderia, entre outros temas, avaliar:

Page 13: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

1) A justificação de outubro como alternativa revolucionária ao avanço da contra-revolução.

2) O exercício da ditadura revolucionária do partido como resposta bolchevique à intervenção e à guerra civil.

3) As origens, natureza e substrato social do fenômeno estalinista.

4) A contribuição positiva do estado soviético à derrota do nazi-fascismo, seu apoio às lutas democráticas e de libertação nacional nos países periféricos, à luta em defesa da paz e na contenção dos impulsos agressivos do imperialismo.

Cultivo a compreensão de que a tarefa que se nos coloca não é, em primeira

instância, a de proferir sentenças ou veredictos, mas de reabrir o julgamento histórico

com novas evidências, novas testemunhas e novos argumentos. Porém, acima de tudo,

creio que é preciso compreender antes de julgar. Nunca é demais lembrar que a

pretensão ao monopólio da verdade revolucionária foi um fator fundamental para o

desencadeamento das práticas de coerção, perseguição e eliminação das correntes

revolucionárias de esquerda adversárias e/ou concorrentes dos bolcheviques após a

Revolução de Outubro. Isto nos alerta para o fato de que todos aqueles que padecem da

vertigem da detenção do monopólio de tal verdade se apresentem como fortes

candidatos a repetirem, em circunstâncias evidentemente diversas, aquela dolorosa

experiência.

A combinação da demanda pelo monopólio da verdade revolucionária com a

aceitação acrítica da contrafactualidade como fator explicativo e não de questionamento

(o que teria acontecido se, por exemplo, Lênin não tivesse morrido em 1924, ou se

Bukharin fosse o sucessor de Lênin em lugar de Stalin, etc.) transforma a aptidão

ficcional em critério para a análise histórica. Ainda que tal inclinação seja orientada

pelo propósito de refutar as impostações oficiais da historiografia soviética dos períodos

estaliniano e brejnievniano e impugnar as mirabolantes contrafações teóricas

estalinianas, pode também preparar o terreno para desonestas e arbitrárias manipulações

históricas colocadas a serviço da legitimação de projetos políticos “alternativos” porque,

via de regra, derrotados na URSS posterior a Outubro.

Por fim, reclamar Outubro hoje, sem se esquivar de seus aspectos problemáticos

exige coragem e sinceridade à altura da magnitude histórica do próprio processo

reivindicado. São necessárias franqueza e integridade para se repropor uma das grandes

questões não respondidas pelos protagonistas e atores das transformações

Page 14: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

revolucionárias do século XX: como proceder para superar o divórcio, há tanto tempo

estabelecido, entre a democracia e a revolução? Para o enfrentamento de tal desafio será

estimulante recordar que estes dois temas, que a história do século XX dissociou,

encontravam-se organicamente ligados no pensamento e nos projetos dos precursores da

tradição marxista no século XIX. Tanto por ocasião das jornadas revolucionárias de

1848, quanto no momento do “assalto aos céus” pelos comunardos de 1871.

Mas, se algum veredicto tiver de ser proferido, entendo que ele deve condenar

certas interpretações históricas e narrativas discursivas que, por esquematismo,

reducionismo ou desonestidade, tem contribuído para a mistificação da história

revolucionária russa, expropriando para certo(s) grupo(s) os dividendos de uma das

mais valiosas criações coletivas das massas revolucionárias de toda a história humana.

BIBLIOGRAFIA

GETZLER, Israel, “Martov e os mencheviques antes e depois da revolução”, in Hobsbawn, Eric J. (org.). História do Marxismo, vol. 5.Tradução de C. N. Coutinho, L. S. Henriques e A. R. Coutinho, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.

GRUPPI, Luciano. O pensamento de Lênin. Tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Graal, 1979.

HÁJEK, Milos. “O comunismo de esquerda”, in Hobsbawn, Eric J. (org.). História do Marxismo, vol. 6.Tradução de C. N. Coutinho, L. S. Henriques e A. R. Coutinho, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.

KORSH, Karl, Mattick, Paul e Pannekoek, Anton. Crítica del Bolchevismo. Tradução Francisco Fernández Buey. Barcelona, Editorial Anagrama, 1976.

KAUTSKY, Karl. O Caminho do Poder. Tradução de Moniz Bandeira. São Paulo, Hucitec, 1979.

-------, A Ditadura do Proletariado. Tradução Eduardo Sucupira Filho. São Paulo, Livraria Editora de Ciências Humanas, 1979.

-------, Terrorismo y comunismo. Tradução de J. Pérez Bances. Madri, Ediciones Júcar, 1977.

LENIN, Vladimir Ilitch. “Duas tácticas da Social-democracia na Revolução Democrática”, in Obras Escolhidas, Moscou, Editorial Progreso – Lisboa, Edições Avante, 1977.

--------, El Estado y la Revolución, Moscou, Editorial Progreso, 1979.

--------, A Revolução Proletária e o Renegado Kaustsky. Tradução de Aristides Lobo. São Paulo, Livraria Editora de Ciências Humanas, 1979.

Page 15: FERREIRA, Muniz. Celebrar Outubro Problematizando

LIEBICH, André. “Os mencheviques diante da construção da URSS”, in Hobsbawn, Eric J. (org.). História do Marxismo, vol. 7.Tradução de C. N. Coutinho, L. S. Henriques e A. R. Coutinho, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.

LUKÁCS, Georg. “Carta sobre o stalinismo”, in Temas de Ciências Humanas. São Paulo, LECH, n.1, 1977, p. 1-18.

---------------------, “Teses de Blum (Extrato) – A ditadura democrática”, in Temas de Ciências Humanas. São Paulo, LECH, n.7, 1980, p. 19-30.

LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe (cap. “Notas críticas sobre a crítica da Revolução Russa de Rosa Luxemburg”) .Tradução Telma Costa, Porto, Publicações Escorpião, 1989.

LUXEMBURG, Rosa. Reforma, Revisionismo e Oportunismo.Tradução de Livio Xavier. Rio de Janeiro, Editora Laemmert S.ª, 1970.

------------------, La Crisis de la Socialdemocracia. Tradução de Armando Enciso Ferrer. Barcelona, Editorial Anagrama, 1976.

MATTHIAS, Erich. “Kautsky e o kautskismo. A função da ideologia na social-democracia alemã até a primeira guerra mundial”, in VVAA, Karl Kautsky e o marxismo. Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1988.