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Rudifran Pompeu

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Primeiras Obras

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Rudifran Pompeu* * *

A Casa

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Coleção Primeiras Obras, 7Ivam Cabral (organizador)

Apoio Cultural

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A Casa

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Apresentaçãoivan fornerón & izabela pimentel

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Prefácioevaristo martins de azevedo

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A Casa15

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Apresentação

Essas são as horas da gente. As outras, de todo o tempo, são as horas de todos. (gsv)

O que aqui se publica é uma peça teatral, re-sultado de uma trajetória que envolve os ele-mentos mais díspares, e quase inconciliáveis, da criação artística. Disparidade, a observação do mundo nos dá. E o inconciliável é esse terreno de ferocidade movediça onde o mundo é tradu-zido nas mais diversas histórias humanas que a nossa dramaturgia procura alinhavar.

O ano de 2004 é o início desse trabalho: uma pesquisa cuja investigação daquilo que enten-demos por alma humana orienta nosso pensar e fazer teatral. Esse foi e continua sendo o norte do Grupo Redimunho e dos seus fundadores, Rudifran Pompeu e Izabela Pimentel. E esse

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norte tem sido adotado pelos demais intérpre-tes que, passo a passo, foram se incorporando ao Grupo: alguns com brevidade e outros que permanecem até hoje, bem como os novos, que também partilham, como na boiada roseana, de uma existência em forma de travessia.

Essa travessia tem n’ A Casa sua primeira manifestação: a convergência dos nossos olha-res, estudos, viagens, discussões, leituras, coleta de histórias e as memórias individuais e coleti-vas que testemunham a experiência e formam o imaginário de uma geografia poética que dese-nha e revela a humana face sertaneja. E é a essa face humana sertaneja que agora entregamos o registro do nosso primeiro trabalho.

O quanto se agradece está na medida da nossa satisfação e amor pelo ofício. Aos que par-ticiparam e participam do trabalho; aos amigos, na grandeza da amizade; aos familiares pela compreensão no tudo; aos personagens, sonho do real; ao sertão e suas paragens (o mundo) e a João Guimarães Rosa, sempre.

Ivan Fornerón & Izabela Pimentel

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A primeira sensação que se tem ao assistir ao espetáculo A Casa e, agora, ao ler este livro é a do saudosismo. De um agradável saudosismo. Como é bom sentir, por intermédio do perso-nagem que tenta resgatar sua própria memória, a vontade de reviver sua infância, seus bons tempos, seu passado. Em A Casa é possível per-correr este difícil caminho de volta às origens de quem, agora, com um olhar crítico, pode repensar com romantismo muitas das passagens que marcam nossas vidas para sempre.

Esse percurso, na Casa, é feito através de seus cômodos e de seus ambientes, cada um dos quais representando uma história, uma lem-brança, um “causo”. O belíssimo espetáculo é apresentado de modo, digamos, pouco con-

Prefácio

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vencional, longe do palco italiano, e, por isso mesmo, gerando no público essa inigualável viagem, passo a passo, rumo às memórias de uma época. Não acreditei que este livro pudesse chegar perto das sensações que o espetáculo transmitiu! Sentir os cheiros da casa e do jardim. O aroma do café feito na hora, em cena! Os perfumes das moças e os suores dos homens! O cheiro da terra. Como se os odores também fossem personagens. Assim como pareciam per-sonagens, também, cada detalhe da Casa: seus móveis velhos, sua banheira antiga, seu telha-do. Os azulejos, alguns ainda ‘sobreviventes’ e outros já trincados, são provas de muitas recor-dações. Os ruídos das tábuas do chão quando caminhamos pela Casa são como sussurros, ou gritos, de todos os que por sobre elas, centená-rias, passaram. São também personagens.

Inacreditável, assim, perceber que tudo isso, agora, pode ser revivido, sempre, através deste livro, ao contrário do que acontece no teatro, cujo registro é unicamente nossa pró-pria memória. Eis aí a diferença entre teatro e literatura.

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Mas foi na literatura que essa peça foi inspi-rada. E eis aí, também, semelhanças. O admirá-vel trabalho de Rudifran Pompeu, dramaturgo e diretor que conduziu o processo criativo do Grupo Redimunho de Investigação Teatral foi inspirado no universo de Guimarães Rosa. O distante sertão de Minas Gerais extraordinaria-mente descoberto e descrito pelo maior escritor brasileiro é transportado para A Casa de modo romântico, sensível e poético, e, ao mesmo tempo, duro, triste e amargo, mas fiel tanto aos complexos textos de Guimarães Rosa quanto às longas e exaustivas pesquisas que o Grupo fez, in loco, em Cordisburgo, terra natal do grande autor.

Dessas pesquisas, então, surgem as histórias da Casa e os diálogos, compostos a partir das inúmeras conversas que o Grupo manteve com as pessoas que, ainda hoje, vivem no distante sertão mineiro. De cada pessoa nasce um perso-nagem. E de todos esses personagens, a história. Parece que Guimarães Rosa ainda vive lá. Na peça, explorar a Casa é como entrar nesse ser-tão. Não é fácil compreender Guimarães Rosa.

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Nem, tampouco, suas pretensões, sua solidão, suas amarguras e aflições, sua tristeza, sua cultu-ra e erudição exuberante, seu universo, enfim. Dar a oportunidade às pessoas de vagarem por esta Casa é levá-las a Itaguara, de Sarapalha.

Ao mesmo tempo, e ironicamente, na Casa, tal qual em O Cortiço, de Aluísio Azevedo, o ambiente é o ‘personagem’ principal (sutil, mas principal!), assim como o sertão é o protago-nista de Grande Sertão: Veredas. De tal modo que o meio, o lugar e o tempo influenciam o comportamento e o pensamento dos demais personagens, tanto no atraso quanto, muitas vezes, na sabedoria dele decorrente. E esse é o papel da Casa.

E é esse também o papel que a Casa de-sempenha silenciosamente, misteriosamente, como cada história que nela se desenrola. As tramas, os dilemas, as questões muitas vezes primárias, as lendas regionais, os velhos fol-clores, muitos dos quais ultrapassados e esque-cidos, mas prontos para serem recordados por aqueles que viveram aquelas emoções que se resgatam no decorrer da peça. Visitar uma Casa

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de época própria, com um homem que narra suas lembranças, fantasias de criança e suas experiências mais marcantes, e as relações (e revelações!) dessas com seus anseios para sua própria vida. Esse foi o ofício da obra A Casa. Espetáculo inesquecível, ainda mais agora, com este livro que, generosamente, perpetuará sua importância.

Evaristo Martins de Azevedo

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A Casa

PersonagensMessiasMortoMãeFilha3 Rezadeiras4 CantadoresJagunçoVilsinhoNalvinhaVeia MariaCarlos da CatarinaBibianaVeio do Saco (Ou Velho Sete Trouxas)Moça do BanhoMoça Grávida

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Louca do SocóAntônio NecessárioJaquelúciaUm Cão Chamado RegiãoLalino SalathielWeberTonhaMulher JagunçaArizinhoDermidetes (Detinha)João CatingaCoronel NorbertoGrupo de Seis RomeirosSete Foliões do BailePalhaço do Nariz VerdeMágicoBoi Marruá

A história acontece dentro de um casarão an-tigo onde todas as suas dependências são utili-zadas, marcando o caráter de uma encenação itinerante.

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ATO I

Prólogo

Jagunço / matador na antessala (aroma da cena é de cachaça). Um jagunço de uns 40 anos, ar-mado até os dentes, cheirando a cachaça; mãos ensanguentadas, sempre com o chapéu escon-dendo os olhos, roça o fuzil bem de leve nas pes-soas presentes. Não deve importunar a plateia, apenas passar a arma bem próxima daquela. A ele cabe inserir as pessoas no universo sertanejo. Só isso! Ele passa e faz uma oração qualquer; depois, sai da sala e se posiciona na entrada da casa, o que significa que ninguém mais pode-rá sair. Messias, personagem central da trama, veste-se com roupas atuais e até se confunde um pouco com a plateia. A única diferença é que sua roupa é amassada como se tivesse dormido com ela de um dia para o outro.

Messias – (Entrando e convidando as pessoas a segui-lo) Boa Noite! Por favor, venham comigo.

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Ao tempo em que a plateia entra no espaço cênico vai vendo imagens vivas de pessoas em alguma função caseira. Isso tudo acontece nas salas e quartos, enquanto as pessoas passam.– 1ª Imagem: A de uma moça com uma vela à porta, à esquerda.– 2ª Imagem: A de um homem afiando um fa-cão à porta, à direita.– 3ª Imagem: A de uma moça grávida passando roupas suavemente.

Cena 1Salão térreo (aroma de incenso

de jasmim suave)

Jaz o corpo de Vilsinho numa pequena mesa, no centro da sala. A plateia entra, velas estão sobrepostas, ouvem-se umas velhas rezadeiras ao longe, na própria sala há três delas como se rezassem com o terço. Até a plateia se acomodar, segue esse ritual da reza (reza marcada com so-los). Não existe tristeza, mas resignação. Não é pesado propositadamente, mas lírico e sensível. Ao fundo, uma música se mistura à rezação. En-

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tram os romeiros, e um deles distribui água ben-ta para a plateia (um pingo de água sagrada). Os romeiros cantam ao som da reza, e a sala é preenchida por uma música de igreja do interior. Por pouco tempo ali permanecem e aos poucos vão preparando o morto para levá-lo. Durante a música saem carregando o corpo de Vilsinho em procissão. Entra a menina com bacias com ali-mentos (peixe, mandioca, feijão). Tudo muda: luz, clima; é outro tempo. Mãe descasca a man-dioca e a filha escolhe o feijão. Usam para a mesa dois bancos de campanha que antes esta-vam apoiando o morto da cena anterior.

Cena 2Salão térreo (aroma da cena

é de milho-verde e fubá)

Filha – Mãe, o pai tinha couro branco?Mãe – Que nem leite, filha, branco como o

areal!Filha – E ele volta?Mãe – Claro que volta! Daqui a pouco tá che-

gando.

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Filha – Ontem sonhei com ele. Ele cantava uma modinha pra eu dormir. (Canta um trecho)

Mãe – Sabe, filha, acho que isso é um recado, modo de que ele tá chegando e vai aos pou-quinho dando uns sinalzinhos.

Filha – (Com brilho nos olhos) Cê acha que a gente vai com ele pra cidade, pra outro lugar?

Mãe – Outro lugar é onde, filha? Aqui é o único canto em que podemos dizer que é nosso. Onde é outro lugar melhor que aqui? Teus irmãos tão enterrados aqui.

(Silêncio)

Filha – Ô mãe... às vezes me vem umas mi-nhoca na cabeça, uma coceira de perguntar uma coisa...

Mãe – Pergunta, filha?Filha – Se a senhora não zangar... eu até per-

gunto.Mãe – Ué! E que coisa perguntada é essa que

eu posso zangar?

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Filha – Ah... é que às vezes a gente faz as coisas sem ter por quê, né, mãe?

Mãe – Deixa de lenga e fala, filha!Filha – Por que é que o pai foi? E por que é

que nós espera? Não é melhor ir de junto dele?

Mãe – (Pensativa) Ó filha, eu mesma digo que não é coisa de compreensão, de entender: é coisa de Deus. As coisas sempre foram assim. Desde os meninos até agora sempre que foi assim. Dessa vez teu pai que foi por-que tu é menina, senão o mais certo mesmo era vosmecê ter ido no lugar dele.

Filha – Mas é onde que ele vai, mãe? A gente nunca sabe! Ele se apreparou e saiu um dia cedinho e nunca mais que deu sinal de vida! Ele volta mesmo? E se volta, vem de onde?

Mãe – Filha, ele volta do mundo, do outro lado do rio: o mundo é lá!

Filha – E o que ele foi fazer lá, então?Mãe – (Indecisa de explicar) Ah, é coisa de

homem! Não é palavra pra mulher.Filha – Fala, mãe!

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Mãe – Olha, filha, que Deus não me castigue: eu mesma me confundo um pouco com as coisas, mas é que teu pai é um homem mais das religião do que das armas. Ele... Ah, fi-lha! Ele foi mais é tentar achar resposta pras coisas dele, da gente... essas coisas.

Filha – Mãe, eu não consigo nunca que enten-der essa sua prosa!...

Mãe – Olha, filha, vamos parar de querer fuxi-car as coisa de Deus! Vamos voltar pra lida que é o melhor que a gente faz!

Filha – (Decidida) Mãe! Eu vou dizer uma coisa, e a senhora, com todo meu respeito, escreva aí: eu vou me ir pro outro lado rio! E se meu pai tomou rumo nesse chapadão, eu também hei de tomar. Se ele foi buscar resposta, eu também tô buscando. Eu vou, mãe! Vou correr trecho.

Mãe – Vosmecê tá dizendo que vai embora, filha?

Filha – Não é pra se ir embora não, mãe, mas é pra se correr além do rio e ver o que tem por lá! (Brejeira) Sinhora já andou pra riba do rio, mãe?

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Mãe – (Sofrida) Pra levar o Vilson. Ele, mais teu irmão pequeno, fomos todos atrás de um doutor que curava com a ciência das faculdade. Mas Deus não quis que chegás-semos no tempo de cura, e o Vilsinho tá em glória.

Filha – Oh, mãe! Não sofre mais assim, as coisa vão mudar quando o pai vier! (Sonha-dora) A gente vai ser mas é muito mais feliz com ele aqui do nosso lado, fazendo o pão quente que só ele sabe fazer! E nas noite mais clarinha a gente pode pegar uma reta na estrada e atravessar o rio só pra modo d’eu e todos nós conhecermos!

Mãe – Minha filha, vosmecê tem cada uma, viu!?

Filha – Ué! Que tem de mais? Eu quero muito é conhecer esse mundo viu, mãe?

(Um sino de boi toca e um vento importante começa)

Mãe – (Olhando algo na porteira) Filha! Filha! Tem alguém chegando na porteira. Só pode

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ser... filha, corre! Corre, filha: é o teu pai, eu sinto que é ele! É o cheiro do teu pai!

(Um vento forte invade o sertão. Há algo estra-nho no ar)

Filha – (Correndo em direção à porteira) Eu vou ver, mãe, deixa que eu vou ver!!!

Filha – Paaaaai! Paaaaai! Pai...Mãe – (Em silêncio misterioso de prenúncio)

Pai... nosso que estás no céu... santificado seja. Esse vento... esse vento num é bom. Mas num é bom mesmo! Filha... (Quase falando para si mesma) Vem que eu vou no teu lugar, filha!

(Depois de um longo silêncio, a filha retorna com um volume na mão: são as roupas e a bí-blia do pai)

Filha – Mãe! Mãe! O pai... ele não pode mais vir: ele se foi, mãe.

Mãe – Filha, o teu pai... ele não veio porque o

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tempo fechou, vai chover, minha filha. Mas Deus há de querer...

Filha – (Irritada) Deus, mãe? Donde é que a gente tem Deus? Essas são as roupas do pai, ele foi morto, mãe! Morreu de morte matada. Agora é só nós, mãe!

Mãe – Não maldiz o que é sagrado, filha! A gente é poeira nesse mundão!

(Um vento sopra. Raios, chuva)

Filha – Tá chovendo, mãe, tá chovendo; Deus tá irritado com nós, né?

Mãe – Filha! Pelamor de Deus, não fala mais nada!

Filha – É só nós, mãe. Tudo que restou da gente foi essas roupa do pai, a bíblia dele, essa casa distante de tudo... ‘tamo é mor-rendo de tristeza, mãe! Deus tá levando tudo embora.

(Filha de joelhos com a roupa do pai na mão. Mãe, olha o furo de bala na camisa do pai. Pau-sa longa, preenchida pelo pensamento da mãe)

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Mãe – (Tomando uma determinação de homem) Vamo s’imbora, filha, chega de lamento! Pega as roupas do teu pai lá no bornal. (Com urgência) Vai logo, filha, pega lá!

Filha – Mãe, que cê vai fazer?Mãe – (Gritando, enérgica) Vai! Filha, faz o

que eu tô dizendo, vamo s’imbora daqui e ganhar o mundo!

Filha – Mãe, cê tem certeza que é certo a gente...

Mãe – Certo? O que não acho certo é ficar nesse mundo sem justiça, ficar nessa casa como um túmulo de silêncio! Se teu pai foi pras banda do outro lado do rio é porque tava tentando nos salvar. Ele foi avisar Deus que nós existimo. Deus nos esqueceu, filha. Essa espera nos mata todo dia um pouqui-nho, vai pilando bem devagarzinho o nosso coração até ele virar pó. Foi assim com teus irmão, com teu pai... mas eu não vou deixar que maltratem teu coração, minha filha. Vamo s’imbora!

Filha – Mãe, eu quero ir, juro que eu quero!

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Mas minhas perna tão tastaveando, eu tô com medo... e as nossas coisas...

Mãe – Tudo que era nosso já foi pra nunca mais voltar, minha filha. Agora nós é que vamos de atrás. Vem! (Olha para cima em direção ao céu. Saem de cena)

Cena 3Salão térreo

(Entra Messias)

Messias – (Entra, fecha um palheiro) Depois de perder tanto, tem hora que até Deus é coisa desnecessária! (Pausa) Foi bem aqui que o Vilsinho se foi. Lembro dele deitadinho aí, rapazote. Os olhinhos eram pretinhos. Tinham uma pele ressecada em cima como se os olhos tivessem secado. A morte é um troço feio! Desembeleza a gente! Lavaram ele todinho com palha e sabão branco pra ficar mais jeitosinho. (Pausa) No fim, ele saiu daqui com cantoria pra fazer a passa-gem: diz que criança, quando entra no céu,

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é festa! Eu morei aqui. Tanta lembrança, tanta estória nas peças dessa casa veia! Meu nome é Messias, e num tô fazendo negaça de ninguém, não. Tô é com muito medo de me alembrar. E quero contar pra vosmecês os fatos aqui ocorrido, nessa travessia de vida e meia. O senhor tolere... às vezes as coisa se misturam, que nem as veredas, os buritis.

(Ouvem-se palmas lá fora e uma voz de menino)

Cena 4Salão térreo (aroma da cena

é de mexerica/bergamota)

Xininho – Vilsinhoooo! Ô, Vilsiiinho!

(Messias vai atender a porta e sai de cena. En-tra Vilsinho, do outro lado, indo atender a por-ta (Tempo real)

Vilsinho – Entra pelos fundos, que a mãe levou a chave!

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Xininho – (Com vara de pescar na mão) Eita, que vosmecê demorou pra abrir essa porta! Tava na casinha, é?

Vilsinho – Num me enche, Xininho!Xininho – Hoje eu pego uma traíra daquelas de

arrebentá os beiço! Vim preparado! (Mostra o facão)

Vilsinho – Esses bichos nem dá vontade de pegar!

Xininho – Ihhh!... Que leseira é essa?Vilsinho- E é mesmo! Esse rio já tá velho: só

tem fundura!Xininho – Que bicho te mordeu? Tu? Logo

tu, com preguiça de pescaria? Que é que tu tem?

Vilsinho – Nada... Só tô meio desaguado com esse rio, com esses peixe.

Xininho – Nem acredito que vosmecê tá dizen-do isso! Teve sonho ruim, foi? Nós morria no rio? Vosmecê tá com medo de morrer no rio?

Vilsinho – Besteiragem!Xininho – Tá com medo de quê, então?Vilsinho – De nada.

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Xininho – Fala! Vosmecê sabe bem que pode contar pra mim.

Vilsinho – Não tô com nada.Xininho – Fala devagarim que as coisas vão

se sustentando. Que foi que deu com vos-mecê?

Vilsinho – Foi nada, não.Xininho – Fala, menino! Pode falar que eu te

escuto! Tu me conhece, sabe que quero teu bem. Ou num sabe?

Vilsinho – Sei.Xininho – Então, fala!Vilsinho – Foi uma moça que eu vi lá.Xininho – Moça? Lá onde? Do que vosmecê

tá falando?Vilsinho – Da festa na vila, na casa do rio.Xininho – Que moça?Vilsinho – Num sei, nunca vi. Só vi lá na

hora.Xininho – E o que foi que ela te fez?Vilsinho – Nada.Xininho – Então por que tá assim?Vilsinho – Não sei.

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Xininho – Será que te enfeitiçaram, colocaram quebranto pra tua desgracença?

Vilsinho – Num sei.Xininho – Vamos lá na casa da veia Maria!

Ela te dá uma garrafada de alho e sal que tu fica bonzinho na hora, quebra qualquer feitiço!

Vilsinho- Acho que é só uma resfriadagem que me deu. (Preocupado) Será que é doença do mosquitinho maldito?

Xininho – Era só o que faltava: vosmecê se acabar na maleita! Mas nem tá na época! Pra mim é mais feitiço mesmo. Bora lá na veia Maria!

Vilsinho – Não carece, não! É só uma quen-turinha no peito.

Xininho – Melhor tomar uma garrafada da veia Maria do que ficar esperando pra ver!

Vilsinho – Mas tô achando que não carece, não. É bobagem.

Xininho – Deixa de besteragem, Vilsinho! Não custa! Vamo embora ver isso!

Vilsinho – Ah! Tô achando bobajada!

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Xininho – (Empurrando Vilsinho) Chega de lero, vamo lá!

(Saem em direçao à casa da Veia Maria)

Maria – (Cortando alho, enquanto cantarola uma canção que não se entende) Vento fres-co. Chuva fina. Pedra oca e cafetina.

Xininho – (Gritando) Veia Maria! Ô, Veia Ma-riiiia! Veia Mariiiia!

Maria – (Aproximando-se com o charuto na boca e a faca do alho na mão) Fala! Que é que foi, gurizinho?

Xininho – (Meio cabreiro, olha para a faca) É que... meteram um feitiço no Vilsinho! Ele tá atristonhado e num sabe como faz pra limpar a maldade.

(Silêncio, ela observa ele de longe)

Maria – Vem cá, Vilsinho! Quem foi que te fez cruz?

Vilsinho – Não sei, acordei assim... com gosto de nada.

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Maria – Tem dor? Tem caganeira?Vilsinho – Dor, dor mesmo, não! É uma dor

de tristeza, não sei direito. Dói aqui mais ou menos. (Mostra a região do peito)

Maria – (Convicta, com olhar de sabedoria) Feitiçagem! Da braba! O caboclo vai deva-garzinho se sumindo, se entristando... até que bate as botas!

Xininho – (Quase alegre pelo acerto) Falei! Não falei que era feitiço?!

Maria – Mas te acalma que “pra feitiço brabo Deus bambeia as rédeas”. Te acalma! Va-mos fazer o seguinte: me dá um pedaço do teu cabelo.

Vilsinho – Pouco ou muito?Maria – Pouco. Só pra conferir verdade no

contrafeitiço que vou preparar pra vosmecê!Vilsinho – Arre! Pode ser três fio?Maria – Pode, dê aqui! E aproveita e... dá uma

cuspida aqui nessa latinha.

(Ele cospe)

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Maria – Isso. Agora vem cá que eu vou cruzar teu corpo e fechar ele pra feitiço. Daqui até uns dois dias não te acontece nada, e tu vai ficar feliz e com alegria. Depois tem de voltar aqui pra eu terminar a coisa e tu voltar a ser o nosso Vilsinho pescador!

(Faz uma fumaceira com o charuto, bate folhas verdes pelo corpo de Vilsinho)

Maria – Tá pronto! Por enquanto, tá seguro! Depois é continuar os tratamento. Agora se vão daqui que eu preciso trabaiar.

Xininho – Obrigado, viu, Veia Maria? Depois da pesca a gente passa aqui pra te deixar um peixe fresco.

Vilsinho – É... brigado, “dona” Veia Maria! Fico lhe devendo essa!

Maria – Fiquem em paz, meus amiguinhos, e que Deus acompanhe.

(Eles saem)

Xininho – Vosmecê tá melhor?

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Vilsinho – Ah... não sei direito. Acho que vou pra casa.

Xininho – Diacho! Esse feitiço que te coloca-ram é brabo mesmo! Vosmecê, recusando um dia de pesca?!

Vilsinho- Só tô meio triste ainda, acho que vou dar uma dormida e depois eu volto.

Xininho – Será que a tal da moça era uma bruxa?

Vilsinho- Nada! Ela era muito formosa! E é filha do tio da Deinha: um doce de moça.

Xininho – Olhe, tô achando muito confusa essa tua tristezura. (Desconfiado) Ela falou com vosmecê ? Deu olhadela?

Vilsinho – Ela dançou comigo na hora dos fogos.

Xininho – Eitaaa! Entonce é gamação, é amor!

Vilsinho – Sai pra lá, Xininho! E desde quan-do amor dói assim?

Xininho – Dependendo do tamanho dele, dói mais ou dói menos. Compreendeu?

Vilsinho – Não.Xininho – Se vosmecê se encanta de amor com

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uma moça, e esse amor for muito grande... ele dói! Se for menor, dói de outro jeito.

Vilsinho – (Cortando o outro) Ah! Deixa de besteira! Então esse tal de amor é uma tris-teza, dói de tudo que é jeito?

Xininho – Não... quer dizer... é muito mais bom do que ruim! Dói, mas é bom, en-tende?

Vilsinho – Não.Xininho – (Explicativo) Gostar da moça não

é bom?Vilsinho – É... é sim!Xininho – Então?Vilsinho – Mas ela mora na outra cidade,

depois das festas vai s’imbora...Xininho – Aí dói, né? É disso que eu tô falan-

do: se vosmecê tá de amor, vai doer ver ela indo s’imbora, se for junto com ela vai doer porque tá indo embora daqui, onde tão plantado teus amigos.

Vilsinho – Diacho! Amor é assim, é? Uma doedera só?

Xininho – Tem o lado bom que é o aconchego. Sabe quando vosmecê chega com carinho-

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sidade pra moça, e diz que trouxe flor? E ela fica toda molinha? Aí é bom demais!... Ela pega amor em vosmecê!

Vilsinho – (Triste) Mas ela mal me conhece, nem meu nome sabe!...

Xininho – (Tentando levantar o astral do ami-go) Vosmecê num falou com ela?

Vilsinho – Falei.Xininho – Mas disse que tinha encantamento

pela formosura dela?Vilsinho – Meio que disse.Xininho – Como assim, meio?Vilsinho – Ah...disse sem dizer muito, sabe?Xininho – Não...Vilsinho – Disse que ela era a moça mais pren-

dada da festa, que ela me fazia ver brilhinho de estrela quando olhava pras venta dela!

Xininho – Disse assim mesmo?Vilsinho – Foi!...Xininho – Então ela já sabe! Agora precisa é

saber se ela também vê estrelinha quando olha pra vosmecê!

Vilsinho – Ela me disse que sou bonito feito: tourinho novo!...

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Xininho – Então ela tem amor por ti!Vilsinho – Será?!Xininho – Claro! Ela só não pode dizer no cla-

ro das coisas, por causa dos pais que deviam estar por lá!

Vilsinho – Será?Xininho – Bom, é o que eu acho. E se vosmecê

fosse até lá?Vilsinho- Ela já foi embora, foi ela mais a

Deinha.Xininho – Ué! Vai de atrás!Vilsinho – Até a cidade dela?Xininho – É!Vilsinho – Mas é demais de longe!Xininho – Onde é, pra cima de Sete Lagoas?Vilsinho – Ela disse o nome, até me deu um

papelzinho com escritura do lugar.Xininho – Tá vendo? Ela se interessou, tá de

amor por vosmecê! Cadê o papelzinho?Vilsinho- Pois é...Xininho – Pois é o quê? Cadê a escritura do

lugar?Vilsinho- Eu molhei na sanga quando fui

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tomar banho, mas sobrou um tantão! Mas eu sou ruim de leitura.

Xininho – Cadê? Cadê que eu leio pra vosme-cê. Não sou bom de letras, mas sei entender. Cadê?

Vilsinho – Tá aqui.Xininho – Deixa ver... hummm... São Paulo:

ela foi para São Paulo!Vilsinho – É longe, né?Xininho – (Sem saber direito) Nem muito,

não: dá pra ir a três ou quatro dias de ca-minhão.

Vilsinho – Dá pra ler?Xininho – (Lendo com dificuldade) Calma...

o lugar é...Vilsinho- Ela me disse que mora perto da

igreja lá e...Xininho – Ela mora perto da igreja? Aí fica

mais fácil... (Ingenuamente) é chegar e per-guntar pelo nome da moça, que na própria igreja o padre deve saber quem é e onde mora, por ali...

Vilsinho – (Eufórico) É que nem aqui!... O padre sabe da vida de todo mundo!

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Xininho – Então, para com essa tristezura e vamos pescar um pouco!

Vilsinho – E quando vosmecê acha que devo ir?

Xininho – Ir aonde?Vilsinho – Na cidade dela!Xininho – Ah... amanhã cedo já dá pra ir! Se

vosmecê quiser, eu posso ir junto.Vilsinho – (Feliz) Vamos mesmo?! A gente

chega lá, e conversa com o padre, depois, ainda, toma um cafezinho na casa dela, né? Cê acha que ela vai ficar de alegria quando me ver?

Xininho – (Professoral) Se for amor o que ela pegou de vosmecê, vai sim. Vai se rir de tanta felicidade, isso vai! Vosmecê podia levar um peixe graúdo pra ela, hein?

Vilsinho – (Voltando a velha alegria de viver ali) Então, vamos logo pescar que eu depois tenho que me arrumar pra viagem! Eita, mundão veio! Me aguarde que eu vou cor-tar estrada! Vou ganhar esse mundão veio sem porteira!

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Xininho – (Caçoando) Eitaaa! Vilsinho tá na-morando! Vilsinho é sacudo!

Vilsinho – (Feliz e se divertindo) Sacudo? Ocê num me arremede, que eu te ripo! O últi-mo a tocar n’água é filhote de sapo! (Saem correndo em direção ao rio, porta do fundo da casa)

Cena 5Salão térreo

Messias – Vosmecês imaginem que isso era uma vida daquelas, de que a gente fica na sombra da varanda e, depois pode pescar, pode ficar horas a fio na beira de um rio, só olhando o espelho que a água faz!... (Pausa) Esse era o famoso Vilsinho pescador, e ele foi, de nós, um dos primeiro a descobrir o amor. É bunito o amor, né? Quando brota, porque quando morre é uma desgraceira só! E quando não bem morreu, mas meio que adormeceu...? Aí é lasca! Vai vendo... (Sai por uma das portas)

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(Entra Bibiana. Cantarola uma canção. Ela está triste e começa a pôr a mesa com café, bolo... Aroma da cena é de café)

Cena 6Salão de baixo

(Ouve-se o grito de Carlos da Catarina)

Carlos – Catarina! Oh, Catarina! Vem cá um pouco, minha filha!

Bibiana – (Entrando silenciosa) Ela não tá, foi no campo buscar chá de marcela.

Carlos – Então me ajuda aqui, arre! Precisa de eu avisar? Pega lá a carrocinha pra colocar essas trouxas!

Bibiana – A gente carece de conversar.Carlos – Conversar o quê, diacho? Pega lá a

carrocinha!Bibiana – Conversar umas coisas que não tá

certo!Carlos – Diacho, Bibiana! Vai fazer o que eu

tô mandando, traz a carrocinha!Bibiana – A gente combinou que ia conversar...

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Carlos – (Nervoso) Pois que seja, diacho! Mas vai lá e me traz essa maldita carrocinha!

Bibiana – É melhor que seja agora, enquanto a menina não tá aqui!

Carlos – (Muito irritado, mas receoso) Vai buscar o diabo da carrocinha!

Bibiana – Não adianta.Carlos – (Gritando) Casca, Bibiana! Vai bus-

car a maldita da carrocinha!Bibiana – Não vou! E não adianta espernear!Carlos – Vai, diacho! Vai logo ou...Bibiana – Ou?Carlos – Ou... ou... sei lá... ou eu perco o

pouco juízo que me resta!Bibiana – (Provocativa, mas calculista) De que

juízo vosmecê tá falando?Carlos – Você tá me provocando, Bibiana, e

eu não sou homem de tolerâncias! Agora aquieta o facho e busca a carrocinha.

Bibiana – Mas não vou é mesmo! Não vou buscar carrocinha coisa nenhuma! Aliás, quero que você e tua carrocinha...

Carlos – Não termine, sua desaforada! Sua

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desajeitada de cabeça! Nem floreie essa conversa!

Bibiana – Pois é isso mesmo, quero que vosme-cê e sua carrocinha e todas as suas inhas vão pros quintos dos infernos!

Carlos – (Perplexo, hesita, mas chega bem próximo dela) Qual o quê, meu deus do céu! Despirocou os parafusos da cachola?! Retira o que tu disse, mulher!

Bibiana – Nem que chova canivete, mas eu não retiro mesmo... uma só palavra do que eu disse!

Carlos – (Chega bem perto) Eita mulherzinha que gosta de algazarra! Retira ou te arreben-to a cara!

Bibiana – Não retiro!Carlos – Retira!Bibiana – Nem, nunca!Carlos – Desgraçada! Mexeu com marim-

bondo-enxu!Bibiana – Desgraçada é tua mãe!Carlos – Danou-se! Com mãe não se bole! (E

estapeia Bibiana na cara)

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(Silêncio por um tempo até que ela pega um pau e quebra na cabeça dele. Ele cai)

Bibiana – (Enlouquecida e desequilibrada) De-via de te matar de paulada, seu filhote de ca-ninana! Respeita tua filha que tá chegando, que é só o que tu tem nessa vida!

Carlos – Pois que seja... Então o motivo da desavença é que vosmecê quer conversar? Pois pode começar. Tô te escutando.

Bibiana – Primeiro vosmecê se ajeite, que eu não gosto de homem caído.

Carlos – Se eu tô caído é porque vosmecê me derrubou.

Bibiana – Pois se erga, não sou eu que vou te levantar.

Carlos – Isso é mesmo! O único que aqui me alevanta sou eu mesmo.

(Silêncio entre os dois)

Bibiana – Faz tempo que tenho coisas pra dizer, e vosmecê sempre adiando a chuva.

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Carlos – Que seja agora, pode soltar tua tor-menta que meu ouvido tá pronto.

Bibiana – Pois que seja...Carlos – Mas é bom saber, Bibiana, que de

tudo que essa vida me trouxe, desde meus tempos de praça, nossa filha é meu maior tesouro, minha onda de vida!

Bibiana – (Dura) É aí que se dá o problema...Carlos – Pode de ser... Mas solta teu verbo.Bibiana – O caso é que eu me vou embora.Carlos – (Respira, mas já sabia disso) Pois

muito me entristece, vosmecê sabe bem da estima que lhe tenho.

Bibiana – Estima que nunca falou nem de-monstrou, nunca que foi homem de me dizer coisa bonita... Arre, que coisa é viver sem saber!

Carlos – Sempre te disse de minha estima, você que nunca viu isso, “passarinho que se debruça... o voo já vem pronto!”

Bibiana – Não arremeda os bichinho! Fala na minha cara que tu, um dia, me quis bem!

Carlos – O teu problema é desacreditar, é

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deslembrar das cousas como os peixes do rio que nunca lembram um instante depois.

Bibiana – Não encaroça o mingau.Carlos – Cê sabia que os peixes nunca lem-

bram? Tem memória curta? Por isso tão sempre desviando pra todo lado? Eles nunca sabem o que aconteceu momento antes.

Bibiana – E o que os peixes tem que ver com eu ir me embora?

Carlos – É tua desnatureza! Ir se embora é nos condenar pra tristeza.

Bibiana – Nós? De que “nós” vosmecê tá fa-lando?

Carlos – Ué!Tu não te alembra que tem uma filha?

Bibiana – Pois tanto me alembro que é por isso que ela vai comigo!

(Ele se surpreende e fala, entre dentes de raiva)

Carlos – Arre! Isso é que não! Minha filha não sai daqui com eu ainda vivo!

Bibiana – Nossa vida se desarrumou faz tempo, vosmecê não me acredita mais.

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Carlos – Vosmecê é quem nem meu nome não pronuncia na frente do povo! Tem gana de eu ser cigano...

Bibiana – Escuta bem o que vou te dizer, Carlo da Catarina! Desde muito que meu coração rompeu cerca...

Carlos – É bem tua cara, essa nojentice! Mas mesmo assim, me diz um negócio dentro de mim, que é nós dois que o diabo quer levar com toda essa conversa... Me diz os finalmente, Bibiana!

Bibiana – Pra bom matuto a ciência já tá feita, tá dito! Vou-me embora, mais minha filha!

Carlos – Então é bom se armar: minha filha vosmecê não leva! Daqui desse pasto só sai erva ruim!

BBIANA – Eu já me decidi, nós vai se espalhar!Carlos – O melhor é ficar todo mundo junto

e parar com essa lenga!Bibiana – Não! Eu comecei essa milonga e

vamos até o final: o melhor é ficar bom por dentro! Chega de desfaçatez, fingimento na igreja, de domingo... Agora é pôr os botão nas casas.

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Carlos – Não mesmo! De sofrimento a gente já entupiu!

Bibiana – O causo é que eu não aguento mais essa vida de casada: lavar, cozer, buscar carrocinha, jantar, passar perrengue...

Carlos – (Irônico) Essa é bem boa mesmo!... Bibiana – Tem dias que parece que tudo é

igual, que o dia é pesado sem ser... Às vezes, eu fico chorando no escondido, mas não sei dizer por quê! Então eu acho que tô varian-do e que depois passa. Mas no dia seguinte é tudo igual: quando tu chega da roça, parece que eu já sei tudinho que tu vai dizer ou fazer. Sei onde tu vai sentar na mesa, vai tirar as alpargatas e colocar de pezinho no canto da porta, vai até onde tua filha dorme e, depois, volta sem dar um piu! Todo o dia é o mesmo dia...

Carlos – (Apalermado) Mas se esse é o causo, eu posso mudar o curso: se quiser, nem alpargatas eu ponho mais! Pra mim, tudo é mais no simples.

Bibiana – Mas eu não sei explicar direito... E tudo é sempre igual... É aqui dentro da

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cabeça e do peito que dói... É a palavra que vosmecê me diz no de vez em quando que me da uma irritação dos diabos!

Carlos – Mas isso é muita ladainha! É coisa de seu Quequé da venda. É muito floreio, coisa de mocinha!

Bibiana – Se vosmecê fosse homem com diz que é, devia de ter coragem de me falar o que sente!

Carlos – (Silêncio) Olha! Eu vou abrir aqui pra vosmecê toda as coisa que têm dentro da gente, mas têm dificuldades de sair. Eu mesmo, desde muito, que tenho coisa pra falar, mas é ruim de achar tempo e lugar. Vosmecê mesmo sabe que vem de uma vida que até dá medo de falar... Vem de um ca-samento com seu Dadá... Eita homenzinho que me arrepuna de raiva! Se eu fosse mais desajuizado, eu fazia um estrago com ele! Mas pra ti parece que tudo é assim, na cal-ma e no esquecimento. Cada vez que fala dele ou se alembra de uma coisa daquele tempo... eu cresço por dentro e sem saber

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por quê! Afinal, ele sabe que agora nós é casado perante Deus e tudo.

Bibiana – O seu Dadá é passado, faz parte de um tempo que não tem volteio.

Carlos – Oxe! Você tá dizendo que tenho ciumera do passado, Bibiana?

Bibiana – É isso mesmo! E tem mais: vosmecê com esses assuntos de não aguentar o tempo de atrás, faz de tudo pra arrumar uma rusga! Aí a gente perde a cabeça e... até de bater no meu homem que eu gosto eu já bati!

Carlos – (Meio sorridente) Eh! Bibiana, tá dizendo que vosmecê gosta de mim? Tá dizendo, não tá, filha?

Bibiana – Pois é isso mesmo! Tô dizendo que gosto, e gosto mesmo.

Carlos – Mas eu também gosto por demais, Bibiana? Então por que é que ’tamo nesse redimunho?

Bibiana – Porque nunca que conversamo.Carlos – Oxe!Bibiana – Mas eu ainda quero ir me embora

daqui!

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Carlos – (Cauteloso) Pois que seja, Bibiana, se vosmecê quer tanto ir se embora, então está tudo acertado. É só preparar as troxas.

Bibiana – É isso então... Vou lá dentro arrumar as tralhas e chamar minha filha.

Carlos – E se o povo falar bobagens?Bibiana – Pois eu tô muito é pouco ligando

pra esse povo! Tô firme em Deus, e isso é que me vale!

Carlos – Pois então, vamos embora!Bibiana – Como assim, “vamos” embora?Carlos – Ué! Vamo, uai! Eu também vou com

vosmecês. Vocês são minha vida!Bibiana – (Meio contente) Eita, homem... ma-

ria vai com as outras!Carlos – Arre! Se eu sou cigano! Não sou de

cravar morada em lugar nenhum.Bibiana – Mas eu quero é me ir na solidão, vos-

mecê não tá nas minhas ideias de partida.Carlos – (Como se fosse negociar) Mas é aí que

mora o perigo, Bibiana, eu vou com vosme-cês e, se até o fim da estrada de Andrequicé, se até lá vosmecê não mudar as ideias, eu

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me sumo por esse mundo e nunca que tu vai ouvir falar de Carlos da Catarina!

Bibiana – Vosmecê nunca que perde essa ma-nia de ciganear, tá sempre querendo levar o mundo no bico!

Carlos – (Irônico) Tá com medo de se pegar em mim de novo, minha neguinha?

Bibiana – Pois tá feito! Medo de homem é o que eu menos tenho! Então vai te apreparar.

Carlos – Já tô pronto! Pega a carrocinha pra modo de colocar as cousas!

Bibiana – (Irritada) Nunca! Mas nunca mais me fale de carrocinha, viste Carlos?

Carlos – Tá justo, então vamos assim mesmo! Não vai levar tuas coisas?

Bibiana – Que coisa? Essas tralhas só servem pra dificultar a vida do cristão! Tudo que eu preciso é minha filha... O resto é Deus que guia.

(Vão saindo em direção à estrada)

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Cena 7Salão térreo

Messias – Às vezes é preciso um “chacoalhar de perto” pra desenfeiar o casamento. Mas vamos seguir nossa caminhada, minha gen-te! Mas antes deixa eu perguntar uma coi-sa? Vocês já ouviram falar do veio do saco? Aquele que a mãe da gente fala quando a gente não quer fazer alguma coisa? (Pausa) Pois eu me criei vendo e ouvindo o veio do saco. O veio-sete-troxa! Diz que se você piscar 7 vezes, ele vem pra você! E vem em forma de meio homem e meio mulher, meio grande e meio baixo. Os mais veio diz que ele é baxinho pra poder passar por lugares apertados e pra não ser visto pelas janelas. E se a gente tentasse? Deixa-me ver... Tem que piscar 7 vezes, vocês podiam contar pra mim? O senhor aí, pode contar em voz alta pra chamar o veio? Me faz esse favor? (Espera a plateia contar) 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7... (Nada acontece)

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Cena 8Salão térreo (aroma de incenso de umbanda)

(De repente, de um lugar inusitado, assustado-ramente surge o veio do saco)

Sete Trouxas – Eita! Eita! Eita! mchuuuu, mchuuu... sisssssss... sisssssss...

(Pega os 7 sacos e sai)

Messias – Deu pra ver como é pequeno? E grande ao mesmo tempo? Tá comigo na minha cabeça desde os meus 6 anos... Bom, mas eu convido os senhores a me acompanharem. (Chega em outro espaço) Aqui vivia a louca do socó! Ninguém sabe direito a história dela! E ela mesmo é sem certeza.

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Cena 9Louca do Socó (aroma de chá de

marcela e chá de folhas)

Louca do Socó – (Calma) Desanuviando a noite...Vem pra mim, meu menino! (Ouve uma chinela arrastando, alguém que vem vindo) Ocês vão morrer, seus Ribeiro! Vão morrer na bala chinelagem! Qué que foi, seu mardoso, tição, tinhoso! Ocês que pe-diram... Ocês que vão ter... Vai ser na bala! (Silêncio. Ela fica calmíssima e pega na vassoura) No deslaço do nó que me deixa-ram presa, na garganta amarrada de dor é que eu, mais meu filho, sacudimos as tripa pra modo de podê tirar essa sujeira da boca, esse cortante do peito! Havia, sim, um dia de sol forte menos amarelo e desjuntado das nuvens, onde por vez e outra, no ca-languear do quente, uma morte se fazia... Eita! Que nem eu, que me amava a mim e ao meu filho, posso de entender os ajustes das coisas sem ao menos ter a verdade de lado no caminhar da sombra. O veio Ribei-

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ro foi o bandido que matou meu fio! (Com raiva, aponta a vassoura como arma) Ocês vão morrer na bala! Seus mardoso, tição, tinhoso! Ocês que pediram... Ocês que vão ter... Vai ser na bala! (Calma) Amei o veio, e nem dei luz na corrida. Se encontramo bem longe, mais pra lá, por conta de tudo que é desventura que a alma da gente repassa aos outros. Eu disse: “tu vai pra um lado e eu pra outro”. E ele, sem ver a galhofagem, se foi, orgulhado por dentro, e eu mesma, que nem queria o fato, desses de verdade, fiquei plantada nessa roça de melancia!... Vida desmedida que nos leva que nem vento rodopiante, e lá, de vez, na frente do pro-blema, eu recolho todinha eu mesmo pra dentro de mim... Só o que eu não queria era ver meu filho, minha cria, nesse mato sem cachorro... E o veio que eu amava, que de veio mesmo só tinha o papo, se partiu e se foi. Precisava o senhores vê o triste do fundo dele, se saindo num rio fino... Que sumia dos olhos até a boca, desfazendo a macheza e deixando ele mais veio que era, nem eu

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dizendo aos grito que era uma rusga, que eu mesmo quero mais é ele do meu lado, ele se assossegou... E vejam o que é a vida da gente! Esse veio amor de rapazote, que eu tive na berada dos 20, e que se foi, por conta de eu fazer uma única brincadeira de mentira... Foi o resultado de um fato maior que a vida... Dizer que a cria era do Orósio, foi galhofa, mangaça! Foi ali, no calor da desmedida, da intriga que eu me perdi do home, do veio como sempre o chamavam. Nesse canto tem um couro de égua, que foi dele, que foi meu, guardo ainda pro causo de um retorno inesperado, porque a vida é assim: faz nascer e faz morrer. Mas às vez que tenho na cabeça uma lembrança, me dá um anuviado de dor que só gritando pra riba é que se some. Uma dor de cortar o peito, de estufá os bofes! E o meu fio, po-brezinho, se partiu há muito tempo, e o veio que devia de saber que o menino era dele mesmo, sangue dele... Mas veio mau tem sangue ruim, num crê em nada e menos em mim que sou muier... Arre! (Treme muito

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e vai se descompensando) Vai! Desgraça! Eu vou matar todos vocês! Seus porquera! Cu de burro, ocês vão virar brasa! Vou fu-rar todo mundo! (Entregam-lhe comida por baixo da porta) Canta, desgraça! Canta na minha porteira pra tu ver! Vou te azeitar de chumbo, infeliz! Vou te deixar vazado, incrédulo desgraçado! (Cansa e aos poucos vai se alimentando) A vida faz nascer... E a mesma vida faz morrer... Vão s’imbora!

Cena 10Salão térreo

Messias – Por favor, senhores. E assim vive a pobre! Gostaria de mostrar onde a gente es-conde as lembranças. (Ao cruzar para outro espaço, observa na janela a imagem de um matador. Olha por um tempo e segue para o quarto de banho) Aqui era o quartinho de banho... Minhas primas se banhavam aqui...

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Cena 114ª Imagem (do banho) (aroma de alfazema)

(Passa e espia. Tem uma mulher tomando ba-nho. 5ª Imagem: jagunço e vítima presos no catre. A encenação pede para que o público se locomova para a área externa da casa.)

ATO II

Cena 12Quintal/árvores/rio (aroma de terra molhada)

(Já na rua, no quintal da casa)

Messias – Podem se acomodar, senhores! Não sei se dá pra imaginar, mas ali atrás, passava o rio, um rio comprido... cheio de peixe! Lembrava o velho Chico. Aqui passavam as tropas, as boiadas, os cantadores e toda sorte de gente que movimenta esse sertão. Ali onde agora se vê uma porta, vivia o velho Antônio Necessário, que cuidava da pas-

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sagem do rio. Era um velho bravo! Tinha uma porção de ‘guaipecas’, cachorro na língua dele. Ele que cuidava da passagem pro outro lado por causa que, bem onde era a casa dele, era a parte rasa do rio, e todo mundo pedia passagem por aqui. E mais pra lá, do outro lado do rio, viviam os mais isolados: a mãe do Dito, os Ribeiro... e uma mulher que cá chamavam de Jaquelú-cia, por conta que ela era casada, ajuntada com outra mulher. E como ela chamava Jaqueline, e a amásia se chamava Lúcia... o povo apelidou de Jaquelúcia. Dizem que a Lúcia morreu de picada de barbeiro, e que a Jaque vagou 20 dias com o corpo da amada pelo sertão, procurando sabe Deus o quê! Vai vendo. (Sai)

(Uma mulher vem arrastando um volume, al-guma coisa dentro de um saco).

Mulher – (Fala com o volume) Vem! Não teima com essas coisas, vem junto que eu te levo... Ninguém vai ver a gente, não.

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(Com muita dificuldade, vai se arrastando e puxando o saco) Vem, eu prometi que ia te levar... Se não der pra passar, a gente espera as luz da casa se apagar e atravessa no escuro. Nunca que vão ver a gente passar. Mas vosmecê tem que ajudar. Vem, vamos indo...

(Cachorro late e alerta o homem que grita de longe)

Antônio Necessário – Quem vem aí? (Silên-cio) Quem vem vindo aí? Fala! Senão eu solto os cachorros!

Mulher – É eu... Sou eu mais meu... (Latidos altos)

Antônio – Eu quem, diacho? É tardinha, e aqui já passou quem tinha que passar.

Mulher – Me atrasei! Sou da Ponta do Pinhal. Venho de longe e trago volume!

Antônio – Se achegue mais que eu sou ruim de vista! Tua voz é fina ou tu é muié, mesmo?

Mulher – (Incomodada) É garganta inchada...

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Antônio – (Não acreditando) Sei... E que cheiro de carniça é esse? Me diz logo, quem é tu?

Mulher – Sou de paz, não quero confusão.Antônio – Mas afinal, que diacho de voz é

essa? Responde, senão os bichos vão festar!Mulher – (Indecisa) Eu tenho pressa de pas-

sar, não carece de confusão.Antônio – (Irritado) Quem é tu, desgraça?

É homem, é mulher... ou é o filhote do demo?

Mulher – Já disse que não carece de confu-são!

Antônio – (Gritando) É homem ou é muié? Fala, inferno!

Mulher – (Um pouco irritada) E o que isso importa?

Antônio – (Assustado) Então é o capeta! Se for, tá frito e cozinhado, por aqui só tem cristão!

Mulher – Só vou passar e seguir o curso...Antônio – Nem que eu quisesse: os cachorros

já tão enervados com teu cheiro.Mulher – Seu Antônio! Eu só quero passar, e

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tenho volume pra entregar. Não tem nada de capeta.

Antônio – (Pirrônico) Ah! Tá fazendo adivinha-ção com meu nome, é?

Mulher – Eu conheço o senhor... O senhor também me conhece.

Antônio – Agora quer desconversar. Os bichos já tá arisco, tão sentindo cheiro de coisa ruim...

Mulher – (Exausta) Olha bem pra mim, seu Tonho: sou eu!

Antônio – (Fechando os olhos) Nem vem, ti-nhoso, sei que tu quer é meu estrago! Se eu te enxergo, viro pedra, né? Pensa que eu sou besta?! Vai t’imbora, senão solto os bichos!

Mulher – Sou eu, seu Tonho, a Jaque... do terreno do Norberto. Só quero passar.

Antônio – (Irritado) O quê? Já sei que vosmecê é o carantonho! Tô sentido cheiro de carne podre.

Mulher – Deixa de besteira, seu Tonho! Sou eu, a Jaque... Da terra da Sirga, da terra do Norberto...

Antônio – Para de inventamento, capeta! Pois

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eu sei muito bem que a tal de Jaque não se alevanta, tá com picada de barbeiro faz é tempo, e nem andar não anda!...

Mulher – (Falando para o volume) Mas ô gentinha burra, né?

(Silêncio)

Antônio – Vai, capeta, arreda imbora daqui, se não vou soltar os bichos!...

Mulher – Pelo amor de Deus, seu Tonho, tira os cão que eu só quero me ir!

Antônio – Pois por aqui vosmecê não passa, capeta!

Mulher – (Já cansada) Seu Tonho! Eu tenho que ir pra lá, já estou andando faz dois dias, não tem como voltar. É pra lá que quero ir!

Antônio – Para de me chamar de apelido, des-graçado! E não dá nenhum passo que se não eu solto os bichos! É muito descaramento do sujeira vir aqui me desafiar! Saiba que tô amparado em Jesus, seu desgraçado!

Mulher – Seu Tonho, sou eu, a Jaque... Se o

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senhor não acredita, deixa eu chegar perto e o senhor vai ver...

Antônio – Deus, credo, Jesus! Vai me enfeiti-çar com as vista, né? Nem por nada eu mes-mo não abro os olhos pra vosmecê! (Fecha firmemente os olhos)

Mulher – Mas se não abre os olhos, aí é que não vai saber que sou eu mesma, a Jaque da terra do Norberto!

Antônio – Deixa de ser asqueroso! A Jaque é uminha que vive ajuntada com outra na ponta do pinhal, é mulher pecadora, e por isso mesmo tem castigo. Foi picada de bar-beiro e nem não pode andar, tem perna podre.

Mulher – Sou eu mesma. E eu posso andar, sim, senhor. Quem é picada de barbeiro é a Lúcia, minha amiga.

Antônio – Pois se é vosmecê, então piorou! Tenho nojo de mulher que deita com mu-lher. Isso é coisa feita pelo brincalhão, pelo nojera... Vosmecê tem que morrer torrada na fogueira!

Mulher – Besteira desse povo! Nós é amiga.

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Antônio – (Irônico) Amiiiga? Amiga como, se vosmecês são amasiadas? (Fala com o cão) Olha só, Região, disse que é “amiga” uma da outra... (Rindo) Então não trança coberta com ela, não? (Fazendo chita) Ai, ai, ai, ui, ui, ui... As duas florzinha se aconchegando na friagem... (Sério) Vai criar vergonha nes-sa cara, capeta! Filhote do demo!

Mulher – (Um pouco sem paciência) Olha aqui, seu Tonho, eu não tenho rinxa com vosmecê, mas tenho que me ir embora e, além do mais, essas terras é divisa cantada: vosmecê que se colocou aqui! Todo mundo passa sempre aqui. Eu tenho que passar. Se não me acredita, não tem mais o que fazer. Se soltar os bichos, eu também vou me defender... tô te avisando!...

Antônio – Tá de raiva, é? Mas por aqui vosme-cê não passa, nem que queira! Agora é que nunca vai passar. Se for o demo, tá lascado, se for a meretriz ajuntada com muié, é pior: aí é que não passa mesmo!

Mulher – (Grosseira e irritada) Mas tu é muito burro, né? Na verdade verdadeira, o demo é

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tu, desgraçado! Tu que tem espora nas patas e não me deixa seguir viagem. Vive aqui com bíblia na mão e sovacando cachorro. Deus vai é te dar uma bela duma sova se tu não arredar pra eu passar!

(Tensão)

Antônio – Tô ouvindo teus sorriso, cão! Aqui não passa.

Mulher – (Para o volume) Fica em paz, nós vai passar...

Antônio – Tô de olho, tô ouvindo teu sorriso, cão: aqui ninguém passa!

Mulher – Isso é o que nós vamos ver! (Se arruma, abrindo espaço)

Antônio – (Tomado) Pode vir, cão! Que aqui eu tô grudado em Deus! Pode vir, desinfeliz, que tu vai virar brasa na ponta da minha adaga! (Puxa a adaga)

Mulher – (Tenta pela última vez uma nego-ciação) Escuta, Antônio Necessário! Não carece de ter morte, nem minha nem tua! Só quero atravessar, e te digo que não sou o

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Babão, não sou o tinhoso! Sou a Jaque, da Lúcia... como vocês mesmo caçoam: sou a Jaquelúcia, das terra do Norberto. E só quero ir pro outro lado levar o que é meu, que tá aqui nesse volume. Pra esse lugar aqui nunca mais quero voltar!

Antônio – (Gritando, possuído) Assopra, vento, demônio! Que tudo isso é desverdade! Tu é ladrona de muié! Já roubou muié dos outros, agora vai azedá no sal! Aqui tu não tem passagem. Sai daqui, cão!

Mulher – (Desistindo de convencê-lo) Pois que se dê o trá-lá-lá! Pra ti quero é mais teu fim, desgraçado, pois tô achando que tu é um sinal, é guarda do diabo! Só pode de ser isso: tu é o capeta! Tá na beirada de rio que é pra catar donzela! Sai de mim, cuz-cuz! Vou passar com minhas coisas, nem que tenha que despelar teu coro!

Antônio – (Possuído) Chega de perfeitagem! Vem, ladrão! Vem, corisco! Pra ti eu mando o salmo 91! Agora que eu quero ver tua co-ragem, ladrão de alma! (Solta a corda que segura o cão)

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Mulher – (Irônica) Mas é muita burrice pra um home só! Isso não me atinge satanás, eu sou cria de Deus!

(O cão nem liga, vai embora)

Antônio – (Possuído) Arre, vento forte! Assopra essa coisa daqui! Ladrão é ladrão: se roubou um boi ou uma goiaba é ladrão igual! Seja na política ou no roçado é ladrão igual! Não tem lugar no reino do céu! Vosmecê é ladrão, rouba dos outros, então é rato de troca! Daqui não pode passar, e não sou eu quem tá dizendo: é Deus que tá me apitan-do... dá um salve, Jesus! E tu te volta pro teu caminho, te entrega nas mão de Deus e volta pro Pinhal, desgraça, tu não tem saída, coisa ruim!

Mulher – (Dotada de espantosa coragem) Ja-que da Lúcia não tem medo de homem, e muito menos de assombração! Fecha os olhos, desgraçado! Tô passando! Fecha essas vistas, desgraçado! (Puxa o facão)

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(Ela vai passando, se arrastando por debaixo dele que, de tão possuído, não percebe. Ela cru-za bem rente a ele, arrastando um volume).

Antônio – (Tremendo de raiva e tomado) Deus tá comigo e de mim não larga, tenho o livro de Deus pra orar! Aqui tu não tem vez, esse corpo é de Jesus! Quero ver você passar bem debaixo da cordinha... (Delirando) Vem, bu-nito! Arrancatoco, Tererê, Azulão, Fuleiro, Seboso, Malvadeza, Secretário!...

(Ela o passa)

Mulher – (Para o volume) Vosmecê me descul-pe esse entrevero: coisa de gente louca.

Antônio – (Ainda possuído e raivoso) Não vai vir, não? Costadeira de barranco, égua pari-deira! Pode vir que eu tô na espera, tô azedo de raiva de ti, tô seco pra te emparedar! Deus me alumie e me alterne o braço pra não negacear na hora do vamos vê!

(Do outro lado ela fala alto)

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Mulher – Seu Tonho! Descansa a cabeça, seu Tonho! Já me vou. Não precisa de se enervar, meu mundo é outro e daqui não quero nada. Sou filha de Deus, e do capeta não tenho parte, viste? Sou mais sua amiga do que inimiga!

Antônio – (Surpreso que ela já tenha passado) Arre! Vento traiçoeiro! Amigo eu não preci-so... eu dispenso esses amigos! “Amigo é o aço e o braço!”

Mulher – O senhor já tá ficando louco nessa solidão sem fim. Precisa mais é de gente por perto. O seu companheiro é o cão!

Antônio – Sai daqui, tratante! Vai tomar rumo e me esquece! Deus é meu pastor e nada me faltará. Cai mil ao meu lado e, ainda assim, nada me atingirá. Vai s’imbora, salgadinho, perfumado, enxofre, cascão...

Mulher – Um salve pro senhor, seu Tonho! Se um dia o senhor descobrir o que é ter amor, aí é que eu vou acreditar que o senhor tá com Deus!

Antônio – Sai daqui, mulher do demo! Tu é

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o pecado mais sujo da Sirga, e eu prefiro andar sozinho a ter amigo da tua laia.

Mulher – (Já saindo) O tempo vai passando pra todos, viu, seu Tonho? A cada dia fica mais difícil conviver com a vida!... (Fala para si mesma) A gente anda devagar, pé por pé, pé ante pé... pé... Vai ser difícil perma-necer de pé. (Olha para o volume)

(O velho Antônio sai resmungando e fazendo reza, sai devagar chamando os cães por assovio)

Cena 13Quintal de árvores

Messias – Aqui, na beira desse rio, também tinha muita coisa engraçada. Sabe esses ca-bra enrolador? Esses sujeitos que, de alguma forma, Deus ampara? Tipo de gente que não é chegada em trabalho, mas também não faz mal a ninguém? Pois aqui viveu o Lalino. Homem engraçado, franzino, o mais enrolão que já se teve notícia. Nunca parou em emprego nenhum e vivia por aí,

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acendendo cigarro no sol, comendo em casa alheia, dizendo-se valentão. Mas o que se sabe é que nunca nem tocou numa arma de verdade. Mas era um boa-praça. Malan-dro, astuto e de inteligência rápida. Mas, de vez em quando, bebia demais e saía por aí falando de um, maldizendo outro. Isso dava umas revoltas que, de vez em quando, o negócio azedava. Mas o Lalino, com um poder incrível de persuasão, arrumava tudo do jeito dele... (Sai)

Cena 14Quintal de árvores (aroma de terra molhada)

(Entra um casal armado e, de passagem, per-guntam ao Messias)

Weber – Ei, moço! Viu um cavaleiro passando por aqui?

Messias – (Pensativo como se aquilo fosse uma lembrança) Como?

Tonha – Um cavaleiro, moço! Que anda de cavalo, que tá chispando poeira por essas

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bandas. Não viu, não? O nome dele é La-lino!

Messias – Que anda de cavalo? Lalino... espe-ra! Vosmecês são quem?

Tonha – Vai logo, moço! Viu ou não viu um cavaleiro por essa estrada?

Messias – (Relembrando) Não é possível! Vo-cês são os alemão da fazenda dos Buritis! Me lembro... diabos, tô vendo coisa!

Tonha – (Nervosa) Vai logo, moço! Viu ou não?

Messias – Não!Weber – Agradecido! (Saem)Messias – (Para a plateia) Isso é uma visa-

gem... Um tempo que me encontra quando é preciso.

(Homem entra e fala para a frente como se hou-vesse uma platéia, na verdade, conversa com um anjo do céu)

Lalino – (Feroz) Meu nome é Lalino Salathiel! Sou filho de judeu! Minha mãe é Sabina Salathiel, e meu pai, que Deus o tenha, se

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chamava Lalino Salathiel, o mesmo que o meu! Desde muito tempo que me entreguei pra Deus, pra modo de facilitar minhas ideias. Sou burro de palavras, mas sei contar dinheiro! Sei brigar na faca, se preciso for. Tenho pontaria de tenente (Mostra a arma). Digo pra qualquer sujeito dessa cidade: na bala não existe quem me escore! Mas chega de salgar o assado! Vim aqui pra modo de percurar um bando... um bando de gente ruim, sabe? Que me disse maldades e me fez desaforos! Gente sem respeito que es-panta povo de bem sem necessidade. Gente nojentinha que acha que o dinheiro e a cor da pele são o que fazem ser melhor que os outros. São cheios de “querê ser”! Aqui, hoje, vou palestrar. Vou dispensar “adevo-gados”, e já deixo claro: tô com preguiça de padre! Portanto, não me venham pedir a Deus, pois hoje ele tá sem funcionário!

(Entram Weber e Tonha armados e fazendo mira em Lalino)

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Tonha – (Gritando) Lalino Salathiel! Deixa os dedos trançados pra eu poder ver! Não se atreva a me desobedecer, homem! Tá mais do que cercado! E se for mesmo homem, não peida azedo, infeliz! Te aquieta que eu vou me chegando...

(Lalino mantém a calma e fica paralisado, sem se mexer, deixa a arma e cruza os dedos)

Weber – Se afasta devagar, Lalino... E não pia! (Sempre gritando alto para manter o outro com medo)

Lalino – Calma, gente! Tava só treinando conversa: diz os santos que se falar pro vento os anjo escuta.

Weber – Então, Lalino, quer dizer que agora você deu pra mentir pro povo? Que con-versa é essa de me arremedar na venda do Lopes?

Tonha – E de chamar a nossa família de bandi-do, de matador de judeu? Vai ter que provar a cachorrada, cretino!

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Lalino – Opa! Opa! Isso é um grande e bem gordo mal-entendido! O que eu disse e com-provo, e até atesto com gosto, é que vosme-cês são aparentado com os alemão...

Weber – E que mal tem isso? Seu falastrão! Agora vai ter de dar conta no delegado...

Tonha – É! Que tem mais de ruim nossa gente ser do estrangeiro?

Lalino – Bom... Mau mesmo não tem... O que eu repito de novo... É que... No calor das conversas, falaram por lá que vosmecês são fugido e tão entocado por aqui. E não fui eu quem disse, não!

Tonha – Maldito seja, Lalino Salathiel! Nós veio pra cá foi de São Paulo! Nós nunca que esteve no estrangeiro! Nossa gente veio de lá... corrida como a tua...

Weber – É... Nós já tivemos foi muito proble-ma com gente como vosmecê que acha que tem o rei na barriga. Agora vai ter de mostrar banca é na ponta do meu bacamarte!

(Entra uma mulher, armada com duas pistolas e um crucifixo)

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Mulher – Eta, eta, eta... Mas que cheiro de borceta! (Weber e Tonha se assustam, mas mantêm a mira em Lalino)

Weber – (Incomodado) Se aquiete, dona! É caso nosso! Não tem nada de ninguém aqui, não! Nós não é bandido... Ele que é!

Tonha- É, é isso... Ele que é o bandido, tá desaforando as famílias direita, agora tamo levando ele pra prestar conta com o padre e com as autoridades.

Mulher – Eita... se preocupe muito não, minha gente! (Tonha cospe) Mas é bom que não se mexam, pra modo de eu não me assustar. Tenho trauma e sou mole de dedo...

Lalino – (Mais confiante) Se não for descaso, gostaria de me pronunciar...

Mulher – (Taxativa) Todo mundo quieto! (Aponta as pistolas mais firmemente) A pala-vra é tua, Lalino. Mas não fica ligeiro!

Lalino – (Respira) Bom... as coisas são mais no menos que no mais... Vou tentar explicar na parábola, que é pra amaciar a leitura da cabeça.

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Tonha – Aí, num tô falando! Ele vai começar a querer enrolar todo mundo...

Weber – É, Lalino! Para de falar bunito e re-solve o angu!

Mulher – Deixa ele se apoiar na leitura! Dá até gosto de ver um cabra falar bunito, né, não? Vai, sabão, fala o terço!

Lalino – O caso é que vou me remeter à lenda do “passarinho encarangado”. Mas antes é de justo tamanho que eu proseie um pouco sobre os nossos pecados. Ocês já ouviram falar no “Peter Pan”?

Mulher – Mas isso é nome de bala! É mais embalagem de pirulito... já vi demais por essas cidades perdidas!

Lalino – Exatamente! O Peter Pan morava na cidade perdida com mais uma renca de menino guri! Mas o que ele mesmo pregava, é que lá no viveiro das criançadas, que eles chamavam de Terra do Nunca, era preciso acreditar nas coisas pra se ter algum valor. Quem não acreditava, ficava aterrissado na terra, não via comida, não avoava que nem

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os outros... não ficava em paz com nada e só apodrecia do coração...

Weber – Vai logo, capiau, desmancha logo esse grude!

Tonha – (Já nervosa e irritada) Arre, mas que sujeitinho!...

Mulher – Mas e desde quando gente avoa?Lalino – Se não acreditar, aí é que não avoa

mesmo! Agora eu pergunto: Deus existe?Mulher – Oxe! Mas é claro que existe! E quem

de peito que vai dizer que não?

(Todos ficam meio cabreiros com a pergunta)

Lalino – Mas algum de vocês já viu o homem?

(Surpresos)

Mulher – Ver... de ver mesmo... eu nunca que vi... Mas que ele existe, isso existe!

Lalino – Pois aí é que está! Se ele existe, porque ninguém aqui viu? (Todos ficam em dúvida) Ele existe porque a gente acredita! Eu mesmo tenho por amigo uns dois ou

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três anjos que trabalham com ele, lado a lado!

Mulher – Mas onde é que tu quer chegar com essa conversa?

Lalino – Arre! Imagine vocês se me perguntas-sem se Deus existe, o que eu ia dizer? Tenho um plural de armas me apontando!... Mas pra vocês que tão na outra ponta, do lado do gatilho, está tudo mais no sossego. Mas Deus mesmo... tá do lado de quem?

Tonha – Agora se danou tudo!... (Coça a cabe-ça com a arma)

Lalino – Dizem que no mundo de Peter Pan existe uns bichinho avoador que eles por lá chamam de fada. É bicho de criança, bichi-nho do bem, de Deus... Tipo saci, curupira, boi de mamão. E se alguma criança diz que não acredita nelas...

Weber – (Confuso) Espera! Que eu não en-tendi essa parte: quem é que não acredita no quê?

(Todos já envolvidos na história)

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Mulher – É!...Tonha – É!Lalino – (Percebendo o envolvimento dos ou-

tros) Quando uma criança diz que não acre-dita em fada, uma fadinha dessas cai morta em algum lugar do mundo!

Mulher – Mas que guri desalmado vai come-ter uma maldade dessas?

Tonha – Se é meu filho, eu ripo no marmelo!Lalino – Acontece que aqui no sertão, é uma

coisa bem igualzinha a eles lá na Terra do Nunca. Só que aqui o caroço é mais em-baixo! Falam!... Olha bem que não sou eu quem diz: falam! Que quando um coroné, ou alguém qualquer de mais poder no mo-mento... (Aponta para eles) como está acon-tecendo aqui, agora, nessa confusão toda, nesse diz que me diz, se alguém comete um perjúrio... uma criança cai mortinha no sertão! Sem ter nem pôr! Cai ali, no momento mesmo! É por isso que eu tenho o dever de dizer pros gringo aí que eu mes-mo nada disse de vosmecês, a não ser que são alemão de cor e de família... o resto já

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é coisa de cachaça, e eu mesmo não tenho nem conhecimento.

Mulher – Tá bem justo, mas qual é a discór-dia?

Weber – (Meio que deixando pra lá) Ah! Olha só, Lalino, eu mesmo não tenho nadinha contra vosmecê, até gosto do seu palavrea-do! Mas o povo é o que é... ocê sabe...

Tonha – É bom vosmecê parar de falar de nossa gente... nós nunca que fizemos nada pra ninguém e nem queremos desajuste.

Mulher – É bom parar com a cantoria, amigo Lalino! No sertão, o joão-de-barro faz a casa, mas quem mora é o bem-te-vi. E, além do mais, viver aqui é muito bom! Não tem guer-ra de canhão, nem bomba vindo do céu!

Lalino – Olha, minha gente, eu mesmo acho que aqui... viver mesmo, ninguém vive: a gente só existe.

(Todos já calmos e de armas abaixadas)

Mulher – Lalino, por que vosmecê não segue pra capital? Tem jeito pra doutor, é letra-

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do... fala bem, domina as escrituras, é bom de leitura!

Lalino – É... digamos que eu mesmo não me arreconheço como homem de leitura. O que faço mesmo é transferir as verdades pelo mundo afora. Me especializei mesmo foi em arma branca, faca, facão, adaga e espada de peixe... No mais, sou bom de tiro e despreocupo muita gente no fazer das coisas, mas tudo sempre dentro da ordem e do respeito. É que no fundo eu sou mesmo é burro de letras. O que faço é invenção verdadeira. É bom que se acredite, né? Se acreditar, tudo é mais fácil. É mais no fácil de acontecer. Agora, ler mesmo, nunca li. O que sei é recontar uma verdade, uma estória. Ah, isso eu sei!

Weber – É, Lalino, tu devia de ir pro Rio de Janeiro, que tem outra formosura de vida... que é mais teu jeito!...

Tonha – É... porque aqui o negócio é pesado, e você mesmo quase não tem gosto pelo trabalho...

Mulher – E olha que trabalhar na caça de

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gente ruim não dá camisa de seda pra nin-guém, hein? Eu mesma já estraguei meia vida prendendo jagunço e até agora só te-nho de meu o meu nome!

Lalino – Se acalme, gente! Aqui no sertão o mundo é dos mais astutos. Aqui sem es-perteza não se chega aos 20. O que digo é que quanto mais notícias têm de ti, mais respeito te acompanha! Mas vamos parar de palavreado e esquentar o papo com uma boa sagarana!

(Todos vão saindo, dividindo a cachaça que La-lino oferece na garrafa)

Mulher – (Rindo, abraçada nele) Esse Lali-no... é de quebrar o bico!

Weber – Lalino Salathiel! E a estória do pas-sarinho encarangado?

Tonha – (Amolecendo) É... como que é que se deu esse fato?

Lalino – Sabe a cacimba na terra do seu Sócra-tes? Pois é, isso já faz uns dez anos pra trás. Tava um frio dos diabos, tipo no estrangeiro

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que a terra fica branca. E o pobre bichi-nho desavisado vinha vindo em voo curto... (Saindo de cena)

Cena 15Quintal de árvores

Messias – E o passarinho vinha vindo voando leve, mas de repente... um temporal come-çou, uma friagem terrível! E o pobre do bichinho foi ficando encarangado, com frio, congelando as asinhas. Tremendo muito e perdendo altitude, foi caindo, caindo, caindo... e caiu num pasto ralo. E ali ficou sem se mexer. Quase morrendo, congelado pelo frio e com as asinhas duras, de repente vai passando uma vaca malhada, dessas lei-teiras. Vai passando e, justamente onde tá o pobre passarinho, ela resolve cagar. E caga bem em cima do passarinho. A bosta quente da vaca vai aos poucos reanimando o bichi-nho. Ele vai dando uns pulinhos pequenos, uma mexidinha nas asinhas e, quando já está mais aquecido, vem vindo um gatinho.

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Pequeno, limpinho, bem asseado... E o gati-nho vendo o pobre passarinho, lentamente chega nele e o retira com a boca. Deita ele no chão e começa a lambê-lo, tirando a bos-ta de vaca e limpando o bichinho. Quando o passarinho, já recuperado e limpo pelo gato, faz um movimento de agradecimento, o gatinho bonitinho... nhac! Engole o pas-sarinho numa só bocada! E sai tranquilo, limpando os beiços. Moral da história: nem sempre quem caga em você é seu inimigo e nem sempre quem tira você da merda é seu amigo! (Pausa) E nesse pasto aqui... (Re-lembrando) Foi mesmo aqui, nessa várzea, que tivemos o mais triste dos causos desse sertão. Imagine que aqui se criava uma raça de touro que só de olhar dava medo! Bicho matador, boi bandido, assassino. E quando a gente é criança, não existe perigo: tudo é aventura. Mas o instinto do animá não arre-conhece se é homem ou menino. O “Touro marruá” é como o demônio: sai lasca dos chifres! E essa é a única lembrança de uma vida sem luz.

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Cena 16Quintal de árvores

(Homem lutando com um pedaço de pau. Luta com o vento)

Ari – Que tal, seu cavaleiro de ananás?! Não tem como vencer uma espada como a mi-nha! (Enfrenta com gemidos curtos a dura luta imaginária) Te apronta, homem! Vai cair das alturas com a bicuda da minha lança!

(Alguém o chama e percebe-se que ele é cego)

Dermidetes – Arizinho! Arizinho? É você, nessa barulhada toda?

Ari – Detinha! É vosmecê? Oxe! Como me achou aqui?

Dermidetes – Ah, meu bom cavaleiro! Per-dido de novo com essa coisa de ser herói? Vem cá pra modo de eu te dar carona pra casa, vem...

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Ari – Mas eu não quero ir não, Detinha! Te agradeço, mas ainda vou treinar um boca-dinho.

Dermidetes – É que o padrinho trouxe uma surpresa.

Ari – É mesmo? E o que foi que ele me trouxe?Dermidetes – Pra vosmecê foi um radinho!...

Mas eu não quero falar porque ele disse que quer fazer surpresa... Diacho, acabei de dizer!

Ari – (Feliz) Radinho, pra mim? Então vou poder escutar as coisas dos outros cantos?

Dermidetes – (Ela segura numa cordinha que está amarrada na cintura dele e que lhe serve de guia) Vam‘bora que comigo na guia é mais rápido.

Ari – Então, vamos.

(Vão saindo)

Dermidetes – Vosmecê precisa de parar com essa sonhadera de cavaleiro, viu? Isso é coisa de livro, não é serviço de gente de carne e osso!

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Ari – Mas eu gosto! (Sonhador) Detinha? Vos-mecê acredita que eu seria capaz de derru-bar um “marruá” na faca? Ou mesmo brigar com um “Targino” da vida se ele viesse descascar maldade com a nossa gente?

Dermidetes – (Contemplativa) Ah, Arizi-nho!... Mas tudo isso é coisa que nunca vai acontecer: aqui tem delegado... tem até um guarda, armado e tudo! (Percebe que ele murchou) Mas se vosmecê lutar tanto quanto sonha, não vai ter marruá que te segure, isso eu sei!

Ari – (Mais feliz) Eu sou mais forte que um zebu!

(Ouve-se barulho de galhos quebrando)

Dermidetes – Que diabo é isso? Tá ouvindo?Ari – Tô! Acho que é algum bicho do mato...

(Com medo) Casca! Será que é onça?Dermidetes – (Apavorada) Ai, minha Nos-

sa Senhora do Perpétuo Socorro! Parece que vem vindo pra cima da gente, vamo embora!

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Ari – (Criando coragem) Não, Detinha! Se a gente correr, aí que ela aperta o passo e nos come! O melhor é ficar no silencioso, escondido, se fazer de morto. Se deita, De-tinha! Fica sem respirar, se ela se achegar, finge de morta!

(Barulhos aumentam)

Dermidetes – (Vendo algo) Que luz é aquela? Ocê tá vendo? Parece um lampião!

Ari – Diacho! Que diabo é aquilo?

(A luz e o barulho se aproximam)

Dermidetes – É um touro! Num é onça, não! É um boi... acho que é um boi perdido... e tá machucado! (Hipnotizada pelo bicho) Cristo Jesus! Tem uma luz nele!

Ari – Detinha! Que foi, Detinha? Que mané luz, Detinha!

(Um enorme touro marruá aparece.. Tem chi-fres reluzentes)

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Dermidetes – É um boizinho... tem uma luz nele!...

Ari – Cê tá desajuizada? É o marruá! Vam’bora logo, Detinha! Corre! Corre que dá pra chegar na ponte! (Sai correndo)

(Detinha fica paralisada e encantada com o boi)

Ari – (Percebendo que ela ficou) Detinhaaaaa! Detinha!

Dermidetes – (Hipnotizada e cantando) Boi, boi, boi... Boi da cara preta, pega essa crian-ça que tem medo de careta...

(Entra um homem)

João Catinga – Ari! Ô Ari!Ari – João, o marruá levou a Detinha! Vamo

atrás dele, João! Pega as faca!João Catinga – De novo vosmecê tá sonhando

acordado, Arizinho? Vamo embora que o teu tio trouxe presente da cidade.

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Ari – Mas eu vi o marruá, João! Ele tava bri-lhando, tinha uma luz na testa... feito um lampião!

João Catinga – Se teu tio sabe que vosmecê veio pra cá, vai embrabar e vosmecê vai le-var uma bronca! Ele tá cansado de dizer pra vosmecê não vir sozinho pra esse lado...

Ari – Mas a Detinha... onde ela foi, João? Ela... A gente precisa ir salvar ela do marruá!

João Catinga – (Paciencioso) Então, vamo até em casa, a gente pega um rosário e faz uma reza pra Santa do Perpétuo Socorro... aí ela mesmo toma conta da Detinha!

Ari – Mas e se o marruá levar ela embora?João Catinga – Arizinho, vosmecê precisa

parar com essa maluquice de dizer coisa por aí! Vai que teu tio escuta?! Despois nós é que leva a culpa, né? A Detinha tá descansando... ela tá com Deus Nosso Se-nhor... e é bom vosmecê parar de invocar a coitadinha!

Ari – Mas ela tava aqui, João! Ela que veio me trazer o recado do tio: disse que ele me trouxe presente... Foi quando o mar-

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ruá apareceu com uma luz nas ventas e levou ela!

João Catinga – Não, Arizinho! Fui eu que vim e avisei vosmecê do seu tio ter trazido presente, diacho!

Ari – Então... eu tô sonhando de olho aberto?João Catinga – Vosmecê sempre sonha de olho

aberto... (Caçoando amigavelmente) Isso que não enxerga! Imagine se enxergasse!

Ari – S’imbora então, João... Vosmecê já viu se o radinho é bonito?

João Catinga – Que diabo de radinho? Do que vosmecê tá falando?

Ari – Do radinho que o tio me trouxe?João Catinga – E quem foi que te disse que é

um radinho?Ari – A Detinha!João Catinga – (Espantado) Sai pra lá, Arizi-

nho! Para de falar na pobre!

(Ouvem o chamado do tio)

Coronel Norberto – Ari! Ô Ari! João! Ô João!

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João Catinga – Tamo aqui, coronel!Coronel Norberto – Mas que diabo de prosa

é essa? Todo mundo esperando, e vocês aqui de lero-lero?!

Ari – Ô, tio, o João disse que vosmecê trouxe presente?

Coronel Norberto (Garboso) – Trouxe! Mas é pra ver só quando for noitinha: que-ro fazer esse povo todo morrer de inveja de vosmecê!

Eita presentinho bão, viu, Arizinho?!Ari – (Contente) É um radinho, né, tio?Coronel Norberto – (Olhando furioso para

João) Mas tu é muito fofoquento mesmo, hein? Eu não disse pra não falar nada? Mas é um catinguento mesmo!

João Catinga – (Surpreso) Mas eu não disse nada! Juro, coronel: eu não disse nada... nem falei de rádio!

Ari – (Defendendo João) Não foi ele não, tio! Foi a Detinha. Ela disse sem querer...

Coronel Norberto – (Olhando feio para João) Sei... sei... ô se eu sei!

João Catinga – Ô, seu Norberto! Eu quero

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cair mortinho se eu falei alguma coisa de radinho!

Ari – Foi a Detinha, tio! Ela falou de alegria. Acho bom a gente ir atrás do marruá... ela tá com ele... ele levou ela!...

Coronel Norberto – (Pensativo) Arizinho, meu filho... vosmecê precisa parar de ver essas coisas! A Detinha... ela foi fazer uma viagem. E vai demorar. Vosmecê sabe, num sabe?

Ari – (Confuso) Mas... ela foi com o marruá: a gente pensamo que era uma onça... então veio uma luz e levou ela!

Coronel Norberto- (Explicativo) Escuta, Ari! Vosmecê sabe por que não enxerga, né? Eu já te contei, não contei?

Ari – Sim, senhor.Coronel Norberto – Então, vosmecê tem

que entender que a Detinha morreu! Mor-reu tirando vosmecê do campo, lembra?

Ari – E por que eu não morri? E se ela morreu, por que ela tava aqui ainda agorinha?

Coronel Norberto – Vosmecê não morreu porque o marruá pegou a Dermidetes antes.

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Quer dizer, ela que te tirou da frente. Mas se vosmecê não parar de ficar pensando nela, ela mesma não fica em paz onde ela tá, entende?

Ari – Mas ela veio aqui me chamar, tio... ela foi com o marruá, eu vi!

Coronel Norberto – Mas se vosmecê é cego, como é que viu? É coisa da sua cabeça, en-tende? Vosmecê fica muito tempo pensando nela, então ela aparece no seu juízo!

João Catinga – (Intrometido) Mas, às vezes, vai ver que apareceu mesmo, né, coronel?

Coronel Norberto – (Ríspido) E quem foi que pediu tua opinião, ô catinguento? Vai tomar teu rumo!

( )

Ari – Tio... o senhor acha que vamo encontrar a Detinha?

Coronel Norberto – Olha! Eu tenho pra mim que todo mundo se encontra em uma parada de esquina. Acontece que, às vezes, o menino Jesus pede pra um e pra outro

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que atalhem caminho. Mas no final todo mundo se encontra pra uma festa daquelas! Agora vamo parar com essa prosa...

Ari – O senhor já viu um dragão que solta fogo das ventas?

Coronel Norberto – (Mentiroso) Oxe! Nos meus tempos de mocidade... era meu di-vertimento!

Ari – A Detinha me contou umas estórias dos livros, de um moço cavaleiro que matava dragão!

Coronel Norberto – É... eu já cacei muito desse bicho!

Ari – Eu tô treinando espada: quando crescer, vou atrás do marruá que levou a Detinha! Foi ele que me cegou, não foi, tio?

Coronel Norberto – (Triste) É... Mas não convém ficar matutando isso, né? Nóis mesmo já tamo atrasado. Vamo s’imbora porque tá todo mundo esperando pra ver teu radinho!

Ari – (Feliz) É... vamo s’imbora, tio! Tô seco pra ver o radinho!

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Coronel Norberto – E eu, louco pra escutar umas músicas!

Ari – Tio Norberto...? Luz tem cor?Coronel Norberto – Oxe! Tem luz que che-

ga a cegar um sujeito!Ari – Então, quem tem muita luz não conse-

gue ver?Coronel Norberto – É! Tem hora que fica

tudo entrevado de tão forte que é a luz! Ocê nunca olhou pro sol?

Ari – Eu olho do meu jeito... vejo sem vê, né?

Coronel Norberto – É porque tu é cegueta de vista! Mas vamo parar de falar besteira! Luz é luz!

Cena 17 Quintal de árvores

(Entra Messias)

Messias – E esse velho Coronel Norberto era um homem de coração bom: nas terras dele sempre se podia morar, se podia trabalhar...

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até quem era excomungado pelo padre ele amparava aqui! O Arizinho virou o “Ari das Curas”, morreu jovem, de acidente de carro. Dizem que curava com o poder das mãos. O Coronel Norberto, que Deus o tenha, morreu pobre de tanto que ajudou os outros e de tanto que gastou tentando devolver a visão pro Arizinho, que nem fi-lho dele era, era mais é sobrinho. Nesse lugar, nesse cerrado aqui, era comum ver os romeiros passarem em procissão, pagando promessa.

Cena 18Quintal de árvores

Entra a procissão liderada pela Mulher de Joe-lhos (elas cantam a canção de São Felix).

Mulher de Joelhos – Ó São Félix, nosso pro-tetor! Abençoe os filho teu. Tua benção nos proteja: rogai por nós, Oh, junto de Deus...

Messias – Vamos seguir, gente? Por favor, ve-nham comigo. (Seguem a procissão)

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– 6ª Imagem na cozinha (Mulher grávida pre-para bolinhos de chuva, e mãe faz a comida no fogão à lenha. Aroma de bolinho de milho, coi-sas gostosas sendo preparadas)– 7ª Imagem (Homem no pilão amassa amen-doim. E outra mulher bate clara em neve)

Cena 19Salão de cima

Longo tempo para Messias olhar a casa, a sala...

Messias – Dessa sala grande tenho boas lem-branças! Imaginem que nesse mundo serta-nejo, nessas veredas... Nesse sertão também tinha diversão, tinha baile na casa do rio. Tinha dia de domingo que até circo passava por aqui! Se ajeite gente, que a cobra vai fumar!

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Cena 20Salão de cima

(Uma imagem de baile. Cantoria tem início)

Cena 21Salão de cima

(Do meio do baile sobra um velho palhaço tris-te e um mágico que faz uma pequena ilusão)

Palhaço do Nariz Verde – Artista maltrapi-lho! Cavaleiro preso no tempo. Artista que tem hábito de deixar belo aquilo que deveria ser triste. Que tempo é esse que te esquece na estrada?! A bailarina presa na garrafa... O gênio lambendo o mofo das gravatas... O mágico roto! O palhaço cansado... A trupe ensandecida de fome... Depois daqui pra onde vamos? Você, viajante, descolado do corpo que, como eu, é fantasma, é assom-bração! E se tudo é assim... por que tamo nesse redimunho? (Chama o mágico com o olhar e a mão)

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Cena 22Salão de cima (aroma de alfazema)

Messias – (Lembrando) Bem nesse cômodo da velha casa eu vi minha primeira ilusão de criança. Que criança não ficava encan-tada com o circo? Com o palhaço? Com os vaga-lumes? Aqui meu irmão mais velho treinava seus números de mágica. E os nossos dias eram melhores, o circo... Os segredos? Sim, eu sei! Mas que importam eles? A verdadeira mágica está no coração do homem! E o meu irmão, num dia de chuva, foi embora com um velho circo. Isso já faz tempo e ele também já morreu. Morrer... Que gratuidade às vezes a vida parece, né?

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Cena 23Salão de cima

Messias – Por favor, Senhores! Venham pra eu lhes mostrar as salas! (Vão costurando e vendo pequenas cenas)

– 8ª Imagem (Aroma de charuto suave) Uma prostituta com apenas um dos seios à mostra entre vários chapéus depositados no chão.– 9ª Imagem (Aroma de talquinho de nenê) Uma cena de parto não realizado, cena de um berço vazio, a moça grávida, morta na cama, e a parteira desconsolada sentada com o pano ensanguentado.

Cena 24Sala pequena (aroma estranho, mistura

de cachaça e frutas, algo doce, feito o cheiro da uvaia ou do butiá)

Messias – (Apenas contempla a cena, não fala nada, apenas acena para as pessoas para que entrem na sala)

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(Um homem está morto com a cabeça sobre a mesa, envolto num pano branco. Perto dele, um jogo de baralho e cachaça. Uma vela acesa na cadeira e uma pistola sobre ela. Ao lado, um jagunço/matador deitado, imóvel)

Matador – (Levantando repentinamente) Tava sonhano! A morte, a morte é feia... e tá sempre bem pertinho da gente. (Anda pela sala lentamente, perigosamente) Se Deus é por nóis, quem vai ser contra nóis, né? Eu memo não mato ninguém, eu só puxo o gatilho: quem mata é Deus! (Aponta o morto) Esse homem morreu na bala! Tiro bom, aqui. (Mostra a nuca. Demora) Disse que era mágico. Mágico... me enganou nas carta, agora que eu quero ver fazer mágica! (Olha para o morto) Avoa, home! Avoa! Não avoa. Se os senhores me apermite, eu queria poder de ficar um pouco sozinho com o defunto! Entra Messias e retira o público.

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Cena 25Final (aroma de sândalo)

Messias – Esta sala é muito especial para mim: eu nasci aqui. Poderia eu ficar semanas aqui dentro dessa velha casa e recordar cada segundo da minha vida passada. Mas as ur-gências são outras, e eu mesmo preciso ir.

Sete Trouxas – Menino Deus... vamo s’im-bora?

Messias – Sete Troxas? Vosmecê me vê? Me-nino Deus é meu nome de criança... Meus amigos me chamavam assim! Vosmecê tá me vendo?

Sete Trouxas- Eitaaa! Se vejo? Cumpadre Messias! Pois, vejo muito! Vejo muito bem!

Messias – (Confuso) Mas... não é possível! Eu era guri e tu faz parte da minha imaginação! Não tem como! Devo estar enlouquecendo!

Sete Trouxas – Tá, não! Vosmecê é o menini-nho Deus, e eu sou o veio do saco, do jeito que vocês me chamavam.

Messias – Eu não estou me sentindo muito bem... o que diabos está acontecendo?!

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Sete Trouxas – Não se apreocupe, gurizinho, é só o ar que tá mudando. Se acalme que aqui tudo é lembrança.

Messias – Mas eu tô vendo vosmecê, tô con-versando... Sinto teu cheiro!

Sete Trouxas – Se acalme, isso é o sertão... Menino Deus é guri tinhoso!

Messias – (Nervoso) Que diabos acontece co-migo, Sete Troxas? Como você pode estar aqui? Essa visagem é muito real!

Sete Trouxas – Te acalma, guri! O que acon-tece é que o tempo se ajeita sozinho. Tudo isso é uma visagem real, vosmecê tem que entender que esse nosso mundo veio um dia acaba.

Messias – (Perplexo) Vosmecê tá me dizendo que eu morri?

Sete Trouxas – Passou... Ou como dizem alguns: atravessou.

Messias – (Bravo) Sai daqui, agorento! Vou atravessar é a tua cara de pancada se não sumir da minha frente!

Sete Trouxas – Se vosmecê quer assim, eu me vou. Mas num adianta choradera, não!

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A dor é menor se entender. (Saindo) Guri-zinho Deus é guri tinhoso!

Messias – Não acredito que tudo isso que revi-sitei é um espelho do nosso juízo!

Sete Trouxas – (Voltando) Eita, menino Deus! Vosmecê é do caneco virado!

Messias – Mas que diacho! Vosmecê é fantasia, é lenda da minha infância! Que diabos tá acontecendo comigo?

Sete Trouxas – Mas vosmecê num tá me ven-do? Somos do mesmo lugar! Eu sou mais an-tigo, mas aqui o tempo é outro, seu menino Deus. Com que idade vosmecê passou?

Messias – Mas que passou os cambaus! Sai daqui, fantasma! Desalinha, coisa ruim! Isso é coisa da minha cachola que não tá regulando bem, é falta d’água, é emoção de me ver menino...

Sete Trouxas – Vosmecê vai entender depois. Agora é festa. Nem tenha dor. Seu menino Deus... é assim mesmo.

Messias – (Absorto na situação) Eu não posso acreditar nisso... Eu sou um viajante aqui! Só queria ver a casa onde vivi!...

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Sete Trouxas – É o que eu digo! Atravessou! Morreu! Acabou-se! Agora o veio do saco te pega! Hi, hi, hi, hi, hi, hi...

Messias – Arre... Então é assim que a gente passa? A gente revê a memória? Cristo!

Cena 25Corredor de cima (porta da sala grande)

(Entram todos os personagens cantando a can-ção “Segurança, felicidade, eu encontro nu senhor... é ele a minha rocha...”) Lentamente levantam Messias e o levam embora. A última que fica é a moça grávida que convida as pesso-as a seguir junto com ela, conduzindo a plateia até a mesa na sala grande, onde se observa uma mesa grande com uma ceia preparada, com bolinho de chuva, paçoca, rapadura, queijo, vi-nho, suco, etc. Os atores cantam bem baixinho até o último espectador entrar na sala.

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Cena 26Sala grande de cima

Messias – (Resignado, com um brilho nos olhos, sem dor, sem culpa nem autopiedade) Santo Deus! Nem vi essa tragédia! Nem dor eu tive! Como se fosse um truque de mágica eu me perdi? (Tempo longo) Que possamos nos lembrar e deslembrar quantas vezes quisermos, e que cada dia se transforme numa aventura como quando éramos me-ninos. Aqui, senhores, eu atravessei meia vida, e agora chego ao fim. Não tenho certeza de nada. A única coisa certa é que um dia a travessia é feita e, de fato mesmo, nem sabemos se está terminada. Hoje eu me refiz inteiro, me vi menino e voltei pra casa. (Brinda) À vida, senhores! Porque ela merece!

As luzes se apagam lentamente e a festa conti-nua... Porque a vida é assim.

Fim

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Coleção Primeiras Obras

1. Otávio Martins2. Gabriela Mellão3. Ivam Cabral4. Sérgio Roveri5. Vera de Sá6. Sergio Mello7. Rudifran Pompeu8. Marcos Damaceno9. Lucianno Maza10. Dramamix 2007

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Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (lei n. 10.994, de 14.12.2004)Proibida a reprodução total ou parcial sem a autorização prévia dos editoresDireitos reservados e protegidos (lei n. 9.610, de 19.02.1998)

Impresso no Brasil 2010

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© Rudifran Pompeu, 2009

Crédito fotográfico: Kátia Kuwabara

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação(Biblioteca da Imprensa Oficial)

Pompeu, RudifranA casa / Rudifran Pompeu [Organização de Ivam Cabral]. – São Paulo:

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. 120 p. – (Coleção Primeiras Obras, 7)

isbn 978-85-7060-806-2Apoio: Grupo Satyros Literatura

Associação dos Artistas Amigos da Praça

1. Teatro – Brasil 2. Literatura – Teatro 3. Textos literários i. Pompeu, Rudi-fran ii. Título iii. Série.

cdd 808.2

Índice para catálogo sistemático:1. Textos literários 808.2

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formato 105 x 155 mm

tipologia Electra

papel miolo Chamois Fine Dunas 85 g/m2

papel capa Cartão Supremo 250 g/m2

número de páginas 120

tiragem 1500

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Vera Lúcia Wey

coordenação editorial

Cecília Scharlach

assistência editorial

Edson Lemos

revisão de texto

Wilson Ryoji Imoto

projeto gráfico e diagramação

Negrito Produção Editorial

ctp, impressão e acabamento

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

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Governo do Estado de São Paulo

governador

José Serra

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