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REINALDO ALVES DE MIRANDA O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO: UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS PRESENTES EM TEXTOS DO JORNAL MASSA! SALVADOR-BAHIA 2014 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS I- SALVADOR PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS

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REINALDO ALVES DE MIRANDA

O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO:

UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS PRESENTES EM TEXTOS DO JORNAL MASSA!

SALVADOR-BAHIA 2014

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I- SALVADOR PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDO DE LINGUAGENS

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REINALDO ALVES DE MIRANDA

O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO:

UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS PRESENTES EM TEXTOS DO JORNAL MASSA!

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudo de Linguagens – PPGEL da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Estudos de Linguagens. Linha de Pesquisa: Língua, Discurso e Sociedade. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral.

SALVADOR-BAHIA

2014

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FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB

Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592

REINALDO ALVES DE MIRANDA

O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO:

UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS PRESENTES EM TEXTOS DO JORNAL MASSA!

Miranda, Reinaldo Alves de O discurso showrnalístico: uma análise dos processos argumentativos presentes em textos do Jornal Massa! /Reinaldo Alves de Miranda. - Salvador, 2014. 124f. Orientador: Gilberto Nazareno Telles Sobral. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas. Campus I. 2014. Contém referências e anexos. 1. Argumentação. 2. Retórica. 3. Jornalismo - Linguagem. I. Sobral, Gilberto Nazareno Telles. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD: 808.51

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REINALDO ALVES DE MIRANDA

O DISCURSO SHOWRNALÍSTICO:

UMA ANÁLISE DOS PROCESSOS ARGUMENTATIVOS PRESENTES EM TEXTOS DO JORNAL MASSA!

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre em Estudo de Linguagens, submetido ao Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens, do Departamento de Ciências Humanas da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus I. Área de concentração: Língua, Discurso e Sociedade.

Aprovada em 06 de março de 2014.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Gilberto Nazareno Telles Sobral (Orientador) Universidade do Estado da Bahia - UNEB

Prof. Dr. João Antonio de Santana Neto Universidade do Estado da Bahia - UNEB

Prof. Dr. Edson Fernando Dalmonte Universidade Federal da Bahia - UFBA

SALVADOR-BAHIA 2014

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Ao meu pai (in memorian), por me mostrar, no seu silêncio, que a autenticidade de um homem

está em conjugar a ação com a palavra.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo que Ele fez, faz e continuará fazendo acontecer na minha vida,

proporcionando-me conhecimento e sabedoria.

À minha mãe, com quem obtenho as mais importantes lições para o meu caminhar.

Aos meus irmãos e sobrinhos,

por confiarem no meu potencial e se orgulharem das minhas conquistas.

Aos verdadeiros amigos, por estarem presentes na alegria e na tristeza.

Aos parceiros do Colégio Estadual Maria de Lourdes Parada Franch,

pelo companheirismo e cumplicidade em nossa árdua – mas gratificante – imersão no mundo da educação.

Aos colegas do PPGEL,

pela oportunidade de convivência, aprendizado e partilha nessa importante trajetória de construção do conhecimento.

Ao corpo docente do PPGEL,

pela generosa acolhida nesse espaço de aprendizagem, que é, essencialmente, um intercâmbio de saberes.

Ao corpo administrativo do PPGEL – em especial Camila, Geisa e Danilo –,

pelo profissionalismo e atenção que a mim dispensaram.

Aos membros da banca – Prof. João Santana Neto e Prof. Edson Dalmonte –, pelas importantes contribuições no processo de qualificação.

Ao meu orientador – Prof. Gilberto Sobral –,

pela confiança recíproca, desde o primeiro momento, e por imprimir um sentido mais amplo à palavra orientação.

Como dizia o maestro, “é impossível ser feliz sozinho”.

A vocês, muito obrigado!

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A linguagem é como uma pele: com ela eu entro em contato com os outros.

(Roland Barthes)

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - USO DO LEXEMA APAGAR NO JORNAL MASSA!...........

45

Quadro 2 - USO DO LEXEMA SACIZEIRO NO JORNAL MASSA!.......

45

Quadro 3 - USO DO LEXEMA BARRIL NO JORNAL MASSA!.............

46

Quadro 4 - USO DO LEXEMA ABRIR O GÁS NO JORNAL MASSA!...

46

Quadro 5 - USO DO LEXEMA “PENEIRADO” NO JORNAL MASSA!...

46

Quadro 6 - Aplicabilidade do ethos no Jornal Massa!............................

59

Quadro 7 -

Comparativo entre os jornais Massa! e A Tarde - Teoria do Agendamento no período de 02 a 13/12/2103.....................

80

Quadro 8 - Constituição do corpus da pesquisa.....................................

83

Quadro 9 - Argumentos e tipos de argumentos......................................

95

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Seção Linha Direta.....................................................

61

Figura 2 - Seção Deixa com a gente!.........................................

62

Figura 3 - Manchete: Inimigo n. 1 de criancinha.........................

63

Figura 4 - Manchete: Tarado estupra prima...............................

63

Figura 5 - Manchete: Super Maria: 32 filhos...............................

84

Figura 6 - Notícia do dia: Maria, 32 filhos e muitas histórias......

84

Figura 7 - Matéria: Elas pagam pena dobrada...........................

86

Figura 8 - Matéria: Mamães estrelas..........................................

86

Figura 9 - Matéria: Tarado estupra prima...................................

89

Figura 10 - Matéria: Ex-candidato é suspeito de abuso sexual....

92

Figura 11 - Manchete: Vídeos, ameaças e estupro...................... 93

Figura 12 - Matéria: Garotos apontam estuprador.......................

94

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RESUMO

No presente estudo, promovemos um debate sobre a função jornalística e a relação desta com a argumentação, tendo como pressuposto que jornalismo e retórica encontram-se imbricados no processo da linguagem. Delineiam-se, portanto, aqui os principais aspectos que envolvem a argumentatividade, notadamente no jornalismo de cunho sensacionalista, cuja linha editorial tem contornos na linguagem popular, apelativa e, por vezes, grotesca, de modo que as emoções são priorizadas em detrimento da razão e da objetividade. Ancorados nessas premissas, elegemos como objeto de estudo o Jornal Massa!, com o propósito de analisar as estratégias argumentativas – advindas de mecanismos linguísticos presentes em textos de 04 (quatro) edições do noticiário – as quais visam a alcançar a persuasão do auditório ao qual o referido veículo se destina. Neste percurso investigativo, discorremos acerca dos elementos que compõem a tríade argumentativa aristotélica – o ethos (a imagem do orador), o pathos (a reação do auditório) e o logos (o discurso em si e por si mesmo, isto é, o argumento) –, associando tais componentes à proposta discursiva desenvolvida pelo Jornal Massa!. Ademais, propomos uma discussão, à luz do Tratado da Argumentação: a nova retórica, de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, no que concerne aos efeitos produzidos por meio das técnicas argumentativas utilizadas pelo orador (jornal), na sua busca por conquistar a adesão do auditório (leitores), e aos desdobramentos desses recursos na prática jornalística. Com base nas análises a que procedemos, e a partir das evidências observadas no arcabouço teórico que norteou o estudo sobre o tema, concluímos que a eficácia da argumentação requer, dentre outros critérios, uma cumplicidade com o auditório construído pelo orador. Quanto ao objeto da nossa pesquisa, evidenciamos que o Jornal Massa! e o leitor se identificam, cuja interlocução se traduz no slogan do próprio veículo: um jornal feito do seu jeito. PALAVRAS-CHAVE: Retórica; Argumentação; Tríade argumentativa; Discurso jornalístico; Jornal Massa!

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ABSTRACT

In the present dissertation, we promote a debate on journalistic function

and its relation to the argumentation, with the presupposition that journalism and rhetoric are interwoven in language processing. Therefore, the main aspects involving argumentation are delineated here, especially in sensationalist journalism, whose editorial line is contoured in popular, appealing language and sometimes grotesque, in which emotions are prioritized in detriment of the reason and objectivity. Anchored on these premises, we choose as the object of study the newspaper Massa!, with the purpose of analyzing the argumentative strategies – arising from linguistic mechanisms presented in the texts of four (04) editions of the newscast - which aim the persuasion of the audience to which the vehicle is designed. In this investigative journey, we discus about the elements that compose the Aristotelian argumentative triad - the ethos (the image of the speaker), the pathos (the reaction of the audience) and the logos (the discourse itself, in other words, the argument) – associating these components with the discursive proposal developed by newspaper Massa!. Furthermore, we propose a discussion in the light of the Treaty of Argumentation: the new rhetoric, by Chaïm Perelman and Lucie Olbrechts-Tyteca, in regard to the effects produced by means of argumentative techniques used by the speaker (newspaper) in his quest to conquer the adhesion of the auditorium (readers), and the consequences of these features in journalistic practice. Based on the analysis that we proceeded, and from the evidence observed in the theoretical framework that guided the study on the theme, concluded that the effectiveness of the argumentation requires, among other criterions, a complicity with the audience constructed by the speaker. In relation to the object of our research, we evidenced that the Newspaper Massa! and the reader identify with the dialogue that is reflected in the slogan of the vehicle itself: a newspaper done in your way. KEYWORDS: Rhetoric; Argumentation; Argumentative triad; Journalistic discourse; Jornal Massa!

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................... 10

2 DA INFORMAÇÃO AO ESPETÁCULO: UMA ABORDAGEM SOBRE O JORNALISMO SENSACIONALISTA ...................................................

17

2.1 O GÊNERO SENSACIONALISTA............................................................ 17 2.2 BREVE HISTÓRICO SOBRE O SENSACIONALISMO 29 2.2.1 O Sensacionalismo no Mundo................................................................ 29 2.2.2 O Sensacionalismo no Brasil.................................................................. 31 2.3 CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM SENSACIONALISTA NO

JORNAL IMPRESSO.................................................................................

33 2.4 O SENSACIONALISMO NO NOTICIÁRIO DA BAHIA: O JORNAL

MASSA!......................................................................................................

38

3 IMAGENS, PAIXÕES E ARGUMENTOS: A TRÍADE ARGUMENTATIVA ARISTOTÉLICA E A SUA APLICABILIDADE NO DISCURSO DO JORNAL MASSA!...........................................................

49 3.1 A ARTE RETÓRICA: DE ARISTÓTELES A PERELMAN; OLBRECHTS-

TYTECA E AUTORES CONTEMPORÂNEOS..........................................

50 3.2 ANALISANDO O ETHOS E OS SEUS DESDOBRAMENTOS

RETÓRICOS..............................................................................................

55 3.3 O PATHOS E SUAS IMPLICAÇÕES NO ATO DE

PERSUADIR..............................................................................................

69 3.4 NOÇÕES SOBRE O LOGOS NA TRÍADE ARGUMENTATIVA

ARISTOTÉLICA.........................................................................................

73

4 A NOTÍCIA E OS SEUS EFEITOS DE PERSUASÃO: UM ESTUDO DA ARGUMENTATIVIDADE NO DISCURSO JORNALÍSTICO DO MASSA!, A PARTIR DA NOVA RETÓRICA.............................................

76 4.1 A ARGUMENTAÇÃO NO GÊNERO NOTÍCIA: O CORPUS DA

PESQUISA.................................................................................................

83 4.1.1 Texto 1. Super Maria: 32 filhos............................................................... 84 4.1.2 Texto 2. Covardia: Tarado estupra prima de 6 anos............................ 87 4.1.3 Texto 3. Estuprador é solto: Inimigo n. 1 de criancinha...................... 90 4.1.4 Texto 4. Infância roubada: Vídeos, ameaças e estupro....................... 93 4.2 AS TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS NO NOTICIÁRIO DO MASSA!....... 95 4.2.1 Os argumentos quase-lógicos................................................................ 95 4.2.2 Os argumentos baseados na estrutura do real..................................... 100 4.2.3 Os argumentos que fundamentam a estrutura do real......................... 105

5 CONCLUSÃO............................................................................................ 111 REFERÊNCIAS.......................................................................................... 116 ANEXOS.................................................................................................... 120 ANEXO A: Edição utilizada na análise do Texto 1..................................... 121 ANEXO B: Edição utilizada na análise do Texto 2..................................... 122 ANEXO C: Edição utilizada na análise do Texto 3.................................... 123 ANEXO D: Edição utilizada na análise do Texto 4.................................... 124

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1 INTRODUÇÃO

"A mídia não é apenas a mensagem. A mídia é uma massagem. Estamos constantemente sendo acariciados, manipulados, ajustados, realinhados e manobrados."

(JOEY SKAGGS)

Os veículos midiáticos desenvolvem um papel de visível importância na

sociedade do conhecimento. São eles que possibilitam ao indivíduo conhecer a

maior parte dos acontecimentos do mundo, fazendo com que o direito à

informação seja ampliado. No segmento jornalístico, de modo particular, a

finalidade precípua é, essencialmente, a de buscar informações, organizá-las e

transmiti-las, com objetividade para o público leitor, fazendo-se cumprir a sua

função referencial no âmbito da linguagem.

Entretanto, nem sempre as agências de comunicação se restringem a essa

função, visto que alguns profissionais extrapolam o nível das informações –

exemplo disso é a veiculação de conteúdos impactantes sobre violência,

erotismo, escândalos, sempre em tom exagerado pelas mídias – e, muitas

vezes, não demonstram preocupação com a natureza ética1 que rege a

profissão jornalística.

Tais práticas constituem um subgênero da notícia denominado de

sensacionalismo, isso porque se referem às ações e narrativas que buscam

provocar sensações, o que, no jornalismo, especificamente, indica audácia,

irreverência e, muitas vezes, a inversão da realidade, no que diz respeito à

emissão e ao tratamento das notícias. Nessa “sociedade do espetáculo” –

termo cunhado pelo pensador francês Guy Debord, em 1967 – desenvolvem-se

signos e símbolos que fabricam necessidades e maneiras de desejar que se

incorporam às multidões de espectadores, isto é, às massas.

1 Nesse contexto, faz-se alusão ao Código de Ética que norteia a atividade jornalística, ao

preconizar princípios de conduta dos profissionais os quais atuam no âmbito da informação.

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O sensacionalismo não é um fenômeno exclusivo da contemporaneidade, haja

vista que o homem sempre utilizou de expedientes nem sempre éticos para

chamar a atenção de um fato, especialmente quando tal exibição lhe era

conveniente. É o que se observa recorrentemente nas redes formais e

informais da comunicação e, em se tratando de canais midiáticos, podemos

afirmar que a exploração da miséria tem se popularizado em um ritmo intenso,

vertiginoso. Não obstante, o jornalismo destaca-se, como instrumento a favor

da linguagem, ao mobilizar códigos e signos linguísticos, tornando-se, por

conseguinte, uma prática discursiva a qual lança mão de estratégias da

argumentação, com o intuito de conquistar a adesão do seu público.

É, portanto, diante dessa instância comunicacional que se delineia o objeto da

presente dissertação de Mestrado – O discurso2 showrnalístico: uma

análise dos processos argumentativos presentes em textos do Jornal

Massa! –, no que tange à argumentatividade, na tentativa de se associar o

gênero discursivo à perspectiva funcional da linguagem. Para tanto,

consideramos o teor sensacionalista de que se apropria o referido jornal,

analisando os argumentos que se desdobram com vistas à imagem que é

construída especificamente por esse veículo da mídia impressa (o ethos), à

persuasão do leitor, por meio de argumentos (o logos) e à natureza emocional

do interlocutor ao qual se direcionam as informações (o pathos). Essa tríade,

preconizada por Aristóteles, é amplamente explanada por Perelman e

Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000) no Tratado da Argumentação: a nova retórica,

cujas teorias, entre outras, norteiam o campo das reflexões em face do nosso

objeto de estudo.

Os referidos autores ressaltam que “para argumentar, é preciso ter apreço pela

adesão do interlocutor, pelo seu consentimento, pela sua participação mental”

(PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 18). Definem auditório

como “o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua

argumentação” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 22),

2 Pertinente observar que, nos estudos de linguagem, atribuem-se algumas acepções ao termo

discurso. Para este trabalho, o interesse recai sobre a noção de discurso defendida por Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958], 1996), qual seja, o ato de fala, a locução, que se materializa no texto.

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podendo ser considerado auditório também os leitores de um discurso. No caso

do Jornal Massa!, trata-se de um público que busca informações rápidas, de

fácil entendimento, apesar de grotescas, e com bastante apelo emocional,

permitindo, em muitos casos, que a tragédia se converta em risos e escárnios,

seja por aqueles que leem o noticiário, seja pelos que o conduzem, isto é, os

próprios editores e jornalistas. E, nesse contexto, não interessa somente aquilo

que o veículo diz, mas também o modo como se diz, residindo aí o poder da

argumentatividade.

Com relação ao discurso sensacionalista, os veículos recorrem a esquemas

argumentativos, lançando mão de alguns mecanismos persuasivos – temas

inusitados, o uso de vocabulário simples com utilização de gírias, a passividade

e impacto do receptor e o domínio da hipérbole e adjetivação – de modo que

não se exige esforço por parte do auditório para que os fatos sejam

interpretados. Observa-se que há uma grande aproximação emocional entre

emissor e receptor, viabilizando, por isso mesmo, que se concretize um

discurso de adesão.

As notícias veiculadas no Jornal Massa! denotam esta finalidade, a de fazer

apelo a reações mais baseadas na emoção do que na razão, trazendo à tona

sentimentos primários ao interlocutor, simplificando polêmicas em vez de

fornecer elementos que permitam pensar, compreender, formar opinião.

A linguagem também é muito forte nesse gênero, com a presença de gírias e

“palavrões”, para relatar as representações periféricas, criando assim uma

aproximação com a realidade na qual os episódios se desdobram, sendo

reforçados, certamente, pelo poder das imagens. É, por assim dizer, uma

tentativa – bem-sucedida, por sinal – de estabelecer uma identificação, de

modo que o auditório se sinta coadjuvante, e até mesmo protagonista, da

narrativa jornalística, tal o impacto exercido em sua mente.

Considerando a intencionalidade dos argumentos na produção dos discursos

que circulam nas mídias sensacionalistas, e em razão dos seus formatos e do

modo como são veiculadas as notícias, justifica-se a escolha do Jornal

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Massa! – produto do Grupo A Tarde –, para a concepção da pesquisa. A

discussão incide, principalmente, sobre a argumentatividade presente nas

manchetes do Jornal Massa! e na relação destas com o texto, bem como na

forma de abordagem dos assuntos e os critérios de noticiabilidade, cujo

enfoque recai na teoria do agendamento (TRAQUINA, 2000), pela qual se

discute o papel dos meios de comunicação, no momento de se determinar

quais os assuntos que estarão na pauta, no centro das atenções.

As práticas adotadas pelos jornais de cunho sensacionalista têm sido capazes

de promover a aceitabilidade do público-leitor, resultando em níveis

significativos de venda, notadamente entre consumidores que integram as

camadas C e D da população3, nas quais se tem verificado uma ascensão

quanto à mobilidade socioeconômica e cultural. Configura-se, desse modo, um

novo momento para a imprensa popular – estando aí incluso o Jornal Massa! –,

que aproveita o aquecimento da economia brasileira e o crescimento dos níveis

de escolaridade das referidas classes, convertendo os seus integrantes em

leitores e, por conseguinte, fiéis consumidores desse produto jornalístico.

O Jornal Massa! representa claramente o segmento que se baseia na

exploração da violência e do sensacionalismo como estratégia para atrair o

público, em sua maioria com textos e imagens que causam impacto, comoção,

revolta, e que, na maioria das vezes, aguçam a curiosidade do leitor. O

presente estudo desdobra-se, portanto, no entendimento acerca dos processos

que envolvem a argumentatividade. Para tanto, no trabalho pretendemos

responder à seguinte questão: Quais os mecanismos argumentativos utilizados

pelo Jornal Massa! para convencer e persuadir o leitor?

A partir do embasamento teórico de que se constitui esta dissertação, foi

possível desvendar os principais elementos acerca da temática, qual seja, a

argumentatividade e a sua repercussão diante do público-leitor do gênero

3 Trata-se de uma nova classe média, a qual não deseja o estilo de vida das elites e prefere

produtos que valorizam a sua origem. A renda média das classes C e D aumentou em 50% entre 2010 e 2011. E o movimento de democratização de alguns privilégios antes gozados apenas pelas classes A e B aumentou proporcionalmente. Informações disponíveis em: http://<www.sae.gov.br/novaclassemedia/?page_id=58>. Acesso em 19 nov. 2013.

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sensacionalista. No percurso da investigação, os processos argumentativos

foram estudados a partir dos três componentes da argumentação persuasiva: o

ethos (imagem do orador); o logos (o discurso em si e por si mesmo, o

argumento) e; o pathos (imagem do auditório).

Nessa perspectiva, o objetivo geral no presente estudo concentra-se em

analisar os processos argumentativos que interagem nos mecanismos de

atração e consumo dos textos sensacionalistas veiculados pelo Jornal Massa!

Para atender ao objetivo geral, foram traçados, especificamente, os seguintes

objetivos: verificar o processo de construção do ethos discursivo no Jornal

Massa!; identificar o acordo, a tese e os argumentos que a sustentam na

abordagem dos fatos, notadamente os de caráter sensacionalista e; analisar o

tipo de auditório a que se destinam os textos veiculados pelo Jornal Massa! e

qual a natureza das emoções nele suscitadas.

Quanto à metodologia utilizada para o estudo, escolhemos a técnica de

pesquisa bibliográfica, pois esta se mostrou compatível aos objetivos

pretendidos, tendo como instrumentos a produção de conhecimentos já

teorizados em livros e artigos nos quais são expostas visões tanto sobre o

fenômeno do sensacionalismo na construção de textos jornalísticos quanto

sobre o processo da linguagem e da argumentação.

No que se refere ao método de abordagem, utilizamos o dedutivo,

considerando-se que a temática encontra ressonância em estudos teóricos já

fundamentados, com o intuito de explicar fenômenos particulares e emergentes

– no caso do presente estudo, o sensacionalismo que está inserido no discurso

do Jornal Massa!.

Como objeto investigativo para o campo da argumentação, analisamos no

corpus 04 (quatro) edições do Jornal Massa!, veiculadas nos dias de

sábado/domingo, utilizando-se como recorte a Notícia do dia, que corresponde

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à principal manchete desse noticiário, quais sejam: Texto 1: Super Maria: 32

filhos; Texto 2: Covardia: Tarado estupra prima de 6 anos. Texto 3: Estuprador

é solto: Inimigo n. 1 de criancinha e; Texto 4: Infância roubada: Vídeos,

ameaças e estupro.

Embora sejam de acesso irrestrito ao público as informações apresentadas

neste trabalho – tanto no Jornal Massa! quanto em sites da web –, ao

identificarmos os indivíduos que estão envolvidos nas reportagens e nos

trechos das entrevistas capturados para análise, optamos por utilizar as iniciais,

a fim de preservá-los quanto à sua identidade.

Escolhemos, para análise, as publicações do referido período, por

entendermos que, tradicionalmente, no final de semana os exemplares de

jornais têm maior circulação entre os leitores. Quanto ao critério de seleção das

matérias de capa, elegemos textos cujas abordagens recaíssem, de algum

modo, sobre a infância, considerando ser esse um assunto recorrente na pauta

dos noticiários e que comove os leitores. São temas que suscitam pontos de

vista dos mais calorosos num debate que envolve variadas classes sociais.

Nessa perspectiva, pudemos confirmar a aplicabilidade da Teoria do

Agendamento pelo veículo Massa!, quando o jornal seleciona assuntos que

considera mais importantes para exercer a sua função informativa e por fazer

também o seu público acreditar que a referida notícia é relevante, em

detrimento de outras informações. O intuito é, portanto, perceber, também, a

partir da abordagem jornalística, qual a interlocução que o Massa! estabelece

com o seu público.

Apesar de estarem mencionados os aspectos visuais que compõem as

notícias, a análise direciona-se exclusivamente aos textos de natureza verbal,

priorizando, assim, o recurso da palavra para os efeitos da argumentatividade.

Assim, em função dessa seleção temática, são aleatórios os períodos

analisados, sem que haja, necessariamente, uma sequência cronológica das

publicações. Os dados foram interpretados à luz das concepções teóricas

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norteadoras do estudo, na tentativa de se confirmarem as hipóteses que

suscitaram a investigação.

A partir deste tópico introdutório, a dissertação está estruturada em três

seções, além dos tópicos da Conclusão, Referências e Anexos.

Na primeira seção – 2. Da informação ao espetáculo: uma abordagem

sobre o jornalismo sensacionalista –, explanamos os conceitos relativos a

esse formato de linguagem, bem como suas características e desdobramentos

no campo jornalístico. Ainda nesse item apresentamos o nosso objeto de

pesquisa – o Jornal Massa! –, em um breve histórico acerca do processo de

criação desse veículo e da finalidade a que se propunha com um novo estilo

para divulgação de notícias no estado da Bahia.

Na segunda seção – 3. Imagens, paixões e argumentos: a tríade

argumentativa aristotélica e a sua aplicabilidade no discurso do Jornal

Massa! –, verificamos em que medida esses três elementos se conformam no

processo da argumentação, com vistas a alcançar a persuasão por parte do

auditório.

Na terceira seção – 4. A notícia e os seus efeitos de persuasão: um estudo

da argumentatividade no discurso jornalístico do Massa!, a partir da Nova

Retórica –, os conceitos e as definições sobre a Nova Retórica encontram-se

associados à análise dos textos escolhidos para o corpus da pesquisa, de

modo a classificar e identificar os argumentos ali presentes, facilitando assim a

compreensão acerca da aplicabilidade de tais estratégias as quais permitem

criar o efeito persuasivo no leitor do Jornal Massa!.

No tópico final – 5. Conclusão –, destacamos as impressões gerais obtidas

por meio da pesquisa, no que diz respeito às características do Jornal Massa!

e às estratégias da argumentatividade por ele desenvolvidas. Nessas reflexões

finais, ressaltamos, ainda, a importante função dos veículos midiáticos como

instrumento comunicacional e o papel do público-leitor na recepção dos

argumentos que lhe são dirigidos.

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2 DA INFORMAÇÃO AO ESPETÁCULO: UMA ABORDAGEM

SOBRE O JORNALISMO SENSACIONALISTA

“As palavras são também instrumentos de ação e não apenas de comunicação.”

(MARCUSCHI, 1982).

Nesta seção apresentamos inicialmente conceitos e definições acerca do

sensacionalismo, um pouco do histórico dessa linha editorial na mídia mundial

até a sua inserção nos jornais impressos brasileiros. Na sequência,

explanamos o perfil do Jornal Massa! – objeto que nos serve de análise para o

estudo da argumentação –, identificando as principais características que

revelam o formato concebido por esse veículo cuja maior finalidade se

assemelha a de outros títulos concorrentes no mercado jornalístico baiano:

garantir a adesão do auditório a que se destina.

2.1 O GÊNERO SENSACIONALISTA

No universo midiático, marcadamente no contexto do jornalismo, é necessário

que se desenvolvam estratégias de comunicação capazes de despertar no

público o interesse pelas informações ali veiculadas. Em virtude do fenômeno

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da competitividade existente no mercado, alguns jornais impressos, em busca

de aumentar o número de leitores e, com isso, vender mais exemplares,

passaram a utilizar manchetes e/ou imagens impactantes no intuito de moldar a

emoção do receptor, fazendo surgir o rótulo de “jornais sensacionalistas ou

populares”.4

Pedroso (1983) se reporta a esse gênero do jornalismo com a seguinte

definição:

Modo de produção discursivo da informação de atualidade, processado por critérios de intensificação e exagero gráfico, temático, linguístico e semântico, contendo em si valores e elementos desproporcionais, destacados, acrescentados ou subtraídos no contexto de representação ou reprodução de real social (PEDROSO, 1983, p. 114).

Pedroso (1983, p. 114) afirma que, nesse contexto, “há uma valorização da

emoção, em detrimento da informação”, o que gera uma forma particular de

discurso, ou seja, um discurso que se reveste de um caráter sensacionalista.

Esse discurso é composto de questionamentos referentes ao teor do

sensacionalismo, ao planejamento e à disposição das fotos, das legendas e

das manchetes no jornal, cujos elementos estão orquestrados, a fim de atingir

o terreno das emoções.

Marcondes Filho (1989, p. 66) caracteriza sensacionalismo como “o grau mais

radical da mercantilização da informação: tudo o que se vende é aparência e, na

verdade, vende-se aquilo que a informação interna não irá desenvolver melhor

do que a manchete”. As notícias da imprensa sensacionalista sentimentalizam

as questões sociais, criam penalização no lugar de descontentamento e se

constituem num mecanismo reducionista que particulariza fenômenos sociais.

A informação é sensacionalizada para vender mais jornal e se localiza no

âmbito do lazer, como contraposição à opressão social do trabalho.

4Na consulta bibliográfica sobre o tema, identificamos o uso indistinto dos vocábulos

“sensacionalista” e “popular”. Para o interesse desta investigação, o primeiro termo é o mais apropriado, visto que traduz a ideia de apelo, emoção, sensações que acometem o leitor do Jornal Massa!, nosso objeto de pesquisa.

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As várias definições dadas ao gênero sensacionalista convergem para alguns

pontos comuns, sendo de interesse na nossa investigação o que é sintetizado

por Angrimani Sobrinho (1995):

Sensacionalismo é tornar sensacional um fato jornalístico que, em outras circunstâncias editoriais, não mereceria esse tratamento. Como o adjetivo indica, trata-se de sensacionalizar aquilo que não é necessariamente sensacional, utilizando-se para isso de um tom escandaloso, espalhafatoso. Sensacionalismo é a produção de noticiário que extrapola o real, que superdimensiona o fato (ANGRIMANI SOBRINHO, 1995, p. 16).

Atribui-se o termo sensacionalista àquele tipo de postura editorial – adotada

regular ou esporadicamente por determinados meios de comunicação –, a qual

se caracteriza pelo uso exagerado de determinadas expressões que não

correspondem exatamente àquelas utilizadas por quem participou dos fatos, ou

por argumentos pessoais dos jornalistas, enraizados em expressões pessoais,

chulas e até mesmo preconceituosas, sem que haja uma ligação coerente com

a realidade.

Amaral (2005) argumenta que esse expediente – o da apelação – é utilizado,

em menor ou maior grau, de modo geral, no segmento jornalístico.

O sensacionalismo é um modo de caracterizar o segmento popular da grande imprensa, uma percepção do fenômeno localizada historicamente e não o próprio fenômeno. Corresponde mais à perplexidade com o desenvolvimento da indústria cultural no âmbito da imprensa do que um conceito capaz de traduzir os produtos midiáticos populares mais recentes (AMARAL, 2005, p. 2).

Esse novo jornalismo, caracterizado pelo apelo aos conteúdos sensacionalistas,

os quais buscam atrair mais leitores, mais anunciantes e, consequentemente,

visam trazer mais lucros à empresa jornalística, considera a informação uma

mercadoria importante. Trata-se de uma conduta adotada, na atualidade, por

todos os veículos, mas inegavelmente é a televisão que melhor utiliza os

recursos dos quais dispõe para demonstrar o caráter espetacular dos

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acontecimentos. A consagração da televisão fez com que os jornais impressos,

por exemplo, precisassem passar por diversas mudanças, de modo a

assemelharem seu texto, seu ritmo, sua produção ao estilo televisivo.

Amaral (2005) defende essa finalidade mercadológica de que lançam mão os

jornais sensacionalistas, observando que os recursos são diferentes daqueles

utilizados nos jornais tidos como sérios:

Também é preciso considerar que um jornal destinado ao público popular não se utiliza dos mesmos recursos de um jornal tradicional. [...] Muitas das críticas à imprensa em questão utilizam-se do argumento de que são jornais “feitos para o mercado”. É evidente que as empresas jornalísticas produzem jornais para o mercado. Aliás, qualquer jornal é feito para um determinado mercado, seja ele popular ou de elite, alternativo, de oposição sindical, que vise ao lucro ou não (AMARAL, 2005, 16).

O sensacionalismo, além de caracterizar-se pelo apelo emotivo e pelo uso de

imagens chocantes na cobertura de um fato, também se caracteriza pela

capacidade de induzir o telespectador a prender-se a fatos geralmente

distorcidos, trazendo à tona uma realidade irreal e alterada do cotidiano. Daí

inferir-se que uma informação com teor sensacionalista tem a sua credibilidade

discutível.

Pode-se dizer que a mídia é, em grande parte, a principal responsável pelas

transformações sociais da atualidade. O jornalista é seu cúmplice e, por isso,

conhece as armas capazes de construir ou destruir ideologias. Ciente desse

conceito, a imprensa em geral atua cada vez mais com a ideia de que a

qualidade está associada à preferência do público, ou seja, torna-se bom o

produto que o público gosta e ao qual, portanto, cria adesão. A partir do

momento em que os produtos midiáticos são consumidos, tornam-se

mercadorias e, na guerra em busca de audiência, as regras da ética e moral

são colocadas em segundo plano. É a partir dessa interpretação que, quando

se fala em mídia sensacionalista, esse modelo de jornalismo é então associado

à arte de manipular a informação de modo incompleto ou parcial e de

apresentá-la num formato exagerado ou enganador.

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Chaise (2007), em seu artigo intitulado O sensacionalismo e a dependência do

jornalismo ao mercado (2007), ratifica:

A responsabilidade da isenção, da objetividade quanto à informação divulgada, deveria ser a base da atuação ética do jornalista. Entretanto, sabe-se que em todas as chamadas e matérias há juízos de valor, há valores reconhecidos e expressos, mesmo que implicitamente (CHAISE, 2007, p. 10).

Da forma como se apresentam hoje os jornais e telejornais, as pessoas acabam

por pensar que o mundo gira em torno da violência, dos crimes, dos assaltos,

mortes, sequestros, pânico. E nessa ânsia de demonstrar o sensacional, que

tomou conta de todas as redações jornalísticas, tanto profissionais quanto

proprietários de veículos ultrapassaram o limite ético que distingue um fato de

interesse humano, de divertimento, e apelaram para a linguagem do espetáculo

e do sensacional. É sob essa ótica que a autora analisa o comportamento do

auditório no contexto da linguagem apelativa a que se propõe, por exemplo, o

noticiário sensacionalista:

Esta forma de tratar os aspectos da vida privada em sua dimensão de dor, tragédia ou humor duvidoso de forma tão visível – às vezes cruel e às vezes grosseira – tem algo a ver com a vida de quem é atraído pela informação. Afinidade de conflitos e problemas entre o leitor e o sujeito do texto, curiosidade social ou morbidez se mesclam no interesse comum que mantém, cotidianamente, um jornal com este perfil nas bancas (CHAISE, 2007, p. 11).

De modo geral, os veículos utilizam esse recurso para ganhar audiência, já que

o conteúdo atrai a atenção do público por meio do choque. Essa prática não é

um fenômeno isolado, ou seja, faz parte de um processo histórico e cultural,

sendo influenciado por matrizes como a pornografia, o melodrama, o folhetim, a

literatura de horror, a literatura fantástica e o romance policial, em que se

mesclam realidade e ficção. Importante frisar que tal prática tem sido

igualmente utilizada, ainda que com a devida discrição, em jornais

considerados sérios – estes, em algum momento, podem oscilar entre a

realidade e a ficção, ao construírem o seu discurso. Entretanto, inegavelmente,

é nos jornais populares (aqui tratados como sensacionalistas) que esse formato

se acentua.

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A mídia sensacionalista expõe programas e jornais em que se divulga a

violência, revelam-se bandidos e o erro dos outros em troca de audiência. Seus

métodos de divulgação baseiam-se em expor as suas próprias opiniões como

fatos, não admitindo o distanciamento ou a neutralidade preconizada no ofício

do jornalismo. Nesse sentido, Marcondes Filho (1986) é enfático quanto ao

papel a que esse gênero se propõe:

[...] O jornalismo sensacionalista extrai do fato, da notícia, a sua carga emotiva, apelativa e enaltece. Fabrica uma nova notícia que a partir daí se vende por si mesma [...] não se presta a informar, muito menos a formar. Presta-se básica e fundamentalmente a satisfazer as necessidades instintivas do público, por meio de formas sádicas, caluniadoras e ridicularizadora das pessoas. Por isso, a imprensa sensacionalista serve mais para desviar o público de sua realidade do que voltar-se a ela (MARCONDES FILHO, 1986, 78).

Agregando maior voltagem de cor na diagramação, textos sintéticos, várias

seções de prestação de serviços e uma mescla entre temáticas de

entretenimento, casos policiais e a redução, quando não exclusão, dos

tradicionais editoriais de política e economia, esses jornais lançam à prática do

jornalismo o desafio de conciliar interesse público com o interesse do público a

que se dirige. Buscam, sobretudo, uma relação de cumplicidade e visibilidade

do leitor, que é priorizado e exposto nas páginas, principalmente por meio da

personificação das notícias, em nome da carga de humanidade

(PREVEDELLO, 2007).

Está imbricado, nesse cenário, de um lado o conflito diante da finalidade do

jornalismo como instituição pública mediadora; de outro lado, a perseguição e

conquista de novos mercados consumidores de leitores por uma instituição que

também é de economia privada.

No intuito de se aproximarem de uma camada de público com baixo poder

aquisitivo e pouco hábito de leitura, os jornais, muitas vezes, transformam-se

em mercadoria em todos os sentidos. Com frequência, deixam o bom

jornalismo de lado para simplesmente agradarem ao leitor, em vez de

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buscarem novos padrões de jornalismo que reforcem os compromissos sociais

com a população de renda mais baixa.

Entretanto, na visão de Amaral (2005), esses jornais têm alterado o conceito e

o modo de informar – antes exclusivamente sensacionalista, e hoje maleável

na sua concepção de noticiário. Segundo a autora, é necessário considerar que

as estratégias de popularização da notícia não estão mais reduzidas à opção

por temática de sangue e sexo.

Muitos produtos jornalísticos populares contornam o estilo “espreme que sai sangue” e usam outros recursos para conectarem-se com o público popular como o entretenimento, o assistencialismo, o denuncismo, a prestação de serviços e a superexposição das pessoas comuns e das celebridades. Muitos produtos informativos populares, ao abandonarem as falsas informações e o exagero, passam também a apostar na sua credibilidade, conceito antes considerado privilégio da imprensa de referência (AMARAL, 2005, p. 4).

Observa-se que o “boom” dos jornais populares mudou a relação de leitura das

classes C, D e E. Com esse formato de texto, cujas especificidades buscam

atrair a atenção do público, os editores cumpriram sua missão e potencializaram

esse público para o jornalismo impresso. Mesmo o jornalismo considerado sério,

que era tradicionalmente forte no tratamento dado à informação, enveredou

pelos caminhos do espetáculo. Por conta disso, acredita-se que esse culto à

espetacularização – em detrimento da informação de qualidade – tem frustrado o

público leitor que integra a classe mais privilegiada cultural e economicamente

da sociedade.

Contudo, pode-se inferir que o jornalismo popular, embora pautado no

sensacionalismo, nos moldes atuais, tem sido responsável por fazer ler uma

população que não tinha leitura como hábito diário e tinha somente a televisão

como quadro de referência midiático principal. As comunidades também nunca

tiveram tanto espaço quanto nesses jornais. Além de gerar interesse nos

leitores, há demonstrações de que as periferias ganham importância nesse

novo jornalismo. Em algumas colunas, os jornais tentam, inclusive, fazer

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denúncias, prestar serviços e manter-se como um mediador entre a população

e o poder público.

Marcondes Filho (2002) avança na condução do conceito buscando aportes na

política e na economia. Para o autor, sensacionalismo vai rimar com

manipulação, com mercantilização da informação. O autor ainda afirma que "a

notícia, como mercadoria, vai recebendo cada vez mais investimento para

melhorar sua aparência e sua vendabilidade” [...] (MARCONDES FILHO, 2002,

p. 24). Para tanto, criam-se as manchetes, os destaques, as reportagens,

trabalha-se e investe-se muito mais na capa, no logotipo, nas chamadas de

primeira página, de modo que o conteúdo passa a figurar no segundo plano.

Todo esse processo somente contribui para dificultar ou minimizar o poder de

reflexão e discernimento do leitor, e assim a criticidade vai, aos poucos,

cedendo lugar ao espetáculo, que é facilmente absorvido e incorporado pela

massa.

Arbex Jr. (2002) corrobora o debate acerca do gênero sensacionalista. Para

ele, tudo não passa de espetáculo, um “showrnalismo”, baseado no

“infontenimento” – fim da fronteira entre informação e entretenimento –, que

obrigou o jornalismo, por exemplo, a se adaptar ao ritmo das mensagens

publicitárias, pois "ninguém que tenha acabado de passar pelo impacto visual

proporcionado pelas mensagens da Coca-Cola ou Marlboro suportaria uma

sequência longa mais do que trinta segundos ou densa sobre algum evento"

(ARBEX Jr., 2002, p. 51-52). Assim as notícias se tornam cada vez mais rasas

de conteúdo e efêmeras, não possibilitando reflexões cuidadosas por parte do

leitor.

O autor destaca também que no jornal televiso "as notícias são apresentadas

por belas mulheres, ou por 'âncoras', que funcionam como showmen, não

tendo importância o fato de eles saberem ou não de que trata a notícia lida

no teleprompter" (ARBEX Jr., 2002, p. 52). Portanto, o acontecimento político e,

mais amplamente o social e/ou cultural, contrai os contornos de um grande

show.

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O crítico francês Guy Debord (2005), um importante estudioso do universo

permeado pela sociedade do espetáculo, também traz para a discussão o

império da mídia na construção e representação de personagens Em sua

concepção, o espetáculo se tornou, na contemporaneidade, uma mercadoria

que ocupou totalmente o espaço da vida secreta, numa relação de poder e

eficácia:

O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens. [...] Sob todas as suas formas particulares, informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante (DEBORD, 2005, p. 8).

Ao se referir a esse contexto mercadológico que interferiu sobremaneira no

modo de se fazer jornalismo, Marcondes Filho (1992) acredita que a indústria

cultural produz uma transformação na identidade das pessoas e das culturas, na

medida em que as torna cada vez mais indiferenciadas. Para o autor, os fatos

sociais são ajeitados, adaptados, interpretados, traduzidos, alinhados para o

grande público. A matéria-prima, que são os fatos crus, precisa ser transformada

em produto cultural, e este é o trabalho promovido pela comunicação

industrializada. Tem-se, portanto, a formação da mercadoria cultural.

Para Debord (2005), em nenhuma outra época da história os profissionais do

espetáculo tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras e conquistaram

todos os domínios – da arte à economia, da vida cotidiana à política –,

passando a organizar, de forma consciente e sistemática, o império da

passividade e da indiferença. O autor lança a mais forte e aguda crítica à

sociedade que se organiza em torno dessa falsificação da vida comum.

O espetáculo que inverte o real é efectivamente produzido. Ao mesmo tempo, a realidade vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo, e retoma em si própria a ordem espectacular dando-lhe uma adesão positiva. [...] a realidade surge no espectáculo, e o espectáculo é real. Esta alienação recíproca é a essência e o sustento da sociedade existente. No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso (DEBORD, 2005, p. 10-11).

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Nesse sentido, o jornalismo sensacionalista insere-se de maneira inequívoca

na sociedade do espetáculo, ao optar por assuntos do cotidiano, de forma que

cause comoção no telespectador, ao estabelecer uma simbiose entre o que é

real (os fatos em si) e o que é fictício (a espetacularização dos fatos).

Debord (2005), ao definir o modo de ser da sociedade atual como “sociedade

do espetáculo”, afirma que o espetáculo nada mais é que o exagero da mídia

que, em vez de comunicar, pode chegar a excessos. Assim, a sociedade surge

do espetáculo e o espetáculo é real. Tal reciprocidade toma forma em todos os

campos da vida humana e, nesse caso, atua fortemente nos meios de

comunicação de massa, em que o jornalismo passa a construir um discurso

baseado em modelos fictícios e a ficção constrói o seu discurso baseando-se

em modelos reais.

Marcondes Filho (1986), por sua vez, aponta uma característica importante que

pode ser notada na construção jornalística: a semelhança dos textos, tanto

impressos quanto televisivos, aos dramas. Isso talvez explique o porquê de os

noticiários serem produzidos como espetáculos. “Por seu caráter festivo, esses

fatos, sem quaisquer vínculos com a realidade imediata do telespectador, são

politicamente esvaziados (...). O cenário, o apresentador, as cores e todas as

‘informações paralelas’ neutralizam as notícias” (MARCONDES FILHO, 1986, p.

52), atingindo tão somente o estado emocional do leitor.

O autor afirma que esse tipo de informação busca fabricar um mundo

embelezado, de preocupações minimalistas, que se voltam para o privado, para

o individual. As pautas não são definidas pelas inquietações macrossociais ou

de interesse geral, mas por uma série de assuntos definidos como notícia pelos

próprios meios de comunicação –trata-se da teoria do agendamento –, cujos

interesses buscam apresentar, como já mencionamos, notícias de apelo

emocional com discursos voltados para o sensacionalismo, com ampla repetição

de fatos como crimes, assassinatos e tragédias. “O que se vê é uma série de

subprodutos do jornalismo em que o banal, o supérfluo, o vazio ocupam o

espaço de uma suposta densidade desaparecida das páginas dos jornais”

(MARCONDES FILHO, 1986, p.107).

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Ao analisar a relação do jornalismo com o mercado, Bourdieu (1989, p. 61)

afirma que “os jornalistas tendem a usar certas práticas de enquadramento dos

casos novos, que aparecem nas redações, a certos esquemas pré-

estabelecidos de representação”. Nesse jogo de poder, aquele veículo que

conseguir enquadrar o acontecimento, determina o seu capital simbólico sobre

os concorrentes, visto que, segundo Bourdieu (1989, p. 61), “o poder simbólico

é um poder que está em condições de se fazer reconhecer, de obter

reconhecimento”.

Bourdieu (1997) complementa que há, da parte da imprensa, uma busca por um

público mediano, tendo como objetivo atrair um número maior de leitores e

satisfazê-los. Na prática, o processo faz com que os textos aprofundados sejam

substituídos por construções leves, fáceis de serem assimiladas, mesmo que

superficiais e descontextualizadas da realidade.

Para um jornal sensacionalista, o fait divers – termo criado pelo teórico francês

Roland Barthes, em 1964, na obra Essais Critique. Trata-se da notícia do dia,

na qual valerá a pena investir, aquela que traz mais proximidade com o seu

público, seja essa notícia o nascimento de um bebê diabo, seja o depoimento

de uma mulher com duas “pererecas” (termo grosseiramente atribuído à

genitália feminina). Considerado um dos principais nutrientes do jornalismo

sensacionalista, o fait divers encontra a sua melhor definição nas palavras de

Morin (1969), segundo o qual os limites do mundo real ou do inesperado

irrompem na vida cotidiana:

No fait divers, as proteções da vida normal são rompidas pelo acidente, catástrofe, crime, paixão, ciúmes, sadismo. O universo do fait divers tem em comum com o imaginário (o sonho, o romance, o filme) o desejo de enfrentar a ordem das coisas, violar os tabus, levar ao limite, à lógica das paixões (MORIN, 1969, p. 78).

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Nas discussões acerca do jornalismo sensacionalista, é pertinente inserir o

conceito de modos de endereçamento5, o qual “se baseia no argumento que,

para que o jornal ou programa funcione para um determinado público, o

espectador deve entrar em uma relação particular com a história” (AMARAL,

2006, p. 06). Referem-se às maneiras utilizadas pelos jornais para se dirigirem

aos leitores, às formas como os veículos se orientam para estabelecerem

relações com seu auditório. Estão, portanto, sempre vinculados a uma imagem

do receptor, ou seja, a imagem que o jornal tem do leitor resulta de processos

discursivos anteriores. Por antecipação, o jornal projeta um leitor e estabelece

suas estratégias com base nele. O leitor, por sua vez, também projeta um

jornal e imagina o que o jornal deve dizer e como deve dizer.

Nesse processo, emergem estas perguntas: - A quem o jornal é endereçado?; -

Quem o jornal pensa que seu público é? E ainda: - Quem esse jornal deseja

que o leitor seja? Assim sendo, voluntária ou involuntariamente, os jornalistas

adotam modos de endereçamento que posicionam o leitor em determinados

lugares, para que se instaure a cumplicidade necessária à adesão do auditório

frente aos argumentos que lhe são apresentados, a partir do noticiário em

geral. O modo de endereçamento consiste, portanto, na “diferença entre o que

poderia ser dito – tudo que é histórica e culturalmente possível e inteligível de

se dizer – e o que é dito” (ELLSWORTH, 2001, p. 47).

Na tentativa de adequar a informação jornalística a temáticas e linguagens

mais populares, os jornais eliminam de sua agenda vários temas de interesse

da cidadania e colocam, no mesmo status de informação, discursos de campos

diferentes do jornalismo. Na visão de Amaral (2005), para ser consumido, o

jornal precisa conhecer minimamente os gostos, a linguagem, a estética e os

estilos de vida de seus leitores. Da mesma forma que na imprensa de

referência, o jornalismo popular é um modo de transmissão de conhecimento,

mas nesse segmento, ele se configura melhor como um modo de

entretenimento.

5 A teoria de Modos de Endereçamento, apresentada por Elisabeth Ellsworth (2001), foi

direcionada ao discurso cinematográfico, mas pode ser igualmente aplicada ao discurso jornalístico.

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Com relação aos jornais de natureza sensacionalista, podemos inferir que o

produtor fará um texto com expectativas dirigidas àquele que vai consumir.

Pensando nesse consumo, o produtor idealiza um consumidor médio e sua

preocupação está no fato de como atrair esse consumidor médio. Conforme

assevera Morin (1969), tal relação constitui a cultura mediana.

[... a cultura de massa é média em sua inspiração e seu objetivo, porque ela é a cultura do denominador comum entre as idades, os sexos, as classes, os povos, porque ela está ligada a seu meio natural de formação, a sociedade na qual se desenvolve uma humanidade média de níveis de vida médios, de tipo de vida médio (MORIN, 1969, p. 54).

O público leitor, em geral distante das esferas de poder, prefere ver sua

cotidianidade impressa no jornal, logo, a informação torna-se sinônimo de

sensação e da versão espetacularizada das diferentes realidades individuais. É

com frequência que o gênero popular da grande imprensa enfatiza matérias de

interesse humano que, ao serem personalizadas e descontextualizadas,

assumem a função de entretenimento e espetacularização. Muitas vezes,

constata-se o tratamento da informação de um ponto de vista tão particular e

individual que, mesmo que esta diga respeito à grande parte da sociedade, sua

relevância se evapora. Outras vezes, o interesse do público suplanta o

interesse público não somente em função da temática da notícia, mas também

pela forma como esta é editada, a partir da individualização do problema, o que

dá a sensação de que a função jornalística não é efetivada.

Um modo de endereçamento cada vez mais comum é a mudança no critério de

adoção de fontes: muitos jornais e programas adotam como prioritárias fontes

que não têm o papel de explicar o que ocorre na sociedade, mas assumem

uma função testemunhal de autenticar o acontecimento ou gerar sensação

(AMARAL, 2006). Em muitos jornais – enfatizamos aqui a prática do jornalismo

televisivo –, ocorre a intensa visibilidade da fala dos populares e o desprezo

pelas fontes públicas, oficiais ou especializadas. Em outros, toma-se o

declaracionismo das autoridades (principalmente policiais) como prática, e as

fontes falam apenas para dar credibilidade.

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As notícias são selecionadas, principalmente, pela carga emocional ou de

humor, ou ainda pelo aspecto hilariante ou grotesco, com o intuito primeiro de

entreter o público, ficando o conteúdo da informação para o segundo plano. Nas

notícias, o texto produzido denota um exercício de interpretação e dramatização

do evento, para despertar principalmente as emoções no leitor ou espectador.

Desse modo, a sua publicação depende em grande parte da capacidade

inventiva do jornalista que seleciona e escreve as notícias. A escolha se justifica

por atrair a atenção dos leitores e distraí-los, ou, como sugere Morin (1969, p.

100), por afirmar a presença da paixão, da morte e do destino, “para o leitor que

domina as extremas virulências de suas paixões, proíbe seus instintos e se

abriga contra os perigos”. Morin (1969) ratifica que quanto mais espetaculares

forem os fait divers, tanto mais serão privilegiados na prática jornalística

contemporânea:

[...] as grandes catástrofes são quase cinematográficas, o crime é quase romanesco, o processo é quase teatral. A imprensa seleciona as situações existenciais carregadas de uma grande intensidade afetiva. No fato variado, a situação é privilegiada, e é a partir de situações chave que os personagens afetivamente significativos são vedetizados (MORIN, 1969, p.105-6).

Os jornais e programas populares constroem sua legitimidade ao se

relacionarem, de uma forma peculiar, com o mundo do leitor. Já que precisam

falar do universo dos leitores, interpelam uma estética pragmática, pouco

importando se as informações são do âmbito do privado, do local ou do

entretenimento. Assim, o ideal da objetividade, embora varie de jornal para

jornal, muitas vezes é abandonado, e a credibilidade é construída por

intermédio de outros parâmetros, como a proximidade e o testemunho.

Além disso, os veículos são obrigados, por interesses mercadológicos, a

utilizarem determinados recursos temáticos, estéticos e estilísticos, que,

mesmo deslocados do discurso jornalístico tradicional, servem para legitimar a

fala do jornal entre seu público-alvo.

2.2 BREVE HISTÓRICO SOBRE O SENSACIONALISMO

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2.2.1 O Sensacionalismo no Mundo

O sensacionalismo, enquanto vertente de inspiração para o jornalismo, tem

raízes históricas nos séculos passados. De acordo com Angrimani Sobrinho

(1995), os jornais populares franceses do século XIX já exploravam a violência,

catástrofes e os fenômenos inexplicáveis, de natureza ficcional ou crença

religiosa. Antes disso, por volta de 1690, o primeiro jornal lançado nos Estados

Unidos, Publick Occurrences, já apresentava características sensacionalistas

(AMARAL, 2006). Mas foi realmente no final do século XIX que o fenômeno

conhecido como Yellow Press (imprensa amarela), sinônimo de jornalismo de

escândalos no Brasil, lançaria as bases para um movimento sensacionalista

que serviu de modelo para jornais de todo o mundo.

Angrimani Sobrinho (1995) relata, ainda, que o informativo A Gazeta de

France, cuja publicação ocorreu em 1631, tem muita semelhança com os

jornais sensacionalistas que circulam nos dias atuais. Entretanto, antes desse

jornal, folhetins com ilustrações e impressos em caracteres góticos sobre um

papel de baixa qualidade eram muito procurados pelos leitores, porque

publicavam assuntos criminais e desastres. E já no século XIX, “as pessoas

que faziam os jornais saiam às ruas gritando as manchetes de cunho

sensacionalista” (ANGRIMANI SOBRINHO, 1995, p. 19).

Conforme relata Angrimani Sobrinho (1995), o surgimento do New York Sun,

em 1833, como primeiro jornal norte-americano destinado às massas que

valorizava as histórias de interesse humano, mudou radicalmente o conceito de

jornalismo. A população era atraída demasiadamente por esse tipo de

informação que deixava de lado questões políticas e se dedicava a contar

histórias ligadas ao cotidiano, relacionadas a dramas de pessoas comuns, a

episódios policiais e ao dia a dia nos parlamentos. Ainda nos Estados Unidos,

os jornais de Joseph Pulitzer e William Hearst – New York World e Morning

Journal, respectivamente – priorizavam dramas, histórias falsas, manchetes de

impacto e eram dirigidos às classes populares, sendo vendidos a preços

baixos.

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Um pouco anterior a esse período, surge o folhetim na Europa, por volta de

1830, considerado o primeiro texto escrito no formato popular de massa,

caracterizado pela linguagem simples, direta, sintética, temática flutuante entre

a informação e a ficção. É um momento em que a imprensa começa a adquirir

condições de produção industriais, mas, ao mesmo tempo, as tradições

populares passam a ser incorporadas aos assuntos de interesse do jornalismo

(ANGRIMANI SOBRINHO, 1995).

2.2.2 O Sensacionalismo no Brasil

De acordo com Prevedello (2007), no Brasil, é também no final do século XIX

que publicações de artigos de Brito Broca e Afonso Lima Barreto trazem à tona

o tema do sensacionalismo como faceta inerente à atividade jornalística. Há

interpretações de autores que consideram a hipótese de que o

sensacionalismo é uma característica presente, de alguma forma, na prática

jornalística; por outro lado, há também a compreensão de que o caráter

sensacionalista seja um teto alargado para a exploração dos dramas humanos

e da manipulação da informação, com o propósito de provocar sensações de

natureza psíquica e alavancar as vendas de jornais.

O crescimento de jornais populares, ao mesmo tempo em que sinaliza para uma faceta da segmentação característica dos produtos midiáticos e da própria mídia impressa, que busca diferenciar-se através do direcionamento a públicos específicos, alerta também para o reconhecimento de uma maior visibilidade aos modos de vida das classes consideradas populares, denunciando a identificação de uma apropriação simbólica desse público com o consumo de informação (PREVEDELLO, 2007, p. 22).

Amaral (2006) relata que, nos anos 1970 e 1980, o exemplo mais notório desse

tipo de jornalismo era o Notícias Populares - NP, publicação pertencente ao

Grupo Folha, em São Paulo, que chegou aos 180 mil exemplares diários,

vendidos apenas em bancas, e que deixou de circular em 2001. Com discurso

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justiceiro em nome do povo, o diário esgotava em poucos minutos nas bancas

próximas a saídas de fábricas. Seu texto persuasivo deixava a esfera da

polêmica para assumir um tom autoritário, taxativo, estigmatizante.

Esclarece a autora que a década de 1990 configura-se em um cenário propício

à renovação na mídia impressa brasileira, decorrente de alguns fatores. Um

aspecto importante consiste nas mudanças econômicas, as quais

possibilitaram a consolidação de um público consumidor potencial de

informação nas classes C e D, que até então não se inseriam entre os

habituais leitores de jornais impressos. Ademais, o desafio lançado pela

expansão da Internet – um formato de comunicação que trouxe mudanças na

linguagem de apelo ao espectador – e o momento internacional, em que

grandes empresas na Europa e América Latina lançam periódicos

condensados, com linguagem mais direta, sucinta e apelo visual mais forte, são

elementos que, conjuntamente, proporcionam o aparecimento de uma nova

proposta no jornalismo impresso.

O crescimento desse modelo de jornalismo popular – pautado no

sensacionalismo – é uma tendência mundial. O objetivo é levar informação aos

considerados “menos favorecidos”, atingir o público popular, mais precisamente

de comunidades carentes, onde vivem famílias de baixa renda e que não

tinham o hábito de ler jornais, além de ser mais um produto jornalístico no

mercado que irá concorrer com os grandes jornais de referência.

Com o objetivo de atender a essa demanda de novos consumidores, vários

desses novos jornais são lançados, no Brasil, por empresas já consolidadas

nesse segmento de mercado, dos quais brotam títulos que avançam sobre

faixas consumidoras até então desprezadas pelos jornais anteriores. Exemplos

dessa parceria são: o jornal Extra e Expresso da Informação, da InfoGlobo, que

tem O Globo; o Meia-Hora, da empresa jornalística de O Dia; o Diário Gaúcho

e A Hora de Santa Catarina, lançados pelo Grupo RBS, que edita o Zero Hora

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e o Diário Catarinense e; o Massa! – objeto do nosso trabalho de investigação

–, que pertence ao grupo detentor do Jornal A Tarde6, na Bahia.

Fundado em 1912, o Jornal A Tarde é um produto de circulação diária na Bahia

e integra o segmento considerado jornais de referência. Recebeu essa

denominação porque sua circulação era vespertina e surpreendeu

os soteropolitanos pela sua qualidade gráfica, que era o seu diferencial em

relação à concorrência. O Jornal A Tarde nasceu em um conturbado ambiente

político, marcado pelas eleições estaduais, e também em um contexto de mídia

competitivo, pois àquela época seis jornais circulavam em Salvador: Jornal de

Notícias, Diário da Bahia, Diário de Notícias, Gazeta do Povo, A Bahia e Diário

da Tarde.

Uma observação interessante é que tais empresas não veem concorrência

entre os produtos, por entenderem que há uma destinação e penetração em

públicos diferentes. Além disso, há um importante diferencial a ser considerado

na destinação aos variados públicos, isto é, a própria estratégia de distribuição:

enquanto os jornais principais dos referidos grupos são vendidos também por

assinatura, os sensacionalistas somente podem ser comprados nas bancas de

revistas e por meio de jornaleiros em pontos estratégicos das grandes cidades.

Com base nos indicadores do crescimento da circulação dos jornais populares,

podemos inferir que uma parcela de leitores está, de fato, aderindo a esse novo

formato, já que os exemplares não podem ser entregues em casa, e até pouco

tempo não dispunham de páginas na Internet.

Berthier e Silva (2012) defendem que se, por um lado, as notícias são de

entretenimento, e por isso são ignoradas pela imprensa de referência, por outro

lado, existe a possibilidade de se reverter esse quadro preconceituoso,

tornando esse estilo em um processo que possa desenvolver o interesse do

leitor de massa popular por assuntos relevância, seja no âmbito mundial, seja

na esfera local, da sua realidade.

6 O Jornal A Tarde comemorou, em 2012, seus 100 anos de existência. Custa R$ 2,00 nas

bancas, variando para R$ 3,00 no domingo e oferece possibilidade de assinatura nas versões impressa e digital.

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2.3 CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM SENSACIONALISTA NO JORNAL

IMPRESSO

Para Seligman (2009), o sensacionalismo atual é herdeiro de algumas matrizes

culturais da modernidade. Assim, pode ser conceituada de sensacionalista a

publicação que trouxer as seguintes características:

a) a ênfase em temas criminais ou extraordinários, enfocando preferencialmente o corpo em suas dimensões escatológica e sexual; b) presença de marcas da oralidade na construção do texto, implicando uma relação de cotidianidade com o leitor; c) a percepção de uma série de marcas sensoriais espalhadas pelo texto como a utilização de verbos e expressões corporais (arma “fumegante”, voz “gélida”, “tremer” de terror etc.), bem como a utilização da prosopopeia como figura de linguagem fundamental para dar vida aos objetos em cena; d) a utilização de estratégias editoriais para evidenciar o apelo sensacional: manchetes “garrafais”, muitas vezes seguidas por subtítulos jocosos ou impactantes; presença constante de ilustrações, como fotos com detalhes do crime ou tragédia, imagens lacrimosas, histórias em quadrinho reconstruindo a história do acontecimento, etc.; e) na construção narrativa, a recorrência de uma estrutura simplificadora e maniqueísta.

f) relação entre jornal sensacionalista e seu consumo por camadas de menor poder aquisitivo, que, por diversas razões, seriam manipuladas e acreditariam estar consumindo uma imprensa “popular” (...) quando, no fundo, estariam consumindo um jornalismo comercial feito para vender e alienar (SELIGMAN, 2009, p. 2-3).

Elementos gráficos, fotos chamativas e linguagem grotesca na capa dos jornais

são características exclusivas de publicações populares e sensacionalistas. As

manchetes se destacam pela irreverência das frases, fotos sem censura e

cores em destaque, que ganham a atenção do leitor. Nesse contexto, as

inúmeras poluições visuais e combinações de formato, fazem com que o

impresso popular se torne um jornal descartável. O que é notícia hoje não será

amanhã, devido ao enfoque sensacionalista e fugaz das manchetes. Cada dia

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há uma notícia excepcional estampada na capa dos tabloides, fazendo com

que a manchete do dia anterior seja menos importante do que a manchete

atual, que tende a ser igualmente esquecida e descartada.

Com isso, percebe-se que esses jornais seguem um método de abordagem

sensacional imediata da notícia. Publicam as manchetes de forma a chamar

rapidamente a atenção dos leitores, e assim venderem um maior número de

exemplares diários, muitas vezes sem se preocuparem com o conteúdo

jornalístico e fundamento das matérias.

Conforme já pontuado, não se trata de um fenômeno novo. É talvez a mais

antiga ferramenta para aumentar as vendas de produtos de comunicação e

implica uma opção editorial. O produto sensacionalista baseia-se, portanto, em

uma linguagem específica, a qual traduz o seu caráter apelativo.

Angrimani Sobrinho (1995, p.16) lembra que a linguagem sensacionalista “não

pode ser sofisticada, nem o estilo elegante”. Os veículos utilizam, portanto, a

linguagem coloquial, mas diferentemente daquela empregada pelos

informativos comuns, visto que carrega um coloquialismo exagerado e

apelativo, o que obriga o leitor a se envolver emocionalmente.

Na imprensa sensacionalista, conforme pontua Pedroso (2001), a gramática

discursiva construída pelos jornais caracteriza-se pela exacerbação de

modelos e arquétipos sociais e culturais já sedimentados no imaginário social

sobre a narrativa jornalística diária. Entre as regras definidoras da prática ou do

modo sensacionalista de produção do discurso de informação estão: a

intensificação, o exagero e a heterogeneidade gráfica; a valorização da

emoção em detrimento da informação; a exploração do extraordinário e do

vulgar; a valorização de conteúdos ou temáticas isoladas e sem

contextualização; a produção discursiva na perspectiva trágica, erótica,

violenta, ridícula, insólita, grotesca ou fantástica; a gramática discursiva

fundamentada no desnivelamento socioeconômico cultural entre as classes

hegemônicas e subalternas, entre outras.

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A linguagem utilizada nos jornais sensacionalistas é coloquial, de forma

exagerada, podendo ser usadas as gírias e os “palavrões”. Os meios que

utilizam essa linguagem argumentam que as pessoas gostam do que leem, e

que o jornal é voltado para um público constituído por leitores de baixa

escolaridade. Os recursos gráficos são um dos artifícios que o jornal utiliza. A

manchete é escrita em caixa alta e em cores fortes, com destaque na capa do

jornal. Por receber um espaço maior, é geralmente impactante, às vezes

composta de uma frase que chama a atenção do leitor. E por ser o primeiro

contato com o leitor, a manchete é produzida para despertar nele o desejo de

ler a informação na íntegra.

Além de expressões e imagens sensacionalistas, uma característica da qual se

constituem esses veículos é a diluição da prática jornalística na prestação de

serviço e no assistencialismo. Nota-se que os jornais precisam se tornar

imprescindíveis à vida do público e, com essa finalidade, criam espaços para

que sejam publicadas as críticas e reclamações encaminhadas pelos leitores,

atuando, assim, como porta-vozes diante das reivindicações da comunidade.

Tais serviços de utilidade pública configuram a função protecionista bastante

presente nos programas televisivos que exploram esse gênero, agora

transposto para a mídia impressa.

O assistencialismo, por sua vez, faz com que os veículos de comunicação

adotem a necessidade como virtude e todos os injustiçados ou excluídos, os

quais integram a cultura de massas, passem a ter visibilidade por portarem um

capital simbólico: a exclusão social. Mas deve se observar que o

sensacionalismo aparece nos meios de comunicação como uma espécie de

balança, oscilando em determinado momento para a punição e, em outro, para

a transgressão. E o leitor percebe que está entrando em terreno

sensacionalista quando existe essa intenção – de punir ou transgredir (às

vezes, as duas ao mesmo tempo) – tendo como base uma linguagem clichê.

Apesar de estabelecer uma relação de proximidade entre as histórias contadas

e os leitores, tais artifícios de linguagem só colaboram com a estigmatização

dos moradores das periferias, caracterizados como bandidos, marginais,

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traficantes. Segundo Patias (2006, 98), “a linguagem popular adotada, ao

mesmo tempo em que pretende identificar-se com o discurso do pobre e exigir

os seus direitos, retrata o marginalizado e o favelado como violento, bandido e

potencial criminoso”.

O entretenimento, conforme já visto, é um dos pontos fortes nessa mídia, com

notícias sobre famosos, apresentações culturais, shows, filmes, novelas e

diversos temas que possam entreter os leitores. A espetacularização e

exposição de celebridades são, portanto, práticas as quais evidenciam que os

produtos populares são construídos numa tênue fronteira entre o jornalismo e o

entretenimento. Ademais, o léxico se apresenta como o melhor definidor da

linguagem popular escrita pela imprensa sensacionalista.

Há por parte do jornal uma liberdade sem limites no uso dos vocábulos gírios (inclusive os de origem ligada às classes marginais) e uma posição de tolerância quanto ao emprego dos vocábulos obscenos (palavrões), seja no seu aspecto afetivo, seja no seu poder injurioso (DIAS, 2008, p. 84).

Dias (2008, p. 86) afirma que, no intuito de se tornar um veículo

eminentemente popular, os jornais sensacionalistas procuram “aproximar-se do

estilo oral, e essa aproximação se dá com maior intensidade no nível do léxico

[...]”, demonstrando assim o poder que têm as palavras para alcançar o

convencimento e a persuasão do leitor.

Os jornais destinados a classes populares são produzidos pensando na

preferência do público para o qual é direcionado. A imprensa popular utiliza o

sensacionalismo com o marketing, pois os textos são elaborados com um

sentido mercadológico e tem o objetivo de vender cada vez mais exemplares.

Assuntos como violência – tema que está presente em todas as classes sociais

– recebem no jornal popular sensacionalista um tratamento diferenciado, ou

seja, o leitor sente-se familiarizado com a reportagem. Os episódios são

narrados de forma que o leitor se espelhe na história, ou por morar na região

onde aconteceu o fato, ou em razão de já ter passado por tal situação.

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Amaral (2006) reforça essa discussão, ao afirmar que as pessoas leem jornais

não apenas para se informar, mas também pelo senso de pertencimento, pela

necessidade de se sentirem partícipes da história cotidiana e poderem falar das

mesmas coisas que todo mundo fala. Dessa forma, o ato de ler um jornal e de

assistir a um programa também está associado a um ritual que reafirma

cotidianamente a ligação das pessoas com o mundo ao qual elas pertencem.

Nesse particular, Morin (1969) complementa que o jornal sensacionalista

produz no auditório a liberação de desejos reprimidos e censurados, permitindo

ao leitor realizar atos que só se materializam na imaginação. Assim, toda a

violência que imaginariamente é realizada diariamente seria legitimada pela

leitura realizada num dado espaço social. O impulso agressivo do leitor

permite-lhe, pelo ato de leitura, uma satisfação imaginária e verbal. Esse autor

afirma que o mundo dessa mensagem-sensação realiza-se no imaginário do

leitor “na imagem reflexo que ele dota de um poder fantasma – a magia do

sósia” (MORIN, 1969, p. 68). Em outras palavras, há uma identificação com a

realidade vista, ainda que distante dos fatos publicados na mídia

sensacionalista.

2.4 O SENSACIONALISMO NO NOTICIÁRIO DA BAHIA: O JORNAL MASSA!

O jornalismo sensacionalista é um formato que tem garantido cada vez mais

espaço na imprensa baiana. Além dos tradicionais programas televisivos e

radiofônicos, já estabelecidos na grade das emissoras locais e na expectativa

dos telespectadores, com um público fiel, esse estilo vem ganhando espaço

também em produtos impressos.

Nesse âmbito, conforme aqui mostrado, os leitores baianos sempre tiveram

como referência de jornalismo o Jornal A Tarde, que, por muitas décadas, foi

considerado o melhor veículo jornalístico impresso do Nordeste e circulava na

maioria dos estados da região. Líder em vendas, atraía para si muitos leitores e

potenciais anunciantes, de modo que o seu concorrente direto, o antigo Correio

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da Bahia, passou a posicionar-se em segundo lugar no que se refere à

circulação e à qualidade do produto.

Fundado em 20 de dezembro de 1978, o Correio da Bahia faz parte do mesmo

grupo que controla a Rede Bahia de Televisão. Em agosto de 2008, o jornal

passou por algumas reformulações – incluindo a mudança do nome para

Correio* – com a finalidade de acompanhar as principais tendências do

jornalismo mundial, trazendo uma representação mais moderna e inovadora,

na tentativa de tornar a leitura do jornal mais acessível a todas as faixas etárias

e classes sociais. A reforma acarretou mudanças na diagramação, nas

editorias e na própria organização das folhas.

Quando o veículo completou 30 anos de existência – em dezembro de 2008 –,

a empresa reduziu o valor do jornal para R$ 0,50 e, desde então, a vendagem

do impresso começou a aumentar. Em 2010, o Correio* já era o jornal mais

vendido na Bahia, ultrapassando o tradicional A Tarde, de acordo com dados

do Instituto Verificador de Circulação (IVC)7.

Pressupondo que o Correio* houvesse conquistado um grande número de

leitores de todas as classes sociais, a ponto de superar a venda dos

exemplares do A Tarde, este grupo concorrente resolveu criar um novo jornal,

totalmente voltado para o público das classes C e D, dando ao informativo o

sugestivo nome de “Massa!”.

O lançamento do Massa!, em 2010, deu ao grupo empresarial a oportunidade de, pela primeira vez na história, direcionar-se aos leitores das classes sociais C e D, e, sobretudo, se constituiu como uma tentativa de fazer frente ao rápido crescimento do seu principal concorrente, o jornal Correio* (DALMONTE; RIBEIRO, 2013, s/p).

7 O Instituto Verificador de Circulação (IVC) é uma entidade nacional sem fins lucrativos,

responsável pela auditoria de mídia impressa e online. Seu objetivo é fornecer ao mercado dados detalhados sobre circulação e tráfego web. A entidade é composta por representantes de anunciantes, agências de propaganda e editores. (ANJ)

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O vocábulo “massa” tem como origens o latim massa (“pasta, amontoado de

material”) e o grego máza (“bolo de cevada”, relacionado a mássein, “amassar,

juntar, unir”). A etimologia do termo encontra ressonância semântica no

português brasileiro, visto que, de acordo com o Mini Dicionário Aurélio (2012),

a palavra massa faz referência, dentre diversas outras acepções, ao que

interessa à nossa pesquisa:

sf (lat massa). 4 O todo cujas partes são da mesma natureza; 7 A multidão, o povo, reunião de muita gente. 17 Sociol Conjunto de indivíduos não delimitado pelas classificações tradicionais (família, classe), mas definido por um objetivo visado por certas atividades: Propaganda de massa. Cultura de massa. 18 pop Dinheiro, bagalhoça. sf pl 1massas: Ajuntamento de gente. 2 A população. adj m+f gír bacana, grã-fino (FERREIRA, 2012, p. 42).

O termo é usado em várias áreas do conhecimento e em diversos contextos,

como na física, na política, sociologia e tecnologia. É também uma expressão

popularmente empregada pelo falante baiano, que considera “massa” tudo

aquilo que é bom, de qualidade, um produto ou atitude apreciável por muitas

pessoas, que agrada a todos, o que explica a escolha para nominar o referido

jornal.

Há, também, uma fundamental relação de sentido com a expressão “cultura de

massa”, a qual foi desenvolvida com a finalidade específica de atingir a massa

popular, maioria no interior de uma população. Nesse sentido, a variedade do

conteúdo é disseminada por meio dos chamados veículos de comunicação de

massa, cuja concepção é criticada por Morin (1969):

Essa variedade é, ao mesmo tempo, uma variedade sistematizada, homogeneizada, segundo as normas comuns. O estilo simples e claro [...] visa conferir-lhe uma inteligibilidade imediata – e essa universalidade oculta os mais diversos conteúdos [...]. A obra lenta e densa é substituída pela condensação agradável e simplificadora (MORIN, 1969, p. 35-36 e 57).

Segundo informações do site do veículo, é o “primeiro jornal popular da Bahia,

que atende às classes C e D, trazendo informações sobre serviços e

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entretenimento”. O periódico de 24 páginas, em cores e também em preto e

branco, apresenta uma tiragem de 56 mil exemplares e é vendido de segunda

a sábado pelo valor de R$ 0,50. A sua redação trabalha de forma integrada

com os outros canais do Grupo A Tarde.

Em matéria divulgada no Jornal A Tarde On-line8, realizada no lançamento do

Jornal Massa!, a Diretoria Executiva e os demais colaboradores do Grupo A

Tarde deixaram claro sobre qual imagem pretendiam construir para ficarem

consolidados na mente dos leitores. O Diretor Sylvio Simões reafirma esse

objetivo: “O Massa! preenche uma lacuna, já que a população não dispõe de

um jornal popular voltado para as classes C e D, que são as que mais crescem

economicamente no País” (SIMÕES, 2010 apud RAMOS, 2010).

O jornal surge, portanto, com o intuito de oferecer notícias e informação de

entretenimento e serviço a essas camadas na estratificação social de leitores,

apostando na linguagem coloquial e acreditando que o público será

surpreendido.

Estamos animados com a ideia de atingirmos um público ávido por leitura, que até agora, verdadeiramente, não contava com um jornal pensado para ele. Nossa equipe de profissionais [...] formatou um produto informativo e divertido, que pode ser lido por jovens, mulheres e homens interessados também em dicas de saúde e emprego (BOCAYUVA, 2010 apud RAMOS, 2010).

Tem-se então a ideia do novo, uma espécie de reparação e dádiva a uma

população esquecida pelas outros segmentos de noticiário impresso,

construindo-se dessa forma, uma imagem protecionista, já que, no referido

lançamento, firmou-se o compromisso de cumplicidade do Jornal, “por se

colocar sempre ao lado do público, expressando suas necessidades e

fiscalizando as instituições para que prestem um bom serviço” (BOCAYUVA,

2010 apud RAMOS, 2010).

8 Entrevista concedida a Cleidiana Ramos, em 18 de outubro de 2010, na ocasião do

lançamento do Jornal Massa! Disponível em: <http://atarde.uol.com.br/noticias/5637572>. Acesso em: 10 jun. 2012).

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O diretor-executivo Renato Simões Filho (2010 apud RAMOS, 2010) reforça

que o novo produto vai manter a qualidade com relação ao trabalho jornalístico.

Segundo ele, “os baianos podem esperar do novo jornal os mesmos

compromissos que os demais veículos do Grupo A Tarde têm para com eles,

sendo os mais importantes a credibilidade e a cumplicidade com seus leitores”

(SIMÕES FILHO, 2010 apud RAMOS, 2010).

Segundo Bocayuva (2010 apud RAMOS, 2010), o Massa! tem como direção

três conceitos: o aspiracional, que é se transformar em instrumento para a

melhoria da qualidade de vida do leitor; o de serviço ao trazer as coberturas do

dia a dia da cidade e; o de cumplicidade, por se colocar sempre ao lado do

público, expressando suas necessidades e fiscalizando as instituições para que

prestem um bom serviço.

Ricardo Pedreira (2010 apud RAMOS, 2010), diretor-executivo da Associação

Nacional de Jornais (ANJ) elogia a iniciativa do lançamento do Jornal Massa!

“O Grupo A Tarde dá uma demonstração de que está atento às tendências da

indústria jornalística no Brasil, onde jornais populares voltados para as classes

C e D têm sido lançados e com grande sucesso” (PEDREIRA, 2010 apud

RAMOS, 2010).

De acordo com Pedreira (2010 apud RAMOS, 2010), diferentemente de países

como os EUA, onde a circulação de jornais apresenta queda, quanto à

aceitação do público, no Brasil os jornais têm conseguido apresentar uma

tendência de crescimento. E acrescenta:

Sobretudo em razão dos jornais populares. Houve uma percepção das empresas jornalísticas brasileiras da demanda por jornais de perfil popular. Além disso, no Brasil há um mercado para ser conquistado e o Grupo A TARDE, ao lançar o Massa!, está indo de encontro (sic) a essa demanda. Com certeza, o Massa! vai ser mais uma iniciativa de sucesso do Grupo A Tarde (PEDREIRA, 2010 apud RAMOS, 2010).

Retomando o conceito do modo de endereçamento, abordado anteriormente,

torna-se perceptível que os editores do Massa! já conhecem as preferências do

seu auditório, ou seja, um público com defasagem no nível de escolaridade ou

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mesmo o leitor mediano. Essa visão já se evidencia na concepção do slogan

“Feito do seu jeito”, que acompanha o título do jornal em todas as edições do

Massa!, o que denota o prévio conhecimento que o jornal tem a respeito do seu

público:

A noção do leitor ativo desde o momento de produção, traduzida no conceito de leitor-modelo de Umberto Eco, torna aparente a ação do Grupo ao pensar um produto novo, destinado para um público específico. Conhecer seu público pretenso possibilita ao enunciador o estabelecimento de vínculos fortes, seja no sentido linguístico ou de conformação estrutural de determinado produto (DALMONTE; RIBEIRO, 2013, s/p).

Há, por assim dizer, um acordo. Por meio do noticiário, cabe ao jornal,

enquanto aquele que detém o conhecimento e o poder, catequizar o leitor, este

que precisa saber, estar informado. Mais especificamente, os dizeres e as

ações do Jornal Massa! se fazem segundo o que ele imagina que seja ele

mesmo: um veículo identificado com a realidade daquele público leitor e não de

outro e, portanto, comprometido em transmitir notícias que aproximem o

interlocutor do seu jornal. Afinal, o jornal é feito do seu jeito, o que imprime uma

credibilidade no que tange aos mecanismos de persuasão a que recorrem, de

modo geral, os jornais do gênero sensacionalista.

Ao utilizar o slogan “Feito do seu jeito”, o Jornal Massa! antecipa o que seria o

desejo do leitor. Como se configura esse jeito? Certamente, um jeito diferente

do que o leitor encontra em outras publicações, um modo particular e popular

de se fazer notícia. Segundo Gregolin (2003), “as mídias desempenham o

papel de mediação entre seus locutores e a realidade...”, permitindo-lhes criar,

simbolicamente, representações com a realidade concreta.

Nesse sentido – como construtor de imagens simbólicas – a mídia participa ativamente da sociedade atual, da construção do imaginário social, no interior do qual os indivíduos percebem-se em relação a si mesmos e em relação aos outros. Dessa percepção vem a visualização do sujeito como parte de uma coletividade (GREGOLIN, 2003, p. 97).

De acordo com Oliveira (2010 apud RAMOS, 2010), jornalista do Grupo A

Tarde, o Massa! será um jornal adequado para ser lido por todos os membros

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da família, com assuntos que interessam às camadas mais simples da

população, isto é, um jornal “feito do seu jeito”, um “jeito de ser” do baiano, um

jeito que remete ao novo modo de vida das emergentes classes C e D.

Vamos mostrar a atividade cultural, a economia e os eventos da população dos bairros de Salvador. Pretendemos descortinar um universo novo para os leitores. Na cobertura esportiva um dos nossos destaques serão os babas nos bairros, as curiosidades sobre a vida dos atletas fora de campo e tabelas diferenciadas com estatísticas e informações sobre os clubes locais (OLIVEIRA, 2010 apud RAMOS, 2010).

A cumplicidade que o jornal espera alcançar é confirmada e se revela na

opinião do leitor, em notas encaminhadas ao site A Tarde On-line já nas

primeiras semanas após o lançamento do Jornal Massa!

O jornal massa é tudo de bom. Estavamos precisando de um jornal que mostrasse a cara da bahia. valeu! (V. B. A. apud RAMOS, 2010).

O leitor se reconhece como um indivíduo pouco escolarizado, pertencente a

uma camada social com baixo poder aquisitivo, que só consegue ou prefere

realizar uma leitura mais simplificada dos fatos, sem por isso deixar de estar

informado.

Desde a primeira vez que eu vi o jornal MASSA! nas bancas, eu me apaixonei e nao sei viver um dia sem comprar um exemplar....e cada dia que passa..mais e mais eu me apaixono pelo seu jeito claro de mostrar-me as noticias por um preço tao pequeno..parabens aos editores (N.S. apud RAMOS, 2010).

(...)

Parabens a esse meio de comunicaçao de baixo custo, que da oportunidade para que todas as classes sociais tenham acesso a comunicaçao e imformaçao (J. M. apud RAMOS, 2010).

Sobre a imagem que o sujeito leitor faz do sujeito jornal é que, além de

transmitir as informações com o “seu jeito”, é um jornal que tem uma função

social, por estar atento às necessidades dos leitores nas comunidades onde

estes estão inseridos.

Seria uma ótima materia, mostrar o caos que encontra-se a subida da djalma dultra pra nazare. Tem uma verdadeira Mata

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e nada de secop, sucom nada de nada quizer maiores detalhes mande um e-mail. não tenho como relatar agora todos os quisitos. Saudações Rubro Negras (A. M. apud RAMOS, 2010).

O Massa! foi lançado em outubro de 2010, com um formato bem diferente do

que o público baiano estava acostumado em veículos impressos: cores

aberrantes, matéria escritas em linguagem completamente coloquial e

manchetes apelativas. Outro exemplo é a nudez explícita de certas partes do

corpo da mulher (nádegas, seios, coxas), recorrente nas capas do jornal, de

modo a proporcionar ao leitor um prazer de ordem visual, o que leva à

inferência de que existe também uma proposta exibicionista-voyeurista nesse

gênero de ilustração (ANGRIMANI SOBRINHO, 1995, p. 73-74). A respeito

desse tema, Dalmonte e Ribeiro (2013) complementam:

Voltando o olhar para a capa do jornal Massa!, é improvável que se deixe de comentar a presença da mulher. Neste caso em específico, associada puramente ao quesito corpo e com forte conotação sexual. Ali, a mulher é considerada a partir das dimensões avantajadas de seios e nádegas. Seminuas, em posições sensuais e olhar, na maioria das vezes, sexualmente provocativo, as imagens dialogam com os antigos calendários de borracharia e ao mesmo tempo mexe com os imaginários masculino e feminino dos seus leitores (DALMONTE; RIBEIRO, 2013, s/p).

Os temas considerados mais comuns no noticiário do Massa! explicam a

incidência do grande número de vocábulos e expressões obscenas e

injuriosas. As notícias sobre o crime e a marginalidade, sobre sexo e

desigualdade social conduzem facilmente à revolta e a uma linguagem

exacerbada do ponto de vista emocional do auditório. Embora estejam

incorporadas a uma linguagem vulgar, e por isso mais apropriada à oralidade,

as gírias e as obscenidades presentes no noticiário, às vezes, se prestam a

esse estilo e expressam as reações que o leitor provavelmente teria, ao se

expressarem na língua falada, diante dos fatos que lhes são apresentados.

O quadro seguinte, contendo cinco exemplos de lexemas utilizados em textos

do Jornal Massa! demonstra a intencionalidade comunicativa que tem esse

veículo, ao lançar mão de termos linguísticos popularizados, a saber: apagar,

sacizeiro, barril, abrir o gás e peneirado. Ao confrontarmos os referidos

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vocábulos, pelas acepções distintas – na linguagem formal e popular –

percebemos a intenção do jornal em se aproximar da linguagem utilizada no

cotidiano dos leitores aos quais os textos são direcionados:

Quadro1: USO DO LEXEMA APAGAR NO JORNAL MASSA!

Componente Lexical

Linguagem Formal

Linguagem Popular

Utilização do termo no Jornal

Dados de Publicação

APAGAR

v.t. Fazer desaparecer, friccionando, raspando etc.; apagar riscos de lápis; apagar uma palavra/ extinguir, interromper: apagar o fogo; apagar a luz.

Ao termo atribui-se o sentido de tirar a vida de alguém. Eliminar uma pessoa, matando-a.

Matatu – o tráfico “apaga” mulher e não perdoa inocente.

19 de janeiro de 2013 - Ano 3 / No. 708. Pág. 04

Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)

A expressão apagar é popularmente utilizada no universo do crime, quando um

indivíduo é assassinado por outro. Nesse contexto, a notícia sugere que essa é

uma das regras do tráfico, uma organização na qual não se perdoa qualquer

atitude que denote, por exemplo, uma traição.

Quadro 2:. USO DO LEXEMA SACIZEIRO NO JORNAL MASSA!

Componente Lexical

Linguagem Formal

Linguagem Popular

Utilização do termo no

Jornal

Dados de Publicação

SACIZEIRO*

Originado do vocábulo saci. *expressão não dicionarizada

Referência aos usuários de drogas.

Ator é alvo dos “sacizeiros”. Luis Miranda desabafa na internet, depois de ser roubado duas vezes com amiga, ao sair de show no Comércio.

13 de outubro de setembro de 2012 - Ano 2 / No. 624 - Pág. 05.

Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)

O termo sacizeiro tem associação com o hábito da personagem folclórica. O

saci-pererê usa o seu cachimbo para fumar, tal qual fazem os usuários de

droga, embora não utilizem exatamente um cachimbo. Vale lembrar que,

normalmente, são chamados de sacizeiros os indivíduos que estão na

marginalidade, como uma forma depreciativa em face desse comportamento.

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Quadro 3: USO DO LEXEMA BARRIL NO JORNAL MASSA!

Componente Lexical

Linguagem Formal

Linguagem Popular

Utilização do termo no

Jornal

Dados de Publicação

“BARRIL”

Pequeno tonel. / O que ele contém. / Qualquer pequeno vaso de madeira feito de aduelas.

Diz-se de uma situação complicada, difícil de ser solucionada. Iminência de perigo.

No Subúrbio, prefeito vê o “barril” em que se meteu. ACM Neto visita Nova Constituinte, em Periperi, enxerga problemas e faz promessas.

04 de janeiro de 2013 - Ano 3 / No. 695.

Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)

Essa gíria é bastante utilizada pelos jovens, indistintamente, diante de qualquer

problema que exija um esforço maior em resolvê-lo. E ainda quando esse

problema pode atingir um agravamento, daí a associação com um barril de

pólvoras prestes a explodir, gerando consequências danosas.

Quadro 4: USO DO LEXEMA ABRIR O GÁS NO JORNAL MASSA!

Componente Lexical

Linguagem Formal

Linguagem Popular

Utilização do termo no

Jornal

Dados de Publicação

“ABRIR O GÁS”

Fazer exalar o gás de algum compartimento. *expressão não dicionarizada

Sair de uma situação; ausentar-se; fugir.

Crime de Amor – Ricardão leva chumbo e matador “abre o gás”. O entregador de botijões Francisco Santana, 23, era ameaçado de morte pelo ex-marido de sua mulher.

09 de janeiro de 2013 - Ano 3 / No. 699 - Capa

Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)

Diferentemente de vazar (também popularizado), o termo abrir o gás refere-se

a uma fuga rápida, de quem não quer se comprometer, ou ser apanhado em

flagrante.

Quadro 5: USO DO LEXEMA “PENEIRADO” NO JORNAL MASSA!

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Componente Lexical

Linguagem Formal

Linguagem Popular

Utilização do termo no

Jornal

Dados de Publicação

“PENEIRAR”

De “peneirar” - v.t. Passar pela peneira. / Joeirar. / Chuviscar

Vítima de bala; alguém que recebeu um tiro.

Tráfico – Homem é “peneirado” no Planeta dos Macacos.

13 de outubro de2012 - Ano 2 / No. 624 – Pág.05

Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)

A expressão peneirado é bastante utilizada no mundo do crime, associando

uma peneira a um corpo cravejado de balas. No caso dessa notícia, o homem

foi, de fato, assassinado.

Como se pode perceber nos quadros demonstrativos acima, a tentativa de

cumplicidade é fortemente evidenciada no Jornal Massa!, pelo uso da

linguagem popular – considerando-se que as abordagens desse formato

jornalístico constituem-se, em grande parte, de conteúdos familiares e

corriqueiros na vida das pessoas mais simples e humildes –, para que o leitor

se enxergue nas páginas do noticiário, imaginando-se um participante da cena

narrada. Sobre esse enfoque, Patias (2006) explana o seguinte:

A linguagem simplificada do produto sensacionalista serve para fortalecer a fusão entre o público com a história relatada. Procura legitimidade de representação das populações periféricas através da linguagem coloquial, do emprego de palavrões e da gíria, como se esse uso caracterizasse o seu engajamento com os interesses, gostos e expectativas populares (PATIAS, 2006, p. 97).

O intuito de garantir uma aproximação cada vez mais estreita com o público

pode ser também observado quando o Jornal Massa! convoca o público a fazer

parte do processo de construção do informativo. Essa é uma das estratégias de

transformações de linguagem que o jornalismo popular utiliza para se fazer

democrático, criando um espaço significativo no cotidiano do público, o que

confirma a tese de Amaral (2006, p. 130), ao defender que “o jornalismo, para

popularizar-se, não poderá ignorar o cotidiano do leitor, e tem de fazer uma

ponte entre sua posição de leitor do mundo e o mundo do leitor”, conforme se

observa no tom imperativo do quadro “Sugira uma matéria” – Você com a mão

no Massa!, que foi lançado pelo jornal e é recorrente nas suas publicações:

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Dê suas sugestões de matérias, peça ajuda a um ombro amigo, declare amor ou detone o seu time de futebol, divulgue o seu baba, conte sua receita especial e suas dicas de cozinha, coloque a boca no trombone sobre os problemas da sua rua, do seu bairro e da cidade e envie suas dúvidas sobre saúde, sexo, economia, informática e emprego. Mande também suas fotos e vídeos. Sua dica pode virar uma reportagem no jornal (JORNAL MASSA! ON-LINE apud RAMOS, 2010).

Isso demonstra que o jornal constrói o seu leitor, fazendo com que este se

torne dependente do veículo e seja atraído por editoriais como “Deixa com a

gente”; “Ombro amigo”; “Salve Salvador” e; “Linha direta” – neste,

especialmente, o leitor expõe com mais detalhes as dificuldades da localidade

onde vive ou trabalha e as suas reivindicações por melhorias, ao passo que o

jornal já responde estabelecendo a interlocução com os organismos

responsáveis em solucionar as demandas.

Em estudo realizado sobre as estratégias de ampliação de público do Jornal

Massa! Ribeiro (2013) revela a fundamental importância que tem a linguagem

na relação de um produto com seu público. Segundo a pesquisadora, em um

veículo de comunicação “é preciso que o público compreenda o uso que o

produto faz das construções linguísticas partilhadas em seu ambiente social, já

que este não pode desconsiderar as conformações do segmento ou gênero ao

qual pertence”. Daí a necessidade de aproximarem-se, pelo viés da linguagem,

jornal e leitores:

Tomada enquanto quadro de referência do ato comunicativo entre as páginas diárias e o público, a linguagem utilizada pelo jornal Massa! demonstra que o emissor está atento aos usos, conotações e vocabulários partilhados socialmente pelo público que pretende atrair, neste caso as classes C e D. É comum o uso de gírias e expressões como “os bandidos fizeram a limpa”, o “dono da área”, “polícia dá o troco”, entre outras (RIBEIRO, 2013, p. 36).

De certa forma, as notícias veiculadas são de interesse público, mesmo com

títulos agressivos e com a sua carga de emotividade e apelação. Como foi

possível perceber nesses quase três anos de existência, o Massa! tem

atendido, em grande parte, àquilo que se propunha na sua concepção de

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jornalismo popular, qual seja: valorizar sempre a dramaticidade do fato, colocar

emoção nas personagens, fazer com que o leitor interaja com o veículo e se

emocione ao ler as matérias, para, enfim, tornar-se parte do público fiel do

jornal. Ao que parece, a aceitação dos leitores tem traduzido esse objetivo

persuasivo, que é a tônica do jornalismo sensacionalista.

3. IMAGENS, PAIXÕES E ARGUMENTOS: A TRÍADE

ARGUMENTATIVA ARISTOTÉLICA E A SUA APLICABILIDADE

NO DISCURSO DO JORNAL MASSA!

“Uma imagem vale mais que mil palavras”

(CONFÚCIO)

“A emoção é uma certa maneira de apreender o mundo"

(JEAN-PAUL SARTRE)

Todo discurso argumentativo carece da organização e do encadeamento de

argumentos, de maneira que o auditório não apenas possa acompanhar o

raciocínio do orador, mas também que possa ser convencido da exatidão

quanto aos pontos de vista que estão sendo defendidos para afirmação de uma

tese, isto é, o Logos. Entretanto, além desse aspecto importante no uso da

retórica, é igualmente fundamental – para que o discurso seja persuasivo – que

o próprio orador imprima credibilidade e legitimidade na sua imagem e que

desperte simpatia ou gere empatia com o auditório, configurando-se, portanto,

no Ethos e no Pathos, respectivamente, a tríade argumentativa postulada por

Aristóteles.

Nesta seção, verificamos em que medida tais mecanismos – ethos, pathos e

logos – se tornam marcas presentes no discurso jornalístico do Jornal Massa! e

como os critérios que lhe são estabelecidos contribuem para a adesão do

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auditório/público-alvo frente às informações veiculadas, de modo a consolidar

esse veículo como credível e legítimo em suas abordagens notadamente de

cunho sensacionalista.

Para tanto, utilizamos como corpus 04 (quatro) matérias de capa – a notícia do

dia com as respectivas manchetes – publicadas do Jornal Massa! nas edições

de sábado/domingo9, especificamente, de modo a ilustrar as concepções

apresentados na fundamentação teórica desta seção, com o intuito de facilitar

o entendimento acerca do tema, qual seja as noções do ethos, do pathos e do

logos no percurso da argumentatividade da qual lança mão o objeto de nossa

pesquisa.

3.1 A ARTE RETÓRICA: DE ARISTÓTELES A PERELMAN; OLBRECHTS-

TYTECA E AUTORES CONTEMPORÂNEOS

A retórica constitui um dos traços fundamentais e distintivos da cultura grega. O

termo grego retoriké relaciona-se aos termos rector (orador) e retoreia

(discurso público, eloquência) e significa tanto a arte oratória como a disciplina

que versa sobre essa arte. Contudo, o sentido genuíno do termo retórica

somente é compreendido quando se percebe como a civilização grega se

distinguiu de todas as outras por se especializarem na palavra pública.

Reboul (2000) alerta que a origem da retórica não está na literatura, mas no

direito, visto que os cidadãos vítimas dos tiranos reclamavam a restituição dos

seus bens.

Como não existiam advogados, os litigantes recorriam a logógrafos, espécie de escrivães públicos, que redigiam as queixas que eles só tinham de ler diante do tribunal. Os retores, com seu senso agudo de publicidade, ofereceram aos litigantes e aos logógrafos um instrumento de persuasão que afirmavam ser invencível, capaz de convencer qualquer pessoa de qualquer coisa (REBOUL, 2000, p. 2).

Os gregos tinham consciência de que eram uma civilização privilegiada e se

vangloriavam por saberem retirar da capacidade da linguagem as

9 O Jornal Massa! veicula uma única edição para o final de semana, valendo, portanto, para o

sábado e o domingo.

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consequências decorrentes dessa superioridade humana sobre todos os

animais. É pertinente, em nosso estudo, a definição aristotélica:

[...] a Retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão. Nenhuma outra arte possui esta função, porque as demais artes têm, sobre o objeto que lhes é próprio, a possibilidade de instruir e de persuadir; [...] a Retórica parece ser capaz de, por assim dizer, no concernente a uma dada questão, descobrir o que próprio para persuadir [...] (ARISTÓTELES, [IV a.C.] 1959, p. 24).

A retórica surgiu na antiga Grécia, ligada à democracia e, em particular, à

necessidade de preparar os cidadãos para uma intervenção ativa no governo

da cidade. Rector era a palavra grega que significava "orador", o político. No

início esta não passava de um conjunto de técnicas de bem falar e de

persuasão para serem usadas nas discussões públicas. A sua criação é

atribuída a Córax e Tísis (V a.C), tendo sido desenvolvida pelos sofistas que a

ensinaram como verdadeiros mestres. Entre estes se destacam Górgias e

Protágoras. Os sofistas adquiriram, durante o século V a.C., grande prestígio

como professores de retórica.

A retórica era, antes de tudo, o discurso do poder ou dos que aspiravam a

exercê-lo. O discurso retórico visava à ação, por isso se propunha a convencer

e a persuadir os que escutavam da justeza das posições do orador. Esse

primado da ação levava a maioria dos sofistas a desprezarem o conhecimento

daquilo que discutiam, contentando-se com simples opiniões, concentrando a

sua atenção nas técnicas de persuasão.

Foi sobretudo contra esse modelo de ensino que se opuseram Sócrates e

Platão. Ambos sustentaram que a retórica era a negação da própria Filosofia.

Platão, no Górgias e no Fedro, estabelece uma distinção clara entre um

discurso argumentativo dos sofistas, que, pelo uso da persuasão, procura

manipular os cidadãos, e o discurso argumentativo dos filósofos, que procura

atingir a verdade por intermédio do diálogo, pois somente esta, a verdade, é o

que importa.

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A filosofia surge, assim, como discurso dirigido à razão, e não à emoção dos

ouvintes. Essa é, aliás, a condição primeira para que a verdade possa ser

comunicada. Não se trata de convencer ninguém, mas de comunicar ou

demonstrar algo que se pressupõe já adquirido – a verdade de que o filósofo é

detentor.

Aristóteles foi o primeiro filósofo a expor uma teoria da argumentação, nos

Tópicos e na Retórica, procurando um meio caminho entre Platão e os sofistas,

compreendendo a retórica como uma arte que visava descobrir os meios de

persuasão possíveis para os vários argumentos. O seu objetivo é o de obter

uma comunicação mais eficaz para o saber, que é pressuposto como saber

adquirido. A retórica converte-se, então, em uma arte de falar, de modo a

persuadir e a convencer diversos auditórios de que uma dada opinião é

preferível à outra.

É nesse espectro, definido por Aristóteles, que a retórica evolui, configurando-

se na arte de compor discursos que primavam pela sua organização e beleza

(estética), desvalorizando-se a dimensão argumentativa cultivada pelos

sofistas. Tornou-se, pois, uma verdadeira ciência, cujo exercício exige uma

vasta cultura. O objetivo do orador era provar, agradar e comover. A retórica

divide-se então em várias, culminando nesse período com Quintiliano (séc.I

d.C), cuja única obra que chegou até nós se intitula justamente Institutio

Oratoria. A retórica torna-se oratória, ou seja, a arte de falar bem.

Na Idade Moderna, a retórica continuou a desfrutar ainda de algum prestígio

nos países católicos – recorde-se a esse respeito o notável orador que foi

Padre Antônio Vieira –, mas a tendência do tempo era outra. A retórica como

arte argumentativa passou a ser completamente desacreditada. Pelo

pensamento cartesiano, reafirma-se o primado das evidências sobre os

argumentos verossímeis. Na mesma linha, se desenvolve o discurso científico,

isto é, não se trata de convencer ninguém, mas de demonstrar com fatos,

dados e provas a verdade, a qual é vista como única e irrefutável.

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No século XX, a Retórica volta a ser retomada, em consequência da

generalização das teses relativistas e do descrédito das ideologias. Nesse novo

contexto, a verdade defendia pelos filósofos não pode ser mais admitida como

um ponto de partida para qualquer discussão. Antes de se afirmar algo como

sendo verdadeiro, o filósofo deve procurar a adesão de um dado auditório para

as suas posições. Todas as filosofias não passam de opiniões plausíveis que

devem ser continuamente demonstradas por meio de argumentos, também

eles meramente plausíveis. Nesse sentido, toda a filosofia é um espaço sempre

em aberto e suscetível de contínuas revisões.

Aristóteles, um mestre da oratória, considerava o falar bem e o pensar bem

como artes equivalentes, unificando, dessa força, a retórica à filosofia. Para

ele, essa rigorosa técnica de argumentar distingue-se daquela que caracteriza

a lógica. O orador, nesse contexto, deve sustentar uma tese ou anulá-la,

desvendando o descobrir pelo pensamento, pela reflexão, em qualquer

questão, o que ela encerra de persuasivo.

Portanto, para Aristóteles ([IV a.C.] 1959), as provas fornecidas pelo discurso

distinguem-se em três espécies: umas residem no caráter moral do orador;

outras, nas disposições que se criaram no ouvinte; outras, ainda, no próprio

discurso, pelo que ele demonstra ou parece demonstrar. Em nosso estudo, as

três espécies são primordiais para a observância da construção do ethos, do

pathos e do logos, respectivamente, a fim de que esse processo seja realmente

compreendido.

A retórica constitui-se de um sistema, distribuído em quatro partes – a

invenção, a disposição, a elocução e a ação – o qual foi postulado por

Aristóteles ([IV a.C.] 1959), conforme o que é explanado por Reboul (2000):

A primeira é a invenção, a busca que empreende o orador de todos os argumentos e de outros meios de persuasão relativos ao tema de seu discurso. A segunda é a disposição, ou seja, a ordenação desses argumentos, donde resultará a organização interna do discurso, seu plano.

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A terceira é a elocução, que não diz respeito à palavra oral, mas à redação escrita do discurso, ao estilo. É aí que entram as famosas figuras de estilo, às quais alguns, nos anos 60, reduziram a retórica! A quarta é a ação, ou seja, a proferição efetiva do discurso, com tudo o que ele pode implicar em termos de efeito de voz, mímicas e gestos (REBOUL, 2000, p. 43-44):

Reboul (2000) reafirma a necessidade de que se cumpram todas essas etapas,

não importando a ordem cronológica, e que se coloquem em prática na

argumentação. As quatro fases devem integrar o discurso, sem as quais este

se torna vazio, desordenado, mal escrito e inaudível.

Um dos principais traços da retórica é que esta exerce a persuasão por meio

de um discurso. Isso quer dizer que não será mais necessário recorrer a um

experimento empírico nem à violência para persuadir um auditório, mas

procura-se ganhar a adesão intelectual desse auditório apenas com o uso da

argumentação. Constitui-se, portanto, uma ruptura com a tradição da

modernidade cartesiana, reatando com uma tradição rompida. Assim, a retórica

se preocupa mais com a adesão do que com a verdade, de modo que o

vocabulário privilegiado passa a ser outro e nele surgem termos como

verossímil, plausível, provável.

Sobre esse tema, acrescenta Charaudeau (2006):

[...] Assim, o problema que se coloca é o da veracidade da reconstituição, de seu grau de verossimilhança que pode ir do mais provável ao improvável, e mesmo ao inventado. Tornar verossímil é tentar crer que o relato corresponde à reconstituição mais provável, apresentando-se o dito como o mais fiel possível ao fato tal como se realizou (CHARAUDEAU, 2006, p. 89).

Dessa forma, Platão sonha com uma retórica que seja capaz de forçar a

adesão do auditório mais exigente possível apenas pelo valor de sua

argumentação, abandonando a demagogia e os artifícios enganadores. Por

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conseguinte, as linguagens pertencentes ao homem possibilitam-lhe intervir no

mundo, organizando as experiências vividas, reorganizando-as sob diversas

perspectivas, imprimindo-lhe novos sentidos. As ideias suscitam a adesão do

leitor por meio de uma maneira de dizer que é também uma maneira de ser.

Recupera-se, desse modo, uma cenografia de confiança, credibilidade e

segurança.

Para Maingueneau (2011), a cenografia é a cena de fala que o discurso

pressupõe para poder ser enunciado e que, por sua vez, deve validar por

intermédio de sua própria enunciação. Segundo Maingueneau (2011, p. 77),

“são os conteúdos desenvolvidos pelo discurso que permitem especificar e

validar a própria cena e o próprio ethos, pelos quais esses conteúdos surgem”.

Nesse sentido, o autor discorre sobre a identificação proposta pelo orador, no

exercício da argumentação:

O poder da persuasão de um discurso decorre em parte do fato de que ele leva o destinatário a identificar-se com o movimento de um corpo, por mais esquemático que seja, investido de valores historicamente especificados (MAINGUENEAU, 2011, p. 73).

Compõe-se, assim, a tríade retórica (ethos, logos e pathos), em que o orador é

simbolizado pelo ethos, na confiança que nele se deposita. Maingueneau

(2011) complementa:

Para retomar uma fórmula de Gilbert (séc. XVIII), que resume o triângulo da retórica antiga, ‘instrui-se pelos argumentos; move-se pelas paixões; insinua-se pelos costumes’: os ‘argumentos’ correspondem ao logos, as ‘paixões’, ao pathos, os ‘costumes’ ao ethos (MAINGUENEAU, 2011, p. 14).

O ethos representa o estilo que o orador deve usar para captar a atenção e

obter a confiança e a empatia de seu auditório. Nesse intuito, o orador apela

para a imaginação do interlocutor, utilizando o bom senso, a virtude e a

honestidade, elementos estes definidos, na visão aristotélica, como sendo

facilitadores de confiança no orador.

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3.2 ANALISANDO O ETHOS E OS SEUS DESDOBRAMENTOS RETÓRICOS

Aristóteles postula três maneiras de que o ethos se reveste: areté (virtude),

phronésis (sabedoria) e eunóia (benevolência), o que nos permite afirmar que

tais aspectos apresentam bases morais. Destaca-se que essas qualidades não

constituem os hábitos reais do orador, mas sim os costumes que se

depreendem no discurso, os quais podem ser compreendidos como

estereótipos. São modelos pré-construídos que imprimem à figura do orador

um pré-conhecimento que permite ao ouvinte o traçado de uma impressão

antecipada do ethos a ser manifestado na atividade oratória. Os estereótipos

podem ser definidos, grosso modo, como representações cristalizadas que

determinados grupos fazem uns dos outros, uma imagem homogeneizadora de

indivíduos ou grupos.

O ethos, na retórica tradicional, sempre foi estreitamente relacionado à

eloquência, à oralidade em circunstâncias de uma fala pública; entretanto, os

estudiosos optam por desdobrá-lo, de modo a atingir diversas modalidades de

textos, tanto os orais quanto os escritos. No Dicionário de Análise do Discurso,

elaborado por Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2005), o ethos

recebe a seguinte definição:

Ethos - termo emprestado da retórica antiga, o ethos designa a imagem de si que o locutor constrói em seu discurso para exercer uma influência sobre seu alocutário. Essa noção foi retomada em ciências da linguagem e, principalmente, em análise do discurso no que se refere às modalidades verbais da apresentação de si na interação verbal. O “ethos” faz parte, como o “logos” e o “pathos”, da trilogia aristotélica dos meios de prova (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2005, p. 220).

Ainda segundo a definição de Charaudeau e Maingueneau (2004), o ethos

adquire, na concepção aristotélica, um duplo sentido. De um lado faz referência

às virtudes morais que garantem ao orador a credibilidade no seu discurso, a

exemplo da prudência, da virtude e da benevolência; de outro lado, refere-se a

uma dimensão social, na medida em que o orador convence ao se exprimir, de

modo apropriado ao seu caráter e ao seu tipo social. Ambos os casos dizem

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respeito à imagem de si que o orador produz em seu discurso, e não de sua

pessoa real.

O estudo da mídia audiovisual, por exemplo, não pode prescindir dessa

categoria aristotélica (ethos) para a compreensão das imagens que os sujeitos

apresentam, visando, consciente ou inconscientemente, à eficácia discursiva.

Seja no domínio jornalístico – no qual se insere o nosso objeto de pesquisa –,

seja em outros domínios (publicitários, literários etc.), o ethos constitui um forte

componente para a adesão do auditório/ dos interlocutores. Expostos pelo

espelho midiático, os sujeitos presentes nesses veículos revelam, no dizer de

Maingueneau (2011), um tom, um caráter, um corpo, uma vocalidade.

Maingueneau (2005) afirma que os discursos, mesmo aqueles que se

manifestam por meio de gêneros discursivos escritos – a exemplo dos textos

jornalísticos – possuem essa vocalidade, com uma multiplicidade de tons, os

quais estão necessariamente associados a um caráter e a uma corporalidade,

que dão corpo ao enunciador. Assim, o tom aparece como a vocalidade que

implica o corpo do enunciador, não o corpo do ser empírico, mas aquele que

emerge do discurso como “uma instância subjetiva encarnada que exerce o

papel de fiador” (MAINGUENEAU, 2005, p. 72). Esse corpo, provido de um

tom, um caráter e uma corporalidade, garante a legitimidade do discurso,

porque suas qualidades se apoiam em representações sociais, estereótipos

culturais valorizados positiva ou negativamente por um dado grupo social.

E, como aponta Maingueneau (2005, p.72), “esses estereótipos culturais

circulam nos registros mais diversos da produção semiótica de uma

coletividade: livros de moral, teatro, pintura, escultura, cinema, publicidade...”,

ou seja, na interdiscursividade. Isso significa dizer que um mesmo estereótipo

pode servir de base à construção de ethé similares que podem se manifestar

tanto por meio de um pronunciamento parlamentar quanto por meio de um

editorial de jornal.

A eficácia da ação do orador sobre seu auditório não diz respeito tão somente

ao aspecto linguístico, mas também ao aspecto social. Em outras palavras, a

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imagem que o orador faz do seu auditório e vice-versa não depende apenas do

que é dito, mas da autoridade social que o legitima como portador da palavra,

para falar sobre determinado assunto. Quanto maior conhecimento o orador

tiver da imagem do seu auditório, maior a possibilidade de captação deste.

Esse jogo de imagens ocorre com base em modelos culturais conhecidos do

orador e do auditório. Em outras palavras, não é necessariamente a própria

honestidade do orador que lhe garantirá o sucesso persuasivo, mas sim a

impressão que o seu discurso causar.

Por outro lado, Maingueneau (2005) defende que o ethos vincula-se ao ato de

enunciação. Ressalta, porém, que o público constrói representações prévias do

enunciador. Com efeito, estabelece a distinção entre o ethos pré-discursivo e o

ethos discursivo – dito e mostrado –, além do estereótipo, que também faz

parte da cena enunciativa.

O ethos pré-discursivo é a imagem que o orador constrói de si mesmo, a partir

da imagem que ele cria de seu auditório, de modo que, se houver uma boa

correspondência entre ambas as imagens concebidas, haverá eficácia do

discurso. O discurso que o Jornal Massa! apresenta deve explorar sua imagem

para responder às necessidades de seu auditório, em consonância com os

valores institucionais, e isso acontece no desempenho do papel que o auditório

espera dele. Ou seja, o coenunciador10, (leitor do jornal) já detém ou constrói

representações da imagem do enunciador (jornal) antes mesmo que este se

manifeste.

Já o ethos discursivo, para Maingueneau (2005), tem uma “vocalidade

específica”, um “tom” que permite relacioná-lo com uma fonte enunciativa.

Sobre a corporalidade do enunciador, o autor explica que se trata de “um

conjunto difuso de representações sociais valorizadas ou desvalorizadas, de

estereótipos sobre os quais a enunciação se apoia e, por sua vez, contribui

para reforçar ou transformar” (MAINGUENEAU, 2005, p.72).

10 A noção de coenunciador é a de que o leitor é reconhecido como participante ativo no

processo de interação.

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Sobre o ethos dito, Maingueneau (2005, p. 80) afirma que “vai além da

referência direta do enunciador a sua própria pessoa ou a sua própria maneira

de enunciar.” Esclarece, ainda, que o ethos dito pode “também incidir sobre o

conjunto de uma cena de fala, apresentada como um modelo ou um antimodelo

da cena do discurso”. Segundo Amossy (2005, p. 82), “A distinção entre ethos

dito e ethos mostrado inscreve-se nos extremos de uma linha contínua, já que

é impossível definir uma fronteira clara entre o ‘dito’ sugerido e o ‘mostrado’

não explícito.”

Por fim, o estereótipo diz respeito a uma ideia coletiva, isto é, vincula-se aos

saberes que são partilhados entre os interlocutores. Para Amossy (2005, p.

125), trata-se de um ethos prévio, isto é, “a imagem que o auditório faz do

locutor no momento em que este toma a palavra.” Dadas as devidas condições,

a imagem vai sendo construída e revelada, e é a partir do outro que os

conhecimentos vão se transformando e tomando forma.

Amossy (2005) prefere adotar o termo ethos prévio, calcado nas informações

que circulam antes do discurso em relação ao locutor, levando em

consideração o interdiscurso. Considera, portanto, que o ethos prévio pode ser

recuperado mediante várias pistas, a saber: as marcas linguísticas; o ethos

mostrado, que pode remeter a um ethos pré-concebido; a história discursiva; o

interdiscurso e a situação comunicativa.

O quadro seguinte ilustra tal distinção, visando a um melhor entendimento

acerca do ethos na cena enunciativa do nosso objeto de estudo:

Quadro 6:Aplicabilidade do ethos no Jornal Massa!

DEFINIÇÃO APLICABILIDADE

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Ethos pré-discursivo O Jornal Massa! é um veículo associado ao Jornal A Tarde –

empresa de comunicação consolidada no mercado editorial de

notícias do estado da Bahia – que tem como proposta difundir

informações, prestar serviços e promover entretenimento aos

leitores das classes C e D, principalmente.

Ethos discursivo – Dito Busca identificação com o público baiano, ao lançar mão de uma

linguagem simples e, por vezes, exagerada, adotando o estilo a

vida como ela é para mostrar os fatos de modo bastante

naturalista. O Massa! afirma ser um veículo que está atento às

demandas de um grupo social até então posto à margem pelo

jornalismo impresso baiano.

Ethos discursivo –

Mostrado

O que é dito pelo Jornal Massa! legitima-se pela boa

receptividade que tem desde o seu lançamento. A comunidade de

leitores entendeu e respondeu positivamente à proposta do

veículo, a de apresentar um jornal feito do seu jeito, com a

cumplicidade que esse público esperava.

Estereótipo

O Massa! produz uma imagem de orador que conseguiu adaptar-

se ao seu auditório, acrescentando ao bojo das informações

elementos de apelo popular que são validados no imaginário

coletivo: um jornal que é massa de se ler, enfim, um jornal feito

para as massas, para o chamado povão.

Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)

Maingueneau (2005), porém, nos alerta que, segundo o entendimento de

Aristóteles, o ethos somente poderia ser produzido pelo próprio enunciador, e

no momento da enunciação – o filósofo grego não considerava que existisse

um ethos produzido por terceiros nem mesmo um etos pré-discursivo.

O autor parte, assim, do princípio de que o ethos está associado à construção

da imagem do orador no discurso e por meio deste, não correspondendo, pois,

a qualquer opinião prévia que se tenha sobre sua pessoa. Ressalta, porém,

que estar associado não significa ser equivalente, pois a noção de ethos não

se satisfaz em recobrir a imagem do enunciador (logo, entende-se que há uma

distinção entre ethos e imagem do enunciador), mas extrapola isso, ao remeter

à ideia do fiador do discurso, daquele que garante o que é dito, legitimando seu

discurso pelo seu modo de dizer.

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Isso é bastante perceptível na construção do ethos do Jornal Massa!, quando

este afirma ser um jornal feito do jeito do leitor, com características

direcionadas àquele público, e não a outro, um informativo que se difere dos

demais concorrentes, pelo seu nível de aproximação com o leitor. Ao utilizar o

slogan “Feito do seu jeito”, que acompanha o título do Massa! em todas as

publicações, de alguma forma parece estar preconcebido o desejo do leitor.

Como se configura esse jeito? Muito provavelmente um jeito diferente do que o

leitor encontra em outras publicações, um modo particular e popular de se fazer

notícia, como se pode observar na formatação – desde o aspecto visual e o

estilo de escrita até o grau de abordagem dos fatos.

No momento em que produz a sua imagem de acordo com uma suposta

identificação do outro – que nesse caso é o leitor –, o Jornal Massa! busca

apresentar os elementos necessários para que este outro legitime a sua fala e

permaneça sendo audiência da sua enunciação.

O ethos vai sendo construído à medida que o jornal vai revelando o seu intuito,

qual seja, o de oferecer notícias e informação de entretenimento e serviço a

atuais leitores – e a futuros leitores – que integram as camadas menos

favorecidas do tecido social, considerando-se, evidentemente, a mobilidade

social que tem alterado o funcionamento da estratificação, a exemplo do

crescimento econômico vertiginoso das classes C e D. Por conta desse cenário

nacional, o Jornal Massa! estava apostando na interação e na cumplicidade

com esse público, conforme declaração de um dos membros do Jornal A

Tarde, grupo que detém os direitos sobre a publicação do Massa!:

Estamos animados com a ideia de atingirmos um público ávido por leitura, que até agora, verdadeiramente, não contava com um jornal pensado para ele. Nossa equipe de profissionais [...] formatou um produto informativo e divertido, que pode ser lido por jovens, mulheres e homens interessados também em dicas de saúde e emprego (BOCAYUVA, 2010 apud RAMOS, 2010 - Grifos nossos).

Infere-se, a partir daí, a concepção da imagem de um jornal que se preocupa,

valoriza, reconhece, respeita um público antes excluído da acessibilidade às

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informações oriundas do noticiário impresso na Bahia. Há, por parte do

auditório referido pelo jornal, um entendimento de que agora esse público terá

vez, voz e imagem, já que o veículo abrirá espaço para que ele, o leitor, se

manifeste e exponha o seu rosto e suas opiniões. No Massa! essa interação

ocorre, de modo especial, nas seções Linha Direta (Figura 1) e Deixa com a

gente! (Figura 2).

No primeiro caso – Linha Direta –, trata-se de uma fala que remete à demanda

coletiva, em que o leitor revela a sua indignação diante das mazelas de que

são vítimas os moradores da cidade de Salvador e Região Metropolitana

(Figura 1). Os leitores, por sua vez, sentem-se representados por um dos seus

membros, aquele que conhece e vivencia uma realidade idêntica à deles, e

depositam a confiança no veículo, já que este faz a interlocução com os

segmentos responsáveis pela solução dos problemas apresentados.

Figura 1. Seção Linha Direta Fonte: Jornal Massa!- Ano 3 – N. 826 – 8 e 9 de junho de 2013

Já na seção Deixa com a gente!, o que se observa é uma valorização que o

Massa! dá ao leitor – agora participante da construção do jornal –, o qual, em

tom quase biográfico, fala de seus desejos, suas alegrias, expondo uma

reivindicação individual (Figura 2).

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Figura 2. Seção Deixa com a gente! Fonte: Jornal Massa!- Ano 3 – N. 720 – 2 e 3 de fevereiro de 2013

Em ambas as seções, percebe-se a cumplicidade do veículo com o seu

público. No quadro Linha Direta, o leitor reclama os problemas da sua

comunidade, recebendo o feedback do jornal a respeito das reivindicações. A

interlocução do jornal com as instâncias responsáveis por solucionar os

problemas apresentados fortalece a imagem do veículo. Já na seção Deixa

com a gente!, o leitor assume o papel de celebridade, concedendo uma breve

entrevista ao jornal acerca de assuntos triviais e particulares, sobre a atividade

que desenvolve no bairro, por exemplo. O leitor torna-se um coparticipante

daquela edição e, certamente, sente-se valorizado pelo Massa!

Ainda retomando Maingueneau (2005), o sentido do ethos está vinculado

também às cenas da enunciação, as quais são classificadas em cena

englobante, cena genérica e cenografia. A cena englobante refere-se ao tipo

discursivo (publicitário, jornalístico, administrativo etc.); a cena genérica

concerne aos gêneros do discurso (artigo, reportagem, outdoor, consulta

médica etc.); a cenografia diz respeito “à cena de fala que o discurso

pressupõe para poder ser enunciado e que, por sua vez, deve validar através

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de sua própria enunciação [...]” (MAINGUENEAU, 2005, p.67). Esse autor

trabalha com uma concepção encarnada do ethos que engloba não somente a

dimensão verbal do discurso, mas também aspectos físicos e psíquicos

atribuídos ao fiador pelas representações sociais. Esse fiador, por meio de um

tom, corporifica-se, apresentando sua vocalidade.

Em um discurso, o poder de persuasão será maior se estiver investido de

valores historicamente legitimados pelo auditório, e o ethos é a parte que

garante, pelo viés da palavra, a identificação com esses valores: é por meio do

enunciado que se legitima a força da persuasão, não visto como uma forma ou

um conteúdo, mas como um acontecimento inscrito em configurações sócio-

históricas, e deve-se associar a organização do conteúdo e da forma à cena

que vai legitimar essa enunciação. É, seguramente, um ethos movido pelo

pathos, conforme se observa nas figuras 3 e 4, abaixo:

Figura 3. Manchete: Inimigo n. 1 de criancinha

Fonte: Jornal Massa! Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012

Figura 4. Manchete: Tarado estupra prima... Fonte: Jornal Massa!

Edição n. 696 - 05 e 06 / jan./ 2012

Nas notícias que compõem o nosso corpus, a exemplo das mostradas acima,

as cenografias se apresentam permeadas de dramaticidade e apelo. Delineia-

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se no sujeito enunciador um ethos da cumplicidade com os mais fracos, dos

vulneráveis e injustiçados. As palavras escolhidas denotam um ethos de força,

com um texto hiperbolizado, sinalizando revolta e indignação diante do crime,

da violência, da pobreza, cujas expressões se revestem de uma linguagem

estereotipada, reconhecida pelas classes não privilegiadas.

Charaudeau (2005), por sua vez, defende que o ethos constitui uma imagem

transvestida do interlocutor com base naquilo que ele diz. Assim, o ethos

resulta no “cruzamento de olhares. Olhar do outro sobre aquele que fala, olhar

daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro vê”

(CHARAUDEAU, 2005, p. 115).

Nota-se, pois, que o ethos diz respeito a um conjunto de imagens atreladas ao

locutor e ao interlocutor no jogo comunicativo. É evidente, conforme argumenta

esse teórico, que o ethos não concerne tão somente à imagem do indivíduo,

mas pode estar vinculado a um grupo no qual se configura o ethos coletivo,

resultante de julgamentos realizados de uns pelos outros, que se baseiam em

traços identitários. No texto do Massa!, isso é perceptível, na medida em que a

linguagem aponta para uma comoção e uma identificação resultantes de um

pensamento coletivo, ou seja, o conteúdo da notícia veiculada tende a garantir

a aceitação de um grande número de leitores.

Desde a primeira vez que eu vi o jornal MASSA! nas bancas, eu me apaixonei e nao sei viver um dia sem comprar um exemplar....e cada dia que passa, mais e mais eu me apaixono pelo seu jeito claro de mostrar-me as noticias por um preço tao pequeno..parabens aos editores (N. Z., 2010 apud RAMOS, 2010 - Grifo nosso).

A noção de ethos, portanto, para Charaudeau (2005), está ligada às

identidades do sujeito. De acordo com esse autor, o sujeito apresenta uma

identidade social que funda a sua legitimidade de ser comunicante em

decorrência do estatuto dos papéis que lhe são atribuídos pela situação

comunicativa. Por outro lado, o sujeito constrói uma identidade discursiva do

enunciador, atrelada aos papéis atribuídos no ato de enunciação, decorrentes

das coerções comunicativas que lhe são impostas e das estratégias discursivas

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que ele se propõe a seguir. Defende, portanto, que as identidades podem se

fundir no ethos, visto que a distinção entre tais identidades (social e discursiva)

é tênue, plasmando-se muitas vezes uma na outra.

Em sua análise, Maingueneau (2005) mudou a localização do ethos da pessoa

do rector (como entendia Aristóteles) para o universo do discurso. Nessa nova

concepção, o ethos atua nos processos de produção de sentido, com o fim de

coordenar a adesão dos sujeitos ao discurso, em conjunto com outras

instâncias discursivas (como o tema, o tom, os modos de coesão, o

vocabulário, entre outros).

Para a concepção aristotélica, obtém-se a persuasão por efeito do caráter

moral, quando o discurso procede de maneira que deixa a impressão de ser o

orador digno de confiança. Assim, Aristóteles ([IV a.C.] 1959) afirma que sendo

uma pessoa de bem, o orador inspirará confiança com mais eficácia e rapidez.

É preciso, contudo, que esse resultado seja obtido pelo discurso e afete os

sentimentos do auditório:

Obtém-se a persuasão nos ouvintes quando o discurso os leva a sentir uma paixão, porque os juízos que proferimos variam, consoante experimentamos aflição ou alegria, amizade ou ódio. [...] Enfim, é pelo discurso que persuadimos, sempre que demonstramos a verdade ou o que parece ser a verdade, de acordo com o que, sobre cada assunto, é suscetível de persuadir (ARISTÓTELES, [IV a.C.] 1959, p. 25).

Apreende-se, pois, que o orador deve argumentar com o outro, de forma

honesta e transparente; caso contrário a argumentação torna-se um sinônimo

de manipulação. O fato de agir com honestidade confere ao orador uma

característica importante em um processo argumentativo: a credibilidade e,

para isso, é preciso apenas comportar-se de modo verdadeiro, sem medo de

revelar propósitos e emoções.

A partir dessas considerações, observa-se que os jornais sensacionalistas, a

exemplo do Massa!, utilizam tais recursos de persuasão para construir um

ethos positivo, sustentável, credível e confiável.

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Em função disso, o ethos é o resultado dessa duplicidade identitária que

converge para uma identidade única. É preciso salientar, porém, que os

sujeitos podem valer-se de máscaras, ocultando sua identidade pelo que diz.

Nesse processo, os sujeitos interpretantes do discurso tomam o dizer como

uma dimensão daquilo que outro é (CHARAUDEAU, 2006). Além disso, ainda

segundo Charaudeau (2006), não se pode esquecer que essa imagem

discursiva nem sempre é consciente. Isso significa dizer que o sujeito, na

maioria das vezes, não tem controle sobre a imagem de si. Daí afirmar-se que

a imagem percebida pelo destinatário nem sempre coincide com a imagem

transmitida, já que o destinatário pode construir uma imagem não desejada,

não prevista pelo sujeito comunicante.

No jogo enunciativo, o modo de dizer, que também é o modo de ser, de se

comportar – configurando-se daí o ethos –, torna-se crucial para um veículo de

imprensa conquistar a adesão de seu público-leitor, assim como legitimar a

inscrição de seu discurso perante um posicionamento ideológico e discursivo.

Soma-se a isso a tensão emocional gerada pelos fatos que se sucedem e pela

incerteza instalada nos corações daqueles que acompanham tais fatos pelos

jornais, imprimindo-se daí a relevância do pathos discursivo.

Reafirma-se, assim, que a adesão do auditório (leitores) aos argumentos

apresentados pelo orador (Jornal Massa!) é imprescindível para a

argumentação, representando um contrato intelectual entre eles. Portanto, ao

selecionar o público-alvo, leva-se em conta fatores psicológicos e sociológicos,

para que se construa um auditório adequado à experiência, identificado com o

que está sendo veiculado. Por conseguinte, nesse processo de argumentar, o

primeiro passo para uma argumentação bem sucedida é a cumplicidade desse

público às premissas do discurso, em que o acordo prévio entre o jornal e os

leitores é decorrente da própria vida social desse auditório.

Ancorado nos estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000), a

respeito da adesão entre o orador e o auditório, Santana Neto (2008) assevera:

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[...] é um contrato intelectual entre o orador e o auditório, o qual deve ser estabelecido previamente e se relaciona ao que mutuamente se concebe e admite entre ambos e que são revelados nas premissas da argumentação. O objetivo da argumentação não é provar a verdade da conclusão a partir da verdade das premissas, mas é buscar a adesão (SANTANA NETO, 2008, p. 645).

Daí afirmar que se mostrar preocupado com a adesão do auditório às

premissas do discurso é o primeiro passo que o orador deve seguir, para que a

argumentação seja bem-sucedida.

Destinadas a auditórios particulares, as premissas da argumentação podem

partir de valores como objeto de acordo. O Jornal Massa!, ao lançar mão desse

perfil de valorização de camadas menos privilegiadas da população, constrói

uma imagem positiva de si pela maneira de dizer, legitimada por todos,

contribuindo assim, para que se crie uma inter-relação entre locutor e leitor,

valorizando, consequentemente, sua própria imagem, para consolidar o acordo

com o público-alvo.

Parafraseando Charaudeau (2006), podemos perceber que os dizeres do

Jornal Massa! sobre si são “discursos de representação”, os quais estão,

cotidianamente, sendo produzidos e reproduzidos no âmbito social, para definir

normas de comportamentos. Essas regras não dizem respeito apenas aos

imaginários de “referência dos comportamentos” – o que fazer ou não fazer –,

mas também aos imaginários de “justificativa desses comportamentos” – se é

do bem ou do mal – em um sistema de interpretação que conduz os sujeitos a

crenças, por meio de um olhar subjetivo.

As representações, ao construírem uma organização do real através de imagens mentais transpostas em discurso ou em outras manifestações comportamentais dos indivíduos que vivem em sociedade, estão incluídas no real, ou mesmo dadas como se fossem o próprio real. [...] Em resumo, as representações apontam para um desejo social, produzem normas e revelam sistemas de valores (CHARAUDEAU, 2006, p. 47).

A retórica exerce a persuasão por meio do discurso, portanto, o discurso

jornalístico adere à retórica, na medida em que os editores (orador) utilizam os

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discursos verbal e não verbal como meio de persuasão para o assentimento do

auditório. E, com esse intuito, se preocupa mais com a adesão do que com a

verdade. Assim, o objetivo daquele que a exerce é realmente obter o

assentimento do auditório à tese que apresenta. A verdade ou a falsidade de

tudo que é dito pelo locutor é uma questão secundária.

Nessa perspectiva, de acordo com Santana Neto (2008), alguns máximas,

relacionadas com o pathos do auditório, conduzem o discurso jornalístico, por

exemplo:

Mostre-se emocionado! O orador deve emocionar-se (ou fingir

estar) no estado emocional que deseja transmitir;

Mostre objetos! O punhal do assassino, a boneca da menina... Na falta das próprias coisas, “mostre imagens!” de pessoas sofrendo, chorando, extravasando a dor;

Descreva coisas emocionantes! Amplie dados emocionais, utilizando uma linguagem que tende a exasperar os fatos indignos, cruéis, odiosos (SANTANA NETO, 2008, p. 646).

Santana Neto (2008) complementa que tais máximas são utilizadas no

segmento do jornalismo, em maior ou menor grau de aderência, o que pode ser

conferido nos telejornais, nos jornais impressos, na internet, nas revistas, nos

programas sensacionalistas, no intuito de obter a adesão do auditório. Sobre

esse tema, assim expõe Charaudeau (2006):

Tratar da verdade não é uma tarefa simples. [...] O verdadeiro e o falso como noções remetendo a uma realidade ontológica não pertencem a uma problemática linguística. Entretanto, acham-se no domínio linguístico noções como a de significar o verdadeiro ou significar o falso, isto é, produzir um valor de verdadeiro ou de falso por meio do discurso. [...] o verdadeiro seria dizer o que é exato/ o falso seria dizer o erro/ o verdadeiro seria dizer o que aconteceu/ o falso seria inventar o que não aconteceu; o verdadeiro seria dizer a intenção oculta/ o falso seria mascarar a intenção (mentira ou segredo); enfim o verdadeiro seria fornecer a prova das explicações/ o falso seria fornecer explicações sem prova (CHARAUDEAU, 2006, p. 88).

Apesar de a retórica não se preocupar se o que está sendo dito é verdadeiro

ou falso, Aristóteles ([IV a.C.] 1959) sinaliza a utilidade da retórica, como sendo

um aspecto importante no processo de persuasão:

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A Retórica é útil, porque o verdadeiro e o justo são, por natureza, melhores que seus contrários. [...] pois não se deve persuadir o que é imoral – mas para ver claro na questão e para estarmos habilitados a reduzir por nós mesmos ao nada a argumentação de um outro, sempre que este em seu discurso não respeite a justiça. [...] Vê-se, pois, que a Retórica não se enquadra num gênero particular e definido, mas que se assemelha à Dialética. Igualmente manifesta é sua utilidade. Sua tarefa não consiste em persuadir, mas em discernir os meios de persuadir a propósito de cada questão, [...] o papel da Retórica se cifra em distinguir o que é verdadeiramente suscetível de persuadir do que só o é na aparência

(ARISTÓTELES [IV a.C.] 1959, p. 22-23).

Nessa concepção, o discurso não pode pretender ser mais verdadeiro, nem

mesmo verossímil, mas sim eficaz. A palavra, dessa forma, está devotada ao

poder e não mais ao saber. É introduzida a noção de uma oposição entre

crença e saber, em que a retórica se preocupa unicamente com a crença e

nunca com o saber. Ratifica-se, portanto, o papel do Jornal Massa!, um veículo

que se apresenta como o tradutor da informação, defendendo os interesses do

povo mais carente, lutando pelos seus direitos. Enfim, diante daqueles que são

vítimas da injustiça, o jornal cumpre, por assim dizer, a sua função social.

3.3 O PATHOS E SUAS IMPLICAÇÕES NO ATO DE PERSUADIR

O grande objetivo de todo o discurso argumentativo é provocar a adesão de um

auditório (o conjunto de indivíduos que o emissor pretende influenciar por meio

da sua argumentação).

Ao lado do ethos, o pathos – palavra grega que significa paixão, excesso,

catástrofe, passagem, passividade, sofrimento e assujeitamento – é uma noção

que remonta à Antiguidade. Atualmente, a noção de pathos e seus

desdobramentos são objeto de estudo das mais diversas áreas do

conhecimento e das várias tendências dentro das ciências da linguagem; por

conseguinte, tem-se aí uma grande dificuldade de estabilizar tal noção, a

exemplo do que ocorre com o ethos. Ao longo dos séculos, os termos

associados a esse assunto (sentimento, emoção, estado de ânimo, humores,

paixões) foram sendo empregados como sinônimos e uma diversidade de

fenômenos foi, muitas vezes, recoberta por apenas um desses termos.

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Define-se, portanto, o pathos pela sensibilidade que emana do auditório, o qual

é variável em função das suas próprias características. Cabe ao orador

perceber, por mera intuição, o que move o auditório, a que este é sensível.

Deve, para tanto, selecionar as estratégias adequadas para provocar no

auditório as emoções e as paixões necessárias, de modo que seja suscitada a

adesão e se concretize a mudança de atitude e de comportamento. Sabe-se

que o orador serve-se de argumentos racionais, mas este não pode deixar de

usar o se carisma e a sua habilidade oratória.

No texto jornalístico do Massa!, especialmente na manchete e na Notícia do

dia, isto é, o nosso objeto de análise – seja pelo uso da imagem, seja ainda

mais pelo uso da palavra – as emoções dos leitores são aguçadas diante da

cenografia construída pelo veículo, conforme se pode evidenciar na Figura 3,

atingindo a comoção esperada frente ao acontecimento noticiado.

Figura 3. Manchete: Inimigo n. 1 de criancinha. Fonte: Jornal Massa! Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012

Comungam-se, portanto, jornal e leitor, de um mesmo sentimento, não

importando a circunstância: pode ser a vitória de um time admirado por uma

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grande torcida ou pode ser o desmoronamento de terra que deixou centenas

de vítimas desabrigadas ou, a exemplo da figura acima, um ato de pedofilia. Há

uma espécie de celebração movida pela alegria e/ou pela dor. Esse critério de

noticiabilidade é confirmado na entrevista feita com Euzeni Daltro (2011),

jornalista do Massa!:

O Massa! é feito para moradores dos bairros periféricos e populares. Mas aí você poderia me perguntar sobre aquela matéria que eu fiz falando de um casarão que estava prestes a cair na Av. Vasco da Gama. Nesse caso o critério foi outro. Geralmente você vê casa de pobre caindo, casarão de rico caindo ninguém vê. Então essa matéria entrou como inusitado. E isso também atrai o leitor, ele gosta dessa coisa. É curioso para o leitor do Massa! que está acostumado a ver a casa do vizinho cair, ver a casa do barão cair (DALTRO, 2011, s/p).

Santana Neto (2008) afirma que o pathos pode ser subdividido em dois: o

pathos pré- discursivo, ao qual estão relacionadas as emoções do auditório

previstas pelo orador, e o pathos discursivo, ao qual estão ligadas as emoções

do auditório reveladas durante o discurso. O pathos discursivo está vinculado

a um conjunto de crenças compartilhadas e valorizadas sócio-historicamente,

ou seja, a um sistema que determina o valor de cada paixão, conforme a

circunstância em que ela é manifestada em uma dada sociedade e seu

momento histórico. É, por conseguinte, no discurso do Jornal Massa! e por

intermédio dele mesmo que se projetam as imagens do sujeito, de si e do

outro, apoiadas também no tipo de paixões que seu contexto sócio-histórico

determina como possíveis ou não possíveis de manifestar.

Isso significa dizer que os sistemas de valores impõem ao sujeito enunciador

(Jornal Massa!) que ele, no mínimo, manifeste e desperte em seu coenunciador

(leitor) uma determinada emoção em resposta ao que é noticiado – seja a

vitória de um time, seja o desabamento de uma encosta –, de modo que surtirá

consequências na construção de seu ethos, o que nos leva a concluir que há

uma intrínseca relação ethos e pathos (PIRIS, 2009).

Em outras palavras, entendemos o pathos discursivo como um conjunto de

recursos linguístico-discursivos voltados à construção de efeitos de sentido

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passionais que, de acordo com um dado contexto sócio-histórico, uma dada

formação ideológica e sua correspondente formação discursiva, participam do

processo de interpelação do sujeito.

Sob esse enfoque, as paixões se afiguram também como um sistema de

evidências e de percepções que oferece ao sujeito a experiência de comungar

uma dada emoção numa dada situação de enunciação. Essa comunhão

passional está presente na construção dos efeitos de identificação entre o

enunciador e seu coenunciador, fazendo com que este as experimente também

(o que faz interferir em seu julgamento). Deduzimos daí que o tipo de pathos

tem parte na qualidade de ethos que é construído no discurso, pois as

emoções estão imbricadas nos modos de falar, de enunciar, portanto, na

maneira de ser e de se comportar no mundo.

Dessa forma, pretendemos neste trabalho mostrar a influência recíproca que as

noções de ethos e de pathos exercem uma sobre a outra nesse processo de

interação e de construção do discurso veiculado pelo Jornal Massa! O ethos

está articulado com o pathos, pois a representação das virtudes morais induz

emoções no auditório. As paixões são ao mesmo tempo modos de ser (que

remetem ao ethos e determinam um caráter) e respostas a modos de ser (o

ajustamento ao outro).

O discurso é sempre feito em função de um auditório composto por indivíduos

todos diferentes entre si. O orador, antes de elaborar a sua argumentação, tem

que construir, a partir do auditório, uma representação ideal, tentando prever a

sua adesão aos argumentos que irão ser expostos.

Nem todos os argumentos provocarão certamente a mesma adesão. Cada

auditório requer, pois, da parte do orador, uma estratégia argumentativa

própria, de forma a apresentar nos momentos certos os argumentos mais

ajustados. Um auditório particular é muito distinto de um auditório universal.

Cada um exige um discurso próprio para que este possa ser persuasivo.

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Reforça-se, desse modo, o acordo contratual. Jornais sensacionalistas, a

exemplo do Massa!, exploram em seu noticiário, principalmente, temas que

causem impacto no auditório, ao recorrerem a narrativas grotescas, com o

argumento de que estão se diferenciando do jornalismo tradicional, já que

priorizam os assuntos os quais fazem parte do cotidiano do leitor e – o que

seria mais importante – utilizam a linguagem do público.

O leitor do Jornal Massa!, o coenunciador, é também um brasileiro, parte do

povo. Assim, ao ler a notícia, ele se identifica com esse povo caracterizado

pelo jornal e experimenta os efeitos passionais que se manifestam no plano da

enunciação. Logo, tendo em vista que o gênero discursivo editorial tem por

finalidade formar opinião, orientar crenças, valores e ações, podemos inferir

que o sujeito leitor/povo será facilmente persuadido.

3.4 NOÇÕES SOBRE O LOGOS NA TRÍADE ARGUMENTATIVA

ARISTOTÉLICA

Ao tipo de argumentação que valoriza os próprios argumentos dá-se o nome de

logos. Neste caso, obtém-se a persuasão por meio de argumentos que levam o

auditório a acreditar que a perspectiva do orador é correta. O logos é, portanto,

o tipo de argumentação centrado na tese e nos argumentos, devendo

apresentar-se bem estruturado do ponto de vista lógico-argumentativo. A

argumentação, neste caso, deverá ser bem clara e compreensível. O logos

está, por isso mesmo, ligado à dimensão da linguagem e à importância das

palavras, do seu rigor e coerência. Assim, é pelo discurso e pelos argumentos

que se tenta valorizar uma tese e se busca a adesão dos ouvintes.

A filosofia, desde o seu início, dedica uma enorme atenção à argumentação e

isso não acontece por acaso. Na verdade a argumentação é uma das formas

mais profícuas da própria atividade filosófica, na medida em que ela envolve a

capacidade de dialogar, de pensar, de analisar, de escolher e implica o

comprometimento de alguém com os seus próprios argumentos.

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Para Aristóteles ([IV a.C.] 1959), o logos é o tipo de argumentação mais

apropriado, embora os outros possam ter também a sua importância. O logos é

o tipo de argumentação mais objetivo, pois o discurso deve obedecer a uma

racionalidade lógica e possuir rigor. Mas também é possível que o discurso

possa ser ornamentado e de caráter mais literário, recorrendo o orador ao uso

de figuras de estilo, por exemplo.

Durante a apresentação de sua tese, o orador busca convencer o maior

número de ouvintes. Ele deve, portanto, possuir argumentos variados, pois é

comum encontrar auditórios heterogêneos. O que caracteriza um bom orador é

o fato de levar em conta a heterogeneidade do auditório e adaptá-lo a este.

É sob essa perspectiva que os três componentes da persuasão aqui

desmembrados – ethos, pathos e logos – congregam os três lugares

complementares, vistos como provas argumentativas, e concorrem para todo o

processo argumentativo. Em síntese, o tipo de argumento utilizado intervém

também na construção e na imagem do orador (ethos), na exteriorização de

seus sentimentos (pathos) e em sua capacidade de inflamar o auditório (logos).

Podemos inferir que a argumentação é a pretensão da linguagem em

transformar as coisas, fatos e atos em verdade aceita, usando-se provas

elaboradas na busca do convencimento. Para tanto, muitas vezes, recorre à

verossimilhança, ou seja, já que coisas iguais não existem para transformarem-

se em provas idênticas, deve-se buscar aquilo que mais se parece, de modo

que um bom argumento é aquele que convence pelo que é verossímil. O

orador, por sua vez, lançará mão de técnicas argumentativas ou estratégias

argumentativas cujo objetivo final é a adesão dos espíritos.

Pensar em persuasão para o gênero jornalístico implica pensar na escolha do

uso de linguagens, ao se construírem os discursos, de modo que possa

convencer o outro (auditório) da veracidade de certas visões de mundo –

pautadas nos pontos de vista, inferências, opiniões – verdade esta a qual

emerge do discurso midiático, aqui representado pelo texto do Massa! (orador).

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Patrick Charaudeau (2010) mostra que no contexto midiático há vários tipos de

verdade: a verdade dos fatos, a verdade da origem, a verdade de opinião e a

verdade de emoção, esta que é de particular interesse no presente estudo,

visto que as estratégias argumentativas que se inserem nas notícias que

compõem o corpus da pesquisa primam por uma verdade a qual se constrói no

terreno das emoções suscitadas nos receptores da informação:

A verdade de emoção encanta ou provoca uma reação irrefletida. Deixa sem voz ou faz gritar, paralisa ou desencadeia uma ação pulsional. Isso porque ela se baseia numa história pessoal consciente, não consciente e/ou inconsciente daquele que a experiência. Por isso, a reação ocupa um lugar de verdade, pois nada no mundo, nenhuma razão, pode mudar a visão daquele que a experiência (basta pensar no pai da criança palestina que morreu em seus braços) (CHARAUDEAU, 2010, p. 268).

Para se entender a argumentação e seus fins, é necessário conhecer alguns

elementos que a fundamentam. Nessa perspectiva, o Tratado da

Argumentação: a nova retórica propõe-se a apresentar um estudo da

argumentação, motivado pelo descrédito desta no decorrer da História,

conforme será abordado na seção seguinte.

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4. A NOTÍCIA E OS SEUS EFEITOS DE PERSUASÃO: UM

ESTUDO DA ARGUMENTATIVIDADE NO DISCURSO

JORNALÍSTICO DO MASSA!, A PARTIR DA NOVA RETÓRICA

“O poder da palavra [logos] pode ser comparado com o efeito das drogas no organismo: diferentes palavras podem induzir preocupação, prazer ou medo ou, através de um tipo de persuasão mal intencionada, entorpecer ou enfeitiçar o espírito”. (GÓRGIAS, 450-400 a.C.).

As estratégias argumentativas parecem estar nitidamente secundarizadas, face

às técnicas de persuasão usadas pelos novos meios de comunicação de

massas, como a publicidade ou a televisão. Nesta seção, a finalidade é

apresentar as estratégias argumentativas no contexto jornalístico, tendo como

recorte cinco manchetes com as respectivas notícias produzidas e veiculadas

pelo Jornal Massa!, cujas análises têm como principal aporte teórico o Tratado

da Argumentação: a nova retórica, de Chaïm Perelman e Lúcie Olbrechts-

Tyteca.

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O sistema retórico vem ao longo das diversas épocas sendo enriquecido,

porém nunca modificado. Conhecido primeiramente como a “técnica retórica”,

inventada pelos gregos, possibilitava defender qualquer causa ou tese.

Portanto, está desde sua origem ligada à área judiciária, aspecto que

Aristóteles mais tarde chamará de "gênero judicial" do discurso retórico.

Compreende-se que, com o advento do racionalismo de Descartes, a dialética

aristotélica é desprestigiada, enquanto que a lógica moderna atinge seu auge,

tornando-se o modelo referencial. São pertinentes, portanto, algumas

explicações acerca das diferenças entre estes. A dialética aristotélica busca a

adesão de todo ser racional, por métodos argumentativos que despertem seu

consentimento, sua participação mental.

Como já abordado em nosso trabalho, o método aristotélico não admite a

unicidade, ou seja, seu objetivo é apresentar argumentos que alcancem o

verossímil, o provável. Não obstante, o modelo cientificista, inspirado na lógica

formal que é oriunda da reflexão sobre o raciocínio matemático, busca o certo,

o verdadeiro, por meio de premissas demonstrativas, ou seja, que apresentam

fatos ou evidências como instrumento de prova.

Na contramão desse modelo, a argumentação, na perspectiva de Perelman e

Olbrechts-Tyteca ([1959] 2000), promove o diálogo e considera como violência

o ato de persuadir por meio de provas, visando à unicidade, a unanimidade.

Argumentar é se colocar a partir do ponto de vista do interlocutor e convencê-lo

pelo envolvimento, é beneficiá-lo com a verossimilhança.

O exercício da argumentação parte do acordo do orador com o auditório.

Nesse processo o objeto é identificado como o que é admitido pelo auditório. A

priori, este acordo é observado "como ponto de partida de raciocínios", e

posteriormente, nota-se como estes se desenvolvem. É de grande relevância

que o orador se adapte ao auditório. Com essa finalidade foi criado o conceito

de auditório universal, que consiste em uma construção imaginária do orador

formada pelo que se sabe desse auditório. Mas o Tratado da Argumentação

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aponta para a criação de um auditório de elite, a saber, um auditório particular

dotado de conhecimentos privilegiados e incontestáveis.

Sobral (2005) enfatiza a necessidasde de se estabelecer um acordo entre o

orador e o auditório, no processo argumentativo, contudo, faz a seguinte

observação:

A adesão de um auditório a determinada tese depende não apenas dos argumentos de que dispõe o orador. (...) O acordo ocorre a partir de um contato intelectual, cujas condições básicas são a existência de uma linguagem comum, o desejo de dirigir a palavra e de ser escutado e a valorização da adesão do interlocutor (SOBRAL, 2005, p. 48).

O auditório particular encontra similaridade, por exemplo, nos grupos científicos

ou religiosos, os quais gozam boa posição hierárquica e se consideram

vanguardistas e de referência para os demais grupos. Deve-se salientar que

esse auditório tanto pode ser aceito como modelo, quanto pode ser rechaçado,

por não aceitar o auditório ao qual é direcionado. Daí a necessidade de

adaptar-se o orador ao seu auditório, conforme orienta o Tratado da

Argumentação:

Para poder influenciar mais o auditório, pode-se condicioná-lo por meios diversos: música, iluminação, jogos de massas humanas, paisagem, direção teatral. [...] O importante, na argumentação, não é saber o que o próprio orador considera verdadeiro ou probatório, mas qual é o parecer daqueles a quem ela se dirige (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 26).

Na esteira dessa discussão sobre o papel do orador frente ao auditório, o qual

deve aderir à tese proposta, Sobral (2005) ratifica:

Para uma boa argumentação, é necessário conhecer bem aquele que se quer persuadir. Assim, toda a argumentação deve ser construída a partir do que o orador definiu ser o seu destinatário, ou seja, o auditório. Portanto, o conhecimento psicológico, sociológico e ideológico do auditório é fundamental à eficácia da argumentação (SOBRAL, 2005, p. 47).

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É nessa perspectiva que Reboul (2000) alerta para umas das regras as quais

visam alcançar a eficácia na argumentação: trata-se da clareza, “[...] em outras

palavras, a adaptação do estilo ao auditório”. Pode-se afirmar, pois, que o

Jornal Massa! tem conquistado a adesão do seu leitor, na medida em que cria

uma linguagem clara, acessível, colocando-se ao alcance do seu auditório.

Esses artifícios de linguagem são confirmados pela jornalista Euzeni Daltro,

que já atuou como estagiária do Jornal A Tarde e hoje escreve para o Massa!.

Ela fala sobre as diferenças entre as rotinas de produção e os critérios de

noticiabilidade dos dois veículos:

(...) acontece muito de o repórter escrever um texto para o Massa! e outro para o A Tarde. O mesmo conteúdo, mas linguagens diferentes. Quando não dá tempo o editor adequa. Às vezes é engraçado (depois que eu paro para pensar, no momento não é nada engraçado!) quando eu tenho três matérias para escrever, uma de Entretenimento, uma de Polícia e uma de Cidade. Eu simplesmente paro e pergunto para os editores qual eu devo escrever primeiro (DALTRO, 2011, s/p).

Retoma-se, portanto, à Teoria do Agendamento11 a qual defende a ideia de que

os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os

assuntos que são veiculados, sugerindo que os meios de comunicação

agendam o que será noticiado.

A Teoria do Agendamento ajuda na compreensão do papel do jornalismo na

contemporaneidade. A pauta das conversas interpessoais é sugerida pelos

jornais, televisão, rádio e internet, propiciando aos receptores a hierarquização

dos assuntos que devem ser pensados/falados. A realidade social passa a ser

representada por um cenário montado a partir dos meios de comunicação de

massa.

11

O conceito de agendamento (Agenda-Setting) foi enunciado pela primeira vez em 1972, pelos investigadores Maxwell E. McCombs e Donald L. Shaw, na sequência do seu estudo empírico realizado durante a campanha presidencial norte-americana de 1968, com o objetivo de comprovarem o poder de agendamento dos media, ou seja, a capacidade dos media promoverem a agenda de temas que eram objeto de debate e interesse público. In: MATTOS, Celso. O Agenda-Setting o discurso circular da informação. Disponível em: http://www.pitagoraslondrina.com.br/midialogos/ed_01/artigos/Agenda%20Setting%20 %20Celso%20Mattos.pdf. Acesso em: 10 dez. 2013.

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Traquina (2000) aponta dois aspectos determinantes, no que tange à agenda

pública e os seus desdobramentos para o campo do jornalismo: 1) a atuação

dos jornalistas e os critérios de noticiabilidade por eles utilizado; e 2) a ação

estratégica visando promover a notícia, bem como os recursos de que dispõem

para mobilizar a esfera jornalística.

O efeito do agendamento varia conforme a natureza do assunto, distinguindo

entre questões envolventes, ou seja, que as pessoas podem mobilizar a sua

experiência direta e questões não envolventes, que estão mais distantes das

pessoas, com as quais elas não têm experiência direta Traquina (2000).

Em outras palavras, os meios de comunicação de massa ditam a importância

de tal fato em detrimento de outro que, segundo a sua visão, terá menor ou

quase nenhuma repercussão para um específico auditório. No Jornal Massa! é

perceptível uma predileção por temas que abordem a violência na sua forma

mais grotesca, haja vista a recorrência das matérias de capa em que a barbárie

produzida no mundo da criminalidade. Entretanto, embora o interesse do

veículo seja causar impacto no leitor, tais abordagens, por vezes, são

apreendidas com certa naturalidade pelo público.

Assim, a mídia determina ao jornalista o que deve colocar como pauta,

configurando-se, desde já, o poder, com vistas à argumentação, que se faz

presente na imprensa. O quadro seguinte permite uma análise acerca da

Teoria do Agendamento adotada pelo Jornal Massa!:

Quadro 7: Comparativo entre os jornais Massa! e A Tarde - Teoria do Agendamento no período de 02 a 13/12/2103.

Data/publicação Manchete/ Jornal Massa! Manchete/ Jornal A Tarde

02. 12. 2013 Adolescente é acusado de assassinato

Escolha do PT coloca pressão na oposição

03. 12. 2013 Guerra entre PMs e bandidos: terror em Valéria

Gasolina já custa mais de R$ 3 em postos da capital

04. 12. 2013 Erro fatal: pedreiro morre no lugar do irmão

MEC pode autorizar mais seis faculdades de medicina na Bahia

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10. 12. 2013 Polícia passa rodo: tráfico sofre seis baixas

Personalidades revelam pedidos a Papai Noel para melhorar a Bahia

11. 12. 2013 Arrastão do bem: liga da justiça bota 10 em cana

Lajedinho inicia reconstrução, mas ainda conta seus mortos

12. 12. 2013 Fugiu e seu deu mal: PM rápida no gatilho

Número de multas de ônibus sobe 431%

13.12. 2013 Banho de sangue: estação do terror

Greve de vigilantes causa apagão cultural

Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013), a partir de informações obtidas no Massa! On line. Disponível em: http://www.jornalmassa.com.br/ e http://www.atardeuol.com.br/ Acesso em: 14 dez. 2013.

O Quadro 7 revela que, nas duas primeiras semanas do mês de dezembro de

2012, dentre os temas noticiados no Jornal Massa!, aqueles relacionados ao

submundo da criminalidade tiveram prioridade – aproximadamente 50% –, e

foram, portanto, determinados como agenda do público leitor.

Em sua análise sobre o papel dos meios de comunicação de massa, em

especial sobre as práticas desenvolvidas na imprensa, Bourdieu (1997) pontua

observa que os jornalistas, condicionados pelas propensões inerentes à

profissão, pela visão de mundo, pelo tempo, pela sua formação, pela lógica da

profissão e por suas disposições, selecionam na realidade aquilo que

acreditam ser notícia. Para o autor, “os jornalistas têm óculos especiais a partir

dos quais veem coisas e não outras; e veem de certa maneira as coisas que

veem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado”

(BOURDIEU, 1997, p. 25).

Complementarmente, Vizeu (2007) explana a respeito da Teoria do

Agendamento, em que os fatos são selecionados hierarquicamente, conforme

a realidade do auditório.

No processo de produção da notícia, ao selecionarem determinados fatos excluindo outros, os informativos televisivos organizam, sistematizam, classificam e hierarquizam a realidade, emoldurando os acontecimentos, o cotidiano. O mundo a que assistimos diariamente nos telejornais é produzido dentro das normas e regras do campo jornalístico

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que, ao dar visibilidade aos demais campos do conhecimento, os submete a seus processos e estratégias (VIZEU, 2007, s/p).

Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996), ao apresentarem os princípios

teóricos de uma Nova Retórica, salientam ainda o poder argumentativo dos

veículos de comunicação de massa. Essas instâncias comunicacionais,

segundo os autores, utilizam fundamentalmente os recursos verbais em suas

emissões. Trazendo para o nosso objeto de estudo, observamos que a

argumentação visa à adesão simultânea de um auditório universal, isto é, os

leitores do Jornal Massa!.

Entretanto, Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958], 2000, p. 27) advertem que da

mesma maneira que: “(...) ao auditório cabe o papel principal de determinar a

qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores (...)”, assim

também “(...) o importante na argumentação não é saber o que o próprio orador

considera verdadeiro, ou probatório, mas qual é o parecer daqueles a quem ela

se dirige”. Logo, é o orador precisa adaptar-se ao auditório, e não o contrário.

Desse modo, o orador que visa a uma ação precisa, pelo auditório: “(...) deverá

excitar as paixões, emocionar seus ouvintes, de modo a desencadear uma

adesão intensa, capaz de vencer a inércia e as forças que atuam em sentido

diferente ao desejado pelo orador” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA

[1958], 2000, p. 52).

A partir do que os autores observam no Tratado, podem ser definidas quatro

importantes condições as quais conduzem à eficácia na argumentação, a

saber:

1ª. Condição consiste em definir uma tese e saber a qual tipo de pergunta

essa tese responde, isto é, a tese precisar satisfazer a uma necessidade do

auditório ao qual o orador se dirige.

2ª. Condição trata de se empreender uma argumentação, recorrendo a uma

linguagem comum ao público ao qual se destina.

3ª. Condição diz respeito a ter um contato positivo com o outro, buscando

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principalmente escutá-lo.

4ª. Condição refere-se à necessidade de agir eticamente, argumentando

com o outro com honestidade e transparência, a fim de que o ato da

argumentação não se torne manipulador.

Ciente de que, na esfera do jornalismo, diversas estratégias são desenvolvidas

para envolver, seduzir e persuadir o leitor, este trabalho direciona-se para a

análise dos elementos argumentativos presentes nesse gênero, com a

finalidade de investigar, com base na argumentação retórica, a elaboração de

textos que circulam no Jornal Massa!.

Considerando-se que a linguagem humana abarca uma diversidade textual, o

gênero jornalístico sensacionalista, objeto da nossa análise, possibilitou a

seleção dos textos que compuseram o corpus. Mais uma vez enfatizamos que

a busca pelo Jornal Massa! justifica-se também pelo impacto que esse

periódico causou ao público baiano, o qual estava acostumado a noticiários

mais leves, no que tange tanto ao formato visual quanto à linguagem verbal, a

saber: Jornal A Tarde, Tribuna da Bahia e Correio*, além dos que são

distribuídos nacionalmente, como o Folha de SP e O Globo.

O Jornal Massa! possui boa circulação pública, é visto como jornal

popularesco, cujo público-alvo é composto, em sua maioria, por leitores com

um nível de escolaridade baixo a médio. Jornais que têm a configuração do

Massa!, os chamados sensacionalistas, encontram ressonância nesse público,

daí os fatos serem apresentados de forma exageradamente direta, muitas

vezes recorrendo à bizarrice, para cumprir a sua função informativa, esta que,

teoricamente, todos os jornais têm como premissa.

4.1 A ARGUMENTAÇÃO NO GÊNERO NOTÍCIA: O CORPUS DA PESQUISA

A escolha pela manchete da capa, que conduz à Notícia do dia – esta de maior

importância a cada edição do Jornal Massa! – confirma o nosso interesse em

observar como as notícias mais impactantes conseguem atrair leitores e,

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posteriormente, persuadi-los frente ao que lhes é apresentado. O quadro

seguinte apresenta os textos de que se constitui o nosso objeto de estudo:

Quadro 8: Constituição do corpus da pesquisa

Constituição do Corpus

Ordem Título Fonte Data de Publicação

Texto 1 Super Maria: 32 filhos Jornal Massa! Edição n. 492

12 e 13 / maio/ 2012

Texto 2 Covardia: Tarado estupra prima de 6 anos

Jornal Massa! Edição n. 696

05 e 06 / jan./ 2012

Texto 3 Estuprador é solto: Inimigo n. 1 de criancinha

Jornal Massa! Edição n. 720

02 e 03 / fev./ 2012

Texto 4 Infância roubada: Vídeos, ameaças e estupro

Jornal Massa! Edição n. 826

08 e 09 / jul./ 2013

Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013).

Para um melhor entendimento da análise, apresentamos, inicialmente, as

matérias escolhidas, com a formatação e o conteúdo que integram a notícia. A

partir de então, fazemos uma análise fundamentada nos tipos de argumentos

que foram identificados nas referidas notícias.

4.1.1 Texto 1. Super Maria: 32 filhos

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Figura 5: Manchete Super Maria: 32 filhos / Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492

12 e 13 de maio de 2013

Figura 6: Notícia do dia: Maria, 32 filhos e muitas histórias

Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492 12 e 13 de maio de 2012.

A manchete integra a capa da edição n. 492, com circulação nos dias 12 e 13

de maio de 2012, domingo em que se comemorou o Dia das Mães. Além dessa

manchete, na primeira página constam apenas duas (02) notícias: uma com

referência ao futebol baiano e outra versando sobre a violência local. Como se

pode observar, em quase toda a extensão da capa, o destaque é para a

simbologia envolvendo a data festiva do Dia das Mães, que, no imaginário

coletivo, traduz-se em alegria e tristeza, cujos sentimentos são suscitados pela

emoção.

Nessa edição, o jornal mantém os tons coloridos e os títulos com letras

grandes, que é uma de suas características como linguagem visual, mas,

diferentemente da maioria das capas, não utiliza as tonalidades preto e

vermelho, normalmente exploradas quando as manchetes fazem alusão à

violência e a algum tipo de barbárie.

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Abaixo da manchete Super Maria: 32 filhos posiciona-se a fotografia de uma

das personagens que estão compondo o noticiário acerca do tema e cuja fala

está transcrita no lead: “Tenho orgulho de todos, não teve um que deu para

ladrão, afirma ela, que além de filhos, tem muita história para contar”.

Na referida capa, em lugar da habitual fotografia de um corpo feminino seminu

– objeto de desejo do costumeiro e voraz leitor do Massa! – estampa-se a

figura da cantora Cláudia Leitte e, ao lado, seu depoimento para corroborar o

contexto emotivo ao qual o jornal se propôs desde a manchete, nessa edição

especial: “Sou apaixonada pela maternidade. Sinto-me mais próxima de Deus”.

Com esse recurso, o Massa! imprime alguma leveza no conteúdo de um jornal

cujas manchetes enfatizam operações policiais e fatos grotescos, como

critérios de noticiabilidade.

Na parte interna, na página 3, retoma-se o tema da manchete com o seguinte

título: “Maria, 32 filhos e muitas histórias”, cuja informação se amplia no lead:

“Fertilidade de Maria da Conceição surpreende até mesmo especialistas em

reprodução. A grande quantidade de descendentes deu origem à lavagem de

Fazenda Coutos 3”.

Quanto ao conteúdo, a matéria mostra a trajetória de uma mulher de origem

humilde – tanto no plano da maternidade, quanto na prática social – a qual

relata com simplicidade sobre o espaço que conquistou na sociedade, a partir

do seu duplo papel: mulher e mãe. O texto é construído basicamente em

formato de biografia, sendo esta intercalada com depoimentos da personagem

Maria da Conceição.

Na página 07, de conteúdo policial, o título “Elas pagam pena dobrada” (figura

7), já se percebe que o Dia das Mães é recorrente no referido noticiário. O lead

torna explícito o teor da matéria, em contrapontos com a matéria de capa: “Veja

o drama das internas do Presídio Feminino que vão passar o Dia das Mães

longe dos filhos”. O jornalista escolheu cinco (05) histórias de presidiárias as

quais não têm os mesmos motivos que a Super Maria para falar sobre a

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maternidade. Não se observa, na matéria, qualquer abordagem do ponto de

vista social diante da narrativa.

Figura 7: Matéria: Elas pagam pena dobrada Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492

12 e 13 de maio de 2012.

Figura 8: Matéria Mamães estrelas Fonte: Jornal Massa! Edição n. 492

12 e 13 de maio de 2012.

Como função informativa, o jornal limita-se a relatar a dura experiência dessas

mulheres/mães, o que nos leva a inferir sobre a intenção de simplesmente

atingir o campo das emoções do leitor.

Finalmente, na página 16, o jornal deixa o anonimato e se insere no mundo das

celebridades, ao veicular uma matéria com o título “Dia de celebrar – Mamães

estrelas – Elas dão conta da fama e dos filhos” (figura 8), que vem

acompanhado do lead “Cantoras baianas falam do sentido que os pequenos

dão à vida agitada delas”. Na seção, artistas do cenário musical baiano e

brasileiro – Cláudia Leitte, Ivete Sangalo, Nara Costa e Mariene de Castro –

mostram ao leitor a sua experiência com a maternidade.

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4.1.2 Texto II. Covardia: Tarado estupra prima de 6 anos

Figura 4. Manchete: Tarado estupra prima... Fonte: Jornal Massa! Edição n. 696 - 05 e 06 / jan./ 2012

Depreende-se, na capa da referida edição, um apelo para obter a comoção do

leitor, com a utilização do termo “covardia”, que antecede a manchete.

Imprime-se, então, um caráter de subjetividade do enunciador e, portanto, um

juízo de valor, o que não corresponde aos princípios da conduta jornalística,

em que se preconiza o afastamento do profissional jornalista diante dos fatos,

para que seja exercido pelo veículo tão somente a função referencial, ou seja,

a de informar os leitores acerca dos acontecimentos. Obviamente que há uma

concordância de grande maioria quanto à atitude covarde do indivíduo

acusado, sobretudo ao se imaginar a condição de indefesa da vítima, quando o

jornal a esta se reporta como “[...] prima de 6 anos”; “menina”; “garotinha”.

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A adjetivação se faz presente, tanto na manchete Tarado estupra prima de 6

anos quanto no lead “O safado acabou preso após vídeo do estupro cair nas

mãos da polícia”. O uso de tais lexias (Grifo nosso) pode ser compreendido

como uma estratégia argumentativa de persuasão, na medida em que se firma

uma cumplicidade entre jornal e leitor, quanto ao sentimento de revolta e ódio

que circula na sociedade diante de episódios dessa natureza.

Ademais, contribui para exacerbar a ira do leitor o registro da fala do acusado –

de iniciais E.C.J: “[...] Não foi aquela vontade. Foi intimação dela. Ela foi

chegando e me aproveitei [...]”. Sabe-se que, dentre os criminosos que povoam

os presídios do Brasil, o estuprador é aquele que provoca a rejeição no meio

dos outros bandidos. Isso porque o crime é considerado hediondo e mexe com

o sentimento até de ladrões e assassinos perigosos.

Pode-se inferir que o jornal está apenas conclamando o leitor – cujo ponto de

vista é certamente conhecido do veículo – a fazer parte de um júri popular em

defesa de uma criança. Fosse a ação de estupro direcionada a uma mulher

jovem ou madura, certamente que a sociedade reagiria com a costumeira

indignação e repulsa; porém, em se tratando de uma vítima de 6 anos de

idade, é igualmente certo que se manifeste um sentimento de ódio ainda maior

e um veemente anseio coletivo por justiça.

O uso dessas emoções pela mídia foi explanado também por Morin (1969). O

autor assevera que no início do século XX, o imaginário prevalecia na cultura

de massa, conquistando um lugar real nos espaços que antes pareciam

pertencer apenas à informatividade. É assim que o noticiário do Jornal Massa!

adquire um tom romanesco e cinematográfico – seja no âmbito sentimental,

aventuroso ou policial –, “fazendo vedete de tudo que pode ser comovente,

sensacional, excepcional” (MORIN, 1969, p. 104).

A notícia apresentada na íntegra, na página 4 (Figura 8), vem reforçada pelo

título “Tarado estupra prima de seis anos e grava vídeo”, traz a narrativa

detalhada com o requinte de crueldade, recorrendo às falas do acusado: “Eu

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não estuprei. [...] Ela entrou e pegou no meu negócio (pênis). Ela que chegou

em mim”. [...] “Eu fiz encostar no útero dela. Mas não foi à força”. Esse tom

grotesco da declaração é corriqueiro em noticiários de teor sensacionalista, de

modo que assim o jornal consegue atingir o estado emocional do leitor.

Notícias sobre pedofilia são comumente divulgadas em todas as esferas de

comunicação (rádio, jornais impressos e televisivos, internet), gerando nos

receptores a habitual revolta, em virtude da natureza do crime e, de modo

especial, quando as vítimas são crianças. Entretanto, quando o veículo faz tal

abordagem no estilo sensacionalista, a realidade dos fatos ali exposta produz

uma indignação ainda maior.

Figura 9: Matéria Tarado estupra prima... Fonte: Jornal Massa! Edição n. 696 - 05 e 06 / jan./ 2012 – pág. 4

No quadro ao lado da Figura 8, à direita, o jornal apresenta a versão do

acusado sobre o crime, segundo as informações da polícia. Mais uma vez, o

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veículo ignora o princípio da neutralidade da função jornalística, ao colocar

como título da notícia a expressão baratino, termo popular para referir-se a

alguma farsa ou mentira. Vê-se um olhar particularizado do Massa! diante do

fato, em defesa da vítima, de certo modo alimentando no auditório sensações

de repulsa.

Por fim, na referida matéria está a foto do acusado, com a expressão “No

covil”, para identificar o local onde aconteceu o crime – “Crime aconteceu há

um mês, na casa de Edvalter”. Observa-se a recorrência de termos bizarros, já

que ao vocábulo covil atribui-se o sentido de um lugar sujo, fétido, indigno.

Cada um desses elementos linguísticos ajuda a construir na mente do leitor

aquilo que o jornal intenciona: obter a cumplicidade do auditório o qual será

persuadido frente a um episódio horrendo, abominável, do qual se espera a

efetivação da justiça.

4.1.3 Texto III. Estuprador é solto: Inimigo n. 1 de criancinha

Figura 3. Manchete: Inimigo n. 1 de criancinha. Fonte: Jornal Massa! Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012

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Na edição n. 720, o Jornal Massa! repete o estilo do formato, priorizando cores

fortes, com destaque para o termo “criancinha” em tom vermelho. Interessa-

nos, contudo, a apreciação ao título (Estuprador é solto – Inimigo n. 1 de

criancinha), que traz na sequência o lead com informações sobre os envolvidos

no episódio, o qual será detalhado na página 4 da referida edição.

A manchete já antecipa uma forma de denúncia, ao mostrar um procedimento

judicial – Estuprador é solto – que causa total indignação nas pessoas as quais

acompanham os desdobramentos de episódios como esse, em que, por não

haver provas contundentes ou, ainda, por não ter havido flagrante, o suposto

criminoso não pode ser detido.

As notícias sobre crime podem ter na verdade duas reações: aumento do

sentimento de segurança e confiança na justiça – nas vezes em que o

criminoso tenha sido julgado e condenado ao cumprimento de penas previstas

na lei – ou diminuição desse mesmo sentimento – quando o criminoso sai

impune, a exemplo do caso veiculado no texto III. O jornalismo apresenta-se,

portanto, com esse poder, o de alterar estados emocionais dos seus leitores.

Ainda na manchete, faz-se presente a adjetivação (Inimigo n. 1 de criancinha),

uma referência à alcunha “amigo do povo”, slogan que era atribuído ao

acusado J. S. do E. S., em sua campanha política ao cargo de vereador em

2012. O uso do adjetivo “inimigo”, em oposição a “amigo”, funciona como um

alerta do jornal à população, para que esta não se deixe enganar por aqueles

que se colocam como defensores da sociedade, haja vista ser este o propósito

de um vereador. De modo similar aos demais jornais sensacionalistas, o

Massa! pressupõe estar cumprindo, portanto, a sua função social perante os

seus leitores.

No corpo da notícia (Figura 9), o texto inicial imprime um tom de coloquialidade

ao que será abordado no relato sobre o suposto crime de estupro (“Quem diria

que ‘o amigo do povo’ J. S. do E. S, 31 anos, candidato a vereador na eleição

de 2012 pelo PMDB, gostava de fazer mal a criancinha”). Ao afirmar que o

acusado “gostava de fazer mal a criancinha”, o jornal aponta, portanto, para um

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desvio de conduta, algo que obviamente é condenado pela sociedade. E é isso

que justifica a procura por notícias sobre crimes, pelos jornais, já que a quebra

de regras sempre foi objeto de atenção das pessoas. O leitor normalmente se

considera sempre fazendo parte do lado do bem, em oposição ao lado do mal;

nesse sentido, os relatos sobre crimes servem para fortalecer esse sentimento

de retidão e, ao mesmo tempo, um sentimento de ódio e desprezo diante do

opositor.

Figura 10: Matéria Ex-candidato é suspeito de abuso sexual Fonte: Jornal Massa! - Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012

Ao contar a história de um acontecimento, o jornalista reforça os valores morais

e sociais numa determinada sociedade. Considerando-se que no crime se

encontram mais reforçados os valores sociais, culturais e morais de uma

sociedade, tal estratégia é geralmente usada pelo Jornal Massa! para

desenvolver a simpatia diante dos seus leitores, de modo a criar um espírito

único, fazendo o leitor nutrir uma ligação com o jornal e, por conseguinte,

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fidelizar-se a este. Advém daí a predileção por relatos de crimes bárbaros, de

modo especial envolvendo menores, os quais figuram constantemente nas

edições, notadamente na Notícia do Dia.

4.1.4 Texto IV. Infância roubada: Vídeos, ameaças e estupro

Figura 11: Manchete Vídeos, ameaças e estupro Fonte: Jornal Massa! - Edição n. 826 - 08 e 09 / jun./ 2013

Por fim, o último texto que compõe o nosso corpus ratifica a Teoria do

Agendamento, aqui apresentada, considerando-se a recorrência de

abordagens temáticas sobre violência contra o menor, nesse caso o crime de

pedofilia. Dessa vez, a manchete (Vídeos, ameaças e estupro) parece

demonstrar os ingredientes utilizados para a concepção do crime e, também,

da notícia. Acima da manchete está a expressão “Infância roubada”, uma

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possível alusão ao filme americano sobre a história de uma criança que fica

refém de um bandido.

Na capa da edição, o jornal antecipa algumas informações sobre o crime de

abuso sexual (“Arivaldo Correia, 41, foi em cana, em Feira de Santana,

suspeito de abusado de quatro meninos, entre 7 e 12 anos. Um deles é filho de

um PM. As crianças relataram que eram atraídas à casa dele para assistir a

filmes”). Observa-se, na ênfase dada à paternidade de um dos menores (“[...]

filho de um PM”), que se trata de uma afronta da parte do acusado, opinião

que, geralmente, é corroborada pelo público leitor, pressupondo assim uma

garantia de que se fará justiça no processo de julgamento do réu. Nos jornais

sensacionalistas, a polícia passa a figurar como personagem constante nos

noticiários, na maioria das vezes em confronto com os criminosos; entretanto,

quando essa polícia é a vítima (nesse caso, o seu filho), são aguçadas as

opiniões do auditório e cria-se um sentimento de confiança de que o acusado

será punido.

Na página 6, a matéria é desenvolvida na íntegra (Figura 11), constituindo-se

da narrativa por parte dos menores vítimas do pedófilo. Segundo a delegada,

“os garotos contam com riqueza de detalhes os abusos e o que o acusado

fazia para ameaçá-los”.

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Figura 12: Matéria Garotos apontam estuprador

Fonte: Jornal Massa! - Edição n. 826 - 08 e 09 / jun./ 2013 – pág. 6

É exatamente por mexer com as emoções que a imprensa sensacionalista

normalmente é a mais moralizadora, pois tende sempre a condenar os desvios

sociais à norma. As pessoas precisam sentir que as emoções positivas se

sobrepõem às negativas, ou seja, que o bem se sobrepõe ao mal. Na referida

notícia, o Jornal Massa! faz apologia à moralidade, ao atuar como defensor da

infância, uma “infância roubada” pelas mãos de quem está do lado do mal.

4.2 AS TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS NO NOTICIÁRIO DO MASSA!

O processo argumentativo é composto por estratégias que objetivam a

persuasão e o convencimento, tendo em conta que a primeira tem como fim o

resultado, enquanto que a segunda busca a convicção. É necessário, assim,

estabelecer a distinção entre persuadir e convencer. A argumentação

persuasiva é aquela pela qual o orador visa a um auditório particular. Em

contrapartida, a convincente tem como foco o auditório universal, cuja principal

característica concentra-se no caráter racional da adesão. Para Perelman e

Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996, p. 31), é "aquela que deveria obter a adesão de

todo ser racional”.

Dentre os argumentos apresentados por Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958]

1996), em seu Tratado da Argumentação: a nova retórica, no processo de

análise do corpus foram identificados os seguintes, conforme o Quadro 8:

Quadro 9. Argumentos e tipos de argumentos identificados nos corpus

Argumentos quase- lógicos

A regra de justiça

Os argumentos de comparação

Argumentos baseados na estrutura do real

O argumento pragmático

Argumento de autoridade

Ligações que fundamentam a

A argumentação pelo exemplo

Modelo Antimodelo

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100

estrutura do real

Fonte: MIRANDA, Reinaldo (2013)

4.2.1 Os argumentos quase-lógicos

Esses argumentos recebem o nome de quase-lógicos, porque muitas das

incompatibilidades não dependem de aspectos puramente formais, e sim da

natureza das coisas ou das interpretações humanas.

Os argumentos quase-lógicos possuem um aspecto que se assemelha aos

raciocínios lógicos. São distintos destes por possuírem um caráter dúbio,

permitindo várias interpretações. Para que esses argumentos alcancem as

demonstrações formais, devem passar por uma redução e precisão, quanto a

sua natureza não-formal (informalidade).

Entretanto, um aspecto deve ser ressaltado: na nova retórica, tais verificações

não culminam na constatação de que os argumentos quase-lógicos sejam uma

versão imperfeita ou incompleta do raciocínio ou argumento formal. Apenas

relata que sua força persuasiva é inferior em relação ao modelo formal devido a

sua carência de rigor.

Dos argumentos quase-lógicos presentes no corpus podemos depreender os

argumentos da regra de justiça e de comparação na matéria “Elas pagam

pena dobrada” (Figura 7). A regra de justiça fundamenta-se no tratamento

idêntico a seres e situações integrados em uma mesma categoria, que sejam

intercambiáveis. Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000, p. 248) mostram a

distinção entre este argumento e a justiça formal:

A regra de justiça reconhece o valor argumentativo daquilo a que um de nós chamou justiça formal, segundo a qual ‘os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados do mesmo modo’. A justiça formal não especifica nem quando dois objetos fazem parte de uma mesma categoria essencial, nem que tratamento é preciso dispensar-lhes (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA ([1958] 2000, p. 248).

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Embora a matéria publicada tenha ingredientes para comover o auditório – ao

falar da maternidade, no Dia das Mães, e da privação de ver os filhos, que foi

imputada às mães presidiárias citadas na reportagem –, há, teoricamente, uma

regra de justiça que se evidencia: tais mulheres infrigiram a lei e, portanto,

devem ser penalizadas pela sua conduta.

A regra de justiça é objeto de análise também nas três matérias que relatam

sobre os episódios de estupro, tendo como vítimas menores de idade,

anteriormente mencionados. Observa-se em duas matérias que houve um

tratamento igual para pessoas que cometeram o mesmo delito, o abuso sexual

(“O safado acabou preso após vídeo do estupro cair nas mãos da polícia”) e

(“Arivaldo Correia, 41, foi em cana [...] suspeito de ter abusado de quatro

meninas, entre 7 e 12 anos), respectivamente nos textos II e IV. Entretanto, no

texto III, a mesma regra de justiça não se aplica (“Estuprador é solto”. [...] “Sem

flagrante. Ele foi preso e liberado no mesmo dia”). Essa incoerência é pontuada

por Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000, p. 248), ao afirmarem que

devem ser idêntidos os objetos aos quais a regra de justiça se aplica, mas que

isso, na verdade, nunca acontece, daí a sua diferença com a justiça formal.

Retomando a análise para a notícia, percebemos que há outros precedentes,

visto que o elemento “sem flagrante” redireciona a noção de justiça entre um

caso e o outro.

De fato, em toda situação concreta, uma classificação prévia dos objetos e a existência de precedentes quanto ao modo de tratá-los serão indispensáveis. A regra de justiça fornecerá o fundamento que permite passar de casos anteriores a casos futuros, ela é que permitirá apresentar sob a forma de argumentação quase-lógica o uso do precedente (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA ([1958] 2000, p. 248).

O auditório do Massa!, nesse momento destituído do uso da razão, em virtude

das circunstâncias e do tipo de crime que lhe é noticiado, provavelmente vê

com perplexidade o não cumprimento de uma regra de justiça. Torna-se, pois,

um caso de impunidade que aguça as emoções do leitor, o qual é provocado

pelas palavras do jornal (“Estuprador é solto” [...] gostava de fazer mal a

criancinha”).

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Quanto ao argumento de comparação, este pode ser percebido nas quatro

matérias analisadas. No texto I (Super Maria...), a comparação é inevitável,

frente à dimensão do fato noticiado. O argumento de comparação manifesta-se

no superlativo (super) utilizado pelo jornal, e o leitor, por sua vez, facilmente é

levado a comparar uma mulher que deu à luz 32 filhos, em oposição à mulher

moderna, que opta por gerar, em média, dois filhos. A partir desse argumento

quase-lógico, outros critérios são evidenciados, como o nível socioeconômico e

o grau de escolaridade que norteiam as diferentes escolhas no que tange à

maternidade. Notadamente, o acesso às informações e a posição social

contribuem para uma decisão tão importante na vida de uma mulher, a qual

pode ou não estar ciente das consequências advindas, neste caso

especificamente.

Ainda na referida edição, o Jornal Massa! expõe categorias bem diferentes de

mulheres, no que se refere à maternidade. Histórias de mulheres simples e

comuns – Maria, mãe de 32 filhos, e as que cumprem pena no presídio – em

oposição às histórias de mulheres “estrelas” – cantoras ricas e famosas do

universo da música baiana – direcionam o ofício de ser mãe de cada uma

delas, com um viés sensacionalista que leva à comparação entre situações

nitidamente distintas. O caráter emotivo do leitor constitui-se de várias

nuances: o respeito àquela mãe que conseguiu, com responsabilidade, criar

uma prole numerosa; o sentimento de rejeição ou de solidariedade para com as

mães presidiárias as quais perderam, ainda que temporariamente, o direito de

estar com seus filhos; e, por fim, uma atitude de reconhecimento ou, por vezes,

de fanatismo, diante dos relatos das mães que são celebridades. Com a junção

desses critérios, o Massa! atinge o seu auditório o qual, inevitavelmente, faz o

juízo de valor frente aos episódios narrados. Perelman e Olbrechts-Tyteca

([1958] 2000, p. 274) explanam sobre essa estratégia argumentativa:

A argumentação não poderia ir muito longe, sem recorrer a comparações, nas quais se cotejam vários objetos para avaliá-los um em relação ao outro. Nesse sentido, os argumentos de comparação deverão ser distinguidos tanto dos argumentos de identificação quanto do raciocínio por analogia (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA ([1958] 2000, p. 274).

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O argumento de comparação é bastante nítido nas reportagens acerca dos

estupros, quando esse tipo de crime é analisado em relação a outros delitos,

isto é, à prática de crimes muito mais leves, em oposição ao caráter hediondo

que categoriza o ato do estuprador. É óbvio que a justiça e grande parte da

sociedade repreendem qualquer tipo de crime; entretanto, quando se atenta

contra a integridade física de uma criança para consumar um ato sexual, é, por

assim dizer, um crime sem perdão. Exige-se, para tanto, o rigor da justiça ao

inflingir a pena a quem comete tal crueldade.

No texto IV (Inimigo no. 1 de criancinha), especificamente, a comparação se dá

a partir da oposição entre estes dois termos: “inimigo de criancinha” e “amigo

do povo”.

Quem diria, que ‘o amigo do povo’, Joás Santos do Espírito Santo, 31 anos, candidato a vereador na eleição de 2012 pelo PMDB, gostava de fazer mal a criancinha (Jornal Massa!, edição n. 720, p. 4 – Grifo nosso).

Se, por um lado, o adjetivo é positivador do caráter do acusado (amigo), por

outro lado, a sua imagem é desqualificada pelo Massa! (inimigo). Parecer ser a

intenção do jornal colocar em evidência um distanciamento entre ambas as

características do acusado, constituindo um pano de fundo que influencia a

avaliação do leitor, ao comparar as duas situações expostas.

Sobre a presença dos argumentos acima identificados e analisados – regra de

justiça e comparação –, podemos atribur tal incidência ao repertório de

notícias pelas quais o Jornal Massa! tem preferência. Se considerarmos o

conteúdo dos fatos, veremos que grande parte deles aborda a temática da

violência, nas diversas acepções do termo. As narrativas estão circunscritas,

normalmente, no confronto entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, tendo

a justiça formal como balizadora no julgamento. E a sociedade – representada

pelos leitores do veículo –, por sua vez, emite o seu juízo de valor, geralmente,

motivada por reações emotivas.

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Da mesma forma, os argumentos que levam à comparação se tornam

recorrentes no gênero sensacionalista, seja por identificação, seja por analogia,

de forma que o leitor sempre terá elementos para cotejar, quando se encontra

diante de notícias trágicas – em muitos casos, originárias de contexto social de

pobreza. Por um lado, o leitor compara os fatos à realidade vivida por ele

mesmo, percebendo as similaridades com a sua própria história; por outro,

distancia-se dos episódios, não querendo fazer parte daquela narrativa,

revelando assim o seu juízo de valor diante do que é transmitido pelo Massa!,

isto é, a natureza dicotômica existente no bem e no mal, na riqueza e na

pobreza, no certo e no errado, que é assimilada pelo indivíduo e, por

conseguinte, amplamente explorada pelo jornal.

4.2.2 Os argumentos baseados na estrutura do real

Os argumentos baseados na estrutura do real constroem-se a partir não do que

o real é, no sentido ontológico, mas do que o auditório acredita que ele seja,

isto é, aquilo que ele toma por fatos, verdades ou presunções. Sobre esse

segundo tipo entre os argumentos, Reboul (2000) complementa:

Os argumentos do segundo tipo já não se apóiam na lógica, porém na experiência, nos elos reconhecidos entre as coisas. Aqui, argumentar não é implicar, é explicar: ‘O adversário diz isso porque tem interesse em dizê-lo’. Inversamente, estima-se que, quanto mais fatos uma tese explicar, mais provável será ela (REBOUL, 2000, p. 173).

Tais argumentos relacionam os juízos já admitidos pelo auditório com os outros

juízos que se busca promover, ou seja, o orador parte de pontos de vista sobre

a realidade, de fatos ou presunções prontamente acordados entre os

interlocutores, para estabelecer uma solidariedade entre esses juízos aceitos e

os juízos que se quer alcançar a aceitação do público.

Desse grupo de argumentos, depreendem-se do corpus o argumento

pragmático e o argumento de autoridade. O primeiro consiste em apresentar

um ato ou um acontecimento valorizando suas consequências, sejam positivas

ou negativas, isto é, visa ao efeito que o resultado do evento produz no

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auditório; o segundo imprime legitimidade e credibilidade aos demais

argumentos, aumentando as possibilidades de convencimento e de persuasão

do auditório.

Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996, p. 303) definem o argumento

pragmático como “aquele que permite apreciar um ato ou acontecimento em

função de suas consequências favoráveis ou desfavoráveis”, não exigindo,

para ser admitido pelo senso comum, qualquer justificativa. É importante para

esse tipo de argumento o aspecto afetivo, emotivo, que tem no fator sucesso o

seu mais forte ponto de apoio. Embora seja largamente encontrado em

discursos religiosos e jurídicos, é comum encontrá-lo em outros contextos, a

exemplo do jornalístico, como se observa na fala de M. C. sobre os seus 32

filhos:

Tenho orgulho de todos, não teve um que deu para ladrão, para o que não presta. Tenho filho até doutor, advogado [...]. Me sinto uma mulher rica, sei que é muito filho, mas se voltasse no tempo teria todos novamente. [...] Por essas e outras, ela é a celebridade do bairro (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012).

Os autores observam que o auditório deve, necessariamente, estar em

consonância com o que lhe é argumentado, ou seja, para que o argumento

pragmático funcione, é preciso que o auditório concorde com o valor da

consequência. O argumento acima ilustrado enfatiza claramente as

consequências positivas decorrentes da responsabilidade em ser mãe. Logo, é

um argumento pragmático por realçar o efeito (positivo) nos leitores da matéria.

Por outro lado, efeitos negativos são observados na matéria “Elas pagam pena

dobrada”. O próprio título já sugere que o comportamento das mulheres as

quais cometeram algum crime produziu dupla consequência: a prisão e a

privação da presença dos filhos:

‘Não tenho palavras para dizer como será o Dia das Mães longe do meu filho. Ele não tem ninguém e é muito apegado a mim’, desabafa Daniela da Paixão Dias, 27 anos, interna do Conjunto Penal Feminino, onde mulheres de todo o Estado

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cumprem pena (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012).

O argumento pragmático aparece novamente, agora na narrativa sobre E. C.

S., de 21 anos:

Presa há cinco meses, ela está grávida há seis e já se prepara para criar seu filho nos seis primeiros meses no Conjunto Penal Feminino. ‘Nunca fui presa. É mais difícil estar longe da família’. Ela disse que namorou um traficante e acabou sendo acusada de participar das ações do parceiro (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012).

No Tratado da Argumentação, os autores defendem que o argumento

pragmático “parece desenvolver-se sem grande dificuldade, pois a

transferência para a causa, do valor das consequências, ocorre mesmo sem

ser pretendido” (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA [1958], 2000, p. 303).

Observa-se esse argumento no Texto 4, no quadro “Confissão – Tem vídeo de

garota estuprada”. A denúncia de que houve prática relativa à pedofilia é

ratificada pela fala das vítimas, mas ganha maior importância com a descoberta

de novas provas.

Na casa do indiciado, a polícia encontrou vídeos de pornografia infantil. Em um dos vídeos, ele aparece violentando uma menina de 13 anos, ainda não identificada. Arivaldo nega ter estuprado os garotos, mas confessa o crime contra a garota (Jornal Massa! Edição n. 826, 08 e 09 de junho de 2013).

O leitor, ao acompanhar a matéria, estando movido muito mais pela emoção do

que pela razão, é levado a corroborar a ideia de que indivíduos como o

acusado devem ser punidos, como consequência pelo mal que causam à

sociedade, visto que, no argumento pragmático, o fato é apreciado conforme

suas consequências, presentes ou futuras, e estas repercutem diretamente na

ação realizada.

No episódio noticiado pelo Jornal Massa!, o pragmatismo da argumentação

preconiza que a verdade deve ser revelada e que a consequência não pode ser

outra, senão a prisão do acusado. E tal consequência repercute também na

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sociedade, que passa a acreditar na justiça, como um instituto que,

efetivamente, faz valer o seu papel. Da mesma forma, essa instituição é

desacreditada, quando não cumpre a sua função de resguardar a ordem social.

Fazendo uso das palavras de Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958], 2000, p.

304), entende-se que, “a partir do momento em que uma ligação fato-

consequência é constatada, a argumentação se torna válida, seja qual for a

legitimidade da própria ligação.

O pragmatismo se torna ainda mais contundente no Texto 2 (Covardia: Tarado

estupra prima de 6 anos). Conforme relatado na matéria, Edvalter “confessou

ter abusado sexualmente da menina”. E ainda, de acordo com informações da

polícia, um vídeo de cinco minutos mostra o acusado cometendo o crime de

abuso sexual contra a menor, mas o acusado disse “não se lembrar de que

havia feito o vídeo”. Ademais, “ele alega que estava sob o efeito de bebida

alcoólica” e, principalmente, defende-se que “foi ela (a menor) que me atentou

(...) não usei o abuso”. A partir desses exemplos, entende-se como o

argumento pragmático é aplicado e como prioriza as consequências de um

fato.

A argumentação pelas consequências pode aplicar-se, quer a ligações comumente aceitas, verificáveis ou não, quer a ligações que só são conhecidas por uma única pessoa. No último caso, o argumento pragmático poderá ser utilizado para justificar o comportamento dessa pessoa (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 304).

Nesse particular, cabe mais uma vez refletir sobre o papel do Jornal Massa!, ao

veicular o referido fato. No texto da capa, o uso da expressão “covardia”

aponta, de algum modo, para uma verdade indiscutível quanto ao

comportamento do acusado. Afinal, para alguém que escolhe como vítima de

abuso sexual uma criança de 6 anos de idade, a justa punição é algo

inquestionável (“ O safado acabou preso, após vídeo do estupro cair nas mãos

da polícia”). E aí se instaura a necessidade de que haja uma consequência (a

prisão), como fonte do evento que a acarretou (o crime de pedofilia).

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O argumento de autoridade, por sua vez, é o que se vale do prestígio como

objeto de prova para uma determinada tese. Esse prestígio é adquirido através

de atos ou juízos de uma pessoa ou grupo de pessoas, com autoridade

reconhecida pelo auditório, a exemplo da fala da cantora Ivete Sangalo, na

matéria “Mamães estrelas...”:

Ser mãe foi o combustível que faltava, inclusive na carreira, como estímulo mesmo. Peço a Deus que me dê forças e proteção para estar viva, cuidar dele e ser feliz. Agradeço por Ele ter me dado esse filho, por ter mandado de uma forma tão linda, tão especial (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 / maio 2012).

Com matérias dessa natureza, o Jornal Massa! reconhece a existência de um

sentimento de respeito que as pessoas alimentam pelos indivíduos famosos.

Assim, o veículo busca, na emotividade suscitada nas referidas matérias, a

adesão ao ponto de vista proveniente de uma artista carismática, formadora de

opinião, em decorrência, sobretudo, de um prestígio, que é, de acordo com

Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000), um elemento influenciador do

argumento de autoridade.

O argumento de prestígio mais nitidamente caracterizado é o argumento de autoridade, o qual utiliza atos ou juízos de uma pessoa ou de um grupo de pessoas como meio de prova a favor de uma tese. [...] e embora seja sempre permitido, num argumentação particular, contestar-lhe o valor, não se pode descartá-lo como cirrelevante [...] (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA ([1958] 2000, p. 348).

Na maioria das vezes, o argumento de autoridade é utilizado para ratificar uma

argumentação. Nos textos II, III e IV pode-se obsevar a presença do prestígio,

quando o jornal se refere a autoridades policiais que investigaram as

suspeições nos casos relatados de pedofilia:

De acordo com informações da 25ª. DT, nas imagens, que têm duração de cinco minutos e um segundo, Edvalter aparece, inclusive, fazendo sexo anal com a menina (Grifo nosso).

(...)

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Conforme a delegada do Derca, Simone Malaquias, o acusado confessou ter mantido relação sexual com a garota, mas negou ter sido o únido (Grifo nosso).

(...)

Segundo a delegada Patrícia Brito, há inúmeras imagens em que aparecem crianças sendo abusadas ou posando nuas (Jornal Massa! edição 696 - 05 e 06 de janeiro de 2012 – Grifo nosso).

Compreende-se, pois, que um argumento, para ser de autoridade, deve estar

ancorado na opinião de um especialista. Ressalte-se que não se trata,

essencialmente, de um especialista na área, mas um sujeito cuja palavra tenha

o peso necessário para validar a tese, no caso específico.

A incidência de tais argumentos – pragmático e autoridade – no noticiário do

Massa! demonstra a necessidade que esse tipo de jornal tem de firmar a

credibilidade com seu público leitor. Trazer informações sobre a criminalidade,

de modo apelativo, já produz, por si só, o impacto esperado pelo veículo.

Contudo, ao desdobrar, de forma pragmática, o nível das informações,

revelando, por exemplo, as consequências dos atos praticados por aqueles que

estão na contramão da ordem social, amplia o efeito no auditório e, por

conseguinte, leva-o à adesão.

O mesmo ocorre com a utilização do argumento de autoridade em jornais

sensacionalistas, visto que um indivíduo de pouca leitura ou de conhecimento

mediano – representado pelo leitor do Massa!, conforme observamos – tornará

um fato credível, se este vier acompanhado de opiniões respaldadas por

pessoas de prestígio. Daí a participação frequente de autoridades policiais nas

notícias de crime, bem como a presença de nomes de artistas famosos e,

especialmente, que demonstrem popularidade, com os quais o público

desenvolva identificação e empatia.

4.2.3 Os argumentos que fundamentam a estrutura do real

É um tipo de argumentação que opera como que por indução, estabelecendo

generalizações e regularidades. Os argumentos que fundamentam a estrutura

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do real são encontrados por meio do raciocínio análogo, estratégias como a

ilustração, o exemplo e o modelo. A ilustração é aquela que usa o exemplo

como o elemento base de uma regra, reforçado por meio de uma indução. No

corpus da pesquisa, identificamos o exemplo, o modelo e o antimodelo,

como os argumentos que fundam a estrutura do real.

O exemplo é um caso que, por meio de uma ordem lógica, implica outro(s)

caso(s), fomentando uma espécie de modelo, o qual consiste em um processo

que sugere a imitação de uma conduta. Logo, se é apresentada uma figura

heróica como modelo para um auditório, este tenderá a se influenciar pela

conduta desse símbolo. É o que pode ser observado já na manchete Super

Maria: 32 filhos, tornando evidente o exemplo de uma grande mãe:

Aos 12 anos, Maria Grande, como é conhecida em Fazenda Couto 3, onde mora desde que nasceu, já estava grávida do primeiro filho, Everaldo, e daí só parou quando nasceu Tailane, hoje com 21 anos. Para alcançar este número, foi preciso conviver com dez maridos e contar com o milagre da multiplicação: foram cinco barrigas de gêmeos (Jornal Massa! edição n. 492. 12 e 13 / maio/ 2012).

A argumentação pelo exemplo acontece quando sugerimos a imitação das

ações de outras pessoas. Podem ser pessoas célebres, membros de nossa

família, pessoas que conhecemos em nosso dia a dia e cuja conduta é

admirável.

Em uma sociedade como a atual, na qual o controle da natalidade é um dos

critérios para se alcançar a qualidade de vida no núcleo familiar, o auditório

(leitor do jornal) é impactado com uma história que beira o surreal. A

experiência dessa mulher com a maternidade é, sem dúvida, um exemplo de

coragem, de modo que o jornal a trata como uma heroína: “É que ela

conseguiu a façanha de parir 32 [filhos]”. Tal ato de heroísmo se confirma no

depoimento de Maria: “Tenho orgulho de todos, não teve um que deu para

ladrão, para o que não presta. Tenho filho até doutor, advogado [...]”.

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De acordo com Santana Neto (s/d), a argumentação pelo exemplo supõe a

existência de um acordo prévio sobre a possibilidade de generalização, tendo

como referência um caso particular.

Nesse tipo de argumentação, o exemplo invocado deverá, para ser tomado como tal, usufruir estatuto de fato, pelo menos provisoriamente; a grande vantagem de sua utilização é dirigir a atenção a esse estatuto. Assim, trata-se de um relato concreto que o ouvinte não tem nenhuma razão para pôr em dúvida (SANTANA NETO, s/d).

A rejeição do exemplo – seja pelo fato de ser contrário à verdade histórica, seja

por não ser possível opor razões convincentes à generalização proposta –

enfraquecerá a adesão à tese que se queria promover. Isso se baseia no fato

de que a escolha de um exemplo, como elemento de prova, compromete o

orador, sendo legítimo supor que a solidez da tese seja solidária com a

argumentação que se pretende estabelecer.

Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000) ensinam que o uso da ilustração

difere do emprego do exemplo, em razão do estatuto da regra que uma e outro

servem para apoiar. Ao exemplo compete fundamentar a regra, enquanto a

ilustração possui a função de reforçar uma regra conhecida e aceita e, a partir

de casos particulares, esclarecer o enunciado geral.

Se bem que sutil, a pequena diferença entre exemplo e ilustração não é irrelevante, pois permite compreender que não só o caso particular nem sempre serve para fundamentar a regra, mas também que às vezes a regra é enunciada para vir apoiar casos particulares que pareciam dever corroborá-la. (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, [1958] 2000, p. 409).

Os autores reforçam que “a ilustração é verdadeiramente um caso particular,

corrobora a regra, que até pode, como no provérbio, servir para enunciar”.

Frequentemente a ilustração terá a finalidade de auxiliar na compreensão da

regra, por meio de um caso de aplicação que não se contesta, conforme pode

se extrair da seguinte passagem:

‘Cheguei a conviver com 25 [filhos] ao mesmo tempo e era uma picula. Na hora de colocar a comida, então, era por turno, não

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tinha prato para todo mundo’, diverte-se. (...) ‘Tenho orgulho de todos, não teve um que deu para ladrão... tenho filho até doutor, advogado’, orgulha-se. (...) Por estas e outras, ela é a celebridade do bairro (Jornal Massa! edição n. 492. 12 e 13 / maio/ 2012).

Já o modelo indica a conduta a seguir, servindo de aval para uma conduta

adotada por alguém. Santana Neto (s/d) afirma que “o modelo prestigiado é,

então, proposto para a imitação de todos”. Por vezes, é reservado a um

pequeno grupo ou a uma só pessoa; outras vezes, é um padrão a ser seguido

em certas circunstâncias. Consequentemente, conforme pontuam Perelman e

Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996, p. 414), “um homem, um meio, uma época são

caracterizados pelos modelos que se propõem e pela maneira pela qual os

concebem”. Portanto, pode se afirmar que o modelo indica a conduta a seguir e

serve de garantia a uma conduta adotada.

O fato de seguir um modelo reconhecido garante o valor da conduta e,

portanto, o agente que essa atitude valoriza pode, por sua vez, servir de

modelo. Entendemos, assim, o desdobramento da atitude de M. C. como a

eficácia da argumentação pelo modelo:

Com os filhos criados, agora Maria Grande se dedica aos trabalhos sociais. Há 8 anos, criou uma associação de baianas de receptivo com o objetivo de ajudar as mulheres do bairro. ‘Sempre fui muito conhecida e muita gente me pedia indicação de pessoas para trabalhar, então resolvi reunir todo mundo nesse grupo. Assim, fica bom para todo mundo’ (Jornal Massa! edição n. 492. 12 e 13 / maio/ 2012).

Na reportagem das “Mamães estrelas”, as artistas são vista como modelo a

serem seguidos por outras mulheres, também famosas, que precisam aliar os

seus compromissos profissionais ao ofício da maternidade. O relato parte de

cantoras com um ritmo intenso de trabalho, mas que “dão conta da fama e dos

filhos”, por valorizarem, antes de tudo, os seus filhos.

Mesmo as mamães mais famosas têm que se desdobrar para cuidar dos filhos e conciliá-los com a agenda lotada de shows. Afinal, são elas que dão sentido ao dia a dia corrido delas. Veveta, doidinha por Marcelo, de 2 aninhos, diz que o

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rapazinho deu estímulo à sua vida profissional (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012).

Como anteriormente mencionado, o uso do modelo na argumentação propõe a

sua imitação. O comportamento de um grande homem é frequentemente

utilizado como modelo que deve suscitar a imitação, pois o valor de um

indivíduo, previamente reconhecido, constitui a premissa da qual se extrai uma

conclusão que preconiza um comportamento particular. Entretanto, Perelman e

Olbrechts-Tyteca ([1958] 2000, p. 415) advertem que “o modelo deve vigiar sua

conduta, pois o menor de seus deslizes justificará milhares de outros, com

muita frequência, até por meio de um argumento a fortiori”.

Sou protetora, presente e carinhosa. Coloco de castigo quando é preciso, mas sou apaixonada pela maternidade. Sinto-me mais próxima do divino, revela Cláudia Leitte (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012). Meus filhos são o meu maior tesouro. Trabalho muito por eles. Meu tempo livre dedico a ficar em casa bem pertinho deles assistindo filme, conta Nara Costa (Jornal Massa! edição n. 492, 12 e 13 de maio de 2012).

Observa-se, pois, nesses depoimentos, que a relação com os filhos é pautada

no cuidado e na dedicação, o que, inegavelmente, constitui-se em um modelo a

ser seguido pelas mulheres, especialmente. Porém, se, eventualmente, a

ruptura ou a negação desse comportamento vier a público, também se

desconstruirá na mente do auditório a imagem positiva – até então consolidada

– dessas figuras femininas, no que diz respeito à maternidade.

Diferentemente do modelo, que é representado por pessoas ou grupos cujo

prestígio valoriza os atos por eles cometidos, o antimodelo pode causar

repulsa. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca ([1958] 1996 p. 416), “se a

referência a um modelo possibilita promover certas condutas, a referência a um

contraste, a um antimodelo permite afastar-se delas”. Evidentemente, os

relatos das mães presidiárias levam o leitor a um estado de comoção,

sobretudo porque os temas que envolvem crianças produzem marcas muito

fortes no imaginário coletivo; entretanto, desenvolve-se igualmente no auditório

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um sentimento de rejeição à atitude dessas mulheres, cuja experiência com o

mundo do crime não deve ser imitada.

Os antimodelos são visíveis, sobretudo, nas três edições do Massa! em que

são relatados os crimes de pedofilia, nas matérias analisadas no presente

estudo. A sociedade condena veementemente o abuso sexual praticado, de

modo especial, contra menores, sendo visto como um crime hediondo, de

natureza animalesca, irracional, logo, algo que não deve ser seguido.

[...] Arivaldo os chamava para assistir a vídeos na casa dele, onde eram amarrados e violentados. [...] Ele ameaçava os garotos, aproveitando-se do relacionamento amigável com as famílias. [...] Ele chegou a atropelar uma das crianças (Jornal Massa! Edição n. 826, 08 e 09 de junho de 2013).

O argumento ao antimodelo é o de que ele também produz as consequências

pelo ato praticado por um sujeito, visto constituir-se de algo que deve ser

combatido e abominado. A matéria que se refere ao ex-candidato como

suspeito de abuso sexual contra menores demonstra, indubitavelmente, ser

este um antimodelo para a sociedade. Observa-se tal repulsa na decisão do

partido político até então representado pelo acusado.

‘Ele vai se expulso. Já liguei hoje para o escritório do partido (Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB) e pedi para abrir um processo de expulsão sumária. Segunda-feira ele vai ser expulso’, afirmou o deputado federal e presidente do PMDB na Bahia, Lúcio Vieira Lima (Jornal Massa!, edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012).

Grande parte das notícias veiculadas pelo Jornal Massa! revelam antimodelos,

visto que as abordagens incidem no submundo do crime, um espaço para

narrativas grotescas, nas quais atos cruéis são cometidos por indivíduos que,

de algum modo, não obedecem a uma ordem social.

Infere-se, pois, que os argumentos acima analisados – exemplo, modelo e

antimodelo – sempre terão espaço em jornais sensacionalistas. Os episódios

narrados no Massa! revelam atitudes de barbárie e selvageria cometidas por

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indivíduos que estão no seio da sociedade, de modo a gerar o desapontamento

e, mais que isso, a indignação dos leitores do jornal. O veículo (orador) se

propõe a mostrar os fatos com transparência – ainda que de modo bizarro –, no

intuito de convencer e persuadir o leitor (auditório) a acreditar que está diante

da verdade.

5 CONCLUSÃO

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“Se falares a um homem numa língua que ele entende, chegas-lhe à cabeça; mas se lhe falares na língua dele, alcanças-lhe o coração." (NELSON MANDELA)

Jornalismo e retórica caminham lado a lado. Essa foi a impressão mais nítida

na escolha da temática sobre a qual se delineou o presente estudo. Partimos

do princípio de que todo texto jornalístico depende de algum procedimento

retórico para persuadir o auditório (leitor). Nessa perspectiva, visando avançar

nas reflexões sobre as estratégias argumentativas, que estão circunscritas

nesse gênero textual, elegemos o Jornal Massa! como objeto no nosso

percurso investigativo, considerando as especificidades no seu jeito de

informar.

Recorremos, para tanto, ao Tratado da argumentação: a nova retórica, de

Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca, além de outros teóricos cuja abordagem

sobre a linguagem jornalística possibilitou-nos compreender a contribuição da

retórica para o discurso jornalístico.

Na expectativa de termos contemplado o interesse da pesquisa, qual seja o de

atender aos objetivos específicos propostos no percurso metodológico, serão

aqui explanadas algumas inferências por meio de uma distribuição ordenada

pelos capítulos e seções de que se constitui este trabalho.

Inicialmente, foi possível perceber os mecanismos envolvidos na construção do

texto jornalístico de cunho sensacionalista. Não se trata de um tema novo nos

estudos sobre jornalismo, entretanto, as pontuações dos autores aqui visitados

consolidaram algumas noções a respeito do que seja um jornal popular,

desmistificando, de algum modo, ideias preconcebidas – e, por isso mesmo,

preconceituosas –, por exemplo, a de que o Jornal Massa! não se enquadra na

formalidade defendida pelo jornalismo tradicional.

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Uma observação importante defendida pelos teóricos é que, apesar dos

expedientes – nem sempre éticos – utilizados pelos jornais sensacionalistas,

visando garantir a audiência, esses veículos também procuram conectar-se

com o seu público popular, prestando-lhes um assistencialismo em face das

suas carências, já que é um público que pertence, notadamente, às classes

sociais consideradas, até pouco tempo, como vítimas da exclusão social. Com

o objetivo de estabelecer tal conexão, esse segmento da imprensa apropria-se

de elementos culturais evidenciados na realidade do seu público e transgride

muitos valores consagrados no jornalismo de referência.

Seguindo os pressupostos anteriores, adentramos o nosso objeto de pesquisa,

cuja abordagem referiu-se à função do Jornal Massa! como instrumento de

informação. A fusão do arcabouço teórico com as análises advindas da

pesquisa sobre o Massa! conduziu a um melhor entendimento de qual seja,

efetivamente, a concepção desse veículo na Bahia. Após dois anos de

existência – a sua criação data de 18 de outubro de 2010 – podemos inferir que

o referido jornal tem mantido a aceitação por parte dos leitores, haja vista que,

até então, não houve mudanças na sua formatação nem na abordagem

temática.

Nos estudos acerca da tríade argumentativa aristotélica, observamos como

estão indissociáveis essas três forças que alimentam a teoria da

argumentação, porquanto estão comungadas na busca por alcançar o

convencimento e a persuasão propostos pelo orador, para que seja confirmada

a tese na enunciação.

No caso do Massa!, vimos que o processo argumentativo requer a construção

de um ethos positivo que revele valores os quais estejam alinhados aos

interesses do auditório que o jornal deseja persuadir. Pela nossa análise, ficou

evidenciado que esse veículo já estabeleceu, a priori, uma identificação com o

seu público, sendo revelado nas falas de leitores que disseram estar satisfeitos

com a inserção do Massa! em um mercado editorial baiano que antes se

mostrava excludente. Observamos, portanto, que os modos de endereçamento

praticados pelo jornal Massa! estão intimamente ligados com o perfil do leitor e

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de seu universo social e cultural, confirmando assim a Teoria do Agendamento

como um dos critérios de noticiabilidade.

Quanto ao pathos, este é um dos elementos da tríade fortemente identificado

nas análises sobre o objeto da pesquisa. Os jornais sensacionalistas, conforme

o nome sugere, são desencadeadores de emoções no leitor e, com o Massa!

não é diferente. De um modo geral, as matérias priorizam episódios os quais

retratam a violência e, de uma forma bastante contundente, as notícias se

esvaziam de reflexões – como já observado, o Massa! não tem editorial –, já

que o objetivo é atingir, especialmente, as emoções do auditório.

O logos, por sua vez, está presente na abordagem que o Jornal Massa! faz do

noticiário, obedecendo ao agendamento proposto pelo veículo, ao realizar uma

sequência de notícias que tratam de temas afins, na perspectiva de atender a

uma agenda pública que seja de interesse do leitor. Contribui para essa

argumentação a escolha do repertório linguístico, com lexias que promovem a

identificação com o receptor. Além disso, alguns termos, ainda que sutilmente

empregados, denotam a intenção do jornal em conduzir o leitor a avaliar o

conteúdo da informação, conforme visto nas notícias sobre crimes de pedofilia.

Os argumentos identificados nas matérias que compõem o nosso corpus

ratificam o caráter persuasivo existente no Jornal Massa!, em que a emoção é

fortemente marcada, em detrimento da razão. Todas as edições escolhidas

para a análise trazem textos com uma forte carga emotiva aos leitores, dos

quais emergem diversos sentimentos: de respeito, diante da história da mãe

com 32 filhos; de pena, frente aos relatos das mães presidiárias; de admiração,

ao lerem sobre a experiência materna das celebridades baianas; de ódio, raiva,

repulsa, indignação, ao se depararem com os casos de atrocidades cometidas

pelos suspeitos e indiciados em crimes de abuso sexual contra menores.

Os estudos desenvolvidos acerca da concepção do Jornal Massa! e também

pelos exemplares analisados, tornam patente que o jornalismo popular, em

maior ou menor grau de sensacionalismo, mexe com as emoções e opiniões

das pessoas. De alguma forma, esse formato do jornal impresso tem cativado o

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leitor baiano – especialmente da cidade de Salvador – e é capaz de manipulá-

lo. Apesar de não ser um jornal que depende de assinaturas mensais, causa

efeito imediato ao consumidor, o que faz com que este mantenha fidelidade ao

veículo.

Considerando o teor das notícias do Massa!, é possível afirmar que o jornal

sensacionalista faz com que o leitor passe a ser personagem de histórias que,

muitas vezes, lembram a ficção, mas que se tornam parte da sua vida

cotidiana. É como se o público do Massa! se enxergasse nas páginas do jornal.

Por conseguinte, ao assegurar informação, com ou sem conteúdo jornalístico,

de certa forma, o Jornal Massa! faz com que o leitor compreenda o que está

sendo dito, devido à linguagem semelhante à do seu dia a dia, transformando-o

em um consumidor fiel.

Assim, esse formato de notícias configura-se como um meio útil de atrair a

atenção da população das classes C e D de Salvador e na Região

Metropolitana. Afinal, é o relato jornalístico que mais se aproxima da ficção e

da linguagem oral; que não exige conhecimentos prévios ou exteriores ao

tema; que é facilmente recolhido na realidade social dessas pessoas; e que,

por isso, é facilmente vendável a essa camada social.

O jornalismo, mais do que uma ferramenta de informação, tem o importante

papel de auxiliar a sociedade na tomada de decisões, além de mobilizá-la em

favor de causas. Municiar os leitores com informações de relevância social é

uma das características que a imprensa deve adotar, haja vista que é por meio

desse processo que se alcançam mudanças na vida em comunidade.

Foi possível perceber essa função no Massa!, já que o veículo permite ao

leitores que se expressem, reclamem das suas mazelas e reivindiquem por

melhorias. Compreende o leitor que o Massa! pode cumprir o papel de

interlocutor, imprimindo um tom político diante das agências gestoras, de modo

especial quando a pauta dá enfoque ao problemas sociais, notadamente

ligados à segurança, à educação, à saúde, à moradia, entre outros.

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No percurso da concepção deste trabalho, ficou evidente a noção de que

argumentar é comunicar, dirigir-se ao outro, propor-lhe boas razões para ser

convencido a partilhar de uma opinião. Assim, o primeiro desafio de um

argumento é modificar o contexto de recepção do auditório a que se pretende

atingir, para a introdução de um ponto de vista. Isso requer que se veja cada

auditório como único e individual, fazendo da argumentação uma arte muito

delicada. É nessa perspectiva que o Jornal Massa!, pelas suas especificidades,

tem buscado atingir um auditório particularizado, utilizando, para tanto, um

estilo popular, na tentativa de estabelecer a cumplicidade necessária nesse

segmento.

Após os desdobramentos de todas as discussões aqui pautadas –

considerando-se as teorias estudadas e analisadas neste percurso –, torna-se

essencial o entendimento sobre quais são os verdadeiros objetivos de um texto

jornalístico. Em todos os momentos desta trajetória investigativa, esforçamo-

nos por garantir um olhar de neutralidade – como convém a um pesquisador –,

na tentativa de não emitirmos juízo de valor acerca da modalidade de

jornalismo sensacionalista.

Inequivocadamente, informar é a primeira função do jornalista. Mas também

não deve ser este profissional capaz de provocar sensações no auditório, ao

experimentar novos usos de linguagem, adentrando o espaço emocional do

leitor? Quando, na instância jornalística, as estratégias argumentativas

valorizam as emoções, em detrimento da razão, podemos descaracterizá-lo da

sua condição de gênero notícia? O fato é que, não obstante a carga

significativa de preconceito e o sentido que envolve a temática, essa

modalidade não pode ficar invisível aos nossos olhos, de modo especial

àqueles que se debruçam sobre os estudos de linguagens, devendo atentar

para os diferentes efeitos que estas causam nos interlocutores.

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ANEXOS

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ANEXO A: Edição utilizada na análise do Texto 1

Edição n. 492 - 12 e 13 / maio/ 2012

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ANEXO B: Edição utilizada na análise do Texto 2

Edição n. 696 - 05 e 06 / jan./ 2012

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ANEXO C: Edição utilizada na análise do Texto 3

Edição n. 720 - 02 e 03 / fev./ 2012

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ANEXO D: Edição utilizada na análise do Texto 4

Edição n. 826 - 08 e 09 / jul./ 2013

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