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465 CAPÍTULO 34 TRAUMA GENITAL LUIS OTAVIO AMARAL DUARTE PINTO GUILHERME CHONCHOL BAHBOUT RICARDO ALMEIDA FRATURA DE PÊNIS É o tipo mais frequente de traumatismo peniano, costumando ocorrer durante atividade se- xual intensa, com a parceira por cima. O mecanismo de lesão mais comum é o esmagamento do pênis endurecido contra o púbis ou períneo da companheira, levando à ruptura da túnica albugínea dos corpos cavernosos. Outras causas descritas na literatura são autoflagelação, o sexo anal e a mas- turbação vigorosa 1-4 . Em países asiáticos, como o Irã, é rotineira a prática do “taqaandan” (que significa “clique”). Essa técnica é utilizada para inibir mais rapidamente a ereção e consiste em dobrar a porção distal da haste peniana, até que um estalido seja ouvido ou sentido. O taqaandan é dito ser indolor e foi comparado ao “estalar de dedos”, porém está comprovadamente relacionado à maior prevalência de fraturas penianas naquele continente. A apresentação clínica compõe-se em dor peniana intensa, com interrupção súbita da sua ri- gidez e surgimento progressivo de hematoma, podendo se estender para bolsa testicular e períneo, quando houver violação da fáscia de Buck (hematoma em “asa de borboleta”) (Figura 1). O acometi- mento concomitante de corpo esponjoso e uretra advém em aproximadamente 10 a 20% dos casos, ocasionando retenção urinária, hematúria e uretrorragia 2,5 . O diagnóstico é clínico. Exames complementares, como ultrassonografia e ressonância mag- nética, são na maior parte das vezes desnecessários, porém podem ser utilizados em casos duvido- sos, para confirmar a perda de integridade dos corpos cavernosos e/ou uretra. O tratamento baseia-se na exploração cirúrgica através de incisão subcoronal, com desen- luvamento do pênis (Figura 2 e 3). O defeito deve ser rafiado, após desbridamento e drenagem do hematoma, garantindo um fechamento hermético de suas bordas. Na presença de injúria uretral

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CAPÍTULO 34

TRAUMA GENITAL

LUIS OTAVIO AMARAL DUARTE PINTOGUILHERME CHONCHOL BAHBOUT

RICARDO ALMEIDA

FRATURA DE PÊNIS

É o tipo mais frequente de traumatismo peniano, costumando ocorrer durante atividade se-xual intensa, com a parceira por cima. O mecanismo de lesão mais comum é o esmagamento do pênis endurecido contra o púbis ou períneo da companheira, levando à ruptura da túnica albugínea dos corpos cavernosos. Outras causas descritas na literatura são auto� agelação, o sexo anal e a mas-turbação vigorosa1-4.

Em países asiáticos, como o Irã, é rotineira a prática do “taqaandan” (que signi� ca “clique”). Essa técnica é utilizada para inibir mais rapidamente a ereção e consiste em dobrar a porção distal da haste peniana, até que um estalido seja ouvido ou sentido. O taqaandan é dito ser indolor e foi comparado ao “estalar de dedos”, porém está comprovadamente relacionado à maior prevalência de fraturas penianas naquele continente.

A apresentação clínica compõe-se em dor peniana intensa, com interrupção súbita da sua ri-gidez e surgimento progressivo de hematoma, podendo se estender para bolsa testicular e períneo, quando houver violação da fáscia de Buck (hematoma em “asa de borboleta”) (Figura 1). O acometi-mento concomitante de corpo esponjoso e uretra advém em aproximadamente 10 a 20% dos casos, ocasionando retenção urinária, hematúria e uretrorragia2,5.

O diagnóstico é clínico. Exames complementares, como ultrassonogra� a e ressonância mag-nética, são na maior parte das vezes desnecessários, porém podem ser utilizados em casos duvido-sos, para con� rmar a perda de integridade dos corpos cavernosos e/ou uretra.

O tratamento baseia-se na exploração cirúrgica através de incisão subcoronal, com desen-luvamento do pênis (Figura 2 e 3). O defeito deve ser ra� ado, após desbridamento e drenagem do hematoma, garantindo um fechamento hermético de suas bordas. Na presença de injúria uretral

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conjunta realiza-se a síntese da mesma, com � o mono� lamentar absorvível e sondagem vesical6,7.

O manejo conservador da fratura deve ser desestimulado pelo risco maior de complicações, como infecção, curvatura persistente, encurtamento peniano e impotência. Estima-se que 80% dos casos possam evoluir com disfunção erétil, caso o trauma não seja prontamente identi� cado e trata-do, sobretudo nas primeiras 24 horas do ocorrido7.

Fig. 1 – Aspecto clássico de um pênis em berinjela da fratura peniana (foto cedida Hospital Municipal Souza Aguiar – RJ)

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LUIS OTAVIO AMARAL DUARTE PINTO, GUILHERME CHONCHOL BAHBOUT, RICARDO ALMEIDA

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Fig. 2 e 3 – Exploração cirúrgica de fratura peniana, com lesão concomitante de uretra. (fotos cedidas Hospital Municipal Souza Aguiar – RJ)

FERIMENTOS PENETRANTES DO PÊNIS

Costumam ser derivados do disparo de projéteis. Devem ser prontamente manejados com exploração cirúrgica, desbridamento e reparo das lesões (Figura 4 e 5).

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Fig. 4 e 5 – Trauma penetrante genitália (fotos cedidas Hospital Municipal Souza Aguiar – RJ)

LESÃO DE FREIO BÁLANO-PREPUCIAL

O freio, conhecido popularmente como cabresto, é uma prega localizada na porção ventral do pênis, que conecta o prepúcio à glande. É uma estrutura extremamente inervada, que tem como função garantir tração no prepúcio, permitindo sua cobertura sobre a glande, protegendo-a de agressões externas. Além disso, exerce papel fundamental durante as relações sexuais, facilitando a ereção, ejaculação e o orgasmo2.

Durante o intercurso ou masturbação vigorosa, o freio pode sofrer um estiramento e se rom-per, levando à dor e sangramento local. Na presença desse quadro, o paciente deve ser encaminha-do a um serviço de Pronto-Atendimento Médico, onde será realizada anestesia local e plástica do frênulo. Esse procedimento também está indicado naqueles indivíduos com cabresto curto, que se queixam de dor no momento do coito (dispareunia)3.

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AMPUTAÇÃO PENIANA TRAUMÁTICA

Sua ocorrência é rara (Figura 6). Os principais relatos apontam o surgimento dessa mutila-ção como resultado de acidentes de trabalho; crimes sexuais; surtos psicóticos, com automutilação; complicações de rituais religiosos, que envolvem circuncisão, dentre outros6.

A medida inicial, enquanto a vítima aguarda por socorro, é a preservação do segmento pe-niano amputado. Após a localização do órgão, deve-se proceder à limpeza do mesmo; envolvê-lo em uma compressa ou pano, embebido em solução salina e, em seguida, protegê-lo em um saco plástico estéril, armazenando-o em um recipiente repleto de gelo, até a chegada do atendimento especializado.

Com a utilização desta técnica de isquemia fria é possível realizar um reimplante peniano bem-sucedido, mesmo horas após o acidente. Há descrições na literatura de cirurgias, com êxito, transcorridas até 24 horas do evento.

Um caso que ganhou repercussão em diversos países ocorreu na década de 90, com o norte--americano John Wayne Bobbitt que, na época com 47 anos, teve o pênis decepado pela própria es-posa que, em seguida, arremessou o mesmo pela janela de seu carro, em uma estrada a quilômetros de distância do local da agressão. A equipe que assistiu à vítima conseguiu localizar o órgão; John foi submetido à cirurgia reparadora e, posteriormente, tornou-se um pro� ssional de � lmes adultos.

O reimplante peniano deve ser realizado por urologista e cirurgiões com prática em micros-copia e reconstrução urogenital. A primeira etapa do procedimento consiste na anastomose micro-cirúrgica da veia, artéria e nervos da porção dorsal do pênis, respectivamente nessa ordem, com � o nylon 10 ou 11-0. Em seguida procede-se o espatulamento e anastomose da uretra, com o auxílio de um cateter vesical; por � m, o procedimento é � nalizado, com a síntese dos corpos cavernosos e pele da haste peniana2.

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Fig. 6 – Amputação peniana traumática (foto cedida Hospital Municipal Souza Aguiar – RJ)

TRAUMA DE TESTÍCULO

Traumas contusos acontecem com maior assiduidade nos praticantes de esportes de contato e nos indivíduos violentados � sicamente. Em virtude da grande mobilidade do escroto, o rompi-mento da túnica albugínea é incomum. Os sintomas corriqueiros incluem: fortíssimas dores no local, impossibilitando a palpação dos mesmos; juntamente com náuseas, vômitos, aumento de volume da bolsa testicular e surgimento de hematoma5.

Os traumatismos penetrantes são originados principalmente após disparos de pistola, com vários acidentes ocorrendo no momento que a vítima prende sua própria arma no cinturão.

O melhor exame para o estudo detalhado dos ferimentos testiculares é a ultrassonogra� a, associada ao Doppler colorido. Por meio deste é possível analisar a integridade do parênquima, bem como sua vascularização, estimando com mais clareza a viabilidade do órgão5.

O tratamento em sua maioria fundamenta-se em medidas conservadoras, como repouso, analgesia e curativos compressivos. Nos casos de ruptura do testículo, com exposição dos túbulos seminíferos, aconselha-se a intervenção cirúrgica, com desbridamento do tecido desvitalizado e ra-� a do parênquima (Figuras 7,8 e 9). Em defeitos extensos, quando não for possível o fechamento primário da lesão, surge como uma boa opção a cobertura com enxerto da túnica vaginal5.

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LUIS OTAVIO AMARAL DUARTE PINTO, GUILHERME CHONCHOL BAHBOUT, RICARDO ALMEIDA

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Fig 7, 8 e 9 – Trauma testicular contuso (fotos cedidas Hospital Municipal Souza Aguiar – RJ)

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REFERÊNCIAS

1. Zerati Filho. Urologia Fundamental. Sao Paulo: Planmark, 2010.

2. Capbell-Walsh. Urology 9th Edition. Philadelphia: Saunders, 2007.

3. Hohenfellner. Emergencies in Urology. Verlag: Springer, 2007.

4. Novick. Operative Urology at the Cleveland Clinic. New Jersey: Humana Press, 2006.

5. Montague. Textbook of Reconstructive Urologic Surgery. London: Informa UK, 2008.

6. Advanced Trauma Life Support for Doctors 9th Edition. American College of Surgeons. 2012.

7. Moorey A. F. et al.: Urotrauma. AUA Guideline. American Urological Association. 2014.