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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Revista Conjuntura Austral | ISSN: 2178-8839 | Vol. 5, nº. 25 | Ago. Set. 2014 44 A POLÍTICA EXTERNA E O MERCOSUL NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2014 The foreign policy and the Mercosul in the presidential elections of 2014 Ana Regina Falkembach Simão 1 Introdução Este artigo analisa a política externa e as eleições de 2014 no Brasil, com destaque para a questão do Mercosul. É crível que desde o início do século XXI a política externa tem se tornado um tema de debate na sociedade brasileira, passando a ocupar também um espaço mais significativo nos processos eleitorais. Historicamente esta matéria não fazia parte da agenda da mídia brasileira e, tampouco, fazia parte dos debates eleitorais. Em geral, a política externa ficaria restrita aos espaços especializados ao Itamaraty e ao mundo acadêmico. De fato, a partir do governo Lula a política externa ganhou novos contornos e um deles foi o seu viés social que, de certa forma, contribuiu para aproximá-la da própria sociedade brasileira. Conforme observa Maria Regina Soares de Lima (2009, p. 44) desde 2003, a “mudança tem predomínio sobre a continuidade. A inclusão da agenda social como tópico importante da política externa foi uma das primeiras e maiores inovações”. No entanto, mesmo considerando o quanto é efetiva a trajetória de aproximação do tema com a sociedade, a política externa ainda não se tornou um assunto determinante nos processos eleitorais. Ainda que nas duas últimas eleições presidenciais 2006 e 2010 , tenha ocupado um espaço mais relevante no debate político, envolvendo uma camada não desprezível da sociedade brasileira, a política externa, como lembram Oliveira e Onuki (2003, p. 145), “[...] não dá voto e não tira voto”. 1 Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora de Relações Internacionais da ESPM/Sul e da ULBRA.

Mercosul e Dilma

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Política

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    Revista Conjuntura Austral | ISSN: 2178-8839 | Vol. 5, n. 25 | Ago. Set. 2014 44

    A POLTICA EXTERNA E O MERCOSUL NAS

    ELEIES PRESIDENCIAIS DE 2014

    The foreign policy and the Mercosul in the presidential

    elections of 2014

    Ana Regina Falkembach Simo1

    Introduo

    Este artigo analisa a poltica externa e as eleies de 2014 no Brasil, com

    destaque para a questo do Mercosul. crvel que desde o incio do sculo XXI a

    poltica externa tem se tornado um tema de debate na sociedade brasileira, passando a

    ocupar tambm um espao mais significativo nos processos eleitorais. Historicamente

    esta matria no fazia parte da agenda da mdia brasileira e, tampouco, fazia parte dos

    debates eleitorais. Em geral, a poltica externa ficaria restrita aos espaos especializados

    ao Itamaraty e ao mundo acadmico. De fato, a partir do governo Lula a poltica

    externa ganhou novos contornos e um deles foi o seu vis social que, de certa forma,

    contribuiu para aproxim-la da prpria sociedade brasileira. Conforme observa Maria

    Regina Soares de Lima (2009, p. 44) desde 2003, a mudana tem predomnio sobre a

    continuidade. A incluso da agenda social como tpico importante da poltica externa

    foi uma das primeiras e maiores inovaes.

    No entanto, mesmo considerando o quanto efetiva a trajetria de aproximao

    do tema com a sociedade, a poltica externa ainda no se tornou um assunto

    determinante nos processos eleitorais. Ainda que nas duas ltimas eleies presidenciais

    2006 e 2010 , tenha ocupado um espao mais relevante no debate poltico,

    envolvendo uma camada no desprezvel da sociedade brasileira, a poltica externa,

    como lembram Oliveira e Onuki (2003, p. 145), [...] no d voto e no tira voto.

    1 Doutora em Histria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora de Relaes

    Internacionais da ESPM/Sul e da ULBRA.

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    Segundo os mesmos autores, a poltica externa ainda desempenha apenas uma

    influncia indireta nas eleies. Cabe observar que a baixa relevncia de temas

    internacionais na deciso do eleitor explica, em grande medida, o comportamento

    reiteradamente pacfico do poder Legislativo em matrias internacionais (OLIVEIRA;

    ONUKI, 2003, p.145).

    Os dois aspectos acima assinalados, embora aparentemente contraditrios, so

    complementares quando da anlise da realidade poltica brasileira. Se por um lado, os

    temas de poltica externa ainda no impactam as eleies, por outro vm constituindo

    matria recorrente na mdia e no prprio debate poltico. Vale ressaltar que, desde o

    incio de 2014, os assuntos de poltica externa tm sido incorporados nas falas dos

    candidatos presidncia do Brasil com uma intensidade digna de nota. Seno, vejamos.

    O senador e presidencivel Acio Neves, do PSDB, quando esteve em Porto Alegre, em

    maro deste ano, participando do Frum da Liberdade, promovido pelo Instituto de

    Estudos Empresariais (IEE) props simplesmente o fim do Mercosul. Em palestra

    durante o evento, classificou o bloco econmico como coisa anacrnica que no est

    servindo a nenhum interesse dos brasileiros (NEVES apud BUENO, 2014). O ento

    tambm presidencivel Eduardo Campos, do PSB, que faleceu em meio campanha

    eleitoral em decorrncia de um fatal acidente areo ocorrido em Santos, litoral paulista,

    em treze de agosto de 2014, comungava da mesma posio. Em entrevista concedida

    dois meses antes de sua morte, Campos criticou a poltica externa do governo Dilma,

    baseada nas relaes Sul-Sul, sustentando que o Brasil no pode ficar amarrado as

    velhas institucionalidades do sculo 20, como o Mercosul. O Mercosul precisa ser

    preservado mas preservado com o interesse do pas, podendo alargar suas fronteiras

    comerciais e suas relaes bilateriais(Folha, online, 10/06/14). Na contramo de seus

    concorrentes, a presidente Dilma, dando continuidade ao projeto do governo Lula,

    guarda no Mercosul um dos pilares da poltica externa brasileira. Portanto, em meio aos

    vrios assuntos pautados nas eleies presidenciais de 2014, seguramente encontra-se o

    do Mercosul. Diante disso, caberia repisar alguns aspectos acerca deste tema que, muito

    embora j analisado pela academia em diversos contextos, ganha um novo relevo no

    perodo eleitoral.

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    O Mercosul na perspectiva histrica

    A partir da segunda metade dos anos 1980, a formao de blocos envolvendo

    pases vizinhos compe o contexto internacional e reorienta as polticas externas de

    vrios pases da Amrica, sia e Europa. Neste novo cenrio veremos surgir a

    integrao entre os Estados Unidos, Canad e Mxico; do Japo, Coria do Sul, Taiwan,

    Hong Kong e Cingapura; da Comunidade Econmica Europeia, que vinha num

    processo de integrao regional desde a dcada de 1940, alm da cooperao entre

    Brasil e Argentina, que resultaria na criao do Mercosul, em 1991.

    Em que pese o quadro de instabilidade econmica existente nos pases latino-

    americanos durante a dcada de 1980, houve uma mobilizao consistente para a

    integrao regional. O acercamento entre Brasil e Argentina na dcada de 1980 pode ser

    considerado um paradigma no processo de cooperao regional. Os governos brasileiro

    e argentino acabaram privilegiando a aproximao, valorizando a poltica como

    elemento fundamental para consolidar a cooperao, ainda que sem desconsiderar a

    importncia do aspecto comercial.

    Alguns dados ilustram os caminhos da integrao comercial entre o Brasil e a

    Argentina. Entre 1975 e 1984, perodo marcado por governos autoritrios em ambos os

    pases, o Brasil fora responsvel por 40% das importaes argentinas, que envolviam de

    manufaturas a produtos de bens durveis, como TVs, tratores, camionetas, vdeos, assim

    como produtos qumicos e barras de ferro. De acordo com os dados relativos s

    exportaes brasileiras para a Argentina, h uma ntida elevao de US$ 340.000

    milhes, em 1978, para pouco mais de US$ 1 bilho, em 1980. Muito embora tenha

    havido um declnio nos trs anos seguintes de US$ 893.338, em 1981, para US$

    687.716 milhes em 1982 e US$ 666.799, em 1983 , houve novamente um aumento

    das exportaes em 1984, para US$ 831.152 milhes (BANDEIRA, 2003, p. 438).

    Assinala-se, portanto, que com o governo de Joo Figueiredo, em 1979, o Brasil

    e a Argentina apontam para o entendimento, dando incio a uma nova fase da relao

    entre os dois pases. A partir deste momento, o dilogo com a Argentina passaria a ser

    prioritrio. No so poucos os exemplos que ilustram esta aproximao, a comear pela

    assinatura do acordo Tripartite Corpus-Itaipu, em 1979, o acordo de cooperao nuclear,

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    a criao de um grupo binacional para negociar as questes comerciais e o apoio dado

    pelo Brasil Argentina durante a Guerra das Malvinas (SARAIVA, 2012, p. 57).

    Na esteira desta nova fase de entendimento, esto os governos civis de Jos

    Sarney e de Ral Alfonsin, que no apenas deram continuidade aos acordos j

    estabelecidos pelos governos militares dos dois pases, como tambm criaram um

    mercado comum. Em 1985 os dois presidentes decidiram que em dez anos seria criado o

    mercado comum. Conforme aponta Raul Bernal-Meza (2002, p. 43):

    A partir de 1985 o Brasil constri sua parceria estratgica com a

    Argentina considerada a principal e mais ampla, que serviria de plataforma para redefinir as relaes no plano regional dentro do seu universalismo seletivo. Permitiu proporcionar

    instrumentalidade ao universalismo dos anos 80 e renov-lo

    luz dos novos cenrios, ao mesmo tempo em que mantinha sua

    vocao mundial.

    Com o avano desta pareceria, em 1988, foi criado o Tratado de Integrao,

    Cooperao e Desenvolvimento. Pouco depois, em 1991, ocorreu a Assinatura do

    Tratado de Assuno, que anteciparia em quatro anos a criao do Mercosul. Para o

    Brasil de Collor de Melo e para a Argentina de Carlos Menem, a formao do Mercosul

    continuava sendo uma estratgia, porm naquele momento servira para a insero

    internacional brasileira e argentina, aps frustradas tentativas de ambos os pases de

    internacionalizarem-se via relao com Washington. Na percepo equivocada de

    Collor de Melo, os Estados Unidos eram o nico polo de poder mundial. Eufrico com a

    queda do muro de Berlim, com o colapso sovitico e com a ideia da existncia de uma

    nova ordem mundial, o jovem presidente no observou atentamente as mudanas

    polticas e econmicas do contexto internacional, que apontavam para o desgaste dos

    Estados Unidos.

    relevante observar que a nova poltica externa brasileira e argentina, que

    acabou instituda com a Assinatura do Tratado de Assuno, criando o Mercosul,

    deixou de valorizar a soberania, a diplomacia autnoma, o terceiro-mundismo, o projeto

    de desenvolvimento econmico que vislumbrava a substituio das importaes e, at

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    mesmo, o aprofundamento no campo tecnolgico, em favor de um modelo de

    cooperao supostamente dinmico e inexorvel, pautado pelo mercado. Entretanto, tal

    viso acabar sendo superada, bem como o prprio governo Collor que entra em rota de

    coliso com a sociedade e a classe poltica brasileira, at o inevitvel impeachment.

    Com os presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, o Mercosul

    ganhou uma importncia estratgica para o Brasil, alm de receber consistncia

    jurdico-institucional significativa. No governo de Fernando Henrique Cardoso foi

    institucionalizada a unio aduaneira entre os quatro pases membros, alm da

    participao da Bolvia e do Chile como membros associados ao bloco. Na avaliao do

    chanceler Luiz Felipe Lampria, realizada no ano de 1995, o Mercosul alm de ser a

    primeira unio aduaneira do hemisfrio meridional, propiciava uma dinamizao da

    atividade econmica como um todo e possibilitava a atrao de investimentos na regio.

    Para o chanceler com a adoo de uma tarifa comum (TEC) e a concluso de um

    programa de desagravao que reduziu os direitos alfandegrios no comrcio intra-zona,

    o Mercosul emerge de apenas trs anos e meio de negociao como prova real de que a

    integrao regional favorece a liberalizao comercial em termos globais

    (LAMPRIA, 1995, p. 32).

    Para Raul Bernal-Meza, a poltica brasileira para o Mercosul teve trs

    finalidades:

    1) permitir abrir gradualmente sua economia economia

    mundial, fortalecido pela amplificao do mercado subregional,

    e logo regional (ALCSA), graas aos ganhos de escala; 2)

    enfrentar os desafios econmicos e polticos das estratgias

    hegemnicas norte-americanas na Amrica Latina (ALCA); 3)

    alcanar o reconhecimento mundial como potncia mdia,

    graas sua liderana poltica no bloco e dimenso de um

    mercado que o teria como o centro econmico-industrial

    fundamental (MEZA, 2002, p. 44).

    J Amado Cervo (2002), no balano da era Fernando Henrique Cardoso, apontou

    seis resultados positivos e seis aspectos que fragilizavam o bloco, estes ltimos

    responsveis pelo ceticismo de alguns analistas quanto ao seu futuro. No que se refere

    aos pontos positivos, foram destacados diversos aspectos em diferentes reas: a

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    empatia entre a inteligncia brasileira e argentina, resultando numa srie de encontros

    com a participao de empresrios, intelectuais, bem como a produo de livros e

    artigos, que apontaram as afinidades e as divergncias entre ambos os pases; as novas

    condies psicossociais, que conduziram naturalmente criao da zona de paz no

    Cone Sul, com impacto positivo sobre a Amrica do Sul; o aumento do comrcio

    intrazonal de 4,1 bilhes de dlares em 1990 para 20,5 bilhes em 1997 e 18,2 bilhes

    em 2000, perodo em que as exportaes do bloco cresceram 50% e as importaes

    180%; a transformao do Mercosul em sujeito de direito internacional pelo

    protocolo de Ouro Preto de 1994, podendo negociar sobre a arena internacional; e

    finalmente, o fato do Mercosul ter produzido uma imagem positiva acima da prpria

    realidade, fortalecendo seu poder de barganha como bloco e o de seus membros

    isoladamente (CERVO, 2002, p. 25-26).

    Quanto aos aspectos criticveis do bloco, destaca-se a observao de que o

    Mercosul seria caracterizado por um processo de integrao assimtrico que no criou

    mecanismos de superao de desigualdades entre os membros e, no interior destes, entre

    zonas hegemnicas e perifricas, frustrando assim a expectativa de uma possvel

    elevao do nvel social do bloco (CERVO, 2002, p. 26-27). Outra avaliao ctica

    refere-se ao enfraquecimento das negociaes internacionais realizadas pelos Estados,

    em funo de elevar a condio de zona de livre comrcio para a de unio aduaneira

    sem instituies comunitrias. Assim, um ponto de descrdito acerca do futuro do

    bloco, ainda segundo a avaliao de Amado Cervo, que o processo de integrao do

    Mercosul elegeu o comrcio exterior como ncleo forte. Os membros do grupo

    adotaram, contudo, medidas unilaterais, desmoralizando o mecanismo da tarifa externa

    comum que haviam implantado. Entretanto, conforme observa Andr Reis (2009, p.

    144), considerando os ganhos e as perdas, o Mercosul como unio aduaneira imperfeita

    favoreceu o Brasil, que conservou sua autonomia decisria e usou o bloco como

    instrumento de negociao em outros espaos.

    Com a chegada de Luis Incio Lula da Silva presidncia do Brasil, em 2003, o

    Mercosul ganhou novos contornos. Embora o governo Lula tenha herdado um bloco

    com fragilidades, em funo da crise brasileira de 1999 e da crise argentina de 2001, a

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    reconstruo do Mercosul e a integrao da Amrica do Sul se tornaram itens

    prioritrios na agenda de poltica externa do Brasil. Segundo Paulo Visentini (2013), a

    poltica externa brasileira buscou estabelecer uma nova aproximao com os pases do

    bloco, apontando para uma parceria que fosse capaz de retomar o crescimento

    econmico dos pases vizinhos. O incremento da economia dos pases que compe o

    bloco uma condio indispensvel para que a integrao deixe de ser virtual,

    possibilitando uma ao estratgica no plano global que reverta a marginalizao

    crescente que a regio sofre (VISENTINI, 2013, p. 114).

    Um dos instrumentos voltados para esta finalidade foi a criao de novos

    mecanismos, a exemplo do FOCEM Fundo de Convergncia Estrutural e

    Fortalecimento Institucional do Mercosul. Este fundo foi apresentado como uma medida

    singular para fortalecer o processo de integrao regional. Criado no final de 2004, o

    fundo tem o objetivo de financiar projetos de melhorias na infraestrutura das economias

    menos robustas do bloco o Paraguai e o Uruguai bem como melhorar as condies

    das regies menos desenvolvidas e promover o desenvolvimento social nas zonas de

    fronteira. Na mesma direo, Paulo Visentini (2013) destaca os financiamentos

    promovidos pelo BNDS para os projetos de melhorias na infraestrutura fsica sul-

    americana, medidas que contribuem para mitigar as assimetrias que comprometem o

    futuro do bloco. Embora as assimetrias sejam uma realidade de difcil soluo na regio,

    defende o autor, tais iniciativas, conjuntamente, contribuem para o aprofundamento da

    integrao regional (VISENTINI, 2013, p. 114). Quanto ao papel financiador do BNDS

    na Amrica do Sul, Williams Gonalves anota que em 2011, a soma dos financiamentos

    do banco na regio chegou cifra de US$ 1,7 bilho, recurso que tem beneficiado,

    sobretudo, Argentina e Venezuela. Desta forma, no ano de 2011, os emprstimos

    realizados pelo BNDS na regio representaram o dobro dos emprstimos feitos pelo

    Banco Mundial (GONALVES, 2013, p. 57).

    Outro aspecto digno de nota, que contraria as previses cticas em relao ao

    Mercosul e tambm aponta para a busca de qualificao da integrao regional e

    diminuio das assimetrias, o fato de que a partir de 2003 outras reas, para alm da

    comercial, foram incorporadas ao bloco. A educao, a poltica e o campo cientfico-

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    tecnolgico passaram a compor o projeto de cooperao regional. Como lembra Miriam

    Saraiva, o bloco avanou para reas no previstas no Tratado de Assuno, mostrando

    que a defesa de uma integrao de carter mais poltico e social est em sintonia com

    as escolhas do governo brasileiro (SARAIVA, 2013, p. 148). Tais escolhas da poltica

    externa possibilitam a criao de novos espaos para a integrao da regio que vo

    alm do econmico/comercial, aspectos que embora fundamentais para o sucesso de um

    bloco regional, so limitados e podem ficar ao sabor dos ganhos em curto prazo e

    conjunturais.

    Eleies, poltica externa e o futuro do Mercosul

    Aps mais de duas dcadas deste a criao do Mercosul, o futuro do bloco tem

    sido avaliado com consistncia por diferentes lentes tericas. Embora no sejam poucos

    os estudos que demonstram as fragilidades do Mercosul e apontam para seus aspectos

    contraditrios, a quase unanimidade das pesquisas reconhece a importncia do Mercosul

    e a necessidade de sua manuteno e aprofundamento, tanto no campo

    econmico/comercial, como tambm em reas que possibilitem uma maior simetria no

    bloco.

    Avaliando o desenvolvimento do bloco, Willians Gonalves (2013, p. 57)

    destaca que o Mercosul marcado por duas fases bem definidas. A primeira, que inicia

    em 1991, caracterizada por um vis neoliberal segundo o qual o bloco regional

    deveria fomentar o comrcio intrabloco e atrair investimentos do exterior. J a

    segunda, que tem incio em 2003, seria conduzida pelas ideias neo-

    desenvolvimentistas, de acordo com as quais ao Estado compete o papel de abrir

    caminho e apoiar a integrao regional estimulando a produo, por meio da ampliao

    do mercado interno. As duas fases ilustram com clareza o debate acerca da importncia

    do bloco regional. Ou seja: por um lado h uma crena de que a dimenso comercial

    deve ser preponderante e que o bloco serve para que os pases que o compem tenham

    supervits comerciais e com isso possam ter as melhores relaes possveis com os

    pases desenvolvidos, na expectativa de serem beneficiados com a abertura de mercados

    para suas exportaes e com a recepo de investimentos produtivos (GONALVES,

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    2013, p. 59). Os governos brasileiros e argentinos dos anos 1990 aliceraram suas

    polticas externas com base neste iderio, oferecendo em troca dos possveis

    investimentos votos nos fruns multilaterais. A alternativa a esta percepo seria

    apresentada pelos governos de vis nacionalista, voltados para a proteo das riquezas

    nacionais e para a industrializao, supondo que somente por esse meio possvel

    alcanar mais desenvolvimento econmico-social (GONALVES, 2013, p. 59).

    Nesta perspectiva de anlise, a ordem internacional apontada como

    benevolente com os pases do Norte e, portanto, somente atravs de polticas conjuntas

    desenvolvidas entre os pases do Sul haveria uma possibilidade real de alterao desta

    ordem. Neste sentido, o Mercosul e a Unasul so exemplos de parcerias estratgicas que

    apontam para este desiderato. No entanto, em oposio a esta perspectiva, se encontra a

    ideia de que a ordem internacional muito pouco permevel mudanas e, sendo assim,

    o recomendvel associar-se aos que tm maior poder no tabuleiro poltico e

    econmico internacional. De acordo com esta linha de conduo diplomtica, o mais

    adequado para o Brasil seria ter nos Estados Unidos e Europa os grandes parceiros

    estratgicos. Evidentemente, guardando a devida importncia ao regional na medida em

    que ele contribui para a ampliao do livre comrcio. De fato, so estas duas percepes

    de poltica externa e de proposta de integrao regional que norteiam e certamente

    conduziro o debate poltico acerca dos rumos e do futuro do Mercosul.

    Neste ano de eleies presidenciais no Brasil, os dois modelos de integrao so

    (re) apresentados para a sociedade brasileira atravs dos distintos programas de governo

    e, sobretudo, de diferentes concepes de polticas externas. crvel que o Mercosul

    enfrenta desgastes e que mudanas seriam pertinentes para o aprofundamento do bloco.

    Sabe-se tambm que as dificuldades encontradas na integrao regional muitas vezes

    decorrem do contexto internacional e no so reflexos apenas da falta de adequadas

    polticas que melhorem as condies de integrao regional. Conforme os cientistas

    polticos Marcos Cepik e Carlos Arturi, existem imperativos estratgicos sistmicos

    (ligados ao reordenamento do poder mundial) e regionais [...] que impelem a regio para

    a construo de polticas de defesa, externa e de provimento de ordem pblica

    sinrgicas e consistentes (CEPIK;ARTURI, 2011, p 681).

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    Analisar o meio internacional e conseguir ocupar as brechas do sistema torna-se

    um desafio para a diplomacia de qualquer pas. No caso do Brasil, as mudanas no

    sistema internacional foram observadas, sobretudo, a partir de 2003. O projeto de

    insero internacional do governo Lula colocou a diplomacia brasileira num patamar de

    destaque, inclusive no mbito de uma agenda miditica, mobilizando intensas reaes

    de elogios e crticas. Ou seja: se por um lado a poltica externa do presidente Lula pode

    ser considerada um dos pontos altos e de sucesso do governo, na medida em que inseriu

    o Brasil internacionalmente de forma afirmativa construindo novas parcerias

    estratgicas, a exemplo do Frum de Cooperao ndia, Brasil e frica do Sul, da

    participao nos BRICS, do aprofundamento das relaes com a Amrica do Sul e

    Caribe e da prpria consolidao de uma nova fase do Mercosul por outro, foi alvo de

    grande parte das crticas ao governo, que em geral a classificaram e a classificam como

    sendo ideolgica e partidarizada, na medida que est em sintonia com o paradigma

    das relaes Sul-Sul.

    Conforme o embaixador Rubens Barbosa, em artigo publicado no site do

    Instituto Millenium, em 15 de janeiro de 2014, neste momento:

    [...] parece ser oportuno que alguns temas comecem a ser

    discutidos para influir nos programas dos futuros candidatos.

    Um dos temas que mais suscitaram controvrsia nos ltimos 12

    anos foi o da formulao e execuo da poltica externa e a

    conduo do Itamaraty, que era considerada uma das instituies

    de excelncia na vida pblica brasileira

    (http://www.imil.org.br/artigos/poltica-externa-eleies).

    No mesmo artigo, o embaixador Rubens Barbosa2 apresenta uma anlise feita

    pelo senador e presidencivel Acio Neves acerca da poltica externa brasileira. Embora

    os pontos abordados por ele no sejam uma novidade para o leitor/eleitor brasileiro

    pois parte das crticas apresentadas j se tornaram corriqueiras na mdia brasileira desde

    o governo Lula a retomada da posio do candidato sinaliza para a importncia que a

    politica externa ostenta nas eleies presidenciais de 2014. Para Acio Neves:

    2 Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Washington no perodo de 1999-2004.

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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    O vis ideolgico imposto nossa poltica externa nos ltimos

    anos est isolando o Brasil do mundo. Demos as costas para

    importantes naes democrticas e abraamos regimes de clara

    inclinao totalitria, em flagrante contraste com as melhores

    tradies da nossa diplomacia. Com viso de futuro, o

    compromisso conquistar um lugar privilegiado para o Brasil

    no mundo. necessrio abandonar a poltica externa de

    alinhamento ideolgico adotada nos ltimos anos e resgatar a

    tradio de competncia e a atuao independente da diplomacia

    brasileira. O Itamaraty deve servir ao Brasil e defender o

    interesse nacional, acima de todo e qualquer interesse partidrio.

    Nossa diplomacia deve, tambm, recuperar no exterior os

    compromissos que defendemos internamente, como o repdio s

    tiranias, o direito paz, a solidariedade internacional em defesa

    da democracia, o respeito aos direitos humanos e ao meio

    ambiente (http://www.imil.org.br/artigos/poltica-externa-eleies).

    relevante notar que esta proposta de acabar com o Mercosul apresentado no

    Frum da Liberdade, em maro de 2014 que arrancou aplausos de uma platia pouco

    especializada em poltica e diplomacia, mas conhecedora do livre mercado e defensora

    da aproximao do Brasil com os Estados Unidos , no teve continuidade, entretanto,

    no programa de governo do candidato posteriormente divulgado nacionalmente. Em

    julho deste ano, ao apresentar oficialmente as diretrizes da sua politica externa, observa-

    se um recuo do candidato do PSDB em relao a alguns posicionamentos, em especial

    ao Mercosul. Segundo o programa do candidato tucano, comentado pelo embaixador

    Rubens Barbosa, no jornal Estado de So Paulo, em 22 de julho de 2014, no que diz

    respeito ao Mercosul, paralisado e sem estratgia, a alternativa ideal seria recuperar

    seus objetivos de liberalizao comercial e abertura de mercado e flexibilizar suas

    regras a fim de poder avanar nas negociaes com terceiros pases (BARBOSA,

    2014).

    Na mesma linha, embora menos eloquente, estavam as propostas do ex-

    governdor de Pernambuco e tambm presidencivel, Eduardo Campos, que assinalava

    que o Brasil precisaria ter outra poltica comercial para no isolar o Brasil do mundo

    e da competitividade. E como j anteriormente apontado, o resumo de Campos

    vaticinava que o Brasil no pode ficar amarrado ao Mercosul (Folha, online,

  • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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    10/06/14). Vale destacar que, com a inesperada morte de Eduardo Campos, a candidata

    vice-presidncia Marina Silva, ex-Senadora, ex-Ministra do Meio Ambiente do

    governo Lula e lder do partido REDE, ganhou o apoio do PSB para assumir a

    candidatura presidncia pela Coligao Unidos pelo Brasil PSB, REDE, PPS, PPL,

    PRP, PHS, PS.

    Conforme o programa de Governo desta Coligao, reapresentado aps a

    confirmao de Marina Silva como candidata presidncia, o Mercosul deve ser

    renovado e o Brasil ter que combater a estagnao do bloco. Portanto, dentro desta

    lgica, fundamental que o pas proponha mudanas, tais como investir em

    negociaes com outros pases e fechar acordos com cronogramas diferenciados, visto

    que, no entendimento desta Coligao, o Mercosul no tem cumprido bem o desgnio

    original de constituir uma modalidade de regionalismo aberto. A expanso

    significativa do comrcio intrarregional no foi acompanhada de empenho negociador

    do bloco em aumentar suas transaes com outras regies, critica ainda o documento.

    (PROGRAMA DE GOVERNO - http://marinasilva.org.br/programa/).

    Em convergncia com o Programa de Governo, a candidata Marina Silva aponta

    que em seu governo haver "o princpio da integrao, mas isto no impede que

    possamos encontrar meios para ter rapidez para acordos bilaterais, conforme

    declaraes divulgadas pela Agncia de Notcias EFE. Ainda quanto a questo do

    Mercosul, a presidencivel assinala que na sua percepo, "na negociao h

    dificuldades, como o caso da Argentina, mas isso no deveria impedir que o Brasil

    seguisse. uma questo de defender os interesses do pas sem prejudicar o resto". A

    sequncia de suas declaraes esclarece o que seria exatamente esse resto: a candidata

    observou que " preciso relanar o dinamismo no comrcio com os Estados Unidos e a

    UE e fundar novos padres comerciais com o Chile". (Agncia de Notcias EFE -

    http://www.efe.com, 29 de agosto de 2014). Finalmente, no que tange totalidade do

    continente americano, a Coligao Unidos pelo Brasil prope uma poltica de

    aproximao do Mercosul com a Aliana do Pacfico e uma "agenda positiva" com os

    Estados Unidos.

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    Em outra direo, a presidente Dilma Rousseff, no encontro da Cpula do

    Mercosul, que ocorreu em Caracas nos dias 28 e 29 de julho, sinalizou para a

    importncia do bloco, destacando sua significao no contexto poltico e econmico

    global. De acordo com a presidente:

    No podemos negligenciar uma insero de nossas economias

    no mundo global, porque o Mercosul no um espao

    econmico insignificante. Pelo contrrio, tem o segundo maior

    territrio, a quarta maior populao e a quinta maior economia

    do mundo. Possui as maiores reservas de gua doce, um dos

    maiores potenciais energticos e minerais, alm de uma

    agricultura moderna de alta produtividade. Tambm temos uma

    indstria que se no inteiramente completa extremamente

    significativa. (ROUSSEFF, O Globo, 2014).

    O n grdio do debate sobre o Mercosul que aps os vinte e trs anos da sua

    criao, o bloco encontra-se em transformao, fenmeno que dever ser observado

    pelos atores polticos, empresariais e sociais dos pases que o integram. Isso exigir de

    seus integrantes muito mais do que o retorno ao livre comrcio, mas sim o empenho no

    investimento poltico que vislumbre a consolidao de uma agenda comum entre os

    parceiros do bloco. Uma agenda cujo desafio o de conjugar os interesses internos de

    cada pas-membro com o estabelecimento de um modelo de integrao que seja positivo

    economicamente, mas que tambm possibilite o desenvolvimento social do bloco como

    um todo, visando mitigar as assimetrias.

    Em que pese a oposio tratar a poltica externa dos governos Lula e Dilma

    como partidarizada e ideologizada, o fato que a conduo da questo nos ltimos

    governos brasileiros est coerente com o pragmatismo da poltica externa brasileira, to

    conhecido e analisado pela histria da nossa diplomacia. Pois ao tratar o Mercosul como

    um espao poltico/estratgico importante, capaz de contribuir para uma maior insero

    do pas junto aos vizinhos sul-americanos e de ser um ator na promoo da estabilidade

    regional, as diplomacias de Lula e Dilma no deixaram de ser pragmticas. A

    valorizao da dimenso poltica no significa necessariamente ideologizao.

    Conforme observa Maria Izabel Mallmann (2013, p. 207), os custos desta poltica

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    externa pautada numa agenda poltico/estratgica so intangveis, pois no podem ser

    mensurados como os dados que resultam da balana comercial dos pases ou atravs dos

    fluxos de investimentos, o que seria uma tarefa inglria, pois tais ndices so

    resultados meramente na dimenso econmica da integrao.

    Ainda sobre a anlise do Mercoul, hoje, a autora aponta que:

    [...] tem pesado a favor da integrao fatores de ordem

    estratgica e geopoltica tanto quanto a ordem econmica-

    comercial. O apreo pela estabilidade e prosperidade regionais

    no so mera retrica do Brasil, um pas que tem fronteira com

    dez pases sul-americanos. Ao Brasil interessa poder contar no

    apenas com os mercados dos paises vizinhos, mas tambm com

    estabilidade poltica e institucional em suas fronteiras. O preo

    que o Brasil est disposto a pagar por isso parece estar sendo

    traduzido, pelo menos em parte, nos custos pagos por ele na

    construo da integrao sul-americana que remonta

    aproximao entre Brasil e Argentina e construo do

    Mercosul. (MALLMANN, 2013, p. 207).

    Desta forma, no que tange ao Mercosul, no se trata apenas de propor um

    retorno a 1991, postulando sobre a liberalizao comercial e abertura de mercado e a

    flexibilizao de suas regras a fim de poder avanar nas negociaes com terceiros

    pases, ou, de maneira retrica e vazia, observar a necessidade de implementar uma

    outra poltica comercial, para que o Brasil no se isole do mundo e da

    competitividade. E tambm no basta enaltecer a importncia econmica do bloco e

    seu lugar dentro do contexto poltico e econmico internacional, enfatizando que o

    segundo maior territrio, a quarta maior populao e a quinta maior economia do

    mundo. Trata-se, na realidade, de avanar num projeto (j iniciado) de integrao que

    conjugue a dimenso econmica/comercial e as dimenses sociais e polticas,

    resultando num bloco com menos assimetrias. De fato, parte destas assimetrias no se

    encontra apenas nas diferenas sociais, de desenvolvimento econmico ou de infra-

    estrutura, mas tambm na fragilidade das prprias instituies polticas internas dos

    pases-membros. Portanto, o avano do Mercosul no estar na busca de vantagens

    econmicas/comerciais particularizadas de um pas ou de outro, mas sim num projeto de

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    longo prazo que envolva diferentes segmentos sociais e polticos dos pases que compe

    o bloco.

    Assim, em que pese a campanha eleitoral ter trazido ao debate pblico temas

    relevantes da poltica externa, as propostas dos presidenciveis, iluminadas pela agenda

    miditica, correm o risco de apresentar sociedade brasileira uma simplificao da

    poltica externa, que podem obscurecer a complexidade do projeto de integrao

    regional, tratando questes diplomticas de forma meramente ideologizada. A histria

    do Mercosul j d conta de dois modelos conhecidos e que, de certa forma, j colheram

    resultados. O fato que as propostas eleitorais apresentadas como uma alternativa de

    mudana e de soluo para a estagnao do Mercosul se no constituem um mero

    retrocesso, so no mnimo um retorno ao iderio da dcada de 1990. As eleies de

    2014 promovem, de forma certamente involuntria, uma espcie de revival que talvez

    no encontre mais espao num cenrio claramente marcado por mudanas na

    distribuio do poder global, onde novos arranjos vem sendo consolidados ao longo,

    especialmente, da primeira dcada do sculo XXI.

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    Resumo

    O presente artigo visa refletir sobre a poltica externa e as eleies presidenciais de 2014

    no Brasil, a partir de uma retomada da posio dos candidatos acerca do Mercosul e do

    futuro do bloco, no contexto de uma maior visibilidade do tema na agenda miditica.

    Para tanto, sero abordados aspectos histricos da formao e desenvolvimento do

    Mercado Comum do Sul, seus avanos e desafios, alm das principais avaliaes

    tericas e do campo da diplomacia sobre o complexo processo de integrao regional,

    que opem duas distintas vises historicamente consolidadas.

    Palavras-Chave

    Poltica Externa; Eleies; Mercosul.

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    Abstract

    The present article aims at to reflect on the Foreign Policy and the presidential elections

    of 2014 in Brazil, from one retaken of the position of the candidates concerning the

    Mercosul and the future of the block, in the context of a bigger visibility of the subject

    in the mass media agenda. For in such a way, it will be boarded historical aspects of

    Mercosuls formation and development, its advances and challenges, beyond the main

    theoretical and diplomatic evaluations on the complex process of regional integration,

    that oppose two distinct visions historically consolidated.

    Key Words

    Foreign Policy; Elections; Mercosul

    Artigo recebido em 09 de agosto de 2014.

    Aprovado em 03 de setembro de 2014.