384
Parsondas Um novo olhar sobre o sertão Um novo olhar sobre o sertão Um novo olhar sobre o sertão Um novo olhar sobre o sertão Um novo olhar sobre o sertão de Carvalho

Parsondas Salvio 05052006

Embed Size (px)

Citation preview

  • Parsondas

    Um novo olhar sobre o sertoUm novo olhar sobre o sertoUm novo olhar sobre o sertoUm novo olhar sobre o sertoUm novo olhar sobre o sertode Carvalho

  • Slvio Dino

    Parsondas

    Um novo olhar sobre o sertoUm novo olhar sobre o sertoUm novo olhar sobre o sertoUm novo olhar sobre o sertoUm novo olhar sobre o sertode Carvalho

  • Copyright 2006 bySlvio Dino

    Todos os direitos reservados

    Projeto grfico e editorao:tica Editora

    Coordenao editorial:Adalberto Franklin

    Reviso final:Slvio Dino

    Adalberto Franklin

    Capa:Eduardo Franklin

    (A partir de desenhosem preto de Cabral)

    Dino, Slvio.

    Parsondas de Carvalho: um novo olhar sobreo serto. / Slvio Dino. Imperatriz, MA : tica,2006.

    380 p. ; 22 cm.

    ISBN 85-88172-25-1

    1. Parsondas de Carvalho, 1860-1926 Vida eobra.

    I. Ttulo. II. Autor.

    CDD 928.699

    Dados de Catalogao na Publicao

    Depsito Legal na Biblioteca Nacional

  • Um dedo de prosa .................................................................... 7

    Introduo .............................................................................. 11

    Os homens do interior ................................................................ 13

    A genealogia dos Carvalhos ......................................................... 16

    O filho do Riacho ...................................................................... 20

    A Guerra do Leda ....................................................................... 34

    O Serto ....................................................................................... 39

    O Pai de Parsondas .................................................................... 45

    A irm Carlota ............................................................................. 49

    A paixo por jornais .................................................................... 66

    O processo-crime ........................................................................ 71

    A viagem a cavalo ........................................................................ 80

    Poeta e bomio ............................................................................ 92

    A morte do escritor ..................................................................... 95

    Concluso .................................................................................... 98

    Anexos .................................................................................. 101

    Sumrio

  • Anexos

    Anexo A Conferncia A Slvio Romero.............................103

    Anexo B Conferncia No Centro Artstico ........................109

    Anexo C Ata de sesso de conferncia .................................113

    Anexo D Conferncia Do Gurupi ao Balsas ......................115

    Anexo E A Guerra do Leda...................................................128

    Anexo F Negcios do Graja ...............................................351

    Anexo G Um mestre do serto ..............................................355

    Anexo H Petio ...................................................................358

    Anexo I Processo-crime ......................................................360

  • Nos ltimos tempos, observa-se no mundo editorial manifestatendncia pela difuso bibliogrfica dos estudos brasileiros. Sente-segrande interesse ou veemente apelo no sentido de fazer-se profundareviso do pas em todos os seus aspectos, repensando sobre narrativase interpretaes importantes momentos histricos que ficaram nasdobras do tempo, marcados de contradies e incertezas, e, por issomesmo necessitando de inadiveis anlises e reflexes, a serem feitassob uma nova perspectiva de grande valia para os estudos de nossaformao histrica.

    Hoje, de fato, anseia-se um olhar a ser dirigido ao nosso passadoque possa espargir luzes sobre certos e determinados episdiosduvidosos, obscuros, ainda no bem interpretados ou que a histriaoficial narra, de maneira diferente, confusa ou inteiramente distorcida.

    J se disse e com propriedade: o livro didtico, com raras ehonrosas excees, tem sido um dos mais utilizados veculos detransmisso e, sobretudo, de manuteno dos mitos e esteretiposque povoam nossa histria. Ele, lamentavelmente, via de regra, s va histria como uma epopia ou como um suceder de fatos, cujospersonagens principais so vultos histricos ou heris nacionais. Porqu? Porque sofre presses bem conhecidas, destina-se a um pblicopr-determinado: a clientela escolar.

    Este livro no uma viso partilhada por certos livros didticosvoltados exaltao dos cultos patriticos e das lies de moral ecivismo, to do gosto da histria chapa-branca. Ele se prope a

    Um dedo de prosa

  • SLVIO DINO

    8

    resgatar um pouco da nossa memria como contribuio aopensamento sobre tudo quanto ocorreu, como expresso da vidacultural, social e poltica de uma sociedade criada e desenvolvidanos sertes de dentro, mas como parte integrante de uma sociedademaior e de mais amplas dimenses, a brasileira. Sim. O nosso objetivo lanar um olhar especial para o nosso mundo interiorano, ondeocorrem episdios sangrentos, ainda no bem esclarecidos e que ahistria factual conta bem diferente da histria oficial.

    Na verdade, prope-se ampliar o quadro sobre coisas nossas emseu aspecto retrospectivo, resgatando-se obras e feitos esquecidos oumal interpretados. Visa-se, tambm, abrir mais ainda as janelas donosso patrimnio geogrfico que a me natureza nos privilegiou,dotando-o de riquezas naturais, plos paisagsticos, verdes santuriosecolgicos, lamentavelmente ainda num estgio primitivo, bem longedos olhos da indstria turstica de ponta dos nossos dias. Esta trilhade repensar, faz-se em perfeita simetria com a vida de um intelectualde peso, nascido em nosso serto, do qual ldimo prolongamento,tal a forma com que ele se identificou em suas admirveis obrasliterrias.

    Destarte, o principal objetivo de nosso modesto trabalho no o de denegrir a imagem de quem quer que seja, at mesmo dos queno passaram de literatos liliputianos. , sim, de resgatar a verdadehistrica, despida de clichs modelados. Essa particularidade vemassociada ao estudo biogrfico de um homem de letras brilhante,cuja produo de intrprete da realidade social de seu tempo estrepleta de momentos luminosos, na abordagem crtica do processohistrico. Uma manifestao eloqente dessa colocao a obraintitulada A Guerra do Leda.

    J se disse e com propriedade: a biografia um gnero deverasdifcil, principalmente quando o biografado, embora seja um homemde vanguarda, por outro lado, fecha-se como um casulo no tocante sua vida particular.

    Em Parsondas de Carvalho h um grande vazio de informaes,em todo e qualquer trabalho a seu respeito, em especial sobre sua

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    9

    vida particular. Por isso, necessrio se torna apelar para sua obra, aoambiente histrico, poca agitada e de lutas libertrias em que viveugrande parte de sua existncia terrena. Essa particularidade, aindabem, muito ajuda se resgatar visveis traos biogrficos, visto como, oque se sabe de sua vida est refletida em suas obras. Alm do mais, bom no esquecer que Parsondas foi um homem que sempre teveparticipao direta e ativa nos marcantes episdios do seu tempo,sobre os quais ele narrava, ora driblando a hipocrisia dominante semmeias-palavras, com humor, malcia e um fascnio irresistvel pelaoriginalidade, fazendo com que, hoje, possamos saber, sem travancasem suas portas, os dois lados da nossa histria, quais foram os nossosverdadeiros heris e os viles que devemos conhecer e combater defrente. Verdade duma clareza meridiana: ele, conhecedor profundode que a verdadeira colonizao do sul maranhense, contrariando oque ocorreu na civilizao brasileira, processou-se do interior para olitoral, pelos caminhos abertos pelos intrpidos vaqueiros do SoFrancisco, sabia muito bem que quase tudo o que se conta sobreessa marcante arrancada histrica no foi exatamente como aconteceuou se escreveu com a pompa de oficialidade.

    No por outra razo, com certeza, que a ilustrada professoraMary Ferreira (mestra em Polticas Pblicas da UFMS) afirma:

    A histria oficial tem sido omissa quando se trata de retratarsujeitos que fizeram e construram formas de rebeldia no passadoque, opondo-se aos modelos tradicionalmente permitidos, nose deixaram dominar pelo conformismo.

    Nada melhor para fechar esta abertura do que a chave-de-ourousada, de maneira feliz, pela respeitvel crtica Lcia Miguel Pereira,na sua Biografia de Machado de Assis, obra fundamental destinadaao estudo e conhecimento do magistral romancista: medida quese vai recuando para o passado, sentimos melhor o que representapara o Brasil esse mestio que tanto elevou a sua gente.

    Sem sombra de dvida: parafraseando to bem lapidada jialiterria, medida que se mergulha no passado, sentimos melhor o

  • SLVIO DINO

    10

    que representa para o Maranho esse mestio de apurada cultura(Parsondas), que tanto elevou a nossa gente, em especial a do sulmaranhense, pondo em relevo costumes, hbitos, episdioshistricos, num painel de invejvel beleza e invulgar colorido, porfim, autntico epos sertanejo.

    Mas bom sempre lembrar-se: Parsondas no foi ainda, nemde longe, homenageado da maneira que ele bem o merece e suamemria est a pedir. O jornalista, o professor, o advogado, o escritor,o poeta, o socilogo regional, este ltimo, um facho de luz marcandosua presena nas lides do talento interpretativo; seis dimenses deuma vida que realmente demandam um estudo mais profundo, emhonra do lcido homem de letras e de ao poltica que ele foi.

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    11

    Introduo

    No longe de minha juventude foi que ouvi falar em Parsondasde Carvalho. Atravs de quem? Benedito Fontenelle, marido deminha sempre e querida prima-tia Margarida, filha de Graja, terraque embalou meus dourados sonhos de menino.

    Fontenelle, inteligente e estudioso contador (antigamentechamado de guarda-livros), pertencente a tradicional famliagrajauense, sempre quando nos encontrvamos, j em So Lus, ondeestudava eu o curso ginasial, persuadia-me a ler O Serto, no seuentendimento, a maior obra escrita sobre a memria sertaneja.Entusiasta, apaixonado por Parsondas, falava-me horas a fio a respeitoda vida de seu dolo, carregada de lances audaciosos e at estupefantes,como seu relacionamento incestuoso com a irm Carlota.

    Jovem, inclinado para as letras, escutava com as mos no queixoe larga simpatia os eloqentes discursos do guarda-livros grajauenseque, s vezes, numa exaltao exagerada, considerava Parsondasverdadeiro sbio sertanejo.

    Foi meu pai, o saudoso desembargador Nicolau Dino, homemde saber e membro do Instituto Histrico e Geogrfico do Maranho,quem me presentou a to discutida obra, de h muito tempo esgotadaem nossas livrarias. Aps l-la e rel-la, em noites indormidas,confesso ter sentido um grande fascnio pela jia literria. Realmente,fascinante obra escrita com tintas fortes, seduzindo todos aquelesinteressados no processo de formao e desenvolvimento dacivilizao oriunda dos vaqueiros da Casa da Torre, que atravessaram

  • SLVIO DINO

    12

    o Parnaba e se estabeleceram nos Pastos Bons, donde, em seguida,rasgando sertes chegaram ao Tocantins.

    Mais tarde, em caminhadas polticas pelos nossos sertes, passeia ouvir com maior nfase, atravs da literatura oral, impressionantesdepoimentos em prosa e versos sobre o famoso escritor telrico.Quem os dava? A gente sertaneja, gente de pele curtida e moscalejadas, que em sua linguagem simples, ainda acredita que, apesardo sofrimento e do esquecimento em que vive, a vida vale a pena servivida o que me faz lembrar Astolfo Serra falando sobre o homemdo nosso interior: No meio de uma natureza farta, vive pobre.Contenta-se com o pouco do passado e estende os limites de suasambies ao lirismo da exaltao de uma grandeza de que perdeu.

    Na medida que ouvia episdios marcantes da vida tumultuadade Parsondas, mais ainda se infiltrava em meu pensamento a velha einquietante dvida: afinal, quem escreveu O Serto?, ele ou suairm Carlota?

    Com o meu ingresso na Academia Imperatrizense de Letras, eescolhendo Parsondas de Carvalho para ser o patrono de minhacadeira, o velho questionamento aflorou com maior fora, obrigando-me, sem sombra de dvida, a desatar o autntico n grdio existenteem nosso mundo literrio.

    Destarte, o presente trabalho tem um duplo sentido: resgatar amemria de um escritor importante que a historiografia tradicionaldeixou marginalizado, como tem deixado muitos outros queprestaram assinalados servios cultura maranhense; provar, atravsda memria oral, de textos de alto valor histrico, de depoimentosidneos, colhidos em fontes fidedignas, quem , de fato, o autor dolivro que, apesar de alguns senes justificveis, deveria ser includono rol dos valiosos documentos que formam a verdadeira histriado sul do Maranho e de seu povo.

    Como diria o grande romano que tambm foi homem de saber:Alea jacta est.

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    13

    Certa feita, na praa Raimundo Simas, em Graja, curtamosa beleza de uma noite de lua cheia. Luar de agosto. Estvamos ostrs: Amaral Raposo, eu e Tonico Teles. A noite de vero seassemelhava quela descrita pelo escritor imperatrizense Souza Lima,no seu festejado O Tupinamb: Noite enluarada. O cu estavatranqilo, qual inocente a dormir no seio maternal. A terra, envoltanum manto de eflvios siderais, tinha a doce atrao de uma virgemnoiva, sobre o leito nupcial.

    Aps ouvirmos extasiados o violonista grajauense Tonicodedilhar a encantadora valsa Rosas, de sua autoria, passamos a falarsobre a cultura no interior maranhense. Advogava eu a tese, segundoa qual, a produo literria no interior sempre fora frtil. Proveitosa.Respeitvel. Temos invejveis jias literrias. O que falta divulgao.O homem de letras que tem o seu habitat no espao rural, por lhefaltar projeo ou melhores oportunidades, jamais far parte deantologias ou academias. Da porque os valores das capitais tmrespeitabilidade e so eles que ditam com ares de verdadeincontestvel as linhas mestras da vida intelectual. Sendo assim,precisvamos fazer alguma coisa a fim de melhor colocar o homem-cultura da hinterlndia na estante do pensamento nacional. Completeio raciocnio de jovem sonhador citando, como exemplo, o prprioTonico Teles, que se vivesse no sul do pas seria considerado umdos maiores musicistas do Brasil, qui, do mundo, ao lado de TurbioSantos e outras estrelas do mesmo porte.

    Os homens decultura do interior

    CAPTULO I

  • SLVIO DINO

    14

    O mestre Amaral sorriu com a mo na boca, naquele seu jeitocaracterstico que deixava a gente sem saber se estava concordandoou discordando. A conversa morreu por a. O brilhante jornalista,talvez, por estar mais ligado ao momento de musicalidadearrebatadora, limitou-se a contemplar a noite enluarada e pedir aoTonico Teles tocasse mais uma valsa de seu belo repertrio paraque ele a acompanhasse no seu pinho de estimao.

    Tempos mais tarde, em minha tenda de estudo e trabalholiterrios, encontrei a linha de pensamento do jovem idealista, melhorcolocada e defendida com maior autoridade por Clarindo Santiago.Afirma o saudoso autor de O poeta nacional:

    O Maranho-ilha, quer sob o ponto de vista da organizao fsica,quer sob o ponto de vista da corporificao intelectual e moral,foi feito em grande parte pelo Maranho-continente. Osexemplos so numerosos no passado e no presente. Basta-noslembrar agora que das quatro figuras mximas, pedras angulares do edifcio da Atenas Brasileira Gonalves Dias, Joo Lisboa,Gomes de Souza e Odorico Mendes, somente o ltimo sanluisense.

    E mais adiante:

    Como bem observa o nosso talentoso coestadano RaimundoLopes, num estudo sobre Maranho Sobrinho, os escritores maissignificativos da literatura brasileira so os que vieram de seio danatureza das matas dos sertes para a civilizao. Refletem melhorsob a influncia mesma a da primeira vida em terras virgens, asqualidades da raa e as sugestes do cu natal, quando no sopuros regionalistas.

    A Gonalves Dias, educou-o, nos primeiros devaneios, ocontinente maranhense. Trouxe-o o rio Itapecuru para o litorale para o primeiro empreendimento, que terminou pelaconsagrao do seu nome. No Maranho, vemos sempreconfirmada a observao que trazem de comeo, de que o maiornmero dos seus homens de talento lhe fornecido pelas regiesdo interior.

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    15

    Tal sorte no tiveram muitos dos nossos iluminados escritoresque ficaram no interior, ao longo do tempo, por esse ou aquelemotivo, sem condies de aparecer. Seus vos no campo da literaturano passaram das balizas caboclas.

  • SLVIO DINO

    16

    A genealogia dos Carvalhos confusa e controvertida. No fcil descrever o tronco ascendente dessa famlia, de origem baiana,emigrada para os Pastos Bons de outrora.

    Na verdade, ela deixa estonteada qualquer genealogista que tentarir fundo em suas razes.

    Com apoio em O Serto, na Guerra do Leda, em depoimentosorais e escritos outros colhidos alhures, eis o levantamento, emboraprecrio e incompleto da linha ascendente ou indireta da rvorecarvalhiana:

    Em 1827, Jos Joaquim de Carvalho, av paterno de Parsondas,emigrou com toda a sua famlia para o sul maranhense. Fixou-seperto do Porto da Chapada (Graja), num lugar onde fundou, comum punhado de escravos, a fazenda So Benedito. O patriarcaCarvalho, natural da vila Santa Rita do Rio Preto, homem letrado,logo instalou uma escola no arraial Campo Largo (hoje extinto), ondese lecionava leitura, escrita, matemtica, gramtica e latim.

    Estudavam nessa escol rural, alm dos meninos da redondeza,os seus filhos Bencio, Jos Irineu, Antnio e Miguel, este ltimo,que veio a ser pai de Parsondas, Emigdio e Carlota de Carvalho. Oav Jos Joaquim, por sua vez, filho duma misteriosa francesaPaula de Rochambeau, nobre desterrada da Frana em 1791 ou 1792.Paula era um esprito culto, mas imbudo de preconceitos.

    Aps umas aventuras fracassadas nos sertes do rio So

    A genealogiados Carvalhos

    CAPTULO II

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    17

    Francisco, a francesa, metida a aristocrata, libertou os escravos ededicou-se a ensinar em casas de famlias. Foi a que conheceu olusitano Jos Marques de Carvalho, profundo admirador do seu saberliterrio. Amaram-se. O casamento no se realizou. Preconceituosa,Paula no quis esposar o abastado portugus, sem tradio denobreza. No entanto, vivendo amancebados, tiveram trs filhos:Loureno, Maria e Jos Joaquim de Carvalho, aquele que vimos emCampo Largo do chefe cabano Diogo Lopes de Arajo Sales,ensinando gramtica, aritmtica e latim, quando os fragmentos daConfederao do Equador, resto da coluna libertadora de 1823,vinham pedir asilo no territrio do Maranho.

    Eis que, num dia de astral baixo, Paula deixou o portugus. Este,em busca doutra companheira, acabou casando-se com uma ndiade nome Messias, filha de criao de uma senhora rica e sem filhosque a criou e educou na f catlica. Com essa cunh, Jos Marquesteve, tambm, trs filhos, sendo um deles Severiano de Carvalho.

    NO Serto, l-se, ipsis literis:

    Severiano o pai de minha me; Miguel Olmpio de Carvalho(filho de Jos Marques de Carvalho, terceiro filho de Paula deLa Rochambeau e Jos Marques de Carvalho) casou-se com ela.Messias era uma mulher neurastnica, dominada por umnervosismo que a fazia irritvel, intolerante, intransigente.

    Maria do Socorro Coelho Cabral, em sua excelente obraCaminhos do gado, no captulo sobre O Serto, fala, en passant, dasorigens de Carlota Carvalho:

    As informaes de que dispomos so as que ela mesma,acidentalmente, registrou em sua obra. Dessa forma, sabe-se queseus antigos familiares viviam na Bahia, na Vila de Santa Rita doRio Preto. Seu bisav paterno e materno era uma s pessoa, umportugus ignorante, mas dotado de boa ndole, trabalhador eeconmico. A bisav paterna era uma francesa inteligentssima,possuidora de cultura intelectual, imaginao fantasiosa esonhadora de virtudes e utopias. A bisav materna era uma ndiacom um temperamento nervoso e quase intolervel que foi criadapor uma famlia abastada.

  • SLVIO DINO

    18

    Sobre Parsondas de Carvalho, l-se na Revista do InstitutoHistrico e Geogrfico do Maranho:

    Se no fosse to cedo surpreendido pela morte, talvez deixasseuma obra decisava para nossa a geografia humana. Mesmo assim,os poucos trabalhos que produziu indicam claramente oconhecedor direto do serto e o escritor apurado que era.

    Os irmos CarvalhosOs irmos CarvalhosOs irmos CarvalhosOs irmos CarvalhosOs irmos Carvalhos

    Onde nasceram os bisnetos da francesa de imaginao fantasiosa?No h uma fonte segura, cristalina, que assegure o local de taisnascimentos. Fomos a fundo, buscando as razes dos Carvalhos.Numa tarefa paciente, como a de quem joga a linha e espera o peixefisgar o anzol, percorremos cartrios, consultamos arquivos, ouvimosvelhas testemunhas, anotamos e coletamos informaes, viajamos e(re)conhecemos lugares mencionados em pesquisas outras, masjamais encontramos quaisquer dados sobre o local de nascimentodos polmicos irmos. Nem mesmo em Riacho, considerado obero natal de Parsondas, localizamos qualquer registro cartorial arespeito.

    lamentvel dizer-se: em busca de to valiosos documentospercorremos, em vo, todas as veredas da vida dos biografado. Umfato, todavia, nos causou profunda emoo: Parsondas, em todas ascidades do sul maranhense e do velho Gois querido e lembradocomo um homem respeitvel que sabia realmente escrever, joeirar apalavra certa, tendo como trao maior de sua produo literria oamor acendrado ao serto e sua gente.

    E a irm Carlota?

    Demos asas ao pensamento, antes de falarmos da existncia dessaenigmtica escritora (?!) que entrou pelas portas dos fundos na histriado Maranho.

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    19

    O feminismo moderno defende, com unhas e dentes, a tesesegundo a qual a mulher, desde os tempos bblicos, vem sendomarcada com um estigma de inferioridade. No prprio Gnesis,proclamam as lderes do movimento, Eva tirada de uma costelade Ado, o verdadeiro dono do paraso terrestre. Formou, pois, oSenhor Deus, o homem do limo da terra, e assoprou sobre o seurosto um assopro de vida, e recebeu o homem alma e vida.

    Quer, assim, a aguerrida linha de frente feminista dizer que omundo da cultura tem sido feito pelo homem com o objetivo desatisfazer as necessidades masculinas, e a mulher sofre imposiesque a transformam em objeto.

    Respeitveis vozes do belo sexo vm reagindo com veemnciacontra esse rtulo discriminatrio de tal modo que, hoje, em todosos campos da atividade humana ela, a mulher, ocupa um lugar derelevo, inclusive no mundo literrio. Jamais deixamos de admirar erespeitar a mulher intelectual.

    Todo o questionamento que, em relao a O Serto, existeum n grdio. Agora mesmo, em 2006, a magistral obra completou82 anos de publicao. sim um aniversrio de intrigantesinterrogaes! J tempo de se dar nome aos bois, no dizer sertanejo.Sim. Dizer-se quem quem. Est na hora de deixar-se iluminar otemplo de O Serto com esse fogo falso. Vamos ilumin-lo com asluzes da verdade. Perfum-lo, sim, com outro incenso que no seja oda mentira histrica. A esse assunto retornaremos mais adiante.

  • SLVIO DINO

    20

    Houve uma poca em que no se sabia onde comeava oMaranho, onde terminava o Gois. Tudo virgem. Florestas. Terrase rios que indicavam o caminho natural para aventuras e entradasem busca de riquezas e conquistas de toda espcie.

    Os governos do Maranho e de Gois disputavam a posse e odomnio de reas geogrficas nos vastos, desconhecidos e lendriossertes, longes da costa martima.

    Velha a disputa!

    Entre 1737 e 1740, no governo de Joo dAbreu Castelo Branco,ocorreu srios conflitos em terrenos aurferos situados na regiotocantina. As autoridades maranhenses achavam que as minas deouro em So Flix e Natividade velho Gois nos pertenciam.

    As Cartas Rgias sbias, por sinal de 12 de maro de 1798vieram acabar, de uma vez por todas, essas disputas jurisdicionais. que a Coroa decretara se promovessem os meios de descobrir o rioTocantins pelo lado do Maranho e melhor torn-lo navegvel, afim de se obterem efetivas relaes comerciais entre as capitaniaslitigantes, incluindo a do Par.

    Governava ento o nosso Estado, D. Diogo de Souza. Logodeterminou o cumprimento das oportunas Cartas Rgias. Partiu dosPastos Bons a expedio encarregada de descobrir o Tocantins.

    Em sua longa caminhada, os comissionados fundaram os ncleosque mais tarde se transformariam nas atuais cidades de Graja,

    O filho do Riacho

    CAPTULO III

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    21

    Riacho e Carolina. Fizeram parte dessa autntica bandeira deconquista territorial, famosos sertanistas da poca, tais como EliasBarros, Manoel Coelho Paredes, Antnio Pimenta, AntnioFrancisco dos Reis, Antnio Moreira da Silva, Manoel Jos deAssuno, Alexandre Marinho e outros.

    Eloi Coelho Netto, em sua respeitvel Histria do sul doMaranho, afirma:

    A vida e o municpio de Riacho foram objeto da RevoluoProvincial de abril de 1833, cuja cpia no foi encontrada emnenhum arquivo, tendo sido confirmada pela Lei n 7, de 19 deabril de 1855. O territrio do municpio abundantementeregado de rios e ribeires permanentes, fontes perenes e vrzeasumedecidas, onde, nas mesmas, nas campinas baixas, nostabuleiros, com melhores disposies se encontram boaspastagens e terras frteis.

    Pois bem. Nesses sertes de dentro, inflados de currais echapadas verdes a se perderem de vista, encontram-se as razes dosCarvalhos Parsondas e Carlota.

    O professor Eloy Coelho, ainda em sua citada obra, destaca oshomens ilustres do Riacho. Aps referir-se ao brilhantismo deLeopoldino Lisboa, Alfredo de Assis, Cosme Coelho de Souza eoutros riachoenses de notvel projeo na literatura maranhense,afirma, com nfase, que:

    [...] outro nome que merece referncia o de Parsondas deCarvalho, tambm filho de Riacho. Inteligente, autodidata,jornalista, escritor, filsofo, sertanista, membro do InstitutoHistrico e Geogrfico do Estado do Maranho. Colaborou emA Pacotilha, em So Lus, e em Jornal do Brasil, no Rio deJaneiro. Co-autor de Carlota Carvalho, sua irm, em O Serto,o melhor livro sobre a gente e a terra sertanejas.

    Mas, onde nasceu mesmo Parsondas? Onde a prova transparentede ter ele nascido l no Riacho?

    Goethe dizia que nascemos em duas ptrias: aquela em que

  • SLVIO DINO

    22

    molhamos a primeira fralda e a eleita pelo nosso corao.

    Ser que Parsondas molhou a sua primeira fralda no Riacho eelegeu por opo sentimental o Graja como sua terra natal? Ou, aocontrrio, teve sua fralda primeira molhada no Graja e escolheu oRiacho por determinismo do corao a terra do seu nascimento?

    Onde a resposta?

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    23

    Nascimento, infncia, mocidade

    CAPTULO IV

    J se disse e com propriedade que

    [...] da vida de Cames, o que parece certo so as incertezassobre ela. Sobre o local de nascimento do poeta s h conjecturas.Quanto data de nascimento, idem. O que de mais provvelexiste a sua formao cultural em Coimbra. Aps ter publicadoOs Lusadas, em 1572, passou a receber modesta tena trienal,paga irregularmente. Morreu na misria em 1580.

    Essas reflexes encaixam-se como uma luva na vida de Parsondasde Carvalho. Realmente sua biografia uma autntica teia de aranhade dvidas e incertezas. Filho de Miguel Olmpio de Carvalho e dequem? Nasceu em que ano? Onde?

    Pela precariedade das informaes quanto a esses pontos de altarelevncia o nome da me, a data e o lugar de nascimento podededuzir-se como difcil reconstituir as pegadas de sua existnciaterrena.

    No correr do tempo, ningum tentou, pelo menos, reconstuirseu perfil biogrfico. A tarefa, realmente, no fcil. Pouqussimosso os documentos contemporneos diretamente envolvidos em suavida. O que existe de fonte referencial est contido em O Serto, emtrabalhos jornalsticos publicados em A Pacotilha e em imprecisosdados colhidos na memria oral. At hoje, nos faltam elementosdefinitivos a indicarem a data e o local de seu nascimento.

    Parsondas morreu em Montes Altos, em 1926. Somente agora,confesso, sem maiores instrumentos de uma pesquisa tecnicamente

  • SLVIO DINO

    24

    perfeita, talvez por culpa maior e verdade do prprio escritorsertanejo, um autntico misantropo que se fechava no seu modusvivendi como um casulo. Nada se localizou sobre o dia, ms, ano oulugar de seu nascimento. Buscas demoradas nos cartrios deImperatriz, Riacho e Graja foram em vo.

    Quanto ao local de nascimento, em virtude de saber-se que seupai, Miguel Olmpio de Carvalho, ter sido uma das estrelas da tobadalada roda de amigos, presidida por Milito Bandeira Barros,de longa vida em Graja, h quem diga ter Parsondas de Carvalhonascido a. Embora nada tenha se achado nos cartrios grajauenses,a presuno no de toda absurda. Encerra um viso de probabilidadea ser conferido, com maior rigor, por buscas biogrficas maisaprofundadas. O que todos concordam que sua mocidade foipassada entre a gente, do serto que as terras anda, no belo dizercamoniano.

    A ascendncia de Parsondas, pelo lado materno, tambmprovoca profundas indagaes. O pai foi Miguel Olmpio deCarvalho, cantado em prosa e verso em O Serto. J com relao me, h um vu negro de mistrio. Impressionante. Na rvoregenealgica erguida por ns, noutro captulo, no houve meio deidentific-la. Paira uma velada suposio que Miguel O. de Carvalhoteria se casado mais de uma vez, ou ento os Carvalhos emigradosde Santa Rita do Rio Preto para o sul do Maranho, por onde iampassando, deixavam a frtil semente carvalhiana. Tal suposio reforada pelo que se observa em vrias passagens de O Serto.

    Infncia solitriaInfncia solitriaInfncia solitriaInfncia solitriaInfncia solitria

    E a infncia?

    Guimares Rosa, o monstro sagrado regionalista, certa vezconfessou:

    No gosto de falar em infncia. um tempo de coisas boas, massempre com pessoas grandes incomodando a gente, intervindo,

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    25

    estragando os prazeres. Recordando o tempo de crianam vejopor l um excesso de adultos, todos eles, mesmo os maisqueridos, ao modo de soldados e policiais do invasor, em ptriaocupada. Fui rancoroso e revolucionrio permanente, ento.Gostava de estudar sozinho e de brincar de geografia. Mas, tempobom de verdade, s comeou com a conquista de algumisolamento, com a segurana de poder fechar-me num quarto etrancar a porta. Deitar no cho e imaginar estrias, poemas,romances, botando todo mundo conhecido com o personagem,misturando as melhores coisas da vistas e ouvidas.

    Se um dia Parsondas falasse de sua infncia, usaria a mesmalinguagem do imortal Guimares Rosa e, com certeza, enfatizariaque gostava de estudar sozinho, de brincar de geografia, deitar nocho e imaginar estrias, misturando as melhores coisas vistas eouvidas.

    No encontramos, realmente, em nenhum livro ou documentoa menor referncia sobre a sua infncia, a no ser a que ele prprio,de leve, fala no captulo VI da Guerra do Leda.

    Com efeito, l, falando sobre o medo que dele se apoderouquando criana, Parsondas demonstrava toda a sua capacidadecriadora, cheia de simbologia e riqueza narrativa. Ouamo-lo:

    O medo no raciocina: cria vises e fantasia para as mnimascoisas, propores colossais. Quando menino, vi, em uma noitede luar, clara, lmpida, serena, como so aquelas noites de luardaquela terra, onde as nuvens nunca passam de rastro nas fraldasdas montanhas, como aqui, balanar-se, sacudida pela aragem,uma palha piaaba, crescida beira do caminho.

    Tive medo.

    O arbusto se transformou em rvore, cresceu e, aquela palha,que alevantada na sua haste, mal excederia meu tamanho,pareceu-me tocar o cu. Quis correr e no pude, prendeu-me oreceio de ser alcanado pela estranha viso.

    Impressionante como esconde debaixo de sete capas o nome daterra onde nasceu! Que terra esta, onde as nuvens nunca passam

  • SLVIO DINO

    26

    de rastro nas fraldas das montanhas? Riacho? Graja? Quando,menino, viu em uma noite de luar, clara, lmpida, serena, uma palharasteira crescida beira do caminho!

    Todos, ns outros, filhos do serto, gostamos de apelaessentimentais, de evocaes dos tempos idos e vividos que embalaramnossos doces sonhos de menino...

    Um inspirado poeta grajauense, Orestes Mouro*, cantandosaudosamente sua terra, exclama com musicalidade:

    Unem-se, em roda, as serras uma a umaE erguem um crculo azul bem feito. ondeGraja, como um pombo dalva pluma,Sobre seu ninho clido se esconde.

    Que terra linda! O cu, a relva em suma,Deslumbra tudo! E o sol dourando a frenteDa mata e a lua prata dando a bruma...Tm um qu estranho a quem ningum responde!

    E a mocidade? Onde passou? Tambm a esconde num cofrede sete chaves. No captulo IV da Guerra dos Ledas, en passant,deixou escapulir um raio de luz dessa to bela quadra primaverial:Mundico Ribeiro para mim um amigo de infncia, umcompanheiro dos dias da mocidade, passada nos alegres folgares donosso serto.

    Quando se pensa que ele vai deslanchar sobre os alegresmomentos de sua juventude, foge sempre do assunto, como sedeliberado propsito. uma constante em todas as suas produesliterrias e jornalsticas a evocao dos legendrios sertes. Nunca,porm, se refere terra que o viu nascer.

    * Orestes Mouro; desembargador, poeta, jornalista. Nascido na cidade de Graja,MA; parente bem prximo do autor deste livro pelo lado materno.

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    27

    Roda de AmigosRoda de AmigosRoda de AmigosRoda de AmigosRoda de Amigos

    Outra particularidade chama deveras ateno: Parsondas, emnenhum de seus escritos, dedica uma passagem especial ou enftica cidade de Riacho. J em relao ao Graja, nota-se um dedicao,s vezes, at exagerada. Parece que se enfeitiou pelo cho exaltadopelo meu querido tio Orestes Mouro, como sendo a terra linda,onde o sol dourando a fronte da mata tem um qu estranho a quemningum responde.

    Verdade. Quer lendo-se O Serto, quer lendo-se a Guerra doLeda, observa-se, a olho nu, sem auxlio de qualquer lente deaumento, o amor parsondiano pela terra, da qual fala como umgrajauense enfeitiado.

    guisa de exemplo, trazemos superfcie dois trechostipicamente parsondianos sobre a terra do sempre lembradojornalista-poeta Amaral Raposo:

    Das cidades e vilas do Maranho , talvez, o Graja a em quemais acentuadamente se fez sentir a decadncia moral caracte-rstico geral do Maranho, nestes ltimos tempos.Pouco importa que materialmente se lhe possa assinalar algumprogresso. Este nada pode influir nos costumes sociais.Tempo houve em que se dava nas escolas no interior uma ins-truo primria completa por professores que, alm do que eramobrigados, gratuitamente ensinavam a alunos mais aproveitveismatrias de curso secundrio, como histria, geografia e francs.E os livros dados para leitura dos meninos eram enciclopdias,contendo conhecimentos cientficos importantes ou noes doquanto de til o esprito humano h conquistado em milharesde anos.Nesse tempo havia gosto pela leitura, e o Graja possua umasociedade culta, civilizada, incapaz de consentir os horrores queNicolau vai praticar.Milito, Manuel Mariano e outros amavam os livros, tinham-nosem grande quantidade e deles tiravam assuntos para uma con-versao erudita.

  • SLVIO DINO

    28

    O exemplo dado pelos principais contagia.A conversao que tira assunto dos livros ilustra e fascina.A emulao que resulta a grande escada por onde sobe a Hu-manidade.Na atualidade, os diretores do esprito pblico no Graja nopossuem, no querem, no tm livros; a conversao no tiraassunto seno das intrigas locais e o ensino tem por professorespessoas s quais o partidarismo remunera os seus servios polti-cos com o cargo para o qual no possuem a mnima habilitao.

    O segundo, pincelamos de O Serto, no mesmo estilo narrativorefere-se ao criador da notvel Roda de Amigos que marcou po-ca em Graja.

    Chefe de grande prestgio, antes, durante e depois da Balaiada,o juiz de Paz Milito prestou grandes servios Provncia doMaranho, sendo uma das mais relevantes as representaes doshabitantes do rio Farinha e duas da Vila do Riacho, por elesobtidas, e deram em resultado a restituio de So Pedro deAlcntara Carolina, a nova a esta provncia, graas ao esforodespendido pelo deputado Cndido Mendes de Almeida paraque fossem atendidas.

    Mas no so estes servios que o elevam e destacam sobre onvel dos outros homens. O que o imortaliza a criao da Rodade Amigos, marco milirio que assinala essa poca. Naqueletempo e naquele meio, Milito Bandeira Barros era o homemde maior cultura intelectual e bem desenvolvida inteligncia.

    Tinha o gosto das letras, possua muitos livros, no para o ornatoda sala, mas para os ler, instruir-se e discutir assuntos literrios ehistricos. Satisfazendo esse gosto, estabeleceu em sua casa umapalestra diria em que os apreciadores de literatura, uns porvocao prpria, outros por imitao e alguns somente por seremagradveis ao chefe do partido, vinham s tardes derramarerudio.

    Estabeleceu assim um hbito, um costume e um meio de ilustraros homens. Quem se habituou a ler, no vive sem o livro e semo jornal.

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    29

    Em vez da vida alheia ter assuntos diversos para conversar efalar acerca de economia, indstria, geografia, fatos histricos,geologia e descobertas do esprito humano. Empregar naliteratura e nestas conversaes teis e edificantes o tempo quegastaria na maledicncia, na intriga, na calnia, na adulao ouno jogo e na orgia.

    Para isto as agremiaes literrias so preservativas desses mauscostumes.

    Na incomensurabilidade do tempo e do espao ele passourpido como o bruxulear de uma luz num cantinho escuro domundo. Dissolveu-se a Roda de Amigos, palestra literria quenunca mais teve a Chapada, atual Graja.

    Muitos anos depois da morte do chefe da Roda de Amigos,distinguiram-se os que tinham sido da convivncia com MilitoBandeira Barros pelo amor aos livros: Cludio Saraiva Chaves,Miguel Olmpio de Carvalho, Liberalino Tavares Bastos, ManoelMariano, Bernardo Costa, Raimundo Junqueira, GustavoTavares, Raimundo Tavares e Francisco Arajo Costa. Possua,cada um, sua pequena biblioteca; tinham o costume de ler eprazer nas conversaes sobre histria e sobre literatura.

    Parece ou no que Parsondas de Carvalho tinha o umbigoenterrado no cho grajauense? Por que tantas tintas carregadas delamentao e doura, quando evoca, do fundo da alma, a imagem daterra onde seu pai, Miguel Olmpio, ao lado de Milito Barros, tinhagosto pela leitura e amava os livros?

    J hora de se deixar de lado os mergulhos sobre a enigmticavida de Parsondas. Esses mergulhos jamais chegaro a um portoseguro. Parsondas, muito de propsito, apagou pelos caminhosespinhosos da sua existncia seus rastros. Por qu?

    Evitemos o esquema da biografia linear, tradicional, com visosde uma escritura oficial. O retrato, creio que interessa de Parsondasde Carvalho o de suas idias, de seu pensar. De seus conhecimentosno campo da histria, da geografia e da poltica maranhense na poca

  • SLVIO DINO

    30

    em que viveu. preciso entender que sua obra no um documentoimportante apenas para a compreenso e a viso dos iluminadosprimrdios da civilizao semeada pela pata do boi. Tambm o na medida em que nos fornece um clich no importa que salpicadode algumas deformaes crticas e memoriais de nossa sociedadeda poca, que ele mostrou pela ambio dos donos dos bois, pelainsensibilidade ante o sofrimento do escravo da terra, pelo espritode intrigas, calnias e paixes, pelo abuso de poder, pelo mesquinhojogo de interesses econmicos e pelo autoritarismo polticoresponsvel pelos gritos e clamores coletivos, resultantes emposicionamentos de protestos como a Balaiada e a Guerra do Leda.

    Seguro e profundo foi o seu saber sobre os caminhos do gado,hoje, povoados de cidades progressistas e sedentas da transformaoem realidade do velho sonho do Estado do Maranho do Sul. Clarasforam suas idias e bem vivos seus raciocnios. Se aqui e ali forou ainterpretao de um episdio em que tinha menor conhecimentopara a argumentao, ou criou uma imagem mais ousada, na verdade,essas variaes ou fantasias, to ao seu gosto, no chegaram acomprometer o valor de sua fecunda obra, de cunho literrio, artstico,sociolgico, geogrfico e cientfico.

    Parsondas tinha cultura vasta, quer no domnio da Histria daAntiguidade, da Histria do Brasil, da Geografia e da literaturauniversal, como noutros campos do conhecimento humano, o quefaz de seus trabalhos, alm de obras de arte, peas de profundasabedoria.

    Sem sombra de dvida, homem de pensamento, ele que no dizerde Dunshee de Abranches, tinha o dom de pintar as cenas ao vivo,escreveu belas pginas num meio hostil, servindo, assim, culturado sul maranhense mais do que o esforo humano permitiu.

    O ato literrio e o fato polticoO ato literrio e o fato polticoO ato literrio e o fato polticoO ato literrio e o fato polticoO ato literrio e o fato poltico

    A descrio do fato, com tintas muito vivas, jorra luzes to fortesno seu autor que muitas vezes ofusca aquele e projeta este. A magnfica

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    31

    obra Os Sertes, ao longo do tempo promoveu muito mais Euclidesda Cunha como escritor do que o prprio personagem dissecado o mstico conselheiro do interior da Bahia.

    O fenmeno literrio ocorre muito mais ainda quando o escritorno se deixa dominar pelos interesses em jogo, no coloca sua penaa servio das paixes momentneas. Escreve com iseno, numantida linha de imparcialidade, visando to s a verdade do fato, atravsdas lentes do ato literrio para o melhor julgamento da sociedadecivil ou da prpria Histria.

    Por isso, penso ter plena razo Marcos Almir Madeira em suaantolgica conferncia intitulada Garcia Lorca ou o sentido social daliteratura e da poltica, ao afirmar que:

    O escritor de verdade no acabe em verdade escritor de partido,alienando sua personalidade intelectual, deixando-se poluir pelavulgaridade, sacrificando a qualidade e a dignidade da suaconstruo literria. Escritor alienado por definio definitivamente o engajado, o rob em prosa e verso, aqueleque se entregou ao exclusivismo amofinante do partido, da seitaou da classe.

    E acentua o renomado autor de A ironia de Machado de Assis:

    A bem pensar, a verdade final que a chamada funo daliteratura ser poltica proporo que o escritor nos apareaimbudo dos motivos sociais e sua problemtica. A poltica pelapoltica no produzir o escritor. A viso transpartidria da microou da macro sociedade, do meio e da poca, esta, sim, a ticado escritor autntico.

    Essas consideraes vm-me mente no momento que medebruo sobre a vida e a obra de Parsondas de Carvalho. Com eleteve os sertes outrora, teve o Maranho um dos seus maioresescritores, com uma viva conscincia social e uma enorme vocaohumana. So essas foras energizantes do seu esprito contestador,lcido e aberto que marcam sua personalidade de homem de letras,no meio hostil e na poca conturbada em que viveu. Pelas condies

  • SLVIO DINO

    32

    efervescentes do seu esprito idealista uma espcie de ebuliointerior Parsondas jamais poderia ser um escritor alienado, engajadonos partidos de sua poca, da o porque de suas construes literriasserem inteiramente isentas e de uma autenticidade marcante emrelao aos acontecimentos politicos ocorridos no sul maranhense eque, ele, teve a oportunidade de testemunhar e por isso mesmo,deixando-nos pginas vivas e impressionantes sobre um dos episdiosmais negros e revoltantes da Histria do Maranho.

    A sua obra no vasta. Nem poderia ser. Esprito irriquieto.Andarilho. Hoje aqui, amanh ali, mais longe, sempre caminhandopelo Brasil afora, no poderia fixar-se para produzir obras de maiorflego. Bem poderamos cham-lo de um guerrilheiro cvico emdefesa de seus ideais democrticos e da sacrossanta causa da liberdade,onde necessria se fizesse, at mesmo nos mais recnditos rincesda Amaznia desconhecida.

    Era 1919, Parsondas de Carvalho proferiu uma confernciasobre a Democracia no Centro Artstico e Operrio de So Lus.Incumbido de saud-lo, o orador do Centro leu uma longaexposio dos seus servios prestados aos interesses nacionais e causa da liberdade do Par, no Rio, em Gois. Salientou osseus ideais pacifistas, socialistas, e lembrou a hombridade domesmo, recusando-se aos pedidos do Governo do Par parasilenciar sobre as violncias do chefe de polcia Coimbra,seqestrando a tipografia da Tribuna Operria e prendendo osredatores e uma multido de proletrios a 29 de abril, paraimpedir a manifestao operria do 1 de maio de 1893, a suaatitude como redator do Correio Paraense, dirio de grandeformato e circulao, protestando contra a violncia e pedindoa soltura dos detidos. Concluiu afirmando que o partidooperrio no esquecer que lhe deve a salvao dos irmos doPar. O intelectual sem jaa de alma e corao, diante dahomenagem to carinhosa e gratificante, disse que toespontnea quanto desinteressada manifestao, feita a quemno possui ttulos de nobreza nem a mnima parcela de poder,causa a emoo que neste momento me domina. E acentuadeveras emocionado: Chamastes-me tenda em que se alberga

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    33

    o trabalho, companheiro da honestidade, para dizer-vos o que democracia, e eu sinto-me to embaraado como outro Scrates,filsofo heleno, quando Meno lhe perguntou se era possvelaprender a virtude.

    Aps reflexes sobre o tema, Parsondas de Carvalho enfatizade viva voz: O homem da democracia tem vontade prpria.Obra conscientemente. Se corre em defesa da organizao social,f-lo inteligentemente impulsionado pela convenincia daconservao das leis e da manuteno de um poder pblico,que as execute e garanta com as decises o direito de cada um,evitando o conflito pessoal, que o retrogradar ao homemprimitivo, ao homem das cavernas, ao troglodita. (A Pacotilha,edio de 29 de janeiro de 1919)

    Disse linhas atrs que sua obra no vasta. Em exaustivaspesquisas, em busca de suas produes literrias, foram detectadas,to somente cinco, realmente publicadas em revistas e jornais, a saber:A Guerra do Leda, publicada em forma de reportagem em APacotilha nos anos de 1902 e 1903; Amaznia, do tartarugal aoGurupi; do Gurupi ao Balsas, conferncias publicadas na Revista daSociedade de Geografia do Rio de Janeiro, em 1903; A Slvio Romero,trabalho lido no Centro Republicano Portugus, e a confernciaDemocracia, proferida no Centro Artstico e Operrio de So Lus.Estes dois ltimos publicados em A Pacotilha, em 1919. Por maisque pesquisasse no se conseguiu localizar os inditos EstudosFilosficos e os livro Fatos e Contos, ambos de sua autoria, que noforam publicados ou foram extraviados.

  • SLVIO DINO

    34

    J na quadra republicana, governou o Maranho, no perodode 1898 a 1902, Joo Gualberto Toreo da Costa. Essegovernador no passou de um autntico fantoche nas mos dotodo-poderoso chefo da poca, Benedito Leite. Todos os quefiliados ao partido, reconheciam e proclamavam-lhe a autoridadeincontestvel, a comear pelo governador que com a maiordedicao e inexcedvel lealdade, lhe prestava a devidahomenagem, obedecendo-lhe, sem discrepncia, orientao,quer poltica, que administrativa. (Arthur Moreira, in Gomesde Castro, Benedito Leite e Urbano Santos)

    O pouco que fez Joo da Costa foi Benedito Leite que o fez,observa o professor Mrio Meirelles. E continua fazendo as suasjudiciosas observaes sobre o governo Joo da Costa o emritohistoriador maranhense:

    No obstante, deixemos o registro, aqui, de duas ocorrncias demaior repercusso em nossa vida poltico-administrativa. Aprimeira foi o chamado conflito do Graja, ou Guerra do Leda,lamentvel incidente gerado pela intransigncia poltico partidriaque se fazia, ento como hoje, no interior, e que acabou pordegenerar em luta aberta e declarada entre os dois chefes daquelemunicpio, o situacionista Jeferson Nunes e o oposicionista LeoLeda, acusado, com os irmos Moreira Silvino, Nelson e TomsJos, de mandante do brbaro assassnio, em 16 de agosto de1898, do promotor pblico Estolano Eustquio Polary. TinhaLeda a maior fora eleitoral da zona, o que Benedito Leiteprocurava neutralizar com o dar quele todas as posies de

    A Guerra do Leda

    CAPTULO V

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    35

    mando e influncia, de modo a aumentar-se o prestgio, danascendo uma animosidade acirrada entre os dois, o que levouLeda, coagido, a armar os homens de suas muitas propriedadese obrigar o adversrio a fugir; desceram ento tropas para o serto,sob o comando do tenente-coronel Pedro Jos Pinto e a luta sefez sem quartel, at que Leda, no tendo mais como resistir polcia, fugiu para o Gois. No obstante, a fora legalista persistiuem quartelada em Barra do Corda e insistiu em desmandos,violncias, arbitrariedades e vinditas. (Mrio Meirelles. Histriado Maranho, p. 328-329)

    Pois bem. Todos esses revoltantes e tristes acontecimentosocorridos em Graja, descritos pela valorosa A Pacotilha, estoacostados neste livro (Anexos). Sua leitura, considero deverasimportante, em particular pelas novas geraes que precisam ter umaviso bem ampla, no s da beleza dos nossos sertes, mas de todoo conjunto que forma a grandeza scio-econmico-cultural destaregio, que no anseio maior de sua gente, um dia tornar-se- unidadefederativa independente, velho sonho, pois o prprio autordesconhecido do notvel Roteiro do Maranho e Gois pela Capitaniado Piau, escrito em 1770, j defendia a tese da criao de uma novacapitania (estado-membro), hoje, compreendendo todo o sul-maranhense.

    No meu sentir, de toda a safra parsondiana, o que mais tocou nofundo de minhalma de homem do serto foi, com certeza, a descriocom tintas negras, dos episdios dolorosos que tingiu de vermelhoos nossos verdes sertes de outrora. A que exulta a figuraextraordinria do escritor. Texto lmpido. Cristalino, como as guascantantes dos nossos riachos. Palava fcil, carregada de dramaticidade.Traos vivos. Cores fortes fruto do seu iluminado esprito telrico brotam no fluxo de sua pena brilhante. Parece-me que, descrevendoos conflitos scio-polticos, tingidos de sangue, Parsondas adquire acarga de combatividade de Lorca, impregnada de nimo poltico,impulsionado no apenas de uma exploso emocional, mas,essencialmente, de corpo e alma para as causas sociais, a ampliar-lheo estado de esprito de revolta, aguado pela injustia e a violnciacontra os mais fracos...

  • SLVIO DINO

    36

    Sem sombra de dvida: nenhum outro homem de letras sul-maranhese teve a coragem cvica ou soube escrever com tantaexploso vulcnica, associada admirvel lucidez analtica, osinesquecveis momentos de terror, vividos e sofridos pelos nossosirmos sertanejos, humilhados, massacrados, mortos, vtimas deindescritvel chacina, nos sanguinolentos chos dos sertes de outrora,embora a histria oficial recuse-se a aceitar to concludente verdadede visos bblicos.

    A outra face de Benedito LeiteA outra face de Benedito LeiteA outra face de Benedito LeiteA outra face de Benedito LeiteA outra face de Benedito Leite

    A memria oficial tem um grave defeito: sempre procura obscu-recer o lado negativo dos homens ilustres que fizeram ou ajudaram afazer a histria. Sempre h exaltao de seus grandes feitos. Elesjamais aparecem despidos de suas honrarias e de seus medalhes.Para o escritor oficial ou oficioso, os homens pblicos de relevo, queficaram no bronze perene, nunca cometeram erros ou violncias.Seus crimes so encobertos com tanto cuidado que somente o pes-quisador ou historiador isento e interessado na verdade histrica,consegue descer no fundo do poo de sua existncia, s vezesmarcadas de ndoas inapagveis. Quem j ouviu falar no comporta-mento negativo de Lus Alves de Lima e Silva (Duque de Caxias), oresponsvel militar que sufocou a Balaiada? A literatura oral contahorrores dos atos praticados pelas foras legalistas, comandadas pelofamoso pacificador do Maranho. Mas s os balaios eram assassi-nos, bandidos, hordas de jagunos e pistoleiros vulgares. Fizeram aanti-histria.

    A biografia de Benedito Leite um invejvel retrato, emolduradonum belo quadro. Sua vida sempre aparece se confundindo com aprpria histria poltica maranhense. O monstro sagrado sempre chamado de um dos maiores estadistas do seu tempo. O professorJernimo Viveiros, em sua importante obra Benedito Leite: umestadista da Repblica, derrama cntaros, elogios ao conspcuo filhode Rosrio.

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    37

    Na obra do ilustre historiador, en passant, se fala nos distrbiosdo Graja. Ali, o maior bigrafo de Benedito Leite, com uma vee-mncia de advogado de defesa, isenta-o de toda e qualquer respon-sabilidade nos crimes hediondos ocorridos em terras grajauenses.Como? Limitando-se a transcrever os conhecidos expedientes ofi-ciais contendo platnicas determinaes, que foram endereadasao comandante da chacina que ceifou a vida de centenas de sertane-jos. As ordens oficiais jamais foram cumpridas e no poderiam ser,haja vista que por detrs, outras eram dadas pessoalmente aos polti-cos que acompanhavam o partido do imbatvel chefo da polticamaranhense poca dos referidos sanguinolentos fatos poltico-par-tidrios.

    No entendemos o porqu da atitude do mestre Viveiros emrelao Guerra do Leda. Talvez, se ele fosse um filho do sertoque conhecesse bem de perto a alma do sertanejo, seu comporta-mento seria outro, bem diferente. Quem sabe, mostraria, com ri-queza de detalhes, as contradies e as fraquezas do poderoso chefoque deixou serem manchadas de sangue numerosas pginas da His-tria do sul do Maranho. Ao longo do tempo vem sendo assim:ns, do sul maranhense, sempre fomos esquecidos, desprezados,subestimados. Jamais fomos valorizados na medida que o merece-mos.

    Chega de desabafos! Voltemos aos tenebrosos acontecimentosgrajauenses. No incio do sculo passado, a chamada imprensa livredo Maranho no se conteve. Valorosos e independentes jornais,destacando-se O Norte, de Barra do Corda, e A Pacotilha, de SoLus, passaram a denunciar as violncias institucionalizadas. A opi-nio pblica precisava saber o que ocorria nos sertes, onde o povovivia humilhado e as matanas, em nome do governo, eram feitaspelas foras policiais que l se encontravam com a nobre misso demanter a ordem e a segurana pblicas.

    A valorosa A Pacotilha, em autntica catilinria, afirma:

    Houve tempo em que se constituram quase um tributo doschefes de polcia ocuparem-se de negcios em Graja, tendo deseguir at l em comisso, algumas vezes na estao invernosa,

  • SLVIO DINO

    38

    para o conhecimento de delitos realizados, tendo por instigaoo dio partidrio ou de que este se aproveitava para perseguiodos adversrios. Ainda h poucos anos, j no regime republicano,deu-se um destes ltimos fatos, que teve como conseqncia amais tremenda das perseguies contra um chefe poltico localadverso situao dominante e que o fez, sem que tivesse partealguma no crime ocorrido, retirar-se da comarca, para escapar sanha dos seus rancorosos inimigos, que visavam prend-lo naarmadilha que lhe armavam, para, por esse meio, se verem livresdo adversrio.

    Foram esses fatos delituosos que, segundo a lcida pena deParsondas de Carvalho, foram o enredo daquele drama sangrento,cuja representao cobriu de ossos humanos o vasto serto doMaranho, com o beneplcito do senador Benedito Leite e com oveemente protesto da decente compostura dos homens da Carolina.

    Nos artigos que aludimos em comeo, esto descritos com seusdolorosos detalhes todos esses tristes acontecimentos do Graja,escreve A Pacotilha em sua edio de 20 de janeiro de 1902.

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    39

    Taine, fiel discpulo de Augusto Comte, tornou-se conhecidopelas leis de sociologia, segundo as quais toda vida humana e socialse explicaria por trs fatores:

    O MEIO onde o indivduo se acha submetido aos fatoresgeogrficos, bem como ao ambiente scio-cultural e s ocupaescotidianas da vida;

    RAA que a grande fora biolgica dos caractereshereditrios determinantes do comportamento do indivduo;

    O MOMENTO pelo qual o indivduo fruto da poca emque vive, estando subordinado a uma determinada maneira de pensardo seu tempo.

    No novidade dizer-se: Euclides da Cunha, ao escrever suamonumental obra, estava, realmente, impregnado desse cientificismodominante poca. No dizer, com acerto, de Roquette Pinto:

    Com Os Sertes viu-se no Brasil, a introduo do espritocientfico na literatura histrica, o colorido romntico em todasas suas pginas, sintonizando-se com o meio intelectual, aidentificao do escritor com natureza, cujos acidentes ele estavaperfeitamente preparado para entender.

    Em importante ensaio sobre Euclides da Cunha, LourenoDantas Mota ressalta, citando Antnio Cndido, por ocasio docinqentenrio de Os Sertes:

    O Serto

    CAPTULO VI

  • SLVIO DINO

    40

    Muito mais que socilogo, Euclides da Cunha quase umiluminado. As simplificaes que operou, na snteses das grandesvises de conjunto, permitem-lhe captar a realidade maisprofunda do homem brasileiro do serto. Com seu livro, Euclidesda Cunha veio mostrar que a literatura no deve ser meroexerccio de beletrismo, mas estudo e pesquisa. E veio mostrartambm que a criao literria, a partir da observao dos fatosbrasileiros, o caminho para criar-se uma verdadeira culturabrasileira.

    Existiram os sub-Euclides? No dizer do saudoso Franklin deOliveira, homem de cultura de vastos saberes, o modelo euclidiano,corte transversal na civilizao brasileira, chegou ao Maranhoexercendo grande influncia em escritores renomados comoRaimundo Lopes: O Torro Maranhense, e Astolfo Serra: ABalaiada.

    Um outro querido escritor conterrneo nosso, Rossini Corra,em sua festejada obras Atenas Brasileira: a cultura maranhense nacivilizao nacional, com bastante lucidez, ressalta:

    Raimundo Lopes e Antnio Lopes levaram frente o positivismode Celso Magalhes. Raimundo Lopes, denotando j a influnciade Euclides da Cunha, com Os Sertes por modelo seguido emO torro maranhense e Uma regio tropical. Modelo euclidianode prosa ensastica e de mtodo de abordagem que chegaria,dcadas passadas, e ainda, e de novo, pelo segundo motivo, aAstolfo Serra, autor de A Balaiada, e de Caxias e o seu governocivil na Provncia do Maranho.

    Em terras gonalvinas, tivemos outros seguidores do modeloeuclidiano? Nos meus tempos de ginasiano, quando se falava em OSerto era como se falasse de um monstro sagrado. S existia naestante ou no ba de poucos. Com sua edio esgotada, quem opossua o guardava como se fosse um diamante raro e cobiado. Desorte que no era fcil l-lo. Ademais, no havia menor interesse nasinstncias literrias da capital do Estado em reedit-lo. Faltava umtoque de maranhensidade em relao ao magistral ensaio de crticahistrica sobre a civilizao maranhense e suas bases: a terra, o homem

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    41

    e o espao cultural. O tempo foi se passando. O livro escondido, talqual aquelas belas virgens sertanejas dos lbios de mel, que s sesabe de suas existncia de quando em quando e, assim mesmo, porocasio das marcantes festas, onde toda a famlia obrigada acomparecer. Criou-se, destarte, verdadeira lenda sobre a decantadajia sertaneja. Passou-se a dizer, atravs da memria oral, ser a obraa melhor que j se publicou, at hoje, sobre nossos sertes, com seusbem vivos traos no processo de conquista, ocupao e colonizao,desde os Pastos Bons de outrora. Quem teve a felicidade de l-la, delogo sente a beleza das tintas de um artista de extraordinriacapacidade de ver e descrever essa autntica Cana bblica de tantosmistrios, encantos e riquezas.

    Na verdade, nela predomina o binmio cor-som, cuja tessiturasomente poderia ser de um escritor guiado por foras telricas e quetivesse estreito e forte contato com o azul serto formoso edeslumbrante, no sentir do nosso notvel Sousndrade. O Serto verde mural, povoado de manhs ensolaradas, onde se sente atranqila respirao dos pastos floridos e o cheiro da terra pisada defresco pelos cascos duros do gado; onde se ouve ao longe o cantardas seriemas nas chapadas verdejantes e se depara com o encanto denossas riquezas naturais, tudo dando maior beleza s nossaspaisagens... Quem o escreveu, o fez incorporando ao territrio estticovrias provncias do saber, com agudo senso de observaosociolgica, vindo da a presena do esprito cientfico, com certezaconquistada na trincheira de vanguarda euclidiana.

    O Serto se divide em trs partes, exatamente no modeloeuclidiano, dando-se nfase paisagem fsica, paisagem social e paisagem humana, o que demonstra a estreita e forte identidade dequem o escreveu com os mapas geogrficos maranhenses. A obraora analisada, portadora de palpvel tripartite, obedece aodeterminismo da poca em que foi escrito, muito embora aqui, ali emais adiante, inteligentemente d-se um bom tempero, introduzindooutras variveis, o que bem demonstra perspiccia a histria doMaranho, com uma viso diferente da historiografia oficial, ou seja,

  • SLVIO DINO

    42

    do interior para a capital, vendo-se a Balaiada, por exemplo, nocomo um bando de fascnoras e bandidos...

    Nesse belo painel, inspirado em diversas fontes, observam-se,em primeiro plano, largas pinceladas geolgicas e geogrficas,entrando pelos Pastos Bons de outrora, derramando crticas, idias,informaes e contestaes sobre a dinmica de dois polmicosmomentos da vida institucional maranhense: a adeso do Maranho Independncia (1823) e a Balaiada (1839-1841). Num segundobloco, como se usando um grande telo, descreve as bacias dos riosGraja, Mearim, Pindar e os tributrios Farinha, Santana, Lajeado,Alpercatas, Balsas e outros de menor porte. No deixa de incluir a,em expressivo relevo, o Parnaba, o Tocantins/Araguaia e as razeshistricas das cidades de Graja, Riacho, Carolina, Balsas, PortoFranco, Boa Vista (hoje Tocantinpolis), Marab, Imperatriz, Ararie Vitria do Mearim. Na terceira e ltima pincelada, descreve numDirio de viagem, a bordo do navio Acre, rumo ao Rio de Janeiro toda a beleza das nossas costas martimas, demonstrando vastosconhecimentos da histria universal e da histria ptria, e como viue sentiu a cidade maravilhosa ainda nos primrdios do sculo XX.

    Agora de perguntar-se: quem teria flego de escrever com tantofulgor as pginas antolgicas sobre os altos sertes, hoje incorporadasao patrimnio cultural gonalvino?

    Lendo-se com vagar as obras de Parsondas, observa-se a olhonu, sem auxlio de qualquer lente de aumento, a presena docientificismo euclidiano, associado, de maneira clarividente, a umretrato, em corpo inteiro, de tudo quanto ocorreu no passado comoexpresso de vida de uma sociedade criada e desenvolvida em plenomundo sertanejo, mas como parte integrante maior e de mais amplasdimenses, a brasileira. E os traos fundamentais desse retrato estodelineados nos episdios nascentes da vida fsico-social-poltica dosul maranhense, to bem registrados no Dicionrio Histrico-Geogrfico da Provncia do Maranho, de Csar Marques, em ACarolina ou a Definitiva Fixao entre os Territrios de Maranho eGois, de Cndido Mendes de Almeida, e nos trabalhos de campo,

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    43

    repassados de largo senso de observao do famoso Francisco dePaula Ribeiro, onde, com certeza, Parsondas de Carvalho buscouinspirao e subsdios a fim de fazer sua histria do homem sul-maranhense, com uma postura crtica, inteiramente diferente da quese encontra inserida em certos livros didticos, enxertados de cultospatriticos, regras elitistas e lies de moral e civismo, to a gosto dacultura oficial.

    Pois bem. Nos albores do sculo XX, quando de suas decantadasviagens ao Rio de Janeiro, Parsondas bem relacionou-se com osescritores estrangeiros, em particular positivistas, autores da moda,no tocante s cincias sociais modernas. Identificou-se com tericoseuropeus, de excepcional destaque no campo das relaes do homemcom o meio geogrfico. Sem sombra de dvida leu e releu o livro demaior repercusso poca: Os Sertes. Por certo, com os olhosregalados de sertanejo curioso e inteligente, repensou e fez profundareflexo sobre a importncia da historicidade na formao social dossertes de dentro. Deve ter se encantado com o saber-fazer euclidianoem suas linhas belas e metodolgicas estudando a terra, do geralpara o particular, desde a caracterizao do planalto central que lhepareceu ser a mais acertada e expressiva, at do mago do cenriofsico dos sertes, mediante traos fortes de remarcada expresso.

    Partindo-se dessas coordenadas, no temos a menor dvida:quem escreveu O Serto possua slida e onmoda erudio econhecia, passo a passo, a geografia regional, tudo isso associado aabalizados estudos histricos, desde quando os virgens pastos bonsforam rasgados e ali apenas existia a tosca cruz de madeira, objetivandoassinalar a conquista pelos bandeirantes, do territrio que o p dobranco ainda no pisara.

    verdade: quem o escreveu o fez com tintas bem fortes, pois osabor tem o estilo euclidiano, voltado para o novo processo deabrasileiramento da arte na produo literria. Associe-se, ainda, umcurioso detalhe: no tem menor trao feminino no seu rosto e muitotem de msculo no corpo de sua movimentao. Por isso, de afir-mar-se, sem maiores rodeios: a questionada obra-prima, um clssico

  • SLVIO DINO

    44

    do nosso regionalismo, , sim, de autoria do socilogo autodidata,Joo Parsondas de Carvalho, que morreu chegando duma viagem acavalo pelos sertes, que ele tanto adorava e o cantou em prosa everso, atendendo a chamado da histria e a um apelo que lhe faziamdo fundo dos tempos os imorredouros paulistas, pernambucanos,baianos (seus ancestrais) que conquistaram, alargaram, ocuparam,povoaram e engrandeceram os espaos geogrficos do sul maranhen-se.

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    45

    Personagem marcante que aparece s pginas tantas de O Ser-to: Miguel Olmpio de Carvalho. louvado como o construtor deprimeira linha da to sonhada estrada que, atravessando as matasvirgens de Mono, daria melhor acesso capital da provncia doMaranho, dando, assim, fcil trnsito s boiadas do alto serto ques caminhavam rumo ao Par. Pois bem. Numa linguagem laudat-ria, l-se na magistral obra sertaneja:

    De tudo isto informado, o presidente da provncia do Maranho,Ayres do Nascimento, incumbiu Manoel Jansen Ferreira, juizde Direito da Comarca de Carolina, que compreendia Riachoe Imperatriz, contratar com pessoa idnea que fizesse pelascondies de maior barateza, tendo em vista o interesse geral,uma estrada da largura de quinze palmos, atravs da mata, pelaqual passassem livremente cargas e boiadas. Empregando aseduo de sua palavra e o prestgio de sua autoridade, o juiz deDireito Jansen Ferreira conseguiu que meu pai, Miguel Olmpiode Carvalho, e um compadre deste, Raimundo Mota,contratassem por quatorze contos e fizessem a estrada parareceberem este pagamento depois de feito o servio. Em vez deabeirar o Pindar em mais longa extenso, passando terrenosalagveis em que, sob a sombra de espessa mata, cresce umapequena palmeira ubim , meu pai buscou a cabeceira doBuriticupu, fora da mata, e entrada nesta, encetou o trabalhoque seguiu o curso deste tributrio do Pindar, obtendoconsidervel diminuio de largura da mata e melhor terreno.Passando o governo a seu substituto em 23 de abril de 1865, o

    O pai de Parsondas

    CAPTULO VII

  • SLVIO DINO

    46

    presidente da Provncia, Ambrsio Leito da Cunha, depoisbaro de Mamor, disse no relatrio:

    dever meu no dissimular a V. Exa. a pouca confiana daprovncia ter esta estrada, em vista da exigidade da quantia porque foi contratada uma estrada que tem que passar mais desessenta lguas de mata. Oxal que eu esteja em erro.

    Em maio do ano seguinte (1886), o presidente LafayetteRodrigues Pereira, na sua fala Assemblia Provincial, disse:

    [...] Mas, como abrir pela mdica quantia de 14:000$000 umaestrada que corta mais de sessenta lguas de mata virgem? Meparece que, por maiores que sejam o zelo e a boa f doscontratantes, com essa quantia eles s podero abrir uma picada,trabalho que ficar longe de preencher os fins do governo.

    Trs meses depois, em fins de agosto de 1886, a estrada estava feita,boa, limpa transitvel por cargas e boiadas, como por carros se estesfossem usados no interior do Maranho.

    Comentando, Csar Maques, no seu Dicionrio Histrico-Geogrfico,disse: pouco, por certo, 14:000$000 ris para abrir uma estrada de60 lguas abatendo mata secular. (O Serto, p. 270-271)

    bem saudvel a invocao do testemunho de Csar Marquesno episdio da construo de estrada de alta valia, ligando os sertesde dentro a Mono, porto de suma importncia poca, de vezque, por l, embarcavam as boiadas sertenejas destinadas capitalmaranhense.

    Por que? Porque o arrojado sertanista que conhecia palmo apalmo as matas inspitas de Mono, esqueceu ou no quis comentarpassagens outras da histrica estrada, traadas pela pena, isenta eainda hoje respeitvel do nosso inolvidvel autor do DicionrioHistrico-Geogrfico do Maranho. Quais, por exemplo?

    Sobre esta importantssima estrada da Carolina para o Maranho,escrevemos no Publicador Maranhense, n 216, de setembrode 1866, o seguinte:

    Sendo esta estrada de convenincia intuitiva, como disse o Exmo.Sr. Dr. Lafaiete em seu relatrio, pois tem o por fim ligar umaparte importante do alto serto a Mono, onde tocam os vapores

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    47

    da Companhia Fluvial e ao mesmo tempo abreviar o caminhopara Carolina.

    E mais adiante:

    A primeira notcia que dela se encontra est na pgina 50 dorelatrio, com que em 24 de novembro de 1863 o Dr. Leito daCunha passou a administrao ao desembargador Ayres doNascimento. Ainda nesse tempo aguardavam-se as informaespedidas pelo Sr. Campos Melo ao juiz de Direito da Carolina, oSr. Dr. Manoel Jansen Ferreira, hoje na presidncia, para tomar-se uma resoluo definitiva sobre aquela utilssima via decomunicao.

    Em 3 de maio de 1864, disse o desembargador Ayres Nascimentoque, tendo recebido as informaes do Dr. Juiz de Direito daComarca da Carolina sobre essa estrada, de cuja abertura seesperavam benficos resultados Provncia, o havia autorizadoem 6 de fevereiro do dito ano a fazer o contrato de 14:000$000ris de que tratava uma das propostas enviadas e abonadas porele. Em 23 de junho oficiou o Dr. Juiz de Direito ao presidenteparticipando ter feito o contrato, o qual submetia aprovaodele, com o cidado Raimundo Teodoro da Mota, em quemencontrou a necessria probidade, aptido, atividade e benssuficientes para garantir as quantias recebidas, sendo seus fiadoresmuitos abonadores.

    Curioso, muito curioso, em longos outros trechos sobre a parce-ria que redundou na construo da estrada, poca considerada deintegrao entre os altos sertes e Mono, ponto de apoio dos va-pores que faziam linha para So Lus, em clusula nenhuma v-se onome do senhor Miguel Olmpio de Carvalho. Alis, o historiadorCsar Marques ignora totalmente a existncia desse suposto parcei-ro em tal empreitada. Enfatiza, sim, que

    [...] o arrematante Raimundo Teodoro da Mota no ummiservel garimpeiro que quis especular com a credulidade dogoverno, e sim um verdadeiro patriota que no duvidou sacrificaras comodidades da sua vida para economizar de maneiraespantosa os dinheiros pblicos, a fim de dotar a sua provnciacom melhoramento de tanta importncia.

  • SLVIO DINO

    48

    Por motivos bvios, no vamos alongar mais conversa sobre esseassunto, to indigesto, por certo, para a memria dos irmos Carva-lhos. S temos a acrescentar: todas as vezes em que se tenta resgataras origens e a vida do cl, emigrado l dos cafunds dos sertesbaianos, na medida que se cruzam fios narrativos encontramos, decara, episdios truncados, entremeados de afirmaes duvidosas ouinverdicas.

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    49

    H uns porqus deveras indecifrveis na vida da enigmtica irmdo escritor sertanejo. Parece que zombateiramente a esfinge nosdesafia: decifra-me! No passa de um pseuda literata que por si sdemitologiza o mito de escritora. Com todo o respeito que se possater pela sua memria, no encontramos, inclusive, entre pessoas quea conheceram bem de perto, qualquer referncia sobre suas origensou passagem pelo mundo das letras. At mesmo no bu da memriaoral, nada localizamos. Sempre a esfinge rindo da gente!

    No terreno da memorialstica, a responsabilidade dos desviosou equvocos de julgamento, via de regra, pende contra quem traba-lha em cima de testemunhos, documentos antigos, fontes de infor-maes, colhidos na memria popular. No se sabe se muitos fatosou episdios ditos verdadeiros realmente aconteceram. Por isso, tra-zemos superfcie, num rigoroso exerccio de transparncia, peda-os de vida de uma extica mulher que assumiu consigo mesmo ocompromisso de no revelar o menor fio de vertente de sua existn-cia terrena. No existe, com ou sem riqueza de detalhes, em termosde biografia, dados pessoais ou qualquer outra informao ao alcan-ce da pesquisa, capazes de nos levar s primeiras fraldas da solteiro-na que viveu anos e mais anos inteiramente confinada sombra doiluminado irmo, escritor festejado, autntico guardio da culturados nossos sertes.

    de fazer-se pequena ressalva: em O Serto, to polmico, tomsculo, mas despido do menor trao feminino, foi que se encon-trou, embora bem fragmentado, o cordo umbilical dessa misteriosa

    A irm Carlota

    CAPTULO VIII

  • SLVIO DINO

    50

    criatura que jamais se soube onde, quando e como veio ao mundodos mortais. Por esse tnue fio, de fato, enxergou-se longe, bem dis-tante, os rastros de uma famlia emigrada da Bahia em meados dosculo XIX, tendo se arranchado nas velhas chapadas, onde no sesabia, realmente, onde era Riacho, onde era Graja. Toda e qual-quer varredura nas razes da rvore genealgica dos Carvalhos embusca da pessoa que ainda hoje est por trs do mito de escritora,no consegue reunir nem mesmo algumas pedrinhas capazes de aju-dar a montar um mosaico sobre sua vida, digno de registro nas pgi-nas da nossa histria. como afirma com propriedade a respeitvelescritora Maria do Socorro Coelho Cabral em sua admirvel Cami-nhos do gado: Sobre Carlota Carvalho, as informaes de que dis-pomos so as que ela mesma acidentalmente registrou em sua obra.En passant, fala em seu pai Miguel Olmpio de Carvalho e emSeverino de Carvalho, pai de minha me.

    Por que os Carvalhos sempre se esconderam nos chapades dedentro? Vamos irm. Contemporneos seus, que com ela convive-ram bem de perto, diante de muita insistncia, assim traaram o seuperfil fsico: Era gorducha, baixa, olhos grados, castanhos claros,cabelos mais para crespos do que para lisos. Gostava de uns vestideslargos, compridos. O velho Marcos Saraiva, oficial de Justia deImperatriz, j falecido, que fora vizinho dos irmos Parsondas eCarlota, ali na velha rua 15 de Novembro, pelos idos de 1925, detanto insistirmos, certa vez segredou-nos, bem baixinho, como seestivesse com receio de ferir a memria de algum, escondida poruma das salas do frum imperatrizense, a nos escutar:

    J que voc insiste tanto em saber da vida dos finados, s possoadiantar que ela no era feia. Meio grada, de pouca conversacom os vizinhos, parecia ser uma mulher viajada, mas no de-monstrava ser de muitos saberes. O seu Parsondas era faladorpelos cotovelos. Gostava duma pinga, bem dosada. Provisionadoencrenqueiro, brigador e sabido. Sempre carregando uns livrose jornais velhos debaixo do brao. Avesso a ambientes sociais,ningum freqentava sua casa. Andava muito rumo da delegaciade polcia, do cartrio e da casa dos Milhomens.

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    51

    E sorrindo:

    Eu sei onde voc quer chegar... O povo dizia boca pequenaque eles viviam amancebados. Ele, quando metia umas... gosta-va de contar uma histria que falava de dois pombinhos queensinavam um ao outro o jeito de fazer de dois bicos um sbico.

    Analisemos, agora, uns porqus que tanto aguam a curiosidadedos interessados em resgatar a verdade histrica sobre quem, de fato, o autor de O Serto, obra de arte literria, belo ensaio histrico-sociolgico, de forte influncia euclidiana, em que o estudo da terra,a descrio do meio fsico, a anlise do sertanejo nos seus tipos, cos-tumes, crenas, cordialidade, esprito de luta, comportamento ticoe social mostram que quem o escreveu foi um homem de cincia,gegrafo, gelogo, socilogo, filsofo, historiador, alm de ser ex-mio estilista.

    Pois bem. No livro supostamente de sua autoria, dona Carlota,numa das belas passagens concernente a uma viagem martima, diz:

    Ao cair da tarde de 28 de abril de 1919 embarquei no paqueteAcre com destino ao Rio de Janeiro. O vapor viajou de noitee eu no pude dizer adeus formosa Javir porque dormiaem meu camarote. [...]

    De manh, cedo, apressada pelo desejo de ver mais uma vez aterra em que ningum conhece o frio e as rvores so sempreverdes, levantei-me, sa do camarote, subi a escada que conduzao convs e fui debruar-me na amurada de estibordo.

    Pela vastido do oceano dilatei a vista. No mais a vi. H muitosumira no horizonte.

    De mais fundo, o Acre navegava ao largo para distanciar-sedos alongados baixios do delta do Parnaba. Ningum via terra.S o oceano, profundo, azul ferrete, manso, tranqilo. Na proa,espumas brancas aljofrando, levantadas pelo embate da ondano navio.

    Senti perder a esperana de tornar a ver os campos em queassentam serras altaneiras e deslizam rios e interroguei a mima mima mima mima mim

  • SLVIO DINO

    52

    mesmomesmomesmomesmomesmo: O que h no mundo to bom e belo como territrioentre o Parnaba e o Araguaia? Que terra possui tantas nascen-tes de cristalinas e perenes guas, tantas espcies de frutas natu-rais saborosas e nutritivas, frondosas rvores, palmeirais imen-sos, aves canoras, clima suave como os pastos bons de outrora?(O Serto, 1924, p.359-360) (O grifo nosso)

    No contive a minha curiosidade: pessoalmente pesquisei todosos jornais da poca procurando detalhes dessa romntica viagem.Nada encontrei. Mas localizei, sem, em A Pacotilha, edio de 28 dereferido ms e ano, a viagem martima de Parsondas de Carvalhopelo navio Acre, assim registrada:

    PARSONDAS DE CARVALHOPARSONDAS DE CARVALHOPARSONDAS DE CARVALHOPARSONDAS DE CARVALHOPARSONDAS DE CARVALHO

    Seguindo hoje para o Rio de Janeiro, veio trazer-nos as suasdespedidas o nosso confrade e ilustre historiador conterrneoParsondas de Carvalho, a quem se deseja os votos de uma boaviagem.

    E dona Carlota no embarcou no navio ou viajou clandestina-mente? Como se sabe, em 1919 foi o ano dourado de Parsondas nomundo literrio de So Lus. Nessa poca proferiu importantes con-ferncias nos seletos auditrios so-luisenses. Os aplausos ao j fa-moso escritor, por sinal um dos fundadores do Instituto Histrico eGeogrfico do Maranho, foram de tal sorte que, incentivado poramigos e admiradores, ele postulou, embora em vo, atravs do go-vernador Paulo da Cunha Machado, que a Assemblia Legislativamandasse publicar, em forma de livro, suas obras histricas sobrenossos sertes. Isso registra o consagrado historiador Mlson Coutinhoem O Poder Legislativo do Maranho - 1830-1930. O Dirio Oficialdo Estado tal fato tambm noticia (Ed. de 6 de maro de 1919, p. 3).

    Outra particularidade: na mesma viagem ao Rio de Janeiro, ela,referindo-se a si prpria:

    Senti perder as esperanas de tornar ver os campos em que as-sentam serras altaneiras e deslizam rios e interroguei e a mima mima mima mima mim

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    53

    mesmomesmomesmomesmomesmo: o que h no mundo to bom e belo como o territrioentre o Parnaba e o Araguaia? (O Serto, 1924, p. 359) (Ogrifo nosso)

    Numa colocao assemelhada, sendo personagem uma mulher,o mestre Machado de Assis afirma: Gosto imensamente destes gran-des silncios, porque ouo-me a mim mesma. (Histrias da Meia-noite, p. 146)

    A solido do camarote teria deixado o passageiro Parsondas, nanoite de 28 de abril, to estressado ou com o esprito ralado de sau-dades dos Pastos Bons de outrora, a ponto de trai-lo quando daconstruo da frase trazida superfcie?

    Noutra passagem da questionada obra referente a uma excursode professores em frias escolares, quem a escreveu, sensvel bele-za dos grandes lagos e dos volumosos rios amaznicos, solta o pincelde brilhante paisagista:

    Em uma tarde calmosa, tive desejo de refrescar-me sombradas rvores que ladeiam o riachinho de guas cristalinas que nodava fonte e apetecia beb-la, certocertocertocertocerto de estar mais fria que a dopote que tnhamos no rancho. (O Serto, 1924, p. 323)

    Esqueamos, novamente, a frase pelo aspecto gramatical. Oua-mos mais uma vez Machado de Assis em um perodo em que caibem certo a expresso certa: Quando ele vier, fique certa de queser a primeira a quem eu confiarei tudo. (Op. cit., p. 141)

    E agora, parece que, inspirado, o cronista do passeio dos profes-sores de Bailique, fazendo turismo pela foz do Amazonas, deixou-setrair pelos encantos do Tartarugal e, em certo momento, sentindosede, bebeu a gua de fonte cristalina, certocertocertocertocerto de estar mais fria que ado pote que tnhamos no rancho? Mais um cochilo literrio domestre-escola Emygdio Olympio de Carvalho (outro irmo desco-nhecido) ou do prprio irmo conhecido (Parsondas), que em com-panhia dela ou sem ela l pelos bens distantes dias de dezembro de1887 lecionava na ilha de Bailique, no aprazvel recanto do Amap,ento distrito da Provncia do Par. Apesar de interessantes buscas

  • SLVIO DINO

    54

    nos arquivos pblicos no conseguimos localizar o ato de nomeaode dona Carlota Olympio de Carvalho como professora daparadisaca ilha hoje pertencente ao Estado do Amap, bastante de-senvolvida, tendo como principal atividade econmica a pesca e ex-trao de madeira e palmito. No entanto, localizamos o ato de cria-o de uma escola pblica naquele distrito, ento paraense (videAnexo).

    Avancemos na linha dos curiosos porqus!

    Dona Carlota Carvalho, na parte introdutria de O Serto, emvisveis indiretas, no se sabe bem a quem (ao mundo intelectualmaranhense?) d a entender que a sua publicao somente foi poss-vel graas interveno prodigiosa dos homens de letras Raul Pe-derneiras, Irineu Veloso e Manoel N. da Silva, dirigentes maiores daAssociao Brasileira de Imprensa - ABI, bem como ao senadorbaiano Tobias Monteiro e do poeta Luiz Murat, membro da Acade-mia Brasileira de Letras.

    Foram eles, realmente, ao lado do dr. Anbal Freire, redator-chefe do Jornal do Brasil, que, em princpios de 1924, no mediramesforos no sentido de que a obra-prima sertaneja, quase perdidaem forma de mao de papel escrito chegasse s oficinas da Empre-sa Editora de Obras Cientficas e Literrias.

    Curiosas, bastante curiosas essas observaes da professora deBailique que viajara incognitamente (como viajou?) em abril de 1919,pelo mar, usando-se de uma expresso da poca, para a cidademaravilhosa, onde depois de um incidente (?!) em bonde da Tijuca,uma dor prostrou-me onze meses, impossibilitada de andar e sen-tar. (O Serto, 1924, p. XIII)

    Ora, nesse largo perodo de seis anos (1919 a 1924) viviam comluminosa e invejvel presena nos cenrios poltico e literrio do Riode Janeiro os maranhenses ilustres, senadores Cunha Machado eCosta Rodrigues, e os consagrados escritores Coelho Neto, ViriatoCorreia, Humberto de Campos e Dunshee de Abranches. Por queno os procurou? No gostava de polticos? Senador por senador, o

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    55

    da Bahia, Tobias Monteiro, teria mais sensibilidade pelas letras doque os nossos respeitveis e queridos Costa Rodrigues e CunhaMachado? E os monstros sagrados gonalvinos, ser que foramprocurados pela professora sertaneja?

    Comecemos por Coelho Neto.

    Contam os cronista da poca que o prncipe dos prosadoresbrasileiros, j autor de festejados livros, dentre tantos O Rei Negroe um de contos, por sinal denominado Serto, jamais deixou de re-ceber bem os seus conterrneos que iam procur-lo, em particularsobre publicao de obras literrias. de citar-se, exemplificando, ocaso de Souza Bispo.

    O saudoso Arnaldo Ferreira, quando de sua posse na cadeira n27 da Academia Maranhense de Letras, que tem como fundadoraquele homem de cultura grajauense, em certo trecho narrou:

    Transcorria o ano do centenrio e o pas inteiro, de ponta aponta, se engalanava para festejar o grande acontecimento pol-tico. Souza Bispo aproveitou a oportunidade e, paradoxalmente quando se iniciava a era da aviao, a que o feito herico enunca assaz decantado de Gago Coutinho e Sacadura Cabralrasgara novas perspectivas resolveu excursionar a p, do Rioao Maranho, pelo interior do Brasil.

    Sertanejo acostumado s intempries, tropeiro a quem as longascaminhadas no amedrontavam, deixou Souza Bispo em 1922a capital federal em atravs de mata e taboleiros, vadeando riose palmilhando serras, ao sol e chuva, dias e noites, por cami-nhos nvios e poeirentas estradas, castigado pela cancula ouabenoado pelo luar, vencendo mais de oitocentas lguas, comoa repetir, em pleno sculo XX, as arrancadas maravilhosas dosbandeirantes, vem ele at So Lus, onde chega no prprio diaem que comemorvamos a nossa emancipao, a 28 de julhodo ano seguinte.

    Em viagem, grafando mapas e tomando notas, arrecadou mate-rial para a sua obra ainda indita, Na Rota dos Bandeirantes.

  • SLVIO DINO

    56

    Comentando a excurso, em seu livro Bazar, sob o ttulo UmHeri, Coelho Neto assim se expressou:

    Quando Souza Bispo me mostrou o roteiro da viagem que iaempreender ao Maranho, a p, confesso que confiei tanto emtal aventura como confiaria se ele me houvesse anunciado a suapartida prxima para Saturno.

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    No era o trmite que me fazia duvidar da levada, mas oitinerante. Baixinho, de compleio dbil, certa timidez de ma-neiras, Souza Bispo no me parecia talhado para tal rasgo. Ointerior do Brasil, principalmente na parte que se dirige para oNorte, no oferece seguras garantias a quem por ele se atreve.

    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .De todas as dificuldades eu me lembrava, ouvindo Souza Bispo.Pois enganei-me e folgo em declarar em pblico o meu erro. Omeu erro foi ver o homem na aparncia. Conhecesse-lhe a tm-pera da alma e no teria duvidado do que ele realizou com tantaserenidade e heroismo.

    Pois bem. Se se fizer um estudo das vidas de Souza Bispo eParsondas de Carvalho, ambos sertanejos, ambos jornalistas por vo-cao e andarilhos por temperamento, de logo, ressalta o extremadoamor que eles dedicavam s riquezas naturais e culturais do serto e sua gente. Quer num, quer noutro, sente-se a fora telrica. Eramamigos, tinham estreitas relaes de amizade, tanto assim que toda acartografia existente em O Serto de autoria de Souza Bispo, ditapreparada sob a direo da irm do escritor sertanejo. Diga-se depassagem, o ilustre grajauense dirigiu, tambm, por algum tempo,uma revista cultural denominada O Serto.

    Em 1922, no Rio de Janeiro, Souza Bispo procurou Coelho Netovisando trocar idias ou aconselhar-se sobre a viagem a p do Rio deJaneiro a So Lus. uma demonstrao transparente de que o fa-moso escritor, j aureolado como membro da Academia Brasileirade Letras, recebia e tratava com simpatia e carinho os seus irmosmaranhenses. Agora, pergunta-se: por que nessa ocasio ele no foi

  • PARSONDAS DE CARVALHO: Um novo olhar sobre o Serto

    57

    procurado pela Dona Carlota ou seu irmo Parsondas (supe-se queos dois estavam juntos) para ajudar na publicao, dar uma opiniocrtica ou at prefaciar a jia literria que, por sinal, trazia o mesmonome de uma de suas festejadas obras? (Serto, novelas, 1896).

    Mais: se que no gostavam ou no simpatizavam com o prnci-pe dos prosadores brasileiros, por que no procuraram Humbertode Campos e Viriato Correia, ambos, tambm, literatos e jornalistasde peso no Rio de Janeiro e que tambm escreveram com maestriae beleza sobre os nossos sertes?

    Ainda que rejeitassem com todas as letras maisculas esses con-sagrados mestres da literatura nacional, por que no bateram portado velho amigo, companheiro de outras jornadas, Dunshee deAbranches? A mesmo que, como diz o adgio sertanejo, a porcatorce o rabo. Realmente, por demais curioso, esquisito mesmo,que isso tenha ocorrido!

    Demos asas a esse ponto de vista. Dunshee de Abranches co-nhecia Parsondas de velhos carnavais. Em sua notvel obra A Esfin-ge do Graja (memrias de seu tempo de promotor pblico, 1888),em vrias passagens fala e com larga simpatia do mestio de apura-da cultura que tinha o dom de pintar a