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O ENSINO DE LITERATURA - Paraná

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O ENSINO DE LITERATURA: LEITURA LITERÁRIA E PRODUÇÃO DE ESCRITA

VECCHIA, Kary Paula Dalla (Profa PDE 2010/2012)1 OLIVEIRA, Valdeci Batista de Melo (Orientadora)2 RESUMO

Este trabalho tem como objetivo relatar os resultados obtidos com a implementação do Projeto "O Ensino de Literatura: leitura literária e produção de escrita", que consiste em estimular o interesse pela leitura e pela prática da escrita, com alunos do Ensino Médio do Colégio Estadual "Reinaldo Sass", da cidade de Francisco Beltrão, Paraná. O trabalho propôs a leitura de textos literários (contos, romances, poesias) que apresentavam procedimentos artísticos voltados à apresentação dos problemas da sociedade atual, estabelecendo relações entre a compreensão do texto e a ampliação da consciência crítica e do conhecimento sociocultural. Um dos grandes desafios dos professores de Língua Portuguesa da Educação Básica, ao proporem leituras de textos literários, é propiciar leituras vivas e plenas de sentido, que levem os alunos a se reconhecerem ou a reconhecerem alguma questão que tenha relação com o momento vivido. A postura mais corrente é a da resistência à leitura, principalmente à medida que os alunos vão se aproximando do Ensino Médio. Assim, na consecução deste projeto, considerou-se indispensável favorecer um trabalho de leitura empenhada, na qual os alunos estabeleceram a reconstrução do texto lido por meio da interlocução, levando-os a compreender que a leitura é um processo de apropriação efetiva do texto e de interpretação coerente. Evidentemente, é necessário que o texto dialogue com o universo do leitor, por isto, são proveitosos os conhecimentos prévios que tornem o texto mais significativo. Este é o objetivo que nos propomos a alcançar: estudar e aplicar metodologias de ensino de leitura literária que levem à compreensão do texto, à ampliação e à transformação dos horizontes de expectativas, garantindo uma melhor formação do educando. Nas Diretrizes Curriculares da Educação (DCEs) está sugerido, como encaminhamento metodológico, o Método Recepcional, de Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar (1993), embasado nos pressupostos da Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss (1994). De pleno acordo com este encaminhamento metodológico, este estudo julga indiscutível a importância de um método que se preocupe diretamente com os alunos-leitores, principalmente quando se conhece a realidade de nossas escolas. É necessário que a leitura literária passe a fazer parte do cotidiano de

1 Kary Paula Dalla Vecchia, professora de Língua Portuguesa no Colégio Estadual "Reinaldo Sass', pós-graduada em Literatura Brasileira, participante do programa PDE 2010/2012.

2 Valdeci Batista de Melo Oliveira, professora doutora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

nossos estudantes, com um trabalho que motive o aluno a sentir a necessidade de ler. São os desafios que criam as necessidades. O querer conhecer, o apoderar-se de bens culturais, o descobrir outros mundos, o buscar outras leituras são necessidades que proporcionam prazer, fazem sonhar e ajudam a ler/ver o mundo.

Palavras- chave: Leitura literária; Método Recepcional; bricolagem; produção de escrita. ABSTRACT This paper aims to report the results obtained with the implementation of the Project TEACHING LITERATURE: READING LITERARY AND PRODUCTION WRITTEN, which is to stimulate interest in reading and writing practice with high school students in State College Reinaldo Sass the city of Francisco Beltran, Paraná. The study proposed the reading of literary texts (short stories, novels, poetry) that had artistic procedures aimed at presenting the problems of modern society, establishing relationships between text comprehension and expansion of critical consciousness and socio-cultural knowledge. A major challenge of the Portuguese Language teachers of Basic Education to propose readings of literary texts is to provide live readings and full of meaning, that lead students to recognize themselves in matters that relate to the lived moment. The most common approach is the resistance to reading, especially as students will be approaching the school. Thus, in pursuing this project, it was considered essential to promote a reading work committed, in which students establish the reconstruction of the text read through the dialogue, leading them to understand that reading is a process of effective appropriation of the text and of consistent interpretation. Of course, it is necessary that the text dialogue with the universe of the reader, therefore, are useful prior knowledge to make the text more meaningful. This is the goal we set out to achieve: to study and apply teaching methods that take a literary reading to understand the text, the expansion and transformation of the horizons of expectations, to improve elementary education. Curriculum Guidelines for Education (DCEs) are suggested as routing methodology, Method Recepcional, Maria da Gloria Bordini and Vera Teixeira de Aguiar (1993), based on the assumptions of the Aesthetics of Reception, Hans Robert Jauss (1994). In full agreement with this referral methodological this study considers the undisputed importance of a method that worry directly with the students as readers, especially when we know the reality of our schools. It is necessary that the literary reading becomes part of everyday life for our students, with work that motivates the student to feel the need to read. These are the challenges that create the need, want to know, the seizing of cultural property, to discover other worlds, to seek other readings are needs that provide pleasure, and helps make you dream to read / see the world. Keywords: Reading literary; Method Recepcional; DIY; production of written.

1 Introdução

Um dos grandes desafios dos professores é propiciar leituras

significativas do texto literário na escola. Normalmente, costumam-se cobrar,

dos alunos, leituras e apresentação de resumos, bem como questões sobre a

história e a teoria literária. Entretanto, essa prática não requer dos alunos o

contato com o texto literário na íntegra, como também não os motiva à

produção do trabalho, geralmente feito por outra pessoa, ou copiado. Quando o

aluno se sente desafiado a produzir um trabalho diferente, que lhe chame a

atenção, certamente o resultado será bem melhor.

É indispensável propiciar leituras que demonstrem a riqueza dos

textos literários, porque é no texto literário que os alunos podem viver

experiências que a vida não lhes faculta, ampliando assim sua capacidade

imaginativa e memorativa, conhecendo mais a si mesmos e aos outros,

tornando-se mais humanos e desenvolvendo habilidades de compreensão e de

aceitação das diferenças, bem como estabelecer laços de empatia com outros

alunos. Evidentemente, é necessário que o texto dialogue com o universo do

leitor. Por isso são proveitosos os conhecimentos prévios que tornem o texto

mais significativo. O professor deverá proporcionar, antecipadamente,

atividades motivadoras à leitura, que despertem a necessidade de ler. Sobre a

importância da literatura, podemos dizer que:

É à literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso, a literatura é importante no currículo escolar: o cidadão, para exercer plenamente sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um livro: mas porque precisa ler muitos. (LAJOLO, 1999, p.106).

Sabemos que esta meta está longe de ser realidade na Educação

Básica. O Colégio Estadual "Reinaldo Sass" tem muitos desafios ao buscar

efetivá-la, tanto assim que os poucos de nossos alunos, leitores de literatura,

principalmente à medida que vão se aproximando do Ensino Médio,

demonstram resistência à leitura. Este é o objetivo que nos propomos a

alcançar: estudar meios que nos auxiliem a desenvolver metodologias de

ensino de leitura literária que levem à compreensão do texto, à ampliação e à

transformação dos horizontes de expectativas, garantindo a formação plena do

educando.

Para isso, este estudo fundamenta-se nas teorias de autores como

Antonio Candido, Bosi e Rosenfeld, assim como com Afrânio Coutinho, Hans

Robert Jauss, Maria da Glória Bordini, Vera Texeira de Aguiar, Regina

Zilberman, Adorno e Antunes.

Candido identifica três funções exercidas pela literatura, as quais, em

seu conjunto, denomina de funções humanizadoras da literatura, que são:

função psicológica, função formadora e função social. Todas essas funções

estão ligadas à formação intelectual do indivíduo e a seu bem-estar

psicológico. A literatura deve ser vista dentro da categoria de bens a que todos

os seres humanos têm direito de usufruir.

Para Candido:

[...] a relação da literatura com os direitos humanos de dois ângulos diferentes. Primeiro, verifiquei que a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos, portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade. Em segundo lugar, a literatura pode ser um instrumento consciente de desmascaramento, pelo fato de focalizar as situações de restrição dos direitos humanos, ou de negação deles, como a miséria, a servidão, a mutilação espiritual. Tanto num nível quanto no outro ela tem muito a ver com a luta pelos direitos humanos. (CANDIDO, 1995, p. 186).

De modo geral, segundo Rosenfelf,

[...] a literatura amplia e enriquece a nossa visão da realidade de um modo específico. Permite ao leitor a vivência intensa e ao mesmo tempo a contemplação crítica das condições e possibilidades da existência humana. Nem a nossa vida pessoal, nem a ciência ou filosofia permitem em geral esta experiência ao mesmo tempo una e dupla. No primeiro caso estamos demasiado envolvidos para ter distância contemplativa, no segundo estamos demasiado distanciados para viver intensamente o conhecimento transmitido. A literatura é o lugar privilegiado em que a experiência "vivida" e a contemplação crítica coincidem num conhecimento singular, cujo critério não é exatamente a "verdade" e sim a "validade" de uma interpretação profunda da realidade tornada em experiência. Na fruição da obra de arte literária podemos

assimilar tal interpretação com prazer (vivendo-a e contemplando-a criticamente), mesmo no caso de ela, no campo da vida real, se nos afigurar avessa às nossas convicções e tendências. Embora não transmitindo nenhum conhecimento preciso, capaz de ser reduzido a conceitos exatos, a obra suscita uma poderosa animação da nossa sensibilidade, da nossa imaginação e do nosso entendimento que resulta prazenteira, como toda fruição estética. Este prazer pode integrar, através da empatia, com as situações fictícias, emoções veementes, sofrimentos e choques dolorosos, sem que deixe de ser prazer, já que tudo decorre em nível simbólico-fictício. (ROSENFELD, 1976, p. 4).

Conforme o exposto acima, a leitura de textos literários na Educação

Básica é de extrema relevância, porque nela o aluno pode viver experiências

inviáveis na vida real e pode, ao mesmo tempo, contemplar criticamente,

refletindo sobre o vivido. E devemos registrar aqui que, entre tantas outras

razões, duas razões não podem ser desconsideradas, a saber: os alunos não

leem e nem gostam de ler porque os professores também não leem e nem

gostam de ler. A cultura brasileira é feita da oralidade. A segunda razão é

porque a maior parte dos professores que trabalham com literatura, fazem-no

sem o necessário suporte teórico, o que acaba reduzindo o trabalho assuntos

como escolas literárias e biografias de autores, extinguindo na raiz a

experiência estética que o texto literário pode proporcionar.

Nas Diretrizes Curriculares da Educação (DCEs) fica sugerido, como

encaminhamento metodológico, o Método Recepcional, de Maria da Glória

Bordini e Vera Teixeira de Aguiar (1993), embasado nos pressupostos da

Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss (1994).

Jauss considera a experiência estética como propiciadora da

emancipação do sujeito. Ele afirma que a natureza libertadora da arte se

explicita pela experiência estética composta nas funções da Poiesis, Aisthesis

e Katharsis (as atividades produtiva, receptiva e comunicativa). Pode-se,

assim, perceber que a função exercida pela literatura é de suma importância

para que o leitor possa viver a experiência estética da criação, fruição e

libertação, experiências singulares que, somadas, levam o leitor a ultrapassar

os limites sufocantes e obnubilantes do seu restrito horizonte de expectativa.

Isso é possível porque, estando a literatura ligada à representação do real,

assume algumas funções que atuam diretamente sobre o humano, exprimindo

a vulnerabilidade de sua condição e seus entraves, conflitos, alegrias, lutos,

perdas, ganhos e danos.

Em termos ontológicos, nossos alunos são seres humanos e, nessa

condição, são seres incompletos, seres a quem sempre falta alguma coisa para

se completar − como, ademais, a qualquer ser humano. Diferentemente dos

animais, movidos pelos instintos, no mundo demasiadamente humano dos

alunos, as necessidades são atravessadas pelo fenômeno da linguagem, porta-

voz das demandas da nossa insistente “falta-de-ser”, que as atividades de

leitura e escrita carreiam para lhes dar sentido e completude. Obviamente que

a prática da escrita não é uma atividade a ser feita em sistematização, mas por

etapas interdependentes e intercomplementares, tal como sugeridas por

Antunes, apresentadas nas Diretrizes Curriculares do Paraná, que foram

adequadas ao contexto sobre o humano de nossos alunos, como nos diz

Schopenhauer: “[...] todo querer se origina da necessidade, portanto da

carência, do sofrimento [poderíamos dizer do desprazer, n. d. a.]. A satisfação

lhe põe um termo; mas para cada desejo satisfeito, dez permanecem

irrealizados” (SCHOPENHAUER, 2004, p. 47).

A literatura contribui para que os alunos percebam suas carências,

medos e esperanças, permitindo-lhes reconhecer a si mesmos e aos demais,

como propõe Schopenhauer:

[...] este homem, que em cada ser reconhece a si mesmo no que tem de mais íntimo e mais verdadeiro, considera também as dores infinitas de tudo aquilo que vive como sendo as suas próprias dores, e assim faz sua a miséria do mundo inteiro. Daí em diante, nenhum sofrimento lhe é estranho. Todas as dores dos outros […] pesam sobre o seu coração como se fossem suas. (SCHOPENHAUER, 2004, p. 186).

Se quisermos estudantes humanos e cidadãos comprometidos,

evidenciamos acima a necessidade de a leitura literária fazer parte do cotidiano

escolar de todos os alunos. São os desafios que criam as necessidades. O

querer conhecer, o apoderar-se de bens culturais, o descobrir outros mundos, o

buscar outras leituras são necessidades que proporcionam prazer, fazem

sonhar e ajudam a ler/ver o mundo.

2 A Teoria da Recepção e o Método Recepcional

Literatura não é e não pode ser pretexto para se ensinar preceitos

morais, normas de boa conduta, religiões, regras de etiqueta, pois Literatura,

arte verdadeira, é momento pleno de vida, de manifestações da e sobre a vida,

porque se constrói na vida e a partir dela. A escola, como um todo, existe para

ajudar na formação e toda formação conduz à cidadania. Segundo Afrânio

Coutinho: “Através das obras literárias, tomamos contato com a vida, nas suas

verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as

verdades da mesma condição humana” (COUTINHO, 1976, p. 10).

O crítico e sociólogo Antonio Candido constrói o seu conceito de

literatura tendo em vista que:

A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem, que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e implicando em uma atitude de gratuidade. (CANDIDO, 1972, p. 53).

Também podemos dizer que Literatura é vida, arte que surge de um

fato da vida real; a visão do artista, que a recria, dá-lhe outra roupagem, mas

permanece, em sua essência, a realidade que a originou. É a linguagem

literária que estabelece uma nova ordem para as coisas representadas,

mantendo, porém, uma ligação com a realidade. Por mais que a literatura

permita a criação de novos universos, esses são inspirados na realidade em

que vive o escritor. Por isso podemos dizer que a literatura está vinculada à

realidade, mas que dela foge pela estilização de sua linguagem.

Percebe-se, portanto, que a função exercida pela linguagem é de

suma importância para que uma obra seja tida como obra de arte literária.

Estando a literatura ligada à representação do real, esta assume algumas

funções que atuam diretamente sobre o homem, pois que exprimem o homem

e, depois, volta-se para sua formação, enquanto fruidor dessa arte.

Regina Zilberman, citando Jauss, observa:

[...] como condição de compreender o sentido e importância social da arte. Jauss não acredita que o significado de uma criação artística possa ser alcançado, sem ter sido vivenciada esteticamente: não há conhecimento sem prazer, nem a recíproca, levando-o a formular um par de conceitos que acompanham suas reflexões posteriores: os de fruição compreensiva [verstehendes Geniessen] e compreensão fruidora [geniessendes Verstehen], processos que ocorrem simultaneamente e indicam como só se pode gostar do que se entende e compreender o que se aprecia. (1989, p. 53).

Antonio Candido identifica três funções exercidas pela literatura,

funções as quais, em seu conjunto, denomina de funções humanizadoras da

literatura.

A primeira é chamada de função psicológica, por estar muito ligada à

capacidade e à necessidade que tem o homem de fantasiar: são os devaneios

em que todos se envolvem diariamente. Seja através de novelas, de filmes, da

música ou de outros produtos da indústria da cultura, é possível fantasiar sobre

o amor, sobre o futuro, etc. Nesse contexto, no entanto, a literatura enquanto

arte, entre todas as artes, possa, talvez, ser a mais rica.

As fantasias expressas pela literatura têm, porém, sempre sua base

na realidade, nunca são puras. É através dessa ligação com o real que a

literatura passa a exercer sua segunda função: a função formadora.

A literatura atua como instrumento de educação, de formação do

homem, quando exprime realidades que a ideologia dominante tenta esconder.

Segundo Candido, a literatura “[...] não corrompe nem edifica, mas humaniza

em sentido profundo, por que faz viver” (CANDIDO, 1972). Ela, portanto, tem

poder de atuar na formação do indivíduo, que pode, através da fruição da arte

literária, ter suas características moldadas segundo valores que não interessam

ser propagados pela pedagogia oficial.

A terceira função, levantada por Candido, diz respeito à identificação

do leitor e de seu universo existencial representados na obra literária. Essa

função é por ele denominada de função social, pois possibilita o

reconhecimento da realidade que o cerca, quando transposta para o mundo

ficcional. Também essa pode causar a integração do leitor ao universo de vida

das personagens. Essa integração entre leitor e personagem culmina na

identificação de uma realidade que não é a sua, fazendo com que o leitor

incorpore a realidade da obra às suas próprias experiências pessoais.

Tendo todas essas funções ligadas à formação intelectual do

indivíduo e a seu bem-estar psicológico, a literatura deve ser vista dentro da

categoria de bens a que todos os seres humanos têm direito de usufruir.

Na atualidade, a exacerbação dos conflitos, das angústias, das

carências, e mesmo das esperanças por um mundo melhor, leva-nos a

repensar no valor da leitura: o de favorecer a apropriação de saberes

acumulados pela humanidade e o de permitir que o conhecimento se torne

alheio às necessidades mais urgentes do mundo.

Para Marcuse, os sujeitos humanos desaparecem detrás de relações

reificadas, diante das responsabilidades do trabalho, do processo produtivo, da

classe, do capital. A condição do ser humano sempre foi tema da Literatura.

Favorecer uma interpretação pertinente ao texto literário, aliando a fruição

estética à reflexão crítica sobre a realidade da obra, transposta para a

realidade que nos rodeia, nessas condições o exercício de ler representa a

aquisição de um saber para melhor compreender a condição humana.

A sociedade moderna, segundo Matos (2005), vive as consequências

do problema da invasão da mentalidade mercantilista e quantificadora sobre

todos no domínio do pensamento. Economicamente, essa mentalidade é

representada pelo valor de troca, intimamente ligada aos processos de

alienação do homem.

Parte-se, então, do pressuposto de já estar arraigado no ser humano

um exagerado interesse por fait divers que, em seu sentido mais comum, é a

seção de um jornal na qual estão reunidos os incidentes cotidianos, geralmente

os acidentes, os suicídios, mortes, roubos ou qualquer outro acontecimento

marcante negativamente. Os noticiários de TV, jornais e revistas comprovam

isso. Há os que chegam a dizer: “notícia boa é notícia ruim”, ou, conforme uma

das máximas do jornalismo: “notícia ruim é que vende”. O fato é que estamos

expostos a um processo social e político intensamente violento, tornado

natural, em que o prejulgamento e os desejos mais íntimos dos seres humanos

são evidenciados, tornando-o ávido por informações que trazem como tema

principal a violência:

A curiosidade dita ‘mórbida’ faria assim apelo aos sentimentos mais arcaicos do homem: por meio do olhar, do tocar, da posse de um objeto ou, às vezes, da simples leitura, assimilar um

pouco da aura do trágico ou do violento, invertendo virtualmente o signo, do maléfico torná-lo possível benéfico. (AUCLAIR, 1970, p. 197).

Tem-se, neste ponto, um dos grandes interesses por leitura na

atualidade, provocado pela chamada “cultura de massa”: poupar o leitor, no ato

da leitura, de grandes esforços para a compreensão como atenção,

sensibilidade, inteligência, corroborando uma posição psicológica de conforto.

Pensando em leituras interessantes, em um primeiro momento,

certamente essa temática será a mais eficaz, a mais incisiva, pois as imagens

de violência motivam a adesão a produções culturais a ponto de serem

atrativas aos nossos alunos.

Adorno (1970), em sua obra Teoria Estética, evidencia que não

adianta combater o mal com o próprio mal; para ele, a antítese mais viável da

sociedade selvagem é a arte. A arte é que liberta o homem das amarras dos

sistemas e o coloca como um ser autônomo e, portanto, um ser humano.

Enquanto, na sociedade capitalista em que vivemos, o homem é mero objeto

de trabalho e consumo, na arte é um ser livre para pensar, sentir e agir. É

como se a arte apresentasse as soluções contra as imperfeições humanas,

pois esse antídoto está inserido na própria história da humanidade.

Procurando compreender a finalidade da Literatura, Zilberman (1989),

analisando Jauss, na história do prazer estético, informa-nos que a natureza

eminentemente libertadora da arte se explicita pela experiência estética,

composta por três funções simultâneas e complementares: poiesis, aisthesis e

katharsis, que são termos aristotélicos.

A poiesis corresponde ao prazer de se sentir coautor da obra. A

literatura é uma forma especial de conhecimento. O escritor tem um

conhecimento intuitivo da realidade e escreve impulsionado por esse estímulo

criador. Produz um texto no qual ele comunica essas percepções e onde

sentimento e razão se mesclam. As obras literárias exprimem conhecimentos

intuitivos e estéticos a respeito da realidade. O homem alcança o prazer da

criação na produção.

A aisthesis é atribuída à finalidade de renovar a percepção. A

literatura se dirige à nossa sensibilidade estética, à nossa capacidade de

apreciação do que é belo; e ao prazer que sentimos diante das coisas

agradáveis, que tocam os nossos sentidos, as nossas emoções.

A katharsis corresponde à função social das artes, inaugurando e

mediando regras de ação. Em um processo de identificação, é a que induz o

leitor a assumir normas de comportamento social, retomando ideias expostas

em um primeiro momento. A catarse é uma espécie de descarga emocional

que provoca, no leitor, certo alívio da tensão e da ansiedade; um tipo de

purificação de efeito psicológico e moral. Ao vivenciar, por meio da leitura, as

emoções e tensões vividas pelas personagens das narrativas ou pelo “eu-lírico”

dos poemas, o leitor estaria descarregando as suas próprias tensões, os seus

medos, as suas frustrações e, com isso, liberando-se dessas emoções

negativas. Assim, portanto, ao provocar essa sensação de alívio e de

purificação psíquica e social, a literatura está desempenhando sua função

catártica.

Pensar em um aluno-leitor capaz de ler, compreender e interpretar o

que lê e ainda apreciar e posicionar-se criticamente sobre o que leu, é

certamente pensar em propostas de trabalho que favoreçam, efetivamente, a

concretização desses propósitos. Segundo Aguiar e Bordini (1993, p. 13), “[...]

uma das necessidades fundamentais do homem é dar sentido ao mundo e a si

mesmo e o livro, seja informativo ou ficcional, permanece como veículo

primordial para esse diálogo”.

Jauss (apud ZILBERMAN, 1989, p. 49) propõe que, na abordagem

dos fatos artísticos, o foco deva recair sobre o leitor. Para Jauss, a atitude de

prazer que a arte provoca e possibilita é a experiência estética primordial.

Define, ainda, seu leitor por meio de duas categorias bastante pertinentes: a de

horizontes de expectativa e a de emancipação. A primeira refere-se aos

conhecimentos que o leitor traz, à soma de experiências sociais acumuladas; a

segunda, é a expansão, entendida como finalidade e efeito alcançado pela

arte, rompendo com as percepções usuais e conferindo-lhe nova visão da

realidade. A significação de uma obra literária depende do leitor e os

conhecimentos prévios dele devem sempre ser levados em consideração.

Nas Diretrizes Curriculares da Educação (DCEs) fica sugerido, como

encaminhamento metodológico, o Método Recepcional, de Maria da Glória

Bordini e Vera Teixeira de Aguiar (1993), embasado nos pressupostos da

Estética da Recepção, de Hans Robert Jauss (1994).

Para a valorização do leitor-aluno, a aplicação do método recepcional

é a proposta mais positiva, pois apresenta inovações necessárias,

possibilitando a ampliação do horizonte de expectativas. Para Bordini e Aguiar

(1993), a literatura não se esgota no texto, mas complementa-se no ato da

leitura. O processo de recepção textual requer a participação ativa e criativa do

leitor, sem interferir na autonomia da obra.

Essa preocupação direta com o leitor, seus conhecimentos prévios e a

constatação de seus horizontes de expectativas demonstram que, nesta

proposta de trabalho, o leitor é visto como um ser ativo, que já possui um

horizonte (vivências pessoais, sócio-históricas, religiosas, filosóficas, estéticas,

etc.), que pode, entretanto, transformar-se, ampliando-se.

Para alcançar sucesso na realização do trabalho, as autoras delimitam

cinco etapas para o método recepcional, sendo elas: (i).determinação do

horizonte de expectativas; (ii) atendimento ao horizonte de expectativas; (iii)

ruptura do horizonte de expectativas; (iv) questionamento do horizonte de

expectativas; e (v) ampliação do horizonte de expectativas.

É indiscutível a importância de um método que se preocupe

diretamente com os alunos-leitores, principalmente quando se conhece a

realidade de nossas escolas. A literatura deve ser valorizada cada vez mais,

tendo em vista sua função formativa. De acordo com as DCEs, o trabalho com

Literatura potencializa uma prática diferenciada, constituindo forte influxo capaz

de fazer aprimorar o pensamento, trazendo sabor ao saber (DCEs, 2009, p.

77).

Quanto à prática da escrita, as Diretrizes propõem três etapas

interdependentes e intercomplementares, sugeridas por Antunes, que podem

ser ampliadas e adequadas de acordo com o contexto. Primeiramente, planejar

o que será produzido; ler vários textos de gênero solicitado; delimitar o tema da

produção; definir o objetivo e a intenção em que se escreverá; prever os

interlocutores; pensar onde o texto irá circular; e organizar as ideias. Em

seguida, o aluno irá escrever a primeira versão, depois de seguidos todos os

itens propostos anteriormente, que se referem ao planejamento, e, na

seqüência, fará a revisão do texto. A etapa seguinte refere-se ao exercício de

reescrever o texto, levando em conta a intenção que se teve ao produzi-lo. Ao

refazer seu texto, o aluno perceberá que a reformulação da escrita lhe permite

refletir sobre seus pontos de vista, sua produção, seu pensamento. Durante a

produção de texto, amplia-se o universo referencial e aprimora-se a

competência da escrita, adquirindo, assim, autonomia para avaliá-lo

(ANTUNES, 2003, p. 62-63).

3 Propostas de Trabalho

Com objetivo de proporcionar aos alunos experiências significativas de

leitura, a aplicação do trabalho seguiu as orientações do método recepcional,

idealizado por Aguiar e Bordini (1993). Adotou-se o procedimento básico da

observação e do registro dos fatos observados na sala de aula, coleta de

dados por meio de questionário, debates e a interpretação reflexiva dos dados

obtidos no campo da pesquisa, como convém ao método recepcional.

A pesquisa prática em sala de aula foi realizada com alunos que

cursam terceira série do Ensino Médio no Colégio "Reinaldo Sass", do

município de Francisco Beltrão/ PR.

O universo de alunos totalizou cinquenta alunos envolvidos, cuja faixa

etária variava de 17 a 19 anos. O questionário inicial foi distribuído, visava a

determinação do horizonte de expectativa dos alunos. Utilizou-se

questionário com questões objetivas relacionadas às suas preferências e aos

seus interesses de leitura.

A respeito de gostar ou não de ler, 20% disseram não gostar,

apresentando as justificativas de que “é chato”, “é cansativo”, “começo a ler e

não entendo, então paro”. Quando, contudo, ocorre de lerem, então 10%

preferem a leitura de revistas, 4% de jornal, 4% de livros e 2% de gibi. Com

relação às escolhas de leituras, 2% observam as imagens e ilustrações

apresentadas, 4% o número de páginas que o livro tem e 14% escolhem suas

leituras pelo tema de interesse.

Os que gostam de ler correspondem a 80%, preferindo a leitura de

narrativas como contos, crônicas e poesias, justificando que são textos curtos e

contam histórias fáceis de entender. As preferências de leitura estão em 8%

para leitura de jornal, 24% de revista e 48% de livros, sendo que, destes

últimos, 24% preferem ler contos, 12% romances, 8% poesia e 4% crônicas.

Com relação às escolhas de leituras, 2% preferem textos com imagens e

ilustrações, 6% observam o número de páginas que os textos apresentam

(preferindo textos curtos!) e 72% buscam leituras pelo tema de interesse.

Tendo como análise a observação desses dados, ficou evidente que,

tanto para os alunos que gostam ou não gostam de ler, todos apresentam que,

para fazerem suas escolhas de leitura, o ponto essencial é que o tema seja de

seu interesse. Seguindo, portanto, as etapas propostas pelo método

recepcional, primeiramente foram averiguadas as intenções de leitura dos

alunos com relação às notícias de jornais ou revistas, e os textos que mais lhes

interessavam. Foram disponibilizados aos alunos recortes de jornais e de

revistas com diversas manchetes (esportivas, policiais, trágicas, políticas, etc.)

para verificar quais são os interesses de leitura dos alunos. Segundo Aguiar e

Bordini (1993, p. 42), “[...] se o modelo almejado é o do leitor crítico, capaz de

discriminar intenções e assumir atitudes ante o texto com independência, a

primeira providência é sondar as necessidades dos estudantes”. Constatou-se

que 75% dos alunos buscaram a leitura de manchetes relacionadas a mortes

trágicas, ocorrências policiais e a acidentes, relacionando-as com fatos locais

ocorridos no fim de semana.

Na segunda etapa, atendimento do horizonte de expectativas,

foram lidos os textos das manchetes que atraíram a atenção dos alunos, assim

atendendo às expectativas expressas. Terminada a leitura, conversou-se sobre

o que os motivou a essas leituras, sobre os temas lidos e suas implicações.

Alguns alunos demonstraram frustração, porque imaginavam que o fato lido

deveria ser mais grave, esperando tragédia bem maior. Outros ficaram sem

reação, como se fosse algo normal, corriqueiro. A vida parece estar sendo

banalizada, pois, o que se sabe é que o tema violência é e sempre será um

assunto controverso, inquietante, estando sempre presente no desorientado

mundo consumista em que se vive hoje. Mesmo assim, o que deveria ser de

amedrontar profundamente, isso, no entanto, tem ganhado espaço nas

manchetes dos meios de comunicação, tornando-se assunto “normal”, da

“moda”, do momento. Confirmou-se isso com as leituras dos alunos.

Na etapa seguinte, da ruptura do horizonte de expectativa, foram

apresentados aos leitores-alunos textos que rompessem com o ponto de vista

do senso comum, textos que abalassem com suas certezas, como alguns

poemas de autores consagrados de nossa literatura: "Meninos Carvoeiros"

(BANDEIRA, 1980, p. 85-86), "Morte do Leiteiro" (ANDRADE, 2005, p.108-

111), "Paupéria Revisitada" (ALEIXO, 2004) e "Rondó da Ronda Noturna"

(ALEIXO, 2001, p. 69). Após a leitura desses textos, realizou-se análise sobre

características discursivas do gênero. Cada aluno pode refletir, questionar e

assimilar conhecimentos sobre o gênero textual, a temática explorada nos

textos, compará-los aos lidos anteriormente (jornalístico), como também

levantar hipóteses sobre qual o objetivo do autor ao abordar essa temática e,

ainda, que sentimentos a leitura desses textos despertou. O envolvimento e o

interesse dos alunos foram essenciais para o desenvolvimento do trabalho.

No texto "Meninos Carvoeiros" verificou-se a temática do trabalho

infantil, em que se analisou sob que perspectiva a infância foi apresentada, a

relação de aproximação das crianças e animais à miséria, à exploração e a

violência aos direitos da criança. Apesar de o texto ser de 1938, apresenta uma

grande relação com a atualidade, pois ainda hoje se explora o trabalho infantil

no país e, mesmo com leis contra o trabalho infantil, não se consegue garantir

os direitos básicos das crianças e dos adolescentes:

[...] a valorização das obras se dá na medida em que, em termos temáticos e formais, elas produzem alteração ou expansão do horizonte de expectativas do leitor por oporem-se às convenções conhecidas e aceitas por esse. Uma obra é perene enquanto consegue continuar contribuindo para o alargamento dos horizontes de expectativas de sucessivas épocas.

A atitude receptiva se inicia com uma aproximação entre texto e o leitor, em que toda a historicidade de ambos vem à tona. As possibilidades de diálogo com a obra dependem, então, do grau de identificação ou de distanciamento do leitor em relação a ela, no que tange às convenções sociais e culturais a que está vinculado e à consciência que delas possui. (AGUIAR e BORDINI, 1993, p. 83, 84).

Foi o momento em que o aluno, com o auxílio do professor, pôde

perceber, constatar que há algo de estranho, de novo, na leitura e

compreensão do texto literário. O texto literário também apresenta, expõe um

fato do cotidiano, contudo, através de outra perspectiva, a da arte, que

emociona, que rompe com a visão simples do cotidiano.

A leitura do texto "Morte do Leiteiro", de Drummond, repercutiu bem as

expectativas dos alunos, pois logo o relacionaram com os noticiários diários,

em que a morte é fato rotineiro e quase banalizado. Mudam-se os rostos das

vítimas, dos envolvidos, contudo as histórias repetem-se diariamente, o que

choca hoje, amanhã será esquecido, de acordo com a importância dada pela

mídia.

No poema “Morte do Leiteiro”, da obra A Rosa do Povo, focaliza o

mundo e o homem após a Segunda Guerra Mundial, e, nessa época, a questão

trabalhista aparece como algo fundamental, retratada em uma cidade que

dorme e parece não se importar com a luta revolucionária do oprimido.

Os alunos observaram que a falta de consciência é uma constante na

história, pois ainda hoje o que impede o avanço em diversos setores da

sociedade organizada é o desconhecimento e a atitude acerca da condição dos

que são explorados e da exploração geral. Ficaram claras, no contexto, as

vozes sociais presentes. A do trabalhador, aquele que acorda cedo para

produzir, fazer o país crescer. O proprietário, o que possui bens e os protege a

qualquer custo. O leiteiro, o personagem do martírio, que não é apresentado,

não possui nome próprio, e vem trazer o leite para todos se fortalecerem e

enfrentarem a luta na cidade. Na sociedade capitalista é comum os homens

serem tratados conforme sua colocação social. Por isso o leiteiro não é

apresentado por um nome, mas por sua função, seu trabalho. É somente isso

que realmente tem valor. No texto, o leiteiro se movimenta, “enxerga” a tudo,

entretanto não se expressa, há falta de voz no leiteiro.

Com relação à venda do tempo do trabalhador, um ser que não tem

tempo de compreender sua situação e com uma vida que se resume em

mercadoria, esse foi tema de muito debate entre os alunos. Os principais

pontos apresentados foram: houve um grande avanço com relação às questões

trabalhistas, econômicas, sociais da época do texto e a atual. Apontaram, como

melhorias nessa área, direitos trabalhistas, direito a licenças, salário

desemprego. E concluíram analisando que a venda do trabalho em nossa

sociedade é necessária e que o trabalhador exerce sua função de “qualificação

profissional” sabendo dos seus direitos e dos seus deveres.

A temática do medo e da violência na atualidade foi vista como a

grande problemática, muito mais do que na época do texto. As pessoas vivem

inseguras e com medo de tudo. Não adianta trabalho e salário quando não se

tem segurança, ou que estão interligados um ao outro, para se ter segurança é

necessário trabalho e salário.

O trecho final da narrativa, considerando o contexto social, do

enlaçamento do sangue e leite, originando um terceiro tom, a aurora, para os

alunos, representou a esperança, um novo amanhecer, necessário para

mudança de nossa sociedade. Para que se pare de matar leiteiros, índios,

mendigos, empregadas domésticas, ou seja, que o sangue de inocentes não

continue sendo derramado, para que haja consciência, justiça social neste

país.

Em “Rondó da Ronda Noturna”, os alunos rapidamente identificaram

questões como: o preconceito racial, a discriminação social e econômica e a

violência policial. O poeta nos apresenta, nesse texto, a relação que une

pobreza, descendência africana, suspeita e criminalidade. O poema foi escrito

após o conhecido episódio da Favela Naval (em Diadema, no ABC Paulista, em

1997), em que um rapaz negro é agredido por policiais com tapas, empurrões,

pontapés e palavrões e, em seguida, o matam. O texto apresenta o fenômeno

literário da polissemia e ambivalência que está no fato do uso dos termos

"negro" e "alvo", contrastantes em si, associando as palavras com o resultado

de uma morte (+ uma), e de ele só ser visto como o “branco” (“alvo”) quando

morre, deixando a dúvida se o que ocorreu é por conta da criminalidade ou do

preconceito da sociedade, que faz com que qualquer negro na noite seja visto

como alvo ou como suspeito.

Em “Paupéria Revisitada”, também de Ricardo Aleixo, evidenciou-se a

problemática voltada a questões sociais como o preconceito, o trabalho

(profissão/status) e a posição social, tão valorizada em nossa sociedade.

Após essa ruptura, questionamento do horizonte de expectativa, os

alunos refletiram sobre o trabalho realizado até então, comparando-o às etapas

anteriores para observar qual delas apresentou maior dificuldade de leitura e

qual lhes proporcionou maior conhecimento e satisfação.

Após a leitura dos textos, os alunos puderam constatar que, quanto à

forma textual, cada um apresentou características próprias. Em “Meninos

Carvoeiros” temos um texto da segunda fase do Modernismo, verso livre,

problemática social, a chamada literatura engajada.

O segundo texto, “Morte do Leiteiro”, bem mais extenso, parece estar

narrando uma ocorrência em linguagem poética.

E “Rondó da Ronda Noturna” apresenta características próprias,

conciso, criativo e com grande ênfase na crítica e na denúncia social. Assim

também ocorre em “Paupéria Revisitada”, de Ricardo Aleixo, que apresenta um

texto com conteúdo e características contemporâneas.

Já a última etapa, ampliação do horizonte de expectativas, que foi

resultado da reflexão das etapas anteriores, foi o momento em que os alunos

analisaram o que os ajudou a ampliar seus conhecimentos.

A leitura dos textos seguidos do roteiro de perguntas os auxiliou muito

para uma análise mais profunda e direcionada para a evolução das etapas do

Método Recepcional, de Aguiar e Bordini. Vários questionamentos foram

apresentados pelos alunos durante a leitura e análises dos textos. Percebia-se

o envolvimento e interesse da maioria, assim envolvendo a todos.

Em um segundo momento dessa última etapa, os alunos envolvidos

no projeto realizaram a leitura do livro O Mez da Grippe, de Valêncio Xavier,

publicado em 1981 de forma artesanal, custeado pelo próprio autor e reeditado

em 1998 pela Companhia das Letras, o qual é referência da prosa experimental

no Brasil. Na capa há uma classificação de tratar-se de uma “novella”, por

apresentar o enredo por meio de episódios independentes ou por evocar a

base material das notícias que se sucedem na composição da narrativa.

Durante a leitura e análise da obra, os alunos rapidamente souberam

identificar a maioria dos gêneros textuais presentes no livro. Entre eles o texto

jornalístico (notícia, reportagem), manchete, anúncio publicitário, coluna social,

classificados, cartão postal, editorial, relatório, avisos, documentos oficiais,

decretos, ofícios, texto religioso, Salmos, orações, convites para missa de

sétimo dia, informativo paroquial, narrativas fictícias, poética e memórias

pessoais (relatos de D. Lúcia). Muitos desses textos vinculam-se aos meios de

comunicação (publicidade, entrevista, reportagem), isso porque Valêncio Xavier

era um apaixonado por filmes, realizou vários trabalhos no cinema e no teatro,

atuou como diretor, assistente de direção, montador, roteirista e consultor.

Enquanto realizavam a leitura, os alunos puderam acompanhar e

analisar, com a própria leitura do texto, como produzir uma bricolagem, o que,

nas modernas teorias da literatura, passa a ser sinônimo de colagem de textos

ou extratextos numa dada obra literária, ou seja, textos que se sobrepõem e se

interpenetram, em um jogo de intertextualidade, configurando um exercício de

metalinguagem. O autor desenvolve, por meio dessa técnica, textos

descontínuos, de modo não linear, incorporando novos códigos que se

enlaçam e compõem um mosaico literário. A leitura desse gênero textual foi o

que gerou a maior dificuldade de entendimento por parte dos alunos, pois

muitos não compreendiam a sequência, considerando-o incompreensível e,

como o texto apresenta recorte de jornais da época (1918), portanto com

linguagem de época, isso dificultou ainda mais a compreensão para alguns

alunos.

Alguns alunos perceberam que os relatos de D. Lucia datam de 1976,

período bem distante da época da epidemia 1918, e não compreendiam o

porquê dessa distância no tempo. Como, contudo, a dúvida gerou discussão e

debate, entre os apontamentos apresentados, aquele que foi de consenso da

turma foi o de que D. Lucia era uma sobrevivente e que, muitos anos depois,

provavelmente por meio de entrevista, relata o que viu e ouviu na época, por

isso o texto é apresentado entre aspas. Consideraram que esse

questionamento tenha sido feito pelo autor da obra que os apresenta como

depoimento na obra. Esses relatos apresentados pela personagem são

importantíssimos para a análise da causa/problema e do efeito/resultado

através do decorrer do tempo 1918 – 1976.

Em todos os tempos, em diferentes períodos da história, sempre foi

possível observar as diferenças sociais e os interesses que os dominavam,

como também que são os dominantes. Com a obra O Mez da Grippe não foi

diferente. Os alunos logo apontaram as muitas vozes sociais presentes na obra

e os interesses partidários de dois jornais − um pregando a normalidade e, em

oposição, o outro divulgando boatos alarmistas. Os relatórios e documentos

oficiais representam as autoridades, a visão da igreja, o louco no convento. D.

Lucia, uma espécie de testemunha oral dos fatos, e um sujeito solitário e

misterioso que invade casas e se relaciona com moças doentes da gripe.

Pode-se ler o livro seguindo cada uma das vozes linearmente. O

hipertexto caracteriza-se pela variedade de gêneros textuais que apresenta,

por meio de colagem, recortes, em que a leitura não segue a linearidade dos

textos tradicionais. O interessante é que a mistura de todos esses elementos

textuais é como a leitura de um jornal, em que se busca a página de

classificados ou de esportes, e depois se volta para ler a tragédia do dia. Os

alunos logo perceberam as fontes diferentes de grafia e relacionaram-nas a

cada personagem que compõe a obra.

Em uma análise geral da obra O Mez da Grippe, os alunos envolvidos

no projeto constataram que, entre os textos apresentados de diferentes

gêneros textuais que formavam a obra, em sua maioria eram da esfera

jornalística, outros eram documentos oficiais, relatórios, contudo o texto fictício

e poético do homem de bigode tratava-se de uma produção literária, pois

implica em uma reflexão sobre o real, recriando essa própria realidade. Aí há

uma reconstrução da linguagem em uma dimensão estética, possibilitando a

criação de novas relações de sentido. O livro, sendo a junção de todos esses

textos, em oposição à maioria das classificações textuais que formam a obra,

trata-se de uma produção literária e única, pois tem todo o trabalho, a arte, a

criatividade do seu autor.

Para a conclusão desta atividade, os alunos produziram um pequeno

livro, utilizando a técnica de bricolagem, a partir de uma situação-problema do

momento. Para esse trabalho, fizeram uso de propagandas, notícias,

classificados, etc., veiculados na mídia no momento da produção. Também

tiveram que apresentar um fato. Alguns buscaram fatos fictícios, outros

focaram acontecimentos vivenciados por eles próprios ou por familiares, para o

enredo da produção literária.

O trabalho foi apresentado em sala de aula e o próprio aluno fez uma

autoavaliação sobre toda a sua caminhada de leituras e a sua assimilação,

como também sobre seu trabalho final: a produção escrita.

A leitura da obra O Mez da Grippe foi surpreendente. Em um primeiro

momento alguns alunos sentiram dificuldades na leitura e na compreensão da

obra. Não conseguiam acompanhar a sequência dos fatos (vários focos

narrativos), em que uma história se mistura a outra, contudo observaram que a

obra apresenta várias fontes de letras, e que, a partir dessa identificação,

conseguiram acompanhar um mesmo fato. Já outros alunos não demonstraram

nenhuma dificuldade de compreensão da obra, logo se identificando com ela e

tecendo comentários durante a leitura, como “nossa eu tenho a impressão que

estou assistindo um filme, tudo parece estar acontecendo ao mesmo tempo”,

“esse autor é muito inteligente, eu nunca li nada tão bom, é surpreendente”,

“este livro, vai entrar para a lista dos melhores livros que já li”.

A compreensão mais ampla da obra não foi possível, como análises

dos fatos históricos e dos diversos gêneros textuais que a compõem, porque o

objetivo era a produção de um texto no gênero bricolagem, objetivo que os

alunos souberam compreender e realizaram o trabalho com entusiasmo e

dedicação.

4 Considerações Finais

Ao concluir todas as fases deste Programa de Desenvolvimento

Educacional (PDE) com a finalização deste artigo, considero que toda a

caminhada foi proveitosa e enriquecedora para prática pedagógica na escola.

O passar por todas as etapas, superando dificuldades e, principalmente,

assimilando conhecimentos e novas formas de aprender e ensinar, tudo isso se

soma em significativo crescimento profissional, com benefício também para a

escola pública paranaense.

A proposta de trabalho com a intervenção pedagógica na escola

desenvolveu-se de forma produtiva e efetiva. Trabalhar com o ensino de leitura

literária no Ensino Médio seguindo as etapas do Método Recepcional foi uma

novidade agradável, como também se apresentaram motivos para acreditar

que os alunos facilmente assimilaram o conteúdo.

Apesar da constatação de que poucos de nossos alunos são leitores

de literatura e de que, à medida que vão se aproximando do Ensino Médio,

tornam-se mais resistentes à leitura, pode-se verificar que, com a aplicação do

Método Recepcional, os alunos avançavam gradativamente, tornando-se

sempre mais envolvidos pela leitura e interpretação dos textos, como também

mais confiantes na realização do trabalho. Embora não se possa afirmar que

todos os alunos conseguiram romper ou ampliar horizontes da leitura,

constatou-se que os objetivos foram alcançados pela maioria. Esse entusiasmo

também os envolveu no momento da produção escrita, onde cada aluno pôde

representar, de um modo original e especial, sua aprendizagem e evolução. É

o próprio aluno descobrindo do que é capaz, tomando consciência de seu

potencial e rompendo primeiramente esse horizonte de expectativa.

É imprescindível o estudo e a pesquisa para a realização de uma

proposta de trabalho com atividades motivadoras, interessantes e bem

planejadas. Com um trabalho bem elaborado é que se motiva o aluno a sentir a

necessidade de ler. É necessário que a leitura literária passe a fazer parte do

cotidiano de nossos estudantes.

São os desafios que criam as necessidades. O querer conhecer, o

apoderar-se de bens culturais, o descobrir outros mundos, o buscar outras

leituras, são necessidades que proporcionam prazer, fazem sonhar e ajudam a

ler/ver o mundo.

5 Referências Bibliográficas

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