23
Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013) 1 QUESTÕES SOBRE ENSINO DE LITERATURA SUBJECTS ON TEACHING OF LITERATURE Danglei Castro Pereira 1 Glaucia Bereta 2 RESUMO: A problemática dos paradigmas formativos do Canon literário ganhou destaque no cenário da critica literária brasileira nos últimos anos. A reflexão discute a influência do olhar canônico no ensino de literatura nos últimos anos. Acreditamos que a situação fragmentária do ensino de literatura reflete um distanciamento paulatino do leitor em formação face às obras literárias Stricto Sensu em ambiente escolar. A investigação provém de discussões realizadas dentro do projeto de dois projetos de pesquisa: “O ensino de literaturas em Língua portuguesa em escolas estaduais de Campo Grande/MS”, projeto com apoio financeiro do Edital Universal 014/2009 do FUNDECT/MS e do projeto de pesquisa “ O ensino de literaturas em Língua portuguesa em escolas estaduais de Campo Grande/MS”, projeto com apoio do Edital MCTI /CNPq /MEC/CAPES N º 07/2011. Acreditamos que oportunizar o contato do leitor com textos literários em ambiente escolar de forma a valorizar a reflexão estética e a presença de qualidades artísticas é um dos caminhos para a construção de leitores críticos, capazes de apreender a qualidade de autores como Joaquim de Sousa Andrade, Sousândrade, corpus selecionado no artigo. Entendemos, com isso, que a constante revisão do cânone literário indica um caminho interessante na valorização do ensino de literatura para além dos limites cristalizados pela visão canônica tradicional. A ideia ao apresentarmos a obra poética de Sousândrade, é discutir a relação entre cânone, Historiografia literária e o ensino de literatura no contexto contemporâneo. PALAVRAS-CHAVE: revisão de cânone; cultura brasileira; leitura literária. ABSTRACT: Problematic of the formative paradigms of literary Canon it won prominence in the scenery of the it criticizes literary Brazilian in the last years. To present reflection the influence of the canonical glance discusses in the literature teaching in the contemporary. We believed that the fragmentary situation of the literature teaching is reflected the reader's estrangement the formation with literary works Stricto Sensu in school atmosphere. The investigation of discussions accomplished inside of the research projects: “O ensino de literaturas em Língua portuguesa em escolas estaduais de Campo Grande/MS”; “O ensino de literaturas em Língua portuguesa em escolas estaduais de Campo Grande/MS”. We believed the reader's contact with literary texts in atmosphere form scholar to value the aesthetic reflection and the presence of qualities is one of the roads for the critical, capable readers' construction to apprehend the authors' quality as Joaquim de Sousa Andrade, Sousândrade, corpus the article. We understood, with that, that the constant revision of the literary canon indicates an interesting road in the discussion of the literature teaching for besides the limits crystallized by the traditional canonical vision. The idea is to discuss the relationship among canon, literary Historiography and the literature teaching in the contemporary context. 1 Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", Campi S.J.R.P. Professor de Literatura e cultura brasileira na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). E-mail: [email protected] 2 Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

Questões Sobre Ensino de Literatura

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Danglei

Citation preview

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    1

    QUESTES SOBRE ENSINO DE LITERATURA

    SUBJECTS ON TEACHING OF LITERATURE

    Danglei Castro Pereira1

    Glaucia Bereta2

    RESUMO: A problemtica dos paradigmas formativos do Canon literrio ganhou destaque no cenrio da critica literria brasileira nos ltimos anos. A reflexo discute a influncia do olhar cannico no ensino de literatura nos ltimos anos. Acreditamos que a situao fragmentria do ensino de literatura reflete um distanciamento paulatino do leitor em formao face s obras literrias Stricto Sensu em ambiente escolar. A investigao provm de discusses realizadas

    dentro do projeto de dois projetos de pesquisa: O ensino de literaturas em Lngua portuguesa em escolas estaduais de Campo Grande/MS, projeto com apoio financeiro do Edital Universal 014/2009 do FUNDECT/MS e do projeto de pesquisa O ensino de literaturas em Lngua

    portuguesa em escolas estaduais de Campo Grande/MS, projeto com apoio do Edital MCTI /CNPq /MEC/CAPES N 07/2011. Acreditamos que oportunizar o contato do leitor com textos literrios em ambiente escolar de forma a valorizar a reflexo esttica e a presena de qualidades artsticas um dos caminhos para a construo de leitores crticos, capazes de apreender a qualidade de autores como Joaquim de Sousa Andrade, Sousndrade, corpus selecionado no

    artigo. Entendemos, com isso, que a constante reviso do cnone literrio indica um caminho interessante na valorizao do ensino de literatura para alm dos limites cristalizados pela viso cannica tradicional. A ideia ao apresentarmos a obra potica de Sousndrade, discutir a relao entre cnone, Historiografia literria e o ensino de literatura no contexto contemporneo.

    PALAVRAS-CHAVE: reviso de cnone; cultura brasileira; leitura literria.

    ABSTRACT: Problematic of the formative paradigms of literary Canon it won prominence in the

    scenery of the it criticizes literary Brazilian in the last years. To present reflection the influence of the canonical glance discusses in the literature teaching in the contemporary. We believed that the fragmentary situation of the literature teaching is reflected the reader's estrangement the formation with literary works Stricto Sensu in school atmosphere. The investigation of discussions

    accomplished inside of the research projects: O ensino de literaturas em Lngua portuguesa em escolas estaduais de Campo Grande/MS; O ensino de literaturas em Lngua portuguesa em escolas estaduais de Campo Grande/MS. We believed the reader's contact with literary texts in atmosphere form scholar to value the aesthetic reflection and the presence of qualities is one of the roads for the critical, capable readers' construction to apprehend the authors' quality as Joaquim de Sousa Andrade, Sousndrade, corpus the article. We understood, with that, that the

    constant revision of the literary canon indicates an interesting road in the discussion of the literature teaching for besides the limits crystallized by the traditional canonical vision. The idea is to discuss the relationship among canon, literary Historiography and the literature teaching in the contemporary context.

    1 Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", Campi S.J.R.P. Professor

    de Literatura e cultura brasileira na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). E-mail: [email protected] 2 Graduada em Letras pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

    mailto:[email protected]

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    2

    KEYWORDS: Canon Revision; Brazilian culture; Literary Reading

    Introduo

    Um dos instrumentos de manuteno e afirmao do Canon literrio est

    presente nos manuais de teoria e critica literria destinados ao ensino de literatura e

    teoria literria nos cursos de Graduao e Ps-Graduao em Letras; bem como nos

    Livros Didticos destinados ao ensino de literatura na Educao Bsica. Por manuais de

    Teoria e crtica literria entendemos os compndios que visam apresentar recortes

    temporais, listando obras e analisando sob uma tica terica, explicita ou no, a

    diversidade literria brasileira. Por Livros Didticos (LD) entendemos a enorme variedade

    de livros e apostilas destinados ao ensino de Lngua e literatura na Educao Bsica.

    Tantos os compndios e manuais quanto o LD sero denominados, no limite deste

    trabalho, como Materiais de Apoio Pedaggico (MAP).

    No Brasil pensamos em manuais e compndios representativos como, por

    exemplo, Histria concisa da Literatura brasileira, de Alfredo Bosi (1993), Formao

    da literatura brasileira, de Antnio Cndido (2000), A Literatura no Brasil, de Afrnio

    Coutinho (1969), entre outras. Os textos listados seriam manuais de literatura brasileira

    porque retomam um discurso classificatrio e pressupe julgamento critico diante da

    tradio literria. Acreditamos que sua utilizao reiterada ao longo das ltimas dcadas

    cria um dilogo interno que refora a abordagem de determinados autores e obras como

    representantes da tradio literria no Brasil. Este aspecto possibilita a compreenso

    destes livros como agentes se no de confirmao, mas de veiculao de valores ligados

    ao Canon.3

    Lembramos que algumas das reflexes propostas neste artigo provem de

    discusses realizadas dentro dos projetos de pesquisa: O ensino de literaturas em

    Lngua portuguesa em escolas estaduais de Campo Grande/MS, projeto aprovado pelo

    Edital Universal 14/2009 do FUNDECT e O ensino de literaturas em Lngua portuguesa

    em escolas de Campo Grande/MS, projeto aprovado pelo Edital MCTI /CNPq

    3 Um exemplo deste dilogo a retomada em autores como Bosi (1993) e, em alguns aspectos, Coutinho

    (1969) e Candido (2000) de posicionamentos crticos observveis em dois textos fundadores: A literatura no Brasil, de Silvio Romero (1888) e, antes dele, Bosquejo da Histria da poesia brasileira, publicado por de Joaquim Norberto de Sousa Silva, em 1841 e, reeditado em 2002 com a organizao e notas de Roberto Aczelo de Souza, mas sob o ttulo de Histria da literatura brasileira e outros ensaios. Remetemos o leitor ao artigo Consideraes sobre Canon literrio, publicado nos Anais do XIX Seminrio do CELLIP em 2009 no qual abordamos mais detidamente esta relao.

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    3

    /MEC/CAPES N 07/2011. No desenvolvimento do artigo discutiremos a influncia dos

    MAP no ensino de literatura, bem como o distanciamento dos leitores em formao de

    obras literrias Strictu Senu na Educao Bsica. Por fim, construiremos uma reflexo a

    partir do mtodo linear de leitura literria, tendo como foco a obra de Sousndrade um

    dos autores trabalhados no projeto de extenso Oficina de leitura literria; ao

    desenvolvida como interveno em decorrncia dos resultados obtidos nos projetos de

    pesquisa mencionados h pouco.

    Procuraremos enfatizar, como um dos objetivos deste estudo, a importncia do

    enfrentamento do texto literrio Stricto Sensu em ambiente escolar. Entendemos que sua

    focalizao, para alm da fragmentao tericas e metodolgicas presentes nos MAP,

    uma alternativa pertinente ao ensino de literatura na Educao Bsica.

    Materiais de apoio pedaggico: questes

    Na introduo do livro didtico Lngua, Literatura & redao, de Jos de Nicola

    Beth Brait (apud NICOLA, 1999, p. 1) comenta, apresentando uma avaliao favorvel ao

    texto, que uma das qualidades do livro est na rigorosa adequao dos contedos e da

    forma de trat-los, s exigncias informativas e didticas requeridas pelo texto suporte do

    ensino e do aprendizado. Pensado como exemplo de LD destinado ao Ensino Mdio

    teramos na obra de NICOLA (1999) a utilizao do texto literrio em atividades prticas

    como exerccios de leitura, adequao de estilo e abordagem de caractersticas estticas

    frente s normas historiogrficas paradigmticas.

    Fazendo a ressalva de que utilizamos os excertos que seguem como metonmia,

    damos um exemplo.

    Caractersticas do Arcadismo

    Os modelos seguidos so clssicos, Greco-latinos e renascentistas; a mitologia pag retomada como elemento esttico. Da a escola tambm ser conhecida como Neoclassicismo. Inspirados na frase de Horcio Furgere urbem (Fugir da cidade) e

    levados pela teoria de Rousseau acerca do Bom selvagem, os rcades voltam-se para a natureza em busca de uma vida simples, buclica, pastoril. a procura do lcus amoenus, de um refgio ameno em oposio

    aos centros urbanos monrquicos; a luta do burgus culto contra a aristocracia se manifesta na busca da natureza. (...) ( NICOLA, 1999, p. 207, volume 1) A busca da simplicidade Fundamentalmente antigongrico, o movimento rcade tinha por emblema um meio brao segundo um padro foice de cabo curto e o lema Inutilia truncat (cortar as inutilidades). Visava com isso cortar os

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    4

    exageros, o rebuscamento e a extravagncia caractersticas do Barroco, retomando um estilo literrio mais simples, em que prevalecesse a objetividade do mundo burgus. Os modelos seguidos eram os clssicos greco-latinos e os renascentistas; a mitologia pag foi retomada como elemento esttico. Da a escola tornar-se conhecida tambm como Neoclassicismo. (TERRA; NICOLA; FLORIANA, 2002, p. 364) (...) Caractersticas do Arcadismo O Arcadismo tinha por lema a frase latina Inutilia Truncat (cortar,

    suprimir as inutilidades). Visava com isso cortar os exageros, o rebuscamento e a extravagncia caractersticos do Barroco, retornando a um estilo literrio mais simples, em que prevalecesse a objetividade do mundo burgus. Os modelos seguidos eram os clssicos Greco-latinos e os renascentistas; a mitologia pag foi retomada como elemento esttico. Inspirados no poeta latino Horcio, os rcades cultivam o carpe dien, que

    consiste no princpio de viver o presente, gozar o dia, pois o tempo corre clebre, e o furgere urbem (fugir da cidade), o abandono dos centros urbanos (...) (TERRA; NICOLA, 2008, p.383-384)

    Nos trs fragmentos, aqum do evidente jogo de parfrases, encontramos

    definies complexas, como as dos conceitos latinos em itlico - sem uma prvia

    discusso. Alm disso, a tendncia em descrever caractersticas estticas complexas de

    maneira sinttica O Arcadismo tinha por lema a frase latina Inutilia Truncat figura como

    forma de resumir o estilo, fato que naturalmente implica na equalizao das nuances

    individuais das obras literrias e na consequente minimizao de efeitos de sentido

    presentes nos textos literrios vistos de maneira panormica e como exemplos das

    consideraes crticas apresentadas sobre o movimento, no caso, o Arcadismo.

    Ao apresentar de forma simplificada a diversidade de textos presentes no

    escopo literrio, retomando Braith (apud NICOLA 1999), o LD atinge s exigncias

    informativas e didticas requeridas pelo texto suporte do ensino e do aprendizado. No

    questionando a validade da perspectiva apresentada por Braith (apud NICOLA 1999) os

    exemplos passam a impresso de que para saber literatura basta decorar ou apreender

    as caractersticas comuns a determinado perodo literrio e compreender os excertos

    literrios presentes nos textos como exemplos destas consideraes. A opo didtica do

    exemplo dado parece ser listar contedos estilsticos de maneira homognea e

    apresentar uma viso paradigmtica que filtra a tradio em busca de constantes de um

    determinado estilo de poca. Entendemos, no entanto, para alm da validade

    paradigmtica do LD que esta postura resume uma complexa rede de organizao

    esttica e temtica a um conjunto homogneo o que minimiza a diversidade esttica de

    movimentos literrios, no mnimo, mais complexos.

    Vejamos o que diz sobre o Arcadismo e o Neo-Clssico Alfredo Bosi (1993) em

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    5

    um dos compndios mencionados no incio deste estudo:

    A Arcdia enquanto estilo melfluo, musicalmente fcil e ajustado a tempos buclicos, no foi criao do sculo de Metastsio: retomou o exemplo quatrocentista de Sannazaro, a lira pastoril de Guarani (II Pastor Fido) e, menos remotamente, a tradio anticultirsta da Itlia que se ops potica de Marino e as vozes que na Espanha se haviam levantado contra a idolatria de Gongora. Mas o que j se postulava no perodo ureo do Barroco em nome do equilbrio e do bom gosto entra, no sculo XVIII, a integrar todo um estilo de pensamento voltado para o racional, o claro, o regulador, o verossmel; e o que antes fora modo privado de sentir assume foros de teoria potica, e a Arcdia se arrogar o direito de ser, ela tambm, philosophique e digna verso literria do Iluminismo vitorioso (BOSI, 1993. p. 55)

    Compreendendo a opo natural pela reduo explicativa como uma

    caracterstica dos textos didticos, concordando com Brait (apud NICOLA 1999)

    encontramos, tambm, nos manuais de teoria e crtica literria uma tendncia em limitar

    as consideraes aos aspectos gerais dos movimentos literrios como perceptvel no

    excerto de Bosi (1993, p.55) e exemplificado no fragmento que segue estilo melfluo,

    musicalmente fcil e ajustado a tempos buclicos. No LD, porm, a presena deste

    percurso facilitador que reduz o Arcadismo, conforme Bosi (1993), a philosophique e

    digna verso literria do Iluminismo vitorioso segue-se a utilizao de exerccios

    interpretativos direcionados aos excertos e textos literrios. Esta opo, no entanto, em

    muito reduz as discusses sobre a diversidade e qualidade intrnseca do texto literrio

    Stricto sensu ao fugir da abordagem do texto literrio em sua complexidade imanente.

    As Cartas chilenas completam a obra de Gonzaga. So poemas satricos,

    escritos em linguagem bastante agressiva, que circulam em Vila Rica pouco antes da Inconfidncia Mineira. Apresentam versos decasslabos e tm a estrutura de uma carta, assinada por Critilo (Gonzaga) e endereada a Doroteu (Cludio Manuel da Costa). Nessas cartas, Crtilo, habitante de Santiago do Chile (na verdadeVila Rica) narra os desmandos e as arbitrariedades do governador chileno, um poltico sem moral, desptico e narcisista, o Fanfarro Minsio (na realidade, Lus da Cunha Meneses, governador de Minas Gerais at pouco antes da Inconfidncia) (TERRA; NICOLA, 2008, p. 385)

    Os excertos de Terra e Nicola (2008) compreende a apresentao de uma lista

    de caractersticas que, em alguns casos, abordam obras literrias de compleio mais

    sinttica como o conto e o poema e, em sua grande maioria, utiliza apensas fragmentos

    de obras, seguidas de apresentao de informaes biogrficas na realidade, Lus da

    Cunha Meneses, governador de Minas Gerais at pouco antes da Inconfidncia de

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    6

    forma a apresentar uma linearidade de focalizao dos textos reduzindo-os a informaes

    de contextualizao e apresentao esttica que evita a discusso especfica do texto e

    minimiza a abordagem de conceitos complexos como, por exemplo, a stira no excerto

    citado.

    As simplificaes da diversidade e complexidade de obras literrias passam a

    ser, em nosso ponto de vista, um dos problemas apresentados nos compndios e,

    principalmente, nos LDs. Soma-se a esta caracterstica a construo de listas de autores

    e a cobrana de leituras com objetivos especficos, ler para fazer uma prova, por exemplo,

    e teremos o perfil do ensino de literatura no escopo dos entrevistados na Educao

    Bsica no recorte de nossas pesquisas.

    Estas simplificaes fogem a anlise detida do texto literrio Stricto Sensu em

    ambiente escolar. A comprovao desta afirmao encontrada na anlise de

    depoimentos de alunos entrevistados nos dois projetos de pesquisa que do suporte a

    esta reflexo. Lembramos que, para este artigo, selecionamos 38 alunos matriculados em

    10 escolas de Campo Grande/MS e 20 alunos de graduao em Letras. Optamos por

    manter o anonimato, tanto das instituies de ensino quanto dos alunos como forma de

    preservar a identidade dos entrevistados.

    Dos 38 entrevistados da Educao Bsica apenas 2 conseguiram comentar o

    enredo das leituras literrias realizadas ao longo do ano letivo anterior. Este dado

    demonstra que, em linhas gerais, os entrevistados apresentam um distanciamento do

    texto lido. Nas respostas que apontam para este distanciamento encontrarmos

    depoimentos como estes:

    No me lembro da leitura, foi solicitada apenas para a prova (entrevistado 13); No li as obras, s resumos (entrevistado 24); difcil ler, no tenho tempo. Peguei o resumo na internet (entrevistado 22)

    Este perfil ler resumos e sem muito tempo para reflexo no diferente nas

    respostas dadas por alunos de graduao em Letras. Dos vinte acadmicos

    entrevistados, apenas 01(um), diz ler obras literrias na integra. Os demais afirmam ler

    fragmentos tericos e resumos para adequar estas leituras s solicitaes das aulas de

    literatura e teoria literria. Dos entrevistados, todos Educao Bsica e Graduao em

    letras so unanimes em afirmar que gostam de ler textos literrios, mas o tempo

    destinado leitura escasso. Treze dos entrevistados da Graduao apresentam

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    7

    respostas que podem ser agrupadas na resposta de um dos entrevistados: leio, mas o

    tempo curto e prefiro buscar referncias e artigos da internet. Os demais, 07 (sete),

    afirmam ler apenas para adequar sua leitura a exigncias do currculo, sendo que apenas

    um indica ler obras na integra e consegue comentar a leitura realizada.

    Estas respostas possibilitam a inferncia de que tambm na graduao

    encontramos uma situao fragmentada ligada a leitura literria no escopo de nossa

    investigao. Pelo que parece, o texto literrio perde progressivamente espao em

    ambiente de ensino. Esta ideia apresenta uma concluso em prolongamento: como se l

    fragmentos de textos na Educao Bsica, na graduao a distncia progressiva dos

    leitores diante do texto literrio Stricto Sensu parece ser um desdobramento natural.

    Esta percepo, embora metonmica, dado o recorte da pesquisa aqui

    apresentado, indica que a abordagem do texto literrio Stricto sensu, enquanto

    diversidade esttica especfica prejudicada na Educao Bsica e na Graduao em

    Letras.

    Relato de experincia: um projeto de interveno

    Como forma de justificar a necessidade da presena especfica do texto

    literrio em ambiente de ensino; apresentamos, em seguida, uma proposta de interveno

    ao ensino de literatura que tem como premissa a discusso do texto literrio Stricto

    Sensu. A proposta proveniente de uma ao de extenso conjugada com os dois

    projetos de pesquisa que do suporte a esta discusso. Sua apresentao proveniente

    de uma inquietao: por que no apresentar e discutir textos literrios Stricto Sensu em

    sala de aula?

    O projeto de extenso Oficina de leitura literria desenvolvido desde 2009

    na UEMS de Campo Grande e tem como pblico alvo alunos da Educao Bsica e,

    como ministrantes, acadmicos de Letras da Universidade Estadual de Mato Grosso do

    Sul, unidade universitria de Campo Grande/MS. A proposta uma adaptao do Mtodo

    linear de contao de histrias, de Fanny Abramovich (1997). A ideia ler e discutir textos

    literrios em um contexto de interao direta entre leitores e o texto.

    Passamos, antes de iniciar a discusso dos resultados da ao, a necessidade

    de uma breve apresentao do que denominamos Mtodo linear de leitura literria.

    Como dito, utilizamos como base para nossa proposta metodolgica uma adaptao do

    Mtodo linear de contao de histrias de Fanny Abramovich (1997). Nesta adaptao,

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    8

    enfatizamos na leitura do texto sua especificidade estrutural. Evita-se, portanto, a leitura

    dramatizada ou a utilizao de aspectos cnicos na apresentao do texto ao pblico

    alvo. A ideia obedecer pontuao e ao ritmo do texto, utilizando-se de um tom

    constante na voz durante a leitura.

    O primeiro passo organizar o pblico alvo em crculos ou semicrculos,

    evitando o modo habitual de organizao da sala de aula em fileiras horizontais/verticais.

    Tal organizao permite que o professor/leitor (alunos de graduao em Letras) veja e

    seja visto por todos os envolvidos durante a leitura e possa, eventualmente, mediar

    possveis intervenes.

    Aps a organizao da sala o professor/leitor apresenta o texto por meio de uma

    pequena introduo, na qual comenta o tema do texto selecionado, os motivos da seleo

    e faz um pequeno histrico biogrfico e bibliogrfico do texto e do autor. A inteno nesta

    apresentao verificar a empatia do grupo diante do texto que ser lido. Feita a

    introduo ocorre o inicio da leitura que no interrompida durante sua realizao. Aps

    a leitura inicia-se o debate do texto, dando voz aos ouvintes e, por fim, a confeco dos

    ps-textos.

    importante que aps a leitura e confeco de ps-textos que o publico alvo possa

    comentar suas produes na interao com o texto lido. Ao pedir aos ouvintes, aps a

    realizao de uma discusso sobre as impresses obtidas, que comentem suas

    produes o professor/leitor pode verificar em que medida o texto atingiu o leitor. Em sua

    maioria, os ouvintes optam pela produo de um novo texto escrito, por manifestaes

    orais, confeco de desenhos ou qualquer outra elaborao, incluindo, pinturas com giz

    de cera, canetinhas coloridas ou tinta guache. O importante, no mtodo linear, portanto

    colocar o leitor em uma interao direta com o texto lido e oportunizar a ele, ouvinte/leitor,

    a possibilidade de manifestar sua impresso de leitura comentando primeiro o texto lido

    no debate e, posteriormente, sua produo ps-textual.

    Ao promovemos o contato dos leitores com textos literrios acreditamos criar um

    espao de enfrentamento especfico da diversidade literria e, com isso, contribuir com a

    formao de um leitor que apresenta interesse pela leitura realizada uma vez que tem a

    possibilidade de emitir sua impresso sobre a leitura.

    Como exemplo de uma das atividades desenvolvidas na proposta, comentaremos,

    em seguida, uma experincia de leitura que envolve a obra potica de Joaquim de

    Sousndrade, definido como exemplo das atividades desenvolvidas dentro da Oficina de

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    9

    leitura literria. Lembramos, no entanto, que no projeto trabalhamos com diferentes

    autores e obras sem a preocupao especfica de apresentar ou filiar este ou aquele autor

    determinada corrente e/ou tendncia literria. A ideia focalizar o texto literrio e

    explorar suas particularidades para, posteriormente, caso necessrio, fazer referncias ao

    estilo de poca ao qual o texto pertence ou dialoga.

    A inteno ampliar o contato do leitor com o texto literrio e, na medida do

    possvel, com as demais manifestaes artsticas. Ressaltamos, naturalmente, que as

    consideraes resultam do debate em relao ao texto selecionado e, por isso, assumem

    uma verso mais formal do que a apresentao oral dentro da oficina.

    Sousndrade: apresentao de uma potica

    Ao apresentarmos a obra de Sousndrade no contexto da proposta da oficina

    discutimos a expectativa do pblico alvo em relao a poemas como: Se se morre de

    amor e Cano do exlio, de Gonalves Dias. Exploramos, nesta introduo, as

    consideraes orais sobre certa emotividade presente nos poetas romnticos brasileiros.

    A ideia da presena da subjetividade, da melancolia e de uma tendncia aos temas

    passionais comumente veiculadas nos LD foram relacionadas, pelos ouvintes, ao

    Romantismo, algo esperado na medida em que o publico alvo frequenta o Ensino Mdio e

    grande parte , 20 dos envolvidos, frequentam o 3 ano. Feita a discusso, de maneira

    oral, dos dois poemas de Gonalves Dias iniciamos a apresentao da potica de

    Sousndrade, dando enfoque ao aspecto inovador no s de sua poesia como por meio

    da apresentao de seu inusitado perfil biogrfico.

    Aps esta apresentao iniciamos a leitura de alguns fragmentos do poema O

    guesa, com o objetivo de apresentar a obra do poeta maranhense aos ouvintes. Como

    dito, preferimos, neste artigo, sistematizar as informaes transmitidas de forma oral

    durante a atividade na Oficina de leitura literria. Lembramos que as atividades foram

    realizadas em trs encontros de duas horas semanais em um total de 06 seis horas de

    atividades.

    Organizamos as aes desenvolvidas na oficina em um texto que sintetiza as

    consideraes apresentadas, bem como a anlise dos textos de Sousndrade

    desenvolvidas na ao.

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    10

    Apresentao de Sousndrade: preliminares4

    Joaquim de Sousa Andrade nasceu na Vila de Guimares, comarca de Alcntara,

    na Fazenda Nossa Senhora da Vitria, s margens do rio Pericum, estado do Maranho,

    em 9 de julho de 1832. Teve uma infncia difcil em decorrncia da prematura morte dos

    pais, fato que marcaria profundamente a vida do autor. Do perodo de 1853 a

    aproximadamente 1856, aps ver negado um pedido de ajuda financeira para custear os

    estudos na Europa, feito ao imperador D. Pedro II, vende parte de suas posses e parte

    para a Europa. Nesse perodo, provavelmente cursa Letras pela Sorbonne e Engenharia

    de Minas, cursos que provavelmente no concluiu. Em passagem pela Inglaterra,

    convidado a se retirar do pas por ter atacado, num artigo de imprensa, a rainha Vitria.

    De volta ao Brasil, no ano de 1857, faz sua estria literria com a obra Harpas

    selvagens. Em 1858, o poeta viaja pela Amaznia, onde coleta informaes sobre o culto

    do Jurupari, anotaes essas que, posteriormente, utiliza na composio do Guesa. No

    ano de 1864, casa-se com Dona Mariana de Almeida e Silva, viva de abastado

    fazendeiro, com a qual tem uma filha: Maria Brbara. No perodo de 1867 a 1868 so

    publicados, no Semanrio Maranhense, dirigido por Joaquim Serra, fragmentos dos dois

    primeiros cantos do Guesa. Em 1868, o poeta publica Impressos 1 vol, contendo

    poesias diversas e os Cantos I e II do Guesa. No ano seguinte, sai Impressos 2 vol,

    contendo o Canto III do Guesa.

    Provavelmente, no ano de 1870, separa-se da esposa legtima, pois j em 1871,

    acompanhado da filha, fixa residncia nos EUA. Educa a filha Maria Brbara no Colgio

    Sacred Heart em Manhattanville, Nova Iorque. Nesse perodo, o poeta entra em contato

    com a agitao do capitalismo norte-americano e a bolsa de valores de Wall Strett, fator

    extremamente importante para a composio do Canto X do Guesa. Nesse mesmo

    perodo, trabalha como secretrio e colaborador do peridico O Novo Mundo, publicado

    em portugus em Nova Iorque.

    Em 1874 faz imprimir, tambm em Nova Iorque, o 1 volume de suas Obras

    poticas (nessa obra aparecem os Cantos de I a IV do Guesa Errante, alm das obras

    Elias e Harpas Selvagens). Em 1876, publica os Cantos V a VII (incompleto) do Guesa.

    No ano seguinte, vem a lume a ltima edio nova-iorquina que tem o Canto VIII (Canto X

    da verso londrina). Provavelmente, no ano de 1888, publica em Londres a verso mais

    atualizada do Guesa. Nessa edio, o Canto VIII da edio nova-iorquina aparece como

    4 Os comentrios crticos e biogrficos sobre o autor foram recuperados de CAMPOS (1979) e Williams

    (1979).

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    11

    Canto X. Em 1889, j de volta ao Brasil, envia, de So Lus do Maranho, um telegrama

    de saudaes ao Marechal Deodoro da Fonseca, felicitando-o pela Proclamao da

    Repblica. No mesmo ano, nomeado membro da Junta Provisria Municipal de So

    Lus.

    Ingressando na vida poltica, candidato, em 1890, a senador, mas acaba

    renunciando. No mesmo ano, idealiza o desenho da Bandeira do Estado do Maranho.

    Em 1893, publica Novo den, poemeto da adolescncia, provavelmente escrito entre

    1888 e 1889. No ano seguinte, contratado para lecionar Grego no Liceu Maranhense,

    seu primeiro emprego. Sonha com a criao de uma universidade popular, a qual nomeia

    Universidade Nova Atenas, mas j sem condies financeiras para concretizar o sonho

    imagina os regulamentos da instituio, a forma de sua bandeira, chegando mesmo a

    promover reunies em sua Quinta para discutir a implantao da Universidade.

    No ano de 1899, aparece pela ltima vez em pblico, proferindo o discurso de

    saudao a Coelho Neto, quando em visita ao Maranho. Provavelmente, nesse mesmo

    ano, a esposa e a filha se transferem para Santos. Sem condies financeiras o poeta,

    para se manter, vende as pedras dos muros da sua arruinada Quinta Vitria. Tido como

    louco, passa a perambular pelas ruas de So Lus sendo, inclusive, alvo de brincadeiras

    de moleques que lhe atiram pedras, fato que obriga o Governador Lopes Leo a tomar

    medidas de segurana para proteger o poeta. Em 1902, vem a lume, em O Federalista,

    O Guesa, o Zac (continuao do Canto XII do Guesa). No dia 21 de abril, do mesmo

    ano, os alunos do Liceu Maranhense encontram-no gravemente enfermo em sua Quinta

    Vitria. Transportado para o Hospital Portugus, falece no mesmo dia.

    Diz a lenda que os ltimos originais do poeta foram utilizados como papel de

    embrulho ou mesmo queimados. O certo que sua obra permaneceria no abandono at

    meados do sculo XX, quando seria novamente colocada em circulao pelos irmos

    Campos (1979).

    O poema O Guesa organizado em XIII Cantos, dos quais ficaram inacabados os

    Cantos VII, XII, e XIII. 5 Estudos feitos por autores como Frederick G. Williams (1976),

    Luiza Lobo (1986), Haroldo e Augusto de Campos (1979), entre outros, apontam para a

    importncia do priplo da personagem central do poema como ponto importante para a

    5 Muitos crticos tm afirmado que o Canto VI do poema est incompleto. Embora realmente este Canto

    apresente uma certa irregularidade, no o consideraremos inacabado, uma vez que o poeta o deu como concludo ao no mencion-lo na edio definitiva do poema, na qual encontramos: Ficam interrompidos os Cantos: VII, XII, XIII do poema O Guesa (O Guesa. Canto XIII, p. 350)

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    12

    compreenso, pelo menos superficial, da estrutura organizacional do texto. Concordando

    com esses crticos, faremos uma breve exposio do deslocamento espacial da

    personagem Guesa ao longo do texto. Para tanto, como j foi dito, levaremos em conta o

    priplo da personagem, buscando, sempre que possvel, discutir as implicaes

    subjetivas atribudas pelo eu-potico em relao ao cenrio descrito.

    Lembramos, no entanto, que ao final da apresentao do poeta o pblico alvo

    manifestou interesse pela biografia de Sousndrade. Aproveitando este interesse

    chamamos a ateno para a relao entre a potica de Sousndrade e sua inusitada

    biografia. Esta relao criou nos ouvintes uma expectativa positiva para a leitura dos

    fragmentos do poema, algo que julgamos relevante mencionar neste estudo.

    Como forma de organizar a leitura dos fragmentos, chamamos a ateno para um

    aspecto do poema, a questo do priplo do personagem.

    Potica de extremos: ironia

    Os Cantos I, II e III de O Guesa podem ser considerados como momentos de

    busca pelas origens mticas do poema. Essa noo pode ser percebida se pensarmos no

    incio idlico encontrado no Canto I. Nele o Guesa se refere, por um lado, exuberncia

    da natureza americana e, por outro, crueldade do colonizador, visto pejorativamente

    como elemento degradante para a paz primitiva:

    Candidos Incas ! Quando j campeiam Os heroes vencedores do innocente ndio n; quando os templos sincendeiam, J sem virgens, sem oiro reluzente, Sem as sombras dos ris filhos de Manko, Viu-se . . . ( que tinham feito? e pouco havia A fazer-se . . . ) num leito puro e branco A corrupo, que os braos estendia! (O Guesa, Canto I, p. 3) 6

    Neste fragmento, percebemos o percurso descrito acima, pois a adjetivao

    candidos e innocente, atribuda aos Incas, remete pureza do primitivo antes do

    contato com o estrangeiro. O perder as virgens e o oiro denuncia a viso negativa

    associada ao estrangeiro, que contamina com sua cobia a pureza virginal dos nativos. O

    espanto interrogativo exposto no verso entre parnteses uma soluo genial do poeta

    para expressar a indignao do eu-potico frente atrocidade imposta pela cultura

    6 Ser resguardada a ortografia original do poema, mesmo que em alguns momentos esta apresente

    algumas incorrees aos olhos da norma culta vigente. O texto fonte ser sempre: SOUSNDRADE, J. O Guesa .Edio fac-similar. Org. Jomar de Morais. So Lus/ MA : SIOGE, 1979.

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    13

    colonizadora ao nativo.

    Essa indignao ser percebida com mais clareza no Canto II, no qual o indgena

    assume a identidade do europeu em detrimento de suas particularidades culturais,

    perdendo, com isso, sua pureza inicial. A exposio dessa participao do nativo no

    processo de colonizao faz com que o trao interno tambm seja criticado, pois passa a

    ser visto como elemento propagador da ao colonizadora. A dana pandemnio

    Tatuturema, contida no interior deste Canto II, funcionaria como um ndice da situao

    imposta ao nativo com a equiparao a um parmetro externo.

    Nesta medida, a referncia nudez do ndio, diante da queimada dos templos, no

    fragmento citado do Canto I, pode ser vista como um ndice da participao ativa do

    nativo na degradao de sua cultura, pois este assiste passivamente ao do

    estrangeiro e, com isso, nega sua matriz primitiva para, posteriormente, assumir o

    paralelo externo como determinante de seus valores culturais.

    Na socegada lavra, esperanosas Tangendo o boi do arado. O povo infante O corao ao estupro abre ignorante Qual s leis dos Christos as mais formosas. Mas, o egoismo , a indiferena, estendem, As ras do gentio; e dos passados Perdendo a origem chara estes coitados, Restos de um mundo, os dias tristes rendem. Quanta degradao! Razo tiveram ... (O Guesa, Canto II, p. 21)

    A aluso ao povo infante, que perde sua identidade cultural, aproximada

    imagem do nativo vtima da ao externa. O verbo estendem, no entanto, coloca o

    nativo como participante da ao corruptora, pois as ras do gentio deixam de remeter

    pureza virginal para ser entendida como a propagao do egoismo.

    O Canto II deflagra, assim, a degradao cultural do elemento interno, pois o nativo

    aparece como parte integrante deste processo.

    ( Um delegado em scismas)

    Reina a paz em Varsovia: Mas, a guerra a chegar, Recrutamos arraus, Picapaus, Quando a luz se apagar. (O Guesa, Canto II, p.35)

    A participao do nativo no processo de degradao cultural pode ser percebida,

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    14

    na medida em que elementos naturais como arraus e picapaus aparecem recrutados

    para a guerra. A luz que se apaga indicaria justamente a descaracterizao do trao

    genuno da brasilidade, pois o olhar para fora transforma o interno, apontando para a

    perpetuao da degradao. A referncia paz em Varsovia soa como ironia, uma vez

    que o elemento interno ligado a um universo exterior em paz, o que pode indicar um

    conflito interno, no qual os traos de brasilidade tensionam com a exterioridade.

    O Canto III tem como cenrio a exuberncia do espao amaznico; no entanto, o

    Guesa aparece dormindo: Dormindo o Guesa est. Negrantes coroas[p.46]. O ambiente

    descrito aproximado a um sonho, no qual figuram quatro personagens: uma figura

    maternal, uma imagem mtica (Uyara, deusa protetora das guas na mitologia tupi); uma

    metafsica (Chaska, lua para os incas) e a musa Virjanra7.

    Estas personagens, envoltas no sonho, funcionariam como iconizao da prpria

    natureza brasileira, uma vez que o poema as coloca em um paralelo direto com o

    ambiente brasileiro.

    Deusa dos roagantes vus doirados! Se me aparto de ti, quantos cuidados, Quantas saudades tenho de deixar-te! noites do Amazonas! formosas Noites denlevos! To enamoradas! Alvas, to alvas! E as canes saudosas, Incantos do luar, sempre cantadas! Foi este o prazo . . . Virjanura a esta hora Tambm te olhando est . . . muda e pendida

    A viso branca da montanha erguida, Que longa noite espera, espera a aurora. ( O Guesa, Canto III, p. 56)

    A inquietao do eu-potico perante a Deusa dos roagantes vus doirados

    remete a uma idealizao da figura feminina que transcende a mera projeo fsica para

    concretizar um paralelo mais amplo: a natureza brasileira. A tristeza do eu-potico face

    despedida do ambiente nacional transporta a musa a um cone da natureza brasileira. O

    olhar dos Andes, a viso branca da montanha erguida sobre a exuberncia do espao

    nacional implica, nesta medida, a deflagrao do nacionalismo sousandradino

    metaforizada na aurora.

    O Canto IV marcado por uma profunda afetao romntica, pois o eu-potico

    7 Neologismo sousandradino formado pela fuso das palavras : virgem e pura. Tal procedimento remete a

    uma caracterizao romntica da figura feminina.

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    15

    surge como projeo amargurada diante da contaminao do elemento natural. O Guesa

    aparece, neste fragmento, como um espectro montado em um cavalo, presenciando a

    degenerao de sua ptria, metaforizada em um incndio que assola o espao natural. A

    aluso explcita morte de Gonalves Dias, contida neste Canto, indica uma viso

    pessimista em relao ao espao interno.

    Do fundo espesso a nuvem tremulante. O Sol raiando beija a onda brilhante Onde Gonalves Dias sepultou-se! ( O Guesa, Canto IV, p. 70)

    Tais versos remetem a uma metalinguagem imanente ao poema, podendo ser vista

    como ndice da situao degradada do espao nacional em contraposio ao ideal

    utpico apresentado em Cano do exlio, de Gonalves Dias.

    Dos gzos era o escravo: onde as mulheres Luzissem meigo olhar; onde os perfumes Fossem bero de zephyro e prazeres Da florea varzea e os levantados cumes, Alli vivia o Guesa entre os desmaios Das brancas frmas, das vises ethereas Que ao luar sincantam, entre os raios Que a amar derrama celestiaes materias! (O Guesa, Canto IV, p. 69)

    As referncias a figuras femininas degeneradas e a indicao da luxria e da

    devassido, onde as mulheres luzissem meigo olhar (prostbulo), remetem a alienao

    prpria do esprito romanesco, pois os ltimos versos se referem a uma viso carnal do

    amor.

    No Canto V, temos uma espcie de intensificao do teor nacionalista, pois o fluxo

    de conscincia proporciona um regresso ao Maranho e, ao mesmo tempo, leva o eu-

    potico evaso romntica, infncia e figura materna. Neste Canto, o poema

    denuncia a degenerao moral da sociedade brasileira.

    E onde esto os villes civilizados Foram os selvagens, livres na investida sombra de suas settas resguardados, No amor da gloria e da luctada vida; Uns, viciosos; outros, forasteiros; Todos ao mesmo abysmo que os no chama,

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    16

    Nem donde os no evocam. Extrangeiros, Tupan ou Theos, quem a luz derrama ? (O Guesa, Canto V, p. 92-93)

    Neste excerto, podemos perceber a viso do estrangeiro como elemento negativo,

    pois os villes so civilizados e, portanto, extrangeiros (sic). Os vcios trazidos pelos

    estrangeiros imprimem, assim, a degenerao moral da cultura brasileira. O nativo,

    lanado ao mesmo abysmo que o forasteiro, indica a fuso entre os planos civilizado e

    selvagem. A descaracterizao do nativo figura, desta forma, como um processo de

    esvaziamento da pureza nativista percebida na aproximao entre o Deus nativo Tupan

    e a imagem do Deus cristo Theos, que, ironicamente, so postos lado a lado.

    A viagem Corte, cantada no Canto VI do poema, remete a um aprofundamento

    da descaracterizao do nativo.

    Oh, quanta luz ! Nos valles jaz mesquinha A cidade, negra harpa, que recorda Creaes de Can : jardins e vinhas; Ruas sonoras so-lhe da harpa as chordas. (O Guesa, Canto VI, p. 131)

    A referncia a um abysmo indica a destituio do olhar positivo atribudo ao

    nativo, que tem seus preceitos ticos e morais ligados idia de traio, metaforizada na

    figura bblica de Can. A melancolia face ao trao interno remete diretamente ao Canto

    II, mas, alm disso, indica uma viso depreciada do mundo. A intertextualidade bblica

    encontrada na figura de Can, smbolo da traio por ter trado e matado seu irmo Abel

    na liturgia crist, remete distncia entre o plano idealizado e a realidade nacional. A

    feroz crtica a uma falsa independncia ganha contornos definitivos na indicao satrica

    famlia real portuguesa8: Aqui Pedro Bragana coa victoria / Dindependncia, pela

    liberdade. [p. 136]. Nestes dois versos, temos uma viso sinttica do olhar apresentado

    no Canto VI.

    A vitria da independncia sugere a derrota da liberdade, o que lana o

    brasileiro a uma situao de escravido em relao ao externo. Tal postura perceptvel

    ao longo de todo o poema, mas se torna mais ntida neste Canto, uma vez que sintetiza a

    crtica imposta pelo eu-lrico em relao a sua sociedade. No Canto X, temos, no

    chamado Inferno de Wall Street, uma nova intensificao desta crtica social.

    8 Muitos crticos, entre eles os irmos Campos (1964) relacionam este Canto resignao do poeta em

    relao monarquia brasileira, mas, como aponta Lobo (1986), tal postura implica uma reduo simplria do poetar sousandradino. Preferimos encarar as constantes referncias famlia imperial brasileira como uma forma de deflagrao da espoliao do estrangeiro em relao ao nativo.

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    17

    Pode-se dizer que o Canto VII representa um momento de fuga, tendo como

    cenrio o espao europeu, mas infelizmente, por ter ficado inacabado, no oferece

    maiores possibilidades de anlise. Cabe ressaltar, entretanto, que este Canto poderia

    contrastar com o Canto VI, uma vez que temos nele a aluso figura bblica de Abel:

    J consternado, o corao do Guesa Vibrou; e erguendo-se a moral belleza, Resgatou-a; de asylo religioso Sagrou-lhe a educao coa divindade De quem traidor disciplo ama zeloso, E diz : se meiga flor e a liberdade Luz de Abel Deus eterno! a vaidade. dextranhos punhal : faces amenas, Risos evanos meigos da saudade E flor de morte americas morenas! . . . (O Guesa, Canto VII, p. 148)

    O resgate do asylo-religioso negado pela vaidade humana, mostrando a

    degenerao do ideal de pureza. Os risos evanos, remetendo ironicamente

    participao de Eva na cena do pecado inicial, indicaria que o paraso perdido leva a flor

    de morte. Nesse caso, a aluso a um traidor zeloso traria uma viso sinttica da

    dominao da vaidade humana sobre o ideal de um homem puro voltado a Deus e

    ordem moral. A aluso Luz de Abel confirmaria essa leitura, pois a ao do traidor

    Cain ao mat-lo concretiza o sofrimento humano, proporcionando a consternao do

    Guesa com essa situao.

    No Canto VIII, teramos, novamente, um movimento de regresso s origens, ou

    seja, ao Maranho. A viso sousandradina mostraria um Maranho impregnado de

    nostalgia, no qual o presente remete, por um lado, crtica monarquia e corrupo

    trazida pela cobia ao seio republicano, por outro, a um saudosismo em relao infncia

    de paz ao lado da famlia e da figura materna. O contraste entre as figuras idlicas,

    associadas famlia, e os elementos destruidores da pureza primitiva so metaforizados

    na cobia e na podrido moral do homem.

    E aos ps luziu-lhe da fortuna o oiro Em grandes montes, que os dos mundos frivolos Homens, e qual se fosse o oiro o thesoiro, N elle honravam qual honram falsos idolos.

    (O Guesa, Canto VIII, p. 159 )

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    18

    A adorao ao oiro remete passagem bblica, na qual Moiss, ao regressar da

    montanha, depara-se com a traio de seu povo. luz dessa leitura, parece-nos que o

    poeta, graas ao seu olhar crtico, procura estabelecer um contraponto entre um elemento

    de pureza e a deturpao deste trao pela ao do homem. Levados pela cobia, os

    homens forjam seus ideais a partir de paradigmas norteados pelo egosmo e pela

    falsidade e, com isso, contaminam qualquer trao de pureza. A frivolidade do mundo,

    absorto na usura, cega o homem que, assim, esquece seu trao positivo para se afirmar

    como degradador do seus prprios ideais.

    O Canto IX focaliza o deslocamento do Guesa pelo continente americano. O

    cenrio descrito ser o das Antilhas, da Amrica Central, do Golfo do Mxico e das costas

    dos EUA. Neste Canto, fica latente a importncia dada natureza, tida como elemento de

    refgio purificador para o homem corrompido pelo meio social.

    Tu ainda luz dos trpicos saudosa Leras Paulo-e-Virginia, o amor e o riso De doce creao, sempre mimosa Quando a terra no estado de paraiso : (O Guesa, Canto IX, p. 170)

    A referncia intertextual obra Paulo e Virgnia de Bernardin de Saint-Pierre (1986)

    pode ser entendida como uma tentativa de denunciar uma ingenuidade inata presente no

    seio humano. A terra em estado de paraso estabelece uma ironia em relao morte da

    herona Virginia, afogada no mar por receio de revelar suas formas virginais. A saudade

    da luz dos trpicos indica a natureza como ponto de refgio para o homem atormentado

    pela sociedade corrompida.

    O Canto X, tendo como cenrio os EUA, aponta para uma possibilidade de

    plenitude metaforizada na Repblica. No entanto, a viso do espao, corrompido pela

    cobia e pela degradao moral, descaracteriza a viso eufrica, instaurando uma crtica

    utopia republicana. O inferno financeiro de Wall Street mostra a impossibilidade de

    preservao moral do homem. O mundo da usura e da ganncia figura como paradigma

    insupervel, sendo o homem condenado a participar ativamente do jogo.

    O Canto XI pressupe o regresso ao Brasil : o den. Nesse regresso, o olhar

    desloca-se para o Oceano Pacfico, passando pelo Panam, Colmbia, Venezuela e

    Peru. Temos, novamente, a focalizao da exuberncia da natureza como paliativo para o

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    19

    sofrimento gerado pelo contato com o inferno financeiro e pela decepo com a

    Repblica.

    Nessa mesma linha temtica, o Canto XII continua a volta s origens; o espao

    descrito o da Argentina, da Cordilheira Andina, da Bolvia e do Chile. Percebemos,

    neste Canto, uma viso idlica do mundo, contraposta viso aterradora do deserto.

    Formosos mares! terras generosas, Onde floriu magnfico o Indiano Ao bello Sol ( bastante a edeneas rosas) Andeos pendores ferteis, ou medno

    Deserto quasi-ignoto! se descobre ... (O Guesa. Canto XII, p. 311)

    A aridez do deserto estabelece o contraste entre o positivo e o negativo do espao

    americano. Em outra passagem, a narrao exacerbada focaliza uma tormenta no mar.

    Oh, a aridez terrvel dos rochedos Elevados dos ares a pureza E a transparncia ideal dos climas ledos Alma d Hercules! A esta natureza Abrem-se tempestuosas penedias, Vanzeiam, mugem, qual revoltos mares, Onde escutam-se grandes agonias E donde azas desdobram-se estellares. (O Guesa, Canto XII, p. 319)

    Podemos notar, neste canto, a viso do elemento natural como denunciador da

    inquietao do eu-potico. As contraposies entre amenidade e rusticidade, observadas

    neste fragmento, podem ser entendidas como a denncia da lucidez do eu-potico face a

    uma idealizao do espao, prpria do discurso romntico.

    Os ares de pureza e o clima ledo comparados figura mitolgica de Hrcules

    podem ser entendidos como confirmao de uma crtica ao discurso romntico. Sendo

    assim, o choque entre a aspereza do deserto e das rochas, associado violncia da

    tempestade, figura como ponto destoante em relao percepo da natureza como

    refgio do homem, ou seja, o prprio elemento natural transfigurado em agressor do eu-

    potico.

    Caracterizando-se por uma profunda melancolia em relao ptria, que aparece

    metaforizada na figura feminina de Inti, o canto XIII ou Canto Eplogo, embora

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    20

    inacabado, poderia ser entendido como uma sntese temtica do texto. Tida como noiva,

    Inti concretiza a situao degradada vivida pelo eu-potico, que aparece enfermo. A

    doena que assola o Guesa, nesse fragmento, pode ser entendida como a perda da

    esperana. O esvaziamento do ideal de plenitude gera no s a frustrao em relao ao

    presente, como tambm a eleio do futuro como ponto a ser redefinido para que esse

    ideal possa florescer.

    Amava a patria [ Inti ], e della ao po amargo Selevava terrivel contra Deus; Mais a essora, formosa, a vida ao largo, De um cynico ministro, dessa lama Dicta diplomacia. Ao peito a chamma, Ai dos divinos, dos formosos rus! (O Guesa, Canto eplogo, p. 336)

    Resta-te a esprana em mim ? gemeu minha alma (. . .) No te abandono; impunemente e louca No vem-se despertar, olhos luzindo, A um quasi-mudo peito, porque evoca

    Ao futuro E porque loucura vindo? (O Guesa, Canto eplogo, p. 338)

    A aluso pejorativa a elementos como diplomacia, aliada a um cinismo envolto

    em lama, poderiam ser citados como exemplos dessa postura pessimista em relao ao

    presente. O amor ptria resgata a esperana, metaforizada na prpria imagem do

    futuro. O gemido da alma, ao evocar esse futuro, indica uma desesperana no novo,

    resultando na chegada da loucura.

    A continuao do Canto XII, denominado O Guesa, o Zac, escrito no ano de

    1902, s vsperas da morte do poeta, tem como cenrio o Maranho. Neste fragmento,

    percebe-se um fino pessimismo em relao ptria. A busca pela igualdade democrtica

    aparece como elemento a ser conquistado para a efetiva concretizao de uma liberdade

    plena em relao priso colonizadora.

    Na constatao da fora do povo, o olhar moderno mostra-se como nica

    possibilidade de conquista da liberdade, to cara a Sousndrade.

    Volta ptria! a tua croa, o teu cetro Vem na praa queimar! teu espectro Catstrofe, Europa, ah! ah! vai fazer rir ! No dizias-te um Republicano? Vem! vem ser cidado soberano

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    21

    Da democracia urea pura a surgir! ( O Guesa, o Zac, p. 363)

    Como a grande maioria de seus contemporneos, Sousndrade foi marcado por

    um forte nacionalismo. No entanto, a viso sousandradina, perpassada por um veio

    altamente crtico, denunciou a fragilidade da utopia nacionalista cantada pela maioria dos

    autores romnticos. A ridicularizao da mscara europia faz-se presente, neste

    fragmento, atravs do tom de galhofa produzido pelo uso das interjeies ah! ah!. O

    cidado republicano puro queima o cetro e se liberta do espectro catstrofe para, s

    assim, ser considerado como republicano, ou seja, um republicano brasileiro, desprovido

    do constante olhar externo e envolto em sua matriz cultural.

    Inquietaes no pblico alvo

    Discutir o texto literrio Stricto Sensu em sala de aula, no caso, o texto de

    Sousndrade, eleito como exemplo, uma das maneiras de compreender nossa

    diversidade literria. A apresentao do autor, neste sentido, ampliou o conhecimento

    especfico do publico sobre o Romantismo brasileiro ao apresentar outra face desse

    movimento.

    Ao concluirmos as leituras dos fragmentos de O guesa, comentados neste estudo,

    muitos alunos demonstraram interesse pela produo do poeta. A aproximao dos

    fragmentos textuais aos poemas de Gonalves Dias foi fundamental, pois provocou nos

    leitores/ouvintes um sentido de incompreenso em relao homogeneidade do

    Romantismo no Brasil. Um desdobramento desta inquietao foi a grande quantidade de

    produes ps-textuais realizadas pelos alunos. A ideia de que teramos um poeta

    diferente de Gonalves Dias nos parece ser uma observao importante a ser feita na

    interao do publico alvo com o texto de Sousndrade. Lembramos que no foi objetivo

    da ao propor uma comparao entre autores romnticos Gonalves Dias e

    Sousndrade -, antes contribuir para o acesso de leitores a obras literrias em um espao

    de interao com o texto.

    Mais do que apresentar um poeta, no caso Sousndrade, procuramos, neste

    trabalho, aludir importncia de valorizar o texto literrio Stricto Senu em atividades de

    leitura em ambiente escolar. Pensamos, com isso, contribuir para a formao de leitores

    e, por contingncia, ampliar a valorizao da literatura ao apontar para a importncia da

    focalizao detida do texto e seu ensino, objeto primeiro deste trabalho.

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    22

    CONSIDERAES FINAIS

    A questo que encerra este trabalho a presena de uma inquietao diante da

    influncia do cnone e da Historiografia literria no ensino de literatura. Discutir a

    necessidade de reviso constante do cnone literrio por meio do enfrentamento detido e

    especfico do texto literrio nos parece ser um caminho profcuo a ser trilhado. Ao abordar

    o texto Stricto Sensu em ambiente escolar, em nosso entendimento, possibilita um

    caminho para a reflexo sobre a necessidade de valorizao da literatura enquanto fator

    de construo de novos discursos e, ao mesmo tempo, um espao para indicar lacunas

    no ensino de literatura no sculo XXI.

    Entendemos que a mediao esttica na construo do literrio, bem como a

    leitura detida de textos amplia em muito o interesse pela leitura literria no contexto

    contemporneo. Reconhecemos a importncia da abordagem de textos tericos e da

    crtica literria no Brasil; mas entendemos que sua apresentao no deve ultrapassar a

    relevncia do texto no contexto de ensino. por este prisma que acreditamos na

    necessidade da apresentar textos Stricto Sensu em ambiente escolar. Em nosso

    entendimento, criar espaos de debate relacionados a especificidade do literrio uma

    forma de ampliar o contato de leitores com a diversidade de textos na tradio.

    Para concluir este trabalho, parafraseando Carlos Drummond de Andrade,

    afirmamos que pela leitura e discusso do texto literrio Stricto Sensu que podemos

    mensurar sua importncia enquanto expresso cultual.

    REFERNCIAS

    ABRAMOVICH, F. Literatura infantil: gostosuras e bobices. So Paulo: Scipione, 1997.

    BOSI, A. Histria concisa da literatura brasileira. 37.ed. So Paulo: Cultrix, 1994.

    BRAITE, B. Introduo. In: NICOLA, J. de. Lngua, literatura & redao. Edio renovada e ampliada. So Paulo: Scipione, 1999. Volume 1, p. 1.

    CALDEIRA, J. O cnone nos estudos Anglo-americanos.Coimbra: 1994.

    CANDIDO, A. Formao da literatura brasileira. 3.ed. So Paulo: Cultrix, 2000. v. II.

    CANDIDO, A. Literatura e sociedade. So Paulo: Cortez, 1976.

  • Revista InterteXto / ISSN: 1981-0601 v. 6, n. 1 (2013)

    23

    CANDIDO, Antonio. Formao da Literatura brasileira. 3 ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2002. Volume nico.

    CARPEAUX, O. M. Histria da literatura ocidental. Rio de Janeiro: Cruzeiro, 1961.

    CASCUDO, L. C. da. Literatura oral no Brasil. 2 ed. So Paulo: Global, 2006.

    COUTINHO, A. A literatura no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Record, 1969.

    LOBO, L. Tradio e modernidade em Sousndrade. So Paulo: Contexto, 1986.

    NICOLA, J. de. Lngua, literatura & redao. Edio renovada e ampliada. So Paulo:

    Scipione, 1999. Trs volumes.

    SILVA, Joaquim Norberto Souza de. Histria da literatura brasileira e outros ensaios.

    Organizao, apresentao e notas por Roberto Aczelo de Souza. Publicado originalmente em 1841. Rio de Janeiro: Z Mrio Editor, 2002.

    SOUSNDRADE. O Guesa. (Fac-simile). Organizao e notas Jomar de Morais. Marnho: SIOGE, 1979.

    TERRA, E. NICOLA, J. de. Portugus de olho no mundo do trabalho. So Paulo: Scipione, 2008.

    TERRA, E; NICOLA, J. de; CAVALLETE, T. F. Portugus para o ensino mdio: e produo de textos. So Paulo: Scipione, 2002. Volume nico.