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1
O ENSINO MÉDIO PÚBLICO NO BRASIL: ENTRE
AS POLÍTICAS SOCIAIS E A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA
Carine Ane Jung1
RESUMO: O texto pretende apresentar a situação atual do Ensino Médio público no Brasil e realizar
uma discussão acerca das funções sociais atribuídas ao Ensino Médio e à escola pública na
contemporaneidade. Pretendemos investigar em que medida as políticas sociais direcionadas à escola
pública tem contribuído para que esta instituição possa cumprir com as determinações que lhe tem
sido atribuídas pelas próprias políticas públicas e pela sociedade em geral no Estado capitalista.
PALAVRAS CHAVE: Ensino Médio, Escola Pública, Políticas Sociais.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
É corrente nos discursos referentes ao Ensino Médio público no Brasil e sua função
social questionamentos em relação ao papel que a escola pública deve exercer na sociedade
contemporânea. Pesquisadores da área educacional, autoridades políticas e a população em
geral formulam indagações e proposições acerca de qual seria o papel da educação de nível
médio, viabilizada através da escola pública na sociedade brasileira. Porém, esta busca por
respostas em relação à função social da escola pública na atualidade e os desdobramentos
resultantes da formação escolar por ela proporcionada, pode conduzir seus investigadores a
respostas, muitas vezes, divergentes.
Do mesmo modo, tais compreensões divergentes em torno da função social da escola
pública parecem convergir à um ponto comum: a escola não tem cumprindo as funções que lhes
são atribuídas na sociedade em que vivemos. Caso cumprisse, os questionamentos existentes
acerca de sua existência seriam cessados, assim como as críticas em relação à formação escolar
que tem empreendido. Entretanto, a escola ainda não foi abolida de nossa sociedade, o que
permite dizer que, em certa medida, ainda existem apostas concernentes às possibilidades de
cumprimento de algumas destas funções que lhes são delegadas na contemporaneidade.
1 Professora de Filosofia da Rede Pública Estadual SEED/PR. Professora Supervisora PIBID-
Filosofia/CAPES/UNIOESTE. Mestranda em Educação PPGE/UNIOESTE Campus de Cascavel e Membro
do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais– GPPS/UNIOESTE. Contato: [email protected].
2
Quando observado nacionalmente, o cenário atual prescrito pela educação escolar de
nível médio no país é desolador. O ex-ministro da educação Aloízio Mercadante, em
entrevista à Folha (2013) retratou o Ensino Médio público como o principal “desafio da
Educação Básica no país” 2 para a administração pública. Além disso, iniciou de forma
consistente discussões acerca da reformulação deste nível de ensino, a qual perpassaria,
inclusive, por uma reforma curricular, apontando o currículo escolar do Ensino Médio como
“grande demais” e “ pouco atrativo”.
O atual Ministro da Educação no Brasil, Henrique Paim, também reconhece o Ensino
Médio como um dos maiores desafios de sua pasta e, dando sequencia aos direcionamentos do
MEC para este setor, aposta no Pacto Nacional para o Fortalecimento do Ensino Médio3, o
qual envolve uma série de ações com as secretarias de educação e dos estados, para combater
os elevados índices de reprovação e evasão. Em audiência pública, o atual ministro da
Educação, reconheceu que: “É importante dizer que existe uma unanimidade no Brasil de que
a gente precisa melhorar. Não é uma novidade este diagnóstico” 4.
O novo Plano Nacional de Educação (PNE) 5, ao tratar do caso específico da educação
escolar de nível médio, estabelece como prioridade a universalização do atendimento escolar
para toda a população entre 15 e 17 anos até 20166 e a elevação da taxa líquida de matrículas
no ensino médio para 85% até o ano de 2020. Nas metas propostas no PNE é claramente
percebido como a educação escolar de nível médio ainda está distante de atingir à toda
população em idade escolar correspondentes a este nível de ensino.
2 No dia 10 de junho de 2013, o então ministro da Educação participou do programa “Poder e Política”,
conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues da Folha. A transcrição da entrevista pode ser encontrada na
íntegra no seguinte endereço eletrônico: http://www1.folha.uol.com.br/poder/poderepolitica/
2013/07/1309254-leia-a-transcricao-daentrevista-de-aloizio-mercadante-a-folha-e-ao-uol---parte-1.shtml. 3 Foi regulamentado pela Portaria Ministerial Nº 1.140, de 22 de novembro de 2013. Através dele, o Ministério
da Educação e as secretarias estaduais e distrital de educação assumem o compromisso pela valorização da
formação continuada dos professores e coordenadores pedagógicos que atual no ensino médio público, nas
áreas rurais e urbanas. 4 Em audiência pública, realizada no dia 09 de abril de 2014, o atual ministro da Educação, Henrique Paim
discutiu os problemas relacionados ao Ensino Médio no país. O relato da audiência está disponível em:
http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/04/09/com-alto-indice-de-evasao-e-reprovacao-ensino-
medio-e-desafio-para-ministerio-da-educacao. 5 Após três anos de tramitação, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado pelo Congresso em
03/06/2014 . O documento define 20 metas educacionais que devem ser cumpridas até 2020. 6 Esta é a terceira meta do Plano Nacional de Educação (PNE). As 20 metas estão disponíveis em:
http://www.observatoriodopne.org.br/.
3
Nesse contexto, em sua maioria, os discursos e as pesquisas relacionadas à situação
atual da educação escolar de nível médio, direcionada pela escola pública, tem atentado para a
existência de uma crise, a qual é uma: “constatação de um momento de crise e produz um
debate no qual a escola ora tem sua existência questionada, ora aparece como remédio para
todos os males sociais, a própria escora da civilização” (KLEIN, 2011, p.04). Esta crise, à
qual se convencionou chamar de “fracasso escolar”7, seria responsável por gerar as
controvérsias verificadas em torno da função social atribuída à escola (KLEIN, p. 17, 2008).
Para atenuar as consequências deste “fracasso escolar”, a principal solução apontada
parte da necessidade de reformular o ensino médio no Brasil. O Governo Federal estimula
essas mudanças por meio de políticas sociais direcionadas à educação como, por exemplo, o
Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI)8, o qual integra as ações do Plano de
Desenvolvimento da Educação – PDE, como estratégia do Governo Federal para induzir a
reestruturação dos currículos do Ensino Médio.
Nesse sentido, partindo-se da conjuntura educacional atual, podemos afirmar que as
políticas sociais, direcionadas pelo Estado capitalista, para a escola pública têm contribuído
com o cumprimento da função social que tem sido atribuída ao Ensino Médio e à escola na
sociedade contemporânea?
OBJETIVOS
Não pretendemos neste artigo empreender uma defesa em prol da eterna existência da
escola ou defender seu aniquilamento, muito menos resguardar um posicionamento estanque
acerca de sua função. Contrariamente à perspectiva que prevê o “fim da história” 9,
entendemos que o processo social que vivemos é mais uma etapa da história em movimento e
construída pela humanidade. O objetivo deste texto é apresentar a situação atual do Ensino
7 De acordo com KLEIN, o “fracasso escolar” se configura nas formas de evasão e repetência dos alunos das
escolas públicas. (KLEIN, 2008, p. 17). 8 O Programa Ensino Médio Inovador- ProEMI, instituído pela Portaria nº 971, de 9 de outubro de 2009. O
objetivo do ProEMI é apoiar e fortalecer o desenvolvimento de propostas curriculares inovadoras nas escolas
de ensino médio, ampliando o tempo dos estudantes na escola e buscando garantir a formação integral com a
inserção de atividades que tornem o currículo mais dinâmico, atendendo também as expectativas dos
estudantes do Ensino Médio e às demandas da sociedade contemporânea. Maiores informações em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13439 . 9 Para os defensores dessa concepção, tendo Francis Fukuyama (cientista político norte-americano) como
expoente, o “fim da história” é o fim da luta de classes expressa na decadência da classe trabalhadora.
4
Médio público no país e, nos limites deste artigo, realizar uma discussão acerca das funções
sociais atribuídas ao Ensino Médio e à escola pública na contemporaneidade. Nosso intuito é
compreender se, as políticas sociais voltadas à escola tem contribuído, ou não, para que esta
instituição possa cumprir com as determinações que lhe tem sido atribuídas pelas próprias
políticas públicas e pela sociedade em geral.
METODOLOGIA
A situação atual do Ensino Médio no país será apresentada por meio dos documentos:
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Diretrizes Curriculares para a Educação Básica e
o Plano Nacional de Educação para os anos 2011-202. Também nos utilizaremos de fontes
secundárias, ou seja, de dados estatísticos referentes ao rendimento escolar, número de
matrículas, aprovações, reprovações, índices de distorção idade/série, evasão e abandono
escolar nas séries finais da Educação Básica, obtidos por meio de documentos elaborados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Instituto Nacional de Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Além da exposição dos dados, o artigo será
desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica buscando contemplar os objetivos apontados.
RESULTADOS
No Brasil, o acesso à educação gratuita para todos é de responsabilidade do poder público.
O sistema educacional brasileiro está legalmente organizado em dois níveis: a Educação Básica e
a Superior. A Educação Básica, subdividida: Educação infantil (faixa de 0 a 5 anos de idade),
Ensino fundamental (faixa de 6 a 14 anos de idade) e Ensino médio (faixa de 15 a 17 anos de
idade) está a cargo dos governos municipais, estaduais e federais. Já o Ensino superior é de
competência do governo federal e estadual, sendo atribuído ao Governo federal o dever de prestar
assistência técnica e financeira às esferas estadual e municipal (IBGE, 2013, p. 117).
Os documentos que norteiam a Educação básica direcionada pelas escolas públicas no
país são a Lei n° 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica e o Plano Nacional de Educação
5
para os anos 2011-202010
. De acordo com a LDB a finalidade da Educação Básica é: “[...]
desenvolver o educando, assegurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício
da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores [...]”
(BRASIL, 19, p. 10). No entanto, se a Educação Básica tem como função social fornecer
meios para que a população prossiga seus estudos para além desta formação escolar básica,
observamos que no Brasil, em relação ao total da população entre 18 e 24 anos de idade, a
taxa que frequentou o Ensino superior em 2012 foi de apenas 15,1% (IBGE, 2013, p. 117).
É importante ressaltar que, No Brasil os jovens entre 18 e 24 anos de idade que não
estudaram em 2011 foram a maioria, 71,5% (IBGE, 2012, p. 98). Destes 32,3% não
concluíram o Ensino Fundamental e 24% não estudaram e nem trabalharam (IBGE, 2013, p.
125). Esta taxa sinaliza o abandono escolar11
verificado na Educação Básica brasileira. A
Pesquisa nacional por Amostras de Domicílio em 2013 (Pnad) apontou que, o abandono
escolar na Educação Básica é mais frequente entre os alunos que cursam o Ensino médio,
cerca de 14,3%, do que entre aqueles que estão matriculados no Ensino fundamental,
aproximadamente 4,2%. O abandono escolar no Ensino Médio nas escolas públicas12
em 2012
correspondeu a um total de 760 mil estudantes.
O Ensino Médio, a última etapa da Educação Básica, passou a ser obrigatório a partir da
Emenda Constitucional n° 59/2009. Esta etapa de ensino tem a duração mínima de três anos,
tem como faixa etária recomendada jovens de 15 a 17 anos e é ofertada de forma diversificada
compreendendo os cursos: médio regular, médio regular integrado à educação profissional,
normal/magistério, além do Ensino Médio na modalidade de Educação Jovens e Adultos.
No ano de 2012 foram realizadas um total de 8.376.852 matrículas no Ensino médio.
Considerando somente as matrículas realizadas no Ensino médio nas modalidades de Ensino
médio regular integrado à educação profissional, o número de matrículas chegou a 1.362.200
10
O projeto de lei que cria o Plano Nacional de Educação 2011-2020 (PNE) foi enviado pelo governo federal
ao Congresso Nacional em 15 de dezembro de 2010. Após inúmeras discussões e a anexação de mais de 3
mil ementas foi aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados em 03 de junho de 2014. 11
A taxa de abandono escolar é obtida a partir da diferença entre a taxa de aprovação e a de reprovação
considerando-se a situação de 100% de aprovação. 12
Os números do abandono escolar se apresentaram maiores, quanto menor a renda dos alunos. Entre o quinto
mais pobre da população em 2012 esta taxa chegou a até 53,8%, enquanto entre o quinto mais rico essa
proporção foi de apenas 10,2% (INEP, 2013, p. 125). O Estado de Alagoas possui a taxa mais alta de
abandono escolar no Ensino Médio entre os estados brasileiros, cerca de 18,2%, na sequência estão o Amapá
(14,5%), o Piauí (16,9%), o Rio Grande do Norte (16,7%) e o Pará (16,6%) (INEP, 2013, p.125).
6
(INEP, 2013, p. 24). Estes dados apontam a expansão da busca pela Educação Profissional de
nível médio no país, índice que aumentou 7,1% em relação ao na o de 2011. O PNE 2011-2020
contempla esta modalidade de ensino na META 11 onde estabelece a necessidade de “triplicar as
matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurado a qualidade da oferta e
pelo menos cinquenta por cento da expansão no segmento público” (BRASIL, 2010, p. 24).
A expansão verificada nos índices de matrículas na Educação Profissional não foi
constatada no número de matrículas totais referentes ao Ensino médio em 2012. As matrículas
totais no Ensino médio em 2012 foram caracterizadas por uma redução de 0, 3% em relação
ao ano de 2011 (INEP, 2013, p. 24). Assim como nos anos anteriores, as escolas públicas
continuaram a concentrar o maior número de matrículas no ensino médio, totalizando 88%
das matrículas efetivadas neste nível de ensino, enquanto apenas 12% das matrículas são
efetivadas na rede privada de ensino (INEP, 2013, p. 14). A rede estadual é responsável por
cerca de 85% da oferta de matrículas no ensino médio nas instituições públicas e, as redes
federal e municipal juntas atendem cerca de 2% (INEP, 2013, p. 24).
As Diretrizes Curriculares para a Educação Básica (2013) ao abordarem o referencial
legal e conceitual da etapa educacional de Ensino médio afirmam que este nível de ensino
possui como finalidade:
I – a consolidação e ao aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no
Ensino Fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar a novas condições
de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico;
IV – a compreensão dos fundamentos científicos tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática [...] (BRASIL, 2013, p. 196).
Contudo, enquanto uma das funções fundamentais atribuídas ao Ensino Médio é
aprofundar os conhecimentos adquiridos na etapa educacional anterior e possibilitar que os
educando avancem em seus estudos, na atualmente mais de 50% dos jovens de 15 a 17 anos
ainda não atingiram esta etapa final da Educação Básica (BRASIL, 2013, p. 148). Entre estes
7
adolescentes, a taxa de frequência bruta13
às escolas é de 84, 2 % e a taxa de escolarização
líquida14
é de 50, 9%. Estes dados indicam que entre os adolescentes de 15 a 17 anos
matriculados na escola, apenas a metade está cursando o Ensino Médio, sendo que a outra
parcela ainda estava cursando o Ensino Fundamental (IBGE, 2013, p. 123). Esta situação
também se conformou em meta para o PNE 2011-2020 qual institui como META 3:
“Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para a toda a população de quinze a dezessete
anos e elevar, até o período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino
médio para oitenta e cinco por cento” (BRASIL, 2010, p. 24).
O índice de distorção idade/ano/série15
também tem se apresentado elevado no Ensino
médio. O Censo Escolar 2012 mostra que 2,6 milhões dos estudantes matriculados nas três
séries do Ensino médio estão dois ou mais anos acima da idade considerada ideal para cursar
esta etapa, cerca 31,1 % (INEP, 2013, p. 17). Quando analisadas separadamente, estas taxas
apresentam os seguintes resultados nos três anos correspondentes ao Ensino médio:
ENSINO MÉDIO
DISTORÇÃO
IDADE/ANO/SÉRIE
1° ANO DO EM 33%
2°ANO DO EM 28%
3° ANO DO EM 25%
Fonte: Censo Escolar 2011, INEP.
É importante acrescentar a este quadro que, aproximadamente 2,2 milhões dos jovens
que estão matriculados no Ensino Médio possuem entre 18 e 24 anos, os quais passaram por
várias reprovações já no Ensino fundamental, ou seja, 31, 9%, destes 50% que estão
13
A taxa de frequência bruta mede o total de estudantes matriculados no Ensino médio, independentemente da
idade, em relação à população na faixa etária oficialmente correspondente a este nível (14 a 17 anos). 14
A taxa de escolarização líquida indica a proporção de jovens entre 14 e 17 anos que está matriculada no nível
de ensino correspondente a esta faixa etária, ou seja, o Ensino médio. 15
O índice de distorção idade/ano/série indica o percentual de alunos que estejam cursando uma série com
idade superior à faixa etária que seria recomendada ou prevista para esta série. É também denominado de
Defasagem Idade- Série.
8
matriculados no Ensino Médio obtiveram dificuldades em concluir os anos finais da etapa de
ensino anterior (IBGE, 2010, p. 11). Nesse sentido, enquanto muitos jovens se encontram em
situação de distorção idade/série no Ensino Fundamental, não conseguindo avançar para o
Ensino Médio, outros encontram dificuldade em concluir os anos finais da Educação Básica
no país. Os índices de rendimento escolar16
em 2011 apresentaram os seguintes números: 13,2
% dos estudantes de ensino médio reprovaram e 77,2% foram aprovados no Ensino Médio
(INEP, 2011). Em relação aos índices apresentados nos três anos que compõem o Ensino
Médio, as taxas corresponderam em 2011 respectivamente a:
ENSINO MÉDIO REPROVAÇÃO APROVAÇÃO
1° ANO DO EM 18,0% 70,2%
2° ANO DO EM 11,8% 79,4%
3° ANO DO EM 7,5% 85,5%
Fonte: Censo Escolar 2011, INEP.
Além de estarem presentes nos documentos orientadores da educação escolar de nível
médio no país, as finalidades da escola pública tem se configurado tema central nas
discussões que buscam propor soluções para os principais problemas sociais enfrentados pelos
sujeitos que compõem a sociedade, como: fome, miséria, desemprego e até mesmo a
crescente violência. Podemos deduzir destas discussões que elas decorrem de uma concepção
que atribui à escola um papel de importância vital para os indivíduos: proporcionar
instrumentos por meio dos quais poderão enfrentar e superar estes problemas. Essa
constatação evidencia uma perspectiva redentora em relação à escola e sua função. De acordo
com BORGES, podemos entender a escola redentora como aquela que:
[...] pode possibilitar que a formação do homem, por meio da educação escolar,
seja capaz de transformar a realidade em que está posta. Sua formação lhe daria
condições de entender a realidade, ser crítico dela e construir alternativas para
16
O índice de rendimento escolar é calculado a partir da soma da quantidade de alunos aprovados, reprovados e
que abandonaram a escola ao final de um ano em curso.
9
sua transformação, na direção de um mundo melhor, mais justo, com
oportunidades iguais para todos [...] (BORGES, 2009, p. 11).
Seria a escola capaz de conduzir os indivíduos a superar condições de miséria,
desemprego, violência, entre outras vulnerabilidades sociais? No interior da escola estaria a
chave que abriria as portas de uma nova realidade social para todos? Esta seria a função social
que lhe tem sido atribuída pelo Estado? Podemos responder afirmativamente a estas questões
quando, partimos da análise do conteúdo dos projetos e programas de política educacional,
empreendidos pelo Estado brasileiro nas últimas décadas. O discurso oficial proferido na
atualidade afirma as políticas educacionais como detentoras da capacidade de superação de
problemas sociais que assolam o país, por isso:
[...] Todo investimento em educação tem sido apresentado como ação em
direção do desenvolvimento da nação, à superação da pobreza, ao enfrentamento
individual do desemprego, ao fortalecimento do indivíduo para enfrentar os
desafios do futuro. Muitas vezes o discurso e as praticas das políticas educativas
indicam a possibilidade de alterarem costumes na direção de melhorar condições
de higiene, afastar os adolescentes das drogas, da prostituição e de outras
práticas ilícitas [...] (BORGES, 2009, p. 11).
A tendência dominante em considerar a escola como salvacionista e redentora das
mazelas sociais é resultante do entendimento acerca da política educacional, por parte do
Estado. No Brasil, a partir década de 1930 a educação é tida como pilar de desenvolvimento
nacional pelo Estado e a política educacional confundida com a política social de alívio à
pobreza (OLIVEIRA; DUARTE, 2005). Devido a este fato, programas como Bolsa-Família,
voltados para aos membros mais pobres da população, estarem diretamente associados à
educação. Segundo OLIVEIRA e DUARTE (2005) esses programas tem dominado o campo
da política social: [...] As tendências atuais das políticas sociais tendem a referendar os
programas de transferência de renda como componente central dos modelos de proteção
social [...] (OLIVEIRA; DUARTE, 2005, p. 295).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
10
As políticas sociais aparecem muitas vezes como favores à população. Por isso, o
discurso oficial acerca da política educacional, da função social da escola e das outras várias
intervenções do Estado na sociedade, apresentam as políticas sociais como boas em si
mesmas e aqueles que as fazem como benfeitores da nação:
[...] As políticas sociais do Estado não são instrumentos de realização de um
bem estar-abstrato, não são medidas boas em sim mesmas, como soam
apresenta-los os representantes das classes dominantes e os tecnocratas
estatais. Não são também medidas más em si mesmas, como alguns
apologetas de esquerda soam dizer, afirmando que as políticas sociais são
instrumentos de manipulação e de pura escamoteação da realidade explorada
da classe operária [...]. (FALEIROS, 2009, P. 59-60).
A citação acima denuncia como as classes dominantes tentam obter uma aceitação das
políticas sociais do Estado. Por outro lado, adverte acerca de uma visão também equivocada
em relação às políticas sociais, quando se entende que elas estivessem representando apenas
os interesses da classe dominante. Essa visão das políticas sociais apresenta esta forma de
intervenção estatal, como apenas ideológica, como se sob o jugo das classes dominantes seria
orquestrada a aniquilação total da classe trabalhadora. Desse modo, as políticas públicas de
caráter social, saúde, educação, cultura, previdência, etc., se configuram como estratégias
muito importantes para o Estado capitalista por que:
[...] Por um lado, revelam as características próprias da intervenção de um
Estado submetido aos interesses gerais do capital na organização e na
administração da rés publica e contribuem para assegurar e ampliar os
mecanismos de cooptação e controle social. Por outro, como o Estado não se
define por estar à disposição de uma ou outra classe para seu uso alternativo
não pode se desobrigar dos comprometimentos com as distintas forças
sociais em confronto [...] (SHIORMA, 2004, p.8-9).
Em consonância com a afirmação de SHIROMA, se estamos discutindo a escola de
nosso tempo, precisamos tomar o cuidado de não compreender esta escola somente como um
produto da “máquina estatal”, ou seja, precisamos compreender que a função social que é
delegada à escola no atual Estado capitalista é fruto de uma concepção advinda de uma
relação social:
[...] O Estado não é um árbitro neutro, nem um juiz do bem-estar dos
cidadãos. Nem é um instrumento, uma ferramenta nas mãos das classes
dominantes, para realizar seus interesses. O Estado é uma relação social.
Neste sentido, o Estado é um campo de batalha, onde as diferentes frações da
11
burguesia e certos interesses do grupo no poder se defrontam e se conciliam
com certos interesses das classes dominadas [...] (FALEIROS, 2009, p. 52).
Nas sociedades capitalistas avançadas, o Estado mesmo possuindo a função de
organizar os interesses das classes em disputa e assumindo os interesses das classes
dominantes, utiliza como estratégia para manter seu status quo atender, mesmo que em menor
grau, aos interesses das classes dominadas quando lhe for conveniente. Para manter a
hegemonia e sustentar a acumulação capitalista, a classe burguesa necessita em determinados
momentos atender aos interesses da classe trabalhadora:
[...] Então, as intervenções do Estado dependem de sua capacidade de dispor
e de gerir recursos originários da acumulação monopolista, segundo a
pressão das forças sociais, as exigências da reprodução da força de trabalho e
a manutenção da paz social. Para se legitimar junto às classes dominadas,
num sistema liberal eletivo, o grupo do poder deve afastar a ameaça de
perder o controle do Estado perante um movimento ou partido concorrente
das classes dominadas e ao mesmo tempo procurar a lealdade destas classes
para obter o apoio popular à sua política [...] (FALEIROS, 2009, p. 52).
Através do entendimento que, as intervenções do Estado na sociedade seguem o
escopo das pressões sociais, precisamos compreender a função social da escola direcionada
pelo Estado capitalista como um resultado destas pressões. Se o Estado realiza uma aposta na
escola como um meio para que o indivíduo se torne um cidadão crítico e preparado para o
mundo do trabalho e também vincula à escola pública políticas sociais muitas vezes com o
caráter de alívio à pobreza, esta aposta é em certa medida resultante tanto dos interesses da
classe dominante, quanto da classe dominada. A burguesia necessita que o trabalhador possua
determinados conhecimentos para a exploração de sua força de trabalho em diferentes áreas,
também que ele possua condições físicas para executar este trabalho. Da mesma forma, a
classe trabalhadora reivindica o acesso ao conhecimento necessário para assumir
determinados postos de trabalho e condições para que possa se manter em condições físicas
favoráveis para vender sua força de trabalho em troca de um salário. Por estas mesmas razões
é que existe uma concepção dominante de escola e que atribui a ela uma função redentora e
salvacionista.
A concepção de escola redentora e salvacionista, como uma concepção dominante de
escola é afirmada em nossa sociedade através da efetivação de políticas públicas direcionadas
por um Estado que é capitalista e que, em decorrência desta estrutura valoriza o Capital em
12
detrimento do humano, garantindo apenas o mínimo à classe trabalhadora. As relações de
produção capitalistas afetam também a produção cultural nas formações sociais em que
atuam, isto é, não geram influência apenas no progresso econômico de uma nação, afetam
inclusive o seu desenvolvimento social e cultural. Encontramos aí, o ponto chave da análise
que nos propomos a realizar sobre a contribuição das políticas sociais para a realização da
função social atribuída à escola: a função atribuída à escola pela sociedade é atravessada por
esta ideologia dominante, representando em última instância, os interesses da elite
hegemônica. A própria classe trabalhadora dependente do ensino público, quando se utiliza de
um discurso muito próximo daquele proferido pela burguesia, ao reivindicar reformas
educacionais que acredita atender aos seus interesses de classe, em última instância, reproduz
a ideologia que é dominante. De acordo com MARX, as ideias da classe dominante são em
cada época:
“[...] as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante
da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe
que tem à sua disposição os meios da produção material dispõe também dos
meios de produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos
aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais
faltam os meios da produção espiritual. As ideias dominantes não são nada
mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as
relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a
expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as
ideias de sua dominação [...]” (MARX, [1926] 2007, p. 47).
Em uma formação social cindida em classes as ideias hegemônicas representam as
relações materiais dominantes, nesse sentido, quando a sociedade em geral e a própria classe
trabalhadora afirmam que a escola pública e o Ensino Médio possuem como função
primordial proporcionar aos indivíduos uma formação que lhes permita ascender socialmente,
estão, em última instância, reproduzindo a ideologia das classes que detém os meios de
produção. As reformas e políticas educacionais direcionadas à escola pública e a reformulação
do Ensino Médio no país na atualidade seguem esta mesma orientação.
Programas como o recente Ensino Médio Inovador, são criados com a promessa de
que, se realizadas determinadas reformas na escola e no sistema de ensino do país, atendendo
às reinvindicações da própria clientela escolar da escola pública e da sociedade em geral,
crescerão as possibilidades de ascensão social dos filhos da classe trabalhadora egressos desta
escola “inovadora”, ocorrendo um grande salto no desenvolvimento econômico do país.
13
Porém, a escola vai se encontrar sempre em situação de “defasagem” em relação ao mundo
produtivo devido a sua lógica de mediação e não de determinação (BORGES, 2009, p. 173) e,
afirmar o contrário é uma inversão idealista:
“[...] que faz da escola motor da transformação nas relações de produção da
vida material, e não resultado dessas relações. A crença na escola, como o
espaço da construção de um mundo melhor, ou da melhoria deste mesmo
mundo, inverte a história e desconsidera as relações sociais de produção
como o espaço da determinação [...]” (BORGES, 2009, p. 32).
Os índices apresentados anteriormente por este texto e, que retratam a situação atual do
Ensino Médio, revelam que uma grande parte dos jovens entre 15 e 17 anos não tem concluído a
Educação Básica. Estes dados também apontaram que cerca de 1,7 milhão de jovens desta faixa
etária já abandonaram a escola (Pnad 2012) e, que entre aqueles que estão frequentando as
escolas, a metade não está matriculada no Ensino Médio, o nível escolar adequado à sua faixa
etária, confirmando a tendência de que a grande maioria dos jovens brasileiros provenientes das
classes menos favorecidas da estratificação social, quando não se evadem da escola acabam
atingindo como nível máximo de formação educacional o Ensino Médio completo. Portanto, não
podemos negar que os referidos indicativos são um reflexo de que o sistema de ensino no país
possui problemas, tornando urgente a realização de uma reforma educacional.
Entretanto, as reformas e políticas sociais voltadas à educação que tem sido propostas
pelo Estado seguem a lógica das próprias causas destes problemas e, por isso, os perpetuam,
ou seja, estão fundamentados em uma “inversão idealista de tomar- se o que é decorrência por
origem” (BORGES, 2009, p. 33). De acordo com pensamento de Marx e Engels,
contrariamente, o ponto de partida para a transformação efetiva do mundo não está na
atividade isolada da consciência, mas nas condições materiais dos indivíduos, onde os
indivíduos formam a sua consciência, a sua visão de mundo. Como eles afirmam:
“[...] A consciência nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente, e o ser
dos homens é o seu processo real de vida. Se, em toda ideologia, os homens
e suas relações aparecem de cabeça para baixo, como numa câmara escura,
este fenômeno resulta do seu processo histórico de vida, da mesma forma
como a inversão dos objetos na retina resulta de seu processo de vida
imediatamente físico [...]” (MARX, [1926] 2007, p. 94).
Marx e Engels entendem aqui a ideologia como a consciência invertida, a consciência
fracionada do mundo, tal como ocorre na inversão das imagens em uma câmara escura, ou
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seja, a totalidade das formas de consciência social a qual inverte a relação entre ela e as
contraditórias condições de produção da existência, tomando a si mesma como condição
geradora do mundo. Quando a ideologia hegemônica acusa o Ensino Médio público
direcionado para a classe trabalhadora de “fracasso”, “inadequação”, “não cumprimento de
sua função social” afirma que a escola enquanto parte da totalidade possui problemas, o que é
inegável através da análise dos dados apresentados pelo próprio Estado brasileiro. Porém, o
capitalista desvincula a parte do todo estrategicamente, obviamente a educação enquanto parte
da totalidade capitalista possui problemas, só que estes problemas estão postos justamente por
que ela é parte desta totalidade e não o contrário.
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