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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ JOSEANE PREZOTTO SEXTO EMPÍRICO: CONTRA OS GRAMÁTICOS INTRODUÇÃO, TRADUÇÃO E NOTAS CURITIBA 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ JOSEANE PREZOTTO

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Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ JOSEANE PREZOTTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacute

JOSEANE PREZOTTO

SEXTO EMPIacuteRICO CONTRA OS GRAMAacuteTICOS INTRODUCcedilAtildeO TRADUCcedilAtildeO E NOTAS

CURITIBA 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacute

JOSEANE PREZOTTO

SEXTO EMPIacuteRICO CONTRA OS GRAMAacuteTICOS INTRODUCcedilAtildeO TRADUCcedilAtildeO E NOTAS

CURITIBA 2015

JOSEANE PREZOTTO

SEXTO EMPIacuteRICO CONTRA OS GRAMAacuteTICOS INTRODUCcedilAtildeO TRADUCcedilAtildeO E NOTAS

Tese apresentada ao Curso de Poacutes-Graduccedilatildeo em Letras Setor de Ciecircncias Humanas Letras e Artes Universidade Federal do Paranaacute como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutora em Letras Orientador Prof Dr Joseacute Borges Neto Coorientador Prof Dr Alessandro Rolim de Moura

CURITIBA 2015

Dedicado agraves grandes mulheres cujos nomes foram apagados d(est)a histoacuteria

em memoacuteria da minha matildee Marli forccedila e afeto

AGRADECcedilO

Ao Prof Borges pelos anos de orientaccedilatildeo e inspiraccedilatildeo

aos professores da banca por seu tempo e dedicaccedilatildeo

ao Prof Bernardo e ao Prof Luiz Eva pelas valiosas sugestotildees na qualificaccedilatildeo

ao Prof Pierre Swiggers que gentilmente me recebeu na KU Leuven durante meu estaacutegio

ao Rodrigo agrave Teca e agrave Mazeacute por natildeo deixarem de exigir mas tambeacutem apoiar e confiar

aos professores e colegas do Curso de Letras da UFPR

Agrave Eloana ao Juacutenior e ao Heitor por seu carinho

agrave Ana agrave Nathalia e agrave Peneacutelope por iluminarem o inverno europeu

agrave Bia e ao Ronie por estarem por perto

ao Carlos por estar aqui

a todos meus amigos e amigas queridos pelo dolce far niente

Ao meu pai Luiz Carlos

e aos meus irmatildeos Zinho e Juliano pelo amor pela confianccedila

agraves irmatildes e irmatildeos do meu pai porque satildeo seu porto seguro e foram o meu

aos meus primos e especialmente

Eliane Karen Miguel Wanda Telma Anita e Maria Ivone

muito obrigada

E agradeccedilo ao meu coorientador Prof Alessandro Rolim de Moura

por sua paciecircncia confianccedila e dedicaccedilatildeo a este projeto

RESUMO

Esta tese conteacutem a traduccedilatildeo anotada do tratado Contra os Gramaacuteticos escrito por volta do seacuteculo II dC pelo ceacutetico pirrocircnico e meacutedico Sexto Empiacuterico como parte de sua obra intitulada Contra os ProfessoresTambeacutem traduzimos a seccedilatildeo inicial dessa obra que introduz a discussatildeo e traz uma argumentaccedilatildeo geral contra a possibilidade do ensino As traduccedilotildees estatildeo precedidas por um estudo no qual buscamos delinear o perfil filosoacutefico de Sexto expor e analisar as discussotildees central ou transversalmente abordadas no tratado aqui traduzido e na obra de que ele faz parte aleacutem de contextualizar tais discussotildees Os toacutepicos essenciais desta contextualizaccedilatildeo dizem respeito agraves escolas filosoacuteficas do periacuteodo heleniacutestico principalmente o epicurismo e o estoicismo em relaccedilatildeo agraves quais Sexto determina sua proacutepria adesatildeo filosoacutefica o ceticismo pirrocircnico Frente ao ambiente intelectual do periacuteodo heleniacutestico estatildeo dispostas tambeacutem questotildees essenciais para a compreensatildeo da argumentaccedilatildeo sextiana em uma posiccedilatildeo central estaacute o conflito entre empirismo e racionalismo na medicina pois aleacutem de Sexto ter sido um meacutedico empiacuterico este debate congrega grande parte das controveacutersias epistemoloacutegicas da Antiguidade Relacionado a esta polecircmica estaacute o ataque agraves tekhnai fundadas em um corpo sistemaacutetico de conhecimentos teoacutericos lsquoartesrsquo ou lsquociecircnciasrsquo cujo papel como disciplinas semelhantes ou necessaacuterias agrave praacutetica filosoacutefica foi o centro da polecircmica a que se vincula o tratado aqui traduzido Paralelo a estes debates configura-se o papel da Gramaacutetica neste ambiente Com o intuito de disponibilizar ao leitor um panorama do desenvolvimento desta aacuterea e suas especificidades na Antiguidade relacionadas ao estudo amplo da literatura traccedilamos um percurso histoacuterico em que estatildeo presentes os principais personagens e suas contribuiccedilotildees O tratado de Sexto eacute uma fonte de informaccedilatildeo importante acerca dos estudos gramaticais durante o seacuteculo I aC no periacuteodo que se estende entre a produccedilatildeo dos eruditos das escolas filoloacutegicas de Alexandria e Peacutergamo e a especializaccedilatildeo dos estudos formais da chamada gramaacutetica teacutecnica Procuramos portanto fornecer o contexto necessaacuterio para a integraccedilatildeo das informaccedilotildees presentes no tratado em um cenaacuterio maior Tal cenaacuterio eacute fundamental para a compreensatildeo dos termos mobilizados por Sexto em sua polecircmica contra os estudos gramaticais Nas notas agrave traduccedilatildeo tecemos comentaacuterios sobre as peculiaridades de alguns conceitos de acordo com o contexto de produccedilatildeo da obra Tambeacutem apresentamos justificativas para nossas escolhas tradutoacuterias e esclarecimentos pontuais sobre personagens situaccedilotildees ou outros elementos do texto

Palavras-chave Filosofia Heleniacutestica Ceticismo Histoacuteria da Gramaacutetica Gramaacutetica Heleniacutestica Tekhne Sexto Empiacuterico

ABSTRACT

This thesis contains the annotated translation of the treatise Against the Grammarians written by the second century AD pyrrhonist skeptic and physician Sextus Empiricus as part of his work entitled Against the ProfessorsWe have also translated the initial section of this work which introduces the discussion and brings a general argument against the possibility of learning The translations are preceded by a study in which we seek to outline the philosophical profile of Sextus expose and analyze the central and transversal discussions addressed in the translated treatise herein and the work that it is part of as well as contextualizing such discussions The essential topics in such context refer to the philosophical schools of the Hellenistic period mainly Epicureanism and Stoicism for which Sextus determines its own philosophical bias Pyrrhonian Scepticism Amongst such intellectual environment of the Hellenistic period are key issues for understanding the sextan argument in a central position we have the conflict between empiricism and rationalism in medicine due to the fact that in addition to Sextus being an empirical physician this debate brings together great part of epistemological controversies of antiquity Related to this controversy is the attack on tekhnai based on a systematic body of theoretical knowledge expertise or science whose roles as similar or necessary disciplines for philosophical practice was the center of the controversy related to the treatise herein translated The role of Grammar in this environment is parallel to these discussions In order to provide the reader with an overview of the development of this area and its specificities in Antiquity related to the extensive scholarship and literary studies we draw a historical path in which are present the main characters and their contributions Sextus treatise is an important source of information on the grammatical studies during the first century BC the period extending between the production of scholars of the philological schools of Alexandria and Pergamum and the specialization of formal studies of the so called technical grammar Therefore we sought to provide the context necessary for the integration of the information contained in the treatise to a bigger picture Such a scenario is key to understanding the terms mobilized by Sextus in his controversy against grammatical studies In the translation notes we weave comments on the peculiarities of some concepts in accordance to the context in which the work was produced We also present justifications for our translational choices and specific comments on characters situations or other text elements

Key words Hellenistic Philosophy Scepticism (Skepticism) History of Grammar Hellenistic Grammar Tekhne Sextus Empiricus

TABELA CRONOLOacuteGICA

aC

V

400

Parmecircnides (c 540-460) Empeacutedocles (c 483-430) Protaacutegoras (c 480-410)

Proacutedico (fl 441) Demoacutecrito (460-370) Soacutecrates (470-399)

Euclides (c 450-380) Platatildeo (428-347)

Aristoacuteteles (c 384-322) Teofrasto (c 372-288)

Pirro de Eacutelis (c 360-270) Epicuro (c 341-270)

Zenatildeo de Ciacutetio (c 335-264) Metrodoro (c 330-277)

Tiacutemon de Fliunte (c 320-235) Ariston de Quios (c 320-250)

Arcesilau (c 315-241) Criacutesipo (c 281-208)

Aristoacutefanes de Bizacircncio (c 260 ndash 185) Dioacutegenes da Babilocircnia (c 240-152)

Aristarco de Samotraacutecia (c 216 ndash 144) Carneacuteades (c 214-129)

Crates de Malos (c 180-150) Dioniacutesio Traacutecio (c 170-90)

Fiacutelon de Larissa (fl 100) Varratildeo (116-27) Ciacutecero (106-43)

Asclepiacuteades de Mirleia (seacutec I) Enesidemo (fl70)

Antiacuteoco de Ascalon (fl70) Lucreacutecio (c 96-55)

Filodemo de Gadara (fl 60) Horaacutecio (65-8)

IV

300

III

200

II

100

I

dC

I

100

Fiacutelon de Alexandria (c 25 aC-50) Secircneca (c 4-65)

Paulo (Satildeo) (morto c 67) Quintiliano (c 35-95) Plutarco (c 45-125)

Marco Aureacutelio (121-180) Aulo Geacutelio (c 125-180)

Galeno (c 130-200) SEXTO EMPIacuteRICO (seacutec II)

Apolocircnio Diacutescolo (seacutec II) Herodiano (seacutec II)

Dioacutegenes Laeacutercio (flc 225-250)

II

200

III

ABREVIATURAS

Blank BLANK David L (Trad) Sextus Empiricus Against the Grammarians (Adversus Mathematicos I) With an introduction and commentary Oxford Clarendon Press 1998

Dalimier DALIMIER Catherine (Trad) Contre les grammairiens In PELLEGRIN Pierre Sextus Empiricus Contre les professeurs Introduction glossaire et index Paris Eacuteditions du Seuil 2002 p 67-245

DK DIELS H KRANZW Die Fragmente der Vorsokratiker 2 vols Berlin Weidmannche VerlagsBuchhandlung 1960

DL HICKS RD (Trad) Diogenes Laertius Lives of eminents

philosophers 2 vol London Heinemman 1945

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Graeci I 1 Bibliotheca Teubneriana Lipsiae Teubner 1883

LS LONG A A SEDLEY David (Eds e Trads) The Hellenistic Philosophers 2 vols Cambridge 1987

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Blomqvist BLOMQVIST J Textkritisches zu Sextus Empiricus In Eranos

n 66 1968 p 73-100

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 11 11 GERAL 11 12 SEXTO EMPIacuteRICO 14 121 Periacuteodo de atuaccedilatildeo 14 122 Obras 17 13 CETICISMO ANTIGO 21 131 Ceticismo Acadecircmico 23 132 Ceticismo em Sexto Empiacuterico 30 14 SEXTO MEacuteDICO EMPIacuteRICO 36 15 ESCOLAS MEacuteDICAS POSICIONAMENTOS FILOSOacuteFICOS E O ATAQUE AgraveS TEKHNAI

40

151 Evoluccedilatildeo da Medicina e do conceito de tekhne 41 1511 Medicina Empiacuterica 48 152 Enkuklia mathemata e Tekhnai 53 153 O Ataque agraves Tekhnai 55 16 GRAMAacuteTICA ANTIGA 58 161 Periacuteodo Claacutessico 62 162 Loacutegica Estoica 65 163 Gramaacutetica Heleniacutestica 72 1631 Escola de Peacutergamo Crates e Taurisco 73 1632 Escola de Alexandria 76 16321 Aristoacutefanes de Bizacircncio e Aristarco de Samotraacutecia 76 16322 Dioniacutesio Traacutecio 78 1633 Analogistas x Anomalistas 81 1634 Gramaacutetica Empiacuterica 87 17 CONTRA OS GRAMAacuteTICOS 88 171 As partes da Gramaacutetica no Contra os Gramaacuteticos 94 172 Sobre Dogmatismo Negativo no Contra os Professores M 1 1-6 99 18 SOBRE A TRADUCcedilAtildeO 99 2 TEXTO GREGO E TRADUCcedilAtildeO 103 CONTRA OS PROFESSORES 103 CONTRA OS GRAMAacuteTICOS 115 21 NOTAS Agrave TRADUCcedilAtildeO 197 3 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 237

11

1 INTRODUCcedilAtildeO 11 GERAL

Contra os Gramaacuteticos eacute um texto escrito pelo meacutedico e filoacutesofo ceacutetico pirrocircnico

Sexto Empiacuterico por volta do seacuteculo II dC Compotildee uma obra maior Contra os Professores

dedicada ao ataque de seis disciplinas (mathemata) centrais na vida intelectual dos gregos

antigos (e tambeacutem dos romanos) gramaacutetica retoacuterica geometria aritmeacutetica astronomia e

teoria musical Desses tratados o Contra os Gramaacuteticos eacute de longe o mais extenso Aleacutem de

ser em sentido amplo expressatildeo do posicionamento filosoacutefico sextiano esses textos

representam importante fonte de informaccedilatildeo histoacuterica sobre estas aacutereas do conhecimento

Essas disciplinas devem ser compreendidas no entanto em um sentido adequado ao

contexto histoacuterico Se entendermos gramaacutetica por exemplo como ldquoo conjunto de prescriccedilotildees

e regras que convencionam o uso considerado correto de uma liacutengua escrita ou faladardquo

verificar-se-aacute que esta disciplina natildeo existiu de forma independente na Greacutecia Antiga Tal tipo

de abordagem da liacutengua foi um subproduto de aacutereas com objetivos mais abrangentes tais

como a retoacuterica a poeacutetica a loacutegica ou dialeacutetica E descreve apenas uma das preocupaccedilotildees da

aacuterea entatildeo denominada gramaacutetica (algumas vezes lsquocriacuteticarsquo ou lsquofilologiarsquo) cujo

empreendimento amplo relacionava-se no periacuteodo heleniacutestico como veremos ao estudo da

literatura mais especificamente com a correccedilatildeo ediccedilatildeo exegese e valoraccedilatildeo do cacircnone

literaacuterio

Aleacutem da especificidade do desenvolvimento histoacuterico de cada uma dessas disciplinas

e de seu estatuto particular durante a Antiguidade haacute que se atentar para o fato de terem

composto ndash ora todas ora algumas ora junto a outras ndash ciclos de estudos Ou seja estiveram

vinculadas a projetos educacionais impulsionados essencialmente por concepccedilotildees

filosoacuteficas O conjunto de disciplinas abordado por Sexto pode ser considerado desse ponto

de vista um ciclo disciplinar com mateacuterias complementares entre si dispostas de acordo com

uma proposta educativa

Intermediaacuterios entre a formaccedilatildeo baacutesica disponiacutevel para uma parte da populaccedilatildeo e a

formaccedilatildeo superior restrita aos futuros saacutebios ou filoacutesofos o entendimento do papel desses

estudos acompanha consequentemente as polecircmicas filosoacuteficas e culturais em torno aos

conceitos de educaccedilatildeo e sabedoria De forma que certamente natildeo foram alvo de tratamento

unacircnime pelo contraacuterio Por um lado parece ter havido um debate fecundo em relaccedilatildeo a

quais disciplinas deveriam estar presentes nessa etapa da formaccedilatildeo Um debate no entanto

12

em que os participantes costumavam compartilhar ao menos noccedilotildees similares em relaccedilatildeo agrave

constituiccedilatildeo dos saberes Por outro tal como a discussatildeo sextiana natildeo nos deixaraacute esquecer

houve uma oposiccedilatildeo mais draacutestica a tais modelos educacionais disposta a questionar

pressupostos conceituais proposta filosoacutefica e utilidade

Sexto propotildee um ataque aos que professam estes estudos (mathematikoi) aos

especialistas Pois houve claro aqueles que se dedicavam com mais afinco a uma aacuterea

aqueles cuja produccedilatildeo se tornava referecircncia e que era preciso acatar ou criticar aqueles que

se destacaram em vaacuterias aacutereas aqueles cujas liccedilotildees se tornaram ceacutelebres multiplicando

disciacutepulos e propagando seus meacutetodos por fim aqueles cuja influecircncia era tamanha que

acabavam por originar mesmo uma lsquoescolarsquo De forma que nesse sentido Sexto ataca

propriamente estudos especializados pois seus seguidores compartilhavam aleacutem de uma

tradiccedilatildeo um corpo de conhecimentos cada vez mais especializados e teoacutericos Todos esses

saberes aleacutem de serem abordados com efeito como conhecimentos especializados satildeo

atacados precisamente onde supotildeem ou exigem abstraccedilatildeo teoacuterica

O ataque a uma tradiccedilatildeo eacute visiacutevel no Contra os Gramaacuteticos Sexto provecirc nesse livro

tal como tentaremos demonstrar agrave frente um panorama da constituiccedilatildeo dos saberes nesta aacuterea

Que ele mimetiza talvez ironicamente a disposiccedilatildeo de um tratado gramatical eacute algo que pode

ser notado desde o iniacutecio da obra A princiacutepio alude agraves introduccedilotildees laudatoacuterias da gramaacutetica

logo a seguir expotildee e critica suas definiccedilotildees e entatildeo passa ao ataque das partes da gramaacutetica

teacutecnica (que se ocupa de letras siacutelabas nomes partes da sentenccedila ortografia correccedilatildeo

etimologia) lsquohistoacutericarsquo (que trata dos personagens lugares etc) e especiacutefica (o exame das

obras literaacuterias propriamente ditas em verso ou prosa)

Este livro sobre a gramaacutetica eacute muito mais longo que aqueles dedicados agraves outras

disciplinas Eacute razoaacutevel supor tendo em vista a autoridade de que a filosofia estoica desfrutou

no periacuteodo heleniacutestico e a inter-relaccedilatildeo entre o desenvolvimento da disciplina gramatical e a

loacutegica estoica que Sexto tivesse um interesse especial pela questatildeo aleacutem de possivelmente

ter tido a sua disposiccedilatildeo suficiente material a respeito dessa mateacuteria Com relaccedilatildeo a esse

uacuteltimo ponto veremos que o espaccedilo que ele destina a argumentos que muito provavelmente

satildeo de origem epicurista e natildeo ceacutetica eacute consideraacutevel Isso poderia sugerir que sua fonte

principal fosse natildeo um tratado gramatical mas uma obra de ataque agrave doutrina gramatical nos

moldes daquelas ligadas agrave tradiccedilatildeo epicurista de polecircmica contra disciplinas que pretendiam

se antepor agrave filosofia

Apresentamos aleacutem do livro I Contra os Gramaacuteticos (M 1 41-320) a traduccedilatildeo da

Introduccedilatildeo (M 1 1-40) ao Contra os Professores Nela Sexto expotildee um ataque geral contra

13

as disciplinas por meio do que lhes eacute comum ie os elementos essenciais do ensino

conteuacutedo meacutetodo aluno e professor (os dois uacuteltimos atacados em conjunto) As aporias

direcionadas neste ataque de forma generalizada agraves disciplinas do estudo ciacuteclico (enkuklia

mathemata) valem-se de paradoxos comuns desde a primeira sofiacutestica e foram em outras

obras sextianas (M 11 170ss PH 3 239ss) desenvolvidas contra o ensino da tekhne peri ton

bion (arte de viver) dos estoicos Este elemento nos insere em uma das principais senatildeo a

principal problemaacutetica levantada atraveacutes do Contra os Professores as disciplinas

(mathemata) satildeo atacadas em seu fundamento ou utilidade por sua pretensatildeo de serem

tekhnai (lsquoartesrsquo) ndash em um sentido estoico (ou dogmaacutetico) um corpo sistemaacutetico de

conhecimentos lsquoracionaisrsquo organizados por meio de uma lsquometodologiarsquo fundados e guiados

pela lsquorazatildeorsquo (universal) Essa caracterizaccedilatildeo faz com que o ceacutetico considere tais disciplinas

com tais pretensotildees inuacuteteis agrave vida

Nos capiacutetulos iniciais apresentamos informaccedilotildees gerais sobre Sexto Empiacuterico com o

objetivo de delinear o ambiente em relaccedilatildeo ao qual seu posicionamento intelectual se

configura Sexto Empiacuterico dedica parte de sua obra agrave exposiccedilatildeo de sua orientaccedilatildeo filosoacutefica

ele proacuteprio portanto eacute nossa fonte principal Acerca das discussotildees filosoacuteficas do periacuteodo

heleniacutestico demasiado complexas para o escopo dessa introduccedilatildeo assim como as polecircmicas

concernentes agrave interpretaccedilatildeo dos textos sextianos procuramos selecionar algums

questionamentos e posiccedilotildees que tendo sido relevantes para nossa abordagem dos textos

possam contribuir para a apreciaccedilatildeo de nossa traduccedilatildeo Nosso esforccedilo direcionou-se agrave

visualizaccedilatildeo do contexto de produccedilatildeo do Contra os Gramaacuteticos Algumas questotildees receberam

tratamento privilegiado devido agrave importacircncia que adquirem ou na caracterizaccedilatildeo da posiccedilatildeo

sextiana em geral ou especialmente dentro da argumentaccedilatildeo do Contra os Gramaacuteticos

Informaccedilotildees adicionais referentes a escolhas tradutoacuterias por exemplo assim como

indicaccedilotildees de outras associaccedilotildees potencialmente interessantes entre passagens do texto e

outros textos antigos e uma tentativa de contextualizaccedilatildeo e compreensatildeo de argumentos

especiacuteficos encontram-se nas notas ao final da traduccedilatildeo

14

12 SEXTO EMPIacuteRICO

121 Periacuteodo de Atuaccedilatildeo

Sexto Empiacuterico eacute o uacutenico ceacutetico grego da antiguidade de quem possuiacutemos obras

completas Seu posicionamento filosoacutefico exerceraacute grande influecircncia (ainda que

indiretamente) no pensamento ocidental a partir do momento em que sua obra eacute redescoberta

durante o Renascimento1 Seus escritos satildeo uma das principais fontes de informaccedilatildeo sobre os

estoicos (seus principais adversaacuterios) e demais escolas heleniacutesticas aleacutem de conter muitos dos

fragmentos que possuiacutemos dos filoacutesofos preacute-socraacuteticos Eacute tambeacutem uma das mais importantes

vias de acesso agrave gramaacutetica heleniacutestica aleacutem de outras disciplinas do periacuteodo Sobre a vida de

Sexto Empiacuterico poreacutem natildeo sabemos praticamente nada Viveu em um periacuteodo entre o fim do

seacuteculo I dC e iniacutecio do III dC A dataccedilatildeo eacute imprecisa pois as poucas indicaccedilotildees em seus

textos satildeo incertas e as informaccedilotildees a partir de outras fontes duvidosas

Tambeacutem eacute essa a situaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao lugar em que teria atuado mdash consideram-se

provaacuteveis por terem sido os centros intelectuais mais importantes naquele momento as trecircs

principais cidades helenizadas do periacuteodo Roma Alexandria eou Atenas2 Tambeacutem natildeo nos

eacute possiacutevel identificar seus contemporacircneos com base nos adversaacuterios filosoacuteficos propriamente

nomeados por Sexto Empiacuterico pois dentre estes natildeo haacute nenhum cuja atuaccedilatildeo possa ser

datada para aleacutem do seacutec I aC O personagem histoacuterico mais tardio a que faz referecircncia natildeo-

ambiacutegua eacute ao Imperador Tibeacuterio morto em 37 dC (PH 1 84) Sexto parece isolar-se das

correntes filosoacuteficas de sua geraccedilatildeo Da mesma forma o interesse por sua obra parece ter sido

bastante restrito durante a antiguidade ao contraacuterio do impacto que causaraacute no iniacutecio da era

moderna3

1 Ver Floridi 2010 acerca de manuscritos gregos de Sexto Empiacuterico em bibliotecas de influentes pensadores do Renascimento e informaccedilotildees sobre suas primeiras traduccedilotildees latinas neste ambiente Sobre a ausecircncia de Sexto durante o periacuteodo medieval e a existecircncia de uma traduccedilatildeo latina nesta eacutepoca ver Porro 1994 2 House 1980 passim e Blank p xiii ndash xv 3 Bett 2005 p x e Gallego Cao e Muntildeoz Diego 2008 p 7-12 ldquoA redescoberta e publicaccedilatildeo das obras de Sexto Empiacuterico nos seacuteculos XVI e XVII induziram diretamente o ceticismo de Montaigne Gassendi Descartes Bayle e outras figuras importantes e provavelmente a preocupaccedilatildeo da filosofia moderna ateacute os dias de hoje em refutar ou senatildeo combater o ceticismo filosoacuteficordquo (MATES 1996 p 4) Conveacutem no entanto recordar que os filoacutesofos do princiacutepio da era moderna fazem parte de uma tradiccedilatildeo teoloacutegica que remonta principalmente a Santo Agostinho cuja formaccedilatildeo intelectual deve muito aos escritos de Ciacutecero expoente do ceticismo de vieacutes acadecircmico (ver adiante) O ceticismo apresentado por Sexto Empiacuterico parece diferir em muitos aspectos e em pontos cruciais das formas de ceticismo modernas que satildeo de algum modo suas descendentes histoacutericas Sobre possiacuteveis causas

15

O principal episoacutedio a sugerir uma dataccedilatildeo mais tardia para a atuaccedilatildeo de Sexto ao

redor de 200 dC eacute o fato de ele natildeo ter sido citado por Galeno (morto por volta de 200 dC)

em suas meticulosas obras dedicadas agraves correntes meacutedicas do periacuteodo4 E considerando que

Hipoacutelito de Roma autor das Refutaccedilotildees de todas as heresias (Refutatio Omnium Haeresium)

escritas algum tempo antes de 235 dC tenha copiado a partir da obra sextiana (e natildeo a partir

de uma fonte comum a ambos) as passagens que ataca esta seria a data limite para que

tivessem sido compostas por Sexto Por outro lado se considerarmos fidedigna a lista de

lsquodirigentesrsquo da lsquoEscola Ceacuteticarsquo transmitida por Dioacutegenes Laeacutercio (DL 9 115-116) Sexto teria

estado no comando dessa suposta escola entre aproximadamente os anos 110 e 140 dC

eacutepoca de certa influecircncia do estoicismo o que poderia justificar o papel de destaque que esta

filosofia ocupa em sua obra No entanto Sexto Empiacuterico invariavelmente refere-se agrave filosofia

estoica dos trecircs uacuteltimos seacuteculos aC Em M 8 258 Sexto menciona o estoico Basiacutelides com a

possibilidade de que se refira a um dos preceptores de Marco Aureacutelio que nasceu em 121

dC o que poderia reforccedilar a hipoacutetese de Sexto ter atuado ao redor de 140 dC Poreacutem haacute um

outro Basiacutelides um estoico do seacuteculo II aC e a indicaccedilatildeo permanece ambiacutegua5

Assim Sexto parece nunca se referir a um pensador que lhe seja contemporacircneo e

dos filoacutesofos que critica o mais recente teria morrido trecircs ou mais geraccedilotildees antes dele natildeo

havendo qualquer menccedilatildeo a um filoacutesofo atuante por volta do seacuteculo I-II dC Contudo como

apontam Annas e Barnes (2000 p xvi) natildeo devemos nos esquecer que

Sexto natildeo estaacute sozinho em sua obsessatildeo com o passado muitos dos ensaios filosoacuteficos de Plutarco por exemplo discutem figuras de um passado remoto Aleacutem disso a obsessatildeo com o passado era em parte fachada no seacuteculo II dC discutir os pensamentos dos grandes jaacute mortos natildeo era uma forma de escapismo ou marca de nostalgia da Era de Ouro pelo contraacuterio era um modo padratildeo de abordagem das questotildees filosoacuteficas ndash e portanto de

para este fenocircmeno principalmente sobre o ceticismo ter sido historicamente compreendido como a posiccedilatildeo lsquodogmaacuteticarsquo de que nada eacute ou pode ser conhecido com certeza ver a argumentaccedilatildeo de Frede 1987 p 201-222 Ademais as questotildees que interessaram os ceacuteticos antigos estariam hoje em dia associadas a discussotildees em aacutereas como a epistemologia filosofia da linguagem ou teoria da accedilatildeo entre outras aquilo que geralmente seria apontado como a cena contemporacircnea ceacutetica parece envolver questotildees que natildeo desempenharam papel fundamental naquele contexto Cf Vogt 2014 4 O proacuteprio Galeno parece ter sido alvo do silecircncio de seus contemporacircneos entre eles o imperador Marco Aureacutelio que tendo sido seu paciente natildeo o menciona nenhuma vez em suas Meditaccedilotildees obra que conteacutem vaacuterias referecircncias agrave medicina (Manzano 2002 p 10) Tambeacutem eacute interessante mencionar o comentaacuterio da tradutora espanhola (idem p 14) ldquofrequentemente [Galeno] distorce o pensamento de seus adversaacuterios e o interpreta de maneira tendenciosa ndash especialmente o dos meacutedicos contemporacircneos que nunca menciona exceto para rebaixaacute-los apontar seus erros e ocasionalmente oferecer-lhes conselhosrdquo 5 Gallego Cao e Muntildeoz Diego 2008 p 22-24 e Annas e Barnes 2000 p 140

16

engajamento em controveacutersias filosoacuteficas vivas ldquoIsto eacute o que diz Platatildeordquo ldquoCriacutesipo afirma istordquo ndash tais declaraccedilotildees eram toacutepicos dentro das escolas filosoacuteficas Este procedimento pode declinar em lsquomerarsquo doxografia e exegese como mais de um criacutetico antigo observou mas a princiacutepio faz parte de um exerciacutecio filosoacutefico e natildeo histoacuterico

De forma que o anacronismo das obras de Sexto Empiacuterico eacute uma caracteriacutestica

compartilhada com outros filoacutesofos de sua eacutepoca Mesmo assim a visatildeo que ele nos passa eacute

realmente a de estar isolado pois considerando o interesse de seus contemporacircneos por

Platatildeo e Aristoacuteteles o interesse de Sexto pelo passado eacute seletivo seus adversaacuterios satildeo

prioritariamente os estoicos Que ele coloque em cena inclusive pensadores tatildeo antigos como

os preacute-socraacuteticos eacute por sua vez outra caracteriacutestica comum da filosofia heleniacutestica que foi

mesmo descrita como ldquolarge-scale conversationrdquo (Vogt 2014)

Sexto floresceu portanto ao que tudo indica durante ou ao fim do seacuteculo II dC em

pleno Impeacuterio Romano Os temas de seu interesse no entanto configuram-se ao longo de no

miacutenimo cinco seacuteculos tendo sido abordados antes dele por pensadores e estudiosos com

distintas filiaccedilotildees e interesses O ponto crucial dessas discussotildees retomadas por Sexto eacute o

conflito entre as escolas filosoacuteficas heleniacutesticas Este eacute propriamente o ambiente intelectual

com o qual dialoga sua obra Eacute com base nos ataques agrave filosofia estoica do periacuteodo heleniacutestico

que ele desenvolve seu exerciacutecio filosoacutefico (inclusive seu vocabulaacuterio eacute fortemente contiacuteguo

ao estoicismo e epicurismo) posicionando-se frente ao embate que constitui as trecircs linhas

filosoacuteficas que ele menciona no comeccedilo de PH acadecircmicos dogmaacuteticos e ceacuteticos Dessa

caracteriacutestica adveacutem o largo valor doxograacutefico de sua obra

Dentre os gramaacuteticos que cita Aristoacutefanes de Bizacircncio (c 257-180 aC) Aristarco

de Samotraacutecia (c 216-144 aC) Crates de Malos (c 180-150 aC) Taurisco (disciacutepulo de

Crates) Dioniacutesio Traacutecio (c 170-90 aC) Pindaacuterio (prov contemporacircneo de Dioniacutesio) aquele

cuja atuaccedilatildeo seria mais recente eacute Asclepiacuteades de Mirleia (seacutec I aC) cuja concepccedilatildeo de

gramaacutetica parece ter servido de base agrave criacutetica sextiana (ou agrave sua fonte) Alguns poreacutem natildeo

puderam ser idenficados com clareza pela tradiccedilatildeo Ptolomeu o Peripateacutetico Caacuteres e

Demeacutetrio Cloro

Lembrando que o fato de Sexto natildeo se referir a pensadores mais atuais cujas obras

foram fundamentais para o desenvolvimento dos toacutepicos de que trata natildeo eacute evidecircncia de que

ele estivesse totalmente alheio a esta produccedilatildeo Devido agrave sua caracteriacutestica de apoiar-se

fortemente em fontes anteriores poderiacuteamos inclusive supor o contraacuterio De qualquer forma

as ausecircncias satildeo notaacuteveis Considerem-se nomes gregos e latinos como Varratildeo Ciacutecero

Secircneca Filodemo de Gaacutedara Lucreacutecio Fiacutelon de Alexandria Quintiliano Plutarco Aulo

17

Geacutelio por exemplo jamais mencionados Aleacutem de seus provaacuteveis contemporacircneos Galeno e

Apolocircnio Diacutescolo entre tantos outros (inclusive aqueles cujos nomes natildeo conhecemos

justamente por Sexto natildeo ter creditado suas fontes)

122 Obras

De Sexto Empiacuterico chegaram ateacute noacutes atraveacutes de manuscritos medievais as

seguintes obras6

1) Hipotiposes Pirrocircnicas7 (Pyrrhoniae Hypotyposes) - trecircs livros acerca do ceticismo

onde estatildeo expostas sua natureza e propoacutesito Sexto apresenta e demonstra recursos da

posiccedilatildeo ceacutetica e distingue o ceticismo de outras praacuteticas filosoacuteficas O primeiro livro eacute

uma apresentaccedilatildeo geral do ceticismo pirrocircnico os dois uacuteltimos trazem argumentos

contra as principais teses dos filoacutesofos dogmaacuteticos nas trecircs lsquoaacutereasrsquo da filosofia poacutes-

aristoteacutelica8 Loacutegica (tema do segundo livro) Fiacutesica (ou Filosofia da Natureza) e Eacutetica

(ambas no terceiro livro) Tal como as outras obras de Sexto teria sido muito

6 Adoto o seguinte esquema de referecircncia PH 1-3 Hipotiposes Pirrocircnicas 1-3 (Pyrrhoniae Hypotyposes) M 1-6 Contra os Professores 1-6 (Adversus Mathematicos) M 11-40 Introduccedilatildeo M 141-320 Contra os Gramaacuteticos (Adv Grammaticos) M 2 Contra os Retoacutericos (Adv Rhetores) M 3 Contra os Geocircmetras (Adv Geometras) M 4 Contra os Aritmeacuteticos (Adv Arithmeticos) M 5 Contra os Astroacutelogos (Adv Astrologos) M 6 Contra os Muacutesicos (Adv Musicos) M 7-11 Contra os Dogmaacuteticos (Adv Dogmaticos) (transmitido junto com o Contra os Professores mas na verdade um tratado diferente) M 7 e 8 Contra os Loacutegicos 1-2 (Adv Logicos) M 9 e 10 Contra os Fiacutesicos I-II (Adv Physicos) e M 11 Contra os Eacuteticos (Adv Ethicos) Em Dumont 1972 p 4 haacute uma tabela de equivalecircncia das diferentes opccedilotildees utilizadas ateacute entatildeo pelos criacuteticos 7 Sobre a traduccedilatildeo do tiacutetulo Marcondes 1997 p 122 ldquoOptamos por manter o tiacutetulo original lsquoHipotiposesrsquo embora Bury Annas e Barnes e Mates o traduzam por lsquooutlinesrsquo e em espanhol se encontre frequentemente a traduccedilatildeo lsquobosquejosrsquo sendo que ambos os termos poderiam ser traduzidos por lsquoesboccedilosrsquo Consideramos entretanto que o termo lsquohipotiposersquo tem um sentido bastante especiacutefico designando um tipo de texto de resto bastante comum na eacutepoca Enesidemo (seacutec I aC) fundador do movimento ceacutetico de que Sexto Empiacuterico foi um seguidor escreveu tambeacutem Hipotiposes obra hoje perdida O termo lsquohipotiposersquo designa uma figura de linguagem consistindo em uma descriccedilatildeo tatildeo viacutevida de algo que eacute como se o tiveacutessemos diante de noacutes Esta eacute a definiccedilatildeo que encontramos por exemplo na Institutio Oratoria (9 2 40) de Quintiliano lsquotrata-se de uma representaccedilatildeo dos fatos em termos tatildeo expressivos que cremos vecirc-los e natildeo apenas ouvi-losrsquo Eacute com base nesta acepccedilatildeo de lsquohipotiposersquo bastante distante de um simples lsquoesboccedilorsquo que preferimos manter o termo originalrdquo De nossa parte mantemos lsquohipotiposesrsquo por ter-nos parecido comum referir-se agrave obra dessa forma ainda que natildeo estejamos convencidos da argumentaccedilatildeo de Marcondes pela acepccedilatildeo de lsquodescriccedilatildeo viacutevidarsquo e tendamos a considerar que a acepccedilatildeo seria mesmo lsquoesboccedilorsquo ou talvez lsquosiacutentesersquo 8 ldquoDivisatildeo que natildeo sendo de origem estoica foi imposta pelos estoicos agrave praacutetica filosoacutefica ocidental por dois milecircniosrdquo Pellegrin 2002 p 9

18

provavelmente escrita com base em fontes anteriores heterogecircneas9 Partes das

Hipotiposes podem ter sido copiadas de textos anteriores palavra por palavra e haacute

razatildeo para suspeitar que esse fosse o modus operandi normal de Sexto10 Contudo PH

eacute uma obra bem escrita e organizada Sexto natildeo parece se apropriar de forma passiva

do material preexistente mas esforccedilar-se por expor de maneira consistente seu ponto

de vista11

2) Contra os Professores (Adversus Mathematicos) ndash tradicionalmente daacute-se este tiacutetulo

ao conjunto dos onze livros restantes pois estatildeo assim agrupados nos manuscritos

antigos contudo deve-se separaacute-los em duas obras distintas seis livros chamados

propriamente de Contra os Professores12 em que Sexto desenvolve um ataque criacutetico

aos que se envolvem em estudos teoacutericos na ordem M 1-6 Contra os Gramaacuteticos

9 ldquoComo tem sido constantemente sugerido a obra de Sexto depende fortemente de fontes anteriores A razatildeo principal para acreditar nisto satildeo as correspondecircncias muito proacuteximas que podem ser frequentemente observadas entre Sexto e outros autores particularmente Dioacutegenes Algumas vezes a linguagem eacute idecircntica ou extremamente semelhante algumas vezes apenas a estrutura argumentativa mas a extensatildeo das correspondecircncias nos impele a supor que ou um autor se vale do outro ou ambos utilizam fontes anteriores agora perdidas para noacutes Dioacutegenes eacute posterior a Sexto no miacutenimo uma geraccedilatildeo (DL 9 116) entatildeo se um copia o outro seria Dioacutegenes quem copia Sexto No entanto este natildeo parece ser o caso se se consideram as diferenccedilas igualmente marcantes entre os dois No relato de Dioacutegenes sobre o Pirronismo (9 74-101) haacute muito material que certamente natildeo proveacutem de Sexto Mas ele dificilmente teria inventado tais informaccedilotildees e em todo caso Dioacutegenes ao contraacuterio de Sexto eacute bastante expliacutecito sobre estar seguindo fontes anteriores e sua vida de Pirro natildeo eacute uma exceccedilatildeo Consequentemente Dioacutegenes e Sexto devem ter ambos baseado-se em fontes anterioresrdquo Bett 1997 p xxvii 10 Algumas passagens parecem entrar em contradiccedilatildeo entre si e estas discrepacircncias talvez se devam a diferentes variedades do ceticismo presentes nas fontes que Sexto Empiacuterico teria utilizado (Annas Barnes 2000 p xv) Vogt (2014) chama a atenccedilatildeo para o fato de estarem em jogo dois tipos de consistecircncia nos escritos sextianos Por um lado Sexto aspira agrave consistecircncia de um posicionamento filosoacutefico por outro preocupa-se em ter uma resposta para cada objeccedilatildeo adversaacuteria Dessa forma alguns ataques ainda que consistentes ao preservarem o ceacutetico da criacutetica dogmaacutetica podem ter implicaccedilotildees que estatildeo em conflito com o modo como explica o ceticismo em outras passagens (Vogt 2014) 11 Bett 2005 p xx Mates 1996 p vii 12 Pros mathematikous poder-se-ia tentar definir melhor a classe de pensadores que estatildeo sendo atacados Contra os que professam as Disciplinas do Estudo Ciacuteclico uma opccedilatildeo muito longa Talvez alguma dentre as seguintes seria mais adequada Contra os Especialistas Contra os Teoacutericos Contra os Eruditos Contra os Estudiosos Contra os Instruiacutedos (nos estudos ciacuteclicos ou especializados) Contra os Doutos (cf Bett 1997 p x ldquoAgainst the Learnedrdquo) ou aindaldquoContra os Homens de Ciecircnciardquo (Bolzani 2011 p 6) A verdade eacute que Contra os Professores talvez seja mesmo uma das piores opccedilotildees para transmitir ao puacuteblico atual o conteuacutedo desta obra Poreacutem muitos jaacute a conhecem por este tiacutetulo e as outras opccedilotildees mencionadas tambeacutem nos parecem gerar algum tipo de equiacutevoco

19

Contra os Retoacutericos Contra os Geocircmetras Contra os Aritmeacuteticos Contra os

Astroacutelogos e Contra os Muacutesicos13 e

3) Contra os Dogmaacuteticos M 7-11 tiacutetulo que tem sido usado para os outros cinco livros

restantes compostos por dois livros Contra os Loacutegicos M 7-8 dois livros Contra os

Fiacutesicos M 9-10 e um livro Contra os Eacuteticos M 11 Haacute nessa obra muito material

semelhante aos dois uacuteltimos livros das Hipotiposes ou seja argumentos contra os

filoacutesofos dogmaacuteticos mas tambeacutem argumentaccedilatildeo ceacutetica adicional contra suas

doutrinas assim como valiosa informaccedilatildeo sobre as principais escolas filosoacuteficas do

periacuteodo heleniacutestico Sexto refere-se a um escrito introdutoacuterio aos mesmos hoje

supostamente perdido

No Contra os Professores M 1-6 encontramos algumas referecircncias cruzadas (por

exemplo M 1 35 M 3 116) que remetem muito provavelmente a discussotildees presentes no

Contra os Dogmaacuteticos M 7-11 de forma que parecem sugerir que estes uacuteltimos livros foram

escritos antes daqueles Hipotiposes Pirrocircnicas costumava ser apontada como a primeira das

trecircs obras Sexto estaria reformulando no Contra os Dogmaacuteticos questotildees tratadas

sucintamente nos dois uacuteltimos livros das PH ndash como continuaccedilatildeo agrave argumentaccedilatildeo

antidogmaacutetica ali efetuada Contudo ainda que a questatildeo permaneccedila controversa as

13 As seis disciplinas que Sexto discute satildeo muito semelhantes agraves sete artes liberais do cacircnone escolaacutestico medieval que inclui tambeacutem a loacutegica (ou dialeacutetica) o Trivium (gramaacutetica retoacuterica e dialeacuteticaloacutegica) mais Quadrivium (geometria aritmeacutetica astronomia [o alvo de Sexto eacute a astrologia] e muacutesica) Sexto parece sugerir que o ciclo de estudos (enkuklia mathemata) de que trata estava geralmente estabelecido em sua eacutepoca (M 1 7) sem fazer qualquer menccedilatildeo a alguma disputa acerca do lugar da loacutegica Contudo as evidecircncias apontam para um cenaacuterio mais complexo certamente bastante diferente da fixidez das sete disciplinas escolaacutesticas e seu estatuto no curriacuteculo medieval (Sobre a questatildeo das artes liberais na antiguidade ver Hadot 2005) Sexto discute a loacutegica como uma das trecircs partes da filosofia divisatildeo canocircnica do periacuteodo heleniacutestico Mas a loacutegica por vezes foi considerada uma disciplina liberal enfatizando-se o seu caraacuteter de lsquoferramentarsquo para a filosofia E em alguns ambientes ao estudo da loacutegica subordinou-se o estudo da gramaacutetica e da retoacuterica De forma que a situaccedilatildeo mais provaacutevel eacute que existissem diferentes curriacuteculos em lsquocompeticcedilatildeorsquo durante a antiguidade A relaccedilatildeo entre a loacutegica estoica e a gramaacutetica heleniacutestica seraacute discutida adiante Aleacutem da questatildeo deste conjunto de disciplinas ser ou natildeo uma formaccedilatildeo padratildeo em sua eacutepoca duas outras polaridades estatildeo latentes especializaccedilatildeo x generalizaccedilatildeo dos conteuacutedos e formaccedilatildeo comum x formaccedilatildeo para a filosofia Como mencionamos brevemente anteriormente consideramos que do ponto de vista ceacutetico (e epicurista) essas disciplinas satildeo descritas e atacadas propriamente como estudos especializados e natildeo geneacutericos Em relaccedilatildeo ao tipo de formaccedilatildeo enfatizamos que independente de se propagarem como uma formaccedilatildeo comum (geral ampla ou preliminar) a origem da polecircmica eacute o estatuto da loacutegica frente agrave filosofia Mais informaccedilotildees adiante

20

Hipotiposes atualmente satildeo geralmente qualificadas como posteriores ao Contra os

Dogmaacuteticos14

Contra os Professores difere das outras obras sextianas descritas seu alvo satildeo

estudos especializados e natildeo teses filosoacuteficas (embora estas desempenhem algum papel na

caracterizaccedilatildeo destes estudos) seus argumentos parecem conter um vieacutes antiteoacuterico15

acentuado e foacutermulas do discurso ceacutetico principalmente a suspensatildeo do julgamento natildeo satildeo

aparentes Aleacutem do comum sarcasmo Sexto parece demonstrar um desprezo especial por

esses estudiosos principalmente pelos gramaacuteticos e astroacutelogos

Discussotildees acerca da cronologia dessa obra costumaram envolver uma valoraccedilatildeo

negativa de seu conteuacutedo como versatildeo pouco madura (ou pouco prudente e normalmente

menos interessante do ceticismo de Sexto Empiacuterico) foi considerada obra de juventude Por

outro lado certas caracteriacutesticas linguiacutesticas (apontadas por Janagravecek 1972 especialmente)

parecem sugerir que fosse de fato tardia e interpretaccedilotildees de seu conteuacutedo levaram agrave

suposiccedilatildeo de Sexto ter abandonado no momento em que a produz sua orientaccedilatildeo ceacutetica16

Essas opiniotildees e o fato de esta obra natildeo tratar explicitamente de assuntos filosoacuteficos

contribuiacuteram para sua marginalizaccedilatildeo na histoacuteria de estudo do ceticismo tendo sido muitas

vezes inclusive totalmente ignorada Contra os Professores acabou por ser tradicionalmente

considerada um desafio agrave formulaccedilatildeo de uma abordagem ampla do pirronismo Contudo

mesmo que sui generis parece representar um momento importante e autecircntico do ceticismo

sextiano e pode mesmo ser considerada uma obra intermediaacuteria anterior agrave composiccedilatildeo de

PH17

14 Cf Bett 1997 2005 Tem-se sugerido uma maior sofisticaccedilatildeo filosoacutefica para a redaccedilatildeo das PH Sexto evita deixar sem qualificaccedilatildeo conclusotildees com vieacutes dogmaacutetico tal como encontramos em M 1-6 e M 11 por exemplo (talvez estas obras representem uma versatildeo anterior do ceticismo supotildee-se ainda natildeo totalmente ajustado agrave expressatildeo da suspensatildeo do juiacutezo) ao mesmo tempo em que consolida discussotildees presentes em M 7-10 Ver Bett 1997 Brunschwig 1988 Vogt 2012 e 2014 15 Alguns estudiosos aproximaram o discurso de Sexto no Contra os Professores agrave posiccedilatildeo quasi dogmaacutetica dos primeiros meacutedicos empiacutericos Janagravecek (1972 p 87) supocircs mesmo que Sexto teria abandonado o ceticismo quando escreve esta obra Pellegrin 2002 p 11 considera a suposiccedilatildeo imprudente e chama a atenccedilatildeo para a passagem M 16-7 em que Sexto revela a mesma disposiccedilatildeo para tratar dos estudos especializados que teve para com a filosofia Por outro lado eacute possiacutevel aproximar as passagens claramente ceacuteticas desses tratados com a linguagem de Sexto em passagens do Contra os Dogmaacuteticos ou mesmo de PH ainda que de fato nesta uacuteltima obra haja uma preocupaccedilatildeo evidente em contrapor argumentos equipolentes e conduzir a argumentaccedilatildeo agrave equipolecircncia e suspensatildeo do juiacutezo 16 Ver nota acima 17 Eacute a opiniatildeo de Bett por exemplo cf Bett 1997 p 225

21

13 CETICISMO ANTIGO18

Costuma-se apontar duas correntes com orientaccedilatildeo ceacutetica na antiguidade o ceticismo

acadecircmico e o ceticismo pirrocircnico19 Apenas os pirrocircnicos se autodenominaram lsquoceacuteticosrsquo (em

grego skeptikos de skeptomai lsquoinvestigarrsquo lsquoobservarrsquo lsquoexaminarrsquo lsquoconsiderarrsquo) e

provavelmente somente depois do seacuteculo I dC Enesidemo seacutec I aC parece ter usado

somente o termo zetesis (de zeteo lsquoinvestigarrsquo lsquoquestionarrsquo lsquobuscarrsquo) Sexto Empiacuterico utiliza

com naturalidade entre outros termos o termo skeptikos20

Pirronismo por sua vez deve-se a Pirro de Eacutelis uma figura pouco conhecida de fins

do seacuteculo IV aC e princiacutepio do III aC c 365-270 aC contemporacircneo mais jovem de

Aristoacuteteles Diz-se que foi pintor interessou-se pelo atomismo21 estudou filosofia indiana22 e

possuiacutea uma personalidade excecircntrica Este pensador parece ter logo atraiacutedo alguns

seguidores como Tiacutemon de Fliunte (c 320-235 aC) cujos fragmentos remanescentes nos

legaram algumas das parcas informaccedilotildees que possuiacutemos sobre a vida e pensamento de Pirro

18 O intuito foi traccedilar um panorama bastante geneacuterico em que fosse possiacutevel visualizar algumas das principais questotildees que ocuparam os pensadores do periacuteodo foge do escopo deste trabalho considerar as inuacutemeras interpretaccedilotildees modernas para cada um dos termos e passagens aqui mencionados Procuramos identificar de maneira clara os estudiosos cujas obras permitiram nossa visatildeo geral do assunto e citar algumas das problemaacuteticas referentes a pontos cruciais no entanto o fato de natildeo nos atermos a questotildees especiacuteficas aqui levantadas pode mascarar sua complexidade e dar uma ideia superficial do trabalho dos pesquisadores Remetemos os leitores para os textos e a bibliografia presentes no verbete sobre o Ceticismo Antigo na Enciclopeacutedia Online Stanford redigida por Vogt 2014 no artigo de Bolzani 2011 na coletacircnea de Bett 2010 e Hankinson 1995 19 Na obra de Ciacutecero e de Plutarco (Adversus Colotem 1121E=LS 68H1) os acadecircmicos satildeo aqueles que praticam a suspensatildeo do julgamento O termo lsquopirronismorsquo parece ter sido reinvidicado por Enesidemo para designar sua nova escola de pensamento talvez para enfatizar a dissidecircncia com os acadecircmicos No seacuteculo II o termo skeptikoi foi usado (junto com ephektikoi aporetikoi zetetikoi gradualmente adquirindo primazia sobre estes) indistintamente para referir-se a pensadores de ambas as filiaccedilotildees acadecircmicos e pirrocircnicos A obra de Sexto parece ter sido determinante para que se preservasse uma denominaccedilatildeo distinta para as duas filiaccedilotildees jaacute que ele negou aos acadecircmicos a alcunha de ceacuteticos designando-os como dogmaacuteticos 20 ldquoSkeptikos eacute usado como um nome para os neo-pirronistas pela primeira vez ateacute onde sabemos por Fiacutelon de Alexandria (Congr 52) (cf Bett 2003 p 148) Durante o seacuteculo II o adjetivo skeptikoi referindo-se agrave escola de pensamento filosoacutefico aparece em fontes diferentes no sofista Luciano de Samoacutesata (Vit Auct 2740) no escritor romano Aulo Geacutelio (NA 115) e nos escritos de Sexto Empiacuterico (PH 13-21) No seacuteculo III nas obras de Dioacutegenes Laeacutercio (DL 970) eacute jaacute um termo teacutecnico bem estabelecido Sexto tambeacutem usa skepsis como nome para sua filiaccedilatildeo filosoacutefica (PH 157)rdquo Ziemińska 2013 21 A posiccedilatildeo de Demoacutecrito eacute geralmente apontada como precursora do ceticismo O mesmo acerca de Xenoacutefanes Tanto epicuristas quanto estoicos foram em geral atomistas 22 Pirro teria tido contato com os gimnosofistas da Iacutendia durante sua participaccedilatildeo na expediccedilatildeo de Alexandre o Grande Para uma leitura da relaccedilatildeo entre filosofia indiana e a suposta posiccedilatildeo de Pirro ver Nanajivako 1985 Sobre Pirro Decleva Caizzi 1981a 1981b

22

(de forma que teriam sido em grande parte responsaacuteveis pela imagem que a posteridade

formou dele)

Os ensinamentos de Pirro transmitidos oralmente a seus seguidores parecem ter sido

eminentemente de caraacuteter moral Sobre a filosofia pirroniana tal como Tiacutemon a representou

encontramos o relato de Aristoacutecles de Messena

Aquele que pretende ser feliz deve considerar estes trecircs pontos (1) como as coisas satildeo (2) qual deveria ser nossa disposiccedilatildeo com relaccedilatildeo a elas e (3) qual seraacute o resultado para aqueles que estiverem assim dispostos [Tiacutemon] diz que [Pirro] declara que as coisas satildeo igualmente indiferentes (adiaphora) natildeo mensuraacuteveis (astathmeta) e indecidiacuteveis (anepikrita) e que por esta razatildeo nem nossas percepccedilotildees sensiacuteveis nem nossas crenccedilas dizem a verdade ou mentem e assim natildeo devemos confiar (pisteuein) nelas mas devemos ao inveacutes disso ser sem crenccedilas (adoxastous) e natildeo nos comprometermos e natildeo nos influenciarmos dizendo de cada uma e de todas as coisas que natildeo satildeo mais isto que aquilo (ou mallon) ou que satildeo e natildeo satildeo ou que nem satildeo nem natildeo satildeo Tiacutemon diz que o resultado para aqueles que estiverem assim dispostos seraacute a afasia e entatildeo a serenidade de espiacuterito (ataraxia) Enesidemo [diz que eles alcanccedilaratildeo satisfaccedilatildeo] (Aristocles apud Euseacutebio Praeparatio Evangelica 1418758c-d in GERSON 2009 p 113)

Este relato assemelha-se ao nuacutecleo do ceticismo conclamado por Sexto Empiacuterico em sua obra

e a sentenccedila ldquonenhuma coisa eacute maisrdquo (ou(den) mallon) seraacute reiterada como leitmotiv No

entanto resulta-nos difiacutecil dada as escassas evidecircncias e problemas interpretativos julgar ateacute

que ponto Pirro foi algo mais que um vivo personagem cujo nome e caraacuteter notaacutevel teriam

sido sua uacutenica contribuiccedilatildeo ao ceticismo23

Com base no fragmento acima natildeo eacute possiacutevel afirmar claramente se Pirro considera

serem as coisas indeterminadas ou indeterminaacuteveis Para Gerson (2009 p 114) a partir do

testemunho dos ceacuteticos posteriores que afirmam inspirar-se em Pirro seria coerente afirmar

que considerasse as coisas lsquoindeterminaacuteveisrsquo (em suas relaccedilotildees)24 Fica evidente nos escritos

23 Gerson 2009 p 112 A passagem em PH 1 7 parece sugerir que Sexto natildeo se compromete de maneira especial nem com o termo lsquopirronismorsquo nem com a figura de Pirro que pouco aparece em sua obra Bett (1997 p 11) embora tenha argumentado a favor de uma diferenccedila substancial entre a perspectiva pirroniana e a sextiana afirma ldquoMas Pirro parece mesmo ter chegado a algum tipo de desconfianccedila acerca do modo como o mundo se apresenta para noacutes tanto na experiecircncia ordinaacuteria quanto na teoria filosoacutefica ou cientiacutefica e ele aparenta como resultado desta atitude ter alcanccedilado um niacutevel extraordinaacuterio de tranquilidade e indiferenccedila agraves circunstacircncias Estes pontos ndash bem como de maneira igualmente significativa a conexatildeo entre eles ndash podem ser justamente entendidos como antecipando a perspectiva do posterior movimento que toma dele seu nomerdquo 24 Ciacutecero menciona Pirro como um moralista famoso por sua indiferenccedila mas natildeo endossa sua aderecircncia agrave epokhe Ao contraacuterio do que escreveriam sobre ele mais tarde Sexto Empiacuterico e Dioacutegenes Laeacutercio

23

sextianos que os ceacuteticos tiveram de defender-se de acusaccedilotildees de dogmatismo em

pronunciamentos como o mencionado Em PH 1 198 Sexto descreve a indeterminaccedilatildeo como

um lsquoestado da mentersquo (pathos dianoias) que diz respeito a natildeo assentir ou rejeitar nada poreacutem

em PH 1 14-15 ele sustenta que as foacutermulas ceacuteticas (aiacute impliacutecitas agravequelas que envolvem a

indeterminaccedilatildeo) ldquocancelam-serdquo a si mesmas ldquoSe o dogmatismo estabelece como realmente

existente aquilo que dogmatiza enquanto o ceacutetico apresenta suas expressotildees de forma que

implicitamente se auto-cancelam (perigraphein) natildeo se pode entatildeo dizer que o ceacutetico

dogmatiza ao expocirc-lasrdquo25

A hipoacutetese de uma lsquoEscola Pirrocircnicarsquo que tenha se mantido ativa durante todo o

periacuteodo heleniacutestico desde Pirro ateacute Sexto parece estar sugerida no testemunho de Dioacutegenes

Laeacutercio (9 115) mas ele proacuteprio natildeo se mostra muito seguro da consistecircncia de sua lista dos

dirigentes ceacuteticos Estudiosos que tentaram conferir nexo temporal agrave esta lista encontraram

grande dificuldade Aleacutem disso podemos afirmar que o ceticismo natildeo se configurou como

uma instituiccedilatildeo como foram as outras escolas filosoacuteficas do periacuteodo nem mesmo como uma

tradiccedilatildeo contiacutenua e fechada O proacuteprio Sexto insiste no fato de que os ceacuteticos natildeo formaram

uma escola no sentido usual do termo (PH 1 16-17)

Durante os seacuteculos III e II aC momento de manifesta descontinuidade em uma

suposta linhagem pirrocircnica o lugar em que o lsquoantidogmatismorsquo floresceu foi a Academia e

seria a partir de Arcesilau entatildeo que teria tido iniacutecio uma tradiccedilatildeo contiacutenua e consistente de

ceticismo dentro das escolas filosoacuteficas

131 Ceticismo Acadecircmico

Entre o comeccedilo e o meio do seacuteculo III aC a Academia a escola fundada por Platatildeo

liderada agora por Arcesilau (c 316-240 aC)26 tomou uma direccedilatildeo ceacutetica tendo como

25 Sobre a auto-refutaccedilatildeo no ceticismo em geral no pirronismo anterior a Sexto e no proacuteprio Sexto ver Castagnoli 2010 p 249-352 26 Do pensamento de Arcesilau foi dito (Ariacuteston de Quios) que tinha Platatildeo agrave frente Pirro atraacutes e Diodoro no centro (PH 1234) ldquoPorque ele empregou a dialeacutetica de Diodoro sendo na verdade um platonistardquo ldquoSe Pirro estaacute por traacutes de sua filosofia eacute porque ele inspirou em Arcesilau a noccedilatildeo de que suspender o julgamento poderia realmente ser mais desejaacutevel que comprometer-se com uma posiccedilatildeo dogmaacutetica e natildeo somente um artifiacutecio pouco confiaacutevel para resguardar a integridade intelectual (a bleak expedient in the cause of intellectual honesty) como alguns antigos parecem ter suposto Se Diodoro estaacute no coraccedilatildeo de sua filosofia eacute porque Arcesilau adotou as melhores teacutecnicas dialeacuteticas disponiacuteveis na sua eacutepoca aquelas tornadas conhecidas por Diodoro e seus associados [] Se finalmente Platatildeo estava agrave frente da filosofia de Arcesilau eacute porque Arcesilau declarou-se natildeo estar

24

principal adversaacuterio a mais feacutertil e prestigiosa fonte de dogmas filosoacuteficos do periacuteodo a

epistemologia estoica de Zenatildeo de Ciacutetio (c 340-264 aC) Natildeo eacute implausiacutevel que Arcesilau

tenha recebido inspiraccedilatildeo do pensamento de Pirro Dioacutegenes afirma que eles teriam se

conhecido (DL 9 66) poreacutem natildeo haacute evidecircncia direta que o comprove

Fundamentada em elementos da descriccedilatildeo platocircnica de Soacutecrates e enfatizando as

tendecircncias aporeacuteticas dos diaacutelogos platocircnicos contra o dogmatismo dos sucessores de Platatildeo

a Academia Nova (ou Meacutedia como a chama Sexto) parece ter compreendido e defendido o

meacutetodo socraacutetico como um meacutetodo ceacutetico de inquiriccedilatildeo intelectual Os conhecimentos

deveriam a exemplo da posiccedilatildeo socraacutetica naqueles diaacutelogos ser investigados dialogicamente

a partir das proacuteprias premissas e descobertas alardeadas por seus defensores Seria pernicioso

para o processo do conhecimento comprometer-se antes ou durante a investigaccedilatildeo com

qualquer proposiccedilatildeo a defesa da consistecircncia de descobertas ficaria a cargo daqueles que as

sustentavam de forma que os proacuteprios defensores de uma tese ficassem expostos aos dilemas

e conflitos que suas afirmaccedilotildees pudessem gerar Tal procedimento conduziria agrave aporia como

nos diaacutelogos platocircnicos em que Soacutecrates leva seu interlocutor a questionar a natureza do

conhecimento que afirma possuir sobre algo

Esta orientaccedilatildeo ceacutetica conservou-se tambeacutem sob a direccedilatildeo dos sucessores de

Arcesilau dos quais o mais famoso eacute Carneacuteades (c 214-129 aC) Sexto contudo diferencia

o pensamento de Arcesilau e Carneacuteades chamando somente a Academia sob a direccedilatildeo deste

uacuteltimo Carneacuteades de Academia Nova e caracterizando o pensamento dele como mais afim

ao dogmatismo27

Determinadas afinidades intelectuais entre as duas correntes ceacuteticas eram

reconhecidas por pirrocircnicos e acadecircmicos ambas professavam o antidogmatismo no sentido

antigo de natildeo possuiacuterem dogmas ou doutrinas e se opunham aos estoicos28 Em comum

inovando mas revivendo a dialeacutetica sem dogmas que teria caracterizado a Academia sob Platatildeordquo Sedley 1980 p 11 27 Acerca da sucessatildeo na Academia e o abandono da posiccedilatildeo de Arcesilau ldquoCarneacuteades teve um pupilo famoso Clitocircmaco (1876 ndash 11009 aC) que foi o professor de Fiacutelon de Larissa (158-84 aC) Fiacutelon argumentou que a Antiga e a Nova Academias eram na verdade uma soacute baseando-se em parte na revisatildeo de Carneacuteades sobre o argumento de Arcesilau contra nada ser apreensiacutevel Seu disciacutepulo Antiacuteoco de Ascalon (c 130-68 aC) rejeitou a interpretaccedilatildeo ceacutetica de Platatildeo impliacutecita em Fiacutelon e apoiou um retorno agrave Academia Antiga Antiacuteoco entendeu a Academia Antiga em harmonia com a filosofia estoica e peripateacutetica Entre outras coisas isto significa uma reavaliaccedilatildeo positiva do criteacuterio de verdade estoico lsquoa representaccedilatildeo cataleacutepticarsquo Talvez tenha sido contra o alegado dogmatismo adulador de Fiacutelon que Enesidemo (I aC) reagiu abrindo caminho para a fundaccedilatildeo de um lsquonovorsquo ceticismo pirrocircnicordquo Gerson 2009 p 117 28 Para o lsquoestado da questatildeorsquo acerca das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as duas tradicionais correntes ceacuteticas ver Bolzani 2011

25

parecem ter defendido a suspensatildeo do julgamento (epokhe) como uma atitude intelectual

desejaacutevel e necessaacuteria de forma que evitassem o compromisso com uma proposiccedilatildeo jaacute que

natildeo haveria um criteacuterio imparcial para julgaacute-la

Os ceacuteticos pirrocircnicos consideravam que ldquosuspensatildeo do juiacutezo eacute esse equiliacutebrio da

mente (stasis dianoias) que nos leva a natildeo rejeitarmos (airomen) e nem propormos (tithemen)

nadardquo (PH 1 10) Tal suspensatildeo tinha um efeito praacutetico muito significativo ela levaria agrave

ataraxia ou ausecircncia de perturbaccedilatildeo livrando-os da agitaccedilatildeo intelectual e emocional que

estaria associada ao sustentar firmemente convicccedilotildees sobre como as coisas de fato satildeo Jaacute os

ceacuteticos acadecircmicos parecem natildeo ter dado ecircnfase especial aos benefiacutecios praacuteticos da suspensatildeo

do julgamento Arcesilau e Carneacuteades esforccedilaram-se em defender que escolhas e accedilotildees

adequadas satildeo possiacuteveis na ausecircncia de convicccedilotildees ou crenccedilas Mas parece natildeo haver

sugestatildeo expliacutecita de que se estaria melhor ao se desfazer destas crenccedilas natildeo mais que em

termos de lsquointegridade intelectualrsquo De qualquer forma considerando que a filosofia socraacutetica

fois essencialmente uma filosofia moral eacute de se esperar que houvesse alguma consequecircncia

nesta direccedilatildeo

Na disputa com os primeiros estoicos eacute dito que Arcesilau concentrou seus ataques agrave

ceacutelebre distinccedilatildeo que teria estreado com Parmecircnides entre dois tipos de conhecimento

opiniatildeo (doksa)29 e conhecimento verdadeiro (episteme) base de todos os sistemas

dogmaacuteticos Arcesilau visou o criteacuterio de verdade estoico e argumentou contra a existecircncia de

uma lsquorepresentaccedilatildeo apreensivarsquo (phantasia kataleptike) tal que fosse distintiva do

conhecimento verdadeiro proacuteprio do saacutebio como afirmavam os estoicos A contenda aparece

resumida por Sexto Empiacuterico no Contra os Loacutegicos (M 7 150-189) passagem que

retomamos abaixo

O criteacuterio estoico da representaccedilatildeo apreensiva natildeo eacute suficiente para a distinguir de

uma representaccedilatildeo lsquoinapreensiacutevelrsquo ou seja natildeo distingue lsquoconhecimento verdadeirorsquo

delsquoopiniotildeesrsquo teria criticado Arcesilau Nenhuma representaccedilatildeo verdadeira teria sido

encontrada afirma ele que natildeo pudesse tambeacutem ser dita falsa o que faz com que todas

devam ser consideradas inapreensiacuteveis Por isso se o saacutebio assentir a alguma representaccedilatildeo

sendo todas igualmente inapreensiacuteveis estaraacute necessariamente apenas dando sua opiniatildeo E os

29 O termo grego doksa pode ser traduzido tambeacutem por crenccedila ldquoA raiz de doksa eacute dokein lsquoparecerrsquo Em uma crenccedila algo parece ser de tal maneira para algueacutem Mas haacute tambeacutem um elemento de julgamento ou assentimento O verbo em questatildeo doksazein geralmente significa lsquojulgar que algo eacute de tal maneirarsquo As discussotildees heleniacutesticas prevecircm trecircs atitudes cognitivas agraves impressotildees [ou representaccedilotildees] (lsquocomo as coisas parecemrsquo) assentimento rejeiccedilatildeo ou suspensatildeo do julgamento (epokhe)rdquo Vogt 2014

26

proacuteprios estoicos recomendavam ao saacutebio a lsquosuspensatildeo do julgamentorsquo frente a tudo que fosse

opinaacutevel (mesmo que natildeo tenham usado especificamente o termo epokhe atribuiacutedo a eles pela

tradiccedilatildeo)30 Logo de acordo com os estoicos eles mesmos a atitude do saacutebio deveria ser a

suspensatildeo do julgamento31 se o assentimento segue o julgamento a impossibilidade de julgar

indicaria no miacutenimo que eacute apropriado natildeo assentir32 Com esta generalizaccedilatildeo de Arcesilau a

atitude estoica da epokhe parece ter se convertido em lsquoemblema da tradiccedilatildeo ceacuteticarsquo e o

ceticismo teria entatildeo entrado decididamente no problema da validade do conhecimento

Demonstrar que natildeo existe criteacuterio de verdade por outro lado natildeo impede que se

estabeleccedila um criteacuterio para a accedilatildeo defenderam os acadecircmicos Supunham que o criteacuterio de

lsquorazoabilidadersquo (to eulogon) (M 7 158) seria suficiente para guiar nossas accedilotildees sem requerer

obviamente conhecimento verdadeiro no sentido estoico sequer implicando a existecircncia de

crenccedilas Arcesilau teria dito que ldquoa felicidade se daacute atraveacutes do discernimento (phronesis) e o

discernimento se assenta em accedilotildees corretas (katorthoma) e a accedilatildeo correta eacute aquela que

realizada tem defesa (apologia) razoaacutevel (eulogon)rdquo (M 7 158)

Carneacuteades teria compartilhado as criacuteticas que Arcesilau dirigiu aos primeiros

estoicos Tambeacutem ele com efeito estava de acordo que a distinccedilatildeo entre impressotildees ou

representaccedilotildees verdadeiras e falsas seria gratuita reiterando que o criteacuterio estoico natildeo

permite distinguir umas das outras Mas uma vez rechaccedilada esta pretensatildeo dogmaacutetica

Carneacuteades teria considerado excessivo aderir ao princiacutepio pirrocircnico do lsquonada eacute maisrsquo Por

isso propocircs deixar de lado a distinccedilatildeo lsquoverdadeiro-falsorsquo e aceitar uma classificaccedilatildeo das

representaccedilotildees baseada em seu grau de fiabilidade Aparentemente tal posicionamento visava

dar conta da objeccedilatildeo de que o ceacutetico por natildeo possuir opiniotildees e crenccedilas porque suspende o

julgamento estaria fadado agrave inaccedilatildeo Carneacuteades distinguiu entatildeo ldquoconhecimentos persuasivos

(pithanas) e natildeo-persuasivosrdquo e dentre os persuasivos ldquoconhecimentos persuasivos e

30 Bolzani 2011 p 15 discorre sobre a possibilidade de se concluir a partir das Academica de Ciacutecero que Arcesilau foi historicamente (se lembramos as dificuldades presentes na tentativa de atribuiacute-la a Pirro) o primeiro a propor uma noccedilatildeo ceacutetica de suspensatildeo de juiacutezo Esta discussatildeo foi feita por Coussin 1929 31 ldquoEm contraposiccedilatildeo ao ideal estoacuteico de saacutebio - aquele que nunca emite opiniatildeo e daacute sempre assentimento ao verdadeiro - Arcesilau concluiraacute em face das dificuldades apresentadas ao otimismo cognitivo do estoacuteico que ao saacutebio soacute restaraacute recusar assentimento e suspender o juiacutezo (PH 2 67) O estatuto desta lsquosabedoriarsquo a que chega a argumentaccedilatildeo eacute controverso Pode-se de fato sustentar que tem funccedilatildeo meramente dialeacutetica numa espeacutecie de reductio ad absurdum partindo do conceito dogmaacutetico de saacutebio chegamos agrave sua inviabilizaccedilatildeo agrave sua impossibilidade Contudo por que natildeo dizer que doravante com a constataccedilatildeo daquelas dificuldades suspender o juiacutezo se faz sinal de lsquosabedoriarsquo (cf PH 277) Questatildeo polecircmica a ser examinada mais detidamenterdquo Bolzani 2011 p 16-17 32 Gerson 2009 p 118

27

comprovados (dieksodeumenas)rdquo e ldquoconhecimentos persuasivos plenamente comprovados e

natildeo controversos (periodeumenas kai aperispastous)rdquo (PH 1 227 ss) Assim algueacutem poderia

ter opiniotildees melhor ou pior formadas Elas ainda seriam opiniotildees e natildeo conhecimento

porque mesmo uma impressatildeo aparentemente verdadeira natildeo controversa e plenamente

testada poderia ainda ser falsa Ainda agravequilo que natildeo eacute aparente e portanto natildeo pode ser

uma impressatildeo aparentemente verdadeira natildeo conveacutem assentimento

Carneacuteades teria distinguido duas formas de assentir agraves impressotildees traccedilando uma

linha entre assentimento teoacuterico e praacutetico (Ciacutecero Acad 2 104)33 A impressatildeo

aparentemente verdadeira pode provocar o assentimento a determinadas proposiccedilotildees mas ela

seria com efeito somente guia para a accedilatildeo mesmo que pudesse parecer um criteacuterio de

verdade34 Sexto por sua vez diraacute que para Carneacuteades uma impressatildeo que eacute aparentemente

verdadeira (phainomene alethes) e adequadamente representativa (hikanos emphainomene) eacute

efetivamente um tal criteacuterio de verdade (M 7 173)

Sexto natildeo considera os acadecircmicos como ceacuteticos legiacutetimos nem admite sua posiccedilatildeo

como genuiacutena suspensatildeo do julgamento Para Pellegrin (2010 p 128) poderia ser dito que os

acadecircmicos os estoicos e ateacute mesmo Enesidemo praticaram uma suspensatildeo do julgamento

que eacute na verdade apenas uma recusa em assentir enquanto Sexto teria enfatizado a

impossibilidade radical da decisatildeo sobre ser ou natildeo adequado assentir a uma proposiccedilatildeo No

comeccedilo das PH Sexto assim diferencia ceacuteticos e acadecircmicos

O resultado natural de qualquer investigaccedilatildeo eacute quem investiga ou encontra aquilo que busca ou nega que possa ser encontrado e o declara inapreensiacutevel ou ainda persiste em sua busca O mesmo ocorre com as investigaccedilotildees filosoacuteficas e eacute provavelmente por isso que alguns afirmaram ter descoberto a verdade outros que a verdade natildeo pode ser apreendida enquanto outros continuam buscando Aqueles que afirmam ter descoberto a verdade satildeo os propriamente lsquodogmaacuteticosrsquo assim satildeo chamados especialmente Aristoacuteteles por exemplo Epicuro os estoicos e alguns outros Clitocircmaco Carneacuteades e outros acadecircmicos consideram a verdade inapreensiacutevel E os ceacuteticos continuam buscando (zetousi) Portanto parece razoaacutevel manter que haacute trecircs tipos de filosofia a dogmaacutetica a acadecircmica e a ceacutetica (PH 1 1-4) (Traduccedilatildeo nossa)

33 Seguimos preferencialmente o relato de Sexto mas as Academica de Ciacutecero satildeo em realidade obra fundamental para a compreensatildeo do ceticismo acadecircmico Nesta obra Ciacutecero expotildee contra as pretensotildees de Antiacuteoco escolarca da Academia simpatizande do estoicismo o posicionamento filosoacutefico de Carneacuteades Clitocircmaco e Fiacutelon que teriam cultivado o genuiacuteno espiacuterito da filosofia platocircnica e socraacutetica Ver traduccedilatildeo e introduccedilatildeo para o inglecircs de Brittain 2006 e para o portuguecircs Seabra 2013 34 Ciacutecero (Acad 2 105) para seu interlocutor ldquonoacutes dizemos aceitar as mesmas impressotildees que vocecircs dizem apreender contanto que sejam persuasivasrdquo

28

Parece-nos forccediloso supor entatildeo que para Sexto Empiacuterico os acadecircmicos eram o

que costumamos designar como lsquodogmaacuteticos negativosrsquo pois teriam se manifestado

dogmaticamente negando a possibilidade de conhecimento A suspensatildeo do julgamento seria

apenas expressatildeo de sua convicccedilatildeo de que natildeo se pode conhecer a verdade Se esta tendecircncia

dogmaacutetica percebida por Sexto era de fato caracteriacutestica dos acadecircmicos ceacuteticos ou um traccedilo

que Sexto teria enfatizado em razatildeo da posterior tradiccedilatildeo (estoica) na Academia eacute uma

questatildeo a ser verificada dentro da histoacuteria da filosofia acadecircmica Sexto confirma eacute verdade

que os acadecircmicos (especialmente Arcesilau) (PH 1 232) dizem muitas coisas semelhantes ao

que dizem os pirrocircnicos Mas do seu ponto de vista os Acadecircmicos dizem estas coisas como

se fossem definitivas o que os desqualificaria do tiacutetulo de ceacuteticos ldquoOs da Academia Nova ao

dizerem tambeacutem eles que tudo eacute inapreensiacutevel certamente diferem dos ceacuteticos justamente

nisso de dizer que tudo eacute inapreensiacutevel Pois eles fazem desta uma convicccedilatildeo enquanto o

ceacutetico supotildee que seja possiacutevel haver coisas que sejam apreensiacuteveisrdquo (PH 1 226) Se Sexto

estaacute mesmo correto em sua criacutetica do ceticismo na Academia Nova eacute uma questatildeo aberta a

debate35 como dissemos mas o que ele repetidamente expressa eacute que para ele o pirronismo eacute

algo distinto da Academia e natildeo apenas pelo papel conferido agrave ataraxia

Lembrando que a Academia Nova apesar do esforccedilo de Arcesilau em atualizar o

ceticismo do meacutetodo socraacutetico como distintivo da dialeacutetica platocircnica e definidor da

investigaccedilatildeo filosoacutefica natildeo abandona os princiacutepios essencialmente dogmaacuteticos da filosofia

platocircnica Como disse Sexto ldquose [Arcesilau] percebia que os havia predisposto [seus

disciacutepulos] agrave compreensatildeo dos dogmas platocircnicos passava-se ainda por aporeacutetico [ceacutetico]

mas aos assim predispostos transmitia a doutrina platocircnicardquo (PH 1 234)

O ceticismo na Academia persistiu ateacute o iniacutecio do seacuteculo I aC Nessa eacutepoca

provavelmente como reaccedilatildeo ao abandono do ceticismo pela Academia um novo movimento

ceacutetico aparece reivindicando inspiraccedilatildeo direta em Pirro e liderado por Enesidemo de Cnossos

(c 80 aC) Outro de quem possuiacutemos escassas informaccedilotildees ele proacuteprio provavelmente um

acadecircmico a princiacutepio e talvez por isso especialmente empenhado em distinguir seu

pensamento maduro do da Academia O impulso ceacutetico da Academia parece de qualquer

forma determinante para a formaccedilatildeo do pensamento de Enesidemo e essencial para sua

concepccedilatildeo do pirronismo e para a influecircncia intelectual que exerce

35 Cf Frede 1987 Bolzani 2011

29

Eacute interessante ressaltar que o renascimento do ceticismo de inspiraccedilatildeo pirrocircnica

parece ter acontecido como reaccedilatildeo agrave aproximaccedilatildeo do pensamento ceacutetico dentro da Academia

Nova com o estoicismo Costuma-se apontar no entanto uma possiacutevel versatildeo do Pirronismo

provavelmente anterior a Sexto (e impliacutecita em seus escritos) relacionada geralmente a

Enesidemo que encorajaria o dogmatismo negativo de modo similar talvez ao que faz a

Academia Segundo os padrotildees defendidos por Sexto esse meacutetodo seria autodestrutivo as

proposiccedilotildees apoacutes atingirem seu alvo se autocancelariam como citamos acima o processo

estaria sinalizado pela foacutermula da suspensatildeo do julgamento Poreacutem na praacutetica o ceticismo

sextiano poderia afigurar-se tatildeo antiteoacuterico quanto teriam sido supotildee-se alguns meacutedicos

empiacutericos isto eacute atacando posicionamentos dogmaacuteticos por meio da asserccedilatildeo (aparentemente

dogmaacutetica) de sua falsidade inutilidade e inexistecircncia Tal ataque parece algumas vezes supor

a inapreensibilidade do natildeo-manifesto premissa dogmaacutetica compartilhada por acadecircmicos e

meacutedicos empiacutericos segundo o proacuteprio Sexto Aleacutem disso e por outro lado tambeacutem haacute um

bom nuacutemero de passagens em que Sexto atribui posiccedilotildees filosoacuteficas positivas bastante

teoacutericas diriacuteamos a Enesidemo36

As ideias de Enesidemo satildeo reconstruiacutedas em linhas gerais considerando o

testemunho de Foacutecio patriarca em Constantinopla no seacuteculo IX que nos legou um resumo

dos seus Discursos Pirrocircnicos Enesidemo teria criticado a autocontradiccedilatildeo impliacutecita no

conceito acadecircmico de lsquoaparentemente verdadeirorsquo pois os acadecircmicos estariam ao mesmo

tempo sustentando que as coisas satildeo inapreensiacuteveis mas que eles natildeo obstante seriam

capazes de lsquoreconhecerrsquo (ginoskonta) algumas como verdadeiras e outras como falsas se satildeo

inapreensiacuteveis tal reconhecimento natildeo se susteacutem O acadecircmico compartilharia desta forma

as pressuposiccedilotildees dogmaacuteticas do estoicismo teria notado Enesidemo37 Ao movimento

fundado por Enesidemo iraacute filiar-se Sexto Empiacuterico Enesidemo eacute citado por Sexto como o

autor ou ao menos o compilador de oito modos de argumentar contra as explanaccedilotildees causais

dogmaacuteticas (aitialogian)

Outro nome que parece ter sido importante para a formaccedilatildeo do pensamento sextiano

eacute Agripa Ele proacuteprio natildeo eacute citado por Sexto ou por qualquer outro autor da antiguidade aleacutem

de Dioacutegenes Laeacutercio (9 88-89) que afirma que ele foi o autor dos cinco modos da suspensatildeo

do juiacutezo amplamente utilizados por Sexto na sua refutaccedilatildeo aos dogmaacuteticos Como satildeo

praticamente nulas as informaccedilotildees de outras fontes a suposiccedilatildeo de que as aparentes camadas

36 Sobre isso ver os comentaacuterios de Bett (1997 2005 2013) a suas traduccedilotildees de Sexto Empiacuterico 37 Gerson 2009 p 125

30

argumentativas da obra sextiana reflitam diferenccedilas existentes em versotildees diacutespares do

ceticismo natildeo pode a princiacutepio ser comprovada

Menccedilotildees esporaacutedicas datildeo a conhecer alguns outros ceacuteticos pirrocircnicos por nome

poreacutem nada mais sabemos sobre eles Deve-se admitir dessa forma a impossibilidade de

traccedilar com alguma clareza factual as diferentes posiccedilotildees ceacuteticas que possivelmente coexistiam

na antiguidade Fazendo nossas as palavras de Barnes (1988 p 53) quando diz acreditar

fortemente que ldquoo ceticismo antigo tenha se desenvolvido em muito mais formas e variedades

aleacutem das que estamos normalmente inclinados a imaginarrdquo resta-nos a conclusatildeo de que eacute

bastante plausiacutevel que o cenaacuterio real fosse muito menos homogecircneo do que possa aparentar

ser

132 Ceticismo em Sexto Empiacuterico

O ceticismo eacute apresentado por Sexto como um modo de conduzir-se (agoge)38

tanto nas investigaccedilotildees quanto na vida (ao menos onde a accedilatildeo toma como guia o pensamento)

e natildeo uma doutrina sistema de pensamento ou conjunto de convicccedilotildees Sua definiccedilatildeo eacute O ceticismo eacute uma habilidade [ou capacidade] (dunamis) que opotildee as coisas que aparecem (phainomena) e que satildeo pensadas (nooumenon) de todos os modos possiacuteveis com o resultado de que devido agrave equipolecircncia nesta oposiccedilatildeo tanto no que diz respeito aos objetos (pragmasi) quanto agraves explicaccedilotildees (logoi) somos levados inicialmente agrave suspensatildeo (epokhe) e depois agrave tranquumlilidade (ataraksia) Noacutes o denominamos lsquohabilidadersquo natildeo em um sentido especial mas simplesmente no sentido de lsquoser haacutebil ou capaz de algorsquo As coisas que aparecem (phainomena) satildeo entendidas neste contexto como objetos da percepccedilatildeo sensiacutevel (aistheta) os quais contrastamos com objetos do pensamento (noeta) A expressatildeo lsquode todos os modos possiacuteveisrsquo pode ser relacionada seja com a palavra lsquohabilidadersquo em seu sentido usual como dissemos ou pode ser relacionada com lsquoopotildee as coisas que aparecem e que satildeo pensadasrsquo na medida em que opomos coisas que aparecem a coisas que aparecem coisas pensadas a coisas pensadas coisas que aparecem a coisas pensadas e vice-versa a expressatildeo lsquode todos os modos possiacuteveisrsquo permitindo designar todas estas diferentes formas de oposiccedilatildeo Ou ainda podemos relacionar lsquode todos os modos possiacuteveisrsquo com lsquocoisas que aparecem

38 Agoge lsquoorientaccedilatildeorsquo lsquodireccedilatildeorsquo lsquopersuasatildeorsquo lsquomovimentorsquo lsquomeacutetodorsquo lsquoprocedimentorsquo lsquolinha de pensamentorsquo Sobre seu uso em Sexto ldquoeacute o termo padratildeo usado por Sexto nas seccedilotildees iniciais de PH (PH 1 4 6 7 11 12 21 22 etc) para referir-se ao ceticismo skeptike agoge O termo foi usado por historiadores da filosofia para escolas filosoacuteficas mas em Sexto eacute normalmente utilizado para o movimento ceacutetico e parece implicar apenas uma afinidade menos restrita e mais aberta e natildeo uma escola ou seita (hairesis) filosoacutefica que demandaria aderecircncia a certos dogmas (PH 1 16ss) Em PH 1 145 distingui-se agoge de ethe nomoi mithike pistis dogmatike hupolepsis e eacute definida como lsquouma escolha de modo de vida [hairesis biou] ou de accedilatildeo que diz respeito a uma ou mais pessoas a Dioacutegenes ou aos espartanos por exemplorsquo

31

e que satildeo pensadasrsquo indicando que natildeo temos que nos perguntar sobre como o que aparece aparece ou como o que eacute pensado eacute pensado mas tomamos estes termos no sentido habitual (aplos) A expressatildeo lsquoexplicaccedilotildees que se opotildeemrsquo eacute tomada natildeo na acepccedilatildeo de negaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo (apophasin kai kataphasin) mas na de explicaccedilotildees conflitantes (makhomenous) Equipolecircncia (isostheneian) noacutes usamos no sentido de equivalecircncia quanto a ser criacutevel (pistin) ou natildeo criacutevel (apistian) indicando que nenhuma das explicaccedilotildees em conflito eacute mais criacutevel do que a outra A suspensatildeo (epokhe) eacute um estado mental de repouso (stasis dianoias) no qual natildeo afirmamos nem negamos nada Ataraxia eacute a tranquumlilidade ou ausecircncia de perturbaccedilatildeo da alma (psukhes) (PH 1 8-10) (Traduccedilatildeo Marcondes 1997 p 116-117) (transliteraccedilatildeo dos termos gregos eacute nossa)

A atitude ceacutetica portanto guia a conduta do pensador atraveacutes dos estaacutegios de sua

inquiriccedilatildeo intelectual 1) zetesis ‒ investigaccedilatildeo o ceacutetico empenha-se em investigar e

observar39 (PH 1 7) 2) diaphonia ‒ desacordo disputa o ceacutetico se depara com inuacutemeras

convicccedilotildees conflitantes sobre o mesmo fenocircmeno e com as anomalias nas coisas 3)

isostheneia ‒ equipolecircncia percebe que as opiniotildees conflitantes satildeo equivalentes em sua forccedila

persuasiva40 4) epokhe ‒ suspensatildeo do juiacutezo sendo as opiniotildees conflitantes equipolentes em

sua forccedila persuasiva natildeo se pode dizer a qual teoria deve-se dar creacutedito ou natildeo (PH 1 196)

5) aphasia ‒ natildeo se pronunciar natildeo assentir a uma proposiccedilatildeo dogmaacutetica (afirmativa ou

negativa) (PH 1 193 e 197) 6) ataraksia ‒ imperturbabilidade

Dizemos que a finalidade do ceticismo eacute a tranquilidade de espiacuterito nas questotildees de opiniatildeo e moderaccedilatildeo de sentimentos naquilo que nos eacute imposto Pois o ceacutetico tendo comeccedilado a filosofar a fim de decidir quais dentre as aparecircncias satildeo verdadeiras e quais falsas de modo a alcanccedilar a

39 Cf Vogt 2010 ldquoo ceacutetico eacute um investigador genuiacuteno o objetivo da sua investigaccedilatildeo eacute a verdaderdquo A estudiosa manteacutem uma opiniatildeo algo polecircmica e afirma ainda que mesmo que Sexto aponte como objetivo da investigaccedilatildeo pirrocircnica nos primeiros ceacuteticos a suspensatildeo do julgamento (em paralelo agrave tranquilidade da alma) este natildeo eacute o objetivo que o proacuteprio Sexto atribui ao ceticismo cf PH 1 2 PH 2 11 A estudiosa afirma que para entender a investigaccedilatildeo pirrocircnica eacute preciso ter em mente as trecircs consideraccedilatildeo a seguir ldquoprimeiro que ela herda uma concepccedilatildeo muito mais complexa de investigaccedilatildeo moldada por Soacutecrates e Platatildeo cujo fazer filosoacutefico nem sempre visa imediatamente agrave descoberta de verdades Segundo possui uma origem motivacional ndash o desacordo insoluacutevel entre pensamentos conflitantes ndash distinta de qualquer objetivo particular que algueacutem possa ter Terceiro o valor de verdade tem um papel importante na investigaccedilatildeo pirrocircnica embora a investigaccedilatildeo pirrocircnica esteja mais prontamente preocupada em evitar o falso do que em descobrir a verdade Uma investigaccedilatildeo deve responder ao valor de verdade A Premissa da Verdade [uma investigaccedilatildeo deve guiar-se por normas epistecircmicas que respondem ao valor de verdade] eacute crucial para qualquer atividade que reivindique ser algum tipo de investigaccedilatildeordquo Vogt 2011 p 34 O posicionamento dela toma partido frente as polecircmicas atuais acerca da classificaccedilatildeo do pensamento ceacutetico sextiano como uma filosofia possiacutevel ou como uma demissatildeo filosoacutefica 40 O ceacutetico pirrocircnico eacute descrito como em um estado de aporia ele enfrenta a impossibilidade objetiva de classificar as opiniotildees como falsas verdadeiras ou nem uma coisa nem outra por isso a suspensatildeo do julgamento A duacutevida pode ser uma de suas atitudes mas natildeo eacute aquela que o define

32

tranquilidade encontrou-se diante da equipolecircncia nas controveacutersias e sem poder decidir sobre isto adotou a suspensatildeo do julgamento e em consequecircncia da suspensatildeo seguiu-se a tranquilidade em mateacuterias de opiniatildeo (PH 1 25-26) (Traduccedilatildeo nossa)

Um dos princiacutepios baacutesicos do ceticismo seria portanto o de contrapor

argumentos (PH 1 12) Este princiacutepio poderia sugerir que haveria ao menos uma crenccedila a

priori a do lsquoequiliacutebriorsquo entre proposiccedilotildees dogmaacuteticas mas Sexto explica

Quando eu digo que lsquoa cada argumento se opotildee outro argumento equivalentersquo digo implicitamente isto lsquoPara mim eacute manifesto que a cada argumento dos analisados por mim que estabelece algo dogmaticamente se opotildee outro argumento que estabelece algo dogmaticamente e que eacute equivalente agravequele quanto agrave forccedila de persuasatildeo ou falta delarsquo de forma que o que digo natildeo eacute dogmaacutetico mas relato de uma disposiccedilatildeo de espiacuterito que para quem a experiencia eacute sim algo manifesto (PH 1 203) (Traduccedilatildeo nossa)

A inclinaccedilatildeo a crenccedilas dogmaacuteticas eacute apresentada como um estado patoloacutegico que

deve ser enfrentado por meio da prescriccedilatildeo ceacutetica41 constatar que as posiccedilotildees conflitantes

(defendidas por diferentes sistemas filosoacuteficos ou pelo mesmo sistema por pessoas comuns

por pensadores ou eruditos) acerca do mesmo fenocircmeno ou essas posiccedilotildees possuem a mesma

forccedila persuasiva ou natildeo possuem forccedila persuasiva pois natildeo haacute ainda criteacuterio infaliacutevel ou

sequer imparcial que as verifique

Sexto parece qualificar como dogmaacuteticas todas as proposiccedilotildees assertivas pois

valem-se invariavelmente de premissas em que entidades natildeo-verificaacuteveis satildeo postuladas

como entidades reais cujo acesso dar-se-ia por meio de racionalizaccedilatildeo ou teorizaccedilatildeo

ldquodizemos que o ceacutetico natildeo dogmatiza usando lsquodogmarsquo no sentido mantido por alguns de

lsquoassentimento a objetos natildeo-evidentes da investigaccedilatildeo (ta kata tas epistemas dzetoumena)rsquo

pois os pirrocircnicos natildeo datildeo assentimento (sugkatatithetai) a nada que seja natildeo-evidente

(adela)rdquo (PH 1 13) Mais adiante ele afirma ldquoNingueacutem penso eu disputa se o objeto

externo tem esta ou aquela aparecircncia mas sim se ele eacute tal qual parece (eacutestin hopoion

phainetai)rdquo (PH 1 22 grifo nosso)42

41 PH 3 280 ldquocurar a presunccedilatildeo e a temeridade dos dogmaacuteticosrdquo Sobre a lsquoterapecircuticarsquo ceacutetica ver Voelke 1990 42 PH 3 65-81 como exemplo de uma abordagem ceacutetica a uma questatildeo que envolve uma afirmaccedilatildeo sobre a real natureza de um fenocircmeno ldquoDe modo geral trecircs foram ndash creio ndash as posiccedilotildees acerca do movimento As pessoas em geral de fato e alguns filoacutesofos supotildeem que o movimento existe Parmecircnides e Melisso e alguns outros que natildeo existe E os ceacuteticos disseram que o movimento existe e

33

Tambeacutem eacute dogmaacutetico para Sexto afirmar que eacute impossiacutevel descobrir a verdade que

eacute impossiacutevel conhecer o mundo para aleacutem das aparecircncias O ceacutetico pirrocircnico insiste ser uma

questatildeo em aberto saber se o natildeo observaacutevel pode ser conhecido pela lsquorazatildeorsquo (PH I 13-14)

Como colocou Frede (1987 p 255) Eles [os ceacuteticos pirrocircnicos] reconhecem a possibilidade de que num caso particular qualquer pode ser falsa a conclusatildeo a que nos conduz nossa praacutetica cognitiva ordinaacuteria Eles tambeacutem reconhecem a possibilidade de que o mundo possa ser muito diferente do que dada nossa accedilatildeo cognitiva ordinaacuteria parece ser Eles tambeacutem reconhecem a possibilidade de que pode haver um meacutetodo que nos permita determinar como as coisas realmente satildeo O que eles natildeo aceitam eacute a afirmaccedilatildeo de que tal meacutetodo foi descoberto (grifo nosso)

A suspensatildeo do julgamento acerca de proposiccedilotildees dogmaacuteticas em geral seria

induzida principalmente mas natildeo somente atraveacutes dos modos em grego tropoi43 Os modos

satildeo modelos de ou para argumentos Poderiam tambeacutem ser descritos como trajetoacuterias

investigativas retoacuterica e intelectualmente funcionais que nos auxiliam na percepccedilatildeo e contra-

argumentaccedilatildeo do posicionamento dogmaacutetico com forccedila tanto terapecircutica quanto

demonstrativa Descreverei os modos atraveacutes dos quais se induz a suspensatildeo do julgamento sem fazer uma firme asserccedilatildeo nem sobre seu nuacutemero nem sobre seu poder jaacute que eacute possiacutevel que alguns sejam menos importantes e que existam mais do que esses mencionados (PH 135) Entre os primeiros ceacuteticos [] satildeo dez modos Primeiro o da diversidade dos animais Segundo o da diferenccedila entre os homens Terceiro o das diferentes constituiccedilotildees dos sentidos Quarto o modo das circunstacircncias Quinto o das posiccedilotildees distacircncias e lugares Sexto o das interferecircncias Seacutetimo o das quantidades e composiccedilotildees dos objetos Oitavo o da relaccedilatildeo com algo Nono acerca das ocorrecircncias frequentes ou raras Deacutecimo o que contrasta as formas de pensar costumes leis crenccedilas miacuteticas e opiniotildees dogmaacuteticas (PH 1 36-37) Os ceacuteticos mais recentes informam esses cinco modos da suspensatildeo do juiacutezo Primeiro a partir do desacordo (diaphonia) Segundo o que leva ao regresso

natildeo existe pois quanto aos fenocircmenos parece que o movimento existe mas quanto ao raciociacutenio filosoacutefico que natildeo existe Assim pois se noacutes ao expormos a disputa entre os que supotildeem que o movimento existe e os que demonstram que o movimento natildeo eacute nada achamos a disputa equilibrada entatildeo em vista do que se diz sobre ela nos veremos forccedilados a dizer que o movimento tanto existe quanto natildeo existe [] Pois bem isso e muito mais dizem os que negam o movimento E noacutes natildeo podendo desqualificar nem estes argumentos nem o que eacute evidente em que se baseiam os que concluem a realidade do movimento em vista desta contradiccedilatildeo entre fenocircmenos e raciociacutenios suspendemos o julgamento acerca do movimento existir ou natildeo existirrdquo 43 A bibliografia sobre os modos eacute extensa ver por exemplo Annas e Barnes 1985 para uma discussatildeo dos dez modos Barnes 1990 trata dos cinco modos Hankinson 1995 e Woodruff 2010 para uma explicaccedilatildeo geral

34

ao infinito (eis apeiron ekballonta) Terceiro o da relaccedilatildeo com algo (pros ti) Quarto o das hipoacuteteses Quinto o do ciacuterculo vicioso (ton diallelon) (PH 1 164) Enesidemo acrescenta oito modos segundo os quais acredita que pode refutar toda explanaccedilatildeo causal dogmaacutetica e asseverar sua inconsistecircncia Primeiro explanaccedilotildees causais que residem todas no que eacute natildeo-evidente natildeo tecircm confirmaccedilatildeo unacircnime pelo que eacute aparente Segundo embora existam inuacutemeras possibilidades de se explicar o que se investiga de maneiras diferentes alguns datildeo apenas uma explicaccedilatildeo de um soacute jeito Terceiro eles atribuem causas desordenadas a coisas que se datildeo ordenadamente Quarto quando compreendem como se datildeo as coisas que satildeo aparentes acreditam que tambeacutem compreenderam como se daacute o que eacute natildeo-evidente Mas o natildeo-evidente talvez se decirc de forma parecida ao aparente ou talvez natildeo se decirc desta forma mas em outra particular Quinto todos datildeo explanaccedilotildees causais de acordo com suas hipoacuteteses pessoais sobre os elementos e natildeo segundo abordagens comuns e aceitas Sexto normalmente aceitam o que concorda com suas proacuteprias hipoacuteteses e rechaccedilam o que vai contra inclusive quando eacute igualmente plausiacutevel Seacutetimo muitas vezes propotildeem causas que contradizem natildeo soacute o que eacute aparente mas suas proacuteprias hipoacuteteses Oitavo muitas vezes quando o que eacute aparente eacute tatildeo absurdo quanto o que estaacute sendo investigado eles apoacuteiam sua exposiccedilatildeo do que eacute absurdo naquilo que eacute tatildeo absurdo quanto (PH 1 180-184)

Sexto faz pouco uso dos dez modos poreacutem uso mais extenso do poder retoacuterico dos

cinco modos chamados de cinco modos de Agripa (como nos transmitiu Dioacutegenes Laeacutercio)

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 9 90) afirma que os cinco modos negam toda ldquoprova criteacuterio signo

causa movimento ensino (mathesis) vir a ser e tambeacutem que haacute algo bom ou ruim por

naturezardquo

Assim mesmo vaacuterias estrateacutegias da refutaccedilatildeo sextiana tecircm sido apontadas como

fraacutegeis e comprometedoras ou por tentar imputar aos seus adversaacuterios conclusotildees externas ao

seu sistema ou por fazer uso de algum expediente dogmaacutetico e assim autorrefutar-se ou

pela proacutepria debilidade de seus expedientes retoacutericos No entanto o ceacutetico por natildeo sustentar

nenhuma convicccedilatildeo afirma natildeo estar sujeito agrave refutaccedilatildeo nos mesmos moldes que definem seu

ataque ao dogmatismo

Polecircmicas acerca da coerecircncia do ceticismo pirrocircnico desde a antiguidade

levantaram simplificando a pauta as seguintes questotildees se o pirrocircnico natildeo afirma nada

acerca de como as coisas satildeo o que ele fala sobre sua filosofia possui algum significado44 Se

o pirrocircnico suspende o juiacutezo acerca de qualquer proposiccedilatildeo natildeo estaria cometendo lsquosuiciacutedio

44 Ver Corti 2009 e Bett 2013 Esta polecircmica toma a forma da acusaccedilatildeo de que o ceacutetico abusa da linguagem comum

35

cognitivorsquo ou admitindo sua lsquodemissatildeo filosoacuteficarsquo45 Se o pirrocircnico natildeo possui nenhuma

crenccedila (ou opiniatildeo) mas age guiado pelos fenocircmenos ele natildeo estaria manifestando alguma

lsquo(des)crenccedilarsquo nos fenocircmenos46 Os desdobramentos das possiacuteveis respostas a estas questotildees

na interpretaccedilatildeo da obra sextiana satildeo inuacutemeros de forma que natildeo surpreende a complexidade

do debate que tecircm ocasionado

Sexto por sua vez descreve o seu ataque como um ataque efetivo contra as filosofias

dogmaacuteticas e ciecircncias teoacutericas (ainda que talvez tivesse em mente ao menos a princiacutepio

essencialmente a filosofia estoica) portanto no escopo deste trabalho nos interessamos natildeo

tanto por detectar as incongruecircncias do discurso sextiano mas por compreender aquilo que

de seu ponto de vista unificava seus adversaacuterios

O ceticismo sextiano esclarece tambeacutem de que forma o pirrocircnico age comumente na

vida frente agrave acusaccedilatildeo dogmaacutetica de inaccedilatildeo da qual tiveram de se defender tambeacutem os

acadecircmicos como mencionamos acima

Que nos atemos agraves aparecircncias eacute oacutebvio pelo que foi dito acerca do criteacuterio da orientaccedilatildeo ceacutetica A palavra lsquocriteacuteriorsquo (kriterion) eacute usada de dois modos primeiro para o criteacuterio que se assume em relaccedilatildeo agrave crenccedila na existecircncia e natildeo-existecircncia e que discutimos em nossas objeccedilotildees segundo para o criteacuterio de accedilatildeo pelo qual na conduccedilatildeo de nossa vida diaacuteria fazemos algumas coisas e natildeo outras eacute sobre este uacuteltimo que falamos agora Assim dizemos que o criteacuterio da orientaccedilatildeo ceacutetica eacute a aparecircncia ndash usando aqui este termo para a representaccedilatildeo ndash pois jaacute que a aparecircncia liga-se agrave sensaccedilatildeo e sentimento involuntaacuterio ela natildeo estaacute aberta a questionamento Assim ningueacutem penso eu disputa se o objeto externo tem esta ou aquela aparecircncia mas sim se ele eacute tal qual parece Atendo-nos agraves aparecircncias portanto vivemos sem crenccedilas em observaccedilatildeo agrave vida comum pois natildeo eacute possiacutevel que vivamos de todo inativos E a observaccedilatildeo da vida comum parece compor-se de quatro partes [] a orientaccedilatildeo da natureza ‒ aquela pela qual noacutes naturalmente somos capazes de sensaccedilatildeo e pensamento a impulsatildeo do que se sente ndash a fome nos leva a comer e a sede nos faz beber seguir costumes e leis ndash por meio do que aceitamos que ser piedoso na conduccedilatildeo da vida eacute bom e ser impiedoso eacute ruim e a instruccedilatildeo nas artes (tekhnai) ‒ natildeo somos inativos nas artes (tekhnai) em tivermos sido instruiacutedos (PH 1 21-24)

Em vista disso receber instruccedilatildeo conforme a passagem citada natildeo parece ser algo a

que o ceacutetico se opotildee Nem mesmo parece haver qualquer oposiccedilatildeo ao prover instruccedilatildeo que eacute

como o proacuteprio Sexto qualifica por vezes sua exposiccedilatildeo didaskalia Assim o ceacutetico poderia

45 Ver Annas e Barnes 1985 Burnyeat 1980 Nesta questatildeo estaacute envolvida a polecircmica acerca das interpretaccedilotildees ditas lsquoruacutesticarsquo e lsquourbanarsquo do ceticismo concernente ao escopo da suspensatildeo do juiacutezo Ver Brunschwig 1988 Barnes 1982 e 1990 e os outros textos reunidos em Burnyeat e Frede 1997 46 Ver Barney 1992 Vogt 2010 Esta criacutetica envolve a discussatildeo a respeito do que significa phainomenon (lsquofenocircmeno ndash o que aparecersquo) nos textos sextianos

36

receber uma formaccedilatildeo e dedicar-se a uma atividade Sexto mesmo como afirmamos dedicar-

se-ia agrave arte meacutedica Veremos adiante que esta atitude positiva em relaccedilatildeo agrave instruccedilatildeo e agraves

lsquoartesrsquo (tekhnai) parece mesmo integrar-se agrave demoliccedilatildeo das disciplinas do estudo ciacuteclico

(enkuklia mathemata) presente no Contra os Professores47

14 SEXTO MEacuteDICO EMPIacuteRICO

Se natildeo podemos afirmar onde e quando atuou Sexto ao menos uma informaccedilatildeo

biograacutefica muito importante depreende-se de sua obra Em M 1 260 Sexto refere-se a

Ascleacutepio (ou Esculaacutepio) como ldquoo fundador de nossa ciecircnciardquo em PH 2 238 ao argumentar

que apenas os entendidos em cada arte em particular e natildeo os dialeacuteticos satildeo capazes de

refutar sofismas cuja soluccedilatildeo seja uacutetil ele apresenta um exemplo da medicina e usa a primeira

pessoa do plural autointitulando-se meacutedico

Aleacutem destas evidecircncias Sexto faz uso constante de exemplos teacutecnicos da aacuterea

meacutedica para ilustrar seus argumentos embora nunca explicitamente mencione alguma

experiecircncia particular como meacutedico Em duas passagens Sexto faz menccedilatildeo ao que poderiam

ter sido seus escritos na aacuterea meacutedica em M 7 202 ele diz que natildeo haacute necessidade de tratar

novamente das opiniotildees de Ascleacutepio pois estas haviam sido consideradas nos Tratados

Meacutedicos em M 1 61 ele menciona Tratados Empiacutericos que poderiam ser a mesma obra

meacutedica ou natildeo Natildeo chegou ateacute noacutes qualquer obra sua com conteuacutedo especificamente meacutedico

ndash embora algumas das questotildees filosoacuteficas eacuteticas e teacutecnicas de que se ocupa fossem

geralmente de interesse comum entre meacutedicos e filoacutesofos desde no miacutenimo o seacuteculo III aC

Dioacutegenes Laeacutercio (9 116) e Ps-Galeno (Introductio 14 683) afirmam que Sexto

pertencia agrave Escola Empiacuterica de medicina Ps-Galeno (Introductio 14 6841) diz que

Menoacutedoto e Sexto ldquofortaleceram em muitordquo (akribos ekratunan)48 a Medicina Empiacuterica

Outros ceacuteticos foram tambeacutem mencionados como meacutedicos empiacutericos pelos antigos

47 Barnes (1988 p 61ss) propotildes uma distinccedilatildeo entre lsquoinstruccedilatildeo (didaskalia) formalrsquo x lsquoinstruccedilatildeo informalrsquo A primeira que envolve um professor um aprendiz e conhecimentos articulados em um sistema de proposiccedilotildees eacute rejeitada pelo pirrocircnico pois ela representa a posse e transmissatildeo de crenccedilas A segunda diria respeito agrave relaccedilatildeo entre mestre e aprendiz na qual se transmitem habilidades praacuteticas e se adquirem capacidades Embora afirme ele natildeo se faccedila explicitamente uma distinccedilatildeo como essa em M 1 1-6 48 Para uma interpretaccedilatildeo desta passagem ver Frede 1987 p 251ss

37

House (1980 p234 ss) examinou trecircs passagens nas quais Sexto comenta acerca das

escolas meacutedicas (PH 1 236-41 M 8 326-328 M 8 191) e para ele se Sexto foi um meacutedico

da Escola Empiacuterica ele o foi em conflito com sua posiccedilatildeo como pirrocircnico Na primeira

passagem em questatildeo Sexto discute a diferenccedila entre o ceticismo e outras posiccedilotildees ou escolas

filosoacuteficas agraves quais eacute comumente comparado e aborda a diferenccedila entre o ceticismo e a

Escola Empiacuterica Nesta passagem Sexto afirma que embora a corrente empiacuterica na medicina

afirme a inapreensibilidade (akatalepsia) das coisas natildeo-manifestas (adela) o ceacutetico natildeo

deveria aderir a este lsquogruporsquo (hairesis) Sexto conclui que ao ceacutetico conviria melhor a corrente

metoacutedica (o lsquoMeacutetodorsquo) pois esta natildeo se aventura a dizer se as coisas natildeo-manifestas satildeo ou

natildeo satildeo inapreensiacuteveis mas ateacutem-se agraves coisas manifestas tomando delas o que lhes parece

conveniente sendo portanto afim ao ceticismo ou ao menos natildeo divergente

Na segunda passagem mencionada (M 8 326-328) Sexto tambeacutem diferencia a

orientaccedilatildeo ceacutetica do pensamento dos meacutedicos empiacutericos Ao argumentar que a

lsquodemonstraccedilatildeorsquo ou lsquoprovarsquo (apodeiksis) eacute algo natildeo-evidente ele diz haver opiniotildees

conflitantes a esse respeito os filoacutesofos dogmaacuteticos e os meacutedicos racionais fazem uso de

provas os meacutedicos empiacutericos as destroacuteem e os ceacuteticos em uma terceira posiccedilatildeo suspendem

o julgamento Em M 8 191 no entanto ele aproxima empiacutericos de ceacuteticos ao afirmar que os

dois grupos dizem em comum que as coisas natildeo-manifestas satildeo inapreensiacuteveis Sexto refere-

se supomos ao fato de os dois grupos compartilharem uma mesma experiecircncia o que natildeo

implica dizer que tiram daiacute as mesmas consequecircncias enquanto o meacutedico empiacuterico parte

desta experiecircncia e chega a uma conclusatildeo decisiva ndash a inapreensibilidade do natildeo-manifesto

o ceacutetico estaria apenas reportando como lhe parecem ser as coisas sem comprometer-se com

julgamentos definitivos Tal como Sexto se posiciona nas Hipotiposes

Nossa atitude eacute semelhante quando dizemos que lsquotudo eacute inapreensiacutevelrsquo esse lsquotudorsquo noacutes o interpretamos de forma parecida e subentendemos o lsquopara mimrsquo de modo que o que se diz eacute algo como lsquoPara mim todas as coisas natildeo-manifestas investigadas de forma dogmaacutetica tal como examinei me parecem inapreensiacuteveisrsquo E isso natildeo eacute a afirmaccedilatildeo taacutecita de algueacutem que diria que as coisas que se estudam entre os dogmaacuteticos satildeo de natureza tal que resultam inapreensiacuteveis mas estamos expondo nossa maneira de sentir lsquosegundo a qual ‒ dizemos ‒ natildeo ter apreendido ateacute agora nenhuma dessas coisas devido agrave equipolecircncia das coisas contrapostasrsquo (PH 1 200)

Entre a corrente empiacuterica na medicina e o ceticismo pirrocircnico contudo parece ter

havido algum tipo de interinfluecircncia possivelmente determinante para a constituiccedilatildeo do

posicionamento epistemoloacutegico de ambas Nos escritos de Sexto em nenhum momento ele

38

declara sua filiaccedilatildeo meacutedica embora tenha mencionado como vimos e para surpresa dos

criacuteticos que a Escola Metoacutedica eacute que seria mais apropriada ao pirrocircnico (PH 1 236 ss) pois

tal como o ceacutetico o meacutedico metoacutedico guiar-se-ia apenas pelo fenocircmeno

As trecircs correntes principais da medicina na eacutepoca Racionalismo Empirismo e

Metodismo (esta uacuteltima a mais tardia tendo surgido aparentemente no comeccedilo da nossa era)

protagonizaram um debate cujo nuacutecleo pode ser definido em termos de posicionamentos

epistemoloacutegicos

Os Racionalistas natildeo formaram propriamente uma lsquoescolarsquo eles teriam sido

classificados baixo uma mesma denominaccedilatildeo pelos Empiacutericos representando aquilo a que

estes se opunham ou seja a primazia do conhecimento teoacuterico e do meacutetodo racional Os

meacutedicos Racionalistas teriam considerado fundamental fornecer explicaccedilotildees racionais de seus

procedimentos Com base em proposiccedilotildees que parecem ter tido como pretensatildeo definir a

natureza do corpo explicariam a relaccedilatildeo entre estados patoloacutegicos e suas respectivas terapias

Tal posicionamento a favor da produccedilatildeo do discurso que validasse a praacutetica teria levado a

uma proliferaccedilatildeo desenfreada de teorias especulativas acerca da composiccedilatildeo do corpo e do

desenvolvimento de doenccedilas e uma consequente hiper-racionalizaccedilatildeo do procedimento

meacutedico49

Os Empiacutericos por sua vez sustentariam contra este cenaacuterio que a praacutetica meacutedica eacute

apenas uma questatildeo de experiecircncia guiada por observaccedilatildeo teorias racionais sobre a natureza

do corpo seriam natildeo soacute inuacuteteis como prejudiciais Os Empiacutericos teriam no entanto

ultrapassado a simples criacutetica agrave natureza especulativa dos discursos racionalistas alegando

entatildeo que qualquer teoria deveria ser rejeitada ‒ pois toda teoria faria referecircncia a entidades

e estados que natildeo podem ser observados De acordo com os empiacutericos natildeo podemos ter

qualquer conhecimento de entidades e estados natildeo-observaacuteveis Conveacutem talvez lembrar que o

objeto dos meacutedicos eacute de saiacuteda o corpo humano e assim observaacutevel e natildeo-observaacutevel

49 ldquoA medicina racionalista tendeu a tornar-se acadecircmica e escolaacutestica um termo que realmente foi usado por Galeno para referir-se aos meacutedicos Alexandrinos que natildeo mais atendiam pacientes (In Hipp De nat horn CMG V 9 1 p 88 Iss) De outra passagem em Galeno (De dogm Hipp et Platan p 598 M) sabemos que Erasiacutestrato havia realmente parado de praticar a medicina Supostamente ele e Heroacutefilo dedicavam-se exclusivamente ao desenvolvimento de suas teorias fisioloacutegicas e anatocircmicas e assim teriam transformado a medicina em um assunto acadecircmico de grande sutileza e complexidade (cf Plin HN XI 219 XXVI 11) Pliacutenio (HN XXVI 11) definiu a situaccedilatildeo desta maneira Mesmo sendo a praacutetica real o mais eficiente dos professores acerca de qualquer coisa e especialmente da medicina tal celebrada disciplina racional pouco a pouco degenerou em meras palavras e verborragia Pois parece ser mais prazeroso sentar em uma escola e dedicar-se a leituras ao inveacutes de ir agrave natureza em busca de diferentes ervas nas diferentes estaccedilotildees do anordquo Frede 1987 p 236

39

possuiria neste contexto ao menos a princiacutepio um sentido proacuteprio aquilo que pode ou natildeo

ser observaacutevel apenas com os olhos e os instrumentos e teacutecnicas disponiacuteveis agrave eacutepoca

Os primeiros meacutedicos empiacutericos parecem ter negado que a razatildeo (logos) ou o

pensamento racional teriam qualquer papel na aquisiccedilatildeo de conhecimento Contudo eacute

bastante provaacutevel que esta posiccedilatildeo tenha se abrandado no decorrer da tradiccedilatildeo ou convivido

com posiccedilotildees mais moderadas Galeno atribui aos empiacutericos tardios o reconhecimento do uso

da razatildeo ainda que de forma distinta de seus adversaacuterios racionalistas na construccedilatildeo de

conhecimento meacutedico50

Diferentes teorias tentaram harmonizar a latente divergecircncia entre a pertenccedila de

Sexto aos empiacutericos um dado suposto mas consistente em sua biografia (inclusive sendo este

seu epiacuteteto) e seu ceticismo visto que o proacuteprio Sexto parece considerar esta uma posiccedilatildeo

incongruente ou ao menos indesejaacutevel Uma dessas teorias eacute a de que tendo-se

profissionalizado como meacutedico empiacuterico Sexto ao voltar-se para o ceticismo pirrocircnico teria

simplesmente desconsiderado as afirmaccedilotildees desta Escola como lsquoverdadesrsquo mas teria seguido

atuando como meacutedico de acordo com a maacutexima pirrocircnica da utilidade em se aprender uma

arte como vimos acima parte da lsquoobservaccedilatildeo da vidarsquo como ele explica em PH 1 2451

Frede (1987 p 252 ss) no entanto considera provaacutevel que Sexto estivesse empenhado em

uma lsquoreformarsquo no movimento empiacuterico criticando como dogmaacutetica a posiccedilatildeo negativa

tradicional da escola Allen (2001 p 90-91) considera que as observaccedilotildees de Sexto soam

como um aviso contundente contra a tendecircncia dogmaacutetica dentro da medicina empiacuterica mais

do que como uma suposta renuacutencia de fato do empirismo

Certa tensatildeo entre uma postura mais afim ao lsquoradicalismorsquo caracteriacutestico supotildee-se

da medicina empiacuterica e a postura ceacutetica que deveria conduzir agrave suspensatildeo do juiacutezo e agrave

moderaccedilatildeo eacute no entanto latente na obra sextiana Infelizmente nenhuma das obras que

provavelmente escreveu acerca do assunto sobreviveu para que pudecircssemos ter uma melhor

compreensatildeo sobre como vivenciou este conflito e se vivenciou Se a Escola Metoacutedica

surgiu no entanto como contrarreaccedilatildeo a duas facetas do empirismo quais sejam tendecircncias

dogmaacuteticas e tendecircncia teoacuterica (ao complicar posteriormente a explicaccedilatildeo dos meacutetodos de

conhecimento admitidos como tratamos na sequecircncia) eacute provaacutevel que a afirmaccedilatildeo de Sexto

sobre essa escola ser mais adequada ao ceacutetico expresse uma frustraccedilatildeo com certas

caracteriacutesticas da medicina empiacuterica

50 Frede 1987 p 247-249 51 Cf Blank p xvi o autor dessa hipoacutetese seria Hossenfelder

40

Numa tentativa de mapear o que chamaremos de lsquoheranccedila empiacutericarsquo natildeo soacute na

formaccedilatildeo do posicionamento filosoacutefico sextiano mas extensiva a outros debates

especialmente o gramatical na antiguidade retomamos abaixo a histoacuteria do confronto entre

estas escolas em paralelo a posturas filosoacuteficas acerca do lsquoconhecimentorsquo e das lsquoartesrsquo

(tekhnai) Apresentaremos elementos que buscam contribuir para o entendimento da relaccedilatildeo

entre medicina artes (tekhnai) e filosofia importante para a apreciaccedilatildeo da posiccedilatildeo sextiana

Como expressou Frede (1987 p 245)

Parece bastante justo afirmar que a medicina empiacuterica contribuiu para o reflorescimento do Pirronismo no seacuteculo I aC a forma do ceticismo Pirrocircnico em Sexto Empiacuterico eacute claramente influenciada pela corrente empiacuterica aleacutem disso suspeito que o modo como Acadecircmicos e Estoicos conceberam as artes e habilidades teacutecnicas foi amplamente influenciado pelo Empirismo A famosa definiccedilatildeo de gramaacutetica dada por Dioniacutesio Traacutecio no iniacutecio de seu tratado reflete um ponto de vista empiacuterico assim como a observaccedilatildeo introdutoacuteria de Varratildeo sobre o meacutetodo da agricultura (I 18 7) Encontramos na medicina grega desde o tempo do Corpus Hipocraacutetico ateacute Galeno e aleacutem uma rica tradiccedilatildeo de controveacutersias filosoacuteficas concernentes agrave natureza do conhecimento meacutedico que ndash ainda que fortemente influenciada pelas discussotildees das escolas filosoacuteficas ndash ainda assim manteve um alto niacutevel de independecircncia e originalidade e ateacute mesmo teve alguma influecircncia no pensamento dos filoacutesofos e dos representantes de outras artes e ciecircncias

15 ESCOLAS MEacuteDICAS POSICIONAMENTOS FILOSOacuteFICOS E O ATAQUE AgraveS

TEKHNAI

O ataque empreendido por Sexto nos seis livros do Contra os Professores insere-se

no contexto amplo de oposiccedilatildeo agraves filosofias dogmaacuteticas como temos visto atraveacutes da criacutetica

aos conhecimentos teoacutericos construiacutedos com base em raciociacutenios especulativos A criacutetica

sextiana envolve a identificaccedilatildeo das disciplinas do ensino ciacuteclico (enkuklia mathemata) com

artes (tekhnai) racionais ou teoacutericas O propoacutesito destas artes seria natildeo a transmissatildeo e

aquisiccedilatildeo de habilidades com fins praacuteticos mas a construccedilatildeo de teorias postulando a natureza

das coisas Com base no chamado meacutetodo racional o objetivo destas artes seria postular

propriedades definidoras da natureza de seus objetos elaborando explanaccedilotildees causais de por

que as coisas satildeo como satildeo Como parte desses estudos configuram-se entidades teoacutericas

relacionadas por meio de um sistema cuja apreensatildeo depende portanto da aceitaccedilatildeo tanto do

valor existencial de suas entidades componentes como e principalmente do assentimento agraves

41

inferecircncias (constataccedilotildees hipoteacuteticas tomadas como verdadeiras) que as relacionam A

edificaccedilatildeo desses estudos em sistemas envolve portanto um meacutetodo de descoberta e um

conjunto de teoremas que sustenta a conexatildeo de seus elementos Sexto ataca em vista disso o

estudo racional com pretensotildees teoacutericas a incoerecircncia interna e as consequecircncias do meacutetodo

racional

As artes (tekhnai) teriam tido por outro lado pelo menos historicamente um apelo

praacutetico a aplicabilidade praacutetica foi inclusive requisito para uma habilidade ser considerada

uma arte Eacute possiacutevel detectar no entanto uma tendecircncia desde no miacutenimo a geometria

pitagoacuterica de as artes buscarem por respaldo filosoacutefico e passarem a medir seu grau de

sofisticaccedilatildeo pelo seu grau de abstraccedilatildeo teoacuterica daiacute a aproximaccedilatildeo com o meacutetodo racional O

termo para arte tekhne soa polissecircmico durante a antiguidade havendo uma tensatildeo constante

entre um uso reivindicado pela filosofia e um uso corrente de tekhne referindo-se tambeacutem a

habilidades puramente lsquoempiacutericasrsquo como a carpintaria ou equitaccedilatildeo

A polarizaccedilatildeo entre empirismo e racionalidade relativa agraves artes (tekhnai) tem uma

longa tradiccedilatildeo de discussatildeo entre os gregos Essa discussatildeo nos interessa sobremaneira pois

relaciona-se diretamente agrave constituiccedilatildeo dos pressupostos epistemoloacutegicos das escolas meacutedicas

do periacuteodo heleniacutestico mencionadas brevemente anteriormente e eacute essencial para a

abordagem de questotildees relevantes na argumentaccedilatildeo de Sexto no Contra os Professores

151 Evoluccedilatildeo da Medicina e do conceito de tekhne

Por volta do seacuteculo V aC como parte de uma tendecircncia intelectualizante ampla de

rejeiccedilatildeo a explicaccedilotildees mitoloacutegicas ou religiosas reconheciacutevel desde ao menos o seacuteculo VI

aC e valorizaccedilatildeo de hipoacuteteses de cunho mecanicista e naturaliacutestico para a descriccedilatildeo dos

fenocircmenos a praacutetica meacutedica bem como outras praacuteticas procura afastar-se de concepccedilotildees

tradicionais entatildeo consideradas supersticiosas Uma fronteira hieraacuterquica se estabelece entre

um discurso etioloacutegico sobrenatural que doravante pode vir a caracterizar praacuteticas suspeitas e

charlatatildees e concepccedilotildees atentas aos processos transformativos da mateacuteria Estas uacuteltimas

influenciadas pela filosofia materialista do periacuteodo passam a compor o arsenal dos saberes

meacutedicos Do ofiacutecio do meacutedico faraacute parte doravante isolar e identificar elementos definir suas

propriedades e a natureza de seus processos por meio da observaccedilatildeo dos fenocircmenos naturais

que estejam envolvidos no curso das doenccedilas e das terapias

Por um lado o impulso intelectual do periacuteodo eacute empiacuterico e praacutetico por voltar-se aos

elementos e suas combinaccedilotildees e agrave observaccedilatildeo de transformaccedilotildees no curso do tempo Por

42

outro no intuito de interpretar controlar e prever fenocircmenos desenvolver-se-aacute

concomitantemente uma faceta declaradamente racionalista e uma tendecircncia metafiacutesica Pois

ao extrapolar deliberadamente o observaacutevel em busca de leis gerais pretende-se contribuir

para o entendimento do funcionamento profundo do mundo Poder-se-ia dizer nesse sentido

que cooperam neste momento disposiccedilotildees da filosofia da natureza jocircnica e da filosofia

idealista eleaacutetica

Some-se a isso a valorizaccedilatildeo do discurso puacuteblico lembremos da importacircncia de

discursos juriacutedicos de acusaccedilatildeo e defesa bem como do poder das declamaccedilotildees militares e

poliacuteticas de exortaccedilatildeo ou repuacutedio a determinadas linhas de accedilatildeo que parece fazer parte do

impulso intelectual ao qual a medicina se adapta e do qual se alimenta Legitimar

discursivamente um proceder praacutetico persuadindo o puacuteblico de sua confiabilidade e poder

qual se defende uma causa eacute ferramenta fundamental numa profissatildeo que depende da

conquista de lsquoclientesrsquo Meacutedicos precisam se provar confiaacuteveis dentro de uma nova

configuraccedilatildeo social que natildeo quer mais apenas confiar na tradiccedilatildeo e assim vincular seu saber

ao domiacutenio e compreensatildeo global de uma arte racional parece um modo efetivo de divulgar

sua profissatildeo O incentivo agrave racionalizaccedilatildeo de seu conhecimento tambeacutem se deve agrave

necessidade de garantir que seratildeo capazes de transmitir tal conhecimento aos possiacuteveis futuros

pupilos Tal discurso era seu epangelma ou lsquoprofissatildeorsquo aiacute declaravam as promessas de sua

arte

Os escritos hipocraacuteticos dos seacuteculos V e IV aC trazem (aleacutem de criacuteticas agravequeles que

conferem maacute fama agrave praacutetica por exercecirc-la de forma dolosa) indicaccedilotildees de como um meacutedico

deve proceder na defesa da medicina perante aqueles que alegam que ela natildeo eacute uma tekhne

Como resumiu Blank (p xix) O tratado hipocraacutetico do seacuteculo V aC Sobre as doenccedilas comeccedila sublinhando aquilo que todos devem ter em mente ao desejarem participar de um debate sendo a favor ou contra a medicina a etiologia da doenccedila o curso da enfermidade assim como a forma em que os males progridem uns nos outros quais tratamentos satildeo bem-sucedidos e quais seus resultados o que paciente e meacutedico dizem e fazem por acharem que estaacute correto ou por terem certeza de que estaacute correto junto com o que eacute correto e incorreto na ciecircncia meacutedica quais pontos de iniacutecio e fim da medicina foram demonstrados que coisas realmente existem na medicina o que pode ser conhecido dito visto ou feito de forma que um natildeo realize o que natildeo pode o que eacute competecircncia e o que eacute falta de habilidade oportuno ou inoportuno quais outras tekhnai satildeo semelhantes ou diferentes da medicina quais qualidades o corpo conteacutem e como estas modificam-se para melhor ou pior que males produzem bem ou mal quando adicionados aos males presentes E sempre deve-se atentar aos erros dos oponentes em relaccedilatildeo a estas mateacuterias e entatildeo atacar na contra-argumentaccedilatildeo

43

Este relato natildeo soacute comprova a exigecircncia do conhecimento empiacuterico como a centralidade da

racionalizaccedilatildeo da praacutetica com vistas a uma arguiccedilatildeo puacuteblica

A defesa da medicina como uma verdadeira tekhne floresce junto agrave discussatildeo sobre

o papel da experiecircncia versus os papeacuteis da inferecircncia e da justificativa racional na construccedilatildeo

do conhecimento O debate acerca do status da medicina como tekhne e conjuntamente a

discussatildeo mais geral sobre o que eacute uma tekhne parece ter sido tambeacutem influenciado pelo

contexto de atuaccedilatildeo do movimento sofista em Atenas nos seacuteculos V e IV aC Tal movimento

promoveu um novo modelo de educaccedilatildeo civil juvenil os jovens poderiam receber instruccedilatildeo

especializada frequentando seminaacuterios palestras ou cursos pagos Ateacute este momento a

educaccedilatildeo formal para os filhos de cidadatildeos significava aprender a ler e escrever praticar

ginaacutestica e tocar um instrumento musical normalmente a lira Alguns jovens de famiacutelias mais

influentes possuiam preceptores particulares que iam aleacutem desta formaccedilatildeo geral Mas

comumente a educaccedilatildeo juvenil especialmente aquela que visava agrave formaccedilatildeo de liacutederes

poliacuteticos possuia uma dinacircmica social distinta dependia da participaccedilatildeo ativa do jovem nos

eventos da comunidade e de seu conviacutevio com homens saacutebios eou influentes eles proacuteprios

lsquoinstruiacutedosrsquo dentro da mesma dinacircmica

A atuaccedilatildeo dos sofistas desestabiliza esse quadro porque eles natildeo se propuseram a

uma tutela individual e especiacutefica como a dos preceptores ou um serviccedilo de orientaccedilatildeo

juriacutedica como o dos logoacutegrafos (que escreviam discursos para serem usados nos tribunais)

eles reivindicam o papel de educadores dentro da sociedade ou seja um papel a ser disputado

ao poeta ao saacutebio e sublinhe-se ao filoacutesofo Os sofistas teriam se apropriado do conceito de

excelecircncia (arete) com profundas raiacutezes eacuteticas para os gregos e no contexto da atuaccedilatildeo

poliacutetica passam a oferecer uma instruccedilatildeo teacutecnica em taacuteticas para desenvolver habilidades

discursivas (entre outras) agraves quais vinculam a aquisiccedilatildeo de conhecimento

A pretensatildeo social destes estrangeiros em Atenas incitou uma ampla discussatildeo sobre

as consequecircncias da democratizaccedilatildeo do saber A atuaccedilatildeo dos sofistas estabelece o

questionamento acerca de quais habilidades deveriam fazer parte da formaccedilatildeo de um cidadatildeo

livre adulto e de um saacutebio fomentando discursos que valoravam ou depreciavam as

atividades conforme a natureza das competecircncias demandadas ou exercitadas por elas O

movimento sofista foi tambeacutem responsaacutevel em uacuteltimo caso por impulsionar a criaccedilatildeo de

escolas a produccedilatildeo de material lsquoteacutecnicorsquo a lsquoprofissionalizaccedilatildeorsquo do ensino em suma por

provocar a gradual criaccedilatildeo de um lsquosistemarsquo de ensino de jovens e adultos

Parece ter havido entre os proacuteprios sofistas que natildeo formaram uma escola mas

caracterizam-se melhor como um movimento geneacuterico ainda que bastante incisivo uma

44

disputa acerca do que deveria tipicamente compor sua instruccedilatildeo Vemos isso no discurso de

Protaacutegoras no diaacutelogo homocircnimo platocircnico em que Goacutergias eacute acusado de seguir exigindo de

seus pupilos o estudo das disciplinas do ensino baacutesico ao inveacutes de conduzi-los a assuntos

importantes como a poliacutetica

Alguns deles parecem ter apresentado a sofiacutestica como natildeo soacute necessaacuteria mas

superior agraves outras tekhnai e teriam angariado ainda mais inimigos por afirmar que qualquer

discurso seria tatildeo eficaz quanto eficazes fossem as teacutecnicas sofiacutesticas utilizadas para construi-

lo Essa teria sido a promessa feita por alguns a respeito de sua tekhne

A reaccedilatildeo de pensadores importantes contraacuterios ao movimento sofista como Platatildeo e

Aristoacuteteles valeu-se por sua vez da desqualificaccedilatildeo da sofiacutestica como tekhne enquadrando-a

como um mero lsquosaber fazerrsquo O termo tekhne representava algo que os gregos respeitavam e

valorizavam e negar a uma praacutetica a alcunha de tekhne era questionar seu prestiacutegio e sua

utilidade social52 o que acaba por pavimentar o caminho da tensatildeo entre por um lado (mero)

treino de habilidades e por outro (verdadeiro) conhecimento Este debate acaba por tomar

grandes proporccedilotildees ao implicar uma disputa acerca de quais artes seriam de fato artes ou

quais seriam superiores e a quais caracteriacutesticas estaria vinculado seu status Bem como

quais delas eram importantes para a sabedoria quais indiferentes quais despreziacuteveis Ou seja

entra em cena um criteacuterio filosoacutefico para a hierarquizaccedilatildeo das tekhnai

Dar o aval de tekhne a certa aacuterea do conhecimento envolve neste cenaacuterio

normalmente questotildees semelhantes agraves mencionadas no relato hipocraacutetico acima uma teckhne

deveria a) ter um objetivo determinado (distinto do objetivo de outras tekhnai) b) ser uacutetil53 c)

ter a capacidade de atingir seu objetivo d) ser transferiacutevel ou seja poder ser ensinada e

aprendida54 Desse uacuteltimo criteacuterio faz parte e) ter preceitos estabelecidos de forma clara

acerca do que eacute certo e do que eacute errado pois quem domina a arte deve ser capaz de explicar a

correccedilatildeo de seu procedimento ao contraacuterio de uma pessoa despreparada que age

52 Na poesia grega antiga e sua mitologia as tekhnai satildeo presentes divinos que conduziram a humanidade ao seu lugar especial no mundo tendo permitido que sobrevivecircssemos agraves incertezas da sorte (Iliacuteada XXIII 325-318 Odisseia XVII 383 Platatildeo Gorgias 448c) 53 O criteacuterio da utilidade foi particularmente enfatizado pelos epicuristas A utilidade tambeacutem faz parte da definiccedilatildeo estoica padratildeo atribuiacuteda a Zenatildeo de Ciacutetio lsquoarte eacute um sistema de apreensotildees (katalepseis) organizado para algum fim uacutetil na vidarsquo(SVF i 73) 54 Argumentos contra o ensino tais como os paradoxos que encontramos em Sexto foram levantados pelos sofistas por exemplo no Dissoi Logoi tratado sofiacutestico do seacuteculo IV aC Ver Prezotto 2009 Outros argumentos aparecem comumente em Platatildeo especialmente nas discussotildees com os sofistas Goacutergias e Protaacutegoras mas tambeacutem no Eutidemo e Menon

45

corretamente apenas por acaso55 Seppaumlnen (2013 p 19) acrescenta a esta lista

produtividade56 completude57 sistematicidade e meacutetodo58 Durante toda a antiguidade esses

elementos satildeo recorrentes na discussatildeo sobre as tekhnai e permanecem fundamentais para a

concepccedilatildeo sextiana

Os desdobramentos dessa questatildeo em Platatildeo conduzem a uma discussatildeo sobre a

natureza das tekhnai aquelas que satildeo proacuteprias da educaccedilatildeo baacutesica de todo cidadatildeo livre e que

devem ser aprendidas de maneira geral e ateacute certo ponto (a partir deste ponto quando algueacutem

se dedica a elas com rigor tende a se tornar um trabalhador vulgar)59 as tekhnai que natildeo

deveriam receber este nome mas sim o de empeiria (ou tribe praacutetica) pois satildeo irracionais

(alogoi)60 jaacute que natildeo fornecem explicaccedilotildees referentes agrave natureza (phusis) das coisas com que

lidam e natildeo se preocupam com o bem real e as tekhnai propriamente ditas que fornecem

uma explicaccedilatildeo (logos) concernente a razotildees causas e naturezas demandando definiccedilotildees e

criteacuterios para a explanaccedilatildeo causal61

Platatildeo promove assim uma relaccedilatildeo entre tekhnai e conhecimento verdadeiro por um

lado e empeiria e opiniatildeo por outro As uacuteltimas direcionadas ao mundo fenomecircnico e as

tekhnai (verdadeiras) preocupadas em explicar racionalmente o mundo real Esta distinccedilatildeo iraacute

dominar a terminologia dos debates sobre lsquotecnicidadersquo pelo resto da antiguidade62 Platatildeo

aplicou diretamente esta valoraccedilatildeo ao trabalho meacutedico Nas Leis (720 ac 857 cd) Platatildeo

55 Blank pxx 56 De acordo com Aristoacuteteles (Eacutet Nic 1140a10) lsquohabilidade produtiva que acompanha a verdade sob a direccedilatildeo da razatildeorsquo (heksis meta logou alethous poietike) 57 Se o conhecimento for realmente uma tekhne aquele que o possui natildeo domina apenas Homero por exemplo mas toda a arte da poesia Seppaumlnen 2005 p 19 58 Faz parte da interpretaccedilatildeo estoica por exemplo em Ciacutecero (SVF i 73) lsquoas artes compotildeem-se de conhecimentos e conteacutem em si o que eacute constituiacutedo por razatildeo e meacutetodorsquo 59 Cf Platatildeo Protaacutegoras 318e Leis 7 817e-819a Goacutergias 464e-465a Isoacutecrates 15 264 Aristoacuteteles Poliacutetica 8 2 1337b 4 ss Blank (p xxii) aponta para a similaridade entre esta distinccedilatildeo platocircnica e as posiccedilotildees de Epicuro e Sexto que satildeo contra formas teoacutericas mas aceitam os niacuteveis elementares de formaccedilatildeo praacutetica na gramaacutetica astronomia e muacutesica por exemplo disciplinas comuns no ensino baacutesico De forma que a insistecircncia em aprofundar estas habilidades levaria natildeo agrave pretendida lsquosofisticaccedilatildeorsquo de uma habilidade mas ao contraacuterio transformaria seus praticantes os gramaacuteticos digamos em lsquotrabalhadores vulgaresrsquo 60 ldquoOs praticantes empiacutericos de vaacuterias tekhnai muito provavelmente natildeo consideraram isto um insulto jaacute que era mesmo a proacutepria fundaccedilatildeo de sua epistemologia que logos natildeo tinha nada a ver com qualquer tekhnairdquo Seppaumlnen 2013 p 64 Por outro lado possivelmente foi uma afronta o querer privar-lhes o uso de tekhne 61 Goacutergias 462c 463a 464c 464e ndash 465a 62 Blank p xxiii

46

distingue entre meacutedicos escravos e meacutedicos livres os primeiros aprendem de uma maneira

lsquoempiacutericarsquo observando seus mestres no tratamento de pacientes e dispotildeem seus tratamentos

sem discussatildeo ou explanaccedilatildeo enquanto os uacuteltimos aprendem cientificamente dando

explicaccedilotildees para persuadir o paciente do tratamento proposto e discutindo teoria inclusive as

causas das doenccedilas e a natureza do corpo quase como um filoacutesofo A descriccedilatildeo do meacutedico

livre reapareceraacute (exceto por sua boa vontade em conversar com pacientes) como antiacutetese do

praticante empiacuterico tal como o encontramos descrito por Sexto

Outra operaccedilatildeo explicitada em Platatildeo eacute a subordinaccedilatildeo das lsquoartes reaisrsquo que visam

ao lsquobemrsquo agrave dialeacutetica (lsquoa ciecircncia do bemrsquo) capaz de discriminar a real natureza das coisas Na

Repuacuteblica (7 533a-534c) ele afirma que algumas tekhnai tal como a geometria e suas irmatildes

estatildeo relacionadas ao real por fazerem uso de hipoacuteteses e princiacutepios natildeo demonstraacuteveis Elas

satildeo tambeacutem chamadas epistemai mas afirma ele apenas a dialeacutetica merece ser chamada

episteme a geometria a aritmeacutetica etc satildeo apenas uma preparaccedilatildeo (propaideia 536d)

Aristoacuteteles tambeacutem argumentou que tekhne seria mais que simples experiecircncia

ldquotekhne eacute um haacutebito produtivo acompanhado de logos verdadeirordquo (Eacutetica a Nicocircmaco 64

1140a4) mas natildeo a subordinou a uma filosofia do bem ou denegriu o papel da experiecircncia

Para ele o conhecimento eacute produto da experiecircncia havendo contudo uma faculdade natildeo

relacionada agrave experiecircncia sensorial imediata chamada lsquomentersquo (nous) na qual nos apoiamos

para compreender a partir da experiecircncia acumulada os princiacutepios gerais ou universais e

articulaacute-los no entendimento das causas63 Dessa forma eacute que poderiacuteamos passar de saber que

lsquoalgo eacute o casorsquo para o lsquosaber por quecircrsquo (Analiacuteticos Posteriores 2 100a3-9) ldquoOutros animais

vivem por impressotildees e memoacuterias tendo pouca troca de experiecircncia mas os seres humanos

vivem tambeacutem pela arte e pelo raciociacuteniordquo (Metafiacutesica I 1 981a)

Aleacutem disso Aristoacuteteles tambeacutem considera que uma tekhne deve ser transmissiacutevel e

para isso ela precisa tomar corpo atraveacutes de algo como uma forma proposicional (Metafiacutesica I

1 981b7-10) por isso a proeminecircncia do logos Para Aristoacuteteles embora fruto de experiecircncia

acumulada a tekhne em oposiccedilatildeo aos casos particulares que compotildeem a experiecircncia lida

com universais ldquoa arte se daacute quando de muitas observaccedilotildees da experiecircncia nasce uma noccedilatildeo

universal uacutenica concernente aos casos semelhantesrdquo (Metafiacutesica I 1 981a5) Mesmo

considerando tekhne superior agrave experiecircncia ele adota uma posiccedilatildeo moderada ldquosempre que 63 Aristoacuteteles (Toacutep 124b17-20) chamou grammatike lsquoa arte das letras e sonsrsquo de episteme mas natildeo eacute claro se neste ponto quis usar este termo diferentemente de tekhne ldquoO importante eacute que a arte das letras e sons aparece como um campo exemplar do conhecimento pode ser claramente definido e jaacute que pode ser usado como um exemplo seu domiacutenio natildeo eacute ateacute certo ponto disputadordquo Seppaumlnen 2013 p 26

47

algueacutem compreende a teoria sem a experiecircncia e conhece o universal mas eacute ignorante do

particular que estaacute agrave sua frente iraacute com frequecircncia cometer erros no tratamento jaacute que eacute o

particular que requer tratamentordquo (Metafiacutesica I 1 980a12-24)

Assim na visatildeo aristoteacutelica teoria e experiecircncia satildeo ambas imprescindiacuteveis para o

domiacutenio da arte no entanto a experiecircncia embora seja o uacutenico material para a construccedilatildeo das

leis universais eacute apenas uma primeira etapa somente na articulaccedilatildeo destes universais atraveacutes

da lsquoteoriarsquo e na aplicaccedilatildeo da racionalidade para o entendimento das causas eacute que o praticante

se torna mestre na sua arte ldquoO homem de experiecircncia conhece o fato mas natildeo a razatildeo

enquanto o que possui a arte compreende tanto a razatildeo como a causardquo (Metafiacutesica I 1

981a30) Para Aristoacuteteles um meacutedico necessita articular conhecimentos causais para estar

apto a lidar com as novas situaccedilotildees que vier a enfrentar64

Agir de maneira consistente natildeo aleatoacuteria e efetiva eacute proacuteprio do que domina uma

arte em oposiccedilatildeo ao que acumula mero conhecimento empiacuterico Este uacuteltimo pode ainda

produzir bons resultados poreacutem de maneira acidental sem saber explicar como se

produziram os efeitos observados Portanto assim como em Platatildeo a verdadeira arte eacute aqui

definida como aquela que torna seus praticantes aptos a proverem uma explicaccedilatildeo das causas

de seu sucesso Portanto ldquose a medicina pode aspirar a ser mais que uma coleccedilatildeo de

experiecircncias como enfatiza Aristoacuteteles torna-se a questatildeo metodoloacutegica principal na

epistemologia meacutedica gregardquo (HANKINSON 2004 p 7)

Que a medicina seja a arte frequentemente citada na discussatildeo tanto aristoteacutelica

quanto platocircnica deve-se talvez ao fato de existir jaacute nesta eacutepoca uma longa tradiccedilatildeo de

debate nesta aacuterea ldquopor volta de 350 aC a medicina grega poderia lanccedilar olhos para mais de

um seacuteculo de discussotildees acerca natildeo apenas de assuntos da ordem da terapecircutica e prognose

mas tambeacutem sobre os fundamentos teoacutericos da ciecircnciardquo (HANKINSON 2004 p 8)

No tratado hipocraacutetico Sobre a medicina antiga supostamente do fim do seacuteculo V

aC65 eacute dito que a medicina desviou-se em esteacutereis disputas teoacutericas acerca dos elementos

bases da fisiologia humana (fogo aacutegua quente frio uacutemido seco) afastando-se da fonte de

sua efetividade qual seja a observaccedilatildeo empiacuterica detalhada da conexatildeo entre certos tipos de

regime sauacutede e doenccedila A tendecircncia a que se opotildee o tratado hipocraacutetico parece estar entatildeo

firmemente estabelecida Neste tratado tambeacutem se afirma que as disputas entre os teoacutericos

haviam se multiplicado de tal forma que natildeo se vislumbrava maneira oacutebvia de resolvecirc-las

64 Eacutetica a Nicocircmaco 109 Metafiacutesica I 1 981a2-12 65 Ver a traduccedilatildeo e estudo de Schiefsky 2005

48

Hankinson (ibidem) compara a situaccedilatildeo da medicina por volta de 400 aC agravequela que existiu

na filosofia preacute-socraacutetica e motivou a expressatildeo do pessimismo ceacutetico de Xenoacutefanes (Fr 21 B

34 DK) de que talvez a estrutura real das coisas haveria de permanecer para sempre oculta ao

entendimento humano

Durante os seacuteculos IV e comeccedilo do III aC delinea-se uma reaccedilatildeo agrave excessiva ou

irrelevante teorizaccedilatildeo na medicina responsaacutevel por transformar os meacutedicos em estudiosos de

teorias gerais de filosofia natural66 Poreacutem em geral embora se criticasse a inaplicabilidade

praacutetica de algumas generalizaccedilotildees teoacutericas parece ter sido mais ou menos consenso que um

meacutedico deveria ser capaz de lidar com argumentos e explanaccedilotildees causais Pois considerando

a influecircncia aristoteacutelica e platocircnica bem como a resposta agraves provocaccedilotildees no ambiente de

atuaccedilatildeo da sofiacutestica defender a medicina como uma tekhne envolvia defendecirc-la nos moldes

de uma arte explicativa e natildeo apenas conjectural Parece ter sido esse consenso portanto que

permitiu que a oposiccedilatildeo definisse seu adversaacuterio Como expressou Hankinson (2004 p 11)

Esta noccedilatildeo de que a praacutetica meacutedica verdadeira repousaria em um entendimento causal da natureza do corpo humano e sua suscetibilidade agrave doenccedila foi o traccedilo subjacente que possibilitou que todas as vaacuterias escolas posteriores de medicina conhecidas sob a alcunha sintetizante de lsquoDogmaacuteticasrsquo ou lsquoRacionalistasrsquo fossem postas baixo o mesmo guarda-chuva apesar de suas teorias radicalmente diferentes acerca da fisiologia e patologia

1511 Medicina Empiacuterica

Por volta da metade do seacuteculo III aC tomaraacute corpo o movimento de rejeiccedilatildeo em

bloco ao racionalismo na medicina o Empirismo67 As tendecircncias empiacutericas jaacute eram uma

contra-corrente forte no tempo de Aristoacuteteles ou mesmo anterior a ele como vimos na reaccedilatildeo

presente no Sobre a Medicina Antiga A medicina empiacuterica existia jaacute no seacuteculo V aC ela

66 cf Sobre a medicina antiga 20 67 ldquoNum primeiro momento a medicina heleniacutestica foi dogmaacutetica porque a filosofia da eacutepoca era dogmaacutetica A experiecircncia pessoal do meacutedico era incapaz de prevalecer sobre a convicccedilatildeo filosoacutefica e o ceticismo empiacuterico foi esquecido Somente quando o dogmatismo perdeu forccedila na filosofia com a reaccedilatildeo ceacutetica uma medicina ceacutetica natildeo dogmaacutetica pode reaparecerrdquo Edelstein 1967 p 201 Como vimos as opiniotildees divergem acerca de conferir agrave medicina ou agrave filosofia um papel precursor neste movimento De qualquer forma a reaccedilatildeo empiacuterica na medicina parece acompanhar o antidogmatismo ceacutetico da Academia sob o comando de Arcesilau

49

natildeo passou a ser ensinada somente quando a Escola Empiacuterica eacute fundada no periacuteodo

Heleniacutestico mas o Empirismo ganha nova interpretaccedilatildeo neste momento68

A atitude ponderada em relaccedilatildeo ao papel da experiecircncia faz parte como vimos da

proacutepria concepccedilatildeo aristoteacutelica e parece ter influenciado a posiccedilatildeo de Diocles (IV aC) (in

Galeno apud Hankinson 1995 p 200) de que natildeo eacute necessaacuterio prover explicaccedilotildees em todos

os casos mas de que eacute mais seguro confiar naquilo que eacute apreendido atraveacutes da experiecircncia

durante um longo tempo e que isso natildeo afeta o status de tekhne conferido agrave medicina

Tambeacutem Heroacutefilo teria escrito ldquodeixe os fenocircmenos apresentarem-se antes mesmo

se eles natildeo forem primaacuteriosrdquo (apud Hankinson 1995 p 203) Embora Heroacutefilo tenha dito

segundo Galeno que todas as explicaccedilotildees causais seriam hipoteacuteticas e provisoacuterias isso natildeo

seria para ele e seus seguidores motivo em si para que estas explicaccedilotildees fossem rejeitadas

Para Heroacutefilo tanto quanto para Diocles a medicina eacute mais que pura experiecircncia69 Contudo

teria sido um pupilo de Heroacutefilo Serapiatildeo o fundador do Empirismo radical na medicina

Essa escola a partir do seacuteculo III aC e nos proacuteximos quatro seacuteculos ou mais desenvolve-se

consideravelmente

Seguindo a apresentaccedilatildeo de Blank (1998 p xxvi) os empiacutericos natildeo admitiam que o

logos (lsquoteoriarsquo ou lsquorazatildeorsquo) tivesse qualquer papel na praacutetica meacutedica Experiecircncia provinda da

proacutepria observaccedilatildeo (teresis autopsia) e de registros das observaccedilotildees de outros meacutedicos

(historia) compunha a totalidade da arte meacutedica Novos fenocircmenos poderiam ser tratados com

base na extrapolaccedilatildeo a partir de casos similares um procedimento chamado lsquotransiccedilatildeo ao

similarrsquo Cada um desses trecircs pilares da medicina empiacuterica foi tomado pelos empiacutericos em

oposiccedilatildeo direta aos meacutetodos usados por seus oponentes Os racionalistas (logikoi) diziam

eles utilizavam raciociacutenios formais indutivos e dedutivos a fim de aprender acerca de

entidades teoacutericas que natildeo eram em princiacutepio passiacuteveis de ser percebidas Esse processo de

raciociacutenio os empiacutericos denominaram lsquoanalogismorsquo (analogismos) Os processos de

pensamento sancionados pelos empiacutericos eram aqueles que eles tomavam por ser como os da

vida ordinaacuteria ditos lsquoepilogismorsquo (epilogismos) O epilogismo sustecircm eles natildeo conduz a

entidades teoacutericas mas aplica-se apenas agravequelas coisas que satildeo evidentes na sua natureza

mas temporariamente natildeo-evidentes devido a circunstacircncias Um pensamento deste tipo

68 Ver Edelstein 1967 p 195-6 69 Hankinson 2004 p 14

50

levaria a outro e se o poder sugestivo deles fosse forte o bastante o meacutedico por

consequecircncia agiria70

Embora o papel exato da lsquotransiccedilatildeo ao similarrsquo dentro de sua praacutetica fosse questatildeo de

debate entre os empiacutericos o princiacutepio natildeo-negociaacutevel do Empirismo teria sido a oposiccedilatildeo

implacaacutevel agrave medicina etioloacutegica e teoacuterica71

Dizemos que a arte da medicina originou-se da experiecircncia e natildeo da indicaccedilatildeo (endeixis) Por lsquoexperiecircnciarsquo queremos dizer conhecimento de algo baseado em observaccedilatildeo pessoal (autopsia) por lsquoindicaccedilatildeorsquo conhecimento baseado em consequecircncia racional pois a percepccedilatildeo nos conduz agrave experiecircncia enquanto a razatildeo conduz os Dogmaacuteticos agrave indicaccedilatildeo (Galeno Subf Emp 2 44) O Empiacuterico [] natildeo daacute ocasiatildeo a algo como indicaccedilatildeo nem a algo que possa ser conhecido com base em outra coisa pois tudo precisa ser conhecido por si proacuteprio natildeo haacute signo de nada que seja oculto por natureza (Galeno de Sect 1 77)

O empirismo que encontramos nos escritos hipocraacuteticos por outro lado admitia que

aquilo que natildeo pode ser experienciado poderia a princiacutepio ser explicado atraveacutes de

hipoacuteteses72

Aleacutem da elaboraccedilatildeo de uma explicaccedilatildeo de seus procedimentos em oposiccedilatildeo aos

meacutetodos racionalistas salvaguardando a possibilidade do conhecimento meacutedico se

desenvolver sem a necessidade de lsquoteoriarsquo ou lsquorazatildeorsquo fundamentado somente na experiecircncia

(caracterizada de forma muito parecida ao que vimos em Aristoacuteteles) os empiacutericos tambeacutem

tomaram a via negativa atacando as teorias construtos teoacutericos inferecircncias e definiccedilotildees

usadas pelos racionalistas Tambeacutem argumentaram que se a Medicina Racional fosse uma

tekhne tal como os racionalistas a definiam ela deveria ser capaz de resolver seus conflitos

internos o que natildeo aconteceria jamais73

Para os Empiacutericos radicais aqueles que rejeitaram totalmente a transiccedilatildeo ao similar

a memoacuteria eacute tudo que eacute necessaacuterio para organizar a experiecircncia74 De qualquer forma a

memoacuteria eacute um elemento importante anterior agrave experiecircncia atual e construiacutedo a partir de

evidecircncias compartilhadas

70 Cf Frede 1985 p xxii ss 71 Hankinson 2004 p 14 72 Edelstein 1967 p 197 Comparar com Schiefsky 2005 Introduction 73 Ver Blank p xxvii 74 Acerca do papel desempenhado pela lsquomemoacuteriarsquo na epistemologia antiga Frede (1990) aponta a existecircncia de uma lsquocompeticcedilatildeorsquo protagonizada pelos empiricistas entre memoacuteria e razatildeo

51

O Empiacuterico natildeo somente emprega definiccedilotildees e determinaccedilotildees (que repousam somente no que eacute evidente) mas tambeacutem faz uso de exposiccedilotildees causais e provas baseadas no que tem sido anteriormente atestado atraveacutes da percepccedilatildeo de uma maneira evidente [] Devemos manter em mente nunca fazer qualquer asserccedilatildeo baseada em consequecircncia loacutegica mas somente aquelas baseadas na observaccedilatildeo evidente e na memoacuteria Eacute de acordo com isso entatildeo que os Empiacutericos constroem sua arte e ensinam outros (Galeno Subf Emp 8 67-68)

Portanto o tipo de explicaccedilatildeo causal que o empiacuterico rejeita eacute a endeixis do

dogmaacutetico ou seja a indicaccedilatildeo ldquoa inferecircncia a condiccedilotildees internas natildeo-evidentes alegadas

como responsaacuteveis pelos fenocircmenos visiacuteveis ou de forma equivalente estruturas internas

teoricamente postuladas para as coisasrdquo (HANKINSON 2004 p 17) Assim um empiacuterico

utilizar-se-ia da noccedilatildeo de causa quando ela estivesse correlacionada a eventos antecedentes

poreacutem nunca produziria uma etiologia no sentido de uma explicaccedilatildeo teoacuterica sobre como tais

influecircncias causais seriam transmitidas75

O empiacuterico portanto natildeo praticaria a arte de forma lsquoinsensatarsquo pois ele tem como

base a experiecircncia pessoal ou compartilhada Com isso o meacutedico empiacuterico poderia

considerar sua arte uma tekhne ainda que a chame de empeiria pois possui um meacutetodo natildeo o

meacutetodo racional obviamente Entre os adeptos do Empirismo poreacutem parece ter havido muita

disputa acerca de quatildeo longe ou mesmo se era permitido usar este tipo de raciociacutenio causal

expresso na lsquotransiccedilatildeo ao similarrsquo Pois ainda que impeccedila totalmente a inferecircncia a condiccedilotildees

internas ocultas e atenha-se ao conhecimento empiacuterico haacute empiacutericos radicais que se

recusaram a dar creacutedito a qualquer tipo de inferecircncia combinatoacuteria na construccedilatildeo de teoremas

e na concepccedilatildeo dos tratamentos pois tal meacutetodo pode aproximar-se do procedimento

lsquoanaloacutegicorsquo O chamado meacutetodo epilogiacutestico de descoberta portanto foi negado por alguns

empiacutericos que parecem ter se esforccedilado em defender que muitas de suas praacuteticas haviam sido

descobertas ao acaso e natildeo atraveacutes de qualquer raciociacutenio76

Criacuteticas agrave corrente empiacuterica na medicina envolveram questotildees como as que

Asclepiacuteades de Bitiacutenia traz agrave tona em seu ataque agrave escola escrito por volta de 125 aC O cerne

da discussatildeo envolve a acusaccedilatildeo de que os empiacutericos utilizam-se da razatildeo na construccedilatildeo de

seus teoremas de que haacute algum criteacuterio na passagem de casos especiacuteficos para um teorema da

75 Hankinson 2004 p 18 76 Ver Galeno De Exp Med 7 9 16 17 22

52

similaridade e que haacute inferecircncia para aleacutem da experiecircncia jaacute que natildeo eacute possiacutevel determinar

quantos casos seriam suficientes para se chegar a uma descoberta77

A defesa dos empiacutericos considerando Galeno parece ter provido resposta a todas

essas criacuteticas eles diratildeo que a experiecircncia em um sentido natildeo-teacutecnico eacute suficiente para as

demandas da arte que os proacuteprios dogmaacuteticos utilizam-se de fatos evidentes da experiecircncia

como premissas na construccedilatildeo de suas inferecircncias que as descobertas dos dogmaacuteticos para

aleacutem dessas premissas evidentes satildeo confusas entre si que os dogmaacuteticos discordam sobre as

causas ocultas ou seja seus raciociacutenios natildeo levariam a nada uacutetil para a praacutetica Assim visto

que os dogmaacuteticos tambeacutem necessitam da experiecircncia e de fatos evidentes para a construccedilatildeo

de suas teorias tambeacutem eles estatildeo fadados a lidar com o paradoxo de sorites78 e admitir que

todos os conceitos tecircm fronteiras vagas satildeo suspeitos e que mesmo assim satildeo utilizados a

todo momento Ao empiacuterico natildeo interessa encontrar ou demonstrar uma ou a razatildeo pela qual o

paradoxo de sorites seria falacioso bastaria apontar a partir dos resultados que ele o eacute

A configuraccedilatildeo do posicionamento empiricista contribui para a compreensatildeo tanto

do ataque de Sexto agraves tekhnai quanto para a proacutepria concepccedilatildeo e estruturaccedilatildeo de seu

empreendimento filosoacutefico A argumentaccedilatildeo sextiana aproxima-se muito das estrateacutegias e

concepccedilotildees empiacutericas Para os empiacutericos

a argumentaccedilatildeo racionalista e seus construtos teoacutericos satildeo incoerentes e os racionalistas sequer satildeo capazes de fornecer razotildees adequadas para que se acredite em qualquer deles mesmo que algueacutem possa compreender as teorias racionalistas isso natildeo seria de qualquer benefiacutecio praacutetico jaacute que a experiecircncia eacute tudo que eacute necessaacuterio para a arte meacutedica (BLANK p xxvii)

Talvez o empirismo tenha se aproximado do ceticismo em busca de respaldo

filosoacutefico ou ao contraacuterio o ceticismo tenha se reafirmado atraveacutes do empirismo de

qualquer forma parece razoaacutevel afirmar que as duas posiccedilotildees compartem natildeo apenas teacutecnicas

argumentativas mas tambeacutem posicionamentos filosoacuteficos e propostas Como vimos acima

caracteriacutesticas do empirismo tais como definiccedilatildeo clara do adversaacuterio a partir de um

posicionamento epistemoloacutegico ecircnfase na exposiccedilatildeo de contradiccedilotildees e inconsistecircncias do

77 Ver Galeno De Exp Med 7 Esta uacuteltima criacutetica envolveu o paradoxo de sorites quantos gratildeos satildeo necessaacuterios para formar um monte atribuiacutedo ao megaacuterico Eubulides de Mileto e semelhante ao paradoxo do gratildeo de milho atribuiacutedo a Zenatildeo de Eleia por Aristoacuteteles (Ph 250a 20) Ver o verbete Sorites Paradox na Stanford Encyclopedia of Philosophy (online) 78 Ver nota anterior

53

meacutetodo racional criacutetica ao lsquosigno indicativorsquo79 uso do modo do desacordo (diaphonia) e do

regresso ao infinito acusaccedilatildeo de inutilidade contra teorias racionalistas defesa da observaccedilatildeo

e do conhecimento voltados para a praacutetica ndash satildeo todas caracteriacutesticas que podem ser postas em

paralelo com a obra sextiana Eacute interessante tambeacutem aproximar a indiferenccedila com que os

meacutedicos empiacutericos dizem adotar praacuteticas dos seus adversaacuterios caso se mostrem promissoras

e o desdeacutem de Sexto ao apropriar de argumentos dogmaacuteticos utlizando-os e descartando-os

conforme lhe convecircm Aleacutem disso compotildee este cenaacuterio a proacutepria concepccedilatildeo terapecircutica da

argumentaccedilatildeo ceacutetica os diversos momentos em que metaacuteforas meacutedicas satildeo utilizadas para

descrever o processo ceacutetico de cura da precipitaccedilatildeo e orgulho dogmaacuteticos

A discussatildeo empiacuterica contra os meacutetodos racionais na medicina alimenta a discussatildeo

empirismo x racionalismo em outras aacutereas Como seria de se esperar a partir do julgamento

platocircnico e aristoteacutelico acerca das tekhnai que na verdade eacute herdeiro de uma tradiccedilatildeo

filosoacutefica e intelectual anterior onde o conhecimento empiacuterico eacute admitido como uma lsquomerarsquo

etapa primaacuteria em direccedilatildeo agrave racionalizaccedilatildeo mais complexa diversas aacutereas passam a

incorporar um discurso racionalista em busca de legitimaccedilatildeo filosoacutefica Como consequecircncia a

pretensatildeo de lsquoracionalismorsquo se alastra a diversas aacutereas Ateacute mesmo a parte lsquohistoacutericarsquo da

gramaacutetica cuja funccedilatildeo eacute basicamente semelhante a de prover lsquoglossaacuteriosrsquo para obras

literaacuterias iraacute reivindicar um viacutenculo com o meacutetodo racional e com o conhecimento

lsquoverdadeirorsquo como veremos

152 Enkuklia mathemata e Tekhnai

O tratamento que Platatildeo dispensa agraves tekhnai como mencionamos acima parece ter

tido mais propriamente o intuito de assegurar a superioridade dos estudos matemaacuteticos e sua

ligaccedilatildeo com a filosofia e natildeo o de estabelecer uma enkuklios paideia (lsquoformaccedilatildeo ciacuteclicarsquo)

anterior aos estudos filosoacuteficos80 No entanto seu posicionamento parece ter servido para

impulsionar a discussatildeo acerca da constituiccedilatildeo de ciclos de estudos (enkuklia mathemata)

como formaccedilatildeo (paideia) propedecircutica ao estudo filosoacutefico Os termos logikai tekhnai (lsquoartes

racionaisrsquo) enkuklioi tekhnai (lsquoartes ciacuteclicasrsquo) enkuklia paideia (lsquoformaccedilatildeo ciacuteclicarsquo) aparecem

79 Para um estudo aprofundado acerca das relaccedilotildees entre racionalismo empirismo e ceticismo com foco no tratamento da inferecircncia e das noccedilotildees de lsquosigno indicativorsquo e lsquosigno comemorativorsquo cuja origem eacute definida a partir dos debates das escolas meacutedicas ver Allen 2001 p 87ss (Conveacutem ter em mente no entanto as ressalvas expressadas por Barnes 2002) Ver tambeacutem Glidden 1983 80 Clarke 2012 p 3

54

durante a antiguidade em argumentaccedilotildees que asseveram o caraacuteter teoacuterico destes estudos e a

muacutetua similaridade e complementaridade metodoloacutegica e conceitual entre eles e sua utilidade

para a filosofia81 Portanto os estudos ciacuteclicos natildeo foram a princiacutepio nesse ambiente

considerados estudos comuns de cultura geral ou enciclopeacutedica

Tambeacutem em Sexto os estudos ciacuteclicos dificilmente podem ser vistos como estudos de

cultura geral pelo contraacuterio satildeo abordados como estudos especializados cujo status busca

respaldo na filosofia ainda que com um desenvolvimento em grande parte independente

dela82 Em Galeno encontramos um suposto desdobramento da divisatildeo platocircnica ‒ logikai

tekhnai (lsquoartes racionaisrsquo ou lsquofundadas sobre o raciociacuteniorsquo) medicina retoacuterica muacutesica

geometria aritmeacutetica caacutelculo astronomia gramaacutetica direito e kheironaktikai ou banausoi

tekhnai (lsquoartes manuaisrsquo) das quais menciona apenas a escultura e o desenho provavelmente

porque as considera as principais deste grupo

A tensatildeo originada pela lsquoprofissionalizaccedilatildeorsquo dos saberes com os sofistas teria

motivado a discussatildeo filosoacutefica acerca de conhecimentos especializados estudos teoacutericos e

conhecimento verdadeiro Tendo em vista as divergecircncias entre as escolas filosoacuteficas (entre

outros aspectos do cenaacuterio educacional heleniacutestico) natildeo surpreende que houvesse diferentes

propostas Algumas tratavam da necessidade de outros conhecimentos para a boa praacutetica em

uma aacuterea para ser um bom meacutedico ou arquiteto por exemplo Outras voltaram-se

especificamente para a discussatildeo do ciclo de estudos propedecircuticos agrave filosofia Isoacutecrates

Varratildeo Ciacutecero Fiacutelon de Alexandria83 Plutarco Secircneca Ciacutecero todos opinaram neste debate

Na verdade manifestar-se sobre esse tema passa a ser obrigatoacuterio entre os eruditos bem como

passa a ser lugar-comum argumentos que implicam uma fronteira entre sabedoria praacutetica

pretensa sabedoria e sabedoria verdadeira

81 ldquoOs termos enkuklios paideia ou encyclios disciplina designam um ciclo de estudos unificados pelo meacutetodo e estrutura que se deve percorrer e completar para possuir uma educaccedilatildeo completa [] Mas este ciclo natildeo se relaciona na Antiguidade a um nuacutemero definido como o das lsquosete artesrsquo por exemplo mas corresponde agrave ideia de uma unidade interior e de completuderdquo Hadot 2005 p 472 82 ldquoA ideia de que a gramaacutetica era a base de todo estudo subsequente encontra-se na primeira menccedilatildeo da gramaacutetica como uma disciplina separada no seacuteculo I aC Gramaacutetica foi considerada parte das lsquoArtes Liberaisrsquo nas obras retoacutericas de Ciacutecero e no enciclopeacutedico Disciplinarum libri novem de Varratildeo Tanto Ciacutecero como Quintiliano afirmaram que o propoacutesito uacuteltimo de todo estudo eacute a filosofia e a aquisiccedilatildeo de virtude Dentro deste panorama o papel da gramaacutetica foi sempre preparatoacuterio e natildeo um fim em si mesmordquo Luhtala 2007 p 68 83 Oito listas diferentes de disciplinas do estudo ciacuteclico podem ser encontradas na obra de Fiacutelon de Alexandria

55

153 O Ataque agraves Tekhnai84

A oposiccedilatildeo socraacutetica agraves tekhnai tal como Platatildeo a constroi parece ter motivado que

escolas que tinham Soacutecrates como modelo as desprezassem Dioacutegenes Laeacutercio (6 73 104) diz

que os ciacutenicos ignoraram a muacutesica a geometria a astronomia etc como inuacuteteis e

desnecessaacuterias e que Dioacutegenes de Sinope (c 412-323 aC) zombou dos gramaacuteticos que

investigavam os problemas de Homero enquanto ignoravam os seus proacuteprios (DL 6 27-28)

Biacuteon de Boriacutestenes (Frag 3 4 5A 6 DL 4 53) teria ridicularizado gramaacuteticos astrocircnomos

muacutesicos geocircmetras e retoacutericos que incapazes de alcanccedilar a filosofia perdiam seu tempo em

estudos inuacuteteis Isoacutecrates (Ant 261 ss) por outro lado ainda que classifique-as como

preparaccedilatildeo para a filosofia afirma que aqueles que satildeo haacutebeis em certas tekhnai como a

eriacutestica astrologia geometria etc natildeo satildeo prejudiciais pelo contraacuterio podem ajudar (ainda

que muitas pessoas acreditem que tais estudos sejam uma perda de tempo e estejam em

oposiccedilatildeo agrave vida comum e natildeo sejam de nenhum valor na praacutetica estando totalmente distantes

do que eacute necessaacuterio)85

A oposiccedilatildeo agraves tekhnai mais ceacutelebre na antiguidade parece ter sido a dos Epicuristas

Segundo Blank (p xxx) estaacute atestada a existecircncia de vinte e dois tratados epicuristas contra

as disciplinas Destes possuiacutemos grande quantidade de fragmentos provenientes de trecircs

tratados de Filodemo Sobre a Retoacuterica Sobre a Muacutesica e Sobre Poemas Eacute comum aos trecircs

uma discussatildeo sobre estes estudos serem ou natildeo tekhnai ou seja sobre possuiacuterem ou natildeo um

corpo de regras gerais aplicaacuteveis de um modo fixo a casos particulares a conclusatildeo no

entanto eacute a de que uma disciplina somente eacute uacutetil para a sabedoria ou lsquofelicidadersquo na medida

em que for conduzida e utilizada pela filosofia A filosofia (ou phusiologia) eacute o uacutenico estudo

para os Epicuristas capaz de promover a tranquilidade da alma enquanto o estudo de

pormenores lsquoteacutecnicosrsquo resulta apenas em trabalho preocupaccedilatildeo e perturbaccedilatildeo Filodemo

afirma ainda que os resultados de algumas tekhnai podem ser alcanccedilados pelo leigo ainda 84 As informaccedilotildees apresentadas nesta seccedilatildeo e na seguinte seguem a pesquisa de Blank 1998 passim 85ldquoParece-me que aqueles que sustentam que tal treinamento natildeo tem utilidade na vida praacutetica estatildeo certos e que aqueles que falam a favor dele tecircm a verdade de seu lado Se haacute uma contradiccedilatildeo nesta afirmaccedilatildeo eacute porque estas disciplinas satildeo diferentes em sua natureza daqueles estudos que constituem nossa educaccedilatildeo pois estas outras aacutereas nos satildeo beneacuteficas somente depois que tivermos adquirido conhecimento delas enquanto estes estudos podem natildeo trazer benefiacutecio algum depois que os dominamos a menos que escolhamos fazer deles nossa fonte de renda e somente nos ajudam enquanto estamos no processo de aprendizagem Natildeo penso portanto que eacute apropriado aplicar o termo lsquofilosofiarsquo a tal treinamento que natildeo nos ajuda no presente nem em nossas falas nem em nossas accedilotildees mas antes eu os chamaria de lsquoginaacutestica mentalrsquo e uma preparaccedilatildeo para a filosofia (Isoacutecrates Ant 263 cf Norlin 1929)

56

que de uma maneira menos precisa e consistente de forma que o filoacutesofo poderia alcanccedilar

resultados positivos sem ter que se aprofundar nestes estudos86 Para Filodemo entre as artes

proacuteprias ou seja aquelas que sempre alcanccedilam seu objetivo quando bem aplicadas estatildeo a

gramatiacutestica (ie ler e escrever) muacutesica pintura e escultura entre as artes conjecturais nas

quais o sucesso depende em parte de fatores externos estatildeo a medicina e navegaccedilatildeo Um

epicurista era aconselhado a natildeo se envolver com teacutecnicas muito especializadas para natildeo

negligenciar o que eacute verdadeiramente importante na vida Uma arte para ter valor para o

filoacutesofo deveria conter necessariamente algum propoacutesito uacutetil para a vida Desta forma eles

atacaram tekhnai que pareciam desnecessariamente especializadas e argumentaram que elas

eram em geral inuacuteteis Eles teriam atacado tambeacutem tekhnai que natildeo davam a conhecer

abertamente regras claras e firmes de aplicaccedilatildeo geral Esses satildeo saliente-se exatamente os

dois pontos centrais da definiccedilatildeo estoica de tekhne como um sistema de conhecimentos

utilidade e meacutetodo87

A atitude epicurista contrapotildee a estoica Os estoicos a despeito de Zenatildeo de Ciacutetio

seu fundador ter falado contra algumas disciplinas88 datildeo testemunho de terem compreendido

tekhne como um conhecimento da mais alta importacircncia comparaacutevel ou intercambiaacutevel com

episteme89 Tekhne foi definida pelos estoicos como ldquosistema de representaccedilotildees verdadeiras

coexercitadasrdquo (sustema ek katalepseon suggegumnasmenon) e ldquodirecionadas a alguma

finalidade uacutetilrdquo (M 11 182) definiccedilatildeo repetidamente citada por Sexto90

Bastante interessante eacute a possibilidade de nos termos estoicos definir a proacutepria

filosofia como tekhne a mais elevada delas aquela que ordena toda a vida A elevada

concepccedilatildeo estoica de tekhne bem como de tekhnai individuais e sua relaccedilatildeo com a filosofia

86 ldquoFilodemo diz que tekhnai floresceram nas sociedades antigas antes de haver qualquer tekhnologia (On Rhetoric 1 col viii 8 p 59 Longo)rdquo Blank 1995 p 188 87 Para detalhes acerca da posiccedilatildeo dos epicuristas e por extensatildeo daquela de Epicuro principalmente em relaccedilatildeo agrave poesia e retoacuterica ver Blank 1995 e os artigos coletados em Obbink 1995 88 Talvez Zenatildeo natildeo as tenha considerado lsquoverdadeirasrsquo tekhnai ldquoTekhne para Zenatildeo eacute uma poietike ativa ou criativa da mesma forma que Deus ou Natureza ou Logos satildeo ativos ou criativos Tekhne comunica um conteuacutedo ndash pertence ao logos criativo que eacute parte da natureza humanardquo Cf Mansfeld 1983 p 65 89 SVF i 68 ii 117 130 iii 112 M 11 170 ldquoenquanto os estoicos disseram diretamente que a sabedoria praacutetica (phronesis) que eacute uma ciecircncia (episteme) do que eacute bom ruim ou nenhum dos dois eacute uma arte de viver (tekhne peri ton bion)rdquo 90 A definiccedilatildeo de Zenatildeo veio a ser quase universalmente aceita cf Quintiliano 2 27 ab omnibus fere probatus Ver a argumentaccedilatildeo de Barnes 1988 p 63 ss sobre o conceito de lsquoutilidadersquo para os ceacuteticos epicuristas e estoicos a partir de M 1 1-6

57

(gramaacutetica e retoacuterica por exemplo)91 parece ter servido de modelo para ataques como os de

Filodemo Ataques estes que vieram especialmente de filoacutesofos que consideraram necessaacuterio

reiterar a supremacia da filosofia frente agraves tekhnai epicuristas platocircnicos e mesmo o

(alegado) dissidente estoico Ariacuteston de Quios A estrutura subjacente agrave criacutetica sextiana contra

a gramaacutetica e retoacuterica via epicuristas parece mesmo estar relacionada a esta concepccedilatildeo da

relaccedilatildeo das artes com a filosofia92

Apesar da divulgada hostilidade de Pirro agraves tekhnai em Sexto natildeo parece legiacutetimo

que o ceacutetico as ignore tendo em vista o criteacuterio praacutetico da lsquoinstruccedilatildeo nas artesrsquo como

apontamos acima o mais adequado talvez seja supor que tambeacutem o ceacutetico fez sua divisatildeo

entre tekhnai aceitaacuteveis e natildeo aceitaacuteveis

Para finalizar podemos apontar seguindo a distinccedilatildeo operada por Blank (p xxxiv)

entre passagens de origem epicurista e ceacutetica no Contra os Professores alguns lsquocriteacuteriosrsquo

positivos expressos por Sexto quando fala sobre as tekhnai que o ceacutetico natildeo ataca devem ser

uacuteteis agrave vida comum (M 1 49 2 29) satildeo avaliadas atraveacutes de seus resultados praacuteticos (M 11

188) estatildeo fundadas sobre a observaccedilatildeo articulada atraveacutes da estrutura do lsquosigno

comemorativorsquo (M 1 55 M 5 2) (como a escrita) satildeo adaptaacuteveis agraves circunstacircncias (M 11

67) contecircm um corpo de observaccedilotildees ao longo do tempo (tal como fazem os timoneiros e

fazendeiros) e algumas regras gerais que se aplicam a casos particulares mas natildeo um corpo

de doutrinas (M 8 270) satildeo um tipo de capacidade (dunamis) mais um saber-fazer que um

saber-quecirc satildeo aprendidas por orientaccedilatildeo lsquocorretivarsquo (M 1 191)93

91 ldquoEntre os estoicos a situaccedilatildeo eacute mais complexa A doutrina estoica da Razatildeo como princiacutepio corpoacutereo divino por se espalhar atraveacutes de todos os niacuteveis da existecircncia e se manifestar de uma maneira privilegiada no raciociacutenio e linguagem humanos leva os estoicos a se interessarem por todas as formas da linguagem e a definir as estruturas e as leis que as regem Por isso eacute que eles contribuem em larga medida agrave elaboraccedilatildeo da gramaacutetica e ao aperfeiccediloamento da loacutegica [] Quanto agrave retoacuterica e a dialeacutetica que para os estoicos tornaram-se virtudes fundadas sobre a verdade e natildeo mais sobre o provaacutevel como em Aristoacuteteles elas constituem para eles a terceira parte da filosofia a loacutegica Natildeo satildeo mais estudadas uma para adquirir eloquecircncia outra para possuir resposta para tudo mas datildeo lugar sobretudo agrave exerciacutecios destinados a assegurar a retidatildeo da expressatildeo verbal e a aprender a como conduzir uma deduccedilatildeo loacutegica conclusivardquo Hadot 2005 p 478 No fragmento de Dioacutegenes da Babilocircnia (8 PHerc 1506) analisado por Obbink e Waerdt (1991) o estoico afirma que o saacutebio ldquonatildeo eacute apenas um bom dialeacutetico e gramaacutetico e poeta e orador e perfeito no meacutetodo (metodikos) tendo se tornado bom em todas as artes (tekhnai) mas tambeacutem aleacutem destes (tipos de) benefiacutecios ele acrescenta no governo das cidades e natildeo somente daquelas habitadas por atenienses e lacedemocircniosrsquo Ver os comentaacuterios dos autores idem p368 ss 92 Este eacute um direcionamento possiacutevel a partir da leitura de alguns fragmentos estoicos natildeo pretendemos palpitar acerca da interpretaccedilatildeo da epistemologia estoica Para este assunto ver Hankinson 2003 Acerca da aproximaccedilatildeo da lsquoarte de viverrsquo dos estoicos com a concepccedilatildeo socraacutetica de virtude como lsquoartersquo ver Striker 1991 parte 3 93 Ver Blank p xxxiv

58

16 A GRAMAacuteTICA ANTIGA94

A pesquisa sobre o desenvolvimento dos estudos gramaticais na Antiguidade tem se

mostrado uma aacuterea extremamente produtiva nas uacuteltimas deacutecadas Natildeo soacute podemos contar com

bons panoramas mas principalmente com uma grande quantidade de investigaccedilotildees de

questotildees especiacuteficas que inclusive puderam rever posiccedilotildees tradicionais que agora nos

parecem ter sido equiacutevocos95 Aquilo com que natildeo podemos contar no entanto satildeo fontes

primaacuterias propriamente lsquogramaticaisrsquo O periacuteodo que cobrimos aqui eacute justamente um em que

temos de lamentar a perda massiva das fontes excluindo o tratado de Dioniacutesio Traacutecio em que

apenas algumas linhas satildeo unanimemente consideradas genuiacutenas nenhuma obra gramatical

anterior agrave produccedilatildeo de Apolocircnio Diacutescolo no seacuteculo II dC sobreviveu senatildeo em fragmentos

ou de forma indireta e normalmente em testemunhos tardios onde os termos natildeo raro satildeo

anacronicamente empregados96 Ademais as primeiras lsquoartes gramaticaisrsquo (artes

grammaticales) como lsquomanuais teacutecnicos que possuiacutemos satildeo romanas97

Nosso intuito neste momento eacute traccedilar um panorama geneacuterico frente ao qual possamos

visualizar o lugar e o papel da contribuiccedilatildeo sextiana Pretendemos alcanccedilar as especifidades

do campo gramatical do final do periacuteodo heleniacutestico para tanto comeccedilaremos expondo

reflexotildees concernentes agrave linguagem em outras aacutereas especialmente na filosofia Pois como

mencionamos brevemente anteriormente o estudo da linguagem na Antiguidade esteve via

de regra subordinado a aacutereas em que desempenhou um papel restrito frente a seus objetivos

maiores Em geral abordou-se a linguagem a partir de um ponto de vista lsquofilosoacuteficorsquo (loacutegica)

persuasivo (retoacuterica) eou moralizante (poeacutetica) e filoloacutegico (criacutetica textual e literaacuteria) Aleacutem

disso o estudo gramatical do periacuteodo heleniacutestico e as investigaccedilotildees da filosofia estoica que 94 Aqui passamos a traccedilar um panorama dos estudos gramaticais na antiguidade a fim de relacionar esse ambiente com aquele mais geral das discussotildees epistemoloacutegicas do periacuteodo heleniacutestico com o intuito de visualizar o interesse de Sexto pelo assunto e o modo como aborda esta lsquoartersquo Nossas referecircncias principais satildeo Seppaumlnen 2013 Atherton e Blank 2013 Pagani 2011 Blank 2005 Blank 2000 Schenkeveld 1990b Taylor 1987 Pinborg 1975 95 Pensamos principalmente na famosa e tal como apresentamos agrave frente muito provavelmente equivocada caracterizaccedilatildeo da disputa entre anomalistas x analogistas e a consequente polarizaccedilatildeo entre gramaacutetica filosoacutefica x teacutecnica de que falamos na sequecircncia 96 A tradiccedilatildeo indireta coloca claros obstaacuteculos agraves reconstruccedilotildees de teorias com base na terminologia que uma fonte lhe credita eacute de fato difiacutecil estabelecer se a terminologia transmitida eacute original ou se se deve a algum intermediaacuterio A introduccedilatildeo de conceitos gramaticais especializados parece ter sido um dos tipos mais comuns de interpolaccedilatildeo nos textos dos primeiros alexandrinos Cf Pagani 2011 p 50 n 127 97 A primeira gramaacutetica latina conhecida pelo nome de seu autor a ars grammatica de Remmius Palaemon (seacutec I dC) sobreviveu apenas em fragmentos

59

inclusive representam muito do que sabemos acerca do interesse direcionado de forma

sistemaacutetica agrave linguagem nos seacuteculos III e II aC estabelecem conexotildees estreitas98

Tal como impliacutecito no relato de Sexto no iniacutecio de seu ataque agrave gramaacutetica os gregos

desde muito cedo em sua histoacuteria associaram este termo com o estudo das lsquoletrasrsquo (grammata)

ndash em seus dois significados contiacuteguos o que chamariacuteamos de alfabetizaccedilatildeo e letramento

aprender a ler e escrever e entrar em contato com a tradiccedilatildeo literaacuteria99 lsquoGramaacuteticarsquo100 referir-

se-aacute geralmente no periacuteodo heleniacutestico independente das nuances a esse cenaacuterio a inserccedilatildeo

na tradiccedilatildeo literaacuteria ndash o domiacutenio das habilidades concernentes agrave compreensatildeo do texto

literaacuterio por meio do tratamento de seus elementos grosso modo leitura e interpretaccedilatildeo

98 Frede e Inwood (2005 p 3) parecem querer enfatizar a direccedilatildeo contraacuteria agravequela que normalmente se daacute a este influxo ldquoO fato de o estudo da linguagem estar tatildeo fortemente atado a diferentes partes da filosofia tambeacutem explica porque o desenvolvimento da gramaacutetica como uma disciplina sistemaacutetica foi tardiamente abordado pelos filoacutesofos Sua sistematizaccedilatildeo e maturidade deve muito ao trabalho de um grupo bastante distinto de pensadores se o estudo da gramaacutetica finalmente encontrou seu lugar na histoacuteria isto se deve em larga medida aos grandes filoacutelogos e criacuteticos literaacuterios da biblioteca de Alexandria cujos resultados gradualmente comeccedilaram a exercer uma influecircncia sobre os filoacutesofos Apenas depois do estudo da estrutura gramatical do latim e do grego e suas peculiaridades ter atingido um certo niacutevel de sofisticaccedilatildeo eacute que questotildees de gramaacutetica e sintaxe tornaram-se um assunto de reflexatildeo filosoacutefica e suplemento para a anaacutelise da estrutura loacutegica das proposiccedilotildeesrdquo Costuma ser comum no entanto a afirmaccedilatildeo de que os gramaacuteticos devem aos filoacutesofos estoicos principalmente desde meta-linguagem agrave proacutepria concepccedilatildeo do fenocircmeno linguiacutestico como sistema racional (Atherton e Blank 2013 p 1) Poreacutem talvez natildeo seja mesmo o caso de determinar unidirecionalmente as influecircncias nesse contexto mesmo restritos ao material fragmentaacuterio que possuiacutemos e agrave sua interpretaccedilatildeo podemos supor que as influecircncias teriam sido multilaterais Sobre dificuldades especiacuteficas com as fontes nesta aacuterea de estudo ver os trabalhos de Wolfram Ax (geralmente em liacutengua alematilde) A tiacutetulo de exemplo procurar pela histoacuteria da ediccedilatildeo dos Herculaneum Papyri que possui obras do epicurista Filodemo de Gadara entre as quais encontramos ataques ao estoico Dioacutegenes da Babilocircnia e agraves tekhnai Acerca dos gramaacuteticos alexandrinos um oacutetimo panorama do estado da arte eacute o artigo de Lara Pagani 2011 A reconstruccedilatildeo das relaccedilotildees entre estoicos e alexandrinos tem se voltado ao trabalho acurado com as fontes e agrave revisatildeo de concepccedilotildees sobre o periacuteodo (ver Taylor 1987) Algumas questotildees cruciais continuam bastante polecircmicas como aquela da dataccedilatildeo das seccedilotildees do tratado atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio fundamental para a caracterizaccedilatildeo dos estudos linguiacutesticos entre os primeiros alexandrinos e a compreensatildeo de seu papel no desenvolvimento da gramaacutetica como uma disciplina teacutecnica independente da filologia (ver os artigos coletados em Law e Sluiter 1995) 99 O quadro geralmente aceito (Marrou 1971 segunda parte) acerca da educaccedilatildeo no periacuteodo heleniacutestico distingue algumas estapas sucessivas primeiro a escola elementar (grammatodidaskaleion) onde o professor (grammatistes) instrui os alunos na leitura escrita e alguma aritmeacutetica Entatildeo por volta dos 12 anos as crianccedilas passam agrave educaccedilatildeo secundaacuteria Aqui o grammatikos ensina gramaacutetica e literatura especialmente poesia finalmente vem o rhetor cuja instruccedilatildeo envolve discursos e o estudo dos oradores claacutessicos O terceiro estaacutegio tambeacutem poderia incluir frequentar escolas filosoacuteficas ou seguir dedicando-se agrave aritmeacutetica e geometria Esta eacute contudo uma simplificaccedilatildeo geneacuterica natildeo existia um modelo fixo E em geral apenas a elite tinha acesso a uma educaccedilatildeo lsquocontinuadarsquo Cf Schenkeveld 2000 p 432-433 Ver tambeacutem Cribiore 2001 em especial p 185 ss Para um relato mais lsquocuidadosorsquo poreacutem ainda panoracircmico sobre a evoluccedilatildeo do conceito de lsquoarte gramaticalrsquo no periacuteodo preacute-heleniacutestico ver Seppaumlnen p 19ss 100 Para um estudo acerca da definiccedilatildeo e escopo de grammatike na Antiguidade ver Seppaumlnen 2013

60

textual tarefas cujas especificidades constroacuteem-se em relaccedilatildeo com caracteriacutesticas dos textos

condiccedilatildeo fiacutesica dialetos gecircneros e periacuteodos literaacuterios entre outras e satildeo direcionadas por

uma compreensatildeo de como o sujeito deve se relacionar culturalmente com esse saber Esse eacute

o sentido predominante de Gramaacutetica no periacuteodo heleniacutestico educaccedilatildeo literaacuteria101

Alfabetizaccedilatildeo e letramento estiveram constantemente conectadas como facetas de um

mesmo projeto poreacutem como as habilidades demandadas para conduzir uma e outra etapa

bem como seus resultados satildeo distintos natildeo surprende que houvesse uma tendecircncia agrave

especializaccedilatildeo Num sentido teacutecnico o termo lsquogramaacuteticorsquo passaraacute a ser utilizado

preferencialmente para o professor ou estudioso da segunda etapa aquele que transmite a

tradiccedilatildeo literaacuteria Em pouco tempo seratildeo tambeacutem aqueles que estabelecem esta tradiccedilatildeo e

assim lsquoguardiotildees da linguagemrsquo102

O desenvolvimento e especializaccedilatildeo das atribuiccedilotildees do gramaacutetico vinculados agrave

constituiccedilatildeo de escolas filoloacutegicas estaacute na origem de um corpo de conhecimentos e

procedimentos metodoloacutegicos que iraacute em uacuteltima anaacutelise restringir o conceito de gramaacutetica ao

tratamento teacutecnico da liacutengua Num processo de incorporaccedilatildeo de influecircncias multilaterais de

readaptaccedilotildees e acomodaccedilotildees de conteuacutedos provenientes de aacutereas com propoacutesitos natildeo

completamente convergentes teraacute iniacutecio a gramaacutetica como disciplina independente103

101 Antes do periacuteodo heleniacutestico e talvez ainda no princiacutepio dele a educaccedilatildeo literaacuteria poeacutetica relacionava-se agrave lsquoatuaccedilatildeorsquo de sofistas lsquosaacutebiosrsquo ou lsquofiloacutesofosrsquo (ver Platatildeo Protaacutegoras 338e6-339a3) O conceito de gramaacutetica pode se restringir portanto ao ensino elementar das letras sem se referir a interpretaccedilatildeo ou estudo poeacutetico dos textos menos ainda a sua lsquoautenticaccedilatildeorsquo e exegese tarefas lsquofiloloacutegicasrsquo que iratildeo incorporar o conceito de lsquogramaacutetica completarsquo a partir da instituiccedilatildeo dos lsquocentros culturaisrsquo que satildeo as Bibliotecas de Alexandria e Peacutergamo Sobre a lsquocriacutetica literaacuteriarsquo antes do periacuteodo heleniacutestico ver Ford 2002 102 Para o papel social dos gramaacuteticos e professores de literatura no mundo antigo ver Kaster 1997 obra que conteacutem um estudo detalhado acerca do uso dos lsquotiacutetulosrsquo profissionais ver tambeacutem Seppaumlnen 2013 p 34ss sua eacute a tabela que reproduzimos abaixo (grifo nosso)

palavra periacuteodo uso significado

grammatistes seacutec V aC tiacutetulo especializado em letras professor elementar

philologos seacutecs V-IV aC adjetivo lsquoamantersquo dos discursos lsquoamantersquo do estudo estudioso

grammatikos seacutec IV aC epiacutetetoadjetivo literato treinado nas letras

philologos seacutec III aC epiacutetetonome treinado nas letras erudito

grammatikos seacutec II aC tiacutetulo especialista (entendido) na liacutengua e na literatura

103 Swiggers e Wouters 2002 p 17

61

O panorama a seguir foca em seis temas estudos da linguagem como estudos de

poeacutetica e retoacuterica estudos da linguagem em relaccedilatildeo agrave dialeacutetica argumentativa estudos da

linguagem na filosofia estoica estudos da linguagem na filologia heleniacutestica estudo formal

da linguagem como uma parte da filologia estudos da linguagem com orientaccedilatildeo morfoloacutegica

e sintaacutetica no tratamento de uma segunda liacutengua Esta uacuteltima aacuterea da qual natildeo tratamos

diretamente numa sequecircncia de acidentes histoacutericos constitui em uacuteltima anaacutelise o corpo de

conhecimentos que se transmite na tradiccedilatildeo ocidental da chamada lsquogramaacutetica tradicionalrsquo ndash

que retrocede propriamente no miacutenimo ao comeccedilo do periacuteodo medieval104

Dois criteacuterios coextensivos orientam nosso resumo a recorrecircncia dos termos (em

geral ressignificados) e a proximidade com questotildees que tendemos a reconhecer como

lsquogramaticaisrsquo Conveacutem mencionar que natildeo tratamos diretamente de uma das facetas da

gramaacutetica mais produtivas da antiguidade aquela relativa ao ensino das lsquoprimeiras letrasrsquo Ou

seja ainda que todas as abordagens aqui relatadas de uma forma ou de outra estejam

relacionadas com a educaccedilatildeo letrada natildeo mapeamos diretamente o desenvolvimento desse

processo instrucional ao qual estaria relacionada uma pesquisa pedagoacutegica

A cada uma das aacutereas aqui mencionadas pode-se aplicar o termo lsquogramaacuteticarsquo em um

sentido mais ou menos apropriado pois todas elas envolvem o estudo formal de aspectos da

linguagem Alguns dos elementos desenvolvidos por estes estudos contribuiratildeo para a

lsquogramaacutetica tradicionalrsquo outros no entanto satildeo melhor compreendidos de um ponto de vista

mais abrangente a histoacuteria da linguiacutestica De qualquer forma o leitor deve estar atento agrave

polissemia do termo lsquogramaacuteticarsquo que eacute usado em referecircncia agrave lsquogramaacutetica completarsquo do

periacuteodo heleniacutestico ou seja ao estudo da literatura agrave lsquogramaacutetica teacutecnicarsquo no sentido em que o

termo eacute mais habitualmente empregado na atualidade aleacutem de ser empregado com referecircncia

aos tratados gramaticais propriamente ditos que podiam ser manuais escolares ou tratados

mais eruditos Sexto (M 1 43) referir-se-aacute agrave concepccedilatildeo destes tratados (tekhnologia) como

uma das habilidades praacuteticas de que a arte gramatical mais se orgulhava

Poderiacuteamos ter feito uso no panorama a seguir do termo lsquogramaacutetica estoicarsquo tal

como justificou Frede (1987) mas para natildeo nos desviarmos em consideraccedilotildees a respeito

desse uso falaremos em lsquoestudos gramaticaisrsquo dentro da filosofia estoica Para a filologia

heleniacutestica usaremos o termo lsquogramaacutetica heleniacutesticarsquo que procura envolver as contribuiccedilotildees

104 ldquoA expressatildeo lsquogramaacutetica tradicionalrsquo refere-se ao corpo de conhecimento sobre o uso correto das formas de palavras e da sintaxe transmitido no Ocidente ao menos desde o princiacutepio da Idade Meacutedia para o estudo do latim e do grego e cujas categorias foram usadas como modelo para o estudo de outras liacutenguasrdquo Atherton e Blank 2003 p 310

62

das escolas filoloacutegicas de Peacutergamo e Alexandria e o clima de opiniatildeo do momento bem como

reiterar que eacute este o sentido de gramaacutetica para Sexto Empiacuterico Para a parte da gramaacutetica

heleniacutestica que se ocupou do estudo de elementos formais da linguagem falaremos em

lsquogramaacutetica teacutecnicarsquo

161 Periacuteodo Claacutessico

Do periacuteodo claacutessico temos alguma informaccedilatildeo acerca do trabalho dos

glossographoi que se dedicavam a explicar palavras de difiacutecil compreensatildeo usadas nos

poemas homeacutericos105 A poesia homeacuterica devido a sua importacircncia para os gregos foi

continuamente o alvo de maior convergecircncia do interesse linguiacutestico durante toda a

antiguidade106 E conveacutem supor provavelmente esteve mesmo conectada ao processo de

adaptaccedilatildeo do alfabeto feniacutecio agrave liacutengua grega durante o seacuteculo VIII aC Agrave literatura eacute

concedido como apontamos acima status privilegiado no estudo da linguagem na

antiguidade

Bastante influente nesse periacuteodo parece ter sido o interesse vinculado a sofistas tais

como Proacutedico Protaacutegoras e Goacutergias pela orthoepeia e orthotes onomaton ou seja a correta

adequaccedilatildeo dos lsquonomesrsquo Sob essa alcunha ficaram conhecidos desde estudo de sinocircnimos

homocircnimos e parasinocircnimos envolvendo questotildees de sonoridade ateacute especulaccedilotildees acerca da

correspondecircncia entre linguagem e realidade envoltas em algum momento pela controveacutersia

phusei (lsquonaturezarsquo) x thesei (lsquoconvenccedilatildeorsquo)107 Tal controveacutersia parece ter se alimentado da

confusatildeo entre explicaccedilotildees semacircnticas e questotildees de origem da linguagem108

Como testemunho dessas especulaccedilotildees temos o diaacutelogo Craacutetilo de Platatildeo que parece

condenar a praacutetica possivelmente comum em sua eacutepoca de investigar o nome com o intuito

105 ldquoO interesse pela linguagem jaacute eacute manifesto na eacutepica homeacuterica onde o poeta frequentemente explica nomes e palavras Assim o nome Odusseus reflete ambos odussomai (lsquoodiarrsquo) e oduromai (lsquolamentarrsquo) (Odisseia I 5562)rdquo Schenkeveld 2000 p 430 Sobre o interesse da sociedade grega pela linguagem natildeo soacute entre os filoacutesofos ver Schenkeveld 2000 Para uma interpretaccedilatildeo do diaacutelogo Iacuteon de Platatildeo como fonte de informaccedilatildeo acerca da criacutetica homeacuterica no seacuteculo IV aC ver Hunter 2011 106 Para mais informaccedilotildees acerca dos lsquointeacuterpretesrsquo de Homero ver Lamberton e Keaney 1992 107 Protaacutegoras80 A1 A21 A29 DK Proacutedico 84 A16 A17 A 19 DK ver tambeacutem Goacutergias e sua noccedilatildeo do logos como megas dunastes 82 B1149ss DK 108 Ver Atherton e Blank 2013 p 12-24 para um panorama dos problemas impliacutecitos nas discussotildees do periacuteodo Luhtala 2011 sobre a influecircncia dessa discussatildeo na concepccedilatildeo das partes da oraccedilatildeo como categorias ontoloacutegicas

63

de adquirir conhecimento sobre a natureza das coisas que nomeiam Esta praacutetica eacute relacionada

muito diretamente agrave pesquisa lsquoetimoloacutegicarsquo que busca revelar sobre o lsquoreferentersquo algo de sua

lsquofunccedilatildeo originaacuteriarsquo no mundo atraveacutes de um lsquodesdobramentorsquo descritivo de seu nome A

lsquocorreccedilatildeorsquo do nome portanto estaria relacionada agrave sua capacidade de revelar a natureza

daquilo que nomeia Subjacente a tais especulaccedilotildees estaacute uma visatildeo atocircmica da linguagem em

que os niacuteveis mais complexos se explicam a partir dos elementos baacutesicos e suas

combinaccedilotildees109 Veremos que a pesquisa etimoloacutegica como uma ferramenta de criacutetica e

interpretaccedilatildeo literaacuteria permanece ocupando um lugar de prestiacutegio na gramaacutetica heleniacutestica

Um aspecto mais prontamente relacionado agraves investigaccedilotildees sofiacutesticas do periacuteodo eacute o

estudo de elementos linguiacutesticos e suas combinaccedilotildees por causa de seu efeito discursivo De

maneira ampla tais abordagens relacionavam-se a estudos nas aacutereas da composiccedilatildeo poeacutetica e

retoacuterica que ocupam um lugar central na vida intelectual dos antigos Desses estudos temos o

testemunho de Aristoacuteteles que escreveu tratados em ambas as aacutereas e contribuiu para a

sistematizaccedilatildeo natildeo soacute de termos como de conceitos linguiacutesticos Para Aristoacuteteles aquilo que eacute

genuinamente pertencente agrave aacuterea da poeacutetica (Poeacutetica 1456b20ss) eacute o estudo das lsquopartes da

expressatildeorsquo (mere lekseos)110 elemento (letra) siacutelaba conjunccedilatildeo nome verbo artigo caso

sentenccedila (ou discurso) (logos)111 Vecirc-se aiacute impliacutecito um arranjo hieraacuterquico de itens

linguiacutesticos e tambeacutem uma descriccedilatildeo incipiente das lsquopartes da oraccedilatildeorsquo e dos acidentes

nominais e verbais aleacutem de uma organizaccedilatildeo que em uacuteltima anaacutelise tornar-se-aacute

tradicional112

A virtude da expressatildeo afirma Aristoacuteteles eacute ser clara (saphes) mas natildeo pobre

(tapeine) de forma que o poeta deve saber a correta medida entre o uso de palavras

apropriadas (kuriai) e o uso daquelas particulares (idiotika) e estrangeiras (ksenika) que

garantem um tom elevado mas comprometem a claridade O pupilo de Aristoacuteteles Teofrasto

parece ter desenvolvido esse tema talvez em relaccedilatildeo agrave retoacuterica em seu Peri lekseos113

109 Demoacutecrito no entanto teria considerado os nomes convencionais Um comentador do seacuteculo V dC atribui a ele a opiniatildeo de que os nomes fossem corretos de maneira distributiva ou numeacuterica natildeo descritiva (Cf Proclus Crat 1623-36) 110 Procuramos manter os vocaacutebulos gregos pois geralmente a traduccedilatildeo pode mascarar a recorrecircncia do termo jaacute que pretende se aproximar do valor da expressatildeo no contexto Leksis eacute um termo especialmente polissecircmico pode significar palavra expressatildeo dicccedilatildeo estilo 111 Vale chamar a atenccedilatildeo para o fato de Aristoacuteteles apontar logos como uma parte (meros) da leksis Ver abaixo que ele dispensa um tratamento diferente agraves mere logou 112 Taylor 1995 p 84 113 A Teofrasto foi atribuiacutedo pelos comentadores aristoteacutelicos do seacuteculo sexto o estudo de lekseis qua leksis ndash como expressotildees linguiacutesticas (territoacuterio da retoacuterica e poeacutetica) distintas de logos o discurso

64

Outra faceta do estudo linguiacutestico no periacuteodo claacutessico eacute a loacutegica ou seja o

entendimento das propriedades associativas entre os elementos de proposiccedilotildees e entre as

proposiccedilotildees elas mesmas ie o estudo de raciociacutenios vaacutelidos e contraditoacuterios no intuito de

descobrir regras subjacentes a suas realizaccedilatildeo No diaacutelogo platocircnico intitulado Sofista

Soacutecrates enfrenta a dicotomia entre o valor existencial e equacional da coacutepula por meio desta

discussatildeo Platatildeo iraacute contribuir para uma lsquoteoria da predicaccedilatildeorsquo ao conceber a sentenccedila natildeo

como mera justaposiccedilatildeo de palavras mas atentando para o papel lsquosemacircnticorsquo de seus

componentes onoma (lsquonomersquo) ‒ que se aplica ao que realiza a accedilatildeo e rhema (lsquopredicadorsquo ou

lsquoverborsquo) ‒ que se aplica agraves accedilotildees os dois constituintes de uma sentenccedila miacutenima doravante

portadora do valor de verdade114

O estudo do logos seraacute empreendido em relaccedilatildeo ao valor de verdade no De

Interpretatione de Aristoacuteteles que introduz o conceito de lsquoproposiccedilatildeorsquo (logos apophantikos)

Nesta obra ele apresenta uma lista de lsquopartes do discursorsquo (mere logou) nome verbo (ou

predicado) e sentenccedila chamando-as de partes significativas do lsquodiscursorsquo115 O verbo eacute

definido como algo que carrega a ideia de tempo ao contraacuterio do nome e que aponta para a

predicaccedilatildeo (Int 16b 6ss) Nas Categoriae Aristoacuteteles parece equiparar categorias linguiacutesticas

e ontoloacutegicas em seu exaustivo estudo dos dez tipos de predicados onde desenvolve noccedilotildees

mais apuradas de sujeito e predicado

Tambeacutem teria sido Aristoacuteteles o primeiro a usar o conceito de hellenizein (Rhet

1407a19ss) lsquoexpressar-se corretamente em gregorsquo por meio do qual desenvolveu discussotildees

sobre o lugar exato das conjunccedilotildees o uso de nomes apropriados a concordacircncia correta de

gecircnero e nuacutemero sobre como evitar ambiguidades no discurso e sobre a produccedilatildeo adequada

de textos faacuteceis de ler e pronunciar E opocircs a estas discussotildees uma anaacutelise dos solecismos as

racional (territoacuterio da filosofia) Atherton e Blank 2013 p 36-37 Comparar adiante esta divisatildeo reivindicada pela tradiccedilatildeo peripateacutetica e a concepccedilatildeo estoica de leksis e logos Muito se lamenta na histoacuteria do pensamento sobre a linguagem a perda deste tratado de Teofrasto que poderia esclarecer muito acerca das origens e caracteriacutesticas da praacutetica dos gramaacuteticos heleniacutesticos 114 Ver Taylor 1995 p 84 115 Aristoacuteteles usa a expressatildeo kata suntheken (normalmente traduzido por lsquopor convenccedilatildeorsquo em oposiccedilatildeo a lsquopor naturezarsquo) para qualificar as partes significativas No entanto para Pinborg 1975 p 75 a oposiccedilatildeo natildeo seria entre natureza e convenccedilatildeo mas ldquoentre sons naturalmente inarticulados e sons articulados obtidos por combinaccedilatildeordquo

65

construccedilotildees inapropriadas116 Aristoacuteteles tambeacutem definiu metaacutefora como uma analogia do

significado117

162 A Loacutegica Estoica118

Nenhum texto estoico sobre loacutegica sobreviveu Nosso relato portanto depende de

fontes doxograacuteficas Apresentamos aqui principalmente o relato de Dioacutegenes Laeacutercio com

base na interpretaccedilatildeo de Schenkeveld (1990a) A princiacutepio os estoicos natildeo estavam lsquofazendorsquo

gramaacutetica nem parecem ter usado este termo para se referir a qualquer parte de seu sistema

lidaram no entanto com lsquoquestotildees gramaticaisrsquo em decorrecircncia do papel que a racionalidade

linguiacutestica assume em sua filosofia e de sua proacutepria concepccedilatildeo investigativa que os

direcionava a estudos sistemaacuteticos e exaustivos

Os estoicos acreditavam em um mundo impregnado e controlado pela razatildeo (logos)

e na alma humana como parte deste mundo racional Seu sistema filosoacutefico pretendia espelhar

a harmonia do mundo representando sua coerecircncia e integridade e suas trecircs partes ndash loacutegica

fiacutesica e eacutetica ndash pretendiam-se intimamente conectadas O saacutebio estoico (o ideal de homem

provido de sabedoria perfeita) vive em harmonia completa com a razatildeo universal e eacute infaliacutevel

ele tem absoluto domiacutenio do que eacute correto (verdadeiro) pensar e dizer em toda situaccedilatildeo e de

como isso deve ser expressado Eacute exatamente este uacuteltimo ponto o conteuacutedo da loacutegica estoica

a sabedoria linguiacutestica A loacutegica natildeo eacute vista como lsquoferramentarsquo para a filosofia mas parte

dela inclusive sua parte central (DL 7 83) O correto entendimento do pensamento e da

linguagem que o expressa eacute segundo o estoico fundamental para alcanccedilar a lsquofelicidadersquo

A estrutura do conteuacutedo das sentenccedilas individual ou logicamente relacionadas entre

si foi suposta pelos estoicos como espelho da estrutura do mundo Em nossa linguagem

falada ou escrita estas estruturas estatildeo expressas pelas partes da sentenccedila e pelas sentenccedilas

que relacionam-se umas agraves outras por meio de conjunccedilotildees que expressam as relaccedilotildees loacutegicas

entre os conteuacutedos Para o estoico era preciso saber portanto como cada elemento contribui

na formaccedilatildeo da sentenccedila completa e de seu conteuacutedo (ou tambeacutem no caso das conjunccedilotildees na

116 Pagani 2011 p 22-23 117 Sobre as contribuiccedilotildees de Aristoacuteteles a partir da perspectiva da histoacuteria da linguiacutestica ver Allan 2004 Pinborg (1975 p 77) assevera que o desenvolvimento da gramaacutetica na Greacutecia Antiga eacute inexplicaacutevel sem Aristoacuteteles Lembremos que natildeo possuiacutemos nenhuma obra de Criacutesipo ao contraacuterio da permanecircncia da loacutegica aristoteacutelica 118 Para abordagens mais completas ver entre outras Frede 1987 Atherton 1993 Luhtala 2000 Bobzien 2003 Barnes e Schenkeveld 2005

66

formaccedilatildeo da estrutura das sentenccedilas) Aleacutem de tambeacutem saber definir cada parte da sentenccedila e

cada um de seus tipos Os estoicos concebem a linguagem como uma hierarquia de niacuteveis

cujas combinaccedilotildees satildeo governadas por regras que devem ser adequadamente compreendidas

Trecircs componentes foram distinguidos pelos estoicos na anaacutelise do significado ou

conteuacutedo (M 8 11-12) o signo ou expressatildeo sonora (semainon ou phone) o que eacute significado

(semainomenon ou lekton) e em termos modernos o lsquoreferentersquo (lsquoextra-linguiacutesticorsquo)

(tunkhanon)119 Destes expressatildeo sonora e lsquoreferentersquo satildeo corpoacutereos De acordo com

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 7 41-42) alguns estoicos dividiram a parte loacutegica da filosofia ndash a que

se ocupa do logos (lsquodiscurso racionalrsquo) em retoacuterica ‒ a ciecircncia do bem falar no que diz

respeito a discursos contiacutenuos e dialeacutetica ‒ a ciecircncia de argumentar corretamente de acordo

com perguntas e respostas Alguns estoicos teriam acrescentado a estas tambeacutem a definiccedilatildeo ‒

que se ocupa da verdade A dialeacutetica120 por sua vez foi dividida (43) em duas seccedilotildees (topoi)

uma relativa agraves coisas significadas (semainomena) outra agrave lsquoexpressatildeo sonorarsquo (phone)

A seccedilatildeo sobre coisas significadas (semainomena) se divide no estudo das

representaccedilotildees e dos diziacuteveis (lekta) que subsistem dependentes delas (grosso modo o

conteuacutedo dos pensamentos e os significados comunicaacuteveis pela linguagem) ndash incluindo

proposiccedilotildees predicados de vaacuterios tipos silogismos e sofismas121 O conceito de lekton parece

ser mais especiacutefico que aquele geral de semainomenon O lekton eacute um incorpoacutereo As

representaccedilotildees seriam a fonte potencial do conteuacutedo semacircntico de uma proposiccedilatildeo O estoicos

evitaram a formulaccedilatildeo de que os lekta seriam lsquocausadosrsquo pelos processos do pensamento dos

quais eles satildeo de alguma forma como dito antes dependentes Pois os elementos do processo

cognitivo em seu sistema satildeo corpoacutereos e consistem em vaacuterias afecccedilotildees fiacutesicas da mente

(corpoacuterea) por isso poderiam enfrentar o problema da natureza da lsquotransferecircnciarsquo (metabasis)

entre a mateacuteria e o lekton incorpoacutereo122

119 Em inglecircs costuma-se preferir a expressatildeo bearer lsquoportadorrsquo Harven p 57 120 ldquoDialeacutetica foi definida como a praacutetica do discurso em perguntas e respostas em referecircncia a suas origens socraacuteticas mas tambeacutem idealmente como uma aacuterea do conhecimento cientiacutefico que permite a distinccedilatildeo segura entre verdades e falsidades por guiar a aplicaccedilatildeo do criteacuterio de verdade manejar os constituintes do logos atraveacutes de anaacutelise conceitual e atraveacutes da conduccedilatildeo do argumentordquo Atherton e Blank 2013 p 35 121 Para uma abordagem do estudo estoico sobre sofismas falaacutecias e paradoxos ver o artigo de Bobzien 2005 122 Sobre a metabasis ver Sluiter 2000 p 381ss Sobre lekton em relaccedilatildeo agrave ontologia estoica ver as valiosas contribuiccedilotildees de Harven p 54ss que tambeacutem discorre sobre a metabasis aleacutem de sua sugestiva leitura da teoria estoica do lekton como uma doutrina do significado como uso ldquoConsidero que os estoicos tenham uma certa doutrina do tipo lsquosignificado eacute usorsquo tal que o que pode ser dito eacute uma funccedilatildeo do que eacute dito O propoacutesito primaacuterio da linguagem eacute expressar nossos pensamentos que

67

A seccedilatildeo sobre a expressatildeo sonora (phone) (DL 744) trata de a expressatildeo sonora

dividida em elementos (letras ndash stoikheia) partes da sentenccedila (mere logou) solecismo

barbarismo poemas ambiguidades expressatildeo meloacutedica e de acordo com alguns tambeacutem das

definiccedilotildees divisotildees e palavras (lekseis)123

Relacionando esta passagem com aquela em DL 7 55-62 poderiacuteamos supor entatildeo

que a seccedilatildeo sobre a expressatildeo sonora (phone) seria composta de trecircs partes 1) definiccedilotildees ndash da

expressatildeo sonora (phone) da lsquopalavrarsquo (leksis) da sentenccedila (logos)124 e dos elementos ou

letras diferenccedilas ndash entre lsquopalavrarsquo (leksis) e sentenccedila (logos) e partes da sentenccedila (mere

logou)125 2) virtudes126 e viacutecios da linguagem (logos) expressatildeo (logos) poema poesia

ambiguidade 3) definiccedilatildeo (horos) gecircnero (genos) conceito (ennoema) espeacutecies (eidos)

divisatildeo (diairesis) distribuiccedilatildeo (anaacutelise ou particcedilatildeo) (merismos)

A informaccedilatildeo que temos para organizar estas seccedilotildees dentro da loacutegica estoica proveacutem

em grande parte da sequecircncia das obras de Criacutesipo (c 281-208 aC) (DL 7 190-192) e do

relato de Dioacutegenes Laeacutercio acerca da Tekhne peri phones de Dioacutegenes da Babilocircnia (fim do

seacuteculo III aC princiacutepio do II ac) disciacutepulo de Criacutesipo No entanto natildeo estaacute claro qual

satildeo diziacuteveis o que eu interpreto como sendo o sentido fundamental do modo passivo mas por termos um sistema recursivo para fazecirc-lo ie a linguagem muitas coisas satildeo diziacuteveis independente de serem ditas o que eacute um sentido secundaacuterio do modo passivordquo (p 52) 123 lsquoPalavrarsquo poderia estar em dois niacuteveis como entidade formal (como parece ser o caso na sequecircncia) e como elemento significante do logos como parece ser o caso aqui Ver abaixo 124 Todo logos eacute phone e leksis mas natildeo o inverso 125 As partes do logos satildeo nome (onoma) nome proacuteprio (prosegoria) verbo (rhema) artigo (arthron) conjunccedilatildeo (sundesmos) agraves quais estoicos tardios acrescentaram a categoria do adveacuterbio (mesotes) A distinccedilatildeo entre nome e nome proacuteprio reflete no niacutevel da phone a distinccedilatildeo ontoloacutegica do sistema estoico entre qualidade individual e comum O lsquocasorsquo natildeo se aplica ao nome no niacutevel da phone mas a sua contrapartida no niacutevel do lekton Zenatildeo falou em lsquoelementosrsquo do logos e natildeo lsquopartesrsquo lsquoo filoacutesofo deve se preocupar em conhecer os lsquoelementosrsquo do logos o que cada um deles eacute como eles se combinam entre si e suas consequecircncias (akoloutha)rsquo LS 31 J A traduccedilatildeo por lsquopartes da sentenccedilarsquo talvez natildeo seja a mais apropriada tampouco lsquopartes da oraccedilatildeorsquo Preferimos aquela por ter-nos parecido um pouco menos lsquoteacutecnicarsquo e assim manter uma certa imprecisatildeo terminoloacutegica que nos parece caracteriacutestica do uso da expressatildeo em ambientes filosoacuteficos principalmente Eacute justamente o fato de filoacutesofos (peripateacuteticos e estoicos) retoacutericos e gramaacuteticos terem usado a mesma expressatildeo mere logou ndash cuja tradiccedilatildeo chega a nossos dias ndash para o resultado da aplicaccedilatildeo de distintas metodologias que faz da histoacuteria das lsquopartes da oraccedilatildeorsquo a peccedila chave para o entendimento do desenvolvimento da gramaacutetica na antiguidade Qualquer abordagem que tenha o intuito de preservar o significado estoico da expressatildeo e natildeo sua apropriaccedilatildeo histoacuterica deve aprofundar-se em detalhes do sistema filosoacutefico estoico diferente desse nosso resumo 126 A primeira das virtudes eacute o grego lsquopurorsquo ou lsquocorretorsquo (helenismo hellenismos) e os dois viacutecios barbarismo e solecismo satildeo violaccedilotildees do helenismo As outras virtudes satildeo clareza (sapheneia) concisatildeo (suntomia) propriedade (prepon) e ornamento (kataskeue) Os epicuristas afirmariam que as uacutenicas virtudes do discurso com que temos que nos preocupar satildeo clareza e propriedade que natildeo demandam uma tekhnologia

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estoico teria organizado daquela forma a bibliografia de Criacutesipo e a organizaccedilatildeo do tratado de

Dioacutegenes da Babilocircnia pode ter sido invenccedilatildeo de seu compilador De qualquer forma a

organizaccedilatildeo de cada uma das duas aacutereas (semainomena e phone) em Dioacutegenes Laeacutercio

segue o princiacutepio baacutesico de partir do menos para o mais complexo e do geral para o

especiacutefico

A seccedilatildeo relativa agrave expressatildeo sonora (7 55-62) estaacute organizada em Dioacutegenes Laeacutercio

na sequecircncia expressatildeo sonora expressatildeo sonora emitida por impulso pelos animais

expressatildeo sonora articulada (lsquopalavrarsquo) (leksis) expressatildeo sonora articulada com significado

(logos) ndash que somente possuem as criaturas racionais ndash e entatildeo lsquoliacutenguarsquo (dialektos) A leksis

(lsquopalavrarsquo) diz-se ser composta de elementos (stoikheia) as 24 letras (grammata) que satildeo

divididas em vogais mudas semivogais etc A diferenccedila entre logos que eacute sempre

significativo e leksis que ainda natildeo eacute daacute-se em paralelo agrave diferenccedila entre lsquodizerrsquo (legein)

pragmata ou lekta e lsquoproferirrsquo (propheresthai) sons A seguir vem a lista e as definiccedilotildees das

partes do logos na sequecircncia as virtudes do logos e as definiccedilotildees de poiema e poiesis

Poiema e poiesis satildeo os paralelos riacutetmicos de leksis e logos poiema eacute uma leksis organizada

em meacutetrica ou ritmo poiesis eacute um poiema significativo contendo representaccedilatildeo de mateacuterias

divinas e humanas A definiccedilatildeo de lsquodefiniccedilatildeorsquo tambeacutem estaacute incluiacuteda presumivelmente por

que eacute um tipo especial e especialmente importante de logos necessaacuterio para a anaacutelise

conceitual127 O mesmo para a presenccedila das definiccedilotildees de conceitos relacionados ou seja

gecircnero conceito espeacutecies divisatildeo anaacutelise Por fim estaacute a ambiguidade cuja importacircncia os

estoicos parecem natildeo ter cansado de enfatizar pois por conta dela pode-se gerar

assentimento a uma proposiccedilatildeo falsa128

A linguagem falada somente comeccedila a ser significante para os estoicos no niacutevel das

partes da sentenccedila leksis eacute articulada mas natildeo ainda significativa Ainda a capacidade de

cada palavra de realizar sua funccedilatildeo como uma parte da sentenccedila depende de sua forma ndash uma

leksis eacute corpoacuterea e pereciacutevel e natildeo pode mudar de forma sem perder sua identidade Para

estar correto acerca desses assuntos o estoico precisava estudar a maneira como a expressatildeo

sonora se divide em sons chamados elementos ou letras como estes sons eram combinados

em siacutelabas e palavras e como estas palavras podiam ser formadas com elementos variaacuteveis

para permitir relaccedilotildees especiacuteficas com outras palavras na sentenccedila expressando estruturas

particulares de conteuacutedo inteliacutegivel O saacutebio deveria saber tambeacutem tudo que fosse possiacutevel

127 Sexto trata do papel das definiccedilotildees para a teoria estoica em PH 2 205ss 128 Referecircncia no estudo da ambiguidade na loacutegica estoica eacute o livro de Atherton 1993

69

sobre a relaccedilatildeo entre o conteuacutedo e sua expressatildeo linguiacutestica incluindo os problemas que

podiam ocorrer solecismo ‒ a falha na consistecircncia entre estrutura da expressatildeo e conteuacutedo

barbarismo ‒ uso de uma forma incorreta ou natildeo aceita de uma palavra e ambiguidade ‒

quando a expressatildeo falha em corresponder a um e apenas um conteuacutedo e tambeacutem sobre

modos alternativos de expressatildeo tais como a poesia

Sobre a aacuterea que trata das lsquocoisas (pragmaton) e dos significados (semainomenon)rsquo o

relato de Dioacutegenes procede (7 63-83) de maneira anaacuteloga comeccedilando com a definiccedilatildeo de

lekton e sua divisatildeo em lekta completos e incompletos De novo avanccedilamos do simples para o

complexo mas aqui a importacircncia da loacutegica como um estudo sistemaacutetico acerca da inferecircncia

se percebe mais claramente Lekta incompletos129 satildeo os predicados (kategoremata) dos quais

haacute vaacuterios tipos outros lekta satildeo completos ou seja axiomata ou proposiccedilotildees que possuem

valor de verdade mas alguns lekta satildeo natildeo-proposicionais tais como perguntas questotildees

comandos e pedidos e alguns satildeo a combinaccedilatildeo de proposiccedilotildees simples em proposiccedilotildees

completas e em argumentos especialmente os silogismos Na sequecircncia explica-se a divisatildeo

dos axiomata em simples e natildeo simples por meio de sua estrutura interna e da conexatildeo loacutegica

respectivamente lista-se seus tipos Tipos de proposiccedilotildees (axiomata) natildeo simples satildeo

analisados em relaccedilatildeo a condiccedilotildees de verdade Essa seccedilatildeo culmina de maneira significativa

na classificaccedilatildeo dos tipos de logos ou seja dos argumentos (76ss)

Na dialeacutetica estoica encontramos portanto quase todos os elementos cruciais

abordados nos tratados de gramaacutetica posteriores bem como grande parte da terminologia

gramatical Esses elementos contudo estatildeo aiacute organizados descritos e nomeados de acordo

com a aacuterea a que estatildeo subordinados phone ou lekta Foram analisados portanto de acordo

com a organizaccedilatildeo de cada uma das sub-partes da parte loacutegica da filosofia estoica e servem a

propoacutesitos inerentes a esta organizaccedilatildeo130 Devem ser interpretados assim de acordo com

129 ldquoSe o predicado eacute formado pelo que chamariacuteamos de verbo de lsquoum-lugarrsquo tudo que ele requer eacute um caso nominativo para formar uma proposiccedilatildeo completa O lsquocaso nominativorsquo ele mesmo natildeo eacute nunca chamado de lekton incompleto presumivelmente precisamente porque diferente dos predicados ele designa algordquo Sluiter 2000 p 378 130 Sobre a necessidade de ler os elementos da dialeacutetica estoica de acordo com seu proacuteprio sistema ldquoNosso conhecimento da doutrina estoica dos genera verbi eacute amplamente derivada de Dioacutegenes Laeacutercio (DL 7 64) Dioacutegenes discute vaacuterios tipos de predicados isto eacute lekta incompletos do tipo que correspondem a verbos mas que satildeo explicitamente distinguidos de verbos como seus lekta correspondentes (58) Percebe-se que a distinccedilatildeo entre lekta e expressotildees correspondentes deve ser levada agrave seacuterio e que deve-se estar ciente que muitas das distinccedilotildees gramaticais satildeo introduzidas em relaccedilatildeo agrave lekta e natildeo agraves expressotildees jaacute que como exemplo do que corresponderia a um verbo ativo ele apresenta dialegesthai (58)rdquo Frede 1987 p 304 Deve-se ter o mesmo cuidado ao abordar o sistema do tempo verbal As distinccedilotildees estoicas entre lsquoperfeitorsquo e lsquoimperfeitorsquo por exemplo satildeo feitas em termos loacutegicos natildeo gramaticais e concernem ao valor de verdade da proposiccedilatildeo (Cf ibidem p 306)

70

esse sistema sob risco de serem equivocadamente aproximados a conceitos gramaticais

homocircnimos Sobre a necessidade de ler os elementos da dialeacutetica estoica de acordo com seu

proacuteprio sistema sob pena de serem mal compreendidos encontramos um exemplo na

advertecircncia de Frede (1987 p 304)

Nosso conhecimento da doutrina estoica dos genera verbi eacute amplamente derivada de Dioacutegenes Laeacutercio (DL 7 64) Dioacutegenes discute vaacuterios tipos de predicados isto eacute lekta incompletos daqueles que correspondem a verbos mas que satildeo explicitamente distinguidos de verbos que satildeo seus lekta correspondentes (58) Percebe-se que a distinccedilatildeo entre lekta e expressotildees [phonai] correspondentes deve ser levada agrave seacuterio e que deve-se estar ciente que muitas das distinccedilotildees gramaticais satildeo introduzidas em relaccedilatildeo agrave lekta e natildeo agraves expressotildees jaacute que como exemplo do que corresponderia a um verbo ativo ele apresenta dialegesthai (58)

Deve-se ter o mesmo cuidado ao abordar o sistema do tempo verbal As distinccedilotildees estoicas

entre lsquoperfeitorsquo e lsquoimperfeitorsquo por exemplo satildeo feitas em termos loacutegicos natildeo gramaticais e

concernem ao valor de verdade da proposiccedilatildeo131

A anaacutelise da poesia aparece tambeacutem conectada agrave parte eacutetica da filosofia estoica

Aleacutem da obra de conteuacutedo desconhecido sobre leksis Zenatildeo teria escrito (DL 7 4) um tratado

sobre a apreciaccedilatildeo da poesia Tambeacutem lhe satildeo atribuiacutedos cinco livros acerca de lsquoproblemas

homeacutericosrsquo (DL 7 4) onde provavelmente tratou do estudo de passagens homeacutericas cuja

interpretaccedilatildeo causava problemas especialmente para aqueles empenhados em demonstrar que

Homero continha bons preceitos morais132 A quinta seccedilatildeo da parte da bibliografia de Criacutesipo

relativa ao ldquodiscurso eacutetico e agrave articulaccedilatildeo de conceitos eacuteticosrdquo menciona que Criacutesipo compocircs

um tratado sobre proveacuterbios um sobre poemas um que trata de como os jovens devem ouvir

os poetas e um contra os criacuteticos Do tratado de Plutarco De audiendis poetis cuja fonte

principal foi Criacutesipo podemos ter uma ideia de qual seria o conteuacutedo geral dos tratados de

Zenatildeo e Criacutesipo ensinar uma pessoa jovem a entender os bons preceitos morais contidos na

poesia para que evitassem a armadilha de pensar que valorosos poetas poderiam estar

exaltando os maus ensinamentos que frequentemente aparecem em seus poemas

A esta concepccedilatildeo lsquoedificantersquo da linguagem parece ser possiacutevel aproximar o interesse

de alguns estoicos por lsquoetimologiarsquo133 e lsquoalegoriarsquo Tal interesse parece ter sido motivado pela

131 Ver Frede 1987 p 306 132 Para mais informaccedilotildees ver Long 1996 capiacutetulo 3 133 Criacutesipo chegou a ser creditado pela criaccedilatildeo do termo lsquoetimologiarsquo (ver DL 7200) Plutarco no livro mencionado no paacuteragrafo anterior (De aud 31e) diz que a etimologia estoica era uma tolice Mesmo

71

estoica concepccedilatildeo lsquoracionalizantersquo do mundo e sua ideia de sabedoria lsquoancestralrsquo

aparentemente recuperaacutevel pelo processo lsquoetimoloacutegicorsquo A linguagem por meio da

descoberta da lsquomensagemrsquo original seria fonte de sabedoria pois o discurso sendo racional

deveria refletir as leis do universo Do mesmo modo a interpretaccedilatildeo dos poetas antigos

atraveacutes da alegoria deveria desvelar algo sobre a real natureza do mundo pois sua sabedoria

os qualificava a transmitir tal conhecimento134

Agrave dialeacutetica estoica seraacute tambeacutem atribuiacutedo um papel organizador para as artes Ciacutecero

(De or 1 187-188) diraacute que lsquosem a disciplina dos filoacutesofosrsquo os elementos das artes

geometria muacutesica astronomia gramaacutetica e retoacuterica estavam dispersos e desconectados mas

com a ajuda da dialeacutetica eles foram organizados em um conjunto sistemaacutetico de

conhecimento135

No primeiro seacuteculo da era comum Fiacutelon de Alexandria (ou Fiacutelon Judeu) por sua

vez usando o vocabulaacuterio comum agrave loacutegica estoica e agrave gramaacutetica iraacute lsquoacusarrsquo os gramaacuteticos de

terem roubado da filosofia as descobertas de que se vangloriam Sua criacutetica eacute uma tentativa

similar agrave criacutetica epicurista de restringir as pretensotildees lsquofilosoacuteficasrsquo da arte gramatical

Escrever e ler eacute tarefa dessa mais imperfeita forma de gramaacutetica que alguns mudando o nome chamam lsquogramatiacutesticarsquo Mas agrave mais perfeita forma de gramaacutetica pertence a explicaccedilatildeo das grandes obras de poetas e historiadores Quando eles [os gramaacuteticos] explicam as partes da sentenccedila por acaso natildeo roubam as descobertas da filosofia e fazem-nas trabalhar para eles Pois eacute tarefa da filosofia investigar o que eacute uma conjunccedilatildeo ou um nome ou um verbo ou o nome comum e o nome proacuteprio ou o que estaacute deficiente ou a mais no discurso o que eacute declarativo o que eacute uma pergunta uma questatildeo o que eacute uma expressatildeo compreensiva ou um pedido ou um impropeacuterio Pois eacute a filosofia que abrange a investigaccedilatildeo de itens completos independentes e de proposiccedilotildees e predicados E tambeacutem como saber o que eacute um elemento semi-vocaacutelico ou um vocaacutelico ou um completamente natildeo-vocaacutelico e como cada um destes eacute costumeiramente chamado e toda a divisatildeo que diz respeito agraves expressotildees sonoras e elementos e partes do discurso natildeo foi isto realizado e completado pela filosofia Mas tendo se apoderado de algumas gotas de

Secircneca questionou seu valor (De beneficiis 136ndash10 = SVF 21082) Sobre a relaccedilatildeo dos estoicos com a etimologia ver Allen 2005 e Long 2005 134 ldquoLong (2005) contesta a teoria de que os estoicos usaram a alegoria como um meacutetodo e sugere que o procedimento em questatildeo era o etimoloacutegico lsquoA tarefa do etimologista estoico eacute tentar recuperar as verdadeiras crenccedilas codificadas nos nomes e epiacutetetos dos deuses ndash crenccedilas que foram encobertas pela supersticcedilatildeo posteriorrsquo (p 38) No mesmo espiacuterito de Long Porter (1992 86 e 86 n 52) tambeacutem sustentou que natildeo haacute prova de que os estoicos tivessem qualquer interesse na criacutetica literaacuteria em si mesma e que o interesse deles pela alegoria natildeo se dava na forma de uma interpretaccedilatildeo literaacuteria as contribuiccedilotildees estoicas para o desenvolvimento da criacutetica literaacuteria seriam entatildeo acidentaisrdquo Seppaumlnen 2013 p 31 135 Ver Hadot 2005 p 55-57

72

uma torrente por assim dizer e apoacutes tentar impregnar suas almas ainda menores com o que roubaram natildeo se envergonham de proclamar o que tomaram dela como se fosse seu (Congress Erud Grat 146-150)

A criacutetica de Secircneca (Ep 88) ao contraacuterio dirigir-se-aacute aos filoacutesofos acusando-os de terem se

rebaixado a discutir assuntos insignificantes desprovidos de valor na filosofia admoestando-

os a se resguardar de competir com gramaacuteticos

163 Gramaacutetica Heleniacutestica

A influecircncia exercida pelos estudos estoicos da linguagem no desenvolvimento da

gramaacutetica heleniacutestica e da disciplina gramatical que iraacute emergir como uma aacuterea independente

tanto da proacutepria filologia quanto da dialeacutetica da retoacuterica e da filosofia no comeccedilo da era

comum estaacute longe de ser algo descrito em comum acordo136 Essa situaccedilatildeo se deve em

grande parte agrave questatildeo das dificuldades de interpretaccedilatildeo das fontes fragmentaacuterias indiretas e

tardias mencionada antes e conectada a esta agrave discussatildeo a respeito da dataccedilatildeo do tratado

atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio137

A figura chave dessa relaccedilatildeo parece ter sido o estoico Dioacutegenes da Babilocircnia

(tradicionalmente c 240-152 aC) disciacutepulo do proacuteprio Criacutesipo e seu tratado Peri tes

phones fonte da descriccedilatildeo de Dioacutegenes Laeacutercio exposta na seccedilatildeo anterior Um dos mais

importantes nomes da gramaacutetica heleniacutestica o fundador da escola lsquocriacuteticarsquo de Peacutergamo Crates

de Malos (primeira metade do seacutec II aC) teria sido disciacutepulo de Dioacutegenes138 Tambeacutem na

Biblioteca de Alexandria aponta-se um disciacutepulo de Dioacutegenes Apolodoro de Atenas que

136 Outro desdobramento dessa questatildeo diz respeito agrave influecircncia estoica nas lsquoartes gramaticaisrsquo romanas Antigamente havia-se postulado uma oposiccedilatildeo radical (em geral contestada hoje em dia) entre a escola de Peacutergamo conectada agrave filosofia estoica e a escola de Alexandria de influecircncia aristoteacutelica e filoloacutegica de forma que a gramaacutetica romana teria tido origem direta na tradiccedilatildeo estoico-pergamena atraveacutes de Crates e teria depois influenciado a gramaacutetica teacutecnica grega Ver Pagani 2011 p 43ss (para a exposiccedilatildeo das opiniotildees de Ax a favor de um modelo como este) e a contra-argumentaccedilatildeo de Schenkeveld 1990b p 298-306 ldquoDiferente de suas opiniotildees sobre a retoacuterica as ideias linguiacutesticas dos estoicos foram extremamente influentes Gramaacuteticos gregos assim como latinos seguiram seus passos mas cada grupo seguiu seu proacuteprio caminho no que diz respeito agraves virtudes e viacutecios do estilo e ao restante da estoica tekhne peri phonesrdquo Schenkeveld 1990a p 107 Os estudos mais recentes parecem preferir lidar com modelos menos unilaterais e mais complexos para abordar as influecircncias e inter-relaccedilotildees ver a introduccedilatildeo dos autores agrave coletacircnea de artigos em Swiggers e Wouters 2002 137 Haacute que se apontar tambeacutem claro o papel da proacutepria dinacircmica de evoluccedilatildeo dos estudos em historiografia linguiacutestica 138 A identificaccedilatildeo de Crates como estoico eacute questionada por Porter 1992

73

estudou com Aristarco de Samotraacutecia (c 216 ndash 144) e teria influenciado Dioniacutesio Traacutecio

tambeacutem disciacutepulo daquele139

Crates e Aristarco liacutederes respectivamente da escola de Peacutergamo e da escola de

Alexandria junto com o predecessor de Aristarco Aristoacutefanes de Bizacircncio (c 260 ndash 185) satildeo

apontados por Sexto (M 1 44) como aqueles que aperfeiccediloaram a gramaacutetica Os

comentadores do tratado atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio (Sch DThr)140 reportam no entanto

uma histoacuteria diferente Eles apontam o alegorista Teaacutegenes de Reacutegio (VI aC)141 como o

criador da disciplina gramatical que foi entatildeo aperfeiccediloada pelos peripateacuteticos Praxiacutefanes142

e Aristoacuteteles (Sch DThr [Vat] 16424)

A obra de Aristoacuteteles e Teofrasto de que falamos acima teve grande importacircncia

tanto para a poeacutetica e para a retoacuterica quanto para o desenvolvimento de uma teoria geral

acerca da expressatildeo linguiacutestica ou do estilo Tal influecircncia seria uma das responsaacuteveis pela

divisatildeo estoica entre retoacuterica e dialeacutetica e a concepccedilatildeo dos elementos que satildeo tratados no niacutevel

da phone Mas certamente Crates Aristarco e Aristoacutefanes seriam mais adequados para

representar especificidades da gramaacutetica heleniacutestica

1631 Escola de Peacutergamo Crates e Taurisco

Crates tal como nos relata Sexto (M 1 79) teria tentado restringir o escopo da

gramaacutetica Crates dizia que o criacutetico eacute superior ao gramaacutetico O criacutetico diz ele precisa ser experiente na totalidade do saber linguiacutestico (logikes epistemes) enquanto o gramaacutetico precisa simplesmente explicar palavras raras restaurar a prosoacutedia e dominar coisas deste gecircnero por isso o criacutetico eacute como um arquiteto e o gramaacutetico um ajudante

139 Acerca da influecircncia de Apolodoro treinado na loacutegica estoica sobre os alexandrinos ver Frede 1987 358-359 Janko 1995 p 215 e Jonge 2008 p 100-101 140 Estes comentaacuterios (Scholia) referidos como Sch DThr satildeo tardios datando provavelmente do seacuteculo IX ao XIV no entanto desempenham um papel fundamental neste relato por terem preservardo diversos testemunhos relativos a uma eacutepoca em que o desenvolvimento da arte gramatical nos seria de outra forma praticamente desconhecido 141 Sobre Teaacutegenes e suas alegorias ver Domaradzki 2011 142 Sobre Praxiacutefanes ver Martano Matelli e Mirhady 2012

74

Supotildee-se geralmente que Crates143 nesta passagem esteja rivalizando com a escola

de Alexandria cujos membros se autodenominaram lsquogramaacuteticosrsquo144 Poreacutem o que de fato

diferenciava a praacutetica do criacutetico e a do gramaacutetico eacute difiacutecil definir Parece que a escola de

Alexandria a princiacutepio entendia a tarefa criacutetica do gramaacutetico somente em relaccedilatildeo agrave avaliaccedilatildeo

das condiccedilotildees de transmissatildeo textual de uma obra e sua autenticidade Enquanto Crates teria

incentivado a exegese dos textos por meio da alegoria Ou seja em termos modernos

teriacuteamos uma oposiccedilatildeo entre criacutetica textual e criacutetica literaacuteria De forma que enquanto os

alexandrinos dedicavam-se a desenvolver um lsquoaparatorsquo criacutetico para a ediccedilatildeo das obras

homeacutericas a escola de Peacutergamo estaria mais preocupada com os meacutetodos interpretativos No

entanto esta eacute uma distinccedilatildeo unilateral natildeo haacute evidecircncias de os alexandrinos terem se

conformado a ela145 e aleacutem disso esta diferenciaccedilatildeo natildeo se susteacutem se comparamos a

produccedilatildeo das duas escolas

Eacute verdade que Crates e Aristarco discordaram com frequecircncia em suas interpretaccedilotildees

de Homero e que Aristarco e alguns de seus pupilos teriam escrito livros contra as

interpretaccedilotildees de Crates mas fora algumas extravagacircncias filosoacuteficas da parte de Crates (por

exemplo interpretar passagens homeacutericas de acordo com lsquoteoremas loacutegicosrsquo e encontrar nelas

elementos de fiacutesica estoica146) dificilmente seus meacutetodos filoloacutegicos se distinguem daqueles

de Aristarco Em particular ambos parecem ter feito uso constante da etimologia como um

criteacuterio para estabelecer o significado e a ortografia de palavras homeacutericas147

Crates teria escrito sobre vaacuterios toacutepicos de gramaacutetica e criacutetica literaacuteria mas natildeo

possuiacutemos nenhuma indicaccedilatildeo de que tenha escrito uma obra geral sobre kritike Um de seus

143 Para os fragmentos atribuiacutedos a Crates ver Broggiato 2000 144 Ver Sch DThr 7 23-29 lsquodeve-se saber que antigamente a gramaacutetica foi chamada de lsquocriacuteticarsquo a partir da lsquocriacutetica da poesiarsquo um gramaacutetico chamado Antidoro a denominou lsquogramaacuteticarsquo como o conhecimento da literaturarsquoAntidoro de Cime seacutec III aC foi considerado o primeiro grammatikos 145 Lembremos que Dioniacutesio Traacutecio iraacute qualificar o julgamento (krisis) dos poemas como a lsquomais bela partersquo da gramaacutetica 146 Ver Gutzwiller 2010 p 356 ss e o capiacutetulo todo p 337ss para um panorama da criacutetica literaacuteria no periacuteodo 147 Blank 2005 p 222 ldquoPor exemplo os dois gramaacuteticos deram explicaccedilotildees distintas para o epiacuteteto de Apolo ἤιε (Sch A 15365a) Aristarco argumentou que a palavra provinha de ἵημι (lsquolanccedilarrsquo) e por isso era aspirada enquanto Crates (F 23 Broggiato) quis derivaacute-la de ἰάομαι (lsquocurarrsquo) portanto sem aspiraccedilatildeo Nesse caso nossa fonte Herodiano que levou as regras da analogia a seu niacutevel mais alto argumentou que Crates estava correto acerca da aspiraccedilatildeo mas que ele deveria tecirc-lo provado com referecircncia agrave regra de que o eta natildeo eacute nunca aspirado antes de uma vogal Crates no entanto estava interessado em resolver um problema de interpretaccedilatildeo se Apolo era capaz na Iliacuteada de curarrdquo Blank 2005 p 222 ver a sequecircncia para outros exemplos como esse

75

alunos no entanto pode ter escrito e eacute atraveacutes de Sexto que temos alguma informaccedilatildeo acerca

de como poderia estar organizado tal tratado Sexto afirma (M 1 248)

Taurisco o disciacutepulo de Crates subordinando a gramaacutetica agrave criacutetica tal como fizeram os outros criacuteticos disse que a criacutetica se compotildee de uma parte racional (logikos) uma parte praacutetica (tribikos) e uma parte lsquohistoacutericarsquo

Relacionando as duas passagens citadas em que Sexto menciona Crates poderiacuteamos sugerir

que o criacutetico fizesse uso das lsquopartesrsquo de sua arte como preliminares para a atividade da criacutetica

ela mesma que envolveria entatildeo todo o saber (episteme) linguiacutestico O fato de Crates usar

episteme para qualificar o tipo de conhecimento de sua aacuterea aproxima-o da discussatildeo a

respeito do estatuto epistemoloacutegico de sua arte primeiro ele lsquorebaixarsquo o papel da gramaacutetica

baseada em conhecimento empiacuterico depois ele alccedila a criacutetica agrave episteme De forma que ele natildeo

precisa encontrar um lugar na arte para a parte lsquocriacuteticarsquo pois jaacute eacute o niacutevel mais alto A arte

gramatical (a criacutetica textual) eacute subordinada agrave criacutetica (a criacutetica literaacuteria) ndash que incorpora toda a

episteme linguiacutestica Qual das partes da criacutetica ele poderia ter identificado com lsquogramaacuteticarsquo eacute

algo que tentaremos abordar adiante Vale lembrar que Sexto faz equivaler lsquocriacuteticarsquo a

lsquogramaacuteticarsquo e trata a divisatildeo de Taurisco disciacutepulo de Crates como um exemplo de que a

parte lsquohistoacutericarsquo era considerada parte da gramaacutetica

A discussatildeo sobre a divisatildeo de uma arte em suas partes objetivos instrumentos etc

eacute conhecida de outros campos filosofia e medicina por exemplo De fato os proacutelogos das

lsquoartesrsquo (tratados teacutecnicos) geralmente seguiam uma ordem de toacutepicos padratildeo definiccedilatildeo148 e

objeto da arte defesa da utilidade da arte e logo assuntos tratados em cada uma das partes

(mere) da arte funccedilotildees (erga) da arte e lsquoinstrumentosrsquo (organa)149 As distinccedilotildees entre estas

trecircs uacuteltimas no entanto natildeo foram nunca muito claras Nas disciplinas teacutecnicas lsquopartersquo pode

se referir a uma aacuterea a uma tarefa a uma habilidade ou ao resultado de um procedimento

Os termos com que Taurisco denomina suas lsquopartesrsquo satildeo termos tradicionais nas

discussotildees epistemoloacutegicas no campo da medicina podemos supor que ele pretendia indicar 148 Cf Platatildeo Fedro 237c lsquoa menos que uma determinada discussatildeo comece com a definiccedilatildeo do toacutepico estaraacute totalmente baseada em suposiccedilotildees com o resultado que os participantes natildeo iratildeo concordar nem consigo proacuteprios nem uns com os outrosrsquo 149 Os manuais iniciavam frequentemente com um prefaacutecio no qual o autor enfatizava a extraordinaacuteria utilidade da lsquoartersquo em questatildeo justificando o ter-se dedicado agrave presente sistematizaccedilatildeo do assunto exemplo disso eacute o tratado De inventione escrito por Ciacutecero em sua juventude (cf Yonge 1888) A seguir viria um tratamento de todos ou de alguns dos toacutepicos especiais mais tarde codificados em uma lista causa origem definiccedilatildeo mateacuteria partes funccedilotildees instrumentos finalidade tal como a que aparece no Sch DThr (Vat) 113 11 Assim eacute que Ciacutecero (De inventione I 5) afirma ldquoMas antes de comeccedilarmos a tratar dos preceitos da retoacuterica penso que devemos dizer algo sobre a natureza desta arte sua funccedilatildeo finalidade material e partesrdquo (cf Yonge 1888)

76

assim o lsquomeacutetodorsquo pelo qual cada parte tratava seu objeto150 De forma que a parte lsquoracionalrsquo

deveria nesta interpretaccedilatildeo ter de contribuir com leis gerais explanativas Pode no entanto

parecer estranho que agrave parte racional esteja subordinado o estudo de leksis e figuras

gramaticais Talvez considerasse tarefa da parte racional a elaboraccedilatildeo dos padrotildees da

expressatildeo linguiacutestica enquanto a parte praacutetica designava a repetida experiecircncia com estilos e

dialetos diferentes por observaccedilatildeo e treino

1632 Escola de Alexandria

16321 Aristoacutefanes de Bizacircncio e Aristarco de Samotraacutecia151

A principal questatildeo acadecircmica acerca da contribuiccedilatildeo de Aristoacutefanes e Aristarco para

o desenvolvimento da gramaacutetica teacutecnica diz respeito a quanto de autonomia eles conferiram

aos estudos formais da linguagem em relaccedilatildeo a seu empreendimento filoloacutegico Esses estudos

tomam duas direccedilotildees principais no periacuteodo heleniacutestico a doutrina dos elementos constituintes

da linguagem com destaque para as lsquopartes da oraccedilatildeorsquo e a questatildeo da correccedilatildeo linguiacutestica

(hellenismos) no que diz respeito a palavras individuais (ortografia prosoacutedia flexatildeo e

significado) e agrave construccedilatildeo (por meio dos criteacuterios da analogia etimologia dialetos uso e

tradiccedilatildeo literaacuteria)

Aristoacutefanes teria composto coleccedilotildees de lekseis as quais teria organizado usando o

princiacutepio da analogia como uma regra gramatical Aristarco teria desenvolvido lsquosistemasrsquo para

a abordagem de particularidades e peculiaridades da linguagem homeacuterica que podem ser

derivados dos testemunhos que possuiacutemos de sua exegese da obra de Homero Seus meacutetodos

parecem ter envolvido conhecimento gramatical fundado em princiacutepios linguiacutesticos tal como

paradigmas de declinaccedilatildeo e conjugaccedilatildeo bem como entendimento de funccedilotildees sintaacuteticas

lsquomorfologiarsquo e uso de partiacuteculas Poreacutem grande parte da reconstruccedilatildeo do suposto sistema

gramatical de Aristarco e seus contemporacircneos depende da admissatildeo ou natildeo da autenticidade

do tratado DThr pois Dioniacutesio Traacutecio foi pupilo de Aristarco Voltaremos a esta questatildeo na

sequecircncia

150 Tribe (lsquopraacuteticarsquo) eacute o exerciacutecio praacutetico da experiecircncia (Galeno Subf Emp 4825) lsquoExperiecircncia praacuteticarsquo (tribike) eacute o que resulta do uso da lsquotransiccedilatildeo ao similarrsquo ou analogia eacute chamada assim porque demanda muita praacutetica e natildeo pode ser usada simplesmente por qualquer um (Galeno I 69 1 cf Subf Emp 4520 4917) 151 Esta seccedilatildeo segue a exposiccedilatildeo de Pagani 2011

77

Matthaios (apud Pagani 2011 p 57ss) examinou exaustivamente todas as evidecircncias

tradicionalmente ligadas a Aristarco no que concerne agrave doutrina das partes da oraccedilatildeo Com

base em suas conclusotildees152 poderiacuteamos afirmar que de acordo com a tradiccedilatildeo dos

testemunhos Aristarco teria conhecimento de um sistema com oito partes da oraccedilatildeo153 Seria

possiacutevel tambeacutem creditar a Aristarco um aparato conceitual de descriccedilatildeo linguiacutestica que

envolveria um certo grau de abstraccedilatildeo diferenciaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo da doutrina gramatical

O conhecimento de Aristarco no campo gramatical pode ser extraiacutedo de sua

aplicaccedilatildeo de ideias linguiacutesticas agrave criacutetica textual e literaacuteria contudo natildeo eacute possiacutevel restaurar

com seguranccedila suas premissas teoacutericas nem afirmar que Aristarco tenha realmente passado da

observaccedilatildeo empiacuterica para a descriccedilatildeo teoacuterica do fenocircmeno gramatical154

O levantamento de Matthaios permite identificar a influecircncia do pensamento estoico

mas tambeacutem a tradiccedilatildeo aristoteacutelico-peripateacutetica Como sintetiza Pagani (2011 p 60-61)

A evidecircncia que ele [Matthaios] acumulou nos permite ver que a tradiccedilatildeo aristoteacutelico-peripateacutetica teve um efeito notaacutevel na descriccedilatildeo alexandrina da linguagem tambeacutem nos permite supor em contraste com a teoria tradicional de evoluccedilatildeo linear (Platatildeo-Aristoacuteteles gt Estoicos gt Alexandrinos) desenvolvimentos paralelos entre a filologia alexandrina e a filosofia especialmente estoica que em alguns casos exerceram influecircncias muacutetuas entre si (grifos nosso)

A influecircncia estoica teria se intensificado na geraccedilatildeo seguinte agrave de Aristarco em parte devido

agrave secessio doctorum (145 aC) que obrigou diversos estudiosos a abandonarem Alexandria e

estabelecerem-se em Rodes Peacutergamo Atenas e mais tarde em Roma155

Embora haja ainda muito desacordo a respeito da interpretaccedilatildeo do material

relacionado a Aristarco parece-nos que uma posiccedilatildeo moderada pode ser coerentemente

defendida Aristarco e seus contemporacircneos natildeo parecem ter aspirado a uma sistematizaccedilatildeo 152 Ver Pagani 2011 p 58-59 153 A expressatildeo mere logou natildeo aparece nos fragmentos atribuiacutedos a Aristarco ldquoAristarco parece ter usado o termos leksis ao discutir a categoria agrave qual uma palavra pertencia e gramaacuteticos posteriores ainda usaram leksis ao definir classes individuais de palavras Mas os gramaacuteticos natildeo disseram que lsquohaacute oito (ou nove) lekseisrsquo Schenkeveld (1994) 279- 280 acredita que as lsquopartesrsquo dos alexandrinos (Aristoacutefanes e Aristarco) foram na verdade mere lekseos no sentido aristoteacutelico poreacutem eacute preciso enfatizar que Aristoacuteteles inclui tambeacutem outras unidades aleacutem de palavras entre as mere lekseosrdquo Jonge 2006 p 88 n45 Muitas versotildees diferentes da teoria das partes da oraccedilatildeo parecem ter estado em circulaccedilatildeo nos seacuteculos entre Aristarco e Apolocircnio e o nuacutemero canocircnico de oito partes pode ter sido fixado apenas no seacutec II de nossa era Cf Seppaumlnen 2013 p 39 154 Pagani 2011 p 57 n 160 155 Ptolomeu VIII Eveacutergeta atacou e expulsou os intelectuais de Alexandria Dioniacutesio Traacutecio bem como Tiracircnio e Aeacutelio Estilo viveram em Rodes

78

linguiacutestica abrangente nem parecem ter produzido tratados especiacuteficos sobre tais assuntos

Como expressou Ax (apud Pagani 2011 p 42 e 63) eacute quase certo que a gramaacutetica

alexandrina nasce lsquoim Kopfrsquo (na cabeccedila) como base ou instrumento para a compreensatildeo e

interpretaccedilatildeo de textos literaacuterios Mas tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar que algumas

observaccedilotildees de Aristarco sugerem um certo grau de abstraccedilatildeo e pressupotildeem alguma

referecircncia teoacuterica Criacutetica textual e exegese satildeo no entanto as motivaccedilotildees originais das

intervenccedilotildees lsquogramaticaisrsquo sobre os textos156

A principal caracteriacutestica compartida por estes estudiosos eacute de fato o seu vastiacutessimo

conhecimento literaacuterio Vitruacutevio (7 4-7) reporta por exemplo uma competiccedilatildeo de poesia em

Alexandria em que Aristoacutefanes de Bizacircncio teria apontado como ganhador o uacutenico

competidor que natildeo seria um plagiarista O que ele poderia saber de imediato pois conhecia

toda a literatura grega coletada na Biblioteca157

16322 Dioniacutesio Traacutecio

A amplamente discutida autenticidade do tratado DThr eacute considerada uma das

questotildees-chave para a compreensatildeo das origens e primeiros desenvolvimentos da teoria

gramatical no mundo antigo a DThr eacute um manual que conteacutem uma descriccedilatildeo sistemaacutetica da

liacutengua e se realmente for obra de um pupilo de Aristarco atesta uma compreensatildeo de

propriedades gramaticais bastante desenvolvida em sua eacutepoca

A atribuiccedilatildeo do tratado a Dioniacutesio Traacutecio foi posta seriamente em duacutevida pela

primeira vez por Di Benedetto (1958 e 1959) A primeira seccedilatildeo deste tratado aquela da

definiccedilatildeo e das partes da gramaacutetica citada por Sexto em seu tratamento da gramaacutetica (M 1 57

e 250) eacute considerada genuiacutena Eacute certamente um produto alexandrino por enfatizar

interpretaccedilatildeo e criacutetica textual e conter elementos pressupostos por gramaacuteticos como

Asclepiacuteades de Mirleia (seacutec I aC) e Varratildeo (116-27 aC) As seccedilotildees 2 a 4 satildeo defendidas

como autecircnticas por alguns estudiosos Menos numerosos satildeo aqueles que defendem a

autenticidade de 6 a 10 E raros satildeo os que defendem a autenticidade de todo o tratado (1-

20)158

156 Ver Pagani 2011 p 63-64 157 Cf Seppaumlnen 2013 p 35 158 A favor da autenticidade ver Swiggers e Wouters 2002 p 16-17 Outra maneira de olhar a questatildeo eacute ver a DThr como uma ediccedilatildeo final canonizada e lsquomodernizadarsquo do tratado autecircntico de Dioniacutesio Traacutecio Alguns estudiosos sugerem que eacute possiacutevel relacionar muito do material presente no tratado que

79

A seccedilatildeo inicial com a definiccedilatildeo e partes da gramaacutetica eacute seguida pela assim chamada

seccedilatildeo teacutecnica em dezenove pequenos capiacutetulos Satildeo abordados diferentes aspectos da

linguagem leitura acentuaccedilatildeo pontuaccedilatildeo rapsoacutedia elementos (letras e sons) siacutelaba (longa

breve comum) e palavra Os dez uacuteltimos capiacutetulos introduzem as oito partes da oraccedilatildeo nome

verbo particiacutepio artigo pronome preposiccedilatildeo adveacuterbio e conjunccedilatildeo Os termos satildeo

simplesmente listados e acompanhados de muitos exemplos o que poderia apontar para sua

praticidade e finalidade enquanto manual escolar Natildeo aborda a sintaxe tampouco a correccedilatildeo

linguiacutestica

A combinaccedilatildeo de fatores principalmente o testemunho de Apolocircnio Diacutescolo que

atribui a Dioniacutesio opiniotildees diferentes daquelas que aparecem em DThr nos levaria a situar a

DThr na forma que a conhecemos por volta dos seacuteculos III-V de nossa era De forma que

estaria assim natildeo mais na origem mas no fim do desenvolvimento da lsquociecircnciarsquo grega da

linguagem Campo que soacute teria tido iniacutecio sistemaacutetico no seacuteculo I aC com figuras como

Tiracircnio e Asclepiacuteades de Mirleia e atingido seus primeiros estaacutegios de sistematizaccedilatildeo pouco

depois com Trifo e Habro

O nascimento da ciecircncia gramatical no seacuteculo I aC foi hipoteticamente relacionado

por Di Benedetto a fatores como a necessidade de preservar o grego claacutessico contato com a

cultura romana que trouxe consigo confrontaccedilatildeo no niacutevel linguiacutestico e o papel da secessio

doctorum que propiciou entre outros o contato muacutetuo entre retoacuterica e gramaacutetica e pode ter

favorecido o estabelecimento das fronteiras respectivas entre as instruccedilotildees linguiacutesticas do

domiacutenio de uma e outra Pinborg acrescenta a isso a tendecircncia geral do periacuteodo de coletar

observaccedilotildees feitas pelos predecessores em manuais teacutecnicos sistemaacuteticos

A questatildeo da autenticidade da DThr continua polecircmica mas o quadro geral serve

para nos precaver de consideraacute-la prova de que um sistema gramatical evoluiacutedo existia jaacute

entre os primeiros alexandrinos Por outro lado eacute possiacutevel atraveacutes de outras fontes como

afirmarmos acima considerar a existecircncia de alguma teorizaccedilatildeo linguiacutestica neste periacuteodo E

mesmo se a DThr tal como a possuiacutemos natildeo foi integralmente escrita por Dioniacutesio podemos

afirmar que ele escreveu algum tratado cuja(s) seccedilatildeo(otildees) inicial(is) conhecemos A parte

autecircntica natildeo sugere uma exposiccedilatildeo teacutecnica e completa de morfologia ou partes da oraccedilatildeo

mas eacute possiacutevel inferir uma estrutura de alguma forma sistematizada e uma consciecircncia

incipiente da autonomia da disciplina Disciplina que no genuiacuteno espiacuterito alexandrino era

possuiacutemos com conhecimentos que de fato datariam da eacutepoca de Dioniacutesio Cf Seppaumlnen 2013 p 52 e Chapanski 2003 (traduccedilatildeo da DThr em portuguecircs)

80

uma combinaccedilatildeo de estudo linguiacutestico e filoloacutegico direcionada agrave interpretaccedilatildeo de textos

literaacuterios

Em geral deve-se sublinhar a distinccedilatildeo conceitual entre acuacutemulo de observaccedilotildees

linguiacutesticas individuais abundantes desde Aristoacuteteles e o estoicos e a incorporaccedilatildeo destas

observaccedilotildees em um sistema gramatical coerente algo que em geral supotildee-se natildeo ter

ocorrido antes do seacuteculo I aC Os estudiosos alexandrinos dificilmente quiseram estabelecer

um sistema linguiacutestico sua pretensatildeo central era a interpretaccedilatildeo dos poetas Ao fazer isso no

entanto eles ocasionalmente construiacuteram e talvez mesmo descreveram algumas categorias

gramaticais

Naquilo que Apolocircnio Diacutescolo credita a Dioniacutesio Traacutecio pode-se detectar a

influecircncia linguiacutestica da tradiccedilatildeo estoica tambeacutem visiacutevel no que se credita a Tiracircnio que teria

escrito um tratado intitulado Peri merismou ton tou logou meron (lsquoSobre a anaacutelise das partes

da sentenccedilarsquo) O processo de evoluccedilatildeo teria levado a uma primeira codificaccedilatildeo por Trifo

(segunda metade do seacuteculo I aC) (muito citado por Apolocircnio Diacutescolo) que parece ter

rejeitado algumas classificaccedilotildees com vieacutes estoico e estabelecido as bases teoacutericas do sistema

alexandrino Depois de Trifo no entanto esta evoluccedilatildeo teria se prolongado por seacuteculos de

vacilaccedilatildeo e flutuaccedilatildeo ateacute atingir o sistema canocircnico com Apolocircnio Diacutescolo

Algo que fica evidente na histoacuteria desse desenvolvimento que perdura por cerca de 400 anos eacute que o papel desempenhado por Aristarco seus predecessores imediatos e seus contemporacircneos foi decisivo para a codificaccedilatildeo e estabelecimento de conceitos e terminologia concernente ao sistema da linguagem Este sistema foi entatildeo estudado em um niacutevel teoacuterico e gradualmente aperfeiccediloado no curso de uma longa tradiccedilatildeo de erudiccedilatildeo e pesquisa (PAGANI 2011 p 62)

Dioniacutesio define gramaacutetica como empeiria e natildeo tekhne mas veremos que o proacuteprio

Sexto (M 157-63) neutraliza a suposiccedilatildeo de que ele estivesse assim posicionando-se em

relaccedilatildeo a um debate entre empeiria e tekhne e teria considerado os termos equivalentes De

qualquer forma que ele use o termo empeiria poderia talvez refletir alguma influecircncia da

discussatildeo na medicina e talvez enfatizasse o procedimento metodoloacutegico da gramaacutetica com

base no conhecimento empiacuterico Mesmo que Dioniacutesio considerasse tal como parecem ter

considerado os proacuteprios meacutedicos empiacutericos que sua praacutetica era incontestavelmente uma

tekhne Seppaumlnen (2013 p 62) afirma que essa polecircmica eacute um indiacutecio de que a influecircncia da

filosofia particularmente estoica e peripateacutetica comeccedila a se fortalecer a partir da geraccedilatildeo de

Dioniacutesio e entatildeo a oposiccedilatildeo entre os conceitos de empeiria e tekhne se estabelece fazendo

81

com que as geraccedilotildees seguintes os considerem conceitos diferentes e contraditoacuterios De forma

que o fato de Dioniacutesio ter usado aquele termo transforma-se num problema bastante seacuterio para

os comentadores da DThr (Sch DThr 165 16-24 e 448 22-25 por exemplo) que iratildeo

entatildeo considerar imprescindiacutevel justificar e explicar por que ele usou este termo Os

gramaacuteticos posteriores ver-se-atildeo compelidos portanto a lsquoconsertarrsquo o termo de Dioniacutesio em

suas proacuteprias definiccedilotildees de gramaacutetica159

1633 Analogistas x Anomalistas

A historiografia da gramaacutetica antiga moldou-a desde o iniacutecio em uma grande cisatildeo

que teria comeccedilado no seacuteculo II aC entre lsquofiloacutelogosrsquo alexandrinos seguidores de Aristarco

de Samotraacutecia proponentes da tese da lsquoanalogiarsquo ou regularidade linguiacutestica160 e do outro

lado os lsquocriacuteticosrsquo de Peacutergamo seguidores de Crates de Malos que teria atacado a lsquoanalogiarsquo e

argumentado que a linguagem se definia pela lsquoanomaliarsquo

A importacircncia do conflito entre analogistas e anomalistas largamente enfatizada com

base na obra de Varratildeo161 e Aulo Geacutelio162 foi primeiro colocada em perspectiva por Fehling

(1956) Fehling demonstrou que Crates teria simplesmente diminuiacutedo o papel da analogia

como criteacuterio do hellenismos (lsquocorreccedilatildeo linguiacutesticarsquo) e colocado sunetheia (lsquouso comumrsquo) em

seu lugar de forma que um tal conflito entre analogistas x anomalistas natildeo teria sequer

159 Como afirmou Seppaumlnen 2013 p 64 o debate sobre o status epistemoloacutegico das artes parece nunca ter ficado fora de moda Assim Filodemo usaraacute profiacutecua e fluentemente o vocabulaacuterio empiacuterico no seacutec I E Galeno (Subf Emp 88 18ss) diraacute que uma medicina estritamente empiacuterica conforma-se totalmente ao tiacutetulo de tekhne Dioniacutesio de Halicarnasso (c 60-7 aC) (Thuc 27) pensa que um criteacuterio irracional de valoraccedilatildeo esteacutetica julga o encanto da literatura mas um criteacuterio racional julga suas qualidades teacutecnicas Natildeo eacute a toa que a ambiguidade da natureza das artes provocara criacuteticas como a de Sexto Empiacuterico que se constroacutei com base no argumento de que os gramaacuteticos natildeo tecircm a miacutenima ideia do que estatildeo fazendo 160 Siebenborn (apud Seppaumlnen 2013 p 69) listou trecircs tipos de uso para a analogia gramatical 1) a simples comparaccedilatildeo de duas palavras nos casos em que haacute incertezas em relaccedilatildeo agrave ortografia prosoacutedia som ou flexatildeo 2) a analogia flexional e derivacional que na praacutetica eacute a compraccedilatildeo de ao menos dois itens lexicais baacutesicos e duas formas flexionadas ou derivadas (ktesis ndash ktasthai e kresis ndash krasthai por exemplo) que eacute a versatildeo extendida do primeiro tipo de analogia 3) Consultar kanones (lsquoregrasrsquo) que satildeo elaborados com base na mencionada analogia de quatro membros em casos em que um acidente gramatical natildeo estaacute claro (ortografia prosoacutedia ou flexatildeo) Tais procedimentos analoacutegicos satildeo mesmo utilizados como paracircmetro para se estabelecer a linha evolutiva da arte gramatical na Antiguidade Ver Pagani 2011 p 38ss 161 De Lingua Latina livros 8 e 9 especialmente 9 1 ver adiante 162 Noct Att 225 I-II especialmente 4 ldquoDois gramaacuteticos famosos Aristarco e Crates altamente experientes defenderam respectivamente analogia e anomaliardquo Fehling argumentou que esta passagem em Aulo Geacutelio eacute totalmente dependente daquela de Varratildeo (cf Blank 2005 p 211)

82

existido A questatildeo aqui entenda-se natildeo eacute demonstrar que natildeo existiu um debate acerca do

papel da analogia e da anomalia em relaccedilatildeo agrave elaboraccedilatildeo da metodologia lsquogramaticalrsquo este

debate certamente existiu mas que natildeo existiram lsquogramaacuteticos anomalistasrsquo no sentido de tais

gramaacuteticos teriam contraposto ao meacutetodo analogista um lsquomeacutetodo anomalistarsquo163 No De

Lingua Latina que foi usado como fonte principal para estabelecer este debate Varratildeo

estaria na verdade lidando com duas visotildees acerca da linguagem e natildeo do meacutetodo

gramatical Uma dessas visotildees seria que a linguagem eacute regulada por regras e teoria essa seria

propriamente a visatildeo dos gramaacuteticos em conjunto A outra visatildeo sobre a linguagem por sua

vez seria a de que falar sobre ela demanda somente a observaccedilatildeo do uso comum uma visatildeo

empiacuterica da linguagem O argumento diria respeito agrave abordagem do lsquofenocircmeno linguiacutesticorsquo de

um ponto de vista racionalista (gramatical) ou empirista

De um lado estariam os gramaacuteticos cujos estudos culminam na obra de Apolocircnio

Diacutescolo Apolocircnio sustenta que observaccedilotildees do uso linguiacutestico devem ser julgadas de acordo

com uma compreensatildeo teoacuterica do sistema linguiacutestico Para ele a existecircncia de um sistema

linguiacutestico garantiria nossa habilidade de julgar o que eacute correto e incorreto na linguagem

Jaacute que tais construccedilotildees como essas satildeo tatildeo oacutebvias algumas pessoas iratildeo pensar que podem observar a sintaxe correta mesmo se natildeo compreendem a razatildeo que haacute por traacutes dela Iratildeo experienciar algo similar agravequelas pessoas que aprendem as formas das palavras apenas a partir da experiecircncia mas natildeo a partir do poder explicativo do uso comprovado dos gregos e a analogia concomitante O que acontece com eles eacute que se eles erram em alguma forma natildeo estatildeo aptos a corrigir seu erro por causa da ignoracircncia que se origina da sua praacutetica (Sintaxe I 60 p 51 Iss Uhlig apud Blank p xxxv)

A criacutetica de Apolocircnio aqui parece ter por alvo algueacutem com uma visatildeo muito similar agrave que

Sexto iraacute elogiar em seu ataque agrave lsquoarte da correccedilatildeorsquo (M I 189ss) ou seja algueacutem com uma

espeacutecie de proposta lsquoempiacutericarsquo para a gramaacutetica que tenha defendido que o necessaacuterio para a

correccedilatildeo linguiacutestica pode ser alcanccedilado apenas atraveacutes da observaccedilatildeo do uso comum

Em sua contribuiccedilatildeo para esclarecer a questatildeo da suposta polecircmica analogistas x

anomalistas Blank (1994 p 151-153) argumentou que Crates natildeo poderia ser a fonte da

maioria dos argumentos contra a analogia presentes no livro 8 do De Lingua Latina de

Varratildeo164 tampouco seria ele a fonte do ataque de Sexto agrave lsquoarte da analogiarsquo165 O pesquisador

163 Cf Blank 2005 p 211 164 Varratildeo organizou seu De Lingua Latina da seguinte forma dividindo a lsquorazatildeo linguiacutesticarsquo (ratio) em lsquoimposiccedilatildeorsquo lsquoflexatildeorsquo e lsquocombinaccedilatildeorsquo escreveu para cada um dos dois primeiros toacutepicos quais sejam lsquoimposiccedilatildeorsquoestudo da etimologia e lsquoflexatildeorsquo estudo da analogia na flexatildeo-derivaccedilatildeo seis livros ndash os trecircs primeiros abordando a disciplina ela mesma (um com argumentos contra a disciplina outro

83

assevera (p xxxvi ss) que a fonte de Varratildeo seria um empiacuterico um epicurista ou um ceacutetico

que teria usado as posiccedilotildees de Aristarco e Crates por consideraacute-los igualmente gramaacuteticos e

colegas um do outro para montar um argumento a partir do desacordo (diaphonia) O

argumento seria se os representantes da analogia discordam na sua aplicaccedilatildeo entatildeo a

analogia eacute inuacutetil Pois diferente dos criteacuterios de antiguidade autoridade e uso a analogia (e

tambeacutem a etimologia) depende de uma teoria da linguagem sua aplicaccedilatildeo portanto pode

facilmente resultar em um conflito entre a forma teoricamente postulada como correta e

aquela que eacute comumente aceita166

A atitude lsquoempiacutericarsquo em prol da observaccedilatildeo do uso natildeo seria dessa forma a de um

lsquogramaacuteticorsquo nenhum deles muito menos um do porte de Crates O conflito descrito por

Varratildeo teria a mesma caracteriacutestica daquele que aparece em Sexto167 Ou seja nas palavras de

Blank (2005 p 212)

Um debate acerca da lsquotecnicidadersquo da gramaacutetica incluindo o status epistemoloacutegico de suas regras e sua utilidade para a vida O lado analogista era teacutecnico e racionalista sustentando que a linguagem era um sistema racional ordenado que poderia ser descrito e compreendido atraveacutes de regras precisas que levariam agrave soluccedilatildeo de questotildees que poderiam surgir no curso da leitura escrita e interpretaccedilatildeo O lado empiacuterico teria argumentado que nenhuma arte complexa da gramaacutetica poderia existir que as regras da gramaacutetica teacutecnica eram incoerentes e que tudo que eacute necessaacuterio eacute a habilidade de observar o uso comum e moldar sua praacutetica linguiacutestica de acordo com ele

com argumentos a favor da disciplina e o terceiro com sua exposiccedilatildeo) os outros trecircs livros satildeo acerca das aplicaccedilotildees da disciplina Provavelmente teria seguido o mesmo modelo na parte sobre a lsquocombinaccedilatildeorsquo sintaxe poreacutem com o dobro da extensatildeo somando os vinte e cinco livros totais Possuiacutemos os livros 5-10 em um manuscrito algo corrompido do seacuteculo onze e passagens que aparecem citadas em obras de outros pensadores Por muito tempo sugeriu-se que a fonte do primeiro livro sobre a flexatildeo o livro 8 com argumentos contra a existecircncia e adequabilidade de analogias na flexatildeo teria sido tomado agrave obra de Crates de Malos que foi por isso considerado um anti-analogista ou um lsquoanomalistarsquo Cf Blank 2005 Veremos na sequecircncia da exposiccedilatildeo argumentos que sugerem que esta leitura estaacute equivocada Fehling (apud Blank 2005 p 214) teria inclusive ironizado que apenas a perda dos livros 2-4 evitou que os historiadores da linguiacutestica postulassem um debate que teria se arrastado por mil anos entre lsquoEtymologistenrsquo und ndash wie soll ich sagen ndash lsquoAnti-Etymologistenrsquo (Etimologistas e ndash como deveria dizer ndash Anti-Etimologistas) 165 Sexto em M 1 176 diz que a correccedilatildeo a que se opotildee procede da analogia mas ele tambeacutem se refere diretamente agrave correccedilatildeo (hellenismos) como lsquoa arte da analogiarsquo (M 1 214 cf 179 e 199) 166 Ver Blank 2005 p 215 167 Aleacutem de outras sugerimos comparar entre o livro 8 do De Lingua Latina e o Contra os Gramaacuteticos respectivamente as passagens (27) e (50 176 191-3) (33) e (177-9) (34) e (237) (37-8) e (224-5)

84

A par da famosa passagem geral no livro 9 do De Lingua Latina de Varratildeo que

introduz o argumento do analogista onde Crates eacute acusado de interpretar de forma

equivocada tanto o uso de lsquoanomaliarsquo por Criacutesipo quanto as intenccedilotildees de Aristarco ao

defender a lsquoanalogiarsquo (91)168 ndash passagem em que infelizmente natildeo fica claro qual era a

posiccedilatildeo de Crates169 ‒ Crates eacute citado por Varratildeo apenas em relaccedilatildeo a dois outros pontos O

primeiro estaacute relacionado agrave universalidade da analogia da declinaccedilatildeo nominal e o outro

envolve regras de definiccedilatildeo das classes de nomes dentro das quais deveriam aparecer as

mesmas formas para os casos Blank (p xxxvii) acredita que Crates e Aristarco satildeo citados

por terem divergido acerca do criteacuterio da analogia nominal e a fonte de Varratildeo teria usado o

desacordo entre eles para desacreditar seu projeto comum ldquoambas as menccedilotildees a Crates podem

ser interpretadas da mesma forma Crates diz que certas palavras satildeo similares e deveriam

declinar de forma anaacuteloga Aristarco teria contestado negando que tais palavras fossem

similares portanto a analogia natildeo deveria ser aplicada entre elasrdquo (BLANK 2005 p 232)170

Para reforccedilar sua tese de que os argumentos apresentados por Varratildeo natildeo provecircm de

um suposto projeto dogmaacutetico que pretende destruir a analogia e provar que a anomalia

deveria ser o princiacutepio diretriz de nosso comportamento ou praacutetica linguiacutestica171 Blank (p

xxxviii) enfatiza as seguintes passagens

168 ldquoFamoso erro eacute o daqueles que preferem ensinar o que natildeo sabem a aprender o que desconhecem neste erro caiu Crates um nobre gramaacutetico apoiado em Criacutesipo homem muito engenhoso que deixou trecircs livros lsquoSobre Anomaliasrsquo se pocircs contra a analogia e contra Aristarco mas como indicam seus escritos parece natildeo ter compreendido a intenccedilatildeo de nenhum deles Pois Criacutesipo quando escreve sobre a desigualdade nos discursos tem o propoacutesito de mostrar que coisas parecidas satildeo denotadas por palavras diferentes e que coisas diferentes satildeo denotadas por vocaacutebulos parecidos o que eacute verdade e Aristarco quando escreve sobre a regularidade [nos discursos] ordena seguir certa semelhanccedila das palavras na sua mudanccedila como permite o usordquo (Trad Valenza 2010 com alteraccedilotildees) 169 ldquoParece que Crates de alguma forma usou a lsquodescobertarsquo de Criacutesipo de uma correspondecircncia imperfeita entre expressatildeo e significado (lsquoanomaliarsquo) contra os argumentos de Aristarco a favor da regularidade (lsquoanalogiarsquo) na flexatildeo e derivaccedilatildeo - desde que formas teoricamente corretas natildeo estivessem em conflito com formas estabelecidas pelo uso Talvez Crates estivesse simplesmente se referindo aos trecircs livros de Criacutesipo sobre a anomalia como se aiacute estivesse estabelecido que o papel da razatildeo em questotildees linguiacutesticas morfoloacutegicas e semacircnticas era limitadordquo Blank p xxxvi A sugestatildeo eacute que Varratildeo pode natildeo ter percebido que Crates natildeo era na verdade um protagonista no debate mas que teria sido citado como um exemplo Ver Blank 2005 p 211 170 Sobre uma anaacutelise dos criteacuterios para a similaridade ver Siebenborn 1976 A interpretaccedilatildeo de Blank (2005) seguindo os argumentos de Fehling eacute que Crates na verdade seria um proponente da extensatildeo do criteacuterio do uso comum pois formas similares natildeo se comportam de forma anaacuteloga enquanto Aristarco diria que as formas supostas natildeo eram similares portanto natildeo iriacuteamos mesmo encontrar analogia entre elas 171 Vale a pena ressaltar que a par do tratado de Criacutesipo que possui outro vieacutes natildeo haacute qualquer menccedilatildeo agrave existecircncia de um tratado lsquogramaticalrsquo cujo tiacutetulo remeta agrave lsquoanomaliarsquo tal como estatildeo atestados vaacuterios sobre o lsquohelenismorsquo lsquolatinidadersquo e lsquoanalogiarsquo Cf Blank 2005 p 215 n 19

85

Em diversos momentos a fonte de Varratildeo mostra sua cara Um eacute a caracterizaccedilatildeo da regra de Aristarco sobre o vocativo como lsquovergonhosarsquo (impudenter) junto com a espirituosa referecircncia aos gecircmeos cocircmicos (841-42 e 9 43)172 Outro eacute o argumento se a analogia estaacute no discurso estaacute ou em parte dele ou em todo ele natildeo estaacute em todo ele e estando somente em parte dele natildeo eacute suficiente ‒ tal como natildeo eacute suficiente ter os dentes brancos para um etiacuteope ser branco logo natildeo haacute analogia no discurso (8 38) Esta eacute claramente uma versatildeo (ligeiramente truncada) de um argumento ceacutetico tal como o proacuteximo ponto (em que se fala dos gecircmeos) Jaacute que aqueles que satildeo a favor das analogias estatildeo confusos sobre onde deve ser encontrada a similaridade (se na forma ou no significado das palavras) e sobre como estabelecer sua ausecircncia ou presenccedila entatildeo eles natildeo possuem qualquer autoridade ou competecircncia nestas mateacuterias e natildeo se deve segui-los (839) A mesma conclusatildeo se repete ao fim desta seccedilatildeo lsquoEntatildeo jaacute que eles natildeo sabem como a similaridade deve ser entendida eles natildeo estatildeo aptos a falar sobre analogiarsquo (843) Note que cada um destes pontos foi colocado para mostrar que lsquonatildeo haacute analogia no discursorsquo ou que lsquonatildeo devemos seguir a regularidadersquo (por exemplo 833 35 37 38)173

Aleacutem disso e sustentando a hipoacutetese de que Crates e Aristarco foram criticados por sua

divergecircncia em relaccedilatildeo agrave aplicaccedilatildeo do criteacuterio da analogia dentro de um projeto comum de

meacutetodo gramatical ao final do livro 9 do De Lingua Latina temos aparentemente a resposta

a um argumento padratildeo construiacutedo com base na diaphonia

Sobre o uacuteltimo ponto no livro precedente de que a analogia natildeo existe porque aqueles que escreveram sobre ela natildeo estatildeo de acordo uns com os outros ou porque aquilo em que concordam natildeo estaacute de acordo com o uso comum (consuetudo) ambos os pontos ltsatildeo insignificantesgt Pois se assim fosse deveriacuteamos rejeitar todas as artes jaacute que os escritores discordam na medicina na muacutesica e em muitas outras artes O mesmo eacute verdade para os pontos em que os escritores concordam se a natureza (natura) nega estes pontos natildeo se deveria culpar a arte mas o lsquoartistarsquo‒ deveriacuteamos dizer que ele natildeo revelou a verdade em seus escritos natildeo que a verdade natildeo pode ser descrita Pois assim como algueacutem diz [no ablativo] monti e fonti enquanto outros dizem monte e fonte e outras palavras que tambeacutem satildeo ditas de dois modos se um modo eacute verdadeiro e outro falso natildeo eacute o caso de que a analogia vai ser destruiacuteda por aquele que erra enquanto aquele que fala corretamente a afirma Mas assim como aquele que erra nestas palavras quando elas possuem duas maneiras de ser ditas natildeo destroacutei a racionalidade por seguir o que eacute falso assim tambeacutem ocorre com aquelas que natildeo satildeo ditas de dois modos se algueacutem pensa que elas satildeo ditas diferentemente de como

172 Aristarco teria insistido que para se estabelecer uma classe de nomes similares a similaridade no nominativo deveria ser reforccedilada pela similaridade no vocativo Varratildeo afirma que este procedimento eacute tatildeo tolo quanto insistir em comparar os filhos dos gecircmeos de Menecmo (uma comeacutedia de Plauto) antes de se admitir que os gecircmeos seriam eles mesmos idecircnticos (nota nossa) 173 Para um argumentaccedilatildeo mais detalhada ver Blank 2005 p 223 ss

86

devem ser natildeo destroacutei a ciecircncia do discurso mas expotildee sua proacutepria falta de conhecimento cientiacutefico (De Lingua Latina 9 111-112) (traduccedilatildeo nossa)174

A resposta de Varratildeo comprovaria que ele estaacute se referindo a um argumento geral do

desacordo aplicado agrave gramaacutetica o qual encontra em Aristarco e Crates evidecircncia de dois

eminentes gramaacuteticos discordando acerca da extensatildeo da analogia e de como suas regras

deveriam ser formuladas e aplicadas De fato dificilmente poderiacuteamos sustentar que as

atitudes que Varratildeo atribui em geral a seu lsquoanti-analogistarsquo seriam caracteriacutesticas de Crates

tais como sustentar que o uso eacute tudo que eacute necessaacuterio para falar corretamente que claridade e

brevidade satildeo as uacutenicas virtudes do discurso que eacute inuacutetil e prejudicial seguir investigando

acerca de questotildees linguiacutesticas uma vez que jaacute tivermos adaptado nosso uso ao uso linguiacutestico

da comunidade e que o criteacuterio racional para a analogia e etimologia deveria ser rejeitado se

algueacutem quisesse falar corretamente175

Talvez isso natildeo seja suficiente para identificar a fonte de Varratildeo como um epicurista

mas possuiacutemos outro relato independente de um ataque epicurista ao helenismo como arte da

correccedilatildeo linguiacutestica No quarto livro de sua Retoacuterica (PHerc 1423 cols I ss) Filodemo

inclui uma discussatildeo do estilo (leksis) na qual os lsquosofistasrsquo ou retoacutericos satildeo criticados por

estabelecerem regras (thematizein) arbitraacuterias do estilo que eles natildeo seguem de verdade e que

satildeo em todo caso desnecessaacuterias em vista do fato de que haacute apenas um modo naturalmente

bom de falar (heis phusikos kalos logos col 7 7-8) ou seja o estilo claro e simples Um dos

toacutepicos mencionados eacute o lsquohelenismorsquo o uso correto do grego (II 412-13)

Agora em relaccedilatildeo ao estilo grego (he Hellenike hermeneia) que alguns dizem consistir em manter as particularidades dos vaacuterios dialetos (tas ethnikas te phulattein idiotetas) e evitar solecismo e barbarismo (alguns referem-se agrave natildeo observaccedilatildeo de particularidades eacutetnicas como lsquosolecismorsquo outros pensam que falar de uma maneira distinta do uso comum em relaccedilatildeo agrave aspiraccedilatildeo natildeo aspiraccedilatildeo ou nos acentos eacute lsquobarbarismorsquo) neste momento natildeo eacute oportuno acrescentar nada basta dizer que os sofistas fizeram o levantamento de muitos solecismos em todos os livros ndash de qualquer forma coloquei este capiacutetulo mais adiante Mesmo assim esse tipo de estilo natildeo possui uma arte tal como eles reivindicam e tal como muitos elaboraram para outros estudos (apud Blank p xl)

Eacute o mesmo que afirma Sexto natildeo haacute uma tekhne relativa ao helenismo (M 1 179 180 193)

174 Ver Blank xxxviii e Blank 2005 p 233-234 Comparar a passagem citada com M 1 170 173 178 e 195 175 Blank 2005 p 221-222

87

Eacute difiacutecil dizer quatildeo confiacuteavel eacute o testemunho de Maximus Planudes quando ele diz

que Epicuro afirmou que ldquoa natureza eacute quem corrige os discursos e natildeo a arterdquo ndash mas este

testemunho estaria de acordo com o panorama do qual damos mais informaccedilotildees na

sequecircncia176

16331 Gramaacutetica Empiacuterica

Eacute preciso ainda esclarecer alguns pontos acerca da seccedilatildeo anterior Diferente do que

foi de fato o caso com a arte meacutedica natildeo houve uma lsquoescola empiacuterica de gramaacuteticarsquo Os

argumentos que supotildeem uma visatildeo empiacuterica da correccedilatildeo linguiacutestica satildeo oriundos de um

ambiente de disputas filosoacuteficas interconectadas com a tradiccedilatildeo dessas discussotildees na

medicina177 Eacute justo afirmar que tais argumentos provavelmente teriam exercido certa

influecircncia sobre a praacutetica de alguns gramaacuteticos no entanto eles concernem agrave lsquonatildeo-existecircnciarsquo

e inutilidade da arte gramatical in totum Ou seja eles visam a tekhne grammatike enquanto

tekhne A habilidade gramatical que pode ser lsquodefendidarsquo eacute a lsquonatildeo-gramaacuteticarsquo ie a

lsquogramatiacutesticarsquo A discussatildeo dentro do ambiente gramatical acerca de seu status como tekhne

ou empeiria em nenhum momento sugere que fossem totalmente descartados os criteacuterios

racionais mas somente discute as limitaccedilotildees de sua aplicaccedilatildeo178

Poderiacuteamos mesmo sustentar que a observaccedilatildeo do uso comum ou do uso de autores

consagrados deveria ser a base de qualquer projeto que versasse a boa expressatildeo escrita ou

falada E a observaccedilatildeo do uso eacute realmente a base da gramaacutetica ou filologia antiga O que estaacute

em jogo de acordo com a leitura que estamos defendendo aqui diz respeito na verdade agrave

compreensatildeo ou pretensatildeo de gramaacuteticos e filoacutelogos de que o que eles praticam eacute uma arte

ou ciecircncia (tekhne) um conhecimento sistemaacutetico e universal Tal que faria parte do seu

sistema regras e uma metodologia de aplicaccedilatildeo por meio das quais todos ou quase todos os

casos ou problemas poderiam ser regulados logo neste caso a observaccedilatildeo do uso natildeo seria

suficiente Natildeo temos qualquer indiacutecio de que tenha havido uma corrente ou escola gramatical

176 Blank p xl 177 ldquoEnquanto houve claramente divergecircncias entre os gramaacuteticos sobre o modo em que as regras e criteacuterios gramaticais deveriam ser empregados os empiacutericos evidentemente natildeo foram gramaacuteticos antes devemos contaacute-los entre epicuristas ceacuteticos pirrocircnicos e provavelmente acadecircmicosrdquo Blank 2005 p 215 178 Por exemplo Sch DThr [Vat] 165 166ss ver Blank 2005 p 217

88

baseada somente em princiacutepios empiacutericos observaccedilatildeo do uso pesquisa em fontes anteriores

e transiccedilatildeo ao similar e que desprezasse um meacutetodo racionalista179

17 CONTRA OS GRAMAacuteTICOS

Sexto afirma no princiacutepio da lsquoIntroduccedilatildeorsquo ao Contra os Professores (M 11-7) que

tanto epicuristas quanto pirrocircnicos propuseram ainda que por motivos diferentes180 contra-

argumentos aos especialistas nas tekhnai Ele como pirrocircnico diz que iraacute tentar lsquosem espiacuterito

de rivalidadersquo (khoris philoneikias) escolher e expor os argumentos que lsquoefetivamentersquo

(pragmatikos) depotildeem contra as disciplinas Tudo indica que esteja afirmando que iraacute

incorporar argumentos ceacuteticos ou epicuristas evitando uma postura dogmaacutetica (tanto por natildeo

descartar os argumentos dogmaacuteticos a priori quanto no enquadramento que lhes confere)

A argumentaccedilatildeo de Sexto contra os elementos do ensino em sua lsquoIntroduccedilatildeorsquo eacute

como mencionamos antes tipicamente ceacutetica e encontra paralelo em outras obras sextianas

(PH 3 250 ss M 11 168 ss) Por outro lado o ataque especiacutefico a cada arte conteacutem muito

material de origem epicurista e embora Sexto realmente se aproprie deste material por vezes

ele faz questatildeo de distinguir sua procedecircncia Tais distinccedilotildees satildeo feitas geralmente quando

os argumentos se assentam sobre premissas dogmaacuteticas ou quando violam o espiacuterico ceacutetico

como por exemplo quando os argumentos contra a gramaacutetica satildeo direcionados em primeiro

lugar contra a proacutepria poesia pois os pirrocircnicos se recusam a atacar a poesia (M 1 278 299)

Muitos argumentos revelam supomos um vieacutes epicurista mas Sexto natildeo os diferencia o que

poderia sugerir que estes argumentos natildeo violam o espiacuterito ceacutetico ou estatildeo mesmo de acordo

com ele181

Um exemplo muito claro da alternacircncia de Sexto entre argumentos ceacuteticos e

epicuristas e o uso desta alternacircncia como um princiacutepio estrutural eacute o sexto e uacuteltimo livro

Contra os Muacutesicos Sexto adverte (M 6 4-6) que lsquotal como no caso da gramaacuteticarsquo o primeiro

179 Blank 2005 p 216 ldquoVer Herodiano que diz (90918 Lentz) lsquosejam as palavras raras ou comuns seratildeo conhecidas pela analogia que produz prediccedilotildees sobre qualquer palavra grega e com sua arte conteacutem como uma rede a muacuteltipla expressatildeo da linguagem humanarsquordquo 180 Sexto caracteriza a gramaacutetica alvo de seu ataque como aquela que se ocupa da natureza de sons e letras Epicuro que possuiacutea suas proacuteprias teorias acerca da natureza e invenccedilatildeo da linguagem (Carta a Heroacutedoto 37-8 75-6) natildeo deve ter atacado a gramaacutetica com base nisso O ataque epicurista eacute a princiacutepio motivado pela pretensatildeo das artes de equiparar-se agrave filosofia Ver Blank 1995 p 184-185 Sobre as ideias de Epicuro acerca da origem da linguagem ver o artigo bastante completo de Verlinsky 2005 181 Blank xliv

89

tipo de ataque agrave teoria musical eacute feito de forma lsquobastante dogmaacuteticarsquo Tal polecircmica ver-se-aacute

eacute epicurista o estudo da teoria musical natildeo contribui para a felicidade e eacute na verdade

prejudicial Os argumentos desta seccedilatildeo (7-37) apresentam inclusive semelhanccedilas verbais

com o tratado do epicurista Filodemo de Gaacutedara Sobre a Muacutesica182 A segunda polecircmica no

entanto eacute pirrocircnica a lsquodestruiccedilatildeo da muacutesicarsquo resultaraacute das aporias ceacuteticas direcionadas a suas

hipoacuteteses teoacutericas fundamentais e depende do que Sexto chama de uma investigaccedilatildeo lsquomais

efetivarsquo (pragmatikotera) mais relacionada agrave teoria musical ela proacutepria que aos efeitos da

muacutesica (38) Sexto ataca melodia e ritmo a partir das noccedilotildees de som tom e ritmo usando

argumentos contra intervalos alto baixo e homoacutefono dissonante e consonate tons longos e

curtos e tempo ndash jaacute utilizados em M 10 169-247 Com tais argumentos lsquoefetivosrsquo

(pragmatikos) dirigidos contra os princiacutepios da muacutesica (68) Sexto daacute por encerrada sua

exposiccedilatildeo contra as disciplinas183

A afirmaccedilatildeo de Sexto de que haacute dois tipos de polecircmica (M 6 4-6) dogmaacutetica e

aporeacutetica tais que se revelam epicurista e ceacutetica lsquocomo foi o caso com a gramaacuteticarsquo reitera a

divisatildeo em argumentos ceacuteticos e epicuristas como um princiacutepio estrutural seguido tambeacutem no

Contra os Gramaacuteticos Assim uma longa seccedilatildeo de M 1 eacute atribuiacuteda por Sexto a lsquooutros

especialmente os epicuristasrsquo (M 1 299) Esta seccedilatildeo (277-298) conteacutem a primeira parte do

ataque de Sexto agrave parte da gramaacutetica que trata dos poetas Na sequecircncia o ataque segue uma

orientaccedilatildeo diferente (299-320) Sexto natildeo critica a poesia ela mesma seu alvo eacute a ignoracircncia

dos gramaacuteticos acerca tanto das palavras usadas na poesia como de seus significados Esta

segunda parte do ataque Sexto descreve como uma refutaccedilatildeo ceacutetica (299) As seccedilotildees se

dividem da maneira jaacute indicada por Sexto a reacuteplica epicurista contesta a utilidade da poesia e

da poeacutetica para a lsquofelicidadersquo o ataque ceacutetico por sua vez mira nos princiacutepios fundamentais e

nos teoremas do gramaacutetico A contra-argumentaccedilatildeo de vieacutes epicurista segue ponto por ponto

os argumentos que foram antes mencionados em defesa da utilidade desta parte da gramaacutetica

(270-6)

O padratildeo geral de Sexto eacute a exposiccedilatildeo da posiccedilatildeo sustentada pelos gramaacuteticos

acerca de uma determinada questatildeo seguida pela criacutetica desta posiccedilatildeo O mesmo padratildeo que

segue no Contra os Muacutesicos Seu livro mimetiza a estrutura de um tratado gramatical

definiccedilatildeo de gramaacutetica divisatildeo em partes discussatildeo de cada uma das partes Tal como

apontou Blank (p xlv) transparece na estrutura da argumentaccedilatildeo que o tratado subjacente agrave

182 Sobre isso e sobre o Contra os Muacutesicos em geral ver Roeder 2013 183 Cf Blank xlii-xliv

90

criacutetica poderia ser aquele de Asclepiacuteades de Mirleia Este gramaacutetico eacute citado (47) para a

etimologia da palavra lsquogramaacuteticarsquo a partir de gramma no sentido de lsquoobra literaacuteriarsquo De

acordo com Asclepiacuteades o domiacutenio da lsquogramaacuteticarsquo eacute a literatura184 Tambeacutem eacute sua a definiccedilatildeo

de gramaacutetica que critica aquela dada por Dioniacutesio Traacutecio e pretende aprimoraacute-la (72-75) A

divisatildeo da gramaacutetica em trecircs partes lsquohistoacuterica teacutecnica e especialrsquo (91) escolhida por Sexto

como ponto de partida para sua discussatildeo parece ser uma adaptaccedilatildeo da triparticcedilatildeo de

Asclepiacuteades em lsquoteacutecnica histoacuterica e gramaticalrsquo citada em sect 252 Aleacutem disso Sexto usa

como base para sua criacutetica da lsquoparte histoacutericarsquo a descriccedilatildeo e estruturaccedilatildeo atribuiacuteda a

Asclepiacuteades (252) Com isso poderiacuteamos inferir que o tratado de Asclepiacuteades seria em

uacuteltima anaacutelise a origem das seccedilotildees de M 1 que expotildeem a tekhne gramatical185

Asclepiacuteades foi famoso na Antiguidade por seu tratado acerca da taccedila de Nestor

(Iliacuteada 11 632 ss) interpretando-a como uma representaccedilatildeo da esfera celestial186 Com base

neste livro que critica Dioniacutesio Traacutecio e outros alexandrinos e em sua teoria da esfera

celestial Asclepiacuteades foi associado a Crates de Malos e agrave Escola de Peacutergamo Mas ele teria

tambeacutem criticado Crates Suas pesquisas sobre astronomia transparecem em sua obra Sobre a

Esfera Baacuterbara onde explica mitos associados agraves figuras zodiacais Escreveu sobre a Iliacuteada e

a Odisseia tal como provavelmente todos os gramaacuteticos heleniacutesticos antes dele talvez tenha

escrito tambeacutem sobre Piacutendaro e Teoacutecrito e em todos os seus livros parece ter citado muita

poesia heleniacutestica Asclepiacuteades tambeacutem escreveu dez ou mais livros sobre a Bitiacutenia (seu paiacutes

de origem) explicando mitos e lendas dessa aacuterea e um Guia dos Povos da Turdetacircnia que

foi usado por Estrabatildeo uma revisatildeo da histoacuteria miacutetica das relaccedilotildees hispano-grecas

Finalmente ele eacute o autor do livro Sobre Gramaacutetica cujo tiacutetulo eacute citado por Sexto em sect 252

presumivelmente tambeacutem o lugar de onde proveacutem as outras citaccedilotildees sect 47 e sect 91 Tal livro

parece ter sido utilizado tambeacutem por Quintiliano em De Oratore e com base nas passagens

184 Tal reivindicaccedilatildeo de Asclepiacuteades por um lado reafirma o status da gramaacutetica lsquocompletarsquo frente agravequela lsquomenorrsquo a lsquogramatiacutesticarsquo que teria mesmo perdido o direito de chamar-se lsquogramaacuteticarsquo mas por outro lado talvez ele estivesse reagindo agrave especializaccedilatildeo da gramaacutetica lsquoteacutecnicarsquo que conforme indicamos no relato histoacuterico do desenvolvimento da gramaacutetica comeccedila a despontar como campo independente da lsquofilologiarsquo por volta da eacutepoca em que Asclepiacuteades teria atuado comeccedilo do seacuteculo I aC Sexto no entanto natildeo faz qualquer menccedilatildeo de que a gramaacutetica pudesse ser entendida como estando desvinculada do estudo da literatura Di Benedetto (p 399) aponta a definiccedilatildeo de Asclepiacuteades em polecircmica com a de Dioniacutesio Traacutecio como indiacutecio de que neste momento depois de Dioniacutesio a gramaacutetica teacutecnica desponta como estudo especializado ainda vinculado agrave filologia mas doravante seguindo um desenvolvimento proacuteprio 185 Blank p xlv 186 Sobre Asclepiacuteades ver Pagani 2007

91

similares em Sexto e Quintiliano e em menor medida em Dioniacutesio de Halicarnasso pode-se

ter uma ideia de seu conteuacutedo

Sexto no entanto natildeo parece ter utilizado diretamente o tratado de Asclepiacuteades As

exposiccedilotildees das partes de seu sistema gramatical estatildeo em geral conectadas a refutaccedilotildees de

vieacutes epicurista com isso tanto exposiccedilatildeo quanto refutaccedilatildeo foram provavelmente retiradas de

uma mesma fonte Com base nisso poderiacuteamos concluir tal como faz Blank (p xlvii) que a

fonte de Sexto seria um tratado epicurista que critica e ataca o Sobre a Gramaacutetica de

Asclepiacuteades

Cada um dos toacutepicos apresenta excertos de maior ou menor extensatildeo provenientes

iraacute afirmar Blank (ibidem) da obra de Asclepiacuteades seguidos ou imediatamente ou depois de

uma exposiccedilatildeo completa por uma refutaccedilatildeo que visa demonstrar que a gramaacutetica natildeo eacute uma

tekhne e natildeo eacute uacutetil Esta teacutecnica de excerto e criacutetica eacute comum agraves obras de Filodemo Sobre os

poemas Sobre a muacutesica e Sobre a retoacuterica Natildeo temos conhecimento de nenhuma obra de

Filodemo acerca da gramaacutetica mas eacute plausiacutevel que a fonte de Sexto fosse algum tratado como

os de Filodemo ou de seu mestre Zenatildeo de Siacutedon (c 150-75 aC) que eacute conhecido por ter

usado um formato similar em suas obras Filodemo (PHerc 1005 col 10 9-21 = fr 12

Angeli-Colaizzo apud Blank p xvii) afirma que Zenatildeo ldquorespondia agraves objeccedilotildees contra a

doutrina (logos) e modo de vida dos seguidores de Epicuro por meio daquilo mesmo que

estava em seus livros coletando muitiacutessimas evidecircncias sobre cada ponto como ele fez em

seu Sobre a Gramaacutetica Sobre a Histoacuteria Sobre Proveacuterbios e Similares Sobre a Expressatildeo

Sobre o Uso dos Poemas e Sobre a Piedaderdquo187 De forma que eacute razoaacutevel supor que teria

reunido nestas obras as informaccedilotildees que os epicuristas usavam para construir seus ataques agrave

lsquogramaacuteticarsquo quais sejam o trabalho dos filoacutelogos alexandrinos e dos criacuteticos de Peacutergamo eacute

inuacutetil todos devem aprender a ler e escrever e falar corretamente de acordo com os costumes

correntes um processo que natildeo depende e natildeo necessita de teoria gramatical somente os

filoacutesofos podem realizar a elucidaccedilatildeo dos textos filosoacuteficos188

A seccedilatildeo explicitamente marcada como epicurista natildeo seria portanto a uacutenica a conter

elementos epicuristas a exposiccedilatildeo da teoria gramatical e as citaccedilotildees dos gramaacuteticos teriam

origem na mesma fonte da qual proviria tambeacutem uma refutaccedilatildeo epicurista a cada uma das

doutrinas gramaticais Blank (ibidem) relaciona a referecircncia cruzada presente em M 6 30

187 Note que todos os tiacutetulos listados encontram eco na argumentaccedilatildeo sextiana gramaacutetica teacutecnica lsquohistoacuteriarsquo papel da gramaacutetica na explicaccedilatildeo da poesia tratamento poeacutetico dos deuses 188 Cf frs 13-14 Angeli-Colaizzo apud Blank p xlvii Infelizmente natildeo obtivemos acesso aos fragmentos presentes nesta publicaccedilatildeo de Angeli e Colaizzo

92

(onde a reivindicaccedilatildeo de que se deve estudar a teoria musical porque ldquoseus elementos satildeo os

mesmos que aqueles das coisas estudadas pela filosofiardquo eacute comparada com lsquotal como

dissemos antes a respeito da gramaacuteticarsquo) com a abertura da seccedilatildeo inicial de M 1 e sua

afirmaccedilatildeo de que a gramaacutetica eacute a mais pretensiosa das ciecircncias pois vai tatildeo longe a ponto de

prometer o que prometem as Sereias ldquoensinar o que eacuterdquo (41-42)189 Com tal aproximaccedilatildeo

Blank conclui que assim como aquela passagem no Contra os Muacutesicos deriva de uma fonte

epicurista o mesmo deve ser verdade em relaccedilatildeo agrave passagem sobre a gramaacutetica agrave qual faz

referecircncia Teriam origem epicurista exceto pela discussatildeo a respeito de Tiacutemon em sect 53-55

supotildee Blank tambeacutem as passagens seguintes (44-56) que diferenciam o estudo gramatical

uacutetil do ler e escrever de um estudo especializado inuacutetil jaacute que cita Asclepiacuteades e conteacutem uma

longa citaccedilatildeo de Epicuro (49-53)

Aleacutem destas passagems e tambeacutem sect 210-299 para as quais haacute evidecircncia

positivamente compatiacutevel com o epicurismo os argumentos de vieacutes epicurista seriam mais

difiacuteceis de localizar Blank (p xlviii) reitera que uma obra epicurista teria sido usada como

fonte para a doutrina gramatical a ser criticada mas de fato natildeo eacute sempre claro se os

argumentos que Sexto oferece contra a doutrina gramatical satildeo seus ou desta fonte epicurista

No tratamento das definiccedilotildees de gramaacutetica (57-89) haveria por exemplo perceptivelmente

trecircs vozes Asclepiacuteades que primeiro reportou e aperfeiccediloou tais definiccedilotildees a suposta fonte

epicurista e o proacuteprio Sexto Ademais em nenhum lugar em M 1-6 pode-se dizer com certeza

se Sexto estaria ou natildeo seguindo um predecessor pirrocircnico tal como Enesidemo Sua alusatildeo

aos lsquoseguidores de Pirrorsquo em sect 1 provavelmente deve ser lida como uma indicaccedilatildeo de que ele

tinha ao menos uma fonte pirrocircnica para a discussatildeo de sect 1-38 assim tambeacutem em relaccedilatildeo a M

6 5 Blank (p xlix) admite que o esquema interpretativo que tenta delinear eacute barrado pelas

proacuteprias complexidades do texto que traz por exemplo lado a lado uma citaccedilatildeo do

epicurista Metrodoro e uma referecircncia cruzada a uma passagem do proacuteprio Sexto (61)

Poderiacuteamos considerar a partir de M 6 4-5 que uma polecircmica epicurista ou

dogmaacutetica visa demonstrar que uma arte ou estudo natildeo eacute uacutetil para a felicidade mas

prejudicial por meio do ataque e destruiccedilatildeo dos argumentos principais dos estudiosos

enquanto a refutaccedilatildeo aporeacutetica evita tal meacutetodo e pretende destruir toda a disciplina pelo

ataque direcionado a suas hipoacuteteses Os epicuristas atacariam entatildeo no ponto da utilidade e

assim anulariam qualquer reivindicaccedilatildeo agrave tekhne De forma que seus argumentos seriam

189 Por outro lado esta referecircncia poderia ser agrave passagem em sect 72 onde Sexto menciona a afirmaccedilatildeo de Asclepiacuteades de que a gramaacutetica eacute uma arte como a muacutesica e a filosofia

93

portanto aqueles que comeccedilam com as declaraccedilotildees ou apologias feitas em nome da lsquoartersquo

eou aqueles que concluem que ela eacute inuacutetil ou natildeo eacute uma tekhne Os ceacuteticos por sua vez se

ocupariam dos princiacutepios mais importantes ndash definiccedilotildees teoremas hipoacuteteses ndash da tekhne e

demonstrariam que eles satildeo incoerentes ou insubsistentes Seguindo este princiacutepio de

diferenciaccedilatildeo teriacuteamos que a seccedilatildeo geral sect 9- 40 seria inteira de origem pirrocircnica O mesmo

pode ser dito acerca do objetivo abrangente da polecircmica especiacutefica contra a teoria gramatical

que visa mostrar que a lsquogramaacutetica na concepccedilatildeo dos gramaacuteticos eacute insubsistentersquo (90 e 96)

bem como o cenaacuterio de discussatildeo de duas das partes da gramaacutetica a teacutecnica (insubsistente

247) e a histoacuterica (inconsistente 269) (a impossibilidade da exposiccedilatildeo teacutecnica e da parte

histoacuterica (270)) Aleacutem disso os ataques contra as entidades postuladas pela parte teacutecnica da

gramaacutetica seriam ceacuteticos os gramaacuteticos natildeo possuem elementos ou primeiros princiacutepios

(letras 99 120) natildeo existe algo como uma siacutelaba longa ou breve (126 130) eacute impossiacutevel que

exista a palavra (131) a sentenccedila e suas partes natildeo existem (138 140 158) a divisatildeo da

sentenccedila em partes eacute impossiacutevel (161 164 168) Obviamente se consideramos que a fonte

epicurista que reporta as doutrinas supostamente de Asclepiacuteades tambeacutem as critica eacute

provaacutevel que Sexto tenha incorporado alguns argumentos desta fonte em seu proacuteprio

tratamento190

Permanece duacutebia a anaacutelise da natureza de algumas seccedilotildees do ataque contra a parte

teacutecnica em que a natildeo-subsistecircncia de seu objeto natildeo parece ser o alvo Em particular a

discussatildeo da ortografia (169-175) do helenismo (176-240) e da etimologia (241-7) todas

concluem que para falarmos corretamente natildeo precisamos seguir nenhum criteacuterio teacutecnico

mas moldarmo-nos ao uso comum de forma que o criteacuterio teacutecnico bem como todos os

toacutepicos de gramaacutetica teacutecnica satildeo inuacuteteis Apesar da presenccedila constante da noccedilatildeo de utilidade

nestas seccedilotildees noccedilatildeo esta que estaacute ausente das discussotildees preacutevias sobre os constituintes da

parte teacutecnica da gramaacutetica Blank (p l) mostra-se relutante em conferir-lhes uma origem

epicurista e somos levados a concordar com seu posicionamento Pois se estaacute claro que

existem precedentes epicuristas para estas discussotildees por outro lado seu tratamento tem

muito em comum com outros toacutepicos em Sexto especialmente em relaccedilatildeo ao lsquocriteacuterio

praacuteticorsquo que apresentamos antes e faz uso de termos caracteriacutesticos de Sexto como simples

(apheles 153 179 232) e natildeo-teacutecnico (atekhnos 153 180 181 183 219) Destas trecircs seccedilotildees

mencionadas somente aquela sobre ortografia comeccedila com uma exposiccedilatildeo da respectiva

doutrina gramatical sugerindo o uso da fonte epicurista enquanto as outras duas comeccedilam

190 Cf Blank p xlix

94

diretamente com a refutaccedilatildeo A seccedilatildeo sobre helenismo no entanto inclui uma discussatildeo da

visatildeo do pupilo de Aristarco Pindaacuterio junto com uma refutaccedilatildeo do lsquoque os gramaacuteticos dizemrsquo

que em sua maior parte lida com definiccedilotildees de barbarismo e solecismo (209-16)

respondidas por Sexto (230-235) ndash essas passagens provavelmente exigiram uma fonte

gramatical que poderia ter sido o suposto ataque epicurista agrave gramaacutetica de Asclepiacuteades

conforme a argumentaccedilatildeo acima

171 As partes da Gramaacutetica no Contra os Gramaacuteticos

Dioniacutesio Traacutecio de acordo com Sexto Empiacuterico (M 1 250) listou seis partes da

gramaacutetica

Dioniacutesio Traacutecio quando diz que a gramaacutetica tem seis partes agraves quais nos referimos mais acima de forma geneacuterica como trecircs inclui a parte lsquohistoacutericarsquo entre elas Pois diz que as partes da gramaacutetica satildeo a leitura treinada (entribes) de acordo com a prosoacutedia a interpretaccedilatildeo de acordo com as figuras poeacuteticas presentes explicaccedilatildeo de palavras e histoacuterias a descoberta das etimologias o estabelecimento das analogias e a criacutetica dos poemas

As partes parecem estar listadas de acordo com a ordem em que se procedia agrave anaacutelise

filoloacutegica da obra literaacuteria 1) lsquoreconhecimentorsquo das qualidades do discurso que natildeo estavam

graficamente marcadas ndash fronteira de palavras pontuaccedilatildeo letras maiuacutesculas bem como dos

traccedilos prosoacutedicos ndash acentos aspiraccedilatildeo etc 2) compreensatildeo das expressotildees literaacuterias tiacutepicas

3) tratamento das palavras inusuais ndash obsoletas ou raras e das referecircncias a lugares pessoas e

acontecimentos fictiacutecios ou reais 4) justificativas lsquoetimoloacutegicasrsquo que ajudavam a verificar o

significado e forma das palavras 5) justificativas lsquoanaloacutegicasrsquo para conferir ou corrigir a

forma e significado das palavras 6) valoraccedilatildeo da obra (provavelmente tanto em relaccedilatildeo agrave sua

autenticidade quanto em um segundo momento com relaccedilatildeo a seu valor literaacuterio [como item

a ser incorporado em uma coleccedilatildeo da biblioteca]) Num ambiente escolar os passos seriam os

mesmos mas realizados de maneira a funcionar como um treinamento da teacutecnica gramatical

ou seja da exegese literaacuteria

A divisatildeo de Dioniacutesio revela a funccedilatildeo da gramaacutetica tornar a literatura compreensiacutevel

em todos seus niacuteveis ndash pronuacutencia escansatildeo significado de cada expressatildeo ortografia ndash e por

fim estimar seu valor como produto literaacuterio A gramaacutetica teacutecnica ndash o tratamento de letras

siacutelabas e partes da sentenccedila ndash estaacute ausente da definiccedilatildeo de Dioniacutesio e de sua lista das partes

95

Natildeo sabemos quatildeo importante foi a gramaacutetica teacutecnica para Dioniacutesio que descreve a tarefa de

valorar e editar textos em sua lista mas natildeo se preocupa em incluir aiacute o tratamento teacutecnico da

linguagem que no entanto provavelmente deve ter ocupado uma seccedilatildeo em seu tratado

original191

De acordo com Sexto (M 1 250) a divisatildeo de Dioniacutesio foi criticada por lsquoapresentar

alguns dos resultados da gramaacutetica ou suas subdivisotildees como se fossem partes delarsquo aleacutem de

ldquoobviamente tomar a leitura treinada a explicaccedilatildeo e a criacutetica dos poemas da parte que trata

de poetas e escritores e a etimologia e a analogia da parte teacutecnica as quais contrapotildes a parte

lsquohistoacutericarsquo que trata da explicaccedilatildeo de palavras e histoacuteriasrdquo Tal criacutetica provavelmente foi feita

por Asclepiacuteades de Mirleia que eacute citado logo na frase seguinte (251) como aquele que propotildee

tal divisatildeo tripartite da gramaacutetica ldquoAsclepiacuteades em seu tratado Sobre a Gramaacutetica afirma

serem trecircs as partes primaacuterias da gramaacutetica teacutecnica lsquohistoacutericarsquo e gramaticalrdquo Divisatildeo que eacute

praticamente a mesma escolhida por Sexto em sect 91 ldquode forma a gerar menos conflito []

teacutecnica (to tekhnikon) lsquohistoacutericarsquo (to historikon) e especiacutefica (to idiaiteron)rdquo Dessa forma

poderiacuteamos aproximar a concepccedilatildeo do que eacute responsabilidade de cada uma das partes

descrita nas seccedilotildees anteriores e nas seguintes e considerar que reflitam a exposiccedilatildeo do tratado

de Asclepiacuteades Como sugere Blank (200 p 413) podemos supor que Asclepiacuteades

considerou lsquoleiturarsquo interpretaccedilatildeo e criacutetica dos poemas como um resultado da parte

gramatical explicaccedilatildeo de palavras e histoacuterias como uma sub-parte da parte lsquohistoacutericarsquo

etimologia e analogia como sub-partes da parte teacutecnica

A estrutura apresentada por Sexto natildeo eacute caracteriacutestica de nenhum dos tratados

gramaticais que possuiacutemos e nenhuma gramaacutetica heleniacutestica sobreviveu para que tiveacutessemos

outro termo de comparaccedilatildeo192 Mas a outra divisatildeo apresentada a de Taurisco (248) tambeacutem

eacute tripartite racional (logikon) praacutetica (tribikon) e lsquohistoacutericarsquo (historikon) No entanto exceto

a parte lsquohistoacutericarsquo natildeo haacute equivalecircncia completa destas para o sistema que atribuiacutemos a

Asclepiacuteades na Tabela 1 abaixo A aproximaccedilatildeo mais oacutebvia seria entre a parte racional e a

teacutecnica ndash que compartem aleacutem do meacutetodo provavelmente a abordagem da expressatildeo

(leksis) e a parte praacutetica com a gramatical (ou especiacutefica) ndash que lidam ambas com dialetos e

estilos193

191 Cf Seppaumlnen 2013 p 70ss 192 Ver Seppaumlnen 2013 p 75 Por outro lado acreditamos que estes tratados diziam respeito geralmente apenas aos elementos da parte teacutecnica por isso tekhnologia 193 ldquoNatildeo estaacute claro onde Asclepiacuteades posicionou o estudo de dialetos e estilos que constituem a parte lsquoempiacutericarsquo [praacutetica] de Taurisco mas provavelmente estivessem na parte gramatical de Asclepiacuteades jaacute

96

TABELA 1 CONSTITUINTES DA lsquoGRAMAacuteTICArsquo PARA ASCLEPIacuteADES DE MIRLEIA DE ACORDO COM SEXTO EMPIacuteRICO (M 1)

nome lida com

tekhnikon teacutecnica

letras (elementos) siacutelabas leksis partes da sentenccedila anaacutelise meacutetrica e anaacutelise da sentenccedila

todas discutidas por Sexto (97-247) ortografia

correccedilatildeo analogia etimologia virtudes e viacutecios do discurso

historikon lsquohistoacutericarsquo

palavras inusuais atribuiacutedo diretamente a Asclepiacuteades (252-3)

histoacuterias verdadeiras falsas verossimilhantes proveacuterbios e definiccedilotildees

grammatikon gramatical

ou idiaiteron especiacutefica

interpretaccedilatildeo julgamento de adequaccedilatildeo e autenticidade

descritas por Sexto (93)

valoraccedilatildeo (eacutetica) da poesia (e prosa) discutido por Sexto (270ss)

(leitura treinada explicaccedilatildeo e criacutetica dos poemas) criticado agrave divisatildeo de Dioniacutesio (252)

172 Sobre Dogmatismo Negativo no Contra os Professores M 1 1-6

Como mencionamos brevemente no iniacutecio desta exposiccedilatildeo introdutoacuteria o Contra os

Professores bem como outras passagens sextianas costumam ser acusados de conter

proposiccedilotildees dogmaacuteticas negativas bem como de natildeo conduzir agrave suspensatildeo do juiacutezo em

prejuiacutezo da caracterizaccedilatildeo do empreendimento ceacutetico pretendida por Sexto

Barnes (1988 p 76) compara a lsquoesquizofreniarsquo destes textos a uma lsquodrogariarsquo de

argumentos diferentes argumentos para curar diferentes tipos de dogmatismo Com isso os

argumentos que asseveram a incoerecircncia e natildeo subsistecircncia de um teorema teacutecnico ou de uma

tekhne valeriam como contrapostos equipolentes agrave argumentos teacutecnico-dogmaacuteticos

A exposiccedilatildeo de Blank (p lii-lv) oferece um resumo padratildeo da contextualizaccedilatildeo dos

argumentos em relaccedilatildeo a outras passagens sextianas Segundo o estudioso as diferenccedilas entre

as discussotildees sobre ortografia helenismo etimologia e lsquohistoacuteriarsquo que envolvem

prioritariamente a noccedilatildeo de utilidade e o tratamento aporeacutetico anterior dos elementos da parte

teacutecnica satildeo diferenccedilas que devem ser consideradas Tais seccedilotildees empregam estrateacutegias ceacuteticas

que natildeo estatildeo nem na parte teacutecnica nem na histoacuterica e dizem respeito a gecircneros poeacuteticos particularesrdquo (Blank 2000 p 409-10)

97

comuns mas tambeacutem focam na inutilidade daquelas partes da gramaacutetica poreacutem satildeo de fato

tipicamente sextianas justamente por esta tentativa de afirmar a inutilidade e a insubsistecircncia

ou inexistecircncia delas A mesma combinaccedilatildeo de objetivos pode ser detectada em PH 2 no

tratamento do criteacuterio de verdade (80 94) Sexto introduz a discussatildeo dizendo que natildeo eacute seu

propoacutesito dar a entender que o criteacuterio de verdade natildeo existe pois isto seria dogmaacutetico (2 79)

logo no paraacutegrafo seguinte ele afirma que o criteacuterio de verdade eacute inuacutetil porque a verdade natildeo

existe e o verdadeiro eacute insubsistente (80) No comeccedilo da discussatildeo sobre o criteacuterio (14-15)

Sexto nos advertiu que aborda o criteacuterio dogmaacutetico da verdade aquele que pretende julgar a

realidade ou natildeo-realidade de algo e natildeo o criteacuterio praacutetico que nos guia na vida comum A

seguir Sexto diferencia trecircs usos da palavra criteacuterio (kriterion) geral especiacutefico e muito

especializado (koinos idia idiaitata) O primeiro envolve todo criteacuterio de conhecimento

mesmo os sentidos o segundo diz respeito a criteacuterios teacutecnicos tais como normas e rotinas e

estes natildeo satildeo alvos do ataque de Sexto (16) Seu alvo eacute o terceiro tipo de criteacuterio aquele

muito especializado que despreza os criteacuterios da vida e diz respeito somente a criteacuterios

loacutegicos usados pelos dogmaacuteticos

Tambeacutem a discussatildeo sobre os signos desenvolve-se de maneira anaacuteloga Sexto

afirma que natildeo lhe interessa atacar todos os signos mas somente o signo indicativo (to

endeiktikon) inventado pelos dogmaacuteticos (102) Pois atacar o signo comemorativo (to

hupomnestikon) eacute lutar contra a vida comum A seguir ele novamente assevera que natildeo

pretende em absoluto demonstrar que o signo indicativo eacute algo inexistente (anuparkton) que

seu propoacutesito eacute deixar clara a equipolecircncia entre os argumentos a favor e contra sua

existecircncia Todavia muitos dos argumentos que se seguem concluem simplesmente que o

signo indicativo eacute inexistente (129) ou incognosciacutevel ou incompreensiacutevel A estes

argumentos no entanto segue-se de fato uma seacuterie de argumentos contrapostos de maneira

equipolente (130ss) e uma conclusatildeo que assevera a equipolecircncia (132)

A discussatildeo sobre a demonstraccedilatildeo (134ss) se assemelha a essa A princiacutepio Sexto

diz que a demonstraccedilatildeo eacute um tipo de signo e como tal tambeacutem teremos de suspender o juiacutezo

acerca dela Depois de apresentar definiccedilotildees e tipos de demonstraccedilatildeo ele desenvolve uma

longa lista de argumentos que concluem que a demonstraccedilatildeo natildeo existe (144ss) A estes

argumentos seguem-se as reacuteplicas dos dogmaacuteticos (185ss) e por fim as treacuteplicas equipolentes

dos ceacuteticos (187ss) que levam agrave conclusatildeo equipolente (192)

Aleacutem disso a seccedilatildeo sobre o helenismo com sua ecircnfase na necessidade de seguir o

uso comum e a inutilidade da analogia teacutecnica lembraria muito a discussatildeo em PH 2 acerca

de sofismas e ambiguidades Nas Hipotiposes estaacute exposto que na medida em que a

98

eliminaccedilatildeo de alguns sofismas e a soluccedilatildeo de certas ambiguidades satildeo realmente uacuteteis para a

vida de fato somos capazes de evitar os problemas que elas nos causariam com base apenas

na observaccedilatildeo da vida cotidiana e comum (254-257) sem termos de recorrer agraves habilidades do

dialeacutetico Ademais a soluccedilatildeo de problemas propriamente dialeacuteticos eacute inuacutetil (236) Sempre que

surgem ambiguidades no escopo de uma disciplina particular aqueles que satildeo experientes

neste campo estaratildeo aptos a resolvecirc-la de forma que novamente a arte do dialeacutetico eacute inuacutetil

(256) Por outro lado ambiguidades que natildeo dizem respeito agraves experiecircncias da vida cotidiana

e comum (biotikai empeiriai) satildeo invenccedilotildees dogmaacuteticas e certamente satildeo inuacuteteis para uma

vida lsquolivre de crenccedilasrsquo (adoksastos) (258)

Com base nessas comparaccedilotildees mencionadas poderiacuteamos concluir com Blank (p liv)

que no conflito entre o inuacutetil e o uacutetil (ou seja no choque entre o que eacute especializado e

dogmaacutetico com o que eacute geral ceacutetico e necessaacuterio para vida) Sexto tende a argumentar pela

natildeo existecircncia do que eacute lsquoespecializadorsquo Tal procedimento natildeo seria muito diferente entre M

1-6 e PH 2 mesmo porque haacute uma introduccedilatildeo geral na qual se diz que o ceacutetico ataca as artes a

partir de sua experiecircncia aporeacutetica e as refutaccedilotildees ceacuteticas satildeo consistentemente caracterizadas

como aporeacuteticas Dessa forma talvez natildeo poderiacuteamos dizer que as polecircmicas em M 1-6 satildeo

exemplos de dogmatismo negativo se supomos que aquelas em PH tambeacutem natildeo o satildeo

Outro exemplo uacutetil pode ser encontrado em M 9 Depois dos comentaacuterios iniciais

acerca das diferenccedilas entre o meacutetodo acadecircmico de produzir uma infinidade de argumentos

detalhados sobre tudo que o dogmaacutetico sustenta e o meacutetodo ceacutetico de atacar os princiacutepios mais

fundamentais Sexto introduz uma discussatildeo aporeacutetica (diaporoumen 12) relativa aos

princiacutepios (estoicos) do ativo e passivo Primeiro diz ele investigaraacute dogmaticamente sobre

lsquodeusrsquo e entatildeo aporeticamente discorreraacute sobre a natildeo existecircncia de ativo e passivo Poreacutem

antes disso ele diz que eacute preciso jaacute que cada investigaccedilatildeo deve comeccedilar por uma concepccedilatildeo

do que se busca abordar como poderiacuteamos adquirir uma noccedilatildeo de lsquodeusrsquo Ao fim desta seccedilatildeo

(191) apresentados os argumentos dogmaacuteticos a favor da existecircncia e natildeo-existecircncia de

deuses e introduzida a suspensatildeo ceacutetica do juiacutezo ele daacute iniacutecio agrave discussatildeo lsquomais ceacuteticarsquo que

provaraacute que o princiacutepio passivo eacute tatildeo aporeacutetico quanto o ativo Nessa discussatildeo ele iraacute

contrapor argumentos ceacuteticos a argumentos dogmaacuteticos (207) Tal como supotildee Blank

(ibidem) os mesmos termos utilizados em M 1-6 aparecem aiacute acompanhados do

reconhecimento expliacutecito do princiacutepio geral segundo o qual mesmo quando os argumentos

ceacuteticos asseveram a natildeo-existecircncia eles continuam sendo exemplos de argumentos

equipolentes

99

Esse panorama apresentado e sua conclusatildeo estaacute de acordo com a leitura de Barnes

mencionada no iniacutecio desta seccedilatildeo aleacutem disso preserva o cenaacuterio puramente ceacutetico da

argumentaccedilatildeo sextiana que natildeo somente revela as aporias relativas a estas disciplinas como

reitera o criteacuterio praacutetico contra a teorizaccedilatildeo dogmaacutetica Tal exposiccedilatildeo no entanto apenas

seleciona e enfatiza argumentos que supomos o proacuteprio Sexto ofereceria em sua defesa isso

contribui para a compreensatildeo de como ele pretendia conferir coerecircncia ao seu

empreendimento poreacutem tal defesa natildeo parece eliminar os motivos pelos quais muitos

produtos de sua lsquofarmaacuteciarsquo tecircm sido constantemente acusados de serem lsquoplacebosrsquo

simulaccedilotildees cuja eficaacutecia contra o dogmatismo estaria ameaccedilada por causa de sua composiccedilatildeo

inadequada e apenas agiriam se houvesse uma predisposiccedilatildeo ao efeito

Ainda assim talvez devecircssemos salientar que Sexto estaacute disputando um territoacuterio

com seus lsquoadversaacuteriosrsquo haacute uma resposta mas tambeacutem haacute uma proposta e esta se coloca em

relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da vida agrave formaccedilatildeo cultural e agrave filosofia em uniacutessono Aquilo que

pessoalmente nos intriga eacute que suas obras natildeo parecem expressar a ataraksia que sugerem

muito menos propiciar qualquer tipo de lsquopaz de espiacuteritorsquo especialmente entre aqueles que

seguem nos uacuteltimos seacuteculos escrevendo fervorosamente sobre ela Tampouco suas obras

refletem moderaccedilatildeo de opiniatildeo principalmente em relaccedilatildeo aos resultados das outras propostas

concorrentes com a sua Contudo pode-se sim afirmar que o ceacutetico segue investigando E

neste sentido Sexto natildeo se potildee agrave margem de um territoacuterio ele continua o exerciacutecio filosoacutefico

dialogando pesquisando falando adequadamente e agindo normalmente supomos e isso

talvez jaacute expresse moderaccedilatildeo e lsquoserenidadersquo suficientes

18 SOBRE A TRADUCcedilAtildeO Nossa preocupaccedilatildeo principal foi encontrar um equiliacutebrio entre a imprescindiacutevel

permanecircncia e padronizaccedilatildeo de termos e conceitos teacutecnico-filosoacuteficos e a fluidez da

argumentaccedilatildeo procurando salvaguardar caracteriacutesticas do estilo retoacuterico sextiano mas sem

nos restringirmos a mimetizar as propriedades da liacutengua grega em portuguecircs A padronizaccedilatildeo

de termos acontece por ser necessaacuterio preservar ainda que artificialmente a especificidade

polissecircmica talvez daquele termo em um contexto maior que o relaciona a uma lsquotradiccedilatildeorsquo

Tal tradiccedilatildeo no entanto natildeo eacute somente e necessariamente a do contexto de produccedilatildeo Pelo

contraacuterio eacute geralmente a do contexto de recepccedilatildeo Eacute a histoacuteria do termo como parte de uma

cultura de recepccedilatildeo da filosofia heleniacutestica em especiacutefico ou da cultura grega em geral que

100

costuma gerar muitas das duacutevidas do processo tradutoacuterio Procuramos portanto natildeo perder de

vista o lugar em que se insere nossa contribuiccedilatildeo herdeira dessa tradiccedilatildeo e expressar em

nota ao menos parte de nossas hesitaccedilotildees fornecendo nosso roteiro de leitura do termo e da

passagem em que ocorre

Assim as notas de fim procuram esclarecer o leitor acerca de nosso caminho

interpretativo e disponibilizar informaccedilotildees que permitam outras associaccedilotildees e leituras natildeo

necessariamente contempladas aqui Frequentemente colocamos na traduccedilatildeo entre parecircnteses

a transliteraccedilatildeo de termos gregos pareceu-nos um recurso para trazer agrave memoacuteria do leitor que

natildeo segue o original as tradiccedilotildees de leitura daquele termo e expressar uma distacircncia possiacutevel

entre esta tradiccedilatildeo e nossa traduccedilatildeo Assim serve para conferir ecircnfase a um termo ou mesmo

sugerir nossa insatisfaccedilatildeo com a soluccedilatildeo que encontramos para ele Sentimo-nos

particularmente descontentes com as traduccedilotildees de tekhne e termos correlatos lsquoArtersquo eacute uma

traduccedilatildeo que malgrado sua imprecisatildeo jaacute estaacute consideravelmente estabelecida e pode natildeo

gerar problemas maiores justamente por continuar problemaacutetica e natildeo haver se cristalizado

em um sentido equivocado Por outro lado natildeo conseguimos manter o paralelo e usar os

termos familiares como lsquoartistarsquo lsquoartiacuteficersquo lsquoartiacutesticorsquo e quetais e tivemos entatildeo de optar por

lsquoteacutecnicarsquo que aleacutem de tambeacutem natildeo poder ser padronizada mas dar lugar em alguns

contextos a outras escolhas se justifica apenas por espelhar o termo grego pois em geral

uma leitura desavisada do termo pode mesmo prejudicar a compreensatildeo do texto A soluccedilatildeo

foi manter o termo em itaacutelico para lembrarmo-nos de que se relaciona agrave tekhne Em um

sentido bastante geral e comum acreditamos que tekhne em alguns contextos poderia ser

traduzida por lsquociecircnciarsquo da forma como cotidianamente se fala em lsquocientificamente

comprovadorsquo para algo que atraveacutes de um meacutetodo conforma-se a um sistema de proposiccedilotildees

e descobertas teoacutericas e praacuteticas compartilhado por especialistas e iniciados Aleacutem de evocar

tambeacutem a questatildeo da lsquosuperioridadersquo os cientistas satildeo aqueles cuja opiniatildeo sobre o assunto

possui autoridade Tambeacutem conteacutem o elemento da exclusividade de forma que natildeo se

permitiria chamar ciecircncia a estudos lsquoprofeacuteticosrsquo por exemplo Dessa forma conteacutem tambeacutem o

geacutermen da discoacuterdia pois usa-se lsquociecircnciarsquo em um sentido bastante corriqueiro e natildeo

especializado (lsquociecircncia domeacutesticarsquo para truques culinaacuterios) e tambeacutem quando o intuito eacute

defender a integridade de um estudo mesmo quando ele natildeo se adapta agraves regras de uma

comunidade cientiacutefica lsquodominantersquo Mas esta eacute apenas uma aproximaccedilatildeo canhestra teriacuteamos

que confrontar ainda muitos outros problemas histoacutericos sociais e filosoacuteficos relativos ao

termo lsquociecircnciarsquo

101

Em geral preferimos natildeo modernizar os termos no sentido de natildeo procurar atingir

seu sentido com um conceito moderno que poderia nos remeter mais rapidamente a seus

significados Por exemplo mantivemos lsquogramaacuteticarsquo que certamente possui no contexto da

discussatildeo do texto uma abrangecircncia distinta da atual e que poderia ser coberta

imperfeitamente tambeacutem pelo termo lsquofilologiarsquo Gostariacuteamos especialmente de chamar a

atenccedilatildeo para as ocorrecircncias de mathemata mathema mathesis tekhne tekhnikos tekhnites

atekhnos theorema historia e remeter o leitor agraves notas explicativas em que esclarecemos

acerca de suas especificidades e nossas escolhas

As citaccedilotildees de trechos poeacuteticos feitas por Sexto com exceccedilatildeo das citaccedilotildees da Iliacuteada e

da Odisseia em que usamos as traduccedilotildees de Carlos Alberto Nunes foram traduzidas sem

atentar para a meacutetrica nos atemos apenas ao argumento sextiano

O texto grego de base eacute o de J Mau e H Mutschmann Sexti Empirici opera vol 3

2ordf ediccedilatildeo Leipzig Teubner 1961 presente no corpus online Thesaurus Linguae Graecae A

mesma ediccedilatildeo serviu de base para a traduccedilatildeo de Blank (1998) Blank (p lvi) afirma natildeo haver

notado diferenccedilas com o texto de Bury (1949) para as ediccedilotildees Loeb no entanto Bury afirma

ter seguido a ediccedilatildeo de I Bekker (1842) Dalimier segue a primeira ediccedilatildeo de Mutschmann e

Mau (vol 3 1954) e encontramos algumas diferenccedilas entre seu texto e o que seguimos Natildeo

apontamos especificamente estas diferenccedilas mas consideramos sua traduccedilatildeo em passagens

que nos pareceram problemaacuteticas e citamos algumas de suas colocaccedilotildees e sugestotildees em notas

Foram mantidos os siacutembolos originais no texto grego

[] supressatildeo ausente da traduccedilatildeo

ltgt inserccedilatildeo

Blank procede a algumas modificaccedilotildees no texto nem sempre completamente

justificadas ou situadas em relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo dos manuscritos De maneira geral no entanto

seguimos suas recomendaccedilotildees por acreditarmos que sua minuciosa exegese do texto

apresentada nos comentaacuterios agrave moda de ensaios a cada linha do texto confere-lhe autoridade

sobre ele Ainda assim talvez algumas delas fossem mesmo supeacuterfluas e buscamos apontar

nas notas quando esse parece ser o caso

Quando a inserccedilatildeo foi sugerida por Blank usamos o mesmo sinal ltgt mas

informamos em nota de rodapeacute Quando Blank propotildee uma supressatildeo colocamos nota de

rodapeacute com o texto grego suprimido usando os siacutembolos bem como traduzimos

tambeacutem em nota a passagem Lembrando que o livro de Blank natildeo traz o texto grego apenas

acompanha a traduccedilatildeo com notas que justificam suas opccedilotildees Em alguns momentos (poucos eacute

102

verdade) sua traduccedilatildeo parece implicar alguma modificaccedilatildeo no texto grego que ele no

entanto natildeo anotou

103

ΠΡΟΣ ΜΑΘΗΜΑΤΙΚΟΥΣ

[1] Τὴν πρὸς τοὺς ἀπὸ τῶν μαθημάτων

ἀντίρρησιν κοινότερον μὲν διατεθεῖσθαι

δοκοῦσιν οἵ τε περὶ τὸν Ἐπίκουρον καὶ οἱ ἀπὸ

τοῦ Πύρρωνος οὐκ ἀπὸ τῆς αὐτῆς δὲ

διαθέσεως ἀλλrsquo οἱ μὲν περὶ τὸν Ἐπίκουρον

ὡς τῶν μαθημάτων μηδὲν συνεργούντων

πρὸς σοφίας τελείωσιν ἤ ὥς τινες εἰκάζουσι

τοῦτο προκάλυμμα τῆς ἑαυτῶν ἀπαιδευσίας

εἶναι νομίζοντες (ἐν πολλοῖς γὰρ ἀμαθὴς

Ἐπίκουρος ἐλέγχεται οὐδὲ ἐν ταῖς κοιναῖς

ὁμιλίαις καθαρεύων) [2] τάχα δὲ καὶ διὰ τὴν

πρὸς τοὺς περὶ Πλάτωνα καὶ Ἀριστοτέλη καὶ

τοὺς ὁμοίους δυσμένειαν πολυμαθεῖς

γεγονότας οὐκ ἀπέοικε δὲ καὶ διὰ τὴν πρὸς

Ναυσιφάνην τὸν Πύρρωνος ἀκουστὴν

ἔχθραν πολλοὺς γὰρ τῶν νέων συνεῖχε καὶ

τῶν μαθημάτων σπουδαίως ἐπεμελεῖτο

μάλιστα δὲ ῥητορικῆς [3] γενόμενος οὖν

τούτου μαθητὴς ὁ Ἐπίκουρος ὑπὲρ τοῦ

δοκεῖν αὐτοδίδακτος εἶναι καὶ αὐτοφυὴς

φιλόσοφος ἠρνεῖτο ἐκ παντὸς τρόπου τήν τε

περὶ αὐτοῦ φήμην ἐξαλείφειν ἔσπευδε πολύς

τε ἐγίνετο τῶν μαθημάτων κατήγορος ἐν οἷς

ἐκεῖνος ἐσεμνύνετο [4] φησὶ γοῦν ἐν τῇ πρὸς

τοὺς ἐν Μυτιλήνῃ φιλοσόφους ἐπιστολῇ

lsquoοἶμαι δὲ ἔγωγε τοὺς βαρυστόνους καὶ

μαθητήν με δόξειν τοῦ πλεύμονος εἶναι μετὰ

μειρακίων τινῶν κραιπαλώντων ἀκούσαντα rsquo

CONTRA OS PROFESSORES1

[1] Em comum tanto o ciacuterculo de Epicuro

quanto seguidores de Pirro parecem ter proposto

um ataque (antirrhesis)2 contra os que professam

as disciplinas do estudo ciacuteclico (mathematikoi)

mas natildeo pelo mesmo motivo (diathesis)3 Os

epicuristas fizeram-no ou por terem concluiacutedo que

estes estudos (mathemata)4 natildeo contribuem em

nada para a sabedoria ou por imaginarem como

supotildeem alguns que isso pudesse encobrir sua

proacutepria falta de cultura De fato Epicuro foi

censurado por natildeo ter instruccedilatildeo (amathes) em

muitos assuntos nem falar corretamente a liacutengua

em conversas cotidianas5 [2] Ou talvez tenha sido

por causa de sua maacute vontade com Platatildeo e

Aristoacuteteles e outros como eles que eram

poliacutematas - o que natildeo eacute improvaacutevel visto a

hostilidade contra Nausiacutefanes6 disciacutepulo de Pirro7

Nausiacutefanes atraiacutea muitos jovens e dedicava-se

com seriedade a estas disciplinas principalmente agrave

retoacuterica [3] E Epicuro para parecer que fora

autodidata e filoacutesofo nato negava de todas as

formas ter sido seu aluno dedicando-se a destruir

a reputaccedilatildeo daquele Tornou-se entatildeo um acusador

constante dos estudos ciacuteclicos em que Nausiacutefanes

se destacava8 [4] Em sua Carta aos filoacutesofos em

Mitilene expressou-se mesmo dessa forma

ldquoSuponho que os linguarudos9 vatildeo dizer que sou

disciacutepulo da lsquoaacutegua-vivarsquo porque estive escutando-a

junto agravequele bando de jovens de ressacardquo

2 TEXTO GREGO E TRADUCcedilAtildeO

104

1 Blank ad loc de acordo com todos os manuscritos exceto um Por σοφίας

νῦν πλεύμονα καλῶν τὸν Ναυσιφάνην ὡς

ἀναίσθητον καὶ πάλιν προβὰς πολλά τε

κατειπὼν τἀνδρὸς ὑπεμφαίνει τὴν ἐν τοῖς

μαθήμασιν αὐτοῦ προκοπὴν λέγων lsquoκαὶ γὰρ

πονηρὸς ἄνθρωπος ἦν καὶ ἐπιτετηδευκὼς

τοιαῦτα ἐξ ὧν οὐ δυνατὸν εἰς σοφίαν ἐλθεῖνrsquo

αἰνισσόμενος τὰ μαθήματα [5] πλὴν ὁ μὲν

Ἐπίκουρος ὡς ἄν τις εἰκοβολῶν εἴποι ἀπὸ

τοιούτων τινῶν ἀφορμῶν πολεμεῖν τοῖς

μαθήμασιν ἠξίου οἱ δὲ ἀπὸ Πύρρωνος οὔτε

διὰ τὸ μηδὲν συνεργεῖν αὐτὰ πρὸς σοφίαν

δογματικὸς γὰρ ὁ λόγος οὔτε διὰ τὴν

προσοῦσαν αὐτοῖς ἀπαιδευσίαν σὺν γὰρ τῷ

πεπαιδεῦσθαι καὶ πολυπειροτέρους παρὰ τοὺς

ἄλλους ὑπάρχειν φιλοσόφους ἔτι καὶ

ltἀgtδιαφόρως ἔχουσι πρὸς τὴν παρὰ τοῖς

πολλοῖς δόξαν [6] καὶ μὴν οὐδὲ δυσμενείας

χάριν τῆς πρός τινας (μακρὰν γὰρ αὐτῶν τῆς

πραότητός ἐστιν ἡ τοιαύτη κακία) ἀλλὰ

τοιοῦτόν τι ἐπὶ τῶν μαθημάτων παθόντες

ὁποῖον ἐφrsquo ὅλης ἔπαθον τῆς φιλοσοφίας1

καθὰ γὰρ ἐπὶ ταύτην ἦλθον πόθῳ τοῦ τυχεῖν

τῆς ἀληθείας ἰσοσθενεῖ δὲ μάχῃ καὶ

ἀνωμαλίᾳ τῶν πραγμάτων ὑπαντήσαντες

ἐπέσχον οὕτω καὶ ἐπὶ τῶν μαθημάτων

ὁρμήσαντες ἐπὶ τὴν ἀνάληψιν αὐτῶν

ζητοῦντες καὶ τὸ ἐνταῦθα μαθεῖν ἀληθές τὰς

δὲ ἴσας εὑρόντες ἀπορίας οὐκ ἀπεκρύψαντο

(chamando Nausiacutefanes de aacutegua-viva como

algueacutem incapaz de perceber algo (anaisthetos))10

E depois de jaacute o ter insultado vaacuterias vezes parece

aludir a sua competecircncia nos estudos

especializados ao dizer ldquoEra um homem sem

qualquer valia algueacutem que se dedicava a coisas

pelas quais eacute impossiacutevel alcanccedilar sabedoriardquo

insinuando os estudos ciacuteclicos [5] Pois bem deste

modo como podem supor a partir de coisas como

tais que fogem ao assunto eacute que Epicuro justifica

sua guerra a estes estudos Os seguidores de Pirro

no entanto criticaram estes estudos natildeo porque

natildeo fossem de nenhum proveito para a sabedoria

(pois esse argumento eacute dogmaacutetico) nem porque

fosse comum entre eles a falta de cultura

(apaideusia) ndash uma vez que a par da formaccedilatildeo

recebida e de serem muito mais experientes que

outros filoacutesofos satildeo tambeacutem indiferentes agrave

opiniatildeo do vulgo11 [6] Nem certamente teria sido

por qualquer espeacutecie de inimizade com algueacutem jaacute

que tal tipo de maldade estaacute bem longe de seu

caraacuteter gentil12 Mas sim por sentirem em relaccedilatildeo

a estes estudos algo como o que sentiram em

relaccedilatildeo agrave filosofia como um todo Pois a

procuraram movidos pelo desejo de encontrar a

verdade poreacutem ao deparar-se com um conflito

entre argumentos equipolentes (isosthenes makhe)

e anomalia nas coisas (anomalia ton

pragmaton)13 acabaram por suspender o

julgamento (epekho) Da mesma forma

dispuseram-se a se dedicar (analepsis) a estes

estudos procurando (zetountes) tambeacutem aqui

aprender a verdade Poreacutem tendo encontrado

aporias iguais agravequelas natildeo as ocultaram14

105

2 Blank ad loc com Giusta p 429

[7] διόπερ καὶ ἡμεῖς τὴν αὐτὴν τούτοις

ἀγωγὴν μεταδιώκοντες πειρασόμεθα χωρὶς

φιλονεικίας τὰ πραγματικῶς λεγόμενα πρὸς

αὐτὰ ἐπιλεξάμενοι θεῖναι

Τὸ μὲν οὖν διδάσκειν ἀπὸ τίνος ἐγκύκλια

προσηγόρευται μαθήματα καὶ πόσα τὸν

ἀριθμόν ἐστι περιττὸν ἡγοῦμαι ltπρὸς

τοὺςgt2 ἱκανὴν ἤδη τὴν περὶ τούτων ἔχοντας

κατήχησιν γινομένης ἡμῖν τῆς διδασκαλίας

[8] ὃ δέ ἐστιν ἀναγκαῖον ἐπὶ τοῦ παρόντος

ὑποδεικτέον ὅτι τῶν λεγομένων πρὸς τὰ

μαθήματα τὰ μὲν καθολικῶς λέγεται πρὸς

πάντα τὰ μαθήματα τὰ δὲ ὡς πρὸς ἕκαστα

καὶ καθολικώτερον μὲν τὸ περὶ τοῦ μηδὲν

εἶναι μάθημα ἰδιαίτερον δὲ πρὸς μὲν

γραμματικούς εἰ τύχοι περὶ τῶν τῆς λέξεως

στοιχείων πρὸς δὲ γεωμέτρας περὶ τοῦ μὴ

δεῖν ἐξ ὑποθέσεως λαμβάνειν τὰς ἀρχάς πρὸς

δὲ μουσικοὺς περὶ τοῦ μηδὲν εἶναι φωνὴν

μηδὲ χρόνον ἴδωμεν δὲ τάξει πρῶτον τὴν

καθολικωτέραν ἀντίρρησιν

Eacute por isso que tambeacutem noacutes que seguimos a

mesma orientaccedilatildeo (agoge)15 deles tentaremos

sem espiacuterito de rivalidade apresentar tendo-os

selecionado argumentos efetivos (pragmatikos)16

contra os estudos ciacuteclicos

Creio ser desnecessaacuterio expor (didaskein) por

que satildeo chamados estudos ciacuteclicos (enkuklia)17 ou

quantos satildeo em nuacutemero pois nossa exposiccedilatildeo

(didaskalia) dirige-se a quem jaacute ouviu falar

suficientemente sobre isto [8] Nesse momento o

necessaacuterio eacute indicar que contra estes estudos

existem os argumentos gerais que falam contra

todos os estudos especializados e os especiacuteficos

que se dirigem a cada disciplina em particular18

Natildeo existir estudo19 eacute o argumento mais geral Um

mais especiacutefico seria por exemplo contra os

gramaacuteticos sobre os elementos da palavra20 ou

contra os geocircmetras acerca de natildeo ser necessaacuterio

assumir princiacutepios a partir de uma hipoacutetese21 ou

contra os muacutesicos sobre natildeo existirem som

(phone) e tempo22 Por ordem veremos primeiro o

ataque mais geral

Εἰ ἔστι μάθημα

[9] Τὴν μὲν οὖν γενομένην παρὰ τοῖς

φιλοσόφοις περὶ μαθήσεως διαφωνίαν

πολλὴν καὶ ποικίλην οὖσαν οὐ τοῦ παρόντος

ἐστὶ καιροῦ ἐπικρίνειν ἀπόχρη δὲ

παραστῆσαι ὡς εἴπερ ἔστι τι μάθημα καὶ

τοῦτο ἀνυστὸν ἀνθρώπῳ τέσσαρα δεῖ

προομολογήσασθαι τὸ διδασκόμενον

πρᾶγμα τὸν διδάσκοντα τὸν μανθάνοντα

τὸν τρόπον τῆς μαθήσεως οὔτε δὲ τὸ

διδασκόμενον ἔστιν οὔτε ὁ διδάσκων οὔτε ὁ

μανθάνων οὔτε ὁ τρόπος τῆς μαθήσεως

Se existe estudo

Este natildeo eacute o momento adequado para examinar

o longo e variado desacordo (diaphonia) que

existe entre os filosoacutefos sobre o ensino

(mathesis)23 Basta colocar que se existe algo

como um estudo (mathema) acessiacutevel para o

homem quatro coisas precisam ser admitidas de

antematildeo uma coisa (pragma) que se ensina

quem ensina quem aprende e um modo de

ensinar E natildeo existe o que se ensina nem quem

ensina tampouco quem aprende ou o modo de

ensinar conforme demonstraremos portanto natildeo

106

3 Blank ad loc com Bekker 4 Blank ad loc deleta por considerar interpolaccedilatildeo εἰ δὲ καὶ μηδὲν ἀληθές εἴπερ διδακτόν ἐστιν τῶν γὰρ ὄντων ἐστὶ τὸ ἀληθές ἀδίδακτον ἄρα τὸ μὴ ὄν μηδ ἀληθὲς διδάσκεται Tambeacutem natildeo eacute algo verdadeiro no caso de ser ensinaacutevel visto que uma coisa verdadeira faz parte do que eacute conclui-se que o que natildeo existe eacute natildeo-ensinaacutevel Tampouco eacute ensinado como verdadeiro

καθάπερ ὑποδείξομεν οὐκ ἄρα ἔστι τι

μάθημα

existe algo como um estudo

Περὶ τοῦ διδασκομένου

[10] Καὶ δὴ περὶ τοῦ πρώτου λέγοντες

πρῶτόν φαμεν ὡς εἴπερ διδάσκεταί τι ἤτοι τὸ

ὂν τῷ εἶναι διδάσκεται ἢ τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ

εἶναι οὔτε δὲ τὸ ὂν τῷ εἶναι διδάσκεται οὔτε

τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ εἶναι καθάπερ

παραστήσομεν οὐκ ἄρα διδάσκεταί τι καὶ δὴ

τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ εἶναι οὐκ ἂν διδάσκοιτο εἰ

γὰρ διδάσκεται διδακτόν ἐστι διδακτὸν δὲ

καθεστὼς τῶν ὄντων γενήσεται

Sobre o que se ensina

Ao abordar o primeiro ponto diremos primeiro

que se alguma coisa eacute ensinada24 ou eacute ensinado o

que existe (to on) por existir ou o que natildeo existe

(to me on) por natildeo existir Mas nem o que existe

eacute ensinado por existir nem o que natildeo existe por

natildeo existir conforme provaremos logo coisa

alguma eacute ensinada25 O que natildeo existe natildeo viria a

ser ensinado por natildeo existir pois se eacute ensinado eacute

ensinaacutevel e sendo ensinaacutevel tornar-se-aacute das

coisas26 que existem

[11] καὶ διὰ τοῦτο ἔσται μὴ ὄν τε καὶ ὄν οὐχὶ

δέ γε δυνατόν ἐστι τὸ αὐτὸ καὶ ὄν τε καὶ μὴ

ὂν ὑπάρχειν οὐκ ἄρα τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ εἶναι

διδάσκεται τῷ τε μὴ ὄντι οὐδὲν συμβέβηκεν

ᾧ δὲ μηδὲν συμβέβηκεν οὐδὲ τὸ διδάσκεσθαι

συμβήσεται ἓν γάρ τι ἦν τῶν συμβεβηκότων

καὶ τὸ διδάσκεσθαι

E por isso seria algo que existe e natildeo existe e

certamente natildeo eacute possiacutevel existir (huparkhein)

uma mesma coisa que existe e natildeo existe27

portanto o que natildeo existe natildeo eacute ensinado por natildeo

existir Ao que natildeo existe nada eacute atribuiacutedo

(sumbebeke) ao que nada eacute atribuiacutedo natildeo se

atribuiraacute nem o ser ensinado pois mesmo lsquoser

ensinadorsquo eacute um atributo28

[12] τοίνυν οὐδὲ ταύτῃ διδακτόν ἐστι τὸ μὴ

ὄν καὶ μὴν τὸ διδασκόμενον φαντασίαν

κινοῦν εἰς μάθησιν ἡμῖν ἔρχεται τὸ δὲ μὴ ὂν

ἀδυνατοῦν φαντασίαν κινεῖν οὐδὲ διδακτόν

ἐστιν ἔτι δὲ οὐδrsquo ὡς ἀληθὲς τὸ μὴ ὂν

ltδιδακτόνgt3 ἐστιν οὔτε γὰρ τῶν μὴ ὄντων

ἐστὶ τἀληθὲς οὔτε τι ἀληθὲς ὡς μὴ ὂν

διδακτόν ἐστιν 4

Assim por esta razatildeo o que natildeo existe natildeo eacute

ensinaacutevel E mais o que se ensina noacutes o

apreendemos atraveacutes da representaccedilatildeo (phantasia)

que provoca29 o que natildeo existe sendo incapaz de

provocar qualquer representaccedilatildeo tampouco eacute

ensinaacutevel Ainda o que natildeo existe tambeacutem natildeo eacute

ensinaacutevel como algo verdadeiro De fato algo

verdadeiro natildeo estaacute entre as coisas que natildeo

107

5 Blank ad loc deleta por considerar interpolaccedilatildeo ἤτοι γὰρ τὸ διδασκόμενον ψεῦδός ἐστιν ἢ ἀληθές ἀλλὰ ψεῦδος μὲν ἀλογώτατον τὸ δὲ ἀληθὲς ὂν ὑπῆρχεν οὐκ ἄρα τὸ μὴ ὂν διδακτόν Pois o que se ensina ou eacute falso ou eacute verdadeiro Natildeo faz o menor sentido dizer que eacute falso E aquilo que eacute verdadeiro existe Conclui-se entatildeo que o que natildeo existe natildeo eacute ensinaacutevel 6 Blank ad loc deleta πᾶσι φαινομένων Optamos por suprimir tambeacutem a expressatildeo seguinte πᾶσι φαινομένων ἐπ ἴσης visto serem todas aparentes de maneira igual para todos A expressatildeo eacute recorrente na obra sextiana como parte de argumento distinto 7 Passagem problemaacutetica seguimos uma das modificaccedilotildees sugeridas por Blank ad loc ἵνα ἐκ τούltτουgt γινωσκομένου γένηται ἡ τούτου μάθησις Por ser semelhante agrave passagem M XI 222

existem e tampouco algo verdadeiro eacute ensinaacutevel

como algo que natildeo existe30

[13] εἰ δὲ μηδὲν ἀληθὲς διδάσκεται πᾶν τὸ

διδασκόμενον ψεῦδός ἐστιν ὅπερ

ἀλογώτατον ὑπάρχει οὐ τοίνυν τὸ μὴ ὂν

διδάσκεται 5

E se natildeo eacute ensinado nada verdadeiro tudo que se

ensina eacute falso o que eacute totalmente iloacutegico Pois

bem natildeo eacute ensinado o que natildeo existe

[14] καὶ μὴν οὐδὲ τὸ ὂν τῷ εἶναι διδακτόν

ἐστιν ἐπειδήπερ τῶν ὄντων 6 πάντα ἔσται

διδακτά ᾧ ἀκολουθήσει τὸ μηδὲν εἶναι

διδακτόν δεῖ γὰρ ὑποκεῖσθαί τι ἀδίδακτον

ἵνα ἐκ τούltτουgt γένηται ἡ μάθησις7 τοίνυν

οὐδὲ τὸ ὂν τῷ εἶναι διδάσκεται

Mas o fato eacute que tambeacutem o que existe natildeo eacute

ensinaacutevel por existir pois de outro modo todas as

coisas que existem seratildeo ensinaacuteveis31 A

consequecircncia disto eacute que nada seria ensinaacutevel

Pois eacute preciso assumir (hupokeisthai) algo natildeo-

ensinaacutevel para que o ensino possa acontecer a

partir dele Assim tampouco o que existe eacute

ensinado por existir

[15] Ὁ δὲ ὅμοιος τῆς ἀπορίας γενήσεται

τρόπος καὶ πρὸς τοὺς ἐροῦντας τὸ οὔ τι ὂν ἢ

τὶ διδάσκεσθαι εἰ γὰρ τὸ οὔ τι ὂν διδάσκοιτο

ἔσται ᾗ διδάσκεται τί καὶ διὰ τοῦτο ltτὸgt

αὐτὸ τἀναντία οὔτι καὶ τὶ ἔσται ὅπερ ἦν τῶν

ἀδυνάτων τῷ τε οὔτινι οὐδὲν συμβέβηκεν

διὸ οὐδὲ τὸ διδάσκεσθαι

O mesmo modo de revelar aporias seraacute usado

contra os que dizem que ou eacute ensinado algo ou

nada32 Pois se nada fosse ensinado tornar-se-ia

algo ensinado - de forma que a mesma coisa viria

a ser coisas contraacuterias nada e algo o que foi

considerado impossiacutevel Ao nada nada eacute

atribuiacutedo por isso nem mesmo o ser ensinado

[16] καὶ γὰρ τοῦτο τῶν συμβεβηκότων ἐστίν

οὐ τοίνυν τὸ οὔτι διδάσκεται κατὰ δὲ τὴν

αὐτὴν ἀναλογίαν καὶ τὸ τὶ τῶν ἀδιδάκτων

γενήσεται εἰ γὰρ διὰ τοῦτο διδακτὸν ἔσται

ὅτι ἔστιν οὐδὲν ἀδίδακτον ἔσται ᾧ ἕπεται τὸ

μηδὲν εἶναι διδακτόν

jaacute que este eacute um atributo Portanto o nada natildeo eacute

ensinado De maneira anaacuteloga tambeacutem o que eacute

algo vem a ser natildeo-ensinaacutevel Pois se fosse

ensinaacutevel simplesmente porque eacute algo nenhuma

coisa seria natildeo-ensinaacutevel com a consequecircncia de

que coisa alguma seria ensinaacutevel

[17] καὶ μὴν εἰ διδάσκεται ltτὸgt τί ἤτοι διὰ

τῶν οὐτινῶν διδαχθήσεται ἢ διὰ τῶν τινῶν

De fato se algo eacute ensinado teraacute de ser ensinado

ou por meio de algo ou por meio de nada Mas

108

8 Blank ad loc conforme Blomqvist p 73 Lecirc ἢ ao inveacutes de εἰ

ἀλλὰ διὰ μὲν τῶν οὐτινῶν οὐχ οἷόν τε

διδαχθῆναι ἀνυπόστατα γάρ ἐστι τῇ διανοίᾳ

ταῦτα κατὰ τοὺς ἀπὸ τῆς στοᾶς λείπεται οὖν

διὰ τῶν τινῶν γίνεσθαι τὴν μάθησιν ὃ πάλιν

ἄπορόν ἐστιν

natildeo eacute possiacutevel para ele ser ensinado por meio de

nada pois para o pensamento (dianoia) o nada eacute

insubsistente (anupostatos) segundo os estoicos

Resta-nos portanto que o ensino se decirc por meio

de algo O que eacute novamente aporeacutetico

[18] ὥσπερ γὰρ αὐτὸ τὸ διδασκόμενον κατὰ

τοῦτο διδάσκεται καθὸ τί ἐστιν οὕτως ἐπεὶ

καὶ τὰ ἐξ ὧν ἡ μάθησις τινά ἐστι ltπάνταgt

γενήσεται διδακτά καὶ ταύτῃ μηδενὸς ὄντος

ltἀgtδιδάκτου ἀναιρεῖται ἡ μάθησις

Pois da mesma forma que o que se ensina eacute ele

proacuteprio ensinado por esta condiccedilatildeo ou seja

porque eacute algo entatildeo visto tambeacutem serem algo as

coisas a partir das quais acontece o ensino todas

elas seratildeo ensinaacuteveis Por essa razatildeo se natildeo existe

nada natildeo-ensinaacutevel anula-se (anairetai)33 o

ensino

[19] Ἄλλως τε ἐπεὶ τῶν τινῶν τὰ μέν ἐστι

σώματα τὰ δὲ ἀσώματα δεήσει τὰ

διδασκόμενα τινὰ ὄντα ἤτοι σώματα εἶναι ἢ

ἀσώματα οὔτε δὲ σώματα δύναται ὑπάρχειν

οὔτε ἀσώματα ὡς παραστήσομεν οὐκ ἄρα

ἔστι τινὰ διδασκόμενα

E aleacutem disso jaacute que algo ou eacute corpoacutereo (soma)

ou incorpoacutereo (asoma) seraacute preciso que se o que

se ensina eacute algo seja ou corpoacutereo ou incorpoacutereo

Mas natildeo eacute possiacutevel ser nem corpoacutereo nem

incorpoacutereo como demonstraremos Logo natildeo

existe algo que se ensina

Περὶ σώματος

[20] Τὸ μὲν οὖν σῶμα καὶ μάλιστα κατὰ

τοὺς Στωικούς οὐκ ἂν εἴη τῶν διδακτῶν δεῖ

γὰρ τὰ διδασκόμενα λεκτὰ τυγχάνειν τὰ δὲ

σώματα οὐκ ἔστι λεκτά διόπερ οὐ

διδάσκεται εἴπερ δὲ τὰ σώματα μήτε αἰσθητά

ἐστι μήτε νοητά δῆλον ὡς οὐδὲ διδακτὰ

γενήσεται αἰσθητὰ μὲν οὖν οὐκ ἔστιν ὡς ἐκ

τῆς ἐννοίας αὐτῶν συμφανές

Sobre corpo34

O corpo de acordo principalmente com os

estoicos natildeo poderia ser uma coisa ensinaacutevel pois

as coisas que se ensinam precisam ser diziacuteveis

(lekta)35 e coisas corpoacutereas natildeo satildeo diziacuteveis por

isso natildeo satildeo ensinadas E se realmente as coisas

corpoacutereas natildeo satildeo nem sensiacuteveis (aistheta) nem

inteligiacuteveis (noeta) eacute evidente que natildeo seratildeo

ensinaacuteveis Natildeo serem sensiacuteveis eacute algo que estaacute

claro na definiccedilatildeo dos estoicos36

[21] ἢ 8 γὰρ σύνοδός ἐστι κατὰ ἀθροισμὸν

μεγέθους καὶ σχήματος καὶ ἀντιτυπίας τὸ

σῶμα ὥς φησιν Ἐπίκουρος ἢ τὸ τριχῇ

διαστατόν τουτέστι τὸ ἐκ μήκους καὶ

πλάτους καὶ βάθους καθάπερ οἱ μαθηματικοὶ

λέγουσιν ἢ τὸ τριχῇ διαστατὸν μετὰ

Pois ou o corpo eacute como diz Epicuro uma

combinaccedilatildeo por junccedilatildeo de grandeza forma e

solidez ou conforme dizem os matemaacuteticos eacute

algo de trecircs dimensotildees ou seja comprimento

largura e profundidade ou de novo segundo

Epicuro o que tem trecircs dimensotildees mais solidez (a

109

9 Blank ad loc deleta ἢ ὄγκος ἀντίτυπος ὡς ἄλλοι ou ainda uma massa soacutelida de acordo com outros pois esta definiccedilatildeo natildeo envolve diversas propriedades nem aparece em M IX ou em M XI Jaacute a tradutora francesa considera que se possa conceder valor argumentativo agrave passagem por implicar a conjunccedilatildeo de massa e resistecircncia (cf Dalimier ad loc) 10 Blank ad loc conforme Giusta p 74 Para [εἰ δὲ λογικῆς διανοίας] οὐκ 11 Blank ad loc com Blomqvist p 74 12 Blank ad loc com Blomqvist p 74 Deleta πάλιν novamente

ἀντιτυπίας ὡς πάλιν ὁ Ἐπίκουρος ἵνα τούτῳ

διορίζῃ τοῦ κενοῦ 9 ndash

fim de diferenciaacute-lo do vazio)

[22] ὅπως δrsquo ἂν ἔχῃ ἐπεὶ κατὰ σύνοδον

πολλῶν ἰδιωμάτων νοεῖται ἡ δὲ πλειόνων

ἐπισύνθεσις οὐχ ἁπλῆς τινος καὶ ἀλόγου

αἰσθήσεώς ἐστιν ἔργον ἀλλὰ λογικῆς

διανοίας εἰ δὲ λογικῆς διανοίας ltνοητόν

τιgt10 οὐκ ἔσται τῶν αἰσθητῶν τὸ σῶμα

- seja como for visto ser concebido (noeitai) por

uma conjunccedilatildeo de diversas propriedades

especiacuteficas e a combinaccedilatildeo de muitos elementos

natildeo eacute tarefa de um sentido (aisthesis) simples e

natildeo-racional (alogos) mas de pensamento

racional (logike dianoia) e se eacute tarefa de

pensamento racional eacute um inteligiacutevel o corpo natildeo

seraacute um sensiacutevel

[23] κἂν αἰσθητὸν δὲ ltπάλινgt11 αὐτὸ

ὑποθώμεθα πάλιν ἐστὶν ἀδίδακτον τὸ γὰρ

αἰσθητὸν 12 ᾗ αἰσθητόν ἐστιν οὐ διδάσκεται

οὐδεὶς γὰρ λευκὸν ὁρᾶν μανθάνει οὐδὲ

γλυκέος γεύεσθαι οὐδὲ θερμοῦ ἅπτεσθαι

οὐκ εὐώδους ὀσφραίνεσθαι ἀλλrsquo ἔστι ταῦτα

τῶν ἀδιδάκτων καὶ φυσικῶς ἡμῖν προσόντων

E mesmo supondo que seja sensiacutevel novamente eacute

algo natildeo-ensinaacutevel Pois o sensiacutevel na medida em

que eacute sensiacutevel natildeo eacute ensinado pois ningueacutem

aprende a ver o branco nem a sentir um gosto

doce ou o calor ou um odor agradaacutevel estas

coisas satildeo daquelas que natildeo satildeo ensinaacuteveis mas

fazem parte naturalmente do que somos37

[24] λείπεται οὖν νοητόν τε λέγειν τὸ σῶμα

καὶ ταύτῃ διδακτόν ὅπως δrsquo ἂν ἀληθὲς εἴη

σκοπῶμεν εἰ γὰρ μήτε μῆκός ἐστι κατrsquoἰδίαν

τὸ σῶμα μήτε πλάτος ἢ βάθος τὸ δὲ ἐξ

ἁπάντων νοούμενον ἀνάγκη πάντων

ἀσωμάτων ὄντων καὶ τὸ ἐξ αὐτῶν συστὰν

ἀσώματον νοεῖν καὶ οὐ σῶμα διὰ δὲ τοῦτο

καὶ ἀδίδακτον

Resta-nos neste caso considerar o corpo um

inteligiacutevel e por esta razatildeo algo ensinaacutevel

Vamos entatildeo examinar de que forma isto poderia

ser verdadeiro Pois se o corpo natildeo eacute nem

comprimento nem largura nem profundidade

separadamente mas o que se concebe (noein) a

partir de todas estas qualidades juntas eacute forccediloso

entatildeo jaacute que elas satildeo todas incorpoacutereas que o que

se concebe a partir delas seja tambeacutem incorpoacutereo

e natildeo um corpo por isso tambeacutem eacute natildeo-ensinaacutevel

[25] πρὸς τῷ τὸν νοοῦντα τὸ ἐκ τούτων

συνεστὼς σῶμα πρότερον ὀφείλειν αὐτὰ

ταῦτα νοεῖν ἵνα κἀκεῖνο δυνατὸν ᾖ νοεῖν ἢ

γὰρ περιπτωτικῶς αὐτὰ νοήσει ἢ κατὰ

E mais o que concebe o corpo como um conjunto

daqueles elementos deve primeiro conceber os

proacuteprios elementos para que seja entatildeo possiacutevel

conceber o tal conjunto Assim ou iraacute concebecirc-los

110 μετάβασιν ἀπὸ περιπτώσεως οὔτε δὲ

περιπτωτικῶς ἀσώματα γάρ ἐστι καὶ τῶν

ἀσωμάτων οὐκ ἀντιλαμβανόμεθα

περιπτωτικῶς ἀεὶ κατὰ θίξιν γινομένης τῆς

περὶ τὴν αἴσθησιν ἀντιλήψεως καὶ μὴν οὐδὲ

κατὰ μετάβασιν ἀπὸ περιπτώσεως τῷ μηδὲν

ἔχειν αἰσθητὸν ἀφrsquo οὗ μετιών τις ποιήσεται

τούτων ἐπίνοιαν τοίνυν οὐδὲ τὰ ἐξ ὧν τὸ

σῶμα νοεῖν δυνάμενοι πάντως οὐδὲ διδάσκειν

τοῦτο ἰσχύσομεν

por experiecircncia direta (periptotikos) ou por

transferecircncia (metabasis) a partir de uma

experiecircncia direta38 Natildeo os concebe por

experiecircncia direta jaacute que satildeo incorpoacutereos e os

incorpoacutereos natildeo satildeo apreendidos por experiecircncia

direta39 a apreensatildeo (antilepsis) sensoacuteria40 eacute

sempre motivada por contato41 Mas tampouco

com efeito por transferecircncia a partir de uma

experiecircncia direta porque natildeo haacute nenhum sensiacutevel

a partir do qual se possa fazer a transferecircncia e

chegar agrave concepccedilatildeo destes elementos42 De forma

que natildeo sendo sequer capazes de conceber os

elementos que o compotildeem muito menos seremos

capazes de ensinar o corpo

[26] Ἀλλὰ περὶ μὲν τῆς τοῦ σώματος

νοήσεώς τε καὶ ὑποστάσεως ἐν τοῖς

σκεπτικοῖς ὑπεμνήσαμεν ἀκριβέστερον νυνὶ

δὲ ἀποστάντες τούτων τῶν ἐλέγχων ἐκεῖνο

λέγωμεν ὅτι τῶν σωμάτων κατὰ τὸ ἀνωτάτω

διττή τίς ἐστι διαφορά τὰ μὲν γὰρ αὐτῶν

αἰσθητὰ καθέστηκε τὰ δὲ νοητά καὶ εἰ τὸ

διδασκόμενόν ἐστι σῶμα πάντως ἤτοι

νοητόν ἐστιν ἢ αἰσθητόν

Mas da concepccedilatildeo do corpo e de sua

subsistecircncia (hupostasis) tratamos mais

detidamente nos Discursos Ceacuteticos43 Por ora

deixando de lado tais refutaccedilotildees (elenkhoi)

voltaremos agravequele argumento que diz que os

corpos diferem primeiramente de duas formas

uns satildeo sensiacuteveis outros inteliacutegiveis E se o que

se ensina eacute corpoacutereo teraacute de ser obrigatoriamente

ou sensiacutevel ou inteligiacutevel

[27] ἀλλrsquo οὔτε αἰσθητὸν εἶναι δύναται διὰ τὸ

πᾶσιν ἐπrsquo ἴσης ὀφείλειν φαίνεσθαι καὶ

πρόδηλον ὑπάρχειν οὔτε νοητὸν διὰ τὸ

ἀδηλεῖσθαι καὶ αὐτὸ τοῦτο ἀνεπικρίτως

διαφωνεῖσθαι παρὰ πᾶσι τοῖς φιλοσόφοις

τῶν μὲν ἄτομον τοῦτο λεγόντων ὑπάρχειν

τῶν δὲ τμητόν καὶ τῶν τμητὸν φαμένων εἶναι

ἐνίων μὲν εἰς ἄπειρον τέμνεσθαι τοῦτο

ἀξιούντων ἐνίων δὲ εἰς ἐλάχιστον καὶ ἀμερὲς

καταλήγειν οὐκ ἄρα διδακτόν ἐστι τὸ σῶμα

Poreacutem natildeo eacute possiacutevel que seja sensiacutevel por ter de

ser igualmente manifesto (prodelon) e aparente

(phainesthai) para todos Tampouco eacute um

inteligiacutevel por ser natildeo-evidente e objeto de

discussatildeo sem fim entre todos os filoacutesofos uns

dizem que eacute indivisiacutevel outros que pode ser

dividido dos que dizem ser divisiacutevel uns

acreditam que se divide ao infinito (apeiros)

outros dizem que cessa em uma parte miacutenima

indivisiacutevel O corpo natildeo eacute portanto ensinaacutevel

[28] Καὶ μὴν οὐδὲ τὸ ἀσώματον πᾶν γὰρ

καὶ ὁποῖον ἄν τις ἀσώματον λέγῃ

E certamente tampouco o incorpoacutereo Pois

todo e qualquer incorpoacutereo que algueacutem afirme ser

111

13 Blank ad loc com De Marco 1956 p 153 Natildeo inserccedilatildeo de ltοὐκ ἄρα ἔστι τι τὸ διδασκόμενονgt

διδάσκεσθαι ἐάν τε τὴν Πλατωνικὴν ἰδέαν

ἐάν τε τὸ παρὰ τοῖς Στωικοῖς λεκτόν ἐάν τε

τόπον ἢ κενὸν ἢ χρόνον ἢ ἄλλο τι τῶν

τοιούτων ἵνα μηδὲν προπετὲς περὶ τῆς

ὑποστάσεως αὐτῶν λέγωμεν μηδrsquo ἑτέρας

σκέψεις ἐν ἑτέραις διεξοδεύωμεν παριστάντες

τὸ ἀνυπόστατον ἑκάστου lt ὃ gt προδήλως

μὲν ἐπιζητεῖται καὶ ἔς τrsquo ἂν ὕδωρ τε νάῃ καὶ

δένδρεα μακρὰ τεθήλῃ ζητήσεται παρὰ τοῖς

δογματικοῖς τῶν μὲν εἶναι ταῦτα

διαβεβαιουμένων τῶν δὲ μὴ εἶναι τῶν δὲ

ἐπεχόντων τὸ δὲ τὰ ἔτι ἐπίδικα καὶ ἐν

μετεώροις ἀμφισβητήσεσι κείμενα ὡς

σύμφωνα καὶ ὁμόλογα διδάσκεσθαι λέγειν

τῶν ἀτόπων ἐστίν

ensinado ndash seja a ideia platocircnica ou o diziacutevel

(lekton) dos estoacuteicos seja o lugar o vazio ou o

tempo ou qualquer outro como estes ndash sem

intenccedilatildeo de fazer qualquer afirmaccedilatildeo precipitada

(propetes)44 sobre sua subsistecircncia ou repassar

exaustivamente outras investigaccedilotildees provando a

insubsistecircncia de cada um continuam todos sendo

investigados pelos dogmaacuteticos E issolsquoenquanto as

aacuteguas correrem e as altas aacutervores floresceremrsquo45

uns sustentando firmemente que existem estas

coisas outros que natildeo existem e outros

suspendendo o juiacutezo E eacute absurdo dizer das coisas

que ainda estatildeo sob disputa e que permanecem em

controveacutersia indefinida que satildeo ensinadas como

se houvesse acordo unacircnime sobre elas

[29] Εἰ οὖν τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι σώματα

τὰ δὲ ἀσώματα δέδεικται δὲ οὐδέτερα

τούτων διδασκόμενα οὐδὲν διδάσκεται

Ἐπιχειρητέον δὲ καὶ οὕτως εἰ διδάσκεταί

τι ἤτοι ἀληθές ἐστιν ἢ ψεῦδος οὔτε δὲ

ψεῦδος διδακτόν ἐστιν ὡς αὐτόθεν

ὁμόλογον οὔτε ἀληθές τὸ γὰρ ἀληθὲς

ἄπορον ὡς ἐν τοῖς σκεπτικοῖς ὑπομνήμασι

δέδεικται καὶ τῶν ἀπόρων οὐκ ἔστι μάθησις

Portanto se das coisas que existem umas satildeo

corpoacutereas e outras incorpoacutereas e estaacute provado que

nenhuma destas se ensina nada eacute ensinado

Tambeacutem se pode argumentar da seguinte

maneira se algo eacute ensinado ou eacute verdadeiro ou eacute

falso Mas nem eacute ensinaacutevel o falso (admite-se de

imediato) nem o verdadeiro pois o que eacute

verdadeiro estaacute sujeito a aporia como foi

demonstrado nos nossos Comentaacuterios Ceacuteticos46 e

natildeo existe ensino de coisas aporeacuteticas47

[30] οὐκ ἄρα ἔστι τι τὸ διδασκόμενον

καθόλου τε εἰ διδάσκεταί τι ἤτοι τεχνικόν

ἐστιν ἢ ἄτεχνον καὶ ἄτεχνον μὲν ὂν οὐκ ἔστι

διδακτόν τεχνικὸν δὲ εἴπερ καθέστηκεν

αὐτόθεν μὲν φαινόμενον οὔτε τεχνικόν ἐστιν

οὔτε διδακτόν ἄδηλον δὲ καθεστὼς διὰ τὸ

ἀδηλεῖσθαι πάλιν ἐστὶν ἀδίδακτον13

Ὧι συναναιρεῖται καὶ ὁ διδάσκων διὰ τὸ

μὴ ἔχειν ὃ διδάξει [ᾗ ἄδηλόν ἐστιν] ὅ τε

logo natildeo existe algo que se ensina E no geral se

alguma coisa eacute ensinada ou ela faz parte de uma

arte (tekhnikon) ou natildeo faz (atekhnon) O que natildeo

faz parte de uma arte natildeo eacute ensinaacutevel E se faz

parte de uma arte ou eacute aparente em si mesma e

entatildeo nem faz parte de uma arte nem eacute ensinaacutevel

ou eacute natildeo-evidente e por ser natildeo-evidente

novamente eacute natildeo-ensinaacutevel48

Com isso anula-se tambeacutem aquele que ensina

112 μανθάνων διὰ τὸ μὴ ἔχειν ὃ μάθῃ ὅμως δrsquo

οὖν καὶ περὶ ἑκατέρου τούτων κατrsquo ἰδίαν

ἐπελθόντες ἀπορήσομεν

pois natildeo haacute o que ensinar e tambeacutem aquele que

aprende jaacute que natildeo haacute o que aprender Natildeo

obstante revelaremos as aporias relativas a cada

um deles atacando-os em especiacutefico

Περὶ τοῦ διδάσκοντος καὶ μανθάνοντος

[31] Εἰ γὰρ ἔστι τις τούτων ἤτοι ὁ ἄτεχνος

τὸν ὁμοίως ἄτεχνον διδάξει ἢ ὁ τεχνίτης τὸν

ὁμοίως τεχνίτην ἢ ὁ ἄτεχνος τὸν τεχνίτην ἢ

ἀνάπαλιν οὔτε δὲ ὁ ἄτεχνος τὸν ἄτεχνον

δύναται διδάσκειν ὡς οὐδὲ ὁ τυφλὸς τὸν

τυφλὸν ὁδηγεῖν οὔτε ὁ τεχνίτης τὸν ὁμοίως

τεχνίτην οὐδέτερος γὰρ αὐτῶν ἐδεῖτο

μαθήσεως καὶ οὐ μᾶλλον οὗτος ἐκείνου ἢ

ἐκεῖνος τούτου χρείαν ἔχει πρὸς τὸ

μανθάνειν τοῖς ἴσοις περιουσιαζόμενοι οὔτε

ὁ ἄτεχνος τὸν τεχνίτην

Sobre o que ensina e o que aprende

Pois bem se existe algum destes ou o leigo

(atekhnos) ensinaraacute ao igualmente leigo ou o

entendido (tekhnites) ensinaraacute ao igualmente

entendido ou ainda o leigo ao entendido ou o

entendido ao leigo O leigo natildeo pode ensinar o

leigo como um cego natildeo guia outro cego Nem o

entendido ao igualmente entendido porque a

nenhum deles falta ensino nem nenhum tem mais

necessidade que o outro de aprender - estando os

dois jaacute igualmente supridos Tampouco o leigo

pode ensinar ao entendido

[32] ὅμοιον γὰρ ὡς εἴ τις λέγοι τὸν βλέποντα

ὑπὸ τοῦ πεπηρωμένου ὁδηγεῖσθαι καὶ γὰρ ὁ

ἄτεχνος πρὸς τὰ τεχνικὰ τῶν θεωρημάτων

πεπηρωμένος οὐκ ἂν δύναιτό τινα διδάσκειν

ἃ μηδὲ τὴν ἀρχὴν οἶδεν καὶ ὁ τεχνίτης

διαβλέπων ἐν τοῖς τεχνικοῖς θεωρήμασι καὶ

γνῶσιν αὐτῶν ἐσχηκὼς οὐ δεήσεται τοῦ

διδάξοντος

que eacute o mesmo que supor o que enxerga sendo

guiado pelo que eacute completamente cego Pois o

leigo eacute completamente cego diante dos teoremas

(theoremata) de uma arte (tekhnika)49 de forma

que natildeo eacute possiacutevel que ensine aquilo de que natildeo

sabe o princiacutepio E o entendido que enxerga com

clareza em meio aos teoremas da arte e possui

conhecimento deles natildeo iraacute ter necessidade de um

professor50

[33] λείπεται οὖν τὸν τεχνίτην τοῦ ἀτέχνου

διδάσκαλον εἶναι λέγειν ὃ τῶν προτέρων

ἐστὶν ἀτοπώτερον ὅ τε γὰρ τεχνίτης

συνηπόρηται ἡμῖν τοῖς τῆς τέχνης

θεωρήμασιν ἐν τῷ σκεπτικῷ τόπῳ ὅ τε

ἄτεχνος οὔτε ὅτε ἐστὶν ἄτεχνος δύναται

γενέσθαι τεχνίτης οὔτε ὅτε ἐστὶ τεχνίτης ἔτι

γίνεται τεχνίτης ἀλλrsquo ἔστιν

Faltou entatildeo considerar o entendido como

professor do leigo o que eacute um disparate maior que

o anterior Pois ao tratar do ceticismo51

revelamos as aporias a que estaacute sujeito o

entendido por meio dos teoremas de sua arte E eacute

impossiacutevel que o leigo se torne um entendido

quando eacute leigo tampouco quando eacute entendido

ainda iraacute tornar-se entendido pois jaacute o eacute

[34] ἄτεχνος μὲν γὰρ ὢν ὅμοιός ἐστι τῷ ἐκ

γενετῆς τυφλῷ ἢ κωφῷ καὶ ὃν τρόπον οὗτος

Porque ser leigo eacute igual a ser cego ou surdo de

nascimento quem eacute assim jamais adquire

113 οὐδέποτε ἢ εἰς χρωμάτων ἢ εἰς φωνῶν ἐλθεῖν

ἔννοιαν πέφυκεν οὕτως οὐδὲ ὁ ἄτεχνος ἐφrsquo

ὅσον ἐστὶν ἄτεχνος τετυφλωμένος καὶ

κεκωφωμένος πρὸς τὰ τεχνικὰ θεωρήματα

οὔτε ἰδεῖν οὔτε ἀκοῦσαί τι τούτων οἷός τε

ἐστίν τεχνίτης δὲ γενόμενος οὐκέτι

διδάσκεται ἀλλὰ δεδίδακται

naturalmente a noccedilatildeo (ennoia) das cores ou dos

sons tal eacute o leigo naquilo em que eacute leigo cego e

surdo para os teoremas da arte incapaz de ver ou

entender qualquer deles E assim que se torna

entendido natildeo se ensina mais nada a ele pois jaacute

teraacute sido ensinado52

[35] Μετακτέον δὲ τὰς ἀπορίας ἐκ τῶν

περὶ μεταβολῆς καὶ πάθους γενέσεώς τε καὶ

φθορᾶς προεγκεχειρισμένων ἡμῖν ἐν ταῖς

πρὸς τοὺς φυσικοὺς ἀντιρρήσεσι τὰ δὲ νῦν

συγχωρήσαντες τοῖς ἀπὸ τῶν μαθημάτων

εἶναί τι τὸ διδασκόμενον πρᾶγμα καὶ εἶναί

τινα τὸν ὑφηγούμενον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸν

μανθάνοντα τὸ μετὰ τοῦτο ἀπαιτῶμεν τὸν

τρόπον τῆς μαθήσεως

Tambeacutem poderiacuteamos ainda acrescentar aporias

com base nos argumentos relativos agrave mudanccedila

passividade vir-a-ser e perecer que expusemos

em nossas refutaccedilotildees dos fiacutesicos53 Por ora

faremos uma concessatildeo aos que professam

estudos ciacuteclicos supondo que existam a coisa que

se ensina algueacutem que conduz o ensino e

igualmente algueacutem que aprende isto feito vamos

questionar o modo de ensinar

Περὶ τρόπου μαθήσεως

[36] Ἢ γὰρ ἐναργείᾳ γίνεται ἢ λόγῳ τὰ τῆς

διδασκαλίας ἀλλὰ τούτων ἡ μὲν ἐνάργεια

τῶν δεικτῶν ἐστί τὸ δὲ δεικτὸν φαινόμενον

τὸ δὲ φαινόμενον ᾗ φαίνεται κοινῶς πᾶσι

ληπτόν τὸ δὲ κοινῶς πᾶσι ληπτὸν ἀδίδακτον

οὐκ ἄρα τὸ ἐναργείᾳ δεικτὸν διδακτόν

Sobre o modo de ensinar

A instruccedilatildeo ocorre ou por meio de evidecircncia

(enargeia)54 ou por meio do discurso (logos) Mas

destes a evidecircncia eacute algo que pode ser apontado e

o que pode ser apontado eacute aparente e o que eacute

aparente por ser aparente pode ser percebido por

todos em comum E o que eacute percebido comumente

por todos eacute natildeo-ensinaacutevel Portanto o que pode

ser apontado pela evidecircncia natildeo eacute ensinaacutevel

[37] ὁ δὲ λόγος ἤτοι σημαίνει ἢ οὐ σημαίνει

καὶ μηδὲν μὲν σημαίνων οὐδὲ διδάσκαλός

τινός ἐστι σημαίνων δὲ ἤτοι φύσει τι

σημαίνει ἢ θέσει καὶ φύσει μὲν οὐ σημαίνει

διὰ τὸ μὴ πάντας πάντων ἀκούειν Ἕλληνας

βαρβάρων καὶ βαρβάρους Ἑλλήνων ἢ

Ἕλληνας Ἑλλήνων ἢ βαρβάρους βαρβάρων

O discurso por sua vez ou significa ou natildeo

significa E nada significando tampouco eacute

instrutivo Poreacutem se significa ou significa por

natureza (phusei) ou por convenccedilatildeo (thesei) Natildeo

significa por natureza por isso eacute que natildeo se

compreendem todos gregos a baacuterbaros baacuterbaros a

gregos gregos a gregos baacuterbaros a baacuterbaros55

[38] θέσει δὲ εἴπερ σημαίνει δῆλον ὡς οἱ μὲν

προκατειληφότες τὰ καθrsquo ὧν αἱ λέξεις κεῖνται

E se significa por convenccedilatildeo entatildeo eacute evidente

que os que previamente apreenderam

114 καὶ ἀντιλήψονται τούτων οὐ τὸ ἀγνοούμενον

ἐξ αὐτῶν διδασκόμενοι τὸ δrsquo ὅπερ ᾔδεισαν

ἀνανεούμενοι οἱ δὲ χρῄζοντες τῆς τῶν

ἀγνοουμένων μαθήσεως οὐκέτι

Εἰ οὖν οὔτε τὸ διδασκόμενον ἔστιν οὔτε ὁ

διδάσκων οὔτε ὁ μανθάνων οὔτε ὁ τρόπος

τῆς μαθήσεως δῆλον ὡς οὐδὲ μάθημα οὐδὲ

ὁ μαθήματος προεστώς

(prokatalambaino) as coisas agraves quais se aplicam

as palavras tambeacutem iratildeo entender (antilambaino)

as palavras (lekseis) natildeo se lhes estaacute ensinando

a partir delas algo desconhecido (to

agnooumenon) mas eles se recordam o que jaacute eacute

conhecido Jaacute os que esperam pelo ensino de

coisas desconhecidas natildeo iratildeo entendecirc-las56

Portanto se natildeo existem o que se ensina

aquele que ensina aquele que aprende nem o

modo de ensinar eacute evidente que natildeo existem nem

estudo nem aquele que professa o estudo

[39] ἀλλrsquo ἐπεὶ οὐ καθολικὴν μόνον πρὸς

πάντας τοὺς μαθηματικοὺς ὑπεσχόμεθα

ποιήσασθαι τὴν ἀντίρρησιν ἀλλὰ καὶ

εἰδικωτέραν πρὸς ἕκαστον ὑποτιθέμενοι τὸ

εἶναί τι μάθημα καὶ δυνατὴν ὑπάρχειν τὴν

μάθησιν σκοπῶμεν εἰ καὶ τὸ ἑκάστου

μαθήματος ἐπάγγελμα δυνατόν ἐστι

λαμβάνοντες πρὸς τοὺς ἐλέγχους μὴ πάντα τὰ

παρὰ τοῖς ἐλεγχομένοις λεγόμενα (τοῦτο γὰρ

σὺν τῷ περισκελὲς καὶ ἀμέθοδον εἶναι τάχα

καὶ ἀδύνατόν ἐστι)

Mas como nos dispusemos a apresentar natildeo

apenas um ataque geral contra a totalidade dos

estudos ciacuteclicos mas tambeacutem um mais especiacutefico

contra cada disciplina vamos admitir

hipoteticamente que exista algo como um estudo e

que eacute possiacutevel existir o ensino e verificaremos

entatildeo se o que cada estudo propotildee eacute possiacutevel Na

refutaccedilatildeo natildeo trataremos de tudo o que eacute dito

pelos que estatildeo sendo refutados (pois isto aleacutem de

excessivo e assistemaacutetico provavelmente eacute

impossiacutevel)

[40] μήτε δrsquo ἐκ πάντων τὰ ὁποιαοῦν (τοῦτο

γὰρ ἴσως οὐδὲ καθικνεῖται αὐτῶν) ἀλλὰ τὰ

ὧν ἀναιρουμένων συναναιρεῖται πάντα καὶ

ὃν τρόπον οἱ πόλιν λαβεῖν σπεύδοντες

ἐκείνων μάλιστα ἐγκρατεῖς γίνεσθαι

σπουδάζουσιν ὧν ἁλόντων καὶ ἡ πόλις

ἑάλωκεν οἷον τείχη καθαιροῦντες ἢ στόλον

ἐμπιπράντες ἢ τὰς εἰς τὸ ζῆν ἀφορμὰς

ἀποκλείοντες οὕτω καὶ ἡμεῖς τοῖς ἀπὸ τῶν

μαθημάτων διαγωνιζόμενοι τὸ αὐτὸ

πειράζωμεν ἐξ ὧν αὐτοῖς σώζεται τὰ πάντα

οἷον ἢ ἀρχὰς ἢ τὰς ἐκ τῶν ἀρχῶν καθολικὰς

μεθόδους ἢ τὰ τέλη ἐν τούτοις γὰρ ἢ ἐκ

tampouco faremos uma escolha aleatoacuteria (porque

talvez natildeo os destruiacutessemos deste modo) mas

escolheremos justamente o que anulado anula

todo o resto E assim como os que atacam uma

cidade se esforccedilam principalmente em derrubar

muralhas pocircr fogo nos navios ou cortar suas

provisotildees - porque a conquista destas coisas

significa a conquista da cidade o mesmo faremos

noacutes ao combater os que professam estudos

ciacuteclicos atacaremos o que para eles eacute a

sustentaccedilatildeo do todo por exemplo os princiacutepios

(ta arkha) ou os meacutetodos gerais calcados nos

princiacutepios ou suas finalidades57 Pois todo estudo

115

ΠΡΟΣ ΓΡΑΜΜΑΤΙΚΟΥΣ

[41] Ἀρχέτω δὲ ἡμῖν εὐθὺς ἡ πρὸς τοὺς

γραμματικοὺς ζήτησις πρῶτον μὲν ἐπείπερ

ἀπὸ νηπιότητος σχεδὸν καὶ ἐκ πρώτων

σπαργάνων γραμματικῇ παραδιδόμεθα ἔστι

δὲ αὕτη οἷον ἀφετήριόν τι πρὸς τὴν τῶν

ἄλλων μάθησιν εἶθrsquo ὅτι παρὰ πάσας

θρασύνεται τὰς ἐπιστήμας σχεδόν τι τὴν τῶν

Σειρήνων ὑπόσχεσιν ὑπισχνουμένη

CONTRA OS GRAMAacuteTICOS

Vamos comeccedilar nossa investigaccedilatildeo

diretamente contra os gramaacuteticos (grammatikoi)59

Em primeiro lugar porque desde a primeira

infacircncia praticamente em fraldas somos

entregues agrave gramaacutetica ela funciona como ponto de

partida para o ensino das outras disciplinas60 E

em segundo porque eacute a mais pretensiosa das

lsquociecircnciasrsquo (epistemai) prometendo quase o mesmo

que prometem as Sereias61

[42] ἐκεῖναι μὲν γὰρ εἰδυῖαι ὅτι φύσει

φιλομαθής ἐστιν ἅνθρωπος καὶ πολὺς αὐτῷ

κατὰ στέρνων τῆς ἀληθείας ἵμερος ἐντέτηκεν

οὐ μόνον θεσπεσίοις μέλεσι κηλήσειν τοὺς

παραπλέοντας ὑπισχνοῦνται ἀλλὰ καὶ τὰ ὄντα

αὐτοὺς διδάξειν φασὶ γὰρ

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ μέγα κῦδος

Ἀχαιῶν

νῆα κατάστησον ἵνα νωιτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς

οὐ γάρ πώ τις τῇδε παρέπλω νηὶ μελαίνῃ

πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo

ἀκούσῃ

ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται καὶ πλείονα

εἰδώς

ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ Τροίῃ εὐρείῃ

Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν ἰότητι μόγησαν

ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ χθονὶ

πουλυβοτείρῃ

Pois as Sereias sabem que o homem eacute por

natureza aacutevido de conhecimento e guarda no

fundo do peito intenso desejo pela verdade

Assim aos que navegam ao seu redor natildeo

prometem apenas o deleite de seus doces cantos

divinais mas tambeacutem ensinar-lhes quanto existe

(ta onta) pois dizem

ldquorsquoVem para perto famoso Odisseu dos Aquivos

orgulho

traz para caacute teu navio que possas o canto

escutar-nos

Em nenhum tempo ningueacutem por aqui navegou em

nau negra

sem nossa voz inefaacutevel ouvir qual dos laacutebios nos

soa

Bem mais instruiacutedo prossegue depois de se haver

deleitado

Todas as coisas sabemos que em Troia e vastas

campinas

τούτων συνίσταται πᾶν μάθημα

ou fundamenta-se nestes pontos ou se constitui a

partir deles58

104

pela vontade dos deuses Troianos e Argivos

sofreram

como tambeacutem quanto passa no dorso da terra

fecundarsquordquo

[Od XII 184-91 Trad Carlos Alberto Nunes]

[43] ἡ δὲ γραμματική σὺν τῷ τὰ ἐκ τῶν

μύθων τε καὶ ἱστοριῶν λόγῳ διορίζειν καὶ τὸ

περὶ τὰς διαλέκτους καὶ τεχνολογίας καὶ

ἀναγνώσεις πραγματικὸν αὐχοῦσα πολὺν

ἑαυτῆς ἐργάζεται τοῖς ἀκούουσι πόθον ἀλλrsquo

ἵνα μὴ παρὰ θύραν πλανᾶσθαι δοκῶμεν

ὑποδεικτέον πόσαι τέ εἰσι γραμματικαὶ καὶ

περὶ τίνος αὐτῶν πρόκειται ζητεῖν

E assim a gramaacutetica eacute capaz de provocar grande

desejo por ela em quem a escuta vangloriar-se do

trabalho praacutetico (to pragmatikon) acerca de

dialetos exposiccedilotildees teacutecnicas (tekhnologiai) e

criacuteticas textuais (anagnoseis)62 somado ao de

explicar racionalmente (logoi) detalhes de mitos e

histoacuterias Mas para natildeo parecer que damos voltas

ao assunto conveacutem indicar quantas gramaacuteticas

existem e qual se pretende investigar

Ποσαχῶς λέγεται γραμματική

[44] Γραμματικὴ τοίνυν λέγεται κατὰ

ὁμωνυμίαν κοινῶς τε καὶ ἰδίως καὶ κοινῶς

μὲν ἡ τῶν ὁποιωνδηποτοῦν γραμμάτων

εἴδησις ἐάν τε Ἑλληνικῶν ἐάν τε

βαρβαρικῶν ἣν συνήθως γραμματιστικὴν

καλοῦμεν ἰδιαίτερον δὲ ἡ ἐντελὴς καὶ τοῖς

περὶ Κράτητα τὸν Μαλλώτην Ἀριστοφάνην τε

καὶ Ἀρίσταρχον ἐκπονηθεῖσα

Em quantos sentidos se diz lsquogramaacuteticarsquo

Pois bem gramaacutetica se diz por homoniacutemia

num sentido geral e noutro especiacutefico Diz-se em

geral do aprendizado das letras sejam gregas ou

estrangeiras o que chamamos correntemente de

lsquogramatiacutesticarsquo No sentido especiacutefico diz-se

daquela completa organizada por Crates de

Malos Aristoacutefanes Aristarco e seus seguidores

[45] δοκεῖ δὲ τούτων ἑκατέρα καὶ ἀπό τινος

ἐτύμου φερωνύμως προσηγορεῦσθαι ἡ μὲν

γὰρ πρώτη ἀπὸ τῶν γραμμάτων οἷς

σημειούμεθα τὰς ἐνάρθρους φωνάς ἡ δὲ

δευτέρα τάχα μέν ὥς τινες ἠξιώκασι

διατατικώτερον14 ἀπὸ τῆς πρώτης μοῖρα γάρ

ἐστιν αὐτῆς καὶ ὃν τρόπον ἡ ἰατρικὴ εἴρηται

μὲν τὸ παλαιὸν ἀπὸ τῆς τῶν ἰῶν ἐξαιρέσεως

ἐπικατηγορεῖται δὲ νῦν καὶ τῆς τῶν ἄλλων

Ambas parecem estar assim denominadas a partir

do significado da palavra de origem A primeira a

partir de lsquoletrasrsquo (grammata) que usamos como

signos dos sons articulados E a segunda

acreditam alguns por extensatildeo da primeira pois

as letras satildeo uma seccedilatildeo (moira) dela Do mesmo

modo como a medicina (iatrike) no passado

recebeu este nome por remover venenos (ioi) mas

hoje se encarrega do tratamento de outros males

14 Blank ad loc ldquocom os editores anteriores e a maioria dos MSSrdquo Para διαταltκgtτικώτερον em Mau

105

παθῶν ἀνασκευῆς πολλῷ τεχνικωτέρας

οὔσης

sendo muito mais teacutecnica (tekhnikotera)

[46] καὶ ὡς γεωμετρία ἔσπακε μὲν τὴν κλῆσιν

ἀρχικῶς ἀπὸ τῆς κατὰ τὴν γῆν

καταμετρήσεως τάττεται δὲ ἐπὶ τοῦ παρόντος

καὶ κατὰ τῆς τῶν φυσικωτέρων θεωρίας

οὕτω καὶ ἡ τέλειος γραμματικὴ ἀπὸ τῆς τῶν

γραμμάτων εἰδήσεως κατrsquo ἀρχὰς

ὀνομασθεῖσα διετάθη καὶ ἐπὶ τὴν ἐν τοῖς

ποικιλωτέροις αὐτῶν καὶ τεχνικωτέροις

θεωρήμασι γνῶσιν

Ou como a geometria assim chamada no princiacutepio

por conta da mensuraccedilatildeo (metron) da terra (ge)

mas no presente se aplica a uma teoria (theoria)

mais voltada a leis da natureza (phusikoteron) O

mesmo acontece com a gramaacutetica completa que

foi nomeada no princiacutepio a partir do aprendizado

das letras e foi estendida ao conhecimento das

letras em teoremas mais variados e mais

teacutecnicos63

[47] τάχα δέ ὥς φασιν οἱ περὶ τὸν

Ἀσκληπιάδην καὶ αὐτὴ ἀπὸ μὲν γραμμάτων

ὠνόμασται οὐκ ἀπὸ τούτων δὲ ἀφrsquo ὧν καὶ ἡ

γραμματιστική ἀλλrsquo ἐκείνη μέν ὡς ἔφην

ἀπὸ τῶν στοιχείων αὕτη δὲ ἀπὸ τῶν

συγγραμμάτων περὶ οἷς πονεῖται γράμματα

γὰρ καὶ ταῦτα προσηγορεύετο καθὰ καὶ

δημόσια καλοῦμεν γράμματα καὶ πολλῶν

τινὰ γραμμάτων ἔμπειρον ὑπάρχειν φαμέν

τουτέστιν οὐ τῶν στοιχείων ἀλλὰ τῶν

συγγραμμάτων

Talvez como dizem os que seguem Asclepiacuteades

teria sido tambeacutem nomeada a partir de lsquoletrasrsquo

poreacutem natildeo no sentido que tecircm na gramatiacutestica de

lsquoelementosrsquo (stoikheia) do alfabeto como foi dito

mas desta vez por causa das composiccedilotildees

(sungrammata) sobre as quais se trabalha

Tambeacutem estas satildeo chamadas lsquoletrasrsquo do mesmo

modo que se fala em lsquoletras puacuteblicasrsquo ou quando

dizemos de algueacutem que eacute versado em lsquomuitas

letrasrsquo natildeo nos referimos assim aos elementos do

alfabeto mas a composiccedilotildees

[48] Καλλίμαχος δέ ποτὲ μὲν τὸ ποίημα

καλῶν γράμμα ποτὲ δὲ τὸ καταλογάδην

σύγγραμμα φησί

Κρεοφύλου πόνος εἰμί δόμῳ ποτὲ θεῖον

ἀοιδόν

δεξαμένου κλείω δrsquo Εὔρυτον ὅσσrsquo ἔπαθεν

καὶ ξανθὴν Ἰόλειαν Ὁμήρειον δὲ καλεῦμαι

γράμμα Κρεοφύλῳ Ζεῦ φίλε τοῦτο μέγα

καὶ πάλιν

εἴπας lsquoἭλιε χαῖρεrsquo Κλεόμβροτος

Ἀμπρακιώτης

Caliacutemaco certa vez referiu-se agrave composiccedilatildeo

poeacutetica e em outro momento agrave composiccedilatildeo em

prosa ambas como lsquoletrarsquo (gramma)

Sou trabalho de Creoacutefilo que certa vez em sua

casa o divino bardo

recebeu Canto quanto sofreu Eurito

e a loira Ioleia e sou chamado homeacuterico

poema (gramma) Caro Zeus para Creoacutefilo isto eacute

importante [Ep 6 Pfeiffer]

e ainda

Dizendo ldquoAdeus Solrdquo Cleocircmbroto de Ambraacutecia

106

ἥλατrsquo ἀφrsquo ὑψηλοῦ τείχεος εἰς Ἀίδην

ἄξιον οὐδὲν ἰδὼν θανάτου τέλος ἀλλὰ

Πλάτωνος

ἓν τὸ περὶ ψυχῆς γράμμrsquo ἀναλεξάμενος

de alta muralha ao Hades atirou-se

natildeo pensava ter motivo para morrer mas de

Platatildeo

tinha lido um soacute livro (gramma)rdquoSobre a almardquo

[Ep 23 Pfeiffer]

[49] Πλὴν διττῆς οὔσης γραμματικῆς τῆς

μὲν τὰ στοιχεῖα καὶ τὰς τούτων συμπλοκὰς

διδάξειν ἐπαγγελλομένης καὶ καθόλου τέχνης

τινὸς οὔσης τοῦ γράφειν τε καὶ ἀναγινώσκειν

τῆς δὲ βαθυτέρας παρὰ ταύτην δυνάμεως οὐκ

ἐν ψιλῇ γραμμάτων γνώσει κειμένης ἀλλὰ

κἀν τῷ ἐξετάζειν τὴν εὕρεσιν αὐτῶν καὶ τὴν

φύσιν ἔτι δὲ τὰ ἐκ τούτων συνεστῶτα λόγου

μέρη καὶ εἴ τι τῆς αὐτῆς ἰδέας θεωρεῖται

πρόκειται νῦν ἀντιλέγειν οὐ τῇ προτέρᾳ

συμφώνως γὰρ κατὰ πάντας ἐστὶ χρειώδης ἐν

οἷς θετέον καὶ τὸν Ἐπίκουρον εἰ καὶ δοκεῖ

τοῖς ἀπὸ τῶν μαθημάτων διεχθραίνειν ἐν

γοῦν τῷ περὶ δώρων καὶ χάριτος ἱκανῶς

πειρᾶται διδάσκειν ὅτι ἀναγκαῖόν ἐστι τοῖς

σοφοῖς μανθάνειν γράμματα

Existem portanto duas gramaacuteticas aquela que

promete ensinar os elementos do alfabeto e suas

combinaccedilotildees e eacute uma arte geral do ler e escrever

e aquela mais complexa cujo domiacutenio natildeo se

restringe ao simples conhecimento das letras mas

estende-se agrave investigaccedilatildeo de sua origem e

natureza e ainda das partes da sentenccedila (logou

mere)64 compostas a partir das letras e se ocupa de

coisas deste tipo Nossa intenccedilatildeo natildeo eacute falar

contra a primeira pois eacute indiscutivelmente uacutetil65

no que concorda mesmo Epicuro ainda que

pareccedila odiar os que professam estudos ciacuteclicos

Pelo menos no seu livro Sobre daacutedivas e gratidatildeo

ele se empenhou consideravelmente em mostrar

que eacute fundamental para os saacutebios aprenderem as

letras

[50] καὶ ἄλλως εἴπαιμεν ἂν ἡμεῖς οὐ σοφοῖς

μόνον ἀλλὰ καὶ πᾶσιν ἀνθρώποις ὅτι γὰρ

πάσης τέχνης τὸ τέλος εὔχρηστόν ἐστι τῷ

βίῳ φανερόν

Noacutes jaacute diriacuteamos de outra forma eacute fundamental

para todos os homens natildeo apenas para os saacutebios

Pois a finalidade (telos) de toda arte (tekhne) eacute

obviamente bastante uacutetil (eukhreston) para a

vida66

[51] τῶν δὲ τεχνῶν αἱ μὲν προηγουμένως

ὑπὲρ τῆς τῶν ὀχληρῶν ἐκκλίσεως παρῆλθον

αἱ δὲ ὑπὲρ τῆς τῶν ὠφελίμων εὑρέσεως καὶ

ἔστι τῆς μὲν πρώτης ἰδέας ἰατρική παιωνὶς

οὖσα καὶ λυσίπονος τέχνη τῆς δὲ δευτέρας

κυβερνητική τῆς γὰρ ἀπὸ τῶν ἄλλων ἐθνῶν

χρείας μάλιστα δέονται πάντες ἄνθρωποι

Haacute artes que primeiro se estabeleceram com o

propoacutesito de afastar problemas e outras cuja

intenccedilatildeo eacute trazer benefiacutecios A medicina eacute do

primeiro tipo pois eacute uma arte para a cura e aliacutevio

de sofrimentos Agrave segunda classe pertence a

navegaccedilatildeo visto que todos os homens tecircm grande

necessidade dos suprimentos provenientes de

107

outros povos e paiacuteses

[52] ἐπεὶ οὖν ἡ γραμματιστικὴ διὰ τῆς τῶν

γραμμάτων ἐπινοίας ἰᾶται μὲν ἀργότατον

πάθος τὴν λήθην συνέχει δὲ ἀναγκαιοτάτην

ἐνέργειαν τὴν μνήμην τὰ πάντα ἐπrsquo αὐτῇ

κεῖται σχεδόν καὶ οὔτε ἄλλους τι ἔνεστι τῶν

ἀναγκαίων διδάσκειν οὔτε παρrsquo ἄλλου μαθεῖν

τι τῶν λυσιτελῶν χωρὶς αὐτῆς δυνατὸν ἔσται

οὐκοῦν τῶν χρησιμωτάτων ἡ γραμματιστική

Pois bem a gramatiacutestica por meio da

compreensatildeo (epinoia) das letras promove a cura

do mais indolente dos males - o esquecimento e

suporta a atividade (energeia) mais necessaacuteria minus a

memoacuteria pois quase tudo depende dela E sem ela

natildeo eacute possiacutevel nem ensinar aos outros nenhuma

das coisas que satildeo necessaacuterias nem aprender de

outro algo beneacutefico Portanto de fato a

gramatiacutestica estaacute entre as coisas que mais nos satildeo

uacuteteis

[53] ἀμέλει γοῦν οὐδὲ θελήσαντες

δυνησόμεθα ταύτην ἀπεριτρέπτως ἀνελεῖν εἰ

γὰρ αἱ ἄχρηστον διδάσκουσαι τὴν

γραμματιστικὴν ἐπιχειρήσεις εἰσὶν εὔχρηστοι

οὔτε δὲ μνημονευθῆναι οὔτε τοῖς αὖθις

παραδοθῆναι χωρὶς αὐτῆς δύνανται χρειώδης

ἐστὶν ἡ γραμματιστική καίτοι δόξειεν ἄν

τισιν ἐπὶ τῆς ἐναντίας εἶναι προλήψεως ὁ

προφήτης τῶν Πύρρωνος λόγων Τίμων ἐν οἷς

φησι

γραμματική τῆς οὔ τις ἀνασκοπὴ οὐδrsquo

ἀνάθρησις

ἀνδρὶ διδασκομένῳ Φοινικικὰ σήματα

Κάδμου

De qualquer forma mesmo se quiseacutessemos natildeo

poderiacuteamos destruiacute-la sem nos refutarmos

(aperitreptos) Porque mesmo que fossem uacuteteis

os argumentos contra a utilidade da gramatiacutestica

natildeo seriam nem memorizados nem divulgados

sem seu auxiacutelio para tanto a gramatiacutestica eacute

necessaacuteria Poderia parecer a algueacutem que foi de

opiniatildeo contraacuteria Timon arauto das palavras de

Pirro quando disse

A gramaacutetica sobre a qual natildeo haacute consideraccedilatildeo

nem exame atento

para o homem a quem foram ensinados os feniacutecios

sinais de Cadmo

[fr 835 Lloyd-JonesParsons]

[54] οὐ μὴν οὕτως ἔχειν φαίνεται τὸ γὰρ ὑπrsquo

αὐτοῦ λεγόμενον οὐκ ἔστι τοιοῦτον κατrsquo

αὐτῆς τῆς γραμματιστικῆς καθrsquo ἣν

διδάσκεται τὰ Φοινικικὰ σήματα Κάδμου τὸ

rsquoοὐδεμία ἐστὶν ἀνασκοπὴ οὐδrsquo ἀνάθρησιςrsquo

πῶς γάρ εἰ διδάσκεταί τις αὐτήν οὐδεμίαν

ἔσχηκεν ἐπιστροφὴν αὐτῆς ἀλλὰ μᾶλλον

τοιοῦτό φησι lsquoδιδαχθέντι τὰ Φοινικικὰ

Mas na verdade natildeo eacute como parece porque

quando diz lsquosem consideraccedilatildeo nem exame atentorsquo

natildeo estaacute se referindo agrave gramatiacutestica que ensina lsquoos

sinais feniacutecios de Cadmorsquo67 Pois como poderia

ser ensinada sem ser considerada O que ele estaacute

dizendo parece ser isso lsquoaquele a quem foram

ensinados os sinais feniacutecios de Cadmo natildeo

considera aleacutem dessa nenhuma outra gramaacuteticarsquo

108

σήματα Κάδμου οὐδεμιᾶς ἄλλης παρὰ τοῦτό

ἐστι γραμματικῆς ἐπιστροφήrsquo ὅπερ

καταστρέφει οὐκ εἰς τὸ ἀχρηστεῖν ταύτην τὴν

ἐν τοῖς στοιχείοις καὶ τῷ διrsquo αὐτῶν γράφειν τε

καὶ ἀναγινώσκειν θεωρουμένην ἀλλὰ τὴν

πέρπερον καὶ περιεργοτέραν

De forma que natildeo denuncia a inutilidade daquela

que se ocupa dos elementos do alfabeto e de como

ler e escrever com eles mas sim da outra

presunccedilosa e supeacuterflua

[55] ἡ μὲν γὰρ τῶν στοιχείων χρῆσις ἤπειγεν

εἰς τὴν τοῦ βίου διεξαγωγήν τὸ δὲ μὴ

ἀρκεῖσθαι τῇ ἐκ τῆς παρατηρήσεως τούτων

παραδόσει προσεπιδεικνύναι δὲ ὡς τάδε μέν

ἐστι φωνάεντα τῇ φύσει τάδε δὲ σύμφωνα

καὶ τῶν φωναέντων τὰ μὲν φύσει βραχέα τὰ

δὲ μακρὰ τὰ δὲ δίχρονα καὶ κοινὰ μήκους τε

καὶ συστολῆς καὶ καθόλου τὰ λοιπὰ περὶ ὧν

οἱ τετυφωμένοι τῶν γραμματικῶν

διδάσκουσιν ltἄχρηστά ἐστινgt

Pois se por um lado a utilizaccedilatildeo dos elementos

do alfabeto contribui na conduccedilatildeo da vida por

outro natildeo se contentar em transmiti-los por meio

de sua observaccedilatildeo (parateresis) e ir aleacutem

apontando os que satildeo vogais por natureza os que

satildeo consoantes e dentre as vogais as que satildeo por

natureza breves e as que satildeo longas e quais satildeo

ambiacuteguas com largura e brevidade em comum

isto e no geral todo o resto que ensinam os

gramaacuteticos arrogantes eacute inuacutetil

[56] ὥστε τῇ μὲν γραμματιστικῇ πρὸς τῷ

μηδὲν ἐγκαλεῖν ἔτι καὶ τὰς ἀνωτάτω χάριτας

ὀφείλομεν τῇ δὲ λειπομένῃ προσάπτομεν

τοὺς ἐλέγχους τὸ δὲ εἴτε ὑγιῶς εἴτε

τοὐναντίον μάθοιμεν ἂν προσεξαπλώσαντες

αὐτῆς τὸν χαρακτῆρα

De modo que contra a gramatiacutestica nada temos a

dizer pelo contraacuterio somos imensamente gratos a

ela Agravequela outra eacute que vamos dirigir nossas

refutaccedilotildees Se o fazemos de modo apropriado

(hugios) ou natildeo eacute algo que soacute poderemos saber

depois que tivermos delineado seu caraacuteter

Τί ἐστι γραμματική

[57] Ἐπεὶ οὔτε ζητεῖν οὔτε ἀπορεῖν ἔστι

κατὰ τὸν σοφὸν Ἐπίκουρον ἄνευ προλήψεως

εὖ ἂν ἔχοι πρὸ τῶν ὅλων σκέψασθαι τί τrsquo

ἐστὶν ἡ γραμματική καὶ εἰ κατὰ τὴν

ἀποδιδομένην ὑπὸ τῶν γραμματικῶν ἔννοιαν

δύναται συστατόν τι καὶ ὑπαρκτὸν νοεῖσθαι

μάθημα Διονύσιος μὲν οὖν ὁ Θρᾷξ ἐν τοῖς

παραγγέλμασί φησι lsquoγραμματική ἐστιν

ἐμπειρία ὡς ἐπὶ τὸ πλεῖστον τῶν παρὰ

ποιηταῖς τε καὶ συγγραφεῦσι λεγομένωνrsquo

Que eacute a gramaacutetica

Conforme o saacutebio Epicuro nem se investiga

nem se conduz agrave aporia sem uma concepccedilatildeo

preacutevia (prolepsis) Portanto melhor seria antes de

todo o resto considerarmos com atenccedilatildeo que coisa

eacute a gramaacutetica e se conforme a definiccedilatildeo

(ennoia)68 exposta pelos gramaacuteticos eacute possiacutevel

concebecirc-la como um estudo consistente (sustatos)

e existente (huparktos)69 Dioniacutesio Traacutecio diz em

seus preceitos70 que ldquogramaacutetica eacute experiecircncia

(empeiria) na maior parte do que dizem os poetas

109

συγγραφεῖς καλῶν ὡς ἔστιν ἐκ τῆς πρὸς τοὺς

ποιητὰς ἀντεμφάσεως πρόδηλον οὐκ ἄλλους

τινὰς ἢ τοὺς καταλογάδην

πραγματευσαμένους

e escritoresrdquo71 Na oposiccedilatildeo com poetas fica claro

que lsquoescritoresrsquo natildeo se refere a outros senatildeo

agravequeles que escrevem em prosa

[58] τά τε παρὰ τοῖς ποιηταῖς [καὶ

συγγραφεῦσιν] ἃ ὁ γραμματικὸς ἑρμηνεύειν

φαίνεται καθάπερ Ὁμήρῳ τε καὶ Ἡσιόδῳ

Πινδάρῳ τε καὶ Εὐριπίδῃ καὶ Μενάνδρῳ καὶ

τοῖς ἄλλοις τά τε παρὰ τοῖς συγγραφεῦσιν

οἷον Ἡροδότῳ καὶ Θουκυδίδῃ καὶ Πλάτωνι

ὡς ἴδιον ἔργον μετέρχεται

Como sua tarefa particular72 o gramaacutetico trata

tanto do que dizem os poetas coisas que parece

interpretar (hermeneuein) (poetas como Homero

Hesiacuteodo Piacutendaro e Euriacutepides e Menandro e os

outros) quanto do que dizem os escritores (como

Heroacutedoto Tuciacutedides e Platatildeo)

[59] παρὸ καὶ οἱ χαρίεντες ἐξ αὐτῶν περὶ

πολλῶν ἐπραγματεύσαντο συγγραφέων

τοῦτο μὲν ἱστορικῶν τοῦτο δὲ ῥητορικῶν καὶ

ἤδη φιλοσόφων ζητοῦντες τίνα τε δεόντως

καὶ ἀκολούθως ταῖς διαλέκτοις εἴρηται καὶ

τίνα παρέφθαρται τί τε σημαίνει παρὰ μὲν

Θουκυδίδῃ λόγου χάριν τὸ lsquoζάγκλονrsquo καὶ

lsquoτορνεύοντεςrsquo παρὰ δὲ Δημοσθένει τὸ lsquoἐβόα

ὥσπερ ἐξ ἁμάξηςrsquo ἢ πῶς ἀναγνωστέον παρὰ

Πλάτωνι τὴν lsquoη δ οςrsquo λέξιν πότερον ψιλῶς

ἐκφέροντα τὴν πρώτην συλλαβὴν ἢ δασέως ἢ

τὴν μὲν πρώτην ψιλῶς τὴν δὲ δευτέραν

δασέως ἢ ἀμφοτέρας ψιλῶς ἢ ἐναλλάξ

Assim os que se destacam entre eles ocuparam-se

de muitos escritores diferentes ora historiadores

ora retoacutericos e ora73 filoacutesofos procurando o que

estaacute dito adequadamente de acordo com o dialeto

e o que estaacute equivocado o que significa por

exemplo zanklon74 (lsquofoicersquo) em Tuciacutedides ou

torneuontes75 ou lsquogritou como se a partir de um

carrorsquo76 em Demoacutestenes ou como deve ser lida a

expressatildeo lsquoΗΔΟΣrsquo (edos) em Platatildeo se a primeira

siacutelaba eacute aspirada ou branda se a primeira eacute

aspirada e a segunda branda se satildeo ambas

aspiradas ou ambas sem aspiraccedilatildeo77

[60] διὰ γὰρ τὰ τοιαῦτα εἴρηται ἡ γραμματικὴ

ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων Οὗτος μὲν οὖν

οὕτως ἐγκαλεῖ δὲ αὐτῷ Πτολεμαῖος ὁ

Περιπατητικὸς ὅτι οὐκ ἐχρῆν ἐμπειρίαν

εἰρηκέναι τὴν γραμματικήν [61] (αὐτὴ μὲν

Por essas razotildees eacute que se diz que a gramaacutetica eacute

experiecircncia do que dizem poetas e escritores Pois

bem isso foi o que disse Dioniacutesio Contra ele

Ptolomeu o Peripateacutetico78 argumentou que a

gramaacutetica natildeo deveria ter sido definida como

experiecircncia (jaacute que experiecircncia mesmo eacute

γὰρ ἡ ἐμπειρία τριβή τίς ἐστι καὶ ἐργάτις

ἄτεχνός τε καὶ ἄλογος ἐν ψιλῇ παρατηρήσει

καὶ συγγυμνασίᾳ κειμένη ἡ δὲ γραμματικὴ

praacutetica (tribe) que opera sem arte (atekhnos) e

sem entendimento (alogos) resumindo-se a

simples observaccedilatildeo e treino ndash mas a gramaacutetica eacute

110

τέχνη καθέστηκεν) οὐ συνορῶν ὅτι τάττεται

μὲν καὶ ἐπὶ τέχνης τοὔνομα καθὼς ἐν τοῖς

ἐμπειρικοῖς ὑπομνήμασιν ἐδιδάξαμεν

ἀδιαφόρως τοῦ βίου τοὺς αὐτοὺς ἐμπείρους τε

καὶ τεχνίτας καλοῦντος ἀφrsquo ἧσπερ ἐννοίας

καὶ ὁ Μητρόδωρος ἔφη μηδεμίαν ἄλλην

πραγμάτων ἐμπειρίαν τὸ ἑαυτῆς τέλος

συνορᾶν ἢ φιλοσοφίαν τουτέστι μηδεμίαν

τέχνην

uma arte (tekhne)) Ele natildeo percebeu que este

nome se usa tambeacutem para arte como mostramos

nos Tratados Empiacutericos79 pois na liacutengua viva80

diz-se de algueacutem tanto que eacute lsquoexperientersquo

(empeiros) como que eacute lsquoentendidorsquo (tekhnites)

sem distinccedilatildeo Essa mesma noccedilatildeo (ennoia) estaacute

por traacutes do que disse Metrodoro81 lsquonenhuma outra

experiecircncia que lida com as coisas (pragmata)

percebe sua proacutepria finalidade somente a

filosofiarsquo ou seja nenhuma outra arte

[62] τάττεται δὲ ἐξόχως καὶ ἐπὶ τῆς τῶν

πολλῶν καὶ ποικίλων πραγμάτων γνώσεως

καθὼς καὶ τοὺς πρεσβύτας πολλὰ μὲν ἰδόντας

πολλὰ δὲ ἀκούσαντας ἐμπείρους τοῦ βίου

φαμέν ὡς καὶ ὁ Εὐριπίδης

ὦ τέκνον οὐχ ἅπαντα τῷ γήρᾳ κακά

Ἐτεόκλεες πρόσεστιν ἀλλrsquo ἡμπειρία

ἔχει τι λέξαι τῶν νέων σοφώτερον

E diz-se sobretudo do conhecimento de vaacuterios

assuntos distintos como dizemos dos mais velhos

que satildeo experientes (empeiroi) na vida porque

viram e ouviram muitas coisas tal como disse

Euriacutepides

Meu filho nem tudo na velhice

eacute ruim Eteacuteocles mas a experiecircncia (empeiria)

eacute mais saacutebia no falar que os jovens

[Feniacutecias 528-530]

[63] ἐφrsquo ὅπερ ἴσως ὁ Θρᾷξ φερόμενος

σημαινόμενον ἐπεὶ πολυειδήμονά τινα καὶ

πολυμαθῆ βούλεται εἶναι τὸν γραμματικόν

ἔφη ἐμπειρίαν ὑπάρχειν τὴν γραμματικὴν τῶν

παρὰ ποιηταῖς τε καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων ὥστε τοῦτο μὲν ὑπέλαφρον

ἐκεῖνο δὲ ἴσως τις πραγματικωτέρας ἐχόμενον

ζητήσεως ἐρεῖ πρὸς αὐτόν

Provavelmente era este entatildeo o significado que

Dioniacutesio Traacutecio pretendia ao definir a gramaacutetica

como experiecircncia do que dizem poetas e

escritores dizendo que o gramaacutetico eacute erudito e

poliacutemata Assim tal objeccedilatildeo eacute irrelevante mas

talvez algueacutem o confronte com essa outra que

conteacutem uma questatildeo mais efetiva

[64] ἤτοι γὰρ τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων μόνον ἐμπειρίαν

συμβέβηκεν εἶναι τὴν γραμματικήν ἢ καὶ τῶν

μήτε παρὰ ποιηταῖς μήτε παρὰ συγγραφεῦσι

καθεστώτων ἀλλὰ μόνων μὲν τῶν παρὰ

Ou a gramaacutetica eacute uma experiecircncia apenas do que

dizem poetas e escritores ou tambeacutem de coisas

que natildeo estatildeo atestadas82 nem em poetas nem em

escritores83 Contudo ele natildeo iria responder que a

gramaacutetica eacute uma experiecircncia somente do que

111

ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσιν οὐκ ἂν εἴποιεν15

ἐμπειρίαν αὐτὴν ὑπάρχειν ἅτε ποτὲ καὶ ταῖς

ἀνὰ χεῖρα τῶν ἰδιωτῶν καὶ ἀνεπιστημόνων

ὁμιλίαις ἐφιστῶσαν 16 καὶ τὸ βάρβαρον καὶ

τὸ Ἑλληνικὸν τό τε σόλοικον καὶ τὸ μὴ

τοιοῦτον ἐξελέγχουσαν

dizem os poetas e escritores haja visto ela impor-

se amiuacutede tambeacutem ao falar cotidiano do homem

comum e sem conhecimentos averiguando o que

eacute barbarismo e o que eacute grego correto (to

Hellenikon)84 o que eacute solecismo e o que natildeo eacute

[65] εἰ δὲ καὶ τῶν μὴ παρὰ ποιηταῖς μηδὲ

συγγραφεῦσι μόνον λεγομένων ἐμπειρία

καθέστηκεν οὐκ ἔδει αὐτὴν εἶναι λέγειν lt ὃ

gt ἀπὸ μέρους ἔχειν συμβέβηκός17

Ἀλλὰ παρέντες τὸ περὶ τῶν τοιούτων

λεπτολογεῖν σκοπῶμεν ὡς ὑπεσχόμεθα εἰ

δύναται τέλος ὅσον ἐπὶ τῇ τοιαύτῃ ἐννοίᾳ

ὑποστῆναι ἡ γραμματική

E se tambeacutem eacute experiecircncia natildeo soacute das coisas que

satildeo ditas por poetas e escritores natildeo deveria ser

definida por um atributo parcial

Mas vamos deixar de lado estes pormenores e

examinar tal como nos comprometemos se no

fim eacute possiacutevel ao menos de acordo com aquela

definiccedilatildeo que subsista (hupostenai) a gramaacutetica

[66] ὅταν οὖν λέγωσιν αὐτὴν ἐμπειρίαν κατὰ

τὸ πλεῖστον τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων φασὶ πάντων ἢ

τινῶν καὶ εἰ πάντων πρῶτον μὲν οὐκέτι κατὰ

τὸ πλεῖστον ἀλλὰ πάντων ltεἶταgt καὶ εἰ

πάντων18 καὶ τῶν ἀπείρων ἄπειρα γάρ ἐστι

ταῦτα τῶν δὲ ἀπείρων οὐκ ἔστιν ἐμπειρία

διόπερ οὐδὲ γραμματική τις γενήσεται εἰ δὲ

τινῶν ἐπεὶ καὶ οἱ ἰδιῶταί τινα τῶν παρὰ

ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων εἰδότες

οὐκ ἔχουσι γραμματικὴν ἐμπειρίαν οὐδὲ

ταύτῃ εἶναι λεκτέον γραμματικήν

Pois bem ao afirmarem que ela eacute lsquouma

experiecircncia concernente agrave maior parte85 do que

dizem os poetas e escritoresrsquo referem-se ou a

todas as coisas ou apenas a algumas Se satildeo todas

as coisas entatildeo natildeo se trata mais de lsquoa maior

partersquo mas de tudo E se eacute tudo eacute do infinito que

se trata porque estas coisas satildeo infinitas De

coisas infinitas natildeo existe experiecircncia

consequentemente natildeo existiraacute algo como a

gramaacutetica E no caso de estarem se referindo

daquele modo a algumas coisas diriacuteamos que

mesmo as pessoas comuns sem possuiacuterem

experiecircncia gramatical sabem algumas das coisas

ditas por poetas e escritores Logo nem assim se

pode dizer que a gramaacutetica existe

[67] ἐκτὸς εἰ μή τι διὰ τοῦτο ltτὸgt lsquoκατὰ τὸ A natildeo ser que aleguem dizer lsquoa maior partersquo para

15 Blank ad loc natildeo concorda com a modificaccedilatildeo de Mau εἴποιltμgtεν 16 Blank ad loc natildeo inserccedilatildeo de ltθεωρεῖσθαιgt 17 Aqui optamos por natildeo seguir a escolha de Blank ad loc com Giusta p 429 οὐκ ἔδει αὐτὴν ltτούτων ἐμπειρίαgt εἶναι λέγειν ltἃgt ἀπὸ μέρους ἔχειν συμβέβηκεν 18 Blank ad loc com Giusta p 428 Por [πρῶτον μὲν] οὐκέτι κατὰ τὸ πλεῖστον ἀλλὰ πάντων καὶ εἰ πάντων

112

πλεῖστονrsquo εἰρῆσθαι φήσουσιν ἵνα ἥ τε πρὸς

τὴν πάντων ἐνιαχοῦ [ἀπορίαν] ἐμπειρίαltνgt ἥ

τε πρὸς τὸν ἰδιωτισμὸν διαφορὰ ὑποβάλληται

τοῦ μὲν γὰρ ἰδιώτου διενήνοχεν ὁ

γραμματικὸς παρόσον οὐκ ὀλίγων ὡς

ἐκεῖνος ἀλλὰ πλείστων τῶν παρὰ ποιηταῖς τε

καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων ἔμπειρός ἐστι

τῆς δὲ τῶν πάντων γνώσεως ἀδυνάτου τάχα

καθεστώσης κεχώρισται ἐπεὶ οὐ πάντα τὰ δὲ

πλεῖστα ἐξ αὐτῶν ἐπαγγέλλεται γινώσκειν

indicar de um lado a diferenccedila em relaccedilatildeo agrave

experiecircncia de eventualmente todas as coisas e

de outro a diferenccedila em relaccedilatildeo ao leigo Pois o

gramaacutetico difere do homem comum na medida em

que eacute experiente natildeo somente em alguma coisa

como aquele mas na maior parte do que eacute dito

por poetas e escritores Mas tambeacutem eacute dito para se

eximir de ter de conhecer todas as coisas algo

impossiacutevel jaacute que ele declara conhecer natildeo todas

elas mas a maioria

[68] ταῦτα δὲ οὐκ ἀπολογουμένου ἦν ἀλλὰ

κακοῖς ἐπιπληροῦντος κακὰ καὶ μηκέτι

μετρίως ἀλλrsquo ἄρδην ἐπισπωμένου τὰς

ἀπορίας πρῶτον μὲν οὖν ὡς τὰ πολλὰ

ἀόριστά ἐστι καὶ τὴν σωρικὴν γεννᾷ ἀπορίαν

οὕτω καὶ τὰ πλεῖστα ὅθεν ἢ περιγραψάτωσαν

ἡμῖν αὐτά δείξαντες ἄχρι πόσων γνώσεως

τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων ῥητέον ἢ εἴπερ ἐπὶ ἀορίστου

μένουσιν ὑποσχέσεως τὰ πλεῖστα γινώσκειν

λέγοντες παραδεχέσθωσαν τὴν παρὰ μικρὸν

ἐρώτησιν

E tais natildeo foram palavras de algueacutem que constroi

uma defesa mas sim de algueacutem que multiplica os

males e passa entatildeo a atrair as aporias de forma

completa natildeo mais moderadamente Em primeiro

lugar da mesma forma que lsquomuitosrsquo eacute

indeterminado e gera o paradoxo de sorites o

mesmo acontece com lsquoa maior partersquo Por isso ou

nos apontam um limite mostrando quanto do que

eacute dito por poetas e escritores se pode dizer que

conhecem ou caso mantenham seu compromisso

com o indeterminado sustentando conhecer lsquoa

maior partersquo destas coisas deveratildeo se submeter agrave

interrogaccedilatildeo dita lsquode pouco-em-poucorsquo

[69] τοῦ γὰρ πλείστου ὁρισθέντος ἀριθμοῦ ὁ

ἑνὶ ἐλάσσων πλεῖστος ἀκμήν ἐστιν ἐπεὶ

τελέως ἄτοπον μονάδος προσθέσει τὸν μὲν

πλεῖστον λέγειν τὸν δὲ μηδαμῶς διόπερ ἀεὶ

μονάδι μειονεκτούμενος ὁ κατrsquo αὐτοὺς

πλεῖστος ἀριθμὸς ἐλεύσεται πάντως εἰς τὸ

μηκέτι ἀριθμὸς πλεῖστος ὑπάρχειν καὶ διὰ

τοῦτο μηδὲ γραμματικήν ὅπερ ἦν τῆς

σωρικῆς ἀπορίας συμπέρασμα

Pois subtraindo-se uma unidade da quantia que

foi definida como sendo lsquoa maior partersquo o

resultado eacute ainda lsquoa maior partersquo ndash pois seria

completamente absurdo que pela adiccedilatildeo de uma

uacutenica unidade se diga de um que eacute lsquoa maior

partersquo e do outro natildeo Em seguida subtraindo-se

constantemente uma unidade da quantia que foi

considerada lsquoa maior partersquo esta acabaria

inevitavelmente a natildeo ser mais lsquoa maior partersquo

com isto a gramaacutetica natildeo existiria Esta seria

113

precisamente a conclusatildeo do paradoxo de sorites

[70] πῶς δrsquo οὐκ ὄντως γραμματικῆς

παχύτητος τὸ ἐν ἀπείρῳ πλήθει λέγειν

πλεῖστα ὡς γὰρ τὸ ὀλιγώτερον πρός τί ἐστι

καὶ κατὰ τὴν ὡς πρὸς τὸ πλεῖστον σχέσιν

νοεῖται οὕτω καὶ τὸ πλεῖστον κατὰ τὴν ὡς

πρὸς τὸ ὀλίγον σχέσιν θεωρήσεται εἰ οὖν τῶν

πλείστων ltτῶνgt παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων ἐμπειρίαν ἔχουσιν οἱ

γραμματικοί ὀλίγων ltδὲgt τῶν λοιπῶν οὐκ

ἔχουσιν

Eacute mesmo um exemplo da extrema obtusidade da

gramaacutetica dizer que um grande nuacutemero

indeterminado eacute lsquoa maior partersquo Pois com efeito

justamente como lsquomenosrsquo eacute relativo

compreendido em relaccedilatildeo ao que eacute lsquomaisrsquo da

mesma forma lsquoa maior partersquo soacute faraacute sentido na

condiccedilatildeo de estar relacionada a lsquoa menor partersquo

Portanto se os gramaacuteticos tecircm experiecircncia acerca

da lsquomaior partersquo do que eacute dito por poetas e

escritores natildeo a tecircm da parte restante a lsquomenor

partersquo

[71] εἰ δὲ καὶ τὸ ληφθέν ἐστι πλεῖστον καὶ

τὸ καταλειφθὲν ἔλασσον ltοὐ δοτέον αὐτοῖς

ὡςgt οὐκέτι τὸ πᾶν γίνεται ἄπειρον19 ὅμως δrsquo

οὖν ἵνα μηδὲν περὶ τούτων ἀκριβευώμεθα

ψεῦδός ἐστι τὸ τὰ πλεῖστα τῶν παρὰ ποιηταῖς

τε καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων γινώσκειν τὸν

γραμματικόν ἐλάχιστα γὰρ ἦν

πολλαπλασιόνων ἀπολειπομένων ἃ οὐκ οἶδε

καθὼς προβαινούσης τῆς ζητήσεως

παραστήσω

Ainda se a parte considerada eacute a maior e a parte

que resta eacute a menor o total natildeo deixa de ser da

mesma forma indeterminado Outrossim sem nos

atermos demasiado aos detalhes eacute falso que o

gramaacutetico conhece a maior parte do que dizem

poetas e escritores de fato eacute a menor parte que ele

conhece superada em muito pelas coisas que ele

natildeo sabe como demonstrarei agrave frente em minha

investigaccedilatildeo

[72] τὰ νῦν δὲ ἄλλην ἀπόδοσιν θεωρητέον

Ἀσκληπιάδης τοίνυν μέμφεται τὸν Θρᾷκα

Διονύσιον ἐμπειρίαν λέγοντα τὴν

γραμματικήν διrsquo ἣν αἰτίαν καὶ ὁ Πτολεμαῖος

ἔφη ἐγκαλεῖ δὲ αὐτῷ καὶ ltἐπὶgt τῷ20 κατὰ τὸ

πλεῖστον ἐμπειρίαν21 αὐτὴν ἀποφαίνειν

τοῦτο μὲν γὰρ τῶν στοχαστικῶν καὶ ὑπὸ τὴν

τύχην πιπτουσῶν ἐστὶ τεχνῶν ὥσπερ

Por ora outra definiccedilatildeo (apodosis) deve ser

considerada Asclepiacuteades pela mesma razatildeo que

Ptolomeu censura Dioniacutesio Traacutecio por ter

definido a gramaacutetica como experiecircncia e ainda o

acusa pelo lsquona maior partersquo Pois isso diz ele eacute

caracteriacutestico das artes que satildeo conjecturais

(stokhastikai) e sujeitas ao acaso tal como a

navegaccedilatildeo e a medicina A gramaacutetica no entanto

19 De ὀλίγων ltδὲgt na uacuteltima linha da seccedilatildeo anterior a ἄπειρον os siacutembolos indicam modificaccedilotildees de Blank ad loc segue na maior parte Giusta p 430 20 Blank ad loc com Blomqvist p 74 Por καὶ τὸ 21 Blank ad loc

114

κυβερνητικῆς καὶ ἰατρικῆς γραμματικὴ δὲ

οὐκ ἔστι στοχαστικὴ ἀλλὰ μουσικῇ τε καὶ

φιλοσοφίᾳ παραπλήσιος

natildeo eacute conjectural mas assemelha-se agrave muacutesica e agrave

filosofia

[73] rsquoεἰ μή τι δέδοικεrsquo φησί lsquoτὴν ὀλιγότητα

τοῦ βίου ὡς οὐκ οὖσαν ἱκανὴν πρὸς τὸ πάντα

περιλαβεῖν ὅπερ ἐστὶν ἄτοπον γραμματικοῦ

ἀλλrsquo οὐ γραμματικῆς ποιήσεται τὸν ὅρον

ἐπείπερ οὗτος μὲν τυχὸν ἴσως ἐπιστήμων ἐστὶ

τῶν ltπλείστων τῶνgt22 παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων ὀλιγόβιον καθεστὼς

ζῶον ἡ δὲ γραμματικὴ πάντων εἴδησιςrsquo

Asclepiacuteades disse o seguinte ldquoeacute como se Dioniacutesio

temesse que a brevidade da vida natildeo fosse

suficiente para a compreensatildeo de todas as coisas

o que eacute mesmo absurdo jaacute que ela daraacute fim86 ao

gramaacutetico natildeo agrave gramaacutetica Na verdade como

criatura de vida curta ao gramaacutetico pode mesmo

vir a acontecer de ser entendido somente na maior

parte do que eacute dito por poetas e escritores a

gramaacutetica no entanto eacute o conhecimento de todas

estas coisasrdquo87

[74] ὅθεν τὸ μὲν ἀλλάξας τοῦ ὅρου τούτου τὸ

δrsquo ἀνελών οὕτως ἀποδίδωσι τῆς γραμματικῆς

τὴν ἔννοιαν lsquoγραμματική ἐστι τέχνη τῶν

παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι λεγομένωνrsquo

οὐκ ἀνεῖλε δὲ ὁ ἀνὴρ τὰς ἀπορίας ἀλλrsquo

ἐπέτεινεν καὶ ἐν οἷς θέλει τὴν γραμματικὴν

αὔξειν ἐν τούτοις αὐτὴν ἀνεῖλεν ἔστω γὰρ

πάντων εἴδησις τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων οὐκοῦν ἐπεὶ οὐδέν

ἐστιν εἴδησις παρὰ τὸν εἰδότα οὐδὲ

γραμματική ltτιgt παρὰ τὸν εἰδότα

γραμματικόν ὡς οὐδὲ περιπάτησις παρὰ τὸν

περιπατοῦντα καὶ στάσις παρὰ τὸν ἑστῶτα

καὶ κατάκλισις παρὰ τὸν κατακείμενον

Por esse motivo muda uma parte daquela

definiccedilatildeo e suprime outra e propotildee esta definiccedilatildeo

de gramaacutetica ldquogramaacutetica eacute uma arte (tekhne) do

que eacute dito por poetas e escritoresrdquo E assim o

homem natildeo elimina nenhuma das dificuldades

mas as reforccedila e querendo enaltecer a gramaacutetica

acaba por destruiacute-la Com efeito assumindo que

ela seja o conhecimento (eidesis) de tudo que eacute

dito por poetas e escritores e o conhecimento

definitivamente natildeo existe sem o conhecedor

entatildeo tampouco a gramaacutetica existe sem o que

conhece a gramaacutetica Da mesma forma que natildeo haacute

caminhada sem caminhante ou parada sem o que

para nem descanso sem o que descansa

[75] ὡμολόγηται δὲ ὁ γραμματικὸς μὴ ἔχειν

πάντων εἴδησιν οὐκ ἄρα ἔτι ἔστιν εἴδησις

πάντων τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων διὰ δὲ τοῦτο οὐδὲ γραμματική

καὶ ἄλλως εἴπερ τέχνη ἐστὶν ἡ γραμματική

Concordou-se pois que o gramaacutetico natildeo possui

este conhecimento logo o conhecimento de tudo

que eacute dito por poetas e escritores natildeo existe por

isso natildeo existe a gramaacutetica Dito de outra forma a

gramaacutetica eacute uma arte e eacute o conhecimento de tudo

22 Blank ad loc

115

εἴδησις οὖσα πάντων τῶν παρὰ ποιηταῖς τε

καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων ἡ δὲ τέχνη

σύστημα ἐκ καταλήψεων [τῶν περὶ τὴν

γραμματικήν]23 ἐξ ἀνάγκης μηδενὸς ἔχοντος

πάντων τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων κατάληψιν ἀνύπαρκτος γίνεται ἡ

γραμματική

que eacute dito por poetas e escritores Uma arte por

sua vez eacute um sistema composto de apreensotildees

[representaccedilotildees verdadeiras] natildeo havendo

ningueacutem que apreenda tudo que eacute dito por poetas e

escritores forccedilosamente a gramaacutetica acaba por

tornar-se inexistente (anuparktos)

[76] Χάρης δὲ ἐν τῷ πρώτῳ περὶ

γραμματικῆς τὴν τελείαν φησὶ γραμματικὴν

ἕξιν εἶναι ἀπὸ τέχνης 24 διαγνωστικὴν τῶν

παρrsquo Ἕλλησι λεκτῶν καὶ νοητῶν ἐπὶ τὸ

ἀκριβέστατον πλὴν τῶν ὑπrsquo ἄλλαις τέχναις

τὸ τελευταῖον προσθεὶς οὐ παρέργως

Caacuteres88 no primeiro livro de Sobre a

Gramaacutetica diz que ldquoa gramaacutetica completa eacute uma

habilidade (heksis) com base na arte (tekhne) que

distingue (diagnostike) o que eacute dito e pensado

pelos gregos da forma mais precisa possiacutevel

exceto o que eacute do domiacutenio de outras artesrdquo89 O

acreacutescimo final natildeo eacute supeacuterfluo

[77] ἐπεὶ γὰρ τῶν παρrsquo Ἕλλησι λεκτῶν καὶ

νοητῶν τὰ μέν ἐστιν ὑπὸ τέχναις τὰ δrsquo οὔ τῶν

μὲν ὑπὸ τέχναις οὐκ οἴεται τέχνην εἶναι καὶ

ἕξιν τὴν γραμματικήν οἷον ἐν μὲν μουσικῇ

τῆς διὰ τεσσάρων συμφωνίας καὶ τῆς

μεταβολῆς τῶν συστημάτων ἐν δὲ

μαθηματικῇ ἐκλείψεως ἢ τῆς τῶν κύκλων

θέσεως τὰ δὲ αὐτὰ καὶ ἐπὶ τῶν ἄλλων

νοητέον τεχνῶν οὐδενὸς γὰρ τῶν ὑπrsquo αὐταῖς

εἴδησις ἡ γραμματική ἀλλὰ μέθοδός τίς ἐστι

τῶν παρὰ ταύτας ἑτέρων λεκτῶν τε καὶ

νοητῶν

Pois das coisas ditas (lekton) e pensadas (noeton)

pelos gregos algumas satildeo de domiacutenio das artes

mas outras natildeo E ele natildeo considera a gramaacutetica

uma arte e habilidade do que eacute de domiacutenio das

artes tal como lsquoharmonia em quartasrsquo e lsquomudanccedila

de escalasrsquo proacuteprio da muacutesica e lsquoeclipse ou

posiccedilatildeo das esferas celestesrsquo da astronomia90

Deve-se pensar o mesmo em relaccedilatildeo agraves outras

artes Pois a gramaacutetica natildeo eacute conhecimento de

nenhuma das coisas de domiacutenio delas mas eacute um

meacutetodo para tratar de coisas ditas e pensadas fora

destes domiacutenios

[78] νοητῶν μὲν ὡς ὅτι πίσυρες τέσσαρες καὶ lsquoCoisas pensadasrsquo como por exemplo piacutesures91

23 Ao contraacuterio de Blank ad loc que segue Giusta p 428 mantemos a supressatildeo [τῶν περὶ τὴν γραμματικήν] A tradutora francesa sugere ltτῶν περὶ τὸν γραμματικόνgt lsquoem relaccedilatildeo com o gramaacuteticorsquo Cf Dalimier ad loc 24 Blank ad loc com Barwick baseado na comparaccedilatildeo com Sch DThr 118 11 insere τέχνης ltκαὶ ἱστορίαςgt lte investigaccedilatildeogt (historia) Esta inserccedilatildeo coloca tekhne e historia no mesmo niacutevel de forma que as duas funcionariam ou como ponto de partida (considerando-as como atividades) ou como material de base (considerando-as como produtos) De qualquer modo com ou sem a inserccedilatildeo a relaccedilatildeo que apo estabelece entre heksis e tekhne (kai historia) eacute bastante ambiacutegua pode ser temporal causal de origem de modo de consequecircncia etc Cf Platatildeo (Fedro 268e) Aristoacuteteles (Pr955b1) Poliacutebio (10477) DS (229) para τέχνη (tekhne) definida como ἕξις ἢ διάθεσις ἀπὸ παρατηρήσεως (heksis e diathesis apo paratereseos) lsquohabilidade ou disposiccedilatildeo com base na observaccedilatildeorsquo

116

lsquoβῆσσαιrsquo καὶ lsquoἄγκεαrsquo οἱ βάσιμοι ltκαὶ

κοῖλοιgt25 τόποι λεκτῶν δὲ τῶν περὶ τὰς

διαλέκτους οἷον ὅτι τοῦτο μὲν εἴρηται

Δωρικῶς τοῦτο δrsquo Αἰολικῶς καὶ οὐχ ᾗπερ οἱ

στωικοὶ τὸ σημαινόμενον ἀλλrsquo ἀνάπαλιν τὸ

σημαῖνον τὸ γὰρ νοητὸν ἐπὶ τοῦ

σημαινομένου [μόνου] παρείληπται

para lsquoquatrorsquo e bessai e ankea92 para lugares

lsquoacessiacuteveisrsquo e lsquoprofundosrsquo lsquoCoisas ditasrsquo como as

que dizem respeito aos dialetos por exemplo uma

coisa estaacute dita em doacuterico e outra em eoacutelico ndash mas

natildeo agrave maneira dos estoicos acerca do significado

(semainomenon) pelo contraacuterio sobre o signo

(semainon) porque a lsquocoisa pensadarsquo eacute que estaacute

associada ao significado

[79] ἔοικε δὲ καὶ Κρατήτειόν τινα κινεῖν

λόγον καὶ γὰρ ἐκεῖνος ἔλεγε διαφέρειν τὸν

κριτικὸν τοῦ γραμματικοῦ καὶ τὸν μὲν

κριτικὸν πάσης φησί δεῖ λογικῆς ἐπιστήμης

ἔμπειρον εἶναι τὸν δὲ γραμματικὸν ἁπλῶς

γλωσσῶν ἐξηγητικὸν καὶ προσῳδίας

ἀποδοτικὸν καὶ τῶν τούτοις παραπλησίων

εἰδήμονα παρὸ καὶ ἐοικέναι ἐκεῖνον μὲν

ἀρχιτέκτονι τὸν δὲ γραμματικὸν ὑπηρέτῃ

Mas Caacuteres parece usar um argumento de Crates

Pois Crates dizia que o criacutetico eacute superior ao

gramaacutetico O criacutetico diz ele precisa ser experiente

na totalidade do saber linguiacutestico (logikes

epistemes) enquanto o gramaacutetico precisa

simplesmente explicar palavras inusuais restaurar

a prosoacutedia e dominar coisas deste gecircnero por isso

o criacutetico eacute como um arquiteto e o gramaacutetico um

ajudante

[80] Ἀλλὰ τὰ μὲν τῆς ἀποδόσεως τοιαῦτα

πῇ μὲν μετριώτερα τῶν Διονυσίου

ἀτοπημάτων πῇ δὲ χείρονα ὅτι μὲν γὰρ τῆς

σωρικῆς ἀπορίας ἐξέλυσε τὴν γραμματικὴν

καὶ τῶν ἀλλοτρίων κεχώρικε θεωρημάτων

μουσικῆς τε καὶ μαθηματικῆς ὡς μὴ

προσηκόντων αὐτόθεν συμφανές τοῦ δὲ μὴ

ἀνυπόστατον ὑπάρχειν οὐδαμῶς αὐτὴν

ἐρρύσατο ἀλλὰ καὶ εἰς τὸ εἶναι τοιαύτην

μᾶλλον συνηγωνίσατο

E tais satildeo as contribuiccedilotildees da definiccedilatildeo de

Caacuteres algumas mais razoaacuteveis que os absurdos de

Dioniacutesio outras piores Que ele driblou o

paradoxo de sorites e afastou a gramaacutetica de

teoremas que lhe satildeo estranhos (como os que satildeo

proacuteprios da muacutesica e da astronomia) na medida

em que natildeo se relacionam vecirc-se de imediato

Mas de maneira alguma pocircde salvaacute-la de ser

insubsistente pelo contraacuterio acabou por

favorecer e muito para que fosse justamente

assim

[81] ὁ μὲν γὰρ Διονύσιος κατά τι διώρισε τὸν

τῆς γραμματικῆς ὅρον ἐπὶ μόνων αὐτὴν

ποιητῶν τε καὶ συγγραφέων στήσας οὗτος δὲ

περὶ πᾶσαν Ἑλληνικὴν φωνὴν καὶ περὶ πᾶν

Dioniacutesio havia posto um limite agrave gramaacutetica

estendendo-a somente ao que escreveram poetas e

escritores Jaacute Caacuteres quer que ela decirc conta de toda

palavra grega e de cada coisa significada o que se

25 Blank ad loc

117

σημαινόμενον καταγίγνεσθαι ταύτην θέλει

ὅπερ εἰ θεμιτὸν εἰπεῖν οὐδὲ θεοῖς ἀνυτόν

ἐστιν ὡς γὰρ καὶ πρότερον ἐλέγομεν οὐδεμία

μέθοδος συνίσταται περί τι ἄπειρον ἀλλὰ καὶ

μάλιστα αὐτὴ26 τοῦτο περατοῖ τῶν γὰρ

ἀορίστων ἡ ἐπιστήμη δεσμός ἐστιν

natildeo for iacutempio dizecirc-lo nem os proacuteprios deuses

realizariam Pois como dissemos antes nenhum

meacutetodo se organiza em torno ao que eacute infinito

pelo contraacuterio um meacutetodo certamente poria termo

ao infinito pois para o indeterminado o saber eacute

uma prisatildeo

[82] τὰ δὲ σημαίνοντα καὶ σημαινόμενα τῶν

πραγμάτων ἐστὶν ἄπειρα οὐκ ἄρα ἐστὶν ἡ

γραμματικὴ τέχνη περὶ τὰ σημαίνοντα καὶ

σημαινόμενα καὶ μὴν παντοῖαι γίνονται τῶν

φωνῶν μεταβολαὶ καὶ πρὸ τοῦ γεγόνασι καὶ

εἰσαῦθις γενήσονται φιλομετάβολον γάρ τί

ἐστιν ὁ αἰών οὐκ εἰς φυτὰ μόνον καὶ ζῷα

ἀλλὰ καὶ εἰς ῥήματα

E os signos e significados das coisas (pragmata)

satildeo infinitos logo a arte gramatical natildeo eacute sobre

signos e significados Aleacutem disso ocorre todo

tipo de mudanccedila nas palavras jaacute ocorreu antes e

vai continuar ocorrendo pois o tempo que natildeo

cessa eacute um amante das mudanccedilas natildeo somente

nas plantas e animais mas tambeacutem nas palavras

(remata)

[83] περὶ ἑστῶσαν δὲ ἀπειρίαν οὐχ ὅτι γε27

καὶ μεταβάλλουσαν ἀμήχανόν ἐστι γνῶσιν

ἀνθρωπίνην εὑρεῖν οὐδὲ ταύτῃ ἄρα ἡ

γραμματικὴ συστήσεται ἄλλως τε ἤτοι

τεχνικὴν οἴεται εἶναι τὴν ἕξιν ἢ ἄτεχνον καὶ

εἰ μὲν τεχνικήν πῶς οὐκ αὐτὴν εἶπε τέχνην

ἀλλὰ τὸ ἀφrsquo οὗ ἔστιν εἰ δὲ ἄτεχνον ἐπεὶ οὐ

δυνατὸν διὰ τοῦ ἀτέχνου τὸ τεχνικὸν

ὁρᾶσθαι οὐδὲ συστήσεταί τις γραμματικὴ

ἕξις τεχνικῶς διαγινώσκουσα τὰ παρrsquo Ἕλλησι

σημαίνοντά τε καὶ σημαινόμενα

E se eacute impossiacutevel encontrar conhecimento

humano acerca do que eacute infinito poreacutem estaacutevel

quanto mais seria do que muda sem cessar Logo

nem desta maneira a gramaacutetica eacute consistente

Aleacutem disso Caacuteres ou a considerou uma habilidade

teacutecnica (tekhniken) ou natildeo teacutecnica (atekhnon) E

se a considera teacutecnica porque natildeo a chamou

diretamente de lsquoartersquo ao inveacutes do lsquocom base emrsquo

Mas se natildeo eacute teacutecnica e natildeo eacute possiacutevel enxergar o

teacutecnico atraveacutes do natildeo teacutecnico tampouco seraacute

consistente alguma habilidade gramatical que

distingue de modo teacutecnico os signos e significados

dos gregos

[84] Δημήτριος δὲ ὁ ἐπικαλούμενος

Χλωρὸς καὶ ἄλλοι τινὲς τῶν γραμματικῶν

οὕτως ὡρίσαντο lsquoγραμματική ἐστι τέχνη τῶν

παρὰ ποιηταῖς τε καὶ τῶν κατὰ τὴν κοινὴν

συνήθειαν λέξεων εἴδησιςrsquo μένουσι δὲ καὶ

Demeacutetrio chamado tambeacutem de Cloro93 e

alguns outros gramaacuteticos deram essa definiccedilatildeo

ldquogramaacutetica eacute uma arte do que eacute dito pelos poetas e

tambeacutem conhecimento das palavras de uso

comum (kata ten koinen sunetheian)rdquo Nela

26 Blank ad loc com Giusta p 431 Por αὕτη 27 Blank ad loc com Giusta p 431 Por οὔ τοί γε

118

τούτοις αἱ αὐταὶ ἀπορίαι οὔτε γὰρ πάντων

τῶν παρὰ ποιηταῖς λεγομένων δύναται εἶναι

τέχνη γραμματικὴ οὔτε τινῶν

permanecem em questatildeo as mesmas aporias a

gramaacutetica natildeo pode ser uma arte nem de tudo nem

de parte do que eacute dito pelos poetas

[85] καὶ πάντων μὲν αὐτόθεν ἀδύνατον εἴγε

καὶ περὶ θεῶν καὶ περὶ ἀρετῆς καὶ ψυχῆς

λέγεται παρὰ τοῖς ποιηταῖς ὧν ἀπείρως

ἔχουσιν οἱ γραμματικοί τινῶν δὲ διὰ τὸ μὴ

εἰς τοὺς γραμματικοὺς τὸ τοιοῦτον πίπτειν

μόνους ἀλλὰ καὶ ἄλλους τινάς οἷον

φιλοσόφους καὶ μουσικοὺς καὶ ἰατρούς

συνεώρων γὰρ καὶ οἵδε τινὰ τῶν παρὰ

ποιηταῖς

Abordar tudo que eacute dito por eles eacute obviamente

impossiacutevel os poetas falam sobre deuses virtude

alma coisas de que os gramaacuteticos natildeo tecircm

qualquer experiecircncia E abordar parte do que

dizem natildeo eacute algo que seja exclusivo dos

gramaacuteticos pelo contraacuterio compartilha-se com

outros tantos como filoacutesofos muacutesicos e meacutedicos

que tambeacutem conhecem e compreendem parte do

que eacute dito pelos poetas

[86] πάλιν τε ἐν τῷ λέγειν καὶ τῶν κατὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν λέξεων εἴδησιν εἶναι τὴν

γραμματικὴν εἰ μὲν τὸ καθολικὸν λαμβάνοιεν

τὸ lsquoεἴ τινές εἰσι κατὰ τὴν κοινὴν συνήθειαν

λέξεις ἐκείνων ἐστὶν εἴδησις ἡ γραμματικήrsquo

ἁμαρτάνουσιν ἄπειροι γὰρ αἱ κατὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν λέξεις καὶ τῶν ἀπείρων

οὐκ ἔστιν εἴδησις

E estatildeo novamente equivocados ao dizerem que a

gramaacutetica eacute lsquoconhecimento das palavras de uso

comumrsquo caso tenha o sentido geral de lsquose haacute

palavras de uso comum a gramaacutetica eacute o

conhecimento delasrsquo ndash porque satildeo infinitas as

palavras de uso comum e natildeo existe

conhecimento de coisas que satildeo infinitas

[87] εἰ δὲ ἐπὶ τὸ ἐπὶ μέρους φέροιντο ὅπερ

ἴσον ἐστὶ τῷ lsquoεἰσί τινες λέξεις κατὰ τὴν

συνήθειαν τὴν κοινὴν ὧν εἴδησίς ἐστιν ἡ

γραμματικήrsquo οὐδrsquo οὕτω ποιήσουσί τι τὴν

γραμματικήν καὶ γὰρ ὁ Ἀθηναῖος εἴδησιν

ἔχει τῶν κατὰ τὴν Ἀτθίδα συνήθων λέξεων

καὶ ὁ Δωριεὺς τῶν κατὰ τὴν Δωρίδα καὶ ὁ

ῥήτωρ τῶν κατὰ τὴν ῥητορικήν καὶ ὁ ἰατρὸς

τῶν κατὰ τὴν ἰατρικήν

Mas tambeacutem se carrega o sentido particular de

lsquoexistem algumas palavras de uso comum de que a

gramaacutetica eacute o conhecimentorsquo nem assim

transformaratildeo a gramaacutetica em alguma coisa

porque um ateniense tem conhecimento das

palavras de uso comum no dialeto aacutetico e um

doacuterico daquelas de uso comum no dialeto doacuterico

um retoacuterico conhece as que satildeo geralmente usadas

na retoacuterica e um meacutedico as que satildeo comuns

dentro da medicina

[88] εἰ δὲ λέγοιεν πασῶν τῶν κατὰ τὴν κοινὴν

συνήθειαν αὐτὴν λέξεων εἴδησιν οὐχ ὡς τῶν

καθrsquo ἕκαστα καὶ ἐν μέρει πασῶν (τοῦτο γὰρ

E se for dito que ela eacute o conhecimento de todas as

palavras de uso comum mas natildeo todas em

particular uma por umarsquo (o que eacute realmente

119

ὄντως ἀδύνατον) ἀλλὰ τῶν καθόλου πασῶν

καὶ ἀνωτάτω ἐν ταῖς διαλέκτοις οἷον ὅτι

Δωριέων μέν ἐστι τοιούτῳ τόνῳ χρῆσθαι

Ἰώνων δὲ ἄλλῳ τάχα μέν τι πιθανὸν ἐροῦσιν

οὐ μὴν ἀληθές

impossiacutevel) e sim todas de forma geneacuterica e

aquilo que eacute mais geral nos dialetos (por exemplo

que os doacutericos usam uma acentuaccedilatildeo e os jocircnicos

outra) pode ateacute ser que isso soe plausiacutevel

(pithanos) mas natildeo eacute verdadeiro

[89] οὔτε γὰρ ἓν ἔθος ἐστὶ καθrsquo ἑκάστην

διάλεκτον (πολλαὶ γὰρ Δωρίδες καὶ Ἀτθίδες)

οὔτε οἱ κανόνες οὓς δοκοῦσι παραδιδόναι

πρὸς πᾶσαν ἀποτείνονται λέξιν ἀλλrsquo ἄχρι μὲν

ποσῶν καὶ ὁμοτόνων οἷον ὀξυτόνων ἢ

βαρυτόνων προκόπτουσιν πάσας δὲ

περιλαβεῖν ἀδυνατοῦσιν

Porque natildeo existe em cada dialeto um haacutebito

uacutenico satildeo muitas as formas de doacuterico e de aacutetico

Tampouco as regras (kanones) que querem

transmitir estendem-se a todas as palavras mas

aplicam-se somente agraves que tecircm o mesmo padratildeo

de acentuaccedilatildeo por exemplo ou agraves oxiacutetonas ou agraves

bariacutetonas e eacute impossiacutevel que consigam abranger

todas elas

[90] Δείγματος μὲν οὖν χάριν ταῦτrsquo

εἰρήσθω εἰς τὸ ἀνυπόστατον εἶναι τὴν

γραμματικὴν ὅσον ἐπὶ τῇ παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς αὐτῆς ἐπινοίᾳ μετελθόντες δὲ

ἀκολούθως καὶ τὰ κυριώτατα τῶν ἐν αὐτῇ

θεωρημάτων καὶ ἐξ ὧν μάλιστα λαμβάνει τὴν

ὑπόστασιν βασανίζωμεν

Eis aiacute portanto um exemplo de como se pode

argumentar partindo apenas da concepccedilatildeo dos

gramaacuteticos e revelar a insubsistecircncia da gramaacutetica

Agora passando adiante por ordem

submeteremos agrave anaacutelise tambeacutem os principais

teoremas da gramaacutetica dos quais depende

principalmente sua subsistecircncia

Τίνα μέρη γραμματικῆς

[91] Πολλῆς οὔσης καὶ ἀνηνύτου παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς περὶ μερῶν γραμματικῆς

διαστάσεως ἵνα μήτε τὸ πάρεργον ἔργου

χώραν ἐπέχειν ἡμῖν φαίνηται μήτε εἰς

ἀλλοτρίαν καὶ ὡς πρὸς τὸ παρὸν ἀνωφελῆ

ἐμβαίνοντες ὕλην ἀπολειπώμεθα τῆς

ἀναγκαιοτέρας ἀντιρρήσεως ἀπαρκέσει

λέγειν ἀσυκοφαντητότερον ὡς ἄρα τῆς

γραμματικῆς τὸ μέν ἐστιν τεχνικὸν τὸ δὲ

ἱστορικὸν28 τὸ δὲ ἰδιαίτερον διrsquoοὗ τὰ κατὰ

τοὺς ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς μεθοδεύεται

Quais as partes da gramaacutetica

As divergecircncias entre os gramaacuteticos acerca das

partes da gramaacutetica satildeo longas e interminaacuteveis94

Assim para um assunto secundaacuterio natildeo nos

desviar de nosso objetivo nem adentrarmos

mateacuteria no momento alheia e supeacuterflua

abandonando o ataque mais necessaacuterio seraacute

suficiente dizer de forma a gerar menos conflito

que as partes da gramaacutetica satildeo teacutecnica (to

tekhnikon) lsquohistoacutericarsquo (to historikon) e especiacutefica

(to idiaiteron) - por meio desta uacuteltima aborda-se o

concernente a poetas e escritores

28 Blank ad loc com Giusta p 431 Para ἱστορικὸν τὸ δὲ τεχνικὸν nos MSS

120

[92] ὧν τεχνικὸν μέν ἐστιν ἐν ᾧ περὶ τῶν

στοιχείων καὶ τῶν τοῦ λόγου μερῶν

ὀρθογραφίας τε καὶ ἑλληνισμοῦ καὶ τῶν

ἀκολούθων διατάττονται ἱστορικὸν δὲ ὅπου

περὶ προσώπων οἱονεὶ θείων τε καὶ

ἀνθρωπίνων καὶ ἡρωικῶν διδάσκουσιν ἢ περὶ

τόπων διηγοῦνται καθάπερ ὀρῶν ἢ ποταμῶν

ἢ περὶ πλασμάτων καὶ μύθων παραδιδόασιν ἢ

εἴ τι τῆς αὐτῆς ἰδέας ἐστίν

Dessas a parte teacutecnica eacute aquela na qual dispotildeem

os elementos as partes da sentenccedila (logou mere)

e tambeacutem ortografia e helenismo e o que disso se

segue A parte dita lsquohistoacutericarsquo eacute onde ensinam

sobre os personagens ndash divinos humanos e

heroacuteicos datildeo detalhes sobre lugares como

montanhas e rios retomam tradiccedilotildees associadas a

ficccedilotildees e mitos e coisas deste gecircnero95

[93] ἰδιαίτερον δὲ ltδιrsquo οὗgt τὰ κατὰ τοὺς

ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς ἐπισκοποῦσι καθrsquo ὃ29

τὰ ἀσαφῶς λεγόμενα ἐξηγοῦνται τά τε ὑγιῆ

καὶ τὰ μὴ τοιαῦτα κρίνουσι τά τε γνήσια ἀπὸ

τῶν νόθων διορίζουσιν ἀλλrsquo ὡς μὲν τύπῳ καὶ

ὁλοσχερέστερον περιλαβεῖν ταῦτά ἐστι τὰ

τῆς γραμματικῆς μέρη

E a parte especiacutefica eacute aquela atraveacutes da qual

analisam o que eacute dito por poetas e escritores

interpretam as passagens obscuras julgam o que

estaacute correto e o que natildeo e distinguem o genuiacuteno

do espuacuterio Estas satildeo de maneira geral e grosso

modo explicadas as partes da gramaacutetica96

[94] νοητέον δὲ αὐτὰ οὐ κατrsquo εἰλικρίνειαν

οὐδrsquo ὡς ἄν τις εἴποι lsquoμέρη τοῦ ἀνθρώπου

ψυχὴ καὶ σῶμαrsquo ταυτὶ μὲν γὰρ ὡς ἕτερα ὄντα

ἀλλήλων νοεῖται τὸ δὲ τεχνικὸν καὶ

ἱστορικὸν καὶ τὸ περὶ τὰς ποιήσεις καὶ

συγγραφὰς τῆς γραμματικῆς μέρη πολλὴν

ἔχει συμπλοκὴν καὶ ἀνάκρασιν πρὸς τὰ λοιπά

Mas elas natildeo devem ser entendidas como se

fossem independentes ou como dir-se-ia que lsquoas

partes do homem satildeo o corpo e a almarsquo Pois se

concebe estas uacuteltimas como coisas diferentes uma

da outra e a parte teacutecnica a lsquohistoacutericarsquo e a que

trata de poetas e escritores isto eacute as partes da

gramaacutetica satildeo muito conectadas e entrelaccediladas

umas agraves outras

[95] καὶ γὰρ ἡ τῶν ποιητῶν ἐπίσκεψις οὐ

χωρὶς τοῦ τεχνικοῦ καὶ ἱστορικοῦ γίνεται

μέρους καὶ ἑκάτερον τούτων οὐ δίχα τῆς τῶν

ἄλλων παραπλοκῆς συνέστηκεν ὥσπερ οὖν

οἱ λέγοντες τῆς ἰατρικῆς μέρη δίαιταν

χειρουργίαν φαρμακείαν οὕτω λέγουσιν ὡς

πολλῆς οὔσης ἐν τοῖς θεωρήμασιν

Pois a anaacutelise dos poetas natildeo acontece sem as

partes teacutecnica e lsquohistoacutericarsquo e cada uma delas foi

constituiacuteda em conexatildeo com as outras97 Logo eacute

assim como dizem que as partes da medicina satildeo a

dieta a cirurgia e a farmacologia falando assim

porque haacute muita interdependecircncia entre os

teoremas (a dieta com efeito natildeo se apresenta

29 Blank ad loc com Giusta p 428 Para ἰδιαίτερον δὲ τὸ κατὰ τοὺς ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς [ἐπισκοποῦσι] καθ ὃ

121

ἀλληλουχίας (καὶ γὰρ ἡ δίαιτα οὐ χωρὶς

φαρμακείας καὶ χειρουργίας πρό[ς]εισι καὶ ἡ

φαρμακεία πάλιν περιείχετο καὶ τῇ τῶν

ἄλλων δυνάμει) ὧδε καὶ ἐπὶ τοῦ παρόντος

οὐκ ἀπότακτόν τί ἐστιν ἕκαστον μέρος οὐδrsquo

εἰλικρινὲς ἀπὸ τῆς τῶν ἄλλων ἐπιμιξίας

sem a farmacologia e a cirurgia e a farmacologia

por sua vez envolve-se tambeacutem na accedilatildeo das

outras) de maneira que natildeo estatildeo no momento

separadas nem satildeo independentes umas das

outras

[96] τοῦτο δὲ προδιηρθρώσαμεν οὐ

παρέργως ἀλλrsquo ἵνα εἰδῶμεν ὡς ἂν ἕν τι ἐξ

αὐτῶν δειχθῇ ἀσύστατον δυνάμει καὶ τὰ

λοιπὰ ἀνῄρηται ὧν ἑκάτερον οὐ χωρὶς τοῦ

ἀναιρεθέντος ὑφίσταται ὅμως δὲ οὐ

ποιήσομεν τοῦτο καίπερ ὂν σύντομον ἀλλὰ

πειρασόμεθα πρὸς ἕκαστον ἀντιλέγειν ὡς εἰ

καὶ μὴ ἔχρῃζε τῆς τῶν λοιπῶν παρουσίας

τάξει δὲ ἀρκτέον ἀπὸ τοῦ πρώτου

E natildeo foi agrave toa que detalhamos tal explicaccedilatildeo mas

para nos darmos conta de que se fica provado

para qualquer das partes que eacute inconsistente

destroacutei-se por forccedila tambeacutem o resto porque

nenhuma delas subsiste sem a parte que foi

destruiacuteda Mesmo assim ainda que nos poupasse

tempo natildeo faremos dessa forma mas tentaremos

argumentar contra cada uma como se prescindisse

da presenccedila das outras Comeccedilaremos entatildeo em

ordem pela primeira

[97] Ὅτι ἀμέθοδόν ἐστι καὶ ἀσύστατον τὸ

τεχνικὸν τῆς γραμματικῆς μέρος

Διὰ πολλὰ μὲν καὶ ἄλλα δίκαιόν ἐστι μετὰ

σπουδῆς ἐξετάζειν τὴν γραμματικὴν

τεχνολογίαν μάλιστα δὲ ἁπάντων διὰ τὸ ἐπrsquo

αὐτῇ κομᾶν καὶ μέγα φρονεῖν τοὺς

γραμματικούς ἀεὶ δὲ τῶν κατὰ τὰ λοιπὰ

κοσμουμένων μαθήματα κατατρέχειν ὡς μηδὲ

τὴν κοινὴν τῶν Ἑλλήνων συνήθειαν

ἐπισταμένων καὶ ἔτι διὰ τό εἴ ποτε θλίβοιντο

ἐν ζητήσει μὴ ἄλλην εὑρίσκειν πολλάκις

ἀποφυγὴν εἰς τὸ περισπᾶν τοὺς συζητοῦντας

αὐτοῖς ἢ τὸ ὅτι βάρβαρον ἢ σόλοικόν ἐστι τὸ

ὑπrsquo αὐτῶν λεχθέν

A parte teacutecnica da gramaacutetica eacute ametoacutedica e

inconsistente

Por muitos outros motivos vale a pena

examinar seriamente a exposiccedilatildeo teacutecnica da

gramaacutetica (grammatike tekhnologia) mas

sobretudo e principalmente porque os gramaacuteticos

vangloriam-se dela com uma presunccedilatildeo

desmedida E estatildeo sempre a rebaixar os que se

dedicam a outros estudos como se estes natildeo

tivessem domiacutenio da linguagem comum dos

gregos Mas tambeacutem porque ao serem

pressionados num debate muitas vezes sem

encontrar outro recurso para escapar aos

adversaacuterios vatildeo dizer que haacute barbarismo ou

solecismo na fala deles

[98] οὐκ ὀλίγην δὲ ἂν ἔχοι μοῖραν εἰς

προτροπὴν καὶ ὅταν βλέπωμεν τοὺς μηδὲ δύο

Tambeacutem natildeo eacute pouco o estiacutemulo que adveacutem de

vermos os gramaacuteticos incapazes de juntar duas

122

σχεδὸν ῥήματα δεξιῶς εἴρειν δυναμένους

γραμματικοὺς θέλοντας ἕκαστον τῶν μέγα

δυνηθέντων ἐν εὐφραδείᾳ καὶ ἑλληνισμῷ

παλαιῶν καθάπερ Θουκυδίδην Πλάτωνα

Δημοσθένην ὡς βάρβαρον ἐλέγχειν μία γὰρ

ἀντὶ πάντων ἄμυνα γενήσεται πρὸς αὐτούς

ἐὰν τὴν ψευδώνυμον αὐτῶν τεχνολογίαν

ἄτεχνον ἀποδείξωμεν

frases direito querendo censurar como barbarismo

expressotildees de escritores antigos altamente

capacitados na correccedilatildeo e pureza do idioma grego

como Tuciacutedides Platatildeo Demoacutestenes Poreacutem uma

uacutenica accedilatildeo de resistecircncia contra eles jaacute valeraacute por

todas demonstrarmos que sua falsamente

nomeada lsquoexposiccedilatildeo teacutecnicarsquo natildeo eacute teacutecnica

(atekhnos)

[99] τάξει δὲ λεκτέον ἡμῖν πρῶτον περὶ τῶν

στοιχείων ἐξ ὧν τὰ πάντα κατrsquo αὐτοὺς

συνέστηκεν καὶ ὧν ἀναιρεθέντων

ἀγραμμάτους ἀνάγκη γίνεσθαι τοὺς

γραμματικούς

Καὶ δὴ τριχῶς λεγομένου τοῦ στοιχείου

τοῦ τε γραφομένου χαρακτῆρος καὶ τύπου καὶ

τῆς τούτου δυνάμεως καὶ ἔτι τοῦ ὀνόματος

προαγέτω νῦν ἡ ζήτησις μάλιστα περὶ τῆς

δυνάμεως αὕτη γὰρ καὶ κυρίως στοιχεῖον

παρrsquo αὐτοῖς προσηγόρευται

Por ordem devemos falar primeiro das letras

como elementos De acordo com os gramaacuteticos

elas sustentam o todo portanto sua destruiccedilatildeo

teria por consequecircncia que os gramaacuteticos se

tornariam necessariamente lsquoiletradosrsquo

De fato diz-se lsquoletrarsquo de trecircs maneiras para a

forma ou sinal graacutefico para a qualidade deste e

para o seu nome Que nossa investigaccedilatildeo prossiga

por ora enfocando a qualidade (dunamis) porque

eacute a ela principalmente que se referem quando

dizem lsquoletrarsquo

[100] εἰκοσιτεσσάρων τοίνυν στοιχείων

ὄντων τῆς ἐγγραμμάτου φωνῆς τούτων

διττὴν ὑποτίθενται κατὰ τὸ ἀνωτάτω τὴν

φύσιν τὰ μὲν γὰρ αὐτῶν φωνάεντα

προσαγορεύουσι τὰ δὲ σύμφωνα καὶ

φωνάεντα μὲν ἑπτά α ε η ι ο υ ω

σύμφωνα δὲ τὰ λοιπά τῶν δὲ φωναέντων

τρεῖς λέγουσι διαφοράς δύο μὲν γὰρ αὐτῶν

φύσει μακρὰ λέγουσι τυγχάνειν τὸ η καὶ τὸ

ω ἰσάριθμα δὲ βραχέα τὸ ε καὶ τὸ ο τρία δὲ

κοινὰ μήκους τε καὶ βραχύτητος α ι υ ἅπερ

δίχρονα καὶ ὑγρὰ καὶ ἀμφίβολα καὶ

μεταβολικὰ καλοῦσιν

Pois bem vinte e quatro satildeo os elementos que

representam graficamente a fala (engrammatos

phone) e foram divididos no mais alto da escala

em duas classes segundo a natureza a uns

chamam vogais (phonaenta) e a outros

consoantes (sumphona) As vogais satildeo sete α ε

η ι ο υ ω (alfa eacutepsilon eta iota ocircmicron

iacutepsilon ocircmega) as consoantes satildeo as que restam

Entre as vogais existem trecircs diferenccedilas dizem de

duas delas que satildeo longas por natureza - η ω (eta

ocircmega) duas breves ndash ε ο (eacutepsilon ocircmicron) e

trecircs satildeo comuns (koina) a duas qualidades

longura e brevidade - α ι υ (alfa iota iacutepsilon)

Estas uacuteltimas satildeo tambeacutem chamadas de lsquohiacutebridasrsquo

123

(dikhrona) lsquoliacutequidasrsquo (hugra) lsquoambiacuteguasrsquo

(amphibola) e lsquovariaacuteveisrsquo (metabolika)

[101] ἕκαστον γὰρ αὐτῶν πέφυκεν ὁτὲ μὲν

ἐκτείνεσθαι ὁτὲ δὲ συστέλλεσθαι οἷον τὸ μὲν

α ἐπὶ τοῦ

Ἆρες Ἄρες βροτολοιγὲ μιαιφόνε τειχεσιπλῆτα

τὸ δὲ ι

Ἴλιον εἰς ἱερήν τῇ δrsquo ἀντίος ὤρνυτrsquo Ἀπόλλων

τὸ δὲ υ

θεσπέσιον νεφέων ἐκ Διὸς ὗεν ὕδωρ

porque cada uma delas tem a propriedade de ora

alongar-se ora abreviar-se como o α em

Āres Ăres brotoloige miaiphone teikhesipleta

Ares ldquoAres guerreiro dos homens flagelo

eversor de cidadesrdquo

[Iliacuteada V 31 Trad Carlos Alberto Nunes]

Ou o ι em

Īlĭon eis hĭeren tei drsquoantios ornutrsquo Apollon

ldquopara Iacutelio santa Mas do alto de Peacutergamo veio

encontraacute-lardquo

[Il VII 20 Trad Carlos Alberto Nunes]

Ou υ em

thespesion nepheon ek Dios hūen hŭdor

lsquoAacutegua maravilhosa que das nuvens de Zeus

derrama-sersquo [fradespota1169Lloyd-

JonesParsons]

[102] τῶν δὲ συμφώνων τὰ μὲν ἡμίφωνά ἐστι

κατrsquo αὐτοὺς τὰ δὲ ἄφωνα καὶ ἡμίφωνα μὲν

ὅσα διrsquo αὑτῶν ῥοῖζον ἢ σιγμὸν ἢ μυγμὸν ἤ

τινα παραπλήσιον ἦχον κατὰ τὴν ἐκφώνησιν

ἀποτελεῖν πεφυκότα καθάπερ τὸ ζ θ λ μ ν

ξ ρ σ φ χ ψ ἢ ὥς τινες χωρὶς τοῦ θ καὶ φ

καὶ χ τὰ λειπόμενα ὀκτώ ἄφωνα δέ ἐστι τὰ

μήτε συλλαβὰς καθrsquo ἑαυτὰ ποιεῖν δυνάμενα

μήτε ἤχων ἰδιότητας αὐτὸ30 δὲ μόνον μετὰ

τῶν ἄλλων συνεκφωνούμενα καθάπερ β γ δ

κ π τ ἢ ὡς ἔνιοι καὶ τὸ θ φ χ

Entre as consoantes umas satildeo semivocaacutelicas

(hemiphona) segundo eles e outras mudas

(aphona) Agraves semivocaacutelicas eacute natural que na

pronuacutencia ocorra um sibilo assobio ou sussurro

ou um som desse tipo como em ζ θ λ μ ν ξ ρ

σ φ χ ψ (zeta theta lambda mi ni ksi rocirc

sigma phi khi psi) ou dizem alguns

excetuando-se θ φ χ (theta phi khi) as outras

oito restantes As consoantes mudas satildeo as que

natildeo satildeo capazes de formar siacutelaba por si mesmas

nem de soar isoladas mas somente quando

pronunciadas junto com outras satildeo elas β γ δ κ

π τ (beta gamma delta kappa pi tau) ou

como alguns dizem tambeacutem θ φ χ (theta phi

30 Blank ad loc com MS G Por αὐτὰ

124

khi)

[103] καὶ μὴν κοινῶς τῶν συμφώνων πάλιν τὰ

μὲν φύσει δασέα λέγουσι τὰ δὲ ψιλά καὶ

δασέα μὲν θ φ χ ψιλὰ δὲ κ π τ μόνον δέ

φασι τὸ ρ ἐπιδέχεσθαι ἑκάτερον δασύτητα

καὶ ψιλότητα λέγουσι δέ τινα τῶν συμφώνων

καὶ διπλᾶ καθάπερ τὸ ζ ξ ψ συνεστηκέναι

γάρ φασι τὸ μὲν ζ ἐκ τοῦ σ καὶ δ τὸ δὲ ξ ἐκ

τοῦ κ καὶ σ τὸ δὲ ψ ἐκ τοῦ π καὶ σ

E das consoantes em geral dizem tambeacutem que

algumas satildeo por natureza aacutesperas e outras satildeo

simples - as aspiradas θ φ χ (theta phi khi) as

simples κ π τ (kappa pi tau) E dizem que

apenas o ρ (rocirc) admite ambas as qualidades

aacutespera e simples E dizem ainda que dentre as

consoantes algumas satildeo duplas como ζ ξ ψ

(zeta ksi psi) pois satildeo combinaccedilotildees o ζ (zeta)

de σ (sigma) e δ (delta) o ξ (ksi) do κ (kappa) e σ

(sigma) e o ψ (psi) de π (pi) e σ (sigma)

[104] Τούτων δὴ προεστοιχειωμένων φημὶ

πρῶτον μὲν ἀτόπως αὐτοῖς λέγεσθαι τῶν

στοιχείων τινὰ εἶναι διπλᾶ τὸ γὰρ διπλοῦν

σύστημά ἐστιν ἐκ δυοῖν τὸ δὲ στοιχεῖον οὐκ

ἔστι σύστημα ἐκ τινῶν ἁπλοῦν γὰρ ὀφείλει

τυγχάνειν καὶ οὐκ ἐξ ἑτέρων συστατόν οὐκ

ἄρα ἔστι διπλοῦν στοιχεῖον ἄλλως τε εἰ τὰ

συστατικὰ τοῦ διπλοῦ στοιχείου στοιχεῖά

ἐστι τὸ διπλοῦν ἐκ τῶν στοιχείων συνεστὼς

οὐκ ἔσται στοιχεῖον ἀλλὰ μὴν τὰ συστατικὰ

τοῦ διπλοῦ στοιχείου στοιχεῖά ἐστιν οὐκ ἄρα

τὸ διπλοῦν ἐστι στοιχεῖον

Portanto tendo sido apresentados os elementos

primeiro direi que eacute completamente absurdo da

parte deles afirmar que alguns elementos satildeo

duplos porque lsquoduplorsquo eacute o que se compotildee de dois

e lsquoelementorsquo natildeo eacute uma composiccedilatildeo de coisas

porque tem de ser simples e natildeo composto Logo

natildeo existe um lsquoelemento duplorsquo De outra forma

se os componentes do elemento duplo satildeo

elementos o elemento duplo composto de

elementos natildeo seraacute um elemento E de fato os

componentes do elemento duplo satildeo ditos

elementos assim o elemento duplo natildeo eacute um

elemento

[105] Καὶ μὴν ὡς ταῦτα ἀναιρεῖται οὕτω

καὶ τὰ δίχρονα κοινὴν φύσιν μήκους τε καὶ

βραχύτητος ἀξιούμενα ἔχειν εἴπερ γὰρ

τοιαῦτά ἐστιν ἤτοι αὐτὸ τὸ γράμμα κατrsquo ἰδίαν

καὶ ὁ ψιλός εἰ τύχοι τοῦ α 31 χαρακτὴρ

ἐμφανιστικός ἐστι τῆς διχρόνου φύσεως ltἢgt 32 νυνὶ μὲν συστέλλεσθαι νυνὶ δὲ ἐκτείνεσθαι

δυνάμενον 33 τῇ προσῳδίᾳ

Com efeito da mesma maneira como foram

destruiacutedas s estas letras tambeacutem o podem ser as

hiacutebridas que satildeo consideradas como tendo uma

natureza comum a duas qualidades Se de fato satildeo

assim ou a letra mesma sozinha e por si proacutepria

digamos α (alfa) eacute um sinal que expressa a

natureza hiacutebrida ou eacute capaz de alongar-se e

abreviar-se por causa da prosoacutedia

31 Blank ad loc com Blomqvist p 75 ss Supressatildeo de ι υ 32 Blank ad loc com Blomqvist p 75 ss Modificaccedilotildees ltἢgt καὶ

125

[106] ἀλλrsquo ὁ μὲν χαρακτὴρ κατrsquo ἰδίαν οὐκ

ἔστι κοινοῦ φύσει στοιχείου μηνυτικός οὔτε

γὰρ ὅτι μηκύνεται οὔθrsquo ὅτι βραχύνεται οὔθrsquo

ὅτι τὸ συναμφότερον καὶ μηκύνεται καὶ

βραχύνεται ἐμφαίνει ἀλλrsquo ὃν τρόπον ἡ διrsquo

αὐτοῦ συλλαβή καθάπερ εἴρηται ἐπὶ τῆς

Ἆρες λέξεως οὐ χωρὶς τῆς προστιθεμένης

προσῳδίας οὔτrsquo εἰ μακρά ἐστιν οὔτrsquo εἰ

βραχεῖα γινώσκεται οὕτω καὶ τὸ α ι υ κατrsquo

ἰδίαν λαμβανόμενα οὐ κοινὰ ἑκατέρας ἔσται

δυνάμεως ἀλλrsquo οὐδετέρας

Mas o sinal graacutefico por si proacuteprio natildeo eacute

indicativo de um elemento de natureza comum

Pois natildeo manifesta nem que eacute longo nem que eacute

breve tampouco a combinaccedilatildeo de ambos longo e

breve Na verdade como foi dito da palavra

lsquoAresrsquo natildeo se sabe se a siacutelaba por ela mesma eacute

longa ou breve sem aplicar a prosoacutedia Do mesmo

modo tambeacutem α ι υ (alfa iota iacutepsilon) por si

mesmas tomadas natildeo seratildeo comuns a duas

qualidades mas antes a nenhuma

[107] λείπεται οὖν σὺν προσῳδίᾳ λέγειν αὐτὸ

κοινὸν ὑπάρχειν ὃ πάλιν ἐστὶν ἀμήχανον

προσλαμβάνον γὰρ ταύτην ἢ μακρὸν γίνεται

ὅτε ἔστι μακρά ἢ βραχύ ὅτε ἔστι βραχεῖα

κοινὸν δὲ οὐδέποτε οὐκ ἄρα ἔστι φύσει

δίχρονα στοιχεῖα

Faltou entatildeo considerar que existiria como

elemento comum por causa do uso O que mais

uma vez eacute impossiacutevel Pois de acordo com a

prosoacutedia o elemento se torna longo ou breve

jamais vai ser tornar lsquocomumrsquo Logo natildeo existem

elementos hiacutebridos por natureza

[108] εἰ δὲ λέγοιεν κοινὰ φύσει ὑπάρχειν

ταῦτα παρόσον ἐπιδεκτικά ἐστιν ἑκατέρου

μήκους τε καὶ συστολῆς λήσονται σχεδὸν εἰς

τὴν αὐτὴν ἐγκυλισθέντες ἀπορίαν τὸ γὰρ

ἐπιδεκτικόν τινος οὐκ ἔσται ἐκεῖνο τὸ οὗπερ

ἐπιδεκτικόν ἐστιν ὥσπερ γὰρ ὁ χαλκὸς

ἐπιδεκτικὸς μέν ἐστι τοῦ ἀνδριὰς γενέσθαι

οὐκ ἔστι δὲ ἀνδριὰς ἐφrsquo ὅσον ἐπιδεκτικός

ἐστι καὶ ὃν τρόπον τὰ ξύλα ἐπιτήδειον μὲν

ἔχει φύσιν εἰς τὸ ναῦς γενέσθαι οὔπω δὲ ἔστι

ναῦς οὕτω καὶ τὰ τοιαῦτα τῶν στοιχείων

ἐπιδεκτικὰ ltμένgt ἐστι μήκους τε καὶ

συστολῆς οὔτε δὲ μακρά ἐστιν οὔτε βραχέα

οὔθrsquo ἑκάτερον πρὶν ἀπὸ προσῳδίας

ποιωθῆναι

E caso afirmem que elementos comuns existem

por natureza na medida em que satildeo suscetiacuteveis de

ambas as qualidades longura e brevidade

envolver-se-atildeo sem perceberem praticamente na

mesma aporia Pois aquilo que eacute suscetiacutevel de algo

natildeo eacute aquilo de que eacute suscetiacutevel assim como o

bronze eacute suscetiacutevel de transformar-se em estaacutetua

mas natildeo eacute uma estaacutetua Os troncos de aacutervore

possuem natureza suscetiacutevel a moldarem-se em

barco mas natildeo satildeo barco ainda Da mesma forma

os elementos suscetiacuteveis de serem longos ou

breves natildeo satildeo longos nem satildeo breves nem

ambas as coisas antes de serem dotados de tal

qualidade de acordo com a prosoacutedia

33 Blank ad loc com Blomqvist p 75 ss Supressatildeo κοινὸν σὺν

126

[109] πρός γε μὴν τοῖς λεχθεῖσιν ἐναντίον

ἐστὶν ἥ τε βραχύτης καὶ ἡ ἐπέκτασις καὶ οὐ

συνυφίσταται ἀναιρέσει γὰρ τῆς βραχύτητος

ἡ ἐπέκτασις συνίσταται καὶ ἀναιρουμένης

μακρᾶς βραχεῖα γίνεται παρrsquo ἣν αἰτίαν

ἀδύνατον περισπωμένην βραχεῖαν γενέσθαι

διὰ τὸ τῷ περισπασμῷ κατrsquo ἀνάγκην

συνυφίστασθαι τὴν ἐπέκτασιν

Ao que foi dito acrescente-se que breve e longa

satildeo qualidades contraacuterias e natildeo coexistem Pois o

alongamento consiste na destruiccedilatildeo da brevidade

uma breve surge por se destruir uma longa Por

esse motivo eacute que uma breve natildeo recebe acento

circunflexo porque necessariamente acento

circunflexo coexiste com alongamento

[110] διόπερ εἰ φύσει τι δίχρονόν ἐστι

στοιχεῖον ἤτοι ὑφrsquo ἓν περὶ αὐτὸ ἥ τε τῆς

βραχύτητος καὶ ἡ τῆς ἐπεκτάσεως

ὑποστήσεται δύναμις ἢ παρὰ μέρος ἀλλrsquo ὑφrsquo

ἓν μὲν ἀμήχανον περὶ γὰρ τὴν αὐτὴν

ἐκφώνησιν κατὰ τὸ αὐτὸ ἀναιρετικαὶ

ἀλλήλων δυνάμεις οὐκ ἂν ὑποσταῖεν λείπεται

ἄρα παρὰ μέρος ὃ πάλιν ἐστὶν ἀπίθανον ὅτε

γὰρ ἔστι μακρόν τότε οὐκ ἔστι κοινὸν

στοιχεῖον βραχύτητος καὶ μήκους ltἀλλὰ

μακρόν μόνον καὶ ὅτε ἐστὶ βραχὺ οὐκ ἔστι

κοινὸνgt 34 ἀλλὰ βραχὺ μόνον

Assim se o elemento eacute por natureza hiacutebrido as

qualidades de breve e longa subsistem nele ou ao

mesmo tempo ou em separado Mas eacute impossiacutevel

que subsistam ao mesmo tempo porque na

proacutepria pronuacutencia do elemento mesmo qualidades

com forccedilas mutuamente destrutivas natildeo

subsistiriam Portanto resta que subsistam em

separado O que por sua vez eacute implausiacutevel pois

se eacute longo entatildeo natildeo eacute um elemento comum a

duas qualidades longura e brevidade ao

contraacuterio eacute somente longo e se eacute breve natildeo eacute

comum apenas breve

[111] Ὁ δrsquo αὐτὸς τῆς ἐπιχειρήσεως τρόπος

γινέσθω καὶ ἐπὶ τῶν φύσει ψιλῶν ἢ δασέων ἢ

καθrsquo ἑκάτερον κοινῶν ἡμῖν δὲ ἀπόχρη τὸ

γένος τῆς ἐπιχειρήσεως ὑποδεῖξαι

Καὶ μὴν ἐπεὶ ἀνῄρηται τὰ κοινὰ καὶ

δέδεικται τὸ ἐκτείνεσθαι μόνον αὐτὰ ἢ

συστέλλεσθαι ἀκολουθήσει καὶ τὸ δισσὸν

ὑπάρχειν ἕκαστον τὸ μὲν φύσει μακρὸν τὸ δrsquo

αὖ φύσει βραχύ

O mesmo modo de contra-argumentar deve ser

admitido contra as que satildeo ditas por natureza

aspiradas simples ou comuns Basta-nos por ter

indicado o tipo de argumento

E na verdade jaacute que foram destruiacutedas as

comuns e ficou claro que as mesmas satildeo apenas

ou longas ou breves segue-se que de cada uma

haacute duas uma eacute longa por natureza e a outra o

oposto breve por natureza

[112] δισσοῦ οὖν ὄντος τοῦ α καὶ ι καὶ υ

οὐκέτι ἑπτὰ γενήσεται μόνον στοιχεῖα

φωνάεντα ὧν δύο μὲν μακρά τό τε η καὶ τὸ

Portanto se α ι υ (alfa iota iacutepsilon) satildeo duplas

natildeo teremos mais apenas sete elementos como

vogais dois longos ndash η ω (eacuteta ocircmega) dois

34 Blank ad loc

127

ω δύο δὲ βραχέα τό τε ε καὶ τὸ ο τρία δὲ

δίχρονα τό τε α καὶ ι καὶ υ ἀλλὰ τὰ

σύμπαντα δέκα καὶ τούτων τὰ πέντε μὲν

μακρά τό τε η καὶ τὸ ω καὶ τὸ μακρὸν α καὶ ι

καὶ υ ἰσάριθμα δὲ τὰ βραχέα τὸ ο καὶ τὸ ε

καὶ τὸ βραχὺ α καὶ ι καὶ υ

breves ndash ε ο (eacutepsilon ocircmicron) e trecircs hiacutebridos ndash

α ι υ (alfa iota iacutepsilon) mas teremos ao todo

dez cinco dos quais satildeo longos - η ω (eta

ocircmega) e α ι υ (alfa iota iacutepsilon) longos e

cinco breves - ε ο (epsilon ocircmicron) e α ι υ

(alfa iota iacutepsilon) breves

[113] ἀλλrsquo ἐπεὶ οὐ δύο μόνον ὑπειλήφασιν

εἶναι προσῳδίας γραμματικῶν παῖδες τήν τε

μακρὰν καὶ βραχεῖαν ἀλλὰ καὶ ὀξεῖαν

βαρεῖαν περισπωμένην δασεῖαν ψιλήν

ἕκαστον τῶν ὑποδεδειγμένων φωναέντων

ἔχον τινὰ τούτων κατrsquo ἰδίαν προσῳδίαν

γενήσεται στοιχεῖον καὶ ᾧ λόγῳ οὐδὲν ἦν

κοινὸν μήκους τε καὶ βραχύτητος στοιχεῖον

ἀλλrsquo ἢ μακρὸν μόνον ὅτrsquo εἶχε τὴν μακράν ἢ

βραχύ ὅτrsquo εἶχε τὴν βραχεῖαν τῷ αὐτῷ λόγῳ

οὐδὲν ἔσται κοινὸν ὀξύτητος καὶ βαρύτητος

ἀλλrsquo ἢ ὀξὺ μόνον ὅτε προσειλήφει τὴν

ὀξεῖαν ἢ βαρύ ὅτε τὴν βαρεῖαν καὶ ἐπὶ τῶν

ἄλλων τὸ ἀνάλογον ἐπεὶ οὖν τὰ μὲν βραχέα

δύrsquo ὄντα ἀνὰ πέντε ἐπιδέχεται προσῳδίας

βραχεῖαν ὀξεῖαν βαρεῖαν δασεῖαν ψιλήν δέκα

γενήσεται

Poreacutem visto natildeo serem apenas duas as nuances

prosoacutedicas que a classe dos gramaacuteticos assume a

saber longa e breve mas tambeacutem agudo grave

circunflexo aspirado e simples - cada uma das

vogais mencionadas antes realizando-se

prosodicamente com cada um destes traccedilos seraacute

entatildeo um elemento E de acordo com o

argumento natildeo haacute elemento misto breve e longo -

mas somente o longo quando possui o traccedilo

longo e o breve quando possui o traccedilo breve -

pelo mesmo motivo natildeo existiraacute um elemento

misto agudo e grave mas apenas agudo se leva o

acento agudo ou grave se possui o acento grave

e com os outros dar-se-aacute da mesma forma

Portanto jaacute que as breves satildeo duas e admitem ateacute

cinco marcas prosoacutedicas breve aguda grave

aspirada e simples seratildeo na verdade dez

[114] τὰ δὲ μακρὰ πάλιν δύο ὄντα ltἐπεὶgt35 ἐκ

περισσοῦ προσλαμβάνει καὶ τὴν προσῳδίαν

τὴν περισπωμένην (μηκύνεται γὰρ ταῦτα καὶ

ὀξύνεται καὶ βαρύνεται καὶ δασύνεται καὶ

ψιλοῦται καὶ ἰδιαίτερον περισπᾶσθαι πέφυκε)

γενήσεται δώδεκα τὰ δὲ κοινὰ τρία

καθεστῶτα τὰς ἑπτὰ προσῳδίας καθrsquo ἕκαστον

ἐπιδέχεται καὶ ταύτῃ γίνεται εἴκοσι καὶ ἕν

ὥστε πάντα τεσσαράκοντα καὶ τρία

As longas por sua vez tambeacutem satildeo duas mas

como recebem adicionalmente o acento

circunflexo - podem ser com efeito longas

agudas graves aspiradas simples e por sua

caracteriacutestica proacutepria circunflexas - tornar-se-atildeo

portanto doze E as trecircs vogais ditas comuns

podem receber cada uma sete marcas prosoacutedicas

Dessa forma acabam por ser vinte e uma Assim

no total satildeo quarenta e trecircs98 Somando-se a estas

35 Blank ad loc com Giusta p 431 Por Hervetus ltεἰgt

128

τυγχάνειν οἷς τῶν δεκαεπτὰ συμφώνων

προστιθεμένων ἑξήκοντα γίνεσθαι στοιχεῖα

ἀλλrsquo οὐκ εἰκοσιτέσσαρα

as dezessete consoantes teremos sessenta

elementos e natildeo vinte e quatro99

[115] Ἔστι δὲ καὶ ἕτερος λόγος καθrsquo ὃν

ἀξιοῦται διαφόρως τὰ φωνάεντα πάλιν

στοιχεῖα ἐλάσσονα εἶναι τῶν παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς θρυλουμένων ἑπτά εἰ γὰρ τὸ α

κατrsquo αὐτοὺς ἐκτεινόμενον καὶ συστελλόμενον

οὐχ ἕτερόν ἐστι στοιχεῖον ἀλλrsquo ἓν κοινόν

ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ ι καὶ τὸ υ ἀκολουθήσει

καὶ τὸ ε καὶ τὸ η ἓν εἶναι στοιχεῖον κατὰ τὴν

αὐτὴν δύναμιν κοινόν ἡ γὰρ αὐτὴ δύναμις

ἐπrsquo ἀμφοτέρων ἐστί καὶ συσταλὲν μὲν τὸ η

γίνεται ε ἐκταθὲν δὲ τὸ ε γίνεται η κατὰ δὲ

τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τὸ ο καὶ τὸ ω 36 μία

στοιχείου γενήσεται φύσις κοινή ἐκτάσει καὶ

συστολῇ διαφέρουσα ἐπείπερ τὸ μὲν ω

μακρόν ἐστιν [τὸ] ο τὸ δὲ ο βραχύ ἐστιν ω

Haacute ainda um outro argumento segundo o qual

as vogais satildeo diferentemente valoradas e desta

vez somam menos elementos do que os sete

alardeados pelos gramaacuteticos Pois se o α (alfa)

conforme eles dizem natildeo eacute separado um longo

outro breve mas um uacutenico elemento comum dar-

se-ia exatamente o mesmo com ι e υ (iota

iacutepsilon) Mas assim tambeacutem ε e η (epsilon eacuteta)

seriam um soacute elemento com a mesma qualidade -

porque a mesma qualidade existe em ambos

abreviando o η (eta) torna-se ε (epsilon)

alongando o ε (epsilon) torna-se η (eacuteta) Do

mesmo modo tambeacutem ο e ω (ocircmicron ocircmega)

teratildeo uma soacute natureza comum diferindo quando eacute

breve ou longo visto que ω (ocircmega) eacute um ο

(ocircmicron) longo enquanto o ο (ocircmicron) eacute um ω

(ocircmega) breve

[116] τυφλώττουσιν οὖν οἱ γραμματικοὶ καὶ

τὸ ἀκόλουθον αὑτοῖς οὐ συνορῶσι λέγοντες

ἑπτὰ φωνάεντα τυγχάνειν πέντε μόνων ὄντων

πρὸς τὴν φύσιν

Καὶ ἀναστρόφως ἔσεσθαί τινά φασιν ἔνιοι

τῶν φιλοσόφων πλείονα στοιχεῖα διάφορον

ἔχοντα δύναμιν τῶν συνήθως παραδιδομένων

οἷον καὶ τὸ αι καὶ τὸ ου καὶ πᾶν ὃ τῆς ὁμοίας

ἐστὶ φύσεως τὸ γὰρ στοιχεῖον κριτέον

μάλιστα ὅτι στοιχεῖόν ἐστιν ἐκ τοῦ

ἀσύνθετον καὶ μονόποιον ἔχειν φθόγγον οἷός

ἐστιν ὁ τοῦ α καὶ ε καὶ ο καὶ τῶν λοιπῶν

Portanto os gramaacuteticos estatildeo completamente

cegos e natildeo enxergam as consequecircncias de suas

colocaccedilotildees ao dizerem que as vogais satildeo sete

quando satildeo apenas cinco por natureza

E de modo contraacuterio alguns filoacutesofos dizem

existir mesmo mais alguns elementos que

possuem qualidades diferentes das que lhes satildeo

comumente conferidas como o αι e o ου e todo

elemento de natureza semelhante Pois um

elemento deve ser julgado primeiramente porque

eacute um elemento ou seja por ter um som de

qualidade uacutenica e natildeo composta tal como α ε ο

36 Natildeo seguimos a modificaccedilatildeo de Blank ad loc com Giusta p 431 para καὶ τοῦ ο καὶ τοῦ ω

129

(alfa eacutepsilon ocircmicron) e os demais

[117] ἐπεὶ οὖν ὁ τοῦ αι καὶ ει φθόγγος ἁπλοῦς

ἐστι καὶ μονοειδής ἔσται καὶ ταῦτα στοιχεῖα

τεκμήριον δὲ τῆς ἁπλότητος καὶ μονοειδείας

τὸ λεχθησόμενον ὁ μὲν γὰρ σύνθετος

φθόγγος οὐχ οἷος ἀπrsquo ἀρχῆς προσπίπτει τῇ

αἰσθήσει τοιοῦτος ἄχρι τέλους παραμένειν

πέφυκεν ἀλλὰ κατὰ παράτασιν ἑτεροιοῦται ὁ

δὲ ἁπλοῦς καὶ ὄντως τοῦ στοιχείου λόγον

ἔχων τοὐναντίον ἀπrsquo ἀρχῆς μέχρι τέλους

ἀμετάβολός ἐστιν οἷον τοῦ μὲν ρα φθόγγου

ἐν παρατάσει προφερομένου δῆλον ὡς οὐχ

ὡσαύτως αὐτοῦ κατὰ τὴν πρώτην

πρόltςgtπτωσιν ἀντιλήψεται ἡ αἴσθησις καὶ

κατὰ τὴν τελευταίαν ἀλλὰ κατrsquo ἀρχὰς μὲν

ὑπὸ τῆς ρ ἐκφωνήσεως κινηθήσεται μεταῦθις

δὲ ἐξαφανισθείσης αὐτῆς εἰλικρινοῦς τῆς τοῦ

α δυνάμεως ποιήσεται τὴν ἀντίληψιν ὅθεν

οὐκ ἂν εἴη στοιχεῖον τὸ ρα καὶ πᾶν τὸ ἐοικὸς

αὐτῷ

Portanto jaacute que αι e ει satildeo sons simples e

uniformes tambeacutem eles seriam elementos

Daremos prova da simplicidade e uniformidade

num som composto a sensaccedilatildeo produzida no

comeccedilo natildeo se estende do comeccedilo ao fim tal como

se originou poreacutem modifica-se conforme avanccedila

enquanto o que eacute simples tem exatamente a loacutegica

contraacuteria eacute imutaacutevel do princiacutepio ao fim Por

exemplo o som ρα (ra) pronunciado

continuamente eacute evidente que a sensaccedilatildeo do

primeiro impacto e do uacuteltimo natildeo satildeo percebidas

como a mesma mas no comeccedilo imprime-se a do

som de ρ e entatildeo sumindo esta a percepccedilatildeo que

se produz eacute a da qualidade do som do α (alfa) sem

mistura Portanto natildeo pode ser dito nem de ρα

nem de outro que for como ele que eacute um

elemento

[118] εἰ δὲ τὸν τοῦ αι φθόγγον λέγοιεν οὐδὲν

ἔσται τοιοῦτον ἀλλrsquo οἷον ἀπrsquo ἀρχῆς

ἐξακούεται ltτὸgt τῆς φωνῆς ἰδίωμα τοιοῦτον

καὶ ἐπὶ τέλει ὥστε στοιχεῖον ἔσται τὸ αι

τούτου δὲ οὕτως ἔχοντος ἐπεὶ καὶ ὁ τοῦ ει

φθόγγος καὶ ὁ τοῦ ου μονοειδὴς καὶ

ἀσύνθετος καὶ ἀμετάβολος ἐξ ἀρχῆς ἄχρι

τέλους λαμβάνεται ἔσται καὶ οὗτος

στοιχεῖον

Mas ao falarmos do som de αι natildeo se diria nada

disto ao contraacuterio do princiacutepio ao fim o que se

escuta eacute o mesmo som caracteriacutestico Pois bem de

acordo com isto o αι seraacute um elemento E sendo

assim com ele jaacute que tambeacutem os sons de ει e ου

satildeo percebidos de forma uniforme natildeo compostos

e imutaacuteveis do princiacutepio ao fim tambeacutem estes

seratildeo elementos

[119] Ἀλλὰ ἀφέμενοί γε ταύτης τῆς

ζητήσεως ἐκεῖνο ἂν λέγοιμεν ὃ μᾶλλον

δύναται θλίβειν τοὺς γραμματικούς εἰ γὰρ

κοινὰ λέγεται στοιχεῖα τρία α ι υ διὰ τὸ

Mas deixando de lado esta questatildeo podemos

dizer algo que eacute capaz de pesar ainda mais sobre

os gramaacuteticos Se os elementos comuns satildeo trecircs α

ι υ (alfa iota iacutepsilon) porque podem receber a

130

ἐπιδεκτικὰ τυγχάνειν μήκους τε καὶ

συστολῆς ἀκολουθήσει πᾶν στοιχεῖον κοινὸν

εἶναι λέγειν ἐπιδεκτικὸν γάρ ἐστι τῶν

τεσσάρων προσῳδιῶν βαρύτητος ὀξύτητος

ψιλότητος δασύτητος ἢ εἴπερ οὐχ

ὑπομένουσι πᾶν στοιχεῖον κοινὸν εἶναι λέγειν

μηδrsquo ἐκεῖνα λεγέτωσαν κοινὰ παρόσον

ἐκτάσεως καὶ συστολῆς ἐστὶν ἐπιδεκτικά

qualidade de breves ou longos consequentemente

todo elemento seraacute dito comum pois pode receber

as quatro marcas de prosoacutedia agudo grave

simples e aspirado Mas se eles natildeo consentem

que se diga que todo elemento eacute comum

tampouco lhes seraacute permitido dizer que aqueles o

satildeo por serem suscetiacuteveis de longura e brevidade

[120] Ἤρκει μὲν οὖν ἠπορημένων τῶν

στοιχείων τῆς γραμματικῆς πέρας

ἐπιτεθεικέναι τῇ ζητήσει τίς γὰρ ἀπολείπεται

λόγος περὶ τῶν μετὰ τὰς ἀρχὰς τοῖς τὰς ἀρχὰς

οὐκ ἔχουσι γραμματικοῖς ὅμως δrsquo οὖν

ἐνδοτέρω προχωροῦντας οὐκ ἔστιν ἀλλότριον

κἀκείνων δείγματος χάριν ἀποπειραθῆναι καὶ

ἐπεὶ ἐκ στοιχείων αἱ συλλαβαί εἰσι ltτὰgt περὶ

τούτων ἐπισυνάπτωμεν

Poderiacuteamos nos dar por satisfeitos em ter

demonstrado que a concepccedilatildeo dos elementos eacute

aporeacutetica e pocircr termo agrave investigaccedilatildeo Pois qual

argumento para o que vem depois dos princiacutepios

resta aos gramaacuteticos agora que natildeo possuem mais

os princiacutepios Contudo tendo adentrado tanto

neste assunto natildeo eacute irrelevante que se ponham

tambeacutem agrave prova os outros a tiacutetulo de exemplo E

jaacute que de elementos satildeo feitas as siacutelabas

agreguemos argumentos sobre elas

Περὶ συλλαβῆς

[121] Πᾶσα οὖν συλλαβὴ ἢ μακρά ἐστιν ἢ

βραχεῖα μακρὰ δὲ γίνεται φασί διχῶς φύσει

τε καὶ θέσει φύσει μὲν τριχῶς ἢ ὅταν ἔχῃ

στοιχεῖον φύσει μακρὸν ὡς ἐπὶ τῆς ἠώς

λέξεως ἑκατέρα γὰρ τούτων τῶν συλλαβῶν

ἐστι μακρὰ διὰ τὸ τὴν μὲν τὸ η τὴν δὲ τὸ ω

φύσει ἔχειν μακρόν ἢ ὅταν ἐκ δυοῖν

φωναέντων συνεστήκῃ ὡς ἐπὶ τῆς αἰεί

λέξεως αἱ γὰρ δύο συλλαβαὶ μακραὶ τῷ

ἑκατέραν ἐκ δυοῖν φωναέντων ὑπάρχειν ἢ

ὅταν κοινὸν ἔχῃ τὸ στοιχεῖον μακροτόνως

παρειλημμένον ὡς ἐπὶ τῆς Ἆρες 37 τὸ γὰρ α

δίχρονον νῦν μακροτόνως ἐκφέρεται

Sobre a siacutelaba

Pois bem toda siacutelaba ou eacute longa ou eacute breve Eacute

longa dizem de duas formas ou por natureza ou

por posiccedilatildeo Por natureza de trecircs formas ou

quando conteacutem um elemento por natureza longo

como na palavra ἠώς (ēōs) onde cada uma das

siacutelabas eacute longa porque uma conteacutem o η (eta) e a

outra o ω (ocircmega) ambos longos por natureza Ou

eacute longa quando consiste de duas vogais como na

palavra αἰεί (aiei) pois as duas siacutelabas satildeo longas

existindo em cada uma duas vogais Ou eacute longa

quando possui um elemento misto que se produz

como longo como na palavra Āres onde o α

hiacutebrido eacute pronunciado longo

37 Blank ad loc ldquoEsta leitura faz mais sentido no contexto que o Ἄρης dos MSS ausente do verso homeacuterico citado em 101 acimardquo

131

[122] οὐκοῦν φύσει τριχῶς μηκύνεται

συλλαβή θέσει δὲ πενταχῶς ἤτοι ὅταν εἰς

σύμφωνα τῶν ἁπλῶν λήγῃ δύο ἢ ὅταν ἡ μετrsquo

αὐτὴν συλλαβὴ ἀπὸ συμφώνων δύο ἄρχηται

ἢ ὅταν εἰς σύμφωνον λήγῃ καὶ ἀπὸ συμφώνου

ἡ ἑξῆς ἄρχηται ἢ ὅταν εἰς διπλοῦν λήγῃ

στοιχεῖον ἢ ὅταν μετrsquo αὐτὴν διπλοῦν

ἐπιφέρηται

Portanto por natureza a siacutelaba eacute longa de trecircs

formas mas por posiccedilatildeo satildeo cinco formas

quando termina em duas consoantes simples

quando a siacutelaba seguinte comeccedila com duas

consoantes ou quando termina em consoante e a

siacutelaba seguinte comeccedila em consoante ou quando

termina em consoante dupla ou quando depois

dela vem uma consoante dupla

[123] εἰ δὴ πᾶσα συλλαβὴ ἤτοι μακρά ἐστιν ἢ

βραχεῖα κατὰ τοὺς ὑποδεδειγμένους τῆς

τεχνολογίας τρόπους ἐὰν παραστήσωμεν

μηδετέραν οὖσαν αὐτῶν δῆλον ὡς οὐδὲ λέξιν

ἕξουσιν οἱ γραμματικοί καθὰ γὰρ τῶν

στοιχείων ἀναιρουμένων συναναιροῦνται καὶ

αἱ συλλαβαί οὕτω καὶ τῶν συλλαβῶν μὴ

οὐσῶν οὔτε αἱ λέξεις γενήσονται οὔτε κοινῶς

τὰ τοῦ λόγου μέρη διὰ δὲ τοῦτrsquo οὐδὲ λόγος

E com efeito se toda siacutelaba ou eacute longa ou eacute breve

de acordo com os modos indicados nos tratados

teacutecnicos (tekhnologiai) entatildeo ao mostrarmos que

nenhuma delas existe eacute evidente que os

gramaacuteticos tambeacutem perdem a lsquopalavrarsquo (leksis)

pois ao serem destruiacutedos os elementos destroem-

se junto as siacutelabas e natildeo existindo siacutelabas

tampouco teremos palavras ou partes da sentenccedila

em geral e por isso tambeacutem natildeo teremos a

proacutepria sentenccedila

[124] Ἵνrsquo οὖν ᾖ τις βραχεῖα συλλαβή δεῖ

προωμολογῆσθαι ὅτι ἐλάχιστος καὶ βραχὺς

ἔστι χρόνος ἐν ᾧ ὑφίσταται οὐκ ἔστι δὲ

ἐλάχιστος χρόνος πᾶς γὰρ εἰς ἄπειρον

τέμνεται ὡς ἐν τοῖς ὕστερον δείξομεν εἰ δὲ

εἰς ἄπειρον τέμνεται οὐκ ἔστιν ἐλάχιστος

οὐκ ἄρα ἔσται βραχεῖα συλλαβὴ βραχὺν

ἔχουσα χρόνον εἰ δὲ λέγοιεν νῦν βραχεῖαν

καλεῖν καὶ ἐλαχίστην συλλαβὴν οὐ τὴν πρὸς

φύσιν ἐλαχίστην οὖσαν ἀλλὰ τὴν πρὸς

αἴσθησιν ἑαυτοῖς προσαύξουσι τὴν ἀπορίαν

O fato eacute que para que haja siacutelaba breve deve-se

concordar previamente que existe tempo breve e

miacutenimo no qual ela subsiste E natildeo existe o tempo

miacutenimo pois todo tempo eacute divisiacutevel ao infinito100

como demonstraremos depois E se o tempo eacute

divisiacutevel ao infinito o tempo miacutenimo natildeo existe

Conclui-se assim que natildeo haveraacute siacutelaba breve de

tempo breve Se disserem entatildeo que a chamam

breve e miacutenima natildeo por ser por natureza a

miacutenima mas pela sensaccedilatildeo (aisthesis) que causa

estaratildeo agravando a aporia para si mesmos

[125] τὰς γὰρ λεγομένας παρrsquo αὐτοῖς

βραχείας συλλαβὰς εὑρήσομεν ὡς πρὸς

αἴσθησιν μεριστάς οἷον τὴν ερ αἰσθητῶς γὰρ

ἐπιβάλλομεν ἐπrsquo αὐτῆς ὅτι προεκφωνεῖται τῆς

Com efeito descobriremos que as siacutelabas que eles

dizem ser breves datildeo a sensaccedilatildeo de serem

divididas como a siacutelaba ερ pois a sensaccedilatildeo que

temos neste caso eacute que a qualidade de ε eacute

132

τοῦ ρ δυνάμεως ἡ τοῦ ε δύναμις καὶ

ἐναλλάξαντες εἰ λέγοιμεν ρε πάλιν

ἀντιληψόμεθα ὅτι πρώτη μέν ἐστι κατὰ τὴν

τάξιν ἡ τοῦ ρ δύναμις δευτέρα δὲ ἡ τοῦ ε

pronunciada antes do ρ E ao dizer ρε invertendo

tambeacutem teremos a sensaccedilatildeo de que em ordem

primeiro vem a qualidade de ρ e por segundo a

de ε

[126] ἐπεὶ οὖν πᾶν ὃ πρῶτον καὶ δεύτερον

μέρος ἔχει πρὸς αἴσθησιν οὐκ ἔστιν

ἐλάχιστον πρὸς αἴσθησιν φαίνεται δὲ ἡ κατὰ

τοὺς γραμματικοὺς βραχεῖα συλλαβὴ πρῶτον

καὶ δεύτερον ἔχουσα οὐκ ἂν εἴη πρὸς

αἴσθησιν ἐλαχίστη καὶ βραχεῖα συλλαβή

μουσικοὶ μὲν γὰρ ἴσως ἀλόγους τινὰς χρόνους

καὶ φωνῶν παραυξήσεις δυνήσονται

ἀπολιπεῖν τοῖς δὲ μὴ χωροῦσι τὸ τοιοῦτον

βάθος γραμματικοῖς τῆς ἀπειρίας ἀλλὰ

αὐτὸ38 μόνον εἰς βραχεῖαν καὶ μακρὰν

διαιρουμένοις τὴν γενικὴν συλλαβήν οὐκ

ἔστι συγγνωμονεῖν δίκαιον οὐκοῦν

ἀνυπόστατός ἐστιν ἡ βραχεῖα συλλαβή

Portanto jaacute que tudo que daacute a sensaccedilatildeo de ter

primeira e segunda partes natildeo daacute a sensaccedilatildeo de

ser lsquomiacutenimorsquo logo a siacutelaba que os gramaacuteticos

dizem ser breve como tem primeira e segunda

partes natildeo seria miacutenima e breve pela sensaccedilatildeo que

causa Eacute ateacute possiacutevel que os que satildeo muacutesicos

cheguem a considerar divisotildees natildeo racionais do

tempo e ampliaccedilotildees progressivas do som Mas os

gramaacuteticos natildeo costumam ir tatildeo longe na

infinitude e somente distinguem a siacutelaba de modo

geral em longa e breve portanto natildeo merecem esta

desculpa De forma que a siacutelaba breve de fato eacute

insubsistente

[127] Καὶ μὴν ἡ μακρὰ πάλιν ἔσται

ἀνύπαρκτος δίχρονον μὲν γὰρ αὐτὴν εἶναι

λέγουσι δύο δὲ χρόνοι οὐ συνυπάρχουσιν

ἀλλήλοις εἰ γὰρ δύο εἰσί τούτῳ διορίζονται

ὅτι εἰσὶ δύο τῷ τὸν μὲν ἐνεστηκέναι τὸν δὲ

μή εἰ δὲ ὃς μὲν ἐνέστηκεν ὃς δὲ οὐκ

ἐνέστηκεν οὐ συνυπάρχουσιν ἀλλήλοις

E certamente tambeacutem a siacutelaba longa mais

uma vez seraacute inexistente Dizem que ela possui

dois tempos mas dois tempos natildeo coexistem um

com o outro Pois se satildeo dois entatildeo diferenciam-

se como dois um existe no momento presente e o

outro natildeo E se um existe agora e o outro natildeo natildeo

coexistem um e outro

[128] διόπερ καὶ ἡ μακρὰ συλλαβὴ εἴπερ ἐστὶ

δίχρονος ὀφείλει ὅτε μὲν αὐτῆς ἐνέστηκεν ὁ

πρῶτος χρόνος τότε ὁ δεύτερος μὴ

ἐνεστηκέναι καὶ ὅτε ὁ δεύτερος ἐνίσταται

τότε ὁ πρῶτος μηκέτι εἶναι ἀσυνυπάρκτων δὲ

αὐτῆς ὄντων τῶν μερῶν ὅλη μὲν οὐχ

ὑφέστηκε μέρος δέ τι αὐτῆς ἀλλὰ τό γε

Logo a siacutelaba longa se possui dois tempos tem

de ser assim quando seu primeiro tempo estaacute

existindo entatildeo ainda natildeo existe o segundo e

quando o segundo tempo passa a existir entatildeo o

primeiro natildeo existe mais Se as partes dela natildeo

coexistem entatildeo o todo natildeo chega a existir

somente uma parte dela existe Poreacutem eacute fato uma

38 Blank ad loc segue Harder e natildeo suprime [αὐτὸ]

133

μέρος αὐτῆς οὐκ ἦν αὐτή ἐπεὶ οὐ διοίσει τῆς

βραχείας ἡ μακρὰ συλλαβή οὐκ ἄρα οὐδὲ

μακρά τις ἔστι συλλαβή

parte dela natildeo eacute ela mesma visto que dessa

forma natildeo se diferenciaraacute a siacutelaba longa da siacutelaba

breve Logo natildeo existe uma siacutelaba longa

[129] εἰ δὲ λέγοιεν κατὰ συμμνημόνευσιν

νοεῖσθαι μακρὰν συλλαβήν (τοῦ γὰρ

προλεχθέντος φθόγγου μνημονεύοντες καὶ

τοῦ νῦν λεγομένου ἀντιλαμβανόμενοι τὸ ἐξ

ἀμφοτέρων συντιθέμενον μακρὰν

ἐνενοήσαμεν συλλαβήν) ndash εἰ δὴ τοῦτο

λέγοιεν οὐδὲν ἄλλο ἢ ἀνυπόστατον

ὁμολογήσουσιν εἶναι τὴν τοιαύτην συλλαβήν

E se disserem que se concebe a siacutelaba longa por

lsquomemoacuteria conjuntarsquo (summnemoneusis)101 minus ou

seja pela combinaccedilatildeo entre a lembranccedila do som

receacutem percebido somada agrave percepccedilatildeo do som atual

ndash de fato se dizem isso natildeo estariam senatildeo

concordando que a siacutelaba longa eacute insubsistente

[130] εἰ γὰρ ὑφέστηκεν ἤτοι ἐν τῷ

προαναφωνουμένῳ φθόγγῳ ὑφέστηκεν ἢ ἐν

τῷ ἐπαναφωνουμένῳ οὔτε δὲ ἐν τῷ

προαναφωνουμένῳ οὔτε ἐν τῷ

ἐπαναφωνουμένῳ ἑκάτερος γὰρ αὐτῶν κατrsquo

ἰδίαν μὴ ὑφεστὼς οὐδὲ τὴν ἀρχὴν συλλαβή

ἐστιν ὥστε οὐδὲ ὑφέστηκεν ὑφεστῶσα δὲ

βραχεῖά ἐστιν ἀλλrsquo οὐ μακρὰ συλλαβή οὔτε

δὲ ἐν ἀμφοτέροις ὁ γὰρ ἕτερος αὐτῶν τοῦ

ἑτέρου ὑφεστῶτος οὐχ ὑφέστηκεν ἐκ δὲ τοῦ

ὑπάρχοντος καὶ μὴ ὑπάρχοντος οὐδὲν ἔστιν

ἐπινοῆσαι συγκείμενον ὡς ἐκ μερῶν οὐκ ἄρα

ἔστι τις μακρὰ συλλαβή

Porque se ela subsiste ou subsiste no primeiro

som que foi pronunciado ou no que seraacute

pronunciado em seguida Mas natildeo subsiste nem no

primeiro som e nem no som seguinte pois se

nenhum deles subsiste por si mesmo

separadamente por princiacutepio nem mesmo eacute uma

siacutelaba Assim tampouco chega a subsistir e

subsistindo seria uma siacutelaba breve e natildeo longa

Tampouco subsiste em ambos os sons pois para

cada um deles subsistindo um natildeo subsiste o

outro - e natildeo eacute possiacutevel conceber algo cujas partes

consistam no existente e natildeo-existente102 Logo

natildeo existe algo como a siacutelaba longa

[131] Ἀνάλογον δὲ τούτοις ἐστὶ καὶ τὰ περὶ

λέξεως καὶ τῶν τοῦ λόγου μερῶν ἀπορεῖσθαι

ὀφείλοντα πρῶτον μὲν γάρ ὡς μικρῷ

πρότερον ὑπεδείκνυμεν μὴ οὔσης συλλαβῆς

μηδὲ λέξιν εἶναι δυνατόν ἐκ συλλαβῶν γὰρ

αἱ λέξεις λαμβάνουσι τὴν ὑπόστασιν εἶτα καὶ

κατὰ τὴν αὐτὴν ἔφοδον ἐξέσται

προηγουμένως ἐπrsquo αὐτῆς τῆς λέξεως τὰς

αὐτὰς χειρίζειν ἀπορίας ἢ γὰρ συλλαβή ἐστιν

As aporias que devem ser reveladas acerca da

palavra e das partes da sentenccedila se datildeo de modo

anaacutelogo agrave argumentaccedilatildeo anterior Pois em

primeiro lugar como haacute pouco demonstramos

natildeo existindo a siacutelaba tampouco eacute possiacutevel que

exista a palavra porque as palavras se formam das

siacutelabas Em segundo lugar seguindo o mesmo

caminho apontam-se as mesmas aporias

concernentes agrave palavra mesmo Pois ou a palavra eacute

134

ἢ ἐκ συλλαβῶν συνέστηκεν ὅπως δrsquo ἂν ἔχῃ

τὰς ἐκκειμένας ἡμῖν ἐπὶ τῆς συλλαβῆς

ἀπορίας ἐπιδέξεται

uma siacutelaba ou se constitui de siacutelabas assim de

uma forma ou de outra estaacute sujeita agraves aporias

expostas em relaccedilatildeo agraves siacutelabas

[132] ἀλλrsquo ὅμως ἵνα μὴ καινοτέρων ἐλέγχων

ἀπορεῖν δοκῶμεν προσφωνητέον τι κἀνταῦθα

τοῖς γραμματικοῖς

Ὅταν γὰρ μέρη τινὰ λόγου καλῶσιν οἷον

ὄνομα ῥῆμα ἄρθρον καὶ τὰ λοιπά πόθεν

λαβόντες ἤτοι γὰρ ταῦτα ὅλον τὸν λόγον

καλοῦσιν ἢ ταῦτα μέρη ἐκείνου μήτε δrsquo

ἐκείνου ὡς ὅλου νοεῖσθαι δυναμένου μήτε

τούτων ὡς μερῶν ἐκείνου ltgt λαμβανέσθω

δὲ τὰ εἰς τὴν ὑπόθεσιν παραδείγματα ὡς μὴ

ἀπῶμεν τῶν τῆς γραμματικῆς θεωρημάτων

Mas mesmo assim para natildeo parecer que seria um

problema encontrar novos argumentos para a

refutaccedilatildeo tambeacutem aqui lanccedilaremos algo aos

gramaacuteticos

Pois bem quando chamam certas coisas de

partes da sentenccedila103 por exemplo nome

(onoma) verbo (rema) artigo (arthron) e as

outras104 de onde as tiram105 De fato ou as

chamam de lsquosentenccedilarsquo como um todo ou de

lsquopartes da sentenccedilarsquo mas nem eacute possiacutevel conceber

a sentenccedila como um todo nem estas coisas como

se fossem suas partes Consideremos no entanto

os exemplos que sustentam sua posiccedilatildeo de forma

a natildeo nos afastarmos dos teoremas da proacutepria

gramaacutetica106

[133] ἔστω τοίνυν ὑποθέσεως χάριν λόγος μὲν

ὁ σύμπας οὗτος ὁ στίχος

μῆνιν ἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆος

μέρη δὲ αὐτοῦ ταῦτα τό τε μῆνιν προσηγορία

καθεστώς καὶ τὸ ἄειδε ῥῆμα προστακτικόν

καὶ τὸ θεά προσηγορία πάλιν θηλυκή καὶ τὸ

Πηληιάδεω ὄνομα πατρωνυμικόν πρὸς δὲ

τούτοις καὶ τὸ Ἀχιλῆος ὄνομα κύριον

Vamos supor entatildeo a tiacutetulo de exemplo que o

todo eacute o verso a seguir

menin aeide thea Peleiadeo Akhileos

ldquoCanta-me a coacutelera ndash oacute deusa - funesta de

Aquiles Pelidardquo

[Il I 1 Trad Carlos Alberto Nunes]

e estas suas partes

menin um nome geneacuterico (prosegoria)

aeide um verbo no imperativo

thea de novo um nome geneacuterico feminino

Peleiadeo um nome patroniacutemico

e junto a estes tambeacutem

Akhileos um nome proacuteprio (onoma kurion)

[134] οὐκοῦν ἤτοι ἄλλο τί ἐστιν ὁ λόγος παρὰ

τὰ μέρη αὐτοῦ καὶ ἄλλα τὰ μέρη παρὰ τὸν

Pois bem ou a sentenccedila eacute algo distinto de suas

partes e suas partes satildeo algo distinto dela mesma

135

λόγον ἢ τὸ ἄθροισμα τῶν μερῶν ὁ λόγος

ὑπείληπται καὶ εἰ μὲν ἄλλο τι τῶν μερῶν

ἐστιν ὁ λόγος αἰρομένων δηλονότι τῶν

ἐκκειμένων τοῦ λόγου μερῶν ὑπολειφθήσεται

ὁ λόγος τοσοῦτον δὲ ἀπέχει ὁ προειρημένος

στίχος τοῦ μένειν πάντων αἰρομένων αὐτοῦ

τῶν μερῶν ὡς κἂν ἓν ὁδηποτοῦν αὐτοῦ

μέρος ἀνέλωμεν οἷον τὸ μῆνιν ἢ τὸ ἄειδε

μηκέτι στίχος ὑπάρχειν

ou assume-se que o conjunto das partes eacute a

sentenccedila E se a sentenccedila eacute algo distinto de suas

partes retiradas as partes estabelecidas

obviamente a sentenccedila deveraacute entatildeo permanecer

Mas o verso acima mencionado estaacute longe de

permanecer se as partes forem todas retiradas

mesmo se removecircssemos uma soacute parte dele tal

como menin ou aeide o verso natildeo mais existiria

[135] εἰ δὲ τὸ ἄθροισμα τῶν τοῦ λόγου μερῶν

νοεῖται λόγος τῷ μηδὲν εἶναι τὸν ἀθροισμὸν

παρὰ τὰ ἠθροισμένα καθάπερ καὶ τὸ

διάστημα παρὰ τὰ διεστηκότα οὐδὲν ὑπάρξει

ὁ λόγος οὗ νοηθήσεταί τινα μέρη μηδενὸς δὲ

ὄντος ὅλου λόγου οὐδὲ μέρη τινὰ τούτου

γενήσεται ὥσπερ οὖν εἰ μηδὲν ἔστιν

ἀριστερόν οὐδὲ δεξιὸν ἔστιν οὕτως εἰ μὴ

ἔστι τι ὅλον λόγος οὐδὲ τὰ μέρη ὑπάρξει

Por outro lado se o conjunto das partes da

sentenccedila eacute concebido como a sentenccedila pelo fato

de natildeo existir o conjunto sem as coisas que estatildeo

conjuntas (assim como a distacircncia natildeo existe sem

as coisas que estatildeo distantes) a sentenccedila

concebida como suas partes natildeo eacute nada Se a

sentenccedila inteira natildeo eacute nada tampouco alguma

parte sua seraacute De fato da mesma maneira que se

natildeo existe esquerda natildeo existe direita assim

tambeacutem se a sentenccedila natildeo existe como algo

inteiro tampouco as partes existiratildeo

[136] καθόλου τε εἰ τὸν ἀθροισμὸν τῶν τοῦ

λόγου μερῶν ὅλον ἡγήσονται λόγον

ἀκολουθήσει αὐτοῖς τὰ μέρη τοῦ λόγου

ἀλλήλων λέγειν εἶναι μέρη εἰ γὰρ μηδὲν

ὑπόκειται ὅλον παρrsquo αὐτὰ οὗ γενήσεται μέρη

ἀλλήλων ἔσται μέρη τοῦτο δὲ ὡς ἔστιν

ἀλογώτατον σκοπῶμεν

Em geral se o conjunto das partes da sentenccedila for

considerado a sentenccedila como um todo isso traraacute a

consequecircncia de que as partes da sentenccedila seriam

partes de suas partes Pois se aleacutem delas natildeo se

estabelece um todo do qual venham a ser partes

seratildeo partes umas das outras Vejamos o quatildeo

iloacutegico eacute isto

[137] τὰ γὰρ μέρη πάντως ἐμπεριέχεται

ἐκείνοις τοῖς ὧν λέγεται μέρη ἴδιον τόπον

ἐπέχοντα καὶ ἰδίαν ὑπόστασιν ἔχοντα ἐν

ἀλλήλοις δὲ οὐκ ἐμπεριέχεται οἷον ἀνθρώπου

μὲν μέρη χεῖρες καθεστᾶσι χειρῶν δὲ

δάκτυλοι καὶ δακτύλων ὄνυχες διόπερ ἐν μὲν

As partes estatildeo incluiacutedas naquilo de que satildeo ditas

partes ocupam seu lugar proacuteprio e subsistem

separadamente e natildeo se incluem umas agraves outras

Tal como as matildeos satildeo partes de uma pessoa e os

dedos partes das matildeos e as unhas partes dos

dedos Por isso eacute que se diz que as matildeos estatildeo

136

ἀνθρώπῳ χεῖρες περιέχονται ἐν χερσὶ δὲ

δάκτυλοι ἐν δακτύλοις δὲ ὄνυχες καὶ οὐχὶ

μὲν ἡ δεξιὰ χεὶρ τὴν ἀριστερὰν συμπληροῖ ὁ

δὲ λιχανὸς τὸν ἀντίχειρα δάκτυλον ἀπαρτίζει

ἡ δὲ κεφαλὴ τοὺς πόδας συντίθησι καὶ οἱ

πόδες τὸν θώρακα

incluiacutedas na pessoa os dedos nas matildeos as unhas

nos dedos mas natildeo se diria que a matildeo direita

completa a esquerda que o dedo indicador finaliza

o polegar que agrave cabeccedila se juntam os peacutes nem os

peacutes com o toacuterax107

[138] ὅθεν καὶ τὰ μέρη τοῦ λόγου οὐ ῥητέον

ἀλλήλων εἶναι μέρη ἐπεὶ ἐν ἀλλήλοις αὐτὰ

δεήσει περιέχεσθαι τὸ μὲν μῆνιν ἐν τῷ ἄειδε

τὸ δὲ ἄειδε ἐν τῷ θεά καὶ καθόλου πάντα ἐν

πᾶσιν ὅπερ ἀδύνατον οὐ τοίνυν ἀλλήλων

τῶν τοῦ λόγου μερῶν δυναμένων εἶναι μερῶν

διὰ τὸ ἀνόητον τοῦ πράγματος οὔτε ὅλου

τινὸς εὑρισκομένου λόγου παρὰ τὰ ἑαυτοῦ

μέρη μηδενὸς [τε] εὑρισκομένου πράγματος

παρrsquo αὐτὰ τὰ μέρη οὗ λέξομεν εἶναι τὰ μέρη

λείπεται λέγειν ὡς οὐδέν ἐστι μέρος λόγου

διὰ δὲ τοῦτrsquo οὐδὲ λόγος

Por isso eacute que natildeo se pode dizer que as partes da

sentenccedila satildeo partes umas das outras jaacute que

precisariam estar incluiacutedas umas nas outras menin

em aeide aeide em thea e no geral todas em

todas o que eacute impossiacutevel Assim entatildeo por ser

inconcebiacutevel (anoeton) natildeo eacute possiacutevel que as

partes da sentenccedila sejam partes umas das outras e

como natildeo foi encontrada uma sentenccedila que seja

um todo sem ser suas partes e natildeo foi encontrada

aleacutem das partes mesmas coisa alguma de que

diriacuteamos que fossem partes resta-nos afirmar que

natildeo existe parte da sentenccedila E por isso tampouco

existe sentenccedila

[139] Ἐπακτέον δὲ καὶ οὕτως εἴπερ τὸ

μῆνιν μέρος ἐστὶ τοῦ στίχου ἤτοι ὅλου τοῦ

στίχου μέρος ἐστὶν ἢ τοῦ rsquoἄειδε θεὰ

Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo ἀλλrsquo εἰ μὲν τοῦ ὅλου

στίχου μέρος ἐστίν ἐπεὶ ὅλος σὺν αὐτῷ τῷ

μῆνιν νοεῖται καὶ ἑαυτοῦ μέρος

συμπληρωτικὸν γενήσεται τὸ μῆνιν διὰ δὲ

τοῦτο καὶ μεῖζον ἑαυτοῦ καὶ ἧττον μεῖζον

μὲν ἑαυτοῦ ᾗ συμπληροῦται ὑφrsquo ἑαυτοῦ (τὸ

γὰρ ὑπό τινος συμπληρούμενον μεῖζόν ἐστι

τοῦ συμπληροῦντος αὐτό) ἔλασσον δὲ ᾗ

συμπληροῖ ἑαυτό τὸ γάρ τινος

συμπληρωτικὸν ἔλασσόν ἐστι τοῦ

συμπληρουμένου οὐ πάνυ δὲ ταῦτα πιθανά

Deve-se atacar tambeacutem da seguinte forma se

menin eacute parte do verso ou eacute parte do verso como

um todo ou de aeide thea Peleiadeo Akhileos

Mas se eacute parte do verso como um todo e o todo eacute

concebido juntamente com o proacuteprio menin menin

tornar-se-aacute parte complementar de si mesmo E

por isso tambeacutem maior e menor que si mesmo

maior que si mesmo na medida em que eacute

completado por si mesmo pois o que eacute

completado por algo eacute maior que o que o

completa Menor na medida em que se

completaria a si mesmo Pois a parte que completa

algo eacute menor que o que eacute completado Tudo isso eacute

bem pouco plausiacutevel logo menin natildeo eacute parte do

137

οὐκ ἄρα τοῦ ὅλου στίχου μέρος ἐστὶ τὸ μῆνιν verso como um todo

[140] καὶ μὴν οὐδὲ τοῦ λειπομένου φημὶ δὲ

τοῦ lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo πρῶτον

μὲν γὰρ τὸ μέρος περιέχεται ἐν τῷ οὗ ἐστι

μέρος τὸ δὲ μῆνιν οὐκ ἐμπεριέχεται ἐν τῷ

lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo ὥστε οὐκ ἂν

εἴη μέρος τούτου εἶτα δὲ οὐδὲ τὸ lsquoἄειδε θεὰ

Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo χρῄζει συμπληρώσεως

κατὰ γὰρ τὸν ἴδιον λόγον συμπεπλήρωται

ἀλλὰ ὅλος ὁ λόγος λέγω δὲ ὁ στίχος οὐκ ἔστι

τὸ lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo τοίνυν

οὐδὲ τούτου μέρος ἐστὶ τὸ μῆνιν ἀλλrsquo εἰ μήτε

τοῦ ὅλου στίχου μέρος ἐστὶ τὸ μῆνιν μήτε τοῦ

ἀπολειπομένου μέρους παρὰ δὲ ταῦτα οὐδὲν

ἄλλο ὑπόκειται οὐδενὸς λόγου μέρος ἐστὶ τὸ

μῆνιν

Tampouco de fato do restante digo de aeide

thea Peleiadeo Akhileos Primeiro porque a parte

estaacute incluiacuteda naquilo de que eacute parte e menin natildeo

estaacute aiacute incluiacutedo de forma que natildeo seria sua parte

Em seguida esta passagem natildeo tem necessidade

de ser completada pois a sentenccedila estaacute completa

por si proacutepria Mas a sentenccedila como um todo

digo o verso natildeo eacute aeide thea Peleiadeo

Akhileos Nem menin eacute parte disso Mas se natildeo eacute

parte do verso como um todo e tambeacutem natildeo eacute

parte da parte restante e fora estas coisas natildeo haacute

outra entatildeo menin natildeo eacute parte de nenhuma

sentenccedila

[141] Ταῦτα μὲν οὖν καθολικώτερον πρὸς

τὰ μέρη τοῦ λόγου ῥητέον ἐμβάντες δὲ εἰς

τὰς κατὰ μέρος παρrsquo αὐτοῖς περὶ τούτων

τεχνολογίας πολὺν λῆρον εὑρήσομεν καὶ

τοῦτο πάρεστι μαθεῖν οὐκ ἐπὶ τὴν πᾶσαν ὕλην

φοιτήσαντας (ἀδόλεσχον γάρ ἐστι καὶ

γραμματικῆς γραολογίας πλῆρες) ἀλλrsquo

ὅμοιόν τι τοῖς οἰνοκαπήλοις ποιήσαντας καὶ

ὃν τρόπον ἐκεῖνοι ἐξ ὀλίγου γεύματος τὸν

ὅλον δοκιμάζουσι φόρτον οὕτω καὶ αὐτοὶ ἓν

λόγου μέρος προχειρισάμενοι καθάπερ τὸ

ὄνομα ἐκ τῆς περὶ τούτου τεχνολογίας

συνοψόμεθα καὶ τὴν ἐν τοῖς ἄλλοις τῶν

γραμματικῶν ἐντρέχειαν

Isto eacute o que deve ser dito de maneira geral

contra as partes da sentenccedila poreacutem se

adentrarmos as exposiccedilotildees teacutecnicas de cada uma

em particular iremos nos deparar com muitos

disparates Eacute possiacutevel perceber isto sem precisar

esquadrinhar toda a mateacuteria (porque eacute um falatoacuterio

sem fim cheio da tiacutepica ladainha gramatical)

Faremos como fazem os vendedores de vinho

julgar a carga toda por uma pequena prova

Escolheremos portanto uma das partes da

sentenccedila o nome por exemplo e a partir do que

encontrarmos nas exposiccedilotildees teacutecnicas sobre ele

seremos capazes de vislumbrar a aptidatildeo dos

gramaacuteticos em relaccedilatildeo agraves outras partes

Περὶ ὀνόματος

[142] Αὐτίκα τοίνυν ὅταν τῶν ὀνομάτων τὰ

μὲν ἀρσενικὰ φύσει λέγωσι τὰ δὲ θηλυκὰ τὰ

Sobre o nome

Assim a princiacutepio vamos pocircr em questatildeo o

que quer dizer esta expressatildeo lsquopor naturezarsquo

138

δὲ οὐδέτερα καὶ τὰ μὲν ἑνικὰ τῷ ἀριθμῷ τὰ

δὲ δυϊκὰ τὰ δὲ πληθυντικά καὶ ἤδη τὰς ἄλλας

ἐπισυνείρωσι διαιρέσεις ἐπιζητήσωμεν τί

ποτέ ἐστι τὸ ἐπιφωνούμενον τοῦτο lsquoφύσειrsquo

quando dizem que os nomes satildeo lsquopor naturezarsquo

masculinos femininos ou neutros e quanto ao

nuacutemero que satildeo singulares duais ou plurais aleacutem

das outras distinccedilotildees que acrescentam

[143] ἢ γὰρ ὅτι οἱ πρῶτοι ἀναφθεγξάμενοι τὰ

ὀνόματα φυσικὴν ἐποιήσαντο τὴν

ἀναφώνησιν αὐτῶν ὡς καὶ τὴν ἐπὶ τῷ ἀλγεῖν

κραυγὴν καὶ τὴν ἐπὶ τῷ ἥδεσθαι ἢ τῷ

θαυμάζειν ἐκβόησιν οὕτω λέγουσι φύσει τὰ

μὲν τοιαῦτα εἶναι τῶν ὀνομάτων τὰ δὲ τοιάδε

ἢ ὅτι καὶ ἐπὶ τοῦ παρόντος ἕκαστον αὐτῶν

φυσικῶς ἡμᾶς κινεῖ ὅτι ἀρρενικόν κἂν ἡμεῖς

μὴ νομίζωμεν αὐτὸ ἀρρενικὸν εἶναι καὶ πάλιν

φυσικῶς αὐτὸ ἐνδείκνυται ὅτι θηλυκόν ἐστι

κἂν ἡμεῖς μὴ θέλωμεν

Pois ou ela implica que os primeiros homens que

disseram estes nomes produziram sua sonoridade

de forma natural ou seja tal como produziriam

um grito de dor e uma exclamaccedilatildeo de prazer ou

surpresa e por isso eacute que dizem que os nomes satildeo

lsquopor naturezarsquo de uma forma ou de outra ou quer

dizer que agora mesmo cada um destes nomes

naturalmente nos afeta como masculino mesmo

que noacutes natildeo o consideremos masculino ou ao

contraacuterio naturalmente se mostra feminino

mesmo que natildeo se queira

[144] ἀλλὰ τὸ μὲν πρῶτον οὐκ ἂν εἴποιεν

πόθεν γὰρ γραμματικῇ παχύτητι διαγινώσκειν

πότερον φύσει ἢ θέσει τὰ ὀνόματα ἢ τινα μὲν

οὕτως τινὰ δὲ ἐκείνως ὅτε39 οὐδὲ τοῖς ἐπrsquo

ἄκρον ἥκουσι φυσιολογίας εὐμαρὲς εἰπεῖν διὰ

τὰς ἑκατέρωθεν ἰσολογίας

Mas natildeo se responderia do primeiro modo Pois

como se poderia pela obtusidade gramatical

avaliar quais nomes satildeo por natureza quais por

convenccedilatildeo ou que alguns satildeo de uma forma e

outros de outra quando sequer os mais avanccedilados

no estudo da natureza podem dizecirc-lo facilmente

devido aos argumentos igualmente convincentes

de um e outro lado

[145] ἄλλως τε καὶ ἰσχυρὸς ἀντικάθηται

τούτῳ λόγος πρὸς ὃν οὐδrsquo εἰ καταπέλτην

ὑπομένοιεν φασίν οἱ γραμματικοὶ

δυνήσονταί τι συνιδεῖν ἱκνούμενον εἴπερ γὰρ

φύσει τὰ ὀνόματα ἦν καὶ μὴ τῇ καθrsquo ἕκαστον

θέσει ἐσήμαινεν ἐχρῆν πάντας πάντων

ἀκούειν Ἕλληνας βαρβάρων καὶ βαρβάρους

Ἑλλήνων καὶ βαρβάρους βαρβάρων οὐχὶ δέ

Aleacutem disso haacute um argumento tatildeo forte contra isto

que nem se os gramaacuteticos como diz o ditado

fossem capazes de aguentar o golpe de uma

catapulta poderiam providenciar uma resposta

satisfatoacuteria Pois caso os nomes fossem por

natureza e seu significado individual natildeo fosse

convencional seria preciso que nos

compreendecircssemos todos gregos a baacuterbaros e

39 Blank ad loc segue os editores anteriores a Mau Por ἢ τίνα μὲν οὕτως τίνα δὲ ἐκείνως

139

γε τοῦτο οὐκ ἄρα φύσει σημαίνει τὰ

ὀνόματα ὥστε τοῦτο μὲν οὐκ ἐροῦσιν

baacuterbaros a gregos e baacuterbaros a baacuterbaros O que

certamente natildeo eacute o caso Logo os nomes natildeo

significam por natureza De forma que natildeo diratildeo

isso

[146] εἰ δrsquo ὅτι φυσικῶς διαδείκνυσιν ἕκαστον

ὄνομα ὅτι ἀρρενικόν ἐστιν ἢ θηλυκὸν ἢ

οὐδέτερον φασὶ τὰ μὲν τοιάδε τὰ δὲ τοιαῦτα

τυγχάνειν ἴστωσαν λειότερον αὑτοῖς

τρίβοντες τὸν κλοιόν

E se dizem que os nomes acabam sendo uns de

uma forma outros de outra porque cada um deixa

claro de forma natural que eacute masculino feminino

ou neutro deveriam saber que estatildeo apertando a

corda em torno de seus proacuteprios pescoccedilos

[147] πάλιν γὰρ φήσομεν ὅτι τὸ φύσει κινοῦν

ἡμᾶς ὁμοίως πάντας κινεῖ καὶ οὐχ οὓς μὲν

οὕτως οὓς δὲ ἐναντίως οἷον φύσει τὸ πῦρ

ἀλεαίνει βαρβάρους Ἕλληνας ἰδιώτας

ἐμπείρους καὶ οὐχ Ἕλληνας μὲν ἀλεαίνει

βαρβάρους δὲ ψύχει καὶ ἡ χιὼν φύσει ψύχει

καὶ οὐ τινὰς μὲν ψύχει τινὰς δὲ θερμαίνει

ὥστε τὸ φύσει κινοῦν ὁμοίως τοὺς

ἀπαραποδίστους ἔχοντας τὰς αἰσθήσεις κινεῖ

Porque mais uma vez o que nos afeta por

natureza afeta a todos igualmente e natildeo uns de

uma forma e outros de forma contraacuteria Por

exemplo por natureza o fogo esquenta a todos

baacuterbaros gregos leigos e entendidos - e natildeo eacute

que esquenta quem eacute grego mas esfria um

baacuterbaro E a neve por natureza esfria e natildeo eacute que

esfria alguns e aquece outros Entatildeo desta forma eacute

que o que afeta por natureza afeta do mesmo

modo a todos desde que tenham seus sentidos

livres de interferecircncia

[148] τὰ δὲ αὐτὰ ὀνόματα οὐ πᾶσίν ἐστι τὰ

αὐτά ἀλλὰ τοῖς μὲν ἀρρενικὰ τοῖς δὲ θηλυκὰ

τοῖς δὲ οὐδέτερα οἷον Ἀθηναῖοι μὲν τὴν

στάμνον λέγουσι θηλυκῶς Πελοποννήσιοι δὲ

τὸν στάμνον ἀρρενικῶς καὶ οἱ μὲν τὴν θόλον

οἱ δὲ τὸν θόλον καὶ οἱ μὲν τὴν βῶλον οἱ δὲ

τὸν βῶλον καὶ οὐ διὰ τοῦτο οὗτοι ἢ ἐκεῖνοι

λέγονται ἁμαρτάνειν

E os mesmos nomes natildeo satildeo da mesma forma para

todos mas para alguns satildeo masculinos para

outros femininos ou neutros Por exemplo os

atenienses dizem staacutemnos (lsquojarrorsquo) como

feminino os peloponeacutesios no masculino e haacute os

que dizem que thoacutelos (lsquorotundarsquo) eacute masculino e haacute

os que dizem que eacute feminino e uns dizem bolos

(lsquomontersquo) no masculino e outros no feminino E

natildeo eacute por isso que se pode dizer que algum deles

esteja equivocado

[149] ἕκαστος γάρ ὡς τεθεμάτικεν οὕτω

χρῆται καὶ οἱ αὐτοὶ δὲ διαφόρως ταὐτὰ ὁτὲ

μὲν ἀρρενικῶς ἐκφέρουσιν ὁτὲ δὲ θηλυκῶς

Porque a palavra eacute usada tal como foi-se impondo

E agraves vezes ateacute os mesmos grupos usam a mesma

palavra ora no masculino ora no feminino e dizem

140

λέγοντες τὸν λιμόν καὶ τὴν λιμόν οὐκ ἄρα

φύσει τῶν ὀνομάτων τὰ μὲν ἀρρενικὰ τὰ δὲ

θηλυκά ἀλλὰ κατὰ θεματισμὸν τὰ μὲν

τοιαῦτα γίνεται τὰ δὲ τοιαῦτα

limos (lsquofomersquo) tanto no masculino quanto no

feminino Portanto disto se conclui que por

natureza os nomes natildeo satildeo masculinos ou

femininos mas eacute por irem-se impondo de tal

forma que se tornam uma coisa ou outra

[150] καὶ μὴν εἴπερ φύσει τῶν ὀνομάτων ἦν

τὰ μὲν ἀρρενικὰ τὰ δὲ θηλυκά ὤφεltιgtλον αἱ

ἀρρενικαὶ φύσεις ἀεί ποτε ἀρρενικοῖς

ὀνόμασι προσαγορεύεσθαι καὶ αἱ θηλυκαὶ

θηλυκοῖς καὶ αἱ μήτε ἀρρενικαὶ φύσεις μήτε

[αἱ] θηλυκαὶ οὐδετέρως

E o fato eacute que se os nomes fossem lsquopor naturezarsquo

femininos ou masculinos necessariamente as

naturezas masculinas receberiam sempre nomes

masculinos e as femininas nomes femininos e as

que natildeo fossem nem masculinas nem femininas

ganhariam nomes neutros

[151] οὐχὶ δὲ τοῦτο ἀλλὰ καὶ τὰς ἀρρενικὰς

φύσεις θηλυκῶς καλοῦμεν καὶ τὰς θηλυκὰς

ἀρρενικῶς καὶ τὰς οὔτε ἀρρενικὰς οὔτε

θηλυκὰς ἤτοι ἀρρενικῶς ἢ θηλυκῶς οὐχὶ δὲ

οὐδετέρως οἷον κόραξ μὲν λέγεται ἀετός

κώνωψ κάνθαρος σκορπίος μῦς ἀρρενικῶς

καὶ ἐπὶ τοῦ θήλεος καὶ πάλιν χελιδών χελώνη

κορώνη ἀκρίς μυγαλῆ ἐμπίς καὶ ἐπὶ τοῦ

ἄρρενος τὴν φύσιν θηλυκῶς

Mas natildeo eacute esse o caso chamamos coisas

naturalmente masculinas com nomes femininos e

o contraacuterio e ao que natildeo eacute nem masculino nem

feminino damos nomes masculinos ou femininos

e natildeo neutros Como eacute o caso com koraks

(lsquocorvorsquo) aetos (lsquoaacuteguiarsquo) konops (lsquomosquitorsquo)

kantharos (lsquobesourorsquo) skorpios (lsquoescorpiatildeorsquo) mus

(lsquoratorsquo) para os quais o nome masculino serve

tambeacutem para a fecircmea E o contraacuterio com khelidon

(lsquoandorinharsquo) khelone (lsquotartarugarsquo) korone

(lsquocorvorsquo) akris (lsquogrilorsquo) mugale (ratazana) empis

(lsquomosquitorsquo) em que se diz o nome feminino para

o que eacute masculino por natureza

[152] ὡσαύτως δὲ κλίνη θηλυκῶς ἐπὶ τῆς

μήτε ἄρρενος μήτε θηλείας τὴν φύσιν καὶ

στῦλος ἀρρενικῶς ἐπὶ τοῦ οὐδετέρου τοίνυν

εἰ φύσει οὐδέν ἐστιν ἀρρενικὸν ἢ θηλυκὸν

ὄνομα ζητῶ πῶς ὁ γραμματικὸς ἐπιλήψεται

τοῦ διαστρόφως λέγοντος ὁ χελιδών καὶ ἡ

ἀετός ἤτοι γὰρ ὡς φύσει τοῦ ὀνόματος τῆς

χελιδόνος θηλυκοῦ ὄντος ἐκείνου δὲ

ἀρρενικὸν αὐτὸ τῷ ἄρθρῳ βιαζομένου

Da mesma maneira kline (lsquoleitorsquo) eacute dito no

feminino embora natildeo seja nem masculino nem

feminino por natureza e stulos (lsquocolunarsquo) eacute dito

no masculino embora o objeto seja neutro Assim

se nenhum nome eacute masculino ou feminino por

natureza me pergunto como poderaacute o gramaacutetico

censurar quem invertendo diz ho khelidon

(lsquoandorinharsquo) no masculino e he aetos (lsquoaacuteguiarsquo) no

feminino Pois ou seraacute porque khelidon

141

γενέσθαι ἢ ὡς τῆς κοινῆς συνηθείας θηλυκὸν

αὐτὸ θεματισάσης ἀλλrsquo οὐκ ἀρρενικόν

(lsquoandorinharsquo) eacute feminino por natureza e aquele o

estaacute forccedilando a tornar-se masculino com o uso do

artigo ou seraacute porque o uso comum o impocircs como

nome feminino e natildeo masculino

[153] ἀλλrsquo εἰ μὲν ὡς φύσει θηλυκοῦ

καθεστῶτος ἐπεὶ οὐδὲν φύσει θηλυκόν ἐστι

καθὼς παρεστήσαμεν ἀδιάφορον τὸ ὅσον ἐπὶ

τούτῳ ἐάν τε οὕτως ἐάν τε ἐκείνως

ἐκφέρηται εἰ δrsquo ὡς ὑπὸ τῆς κοινῆς συνηθείας

ἀντὶ θηλυκοῦ θεματισθέν γενήσεται τοῦ τε εὖ

λεγομένου καὶ μὴ κριτήριον οὐχὶ τεχνικός τις

καὶ γραμματικὸς λόγος ἀλλrsquo ἡ ἄτεχνος καὶ

ἀφελὴς τῆς συνηθείας παρατήρησις

Mas se for por ser feminino por natureza e

conforme haviacuteamos demonstrado nenhum nome eacute

feminino por natureza natildeo faraacute diferenccedila ao

menos neste sentido que se diga de uma ou de

outra forma E se for porque foi imposto como

feminino pelo uso comum entatildeo o criteacuterio do que

eacute dito adequadamente ou natildeo natildeo eacute um argumento

(logos) teacutecnico (tekhnikos) e gramatical

(grammatikos) mas a simples observaccedilatildeo natildeo

teacutecnica do uso

[154] Τὰ δὲ αὐτὰ ταῦτα μετακτέον καὶ ἐπὶ τὰ

ἑνικὰ καὶ πληθυντικὰ τῶν ὀνομάτων Ἀθῆναι

γὰρ λέγονται πληθυντικῶς ἡ μία πόλις καὶ

Πλαταιαί καὶ πάλιν Θήβη ἑνικῶς καὶ Θῆβαι

πληθυντικῶς καὶ Μυκήνη καὶ Μυκῆναι

ῥηθήσεται δὲ ἐπιμελέστερον περὶ τῆς ἐν

τούτοις ἀνωμαλίας προβαινούσης τῆς

ζητήσεως

Τὰ νῦν δὲ ἐπεὶ καὶ ὑποδειγματικῶς

κατωπτεύκαμεν τὴν ἐν τούτοις τῶν

γραμματικῶν ἀκρίβειαν φέρε κἀκεῖνο πρὶν

ἐπrsquo ἄλλον τ[ρ]όπον ἀπελθεῖν ἐξετάσωμεν

Os mesmos argumentos devem ser retomados

com relaccedilatildeo ao plural e singular dos nomes Pois

lsquoAtenasrsquo diz-se no plural e eacute uma uacutenica cidade tal

como lsquoPlateiasrsquo E haacute por sua vez lsquoTebersquo no

singular e lsquoTebasrsquo no plural e lsquoMicenersquo e

lsquoMicenasrsquo Mais adiante falaremos

detalhadamente sobre as anomalias108 que se

verificam nestes casos

Por ora jaacute que pudemos observar algumas

passagens exemplificativas da precisatildeo dos

gramaacuteticos nestes assuntos antes de nos

debruccedilarmos sobre outro tema vamos pocircr em

evidecircncia aquele toacutepico anterior

[155] φημὶ δὲ τίνα λόγον καλοῦσιν ἢ μέρη

λόγου

me refiro ao que chamam de sentenccedila ou partes da

sentenccedila

Περὶ λόγου καὶ μερῶν λόγου

Ἤτοι γὰρ αὐτὴν τὴν σωματικὴν φωνὴν

ἐροῦσιν ἢ ἀσώματον λεκτόν διαφέρον

ταύτης οὔτε δὲ τὴν φωνὴν ἐροῦσιν ταύτης

Sobre sentenccedila e partes da sentenccedila

Diratildeo eles ou que a sentenccedila eacute expressatildeo

sonora (phone) corpoacuterea ou expressatildeo diziacutevel

(lekton) incorpoacuterea diferente daquela E natildeo

142

μὲν γὰρ ῥηθείσης πάντες ἀκούουσιν

Ἕλληνές τε καὶ βάρβαροι καὶ ἰδιῶται καὶ οἱ

παιδείας ἐντός τοῦ δὲ λόγου καὶ τῶν τούτου

μερῶν Ἕλληνες μόνοι καὶ οἱ τούτου ἔμπειροι

τοίνυν οὐχ ἡ φωνή ἐστιν ὁ λόγος καὶ μέρη

λόγου

diratildeo que eacute expressatildeo sonora pois esta ao ser

pronunciada todos a escutam gregos e baacuterbaros

pessoas comuns e cultos mas apenas entendem a

sentenccedila e suas partes os gregos e pessoas que

tecircm experiecircncia109 Assim a expressatildeo sonora natildeo

eacute a sentenccedila e partes da sentenccedila

[156] καὶ μὴν οὐδὲ τὸ ἀσώματον λεκτόν πῶς

γὰρ ἀσώματον ἔτι ἔστι τι ἄλλο τοιοῦτο παρὰ

τὸ σῶμα καὶ τὸ κενόν πολλῆς καὶ ἀνηνύτου

γενομένης παρὰ τοῖς φιλοσόφοις περὶ αὐτοῦ

διαμάχης εἰ μὲν γὰρ κινεῖται σῶμά ἐστιν τὸ

γὰρ κινούμενον σῶμα εἰ δὲ μένει δεχόμενον

μὲν τὰ εἰς αὐτὸ φερόμενα σώματα καὶ μὴ

ἀντιτυποῦν κενὸν γενήσεται κενοῦ γὰρ ἴδιον

τὸ μὴ ἀντιτυπεῖν ἀντιτυποῦν δὲ τοῖς εἰς αὐτὸ

φερομένοις σῶμά ἐστιν ἰδίωμα γὰρ σώματος

τὸ ἀντιτυπεῖν

E certamente a sentenccedila tambeacutem natildeo eacute a

expressatildeo diziacutevel incorpoacuterea Pois como poderia

existir ainda um incorpoacutereo ou seja agrave parte de

corpo e vazio se haacute entre os filoacutesofos tamanha e

interminaacutevel discussatildeo sobre isto Se se move eacute

corpo porque o que se move eacute corpo Se natildeo se

move e admite outros corpos sem opor

resistecircncia seria vazio Pois eacute caracteriacutestico do

vazio natildeo opor resistecircncia Se opotildee resistecircncia a

outros corpos entatildeo eacute corpo pois criar resistecircncia

eacute proacuteprio do corpo110

[157] ἄλλως τε ὁ λέγων ἀσώματόν τι λεκτὸν

ὑπάρχειν ἤτοι φάσει μόνον ἀρκούμενος λέγει

ἢ ἀπόδειξιν παραλαμβάνων ἀλλὰ φάσει μὲν

ἀρκούμενος ἐν ἀντιφάσει ἐπισχεθήσεται

ἀπόδειξιν δὲ παραλαμβάνων ἐπεὶ καὶ αὐτὴ

διrsquo ἀναμφισβητήτων ὀφείλει λημμάτων

προάγειν τὰ δὲ λήμματά ἐστι λεκτά

προαρπάζων τὸ ζητούμενον ὡς

ὁμολογούμενον ἄπιστος ἔσται

Aleacutem disso quem diz existir a expressatildeo diziacutevel

incorpoacuterea ou deve se contentar com a mera

asserccedilatildeo ou deve arcar com o ocircnus da prova E se

se contenta com a asserccedilatildeo uma contra-asserccedilatildeo o

conteria Mas se se compromete em apresentar

uma prova e a prova deve se apresentar em forma

de premissas incontestaacuteveis e premissas satildeo

expressotildees diziacuteveis a prova iraacute antepor-se agrave

proacutepria questatildeo como se jaacute houvesse acordo sobre

ela e cairaacute assim em descreacutedito

[158] παρrsquo ἣν αἰτίαν λοιπόν εἰ μήτε ἡ φωνὴ

λόγος ἐστὶ μήτε τὸ σημαινόμενον ὑπrsquo αὐτῆς

ἀσώματον λεκτόν παρὰ δὲ ταῦτα νοεῖν οὐδὲν

ἐνδέχεται οὐδέν ἐστι λόγος

Ἔστω δὲ νῦν καὶ ὁ λόγος καὶ μέρη τούτου

ὁπόσα θέλουσιν οἱ γραμματικοὶ ὑπάρχειν

Por essa razatildeo portanto se a sentenccedila natildeo eacute nem a

expressatildeo sonora nem a expressatildeo diziacutevel

incorpoacuterea que eacute significada por ela e fora estas

natildeo se admitem outras concepccedilotildees a sentenccedila natildeo

eacute nada

Mas por ora vamos supor que existe a sentenccedila

143

ἀλλrsquo εἰπάτωσάν γε ἡμῖν πῶς τὸν λόγον

μερίζουσιν

e tantas partes dela quantas querem os gramaacuteticos

Que eles nos digam entatildeo como analisam a

sentenccedila

Περὶ μερισμοῦ

[159] Ἐπεὶ γὰρ τὸν μερισμὸν τὸν τῶν

ltἐμgtμέτρων ἐν δυσὶ μάλιστα τοῖς

ἀναγκαιοτάτοις κεῖσθαι συμβέβηκεν ἔν τε τῷ

βαίνειν τουτέστι τῇ εἰς τοὺς πόδας διανομῇ

καὶ ἐν τῇ εἰς τὰ τοῦ λόγου μέρη διαιρέσει

ἀκόλουθον μὲν 40 ἦν τοῖς τελέως πρὸς αὐτοὺς

ἀντιλέγουσιν ἑκάτερον κινεῖν τόν τε τρόπον

τοῦ βαίνειν σκελίσαντας αὐτῶν ἅπαντας τοὺς

οἷς βαίνουσι πόδας ὡς ἀνυπάρκτους καὶ ἔτι

τὸν τρόπον τῆς τῶν τοῦ λόγου μερῶν

διανομῆς δείξαντας τὸ ἀδύνατον τῆς

διαιρέσεως

Sobre anaacutelise

Jaacute que a anaacutelise (merismos)111 de versos assenta-

se principalmente em duas categorias mais

importantes a saber na escansatildeo (ou seja na

distribuiccedilatildeo (dianome) em peacutes meacutetricos) e na

distinccedilatildeo (diairesis)112 das partes da sentenccedila

consequentemente os que pretendem refutar os

gramaacuteticos de forma definitiva devem atacar as

duas Isto eacute tanto o meacutetodo de escansatildeo

inutilizando todos os lsquopeacutesrsquo com que lsquocaminhamrsquo

como inexistentes como o modo de distribuiccedilatildeo

das partes da sentenccedila mostrando a

impossibilidade de distinccedilatildeo

[160] ἀλλrsquo ἐπεὶ κἀν τοῖς πρὸς τοὺς μουσικοὺς

προηγουμένως περὶ ποδῶν ζητοῦμεν ἵνα μὴ

προλαμβάνωμεν τὰ μελλήσοντα πρὸς

ἐκείνους λέγεσθαι ἢ μὴ δὶς τὰ αὐτὰ λέγωμεν

ταύτην μὲν τὴν ἀπορίαν εἰς τὸν δέοντα καιρὸν

ὑπερθησόμεθα περὶ δὲ τῆς διαιρέσεως τῶν

τοῦ λόγου μερῶν σκεψώμεθα

Poreacutem jaacute que investigamos de forma minuciosa a

questatildeo dos peacutes meacutetricos no Contra os Muacutesicos

[M 6 60-67] e natildeo queremos nem antecipar o que

se diraacute contra eles nem repetir o argumento esta

aporia ficaraacute posposta para o momento oportuno e

iremos considerar por ora a distinccedilatildeo das partes

da sentenccedila

[161] Ὁ οὖν μερίζων τινὰ στίχον τὰ μὲν

ἀφαιρεῖ τὰ δὲ προστίθησι καὶ ἀφαιρεῖ μὲν τὸ

μῆνιν εἰ τύχοι χωρίζων τοῦ παντὸς στίχου

καὶ πάλιν τὸ ἄειδε καὶ τὰ λοιπὰ μέρη

προστίθησι δὲ τοῖς κατὰ συναλοιφὴν

ἐκφερομένοις οἷον τῷ lsquoαἷμrsquo ἐμέωνrsquo τὸ α τὸ

γὰρ πλῆρες ἦν rsquoαἷμα ἐμέωνrsquo καὶ πάλιν τῷ lsquoβῆ

δrsquo ἀκέωνrsquo τὸ ε κατὰ γὰρ ἐκπλήρωσιν οὕτως

εἶχε lsquoβῆ δὲ ἀκέωνrsquo μηδενὸς μέντοι μήτε

Pois bem na anaacutelise de um verso algumas

coisas satildeo separadas outras satildeo acrescentadas

Por exemplo tira-se o menin separando-o do

verso inteiro e entatildeo na sequecircncia o aeide e o

resto E ao que foi pronunciado elidido

acrescenta-se como acrescentar o alfa em

lsquohaimrsquoemeonrsquo pois a forma completa era lsquohaima

emeonrsquo (lsquovomitando sanguersquo) e assim com lsquobe

drsquoakeonrsquo cuja forma completa seria lsquobe de akeonrsquo

40 Blank ad loc ἂν

144

ἀφαιρεῖσθαι δυναμένου ἀπό τινος μήτε

προστίθεσθαί τινι πεφυκότος ἀδύνατος

γίνεται ὁ κατὰ γραμματικὴν μερισμός

(lsquoe foi-se em silecircnciorsquo) Poreacutem jaacute que por

natureza nada pode ser separado de nada nem

nada pode ser acrescentado a algo a anaacutelise nos

moldes da gramaacutetica torna-se impossiacutevel

Περὶ ἀφαιρέσεως

[162] Τὸ δὲ ὅτι οὐδὲν οὐδενὸς ἀφαιρεῖται

μάθοιμεν ἂν τὸν τρόπον τοῦτον εἰ γὰρ

ἀφαιρεῖταί τι ἀπό τινος ἢ ὅλον ἀφrsquo ὅλου

ἀφαιρεῖται ἢ μέρος ἀπὸ μέρους ἢ ὅλον ἀπὸ

μέρους ἢ μέρος ἀπὸ ὅλου ὅλον μὲν οὖν ἀπὸ

ὅλου οὐκ ἀφαιρεῖται ἑνὸς γὰρ ὑποκειμένου

στίχου εἰ ὅλον ἐστὶ τὸ ἀφαιρούμενον ὅλον

στίχον ἀφελοῦμεν καὶ οὕτως εἰ μὲν ἔτι μένοι

ὁ στίχος ἀφrsquo οὗ ἡ ἀφαίρεσις οὐδὲ ὅλως ἔσται

γεγονυῖά τις ἀφαίρεσις ἀπrsquo αὐτοῦ πῶς γὰρ ἔτι

μένειν οἷόν τέ ἐστι τὸ ὅλον εἴπερ ἀφῄρηται

εἰ δὲ μὴ μένοι δῆλον ὡς ἐκ τοῦ μὴ ὄντος οὐκ

ἔστι πάλιν γεγονυῖα ἀφαίρεσις ὥστε ὅλον

ἀπὸ ὅλου οὐκ ἀφαιρεῖται

Sobre separaccedilatildeo

Que nada se separa de nada podemos perceber

desse modo se algo se separasse de algo ou o

todo do todo separar-se-ia ou a parte da parte ou

o todo da parte ou a parte do todo O todo do

todo natildeo se separa pois dado um verso se o que

se separa eacute o todo acabamos com todo o verso E

assim se ainda restar o verso no qual se opera a

separaccedilatildeo entatildeo eacute porque a separaccedilatildeo natildeo se

operou totalmente Pois como eacute que haveria de

restar o todo se foi separado E se natildeo resta nada

eacute evidente que tampouco ocorre separaccedilatildeo do que

natildeo existe De forma que o todo do todo natildeo se

separa

[163] καὶ μὴν οὐδὲ ὅλον ἀπὸ μέρους ἐν μὲν

γὰρ τῷ μέρει οὐκ ἐμπεριέχεται τὸ ὅλον οἷον

τῷ μῆνιν τὸ lsquoltμῆνινgt ἄειδε θεὰ Πηληιάδεω

Ἀχιλῆοςrsquo τὸ δὲ ἀφαιρούμενον ὀφείλει

ἐμπεριέχεσθαι τῷ τὴν ἀφαίρεσιν

ἐπιδεχομένῳ λείπεται ἄρα ἢ μέρος ἀφrsquo ὅλου

ἢ μέρος ἀπὸ μέρους ἀφαιρεῖσθαι ἀλλὰ καὶ

τοῦτrsquo ἄπορον τὸ γὰρ μῆνιν εἰ μὲν ἀφrsquo ὅλου

ἀφαιρεῖται τοῦ στίχου καὶ ἀπὸ αὑτοῦ

ἀφαιρεῖται σὺν αὐτῷ γὰρ ὅλος ὁ στίχος

ἐνοεῖτο καὶ ἄλλως εἰ ἀφrsquo ὅλου ἀφαιρεῖται τὸ

δrsquo ὅλον ἦν lsquoμῆνιν ἄειδε θεὰ Πηληιάδεω

Ἀχιλῆοςrsquo ὤφειλεν ἠλαττῶσθαι καὶ τὸ lsquoἄειδε

θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo καὶ μὴ μένειν ἐν τῷ

De fato tambeacutem natildeo se separa o todo da parte

Pois o todo natildeo estaacute contido na parte como

lsquomenin aeide thea Peleiadeo Akhileosrsquo natildeo estaacute

contido em menin e o elemento separado deve

estar contido no que admite a separaccedilatildeo Faltou

entatildeo considerar se podem ser separadas a parte

do todo e a parte da parte Mas isto tambeacutem eacute

aporeacutetico Pois se menin eacute separado de todo o

verso eacute separado de si mesmo porque o verso foi

concebido como um todo juntamente com menin

E por outro acircngulo se se separa do todo e o todo

era lsquomenin aeide thea Peleiadeo Akhileosrsquo seria

preciso que tambeacutem lsquoaeide thea Peleiadeo

Akhileosrsquo tivesse diminuiacutedo e natildeo permanecido

145

αὐτῷ παντὸς τοῦ ἀφαίρεσιν ἐπιδεξαμένου μὴ

μένοντος ἐν ταὐτῷ

do mesmo jeito porque tudo que admite separaccedilatildeo

natildeo permanece do jeito que era

[164] ἐχρῆν δὲ καὶ αὐτὸ τὸ μῆνιν ἀφrsquo ὅλου

ἐκείνου λαμβάνον τὴν ἀφαίρεσιν ἔχειν τι ἐξ

ἑκάστου τῶν ἐν ἐκείνῳ ὃ πάλιν ἐστὶ ψεῦδος

εἰ οὖν μήτε ὅλον στίχον ἀπὸ στίχου δυνατὸν

μερίζειν μήτε μέρος στίχου ἀπὸ μέρους μήτε

ὅλον ἀπὸ μέρους μήτε μέρος

ἀφrsquo ὅλου καὶ παρὰ ταῦτα οὐδὲν ἐνδέχεται

νοεῖν41 ἀδύνατος τῷ γραμματικῷ ὁ μερισμός

O proacuteprio menin ao ser separado do todo teria

que conter em si algo de cada um dos elementos

do todo o que eacute novamente falso Portanto se

natildeo eacute possiacutevel do verso separar o verso todo de

uma parte separar parte do verso ou todo o verso

nem do todo separar uma parte e natildeo se admitem

outras concepccedilotildees fora estas a anaacutelise torna-se

impossiacutevel para o gramaacutetico

Περὶ προσθέσεως

[165] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ ἡ κατὰ τὰς

συναλειπτικῶς ἐκφερομένας λέξεις τινῶν

πρόσθεσις οὐκ ἔσται καὶ τοῦτrsquo ἔσται σαφές

ἂν μὴ ἐπὶ συλλαβῶν ἢ στοιχείων χειρίζηται ὁ

λόγος ὧν μάλιστα τὰς προσθέσεις ἐν τοῖς

μερισμοῖς ποιοῦνται οἱ γραμματικοί ἀλλrsquo ἐπὶ

ὅλων λέξεων ὑποκειμένου τοίνυν ἡμιστιχίου

τοῦ lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo (ἔστω

γὰρ πρὸς τὸ παρὸν τουτὶ ἡμιστίχιον καὶ

προσλαμβανέτω τὸ μῆνιν ὥστε τὸ ἐξ

ἀμφοτέρων ἡρωικὸν γίνεσθαι μέτρον)

ζητοῦμεν τίνι ἡ πρόσθεσις γίνεται

Sobre acreacutescimo

Tampouco haveraacute acreacutescimo nas palavras que

apresentam elisatildeo na pronuacutencia Isto fica claro se

se aplica o argumento natildeo sobre siacutelabas ou letras

que os gramaacuteticos frequentemente acrescentam

quando fazem suas anaacutelises mas sobre palavras

inteiras Que se defina entatildeo lsquoaeide thea

Peleiadeo Akhileosrsquo como hemistiacutequio ou seja

metade do verso (para o presente propoacutesito esta

passagem eacute a metade do verso agrave qual se ajunta

menin e de ambas produz-se um verso de metro

heroico)113 e vamos investigar a que se faz o

acreacutescimo

[166] ἤτοι γὰρ ἑαυτῷ τὸ μῆνιν προστίθεται ἢ

τῷ προϋποκειμένῳ ἡμιστιχίῳ ἢ τῷ ἐξ

ἀμφοτέρων ἀποτελεσθέντι ἡρωικῷ μέτρῳ καὶ

ἑαυτῷ μὲν οὐκ ἂν προστεθείη μὴ ὂν γὰρ

ἕτερον ἑαυτοῦ καὶ μὴ διπλασιάζον ἑαυτὸ οὐκ

ἂν λέγοιτο ἑαυτῷ προστίθεσθαι τῷ δὲ

προϋποκειμένῳ ἡμιστιχίῳ πῶς ἐνδέχεται ὅλῳ

μὲν γὰρ αὐτῷ προστιθέμενον καὶ αὐτὸ

παρισαζόμενον ἐκείνῳ ἡμιστίχιον γενήσεται

Pois bem ou menin eacute acrescentado a si mesmo ou

agrave metade de verso antes definida ou ao verso

heroico produzido a partir de ambos A si mesmo

natildeo seria acrescentado pois natildeo sendo diferente

de si mesmo nem um duplo de si natildeo pode ser

dito que se acrescenta a si mesmo E como poderia

acrescentar-se agrave metade de verso antes definida

Pois acrescentado ao hemistiacutequio como um todo

e equiparando-se um e outro menin tornar-se-ia

41 Blank ad loc com Blomqvist p 78 νοιεῖν por ποιεῖν

146

outra metade do verso

[167] ταύτῃ τε ἀκολουθήσει καὶ τὸ μέγα

ἡμιστίχιον λέγειν εἶναι βραχύ βραχεῖ

συνεξισούμενον τῷ μῆνιν καὶ τὸ βραχὺ μέγα

μείζονι ἀντιπαρῆκον τῷ ἡμιστιχίῳ εἴπερ τῷ

παντὶ ἡμιστιχίῳ προστίθοιτο τὸ μῆνιν ltεἰ δὲ

μέρει μόνον προστίθοιτο τὸ μῆνινgt οἷον τῷ

ἄειδε καὶ εἰ μὲν μόνον αὐξήσει τὸ ἄειδε τὸ δrsquo

ὅλον οὔ ltοὐgt ποιήσει στίχον42 λείπεται οὖν

φάσκειν τῷ ἐξ ἀμφοῖν αὐτοῦ τε τοῦ μῆνιν καὶ

τοῦ προϋποκειμένου ἡμιστιχίου

ἀποτελουμένῳ ἑξαμέτρῳ καὶ ἡρωικῷ στίχῳ

προστίθεσθαι

A consequecircncia disto eacute que a metade longa do

verso seraacute dita breve pois ter-se-aacute igualado a

menin que eacute breve E a metade breve seraacute dita

longa pois emparelhou-se agrave outra metade ndash isso

no caso de mecircnin acrescentar-se ao hemistiacutequio

todo Se se acrescenta menin apenas a parte do

verso tal como a aeide e somente esta parte

aumenta e natildeo o verso como um todo natildeo se

produziria um verso completo Falta portanto

considerar que se acrescenta a ambos ou seja ao

hexacircmetro completo o verso heroico produzido a

partir do proacuteprio menin mais a metade de verso

acima definida

[168] ὃ τελέως ἦν ἀπίθανον τὸ γὰρ

ἐπιδεχόμενον πρόσθεσιν προϋπόκειται τῆς

προσθέσεως οὐ μὴν τὸ γινόμενον ἐκ τῆς

προσθέσεως προϋπόκειται ταύτης οὐκ ἄρα

οὖν τῷ γινομένῳ ἐκ τῆς προσθέσεως τοῦ

μῆνιν ἑξαμέτρῳ στίχῳ προστίθεται τὸ μῆνιν

ὅτε μὲν γὰρ γίνεται ἡ πρόσθεσις οὔπω

ἑξάμετρός ἐστιν ὅτε δὲ ἔστιν ἑξάμετρος

οὐκέτι γίνεται ἡ πρόσθεσις πλὴν συνῆκται τὸ

προκείμενον καὶ μήτε προσθέσεως μήτε

ἀφαιρέσεως οὔσης ἀναιρεῖται ὁ προειρημένος

τοῦ μερισμοῦ τρόπος

Ἀλλὰ δὴ πάλιν τὴν ἐν τούτοις τῶν

γραμματικῶν ἀκρίβειαν κατανοήσαντες φέρε

καὶ τῆς ἐν τῷ γράφειν αὐτῶν δυνάμεως

ἀποπειραθῶμεν

Isso eacute completamente inverossiacutemil pois o que

recebe acreacutescimo preexiste ao acreacutescimo e

obviamente o que resulta do acreacutescimo natildeo

preexiste a ele Consequentemente menin natildeo eacute

acrescentado ao verso hexacircmetro que resulta de

seu acreacutescimo pois no momento do acreacutescimo o

hexacircmetro ainda natildeo existe e existindo o

hexacircmetro o acreacutescimo jaacute se concluiu Em todo o

caso fecha-se o assunto proposto e natildeo existindo

nem acreacutescimo nem separaccedilatildeo destroacutei-se o acima

mencionado meacutetodo de anaacutelise 114

Mas mais uma vez tendo observado com

cuidado a precisatildeo dos gramaacuteticos nestes assuntos

vamos pocircr agrave prova tambeacutem sua capacidade em

relaccedilatildeo ao escrever

Περὶ ὀρθογραφίας Sobre ortografia115

42 Blank ad loc com Giusta p 431 que tambeacutem suprime o καὶ Por ltεἰ δὲ μέρει αὐτοῦgt οἷον τῷ ἄειδε καὶ εἰ μὲν μόνον αὐξήσει τὸ ἄειδε τὸ δ ὅλον ltοὐκ αὐξήσειgt οὐ ποιήσει στίχον

147

[169] Τὴν γὰρ ὀρθογραφίαν φασὶν ἐν τρισὶ

κεῖσθαι τρόποις ποσότητι ποιότητι μερισμῷ

ποσότητι μὲν οὖν ὅταν ζητῶμεν εἰ ταῖς

δοτικαῖς προσθετέον τὸ ι καὶ εὐχάλινον καὶ

εὐώδινας43 τῷ ι μόνον γραπτέον ἢ τῇ ει

ποιότητι δέ ὅταν σκεπτώμεθα πότερον διὰ

τοῦ ζ γραπτέον ἐστὶ τὸ σμιλίον καὶ τὴν

Σμύρναν ἢ διὰ τοῦ σ μερισμῷ δέ ἐπειδὰν

διαπορῶμεν περὶ τῆς ὄβριμος λέξεως

πότερόν ποτε τὸ β τῆς δευτέρας ἐστὶ

συλλαβῆς ἀρχὴ ἢ τῆς προηγουμένης πέρας

καὶ ἐπὶ τοῦ Ἀριστίων ὀνόματος ποῦ τακτέον

τὸ σ

Pois bem dizem que a ortografia assenta-se em

trecircs fatores quantidade qualidade e divisatildeo de

siacutelabas Na quantidade quando queremos saber se

aos dativos se deve adicionar um ι iota ou se

palavras como eukhalinos (lsquocom arreios bem

postosrsquo) e euodin (lsquofrutiacuteferorsquo) devem ser escritas

apenas com ι iota ou com ει eacutepsilon e iota116 Na

qualidade quando pensamos se smilion (faca) e

Smyrna (lsquoEsmirnarsquo) devem ser escritas com ζ zeta

ou com σ sigma117 E na divisatildeo quando estamos

em duacutevida se na palavra obrimos (lsquorobustorsquo) o β

beta eacute o comeccedilo da segunda siacutelaba ou o fim da

anterior ou em relaccedilatildeo ao nome Aristion onde

devemos colocar o σ sigma

[170] πάλιν δrsquo ἡ τοιαύτη τεχνολογία ἵνα

μηδὲν τῶν ἀπορωτέρων κινῶμεν μάταιος

εἶναι φαίνεται πρῶτον μὲν ἐκ τῆς διαφωνίας

ἔπειτα δὲ καὶ ἐξ αὐτῶν τῶν ἀποτελεσμάτων

καὶ ἐκ μὲν τῆς διαφωνίας ἐπείπερ οἱ τεχνικοὶ

μάχονταί τε καὶ εἰς αἰῶνα μαχήσονται πρὸς

ἀλλήλους τῶν μὲν οὕτως τῶν δὲ ἐκείνως τὸ

αὐτὸ γράφειν ἀξιούντων

Novamente tal exposiccedilatildeo teacutecnica revela-se inuacutetil ndash

sem provocarmos nenhuma das aporias mais

seacuterias ndash primeiro por causa do desacordo

(diaphonia) e em seguida por causa de seus

resultados (apotelesmata) mesmo118 No primeiro

caso porque os entendidos (tekhnikoi) no assunto

estatildeo em conflito entre si e continuaratildeo para

sempre a disputar uns com os outros defendendo

para a mesma palavra uns que deve ser escrita de

uma forma outros de outra

[171] ὅθεν καὶ οὕτως αὐτοὺς ἐρωτητέον εἰ

χρειώδης ἐστὶν ἡ περὶ ὀρθογραφίας

τεχνολογία τῷ βίῳ ἐχρῆν ἡμᾶς τε καὶ

ἕκαστον τῶν διαφωνούντων περὶ αὐτῆς

γραμματικῶν ἀνεπικρίτου ἀκμὴν

καθεστώσης τῆς κατὰ ταύτην διαφωνίας

παραποδίζεσθαι εἰς ἃ ἂν δέῃ γράφειν

Por isso eacute que devem ser confrontados com o

seguinte questionamento se uma exposiccedilatildeo

teacutecnica sobre ortografia eacute necessaacuteria para a vida

noacutes e todos os gramaacuteticos que discordam sobre

ela (e o desacordo permanece insoluacutevel) nos

encontrariacuteamos necessariamente paralisados

diante do que se deve escrever

[172] οὔτε δὲ ἡμῶν οὔτε τούτων ἕκαστος Mas natildeo ficamos paralisados nenhum de noacutes e

43 Blank ad loc ldquopossivelmente devecircssemos ler χαλινούς (lsquofreiosrsquo lsquoreacutedeasrsquo Iliacuteada XIX 393) e ὠδῖνας (lsquodores do partorsquo Iliacuteada XI 271)rdquo

148

παραποδίζεται ἀλλὰ συμφώνως πάντες

τυγχάνουσι τῆς προθέσεως ἅτε δὴ μὴ ἀπrsquo

ἐκείνης ἀλλrsquo ἀπὸ κοινοτέρας τινὸς καὶ

συμφώνου ὁρμώμενοι τριβῆς καθrsquo ἣν τὰ μὲν

κατrsquo ἀνάγκην ὀφείλοντα παραλαμβάνεσθαι

στοιχεῖα πρὸς τὴν μήνυσιν τοῦ ὀνόματος

πάντες παραλαμβάνουσι καὶ οἱ γραμματικοὶ

καὶ οἱ μὴ γραμματικοί περὶ δὲ τῶν μὴ κατrsquo

ἀνάγκην ἀδιαφοροῦσιν οὐκ ἄρα χρειώδης

ἐστὶν ἡ περὶ ὀρθογραφίας παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς ὑφήγησις

nenhum deles Ao contraacuterio todos alcanccedilamos

nosso propoacutesito sem desacordos precisamente

porque de fato natildeo eacute a ortografia que conta mas

uma praacutetica (tribe) mais geral e unacircnime segundo

a qual todos gramaacuteticos e natildeo gramaacuteticos usam

as letras que necessariamente devem ser usadas

para informar (menusis) a palavra e somos

indiferentes agraves que natildeo satildeo necessaacuterias Conclui-

se portanto natildeo ser necessaacuteria a orientaccedilatildeo

ortograacutefica dos gramaacuteticos

[173] ἀλλrsquo ὁ μὲν ἀπὸ τῆς διαφωνίας ἔλεγχος

τοιοῦτος ὁ δὲ ἀπὸ τῶν ἀποτελεσμάτων

ἐμφανής οὐδὲν γὰρ βλαπτόμεθα ἐάν τε σὺν

τῷ ι γράφωμεν τὴν δοτικὴν πτῶσιν ἐάν τε μή

καὶ ἐάν τε διὰ τοῦ σ τὸ σμιλίον καὶ τὴν

Σμύρναν ἐάν τε διὰ τοῦ ζ καὶ ἐπὶ τοῦ

Ἀριστίων ὀνόματος ἐάν τε τῇ προηγουμένῃ

συλλαβῇ τὸ σ προσμερίζωμεν ἐάν τε τῇ

ἐπιφερομένῃ τοῦτο συντάττωμεν

Essa refutaccedilatildeo teve por base a questatildeo do

desacordo Jaacute a que se configura com base nos

resultados eacute bastante oacutebvia Porque natildeo nos causa

qualquer prejuiacutezo escrevermos o caso dativo com ι

iota ou sem ι iota ou grafar smilion (lsquofacarsquo) e

Smyrna (lsquoEsmirnarsquo) com ζ zeta ou com σ sigma

e com relaccedilatildeo ao nome Aristion se o σ sigma

pertence agrave siacutelaba anterior ou se o colocamos com

a seguinte

[174] εἰ μὲν γὰρ παρὰ τὸ διὰ τοῦ σ ἀλλὰ μὴ

διὰ τοῦ ζ γράφειν τὸ σμιλίον οὐκέτι σμιλίον

γίνεται ἀλλὰ δρέπανον καὶ εἰ παρὰ [τὸ σ] τὸ

τοῦ Ἀριστίων ὀνόματος οὕτως ἀλλὰ μὴ

ἐκείνως συντάσσεσθαι τὸ σ [ἢ] ὁ Ἀριστίων

καθώς φησί τις τῶν χαριεντιζομένων

Δειπνίων γίνεται ἥρμοζε μὴ ἀδιαφορεῖν εἰ δrsquo

ὅπως ἂν ἔχῃ τὰ τῆς γραφῆς τὸ σμιλίον ltἐστὶ

σμιλίονgt ἐάν τε διὰ τοῦ σ ἐάν τε διὰ

τοῦ ζ κατάρχηται ὅ τε Ἀριστίων ἀεί ποτέ

ἐστιν Ἀριστίων ἐάν τε τῷ ι ἐάν τε τῷ τ τὸ σ

προσμερίζωμεν τίς χρεία τῆς πολλῆς καὶ

ματαίας παρὰ τοῖς γραμματικοῖς περὶ τούτων

Contudo se smilion (lsquofacarsquo) por ser escrito com ζ

zeta e natildeo com σ sigma deixa de ser o que eacute e se

torna drepanon (lsquofoicersquo) se o nome Aristion

(lsquoaquele que desjejuarsquo) por ser separado de uma

forma e natildeo de outra se tornasse como diria

algum engraccediladinho Deipnion (lsquoaquele que

jantarsquo) se fosse este o caso conviria natildeo sermos

indiferentes Poreacutem se independente da grafia

smilion (lsquofacarsquo) eacute smilion (lsquofacarsquo) com ζ zeta ou

com σ sigma e Aristion sempre Aristion

colocando-se o σ sigma com a siacutelaba anterior ou

com a seguinte que utilidade tem a interminaacutevel

lenga-lenga vatilde dos gramaacuteticos sobre estas coisas

149

μωρολογίας

[175] Κεφαλαιωδέστερον δὴ καὶ περὶ

ὀρθογραφίας διεξιόντες ἴδωμεν εἰς

συμπλήρωσιν τῆς πρὸς τὸ τεχνικὸν μέρος

αὐτῶν ἀντιρρήσεως πότερον ἔχουσί τινα πρὸς

τὸ ἑλληνίζειν συνεστῶσαν μέθοδον ἢ

οὐδαμῶς

Sobre ortografia abordamos os pontos

principais Para completar o ataque agrave parte

teacutecnica veremos se possuem ou natildeo um meacutetodo

consistente para a correccedilatildeo

Εἰ ἔστι τις τέχνη περὶ ἑλληνισμοῦ

[176] Ὅτι μὲν δεῖ τινα φειδὼ ποιεῖσθαι τῆς

περὶ τὰς διαλέκτους καθαριότητος αὐτόθεν

συμφανές ὅ τε γὰρ ἑκάστοτε βαρβαρίζων καὶ

σολοικίζων ὡς ἀπαίδευτος χλευάζεται ὅ τε

ἑλληνίζων ἱκανός ἐστι πρὸς τὸ σαφῶς ἅμα καὶ

ἀκριβῶς παραστῆσαι τὰ νοηθέντα τῶν

πραγμάτων ἤδη δὲ τοῦ ἑλληνισμοῦ δύο εἰσὶ

διαφοραί ὃς μὲν γάρ ἐστι κεχωρισμένος τῆς

κοινῆς ἡμῶν συνηθείας καὶ κατὰ

γραμματικὴν ἀναλογίαν δοκεῖ προκόπτειν ὃς

δὲ κατὰ τὴν ἑκάστου τῶν Ἑλλήνων συνήθειαν

ἐκ παραπλασμοῦ καὶ τῆς ἐν ταῖς ὁμιλίαις

παρατηρήσεως ἀναγόμενος

Se existe uma arte sobre a correccedilatildeo

(hellenismos)119

Que eacute preciso com alguma parcimocircnia cuidar

da pureza do idioma que se fala120 eacute de imediato

oacutebvio pois aquele que comete a todo momento

barbarismos ou solecismos eacute menosprezado como

ignorante Por outro lado quem fala grego

corretamente (hellenizon) eacute capaz de expressar

com clareza e precisatildeo o que pensa (noethenta)

sobre as coisas No entanto haacute dois tipos de

correccedilatildeo um destes tipos estaacute desvinculado de

nosso uso comum e parece proceder da analogia

gramatical o outro se adequa ao uso de cada um

dos gregos tendo origem na imitaccedilatildeo

(paraplasmos) e observaccedilatildeo da fala cotidiana121

[177] οἷον ὁ μὲν τῆς Ζεύς ὀρθῆς πτώσεως τὰς

πλαγίους σχηματίζων τοῦ Ζεός τῷ Ζεΐ τὸν

Ζέα κατὰ τὸν πρότερον τοῦ ἑλληνισμοῦ

χαρακτῆρα διαλέλεκται ὁ δὲ ἀφελῶς τοῦ

Ζηνός λέγων καὶ τῷ Ζηνὶ καὶ ltτὸνgt Ζῆνα

κατὰ τὸν δεύτερον καὶ συνηθέστερον ἡμῖν

πλὴν δυοῖν ὄντων τῶν ἑλληνισμῶν εὔχρηστον

μὲν εἶναί φαμεν τὸν δεύτερον διὰ τὰς

προειρημένας αἰτίας ἄχρηστον δὲ τὸν πρῶτον

διὰ τὰς λεχθησομένας

Assim quem a partir do nominativo Zeus

(lsquoZeusrsquo) forma os casos obliacutequos como Zeos Zeiuml

Zea se adequou ao primeiro tipo de correccedilatildeo jaacute o

que diz simplesmente Zenos Zeni e Zena estaacute

usando a liacutengua de acordo com o segundo tipo ao

qual estamos mais acostumados Ou seja haacute dois

tipos de correccedilatildeo e consideramos que o segundo

tipo seja uacutetil pelas razotildees antes mencionadas mas

o primeiro ao contraacuterio eacute inuacutetil pelas razotildees que

seratildeo apresentadas a seguir

[178] ὥσπερ γὰρ ἐν πόλει νομίσματός τινος Com efeito quando se utiliza uma moeda local em

150

προχωροῦντος κατὰ τὸ ἐγχώριον ὁ μὲν τούτῳ

στοιχῶν δύναται καὶ τὰς ἐν ἐκείνῃ τῇ πόλει

διεξαγωγὰς ἀπαραποδίστως ποιεῖσθαι ὁ δὲ

τοῦτο μὲν μὴ παραδεχόμενος ἄλλο δέ τι

καινὸν χαράσσων ἑαυτῷ καὶ τούτῳ

νομιστεύεσθαι θέλων μάταιος καθέστηκεν

οὕτω κἀν τῷ βίῳ ὁ μὴ βουλόμενος τῇ

συνήθως παραδεχθείσῃ καθάπερ νομίσματι

ὁμιλίᾳ κατακολουθεῖν ἀλλrsquo ἰδίαν αὑτῷ

τέμνειν μανίας ἐγγύς ἐστιν

uma determinada cidade de acordo com o

costume aquele que segue este uso estaacute apto a

fazer seus negoacutecios neste local sem empecilhos

no entanto aquele que natildeo admite isto e ao

cunhar para si mesmo uma moeda nova diferente

pretende utilizaacute-la seraacute apontado como louco O

mesmo acontece com aquele que natildeo deseja seguir

na vida a maneira de falar que eacute comumente

admitida como uma moeda estabelecida mas

pretende talhar uma liacutengua particular para si

mesmo estaacute perto da loucura

[179] διόπερ ltεἰgt οἱ γραμματικοὶ

ὑπισχνοῦνται τέχνην τινὰ τὴν καλουμένην

ἀναλογίαν παραδώσειν διrsquo ἧς κατrsquo ἐκεῖνον

ἡμᾶς τὸν ἑλληνισμὸν ἀναγκάζουσι

διαλέγεσθαι ὑποδεικτέον ὅτι ἀσύστατός

ἐστιν αὕτη ἡ τέχνη δεῖ δὲ τοὺς ὀρθῶς

βουλομένους διαλέγεσθαι τῇ ἀτέχνῳ καὶ

ἀφελεῖ κατὰ τὸν βίον καὶ τῇ κατὰ τὴν κοινὴν

τῶν πολλῶν συνήθειαν παρατηρήσει

προσανέχειν

Por isso se os gramaacuteticos tomam para si o

encargo de transmitir uma certa arte a que

chamam analogia pela qual estariacuteamos obrigados

a falar de acordo com aquele tipo de correccedilatildeo

devemos entatildeo demonstrar que tal arte eacute

inconsistente e os que desejam expressar-se de

maneira correta devem dedicar-se agrave observaccedilatildeo

simples e natildeo teacutecnica da liacutengua viva (ho bios) e do

uso comum de muitos

[180] Εἴπερ οὖν ἔστι τις περὶ ἑλληνισμὸν

τέχνη ἤτοι ἔχει ἀρχὰς ἐφrsquo αἷς συνέστηκεν ἢ

οὐκ ἔχει καὶ μὴ ἔχειν μὲν οὐκ ἂν φαῖεν οἱ

γραμματικοί πᾶσα γὰρ τέχνη ἀπό τινος ἀρχῆς

ὀφείλει συνίστασθαι εἰ δὲ ἔχει ἤτοι τεχνικὰς

ταύτας ἔχει ἢ ἀτέχνους καὶ εἰ μὲν τεχνικάς

πάντως ἢ ἀφrsquo ἑαυτῶν ἢ ἀπrsquo ἄλλης τέχνης

συνέστησαν κἀκείνη πάλιν ἀπὸ τρίτης καὶ ἡ

τρίτη ἀπὸ τετάρτης καὶ τοῦτrsquo εἰς ἄπειρον

ὥστε ἄναρχον γιγνομένην τὴν περὶ

ἑλληνισμὸν τέχνην μηδὲ τέχνην ὑπάρχειν

Pois bem se existe uma arte da correccedilatildeo ela

tem princiacutepios sobre os quais se fundamenta ou

natildeo os tem Os gramaacuteticos natildeo diriam que natildeo os

tem pois toda arte deve estar fundamentada sobre

algum princiacutepio Entatildeo se os tem satildeo princiacutepios

teacutecnicos ou natildeo teacutecnicos Se satildeo teacutecnicos

fundamentam-se sempre ou em si mesmos ou

em outra arte que por sua vez fundamentar-se-ia

numa terceira esta terceira numa quarta e assim

por diante ad infinitum de forma que se natildeo haacute

princiacutepio para a arte da correccedilatildeo tampouco ela

existe como arte

151

[181] εἰ δὲ ἀτέχνους οὐκ ἄλλαι τινὲς

εὑρεθήσονται παρὰ τὴν συνήθειαν ἡ ἄρα

συνήθεια τοῦ τί τέ ἐστιν ἑλληνικὸν καὶ τί

ἀνελλήνιστον γίνεται κριτήριον καὶ οὐκ ἄλλη

τις περὶ τὸν ἑλληνισμὸν τέχνη

Se se considera que os princiacutepios satildeo natildeo teacutecnicos

nenhum outro seraacute encontrado a natildeo ser o uso

Logo o uso eacute o criteacuterio para o que eacute correto e o

que eacute incorreto em grego (anelleniston) e natildeo

alguma outra arte acerca da correccedilatildeo

[182] ἄλλως τε ἐπεὶ τῶν τεχνῶν αἱ μὲν τῷ

ὄντι εἰσὶ τέχναι ὡς ἡ ἀνδριαντοποιικὴ καὶ

ζωγραφία αἱ δὲ ἐπαγγέλματι μέν εἰσι τέχναι

οὐ πάντως δὲ καὶ κατrsquo ἀλήθειαν ὡς

Χαλδαϊκή τε καὶ θυτική ἵνα μάθωμεν

πότερόν ποτε καὶ ἡ περὶ τὸν ἑλληνισμὸν

λεγομένη τέχνη ἢ ὑπόσχεσις μόνον ἐστὶν ἢ

καὶ ὑποκειμένη δύναμις δεήσει κριτήριόν τι

ἡμᾶς ἔχειν εἰς τὴν ταύτης δοκιμασίαν

Aleacutem disso dentre as artes algumas satildeo na

realidade (toi onti) artes como a escultura e

pintura e outras apenas se proclamam como tais

mas natildeo satildeo artes totalmente e de verdade como a

astrologia caldeia e a profecia que acompanha os

sacrifiacutecios Para verificarmos de qual tipo eacute a

chamada arte sobre a correccedilatildeo se promessa

apenas ou uma capacidade de fato teriacuteamos que

ter um criteacuterio para a avaliaccedilatildeo (dokimasia)

[183] τοῦτrsquo οὖν τὸ κριτήριον πάλιν ἤτοι

τεχνικόν τί ἐστι (καὶ περὶ ἑλληνισμόν εἴγε καὶ

τῆς περὶ τὸν ἑλληνισμὸν κρινούσης εἰ ὑγιῶς

κρίνει δοκιμαστικὸν καθέστηκεν) ἢ ἄτεχνον

ἀλλὰ τεχνικὸν μὲν περὶ ἑλληνισμὸν οὐκ ἂν

εἴη διὰ τὴν προειρημένην εἰς ἄπειρον

ἔκπτωσιν ἄτεχνον δrsquo εἰ λαμβάνοιτο τὸ

κριτήριον οὐκ ἄλλο τι εὑρήσομεν ἢ τὴν

συνήθειαν ἡ ἄρα

συνήθεια καὶ αὐτὴν τὴν περὶ ἑλληνισμὸν

τέχνην κρίνουσα οὐ δεήσεται τέχνης

E assim novamente esse criteacuterio ou seria teacutecnico

(e relativo agrave correccedilatildeo do grego jaacute que teria sido

estabelecido para avaliar se esta arte que julga a

correccedilatildeo do grego julga apropriadamente) ou

seria natildeo teacutecnico Mas natildeo poderia haver um

criteacuterio teacutecnico relativo agrave correccedilatildeo por causa do

que foi dito antes acerca do regresso ao infinito E

se este criteacuterio for considerado natildeo teacutecnico natildeo se

encontraraacute nenhum outro senatildeo o uso Logo o uso

julgaraacute tambeacutem a proacutepria arte da correccedilatildeo e natildeo

haveraacute necessidade de uma arte

[184] Εἴπερ δὲ οὐκ ἄλλως ἔστιν ἑλληνίζειν

ἐὰν μὴ παρὰ γραμματικῆς μάθωμεν τὸ

ἑλληνικόν ἤτοι ἐναργές ἐστι τοῦτο καὶ ἐξ

αὑτοῦ βλεπόμενον ἢ ἀδηλότερον ἀλλrsquo

ἐναργὲς μὲν οὐκ ἔστιν ἐπεὶ σύμφωνον ἂν ἦν

παρὰ πᾶσιν ὡς τὰ λοιπὰ τῶν ἐltναgtργῶν

Pois se de fato natildeo haacute outro modo de falar

grego corretamente a natildeo ser aprendermos o grego

correto junto agrave gramaacutetica entatildeo ou isto eacute algo

evidente que se vecirc por si mesmo ou eacute natildeo-

evidente (adeloteron) Mas natildeo eacute evidente ou

haveria acordo unacircnime sobre isso como haacute

acerca de todas as outras coisas evidentes

[185] καὶ ἄλλως πρὸς μὲν τὴν τοῦ ἐναργοῦς Aleacutem disso nenhuma arte eacute necessaacuteria para a

152

ἀντίληψιν οὐδεμιᾶς τέχνης ἐστὶ χρεία

καθάπερ οὐδὲ πρὸς τὸ λευκὸν ὁρᾶν ἢ γλυκέος

γεύεσθαι ἢ θερμοῦ θιγγάνειν πρὸς δὲ τὸ

ἑλληνίζειν μεθόδου τινὸς καὶ τέχνης κατὰ

τοὺς γραμματικούς ἐστι χρεία οὐκ ἄρα

ἐναργές ἐστι τὸ ἑλληνίζειν

apreensatildeo do que eacute evidente tal como natildeo eacute

necessaacuteria para ver o branco sentir um gosto

doce ou sentir calor E para falar grego

corretamente meacutetodo e arte satildeo necessaacuterios

segundo os gramaacuteticos Logo falar grego

corretamente natildeo eacute algo evidente

[186] ἄδηλον δὲ εἴπερ ἐστί πάλιν ἐπεὶ τὸ

ἄδηλον ἔκ τινος ἑτέρου γνωρίζεται ἤτοι

φυσικῷ τινι κατακολουθητέον κριτηρίῳ ἐξ

οὗ διαγιγνώσκεται τί τὸ ἑλληνικὸν καὶ τί τὸ

ἀνελλήνιστον ἢ τῇ ἑνὸς συνηθείᾳ ὡς ἄκρως

ἑλληνίζοντος χρηστέον πρὸς τὴν τούτου

κατάληψιν ἢ τῇ πάντων

E se for uma coisa natildeo-evidente e o natildeo-evidente

se conhece a partir de alguma outra coisa seria

preciso seguir ou algum criteacuterio natural com o

qual distinguimos o que eacute correto e o que eacute

incorreto ou para sua apreensatildeo deve-se

empregar ou o uso de uma uacutenica pessoa (que fale

o grego de forma sumamente correta) ou o uso de

todos

[187] ἀλλὰ φυσικὸν μὲν κριτήριον εἰς τὸ

ἑλληνικὸν καὶ τὸ μὴ τοιοῦτον οὐδὲν ἔχομεν

τοῦ γὰρ Ἀττικοῦ τὸ τάριχος λέγοντος ὡς

ἑλληνικὸν καὶ τοῦ Πελοποννησίου ὁ τάριχος

προφερομένου ὡς ἀδιάστροφον καὶ τοῦ μὲν

τὴν στάμνον ὀνομάζοντος τοῦ δὲ τὸν

στάμνον οὐδὲν ἔχει ἐξ ἑαυτοῦ κριτήριον

πιστὸν ὁ γραμματικὸς εἰς τὸ οὕτως ἀλλὰ μὴ

οὕτως δεῖν λέγειν εἰ μὴ ἄρα τὴν ἑκάστου

συνήθειαν ἥτις οὔτε τεχνικὴ οὔτε φυσική

ἐστιν

Mas natildeo temos um criteacuterio natural com o qual

podemos distinguir o que eacute correto em grego e o

que natildeo eacute porque para os atenienses dizer to

tarikhos (lsquocarne secarsquo) no neutro estaacute correto e

os peloponeacutesios tecircm certeza de que o correto eacute ho

tarikhos no masculino e um diz he stamnos

(lsquojarrorsquo) no feminino o outro ho stamnos no

masculino De forma que o gramaacutetico natildeo tem

nenhum criteacuterio por si mesmo confiaacutevel para o

que deve ser dito de uma forma e natildeo de outra a

natildeo ser o uso de cada um o que natildeo eacute nem teacutecnico

nem natural

[188] τῇ δὲ τινὸς συνηθείᾳ δεῖν ἀκολουθεῖν

εἴπερ ἐροῦσιν ἤτοι φάσει μόνον ἐροῦσιν ἢ

ἐμμεθόδοις ἀποδείξεσι χρησάμενοι ἀλλὰ

φάσιν μὲν λέγουσι φάσιν ἀντιθήσομεν περὶ

τοῦ τοῖς πολλοῖς μᾶλλον ἢ τῷ ἑνὶ δεῖν

ἀκολουθεῖν ἐμμεθόδως δὲ ἀποδεικνύντες ὅτι

οὗτος ἑλληνίζει ἀναγκασθήσονται ἐκείνην

E se disserem que se deve seguir o uso de uma

uacutenica pessoa ou isso eacute uma mera asserccedilatildeo ou

precisam apresentar provas concordantes com um

meacutetodo Mas se dizem que eacute uma asserccedilatildeo

contrapomos com a asserccedilatildeo de que se deve seguir

de preferecircncia o uso de muitos a seguir um Se

apresentarem metodicamente as provas de que tal

153

τὴν μέθοδον κριτήριον ἑλληνισμοῦ λέγειν διrsquo

ἣν καὶ οὗτος ἑλληνίζων δέδεικται ἀλλrsquo οὐχὶ

τοῦτον

sujeito fala grego corretamente seratildeo obrigados a

chamar de criteacuterio para a correccedilatildeo natildeo o sujeito

mas o meacutetodo pelo qual demonstraram que ele

fala grego corretamente

[189] λείπεται οὖν τῇ πάντων συνηθείᾳ

προσέχειν εἰ δὲ τοῦτο οὐ χρεία τῆς

ἀναλογίας ἀλλὰ παρατηρήσεως τοῦ πῶς οἱ

πολλοὶ διαλέγονται καὶ τί ὡς ἑλληνικὸν

παραδέχονται ἢ ὡς οὐ τοιοῦτον ἐκκλίνουσιν

τό γε μὴν ἑλληνικὸν ἤτοι φύσει ἐστὶν ἢ θέσει

καὶ φύσει μὲν οὐκ ἔστιν ἐπεὶ οὐκ ἄν ποτε

ταὐτὸν τοῖς μὲν ἑλληνικὸν ἐδόκει τυγχάνειν

τοῖς δὲ οὐχ ἑλληνικόν

Faltou entatildeo considerar que seja o uso de todos

Se eacute isto natildeo eacute a analogia que eacute necessaacuteria mas a

observaccedilatildeo de como muitos falam do que

admitem como grego correto ou evitam como

incorreto E de fato a correccedilatildeo do grego ou se daacute

por natureza ou por convenccedilatildeo Mas natildeo eacute por

natureza pois se fosse jamais aconteceria de uma

mesma coisa parecer correta para alguns e

incorreta para outros

[190] θέσει δὲ εἴπερ ἐστὶ καὶ νόμῳ τῶν

ἀνθρώπων ὁ συνασκηθεὶς μάλιστα καὶ

τριβεὶς ἐν τῇ συνηθείᾳ οὗτος ἑλληνίζει καὶ

οὐχ ὁ τὴν ἀναλογίαν ἐπιστάμενος καὶ γὰρ

ἄλλως ἔνεστι παραστῆσαι ὅτι οὐ δεόμεθα

πρὸς τὸ ἑλληνίζειν τῆς γραμματικῆς

E se fosse por convenccedilatildeo e lei dos homens aquele

que tem mais praacutetica e estaacute mais habituado ao uso

eacute que fala corretamente e natildeo o que domina

(epistamenos) a analogia Aleacutem disso podemos

demonstrar tambeacutem de outra forma que noacutes natildeo

precisamos da gramaacutetica para falar grego

corretamente

[191] ἐν γὰρ ταῖς ἀνὰ χεῖρα ὁμιλίαις ἤτοι

ἀντικόψουσιν ἡμῖν οἱ πολλοὶ ἐπί τισι λέξεσιν

ἢ οὐκ ἀντικόψουσιν καὶ εἰ μὲν ἀντικόψουσιν

εὐθὺς καὶ διορθώσονται ἡμᾶς ὥστε παρὰ τῶν

ἐκ τοῦ βίου καθεστώτων ἀλλrsquo οὐχὶ παρὰ

γραμματικῶν ἔχειν τὸ ἑλληνίζειν

Pois nas conversas cotidianas ou muitos iratildeo se

opor a noacutes no uso de algumas expressotildees (lekseis)

ou natildeo haveraacute oposiccedilatildeo E se se opotildeem iratildeo ao

mesmo tempo nos corrigir de forma que falar

grego corretamente depende do que se aponta a

partir da liacutengua viva e natildeo da gramaacutetica

[192] εἰ δrsquo οὐ δυσχεραίνουσιν ἀλλrsquo ὡς σαφέσι

καὶ ὀρθῶς ἔχουσι συμπεριφέροιντο τοῖς

λεγομένοις καὶ ἡμεῖς αὐτοῖς ἐπιμενοῦμεν

κατά τε ταύτην τὴν ἀναλογίαν ἤτοι πάντες ἢ

οἱ πλεῖστοι ἢ οἱ πολλοὶ διαλέγονται οὔτε δὲ

πάντες οὔθrsquo οἱ πλεῖστοι οὔθrsquo οἱ πολλοί μόλις

γὰρ δύο ἢ τρεῖς τοιοῦτοι εὑρίσκονται οἱ δὲ

E se os outros natildeo se incomodam mas se mostram

familiarizados com o que estamos dizendo como

estando claro e correto tambeacutem noacutes iremos

perseverar neste uso E ou todos (pantes) falam

de acordo com a analogia ou a maior parte

(pleistoi) ou muitos (polloi) mas nem todos nem

a maior parte nem muitos porque dificilmente se

154

πλεῖστοι οὐδὲ ἴσασιν αὐτήν encontram duas ou trecircs pessoas que o fazem e a

maior parte sequer conhece a analogia

[193] τοίνυν ἐπεὶ τῇ τῶν πολλῶν συνηθείᾳ

καὶ οὐ τῇ τῶν δυοῖν ἀναγκαῖον

κατακολουθεῖν ῥητέον τὴν παρατήρησιν τῆς

κοινῆς συνηθείας χρησιμεύειν πρὸς τὸ

ἑλληνίζειν ἀλλὰ μὴ τὴν ἀναλογίαν ἐπὶ

πάντων γε μὴν σχεδὸν τῶν χρησιμευόντων τῷ

βίῳ μέτρον ἐστὶν ἱκανὸν τὸ μὴ

παραποδίζεσθαι πρὸς τὰς χρείας

Pois bem jaacute que eacute o uso de muitos e natildeo de duas

pessoas que eacute necessaacuterio seguir deve ser dito que

a observaccedilatildeo do uso comum eacute necessaacuteria para

falar grego corretamente mas natildeo a analogia E

de fato como em praticamente tudo na vida que eacute

uacutetil eacute criteacuterio (metron) suficiente natildeo complicar-

se para alcanccedilar as coisas necessaacuterias

[194] διόπερ εἰ καὶ ὁ ἑλληνισμὸς διὰ δύο

μάλιστα προηγούμενα ἔτυχεν ἀποδοχῆς τήν

τε σαφήνειαν καὶ τὴν προσήνειαν τῶν

δηλουμένων (τούτοις γὰρ ἔξωθεν κατrsquo

ἐπακολούθησιν συνέζευκται τὸ μεταφορικῶς

καὶ ἐμφατικῶς καὶ κατὰ τοὺς ἄλλους τρόπους

φράζειν) ζητήσομεν οὖν ἐκ ποτέρας ταῦτα

μᾶλλον περιγίνεται ἆρά γε τῆς κοινῆς

συνηθείας ἢ τῆς ἀναλογίας ἵνα ἐκείνῃ

προσθώμεθα

Assim se a correccedilatildeo recebeu aprovaccedilatildeo por causa

de duas razotildees principais clareza e conformidade

(proseneia) das expressotildees (ta deloumena) (pois

foi algo agregado de fora e acessoriamente o falar

(phrazein) metaforicamente enfaticamente ou de

acordo com outras figuras (tropoi))122 vamos

investigar entatildeo atraveacutes de qual das correccedilotildees se

alcanccedila mais provavelmente estas qualidades a

que segue o uso comum ou a analogia e com isso

vamos tomar seu partido

[195] βλέπομεν δέ γε ὡς ἐκ τῆς κοινῆς

συνηθείας μᾶλλον ἢ ὅτι ἐκ τῆς ἀναλογίας

ἐκείνῃ ἄρα ἀλλrsquo οὐ ταύτῃ χρηστέον τὸ μὲν

γὰρ τῆς ὀρθῆς πτώσεως ὁ Ζεύς οὔσης τὰς

πλαγίους προφέρεσθαι Ζηνός Ζηνί Ζῆνα καὶ

τῆς κύων κυνός κυνί κύνα ltοὐ μόνονgt σαφές

ἀλλὰ καὶ ἀπρόσκοπον τοῖς πολλοῖς εἶναι

φαίνεται τοῦτο δέ ἐστι τὸ τῆς κοινῆς

συνηθείας τὸ δὲ ἀπὸ τῆς Ζεύς ὀρθῆς Ζεός

λέγειν καὶ Ζεΐ καὶ Ζέα καὶ ἀπὸ τῆς κύων

σχηματίζειν κύωνος κύωνι κύωνα ἢ ἀπὸ τῆς

κυνός γενικῆς ἀξιοῦν τὴν ὀρθὴν κῦς

ὑπάρχειν καὶ ἐπὶ τῶν ῥηματικῶν φερήσω

Percebe-se no entanto que de fato mais vale o

uso comum que a analogia Logo deve-se usar

aquele mas natildeo esta Pois do nominativo Zeus

(lsquoZeusrsquo) formar os casos obliacutequos Zenos Zeni e

Zena e de kuon (lsquocatildeorsquo) formar kunos kuni e

kuna parece natildeo somente claro mas tambeacutem eacute

sem objeccedilotildees para muitos e isto eacute proacuteprio do uso

comum Mas de Zeus dizer Zeos Zeiuml e Zea e de

kuon dizer kuonos kuoni kuona ou a partir do

genitivo kunos considerar que o nominativo eacute kus

ou nas formas verbais dizer phereso e blepeso123

por analogia a kueso (lsquoengravidarrsquo) e theleso

(lsquoquererrsquo) natildeo somente natildeo eacute claro como tambeacutem

155

λέγειν καὶ βλεπήσω ὡς κυήσω καὶ θελήσω οὐ

μόνον ἀσαφὲς ἀλλὰ καὶ γέλωτος ἔτι δὲ

προσκοπῆς ἄξιον εἶναι δοκεῖ τοῦτο δὲ γίνεται

ἀπὸ ἀναλογίας

parece ser motivo de riso e mesmo de ofensa E

isto eacute o que resulta da analogia

[196] τοίνυν ὡς ἔφην οὐ ταύτῃ χρηστέον

ἀλλὰ τῇ συνηθείᾳ

Μήποτε δὲ καὶ περιτρέπονται καὶ ἐάν ltτεgt

θελήσωσιν ἐάν τε καὶ μή ἀναγκασθήσονται

χρῆσθαι μὲν τῇ συνηθείᾳ παραπέμπειν δὲ τὴν

ἀναλογίαν σκοπῶμεν δrsquo ἐντεῦθεν τὸ

λεγόμενον τουτέστιν ἐκ τῆς πρὸς αὐτοὺς

ἀκολουθίας

Portanto como disse natildeo eacute esta que se deve usar

mas o uso comum

E pode ser que acabem mesmo por refutar-se a

si mesmos pois querendo ou natildeo eacute obrigatoacuterio

seguir o uso e deixar de lado a analogia Vamos

entatildeo examinar o que eles dizem a partir disto

mesmo ou seja a partir da consequecircncia para eles

proacuteprios

[197] ζητουμένου γὰρ τοῦ πῶς δεῖ λέγειν

χρῆσθαι ἢ χρᾶσθαι φασὶν ὅτι χρᾶσθαι καὶ

ἀπαιτούμενοι τούτου τὴν πίστιν λέγουσιν ὅτι

χρῆσις καὶ κτῆσις ἀνάλογά ἐστιν ὡς οὖν

κτᾶσθαι μὲν λέγεται κτῆσθαι δὲ οὐ λέγεται

οὕτω καὶ χρᾶσθαι μὲν ῥηθήσεται χρῆσθαι δὲ

οὐ πάντως

Pois perguntados se se deve dizer khrestai ou

khrasthai (lsquoservir-se dersquo) diratildeo que eacute khrasthai e

quando se pede uma prova disso dizem que

khresis (lsquousorsquo) e ktesis (lsquoaquisiccedilatildeorsquo) satildeo anaacutelogos

Portanto jaacute que se diz ktasthai (lsquoadquirirrsquo) mas

natildeo ktesthai assim tambeacutem deveremos dizer

khrasthai e de forma alguma khresthai

[198] ἀλλrsquo εἰ ἐπακολουθῶν τις αὐτοῖς πύθοιτο

lsquoαὐτὸ δὲ τοῦτο τὸ κτᾶσθαι ὅτι ὀρθῶς εἴρηται

ἀφrsquo οὗ καὶ τὸ χρᾶσθαι ἀποδείκνυμεν πόθεν

ἴσμενrsquo φήσουσιν ὅτι ἐν τῇ συνηθείᾳ λέγεται

τοῦτο δὲ λέγοντες δώσουσι τὸ τῇ συνηθείᾳ

δεῖν ὡς κριτηρίῳ προσέχειν ἀλλὰ μὴ τῇ

ἀναλογίᾳ

Mas se continuamos a investigar e perguntamos

lsquocomo sabemos que a forma ktasthai a partir da

qual indicamos krasthai estaacute corretarsquo -

respondem que eacute porque eacute de uso comum E ao

dizer isto confirmam que eacute preciso se ater ao uso

como criteacuterio e natildeo agrave analogia

[199] εἰ γὰρ ὅτι ἐν τῇ συνηθείᾳ λέγεται

κτᾶσθαι ῥητέον καὶ χρᾶσθαι ὀφείλομεν

παρέντες τὴν ἀναλογικὴν τέχνην ἐπὶ τὴν

συνήθειαν ἀναδραμεῖν ἀφrsquo ἧς κἀκείνη

ἤρτηται

Καὶ μὴν ἡ ἀναλογία ὁμοίων πολλῶν

ὀνομάτων ἐστὶ παράθεσις τὰ δὲ ὀνόματα

Pois se se deve dizer khrasthai porque no uso

comum se diz ktasthai entatildeo vamos ter que

deixar de lado a arte da analogia e retomar o uso

comum do qual tambeacutem ela depende

De fato a analogia eacute a comparaccedilatildeo de muitas

palavras (onomata) similares e estas palavras satildeo

tiradas do uso Portanto tambeacutem a consistecircncia da

156

ταῦτα ἐκ τῆς συνηθείας ὥστε καὶ ἡ σύστασις

τῆς ἀναλογίας ἀπὸ τῆς συνηθείας πρόεισιν

analogia procede do uso

[200] τούτου δὲ οὕτως ἔχοντος ἐρωτητέον

τρόπῳ τῷδε ἤτοι ἐγκρίνετε τὴν συνήθειαν ὡς

πιστὴν πρὸς διάγνωσιν ἑλληνισμοῦ ἢ

ἐκβάλλετε εἰ μὲν ἐγκρίνετε αὐτόθεν

συνῆκται τὸ προκείμενον καὶ οὐ χρεία τῆς

ἀναλογίας εἰ δὲ ἐκβάλλετε ἐπεὶ καὶ ἡ

ἀναλογία ἐκ ταύτης συνίσταται ἐκβάλλετε

καὶ τὴν ἀναλογίαν καὶ πάλιν ἄτοπον τὸ αὐτὸ

καὶ ὡς πιστὸν προσίεσθαι καὶ ὡς ἄπιστον

παραιτεῖσθαι

Pois bem jaacute que estas coisas satildeo desta forma

devemos confrontaacute-los com o seguinte ou vocecircs

aceitam o uso como confiaacutevel para a distinccedilatildeo do

grego correto ou o rejeitam Se o admitem a

presente questatildeo resolve-se por si mesma e natildeo haacute

necessidade da analogia Se o rejeitam jaacute que a

analogia se baseia propriamente nele rejeitam

tambeacutem a analogia E de novo eacute absurdo aceitar

uma mesma coisa como confiaacutevel e rechaccedilaacute-la

como natildeo confiaacutevel

[201] οἱ δὲ γραμματικοὶ θέλοντες τὴν

συνήθειαν ὡς ἄπιστον ἐκβάλλειν καὶ πάλιν

ταύτην ὡς πιστὴν παραλαμβάνειν τὸ αὐτὸ

πιστὸν ἅμα καὶ ἄπιστον ποιήσουσιν ἵνα γὰρ

δείξωσιν ὅτι οὐ διαλεκτέον κατὰ τὴν

συνήθειαν εἰσάγουσι τὴν ἀναλογίαν ἡ δὲ

ἀναλογία οὐκ ἰσχυροποιεῖται εἰ μὴ συνήθειαν

ἔχοι τὴν βεβαιοῦσαν

Poreacutem os gramaacuteticos porque querem rejeitar o

uso como natildeo confiaacutevel e ainda assim admitir

este mesmo uso como confiaacutevel acabam por fazer

com que uma mesma coisa seja confiaacutevel e natildeo-

confiaacutevel ao mesmo tempo O fato eacute que

introduzem a analogia para mostrar que natildeo se

deve falar segundo o uso mas a analogia natildeo tem

validade se natildeo tiver a confirmaccedilatildeo do uso

comum

[202] τῇ ἄρα συνηθείᾳ ἐκβάλλοντες τὴν

συνήθειαν τὸ αὐτὸ πιστὸν ἅμα καὶ ἄπιστον

ποιήσουσιν ἐκτὸς εἰ μή τι φήσουσι μὴ τὴν

αὐτὴν συνήθειαν ἐκβάλλειν ἅμα καὶ

προσίεσθαι ἀλλrsquo ἄλλην μὲν ἐκβάλλειν ἄλλην

δὲ προσίεσθαι ὅπερ καὶ λέγουσιν οἱ ἀπὸ

Πινδαρίωνος ἀναλογία φασίν

ὁμολογουμένως ἐκ τῆς συνηθείας ὁρμᾶται

ἔστι γὰρ ὁμοίου τε καὶ ἀνομοίου θεωρία

Logo ao rejeitarem o uso atraveacutes do uso acabam

por fazer com que seja confiaacutevel e natildeo-confiaacutevel

ao mesmo tempo A menos que digam isto natildeo

para rejeitar o uso comum ao mesmo tempo que o

admitem mas porque rejeitam um tipo e admitem

outro Isso eacute o que dizem os disciacutepulos de

Pindaacuterio ldquoTodos concordamrdquo ndash dizem eles ndash ldquoque

a analogia proveacutem do uso pois eacute uma teoria

(theoria) acerca do que eacute similar e do que eacute

diferente

[203] τὸ δὲ ὅμοιον καὶ ἀνόμοιον ἐκ τῆς

δεδοκιμασμένης λαμβάνεται συνηθείας

e similar e diferente satildeo ambos tomados do uso

consagrado e o que eacute consagrado e tambeacutem o

157

δεδοκιμασμένη δὲ καὶ ἀρχαιοτάτη ἐστὶν ἡ

Ὁμήρου ποίησις ποίημα γὰρ οὐδὲν

πρεσβύτερον ἧκεν εἰς ἡμᾶς τῆς ἐκείνου

ποιήσεως διαλεξόμεθα ἄρα τῇ Ὁμήρου

κατακολουθοῦντες συνηθείᾳ

mais antigo eacute a poesia homeacuterica Nenhum poema

mais antigo que a poesia de Homero chegou ateacute

noacutesrdquo vamos entatildeo conversar seguindo o uso de

Homero124

[204] ἀλλὰ πρῶτον μὲν οὐχ ὑπὸ πάντων

ὁμολογεῖται ποιητὴς ἀρχαιότατος εἶναι

Ὅμηρος ἔνιοι γὰρ Ἡσίοδον προήκειν τοῖς

χρόνοις λέγουσιν Λίνον τε καὶ Ὀρφέα καὶ

Μουσαῖον καὶ ἄλλους παμπληθεῖς οὐ μὴν

ἀλλὰ καὶ πιθανόν ἐστι γεγονέναι μέν τινας

πρὸ αὐτοῦ καὶ κατrsquo αὐτὸν ποιητάς ἐπεὶ καὶ

αὐτός πού φησι

τὴν γὰρ ἀοιδὴν μᾶλλον ἐπικλείουσrsquo

ἄνθρωποι

ἥτις ἀκουόντεσσι νεωτάτη ἀμφιπέληται

τούτους δὲ ὑπὸ τῆς περὶ αὐτὸν λαμπρότητος

ἐπεσκοτῆσθαι

Mas o fato eacute que primeiro nem todos estatildeo de

acordo sobre Homero ser o poeta mais antigo

alguns dizem que Hesiacuteodo eacute anterior tambeacutem

Lino e Orfeu e muitiacutessimos outros Na verdade eacute

sim plausiacutevel que houvesse poetas antes dele ou

contemporacircneos jaacute que ele mesmo diz em algum

lugar

lsquopois entre o povo recebem mais altos louvores os

cantos

que para o ouvinte mais novos lhe soamrsquo

[Odisseia I 351-2 Trad Carlos Alberto Nunes]

Mas o brilho de Homero deixou esses poetas na

obscuridade

[205] καὶ εἰ ἀρχαιότατος δὲ ὁμολογοῖτο

τυγχάνειν Ὅμηρος οὐδὲν εἴρηται ὑπὸ τοῦ

Πινδαρίωνος ἱκνούμενον ὥσπερ γὰρ

προηποροῦμεν περὶ τοῦ πότερόν ποτε44 τῇ

συνηθείᾳ ἢ τῇ ἀναλογίᾳ χρηστέον οὕτω καὶ

νῦν διαπορήσομεν πότερον τῇ συνηθείᾳ ἢ τῇ

ἀναλογίᾳ καὶ εἰ τῇ συνηθείᾳ ἆρα τῇ καθrsquo

Ὅμηρον ἢ τῇ τῶν ἄλλων ἀνθρώπων πρὸς

ὅπερ οὐδὲν εἴρηται

E mesmo que se concorde ser Homero o mais

antigo ainda assim nada razoaacutevel foi dito por

Pindaacuterio Pois assim como estaacutevamos em duacutevida

antes sobre ser preciso seguir o uso ou a analogia

agora tambeacutem iremos questionar se eacute o uso ou a

analogia e se for o uso se eacute conforme Homero ou

conforme o resto das pessoas ndash sobre isso

Pindaacuterio nada disse

[206] εἶτα κἀκείνην μάλιστα δεῖ τὴν

συνήθειαν μεταδιώκειν ᾗ προσχρώμενοι οὐ

γελασθησόμεθα τῇ δὲ Ὁμηρικῇ

κατακολουθοῦντες οὐ χωρὶς γέλωτος

ἑλληνιοῦμεν μάρτυροι λέγοντες καὶ lsquoσπάρτα

E em segundo lugar eacute preciso sobretudo seguir

o uso que natildeo nos torne motivo de risada Mas se

focircssemos seguir o uso homeacuterico estariacuteamos

usando um tal grego que cairiam na risada quando

nos saiacutessemos com coisas como marturoi

44 Blank ad loc Por πότερόν τε

158

λέλυνταιrsquo καὶ ἄλλα τούτων ἀτοπώτερα τοίνυν

οὐδrsquo οὗτός ἐστιν ὁ λόγος ὑγιής μετὰ καὶ τοῦ

συγκεχωρῆσθαι τὸ κατασκευαζόμενον ὑφrsquo

ἡμῶν τουτέστι τὸ μὴ χρῆσθαι ἀναλογίᾳ

(lsquotestemunhasrsquo) e sparta leluntai (lsquoas cordas estatildeo

soltasrsquo) ou outras ainda mais estranhas Logo

tampouco este argumento eacute apropriado aleacutem de

que confirma a proposiccedilatildeo que estaacutevamos

tentando estabelecer ou seja de que natildeo haacute por

que servir-se da analogia

[207] τί γὰρ διήνεγκεν εἴτrsquo ἐπὶ τὴν τῶν

πολλῶν εἴτrsquo ἐπὶ τὴν Ὁμήρου συνήθειαν

ἐλθεῖν ὡς γὰρ ἐπὶ τῆς τῶν πολλῶν τηρήσεώς

ἐστι χρεία ἀλλrsquo οὐ τεχνικῆς ἀναλογίας οὕτω

καὶ ἐπὶ τῆς Ὁμήρου τηρήσαντες γὰρ αὐτοὶ

πῶς εἴωθε λέγειν οὕτω καὶ διαλεξόμεθα

Pois qual a diferenccedila entre seguir o uso da maioria

e o uso de Homero Para seguir o uso da maioria eacute

necessaacuterio observaccedilatildeo e natildeo analogia teacutecnica e eacute

a mesma coisa quando se trata do uso de Homero

Pois iriacuteamos moldar nossa fala a partir da

observaccedilatildeo de seu modo usual de se expressar

[208] τὸ δὲ ὅλον ὡς αὐτὸς Ὅμηρος οὐκ

ἀναλογίᾳ προσεχρήσατο ἀλλὰ τῇ τῶν κατrsquo

αὐτὸν ἀνθρώπων συνηθείᾳ κατηκολούθησεν

οὕτω καὶ ἡμεῖς οὐκ ἀναλογίαltιgt πάντως

ltπροσgtἑξόμεν βεβαιωτὴν ἐχούσηι45 Ὅμηρον

ἀλλὰ τὴν συνήθειαν τῶν καθrsquo αὑτοὺς

ἀνθρώπων παραπλασόμεθα

Em suma assim como o proacuteprio Homero natildeo

utiliza analogia mas segue o uso comum das

pessoas de seu tempo tambeacutem noacutes natildeo iremos

prestar atenccedilatildeo agrave analogia nunca embora tenha

Homero como suporte mas nos moldaremos

(paraplasso) ao uso dos homens de nosso tempo

[209] Ἄρτι μὲν οὖν ἐκ τῆς πρὸς τοὺς

γραμματικοὺς ἀκολουθίας συνῆκται τὸ

παρέλκειν μὲν τὴν ἀναλογίαν πρὸς

ἑλληνισμόν εὐχρηστεῖν δὲ τὴν τῆς συνηθείας

παρατήρησιν δῆλον δὲ ἴσως ἔσται ltκαὶgt46 ἐκ

τῶν ῥητῶν

Assim acabamos de concluir a partir das

consequecircncias de seus argumentos que para falar

grego corretamente a analogia eacute dispensaacutevel e a

observaccedilatildeo do uso comum eacute que eacute bastante uacutetil

Provavelmente isso tambeacutem ficaraacute evidente a

partir do que afirmam

[210] ὁριζόμενοι γὰρ τόν τε βαρβαρισμὸν καὶ

τὸν σολοικισμόν φασι lsquoβαρβαρισμός ἐστι

παράπτωσις ἐν ἁπλῇ λέξει παρὰ τὴν κοινὴν

συνήθειανrsquo καὶ lsquoσολοικισμός ἐστι

παράπτωσις ἀσυνήθης κατὰ τὴν ὅλην

σύνταξιν καὶ ἀνακόλουθοςrsquo

Pois quando definem barbarismo e solecismo

afirmam que lsquobarbarismo eacute o desvio (paraptosis)

do uso comum em uma palavra apenasrsquo e

lsquosolecismo eacute o desvio do uso e da coerecircncia em

toda a construccedilatildeo (suntaksis)rsquo

[211] πρὸς ἃ δυνάμεθα λέγειν εὐθύς ἀλλrsquo εἰ ὁ Contra isto podemos logo dizer mas se o

45 Blank ad loc com Blomqvist p 79 ss Por lsquoοὐκ ἀναλογίας πάντως ἑξόμεθα βεβαιωτὴν ἐχούσηltςgtrsquo 46 Blank ad loc com Bekker

159

μὲν βαρβαρισμός ἐστιν ἐν ἁπλῇ λέξει ὁ δὲ

σολοικισμὸς ἐν συνθέσει λέξεων δέδεικται δὲ

ἔμπροσθεν ὡς οὔτε ἁπλῆ ἔστι λέξις τις οὔτε

σύνθεσις λέξεων οὐδέν ἐστι βαρβαρισμὸς ἢ

σολοικισμός

barbarismo ocorre em uma palavra apenas e o

solecismo na combinaccedilatildeo (suntaksis) das palavras

e como ficou demonstrado acima natildeo existe nem

palavra sozinha tampouco a combinaccedilatildeo delas

barbarismo e solecismo natildeo satildeo nada

[212] πάλιν εἰ ἐν λέξει μιᾷ ὁ βαρβαρισμὸς

νοεῖται καὶ ἐν συνθέσει λέξεων ὁ

σολοικισμός ἀλλrsquo οὐκ ἐν τοῖς ὑποκειμένοις

πράγμασι πῶς ἥμαρτον εἰπὼν lsquoοὗτοςrsquo

δείκνυμι δὲ γυναῖκα ἢ lsquoαὕτηrsquo δείκνυμι δὲ

νεανίαν οὔτε γὰρ ἐσολοίκισα οὐ γὰρ

σύνθεσιν πολλῶν ἀκαταλλήλων λέξεων

προηνεγκάμην ἀλλrsquo ἁπλῆν τὴν οὗτος λέξιν ἢ

αὕτη

Ainda se se concebe o barbarismo em uma uacutenica

palavra e o solecismo na combinaccedilatildeo das

palavras mas natildeo em relaccedilatildeo agraves coisas

subjacentes (ta hupokeimena pragmata) entatildeo

que erro haveria em dizer lsquoelersquo indicando uma

mulher ou lsquoelarsquo quando indico um jovem Pois

natildeo cometi solecismo jaacute que natildeo foi pronunciada

uma combinaccedilatildeo incoerente de muitas palavras

mas tatildeo somente a palavra lsquoelersquo ou lsquoelarsquo

[213] οὔτrsquo ἐβαρβάρισα οὐδὲν γὰρ ἀσύνηθες

εἶχεν ἡ οὗτος λέξις ὡς ἡ παρὰ τοῖς

Ἀλεξανδρεῦσιν lsquoἐλήλυθανrsquo καὶ lsquoἀπελήλυθανrsquo

Πλὴν τοιαῦτα μὲν πολλὰ πρὸς τοὺς

γραμματικοὺς ἐνδέχεται λέγειν

E tampouco cometi um barbarismo pois a palavra

lsquoelersquo natildeo desvia do uso como ocorre com as

formas eleluthan (rsquoforamrsquo) e apeleluthan

(rsquoafastaram-sersquo)125 que satildeo usadas pelos

alexandrinos

Seria possiacutevel apontar contra os gramaacuteticos

ainda muitos outros argumentos como esses

[214] ἵνα δὲ μὴ δοκῶμεν ἐν πᾶσιν ἀπορητικοὶ

τυγχάνειν ἐπὶ τὴν ἐξ ἀρχῆς πρόθεσιν

ἀναδραμόντες φήσομεν ὡς εἴπερ ὁ

βαρβαρισμὸς παράπτωσίς ἐστι παρὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν ἐν μιᾷ λέξει θεωρούμενος

ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ σολοικισμὸς ἐν πολλαῖς

λέξεσι τὴν ὑπόστασιν λαμβάνων καὶ ἔστι

βάρβαρον μὲν τὸ dagger τράπεζα διὰ τὸ μὴ

σύνηθες εἶναι τὸ ῥῆμα σόλοικον δὲ τὸ lsquoπολλὰ

περιπατήσας κοπιᾷ μου τὰ σκέληrsquo διὰ τὸ μὴ

λέγεσθαι τῇ κοινῇ συνηθείᾳ ὡμολόγηται ὅτι

ἡ μὲν ἀναλογικὴ τέχνη ὄνομα κενόν ἐστι πρὸς

No entanto para natildeo parecer que somos em tudo

aporeacuteticos voltaremos agrave proposta do princiacutepio e

diremos que se o barbarismo eacute um desvio do uso

comum observaacutevel em uma soacute palavra bem como

solecismo eacute o que se diz subsistir em muitas

palavras e eacute barbarismo dizer trapeza126 porque

natildeo se usa este verbo (rema) e eacute solecismo o polla

peripatesas kopiai mou ta skele (lsquotendo andado

muito minhas pernas doemrsquo)127 porque natildeo se diz

no uso comum entatildeo daacute-se por consentido que

lsquoarte da analogiarsquo eacute um nome vazio e que para

natildeo cometermos barbarismos ou solecismos eacute

160

τὸ μὴ βαρβαρίζειν ἢ σολοικίζειν δεῖ δὲ τὴν

συνήθειαν παρατηρεῖν καὶ ἀκολούθως αὐτῇ

διαλέγεσθαι

preciso observar e adequar-se no falar ao uso

comum

[215] εἰ μὲν γὰρ μετακαθίσαντες λέγοιεν

βαρβαρισμὸν ἁπλῶς παράπτωσιν ἐν ἁπλῇ

λέξει δίχα τοῦ προσθεῖναι τὸ παρὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν καὶ σολοικισμὸν

παράπτωσιν κατὰ τὴν ὅλην σύνταξιν καὶ

ἀνακόλουθον χωρὶς τοῦ παραλαβεῖν τὸ

ἀσύνηθες καὶ χεῖρόν τι κινήσουσιν ἑαυτοῖς

πρᾶγμα τὰ γὰρ τοιαῦτα καθrsquo ὅλην τὴν

σύνταξιν ltἀνgtακολουθοῦντα ἕξουσιν

lsquoἈθῆναι καλὴ πόλις Ὀρέστης καλὴ

τραγῳδία ἡ βουλὴ οἱ ἑξακόσιοιrsquo ἃ δεήσει

σολοικισμοὺς λέγειν οὐχὶ δέ γε σολοικισμοὶ

τυγχάνουσι διὰ τὸ σύνηθες

Se mudassem de estrateacutegia e dissessem que o

barbarismo eacute simplesmente lsquoo desvio em uma

palavra apenasrsquo sem acrescentar que eacute lsquocontra o

uso comumrsquorsquo e solecismo lsquoo desvio da coerecircncia

em toda a construccedilatildeorsquo mas sem mencionar que eacute

um lsquodesvio do usorsquo estariam numa posiccedilatildeo ainda

pior Pois as seguintes frases contecircm desvios em

sua construccedilatildeo lsquoAtenas [pl] eacute uma cidade bonita

[sg]rsquo lsquoOrestes [masc] eacute uma bela trageacutedia

[fem]rsquo lsquoOs 600 [masc pl] eacute a assembleacuteia [fem

sg] da cidadersquo e seraacute preciso afirmar que satildeo

solecismos quando na verdade natildeo satildeo porque

satildeo usuais

[216] οὐκ ἄρα ψιλῇ τῇ ἀκολουθίᾳ κριτέον τὸν

σολοικισμόν ἀλλὰ τῇ συνηθείᾳ

Εὖ δrsquo ἂν ἔχοι καὶ μετὰ τὴν ἐκ τῆς ltπρὸς

αὐτοὺςgt ἀκολουθίας καὶ τῶν ῥητῶν ἔνστασιν

ἔτι καὶ ἀπὸ τῆς κατὰ τὸ ὅμοιον μεταβάσεως

αὐτοὺς δυσωπεῖν

Portanto natildeo se julga o solecismo apenas pela

coerecircncia mas pelo uso

Depois da objeccedilatildeo com base nas consequecircncias

de seus argumentos contra si mesmos e em suas

proacuteprias afirmaccedilotildees seria interessante tambeacutem

constrangecirc-los usando o argumento da transiccedilatildeo

por similaridade (kata to homoion metabasis)

[217] εἴπερ γὰρ τοῦ ὁμοίου θεωρητικοὶ

καθεστήκασιν ἐπεὶ τῷ εἰς ἀντικνήμιον

τύπτεσθαι ἀνάλογόν ἐστι τὸ εἰς τὴν ῥῖνα

τύπτεσθαι καὶ τὸ εἰς τὴν γαστέρα λέγεται δὲ

τὸ πρῶτον ἀντικνημιάζειν ἀναλόγως καὶ τὸ

γαστρίζειν ἢ μυκτηρίζειν ltgt τὸ δὲ αὐτὸ

καὶ ἐπὶ τοῦ ἱππάζεσθαι καὶ κατακρημνίζεσθαι

καὶ ἡλιάζεσθαι ὑποδεικτέον οὐ λέγομεν δὲ

ταῦτα διὰ τὸ παρὰ τὴν κοινὴν εἶναι

Porque se de fato eles se posicionaram como

teoacutericos da analogia levar um chute na canela

(antiknemios) eacute anaacutelogo a levar um chute no nariz

(rina) ou no estocircmago (gaster) e como o primeiro

eacute dito antiknemiaacutezein (canelar) por analogia

seriam gastrizein (barrigar) e mukterizein

(narigar) O mesmo daacute-se com hippazesthai

(lsquocavalgarrsquo) e katakremnizesthai (lsquoatirar-se de um

precipiacuteciorsquo) e heliazesthai (lsquoaquecer-se ao solrsquo)

161

συνήθειαν τοίνυν οὐδὲ τὸ κltλgtυήσω47

οὐδὲ τὸ φερήσω καὶ τὰ ἄλλα πάντα ἅπερ

ltκατrsquogt ἀναλογίαν ἐστὶν ὀφειλόμενα

λέγεσθαι διὰ τὸ μὴ κατὰ τὴν συνήθειαν

λέγεσθαι

Mas natildeo falamos deste jeito porque seria contra o

uso comum Da mesma forma nem lueso nem

fereso128 e todas as outras que se adequam agrave

analogia natildeo satildeo ditas devidamente porque natildeo

satildeo ditas de acordo com o uso comum

[218] οὐ μὴν ἀλλrsquo εἴπερ ἄριστα μὲν θρᾳκιστὶ

διαλέγεσθαί φαμεν τὸν ὡς σύνηθές ἐστι

Θρᾳξὶ διαλεγόμενον καὶ κάλλιστα ῥωμαϊστὶ

τὸν ὡς σύνηθες Ῥωμαίοις ἀκολουθήσει καὶ

τὸ ἑλληνιστὶ ὑγιῶς διαλέγεσθαι τὸν ὡς

σύνηθες Ἕλλησι διαλεγόμενον ἐὰν τῇ

συνηθείᾳ ἀλλὰ μὴ τῇ διατάξει

κατακολουθῶμεν τῇ ἄρα συνηθείᾳ οὐ τῇ

ἀναλογίᾳ κατακολουθοῦντες ἑλληνιοῦμεν

Na verdade se afirmamos que fala traacutecio muito

bem aquele que fala conforme eacute usual entre os

traacutecios e que fala o mais belo latim quem se

expressa como eacute habitual entre os romanos

consequentemente fala grego com propriedade

aquele que fala como eacute usual entre os gregos se

seguirmos o uso portanto e natildeo a regra Assim

sendo por seguirmos o uso e natildeo a analogia eacute

que falamos grego corretamente

[219] καθόλου τε ἤτοι σύμφωνός ἐστι τῇ

συνηθείᾳ ἡ ἀναλογία ἢ διάφωνος καὶ εἰ μὲν

σύμφωνος πρῶτον μὲν ὡς ἐκείνη οὐκ ἔστι

τεχνική οὕτως οὐδὲ αὕτη γενήσεται τέχνη τὸ

γὰρ ἀτεχνίᾳ συμφωνοῦν πάντως καὶ αὐτό

ἐστιν ἄτεχνον καὶ ἄλλως ltεἰgt τὸ κατrsquo

ἐκείνην ἑλληνικὸν καὶ κατὰ ταύτην ἐκείνῃ

συμφωνοῦσαν γενήσεται ἑλληνικόν καὶ τὸ

κατrsquo ἐκείνην ἔσται τοιοῦτον

E em geral a analogia ou concorda com o uso ou

discorda dele E se concorda em primeiro lugar

visto que o uso natildeo eacute algo teacutecnico tampouco a

analogia viria a ser uma arte pois o que concorda

com o natildeo teacutecnico seraacute ele mesmo sempre natildeo

teacutecnico E em segundo lugar se o que eacute grego

correto conforme o uso comum eacute correto

conforme a analogia jaacute que ela concorda com o

uso entatildeo o que estaacute de acordo com o uso seraacute

correto

[220] τούτου δrsquo οὕτως ἔχοντος οὐ δεησόμεθα

τῆς ἀναλογίας πρὸς διάγνωσιν τοῦ

ἑλληνισμοῦ ἔχοντες εἰς τοῦτο τὴν συνήθειαν

εἰ δὲ διάφωνός ἐστιν αὕτη πάντως ἑτέραν

εἰσηγουμένη συνήθειαν παρrsquo ἐκείνην καὶ

οἱονεὶ βάρβαρον ἀδόκιμος γενήσεται καὶ ὡς

προσκοπὴν ἐμποιοῦσα τελέως ἄχρηστος

E jaacute que as coisas satildeo assim natildeo haveraacute

necessidade de recorrer agrave analogia para avaliar a

correccedilatildeo temos para isso o uso E se a analogia

discorda do uso introduzindo um uso totalmente

diferente ndash como um barbarismo por assim dizer

ndash cairaacute em descreacutedito e geradora de obstaacuteculo

torna-se completamente inuacutetil

47 κυήσω (kueso) seria uma forma correta e foi mesmo usada como paradigma no sect 195 por isto costuma-se modificaacute-la na traduccedilatildeo optamos por proceder agrave modificaccedilatildeo do texto base tambeacutem

162

[221] Ἐπιχειρητέον δὲ καὶ ἀπὸ τῆς

συστάσεως τῆς τέχνης αὐτῶν θέλουσι μὲν

γὰρ καθολικά τινα θεωρήματα συστησάμενοι

ἀπὸ τούτων πάντα τὰ κατὰ μέρος κρίνειν

ὀνόματα εἴτε ἑλληνικά ἐστιν εἴτε καὶ μή οὐ

δύνανται δὲ [καὶ] τοῦτο ποιεῖν διὰ τὸ μήτε τὸ

καθολικὸν αὐτοῖς συγχωρεῖσθαι ὅτι

καθολικόν ἐστι μήτrsquo ἄλλως ἀναπτυσσόμενον

τοῦτο τὴν τοῦ καθολικοῦ σώζειν φύσιν

Devemos argumentar tambeacutem com base na

consistecircncia de sua arte Pois tendo reunido

alguns teoremas universais pretendem usaacute-los

para julgar se cada palavra em particular estaacute

correta ou natildeo E natildeo podem fazer isto porque sua

regra universal (to katholikon) natildeo foi aceita como

tal e tampouco preservaria uma natureza universal

se aplicada diferentemente

[222] λαμβανέσθω δὲ εἰς τοῦτο παραδείγματα

ἀπrsquo αὐτῶν τῶν γραμματικῶν ζητήσεως γὰρ

οὔσης ἐπί τινος τῶν κατὰ μέρος ὀνομάτων

οἷον ἐπὶ τοῦ εὐμενής πότερον χωρὶς τοῦ σ

προενεκτέον ἐστὶ τὴν πλάγιον πτῶσιν

εὐμενοῦ λέγοντας ἢ σὺν τῷ σ εὐμενοῦς

πάρεισιν οἱ γραμματικοὶ καθολικόν τι

προφερόμενοι καὶ ἀπὸ τούτου τὸ ζητούμενον

βεβαιοῦντες φασὶ γὰρ lsquoπᾶν ὄνομα ltοὐχgt48

ἁπλοῦν εἰς ης λῆγον ὀξύτονον τουτὶ ἐξ

ἀνάγκης σὺν τῷ σ κατὰ τὴν γενικὴν

ἐξενεχθήσεται οἷον εὐφυής εὐφυοῦς εὐσεβής

εὐσεβοῦς εὐκλεής εὐκλεοῦς τοίνυν καὶ τὸ

εὐμενής ὀξυτόνως ἐκφερόμενον παραπλησίως

τούτοις διὰ τοῦ σ ἐπὶ τῆς γενικῆς

προενεκτέον εὐμενοῦς λέγονταςrsquo

Tomemos com relaccedilatildeo a isso alguns exemplos

dos proacuteprios gramaacuteticos Supondo que haacute uma

questatildeo acerca de uma palavra em particular por

exemplo sobre se eumenes (lsquofavoraacutevelrsquo)

pronuncia-se no caso obliacutequo sem o -ς sigma

eumenou ou com o -ς sigma eumenous minus os

gramaacuteticos aparecem proclamando uma regra

universal com a qual pretendem dar por encerrada

a questatildeo Afirmam eles que lsquotodo nome natildeo-

simples que termina em -ης eta sigma e eacute oxiacutetono

seraacute necessariamente pronunciado no genitivo

com -ς sigma por exemplo euphues (lsquograciosorsquo)

euphuous eusebes (lsquopiorsquo) eusebous euklees

(lsquofamosorsquo) eukleous Por isso jaacute que tambeacutem

eumenes eacute acentuado na uacuteltima siacutelaba como os

outros a exemplo destes deveraacute ser pronunciado

com o -ς sigma eumenousrsquo

[223] οὐκ ᾔδεσαν δὲ οἱ θαυμάσιοι πρῶτον μὲν

ὅτι ὁ εὐμενοῦ ἀξιῶν λέγειν οὐ δώσει αὐτοῖς

καθολικὸν εἶναι τὸ παράπηγμα τοῦτο γοῦν

αὐτὸ τὸ εὐμενής ltοὐχgt49 ἁπλοῦν ὄνομα

καθεστὼς καὶ ὀξύτονον οὐ φήσει σὺν τῷ σ

ἐκφέρεσθαι ἀλλὰ ἐκείνους τὸ ζητούμενον ὡς

Contudo natildeo perceberam esses homens

admiraacuteveis que em primeiro lugar o que julga

adequado dizer eumenou natildeo concede

universalidade a sua regra eumenes ao menos

diraacute ele mesmo sendo um nome natildeo-simples e

oxiacutetono natildeo se pronuncia com o -ς sigma No

48 Blank ad loc 49 Blank ad loc

163

ὁμολογούμενον συναρπάζειν entanto os gramaacuteticos se apressam em dar por

resolvido o que se estaacute questionando

[224] ἄλλως τε εἰ καθολικόν ἐστι τὸ

παράπηγμα ἤτοι πάντα τὰ κατὰ μέρος

ὀνόματα ἐπελθόντες καὶ τὴν ἐν αὐτοῖς

ἀναλογίαν κατανοήσαντες συνέθεσαν αὐτό ἢ

οὐ πάντα ἀλλὰ πάντα μὲν οὐκ ἐπεληλύθασιν

ἄπειρα γάρ ἐστι τῶν δὲ ἀπείρων οὐκ ἔστι τις

γνῶσις εἰ δὲ τινά πόθεν ὅτι πᾶν ὄνομα

τοιοῦτόν ἐστιν οὐ γὰρ ὅ τί τισι συμβέβηκεν

ὀνόμασι τοῦτο καὶ πᾶσιν

E em segundo lugar se a regra eacute universal teraacute

sido proposta apoacutes percorrerem todas as palavras

em particular e perceberem a analogia entre todas

elas ou foi proposta sem que tenham percorrido

todas as palavras Poreacutem natildeo haveriam de ter

pecorrido todas as palavras pois satildeo infinitas e

natildeo haacute conhecimento do infinito E se

percorreram somente algumas delas como

poderiam saber que todo nome eacute do modo como

dizem Pois natildeo eacute verdade que o atributo de

alguns nomes seja atributo de todos

[225] ἀλλrsquo εἰσί τινες οἱ γελοίως πρὸς τοῦτο

ἀπαντῶντες καὶ λέγοντες ὅτι ἐκ πλειόνων ἐστὶ

τὸ καθολικὸν παράπηγμα οὐχ ἑώρων γὰρ ὅτι

πρῶτον μὲν ἄλλο τί ἐστι τὸ καθολικὸν καὶ

ἄλλο τὸ ὡς ἐπὶ τὸ πολύ καὶ τὸ μὲν καθολικὸν

οὐδέποτε ἡμᾶς διαψεύδεται τὸ δrsquo ὡς 50 τὸ

πολὺ κατὰ τὸ σπάνιον

Mas haacute os que se opotildeem a isso de maneira

ridiacutecula argumentando que uma regra universal eacute

estabelecida a partir da maioria dos casos Natildeo

teriam enxergado que em primeiro lugar uma

coisa eacute o universal e outra completamente

diferente a lsquogrande partersquo dos casos o universal

jamais se revela falso mas o que vale para a

lsquogrande partersquo eventualmente sim

[226] εἶθrsquo ὅτι καὶ εἰ ἐκ πολλῶν ἐστι τὸ

καθολικόν οὐ πάντως τὸ τοῖς πολλοῖς

ὀνόμασι συμβεβηκός τοῦτο ἐξ ἀνάγκης καὶ

πᾶσι τοῖς ὁμοειδέσι συμβέβηκεν ἀλλrsquo ὃν

τρόπον ἐν πολλοῖς καὶ ἄλλοις φέρει τινὰ κατὰ

μονοείδειαν ἡ φύσις οἷον ἐν ὄφεσι μὲν

ἀπείροις οὖσι τὸν κεράστην κερασφόρον ἐν

τετράποσι δὲ τὸν ἐλέφαντα προβοσκίδι

κεχρημένον ἐν ἰχθύσι δὲ τὸν γαλεὸν

ζωοτόκον ἐν λίθοις δὲ τὸν μάγνητα

σιδηραγωγόν οὕτως εὔλογόν ἐστι καὶ ἐν

E em segundo lugar mesmo que o universal

proceda de muitos casos aquilo que eacute atributo de

muitas palavras natildeo eacute sempre e necessariamente

tambeacutem atributo de todas as outras do mesmo tipo

Mas exatamente como em muitos outros

domiacutenios a natureza agraves vezes dispotildee tipos uacutenicos -

como a viacutebora cornuda entre infinitas espeacutecies de

serpentes e o elefante com sua tromba entre os

quadruacutepedes ou entre os peixes o tubaratildeo que eacute

viviacuteparo e entre as pedras o imatilde que atrai o

ferro ndash assim eacute razoaacutevel existir dentre muitas

50 Blank ad loc com Blomqvist p 80 natildeo inserccedilatildeo de ltἐπὶgt

164

πολλοῖς ὁμοιοπτώτοις ὀνόμασιν εἶναί τι

ὄνομα ὃ μὴ ὁμοίως τοῖς πολλοῖς ὀνόμασι

κλίνεται

palavras que se declinam da mesma forma uma

que natildeo se declina como muitas

[227] ὅθεν παρέντες ζητεῖν εἰ ἀνάλογόν ἐστι

τοῖς πολλοῖς σκοπῶμεν πῶς αὐτῷ χρῆται ἡ

συνήθεια πότερον ἀνάλογον ἐκείνοις ἢ κατὰ

ἴδιον τύπον καὶ ὡς ἂν ᾖ χρωμένη οὕτω καὶ

ἡμεῖς προοισόμεθα

Por isso deixemos de lado a questatildeo sobre a

palavra ser ou natildeo anaacuteloga a muitas outras e

examinemos como o uso se serve dela se de

forma anaacuteloga agraves outras ou como um tipo

particular e tal como for utilizada assim noacutes

iremos pronunciaacute-la

[228] Περιδιωκόμενοι δὴ ποικίλως οἱ

γραμματικοὶ θέλουσιν ἀναστρέφειν τὴν

ἀπορίαν πολλαὶ γάρ φασίν εἰσὶ συνήθειαι

καὶ ἄλλη μὲν Ἀθηναίων ἄλλη δὲ

Λακεδαιμονίων καὶ πάλιν Ἀθηναίων

διαφέρουσα μὲν ἡ παλαιὰ ἐξηλλαγμένη δὲ ἡ

νῦν καὶ οὐχ ἡ αὐτὴ μὲν τῶν κατὰ τὴν

ἀγροικίαν ἡ αὐτὴ δὲ τῶν ἐν ἄστει

διατριβόντων παρὸ καὶ ὁ κωμικὸς λέγει

Ἀριστοφάνης

διάλεκτον ἔχοντα μέσην πόλεως

οὔτrsquo ἀστείαν ὑποθηλυτέραν

οὔτrsquo ἀνελεύθερον ὑπαγροικοτέραν

Cercados por todos os lados os gramaacuteticos

desejam inverter a aporia em seu favor Assim

dizem que os usos satildeo muitos um proacuteprio dos

atenienses outro dos lacedemocircnios e entre os

atenienses novamente o uso antigo difere do

atual que sofreu mudanccedilas tambeacutem natildeo eacute o

mesmo o uso daqueles que vivem no campo e o

dos que residem na cidade o que teria motivado a

frase de Aristoacutefanes o comedioacutegrafo

Falando a liacutengua padratildeo da cidade

sem efeminaccedilotildees cosmopolitas

ou grosserias provincianas

[Frag 685 Kock = 706 Kassel-Austin]

[229] πολλῶν οὖν οὐσῶν συνηθειῶν [ὡς]

φασί ποίᾳ χρησόμεθα οὔτε γὰρ πάσαις

κατακολουθεῖν δυνατὸν διὰ τὸ μάχεσθαι

πολλάκις οὔτε τινὶ ἐξ αὐτῶν ἐὰν μή τις

τεχνικῶς προκριθῇ ἀλλὰ πρῶτον μέν

φήσομεν τὸ ζητεῖν ποίᾳ χρηστέον συνηθείᾳ

ἔστιν ἴσον τῷ ltμὴgt εἶναί τινα τέχνην περὶ

ἑλληνισμόν αὕτη γάρ φημὶ δrsquo ἡ ἀναλογία

ὁμοίου καὶ ἀνομοίου ἐστὶ θεωρία τὸ δὲ

ὅμοιον καὶ ἀνόμοιον λαμβάνετε ἀπὸ τῆς

συνηθείας κἂν μὲν ᾖ τετριμμένον χρῆσθε

Havendo muitos usos eles se perguntam lsquoqual

devemos seguir Porque natildeo parece ser possiacutevel

nos adequarmos a todos jaacute que frequentemente

satildeo conflitantes nem parece possiacutevel seguir a um

deles a menos que tenha sido escolhido por meio

da artersquo Mas primeiro diriacuteamos noacutes perguntar

qual uso se deve seguir eacute o mesmo que admitir

que natildeo existe a arte da correccedilatildeo Porque esta e

me refiro agrave analogia eacute a teoria acerca do similar e

do diferente vocecirc toma o que eacute similar e o que eacute

diferente do uso e se for uma forma de uso

165

αὐτῷ εἰ δὲ μή οὐκέτι corrente vocecirc a utiliza se natildeo for natildeo a utiliza

[230] πευσόμεθα οὖν καὶ ἡμεῖς ἀπὸ ποίας

συνηθείας λαμβάνετε τὸ ὅμοιον καὶ τὸ

ἀνόμοιον πολλαὶ γάρ εἰσι καὶ πολλάκις

μαχόμεναι ὅπερ δὲ ἀπολογούμενοι πρὸς

τοῦτο ἐρεῖτε τοῦτο καὶ παρrsquo ἡμῶν

ἀκούσεσθε

Portanto tambeacutem noacutes queremos saber de qual uso

vocecirc toma o similar e o diferente Pois satildeo muitos

os usos aleacutem de conflitantes com frequecircncia E

seja qual for a resposta que der a isto tambeacutem seraacute

esta a resposta que ouviraacute de noacutes

[231] καὶ πάλιν ὅταν λέγητε τὸν βαρβαρισμὸν

παράπτωσιν ἐν ἁπλῇ λέξει παρὰ τὴν

συνήθειαν ἀνταπορήσομεν λέγοντες ποίαν

φατὲ πολλῶν οὐσῶν καὶ ᾗ ἂν εἴπητε ταύτῃ

φήσομεν καὶ ἡμεῖς ἀκολουθεῖν

E assim sempre que vocecirc disser que barbarismo eacute

lsquoo desvio do uso comum em uma soacute palavrarsquo

iremos nos intrometer perguntando a qual dos

muitos usos que existem vocecirc se refere e seja qual

for sua resposta diremos tambeacutem noacutes que o

seguimos

[232] κοινῆς οὖν οὔσης ἀπορίας οὐκ ἄπορος

ἡ παρrsquo ἡμῶν ταύτης ἐστὶ λύσις τῶν γὰρ

συνηθειῶν αἱ μέν εἰσι κατὰ τὰς ἐπιστήμας αἱ

δὲ κατὰ τὸν βίον καὶ γὰρ ἐν φιλοσοφίᾳ

ὀνομάτων τινῶν ἐστιν ἀποδοχὴ καὶ ἐν ἰατρικῇ

ἐξαιρέτως καὶ ἤδη κατὰ μουσικὴν καὶ

γεωμετρίαν ἔστι δὲ καὶ βιωτική τις ἀφελὴς

συνήθεια τῶν ἰδιωτῶν κατὰ πόλεις καὶ ἔθνη

διαφέρουσα

De forma que compartilhamos a aporia mas

solucionaacute-la para noacutes natildeo eacute aporeacutetico Pois

existem entre os usos uns que satildeo proacuteprios dos

saberes e outros da vida cotidiana Por exemplo

alguns termos satildeo aceitos na filosofia e tambeacutem na

medicina de modo particular e ainda na muacutesica e

na geometria poreacutem existe um uso simples

proacuteprio da vida cotidiana das pessoas comuns

(idiotai) que difere entre cidades e povos

[233] ὅθεν ἐν φιλοσοφίᾳ μὲν τῇ τῶν

φιλοσόφων στοιχήσομεν ἐν ἰατρικῇ δὲ τῇ

ἰατρικωτέρᾳ ἐν δὲ τῷ βίῳ τῇ συνηθεστέρᾳ

καὶ ἀπερίττῳ καὶ ἐπιχωριαζούσῃ

Consequentemente na filosofia nos alinharemos

ao uso dos filoacutesofos na medicina nos adequamos

ao jargatildeo meacutedico e na liacutengua viva (ho bios) ao

que seja mais usual menos extravagante e proacuteprio

do local onde estamos

[234] παρὸ καὶ διχῶς τοῦ αὐτοῦ πράγματος

λεγομένου πειρασόμεθα πρὸς τὰ παρόντα

ἁρμοζόμενοι πρόσωπα τὸ μὴ γελώμενον

προφέρεσθαι ὁποῖόν ποτrsquo ἂν ᾖ κατὰ τὴν

φύσιν οἷον τὸ αὐτὸ ἀρτοφόριον καὶ πανάριον

λέγεται καὶ πάλιν τὸ αὐτὸ σκάφιον καὶ ἁμίς

Por isso quando haacute duas formas de dizer alguma

coisa tentaremos nos adaptar agraves pessoas presentes

e dizer aquilo que natildeo provoque o riso

independente do que possa vir a ser a coisa por

natureza129 Por exemplo um mesmo objeto eacute

chamado tanto artophorion (lsquoporta-patildeesrsquo) como

166

καὶ ἴγδις καὶ θυΐα ἀλλὰ στοχαζόμενοι τοῦ

καλῶς ἔχοντος καὶ σαφῶς καὶ τοῦ μὴ

γελᾶσθαι ὑπὸ τῶν διακονούντων ἡμῖν

παιδαρίων ltκαὶ ἰδιωτῶνgt πανάριον ἐροῦμεν

καὶ εἰ βάρβαρόν ἐστιν ἀλλrsquo οὐκ ἀρτοφόριον

καὶ σκάφιον ἀλλrsquo οὐκ ἁμίδα καὶ θυΐαν

μᾶλλον ἢ ἴγδιν51

panarion (lsquocestarsquo) um outro tanto skaphion

(lsquopenicorsquo) como hamis (lsquourinolrsquo) e assim tambeacutem

igdis (lsquoalmofarizrsquo) e thuia (lsquopilatildeorsquo) Noacutes no

entanto nos alinharemos ao uso claro e adequado

que natildeo seja motivo de riso para nossos

empregados nem para as pessoas comuns e

diremos panarion (lsquocestarsquo) ao inveacutes de

artophorion (lsquoporta-patildeesrsquo) mesmo sendo um

barbarismo e skaphion (lsquopenicorsquo) natildeo hamis

(lsquourinolrsquo) e diremos thuia (lsquopilatildeorsquo) de preferecircncia

a igdis (lsquoalmofarizrsquo)

[235] καὶ πάλιν ἐν διαλέξει ἀποβλέποντες

πρὸς τοὺς παρόντας ltτὰςgt μὲν ἰδιωτικὰς

λέξεις παραπέμψομεν τὴν δὲ ἀστειοτέραν καὶ

φιλολόγον συνήθειαν μεταδιώξομεν ὡς γὰρ ἡ

φιλολόγος γελᾶται παρὰ τοῖς ἰδιώταις οὕτως

ἡ ἰδιωτικὴ παρὰ τοῖς φιλολόγοις δεξιῶς οὖν

ἑκάστῃ περιστάσει τὸ πρέπον ἀποδιδόντες

δόξομεν ἀμέμπτως ἑλληνίζειν

Em uma discussatildeo novamente consideraremos os

presentes e evitaremos palavras vulgares

seguindo um uso menos coloquial e mais culto

Pois da mesma forma que o uso culto eacute motivo de

risada entre as pessoas comuns assim tambeacutem a

linguagem popular junto aos cultos Portanto se

habilmente endereccedilarmos a cada ambiente a

expressatildeo apropriada (prepon) nosso grego soaraacute

correto e irrepreensiacutevel

[236] Ἄλλως τε ἐπεὶ ἐγκαλοῦσιν ὡς

ἀνωμάλῳ καὶ πολυειδεῖ τῇ συνηθείᾳ καὶ

ἡμεῖς ἀπὸ τῆς αὐτῆς ἀφορμῆς αὐτοῖς

ἐγκαλέσομεν εἰ γὰρ ἡ ἀναλογία ὁμοίου

παράθεσίς ἐστι τὸ δὲ ὅμοιον ἐκ τῆς

συνηθείας ἡ δὲ συνήθεια ἀνώμαλός τε καὶ

ἄστατος δεήσει καὶ τὴν ἀναλογίαν μὴ ἔχειν

ἑστῶτα παραπήγματα

Aleacutem disso jaacute que reprovam o uso comum

como anocircmalo e diverso tambeacutem noacutes iremos

reprovaacute-los com base no mesmo argumento Pois

se a analogia eacute a comparaccedilatildeo do similar e o

similar proveacutem do uso comum e o uso comum eacute

anocircmalo e instaacutevel (astatos) necessariamente a

analogia tambeacutem natildeo teraacute regras (parapegmata)

fixas (hestota)

[237] καὶ τοῦτο πάρεστι διδάσκειν ἐπὶ τῶν

ὀνομάτων καὶ τῶν ῥημάτων καὶ μετοχῶν καὶ

καθόλου τῶν ἄλλων ἁπάντων οἷον ἐπὶ μὲν

E isso se verifica em nomes verbos particiacutepios e

de maneira geral em todos os outros Por

exemplo alguns nomes mesmo sendo similares e

51 Blank ad loc modificaccedilotildees - ἀρτοφόριον σκάφιον ἁμίς por ἀρτοφορίδα σταμνίον ἀμίδιον permanecircncia de ltκαὶ ἰδιωτῶνgt

167

τῶν ὀνομάτων παρόσον τὰ κατὰ τὰς ὀρθὰς

πτώσεις ἀνάλογα ὄντα καὶ ὅμοια ταῦτα κατὰ

τὰς πλαγίους ἀνομοίως τε καὶ οὐκ ἀναλόγως

σχηματίζεται οἷον Ἄρης Χάρης ndash Ἄρεως

Χάρητος καὶ Μέμνων Θέων ndash Μέμνονος

Θέωνος Σκόπας Ἄβας ndash Σκόπα Ἄβαντος52

anaacutelogos no caso nominativo satildeo diferentes nos

casos obliacutequos e natildeo se declinam de forma

anaacuteloga Assim Ares Khares [nom] Areos

Kharetos [gen] Memnon Theon Memnonos

Theonos Skopas Abas Skopa Abantos

[238] ἐπὶ δὲ τῶν ῥηματικῶν πολλὰ ὁμοίως

κατὰ τὸν ἐνεστῶτα χρόνον λεγόμενα οὐκ

ἀναλόγως ἐν τοῖς ἄλλοις χρόνοις

σχηματίζεται ltοἷον εὑρίσκει ἀρέσκει ndash

ηὕρηκεν ἀρήρεκενgt ἐνίων δὲ συζυγίαι τινὲς

ἐκλελοίπασιν καὶ ἔκτονε μὲν λέγεται ἔκταγκε

δὲ οὐ λέγεται ἀλήλιπται μὲν εἴποι τις ἄν

ἤλειπται δὲ οὐκέτι ἐπὶ δὲ τῶν μετοχῶν βοῶν

σαρῶν νοῶν ndash βοῶντος σαροῦντος νοοῦντος

καὶ ἐπὶ τῶν προσηγοριῶν ἄναξ ἄβαξ ndash

ἄνακτος ἄβακος γραῦς ναῦς ndash γραός νηός

No caso dos verbos muitos tecircm a forma similar

no presente e natildeo se conjugam de maneira anaacuteloga

nos outros tempos Por exemplo heuriskei

(descobrir) areskei (agradar) heureken arereken

enquanto a conjugaccedilatildeo de alguns eacute defectiva e haacute

ektone (matar) mas natildeo ektanke e diz-se

aleliptai (untar) e jamais eleiptai No caso dos

particiacutepios temos boon (gritando) saron

(limpando) noon boontos sarountos noountos

e entre os nomes geneacutericos anaks (senhor) abaks

(taacutebua) anaktos abakos graus (velha) naus

(barco) graos neos

[239] ὡσαύτως δὲ καὶ ἐπὶ τῶν τοιούτων

ἄρχων γὰρ λέγεται καὶ ὀνοματικῶς καὶ ὁ τὴν

ἀρχὴν διέπων ἀλλrsquo Ἄρχωνος μὲν γίνεται

κατὰ πλάγιον πτῶσιν τὸ ὀνοματικόν

ἄρχοντος δὲ τὸ μετοχικόν καὶ κατὰ ὅμοιον

τρόπον μένων θέων νέων μετοχικὰ ὄντα καὶ

ὀνοματικὰ διαφερούσας λαμβάνει τὰς

κλίσεις Μένωνος μὲν γὰρ γίνεται τὸ

ὀνοματικόν μένοντος δὲ ἡ μετοχή καὶ

Θέωνος μὲν τὸ ὀνοματικόν θέοντος δὲ ltἡgt

μετοχή ἐστιν

E se passa exatamente assim em muitos outros

casos parecidos arkhon utiliza-se como nome de

pessoa e tambeacutem para designar lsquoo que governarsquo

[particiacutepio substantivado] e no primeiro caso o

genitivo eacute Arkhonos mas o genitivo do particiacutepio

eacute arkhontos E de modo similar menon theon

neon que podem ser particiacutepios [o que espera o

que corre o que nada] e nomes proacuteprios

possuindo diferentes declinaccedilotildees pois o nome

proacuteprio tem genitivo em Menonos enquanto o

particiacutepio em menontos e Theonos eacute o genitivo do

nome proacuteprio mas theontos do particiacutepio

52 Blank cf p 236-40 suprime entre os exemplos οἷον Ἄρης Χάρης χάρτης ndash Ἄρεως Χάρητος χάρτου καὶ Μέμνων Θέων λέων ndash Μέμνονος Θέωνος λέοντος Σκόπας μέλας Ἄβας ndash Σκόπα μέλανος Ἄβαντος Ares Khares khaacutertes [nom] Areos Kharetos khartou [gen] Memnon Theon leon Memnonos Theonos leontos Skopas melas Abas Skopa melanos Abantos

168

[240] πλὴν ἐκ τούτων συμφανὲς ὡς τῆς

συνηθείας ἀνωμάλου καθεστώσης οὐχ ἕστηκε

τὰ παραπήγματα τῆς ἀναλογίας ἀλλrsquo ἀνάγκη

ἀποστάντας αὐτῶν τοῖς κατὰ τὴν συνήθειαν

σχηματισμοῖς προσέχειν παρέντας τὸ

ἀνάλογον

Em todo caso fica claro a partir desses exemplos

que o uso eacute cheio de anomalias130 e por isso as

regras da analogia natildeo podem ser fixas pelo

contraacuterio que eacute necessaacuterio abandonar essas regras

e ater-se agraves formas que aparecem no uso sem se

preocupar com o que eacute anaacutelogo

Περὶ ἐτυμολογίας

[241] Τὰ δὲ αὐτὰ λεκτέον πρὸς αὐτοὺς καὶ

ὅταν διrsquo ἐτυμολογίας κρίνειν θέλωσι τὸν

ἑλληνισμόν πάλιν γὰρ ἤτοι σύμφωνός ἐστι τῇ

συνηθείᾳ ἡ ἐτυμολογία ἢ διάφωνος καὶ εἰ μὲν

σύμφωνος παρέλκει εἰ δὲ διάφωνος οὐ

χρηστέον αὐτῇ ὡς προσκοπὴν ἐμποιούσῃ

μᾶλλον τοῦ βαρβαρίζειν ἢ σολοικίζειν καὶ

καθόλου μετακτέον τὰς ὁμοίας ἀντιρρήσεις

ταῖς ἔμπροσθεν ἡμῖν ἀποδοθείσαις

Sobre etimologia131

Os mesmos argumentos devem ser contrapostos

aos gramaacuteticos quando querem decidir a correccedilatildeo

baseando-se na etimologia Pois uma vez mais

ou a etimologia concorda com o uso ou discorda

dele E se concorda eacute dispensaacutevel mas se

discorda natildeo deve ser utilizada pois causa mais

obstaacuteculos que os proacuteprios barbarismos ou

solecismos De modo geral cabem aqui as

mesmas objeccedilotildees (antirreseis) anteriormente

expostas

[241] ἰδιαίτερον δὲ ἐκεῖνο λεκτέον τὸ

ἐτυμολογίᾳ κρινόμενον ὄνομα ὅτι ἑλληνικόν

ἐστιν ἤτοι ἔτυμα πάντως ἔχειν ὀφείλει τὰ

προηγούμενα αὐτοῦ ὀνόματα ἢ εἴς τινα τῶν

φυσικῶς ἀναφωνηθέντων καταλήγειν καὶ εἰ

μὲν ἀπὸ ἐτύμων πάντως κατὰ τοῦτο εἰς

ἄπειρον τῆς ἐκπτώσεως γινομένης ἄναρχος

ἔσται ἡ ἐτυμολογία καὶ οὐκ εἰσόμεθα εἰ

ἑλληνικόν ἐστι τὸ ἔσχατον λεγόμενον ὄνομα

ἀγνοοῦντες ποῖον ἦν τὸ ἀφrsquo οὗ πρῶτον

κατάγεται

E conveacutem ainda apontar uma mais especiacutefica o

nome (onoma) que for julgado correto por meio da

etimologia precisa em todos os casos ter palavras

precedentes que sejam eacutetimos ou cessar em

palavras que foram vocalizadas (anaphonetenta)

naturalmente (phusikos) Mas se procede em

todos os casos de eacutetimos resultando em um

regresso ao infinito a etimologia natildeo teraacute comeccedilo

e natildeo saberemos se a palavra em questatildeo eacute correta

porque desconhecemos qual eacute a situaccedilatildeo daquela

primeira de que descende

[243] οἷον εἰ ὁ λύχνος εἴρηται ἀπὸ τοῦ λύειν

τὸ νύχος ὀφείλομεν μαθεῖν εἰ καὶ τὸ νύχος

ἀπό τινος ἑλληνικοῦ εἴρηται καὶ τοῦτο πάλιν

ἀπrsquo ἄλλου καὶ οὕτως εἰς ἄπειρον γινομένης

τῆς ἀνόδου καὶ ἀνευρέτου καθεστῶτος τοῦ

Para exemplificar se lukhnos (lsquolacircmpadarsquo) vem de

luein to nukhos (lsquodissolver a escuridatildeorsquo) teriacuteamos

que verificar se nukhos se diz a partir de uma

expressatildeo correta e se esta de novo de outra

Deste modo a sequecircncia estende-se ao infinito e

169

πρῶτον ἀναφωνηθέντος ὀνόματος

συνακαταληπτεῖται καὶ τὸ εἰ ἑλληνικῶς ὁ

λύχνος εἴρηται

torna-se impossiacutevel descobrir a palavra que foi

pronunciada primeiro assim eacute inapreensiacutevel se

lukhnos estaacute dito corretamente

[244] εἰ δὲ ἐπί τινα τῶν ἀνετύμως κειμένων

ὀνομάτων καταλήγοι τὸ ἐτυμολογούμενον

ὄνομα ὃν τρόπον ἐκεῖνα τὰ εἰς ἃ κατέληξεν

οὐ διότι ἔστιν ἔτυμα παραδεξόμεθα ἀλλὰ

διότι τέτριπται κατὰ τὴν συνήθειαν οὕτω καὶ

τὸ διrsquo ἐτυμολογίας κρινόμενον παραδεξόμεθα

οὐ διὰ τὴν ἐτυμολογίαν ἀλλὰ διὰ τὸ σύνηθες

οἷον προσκεφάλαιον ἀπὸ τοῦ τῇ κεφαλῇ

προστίθεσθαι εἴρηται ἡ δὲ κεφαλὴ καὶ τὸ

πρός ὅ ἐστι πρόθεσις ἀνετύμως κέκληται

E se a etimologia da palavra cessar em palavras

que natildeo satildeo eacutetimos do mesmo modo que estas satildeo

admitidas natildeo porque se descobriu a etimologia

mas porque aparecem constantemente no uso

assim tambeacutem acabaremos por admitir a palavra

cuja correccedilatildeo se quer julgar com a etimologia

seraacute admitida natildeo por causa da etimologia mas

por causa do uso Por exemplo proskephalaion

(lsquotravesseirorsquo) vem de tei kephalei prostithesthai

(lsquocolocar na cabeccedilarsquo) mas tanto kephale

(lsquocabeccedilarsquo) quanto pros (lsquoemrsquo) que eacute uma

preposiccedilatildeo132 dir-se-iam natildeo ser eacutetimos133

[245] τοίνυν ὡς ταῦτα χωρὶς ἐτυμολογίας

πεπίστευται διότι ἐστὶν ἑλληνικά τῆς

συνηθείας αὐτοῖς χρωμένης οὕτω καὶ τὸ

προσκεφάλαιον δίχα ἐτυμολογίας ἔσται

πιστόν ἄλλως τε ἐνίοτε τὸ αὐτὸ πρᾶγμα δυσὶν

ὀνόμασι καλεῖται τῷ μὲν ἐτυμολογίαν

ἐπιδεχομένῳ τῷ δὲ ἀνετυμολογήτῳ καὶ οὐ

διὰ τοῦτο τὸ μὲν ἔτυμον λέγεται ἑλληνικὸν τὸ

δὲ ἀνέτυμον βαρβαρικόν ἀλλrsquo ὡς ἐκεῖνο

ἑλληνικόν οὕτω καὶ τοῦτο

Assim visto que se aceitam tais palavras sem

etimologia por causa de seu uso corrente assim

tambeacutem proskephalaion seraacute aceita independente

de sua etimologia Aleacutem disso agraves vezes uma

mesma coisa tem dois nomes um deles suscetiacutevel

de etimologia o outro natildeo mas isso natildeo faz com

que o eacutetimo seja grego correto e o outro seja

baacuterbaro mas um e outro estatildeo igualmente

corretos

[246] οἷον τὸ ὑφrsquo ἡμῶν καλούμενον

ὑποπόδιον Ἀθηναῖοι καὶ Κῷοι χελωνίδα

καλοῦσιν ἀλλὰ ἔστι τὸ μὲν ὑποπόδιον

ἔτυμον ἡ δὲ χελωνὶς ἀνέτυμον καὶ οὐ διὰ

τοῦτο οἱ μὲν Ἀθηναῖοι λέγονται βαρβαρίζειν

ἡμεῖς δὲ ἑλληνίζειν ἀλλrsquo ἀμφότεροι

ἑλληνίζειν

Por exemplo o que noacutes chamamos hupopodion

(lsquobanquinho para peacutesrsquo) os atenienses e habitantes

de Coacutes chamam de khelonis (lsquotartarugarsquo)

hupopodion existe como um eacutetimo134 mas natildeo

khelonis e natildeo eacute por isso que se diria dos

atenienses que natildeo sabem falar grego e que noacutes

falamos o grego correto pois ambos falamos

grego corretamente

170

[247] τοίνυν ὡς ἐκεῖνοι διὰ τὴν συνήθειαν καὶ

οὐ διὰ τὴν τοῦ ὀνόματος ἐτυμότητα λέγονται

ἑλληνίζειν οὕτω καὶ ἡμεῖς διὰ τὸ ἐν τῇ αὑτῶν

συνηθείᾳ τετριμμένον ἔχειν τὸ τοιοῦτον

ὄνομα καὶ οὐ διὰ τὴν τῆς ἐτυμολογίας πίστιν

ἑλληνιοῦμεν

Ἀλλrsquo ὅτι μὲν τὸ τεχνικὸν μέρος τῆς

γραμματικῆς ἀνυπόστατόν ἐστιν αὐτάρκως

ἐκ τῶν εἰρημένων δέδεικται χωρῶμεν δὲ

ἀκολούθως καὶ ἐπὶ τὸ ἱστορικόν

Portanto tal como se diz que falam corretamente

natildeo por causa da etimologia mas pelo uso mesmo

tambeacutem noacutes usaremos o grego corretamente natildeo

por nos fiarmos na credibilidade da etimologia

mas por utilizarmos palavras correntes no uso

comum

Com o que foi dito fica suficientemente

comprovado que a parte teacutecnica da gramaacutetica eacute

insubsistente135 A seguir passamos agrave parte

lsquohistoacutericarsquo136

Εἰ σύστατον τὸ ἱστορικόν

[248] Ὅτι μὲν οὖν ἀξιοῦται τοῦτο ὁλοσχερῶς

εἶναι μέρος γραμματικῆς συμφανές

Ταυρίσκος γοῦν ὁ Κράτητος ἀκουστής

ὥσπερ οἱ ἄλλοι κριτικοὶ ὑποτάσσων τῇ

κριτικῇ τὴν γραμματικήν φησὶ τῆς κριτικῆς

εἶναι τὸ μέν τι λογικὸν τὸ δὲ τριβικὸν τὸ δrsquo

ἱστορικόν

Se a parte lsquohistoacutericarsquo eacute consistente

Eacute evidente que se considera a parte lsquohistoacutericarsquo

integralmente como parte da gramaacutetica Taurisco

o disciacutepulo de Crates subordinando a gramaacutetica agrave

criacutetica tal como fizeram os outros criacuteticos disse

que a criacutetica se compotildee de uma parte racional

(logikos) uma parte praacutetica (tribikos) e uma parte

lsquohistoacutericarsquo

[249] λογικὸν μὲν τὸ στρεφόμενον περὶ τὴν

λέξιν καὶ τοὺς γραμματικοὺς τρόπους

τριβικὸν δὲ τὸ περὶ τὰς διαλέκτους καὶ τὰς

διαφορὰς τῶν πλασμάτων καὶ χαρακτήρων

ἱστορικὸν δὲ τὸ περὶ τὴν προχειρότητα τῆς

ἀμεθόδου ὕλης

A parte racional volta-se para a expressatildeo (leksis)

e figuras (tropoi) gramaticais a parte praacutetica

ocupa-se de dialetos diferentes formas (plasmata)

e tipos (kharaktera) de estilo137 enquanto a parte

lsquohistoacutericarsquo lida com o material desorganizado

(amethodos) preexistente138139

[250] Διονύσιος δὲ ὁ Θρᾷξ ἓξ μέρη

γραμματικῆς εἶναι λέγων ἅπερ ἡμεῖς

ἀνώτερον ὁλοσχερῶς τρία προσηγορεύσαμεν

ἐν τούτοις καὶ τὸ ἱστορικὸν ἀποδίδωσιν εἶναι

γάρ φησι γραμματικῆς μέρη ἀνάγνωσιν

ἐντριβῆ κατὰ προσῳδίαν ἐξήγησιν κατὰ τοὺς

ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς τρόπους λέξεων

καὶ ἱστοριῶν ἀπόδοσιν ἐτυμολογίας εὕρεσιν

ἀναλογίας ἐκλογισμόν κρίσιν ποιημάτων

Dioniacutesio Traacutecio quando diz que a gramaacutetica tem

seis partes agraves quais nos referimos mais acima de

forma geneacuterica como trecircs inclui a parte

lsquohistoacutericarsquo entre elas Pois diz que as partes da

gramaacutetica satildeo a leitura treinada (entribes) de

acordo com a prosoacutedia a interpretaccedilatildeo de acordo

com as figuras poeacuteticas presentes explicaccedilatildeo de

palavras e histoacuterias a descoberta das etimologias

o estabelecimento das analogias e a criacutetica dos

171

ἀτόπως διαιρούμενος καὶ τάχα μὲν

ἀποτελέσματά τινα καὶ μόρια γραμματικῆς

[οὐ] μέρη ταύτης ποιῶν

poemas140 Uma divisatildeo estranha que parece

apresentar alguns dos resultados da gramaacutetica ou

suas subdivisotildees como se fossem partes dela

[251] ὁμολόγως δὲ τὴν μὲν ἐντριβῆ

ἀνάγνωσιν καὶ τὴν ἐξήγησιν καὶ τὴν κρίσιν

τῶν ποιημάτων ἐκ τῆς περὶ ποιητὰς καὶ

συγγραφεῖς θεωρίας λαμβάνων τὴν δὲ

ἐτυμολογίαν καὶ ἀναλογίαν ἐκ τοῦ τεχνικοῦ

τοῖς δὲ τὸ ἱστορικὸν ἀντεκτιθείς ἐν ἱστοριῶν

καὶ λέξεων ἀποδόσει κείμενον

Aleacutem de obviamente tomar a leitura treinada a

explicaccedilatildeo e a criacutetica dos poemas da parte que

trata de poetas e escritores e a etimologia e a

analogia da parte teacutecnica a estas ele contrapotildee a

parte lsquohistoacutericarsquo que trata da explicaccedilatildeo de

palavras e histoacuterias

[252] Ἀσκληπιάδης δὲ ἐν τῷ Περὶ

γραμματικῆς τρία φήσας εἶναι τὰ πρῶτα τῆς

γραμματικῆς μέρη [ἀνάγνωσιν ἐντριβῆ καὶ

κατὰ προσῳδίαν] τεχνικὸν ἱστορικὸν

γραμματικόν ὅπερ ἀμφοτέρων ἐφάπτεται

φημὶ δὲ τοῦ ἱστορικοῦ καὶ τοῦ τεχνικοῦ τριχῇ

ὑποδιαιρεῖται τὸ ἱστορικόν τῆς γὰρ ἱστορίας

τὴν μέν τινα ἀληθῆ εἶναί φησι τὴν δὲ ψευδῆ

τὴν δὲ ὡς ἀληθῆ καὶ ἀληθῆ μὲν τὴν

πρακτικήν ψευδῆ δὲ τὴν περὶ πλάσματα

καὶμύθους ὡς ἀληθῆ δὲ ltτὴν περὶ

πλάσματαgt53 οἷά ἐστιν ἡ κωμῳδία καὶ οἱ

μῖμοι

Asclepiacuteades em seu tratado Sobre a Gramaacutetica

afirma serem trecircs as partes primaacuterias da gramaacutetica

teacutecnica lsquohistoacutericarsquo e gramatical (que estaacute em

contato com as outras duas isto eacute a lsquohistoacutericarsquo e a

teacutecnica) Subdivide entatildeo a parte lsquohistoacutericarsquo em

trecircs pois afirma ele da lsquohistoacuteriarsquo fazem parte a

histoacuteria verdadeira a falsa e a verossimilhante ndash

uma histoacuteria de feitos (praktike) eacute verdadeira

aquela relativa a mitos eacute falsa e ficccedilotildees

(plasmata) tal como comeacutedias e mimos satildeo

verossimilhantes141 142

[253] τῆς δὲ ἀληθοῦς τρία πάλιν μέρη ἡ μὲν

γάρ ἐστι περὶ τὰ πρόσωπα θεῶν καὶ ἡρώων

καὶ ἀνδρῶν ἐπιφανῶν ἡ δὲ περὶ τοὺς τόπους

καὶ χρόνους ἡ δὲ περὶ τὰς πράξεις τῆς δὲ

ψευδοῦς τουτέστι τῆς μυθικῆς ἓν εἶδος

μόνον ὑπάρχειν λέγει τὸ γενεαλογικόν

ὑποτάσσεσθαι δὲ τῷ ἱστορικῷ κοινῶς φησι

καθὼς καὶ Διονύσιος τὸ περὶ τὰς γλώττας

ἱστορεῖ γὰρ ὅτι κρήγυον ἀληθές ἐστιν ἢ

E trecircs satildeo as partes da histoacuteria verdadeira uma

trata do papel de deuses heroacuteis e homens

famosos outra de lugares e datas e outra dos

feitos (prakseis)143 Da histoacuteria falsa ou seja das

histoacuterias miacuteticas ele diz que haacute apenas um tipo a

genealogia E como Dioniacutesio ele afirma que a

parte concernente agraves palavras inusuais eacute

geralmente subjugada agrave parte lsquohistoacutericarsquo pois eacute

pelo levantamento lsquohistoacutericorsquo (historei) que

53 Blank ad loc com Kaibel

172

ἀγαθόν ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ περὶ παροιμιῶν

καὶ ὅρων

Ἀλλrsquo ὅτι μὲν γραμματικῆς εἶναι μέρος

βούλονται τὸ ἱστορικόν ἐκ τούτων ἐστὶ

συμφανές

kreguon144 eacute lsquoverdadeirorsquo ou lsquobomrsquo e assim

tambeacutem com o relativo a proveacuterbios e definiccedilotildees

Assim fica claro a partir do que foi dito que eles

consideraram a parte lsquohistoacutericarsquo como parte da

gramaacutetica

[254] λοιπὸν δέ ἐπεὶ οἱ πλείους

ὡμολογήκασιν αὐτὸ ἄτεχνον εἶναι καὶ ἐκ τῆς

ἀμεθόδου ὕλης τυγχάνειν ἀπολελύκασι μὲν

ἡμᾶς τῆς ἐπὶ πλεῖον πρὸς αὐτοὺς

ἀντιρρήσεως ὅμως δrsquo οὖν ὑπὲρ τοῦ μὴ

ἀνεπισήμαντον παρελθεῖν τὸν τόπον οὕτως

ἐρωτητέον ἤτοι τέχνη ἐστὶν ἡ γραμματικὴ ἢ

οὔκ ἐστι τέχνη καὶ εἰ μὲν οὔκ ἐστιν αὐτόθεν

συμβεβίασται τὸ προκείμενον εἰ δὲ τέχνη

ἐστίν ἐπεὶ τὰ τῆς τέχνης μέρη πάντως ἐστὶ

τεχνικά τὸ δrsquo ἱστορικὸν ἀμέθοδον

ὡμολόγηται τυγχάνειν οὐκ ἂν εἴη τῆς

γραμματικῆς μέρος τὸ ἱστορικόν

Agora jaacute que a maior parte deles concorda que o

lsquohistoacutericorsquo natildeo eacute teacutecnico e proveacutem de material

desorganizado acabam nos liberando de um

ataque mais detalhado Mesmo assim para natildeo

passar ao largo sem dar atenccedilatildeo ao assunto

levantaremos o questionamento a seguir Ou a

gramaacutetica eacute uma arte ou a gramaacutetica natildeo eacute uma

arte E se natildeo eacute a questatildeo se resolve por si

mesma Mas se eacute uma arte e as partes de uma

arte satildeo sempre elas mesmas teacutecnicas e acabou de

ser acordado que a parte lsquohistoacutericarsquo eacute ametoacutedica

logo a parte lsquohistoacutericarsquo natildeo poderia ser parte da

gramaacutetica

[255] καὶ ὅτι τῷ ὄντι τοιοῦτόν ἐστιν αὐτόθεν

σχεδὸν ὑπέπιπτεν οὐ γάρ ὥσπερ ἀπὸ

καθολικῆς τινος μεθόδου καὶ τεχνικῆς

δυνάμεως λέγει ὁ μὲν ἰατρὸς ὅτι τόδε τὸ ἐπὶ

μέρους ὑγιεινόν ἐστι καὶ τόδε νοσερόν ὁ δὲ

μουσικὸς ὅτι τόδε ἡρμοσμένον καὶ ltτόδεgt

ἀνάρμοστον καὶ ἡρμοσμένον μὲν κατὰ τήνδε

τὴν συμφωνίαν ἀλλrsquo οὐχὶ κατὰ τήνδε οὕτω

καὶ ὁ γραμματικὸς δύναται ἀπὸ

ἐπιστημονικῆς τινος καὶ καθολικῆς θεωρίας

ἀπαγγέλλειν ὅτι ὁ μὲν Πέλοπος ὦμος

ἐλεφάντινος ἦν ὑπὸ τοῦ Ἄρεως ἢ ὑπὸ

Δήμητρος βρωθείς ἡ δὲ τοῦ Ἡρακλέους

κεφαλὴ ἐψέδνωτο ῥυεισῶν αὐτοῦ τῶν τριχῶν

ὅτε ὑπὸ τοῦ ἐφορμῶντος τῇ Ἡσιόνῃ κήτους

E eacute praticamente oacutebvio por si mesmo que eacute assim

de fato Pois o meacutedico a partir de um meacutetodo

geral e de uma capacidade teacutecnica afirma de algo

em particular que eacute saudaacutevel e de outra coisa que

eacute nociva e o muacutesico considera harmocircnica uma

passagem e dissonante outra e harmocircnica em

relaccedilatildeo a determinado acorde mas natildeo a outro No

entanto o gramaacutetico natildeo pode do mesmo modo

que eles a partir de alguma teoria cientiacutefica

(epistemonike) geral declarar que o ombro de

Peacutelops era de marfim porque seu ombro mesmo

foi comido por Ares ou por Demeacuteter ou que

Heacutercules ficou calvo porque seu cabelo caiu

quando ele foi engolido pelo monstro marinho que

estava atacando Hesiacuteone

173

κατεπόθη

[256] ἀλλrsquo ἵνα τούτων ποιήσηται τὴν ἔκθεσιν

ὀφείλει πᾶσι τοῖς κατὰ μέρος περὶ αὐτῶν

ἱστορουμένοις54 ἐντυχεῖν τὸ δὲ πάντων τῶν

κατὰ μέρος ποιεῖσθαι τὴν ἀνάληψιν αὐτοῖς

ἐντυγχάνοντα τοῖς κατὰ μέρος οὔκ ἐστι

τεχνικόν οὐκ ἄρα ἐκ τέχνης τινὸς

μεθοδεύεται τοῖς γραμματικοῖς τὸ ἱστορικόν

Mas para fazer uma exposiccedilatildeo destas coisas ele

tem de encontrar todos os relatos (historoumenoi)

particulares sobre elas E repetir todos esses dados

um por um por ter consultado esses mesmos

dados em relatos particulares natildeo eacute algo teacutecnico

Logo a parte lsquohistoacutericarsquo natildeo foi organizada

(methodeuo) pelos gramaacuteticos a partir de uma arte

[257] καὶ μὴν ἐπεὶ τῆς ἱστορίας ἡ μέν τίς ἐστι

τοπικὴ ἡ δὲ χρονικὴ ἡ δὲ περὶ τὰ πρόσωπα ἡ

δὲ περὶ τὰς πράξεις δῆλον ὡς εἰ μὴ τεχνική

ἐστιν ἡ τῶν τόπων καὶ ἡ τῶν χρόνων

ἀπόδοσις οὔθrsquo ἡ τῶν προσώπων οὔθrsquo ἡ τῶν

πράξεων τεχνικὴ γενήσεται τί γὰρ διήνεγκε

τούτων ἢ ἐκείνων ἀποκρατεῖν ἀλλὰ μὴν

οὐδὲν ἔχει τεχνικὸν τὸ ἀποδιδόναι τοπικὴν

ἱστορίαν λέγοντας ὅτι εἰ τύχοι Βρίλησος55

μὲν καὶ Ἀράκυνθος τῆς Ἀττικῆς ἐστιν ὄρος

Ἀκάμας δὲ τῆς Κυπρίας ἀκρωτήριον ἢ

χρονικὴν ἐκτίθεσθαι καθάπερ ὅτι Ξενοφάνης

Κολοφώνιος ἐγένετο περὶ τὴν τεσσαρακοστὴν

ὀλυμπιάδα τοῦτο γὰρ καὶ ὁ μὴ ὢν

γραμματικὸς ἄλλως δὲ περίεργος δυνήσεται

ποιεῖν

E ainda se haacute uma lsquohistoacuteriarsquo que trata de lugares

outra de datas outra sobre personagens outra de

accedilotildees eacute evidente que se explicaccedilotildees de lugares e

tempos natildeo satildeo teacutecnicas tampouco seraacute teacutecnico o

que trata de personagens ou accedilotildees145 Pois qual eacute

a diferenccedila entre ocupar-se destas ou daquelas De

fato natildeo haacute nada de teacutecnico na lsquohistoacuteriarsquo que trata

de lugares dizendo por exemplo que Brileso e

Aracinto satildeo montes da Aacutetica ou que Acamante eacute

um promontoacuterio em Chipre tampouco naquela

que estabelece datas como por exemplo que

Xenoacutefanes de Coacutelofon nasceu na quadrageacutesima

olimpiacuteada Isto mesmo aquele que natildeo eacute

gramaacutetico mas apenas curioso tambeacutem eacute capaz

de fazer

[258] τοίνυν οὐδὲ τὸ περὶ προσώπων καὶ

πράξεων ἀπαγγέλλειν τεχνικὸν γενήσεται

οἷον ὅτι Πλάτων μὲν ὁ φιλόσοφος

Ἀριστοκλῆς πρότερον ἐκαλεῖτο καὶ ἐτέτρητο

τὸ οὖς ἐλλόβιον φορήσας ὅτrsquo ἦν μειρακίσκος

Πυθιὰς δὲ ἡ Ἀριστοτέλους θυγάτηρ τρισὶν

ἀνδράσιν ἐγαμήθη πρῶτον μὲν Νικάνορι τῷ

Σταγειρίτῃ οἰκείῳ ὄντι Ἀριστοτέλους

Assim tampouco seraacute teacutecnico dar declaraccedilotildees

sobre personagens e accedilotildees por exemplo que

Platatildeo o filoacutesofo se chamava antes Aristoacutecles

tinha a orelha furada e usava brinco quando era

jovem ou que a filha de Aristoacuteteles Pitiacuteade

casou-se com trecircs homens o primeiro Nicanor de

Estagira parente de Aristoacuteteles o segundo

Procles descendente do rei lacedemocircnio

54 Blank ad loc com Giusta p 430 Por ἱστοροῦσιν 55 Blank ad loc com a ediccedilatildeo de Genebra Para Βριλησός

174

δευτέρῳ δὲ Προκλεῖ Δημαράτου τοῦ

Λακεδαιμονίων βασιλέως ἀπογόνῳ ὃς καὶ

δύο ἐξ αὐτῆς τεκνοῦται παῖδας Προκλέα τε

καὶ Δημάρατον τοὺς παρὰ Θεοφράστῳ

φιλοσοφήσαντας τρίτῳ δὲ Μητροδώρῳ

ἰατρῷ Χρυσίππου μὲν τοῦ Κνιδίου μαθητῇ

Ἐρασιστράτου δὲ ὑφηγητῇ ᾧ γίνεται παῖς

Ἀριστοτέλης

Demaacuterato com quem teve dois filhos Procles e

Demaacuterato que estudaram filosofia com Teofrasto

e o terceiro pai do menino chamado Aristoacuteteles

foi o meacutedico Metrodoro aluno de Crisipo de

Cniacutedio e professor de Erasiacutestrato

[259] ταῦτα γὰρ καὶ τὰ τούτοις ὅμοια πρὸς τῷ

τελέως ἀχρηστεῖν ἔτι οὐδεμίαν ἐμφαίνει

τεχνικὴν δύναμιν ὥστε οὐδὲ ἡ τῶν ἱστορικῶν

ἀπόδοσίς ἐστιν ἔντεχνος ἄλλως τε καθὼς

ἀνώτερον ὑπεδείξαμεν οὔτε τῶν ἀπείρων

οὔτε τῶν ἄλλοτε ἄλλως γινομένων ἔστι τις

τεχνικὴ γνῶσις

Com efeito aleacutem de todas as informaccedilotildees como

estas serem completamente inuacuteteis tambeacutem natildeo

evidenciam nenhuma capacidade teacutecnica De

forma que tampouco explicar dados lsquohistoacutericosrsquo

resulta de uma arte (entekhnos) Aleacutem disso como

demonstramos mais acima natildeo existe um

conhecimento teacutecnico do que eacute infinito ou de

coisas que a todo tempo variam

[260] αἱ δέ γε κατὰ μέρος ἱστορίαι ἄπειροί τε

διὰ τὸ πλῆθός εἰσι καὶ οὐχ ἑστῶσαι διὰ τὸ μὴ

τὰ αὐτὰ περὶ τοῦ αὐτοῦ παρὰ πᾶσιν

ἱστορεῖσθαι οἷον (οὐκ ἄτοπον γάρ ἵνα

συμφυέσι τε καὶ οἰκείοις χρησώμεθα τῶν

πραγμάτων παραδείγμασιν) ὑπόθεσιν γὰρ

ἑαυτοῖς ψευδῆ λαμβάνοντες οἱ ἱστορικοὶ ltοὐκ

ἀρκούμενοι τῷ ψεύσματι ἐν ᾧgt τὸν ἀρχηγὸν

ἡμῶν τῆς ἐπιστήμης Ἀσκληπιὸν

κεκεραυνῶσθαι λέγουσιν56 καὶ ποικίλως

αὐτὸ μεταπλάττουσι

Mas claro as histoacuterias individuais satildeo infinitas

porque satildeo inuacutemeras aleacutem disso natildeo satildeo fixas

pois natildeo eacute como se todos contassem as mesmas

histoacuterias do mesmo modo sobre as mesmas coisas

Por exemplo (e faz sentido utilizarmos exemplos

conectados e que nos sejam familiares) os

lsquohistoriadoresrsquo (historikoi) adotam uma suposiccedilatildeo

falsa e afirmam que Ascleacutepio o fundador da nossa

ciecircncia foi fulminado por um raio e natildeo

satisfeitos com essa mentira ainda a transformam

de inuacutemeras formas

[261] Στησίχορος μὲν ἐν Ἐριφύλῃ εἰπὼν ὅτι

τινὰς τῶν ἐπὶ Θήβαις πεσόντων ἀνιστᾷ

Πολύανθος δὲ ὁ Κυρηναῖος ἐν τῷ περὶ τῆς

Estesiacutecoro em sua Eriacutefile diz que isso aconteceu

porque Ascleacutepio estaria ressuscitando alguns dos

que caiacuteram em Tebas Polianto de Cirene em sua

56 Blank ad loc com Giusta p 431 Por οἷον (οὐκ ἄτοπον γάρ) ἵνα συμφυέσι τε καὶ οἰκείοις χρησώμεθα τῶν πραγμάτων παραδείγμασιν ὑπόθεσιν γὰρ ἑαυτοῖς ψευδῆ λαμβάνοντες οἱ ἱστορικοὶ τὸν ἀρχηγὸν ἡμῶν τῆς ἐπιστήμης Ἀσκληπιὸν κεκεραυνῶσθαι λέγουσιν οὐκ ἀρκούμενοι τῷ ψεύσματι dagger ἐν ᾧ dagger καὶ ποικίλως

175

Ἀσκληπιαδῶν γενέσεως ὅτι τὰς Προίτου

θυγατέρας κατὰ χόλον Ἥρας ἐμμανεῖς

γενομένας ἰάσατο Πανύασις δὲ διὰ τὸ νεκρὸν

Τυνδάρεω ἀναστῆσαι Στάφυλος δὲ ἐν τῷ

περὶ Ἀρκάδων ὅτι Ἱππόλυτον ἐθεράπευσε

φεύγοντα ἐκ Τροιζῆνος κατὰ τὰς

παραδεδομένας κατrsquo αὐτοῦ ἐν τοῖς

τραγῳδουμένοις φήμας

obra sobre a origem dos Asclepiacuteadas diz que foi

porque curou as filhas de Preto que haviam ficado

loucas por causa da ira de Hera Paniacuteasis diz que

foi porque fez voltar agrave vida o cadaacutever de Tiacutendaro

Estaacutefilo em seu livro sobre os arcaacutedios diz que

ele curou Hipoacutelito que fugia de Trezeno

conforme a tradiccedilatildeo que se transmite sobre ele

nas trageacutedias

[262] Φύλαρχος δὲ ἐν τῇ ἐννάτῃ διὰ τὸ τοὺς

Φινέως υἱοὺς τυφλωθέντας ἀποκαταστῆσαι

χαριζόμενον αὐτῶν τῇ μητρὶ Κλεοπάτρᾳ τῇ

Ἐρεχθέως Τελέσαρχος δὲ ἐν τῷ Ἀργολικῷ

ὅτι τὸν Ὠρίωνα ἐπεβάλετο ἀναστῆσαι οὐ

τοίνυν τῆς οὕτως ἀπὸ ψευδοῦς ὑποθέσεως

ἀρχομένης καὶ ἀδιεξιτήτου κατὰ πλῆθος καὶ

πρὸς τὴν ἑκάστου προαίρεσιν

μεταπλαττομένης γένοιτrsquo ἄν τις τεχνικὴ

θεωρία

Filarco diz no livro nono que foi porque ele

recuperou a visatildeo aos filhos cegos de Fineu como

um favor para com sua matildee Cleoacutepatra a filha de

Erecteu e Telesarco em seu Argoacutelico afirma que

teria tentado ressuscitar Oriacuteon Em suma algo que

comeccedila dessa forma a partir de uma suposiccedilatildeo

que eacute falsa multiplicada agrave exaustatildeo e reinventada

conforme as vontades de cada um natildeo pode

tornar-se objeto de uma teoria (theoria) teacutecnica

[263] Πρὸς τούτοις ἐπεὶ τῶν ἱστορουμένων

τὸ μέν ἐστιν ἱστορία τὸ δὲ μῦθος τὸ δὲ

πλάσμα ὧν ἡ μὲν ἱστορία ἀληθῶν τινῶν ἐστι

καὶ γεγονότων ἔκθεσις ὡς ὅτι Ἀλέξανδρος ἐν

Βαβυλῶνι διrsquo ἐπιβούλων φαρμακευθεὶς

ἐτελεύτα πλάσμα δὲ πραγμάτων μὴ

γενομένων μὲν ὁμοίως δὲ τοῖς γενομένοις

λεγομένων ὡς αἱ κωμικαὶ ὑποθέσεις καὶ οἱ

μῖμοι

Aleacutem do mais dos relatos (historoumenoi)146

fazem parte a histoacuteria147 o mito e a ficccedilatildeo148 A

histoacuteria eacute a exposiccedilatildeo de acontecimentos

verdadeiros149 como que Alexandre morreu na

Babilocircnia envenenado por conspiradores A ficccedilatildeo

refere-se a eventos que natildeo aconteceram mas que

satildeo contados como se tivessem acontecido os

enredos (hupotheseis) de comeacutedias e mimos por

exemplo

[264] μῦθος δὲ πραγμάτων ἀγενήτων καὶ

ψευδῶν ἔκθεσις ὡς ὅτι τὸ μὲν τῶν φαλαγγίων

καὶ ὄφεων γένος Τιτήνων ἐνέπουσιν ἀφrsquo

αἵματος ἐζωγονῆσθαι τὸν δὲ Πήγασον

λαιμοτομηθείσης τῆς Γοργόνος ἀπὸ τῆς

κεφαλῆς ἐκθορεῖν καὶ οἱ μὲν Διομήδους

O mito eacute a exposiccedilatildeo de eventos que natildeo

aconteceram e satildeo falsos tal como dizer que a

raccedila de serpentes e aranhas venenosas brotou viva

do sangue derramado dos Titatildes ou que Peacutegaso

nasceu da cabeccedila decepada da Goacutergona e que os

companheiros de Diomedes se transformaram em

176

ἑταῖροι εἰς θαλασσίους μετέβαλον ὄρνις ὁ δὲ

Ὀδυσσεὺς εἰς ἵππον ἡ δὲ Ἑκάβη εἰς κύνα

aves marinhas Odisseu num cavalo e Heacutecuba

numa cadela

[265] ndash τοιαύτης δὲ οὔσης ltτῆςgt τῶν

ἱστοριῶν διαφορᾶς ἐπεὶ οὐκ ἔστι τέχνη τις

περὶ τὰ ψευδῆ καὶ ἀνύπαρκτα ψευδῆ δέ ἐστι

καὶ ἀνύπαρκτα τὰ περὶ τοὺς μύθους καὶ τὰ

πλάσματα περὶ ἃ μάλιστα τοῦ ἱστορικοῦ

μέρους ἡ γραμματικὴ καταγίνεται οὐκ ἂν εἴη

τις τέχνη περὶ τὸ ἱστορικὸν μέρος ltτῆςgt

γραμματικῆς

Sendo tal a diversidade entre as histoacuterias e jaacute que

natildeo existe qualquer arte que trate do falso e do

inexistente (anuparkta) e eacute falso e inexistente o

que se diz nos mitos e ficccedilotildees de que se ocupa

principalmente a gramaacutetica em sua parte

lsquohistoacutericarsquo natildeo pode haver qualquer arte para a a

parte lsquohistoacutericarsquo da gramaacutetica

[266] ὅθεν καταγελᾶν ἄξιον τῶν λεγόντων ὅτι

εἰ καὶ ἡ ὕλη τῆς ἱστορίας ἐστὶν ἀμέθοδος ἡ

μέντοι κρίσις ταύτης γενήσεται τεχνική διrsquo ἧς

γιγνώσκομεν τί τε ψευδῶς ἱστόρηται καὶ τί

ἀληθῶς

Por isso merecem ser ridicularizados os que

dizem que mesmo que o material base da

lsquohistoacuteriarsquo seja desorganizado ainda assim o

julgamento deste material pelo qual conhecemos

o que eacute relatado (historeo) de maneira falsa ou

verdadeira eacute teacutecnico150

[267] πρῶτον μὲν γὰρ οὐ παραδεδώκασιν

ἡμῖν οἱ γραμματικοὶ τῆς ἀληθοῦς ἱστορίας

κριτήριον ἵνα καὶ ἐξετάζωμεν πότε ἀληθής

ἐστιν αὕτη καὶ πότε ψευδής εἶτα καὶ

μηδεμιᾶς οὔσης ἀληθοῦς ἱστορίας παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς οὐδὲ τὸ τοῦ ἀληθοῦς κριτήριον

ὑποστατόν ἐστιν ἐπεὶ πῶς οὐκ ἔργον τινὸς

μὲν λέγοντος ὅτι Ὀδυσσεὺς ὑπὸ Τηλεγόνου

παιδὸς κατὰ ἄγνοιαν ἀνῄρηται τινὸς δὲ ὅτι

λάρου κέντρον θαλασσίας τρυγόνος ἀφέντος

αὐτοῦ ltἐπὶgt57 τῇ κεφαλῇ διεφώνησεν ἄλλου

δὲ ὅτι εἰς ἵππον μετέβαλε τὴν μορφήν θέλειν

ἐν οὕτως ἀπερρωγόσι πράγμασιν εὑρεῖν

τἀληθές πρότερον γὰρ δεῖ ὑποστῆναι ἐν τοῖς

διαφωνοῦσι τὸν ἀληθεύοντα καὶ τότε ζητεῖν

τί ἐστιν

Com efeito em primeiro lugar os gramaacuteticos natildeo

nos forneceram um criteacuterio de verdade com o

qual pudeacutessemos testar quando a histoacuteria eacute

verdadeira e quando eacute falsa Em segundo lugar se

natildeo haacute nenhuma histoacuteria verdadeira para os

gramaacuteticos tampouco subsiste um criteacuterio de

verdade Um diz que Odisseu foi morto por seu

filho Teleacutegono sem que este soubesse quem ele

era outro diz que ele faleceu quando uma gaivota

deixou cair em sua cabeccedila a cauda de uma arraia

ainda com o ferratildeo e um outro que se

metamorfoseou em cavalo natildeo eacute uma tarefa

insana querer descobrir a verdade em coisas tatildeo

desconexas Porque antes de tudo seria preciso

supor que em meio a histoacuterias tatildeo discordantes

tenha sido dito algo verdadeiro e soacute entatildeo depois

57 Blank ad loc com Giusta p 431

177

disso procurar pelo que eacute verdadeiro

[268] πάντων δὲ ἀπίθανα καὶ ψευδῆ λεγόντων

οὐδὲ τεχνικῷ τινὶ κριτηρίῳ δίδοται πάροδος

Καὶ μὴν οὐδὲ διrsquo ὧν ἂν ἱστορία καλῶς

γραφείη διδάσκουσιν οἱ γραμματικοί ἵνα κατrsquo

ἀναφορὰν τὴν ὡς ἐπὶ τὰ τοιαῦτα θεωρήματα

λέγωμεν τεχνικόν τι μέρος ὑπάρχειν παρrsquo

αὐτοῖς τὸ ἱστορικόν τοῦτο γὰρ ῥητορικῶν

ἐστι τὸ ἔργον

Mas quando todos dizem coisas falsas e

inacreditaacuteveis sequer existe brecha para introduzir

um criteacuterio teacutecnico151

Na verdade os gramaacuteticos nem mesmo nos

ensinam como seria uma histoacuteria be escrita de

forma que pudeacutessemos com referecircncia a tais

teoremas dizer que sua parte lsquohistoacutericarsquo eacute teacutecnica

Jaacute que esta eacute a tarefa dos retoacutericos

[269] ὥστrsquo ἐπεὶ καὶ αὐτοὶ ἐξομολογοῦνται

ἀμέθοδόν τι εἶναι παράπηγμα τὴν ἱστορίαν

καὶ ἡμεῖς ἐπελογισάμεθα καὶ ἄλλως οὐδὲν

τεχνικὸν θεώρημα πρὸς τὴν γνῶσιν αὐτῆς ἢ

σύστασιν παραδεδώκασι ῥητέον καὶ κατὰ τὸ

ἱστορικὸν μέρος ἀσύστατον εἶναι τὴν

γραμματικήν

Consequentemente se eles proacuteprios jaacute admitiram

que a lsquohistoacuteriarsquo eacute como uma lista (parapegma)

sem meacutetodo e noacutes mesmos o comprovamos e

aleacutem disso eles natildeo forneceram nenhum teorema

teacutecnico a favor do conhecimento dela ou de sua

consistecircncia entatildeo deve ser dito que tambeacutem no

que se refere agrave parte lsquohistoacutericarsquo a gramaacutetica eacute

inconsistente

Ὅτι τὸ τοὺς ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς μέρος

τῆς γραμματικῆς ἀσύστατόν ἐστιν

[270] Ἤδη μὲν δυνάμει καὶ τὸ περὶ ποιητὰς

καὶ συγγραφεῖς μέρος τῆς γραμματικῆς ἡμῖν

ἀνῄρηται δείξασι τὸ ἀδύνατον τοῦ κατὰ τὰς

τεχνολογίας καὶ τοῦ ἱστορικοῦ χωρὶς γὰρ

τούτων οὐκ ἀπευθύνεταί τις ποιήσεως

ἐξήγησις ὅμως δrsquo οὖν καὶ τὰ ἐν τούτῳ τῷ

μέρει πειρασόμεθα κοινότερον δυνάμενα

λέγεσθαι σκοπεῖν καὶ μάλιστα ὅτι οὕτως

ἐπιτεθαρρήκασιν αὐτῷ οἱ γραμματικοὶ ὡς καὶ

τὸ βιωφελὲς τῆς γραμματικῆς καὶ πρὸς

εὐδαιμονίαν ἀναγκαῖον ἐξ αὐτοῦ τολμᾶν

πιστοῦσθαι φασὶ γοῦν ὡς ἡ ποιητικὴ πολλὰς

δίδωσιν ἀφορμὰς πρὸς σοφίαν καὶ εὐδαίμονα

βίον ἄνευ δὲ τοῦ ἀπὸ γραμματικῆς φωτὸς οὐχ

A parte da gramaacutetica que trata de poetas e

escritores eacute inconsistente

A parte da gramaacutetica que trata de poetas e

escritores tambeacutem jaacute se encontra praticamente

destruiacuteda por termos demonstrado a

impossibilidade da exposiccedilatildeo teacutecnica e da parte

lsquohistoacutericarsquo e sem estas natildeo se pode por em

praacutetica qualquer exegese (eksegesis) da poesia No

entanto vamos nos esforccedilar em considerar o que

se pode dizer de maneira geral tambeacutem aqui

especialmente porque os gramaacuteticos depositam tal

confianccedila nessa parte que ousam aiacute apoiar-se para

provar que a gramaacutetica eacute uacutetil para a vida e

indispensaacutevel para a felicidade Ao menos quando

afirmam que a poesia (poietike) contribui em

muito para uma vida feliz e com sabedoria e que

178

οἷόν τε τὰ παρὰ τοῖς ποιηταῖς διορᾶν ὁποῖά

ποτέ ἐστιν χρειώδης ἄρα ἡ γραμματική

sem a luz da gramaacutetica natildeo eacute possiacutevel ver

claramente o que os poetas querem dizer em cada

passagem de forma que a gramaacutetica eacute uacutetil152

[271] τὸ δrsquo ὅτι συχνὰς δίδωσιν ἡ ποιητικὴ

ἀφορμὰς πρὸς εὐδαιμονίαν δῆλον ἐκ τοῦ τὴν

ὄντως κρατίστην καὶ ἠθοποιὸν φιλοσοφίαν

ἀπὸ τῆς παρὰ τοῖς ποιηταῖς γνωμολογίας τὴν

ἀρχὴν ἐρριζῶσθαι καὶ διὰ τοῦτο τοὺς

φιλοσόφους εἴ ποτε παραινετικῶς τι λέγοιεν

ταῖς ποιητικαῖς φωναῖς ὡσπερεὶ σφραγίζεσθαι

τὸ ὑπrsquo αὐτῶν λεγόμενον καὶ ὁ μὲν ἐπrsquo ἀρετὴν

παρακαλῶν φησὶν

ἀρετὴ δὲ κἂν θάνῃ τις οὐκ ἀπόλλυται

ὁ δὲ φιλαργυρίαν φεύγειν ἐγκελευόμενος

προφέρεται τὸ

μὴ Πλοῦτον εἴπῃς οὐχὶ θαυμάζω θεόν

ὃν χὡ κάκιστος ῥᾳδίως ἐκτήσατο

ὁ δὲ αὐτάρκειαν ὑπαγορεύων συμπιστοῦται

τὸ δόγμα ἐκ τοῦ τὸν Εὐριπίδην λέγειν

τί γὰρ δέει βροτοῖσι πλὴν δυοῖν μόνον

Δήμητρος ἀκτῆς πώματός θrsquo ὑδρηχόου

ἃ δὴ πάρεστι καὶ πέφυχrsquo ἡμᾶς τρέφειν

Que a poesia frequentemente contribui para a

felicidade eacute evidente pelo fato de que a filosofia

que na realidade tem mais poder e eacute formadora de

caraacuteter teve suas raiacutezes primeiras nos ditos

gnocircmicos dos poetas e por isso os filoacutesofos num

tom exortativo usavam passagens poeacuteticas para

validar por assim dizer seus proacuteprios dizeres

Assim o que exorta a virtude diz

A virtude mesmo que a pessoa morra natildeo

perece [Euriacutepides Temenoi fr 734 Nauck2]

o que nos conclama a evitar a avareza profere

Natildeo me fales de Riqueza eu natildeo venero um deus

a quem ateacute o mais vil facilmente conquista

[Euriacutepides Aeolus fr 20 Nauck2]

e outro que aconselha a autossuficiecircncia

confirma sua doutrina pelo que disse Euriacutepides

O que eacute preciso para os mortais senatildeo duas coisas

somente

o alimento de Demeacuteter e a aacutegua que flui

e das duas nos provecirc a natureza153

[fr 892 Nauck2]

[272] καὶ τὸ μὲν τοὺς ἄλλους φιλοσόφους

τοῦτο ποιεῖν οὐ παράδοξον αὐτοὺς δὲ

εὑρήσομεν τοὺς τῆς γραμματικῆς

κατηγόρους Πύρρωνά τε καὶ Ἐπίκουρον

ἐξομολογουμένους τὸ ἀναγκαῖον αὐτῆς ὧν ὁ

μὲν Πύρρων ἱστορεῖται τὴν Ὁμηρικὴν διὰ

παντὸς ποίησιν ἀναγινώσκων μὴ ἄν ποτε

τοῦτο ποιήσας εἴπερ μὴ ἐγίνωσκεν αὐτὴν

χρησίμην καὶ διὰ τοῦτο τὴν γραμματικὴν

E natildeo eacute incomum que outros filoacutesofos tambeacutem

faccedilam o mesmo encontraremos mesmo os que

acusaram a gramaacutetica Pirro e Epicuro admitindo

que seja necessaacuteria Pois diz-se que Pirro estava

sempre lendo a poesia homeacuterica e que natildeo o faria

se natildeo reconhecesse a utilidade dela e que por

isso a gramaacutetica eacute indispensaacutevel154

179

ἀναγκαίαν

[273] ὁ δὲ Ἐπίκουρος φωρᾶται τὰ κράτιστα

τῶν δογμάτων παρὰ ποιητῶν ἀνηρπακώς τόν

τε γὰρ ὅρον τοῦ μεγέθους τῶν ἡδονῶν ὅτι ἡ

παντός ἐστι τοῦ ἀλγοῦντος ὑπεξαίρεσις ἐξ

ἑνὸς στίχου δέδεικται λαβών ltτοῦgt

αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντο

τὸν δὲ θάνατον ὅτι οὐδέν ἐστι πρὸς ἡμᾶς

Ἐπίχαρμος αὐτῷ προμεμήνυκεν εἰπὼν

ἀποθανεῖν ἢ τεθνάναι οὔ μοι διαφέρει

ὡσαύτως δὲ καὶ τὰ νεκρὰ τῶν σωμάτων

ἀναισθητεῖν παρrsquo Ὁμήρου κέκλοφε

γράφοντος

κωφὴν γὰρ δὴ γαῖαν ἀεικίζει μενεαίνων

E Epicuro por seu lado foi acusado de tomar dos

poetas a parte realmente importante de suas

doutrinas Com efeito alegou-se que o lsquolimite da

intensidade do prazerrsquo como lsquoa extinccedilatildeo de toda

dorrsquo [RS 3] teria sido tirada deste uacutenico verso

ldquoTendo assim pois a vontade da fome e da sede

saciadordquo

[Il I 469 Trad Carlos Alberto Nunes]

e Epicarmo155 jaacute havia mostrado a ele que lsquoa morte

natildeo eacute nada para noacutesrsquo [DL 10124 Lucreacutecio De

rer nat III 830ss] ao dizer

Morrer ou estar morto natildeo faz diferenccedila para

mim156 [fg 23 B 11 DK]

E da mesma forma teria roubado deste verso

escrito por Homero a ideia de que os corpos

mortos satildeo insensiacuteveis157

ldquopois contra terra insensiacutevel apenas a fuacuteria

exercitardquo

[Il XXIV 54 Trad Carlos Alberto Nunes]

[274] καὶ μὴν οὐ ταῦτα μόνον τοῖς ποιηταῖς

δεξιῶς εἰρῆσθαι φαίνεται ἀλλὰ καὶ τὰ περὶ

θεῶν οἷόν ἐστι καὶ τὸ παρὰ τῷ Εὐριπίδῃ

λεχθὲν ἐν Φρίξῳ

ὅστις δὲ θνητῶν οἴεται καθrsquo ἡμέραν

κακόν τι πράσσων τοὺς θεοὺς λεληθέναι

δοκεῖ πονηρά καὶ δοκῶν ἁλίσκεται

ὅταν σχολὴν ἄγουσα τυγχάνῃ δίκη

ἀλλrsquo εἴπερ ταῦτα καὶ τὰ τούτοις ἐοικότα

χρειώδη ἐστί λαμβάνεται δrsquo οὐ χωρὶς

γραμματικῆς ἔσται καὶ ἡ γραμματικὴ τῶν

βιωφελῶν

E de fato natildeo apenas estas coisas se revelaram

muito bem expressas pelos poetas mas tambeacutem o

que dizem sobre os deuses por exemplo Euriacutepides

em seu Frixo

Qualquer mortal que acredite poder fazer o mal

dia apoacutes dia e passar despercebido pelos deuses

eacute leviano e sucumbiraacute agrave sua proacutepria leviandade

tatildeo logo a justiccedila tenha um tempo livre158

[Fr 124 West2 ]

Pois bem se de fato esses dizeres e outros

semelhantes satildeo uacuteteis e natildeo se pode compreendecirc-

los sem a ajuda da gramaacutetica entatildeo a gramaacutetica

tambeacutem estaraacute entre as coisas que satildeo uacuteteis para a

180

vida

[275] ἔχοι δrsquo ἄν τινα φασίν ἐξαιρέτως καὶ

ταῖς τῶν μανθανόντων αὐτὴν πατρίσιν

ἀναγκαῖα Λεβεδίων γοῦν διαφερομένων πρὸς

τοὺς ἀστυγείτονας περὶ Καμανδωδοῦ ὁ

γραμματικὸς τὸ Ἱππωνάκτειον παραθέμενος

ἐνίκα

μηδέ μοι μῦ

λαλεῖν Λεβεδίην ἰσχάδrsquo ἐκ Καμανδωδοῦ

ὁμιλητικούς τε παρεχομένη τοὺς προσέχοντας

αὐτῇ εὐθὺς καὶ ταύτῃ [καὶ] τοῖς πέλας κατὰ

πολλὰς περιστάσεις ὀνησιφόρος γίνεται

E conforme dizem a gramaacutetica traria aleacutem do

mais algumas vantagens especiais para as paacutetrias

daqueles que se instruem nela159 Ao menos diz-se

que os lebedianos estavam disputando com seus

vizinhos acerca de Camandodo e que seu

gramaacutetico venceu a disputa ao citar Hipocircnax

E natildeo me venha com figos lebedianos de

Camandodo [fr 124 West2]

E por tornar sociaacuteveis os homens que se dedicam

a ela evidentemente que neste sentido tambeacutem

traraacute em muitas circunstacircncias benefiacutecios para os

vizinhos

[276] πάρεστι δὲ τὸ λεγόμενον σκοπεῖν ἐξ

αὐτῶν τῶν ἀποτελεσμάτων Σώστρατος γάρ

ὥς φασιν ἀποσταλεὶς ὑπὸ Πτολεμαίου πρὸς

τὸν Ἀντίγονον βασιλικῆς τινὸς ἕνεκα χρείας

κἀκείνου εἰκαιότερον ἀποκρινομένου

ἐπέτυχεν εἰπὼν

οὕτω δὴ κέλεαι γαιήοχε κυανοχαῖτα

τόνδε φέρω Διὶ μῦθον ἀπηνέα τε κρατερόν

τε

ἤ τι μεταστρέψεις στρεπταὶ μέν τε φρένες

ἐσθλῶν

ταῦτα γὰρ ἀκούσας Ἀντίγονος μετεβάλλετο

Isso se verifica a partir dos proacuteprios resultados

Pois Soacutestrato segundo dizem foi enviado por

Ptolomeu a Antiacutegono para tratar de algum assunto

do interesse real e quando este lhe respondeu de

forma precipitada teria obtido ecircxito ao contestar

ldquoAbalador poderoso desejas que a Zeus em

verdade

decirc de tua parte um recado tatildeo duro e insolente

como esse

Natildeo seraacute bom refletires Os homens sensatos satildeo

doacuteceisrdquo

[Il XV 201-203] Trad Carlos Alberto Nunes

Com efeito ao escutar tais palavras Antiacutegono

mudou de ideacuteia

[277] Πολλῶν δὴ τοιούτων λεγομένων εἰς

τὸ χρησιμώτατον εἶναι τὸ τῆς γραμματικῆς

μέρος τὸ περὶ ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς

καταγιγνόμενον δείγματος χάριν τοῖς

ἐκκειμένοις ἀρκεσθέντες λέγωμεν πρὸς

ἕκαστον αὐτῶν τὸ τοίνυν βιωφελῆ εἶναι τὴν

De fato haacute muitos argumentos semelhantes em

favor da enorme utilidade da parte da gramaacutetica

que trata de poetas e escritores mas vamos nos

dar por satisfeitos com os jaacute expostos como um

padratildeo e passaremos a contra-argumentar contra

cada um deles Pois bem o argumento de que a

181

ποιητικὴν γνωμολογίαν καὶ φιλοσοφίας

ἀρχήν ταύτης δὲ ἀποδοτικὴν ὑπάρχειν τὴν

γραμματικήν ὄντως γραμματικόν ἐστιν

poesia gnocircmica eacute uacutetil para vida e o princiacutepio da

filosofia e que a interpretaccedilatildeo dela compete agrave

gramaacutetica realmente eacute tiacutepico de um gramaacutetico

[278] πρῶτον μὲν γάρ ἵνα συνδράμωμεν

αὐτοῖς μηδὲν ποιητικῆς κατειπόντες ἀλλrsquo οὖν

γε ἐκεῖνο πρόδηλόν ἐστιν ὅτι ὁπόσα μὲν

βιωφελῆ καὶ ἀναγκαῖα εὑρίσκεται παρὰ

ποιηταῖς οἷά ἐστι τὰ γνωμικὰ καὶ

παραινετικά ταῦτα σαφῶς αὐτοῖς πέφρασται

καὶ οὐ δεῖται γραμματικῆς ltὁπόσα δὲ μὴ

σαφῶς πέφρασται καὶ δεῖται γραμματικῆςgt

καθάπερ τὰ ἐν ξέναις ἱστορίαις κείμενα ἢ

αἰνιγματωδῶς ἐκφερόμενα ταῦτrsquo ἐστιν

ἄχρηστα ὥστε καὶ τῇ ἀπrsquo ἐκείνων ὠφελείᾳ

μὴ συνεισέρχεσθαι αὐτῶν τὸ χρειῶδες τῆς

γραμματικῆς καὶ τῇ τούτων ματαιότητι

συμπεριφέρεσθαι

Porque em primeiro lugar minus e coincidimos com

eles ao natildeo levantar acusaccedilotildees contra a poesia minus

eacute mesmo evidente que aquilo que nos poetas eacute

necessaacuterio e uacutetil para a vida tais como as

maacuteximas de sabedoria e as exortaccedilotildees estaraacute jaacute

claramente formulado e natildeo seraacute preciso

explicaccedilatildeo gramatical e o que natildeo estaacute dito

claramente e precisa de explicaccedilatildeo gramatical

como o que estaacute escrito de forma enigmaacutetica ou

em histoacuterias insoacutelitas (ksenai) eacute de todo inuacutetil160

De forma que a utilidade da gramaacutetica natildeo

sobreveacutem do benefiacutecio que nos trazem aquelas

primeiras e acaba por acomodar-se agrave futilidade161

destas uacuteltimas

[279] εἶτα φάσις μόνον ἐστὶν ἡ γνώμη

καθάπερ τὸ τοιοῦτο

σοφὸν γὰρ ἓν βούλευμα τὰς πολλὰς χέρας

νικᾷ σὺν ὄχλῳ δrsquo ἀμαθία πλεῖστον κακόν

φάσει δὲ οὐ πείθεται ὁ νοῦς περὶ τοῦ καλῶς

εἰρῆσθαι ἢ μὴ [εἰρῆσθαι] ἀλλrsquo ἀποδείξεων

δεῖται αἱ δὲ ἀποδείξεις τῶν καθηκόντως

λεγομένων ἢ μὴ οὐ γραμματικῆς εἰσιν ἀλλὰ

φιλοσοφίας τοίνυν καὶ ταύτῃ περισσὴν καὶ

ματαίαν συμβέβηκεν εἶναι τὴν γραμματικήν

καὶ μὴν εἴπερ διὰ τὸ πολλὰ καλῶς εἰρῆσθαι

τοῖς ποιηταῖς καὶ βιωφελῶς χρησίμη ἐστὶν ἡ

προφῆτις γραμματικὴ αὐτῶν ἐπεὶ

πολλαπλασίονα τούτων διαστρόφως καὶ ἐπὶ

λύμῃ τοῦ βίου παρrsquo αὐτοῖς ἐξενήνεκται

ἄχρηστος γενήσεται καθὰ γὰρ ἔστι τις ὁ

Ademais uma maacutexima eacute apenas uma asserccedilatildeo

como a seguinte

Um uacutenico conselho saacutebio conquista muitas matildeos

mas a ignoracircncia aliada agrave multidatildeo eacute o pior dos

males [Euriacutepides Antiacuteope fr 200 Nauck2]

E uma asserccedilatildeo natildeo eacute capaz de convencer o

intelecto da propriedade do que eacute dito mas eacute

preciso haver provas E natildeo eacute tarefa da gramaacutetica

mas da filosofia dar provas do que estaacute ou natildeo

apropriadamente dito162 Assim tambeacutem dessa

maneira a gramaacutetica acaba por ser vatilde e supeacuterflua

Na verdade se eacute por causa das muitas coisas que

os poetas dizem de maneira tatildeo adequada e

proveitosa para a vida que a pitonisa gramatical

deles eacute uacutetil entatildeo visto que o nuacutemero de coisas

que eles disseram de maneira deploraacutevel e

182

εἰπὼν

μὴ Πλοῦτον εἴπῃς οὐχὶ θαυμάζω θεόν

ὃν χὡ κάκιστος ῥᾳδίως ἐκτήσατο

οὕτως ἔστι καὶ ὁ τοὐναντίον ἀποφαινόμενος

ὦ χρυσὲ δεξίωμα κάλλιστον βροτοῖς

ὡς οὔτε μήτηρ ἡδονὰς τοίας ἔχει

οὐ παῖδες ἀνθρώποισιν οὐ φίλος πατήρ

οἵας σὺ χοἱ σὲ δώμασιν κεκτημένοι

καὶ πάλιν

εὖ πρᾶσσε τὰ φίλων δrsquo οὐδὲν ἤν τις δυστυχῇ

καὶ

κάλλιστα μουσῶν φθέγγεται πλουτῶν ἀνήρ

ofensiva agrave vida eacute muito maior ela se tornaraacute inuacutetil

Pois assim como haacute um que diz

Natildeo me fales de Riqueza eu natildeo venero um deus

a quem ateacute o mais vil facilmente conquista

[Euriacutepides Eolo frag 20 Nauck2]

tambeacutem haveraacute o que declara o contraacuterio

Oacute ouro para os mortais a mais bela posse

Para os homens tal prazer natildeo nos daacute

Nem a matildee nem os filhos nem um pai querido

Tal como fazes tu e aqueles que te tecircm em casa

[Euriacutepides Danaides frag 324 Nauck2]

E tambeacutem

Sejas bem-sucedido amizades natildeo existem na

miseacuteria [Euriacutepides Feniacutecias 403]

E

A mais bela das melodias eacute a voz de um homem

rico [fr adesp 464 Nauck2]

[280] ἀναποδείκτως μὲν οὖν λεγομένων τῶν

οὕτως ἐναντίων ἐπιρρεπέστερον ἔχουσιν

ἄνθρωποι πρὸς τὴν τοῦ χείρονος ἐκλογήν καὶ

διὰ τοῦτο βλαπτικὴ ἀναφαίνεται ἡ ποιητική

διακρινομένων δὲ αὐτῶν καὶ τῶν μὲν

ἀθετουμένων τῶν δὲ προκρινομένων

χρειώδης γίνεται οὐχ ἡ γραμματικὴ ἀλλrsquo ἡ

διακρίνειν δυναμένη φιλοσοφία ποιητικοῖς τε

μαρτυρίοις χρῶνται οὐχ οἱ γνησίως

φιλοσοφοῦντες (τούτων γὰρ ὁ λόγος

αὐτάρκης ἐστὶ πρὸς πειθώ) ἀλλrsquo οἱ τὸν πολὺν

καὶ ἀγοραῖον φενακίζοντες ὄχλον

Frente a tatildeo diacutespares afirmaccedilotildees feitas sem prova

os homens tendem agrave escolha do pior e eacute por esse

motivo que a poesia eacute vista como algo nocivo E

quando se distingue o que deve ser preterido do

que deve ser preferido natildeo eacute a gramaacutetica que eacute

uacutetil mas aquela que tem a capacidade de

diferenciaacute-los ou seja a filosofia E natildeo satildeo os

que legitimamente (gnesios) filosofam que fazem

uso dos testemunhos de poetas (pois no caso

destes seu proacuteprio raciociacutenio eacute o bastante para

convencer) mas aqueles que iludem as multidotildees

nas praccedilas puacuteblicas163

[281] οὐ γὰρ δυσχερὲς ποιητὰς μαχομένους

καὶ εἰς ὅ τι ἂν θέλωσιν ᾄδοντας δεῖξαι ὅτε

καὶ οἱ προηγουμένως φιλοσοφοῦντες πολλὰ

μαχομένως λέγουσιν τῶν δὲ γραμματικῆς

Certamente natildeo eacute difiacutecil demonstrar que os poetas

se contradizem e cantam o que quiserem do modo

como quiserem quando mesmo filoacutesofos

importantes dizem muitas coisas contraditoacuterias

183

κατηγόρων ὁ μὲν Πύρρων παρrsquo ἕκαστα τὴν

Ὁμηρικὴν διετύλισσε ποίησιν οὐ πάντως διὰ

τὴν εἰρημένην αἰτίαν ἀλλὰ τάχα μὲν

ψυχαγωγίας χάριν καὶ ὡς εἰ κωμῳδῶν

ἠκροᾶτο τάχα δὲ καὶ τοὺς ποιητικοὺς

παρατηρῶν τρόπους καὶ χαρακτῆρας

Pirro um dos acusadores da gramaacutetica estava

constantemente a ler a poesia homeacuterica mas natildeo

necessariamente pela razatildeo mencionada mas

talvez agrave guisa de entretenimento (psukhagogia)164

como se estivesse assistindo a uma comeacutedia e

talvez tambeacutem para observar estilos (kharakterai)

e figuras poeacuteticas

[282] λέγεται γὰρ αὐτὸν καὶ ποίησιν εἰς τὸν

Μακεδόνα Ἀλέξανδρον γράψαντα μυρίοις

χρυσοῖς τετιμῆσθαι οὐκ ἀπέοικε δὲ καὶ ἄλλας

αἰτίας ὑπάρχειν περὶ ὧν ἐν τοῖς Πυρρωνείοις

διεξήλθομεν

Pois diz-se que Pirro teria ele proacuteprio escrito um

poema para Alexandre da Macedocircnia e teria sido

gratificado com mil moedas de ouro E natildeo eacute

improvaacutevel que existam tambeacutem outras razotildees e

sobre elas nos debruccedilamos em nossas

Pirrocircnicas165

[283] ὁ δὲ Ἐπίκουρος οὐκ ἐκ τῶν Ὁμηρικῶν

εἴληφε τὸν ὅρον τοῦ μεγέθους τῶν ἡδονῶν

μακρῷ γὰρ διαφέρει τὸ λέγειν ὅτι ἐπαύσαντό

τινες πίνοντες καὶ ἐσθίοντες καὶ τὴν αὑτῶν

ἐπιθυμίαν πληροῦντες (τοῦτο γάρ ἐστι τὸ

αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντο)

τοῦ φάναι ὅρον εἶναι τῶν περὶ τὰς ἡδονὰς

μεγεθῶν τὴν τοῦ ἀλγοῦντος ὑπεξαίρεσιν

τοῦτο γὰρ οὐ πάντως κρέασι καὶ οἴνῳ ἀλλὰ

καὶ τοῖς λιτοτάτοις πέφυκε γίνεσθαι

E Epicuro natildeo tomou de Homero o lsquolimite da

intensidade do prazerrsquo Porque difere muitiacutessimo

dizer que alguns homens pararam de comer e de

beber e de satisfazer seus desejos (pois isto eacute o

que diz o verso

Entatildeo quando aplacaram o desejo de comer e

beber)

de dizer que lsquoo limite da intensidade do prazerrsquo eacute

lsquoa extinccedilatildeo de toda dorrsquo Pois isto natildeo sobreveacutem

naturalmente somente com a carne e o vinho

bastam os alimentos mais simples

[284] ἄλλως τε ὁ μὲν ποιητὴς ἐπὶ

προσφερομένων μόνων ἐποιήσατο τὴν

ἀπόφασιν Ἐπίκουρος δὲ ἐπὶ πάντων τῶν

ἀπολαυστῶν ἐν οἷς ἐστι καὶ ἡ ἀφροδίσιος

μῖξις περὶ ἧς πάντες ἴσασιν οἵαν ἔσχε γνώμην

Ὅμηρος τό τε τὸν θάνατον [μὲν] μηδὲν εἶναι

πρὸς ἡμᾶς εἴρηται μὲν ἴσως τῷ Σώφρονι

ἀποδέδεικται δὲ Ἐπικούρῳ καὶ ἔστιν οὐ τὸ

εἰπεῖν ἀλλὰ τὸ ἀποδεῖξαι θαυμαστόν

Por outro lado o poeta fez esta afirmaccedilatildeo apenas

sobre as coisas que eles tinham ingerido mas o

limite de Epicuro se estende a todas as coisas

prazerosas (apolausta) incluiacutedas aiacute as relaccedilotildees

sexuais e todo o mundo sabe qual era o

pensamento de Homero a este respeito166 Talvez

Soacutefron167 tenha mesmo dito que a morte natildeo eacute

nada para noacutes mas quem o demonstrou foi

Epicuro e o admiraacutevel natildeo eacute dizer mas provar

184

[285] εἶτα οὐδὲ κατὰ τοῦτο ἔφησεν ὁ

Ἐπίκουρος τὸν θάνατον μηδὲν εἶναι πρὸς

ἡμᾶς καθὸ ἀδιάφορόν ἐστιν ἢ ζῆν ἢ μή

πολλῷ γὰρ αἱρετώτερον τὸ ζῆν διὰ τὸ

αἰσθανομένων εἶναι τὸ ἀγαθόν ἀλλrsquo ἐν

ἀναισθησίᾳ οὔτε κακόν τι εἶναι οὔτε ἀγαθόν

τὸ μὲν γὰρ ἀναισθητεῖν τὰ νεκρὰ τῶν

σωμάτων οὐχ ὁ ποιητὴς μόνος οἶδεν ἀλλὰ καὶ

ὁ σύμπας βίος μήτηρ γοῦν πολλάκις υἱὸν

θρηνοῦσα φησὶν lsquoἀλλὰ σὺ μὲν τούτων οὐκ

ἐπαισθάνῃ ἐγὼ δὲ ταλαιπωρῶrsquo καὶ

ἐνατενίζουσα ἐπιφθέγγεται lsquoτίς δέ ἐστιν ἔτι

σοι τούτων ὄνησιςrsquo

Aleacutem do mais Epicuro natildeo disse que lsquoa morte natildeo

eacute nada para noacutesrsquo no sentido de que natildeo haacute

diferenccedila entre viver ou estar morto (pois viver eacute

de longe muito melhor jaacute que o bem (to agathon)

pertence aos que podem sentir) mas porque na

ausecircncia de sensaccedilotildees natildeo haacute bem nem mal168 E

com efeito todo mundo sabe que os corpos mortos

satildeo insensiacuteveis natildeo apenas o poeta Assim uma

matildee repetindo lamentos pelo filho morto diz lsquotu

natildeo te apercebes de nada e eu sofro

miseravelmentersquo e com os olhos fixos nele

exclama lsquode que te serve isso agorarsquo

[286] οὐ μὴν ἀλλrsquo ἐὰν ἐξετάζῃ τις τὴν

ἐναντίαν ἔχοντα δόξαν εὑρήσει τὸν ποιητήν

αἱ μὲν γὰρ ψυχαὶ κοινῶς διψῶσιν αἵματος

(ἀλλrsquo ἀποχάζεο βόθρου ἄπισχε δὲ φάσγανον

ὀξὺ

αἵματος ὄφρα πίω καί τοι νημερτέα εἴπω)

58 ὁ δὲ Τάνταλος ἕστηκεν ἐν λίμνῃ

ἡ δὲ προσέκλυζε γενείῳ

στεῦτο δὲ διψάων πιέειν δrsquo οὐκ εἶχεν

ἑλέσθαι

E tudo isso natildeo nos impede de ao procurar com

alguma atenccedilatildeo encontrar o poeta a expressar

justamente a opiniatildeo contraacuteria169 Assim as almas

estatildeo comumente sedentas de sangue

lsquoMas para o lado do fosso retira-te e a espada

recolhe

para que eu possa do sangue provar e dizer-te a

verdadersquo

[Odisseia XI 95-6 Trad Carlos Alberto Nunes]

E Tacircntalo permanece no pacircntano onde

com aacutegua a bater-lhe no queixo

Sede sofria mas era impossiacutevel jamais minoraacute-la

[Od XI 583-584 Trad Carlos Alberto Nunes]

[287] καὶ μὴν ὅσον ἐπὶ τῷ ὑπrsquo Εὐριπίδου

λεχθέντι περὶ θεῶν τὴν αὐτὴν καὶ οἱ ἰδιῶται

δόξαν ἔχουσιν ἴσον γάρ ἐστι τῷ

ὅστις δὲ θνητῶν οἴεται τοὐφήμερον

E quanto ao que foi dito por Euriacutepides sobre os

deuses ateacute as pessoas comuns tecircm a mesma

opiniatildeo Pois daacute na mesma dizer isto

Qualquer mortal que acredite poder fazer o mal

58 Blank ad loc deleta ὁ δὲ Τιτυὸς ὑπὸ γυπῶν διὰ τὴν ἐπιθυμίαν ἡπατοφαγεῖταιO fiacutegado de Tiacutecio eacute devorado pelos abutres por causa de sua luxuacuteria Sexto menciona o supliacutecio de Tiacutecio bem como o de Tacircntalo de maneira a criticar a contradiccedilatildeo dos versos homeacutericos acerca das sensaccedilotildees de algueacutem que jaacute estaacute morto nos Contra os Fiacutesicos M IX 68-70 lsquotodo aquele que sofre eacute mortalrsquo

185

κακόν τι πράσσων τοὺς θεοὺς λεληθέναι

δοκεῖ πονηρά καὶ δοκῶν ἁλίσκεται

ὅταν σχολὴν ἄγουσα τυγχάνῃ δίκη

καὶ τὸ οὕτω παρὰ τοῖς πολλοῖς λεγόμενον

ὀψὲ θεῶν ἀλέουσι μύλοι ἀλέουσι δὲ λεπτά

μόνῳ δὲ διενήνοχε τῷ μέτρῳ

todos os dias e passar despercebido pelos deuses

eacute leviano e sucumbiraacute agrave sua proacutepria leviandade

tatildeo logo a justiccedila tenha um tempo livre

[fr 235 Nauck2]

ou como dizem muitos

Lentamente moem os moinhos dos deuses mas

moem muito fino170

a uacutenica diferenccedila estaacute no tipo de metro171

[288] ἂν δὲ καὶ ἐξετάσῃ τις πολλῷ χείρονα

τῆς τῶν ἰδιωτῶν ὑπολήψεως εὑρήσει τὰ τῶν

ποιητῶν καὶ ὁ μὲν σκηνικὸς ἀναγορευθεὶς

φιλόσοφος ἔτι μετριώτερος φαίνεται λέγων

μὴ εἰδέναι ᾧ προσεύχεται

ὦ γῆς ὄχημα κἀπὶ γῆς ἔχων ἕδραν

ὅστις ποτrsquo εἶ σύ δυστόπαστος εἰσιδεῖν

Ζεύς εἴτrsquo ἀνάγκη φύσεος εἴτε νοῦς βροτῶν

προσευξάμην σέ

E se algueacutem procurar com atenccedilatildeo descobriraacute

que satildeo muito piores as suposiccedilotildees dos poetas do

que aquelas das pessoas comuns Mesmo que

nosso proclamado lsquodramaturgo filoacutesoforsquo172 ainda

pareccedila bastante moderado quando diz natildeo saber a

quem faz suas suacuteplicas

Oacute Zeus suporte da terra e que sobre a terra tens

teu assento

Quem quer que sejas ser inescrutaacutevel

Necessidade da natureza ou mente dos mortais

A ti dirijo minhas suacuteplicas

[Euriacutepides Troianas 884-7]

[289] Ὅμηρος δὲ καὶ Ἡσίοδος κατὰ τὸν

Κολοφώνιον Ξενοφάνη

ὡς πλεῖστrsquo ἐφθέγξαντο θεῶν ἀθεμίστια ἔργα

κλέπτειν μοιχεύειν τε καὶ ἀλλήλους ἀπατεύειν

Κρόνος μὲν γάρ ἐφrsquo οὗ τὸν εὐδαίμονα βίον

γεγονέναι λέγουσι τὸν πατέρα ἠνδροτόμησε

καὶ τὰ τέκνα κατέπιεν Ζεύς τε ὁ τούτου παῖς

ἀφελόμενος αὐτὸν τῆς ἡγεμονίας

γαίης νέρθε καθεῖσε καὶ ἀτρυγέτοιο

θαλάσσης

τῆλε μάλrsquo ἧχι βάθιστον ὑπὸ χθονός ἐστι

βέρεθρον

De acordo com Xenoacutefanes de Coacutelofon Homero e

Hesiacuteodo

fizeram alarde de inuacutemeros atos criminosos dos

deuses

roubar trair e enganar uns aos outros

[Xenoacutefanes B12 DK]

Com efeito Cronos173 (e dizem que a vida era soacute

felicidade em seu tempo) castrou o pai e devorou

os filhos e quando foi deposto pelo seu proacuteprio

filho Zeus este

ldquopocircs Crono embaixo da terra fecunda e do mar

incansaacutevelrdquo

[Il XIV 204-205 Trad Carlos Alberto Nunes]

186

[290] τῷ δὲ Διὶ ἐπιβουλεύουσιν οἱ συγγενεῖς

παρὸ καὶ ὑπὸ Θέτιδος βοηθεῖται

ὁππότε μιν ξυνδῆσαι Ὀλύμπιοι ἤθελον ἄλλοι

Ἥρη τrsquo ἠδὲ Ποσειδάων καὶ Παλλὰς Ἀθήνη

ὠμότατος γάρ ἐστι καὶ τὴν μὲν ἀδελφὴν καὶ

γυναῖκα ἱεροσύλου τρόπον κρεμάσας οὐκ

ἀρκεῖται ἀλλὰ καὶ ὀνειδίζει λέγων

ἢ οὐ μέμνῃ ὅτε τrsquo ἐκρέμω ὑψόθεν ἐκ δὲ

ποδοῖιν

ἄκμονας ἧκα δύω περὶ χερσὶ δὲ δεσμὸν ἴηλα

χρύσεον ἄρρηκτον σὺ δrsquo ἐν αἰθέρι καὶ

νεφέλῃσιν

ἐκρέμω ἠλάστεον δὲ θεοὶ κατὰ μακρὸν

Ὄλυμπον

E contra Zeus conspiraram seus proacuteprios

familiares e Teacutetis foi quem o ajudou

ldquoquando outros deuses do Olimpo em liame

quiseram prendecirc-lo Hera e Posido de escuros

cabelos e Palas Atenardquo

[Il I 399-400 Trad Carlos Alberto Nunes]

pois Zeus eacute muito cruel natildeo lhe bastou ter posto

na forca a irmatilde e esposa como se houvesse

profanado um templo mas ainda a insultou

dizendo

ldquoOu natildeo te lembras do tempo em que no alto

ficaste suspensa

com duas grandes bigornas nos peacutes amarradas e

algemas

de ouro infrangiacuteveis nos punhos Pendeste das

nuvens desta arte

indignaccedilatildeo provocando nos deuses do Olimpordquo

[Il XV 18-21 Traduccedilatildeo Carlos Alberto Nunes]

[291] τὸν δὲ Ἥφαιστον ὀργισθεὶς ῥίπτει ἀπὸ

τοῦ οὐρανοῦ ὁ δὲ

κάππεσεν ἐν Λήμνῳ ὀλίγος δrsquo ἔτι θυμὸς

ἐνῆεν

τὸν δὲ ἀδελφὸν ὑπερορᾷ

οἰκίrsquo ἔχοντα

σμερδαλέrsquo εὐρώεντα τά τε στυγέουσι θεοί περ

πρόσεστι δὲ αὐτῷ πρὸς τῇ ἀποτομίᾳ καὶ

ἀκρασία ὃς θεασάμενος τὴν Ἥραν ἐπὶ τῆς

Ἴδης κεκοσμημένην οὐ καρτερεῖ μέχρις τῶν

ἀποδεδειγμένων αὐτοῖς θαλάμων ἐλθεῖν ἀλλrsquo

ἐπὶ τοῦ ὄρους χαμαὶ ῥίψας ἑαυτὸν

συγκυλίνδεται τῇ γυναικί

τοῖσι δrsquo ὑπὸ χθὼν δῖα φύεν νεοθηλέα ποίην

E tomado de coacutelera do ceacuteu atirou abaixo Hefesto

que

ldquofui ter a Lemno sem dar quase mostras de ainda

estar vivordquo

[Il I 593 Traduccedilatildeo Carlos Alberto Nunes]

Tambeacutem desdenha do irmatildeo dizendo

ldquoseu tenebroso palaacutecio que ateacute pelos numes eacute

odiadordquo

[Il XX 65-66 Traduccedilatildeo Carlos Alberto Nunes]

Some-se a sua crueldade sua intemperanccedila Ao

ver Hera toda arrumada sobre o monte Ida natildeo se

conteve e sem esperar que chegassem ao quarto

ali mesmo rolou no chatildeo com sua mulher e

ldquoFez logo que erva florida da terra divina

187

λωτόν θrsquo ἑρσήεντα ἰδὲ κρόκον ἠδrsquo ὑάκινθον crescesse

loto rociado e virente accedilafratildeo prazzenteiro e

jacintordquo

[Il XIV 347-348 Trad Carlos Alberto Nunes ]

[292] ποικίλης οὖν πεφωραμένης τῆς

ποιήσεως ἀνωφελὴς ἡ γραμματικὴ μὴ

δυναμένη ἀποδεῖξαι τίσι πιστευτέον ἐστὶν ὡς

ἀληθέσι καὶ τίσιν ἀπιστητέον ὡς μυθικοῖς

ψεύσμασιν

Assim pois revelada a inconstacircncia da poesia

percebe-se a inutilidade da gramaacutetica jaacute que natildeo eacute

capaz de apontar quais coisas devemos crer como

verdadeiras e quais desacreditar como falsos

mitos

[293] Ἀλλὰ πόλει φασὶ χρησίμην εἶναι τὴν

γραμματικήν ἐπεὶ καὶ Λεβεδίοις νίκης αἴτιον

ἐγένετο ltτὸgt59 ἐκ ποιητικῆς μαρτύριον ἕνεκα

δὲ τούτου καὶ τὴν ὀρχηστικὴν ἀναγκαίαν

λέγομεν εἶναι ἐπεὶ Σώστρατος ὁ Ἀντιόχου

ὀρχηστής λαβόντος ὑποχείριον τὴν Πριήνην

τοῦ βασιλέως πατρίδα οὖσαν αὐτοῦ καὶ παρὰ

τὸ συμπόσιον τὴν ἐλευθερίαν ἀναγκαζόμενος

ὀρχεῖσθαι οὐ καλὸν ἔφη τῆς πατρίδος αὐτοῦ

δουλευούσης αὐτὸν ἐλευθερίαν ὀρχεῖσθαι

καὶ διὰ τοῦτο ἐλευθερωθῆναι τὴν πόλιν

Mas se dizem que a gramaacutetica eacute uacutetil para uma

cidade porque os lebedianos obtiveram uma

vitoacuteria agraves custas de uma citaccedilatildeo poeacutetica noacutes

diremos que no que depender dessa relaccedilatildeo

tambeacutem a danccedila eacute necessaacuteria Pois Soacutestrato

bailarino de Antiacuteoco quando o rei tomou sua

cidade natal Priene agrave forccedila ao ser obrigado a

danccedilar no banquete de comemoraccedilatildeo disse natildeo

ser correto danccedilar a danccedila da liberdade enquanto

sua paacutetria era escravizada e por causa disto a

cidade foi libertada174

[294] εἶτα ἄλλο μέν ἐστι τὸ πόλει χρήσιμον

ἄλλο δὲ τὸ ἡμῖν αὐτοῖς σκυτοτομικὴ γοῦν καὶ

χαλκευτικὴ πόλει μέν ἐστιν ἀναγκαῖον ἡμῖν

δὲ χαλκεῦσι γενέσθαι καὶ σκυτοτόμοις πρὸς

εὐδαιμονίαν οὐκ ἀναγκαῖον διόπερ καὶ ἡ

γραμματικὴ οὐκ ἐπεὶ πόλει χρησίμη

καθέστηκεν ἐξ ἀνάγκης καὶ ἡμῖν ἐστιν [ἡ]

τοιαύτη ἡ μὲν γὰρ ὁμιλητικὴ οὐκ ἀπὸ

γραμματικῆς περιγίνεσθαι πέφυκεν ἀλλrsquo ἀπὸ

κοινῆς τινος ἐντρεχείας [295] εἰ μή τι

Aleacutem disso uma coisa eacute ser uacutetil para a cidade

outra eacute ser uacutetil para noacutes mesmos Assim o ofiacutecio

do sapateiro e do ferreiro satildeo necessaacuterios para a

cidade mas natildeo eacute necessaacuterio tornarmo-nos

sapateiros ou ferreiros para alcanccedilar a felicidade

Por isso a gramaacutetica tambeacutem natildeo nos eacute

necessariamente uacutetil mesmo que seja uacutetil para a

cidade Aleacutem do que a sociabilidade natildeo eacute uma

consequecircncia natural da gramaacutetica mas sim de

alguma habilidade geral a natildeo ser que Decircmades o

orador fosse tambeacutem gramaacutetico

καὶ Δημάδης ὁ ῥήτωρ γραμματικὸς ἦν pois feito prisioneiro junto com muitos outros

59 Blank ad loc

188

πολλοῖς τῶν Ἀθηναίων μετὰ τὴν ἐν

Χαιρωνείᾳ ἧτταν συναιχμαλωτισθεὶς καὶ

εἰπὼν πρὸς τὸν Φίλιππον ἀναγκάζοντα

εὐωχεῖσθαι

τίς γάρ κεν ἀνήρ ὃς ἐναίσιμος εἴη

πρὶν τλαίη πάσασθαι ἐδητύος ἠδὲ ποτῆτος

πρὶν λῦσαί θrsquo ἑτάρους καὶ ἐν ὀφθαλμοῖσιν

ἰδέσθαι

atenienses depois da derrota em Queroneia disse a

Felipe que tentava obrigaacute-lo a participar de um

banquete175

Haveraacute quem se julgue dotado de espiacuterito justo

e que se atreva em verdade a tocar em comida

ou bebida

antes de os soacutecios haver libertado e de os ter sob

os olhosrsquo

[Od X 383-385 Trad Carlos Alberto Nunes]

[296] Ταῦτα μὲν οὖν πρὸς τὰς τῶν

γραμματικῶν ἐπιχειρήσεις λεγέσθω

προηγουμένως δὲ ῥητέον ὡς εἰ μὲν μόνοι

ἦσαν οἱ ποιηταὶ βιωφελεῖς τάχα ἂν ἡ

γραμματικὴ βιωφελὴς ἐγίνετο περὶ τούτους

πονουμένη νῦν δὲ ἐπεὶ οὗτοι μὲν ἢ ἀνωφελεῖς

εἰσιν ἢ ὀλιγωφελεῖς φιλόσοφοι δὲ καὶ οἱ

λοιποὶ συγγραφεῖς διδάσκουσι τὰ ὠφέλιμα

τῶν πραγμάτων οὐ δεόμεθα γραμματικῆς

Portanto tais satildeo as objeccedilotildees que se colocam

contra as reinvidicaccedilotildees dos gramaacuteticos Diz-se

principalmente que se apenas os poetas fossem

uacuteteis para a vida talvez a gramaacutetica por se ocupar

deles pudesse vir a ser uacutetil para a vida por ora jaacute

que satildeo de nenhuma ou pouca utilidade e os

filoacutesofos e demais escritores em prosa eacute que

ensinam o que eacute uacutetil natildeo precisamos da

gramaacutetica

[297] καὶ ὅτι οἱ συγγραφεῖς μᾶλλον ἢ οἱ

ποιηταὶ τὰ χρήσιμα τῷ βίῳ δηλοῦσιν

εὐεπιλόγιστον οἱ μὲν γὰρ τοῦ ἀληθοῦς

στοχάζονται οἱ δὲ ἐκ παντὸς ψυχαγωγεῖν

ἐθέλουσιν ψυχαγωγεῖ δὲ μᾶλλον τὸ ψεῦδος ἢ

τἀληθές τοίνυν ἐκείνοις ltμᾶλλονgt ἢ τούτοις

προσεκτέον τοῖς ἐπίτηδες τὸ ψεῦδος

μεταδιώκουσιν

Que os escritores mais que os poetas mostram o

que eacute uacutetil para vida infere-se facilmente Pois o

objetivo dos primeiros eacute a verdade jaacute os outros

querem de toda forma entreter e muito mais que a

verdade eacute a mentira que entreteacutem Assim

devemos preferir nos aliar aos primeiros e natildeo a

estes uacuteltimos que deliberadamente perseguem a

mentira

[298] καθόλου τε ὅσον ἐπὶ τοῖς ποιηταῖς οὐχ

οἷον ἀνωφελὴς τῷ βίῳ ἀλλὰ καὶ

βλαβερωτάτη ἐπιτείχισμα γὰρ ἀνθρωπίνων

παθῶν ἡ ποιητικὴ καθέστηκεν καὶ ὡς

γέρων γέροντι γλῶσσαν ἡδίστην ἔχει οὕτως οἱ

μὲν ἐρωτομανεῖς καὶ μέθυσοι τὰς Ἀλκαίου

καὶ Ἀνακρέοντος ποιήσεις ἀναγνόντες

Em geral no que se refere aos poetas a poesia natildeo

eacute apenas desnecessaacuteria para a vida eacute tambeacutem

muito prejudicial Pois a poesia se faz fortaleza

para as paixotildees humanas e assim como

a mais doce palavra para um velho eacute a de outro

velho [fr adesp 364 Nauck]

os loucos de amor e os becircbados exaltam-se ainda

189

προσεκκαίονται οἱ δὲ ὀργίλοι Ἱππώνακτα καὶ

Ἀρχίλοχον ἀλείπτας ἔχουσι τῆς περὶ αὐτοὺς

κακίας

mais ao lerem a poesia de Alceu e Anacreonte e

os irasciacuteveis tomam por mestres em seus viacutecios a

Hipocircnax e Arquiacuteloco

[299] Τὰ μὲν οὖν ὑπὸ τῶν ἄλλων λεγόμενα

κατὰ τὸν τόπον καὶ μάλιστα τῶν

Ἐπικουρείων ἐστὶ τοιαῦτα ἡμεῖς δὲ μηδὲν

κατειπόντες τῆς ποιητικῆς ἄλλως ποιώμεθα

τὰς ἀντιρρήσεις πρὸς τοὺς ἀξιοῦντας

γραμματικὴν ἔχειν τέχνην τῶν παρὰ ποιηταῖς

καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων διαγνωστικήν

Pois bem isso eacute o que outros dizem sobre o

assunto principalmente os epicuristas levantemos

noacutes que natildeo temos nada contra a poesia outro

tipo de refutaccedilotildees contra aqueles que creem

possuir na gramaacutetica uma arte para discriminar o

que eacute dito por poetas e escritores176

[300] ἐπεὶ τοίνυν πᾶν σύγγραμμα καὶ πᾶσα

ποίησις ἐκ λέξεων τῶν δηλουσῶν καὶ

πραγμάτων τῶν δηλουμένων συνέστηκε

δεήσει τὸν γραμματικόν εἴπερ ἔχει τέχνην

διαρθρωτικὴν τῶν παρὰ συγγραφεῦσι καὶ

ποιηταῖς λεγομένων ἤτοι τὰς λέξεις μόνον ἢ

τὰ ὑποκείμενα πράγματα γινώσκειν ἢ τὸ

συναμφότερον ἀλλὰ τὰ μὲν πράγματα κἂν

ἡμεῖς μὴ λέγωμεν φαίνεται μὴ γινώσκειν

τούτων γὰρ τὰ μέν ἐστι φυσικὰ τὰ δὲ

μαθηματικὰ τὰ δὲ ἰατρικὰ τὰ δὲ μουσικά καὶ

δεῖ τὸν μὲν φυσικοῖς ἐπιβάλλοντα πράγμασιν

εὐθὺς φυσικὸν εἶναι καὶ τὸν μουσικοῖς

μουσικὸν εἶναι καὶ τὸν μαθηματικοῖς εὐθὺς

εἶναι μαθηματικόν καὶ ἐπὶ τῶν ἄλλων

ὁμοίως ὁ μέντοι γραμματικὸς ltὅτιgt οὔκ

ἐστιν ἐν τῷ αὐτῷ πάνσοφος καὶ πάσης

ἐπιστήμης δαήμων σὺν τῷ καὶ αὐτόθεν

προσπίπτειν ἔτι κἀκ τῶν ἀποτελεσμάτων

ἐλέγχεται

Assim como toda composiccedilatildeo em prosa ou poesia

consiste de palavras e de coisas ou seja palavras

que expressam coisas e coisas expressadas por

palavras o gramaacutetico se possui a arte de analisar

o que eacute dito por poetas e prosadores deve

conhecer ou somente as palavras ou somente as

coisas subjacentes ou ambas juntas E natildeo eacute

preciso dizer parece que natildeo conhece as coisas

Com efeito trata-se de coisas que satildeo proacuteprias

tanto do estudo da natureza quanto da astronomia

ou da medicina e tambeacutem da muacutesica E conveacutem

agravequele que lida com coisas da natureza ser

obviamente um filoacutesofo da natureza da muacutesica

conveacutem ser muacutesico da astronomia ser claro um

astrocircnomo e assim por diante Mas o gramaacutetico

certamente natildeo eacute algueacutem que ao mesmo tempo eacute

saacutebio em tudo e domina todas as aacutereas do

conhecimento (episteme) o que aleacutem de ser

imediatamente oacutebvio tambeacutem se prova atraveacutes de

resultados177

[301] ποῦ γάρ τις δύναται τῶν ὠφρυωμένων

γραμματικῶν Ἡράκλειτον συνεῖναι καὶ

Πλάτωνι παρακολουθῆσαι λέγοντι

Pois onde estaacute tatildeo orgulhoso gramaacutetico que eacute

capaz de entender Heraacuteclito178 ou acompanhar

Platatildeo quando ele diz

190

rsquoτῆς ἀμερίστου καὶ ἀεὶ κατὰ ταὐτὰ ἐχούσης

οὐσίας καὶ τῆς περὶ τὰ σώματα μεριστῆς τρίτον

ἐξ ἀμφοῖν συνεκεράσατο οὐσίας εἶδος τῆς τε

ταὐτοῦ φύσεως καὶ τῆς θατέρουrsquo

καὶ ἤδη τὰ ἑξῆς 60 ἢ ποῦ τοῖς Χρυσίππου

διαλεκτικοῖς θεωρήμασιν ἢ Ἀρχιμήδους τε

καὶ Εὐδόξου μαθηματικοῖς ἐπιβάλλειν

ἰσχύσει

ldquodo que tem substacircncia indivisiacutevel e sempre na

mesma condiccedilatildeo e da substacircncia que estaacute dividida

em vaacuterios corpos misturando ambas compocircs uma

terceira forma com natureza de uma e de outrardquo179

[Timeu 35a]

e a sequecircncia ou que teria forccedila para lanccedilar-se aos

teoremas dialeacuteticos de Crisipo ou aos

matemaacuteticos de Eudoxo e Arquimedes

[302] καὶ μὴν ὡς ἐν τούτοις ἐστὶ τυφλός

οὕτω κἀν τοῖς περὶ αὐτῶν γραφεῖσι

ποιήμασιν οἷον Ἐμπεδοκλέους λέγοντος

χαίρετrsquo ἐγὼ δrsquo ὑμῖν θεὸς ἄμβροτος οὐκέτι

θνητός

πωλεῦμαι μετὰ πᾶσι τετιμένος

καὶ πάλιν

ἀλλὰ τί τοῖσδrsquo ἐπίκειμrsquo ὡσεὶ μέγα χρῆμά τι

πράσσων

εἰ θνητῶν περίειμι πολυφθερέων ἀνθρώπων

ὁ μὲν γὰρ γραμματικὸς καὶ ὁ ἰδιώτης

ὑπολήψονται κατrsquo ἀλαζονείαν καὶ τὴν πρὸς

τοὺς ἄλλους ἀνθρώπους ὑπεροψίαν ταῦτrsquo

ἀνεφθέγχθαι τὸν φιλόσοφον ὅπερ ἀλλότριόν

ἐστι τοῦ κἂν μετρίαν ἕξιν ἐν φιλοσοφίᾳ

ἔχοντος οὐχ ὅτι γε τοῦ τοσούτου ἀνδρός

Certamente da mesma maneira que estaacute como

cego em meio a estas coisas tambeacutem estaria em

meio aos poemas escritos sobre elas por exemplo

quando Empeacutedoles180 diz

Eu vos sauacutedo como um deus entre voacutes natildeo mais

mortal

e vou honrado por todos181 [B 112 4-5 DK]

e tambeacutem

Mas por que me debruccedilo sobre isto como se fosse

importante

se sou superior aos homens mortais tatildeo

pereciacuteveis [B 113 DK]

Gramaacutetico e homem comum iriam supor que o

filoacutesofo se expressou assim por ser pretensioso e

desprezar os outros homens ndashcomportamento que

seria estranho mesmo em algueacutem medianamente

versado em filosofia sem falar de um homem da

envergadura de Empeacutedocles

[303] ὁ δὲ ἀπὸ φυσικῆς ὁρμώμενος θεωρίας

σαφῶς γινώσκων ὅτι ἀρχαῖον ὅλως τὸ δόγμα

ἐστί τοῖς ὁμοίοις τὰ ὅμοια γιγνώσκεσθαι

ὅπερ ἀπὸ Πυθαγόρου δοκοῦν κατεληλυθέναι

Mas quem parte da teoria natural compreende

claramente que a doutrina de que pelo similar se

conhece o similar eacute realmente antiga procede

supotildee-se de Pitaacutegoras e aparece mesmo no Timeu

60 Blank ad loc deleta ndash περὶ τὴν λέξιν πάντες οἱ Πλάτωνος ἐξηγηταὶ ἐσίγησαν ndash(sobre esta passagem todos os inteacuterpretes de Platatildeo guardaram silecircncio) Dalimier ad loc manteacutem a passagem e modifica τὰ ἑξῆς (anterior agrave supressatildeo de Blank) por τὸ ἑξῆς obtendo assim lsquoo significado atribuiacutedo agrave expressatildeo foi mantido em segredo por todos os comentadores de Platatildeorsquo

191

κεῖται μὲν καὶ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ Τιμαίῳ

εἴρηται δὲ πολὺ πρότερον ὑπrsquo αὐτοῦ

Ἐμπεδοκλέους

γαίῃ μὲν γὰρ γαῖαν ὀπώπαμεν ὕδατι δrsquo

ὕδωρ

ἠέρι δrsquo ἠέρα δῖον ἀτὰρ πυρὶ πῦρ ἀίδηλον

στοργὴν δὲ στοργῇ νεῖκος δέ τε νείκεϊ

λυγρῷ

συνήσει ὅτι ὁ Ἐμπεδοκλῆς θεὸν ἑαυτὸν

προσηγόρευσεν ἐπεὶ μόνος καθαρὸν ἀπὸ

κακίας τηρήσας τὸν νοῦν καὶ ἀνεπιθόλωτον

τῷ ἐν ἑαυτῷ θεῷ τὸν ἐκτὸς θεὸν κατείληφεν

de Platatildeo aleacutem de ter sido expressa muito antes

pelo proacuteprio Empeacutedocles

Pois pela terra entendemos a terra pela aacutegua a

aacutegua

pelo eacuteter o eacuteter divino e pelo fogo o fogo que

destroacutei

pelo amor o amor e a violecircncia pela violecircncia

que corrompe [B109 DK]

assim esse homem compreenderaacute que

Empeacutedocles nomeou a si mesmo lsquodeusrsquo porque

somente ele preservou sua mente livre de maldade

e impureza e compreendeu o deus exterior atraveacutes

do deus em si mesmo182

[304] Ἀράτου τε μὴν γράφοντος

ὅσσον ἀπrsquo ὀφθαλμοῖο βολῆς ἀπολάμπεται

αὐγή

ἑξάκις ἂν τόσση μιν ὑποδράμοι αὐτὰρ ἑκάστη

ἴση μετρηθεῖσα δύω περιτέλλεται ἄστρα

οὐ γραμματικοῦ τοῦτο νοῆσαι ὅτι ἡλίκη

ἐστὶν ἡ ἀπὸ τῆς ἡμῶν ὄψεως πρὸς τὴν

ἀνατολὴν ἐκβαλλομένη εὐθεῖα ἑξάκις αὕτη

ληφθεῖσα τὸν ζῳδιακὸν καταμετρήσει κύκλον

ὥστε δύο αὐτὴν ἀποτέμνεσθαι ζῴδια ἀλλὰ

μαθηματικοῦ γραμμικῶς αὐτὸ

ἀποδεικνύντος ὅτι τὸ ἕκτον τοῦ ζωδιακοῦ

κύκλου μέρος ἐπὶ61 τῆς μέχρι τῆς ἀνατολῆς

ἐκβαλλομένης εὐθείας καθέστηκεν

Quando Arato escreve

O brilho do raio que parte do olho

seis vezes percorrido em si mesmo e cada um

de igual medida dois astros zodiacais

comporta183

[Phaenomena 541-3]

natildeo eacute coisa de gramaacutetico saber que a medida da

linha reta que parte de nossos olhos ao orto solar

se multiplicada seis vezes daraacute a medida do

ciacuterculo zodiacal de tal forma que ela proacutepria

cortaraacute dois signos do zodiacuteaco Mas um

matemaacutetico sim ele demonstra geometricamente

(grammikos)184 que a sexta parte do ciacuterculo do

zodiacuteaco fica sobre a linha reta traccedilada ateacute o orto

solar

[305] Τίμωνός τε τοῦ Φλιασίου τὸν Πύρρωνα

ἡλίῳ ἀπεικάζοντος ἐν οἷς φησι

μοῦνος δrsquo ἀνθρώποισι θεοῦ τρόπον

ἡγεμονεύεις

Quando Tiacutemon de Fliunte compara Pirro ao sol

dizendo

Sozinho aos homens governas como o deus

em circular caminhada rodeia toda a terra

61 Blank ad loc com Blomqvist p 12 ss Por ἀπὸ

192

ὃς περὶ πᾶσαν ἐλῶν γαῖαν ἀναστρέφεται

δεικνὺς εὐτόρνου σφαίρας πυρικαύτορα

κύκλον

δόξει μὲν τοῖς γραμματικοῖς κατὰ τιμὴν αὐτὸ

λέγειν καὶ διὰ τὴν περὶ τὸν φιλόσοφον

ἐπιφάνειαν ἄλλος δὲ ἐπιστήσει μήποτε καὶ

μάχεται τὰ παραδείγματα62 τῷ σκεπτικῷ

βουλήματι τὰ ὑπὸ τοῦ Φλιασίου εἰς τὸν

Πύρρωνα λεχθέντα εἴγε ὁ μὲν ἥλιος τὰ

πρότερον μὴ βλεπόμενα τῷ φωτὶ καταυγάζων

δείκνυσιν ὁ δὲ Πύρρων καὶ τὰ προδήλως

ἡμῖν ληφθέντα τῶν πραγμάτων εἰς ἀδηλότητα

περισπᾶν βιάζεται

e deixa ver o orbe ardente em fogo de sua bem

lavrada esfera [fr8415-7Lloyd-JonesParsons]185

para os gramaacuteticos vai parecer que o diz por

honrarias e para aumentar a fama acerca do

filoacutesofo Mas outra pessoa poderaacute verificar que

provavelmente isso que diz de Pirro estaacute em

conflito com os exemplos que Tiacutemon apresenta

para as aspiraccedilotildees ceacuteticas pois se o sol ilumina o

que antes natildeo se via e o revela Pirro ao contraacuterio

lanccedila violentamente para a obscuridade o que

antes estava claro para noacutes

[306] τὸ δὲ οὐχ οὕτως ἔχειν φαίνεται τῷ

φιλοσοφώτερον ἐπιβάλλοντι ἀλλrsquo ἡλίου

τρόπον ἐπέχειν φησὶ τὸν Πύρρωνα καθόσον

ltὡςgt ὁ θεὸς τὰς τῶν ἀκριβῶς εἰς αὐτὸν

ἀτενιζόντων ὄψεις ἀμαυροῖ οὕτω καὶ ὁ

σκεπτικὸς λόγος τὸ τῆς διανοίας ὄμμα τῶν

ἐπιμελέστερον αὐτῷ προσεχόντων συγχεῖ

ὥστε ἀκαταληπτεῖν περὶ ἑκάστου τῶν κατὰ

δογματικὴν θρασύτητα τιθεμένων

No entanto para quem tem uma abordagem mais

filosoacutefica eacute niacutetido que natildeo eacute isso Diraacute que Pirro agrave

maneira do sol faz suspender o julgamento da

mesma forma que o deus obscurece os olhos

daqueles que o encaram diretamente o raciociacutenio

ceacutetico confunde os olhos do entendimento dos que

lhe dedicam uma atenccedilatildeo concentrada assim cada

um dos argumentos que nos oferece a excessiva

arrogacircncia dogmaacutetica se torna inapreensiacutevel

[307] εἰ δὲ δεῖ περὶ ἰατρικῆς διεξέρχεσθαι

θεωρίας καὶ παριστᾶν ltἔστινgt63 ὡς καὶ

ἐπίθετον πολλάκις προσριφὲν ὑπὸ ποιητοῦ

βαθὺν ἐμφαίνει καὶ ἐπιστημονικὸν νοῦν οἷόν

ἐστι τὸ lsquoβαθύσχοινον λεχεποίηνrsquo παρrsquo

Ὁμήρῳ σημαίνει γάρ ὃ μὴ δύναται νοῆσαι

γραμματικός ltὅτιgt παραστατικὸν πρὸς

συνουσίαν ἐστὶ τὸ τῆς σχοίνου σπέρμα λέχος

καλοῦντος τοῦ ποιητοῦ τὴν μῖξιν

E se eacute preciso estender a discussatildeo para a teoria

meacutedica tambeacutem acontece de muitas vezes um

adjetivo dito sem mais pelo poeta revelar um

sentido profundo e cientiacutefico como por exemplo

lsquoleito feito de juncos densosrsquo usado por Homero

[Iliacuteada IV 383] cujo significado um gramaacutetico

natildeo pode alcanccedilar que a semente do junco

encoraja a relaccedilatildeo sexual e o poeta chama lsquoleitorsquo

ao ato sexual186

[308] ἢ τὸ παρὰ τῷ Εὐριπίδῃ ἐπὶ τῇ Ou o que eacute dito por Euriacutepides acerca da filha de

62 Blank ad loc com Giusta p 429 reteacutem τὰ παραδείγματα 63 Blank ad loc com Bury que segue Hervetus

193

Λυκομήδους θυγατρὶ Δηιδαμείᾳ λεγόμενον˙

ἡ παῖς νοσεῖ σου κἀπικινδύνως ἔχει

πρὸς τοῦ τίς αὐτὴν πημονὴ δαμάζεται

μῶν κρυμὸς αὐτῆς πλευρὰ γυμνάζει χολῆς

πυνθάνεται γὰρ μή τι πλευριτικὴ γέγονε διὰ

τὸ τοὺς πλευριτικοὺς βήσσοντας ὑπόχολον

ἀνάγειν ὧν οὐδὲν οἶδεν ὁ γραμματικός

Licomedes Deidacircmia

Sua filha estaacute doente e estaacute correndo risco

Por quecirc Que intruso a agride

Acaso natildeo eacute um frio que molesta seu flanco com

bile [Frag 682 Nauck2]

Pois estaacute perguntando se ela natildeo sofre de pleurisia

jaacute que os que padecem dessa enfermidade tossem

bile Nada disso sabe o gramaacutetico

[309] Καίτοι περιττὸν ἴσως ἐστὶν ἀπὸ τῶν

ἀρχαιοτέρων καὶ τάχα ἐπιστημονικῶν

δυσωπεῖν τοὺς ἀπὸ τῆς γραμματικῆς ὅτε καὶ

τὸ τυχὸν ἐπιγραμμάτιον οὐχ οἷοί τέ εἰσι

νοῆσαι καθάπερ καὶ τὸ ὑπὸ τοῦ Καλλιμάχου

εἰς Διόδωρον τὸν Κρόνον συγγραφέν

ἠνίδε κου κόρακες τεγέων ἔπι lsquoκοῖα συνῆπταιrsquo

κρώζουσιν καὶ lsquoκῶς αὖθι γενησόμεθαrsquo

Contudo talvez seja demasiado constranger os

que se dedicam agrave gramaacutetica com questotildees sobre

coisas muito antigas e provavelmente especiacuteficas

quando natildeo satildeo sequer capazes de compreender

um epigrama qualquer como por exemplo o que

escreveu Caliacutemaco187 para Diodoro Crono

Ouccedila os corvos sobre os telhados gralhando ldquoDe

que tipo satildeo as condicionaisrsquo e lsquoComo

nasceremos de novorsquo [Frag 393 3 Pfeiffer]

[310] ὅτι γὰρ διαλεκτικώτατος ἦν ὁ Κρόνος

καὶ ἐδίδασκε πῶς κριτέον ἐστὶ τὸ ὑγιὲς

συνημμένον ὥστε διὰ τὸ ἐπικρατεῖν ἤδη τὴν

διδασκαλίαν καὶ τοὺς ἐπὶ τῶν δωμάτων

κόρακας ἐκ πολλῆς τῆς κατηχήσεως κράζειν

τὴν κατrsquo αὐτὸν τοῦ συνημμένου κρίσιν εἴποι

ἂν ὁ γραμματικός καὶ μέχρι τούτου συνήσει

τὸ καὶ παιδίοις γνώριμον

Pois Crono188 era um grande dialeacutetico e ensinava

como se deve julgar a validade das proposiccedilotildees

condicionais189 de forma que por causa da

influecircncia de seus ensinamentos ateacute mesmo os

corvos sobre as casas de tanto ouvirem

gralhavam seu criteacuterio para as proposiccedilotildees

condicionais Isto diria o gramaacutetico e ateacute aqui natildeo

vai aleacutem do que sabem mesmo as crianccedilas

[311] ἐλθὼν δὲ καὶ ἐπὶ τὸ lsquoκαὶ κῶς αὖθι

γενησόμεθαrsquo ἡσυχάσει μὴ εὑρίσκων τὸ

δηλούμενον πρᾶγμα φιλοσόφου γὰρ ἦν εἰπεῖν

ὅτι ἀρέσκει τῷ Διοδώρῳ μηδὲν κινεῖσθαι τὸ

γὰρ κινούμενον ἤτοι ἐν ᾧ ἔστι τόπῳ κινεῖται

ἢ ἐν ᾧ μὴ ἔστιν οὔτε δὲ τὸ πρῶτον οὔτε τὸ

δεύτερον οὐκ ἄρα κινεῖταί τι τῷ δὲ μηδὲν

κινεῖσθαι τὸ μηδὲν φθείρεσθαι ἀκολουθεῖ

Mas quando chega a lsquocomo nasceremos de novorsquo

cala-se por natildeo encontrar o objeto a que se refere

Pois eacute tarefa do filoacutesofo dizer que a opiniatildeo de

Diodoro eacute a de que nada se move190 Pois o que se

move ou se move no lugar em que estaacute ou no

lugar em que natildeo estaacute e natildeo se move no primeiro

nem no segundo logo natildeo se move Se nada se

move nada perece

194

[312] ὡς γὰρ διὰ τὸ μήτε ἐν ᾧ ἔστι τόπῳ

κινεῖσθαί τι μήτε ἐν ᾧ μή ἐστιν οὐδὲν

κινεῖται οὕτως ἐπεὶ τὸ ζῷον οὔτε ἐν ᾧ ζῇ

χρόνῳ ἀποθνῄσκει οὔτε ἐν ᾧ μὴ ζῇ οὐδέποτε

ἄρα ἀποθνῄσκει εἰ δὲ τοῦτο ἀεὶ ζῶντες κατrsquo

αὐτὸν καὶ αὖθις γενησόμεθα

Pois assim como nada se move jaacute que natildeo se

move no lugar em que estaacute nem tampouco no que

natildeo estaacute do mesmo modo o que estaacute vivo natildeo

morre quando estaacute vivo nem tampouco quando

natildeo estaacute vivo consequentemente natildeo morre

nunca E se eacute assim vivemos para sempre

segundo ele e nasceremos de novo191

[313] Οὐκοῦν τὰ μὲν πράγματα οὐ νοοῦσιν οἱ

γραμματικοί λείπεται τοίνυν τὰ ὀνόματα

νοεῖν αὐτούς ὃ πάλιν ἐστὶ ληρῶδες πρῶτον

μὲν γὰρ οὐδὲν ἔχουσι τεχνικὸν εἰς τὸ λέξιν

γινώσκειν οὐδὲ γὰρ ἐκ τέχνης τινὸς

μεμαθήκασιν ὅτι οἱ παρὰ τῷ Σοφοκλεῖ

ποιμένες lsquoἰὼ βαλλήνrsquo λέγοντες lsquoἰὼ βασιλεῦrsquo

λέγουσι φρυγιστί ἀλλὰ παρrsquo ἄλλων

ἀκούσαντες διήνεγκε δὲ οὐδὲν ἢ βαρβάρου

λέξεως ἑρμηνευτὰς γίνεσθαι ἢ τῆς κατὰ

γλῶσσαν προενεχθείσης ὁμοίως οὔσης

ἀσυνήθους ἡμῖν

Portanto os gramaacuteticos natildeo compreendem as

coisas a que as palavras se referem Faltou entatildeo

considerar que compreendam as palavras o que eacute

novamente um disparate Primeiro porque natildeo

possuem teacutecnica para conhecer a palavra De fato

natildeo foi a partir de nenhuma arte que ficaram

sabendo que os pastores em Soacutefocles quando

dizem lsquoio ballenrsquo estatildeo dizendo lsquoio basileursquo ou

seja lsquoAi reirsquo em friacutegio [Frag 515 Radt] mas

porque ouviram de outros E natildeo haveraacute diferenccedila

entre interpretar palavras estrangeiras ou aquelas

raras pois satildeo igualmente incomuns para noacutes192

[314] εἶτα καὶ τοῦτrsquo ἀδύνατόν ἐστιν ἀπείρων

οὐσῶν λέξεων καὶ ἄλλως παρrsquo ἄλλοις

ὀνοματοποιηθεισῶν ἢ ἐπὶ πράγμασιν οἷς ἡμεῖς

οὐκ ἴσμεν τεθεισῶν οἷόν ἐστι τὸ

ltlsquoἐβαρβάριζε τὸ ὅλον ἕλκη ἔχον ἐν τῇ χειρίrsquo

τοῦ μὲνgt ἐβαρβάριζεν ἀντὶ τοῦ ἐσύριζε

κειμένου βάρβαροι γὰρ οἱ Σύροι τοῦ δὲ ὅλου

ἀντὶ τοῦ παντός ὅλον γὰρ καὶ πᾶν

συνώνυμον τοῦ δὲ ἕλκους ἀντὶ τῆς σύριγγος

εἶδος γὰρ ἕλκους ἡ σύριγξ ὥστε τὸ ὅλον

γίνεσθαι τοιοῦτον lsquoἐσύριζεν ὁ Πάν σύριγγας

ἔχων ἐν τῇ χειρίrsquo

Segundo tal coisa eacute impossiacutevel porque as

palavras satildeo infinitas e se formam de inuacutemeras

maneiras diferentes em lugares diferentes ou satildeo

usadas para nomear coisas que sequer

conhecemos Como por exemplo lsquofalava

inteiramente como um estrangeiro com as matildeos

feridasrsquo onde lsquofalar como um estrangeirorsquo estaacute por

lsquotocar siringersquo (esyrize) pois os siacuterios satildeo

estrangeiros e lsquointeiramentersquo (holon) estaacute por

lsquotodorsquo (pan) ou seja lsquopanrsquo que soa como Patilde e

lsquoferidarsquo estaacute por lsquosiringersquo jaacute que uma flauta tem

aberturas como feridas E assim a frase toda seria

algo como lsquoTocou Patilde com sua siringe em

matildeosrsquo193

195

[315] ἄλλως τε καὶ ποῦ ἴσασιν ἐνίας τῶν

ἐπιστημονικῶν λέξεων οἱ γραμματικοί

καθάπερ τὴν παρὰ Ἀριστοτέλει ἐντελέχειαν ἢ

τὸ τί ἦν εἶναι ἢ ποῦ συνήσουσι τίνα δύναμιν

ἔχει παρὰ σκεπτικοῖς ἡ lsquoοὐδὲν μᾶλλονrsquo φωνή

πότερον πυσματική ἐστιν ἢ ἀξιωματική καὶ

ἐπὶ τίνος τάσσεται ἆρά γε τοῦ ἐκτὸς

ὑποκειμένου ἢ τοῦ περὶ ἡμᾶς πάθους

Aleacutem disso como os gramaacuteticos saberiam o que

significam certas palavras cientiacuteficas como por

exemplo lsquoa enteleacutequiarsquo ou o lsquoo que era para serrsquo

(to ti en einai) de Aristoacuteteles194 Ou como

entenderatildeo a forccedila que tem junto aos ceacuteticos a

expressatildeo lsquonada eacute maisrsquo (ouden mallon) Se eacute

interrogativa ou declarativa e a que se aplica ao

que nos eacute exterior (to ektos hupokeimenon) ou a

nossos sentimentos (pathoi)195

[316] τί δὲ καὶ ἐροῦσιν ἐκ λέξεών τινων

συντεθέντος τινὸς ποιήματος

εἰ64 γάρ σοι δισσοῖσιν ὑπrsquo οὔρεσι διττὸς

ἐραστὴς

ἔφθιτο καὶ νεάτην μοῖραν ἔθηκε φύσιν

ἄρθρῳ ἐν ἀσπιδόεντι βεβηκότα γυῖα καθrsquo

ὁλμοῦ

βλαισὰ τροχαντήρων ἄχρι περιστρέφετο

σμερδαλέαι δrsquo ὑπένερθεν ἀλώπεκες ἄχρι

δοχαίης

αἰῶνος χαλαρὴς σύνδραμον ἁρμονίης65

E o que diratildeo de tal poema composto em termos

tais

Poderias tu sob as montanhas gecircmeas como dois

amantes

perecer e por destino uma natureza mais baixa

adquirir

Membros articulados igual serpente o corpo

todo

do tronco ao trocacircnter revolvendo-se

e por baixo do receptaacuteculo terriacuteveis raposas

reuacutenem-se

pela eternidade da harmonia do amante196

[317] τοὺς γὰρ ἐραστὰς οἵτινές εἰσι καὶ τὰ

ὄρη καὶ τὸ ἀσπιδόεν ἄρθρον καὶ τοὺς

τροχαντῆρας ἔτι δὲ καὶ τὸν ὅλμον καὶ τὰς

ἀλώπεκας δοχαίην τε καὶ αἰῶνα καὶ ἁρμονίαν

μήτε τροπικῶς μήτε κατὰ ἱστορίαν ἀλλὰ

κυρίως ἐξενεχθέντα ὀνόματα κἂν μυριάκις

ἐπιστήσωσιν οὐ συνήσουσιν

Quem satildeo os lsquoamantesrsquo as lsquomontanhasrsquo a

lsquoarticulaccedilatildeo igual serpentersquo ou o lsquotrocacircnterrsquo ou o

lsquotroncorsquo ou as lsquoraposasrsquo ou o lsquoreceptaacuteculorsquo ou a

lsquoeternidadersquo ou a lsquoharmoniarsquo minus e natildeo satildeo

expressotildees figurativas ou cujo sentido se precisa

levantar historicamente mas estatildeo sendo usadas

em um sentido proacuteprio (kurios)197 Ainda que mil

vezes o vasculhem natildeo compreenderatildeo

[318] Εἰ οὖν μήτε τὰ πράγματα μήτε τὰς

λέξεις ἴσασιν παρὰ δὲ ταῦτα οὐδέν ἐστιν ἡ

Portanto se natildeo conhecem nem as coisas e nem as

palavras e prosa e poesia satildeo isto e nada mais

64 Blank ad loc com Blomqvist p 17 Por ἦ nos MSS 65 Blank ad loc modificaccedilotildees com Blomqvist p 13-18 Por ὁλμοῦ βᾶσα περιστρέφεται σμερδαλέα ἀλώπεκος χαλαρὰν σύνδρομον

196

ποίησις ἢ τὸ σύγγραμμα οὐκ ἂν ἔχοιεν

τέχνην ἐξηγητικὴν τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων ἄλλως τε καὶ εἰ

χρῄζομεν γραμματικῆς ἐπὶ τῶν ἀρίστων

ποιημάτων χρῄζομεν ἀλλrsquo οὐ τῶν μοχθηρῶν

ἄριστον δὲ ποίημά ἐστι κατrsquo αὐτοὺς τὸ σαφές

eles natildeo teriam uma arte interpretativa do que eacute

dito por poetas e escritores Aleacutem disso se

focircssemos fazer uso da gramaacutetica seria para os

melhores poemas e natildeo para os ruins Mas de

acordo com eles o melhor poema eacute o que estaacute

claro

[319] ἀρετὴ γὰρ ποιήματος ἡ σαφήνεια καὶ

μοχθηρὸν τὸ ἀσαφὲς παρὰ γραμματικῇ οὔτε

οὖν ἐπὶ ἀρίστου ἐστὶ ποιήματος χρειώδης διὰ

τὸ μὴ δεῖσθαι ἐξηγήσεως σαφὲς ὄν οὔτε ἐπὶ

τοῦ μοχθηροῦ διὰ τὸ αὐτόθεν εἶναι μοχθηρόν

pois a clareza eacute excelecircncia (arete) em um poema

e aquele a que falta clareza eacute um poema ruim

segundo a gramaacutetica Assim portanto a gramaacutetica

natildeo tem utilidade quando se trata de um poema

muito bom que natildeo precisa de explicaccedilatildeo porque

ele estaacute claro nem eacute uacutetil para o poema ruim

porque ele eacute de imediato ruim198

[320] τό τε ἀνεπικρίτως διαφωνούμενον

ἀκατάληπτόν ἐστιν ἀνεπικρίτως δrsquo ἔτι

διαφωνοῦσιν ἐν ταῖς ἐξηγήσεσιν οἱ

γραμματικοὶ περὶ τῆς τοῦ συγγραφέως

διανοίας ἀκατάληπτος ἄρα ἐστὶν ἡ τοῦ

συγγραφέως διάνοια καὶ διὰ τοῦτο ἄχρηστος

ἡ γραμματική

Ἀλλὰ γὰρ πρὸς μὲν τοὺς ἀπὸ τούτου τοῦ

μαθήματος ἀναγομένους ἐπὶ τοσοῦτον

εἰρήσθω ἀπrsquo ἄλλης δὲ ἀρχῆς σκεψώμεθα καὶ

πρὸς τοὺς ῥήτορας ἃ δεῖ λέγειν

E aquilo sobre que se discorda indefinidamente eacute

inapreensiacutevel e os gramaacuteticos discordam

indefinidamente acerca das interpretaccedilotildees do

pensamento (dianoia) dos escritores Logo

inapreensiacutevel eacute o pensamento dos escritores e por

isso a gramaacutetica eacute inuacutetil

Poreacutem contra os que se dedicam a esta

disciplina certamente deve bastar o que jaacute foi

dito E a partir de outro princiacutepio vamos

considerar o que precisa ser dito contra os

retoacutericos

197

21 NOTAS DE FIM

1 Pedimos desculpas pela formataccedilatildeo inadequada poreacutem uma vez inseridos os textos desta forma natildeo nos foi possiacutevel modificaacute-los para esta versatildeo 2 Procuramos diferenciar o uso de antirrhesis (lsquoataquersquo ou lsquoreacuteplicarsquo lsquocontra-argumentorsquo) e o uso dos termos da famiacutelia de elenkhos (lsquorefutaccedilatildeorsquo) os dois provavemente podem ser considerados sinocircnimos em muitos contextos contudo ao menos nos dois livros aqui traduzidos antirrhesis (lsquoataquersquo) parece ter uma conotaccedilatildeo mais geral ver sect 39 enquanto elenkhos (lsquorefutaccedilatildeorsquo) parece referir-se propriamente ao procedimento argumentativo em que se expotildee a contradiccedilatildeo nas teses dos adversaacuterios 3 Sexto Empiacuterico contrapotildee logo de iniacutecio epicuristas e pirrocircnicos informando-nos que ambos atacaram estes estudos com criacuteticas que teriam se distinguido pela lsquodisposiccedilatildeorsquo (diathesis) ou seja pelos lsquomotivosrsquo mas natildeo necessariamente pelo meacutetodo ou conteuacutedo supomos Obviamente Sexto traccedila uma fronteira entre o dogmatismo dos epicuristas e o posicionamento ceacutetico dos pirrocircnicos por isso eacute importante para ele contrapor lsquomotivaccedilotildeesrsquo pois os argumentos epicuristas satildeo parte essencial da artilharia que seraacute utilizada por Sexto na invectiva contra os lsquoestudos especializadosrsquo Os motivos imputados a Epicuro e a seus seguidores satildeo no entanto uma coleccedilatildeo de lugares comuns A hostilidade de Epicuro contra as tekhnai era ceacutelebre na antiguidade 4 Ta mathemata uma das traduccedilotildees possiacuteveis para este termo e que costuma aparecer em diversas liacutenguas eacute o equivalente ao portuguecircs lsquoartes liberaisrsquo Encontramos por exemplo a traduccedilatildeo de Blank (1998) ldquoliberal studiesrdquo Cavero (1997) ldquodisciplinas liberalesrdquo mas Dalimier (2002) ldquoeacutetudesrdquo ou Bury (1949) ldquoArts and Sciencesrdquo A questatildeo que se coloca eacute a relaccedilatildeo entre o grupo de disciplinas abordado por Sexto (satildeo seis gramaacutetica retoacuterica geometria aritmeacutetica astrologia muacutesica) e aquele das sete artes liberais (trivium gramaacutetica retoacuterica dialeacutetica e quadrivium geometria aritmeacutetica astronomia muacutesica) que compotildeem o curriacuteculo escolar medieval bem estabelecido agrave eacutepoca de Santo Agostinho A semelhanccedila entre os dois grupos eacute oacutebvia e satildeo muitos os elementos histoacutericos que nos permitem acompanhar o processo de canonizaccedilatildeo das sete disciplinas medievais durante a antiguidade com raiacutezes muito anteriores agrave obra de Sexto Empiacuterico (em Fiacutelon de Alexandria por exemplo ou mesmo em Platatildeo e Secircneca) mas o que procuramos evitar em nossa traduccedilatildeo eacute a imediata associaccedilatildeo do termo com a posterior tradiccedilatildeo escolaacutestica Embora Sexto pareccedila sugerir que as enkuklia mathemata estavam padronizadas e em outro momento use o termo lsquoartes liberaisrsquo (hai eleutherai tekhnai) (M 2 57) entendemos que com isso estivesse indicando um assunto de domiacutenio comum ao menos entre os intelectuais por ser este o termo geneacuterico aplicado aos estudos ciacuteclicos superiores (em oposiccedilatildeo a disciplinas baacutesicas da educaccedilatildeo infantil) ou

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intermediaacuteriospreparatoacuterios (entre os estudos baacutesicos e o estudo filosoacutefico) Aquilo de que discordamos eacute a suposiccedilatildeo de que este ciclo de disciplinas estivesse fechado e consagrado curricularmente agrave eacutepoca de Sexto Sexto em outro contexto refere-se tambeacutem agrave medicina como logikon mathema (M 2 51) medicina e arquitetura satildeo outras duas disciplinas comumente presentes nas listas das lsquoartes liberaisrsquo durante a antiguidade Por outro lado eacute verdade que os posicionamentos a respeito de quais disciplinas fariam parte do quadro destes estudos natildeo satildeo tatildeo discrepantes e de maneira ampla parece haver algum consenso geral acerca da fronteira que separa lsquoestudos liberaisrsquo de estudos ocupacionais profissionais ou mecacircnicos aqueles direcionados a propoacutesitos econocircmicos e natildeo intelectuais Mas enquanto se pode apontar uma equivalecircncia entre as listas natildeo se pode apontar uma uacutenica lista Em relaccedilatildeo a obra sextiana supomos com Hadot (2005 p 293) que a esquiva de Sexto em adentrar o assunto natildeo se deve agrave uniformidade de tratamento da questatildeo mas ao contraacuterio agrave existecircncia de muitos pontos de vista que acreditamos aponta para um uso natildeo-teacutecnico do termo em oposiccedilatildeo ao uso especiacutefico durante a Idade Meacutedia Por outro lado quisemos qualificar estes lsquoestudosrsquo apropriando-nos de uma especificaccedilatildeo que natildeo eacute proacutepria do termo grego e que Sexto mesmo soacute expotildee quando passa a tratar de cada disciplina em particular Assim com lsquoestudosrsquo ou estudos ciacuteclicos procuramos nos referir de maneira geral aos estudos disciplinares superiores ou seja ao estudo aprofundado em diferentes agravereas do conhecimento com vieacutes misto teoacuterico e praacutetico mas ao agregar o adjetivo lsquoespecializadosrsquo quisemos principalmente sugerir uma caracteriacutestica das disciplinas atacadas por Sexto que eacute fundamental para definir a abordagem sextiana e que Hadot (2005 p 293) expressou na seguinte conclusatildeo ldquoA situaccedilatildeo poderia ser resumida desta forma para noacutes lsquoartes liberaisrsquo pode referir-se a qualquer ocupaccedilatildeo digna de um homem livre seja intelectual esportiva ou militar enquanto a noccedilatildeo de enkuklios paideia se limita agraves lsquoartes fundadas sobre o raciociacuteniorsquo e implica a representaccedilatildeo teoacuterica da unidade de um corpo cientiacutefico de conhecimentosrdquo Consideramos pois que ta mathemata estaacute em relaccedilatildeo direta com certa racionalizaccedilatildeo e especializaccedilatildeo proacutepria de estudos teoacutericos mas mais distante da interpretaccedilatildeo como lsquoartes liberaisrsquo no sentido restrito de conjunto fixo de disciplinas de um curriacuteculo formativo (parte da pedagogia escolaacutestica) e no sentido amplo de toda atividade proacutepria ao homem livre -mesmo que seja produtiva a oposiccedilatildeo entre lsquoartes liberaisrsquo proacuteprias dos homens livres e instruiacutedos e lsquoartes servisrsquo por assim dizer que envolveriam trabalho pesado mecacircnico repetitivo eou profissional proacuteprias dos escravos serviccedilais e classe trabalhadora ou seja aquelas que estatildeo relacionadas a aquisiccedilatildeo de uma profissatildeo de um meio de vida Entendemos tambeacutem que a par da popularizaccedilatildeo crescente durante a antiguidade do conteuacutedo destes estudos que pode ser percebida entre outros pelo sucesso de manuais ou tratados e de sua caracteriacutestica de estudos preparatoacuterios ou interrelacionados ou seja dois traccedilos que justificariam a alcunha de estudos gerais ou ciclo de estudos comuns Sexto direciona sua refutaccedilatildeo aos professores destes estudos aos intelectuais que se especializam nos teoremas da arte por isso tambeacutem neste sentido acreditamos ser adequado qualificaacute-los de especializados A discussatildeo que se desenvolve na Antiguidade dentro das escolas filosoacuteficas em relaccedilatildeo agraves enkuklia mathemata ou enkuklios paideia diz respeito principalmente ao valor eou necessidade do estudo das disciplinas teoacutericas ou teacutecnicas como preparaccedilatildeo para o estudo da lsquofilosofiarsquo debate-se pois a utilidade destes estudos no

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caminho da lsquosabedoriarsquo Eacute neste panorama que se enquadra a hostilidade de Epicuro e tambeacutem o interesse de Sexto pela questatildeo Vale lembrar que a sistematizaccedilatildeo de estudos superiores e a oferta de cursos regulares e livros teacutecnicos ligados a disciplinas especializadas eacute um fenocircmeno que tem iniacutecio com o movimento sofista Eacute interessante portanto constatar que tais assuntos estiveram desde o princiacutepio contaminados com a ambiguidade que acompanha a sofiacutestica No singular to mathema aparece quase sempre no contexto da argumentaccedilatildeo geral acerca da possilidade eou existecircncia de qualquer disciplina (especializada) Procuramos sempre diferenciar o uso de mathesis que se relaciona agrave lsquoensinorsquo de modo amplo ou seja lsquotransmissatildeoaquisiccedilatildeo de conhecimentorsquo Conforme Blank p 68 ta mathemata teria sido o termo mais comum nos ataques ceacuteticos e epicuristas ao ensino tradicional Contudo embora possa parecer um termo teacutecnico como comentamos referindo-se ao conjunto especiacutefico das seis disciplinas presentes aqui tambeacutem ocorre em contextos neutros Em geral mathema e tekhne parecem intercambiaacuteveis no Contra os Professores Dadas as peculiaridades tanto do ambiente educacional na antiguidade quanto das ocorrecircncias do termo uma traduccedilatildeo totalmente uniforme foi descartada Optamos portanto em incorporar traduccedilotildees possiacuteveis de forma que estivessem concatenadas e assim compusessem o significado da expressatildeo satildeo as disciplinas particulares que compotildeem os chamados estudos ciacuteclicos (8) por isso vertemos lsquoProfessoresrsquo (mathematikoi) tambeacutem por lsquoos que professam as disciplinas do estudo ciacuteclicorsquo (hoi apo ton mathematon) (1) Satildeo como afirmamos estudos lsquoespecializadosrsquo no sentido de que cada disciplina possui e se aprofunda em sua especialidade e entatildeo os lsquoProfessoresrsquo satildeo na verdade lsquoespecialistasrsquo Mas satildeo tambeacutem propriamente estudos ciacuteclicos por terem sido vistos como complementares uns aos outros ao mesmo tempo em que eram uma etapa um lsquociclorsquo da formaccedilatildeo portanto propedecircuticos Conveacutem considerar ainda o horizonte especiacutefico traccedilado por Sexto mais adiante satildeo estudos necessariamente vinculados a um determinado ambiente de lsquoensinorsquo que envolve professor aluno mateacuteria (proposiccedilotildees supomos) e meacutetodo 5 Considerando que grande parte dos argumentos utilizados por Sexto no Contra os Gramaacuteticos eacute de origem epicurista eacute interessante principalmente em relaccedilatildeo agrave argumentaccedilatildeo a favor da correccedilatildeo da linguagem pelo uso comum manter em mente esta criacutetica a Epicuro Aqui no entanto se usa o termo kathareuein incomum no contexto gramatical onde se usa preferencialmente hellenizein (lsquofalar grego corretamentersquo) 6 Nausiacutefanes (c 360-300 a C) foi um filoacutesofo atomista Sobre ele ver DL (9 69 e 102 ndash em que eacute apresentado como pirrocircnico e 10 8 e 64) 7 Parece ser necessaacuterio diferenciar entre lsquodisciacutepulo de Pirrorsquo (Pyrronos akoustes) aqui e lsquopirronistasseguidores de Pirrorsquo (hoi apo tou Pyrronos) acima sect1 pois Nausiacutefanes certamente defendia os estudos ciacuteclicos Sobre o uso do termo lsquopirrocircnicorsquo por Sexto ver Decleva Caizzi 1992 p 295

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8 A criacutetica de Epicuro aos estudos especializados e agraves tekhnai em geral parece compor-se tanto de uma acusaccedilatildeo acerca da ausecircncia de conteuacutedo e de meacutetodo no ensino tradicional quanto estar baseada em uma concepccedilatildeo diferente de sabedoria 9 Barustonoi era um nome coloquial para atores (Demoacutestenes 18 262) 10 Seguindo a leitura de Warren 2002 p 188ss Epicuro nega ser disciacutepulo de Nausiacutefanes mas natildeo que esteve em suas aulas esta distinccedilatildeo era importante porque de fato Epicuro assistiu agraves aulas de Nausiacutefanes Sobre a atitude de Epicuro contra seus rivais e a especial animosidade que dirigiu a Nausiacutefanes ver Sedley 1976 Este autor sugere (p 132ss) que os apelidos que Epicuro dava a outros filoacutesofos tinham relaccedilatildeo com a orientaccedilatildeo filosoacutefica deles lsquoAacutegua-vivarsquo aqui a supor pelo adendo encontra eco em Aristoacuteteles (PA 68 Ia19) que descreve as aacuteguas-vivas e espeacutecies semelhantes como desprovidas de percepccedilatildeo sendo como plantas vivas Para Platatildeo (Filebo 21c) uma pessoa desprovida da habilidade de raciocinar vive a vida natildeo como um homem mas como uma espeacutecie de aacutegua-viva ou qualquer animal marinho com concha Para uma interpretaccedilatildeo da rivalidade filosoacutefica entre Nausiacutefanes e Epicuro ver Warren opcit p 160ss 11 Cf PH 2 246 ldquoEacute suficiente creio viver de acordo com as experiecircncias (empeiros) e sem opiniatildeo (adoksastos) segundo as observaccedilotildees e lsquoconceitosrsquo (prolepseis) comunsrdquo 12 Cf Dioacutegenes Leacutercio (9 108) ldquoalguns falam que eacute apatia outros que eacute o temperamento gentil (praotes) o propoacutesito dos ceacuteticosrdquo Apatia (apatheia) como um estado de libertaccedilatildeo das perturbaccedilotildees emocionais caracterizava o saacutebio estoico 13 Pragma(ta) normalmente traduzido por lsquocoisa(s)rsquo apresenta mesmo tantas acepccedilotildees quanto o termo portuguecircs a coisa concreta o fato (real) o assunto a realidade o evento o objeto o tema o negoacutecio as coisas ditas os raciociacutenios a situaccedilatildeo Haacute no entanto um sentido geral que parece ser o caso nesta passagem A tensatildeo entre o concreto e o abstrato gerou contudo ambiguidades constantemente exploradas por retoacutericos e filoacutesofos Essa tensatildeo eacute latente em toda a discussatildeo sobre lsquoa coisa (pragma) que se ensinarsquo ora Sexto parece sugerir que tem em mente propriamente um objeto concreto ora o que se diz sobre um objeto as proposiccedilotildees ora o conteuacutedo mesmo das proposiccedilotildees De modo geral pode ser dito que pragma seria o lsquofato significadorsquo oposto a onoma(ta) (lsquopalavra(s)rsquo) ou phone(ai) (lsquosom(ns) da falarsquo) principalmente no contexto estoico Mas se eacute pragma um objeto concreto no mundo ou o conteuacutedo de um expressatildeo se corpoacutereo ou incorpoacutereo ou seja qual seu estatuto ontoloacutegico eacute justamente a indeterminaccedilatildeo de que foram acusadas propriamente ou natildeo as doutrinas que Sexto ataca No miacutenimo ele tira proveito de tal confusatildeo terminoloacutegica 14 Vemos aiacute vaacuterios termos programaacuteticos do ceticismo pirrocircnico cf PH I 7 10 12 26 29 Em relaccedilatildeo a eles pode ser dito que a argumentaccedilatildeo aporeacutetica expliacutecita eacute constante ao longo do Contra os Gramaacuteticos no entanto o argumento da diaphonia (lsquodesacordorsquo) parece tomar o lugar da equipolecircncia do lsquoconflito de forccedilas iguaisrsquo e a referecircncia agraves lsquoanomaliasrsquo faraacute parte

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do contexto de discussatildeo do criteacuterio gramatical da analogia (154 236 240) Poreacutem a diaphonia natildeo parece conduzir agrave lsquosuspensatildeo do juiacutezorsquo que aparece novamente apenas em sect 28 quando Sexto fala sobre as atitudes filosoacuteficas frente ao natildeo-evidente e em sect 306 ao falar sobre Pirro 15 Agoge eacute o termo comumente usado por Sexto para qualificar o movimento ceacutetico parece denotar um viacutenculo menos riacutegido que hairesis lsquoescolarsquo ou lsquoseitarsquo Cf PH 1 16ss 145 16 Pragmatikos aparece tambeacutem em PH 3 13 M 2 28 M 5106 M 6 68 em todos os casos refere-se agrave argumentaccedilatildeo No Contra os Muacutesicos (M 6 4-5 38 e 68) caracteriza a refutaccedilatildeo aporeacutetica dita lsquomais efetivarsquo ou lsquomais atenta aos fatosrsquo (pragmatikoteros) (ldquobastante maacutes teacutecnicardquo prefere o tradutor espanhol Cavero 1997) direcionada agravequilo que propriamente sustenta a teoria musical em oposiccedilatildeo agrave refutaccedilatildeo que faz uso dos argumentos dogmaacuteticos (epicuristas) e ataca principalmente a utilidade da muacutesica Cf a correspondecircncia com a passagem M 11 217 ldquoselecionar e expor os pontos principaisrdquo (ta kuriotata epileksamenoi thesomen) No entanto neste ponto aparentemente Sexto qualifica como lsquoefetivarsquo toda a argumentaccedilatildeo dos livros subsequentes malgrado seu uso supomos de argumentos epicuristas 17 Os testemunhos oferecem diferentes interpretaccedilotildees de por que estes estudos eram chamados ciacuteclicos em geral com acepccedilotildees como as que informamos na nota 3 18 A divisatildeo entre geral (katholikoskoinotero) e especiacutefico (idiaiteros) eacute um expediente de organizaccedilatildeo comum em Sexto Empiacuterico ocorre jaacute no comeccedilo do tratamento do ceticismo em PH 15 em que lsquogeralrsquo estaacute para a parte que conteacutem as definiccedilotildees de caraacuteter amplo do ceticismo e lsquoespeciacuteficorsquo para os ataques contra as divisotildees da lsquoassim chamadarsquo filosofia cf M 7 1 Sexto utiliza-o tambeacutem em PH 2 84 PH 3 1 M 1 141 M 8 1 e 55 M 11 217 e 243 (cf Blank p 85) 19 To meden einai mathema ocorrecircncias das foacutermulas de natildeo-existecircncia e respectivas traduccedilotildees (procuramos manter a paridade das escolhas ao longo da traduccedilatildeo) 1) to meden einai X = (o) natildeo existir X sect 8 (2 vezes) 14 16 135 284 285 2) ouk eacutestin Y(s) ouk ara eacutestin ti X = natildeo existe(m) Y(s) logo natildeo existe (algo como) X sect 9 29-30 Comparar com o uso de anupostatos (lsquoinsubsistentersquo) asustatos (lsquoinconsistentersquo) anuparktos (lsquoinexistentersquo) e oudenmeden estin (lsquonatildeo eacute nadarsquo) De acordo com a leitura de Pellegrin ldquoAnuparktos anupostatos ou asustasos indicam natildeo uma inexistecircncia no sentido ontoloacutegico mas uma inconsistecircncia ou uma ausecircncia de fundamentordquo (Pellegrin 2006 p42 apud Roeder 2014 p 65) 20 Ao contraacuterio de Blank (ldquoelements of stylerdquo) e Dalimier (ldquoeacuteleacutements du stylerdquo) acreditamos que a referecircncia seja de fato agrave discussatildeo sobre a classificaccedilatildeo dos lsquoelementos (da palavra)rsquo lsquoletrasrsquo a partir de sect100 cf sect 121 Cavero 1997 usa ldquoelementos del lenguajerdquo

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21 Cf Contra os Geocircmetras M 3 7-17 22 Cf Contra os Muacutesicos M 552-7 61-7 23 Ou seja de modo amplo acerca da transmissatildeo e aquisiccedilatildeo de conhecimento Aleacutem de abranger questotildees pontuais sobre os itens mencionados por Sexto que compotildeem o lsquoensinorsquo essa discussatildeo diz respeito em muitos casos agrave questatildeo ampla da transmissatildeoaquisiccedilatildeo de conhecimento Fez parte deste toacutepico a discussatildeo sobre quais lsquohabilidadesrsquo poderiam ser ensinadas (seriam objeto de ensino dar-se-iam pelo ensino) e se sua transmissatildeoaquisiccedilatildeo efetuar-se-ia (somente) pelo ensino Discussatildeo que em certos ciacuterculos filosoacuteficos envolveu postular eou defender a existecircncia de itens que natildeo eram passiacuteveis de ensino (ou habilidades que natildeo eram transmitidasadquiridas (somente) pelo ensino) ou seja itens cujo conhecimento seria ou inato ou fruto de vivecircncia particular Com base neste conhecimento natildeo-ensinaacutevel dar-se-ia o lsquoensinorsquo de forma que certos conhecimentos preacutevios seriam necessaacuterios para a aquisiccedilatildeo de outros conhecimentoshabilidades O panorama amplo dessa discussatildeo estaacute relacionado ao movimento sofista e sua suposta reivindicaccedilatildeo da possibilidade do ensino de lsquotodas as coisasrsquo e principalmente agrave questatildeo do ensino transmissatildeo da excelecircncia (lsquovirtudersquo) (arete) Bem como agrave proliferaccedilatildeo desde o seacuteculo V a C de conhecimento especializado inclusive exposto em manuais vinculado a diversas aacutereas do saber Como menciona Blank (p 86) o debate que Sexto potildee deliberadamente de lado para ater-se agrave refutaccedilatildeo pontual dos elementos que seriam prerrequisitos do lsquoestudo especializadorsquo poderia incluir portanto as controveacutersias epistemoloacutegicas do periacutedo claacutessico e heleniacutestico ou dizer respeito apenas agrave paradoxos como os que aparecem no Menon (80de) e Eutidemo (275d277c) de Platatildeo paradoxos estes cujo reflexo eacute visiacutevel em alguns dos argumentos sextianos e que provavelmente jaacute estavam bastante gastos agrave eacutepoca Como apontou Bett (2007 p 226) tais argumentos datildeo no entanto a impressatildeo de terem sido institucionalizados dentro da proacutepria tradiccedilatildeo ceacutetica devido ao caraacuteter rotineiro e quase mecacircnico com que satildeo expostos Em algumas passagens sextianas essa discussatildeo se daacute em torno ao termo didaskalia lsquoinstruccedilatildeorsquo que substitui mathesis Para a tradutora francesa (Dalimier p 73) Sexto deixa de lado justamente tal discussatildeo sobre a ldquoaquisiccedilatildeo do saberrdquo para concentrar-se na possibilidade de existecircncia do lsquoestudorsquo ou seja do lsquoestudo especializadorsquo das lsquodisciplinasrsquo como resultado do processo de ensino Sua traduccedilatildeo da passagem eacute ldquoIl suffira drsquoindiquer que srsquoil existe quelque eacutetude acheveacutee qui en reacutesulte pour lrsquohomme [] [] et par conseacutequent el nrsquoest rien qui soit eacutetuderdquo De qualquer forma os elementos discutidos por Sexto o objeto de ensino quem ensina quem aprende e o modo de transmitir conhecimento estavam frequentemente relacionados agrave discussatildeo filosoacutefica ampla sobre ser possiacutevel ensinar Eacute difiacutecil dizer se estes elementos do ponto de vista sextiano qualificam apenas estudos especializados em oposiccedilatildeo a estudos baseados na experiecircncia e se haveria entatildeo o argumento impliacutecito de que a necessidade de se estabelecer tanto o que se transmiteadquire pelo ensino quanto o modo como isso poderia efetuar-se desqualifica apenas estes estudos mas preserva o estudo baseado na observaccedilatildeo e repeticcedilatildeo Considerando que Sexto apresenta em PH 1 23-4 o lsquoensino das artesrsquo ou lsquoinstruccedilatildeo nas artesrsquo (didaskalia tekhnon) como uma das quatro praacuteticas que regulam a vida comum e portanto a vida do ceacutetico tal como

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discutimos na Introduccedilatildeo eacute necessaacuterio admitir que a instruccedilatildeo (didaskalia) de alguma forma eacute natildeo soacute admitida na conduta ceacutetica mas eacute parte constituinte dela A possibilidade de podermos traccedilar uma distinccedilatildeo entre dois tipos de ensino um aceito e o outro rejeitado pelo ceacutetico ou seja o uacuteltimo como o ensino que comunica conjuntos de conhecimentos teoreacuteticos tais como os dogmaacuteticos afirmam possuir e o anterior relativo ao ensino que transmite habilidades ou conjuntos sistemaacuteticos de atividades atraveacutes de uma praacutetica supervisionada tal possibilidade ainda que adequada ao posicionamento sextiano expresso em M 1-6 e PH como expomos na ldquoIntroduccedilatildeordquo eacute vetada por Bett em sua anaacutelise de M 11 Em M 1 e PH 3 o ensino que eacute considerado impossiacutevel eacute aquele relativo a um ldquoobjeto de ensinordquo (ou como prefere Bett ldquothe subject being taughtrdquo) (to didaskomenon pragma) o que parece significar algum objeto ou conjunto de objetos sobre os quais se comparte alguma informaccedilatildeo com o aluno (ou algumas vezes a proacutepria informaccedilatildeo) ao inveacutes de alguma atividade na qual o aluno eacute treinado Mas o fato eacute que tambeacutem em M 11 ainda segundo Bett os usos do verbo ensinar (didaskein) (M 11 216) e de ensinoinstruccedilatildeo (didaskalia) claramente referem-se a proposiccedilotildees mas nesse caso a proposiccedilotildees ceacuteticas e ao processo de transmitir o pensamento ceacutetico de forma efetiva ou seja de forma a ser aceito pelo aluno Este eacute o reconhecido paradoxo educacional da posiccedilatildeo sextiana de que tratamos em alguns momentos da ldquoIntroduccedilatildeordquo exposto partindo de outro ponto de vista por Heyting e Mulder (1999 p 360) desta forma ldquoum ceacutetico no sentido sextiano natildeo pode ensinar seu ceticismo sem o apelo a algum tipo de princiacutepio e eacute exatamente acerca de princiacutepios que este ceticismo suspende o julgamento Ou seja parece haver um paradoxo educacional no coraccedilatildeo mesmo do ensino do ceticismordquo O problema apareceria quando aquele que estaacute no processo de tornar-se um ceacutetico natildeo se conforma a etapas dessa orientaccedilatildeo como por exemplo natildeo sentir-se tranquilo apoacutes suspender o julgamento ou natildeo concordar que sentenccedilas opostas sejam equipolentes Como explicitam os estudiosos Heyting e Mulder (1999 p 377) o ceacutetico pareceria natildeo ter outra alternativa nestes casos a natildeo ser ensinar dogmatizando ou seja imprimir o seu ponto de vista como uma proposiccedilatildeo verdadeira Parece natildeo haver resoluccedilatildeo deste conflito na obra sextiana e tal como apontou Bett (p 228) Sexto parece natildeo ter se confrontado diretamente com o problema talvez porque este problema sobrevenha do fato de ele ter usado de fontes diacutespares em que tais questotildees aparecessem desconectadas Esta eacute a opiniatildeo de Bett em sua anaacutelise do Contra os Eacuteticos para ele esta obra compotildee-se de duas partes claramente redigidas com base em duas fontes diferentes natildeo harmonizadas que sugerem orientaccedilotildees distintas do ceticismo antigo Permanecem as divergecircncias e surgem daiacute conflitos como este que envolve o ensino do ceticismo x a destruiccedilatildeo do ensino Resta-nos apontar a soluccedilatildeo transversal de Heyting e Mulder (ibidem) considerar que as lsquoproposiccedilotildeesrsquo selecionadas por Sexto quando se trata de instruccedilatildeo ceacutetica natildeo serviriam para lsquotratarrsquo um dogmaacutetico com vistas agrave sua lsquoconversatildeorsquo mas sim ldquopara curar por assim dizer seu proacuteprio dogmatismordquo ou seja as tendecircncias dogmaacuteticas em um ceacutetico Tal soluccedilatildeo parece concordar com a interpretaccedilatildeo que Heyting e Mulder conferem ao ceticismo uma atividade incompleta constante sempre em processo 24 lsquoO que se ensinarsquo (to didaskomenon (pragma)) lsquoeacute ensinadorsquo (didasketai) os termos permitem inversatildeo como no paralelo com as frases lsquoEnsina-se aacutelgebrarsquo e lsquoAacutelgebra eacute

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ensinadarsquo As opccedilotildees de outros tradutores para o primeiro caso incluem ldquola materia ensentildeadardquo (Cavero 1997) ldquothe thing taughtrdquo (Blank) ldquolrsquoobjet drsquoenseignementrdquo (Dalimier) 25 Paralelo com as foacutermulas de existecircncia 1) condiccedilatildeo ei(per) eacutestin (ti) X ei(per) didasketai (ti) = se existe (algo como) X se (algo alguma coisa) eacute ensinado 2) conclusatildeo ouk ara eacutestin ti X ouk ara didasketai ti = logo natildeo existe (algo como) X logo natildeo eacute ensinado (algo coisa alguma) variante (M 1 19) ou dunatai uparxein Y(s) ouk ara eacutestin ti X(s) = natildeo eacute possiacutevel existir(em) Y(s) logo natildeo existe(m) (coisa)(s) X(s) lsquoNada eacute ensinadorsquo (ouden didasketai) aparece somente em sect 29 26 Esta eacute uma das inuacutemeras ocorrecircncias do lsquoneutro pluralrsquo uma peculiaridade da liacutengua grega cuja traduccedilatildeo fica aqueacutem da elegacircncia do original A partir da substantivaccedilatildeo de uma qualidade por exemplo a substantivaccedilatildeo do adjetivo kaloseon temos no masculino singular uma expressatildeo que parece sugerir a elipse do lsquosubstantivorsquo ndash ho kalos lsquoaquele (o homem) que eacute belorsquo no feminino ndash he kale lsquoaquela (a mulher) que eacute belarsquo mas no neutro ndash to kalon lsquoaquilo que eacute belorsquo (lsquoa coisa belarsquo) assim o lsquoneutro substantivadorsquo singular pode alccedilar a abstraccedilatildeo da qualidade e resultar em algo como lsquoo belorsquo Como pode ser percebido na traduccedilatildeo dos termos desta seccedilatildeo procuramos para o singular aquilo que nos pareceu um grau intermediaacuterio to on ndash lsquoo que existersquo (intermediaacuterio entre lsquoa coisa que existersquo e o lsquoexistenteentersquo) Para o plural usamos a traduccedilatildeo canhestra lsquoas coisas que existemrsquo o mesmo em vaacuterias outras passagens Assim lsquocoisa(s)rsquo eacute recorrente no texto e geralmente natildeo eacute a traduccedilatildeo de um item lexical explicitamente presente no grego Poreacutem remete ao que poderia estar aiacute latente pragma(ta) de que tratamos em nota acima e cuja ambiguidade pode ser suposta nesses contextos tambeacutem 27Oukhi de ge dunaton esti to auto kai on te kai me on huparkhein comparar com o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo expresso por Aristoacuteteles lsquopois natildeo eacute possiacutevel que uma mesma coisa seja e natildeo seja [atributo] do mesmo [sujeito] ao mesmo tempo e no mesmo sentidorsquo (to gar auto hama huparkhein te kai me huparkhein adunaton toi autoi kai kata to auto) (Metafiacutesica IV 3 1005b19-20) Aristoacuteteles diz mais a frente que lsquonatildeo eacute possiacutevel supor que uma mesma coisa eacute e natildeo eacutersquo (adunaton gar ontinoun tauton hupolambanein einai kai me einai) (1005b24 29-30) 28 Fica impliacutecito que conforme a teoria em questatildeo para ter algum atributo eacute preciso ser alguma coisa que eacute Aristoacuteteles afirma que todos os acidentes demandam um sujeito ao qual pertencem (aei to sumbebekos kathrsquohupokeimenou tinos) (Metafiacutesica IV 4 1007a33ss) da mesma forma que os estoicos falaram em lsquosubstrato natildeo-qualificadorsquo preexistente agrave atribuiccedilatildeo de uma qualidade que o transforma em objeto lsquoqualificadorsquo (cf Blank p 90 e LS 28 sobre lsquoqualidadesrsquo e lsquocoisas qualificadasrsquo) Os estoicos poreacutem teriam diferenciado sumbebekos (lsquoatributorsquo) de kategorema (lsquopredicadorsquo) 29 Phantasian kinoun Aristoacuteteles (De Anima III 3 429a1) define phantasia como lsquomovimento resultante do uso efetivo de um sentidorsquo (kinesis hypo tes aistheseos tes katrsquoenergeian gignomene) Criacutesipo (SVF ii 54) a definiu como lsquouma experiecircncia (pathos) que

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ocorre na alma e que tambeacutem revela em si mesma do que eacute feita por exemplo quando vemos atraveacutes da visatildeo algo branco atraveacutes da visatildeo daacute-se em nossa alma uma experiecircncia e em respeito a essa experiecircncia podemos dizer que conteacutem (hypokeitai) algo branco que nos move (kinein)rsquo (cf SVF ii 55ss) ldquoEm tais descriccedilotildees causais da representaccedilatildeo (phantasia) eacute difiacutecil ver como poderiacuteamos formar uma representaccedilatildeo de um objeto natildeo-existente e Sexto tira vantagem desta dificuldade Mecanismos como analogia transiccedilatildeo e combinaccedilatildeo no entanto foram utilizados para explicar nossas representaccedilotildees de por exemplo centaurosrsquo (cf DL 7 49ss DL 10 32)rdquo (BLANK p 91) 30 Conforme salientou Blank p 91 os estoicos (M 7 38ss) diferenciaram lsquoverdadeirorsquo (to alethes) de lsquoverdadersquo (he aletheia) lsquoverdadeirorsquo eacute um julgamento (aksioma) e portanto um lekton ou seja incorpoacutereo enquanto lsquoverdadersquo eacute conhecimento (episteme) e corpoacuterea O lsquoverdadeirorsquo eacute simples a lsquoverdadersquo eacute composta Igualar o verdadeiro com algo que existe eacute um posicionamento de que Platatildeo decisivamente se distancia no Teeteto e no Sofista onde verdade e falsidade referem-se agrave sentenccedilas e natildeo coisas Mesmo assim desde Parmecircnides foi comum a associaccedilatildeo do ser com o verdadeiro e do natildeo-ser com o falso (por exemplo em Aristoacuteteles Metafiacutesica VI 4 1027b18ss Analiacuteticos Primeiros I 46 52a32 em que ser verdadeiro eacute o mesmo que existir) Sexto mesmo tende a classificar o que cada escola conta como verdadeiro pelo que esta escola considera existir ldquoPlatatildeo e Demoacutecrito pensaram que somente inteliacutegiveis fossem verdadeiros Enesidemo e Epicuro pensaram que sensiacuteveis fossem verdadeiros para o primeiro os sensiacuteveis verdadeiros satildeo os que aparecem para todos igualmente jaacute o uacuteltimo disse que todos os sensiacuteveis satildeo verdadeiros e existentes os estoicos pensaram que alguns sensiacuteveis e alguns inteliacutegiveis fossem verdadeirosrdquo (M 8 6-10) 31 Didakton eacute um adjetivo verbal pode exprimir tanto uma coisa feita quanto uma coisa realizaacutevel portanto lsquoestar ensinadorsquo ou lsquoser ensinaacutevelrsquo (lsquopoder ser ensinadorsquo) E ainda por ser neutro pode ter sido substantivado lsquouma coisa (um item) ensinada(o)-ensinaacutevelrsquo Tentamos uniformizar a escolha para todos os momentos em que Sexto utiliza este termo e procuramos diferenciar seu uso de lsquoeacute ensinadorsquo(didasketai) Ao menos sect 14 16 17 e 18 tecircm seu argumento diretamente vinculado acreditamos agrave ambiguidade desta expressatildeo Este termo e portanto sua ambiguidade estaacute presente tambeacutem na discussatildeo do Menon de Platatildeo Day (1994 p 18) que traduziu este diaacutelogo justificou assim sua escolha (mantemos o original) ldquodidakton is poised in meaning between what is taught and what can be taught and lsquocomes from teachingrsquo seems to me the translation which captures this best while also reflecting the presuposition within Menorsquos question that virtue arises in only one wayrdquo Nestes termos o argumento de Sexto apenas expotildee a contradiccedilatildeo a partir da inversatildeo anterior (o existente eacute ensinado = tudo que existe eacute objeto de ensino) se tudo deve lsquopassar pelo ensinorsquo natildeo haveria lsquoponto de partidarsquo ou seja natildeo haveria nem ensino nem seu objeto cf PH 3 257 Procuramos traduzir lsquoX (estin) adidaktonrsquo por lsquoX eacute natildeo-ensinaacutevelrsquo e lsquoou(k) didakton (estin) Xrsquo por lsquoX natildeo eacute ensinaacutevelrsquo Acerca do argumento em M 1 14 (semelhante a 16) M 11 222 e PH 3 257 (o texto desta passagem encontra-se corrompido e recebe emendas) sobre ser preciso existir algo lsquoque natildeo estaacute ensinadorsquo ou lsquonatildeo-ensinaacutevelrsquo para ocorrer o ensino haacute a passagem dos Analiacuteticos Posteriores (I 1 71a1) de Aristoacuteteles em que

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este afirma que ldquotodo ensino depende de um conhecimento preexistenterdquo (pasa didaskalia kai pasa mathesis dianoetike ek prouparkhouses ginetai gnoseos) na Metafiacutesica (II 992b30) ele diz que ldquotodo conhecimento se daacute atraveacutes de lsquopremissasrsquo que satildeo todas ou algumas preacute-conhecidasrdquo (pasa mathesis dia progignoskomenon e panton e tinon esti) Para Aristoacuteteles estes satildeo os axiomas itens do conhecimento que satildeo baacutesicos e preexistem ao ensino ou seja itens cujo conhecimento natildeo se daacute atraveacutes do ensino seriam portanto na termilogia sextiana natildeo-ensinaacuteveis Eacute em paralelo agrave passagem no Contra os Eacuteticos (M 11 222ss) que interpretamos M 114 e deletamos lsquoaparentes para todos de maneira igualrsquo (pasi phainomenon eprsquoises) por considerarmos que esta expressatildeo eacute uma foacutermula recorrente em Sexto (cf entre outras passagens PH 1 8) e parece-nos sem sentido reter apenas eprsquoises neste contexto logo ou permanece a expressatildeo como um todo ou elimina-se como um todo Se se mantivesse esta inserccedilatildeo teriacuteamos como consequecircncia que M 1 14 conteria o argumento sobressalente natildeo mencionado nem em PH 3257 nem em M 11 222 de que o que eacute aparente natildeo demanda ensino ou porque lsquoestaacute ensinadorsquo ou porque eacute lsquonatildeo-ensinaacutevelrsquo ou seja lsquonatildeo pode ser ensinadorsquo ou lsquonatildeo se daacute pelo ensinorsquo) - argumento que ocorre no entanto em PH 3 254 e 266 em M 136ss e M 8 280 Mas tambeacutem o que eacute mais relevante ficariacuteamos com o argumento de que lsquoo que existe eacute aparente para todos de maneira igualrsquo que natildeo encontramos em nenhum outro lugar em Sexto mas que corresponde no entanto ao argumento em DL 9 100 Normalmente a expressatildeo lsquoser aparentersquo ou lsquoaparecer para todos de maneira igualrsquo estaacute relacionada agrave discussatildeo sobre ser lsquoaparentersquo (phainomenos) x ser lsquonatildeo-evidentersquo (adelos) e qualifica o que eacute lsquoaparentersquo o que eacute lsquoaparentersquo eacute lsquoaparente (evidente) de maneira igual para todosrsquo Aceitar esta intrusatildeo levaria ao que Blank chama de lsquointerpretaccedilatildeo fracarsquo - fraca por ldquonatildeo haver uma boa razatildeo em particular de porque o que existe deveria ser qualificado como sendo evidente de maneira igual para todosrdquo (Procuramos manter uma traduccedilatildeo uniforme para os seguintes termos phainomenon lsquoaparentersquo adelon lsquonatildeo-evidentersquo enargeia ndash lsquoevidecircncia enarges ndash lsquoevidentersquo) O argumento seria tal como interpretamos e traduzimos lsquose eacute ensinado simplesmente porque existe tudo que existe eacute ensinaacutevel logo natildeo haveraacute nada natildeo-ensinaacutevel mas o ensino precisa partir de algo natildeo-ensinaacutevelrsquo Haveria a possibilidade de interpretar e traduzir diferentemente este argumento lsquose eacute ensinado simplesmente porque existe natildeo haveraacute nada que natildeo esteja jaacute ensinado portanto natildeo haveria nada a ensinarrsquo Tal interpretaccedilatildeo diluiria a ligaccedilatildeo com o argumento aristoteacutelico que de qualquer forma natildeo podemos afirmar seguramente que fosse o alvo Vale lembrar que todas as passagens conclusivas de que lsquoX natildeo eacute ensinaacutevelrsquo (ouk didakton) ou lsquoX eacute natildeo-ensinaacutevel (adidakton)rsquo equivalem agrave lsquoX eacute um item que natildeo pode ser ensinadorsquo ou lsquoX natildeo se daacute pelo ensinorsquo ou seja lsquoX natildeo eacute objeto de ensinorsquo Considerando a ambiguidade do termo permanecem possiacuteveis diferentes leituras do argumento Supomos portanto que o argumento sextiano vale-se das ambiguidades de possiacuteveis associaccedilotildees e sugestotildees sem apoiar-se sobre uma tese que poderia conferir (falsa) estabilidade teoacuterica para sua argumentaccedilatildeo 32 Esta aporia que natildeo estaacute presente nem em M 11 nem em PH 3 visa especificamente aos estoicos para os quais a primeira divisatildeo natildeo se daacute entre o que existe (to on) e o que natildeo existe (to me on) mas entre algo (ti) e nada (outina) (cf SVF ii278) Incorpoacutereos e corpoacutereos satildeo classificados como lsquoalgorsquo incorpoacutereo eacute lsquoalgorsquo (oposto a lsquonadarsquo) que lsquonatildeo existersquo poreacutem

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pode lsquoser o casorsquo (huparkhei) Ou seja todos os incorpoacutereos tais como os lsquodiziacuteveisrsquo (lekta) (bem como o verdadeiro mencionado em sect12 e o vazio e o tempo) devem ser considerados se natildeo como lsquoexistentesrsquo como lsquosubsistindorsquo (huphestosin) (cf Galeno Meth med 10 155 1-8 Plutarco Adv Colot I I 16 B-C) Uma das possiacuteveis razotildees pela qual os estoicos teriam edificado esta ontologia seria por rejeitarem a identificaccedilatildeo platocircnica do ser (being) com ser algo (being something) (cf CASTON 1999 p 151) ldquoUma coisa sobre a qual haacute acordo eacute que os estoicos consideram lsquoalgorsquo (ti) como o mais alto gecircnero da realidade o qual inclui lsquocorposrsquo (somata) lsquoo que existersquo (einai) bem como entidades classificadas como incorpoacutereas (asomata) das quais se diz lsquosubsistiremrsquo (huphistanai) mas natildeo existirem Nada mais acerca da ontologia estoica escapa agrave controveacutersia incluindo (ou melhor especialmente) o que estes termos significam Embora haja um cacircnone geralmente aceito de incorpoacutereos nomeadamente espaccedilo vazio tempo e o que eacute diziacutevel (lekton ndash ou grosseiramente o significado de nossas palavras) natildeo estaacute estabelecido se seriam estes os uacutenicos quatro Aleacutem disso e mais importante natildeo estaacute claro o que estas entidades tecircm em comum aleacutem de serem incorpoacutereas ou o que precisamente significa dizer que subsistem De fato eacute um lugar-comum assumir que os estoicos introduziram a categoria de lsquoalgorsquo como um artifiacutecio ad hoc para lidar com as recalcitrantes entidades incorpoacutereas que realmente natildeo se adaptam aos moldes corpoacutereos mas tatildeo pouco satildeo dispensaacuteveisrdquo (HARVEN 2012 p 3-4) O trabalho de Harven contudo defende que a ontologia estoica do ldquotudo eacute lsquoalgorsquo e lsquonadarsquo natildeo eacuterdquo eacute coerente (p 92) Sobre huparkhein e huphistanai na ontologia estoica ver Goldschmidt 1972 e Harven 2012 Para o presente propoacutesito o importante eacute perceber que a ontologia estoica diferencia einai huparkhein e huphistanai e que a terminologia sextiana eacute amplamente dependente da estoica pois aleacutem de Sexto refutaacute-los em seus termos a sistematizaccedilatildeo ontoloacutegica estoica eacute o procedimento dogmaacutetico mais discutido do periacuteodo que interessa a Sexto A objeccedilatildeo de Sexto se desenvolve de forma similar a anterior tal como ele havia prevenido mas ele adiciona uma nova possibilidade (sect17-18) a de que o ensino possa se dar por meio de lsquoalgorsquo ou lsquonadarsquo 33 A anairesis eacute a destruiccedilatildeo indica o resultado da argumentaccedilatildeo ceacuteticaaporeacutetica em que uma noccedilatildeo se revela inexistenteirreal (anuparktos) insubsistente (anupostatos) inconsistente (asustatos) ou se diz que natildeo eacute nada (ouden estin) ou que natildeo existe (ouk eacutestin) Vale ressaltar que esta noccedilatildeo natildeo aparece em PH para descrever o procedimento ceacutetico ao contraacuterio parece justamente referir-se ao que o ceacutetico natildeo faz (cf PH 1 196-7) Cf Bett 2005 p xxix Este eacute um dos argumentos utilizados por Bett para sugerir que PH seja mais tardio que M 7-11 34 Haacute paralelos entre esta argumentaccedilatildeo aquela contra a noccedilatildeo de corpo dos fiacutesicos (PH 3 38-55) e a discussatildeo das aporias resultantes das definiccedilotildees geomeacutetricas de entidades fiacutesicas atraveacutes de entidades matemaacuteticas (M 319 37-50 60-4 77-91) Sexto parece embaralhar os niacuteveis e o escopo das definiccedilotildees estoicas mas com isso deixa entrever problemaacuteticas relativas aos limites da ontologia estoica limites estes que foram frequentemente explorados pelos adversaacuterios dos estoicos na antiguidade e continuam a intrigar os estudiosos modernosVer tambeacutem M 9 359-439 M 11 228ss

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35 Os estoicos consideraram ta lekta incorpoacutereos Portanto se o que eacute ensinado deve ser algo exprimiacuteveldiziacutevel entatildeo eacute incorpoacutereo e natildeo corpo Ao dizer que lsquodiziacuteveisrsquo satildeo lsquoo que se ensinarsquo Sexto aponta para o conteuacutedo do ensino na sequecircncia no entanto parece ter em mente os objetos sobre os quais ocorre o ensino (cf Bett p 234) 36 lsquoSensiacuteveisrsquo objetos dos sentidos da percepccedilatildeo sensiacutevel lsquointeliacutegiveisrsquo objetos do intelecto Ver DL 7 51 ldquoEles [os estoicos] dividem as representaccedilotildees entre aquelas que satildeo sensoacuterias (aisthetikai) e aquelas que natildeo satildeo As sensoacuterias satildeo obtidas atraveacutes de um ou mais oacutergatildeos do sentido as natildeo-sensoacuterias satildeo aquelas obtidas atraveacutes do pensamento (dianoia) tais como os incorpoacutereos e outras coisas adquiridas pela razatildeo (logoi)rdquo A divisatildeo entre o que eacute percebido pelos sentidos e o que eacute percebido pelo intelecto eacute atribuiacuteda por Sexto aos peripateacuteticos em M 7 217-26 concluindo ldquoa partir do que foi dito percepccedilatildeo sensoacuteria (aisthesis) e intelecto (nous) satildeo o primeiro criteacuterio para o conhecimento (gnosis) das coisas aquela a modo de ferramenta e este como um artesatildeo (tekhnites)rdquo Ver a discussatildeo no Teeteto de Platatildeo (184ss) para distinguir entre percepccedilatildeo e conhecimento ldquoSoacutec Entatildeo haacute coisas que todas as criaturas homens e animais igualmente satildeo naturalmente capazes de perceber assim que nascem ou seja experiecircncias que chegam agrave alma atraveacutes do corpo Mas consideraccedilotildees sobre existecircncia e coisas uacuteteis quando surgem satildeo como o resultado de um longo e aacuterduo desenvolvimento envolvendo uma consideraacutevel quantidade de eventos tempo e instruccedilatildeordquo (186c) 37 Em PH 3 47 Sexto afirma que os sentidos satildeo lsquode sensaccedilatildeo simplesuacutenicarsquo (haplopathes) argumento que remete agrave discussatildeo no Teeteto de Platatildeo (184ss) mas tambeacutem a Criacutesipo (ldquoos objetos da sensaccedilatildeo como corpos satildeo compostos e os sentidos individuais percebem uma coisa definida este a cor outro o som e em todos os casos do presente nenhum sentido lembra o que eacute passado ou prevecirc o futuro Eacute funccedilatildeo de reflexatildeo interna e raciociacutenio entender a experiecircncia de cada sentido e inferir qual eacute o objeto e aceitaacute-lo no presente lembraacute-lo quando ausente e projetaacute-lo no futurordquo (cf SVF ii 879 - com base na interpretaccedilatildeo de Blank p 97)) Ver a qualificaccedilatildeo dada por Sexto sentido simples (haple) e natildeo-racional (alogos) Em M 9 437 a argumentaccedilatildeo eacute algo distinta Sexto diz aiacute que lsquouma qualidade complexa percebida por combinaccedilatildeo natildeo eacute um sensiacutevelrsquo O argumento de que os sensiacuteveis natildeo satildeo ensinaacuteveis parece relacionar-se tambeacutem ao argumento de que cada sentido percebe seu proacuteprio objeto sem instruccedilatildeo o que difere do argumento em PH 3254 de que tudo que eacute evidente natildeo eacute ensinado (Ver Blank p 98) 38 Aparentemente deriva da noccedilatildeo de lsquodar de encontro comrsquo (peripiptein) foi usado por Galeno para referir-se a uma das principais formas de obter evidecircncia dentro da escola empiacuterica de medicina uso atestado por Filodemo (cf Blank p 99) Blank traduz por ldquosensationrdquo Dalimier opta normalmente por ldquoexpeacuterience sensoriellerdquo mas nesta passagem usa ldquoaffection accidentellerdquo Periptosis e metabasis satildeo discutidos por Sexto em M 8 58-60 ldquoExperiecircncia sensoacuteria direta (he dia tes aistheseos periptosis) deve preceder toda concepccedilatildeo e por esta razatildeo se se anulam os sensiacuteveis (ta aistheta) necessariamente anula-se toda concepccedilatildeordquo e em M 9 390-402 M 11 250-6 e M 3 39-50 ldquoEm geral toda concepccedilatildeo se daacute de duas formas atraveacutes de evidecircncia perceptiva direta (kata periptosin enarge) ou atraveacutes de

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transferecircncia a partir de uma evidecircncia (kata ten apo ton enargon metabasin) esta uacuteltima apresenta trecircs modalidades semelhanccedila composiccedilatildeo e analogiardquo Tais termos satildeo usualmente estoicos bem como grande parte daqueles implicados nas aporias de sect 1-40 cf DL 7 53 39 Cf PH 3 49 e Contra os Fiacutesicos M 9 286 40 Usado aqui como sinocircnimo aparentemente de periptosis experiecircncia direta 41 Sobre contato fiacutesico ver Contra os Fiacutesicos M 9 258 42 Cf M 339-50 Sexto explica o processo (estoico) de conhecimento por transferecircncia a) por semelhanccedila (conceber Soacutecrates a partir de seu retrato ou seja pela experiecircncia direta de seu retrato concebe-se em transferecircncia a proacutepria pessoa de Soacutecrates) b) por composiccedilatildeo (quando se concebe um centauro a partir do homem e do cavalo pois haacute mistura de elementos dos quais se tem experiecircncia direta em algo que imaginamos) e c) por analogia de duas formas por aumentarmos ou diminuirmos qualidades conhecidas Assim concebemos os pigmeus um povo miacutetico para os gregos por diminuiccedilatildeo de algo que se oferece a nossa percepccedilatildeo o homem E por aumentarmos o que conhecemos do homem concebemos os Ciclopes Sexto insiste que estes processos soacute ocorrem se houver algo que se experienciou diretamente e que seja portanto jaacute conhecido A noccedilatildeo de transferecircncia aparece no contexto da filosofia epicurista e entre os meacutedicos empiacutericos Para os epicuristas a transferecircncia eacute uma relaccedilatildeo que pode adquirir inuacutemeras formas a) os epicuristas pensavam que a ideacuteia de que os deuses satildeo imortais e felizes adveacutem aos homens lsquopor transferecircncia a partir da condiccedilatildeo humanarsquo da mesma forma que a noccedilatildeo de Ciacuteclope eacute concebida por extrapolarmos a imagem do homem ordinaacuterio (M 9 45) b) a transferecircncia indica um modo de formaccedilatildeo de conceitos a partir da comparaccedilatildeo de imagens semelhantes c) a partir do II aC os epicuristas teriam utilizado a transferecircncia naquilo que Filodemo chama de ldquomeacutetodo de similaridaderdquo se A e B satildeo tais que natildeo se pode conceber que uma propriedade essencial de A natildeo esteja tambeacutem presente em B pode-se proceder ao seguinte raciociacutenio ldquose A eacute X B eacute Xrdquo no qual X eacute uma outra propriedade essencial de A O exemplo de Filodemo eacute ldquoSe Platatildeo eacute um homem entatildeo Soacutecrates tambeacutem eacute um homemrdquo (De signis col 17 De Lacy) Na medicina empiacuterica o conhecimento dos fenocircmenos se daacute fundamentalmente por constataccedilatildeo direta (autopsia) mas admite-se tambeacutem a historia ou seja o recurso agrave observaccedilotildees de outros quando estatildeo expostas e documentadas devidamente sem aparato lsquoracionalistarsquo Outro procedimento aceito eacute a metabasis a transferecircncia passar de um domiacutenio a outro sem justificaccedilatildeo teoacuterica (por associaccedilatildeo supomos epilogismos e natildeo analogismos como explicamos na primeira parte desta tese) e quando as circunstacircncias permitem Conveacutem atentar para o fato de que se para Sexto natildeo se apreende o corpo por transferecircncia eacute porque natildeo haacute uma experiecircncia sensoacuteria a partir da qual possa ocorrer a transferecircncia e natildeo porque a transferecircncia ela mesma fosse um modo ilegiacutetimo Conforme Pellegrin 2002 p 462-463

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43 Esta referecircncia que repete a passagem de M 11 226 provavelmente refere-se a M 9 359ss e natildeo a PH 3 38ss pelo uso de lsquomais detidamentecom mais precisatildeorsquo que Sexto em geral usa para qualificar M 7-11 Haacute referecircncias a esta mesma obra presume-se em M 129 33 e 282 M 2 106 e M 6 58 44 A precipitaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica dogmaacutetica repetidamente enfatizada por Sexto PH 3 281 PH 120 entre outras passagens Para o estoico a lsquoprecipitaccedilatildeorsquo (propeteia) era considerada um empecilho no caminho do conhecimento e definida como um viacutecio de pensamento que faz assentir a representaccedilotildees natildeo compreensivas (cf SVF iii 548) Sexto denuncia com este termo a propensatildeo ao julgamento Tal inclinaccedilatildeo eacute um traccedilo comum a todas as escolas filosoacuteficas classificadas como dogmaacuteticas 45 A foacutermula corresponde ao segundo verso do epitaacutefio de Midas rei da Friacutegia Eacute citada por Soacutecrates no Fedro (264d) e por Dioacutegenes Laeacutercio na Vida de Cleoacutebulo (1 89-90) 46 ldquoO mesmo tipo de referecircncia eacute feita pouco acima sect 29 e no Contra os Retores sect 106 com o substantivo (hupomnemata) correspondente ao verbo aqui utilizado (hupomnesamen) Trata-se sem duacutevida da longa demonstraccedilatildeo do tratado Contra os Fiacutesicos I [M 9] e natildeo da breve passagem de PH 1259rdquo DALIMIER ad loc Para Blank no entanto esta referecircncia remete agrave discussatildeo sobre o criteacuterio de verdade no Contra os Loacutegicos M 7 29-446 47 Como comenta Bett (2007 p 240) em sua traduccedilatildeo do Contra os Eacuteticos provavelmente Sexto tem em mente que a verdade seja aporeacutetica no sentido de que devido agrave falta de criteacuterio claro natildeo haacute como estabelecer sem controveacutersia o que eacute verdadeiro e o que natildeo eacute e como ele expocircs anteriormente natildeo haacute ensino do que estaacute sob disputa em sect 28 e em M 11 231 O argumento sobre ensinar-se o verdadeiro ou o falso eacute o primeiro da discussatildeo em PH 3 253 48 Este argumento parece uma versatildeo talvez mal colocada da distinccedilatildeo entre aparente x natildeo-evidente As distinccedilotildees entre tekhnikos x atekhnos satildeo no entanto relevantes a seguir o que se ensina eacute parte de uma arte (um preceito supomos) ou natildeo Se natildeo eacute parte de uma arte eacute porque eacute algo que natildeo demanda ensino (M 2 233) Se eacute parte de uma arte estaacute sujeito agrave divisatildeo habitual entre aparente por si proacuteprio x natildeo-evidente o aparente natildeo demanda ensino (portanto eacute atekhnos) e o natildeo-evidente como foi dito antes natildeo se ensina Bett (2007 p 240-1) comenta o trecho equivalente a este em M 11 233 considerando que Sexto refere-se a lsquoartersquo como um corpo consistente de conhecimentos ao inveacutes de implicar simplesmente um conjunto de atividades pois satildeo verdades ou seja proposiccedilotildees e natildeo comportamentos que satildeo ditos serem ou lsquoaparentesrsquo ou lsquonatildeo-evidentesrsquo Para os estoicos arte (tekhne) eacute um lsquosistema composto de apreensotildees (representaccedilotildees verdadeiras) organizadas em conjunto (ou co-exercitadas) (sustema ek katalepseon suggegumnasmenon) direcionadas a uma finalidade uacutetil ([Galeno] Def med XIX 350 SVF ii 94) ou alternativamente um lsquosistema composto de teoremas (theoremata) organizados em conjuntorsquo (Anecd gr Paris i 171) A lsquoarte de viverrsquo objeto dessa discussatildeo em Contra os Eacuteticos eacute pois um corpo de conhecimentos sistemaacutetico e articulaacutevel que eacute voltado para o viver adequada ou efetivamente a vida em geral

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Neste sentido ao afirmar que algo que natildeo faz parte de uma arte natildeo eacute ensinaacutevel Sexto poderia indicar a interpretaccedilatildeo de lsquoobjeto de ensinorsquo (to didaskomenon pragma) natildeo como entidades sobre as quais se ensina mas conjunto de proposiccedilotildees relativas a estas entidades No capiacutetulo IV da obra Sobre as escolas de medicina de Galeno os meacutedicos dogmaacuteticos censuram aos empiacutericos sua indefiniccedilatildeo vagueza e falta de meacutetodo pelo fato da lsquoexperiecircnciarsquo que eles advogam como base de sua arte ser precisamente atekhnon lsquosem artersquo (Manzano 2002 p 98 cf 112ss) Se considerarmos que to didaskomenon pragma refira-se a um lsquoconjunto de conhecimentos teoacutericosrsquo o entendimento das passagens em que Sexto conclui pela natildeo-existecircncia de to didaskomenon pragma teria obviamente uma interpretaccedilatildeo mais especiacutefica 49 ta tekhnika ton theorematon o termo theorema pode ter em grego o sentido especializado que possui em portuguecircs a palavra lsquoteoremarsquo ldquoproposiccedilatildeo que pode ser demonstrada por meio de um processo loacutegicordquo (HOUAISS) ou seja uma proposiccedilatildeo demonstrada a partir de princiacutepios anteriormente dados que tenham sido ou natildeo eles proacuteprios demonstrados Neste caso seu uso estaacute de certa forma limitado agraves ciecircncias matemaacuteticas ou altamente formalizadas Mas este estaacute longe de ser seu sentido principal Seus usos ainda que numerosos guardam em comum o referir-se ao sentido do verbo originaacuterio lsquoverrsquo lsquoolharrsquo lsquocontemplarrsquo como os demais vocaacutebulos etimologicamente relacionados De forma que estaria primeiramente indicando algo que haacute sido lsquoconsideradorsquo lsquoobjeto de reflexatildeo eou especulaccedilatildeorsquo Poreacutem de fato Sexto o usa geralmente natildeo para referir-se a uma simples observaccedilatildeo ou reflexatildeo mas a uma proposiccedilatildeo ou um conjunto de proposiccedilotildees que desempenham um papel de preceitos ou princiacutepios De forma que os theoremata de uma arte satildeo ao mesmo tempo seus elementos essenciais e suas regras de funcionamento Quando Sexto pretende atacar os theoremata da gramaacutetica ldquoaqueles sobre os quais ela fundamenta sua subsistecircnciardquo (90) ele comeccedila por se ater ao problema da divisatildeo da gramaacutetica em partes com a interessante comparaccedilatildeo com a medicina (95) Para os estoicos pelo menos depois de Criacutesipo toda arte possui theoremata que satildeo as proposiccedilotildees que formam seu quadro Eacute esta posiccedilatildeo estoica que o proacuteprio Sexto parece expor quando escreve que ldquose natildeo haacute theorema proacuteprio a uma arte natildeo se pode distinguir a ausecircncia de arte da arterdquo (M 8 280) Portanto toda arte depende de seus theoremata proacuteprios Crisipo teria escrito um tratado Sobre os theoremata com vistas a produccedilatildeo de silogismos Em Do destino Ciacutecero chama theoremata (percepta) da arte divinatoacuteria proposiccedilotildees como esta ldquose algueacutem nasce durante a Caniacutecula natildeo morreraacute no marrdquo Por fim se a virtude eacute uma tekhne como pensam os estoicos devem existir teoremas eacuteticos e Dioacutegenes Laeacutercio explica que se as virtudes acompanham umas agraves outras de forma que natildeo se pode possuir uma sem que se possua tambeacutem as outras isso se deve ao fato de que seus teoremas satildeo comuns O emprego do termo theorema pelos meacutedicos empiacutericos eacute ainda mais interessante Combina a definiccedilatildeo estoica do teorema e as exigecircncias epistemoloacutegicas dos empiacutericos Para os empiacutericos com efeito natildeo haacute conhecimento meacutedico ndash e conhecimento em geral ndash a natildeo ser o que estaacute diretamente baseado em observaccedilatildeo Mas esta observaccedilatildeo repetindo-se adquire um valor gnosioloacutegico superior Ela tambeacutem pode ser fortalecida pelo recurso agrave observaccedilotildees dos outros ndash o que eacute chamado lsquohistoriarsquo Galeno atribui a um meacutedico empiacuterico que expotildee os princiacutepios de sua doutrina tais palavras ldquodizemos que um teorema eacute o

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conhecimento de uma coisa que se viu um certo nuacutemero de vezes ao mesmo tempo que envolve o conhecimento claro dos resultados em contraacuteriordquo (Subf Emp apud Frede 1985 p 25) Da mesma forma um dos outros grandes princiacutepios da medicina empiacuterica eacute a transferecircncia (metabasis) de um resultado para fora de seu domiacutenio de origem Assim os meacutedicos empiacutericos aplicam na perna enferma um unguento que curou a mesma afecccedilatildeo no braccedilo Esta experiecircncia eacute dita lsquoimitativarsquo Galeno em seu tratado De sectis (apud Frede 1985 p 4) assim explica o que eacute um teorema para os empiacutericos ldquoeacute esta espeacutecie de experiecircncia [a saber a experiecircncia imitativa] que mais contribuiu para sua arte Pois tendo eles imitado natildeo apenas duas ou trecircs vezes mas um grande nuacutemero de vezes o que revelou-se beneacutefico em ocasiotildees preacutevias e descoberto que em condiccediloes anaacutelogas apresenta basicamente o mesmo efeito eles chamam tal memoacuteria de teorema acreditando que seja portanto confiaacutevel e faccedila parte da arterdquo Nota escrita com base em Pellegrin 2002 p 460-462 50 O argumento sextiano implica conceber o lsquoentendidorsquo como algueacutem que possui um conhecimento fechado natildeo compartilhado e ao qual natildeo se acrescenta nada Tal concepccedilatildeo teria como pano de fundo a definiccedilatildeo estoica de tekhne ldquosistema de apreensotildeescogniccedilotildees co-exercitado em direccedilatildeo a algum fim uacutetil para a vida (SVF i 73 ii 93-7 M 2 10 I 75 7 373 11 182 PH 3 188 241 251 261) com o acreacutescimo de que cada cogniccedilatildeo dentro deste lsquosistemarsquo teria que estar simultaneamente presente nele para que fosse dito de algueacutem que domina determinada lsquoartersquo Portanto natildeo haveria parte da lsquoartersquo fora do sistema ou seja que fosse desconhecida para o lsquoentendidorsquo Esta abordagem desconsidera a distinccedilatildeo estoica entre tekhne e episteme observa Blank (1998 p 103) pois eacute a esta uacuteltima que se referem como um todo autocircnomo um sistema em que as cogniccedilotildees satildeo mutuamente dependentes Sexto por exemplo afirma que os estoicos consideraram virtudes como tekhnai (PH 3188) quando na verdade elas seriam mais propriamente epistemai (SVF iii 104) E assim ele justifica dispensar a toda tekhne o tratamento que os estoicos deram agrave virtude se vocecirc a tem entatildeo todas suas partes estatildeo simultaneamente presentes e mutuamente vinculadas mas se vocecirc natildeo a possui entatildeo nenhuma das cogniccedilotildees individuais que vocecirc possa ter adquirido possuem na verdade qualquer caracteriacutestica de tekhne nem foram percebidas enquanto tekhnike Desse entendimento proviria a comparaccedilatildeo com o cego de nascimento que natildeo possui qualquer noccedilatildeo das cores o leigo por sua vez natildeo possuiria qualquer noccedilatildeo das proposiccedilotildees de uma lsquoartersquo (Blank p 104) Por outro lado a proacutepria flutuaccedilatildeo terminoloacutegica e opiniotildees distintas sustentadas por diferentes estoicos em eacutepocas tambeacutem distintas eacute motivo suficiente para Sexto consideraacute-las incoerentes 51 Contra os Eacuteticos M 11 168-215 argumentos contra a lsquoarte de viverrsquo atraveacutes da demoliccedilatildeo de seus teoremas Cf PH 3 259 52 O argumento aparece melhor exposto em PH 3 260-5 fazendo uso de paradoxos como os mencionados acima (sect 30-35) e aproximando-se do paradoxo de sorites com a conclusatildeo de que natildeo existem nem o que ensina nem o que eacute ensinado

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53 A discussatildeo sobre mudanccedila e passividade desenvolve-se em M 9 195-329 na passagem lsquoSobre causa e o passivorsquo o vir-a-ser e o perecer foram abordados em M 10 310-50 54 Enargeia (lsquoclaridadersquo aqui lsquoevidecircncia sensoacuteriarsquo) foi comumente utilizado para definir um estilo de escrita lsquovivazrsquo Como termo filosoacutefico eacute um sinocircnimo epicurista para a lsquorepresentaccedilatildeorsquo (phantasia) ou seja a evidecircncia dos sentidos que eacute sempre verdadeira oposta a uma opiniatildeo faliacutevel (M 7 210) Seguimos a leitura de Blank (p 106-7) que identificou a interposiccedilatildeo sextiana de to deikton lsquoo que pode ser apontadorsquo entre os termos epicuristas sinocircnimos enargeia e phainomenon como uma tentativa de evitar que a discussatildeo fosse considerada especificamente epicurista chamando a atenccedilatildeo para a contraposiccedilatildeo com o discurso (logos) 55 Esta primeira opccedilatildeo eacute sempre descartada por Sexto com referecircncia agrave muacutetua ininteligibilidade das liacutenguas (cf M 1 145 e PH 2 214) com a implicaccedilatildeo de que a lsquonaturezarsquo eacute a mesma para todos em qualquer parte Cf Bett 1997 p xiv ss acerca do que chama de lsquoa exigecircncia de universalidadersquo ser F por natureza em Sexto implica ser intrinsecamente F e por isso invariaacutevel 56 Cf a passagem de PH 3268-269 damos a traduccedilatildeo em inglecircs ldquo[] But if you need to learn the things which you do not already know and if you have not got knowledge of the things to which the words are assigned then you will not get a grasp of anything Hence the method of learning cannot subsistrdquo E na sequecircncia o argumento baseado na impossibilidade da apreensatildeo que natildeo estaacute presente nem em M 1 nem em M 11 ldquoAgain the teacher ought to instil in the learner an apprehension of the theorems of the expertise being taught so that the learner will in this way apprehend the compound of these and become expert But as we suggested above [PH 3 241] there is no such thing as apprehension This method of teaching then cannot subsist eitherrdquo Trad Annas Barnes 2000 Que o discurso signifique por convenccedilatildeo ou seja por terem sido lsquoconvencionadosrsquo os nomes natildeo eacute algo que Sexto diretamente rejeite a objeccedilatildeo que levanta faz uso da ambiguidade que Blank (1998 p 106) compara agravequela da passagem do Eutidemo de Platatildeo (277a) entre conhecer (compreender) o meio de comunicaccedilatildeo versus compreender seu conteuacutedo A terminologia de que Sexto se apropria nesta passagem seria epicurista informa-nos Blank (ibidem) remetendo agrave ligaccedilatildeo epistemoloacutegica estabelecida por Epicuro entre experiecircncia direta das coisas (enargeia) rarr preconcepccedilatildeo (prolepsis) rarr palavra Ou seja se os nomes natildeo significam por natureza natildeo satildeo imediatamente relacionados agrave coisa que designam portanto a experiecircncia direta com as coisas eacute imprescindiacutevel para associaacute-la ao nome porque eacute ela que gera a lsquopreconcepccedilatildeorsquo O argumento epicurista parece servir ao propoacutesito sextiano por ter imposto esta etapa 57 O foco recairaacute sobre o que cada disciplina propotildee seu epaggelma (39) (termo usado por Platatildeo (Protaacutegoras 319a Eutidemo 274a) para referir-se ao que os sofistas prometiam ser possiacutevel alcanccedilar atraveacutes de seus ensinamentos) Para atingir tais disciplinas de maneira efetiva Sexto dispotildee-se a demolir princiacutepios (arkhai) meacutetodos gerais (hai katholikai methodoi) ou finalidades (ta tele) Destruir a estrutura dos sistemas dogmaacuteticos eacute como Sexto

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normalmente caracteriza o ataque ceacutetico em oposiccedilatildeo agrave argumentaccedilatildeo em moldes dogmaacuteticos cf M 9 1-3 M 5 e M 6 No entanto poderia ser dito que a refutaccedilatildeo aqui subsequente percorre as duas vias fazendo uso de argumentos epicuristas 58 Comparar a partir de sect 9 com a introduccedilatildeo agrave parte final do Contra os Eacuteticos ldquoJunto com o fato de que natildeo existe a lsquoarte de viverrsquo (he peri ton bion tekhne) ficou tambeacutem demonstrado que natildeo eacute ensinaacutevel [] Mesmo assim vamos supor que exista e ensinar (didaskomen) que eacute natildeo-ensinaacutevel Haacute uma longa e variada discussatildeo entre os filoacutesofos a respeito do ensino mas noacutes de nossa parte vamos selecionar e expor os pontos principais dentre os quais o mais geral eacute usado pelos ceacuteticos para mostrar que natildeo existe o ensino e os demais satildeo ditos especiacuteficos contra a sabedoria praacutetica (phronesis) Primeiro por ordem trataremos das objeccedilotildees mais gerais (M 11 216-17)rdquo E na sequecircncia (M 11 217-56) expotildeem-se argumentos contra a possibilidade do ensino tais como os encontrados em M 1 9-38 Assim a argumentaccedilatildeo presente na Introduccedilatildeo do Contra os Professores (M 1 9-38) compotildee-se de um conjunto de elementos recorrentes na argumentaccedilatildeo ceacutetica usados em outros dois momentos por Sexto contra a lsquoarte de viverrsquo (he peri ton bion tekhne) na passagem de que tiramos o excerto citado M 11 168-256 e em PH 3 250-270 ldquoEste eacute o uacutenico caso nos escritos de Sexto em que suas trecircs obras conteacutem longas passagens cobrindo o mesmo assuntordquo (BETT p 225) A versatildeo da argumentaccedilatildeo ceacutetica contra o lsquoensinorsquo relatada por Dioacutegenes Laeacutercio (9 100) restringe-se agrave destruiccedilatildeo de lsquoo que se ensinarsquo ldquoEles costumavam tambeacutem negar a possibilidade do ensino (mathesis) Se algo eacute ensinado eles dizem ou o que existe eacute ensinado por existir ou o que natildeo existe por natildeo existir Mas nem o que existe eacute ensinado por existir ndash pois a natureza das coisas que existem aparece para todos e eacute conhecida (gignosketai) nem o que natildeo existe natildeo eacute ensinado por natildeo existir pois ao que natildeo existe nada se atribui assim tampouco o ser ensinadordquo Para possibilitar uma anaacutelise contextualizada da argumentaccedilatildeo de Sexto apresentaremos um resumo das outras duas passagens em que desenvolve seu ataque contra o lsquoque se ensinarsquo tal como mencionamos acima ao final do livro 3 das Hipotiposes Pirrocircnicas e na parte final do Contra os Eacuteticos Nosso resumo estaacute baseado na anaacutelise de Blank (1998 p 87-90) mas traduzimos os termos e acrescentamos elementos conforme nossa proacutepria anaacutelise geral PH 3 253-8 A) (253) O que se ensina (to didaskomenon) ou eacute verdadeiro ou eacute falso

a) o falso eacute inexistente (anuparktos) e natildeo haveria instruccedilatildeo (didaskalia) do que natildeo tem existecircncia

b) o verdadeiro tambeacutem eacute inexistente como foi demonstrado com referecircncia ao criteacuterio de verdade

logo nada eacute ensinado (ouden didasketai) B) (254) A coisa que se ensina ou eacute aparente (phainomenos) ou eacute natildeo-evidente (adelos)

a) o que eacute aparente para todos natildeo precisa ser ensinado b) o que eacute natildeo-evidente eacute objeto de permanente desacordo e assim natildeo pode ser

ensinado (didakton) jaacute que o que natildeo pode ser compreendido (katalambanei) natildeo pode ser ensinado (didaskein) nem aprendido (manthanein)

logo nada eacute ensinado

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C) (255) O que se ensina ou eacute corpoacutereo ou eacute incorpoacutereo ambos estatildeo sujeitos agrave divisatildeo

anterior entre aparente e invisiacutevel logo natildeo eacute ensinado nada (ouk ara didasketai ti) D) (256-8) Ou eacute ensinado o que existe ou o que natildeo existe

a) os ensinos (hai didaskaliai) satildeo proacuteprios das coisas verdadeiras assim se algo que natildeo existe eacute ensinado torna-se verdadeiro e teraacute existecircncia (huparksei) pois lsquoelesrsquo dizem que esta eacute a definiccedilatildeo de verdadeiro mas eacute absurdo dizer que o que natildeo existe tem existecircncia (huparkhei)

logo natildeo eacute ensinado o que natildeo existe b) O que existe tem que ser ensinado ou porque eacute algo que existe (katho on estin) ou

porque eacute outra coisa (katrsquoallo ti) b1) se eacute ensinado porque eacute algo que existe entatildeo de tudo que existe nada eacute natildeo-ensinaacutevel (allrsquoei men katho on esti didakton ton onton eacutestai ouden adidakton) e por isso tambeacutem natildeo seraacute ensinaacutevel (dia de touto oude didakton) porque o ensino tem iniacutecio com base no que haacute acordo e eacute natildeo-ensinaacutevel (tas gar didaskalias ek tinon homologoumenon kai adidakton ginesthai prosekei) (texto grego conforme as correccedilotildees de Blank 1998 p 92) logo o que existe natildeo eacute ensinado porque eacute algo que existe b2) o que existe natildeo possui qualquer atributo (sumbebekos) que seja algo que natildeo existe assim se natildeo eacute ensinado porque eacute algo que existe natildeo seraacute ensinado porque eacute outra coisa

c) Aleacutem disso jaacute que o que existe e o que natildeo existe devem ser ou aparentes ou natildeo-evidentes voltamos agrave aporia mencionada em B e natildeo satildeo ensinados nem um nem outro

logo nada eacute o que se ensina (ouden estin to didaskomenon)

M 9 219-33 I) Se alguma coisa eacute ensinada (ei didasketai ti pragma) ou eacute ensinado o que existe ou o

que natildeo existe A)

i) (219) o que natildeo existe natildeo possui qualquer atributo (symbebeke) portanto nem o de ser ensinado

ii) se o que natildeo existe eacute ensinado seraacute verdadeiro pois o ensino eacute proacuteprio das coisas verdadeiras mas se for verdadeiro teraacute existecircncia jaacute que esta eacute a definiccedilatildeo estoica de verdade (cf M 5III 6-10 e abaixo) mas eacute absurdo que o que natildeo existe exista

logo natildeo eacute ensinado o que natildeo existe iii) O que se ensina (to didaskomenon) eacute ensinado atraveacutes da representaccedilatildeo

mental que nos provoca (kinoun phantasian) e o que natildeo existe natildeo pode provocar uma representaccedilatildeo mental

logo o que natildeo existe natildeo eacute ensinaacutevel (didakton) iv) (221) se o que natildeo existe eacute ensinado nada verdadeiro eacute ensinado pois a

verdade eacute proacutepria das coisas que satildeo e existem (ton onton kai huparkhonton) e entatildeo tudo que se ensina eacute falso o que eacute absurdo

logo o que natildeo existe natildeo eacute ensinado

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v) se o que natildeo existe eacute ensinado ou eacute ensinado porque eacute algo que natildeo existe

(katho me on esti) ou porque eacute alguma outra coisa mas se eacute ensinado porque eacute algo que natildeo existe estaraacute sendo ensinado como sendo nada (ouden on didakhthesetai) o que eacute absurdo E natildeo eacute ensinado porque eacute alguma outra coisa pois alguma coisa eacute algo mas o que natildeo existe natildeo eacute

B) (222) Se o que existe eacute ensinado entatildeo ou eacute ensinado porque eacute algo que existe ou porque eacute alguma outra coisa

i) se eacute ensinado porque eacute algo que existe entatildeo natildeo existiraacute nada natildeo-ensinaacutevel (ouden eacutestai adidakton) tampouco existiraacute algo a ensinar (oude ge eacutestai ti didaskomenon) porque eacute preciso que exista algo natildeo ensinaacutevel para com base nisso ocorrer o ensino (dei gar adidakton ti einai hina ek toutou mathesis genetai)

logo natildeo seria ensinado o que existe porque eacute algo que existe ii) (223) E qualquer atributo do que existe eacute algo que existe assim se natildeo eacute

ensinado porque eacute algo que existe tampouco seraacute ensinado por ser alguma outra coisa

Logo nenhuma coisa das que existem eacute ensinada (ouden ton onton didasketai) Assim a versatildeo de M 1 aproxima-se de M 11 por comeccedilar com a divisatildeo entre o que existe e o que natildeo existe por incluir o argumento o que natildeo existe natildeo pode provocar uma representaccedilatildeo e por dar a divisatildeo entre corpoacutereo e incorpoacutereo apoacutes aquela primeira Por outro lado a expressatildeo lsquoporque eacute algo que existersquo (kata ou katho) presente tanto em M 11 222 quanto em PH 3 257 eacute substituiacuteda em M 1 10 (e em Dioacutegenes Laeacutercio (9100)) por um dativo de causa (toi einai) lsquopor existirrsquo Resulta pois difiacutecil estabelecer qual a relaccedilatildeo precisa entre estas passagens Blank (p 89-90) acredita que Sexto modificou seus argumentos anteriores para remover a referecircncia direta agrave teoria estoica (M 11 219) e assim tornaacute-los aplicaacuteveis a qualquer divisatildeo filosoacutefica entre o que existe e o que natildeo existe De fato esta eacute a divisatildeo fundamental para platocircnicos peripateacuteticos e epicuristas Contudo tal movimento teria prejudicado a argumentaccedilatildeo de M 1 pois sem a referecircncia agrave teoria estoica e de fato sem qualquer referecircncia anterior agrave verdade primeiriacutessimo argumento em PH 3 o argumento de Sexto em M 1 12 e 13 parece mal formulado e um tanto breve Assim pois Blank considera interpolaccedilotildees as passagens que buscam consertar o argumento 59 Kaster (1997 p 42ss 447ss passim) mostrou que as ocorrecircncias mais antigas de grammatikos indicam exclusivamente algueacutem que aprendeu as letras ou seja que pode ler e escrever em oposiccedilatildeo a um lsquoiletradorsquo ou analfabeto (agrammatos) A partir do final do seacuteculo IV aC o termo grammatistes foi utilizado para o professor de leitura e escrita E em algum momento a partir do seacuteculo III aC e jaacute regularmente no seacuteculo II aC grammatikos passou a descrever o professor de lsquoliteraturarsquo tambeacutem como um tiacutetulo profissional embora o sentido original tenha persistido em uso O uso teacutecnico de grammatikos como o que se dedica agrave grammatike ou seja agrave criacutetica textual e literaacuteria estaacute evidentemente relacionado ao surgimento desta arte no fim do seacuteculo III aC no ambiente histoacuterico da Alexandria de Ptolomeu

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60 Que a gramaacutetica seja a primeira e ponto de partida para o ensino das outras disciplinas parece relacionar-se evidentemente ao letramento No entanto como Sexto expotildee adiante a parte da gramaacutetica que trata apenas da alfabetizaccedilatildeo natildeo seraacute alvo de seu ataque Satildeo alvo de seu ataque as reivindicaccedilotildees que defendem o conhecimento da gramaacutetica em termos abertamente pretensiosos vinculando diversas habilidades intelectuais ao seu estudo Entre estas por exemplo as de Fiacutelon de Alexandria (De Cong) que apresenta a proacutepria deusa lsquoSabedoriarsquo a recomendar o estudo das artes lsquoliberaisrsquo como preparaccedilatildeo para os que desejam associarem-se a ela e menciona primeiro a gramaacutetica o que eacute comum nestas listas mas acrescenta a gramaacutetica ensina o conhecimento compartilhado (historia) em poetas e prosadores nos daacute inteligecircncia e polimatia e nos ensina a desprezar ideacuteias tolas ao revelar os infortuacutenios de semi-deuses e heroacuteis celebrados na literatura Tambeacutem houve declaraccedilotildees que vincularam a gramaacutetica agrave capacidade de reconhecer e consequentemente discernir termos ambiacuteguos ou polissecircmicos Cf Blank p 109-110 61 Aulo Geacutelio (16815-17) refere-se ao estudo da dialeacutetica como sendo tatildeo encantador quanto as Sereias 62 ldquoO que geralmente se entende por gramaacutetica alexandrina eacute um conjunto de expedientes doutrinaacuterios aplicados na anaacutelise na fixaccedilatildeo e na ediccedilatildeo de textos literaacuterios claacutessicos O trabalho dessa gramaacutetica eacute fundamentalmente o de criacutetica textual []rdquo (Chapanski 2003 p 3) Neste sentido criacutetica textual refere-se tanto ao conjunto das lsquoliccedilotildeesrsquo ou lsquoleiturasrsquo (anagnoseis) propostas pelos gramaacuteticos em suas ediccedilotildees dos textos quanto ao lsquoreconhecimentorsquo de caracteriacutesticas dos textos implicadas em sua lsquoleitura em voz altarsquo ldquoO gramaacutetico antigo entende que para ler bem eacute necessaacuterio conhecer a demanda de cada gecircnero do texto o tipo de vocalizaccedilatildeo que lhe eacute adequada a entonaccedilatildeo caracterizadora de cada tipo de poema [] aleacutem de tudo era necessaacuterio resgatar a suposta pronuacutencia claacutessica e com ela o ritmo dos poemas oriundo da alteraccedilatildeo quantitativa das siacutelabasrdquo (Chapanski op cit p 80-81) 63 Contra os Astroacutelogos (M 5) e Contra os Muacutesicos (M 6) tambeacutem apresentam distinccedilotildees similares apontando as caracteriacutesticas das disciplinas que seratildeo atacadas e aquelas que satildeo consideradas uacuteteis Para a astronomia satildeo apresentados trecircs sentidos (M 5 1-2) astronomia matemaacutetica que Sexto teria destruiacutedo ao atacar a aritmeacutetica e a geometria astronomia de observaccedilatildeo de fenocircmenos que pode ser uacutetil por prever pragas e cataacutestrofes naturais e aquela que lida com horoacutescopos praticada pelos caldeus essa sim um lsquoatraso de vidarsquo Tambeacutem a muacutesica pode ser entendida em trecircs sentidos o estudo de melodias notas e ritmos como praticado por Aristoacutexeno (alvo de Sexto) a habilidade praacutetica de tocar um instrumento e tambeacutem no sentido lsquoimproacutepriorsquo de algo que esteja harmoniosamente disposto (cf Blank p 116-7) Interessante comparar a distinccedilatildeo de Sexto com a descriccedilatildeo que Proclo (c 411-85) apresenta dos inimigos dos matemaacuteticos ldquoHaacute natildeo obstante aqueles indiviacuteduos combativos que se empenham em eliminar o valor desta ciecircncia alguns negando sua beleza e excelecircncia pelo fato de seus discursos natildeo tratarem destes temas [filosofia e outras artes e ciecircncias]

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outros afirmando que as ciecircncias empiacutericas que se voltam aos objetos sensiacuteveis satildeo mais uacuteteis que os teoremas gerais da matemaacutetica A mensuraccedilatildeo da terra eles dizem eacute mais uacutetil que a geometria a aritmeacutetica popular mais uacutetil que a teoria dos nuacutemeros e a navegaccedilatildeo mais uacutetil que astronomia geral Pois natildeo nos tornamos ricos por saber o que eacute a riqueza mas por nos apropriarmos dela nem somos mais felizes por saber o que eacute a felicidade mas por viver uma vida feliz Deveriacuteamos pois concordar dizem eles que as ciecircncias empiacutericas e natildeo as teorias dos matemaacuteticos contribuem mais para a vida humana Aqueles que ignoram os princiacutepios mas praticaram resolvendo problemas particulares satildeo muito superiores em satisfazer as necessidades humanas que aqueles que gastaram seu tempo nas escolas estudando teoria apenasrdquo (Comentaacuterios ao Primeiro Livro dos Elementos de Euclides 25-26) (MORROW 1970 p 22) 64 Aqui tal como em sect 132-140 optamos pela traduccedilatildeo lsquopartes da sentenccedilarsquo pois o ataque de Sexto se constroacutei com base na relaccedilatildeo parte-todo ele natildeo discutiraacute propriamente o conceito de lsquopartes da oraccedilatildeorsquo no sentido de classes de palavras ainda que discuta o que se fala sobre o lsquonomersquo certamente tendo-o considerado de fato neste sentido 65 Comparar com as outras passagens no Contra os Professores em que Sexto isola o alvo de seus ataques M 3 6 5 1 6 3 Conveacutem enfatizar que a gramatiacutestica natildeo deixa de ser dita uma tekhne 66 Esta passagem parece importante para caracterizar a visatildeo do proacuteprio Sexto Acima ele afirma ser favoraacutevel ao estudo das letras para aprender a ler e escrever Portanto a gramatiacutestica natildeo seria um estudo especializado no sentido que quisemos imprimir a este termo apenas a gramaacutetica completa o seria Aqui ele afirma que o telos (lsquopropoacutesitorsquo lsquofimrsquo lsquoobjetivorsquo lsquofinalidadersquo) de toda tekhne (arte) eacute uacutetil A gramatiacutestica portanto eacute uma arte Bem como a medicina e a navegaccedilatildeo a seguir Sexto introduz o termo tekhne em um sentido lsquoteacutecnicorsquo somente quando separa a gramaacutetica uacutetil da inuacutetil Mais agrave frente sect 54 ele carateriza a gramatiacutestica como a que transmite os elementos por observaccedilatildeo elementos que satildeo uacuteteis para a conduccedilatildeo da vida As coisas da gramaacutetica completa eacute que satildeo inuacuteteis 67 A introduccedilatildeo do alfabeto feniacutecio na Greacutecia era tradicionalmente atribuiacuteda a Cadmo heroacutei fundador de Tebas casado com Harmonia Cf Sch DThr GG I 3 p 33-35 68 As definiccedilotildees de Gramaacutetica na Antiguidade ateacute o seacutec II aC satildeo analisadas no trabalho de Seppaumlnen 2013 69 A lsquoinconsistecircnciarsquo eacute normalmente o resultado da argumentaccedilatildeo aporeacutetica acerca de itens que ou satildeo constituiacutedos de partes ou fazem parte de um sistema estruturado tal como qualquer tekhne racionalista A lsquoconsistecircnciarsquo (lsquocoerecircnciarsquo ou lsquoconstituiccedilatildeorsquo) (sustasis) de uma tekhne deriva de seus teoremas e a consistecircncia de cada teorema resulta de uma formulaccedilatildeo clara e natildeo-contraditoacuteria cuja prova se daacute por meio de outros teoremas e por meio dos princiacutepios da tekhne (cf M 3 21 4 3-4 5 49 6 61) Cf Blank p 128

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70 Sexto parece referir-se ao texto de Dioniacutesio Traacutecio pelo tiacutetulo de Paraggelmata (Preceitos) Ao tratado atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio tal como o possuiacutemos daacute-se tradicionalmente o tiacutetulo de Tekhne Grammatike (Arte Gramatical) De nossa parte nos referimos a ele como DThr 71 Comparar com a passagem na DThr ldquoGramaacutetica eacute o conhecimento empiacuterico do comumente dito ltnas obrasgt dos poetas e prosadoresrdquo (Trad Chapanski 2003 p 21) Grammatike estin empeiria ton para poietais te kai suggrapheusin hos epi to polu legomenon Tentamos reter a ambiguidade da expressatildeo utilizada por Sexto hos epi to pleiston lsquona maior partersquo pois pode referir-se tanto agrave gramaacutetica lsquoa gramaacutetica eacute em sua maior parte rsquoquanto ao objeto da gramaacutetica lsquoa maior parte do que dizem poetas e escritoresrsquo Estas duas interpretaccedilotildees faratildeo parte da argumentaccedilatildeo sextiana agrave frente O uso de pleiston (lsquoa maior partersquo) como superlativo de polu (lsquogrande partersquo) poderia sugerir uma tendecircncia universalista agrave formulaccedilatildeo de Sexto No entanto no escoacutelio de DThr quando os comentadores discutem a questatildeo da universalidade ou particularidade da gramaacutetica as duas expressotildees satildeo intercambiaacuteveis cf Blank p 129 Haacute certa polecircmica acerca de qual seria a versatildeo lsquooriginalrsquo de Dioniacutesio Sluiter (2011 p 310) no entanto acredita que as duas versotildees de DThr e Sexto satildeo simplesmente sinocircnimas 72 Nas discussotildees sobre as tekhnai uma das exigecircncias correntes eacute a de terem uma tarefa que lhes seja proacutepria especializada natildeo compartilhada com outras tekhnai 73 ἤδη pode ter um sentido temporal e significar lsquoagorarsquo implicando que comentaacuterios a obras filosoacuteficas tivessem aparecido mais tardiamente Cf Dalimier ad loc Talvez a fonte epicurista tenha pretendido apontar esta distinccedilatildeo mas de qualquer forma aqui natildeo parece haver ecircnfase nesta possiacutevel oposiccedilatildeo 74 Tuciacutedides VI 4-5 75 Devido a ausecircncia deste termo no corpus conhecido da obra de Tuciacutedides e nos lexicoacutegrafos da Antiguidade a tradutora francesa propotildee a seguinte interpretaccedilatildeo ldquoO verbo torneuo lsquotornearrsquo aparece em Platatildeo (Timeu 33b 69c 73e Criacutetias 113d) e aplica-se a uma criaccedilatildeo perfeita conforme agrave regra e agrave medida (analoga kai summetra) e que remove as irregularidades (anomalotes) Aristoacuteteles recupera a imagem no Tratado sobre o Ceacuteu 287b15 (o mundo eacute entornos lsquobem torneadorsquo) Pode-se portanto compreender a frase deste modo lsquoespera-se deles que ao torneaacute-las digam o que significam de maneira regularrsquo Torneuontes neste caso natildeo seria uma palavra usada como exemplo mas aplicar-se-ia ao comentaacuterio dos gramaacuteticos assimilada por forccedila da metaacutefora com a criaccedilatildeo analoacutegica divinardquo Dalimier ad loc 76 Demoacutestenes Sobre a coroa 122 o termo eacute usado como alusatildeo agraves injuacuterias que se lanccedilam durante um desfile ritualizado

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77 A escrita tradicional natildeo continha nenhuma marcaccedilatildeo diacriacutetica de acentos ou aspiraccedilotildees e tampouco se separavam as palavras Providenciar as marcaccedilotildees adequadas agrave leitura oral era trabalho do gramaacutetico ΗΔΟΣ como uma soacute palavra eacute um termo homeacuterico eoacutelico que significa lsquoprazerrsquo (edos) Em Platatildeo eacute uma foacutermula fixa constituiacuteda de trecircs palavras (verbo-partiacutecula-pronome ἦ δ ὅς (e drsquohos) equivalente a lsquodisse elersquo que permite introduzir a reacuteplica de um personagem Cf Dalimier ad loc 78 Personagem mal identificado Muitos gramaacuteticos alexandrinos chamaram-se Ptolomeu Provavelmente teria atuado pouco depois do proacuteprio Dioniacutesio Pagani 2011 p 19 A mesma criacutetica aparece no Sch DThr sem autoria especificada (Sch DThr 165 16-166 12) 79 Tratado desconhecido pode ser o mesmo a que Sexto se refere como Tratados Meacutedicos em Contra os Loacutegicos M 7 262 80 ho bios literalmente lsquoa vidarsquo expressatildeo frequentemente utilizada ao longo do texto neste sentido de lsquoliacutengua vivarsquo lsquolinguagem correntersquo 81 Metrodoro de Lacircmpsaco amigo e disciacutepulo de Epicuro 82 A tradutora francesa aponta para o uso teacutecnico de kathistemi lsquoencontrar regularmentersquo entre os gramaacuteticos por exemplo em Apolocircnio Diacutescolo Sobre as conjunccedilotildees 232 12-20 Cf Dalimier ad loc 83 Objeccedilatildeo que se apoia na primeira interpretaccedilatildeo da foacutermula hos epi to pleiston aplicada agrave gramaacutetica 84 To hellenikon ho hellenismos o helenismo aplicado agrave liacutengua eacute o criteacuterio ideal pelo qual se julga sua pureza e correccedilatildeo Como termo teacutecnico parece estar vinculado ao trabalho de ediccedilatildeo dos textos antigos durante o periacuteodo heleniacutestico Parte importante deste trabalho era lsquojulgarrsquo a qualidade do material disponiacutevel e apontar correccedilotildees Os lsquoeditoresrsquo deveriam seguir portanto uma norma pela qual identificavam as corrupccedilotildees do texto Este lsquopadratildeorsquo no entanto natildeo era uacutenico consideravam-se as variedades dialetais lsquoliteraacuteriasrsquo do grego O helenismo foi mesmo definido como o uso correto de todos os dialetos (Ps ndashHerodiano De barb et sol 311 9) Esta atividade acaba integrada agrave dinacircmica da variaccedilatildeo linguiacutestica entre cultos e iletrados no mundo antigo Expressar-se bem eacute uma das virtudes mais louvaacuteveis desde Homero e fator de sucesso social extremamente relevante durante a democracia grega As habilidades linguiacutesticas combinavam-se ao estudo da muacutesica e da ginaacutestica e parecem ter sido vistas como resultado de uma educaccedilatildeo moralizante Contudo rapidamente ocorre um processo de conscientizaccedilatildeo acerca da maleabilidade do discurso e da manipulaccedilatildeo de seu efeito pela manipulaccedilatildeo de sua lsquocomposiccedilatildeorsquo Ou seja a partir da aquisiccedilatildeo de habilidades especiacuteficas natildeo mais necessariamente vinculadas agrave formaccedilatildeo do caraacuteter do sujeito como um todo A retoacuterica aponte-se jaacute eacute um tema de longa tradiccedilatildeo no periacuteodo heleniacutestico Parece ter havido no entanto uma confluecircncia destas tendecircncias moralizantes especiacuteficas e retoacutericas com o

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trabalho erudito dos lsquoeditoresrsquo e os criteacuterios que valoravam as obras literaacuterias teriam passado a exercer uma autoridade coerciva sobre a expressatildeo do homem comum e uma autoridade mediadora do contato do lsquohomem livrersquo com a lsquoaltarsquo cultura Na traduccedilatildeo para este termo aparecem as expressotildees lsquofalar grego corretamentersquo lsquousar a liacutengua grega corretamentersquo lsquoo grego corretorsquo ou apenas o adjetivo lsquocorreto(a)rsquo Ver nota na seccedilatildeo sobre a correccedilatildeo (lsquohelenismorsquo) sect 176-247 mais agrave frente 85 Aqui ao inveacutes de retomar a expressatildeo hos epi to pleiston na sua segunda interpretaccedilatildeo Sexto utiliza kata to pleiston aplicada agrave expressatildeo participial lsquoo que dizem poetas e escritoresrsquo 86 poieomai ton horon lsquodar uma definiccedilatildeorsquo ou lsquoestabelecer limitesrsquo 87 Ou seja ars longa vita brevis A versatildeo hipocraacutetica continua lsquoa vida eacute curta a arte eacute longa a oportunidade eacute fugaz o experimento eacute incerto e o julgamento difiacutecilrsquo (ho bios brakhus he de tekhne makre ho de kairos oksus he de peira sphalere he de krisis khalepe) (Aph 11) 88 Caacuteres provavelmente deve ser identificado com Cairis (Khairis) ativo no seacutec I aC e citado pelo Sch DThr (118 9-10) como autor desta mesma definiccedilatildeo Cf Blank p 137-138 Dalimier ad loc Pagani 2011 p 19 89 Tambeacutem Eratoacutestenes (276 aC-194 aC) um dos mais renomados eruditos alexandrinos teria definido a gramaacutetica como uma heksis lsquoa gramaacutetica eacute uma habilidade [ou mestria] completa nas letras em que letras se refere a composiccedilotildeesrsquo (grammatike estin heksis panteles en grammasi grammata kalon ta suggramata) (Sch DThr 160 10-11) Aliaacutes fora a definiccedilatildeo presente no texto hipocraacutetico esta parece ser a mais antiga definiccedilatildeo de gramaacutetica que possuiacutemos Sobre a definiccedilatildeo de Eratoacutestenes e sobre heksis ver o valioso artigo de Matthaios 2010 ldquoCom sua definiccedilatildeo de lsquogramaacuteticarsquo Eratoacutestenes marcou a passagem do periacuteodo preacute-teoacuterico para o periacuteodo cientiacutefico da disciplina filoloacutegica Como a erudiccedilatildeo estava se afastando da responsabilidade do filoacutesofo e da profissatildeo dos poetas Eratoacutestenes um filoacutesofo erudito emprestou-lhe suas roupas epistemoloacutegicas definindo sua terminologia e conteuacutedosrdquo (ibidem p 85) 90 mathematike cf Contra os Astroacutelogos 1 91 Forma eoacutelica atestada em numerosas passagens homeacutericas 92 Cf Iliacuteada 22 190 93 Desconhecido talvez segunda metade do seacutec I aC Ver Seppaumlnen 2013 p 87ss 94 Blank (1998 p 147) nos informa que nos comentaacuterios a DThr encontram-se principalmente divisotildees quadripartites Usener (editor dos fragmentos epicuristas) teria

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apontado como origem delas a divisatildeo de Tiracircnio gramaacutetico grego ativo em Roma por volta do seacutec I aC leitura oral interpretaccedilatildeo criacutetica textual julgamento Os comentaacuterios indicam ainda que esta divisatildeo refletia o desenvolvimento de uma aula ldquoo estudante leria a passagem escolhida oralmente entatildeo o professor ofereceria uma explicaccedilatildeo de cada palavra no texto e logo da passagem toda seguida por correccedilotildees ao texto que eram entatildeo coroadas pelo julgamento ou criacutetica da passagemrdquo Blank ibidem 95 Historia aqui tem o sentido que originado na filosofia jocircnica do seacutec VI aC remete agrave investigaccedilatildeo inquiriccedilatildeo busca de informaccedilotildees No periacuteodo heleniacutestico referia-se principalmente agrave busca realizada em livros ou seja agrave pesquisa Usa-se tanto para a atividade de investigaccedilatildeo quanto para o produto desta investigaccedilatildeo ie para os dados levantados e dispostos em coletacircneas Na medicina designava um dos modos de obter conhecimento admitidos pelos empiacutericos a historia era a consulta agraves lsquoanotaccedilotildeesrsquo de outros meacutedicos relativas a um caso semelhante Portanto pode carregar tambeacutem o sentido de lsquoconhecimento compartilhadorsquo 96 Apesar de entre os romanos ter se tornado mais comum uma divisatildeo dupla remetendo a regras da liacutengua e anaacutelise de obras literaacuterias por exemplo lsquoa arte de falar corretamente e a explicaccedilatildeo de poetasrsquo (Quintiliano I 4 2) em Secircneca (Ep 88) encontramos uma divisatildeo muito parecida agrave de Sexto ldquoO gramaacutetico se encarrega do cuidado com a liacutengua e se ele quer ir aleacutem com histoacuterias (historiae) e finalmente se ele deseja demarcar um territoacuterio amplo com a poesiardquo 97 Cf Quintiliano I 4 3 ldquotanto as regras da escrita se combinam com as do falar como uma leitura correta precede a explicaccedilatildeo e um juiacutezo criacutetico permeia a ambasrdquo (Trad Pereira 2000) 98 Se Sexto houvesse continuado o argumento anterior e calculado para as cinco vogais breves as cinco marcas prosoacutedicas e o mesmo com as cinco vogais longas calculando suas seis variaccedilotildees ele teria chegado ao nuacutemero cinquenta e cinco no total 99 Esses caacutelculos satildeo ainda mais irocircnicos se considerarmos que houve uma tendecircncia a oferecer explicaccedilotildees racionais acerca do nuacutemero e ordem de quaisquer elementos Sobre tais discussotildees haacute uma anedota em Plutarco (Moralia ndash Quaest Conv 738c ss) citada por Blank (ibidem) apoacutes ouvir os outros convivas exporem analogias e numerologias para explicar o nuacutemero das letras o grammatistes Zopyrus rindo muito afirmou que o nuacutemero das letras eacute aleatoacuterio uma questatildeo de coincidecircncia e natildeo razatildeo 100 Isso foi dito por Criacutesipo 11422-6 (LS 50A) 101 Este termo parece ser uma invenccedilatildeo estoica e eacute mencionado por Sexto em PH 3 108 em relaccedilatildeo agrave mudanccedila em M 10176 sobre o tempo em M 10 64 sobre o movimento em M 7 279 acerca do lsquohomemrsquo conceitual e na aporia da parte versus o todo em M 9 352 Na uacuteltima passagem ele argumenta que se lsquopartersquo existe apenas na mente de algueacutem por lsquomemoacuteria

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conjuntarsquo entatildeo o homem pode existir externamente mas se lsquopartersquo do homem tal como seu pescoccedilo estaacute na nossa mente ndash o que seria desconfortaacutevel (sic) ndash ou se ambos parte e todo estatildeo em nossa mente permanece o problema sobre o todo ser (concebido como) algo aleacutem de suas partes 102 Argumento que parece envolver as dificuldades enfrentadas pelos estoicos acerca da incorporalidade do tempo e o status de passado presente e futuro em sua ontologia cf Plutarco (Comm not 1081C-1082A (LS 51C)) que expotildee os paradoxos das opiniotildees de Criacutesipo sobre o assunto 103 As afirmaccedilotildees de filoacutesofos gramaacuteticos e retoacutericos referindo-se agrave partes da sentenccedila (logou) e partes da expressatildeo (lexeos) satildeo antecedentes das listas de classes de palavras Mas em geral estas partes parecem ter sido entendidas como elementos lsquoloacutegicosrsquo necessariamente ou potencialmente relacionados agraves outras partes A traduccedilatildeo por lsquopartes da sentenccedilarsquo nos pareceu algo mais neutra e adequada agrave discussatildeo sextiana que ataca as partes da sentenccedila apenas pela relaccedilatildeo partes-todo 104 Criacutesipo e Dioacutegenes da Babilocircnia teriam distinguido cinco partes ou elementos da sentenccedila nome proacuteprio nome geneacuterico (prosegoria) verbo conjunccedilatildeo e artigo Antiacutepater de Tarso teria adicionado o lsquomeiorsquo (mesotes talvez o adveacuterbio) (DL 7 57) Os gramaacuteticos iriam distinguir em geral oito partes nome verbo particiacutepio artigo pronome preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo Seu tratamento destas partes evolui para o tratamento efetivamente como classes de palavra conforme o trabalho com o criteacuterio analoacutegico e a construccedilatildeo de paradigmas ou kanones Parecem ter havido no entanto diversas listas de partes da oraccedilatildeo em circulaccedilatildeo na antiguidade Inclusive Apolocircnio Diacutescolo afirma que Dioniacutesio usou a divisatildeo estoica entre nome e nome geneacuterico e natildeo aquela que temos em DThr e o proacuteprio Sexto usa esta terminologia 105 Cf Fiacutelon de Alexandria (Congress Erud Grat 146-148) ldquoQuando eles [os gramaacuteticos] explicam as partes do discurso por acaso natildeo roubam as descobertas da filosofia e fazem-nas trabalhar para eles Pois eacute tarefa da filosofia investigar o que eacute uma conjunccedilatildeo ou um nome ou um verbo ou o nome comum e o nome proacuteprio ou o que eacute inadequado ou satisfatoacuterio no discurso o que eacute declarativo o que eacute uma pergunta uma questatildeo ou uma expressatildeo compreensiva um pedido ou um impropeacuteriordquo 106 Para este paraacutegrafo e os seguintes sobre o todo e suas partes bastante confusos ver a argumentaccedilatildeo muito mais completa e contextualizada do Contra os Fiacutesicos M 9331-358 Nela Sexto repassa as opiniotildees sobre os termos vinculados agraves discussotildees cosmoloacutegicas do periacuteodo heleniacutestico o universo como o todo o status de suas partes e a relaccedilatildeo entre todo-partes partes-partes Apoacutes levantar as aporias concernentes a tais conceitos Sexto afirma que qualquer coisa chamada todo-partes estaraacute sujeita agraves mesmas aporias tal como as partes da sentenccedila e o demonstra com o mesmo exemplo de Iliacuteada I 1 (350-351) Portanto toda a argumentaccedilatildeo desta parte dos Contra os Gramaacuteticos pode ter sido extraiacuteda e adaptada a partir do contexto do Contra os Fiacutesicos As ambiguidades em jogo satildeo semelhantes mas naquele

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contexto a argumentaccedilatildeo aporeacutetica eacute mais detalhada e o argumento de Sexto aqui parece fazer uso do artifiacutecio de ora considerar o todo como a sentenccedila ora como o verso 107 Este seria um exemplo de que cada parte tem seu proacuteprio lugar em separado satildeo todas partes de algo mas natildeo partes umas das outras 108 lsquoAnomaliarsquo no sentido usado por Criacutesipo portanto 109 Cf DL 7 57 acerca da opiniatildeo dos estoicos ldquoVoz (phone) e dicccedilatildeo (lexis) diferem pois voz eacute som (echos) mas somente a dicccedilatildeo eacute articulada (enarthron) E a dicccedilatildeo difere da linguagem (logos) porque a linguagem eacute sempre significante (semantikos) mas a dicccedilatildeo pode natildeo ter significado (asemos) por exemplo blituri mas a linguagem nunca (oudamos) Aleacutem disso falar (to legein) difere de proferir (propheresthai) pois sons vocais (phonai) satildeo proferidos mas coisas (pragmata) satildeo ditas (legetai) satildeo entatildeo de fato diziacuteveis (lekta)rdquo E o proacuteprio Sexto em M 8 11-12 ldquoo que significa eacute a voz por exemplo lsquoDionrsquo o que eacute significado eacute a coisa ela mesma (auto to pragma) revelada (deloumenon) por ela [a voz] que noacutes apreendemos (antilambanometha) subsistindo agrave parte (parhuphistamenou) de nosso pensamento (dianoia) mas estrangeiros natildeo entendem (epaiousi) embora eles ouccedilam a voz e o lsquoreferentersquo eacute o objeto externo (to ektos hupokeimenon) por exemplo lsquoDionrsquo ele mesmo Destes dois satildeo corpoacutereos a voz e o lsquoreferentersquo e um eacute incorpoacutereo a coisa (pragma) significada ie o que eacute dito (lekton) que eacute verdadeiro ou falsordquo No entanto provavelmente o exemplo estoico seria algo como lsquoDion caminharsquo Pragma geralmente supotildee uma lsquointeraccedilatildeorsquo para os estoicos um lsquofeitorsquo natildeo um objeto simples objeto que natildeo pode ser um diziacutevel tampouco verdadeiro ou falso 110 As polecircmicas sobre lsquocorporsquo e lsquovaziorsquo envolveram atomistas como Leucipo e Demoacutecrito Epicuro (ver sect 23) e Lucreacutecio e os estoicos e mesmo Enesidemo Ver Harven 2012 p 23ss para uma discussatildeo acerca do lsquovaziorsquo ser na teoria estoica inteiramente dependente do lsquocorporsquo como uma condiccedilatildeo sine qua non (p 32) Nessa passagem Sexto parece supor que um diziacutevel sendo incorpoacutereo deveria ser lsquovaziorsquo Sobre a polecircmica atual acerca da coerecircncia da concepccedilatildeo de lekton como incorpoacutereo ver Harven 2012 p 51 ss e bibliografia citada 111 Merismos eacute um termo que aparece com distintas conotaccedilotildees teacutecnicas em vaacuterios contextos geralmente eacute traduzido por lsquodivisatildeorsquo Pareceu-nos que o termo lsquoanaacutelisersquo pudesse ser mais amplo jaacute que estatildeo envolvidos no processo diferentes tipos de lsquodivisatildeorsquo Devemos visualizar as tarefas descritas por Sexto em relaccedilatildeo ao verso em escrita contiacutenua e sem sinais diacriacuteticos e apenas em maiuacutesculas por exemplo ΜΗΝΙΝΑΕΙΔΕΘΕΑΠΗΛΗΙΑΔΕΩΣΑΧΙΛΗΟΣ 112 Diairesis e merismos satildeo meacutetodos distintos de lsquodefiniccedilatildeorsquo para a loacutegica estoica Sexto os discute mas natildeo parece diferenciaacute-los em PH 2 213 ss

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113 A divisatildeo usual seria em uma cesura proacutexima ao meio do verso haveria portanto muito mais proporcionalidade entre os dois hemistiacutequios menin aeide thea e Peleiadeo Akhileos As aporias aqui concernem nuacutemeros quantidades e proporccedilotildees 114 As aporias sobre a parte e o todo aparecem em PH 3 98-101 e M 9331-358 aquelas sobre adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo em PH 3 85-96 e M 9 277-328 e reaparecem em M 4 24-6 115 Como comentamos na primeira parte deste trabalho conforme chamou a atenccedilatildeo Blank a noccedilatildeo de lsquoutilidadersquo ausente desde sect 56 volta a ser usada e aparece onze vezes no tratamento da ortografia e do helenismo 116 Ou seja com mais ou menos letras Natildeo se pronunciava mais o iota subscrito desde ao menos a segunda metade do seacutec II aC A grafia do i longo como ει difundiu-se a partir do seacuteculo I aC Em geral os tratados ortograacuteficos versavam sobre distinccedilotildees que jaacute haviam se perdido na liacutengua falada Cf Blank p 197-198 117 Assim como a quantidade discute lsquoquantas letrasrsquo qualidade versa sobre lsquoquais letrasrsquo 118 Esta organizaccedilatildeo lembra o De Lingua Latina de Varratildeo que aborda o conflito os argumentos a favor e contra a lsquodisciplinarsquo em questatildeo e entatildeo a anaacutelise de suas lsquoaplicaccedilotildeesrsquo seus resultados 119 Optamos por traduzir hellenismos (lsquohelenismorsquo) por lsquocorreccedilatildeorsquo e acreditamos que este termo pode mesmo assumir os diferentes vieses que o termo grego teria menos obviamente a de referir-se especificamente agrave(s) liacutengua(s) grega(s) Junto com a ortografia a correccedilatildeo foi a parte da gramaacutetica antiga que mais se aproximou do caraacuteter normativo ou prescritivo Dos relatos antigos podem ser apontadas em geral duas tarefas principais da correccedilatildeo correspondecircncia entre a forma da palavra e o que ela nomeia no mundo e restauraccedilatildeo da forma lsquooriginalrsquo das palavras Para guiar estas tarefas alguns criteacuterios satildeo constantes comparaccedilatildeo com outras palavras (analogia) etimologia e adequaccedilatildeo ao uso comum ou lsquoexemplarrsquo (tradiccedilatildeo literaacuteria a partir da autoridade dos grandes escritores) A produccedilatildeo de tratados nesta aacuterea provavelmente foi consideraacutevel contudo restam apenas fragmentos deles Acerca do helenismo as uacutenicas contribuiccedilotildees que possuiacutemos completas satildeo passagens em obras com assuntos mais gerais esta passagem de Sexto Quintiliano I 6 e uma passagem do Sch DThr (4466-44728) - onde satildeo tratadas sobre a forma da palavra questotildees de ortografia prosoacutedia (quantidade aspiraccedilatildeo e acentos) foneacutetica flexatildeo distribuiccedilatildeo dialetal e derivaccedilatildeo e sobre o significado mudanccedilas no tempo e parasinocircnimos Em sua Retoacuterica (1407a 19-20) Aristoacuteteles diz que o helenismo eacute o princiacutepio da lsquoexpressatildeorsquo (leksis) e aponta sua virtude (1404b 1-2) clareza Seu pupilo Teofrasto teria distinguido o helenismo como uma das quatro virtudes helenismo clareza propriedade e ornamento A mais antiga definiccedilatildeo de lsquohelenismorsquo eacute a do estoico Diogenes da Babilocircnia que lista as cinco lsquovirtudes do discursorsquo como lsquohelenismorsquo clareza concisatildeo propriedade e ornamento definindo lsquohelenismorsquo como lsquofraseado sem erro de acordo com [um uso] teacutecnico e natildeo algum uso

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aleatoacuteriorsquo Tal lsquouso teacutecnicorsquo que natildeo estaacute definido em parte alguma do sistema estoico provavelmente referir-se-ia a criteacuterios tais como os que apontamos antes e talvez marque a posiccedilatildeo estoica em defesa da necessidade da lsquocorreccedilatildeorsquo teacutecnica Ver Frede 1987 p 310 ss Por outro lado parece que os estoicos atribuiacuteram uma grande importacircncia ao uso comum na determinaccedilatildeo da correccedilatildeo Ver agora Pagani 2014 p 360 120 A expressatildeo de Sexto eacute tas dialektous que a par de significar os lsquodialetosrsquo do grego tambeacutem pode significar lsquoliacutenguasrsquo em geral (cf Aristoacuteteles Retoacuterica 3 2 1404b24) Por isso entendemos como qualquer que seja a liacutengua que se fale eacute preciso algum cuidado com a correccedilatildeo 121 Sexto daacute imunidade agrave correccedilatildeo com base na observaccedilatildeo natildeo-teacutecnica do uso comum ou seja o criteacuterio praacutetico E descreve como procedimentos teacutecnicos os criteacuterios da analogia da etimologia e da autoridade Em Quintiliano (I 6 1) os criteacuterios satildeo razatildeo antiquidade autoridade e uso ao qual se denomina lsquoum mestre confiaacutevelrsquo 122 Provavelmente a partir da retoacuterica supomos Phrazein aparece somente aqui 123 Os futuros irregulares correspondentes deveriam ser ferooiso (lsquotrazerrsquo) blepoblepsomai (lsquoverrsquo) 124 Tal como apontou Dalimier (ad loc) essa frase eacute provavelmente uma conclusatildeo irocircnica de Sexto ou de sua fonte e natildeo parte da citaccedilatildeo de Pindaacuterio jaacute que Sexto afirma mais agrave frente em sect 206 que Pindaacuterio natildeo disse nada sobre qual uso deveriacuteamos seguir Aleacutem disso como afirmou Blank (1998 p 228) Pindaacuterio parece ter proposto a poesia homeacuterica como corpus de referecircncia para o trabalho do gramaacutetico o que faz muito mais sentido que a proposta de lsquoreviverrsquo o grego homeacuterico como liacutengua falada 125 No aacutetico as terminaccedilotildees seriam em -thasi 126 Os editores costumam corrigir o τράπεζα (lsquotrapezarsquo) dos MSS por τράπεσα (lsquotrapesarsquo) pois aquela natildeo eacute uma forma verbal Contudo tampouco esta sugestatildeo parece resolver a questatildeo pois aleacutem de natildeo ser atestada eacute bastante improvaacutevel que fosse uma variante ou erro de qualquer forma de aoristo do verbo τρέπω Cf Blank p 238 A tradutora francesa sugere a possibilidade de ser um desvio relacionado ao verbo trapezao derivado do nome trapeza (lsquomesarsquo) O verbo trapezoo (lsquopocircr sobre a mesarsquo lsquofazer uma oferendarsquo) estaacute atestado Cf Dalimier ad loc 127 O particiacutepio estaacute mal empregado na frase grega concorda com o sujeito loacutegico (lsquoeursquo) e natildeo com o sujeito gramatical ou com o genitivo possessivo Blank (1998 p 238) afirma que deveria concordar com o genitivo Casos semelhantes a estes e aos da seccedilatildeo seguinte satildeo tratados como peculiaridades sintaacuteticas sob o nome de idiomata ou skhemata (lit lsquoposesrsquo) ou

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seja figuras divididas em gramaticais e retoacutericas na tradiccedilatildeo retoacuterica por exemplo por Quintiliano Inst 9114 Cf Lausberg 1998 p 233ss 128 Formas de futuro inexistentes ver acima sect 195 129 Cf acima sect 49 e 55 a gramaacutetica completa investiga a natureza de seus objetos 130 Aqui sim anomalia estaacute para irregularidade gramatical 131 Etimologia natildeo deve obviamente ser tomada em seu sentido moderno Embora de modo geral os dois processos possam ser descritos como a busca pela origem da palavra eles satildeo distintos A etimologia grega foi descrita no Sch DThr (ver GG I III p 14-15 20-29 169) como uma lsquoaberturarsquo (anaptuksis) da palavra que desvenda o lsquoverdadeirorsquo As descriccedilotildees no entanto natildeo parecem captar muito bem a diferenccedila entre a lsquoexpectativarsquo moderna e a antiga poreacutem os exemplos em sect 243 e 244 deixam entrever o abismo A etimologia tal como Sexto a apresenta aqui teria sido considerada um dos modos de autenticar vocaacutebulos como legiacutetimas expressotildees do grego correto atraveacutes da prova de sua ligaccedilatildeo lsquoverdadeirarsquo com a coisa nomeada A autenticidade deste vocaacutebulo eacute explicitada frequentemente na descoberta de um sintagma que contendo elementos sonoros ou graacuteficos semelhantes expressa no entanto o conteuacutedo conceitual relacionado agrave palavra portanto tal sintagma lsquoexplicariarsquo lsquodesvendariarsquo a palavra Tal explicaccedilatildeo conteacutem frequentemente um verbo que desenvolve a relaccedilatildeo Ver a diferenccedila com a lsquopalavra pronunciada espontaneamentersquo ie sem ligaccedilatildeo lsquoatestadarsquo com a coisa que nomeia A etimologia parece ter sido usada natildeo soacute como um argumento de autoridade vinculado agrave erudiccedilatildeo pois descobrir uma etimologia adequada poderia demandar grandes piruetas intelectuais (que do nosso ponto de vista satildeo inclusive bastante curiosas) mas tambeacutem como um processo de aquisiccedilatildeo e memorizaccedilatildeo de vocabulaacuterio e por extensatildeo de conhecimento Em relaccedilatildeo ao papel na aquisiccedilatildeo de conhecimento (um toacutepico muito caro aos gregos) eacute que foi defendida por alguns pensadores e desprezada por outros Por outro lado eacute preciso ter em mente que conferir um determinado conteuacutedo para os nomes envolve necessariamente uma interpretaccedilatildeo de sua relaccedilatildeo com o que ele nomeia e revela portanto uma visatildeo de mundo Assim pois a etimologia parece jaacute conter o pressuposto de uma ligaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria entre nome e coisa aliaacutes o contraacuterio disso uma ligaccedilatildeo em que o nome eacute como um pressaacutegio da verdadeira natureza da coisa um pressaacutegio ligado agrave sabedoria dos primeiros homens e agrave natureza do real demandando interpretaccedilatildeo e revelaccedilatildeo Contudo o criteacuterio de admissatildeo das modificaccedilotildees e associaccedilotildees possiacuteveis para aleacutem de ser aparentemente obrigatoacuterio guardar alguma semelhanccedila foneacutetica parece ser apenas a relaccedilatildeo entre a criatividade do inteacuterprete e o gosto de seu puacuteblico Mesmo assim entre um e outro muito poderia ainda ser dito acerca do pensamento antigo sobre a linguagem e sobre a percepccedilatildeo que tinham de sua proacutepria liacutengua tambeacutem no niacutevel foneacuteticoVer a discussatildeo da origem da linguagem no Craacutetilo de Platatildeo em que os exemplos de etimologia antiga abundam e satildeo alvos da ironia socraacutetica Os estoicos no entanto parecem ter compreendido que Platatildeo defendia a etimologia A etimologia parece ter sido vista como uma importante ferramenta da investigaccedilatildeo filosoacutefica pelos estoicos foi mesmo considerada caracteriacutestica desta escola (cf

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Cicero ND III 62ss De off I 23) Criacutesipo (SVF ii896) por exemplo teria derivado kardia (lsquocoraccedilatildeorsquo) de kratesis (lsquopoderrsquo) e kuria (lsquoautoridadersquo) assim o coraccedilatildeo compreendido como lsquosede da parte dominante da almarsquo foi nomeado a partir daquelas duas palavras cuja transformaccedilatildeo resultou em sua forma atual portanto a etimologia revelou um fato acerca da lsquoentidadersquo em questatildeo a partir da lsquoreversatildeorsquo do processo de formaccedilatildeo (corrupccedilatildeo) da linguagem Supostamente isso estaacute relacionado agrave conexatildeo que os estoicos estabeleceram entre racionalidade e linguagem Havia mesmo uma tentativa de colocar em paralelo processos de formaccedilatildeo de conceitos e formaccedilatildeo de palavras como anaacutelogos Eles teriam tentado portanto explicar e definir os processos transformativos das palavras Ver Tieleman 1996 p 196ss Na argumentaccedilatildeo de Sexto percebe-se uma tensatildeo entre as palavras cuja etimologia se descobre e as que foram naturalmente (phusikos) pronunciadas para os estoicos as primeiras palavras estariam todas naturalmente adequadas ao que nomeam elas seriam assim lsquocorretas por naturezarsquo lembrando que existe neste estaacutegio primordial aquele que sabiamente nomea as coisas conforme sua natureza O processo da etimologia tenta chegar a estas palavras primordiais Mas para os estoicos a lsquocorreccedilatildeorsquo estaacute relacionada agrave digamos harmonia do mundo e natildeo confinada ao padratildeo do helenismo A funccedilatildeo da etimologia no estoicismo portanto natildeo eacute a de lsquoautenticarrsquo que um vocaacutebulo eacute grego Para os gramaacuteticos no entanto para carimbar uma expressatildeo como grego correto natildeo deveria poder bastar como parece ser o argumento de Sexto que se apontasse apenas a correccedilatildeo da expressatildeo analisada mas seria necessaacuterio tambeacutem que o fizessem com todas aquelas que compotildeem a explicaccedilatildeo desta pois todas deveriam ser julgadas pelo criteacuterio do grego correto o etimoloacutegico Natildeo pode haver o a priori estoico de que satildeo lsquocorretasrsquo por natureza Assim ou haacute o regresso ao infinito ou o processo aponta algumas palavras naturalmente pronunciadas e as aceita sem fazer sua etimologia mas entatildeo teriam admitido a correccedilatildeo pelo criteacuterio do uso e natildeo da etimologia provando sua inutilidade 132 ldquoProthesis eacute usado para referir-se agrave lsquoprefixaccedilatildeorsquo somente por Apolocircnio Diacutescolo (Pron 58 16 Synt 3111) enquanto em Dioniacutesio Traacutecio (DThr 18) e Dioniacutesio de Halicarnasso significa lsquopreposiccedilatildeorsquordquo Janko 1995 p 226 133 Este exemplo eacute interessante a origem da palavra composta de pros e kephale eacute um sintagma que explica o que eacute o objeto nomeado no desdobramento o verbo eacute o elemento agregador principal Contudo Sexto afirma natildeo se descobriu nem a etimologia de pros nem de kephale 134 Semelhante a proskephalaion provavelmente seria algo como tou podiou hupotithesthai (lsquopocircr embaixo do peacutersquo) 135 A etimologia eacute a uacuteltima parte da parte teacutecnica da gramaacutetica analisada por Sexto Acerca dos artifiacutecios retoacutericos tipicamente ceacuteticos que tornam possiacuteveis as conclusotildees sextianas haveria muito o que dizer mas acredito que a maior parte deles fale por si Algumas consideraccedilotildees ao final desta parte parecem ser interessantes o ataque agraves fundaccedilotildees da gramaacutetica por um lado por mirar nas partes lsquomal edificadasrsquo de sua estrutura poderia sugerir

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que se melhor construiacuteda poderia ser mais resistente ndash no entanto por outro lado por fazer uma escolha dos pontos que quer atacar entendendo o papel de cada um na estrutura a seu modo natildeo eacute como se os gramaacuteticos tivessem uma chance Seu ataque portanto eacute geneacuterico nestes dois sentidos ele visa agrave totalidade da gramaacutetica lsquocompletarsquo mas ele natildeo lhe concede o benefiacutecio da exatidatildeo Portanto acabamos por almejar um argumento tambeacutem geneacuterico que desse conta da clareza com que Sexto Empiacuterico parece ter visto seu empreendimento Por isso eacute digno de nota que uma proposiccedilatildeo positiva tenha acompanhado reiteradamente sua trajetoacuteria a de que na linguagem basta seguir o uso comum E esta natildeo eacute uma proposta aparentemente apenas para que o homem comum continue simplesmente sendo comum mas para convencer o filoacutesofo a voltar sua atenccedilatildeo e praacutetica agrave observaccedilatildeo da vida comum 136 O termo historia tem uma longa tradiccedilatildeo na antiguidade desde o uso como lsquoinvestigaccedilatildeorsquo da natureza no contexto do movimento intelectual jocircnico ateacute sua concepccedilatildeo como lsquogecircnero textualrsquo no periacuteodo heleniacutestico Com relaccedilatildeo ao termo moderno derivado lsquohistoacuteriarsquo o ponto de contato seria aquele das lsquohistoacuteriasrsquo Traccedilou-se inclusive para enfatizar a natildeo-convergecircncia entre os conceitos a distinccedilatildeo entre a concepccedilatildeo antiga do tempo como circular e aquela moderna que lhe imputa um objetivo cf Press 1982 Nos interessa no momento que o leitor tenha em mente a peculiaridade do uso do termo no contexto da gramaacutetica A parte lsquohistoacutericarsquo da gramaacutetica eacute onde se lsquohistoriamrsquo as histoacuterias em que historiar tem o duplo sentido da atividade e do produto dela assim ela tanto lsquopesquisarsquo quanto lsquocompilarsquo os lsquodadosrsquo relativos a personagens lugares e datas (fictiacutecios ou reais) presentes nas obras literaacuterias bem como em algumas definiccedilotildees provecirc dados que possibilitem o entendimento de termos insoacutelitos Aleacutem disso neste sentido tambeacutem se chamam lsquohistoacuteriasrsquo agraves compilaccedilotildees destes dados publicadas em livros que seratildeo entatildeo novo material para a lsquohistoacuteriarsquo Esta produccedilatildeo resultou em vastas coleccedilotildees produzidas principalmente por Alexandrinos dedicadas agrave tipos particulares de informaccedilotildees bem como comentaacuterios agrave obras literaacuterias individuais (cf Blank p 257-259) Por isso pode ser dito que historia no periacuteodo heleniacutestico configura-se um gecircnero textual Importante ter em mente que natildeo se trata necessariamente do conhecimento do material produzido pelos lsquohistoriadoresrsquo mas de qualquer material que fornecesse informaccedilatildeo acerca do conteuacutedo da obra literaacuteria (cf Press 1982 p 38) lsquoRetomar as tradiccedilotildeesrsquo foi como traduzimos paradidomi em sect 93 em referecircncia agrave tarefa da parte lsquohistoacutericarsquo Essa atividade implica portanto erudiccedilatildeo A traduccedilatildeo manteve entre aspas simples as ocorrecircncias do termo neste sentido explicitado e onde se tratam de estoacuterias como lsquorelatosrsquo em geral o termo natildeo conteacutem aspas Sexto em sua argumentaccedilatildeo foca principalmente a falta de meacutetodo propositivo da atividade a partir da caracteriacutestica assistemaacutetica de seu objeto A historia foi objeto da criacutetica de Aristoacuteteles na Poeacutetica e foi exaltada por Poliacutebio em suas Historiae Historia aparece tambeacutem em Sexto com um sentido semelhante ao de lsquoconhecimento compartilhadorsquo o levantamento das opiniotildees anteriores sobre algum assunto proacuteximo ao uso de historia no contexto da medicina empiacuterica os relatos de outros meacutedicos Mais informaccedilotildees em Press 1982 e Fornara 1983 137 Plasma e kharakter satildeo normalmente encontrados como sinocircnimos para a teoria dos lsquotipos de discursorsquo - lsquotipos de estilorsquo (genera dicendi) cf bibliografia em Blank p 260ss

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138 O material desorganizado que foi lsquoorganizadorsquo pelo poetaescritor ou seja o lsquoconteuacutedorsquo da obra literaacuteria em seu formato preexistente agrave obra isto eacute tal como teria sido dado pela tradiccedilatildeo Portanto a parte lsquohistoacutericarsquo procede ao lsquolevantamentorsquo das informaccedilotildees agraves quais a obra faz referecircncia tais como mitos estoacuterias pessoas lugares coisas e fatos Por isto eacute dito deste material que eacute assistemaacutetico ou desorganizado (amethodos) 139 Como afirmou Blank (1998 p 261) parece estranho que Taurisco tenha atribuiacutedo o estudo da dicccedilatildeo e figuras gramaticais agrave parte racional (logikon) enquanto o de dialetos e estilos agrave praacutetica (tribikon) Estes termos aparecem na tradiccedilatildeo de discussatildeo das escolas empiacuterica e racionalista O primeiro relativo ao meacutetodo racionalista obviamente e o segundo referindo-se ao lsquoexerciacutecio praacutetico da experiecircnciarsquo conforme Galeno (Subf Emp 48 25 Deichgraumlber apud Blank ibidem) Talvez ele estivesse diferenciando a parte relativa agraves regras ou definiccedilotildees dispostas racionalmente da parte que aplicava estas regras na praacutetica agrave textos particulares 140 Nosso texto de DThr difere apenas na terceira parte onde se lecirc lsquopronta (prokheiros) explicaccedilatildeo de palavras inusuais (glossai) e histoacuteriasrsquo Mas tambeacutem conteacutem um adendo agrave uacuteltima parte a criacutetica dos poemas lsquoa mais bela de todas as partes da artersquo (ho de kalliston esti panton ton en tei tekhnei) Cf Chapanski 2003 141 Essencialmente a mesma divisatildeo adotada por Sexto em sect 91-5 com a sugestatildeo semelhante de que estatildeo em lsquocontatorsquo enfatizando a posiccedilatildeo lsquoagregadorarsquo da parte lsquogramaticalrsquo tal como fez em sect 95 142 Considerando que tal como Sexto nos informa em sect 47-48 Asclepiacuteades deriva lsquogramaacuteticarsquo de gramma no sentido das lsquocomposiccedilotildeesrsquo ie das lsquoobrasrsquo faz sentido que ele possa usar o termo livremente para a parte antes mencionada como lsquoespeciacuteficarsquo ldquoSua parte lsquogramaticalrsquo bate de frente com a kritike superior de Taurisco como se dissesse que a ciecircncia da literatura tal como se prova etimologicametne eacute a gramaacutetica e a parte da gramaacutetica que julga criticamente a literatura eacute sua parte especificamente gramatical Sua teacutecnica de divisatildeo eacute digna de nota o gecircnero da gramaacutetica tekhne aparece em sua primeira parte presumivelmente como a parte cuja tecnicidade garante a tecnicidade do todo o termo da lsquoespeacuteciersquo ndash lsquogramaacuteticarsquo aparece na terceira parte Assim as partes que estudam a linguagem e as coisas agraves quais se refere contribuem para o estudo do que as obras significam e todas as trecircs combinadas formam o estudo das obras ie a gramaacuteticardquo BLANK p 265 143 Reparar em como se qualificam as histoacuterias ditas lsquoverdadeirasrsquo Talvez este exame pudesse acrescentar agrave anaacutelise desenvolvida por Cassin 1990 acerca do uso do adveacuterbio historikos por Sexto em PH 1 4 para qualificar o modo como o ceacutetico fala 144 Kreguon eacute um hapax homeacuterico (Iliacuteada 1 106) que natildeo estaacute claro no contexto

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145 Todos foram apontados acima sect 253 como lsquoconteuacutedosrsquo da parte da lsquohistoacuteriarsquo que trata do relato verdadeiro 146 Entendemos historoumenoi (lsquorelatosrsquo) tal como em sect 256 como o material de base da parte lsquohistoacutericarsquo aquele que esta sendo lsquohistoriadorsquo desta forma verdadeiro falso ou verossimilhante satildeo caracteriacutesticas aplicadas propriamente a esses lsquorelatosrsquo e natildeo agrave pesquisa 147 Neste caso supomos que o sentido seja algo como lsquoo relato propriamente ditorsquo e assim na sequecircncia teriacuteamos lsquoo relato propriamente ditorsquo eacute a exposiccedilatildeo de acontecimentos verdadeiros 148 De acordo com Heliodoro (Sch DThr (Lond) 449 11-14 apud Blank p 266) lsquoHistoacuteria eacute o relato claro de coisas que aconteceram ou que satildeo possiacuteveis Mito eacute a narraccedilatildeo de coisas estranhas ou arcaicas ou a introduccedilatildeo de coisas impossiacuteveis Ficccedilatildeo eacute o que pode acontecer mas natildeo acontecersquo 149 Sexto ataca a existecircncia de uma histoacuteria verdadeira pela inexistecircncia do criteacuterio de verdade logo a frente em sect 267 150 Ou seja seria tarefa da parte lsquohistoacutericarsquo o julgamento das informaccedilotildees levantadas 151 Sexto igualou com este argumento a parte lsquoverdadeirarsquo agraves partes acerca de mitos e ficccedilotildees logo tambeacutem aqui o objeto eacute falso e inexistente 152 Os argumentos gerais da lsquoparte da gramaacutetica que trata de poetas e escritoresrsquo analisados por Sexto na sequecircncia natildeo estatildeo relacionados agraves praacuteticas anteriormente vinculadas a esta parte leitura exegese e julgamento de poemas (sect251) em que julgamento de poemas referia-se agrave interpretaccedilatildeo das passagens obscuras julgamento do que estaacute correto e do que natildeo e distinccedilatildeo do genuiacuteno e do espuacuterio (sect 93) Antes voltam-se agrave reinvidicaccedilatildeo da gramaacutetica quanto ao seu papel central na educaccedilatildeo do homem atraveacutes da literatura Blank p 281-287 tal como discutimos na primeira parte deste trabalho vincula toda esta passagem exposiccedilatildeo dos argumentos dos oponentes (sect 270ndash276) e refutaccedilatildeo (sect 277ndash298) a uma provaacutevel fonte epicurista e traccedila diversos paralelos principalmente com os escritos de Filodemo Embora as raiacutezes dessas questotildees retrocedam no miacutenimo a discussotildees platocircnicas no Protaacutegoras Eutiacutefron Ion e Repuacuteblica Blank reconhece um ataque epicurista contra Asclepiacuteades e o pensamento gramatical representado por ele que parece ter defendido a primazia da poesia sobre a filosofia Contudo o alvo dos epicuristas seria os estoicos e sua sabedoria calcada em citaccedilotildees poeacuteticas Sexto afirma em sect 299 que os argumentos contra a poesia foram tomados principalmente dos epicuristas e em sect278 faz um adendo para apontar que o argumento natildeo eacute contra a poesia e coincide com seu ponto de vista provavelmente um argumento de origem pirrocircnica como o que aparece em sect319 cf nota ad loc O ataque propriamente sextiano visa agrave gramaacutetica e natildeo agrave poesia

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153 Fragmento de um peccedila desconhecida de Euriacutepides Aulo Geacutelio (Noc Att VI 16) diz que Criacutesipo costumava citaacute-la 154 A justaposiccedilatildeo de acusaccedilotildees contra Epicuro e PirroTiacutemon aconteceu tambeacutem em sect 49-55 Note que natildeo se fazem acusaccedilotildees a Pirro acerca do roubo de lsquodoutrinasrsquo aos poetas 155 Epicarmo eacute um poeta cocircmico siciliano do seacutec V aC Dioacutegenes Laeacutercio (3 9) diz que Platatildeo utilizou muitas expressotildees que eram na verdade de Epicarmo 156 A mesma passagem eacute atribuiacuteda a Soacutefron (autor de mimos posterior a Epicarmo) em sect 284 157 cf Epicuro Carta a Meneceu 124 ldquoa morte eacute a ausecircncia de sensaccedilatildeordquo 158 A passagem eacute citada mais agrave frente sect287 com uma pequena modificaccedilatildeo touphemeron por kathrsquohemeran (lsquodia apoacutes diarsquo) 159 Este argumento parece ter sido um lugar-comum nos discursos de exaltaccedilatildeo agraves artes Cf M 2 26 160 Caso este seja propriamente um argumento sextiano pode haver um julgamento de valor entre a poesia uacutetil clara e direta e a inuacutetil enigmaacutetica e estranha 161 Mataioteti ver o uso do adjetivo mataios (lsquofuacutetilrsquo) em sect 170 e 174 162 Um argumento semelhante aparece em sect 157 e 188 acima mas naquele ponto tanto a prova quanto a asserccedilatildeo levam a consequecircncias inaceitaacuteveis Nesta passagem a recomendaccedilatildeo expliacutecita de que a filosofia forneccedila as provas da correccedilatildeo da poesia gnocircmica dificilmente seria um argumento pirrocircnico lembraria mais a posiccedilatildeo epicurista ver Filodemo De Rhetorica 5 A distinccedilatildeo entre prova e asserccedilatildeo agrave maneira epicurista aparece novamente em sect 284 e 280 Ver Blank p 297-298 163 Como aponta Blank p 305 a fonte epicurista aqui poderia atingir os sofistas mas seu alvo principal eram os proacuteprios estoicos ceacutelebres por exagerarem em citaccedilotildees poeacuteticas 164 Os epicuristas aprovavam a utilidade da poesia para o entretenimento (cf Filodemo De Mus 4 De Poem) 165 Obra perdida Cf Contra os Muacutesicos M 3 58 166 Ver a citaccedilatildeo homeacuterica em sect 289 167 Em sect 273 ele havia mencionado Epicarmo como autor deste pensamento

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168 Cf Carta a Meneceu 124 169 Os exemplos contradizem a ausecircncia de sensaccedilotildees apoacutes a morte a alma alimenta-se e sofre Comparar estas passagens e tambeacutem M 9 67-8 com a argumentaccedilatildeo de Lucreacutecio em 3 894ss 170 Haacute uma paacuterafrase deste proveacuterbio em Plutarco De sera num vind 549d 171 Triacutemetros iacircmbicos e hexacircmetro dactiacutelico respectivamente 172 Denominaccedilatildeo comum de Euriacutepides aparece por exemplo em Ateneu e Clemente de Alexandria 173 Cf Platatildeo Eutiacutefron 5e-6a onde Eutiacutefron aponta a inconsistecircncia entre estas histoacuterias e os sentimentos populares em relaccedilatildeo por exemplo agrave justiccedila divina Filodemo (1609 4 8 e 1088 8 22) tambeacutem tratou de desarmar o conceito de que a vida fosse feliz no tempo de Crono 174 A mesma anedota aparece em Libacircnio Discurso LXIV (Pro saltatoribus) 119 contudo sem o nome do bailarino Ainda que a danccedila seja a moeda de troca do bailarino natildeo foi ela propriamente que salvou a cidade mas sua presenccedila de espiacuterito e eloquecircncia isto portanto poderia ser dito acerca de qualquer arte mesmo uma considerada inferior agrave gramaacutetica como a danccedila 175 DL (4 9) conta a mesma anedota em relaccedilatildeo a Xenoacutecrates 176 Sexto abandona portanto o ataque agrave poesia e volta-se para o ataque agrave gramaacutetica como tekhne fechando a discussatildeo com um argumento mais afim a sua orientaccedilatildeo filosoacutefica Os argumentos epicuristas visavam principalmente mostrar que a poesia era menos uacutetil que a filosofia e que a poesia para natildeo causar prejuiacutezos precisaria passar pelo crivo do filoacutesofo A possibilidade de que os gramaacuteticos pudessem preparar o terreno para o filoacutesofo arcando com o trabalho preliminar sobre a linguagem e outros problemas de forma a apresentar ao filoacutesofo as maacuteximas que ele deveria julgar natildeo foi afetada por estes argumentos Tambeacutem havia ficado em aberto a questatildeo a respeito da prosa Portanto Sexto deve mostrar a inutilidade plena da gramaacutetica de forma a minar tambeacutem estas possibilidades (BLANK p 327) 177 O lsquoconhecimento de todas as coisasrsquo foi um dos toacutepicos discutidos em relaccedilatildeo agraves competecircncias linguiacutesticas principalmente acerca da retoacuterica mas estendendo-se tambeacutem agrave gramaacutetica e mesmo a arquitetura Ver por exemplo Vitruacutevio De Architectura I 3 Quintiliano I 4 4 Ciacutecero De Oratore 2 2 Aristoacuteteles De Rhetorica I 2 1355b26-35 Eacute toacutepico recorrente portanto nas divergecircncias que implicavam o movimento sofista ver Prezotto 2009

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178 A obscuridade dos escritos de Heraacuteclito foi ceacutelebre DL 9 15 apresenta uma lista dos inteacuterpretes de sua obra 179 Esta passagem e a sentenccedila seguinte satildeo comentadas por Plutarco em seu tratado De animae procreatione in Timaeo 180 Sexto cita Empeacutedocles tambeacutem em M 7 115-25 181 O fragmento 112 4-5 foi tambeacutem citado pelo historiador Timeu de Tauromenion (DL 8 66) para exemplificar sua declaraccedilatildeo de que o modo de vida de Empeacutedocles contradizia sua poesia jaacute que ele parece ter levado uma vida moderada e respeitaacutevel enquanto em seu poema soa como um egoiacutesta pretensioso Este eacute exatamente o tipo de interpretaccedilatildeo que Sexto diz que um lsquogramaacutetico ou homem comumrsquo iriam supor Ver Blank p 335 182 Sobre a purificaccedilatildeo da alma no intuito de tornaacute-la como lsquodeusrsquo e apta a apreender as lsquoFormasrsquo ver por exemplo o Feacutedon 79dss e Teeteto 176ss de Platatildeo 183 Sexto omite o verso seguinte lsquochama-se ciacuterculo zodiacalrsquo Hiparco (I 1004A Mass) afirma que a interpretaccedilatildeo de Arato eacute simples mas natildeo o entendimento das questotildees astronocircmicas que conveacutem a um astrocircnomo O escoacutelio ao poema astronocircmico de Arato cita alteraccedilotildees equivocadas propostas por lsquogramaacuteticosrsquo opondo-as agraves corretas explicaccedilotildees dos lsquomatemaacuteticosrsquo ie astrocircnomos Cf Blank p 330-331 184 A lsquoprovarsquo estaacute em Euclides Elementa 4 15 cada lado de um hexaacutegono regular inscrito em um ciacuterculo eacute igual ao raio do ciacuterculo 185 Dalimier seguindo Bekker propotildee ἑλῶν (lsquohelonrsquo lsquotendo tomado agrave forccedilarsquo ndash lsquotendo em seu poderrsquo) ao inveacutes de ἐλῶν (lsquoelonrsquo conduzindo) na segunda linha do verso 186 Estes dois adjetivos satildeo aplicados por Agamecircmnon ao vale do rio Esopo Natildeo foi encontrada nenhuma passagem antiga que explique a relaccedilatildeo pretendida por Sexto a partir da semente do junco Cf Blank p 339-340 e Dalimier ad loc 187 O poeta Caliacutemaco (c 305-240 aC) foi tambeacutem gramaacutetico em Alexandria Segundo DL 2111 Diodoro Crono frequentou a corte de Ptolomeu Soacuteter que se declarou rei do Egito em 304 aC 188 Diodoro Crono um filoacutesofo jocircnico que ensinou primeiro em Atenas onde influenciou os fundadores das principais escolas heleniacutesticas de filosofia como Arcesilau Zenatildeo e seus contemporacircneos e depois foi para Alexandria parece ter morrido ao redor de 285-282 aC Ver Sedley 1977 e 2013

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189 Lit lsquoconexatildeorsquo (to sunemmenon) uma lsquoproposiccedilatildeo conectadarsquo (lsquoseentatildeorsquo) faz parte dos enunciados complexos da loacutegica estoacuteica Considerando a exposiccedilatildeo de Sexto acerca da controveacutersia entre Diodoro e Fiacutelon de Megara em PH 2110 M 8112ss fica claro que discutem acerca da validade de proposiccedilotildees que chamamos lsquocondicionaisrsquo O criteacuterio de Diodoro para uma condicional vaacutelida eacute ela natildeo admite nem nunca admitiu a possibilidade de ter um antecedente verdadeiro e um consequente falso (Cf Ciacutecero De Fato 917) Ver Manetti 1993 p 104 ss 190 Cf PH 2 110 242 M 7 112ss 191 Paradoxos acerca do movimento satildeo utilizados por Sexto em outras passagens em PH 2 242 e PH 1 312 estatildeo conectados agraves aporias sobre causa ativa e passiva e ao argumento contra a morte E de maneira detalhada em relaccedilatildeo a Diodoro Crono e seus opositores em PH 3 71ss M 10 85ss Ver Kneale e Kneale 1962 p 128-138 Frede 1974 p 73 Sorabji 1980 p 70ss 104ss Acerca do lsquonasceremos de novorsquo Blank (p 344) conecta a teoria atomista de Diodoro implicada nos paradoxos do movimento com a possiacutevel consequecircncia de que algo em movimento desaparece em um tempo e reaparece em outro De forma que nossa existecircncia poderia ser interpretada como uma sequecircncia contiacutenua de desaparecimentos em um tempo e lsquo(re)nascimentosrsquo em outros Ver Denyer 1981 (sobre o chamado argumento lsquodominadorrsquo) e Sorabji 1983 p 19 347 192 Assim como se descobre o significado de palavras estrangeiras por lsquoperguntarrsquo agrave pessoa certa tambeacutem as palavras inusuais satildeo explicadas a partir de uma busca adequada neste caso provavelmente em livros natildeo existe teacutecnica em nenhum dos dois procedimentos tal como o lsquolevantamento histoacutericorsquo natildeo pressupotildee teacutecnica ou seja natildeo pressupotildee um sistema de proposiccedilotildees teoacutericas 193 Este exemplo pretende fazer uso da figura retoacuterica da metalepsis (lsquosubstituiccedilatildeorsquo) ie usar pela palavra pretendida o sinocircnimo de seu homocircnimo siringe (um tipo de flauta) tem como homocircnimo siringe (um tipo de ferimento) cujo sinocircnimo (ferida) eacute usado no lugar da primeira Nos outros casos no entanto Sexto usa lsquohomocircnimosrsquo cujas caracteriacutesticas prosoacutedicas satildeo distintas Cf Blank p 347-348 194 Alguns dos termos mais lsquofamososrsquo da filosofia ateacute hoje 195 Cf PH 1 188-191 Sexto explica que alguns ceacuteticos usam a expressatildeo no sentido interrogativo (lsquoPor que isto mais que aquilorsquo) e que eacute normal usar interrogativas por declaratoacuterias e vice-versa e ainda que a expressatildeo indica o sentimento (pathos) ou modo de sentir (em oposiccedilatildeo ao objeto externo (cf PH 115)) 196 Admitimos que tal poema composto com termos tais realmente apoacutes vasculhado muitas vezes natildeo foi mesmo compreendido

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197 Kurios eacute o que qualifica um nome proacuteprio e tambeacutem a expressatildeo lsquocomumrsquo lsquocorrentersquo em oposiccedilatildeo a uma rara (glossa) estrangeira ou usada metaforicamente Poderia portanto por extensatildeo de sentido referir-se a palavras usadas em um contexto familiar considerando a argumentaccedilatildeo anterior no contexto de uma determinada aacuterea do conhecimento Blank (p 349-350) sugere seguindo a leitura de Blomqvist p 13-18 que o proacuteprio Sexto tenha composto estes diacutesticos elegiacuteacos com termos do seu domiacutenio ou seja da medicina a traduccedilatildeo que ele propotildee em nota e que mantemos em inglecircs eacute esta ldquoWould that both your small toes beneath your metacarpals Might wither away and put that part in lowest place The bones which move in the capped joint of the knee-hollow Become crooked up to the highest process of the femur While the dark psoas-muscles from their bottom up to their loose Insertion at the spinal canal are contractedrdquo 198 Que o objeto de uma arte seja algo lsquoruimrsquo portanto inuacutetil compromete imediatamente a utilidade dessa arte Compare-se no entanto com o argumento em sect 278 cuja afinidade com o pirronismo Sexto faz questatildeo de ressaltar O argumento envolve entatildeo provavelmente o paralelo entre claro = evidente obscuro = natildeo-evidente conectado desta forma ao argumento seguinte do lsquodesacordorsquo Ver tambeacutem a argumentaccedilatildeo contra a utilidade da arte ortograacutefica em sect 170-4

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Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ JOSEANE PREZOTTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacute

JOSEANE PREZOTTO

SEXTO EMPIacuteRICO CONTRA OS GRAMAacuteTICOS INTRODUCcedilAtildeO TRADUCcedilAtildeO E NOTAS

CURITIBA 2015

JOSEANE PREZOTTO

SEXTO EMPIacuteRICO CONTRA OS GRAMAacuteTICOS INTRODUCcedilAtildeO TRADUCcedilAtildeO E NOTAS

Tese apresentada ao Curso de Poacutes-Graduccedilatildeo em Letras Setor de Ciecircncias Humanas Letras e Artes Universidade Federal do Paranaacute como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutora em Letras Orientador Prof Dr Joseacute Borges Neto Coorientador Prof Dr Alessandro Rolim de Moura

CURITIBA 2015

Dedicado agraves grandes mulheres cujos nomes foram apagados d(est)a histoacuteria

em memoacuteria da minha matildee Marli forccedila e afeto

AGRADECcedilO

Ao Prof Borges pelos anos de orientaccedilatildeo e inspiraccedilatildeo

aos professores da banca por seu tempo e dedicaccedilatildeo

ao Prof Bernardo e ao Prof Luiz Eva pelas valiosas sugestotildees na qualificaccedilatildeo

ao Prof Pierre Swiggers que gentilmente me recebeu na KU Leuven durante meu estaacutegio

ao Rodrigo agrave Teca e agrave Mazeacute por natildeo deixarem de exigir mas tambeacutem apoiar e confiar

aos professores e colegas do Curso de Letras da UFPR

Agrave Eloana ao Juacutenior e ao Heitor por seu carinho

agrave Ana agrave Nathalia e agrave Peneacutelope por iluminarem o inverno europeu

agrave Bia e ao Ronie por estarem por perto

ao Carlos por estar aqui

a todos meus amigos e amigas queridos pelo dolce far niente

Ao meu pai Luiz Carlos

e aos meus irmatildeos Zinho e Juliano pelo amor pela confianccedila

agraves irmatildes e irmatildeos do meu pai porque satildeo seu porto seguro e foram o meu

aos meus primos e especialmente

Eliane Karen Miguel Wanda Telma Anita e Maria Ivone

muito obrigada

E agradeccedilo ao meu coorientador Prof Alessandro Rolim de Moura

por sua paciecircncia confianccedila e dedicaccedilatildeo a este projeto

RESUMO

Esta tese conteacutem a traduccedilatildeo anotada do tratado Contra os Gramaacuteticos escrito por volta do seacuteculo II dC pelo ceacutetico pirrocircnico e meacutedico Sexto Empiacuterico como parte de sua obra intitulada Contra os ProfessoresTambeacutem traduzimos a seccedilatildeo inicial dessa obra que introduz a discussatildeo e traz uma argumentaccedilatildeo geral contra a possibilidade do ensino As traduccedilotildees estatildeo precedidas por um estudo no qual buscamos delinear o perfil filosoacutefico de Sexto expor e analisar as discussotildees central ou transversalmente abordadas no tratado aqui traduzido e na obra de que ele faz parte aleacutem de contextualizar tais discussotildees Os toacutepicos essenciais desta contextualizaccedilatildeo dizem respeito agraves escolas filosoacuteficas do periacuteodo heleniacutestico principalmente o epicurismo e o estoicismo em relaccedilatildeo agraves quais Sexto determina sua proacutepria adesatildeo filosoacutefica o ceticismo pirrocircnico Frente ao ambiente intelectual do periacuteodo heleniacutestico estatildeo dispostas tambeacutem questotildees essenciais para a compreensatildeo da argumentaccedilatildeo sextiana em uma posiccedilatildeo central estaacute o conflito entre empirismo e racionalismo na medicina pois aleacutem de Sexto ter sido um meacutedico empiacuterico este debate congrega grande parte das controveacutersias epistemoloacutegicas da Antiguidade Relacionado a esta polecircmica estaacute o ataque agraves tekhnai fundadas em um corpo sistemaacutetico de conhecimentos teoacutericos lsquoartesrsquo ou lsquociecircnciasrsquo cujo papel como disciplinas semelhantes ou necessaacuterias agrave praacutetica filosoacutefica foi o centro da polecircmica a que se vincula o tratado aqui traduzido Paralelo a estes debates configura-se o papel da Gramaacutetica neste ambiente Com o intuito de disponibilizar ao leitor um panorama do desenvolvimento desta aacuterea e suas especificidades na Antiguidade relacionadas ao estudo amplo da literatura traccedilamos um percurso histoacuterico em que estatildeo presentes os principais personagens e suas contribuiccedilotildees O tratado de Sexto eacute uma fonte de informaccedilatildeo importante acerca dos estudos gramaticais durante o seacuteculo I aC no periacuteodo que se estende entre a produccedilatildeo dos eruditos das escolas filoloacutegicas de Alexandria e Peacutergamo e a especializaccedilatildeo dos estudos formais da chamada gramaacutetica teacutecnica Procuramos portanto fornecer o contexto necessaacuterio para a integraccedilatildeo das informaccedilotildees presentes no tratado em um cenaacuterio maior Tal cenaacuterio eacute fundamental para a compreensatildeo dos termos mobilizados por Sexto em sua polecircmica contra os estudos gramaticais Nas notas agrave traduccedilatildeo tecemos comentaacuterios sobre as peculiaridades de alguns conceitos de acordo com o contexto de produccedilatildeo da obra Tambeacutem apresentamos justificativas para nossas escolhas tradutoacuterias e esclarecimentos pontuais sobre personagens situaccedilotildees ou outros elementos do texto

Palavras-chave Filosofia Heleniacutestica Ceticismo Histoacuteria da Gramaacutetica Gramaacutetica Heleniacutestica Tekhne Sexto Empiacuterico

ABSTRACT

This thesis contains the annotated translation of the treatise Against the Grammarians written by the second century AD pyrrhonist skeptic and physician Sextus Empiricus as part of his work entitled Against the ProfessorsWe have also translated the initial section of this work which introduces the discussion and brings a general argument against the possibility of learning The translations are preceded by a study in which we seek to outline the philosophical profile of Sextus expose and analyze the central and transversal discussions addressed in the translated treatise herein and the work that it is part of as well as contextualizing such discussions The essential topics in such context refer to the philosophical schools of the Hellenistic period mainly Epicureanism and Stoicism for which Sextus determines its own philosophical bias Pyrrhonian Scepticism Amongst such intellectual environment of the Hellenistic period are key issues for understanding the sextan argument in a central position we have the conflict between empiricism and rationalism in medicine due to the fact that in addition to Sextus being an empirical physician this debate brings together great part of epistemological controversies of antiquity Related to this controversy is the attack on tekhnai based on a systematic body of theoretical knowledge expertise or science whose roles as similar or necessary disciplines for philosophical practice was the center of the controversy related to the treatise herein translated The role of Grammar in this environment is parallel to these discussions In order to provide the reader with an overview of the development of this area and its specificities in Antiquity related to the extensive scholarship and literary studies we draw a historical path in which are present the main characters and their contributions Sextus treatise is an important source of information on the grammatical studies during the first century BC the period extending between the production of scholars of the philological schools of Alexandria and Pergamum and the specialization of formal studies of the so called technical grammar Therefore we sought to provide the context necessary for the integration of the information contained in the treatise to a bigger picture Such a scenario is key to understanding the terms mobilized by Sextus in his controversy against grammatical studies In the translation notes we weave comments on the peculiarities of some concepts in accordance to the context in which the work was produced We also present justifications for our translational choices and specific comments on characters situations or other text elements

Key words Hellenistic Philosophy Scepticism (Skepticism) History of Grammar Hellenistic Grammar Tekhne Sextus Empiricus

TABELA CRONOLOacuteGICA

aC

V

400

Parmecircnides (c 540-460) Empeacutedocles (c 483-430) Protaacutegoras (c 480-410)

Proacutedico (fl 441) Demoacutecrito (460-370) Soacutecrates (470-399)

Euclides (c 450-380) Platatildeo (428-347)

Aristoacuteteles (c 384-322) Teofrasto (c 372-288)

Pirro de Eacutelis (c 360-270) Epicuro (c 341-270)

Zenatildeo de Ciacutetio (c 335-264) Metrodoro (c 330-277)

Tiacutemon de Fliunte (c 320-235) Ariston de Quios (c 320-250)

Arcesilau (c 315-241) Criacutesipo (c 281-208)

Aristoacutefanes de Bizacircncio (c 260 ndash 185) Dioacutegenes da Babilocircnia (c 240-152)

Aristarco de Samotraacutecia (c 216 ndash 144) Carneacuteades (c 214-129)

Crates de Malos (c 180-150) Dioniacutesio Traacutecio (c 170-90)

Fiacutelon de Larissa (fl 100) Varratildeo (116-27) Ciacutecero (106-43)

Asclepiacuteades de Mirleia (seacutec I) Enesidemo (fl70)

Antiacuteoco de Ascalon (fl70) Lucreacutecio (c 96-55)

Filodemo de Gadara (fl 60) Horaacutecio (65-8)

IV

300

III

200

II

100

I

dC

I

100

Fiacutelon de Alexandria (c 25 aC-50) Secircneca (c 4-65)

Paulo (Satildeo) (morto c 67) Quintiliano (c 35-95) Plutarco (c 45-125)

Marco Aureacutelio (121-180) Aulo Geacutelio (c 125-180)

Galeno (c 130-200) SEXTO EMPIacuteRICO (seacutec II)

Apolocircnio Diacutescolo (seacutec II) Herodiano (seacutec II)

Dioacutegenes Laeacutercio (flc 225-250)

II

200

III

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SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 11 11 GERAL 11 12 SEXTO EMPIacuteRICO 14 121 Periacuteodo de atuaccedilatildeo 14 122 Obras 17 13 CETICISMO ANTIGO 21 131 Ceticismo Acadecircmico 23 132 Ceticismo em Sexto Empiacuterico 30 14 SEXTO MEacuteDICO EMPIacuteRICO 36 15 ESCOLAS MEacuteDICAS POSICIONAMENTOS FILOSOacuteFICOS E O ATAQUE AgraveS TEKHNAI

40

151 Evoluccedilatildeo da Medicina e do conceito de tekhne 41 1511 Medicina Empiacuterica 48 152 Enkuklia mathemata e Tekhnai 53 153 O Ataque agraves Tekhnai 55 16 GRAMAacuteTICA ANTIGA 58 161 Periacuteodo Claacutessico 62 162 Loacutegica Estoica 65 163 Gramaacutetica Heleniacutestica 72 1631 Escola de Peacutergamo Crates e Taurisco 73 1632 Escola de Alexandria 76 16321 Aristoacutefanes de Bizacircncio e Aristarco de Samotraacutecia 76 16322 Dioniacutesio Traacutecio 78 1633 Analogistas x Anomalistas 81 1634 Gramaacutetica Empiacuterica 87 17 CONTRA OS GRAMAacuteTICOS 88 171 As partes da Gramaacutetica no Contra os Gramaacuteticos 94 172 Sobre Dogmatismo Negativo no Contra os Professores M 1 1-6 99 18 SOBRE A TRADUCcedilAtildeO 99 2 TEXTO GREGO E TRADUCcedilAtildeO 103 CONTRA OS PROFESSORES 103 CONTRA OS GRAMAacuteTICOS 115 21 NOTAS Agrave TRADUCcedilAtildeO 197 3 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 237

11

1 INTRODUCcedilAtildeO 11 GERAL

Contra os Gramaacuteticos eacute um texto escrito pelo meacutedico e filoacutesofo ceacutetico pirrocircnico

Sexto Empiacuterico por volta do seacuteculo II dC Compotildee uma obra maior Contra os Professores

dedicada ao ataque de seis disciplinas (mathemata) centrais na vida intelectual dos gregos

antigos (e tambeacutem dos romanos) gramaacutetica retoacuterica geometria aritmeacutetica astronomia e

teoria musical Desses tratados o Contra os Gramaacuteticos eacute de longe o mais extenso Aleacutem de

ser em sentido amplo expressatildeo do posicionamento filosoacutefico sextiano esses textos

representam importante fonte de informaccedilatildeo histoacuterica sobre estas aacutereas do conhecimento

Essas disciplinas devem ser compreendidas no entanto em um sentido adequado ao

contexto histoacuterico Se entendermos gramaacutetica por exemplo como ldquoo conjunto de prescriccedilotildees

e regras que convencionam o uso considerado correto de uma liacutengua escrita ou faladardquo

verificar-se-aacute que esta disciplina natildeo existiu de forma independente na Greacutecia Antiga Tal tipo

de abordagem da liacutengua foi um subproduto de aacutereas com objetivos mais abrangentes tais

como a retoacuterica a poeacutetica a loacutegica ou dialeacutetica E descreve apenas uma das preocupaccedilotildees da

aacuterea entatildeo denominada gramaacutetica (algumas vezes lsquocriacuteticarsquo ou lsquofilologiarsquo) cujo

empreendimento amplo relacionava-se no periacuteodo heleniacutestico como veremos ao estudo da

literatura mais especificamente com a correccedilatildeo ediccedilatildeo exegese e valoraccedilatildeo do cacircnone

literaacuterio

Aleacutem da especificidade do desenvolvimento histoacuterico de cada uma dessas disciplinas

e de seu estatuto particular durante a Antiguidade haacute que se atentar para o fato de terem

composto ndash ora todas ora algumas ora junto a outras ndash ciclos de estudos Ou seja estiveram

vinculadas a projetos educacionais impulsionados essencialmente por concepccedilotildees

filosoacuteficas O conjunto de disciplinas abordado por Sexto pode ser considerado desse ponto

de vista um ciclo disciplinar com mateacuterias complementares entre si dispostas de acordo com

uma proposta educativa

Intermediaacuterios entre a formaccedilatildeo baacutesica disponiacutevel para uma parte da populaccedilatildeo e a

formaccedilatildeo superior restrita aos futuros saacutebios ou filoacutesofos o entendimento do papel desses

estudos acompanha consequentemente as polecircmicas filosoacuteficas e culturais em torno aos

conceitos de educaccedilatildeo e sabedoria De forma que certamente natildeo foram alvo de tratamento

unacircnime pelo contraacuterio Por um lado parece ter havido um debate fecundo em relaccedilatildeo a

quais disciplinas deveriam estar presentes nessa etapa da formaccedilatildeo Um debate no entanto

12

em que os participantes costumavam compartilhar ao menos noccedilotildees similares em relaccedilatildeo agrave

constituiccedilatildeo dos saberes Por outro tal como a discussatildeo sextiana natildeo nos deixaraacute esquecer

houve uma oposiccedilatildeo mais draacutestica a tais modelos educacionais disposta a questionar

pressupostos conceituais proposta filosoacutefica e utilidade

Sexto propotildee um ataque aos que professam estes estudos (mathematikoi) aos

especialistas Pois houve claro aqueles que se dedicavam com mais afinco a uma aacuterea

aqueles cuja produccedilatildeo se tornava referecircncia e que era preciso acatar ou criticar aqueles que

se destacaram em vaacuterias aacutereas aqueles cujas liccedilotildees se tornaram ceacutelebres multiplicando

disciacutepulos e propagando seus meacutetodos por fim aqueles cuja influecircncia era tamanha que

acabavam por originar mesmo uma lsquoescolarsquo De forma que nesse sentido Sexto ataca

propriamente estudos especializados pois seus seguidores compartilhavam aleacutem de uma

tradiccedilatildeo um corpo de conhecimentos cada vez mais especializados e teoacutericos Todos esses

saberes aleacutem de serem abordados com efeito como conhecimentos especializados satildeo

atacados precisamente onde supotildeem ou exigem abstraccedilatildeo teoacuterica

O ataque a uma tradiccedilatildeo eacute visiacutevel no Contra os Gramaacuteticos Sexto provecirc nesse livro

tal como tentaremos demonstrar agrave frente um panorama da constituiccedilatildeo dos saberes nesta aacuterea

Que ele mimetiza talvez ironicamente a disposiccedilatildeo de um tratado gramatical eacute algo que pode

ser notado desde o iniacutecio da obra A princiacutepio alude agraves introduccedilotildees laudatoacuterias da gramaacutetica

logo a seguir expotildee e critica suas definiccedilotildees e entatildeo passa ao ataque das partes da gramaacutetica

teacutecnica (que se ocupa de letras siacutelabas nomes partes da sentenccedila ortografia correccedilatildeo

etimologia) lsquohistoacutericarsquo (que trata dos personagens lugares etc) e especiacutefica (o exame das

obras literaacuterias propriamente ditas em verso ou prosa)

Este livro sobre a gramaacutetica eacute muito mais longo que aqueles dedicados agraves outras

disciplinas Eacute razoaacutevel supor tendo em vista a autoridade de que a filosofia estoica desfrutou

no periacuteodo heleniacutestico e a inter-relaccedilatildeo entre o desenvolvimento da disciplina gramatical e a

loacutegica estoica que Sexto tivesse um interesse especial pela questatildeo aleacutem de possivelmente

ter tido a sua disposiccedilatildeo suficiente material a respeito dessa mateacuteria Com relaccedilatildeo a esse

uacuteltimo ponto veremos que o espaccedilo que ele destina a argumentos que muito provavelmente

satildeo de origem epicurista e natildeo ceacutetica eacute consideraacutevel Isso poderia sugerir que sua fonte

principal fosse natildeo um tratado gramatical mas uma obra de ataque agrave doutrina gramatical nos

moldes daquelas ligadas agrave tradiccedilatildeo epicurista de polecircmica contra disciplinas que pretendiam

se antepor agrave filosofia

Apresentamos aleacutem do livro I Contra os Gramaacuteticos (M 1 41-320) a traduccedilatildeo da

Introduccedilatildeo (M 1 1-40) ao Contra os Professores Nela Sexto expotildee um ataque geral contra

13

as disciplinas por meio do que lhes eacute comum ie os elementos essenciais do ensino

conteuacutedo meacutetodo aluno e professor (os dois uacuteltimos atacados em conjunto) As aporias

direcionadas neste ataque de forma generalizada agraves disciplinas do estudo ciacuteclico (enkuklia

mathemata) valem-se de paradoxos comuns desde a primeira sofiacutestica e foram em outras

obras sextianas (M 11 170ss PH 3 239ss) desenvolvidas contra o ensino da tekhne peri ton

bion (arte de viver) dos estoicos Este elemento nos insere em uma das principais senatildeo a

principal problemaacutetica levantada atraveacutes do Contra os Professores as disciplinas

(mathemata) satildeo atacadas em seu fundamento ou utilidade por sua pretensatildeo de serem

tekhnai (lsquoartesrsquo) ndash em um sentido estoico (ou dogmaacutetico) um corpo sistemaacutetico de

conhecimentos lsquoracionaisrsquo organizados por meio de uma lsquometodologiarsquo fundados e guiados

pela lsquorazatildeorsquo (universal) Essa caracterizaccedilatildeo faz com que o ceacutetico considere tais disciplinas

com tais pretensotildees inuacuteteis agrave vida

Nos capiacutetulos iniciais apresentamos informaccedilotildees gerais sobre Sexto Empiacuterico com o

objetivo de delinear o ambiente em relaccedilatildeo ao qual seu posicionamento intelectual se

configura Sexto Empiacuterico dedica parte de sua obra agrave exposiccedilatildeo de sua orientaccedilatildeo filosoacutefica

ele proacuteprio portanto eacute nossa fonte principal Acerca das discussotildees filosoacuteficas do periacuteodo

heleniacutestico demasiado complexas para o escopo dessa introduccedilatildeo assim como as polecircmicas

concernentes agrave interpretaccedilatildeo dos textos sextianos procuramos selecionar algums

questionamentos e posiccedilotildees que tendo sido relevantes para nossa abordagem dos textos

possam contribuir para a apreciaccedilatildeo de nossa traduccedilatildeo Nosso esforccedilo direcionou-se agrave

visualizaccedilatildeo do contexto de produccedilatildeo do Contra os Gramaacuteticos Algumas questotildees receberam

tratamento privilegiado devido agrave importacircncia que adquirem ou na caracterizaccedilatildeo da posiccedilatildeo

sextiana em geral ou especialmente dentro da argumentaccedilatildeo do Contra os Gramaacuteticos

Informaccedilotildees adicionais referentes a escolhas tradutoacuterias por exemplo assim como

indicaccedilotildees de outras associaccedilotildees potencialmente interessantes entre passagens do texto e

outros textos antigos e uma tentativa de contextualizaccedilatildeo e compreensatildeo de argumentos

especiacuteficos encontram-se nas notas ao final da traduccedilatildeo

14

12 SEXTO EMPIacuteRICO

121 Periacuteodo de Atuaccedilatildeo

Sexto Empiacuterico eacute o uacutenico ceacutetico grego da antiguidade de quem possuiacutemos obras

completas Seu posicionamento filosoacutefico exerceraacute grande influecircncia (ainda que

indiretamente) no pensamento ocidental a partir do momento em que sua obra eacute redescoberta

durante o Renascimento1 Seus escritos satildeo uma das principais fontes de informaccedilatildeo sobre os

estoicos (seus principais adversaacuterios) e demais escolas heleniacutesticas aleacutem de conter muitos dos

fragmentos que possuiacutemos dos filoacutesofos preacute-socraacuteticos Eacute tambeacutem uma das mais importantes

vias de acesso agrave gramaacutetica heleniacutestica aleacutem de outras disciplinas do periacuteodo Sobre a vida de

Sexto Empiacuterico poreacutem natildeo sabemos praticamente nada Viveu em um periacuteodo entre o fim do

seacuteculo I dC e iniacutecio do III dC A dataccedilatildeo eacute imprecisa pois as poucas indicaccedilotildees em seus

textos satildeo incertas e as informaccedilotildees a partir de outras fontes duvidosas

Tambeacutem eacute essa a situaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao lugar em que teria atuado mdash consideram-se

provaacuteveis por terem sido os centros intelectuais mais importantes naquele momento as trecircs

principais cidades helenizadas do periacuteodo Roma Alexandria eou Atenas2 Tambeacutem natildeo nos

eacute possiacutevel identificar seus contemporacircneos com base nos adversaacuterios filosoacuteficos propriamente

nomeados por Sexto Empiacuterico pois dentre estes natildeo haacute nenhum cuja atuaccedilatildeo possa ser

datada para aleacutem do seacutec I aC O personagem histoacuterico mais tardio a que faz referecircncia natildeo-

ambiacutegua eacute ao Imperador Tibeacuterio morto em 37 dC (PH 1 84) Sexto parece isolar-se das

correntes filosoacuteficas de sua geraccedilatildeo Da mesma forma o interesse por sua obra parece ter sido

bastante restrito durante a antiguidade ao contraacuterio do impacto que causaraacute no iniacutecio da era

moderna3

1 Ver Floridi 2010 acerca de manuscritos gregos de Sexto Empiacuterico em bibliotecas de influentes pensadores do Renascimento e informaccedilotildees sobre suas primeiras traduccedilotildees latinas neste ambiente Sobre a ausecircncia de Sexto durante o periacuteodo medieval e a existecircncia de uma traduccedilatildeo latina nesta eacutepoca ver Porro 1994 2 House 1980 passim e Blank p xiii ndash xv 3 Bett 2005 p x e Gallego Cao e Muntildeoz Diego 2008 p 7-12 ldquoA redescoberta e publicaccedilatildeo das obras de Sexto Empiacuterico nos seacuteculos XVI e XVII induziram diretamente o ceticismo de Montaigne Gassendi Descartes Bayle e outras figuras importantes e provavelmente a preocupaccedilatildeo da filosofia moderna ateacute os dias de hoje em refutar ou senatildeo combater o ceticismo filosoacuteficordquo (MATES 1996 p 4) Conveacutem no entanto recordar que os filoacutesofos do princiacutepio da era moderna fazem parte de uma tradiccedilatildeo teoloacutegica que remonta principalmente a Santo Agostinho cuja formaccedilatildeo intelectual deve muito aos escritos de Ciacutecero expoente do ceticismo de vieacutes acadecircmico (ver adiante) O ceticismo apresentado por Sexto Empiacuterico parece diferir em muitos aspectos e em pontos cruciais das formas de ceticismo modernas que satildeo de algum modo suas descendentes histoacutericas Sobre possiacuteveis causas

15

O principal episoacutedio a sugerir uma dataccedilatildeo mais tardia para a atuaccedilatildeo de Sexto ao

redor de 200 dC eacute o fato de ele natildeo ter sido citado por Galeno (morto por volta de 200 dC)

em suas meticulosas obras dedicadas agraves correntes meacutedicas do periacuteodo4 E considerando que

Hipoacutelito de Roma autor das Refutaccedilotildees de todas as heresias (Refutatio Omnium Haeresium)

escritas algum tempo antes de 235 dC tenha copiado a partir da obra sextiana (e natildeo a partir

de uma fonte comum a ambos) as passagens que ataca esta seria a data limite para que

tivessem sido compostas por Sexto Por outro lado se considerarmos fidedigna a lista de

lsquodirigentesrsquo da lsquoEscola Ceacuteticarsquo transmitida por Dioacutegenes Laeacutercio (DL 9 115-116) Sexto teria

estado no comando dessa suposta escola entre aproximadamente os anos 110 e 140 dC

eacutepoca de certa influecircncia do estoicismo o que poderia justificar o papel de destaque que esta

filosofia ocupa em sua obra No entanto Sexto Empiacuterico invariavelmente refere-se agrave filosofia

estoica dos trecircs uacuteltimos seacuteculos aC Em M 8 258 Sexto menciona o estoico Basiacutelides com a

possibilidade de que se refira a um dos preceptores de Marco Aureacutelio que nasceu em 121

dC o que poderia reforccedilar a hipoacutetese de Sexto ter atuado ao redor de 140 dC Poreacutem haacute um

outro Basiacutelides um estoico do seacuteculo II aC e a indicaccedilatildeo permanece ambiacutegua5

Assim Sexto parece nunca se referir a um pensador que lhe seja contemporacircneo e

dos filoacutesofos que critica o mais recente teria morrido trecircs ou mais geraccedilotildees antes dele natildeo

havendo qualquer menccedilatildeo a um filoacutesofo atuante por volta do seacuteculo I-II dC Contudo como

apontam Annas e Barnes (2000 p xvi) natildeo devemos nos esquecer que

Sexto natildeo estaacute sozinho em sua obsessatildeo com o passado muitos dos ensaios filosoacuteficos de Plutarco por exemplo discutem figuras de um passado remoto Aleacutem disso a obsessatildeo com o passado era em parte fachada no seacuteculo II dC discutir os pensamentos dos grandes jaacute mortos natildeo era uma forma de escapismo ou marca de nostalgia da Era de Ouro pelo contraacuterio era um modo padratildeo de abordagem das questotildees filosoacuteficas ndash e portanto de

para este fenocircmeno principalmente sobre o ceticismo ter sido historicamente compreendido como a posiccedilatildeo lsquodogmaacuteticarsquo de que nada eacute ou pode ser conhecido com certeza ver a argumentaccedilatildeo de Frede 1987 p 201-222 Ademais as questotildees que interessaram os ceacuteticos antigos estariam hoje em dia associadas a discussotildees em aacutereas como a epistemologia filosofia da linguagem ou teoria da accedilatildeo entre outras aquilo que geralmente seria apontado como a cena contemporacircnea ceacutetica parece envolver questotildees que natildeo desempenharam papel fundamental naquele contexto Cf Vogt 2014 4 O proacuteprio Galeno parece ter sido alvo do silecircncio de seus contemporacircneos entre eles o imperador Marco Aureacutelio que tendo sido seu paciente natildeo o menciona nenhuma vez em suas Meditaccedilotildees obra que conteacutem vaacuterias referecircncias agrave medicina (Manzano 2002 p 10) Tambeacutem eacute interessante mencionar o comentaacuterio da tradutora espanhola (idem p 14) ldquofrequentemente [Galeno] distorce o pensamento de seus adversaacuterios e o interpreta de maneira tendenciosa ndash especialmente o dos meacutedicos contemporacircneos que nunca menciona exceto para rebaixaacute-los apontar seus erros e ocasionalmente oferecer-lhes conselhosrdquo 5 Gallego Cao e Muntildeoz Diego 2008 p 22-24 e Annas e Barnes 2000 p 140

16

engajamento em controveacutersias filosoacuteficas vivas ldquoIsto eacute o que diz Platatildeordquo ldquoCriacutesipo afirma istordquo ndash tais declaraccedilotildees eram toacutepicos dentro das escolas filosoacuteficas Este procedimento pode declinar em lsquomerarsquo doxografia e exegese como mais de um criacutetico antigo observou mas a princiacutepio faz parte de um exerciacutecio filosoacutefico e natildeo histoacuterico

De forma que o anacronismo das obras de Sexto Empiacuterico eacute uma caracteriacutestica

compartilhada com outros filoacutesofos de sua eacutepoca Mesmo assim a visatildeo que ele nos passa eacute

realmente a de estar isolado pois considerando o interesse de seus contemporacircneos por

Platatildeo e Aristoacuteteles o interesse de Sexto pelo passado eacute seletivo seus adversaacuterios satildeo

prioritariamente os estoicos Que ele coloque em cena inclusive pensadores tatildeo antigos como

os preacute-socraacuteticos eacute por sua vez outra caracteriacutestica comum da filosofia heleniacutestica que foi

mesmo descrita como ldquolarge-scale conversationrdquo (Vogt 2014)

Sexto floresceu portanto ao que tudo indica durante ou ao fim do seacuteculo II dC em

pleno Impeacuterio Romano Os temas de seu interesse no entanto configuram-se ao longo de no

miacutenimo cinco seacuteculos tendo sido abordados antes dele por pensadores e estudiosos com

distintas filiaccedilotildees e interesses O ponto crucial dessas discussotildees retomadas por Sexto eacute o

conflito entre as escolas filosoacuteficas heleniacutesticas Este eacute propriamente o ambiente intelectual

com o qual dialoga sua obra Eacute com base nos ataques agrave filosofia estoica do periacuteodo heleniacutestico

que ele desenvolve seu exerciacutecio filosoacutefico (inclusive seu vocabulaacuterio eacute fortemente contiacuteguo

ao estoicismo e epicurismo) posicionando-se frente ao embate que constitui as trecircs linhas

filosoacuteficas que ele menciona no comeccedilo de PH acadecircmicos dogmaacuteticos e ceacuteticos Dessa

caracteriacutestica adveacutem o largo valor doxograacutefico de sua obra

Dentre os gramaacuteticos que cita Aristoacutefanes de Bizacircncio (c 257-180 aC) Aristarco

de Samotraacutecia (c 216-144 aC) Crates de Malos (c 180-150 aC) Taurisco (disciacutepulo de

Crates) Dioniacutesio Traacutecio (c 170-90 aC) Pindaacuterio (prov contemporacircneo de Dioniacutesio) aquele

cuja atuaccedilatildeo seria mais recente eacute Asclepiacuteades de Mirleia (seacutec I aC) cuja concepccedilatildeo de

gramaacutetica parece ter servido de base agrave criacutetica sextiana (ou agrave sua fonte) Alguns poreacutem natildeo

puderam ser idenficados com clareza pela tradiccedilatildeo Ptolomeu o Peripateacutetico Caacuteres e

Demeacutetrio Cloro

Lembrando que o fato de Sexto natildeo se referir a pensadores mais atuais cujas obras

foram fundamentais para o desenvolvimento dos toacutepicos de que trata natildeo eacute evidecircncia de que

ele estivesse totalmente alheio a esta produccedilatildeo Devido agrave sua caracteriacutestica de apoiar-se

fortemente em fontes anteriores poderiacuteamos inclusive supor o contraacuterio De qualquer forma

as ausecircncias satildeo notaacuteveis Considerem-se nomes gregos e latinos como Varratildeo Ciacutecero

Secircneca Filodemo de Gaacutedara Lucreacutecio Fiacutelon de Alexandria Quintiliano Plutarco Aulo

17

Geacutelio por exemplo jamais mencionados Aleacutem de seus provaacuteveis contemporacircneos Galeno e

Apolocircnio Diacutescolo entre tantos outros (inclusive aqueles cujos nomes natildeo conhecemos

justamente por Sexto natildeo ter creditado suas fontes)

122 Obras

De Sexto Empiacuterico chegaram ateacute noacutes atraveacutes de manuscritos medievais as

seguintes obras6

1) Hipotiposes Pirrocircnicas7 (Pyrrhoniae Hypotyposes) - trecircs livros acerca do ceticismo

onde estatildeo expostas sua natureza e propoacutesito Sexto apresenta e demonstra recursos da

posiccedilatildeo ceacutetica e distingue o ceticismo de outras praacuteticas filosoacuteficas O primeiro livro eacute

uma apresentaccedilatildeo geral do ceticismo pirrocircnico os dois uacuteltimos trazem argumentos

contra as principais teses dos filoacutesofos dogmaacuteticos nas trecircs lsquoaacutereasrsquo da filosofia poacutes-

aristoteacutelica8 Loacutegica (tema do segundo livro) Fiacutesica (ou Filosofia da Natureza) e Eacutetica

(ambas no terceiro livro) Tal como as outras obras de Sexto teria sido muito

6 Adoto o seguinte esquema de referecircncia PH 1-3 Hipotiposes Pirrocircnicas 1-3 (Pyrrhoniae Hypotyposes) M 1-6 Contra os Professores 1-6 (Adversus Mathematicos) M 11-40 Introduccedilatildeo M 141-320 Contra os Gramaacuteticos (Adv Grammaticos) M 2 Contra os Retoacutericos (Adv Rhetores) M 3 Contra os Geocircmetras (Adv Geometras) M 4 Contra os Aritmeacuteticos (Adv Arithmeticos) M 5 Contra os Astroacutelogos (Adv Astrologos) M 6 Contra os Muacutesicos (Adv Musicos) M 7-11 Contra os Dogmaacuteticos (Adv Dogmaticos) (transmitido junto com o Contra os Professores mas na verdade um tratado diferente) M 7 e 8 Contra os Loacutegicos 1-2 (Adv Logicos) M 9 e 10 Contra os Fiacutesicos I-II (Adv Physicos) e M 11 Contra os Eacuteticos (Adv Ethicos) Em Dumont 1972 p 4 haacute uma tabela de equivalecircncia das diferentes opccedilotildees utilizadas ateacute entatildeo pelos criacuteticos 7 Sobre a traduccedilatildeo do tiacutetulo Marcondes 1997 p 122 ldquoOptamos por manter o tiacutetulo original lsquoHipotiposesrsquo embora Bury Annas e Barnes e Mates o traduzam por lsquooutlinesrsquo e em espanhol se encontre frequentemente a traduccedilatildeo lsquobosquejosrsquo sendo que ambos os termos poderiam ser traduzidos por lsquoesboccedilosrsquo Consideramos entretanto que o termo lsquohipotiposersquo tem um sentido bastante especiacutefico designando um tipo de texto de resto bastante comum na eacutepoca Enesidemo (seacutec I aC) fundador do movimento ceacutetico de que Sexto Empiacuterico foi um seguidor escreveu tambeacutem Hipotiposes obra hoje perdida O termo lsquohipotiposersquo designa uma figura de linguagem consistindo em uma descriccedilatildeo tatildeo viacutevida de algo que eacute como se o tiveacutessemos diante de noacutes Esta eacute a definiccedilatildeo que encontramos por exemplo na Institutio Oratoria (9 2 40) de Quintiliano lsquotrata-se de uma representaccedilatildeo dos fatos em termos tatildeo expressivos que cremos vecirc-los e natildeo apenas ouvi-losrsquo Eacute com base nesta acepccedilatildeo de lsquohipotiposersquo bastante distante de um simples lsquoesboccedilorsquo que preferimos manter o termo originalrdquo De nossa parte mantemos lsquohipotiposesrsquo por ter-nos parecido comum referir-se agrave obra dessa forma ainda que natildeo estejamos convencidos da argumentaccedilatildeo de Marcondes pela acepccedilatildeo de lsquodescriccedilatildeo viacutevidarsquo e tendamos a considerar que a acepccedilatildeo seria mesmo lsquoesboccedilorsquo ou talvez lsquosiacutentesersquo 8 ldquoDivisatildeo que natildeo sendo de origem estoica foi imposta pelos estoicos agrave praacutetica filosoacutefica ocidental por dois milecircniosrdquo Pellegrin 2002 p 9

18

provavelmente escrita com base em fontes anteriores heterogecircneas9 Partes das

Hipotiposes podem ter sido copiadas de textos anteriores palavra por palavra e haacute

razatildeo para suspeitar que esse fosse o modus operandi normal de Sexto10 Contudo PH

eacute uma obra bem escrita e organizada Sexto natildeo parece se apropriar de forma passiva

do material preexistente mas esforccedilar-se por expor de maneira consistente seu ponto

de vista11

2) Contra os Professores (Adversus Mathematicos) ndash tradicionalmente daacute-se este tiacutetulo

ao conjunto dos onze livros restantes pois estatildeo assim agrupados nos manuscritos

antigos contudo deve-se separaacute-los em duas obras distintas seis livros chamados

propriamente de Contra os Professores12 em que Sexto desenvolve um ataque criacutetico

aos que se envolvem em estudos teoacutericos na ordem M 1-6 Contra os Gramaacuteticos

9 ldquoComo tem sido constantemente sugerido a obra de Sexto depende fortemente de fontes anteriores A razatildeo principal para acreditar nisto satildeo as correspondecircncias muito proacuteximas que podem ser frequentemente observadas entre Sexto e outros autores particularmente Dioacutegenes Algumas vezes a linguagem eacute idecircntica ou extremamente semelhante algumas vezes apenas a estrutura argumentativa mas a extensatildeo das correspondecircncias nos impele a supor que ou um autor se vale do outro ou ambos utilizam fontes anteriores agora perdidas para noacutes Dioacutegenes eacute posterior a Sexto no miacutenimo uma geraccedilatildeo (DL 9 116) entatildeo se um copia o outro seria Dioacutegenes quem copia Sexto No entanto este natildeo parece ser o caso se se consideram as diferenccedilas igualmente marcantes entre os dois No relato de Dioacutegenes sobre o Pirronismo (9 74-101) haacute muito material que certamente natildeo proveacutem de Sexto Mas ele dificilmente teria inventado tais informaccedilotildees e em todo caso Dioacutegenes ao contraacuterio de Sexto eacute bastante expliacutecito sobre estar seguindo fontes anteriores e sua vida de Pirro natildeo eacute uma exceccedilatildeo Consequentemente Dioacutegenes e Sexto devem ter ambos baseado-se em fontes anterioresrdquo Bett 1997 p xxvii 10 Algumas passagens parecem entrar em contradiccedilatildeo entre si e estas discrepacircncias talvez se devam a diferentes variedades do ceticismo presentes nas fontes que Sexto Empiacuterico teria utilizado (Annas Barnes 2000 p xv) Vogt (2014) chama a atenccedilatildeo para o fato de estarem em jogo dois tipos de consistecircncia nos escritos sextianos Por um lado Sexto aspira agrave consistecircncia de um posicionamento filosoacutefico por outro preocupa-se em ter uma resposta para cada objeccedilatildeo adversaacuteria Dessa forma alguns ataques ainda que consistentes ao preservarem o ceacutetico da criacutetica dogmaacutetica podem ter implicaccedilotildees que estatildeo em conflito com o modo como explica o ceticismo em outras passagens (Vogt 2014) 11 Bett 2005 p xx Mates 1996 p vii 12 Pros mathematikous poder-se-ia tentar definir melhor a classe de pensadores que estatildeo sendo atacados Contra os que professam as Disciplinas do Estudo Ciacuteclico uma opccedilatildeo muito longa Talvez alguma dentre as seguintes seria mais adequada Contra os Especialistas Contra os Teoacutericos Contra os Eruditos Contra os Estudiosos Contra os Instruiacutedos (nos estudos ciacuteclicos ou especializados) Contra os Doutos (cf Bett 1997 p x ldquoAgainst the Learnedrdquo) ou aindaldquoContra os Homens de Ciecircnciardquo (Bolzani 2011 p 6) A verdade eacute que Contra os Professores talvez seja mesmo uma das piores opccedilotildees para transmitir ao puacuteblico atual o conteuacutedo desta obra Poreacutem muitos jaacute a conhecem por este tiacutetulo e as outras opccedilotildees mencionadas tambeacutem nos parecem gerar algum tipo de equiacutevoco

19

Contra os Retoacutericos Contra os Geocircmetras Contra os Aritmeacuteticos Contra os

Astroacutelogos e Contra os Muacutesicos13 e

3) Contra os Dogmaacuteticos M 7-11 tiacutetulo que tem sido usado para os outros cinco livros

restantes compostos por dois livros Contra os Loacutegicos M 7-8 dois livros Contra os

Fiacutesicos M 9-10 e um livro Contra os Eacuteticos M 11 Haacute nessa obra muito material

semelhante aos dois uacuteltimos livros das Hipotiposes ou seja argumentos contra os

filoacutesofos dogmaacuteticos mas tambeacutem argumentaccedilatildeo ceacutetica adicional contra suas

doutrinas assim como valiosa informaccedilatildeo sobre as principais escolas filosoacuteficas do

periacuteodo heleniacutestico Sexto refere-se a um escrito introdutoacuterio aos mesmos hoje

supostamente perdido

No Contra os Professores M 1-6 encontramos algumas referecircncias cruzadas (por

exemplo M 1 35 M 3 116) que remetem muito provavelmente a discussotildees presentes no

Contra os Dogmaacuteticos M 7-11 de forma que parecem sugerir que estes uacuteltimos livros foram

escritos antes daqueles Hipotiposes Pirrocircnicas costumava ser apontada como a primeira das

trecircs obras Sexto estaria reformulando no Contra os Dogmaacuteticos questotildees tratadas

sucintamente nos dois uacuteltimos livros das PH ndash como continuaccedilatildeo agrave argumentaccedilatildeo

antidogmaacutetica ali efetuada Contudo ainda que a questatildeo permaneccedila controversa as

13 As seis disciplinas que Sexto discute satildeo muito semelhantes agraves sete artes liberais do cacircnone escolaacutestico medieval que inclui tambeacutem a loacutegica (ou dialeacutetica) o Trivium (gramaacutetica retoacuterica e dialeacuteticaloacutegica) mais Quadrivium (geometria aritmeacutetica astronomia [o alvo de Sexto eacute a astrologia] e muacutesica) Sexto parece sugerir que o ciclo de estudos (enkuklia mathemata) de que trata estava geralmente estabelecido em sua eacutepoca (M 1 7) sem fazer qualquer menccedilatildeo a alguma disputa acerca do lugar da loacutegica Contudo as evidecircncias apontam para um cenaacuterio mais complexo certamente bastante diferente da fixidez das sete disciplinas escolaacutesticas e seu estatuto no curriacuteculo medieval (Sobre a questatildeo das artes liberais na antiguidade ver Hadot 2005) Sexto discute a loacutegica como uma das trecircs partes da filosofia divisatildeo canocircnica do periacuteodo heleniacutestico Mas a loacutegica por vezes foi considerada uma disciplina liberal enfatizando-se o seu caraacuteter de lsquoferramentarsquo para a filosofia E em alguns ambientes ao estudo da loacutegica subordinou-se o estudo da gramaacutetica e da retoacuterica De forma que a situaccedilatildeo mais provaacutevel eacute que existissem diferentes curriacuteculos em lsquocompeticcedilatildeorsquo durante a antiguidade A relaccedilatildeo entre a loacutegica estoica e a gramaacutetica heleniacutestica seraacute discutida adiante Aleacutem da questatildeo deste conjunto de disciplinas ser ou natildeo uma formaccedilatildeo padratildeo em sua eacutepoca duas outras polaridades estatildeo latentes especializaccedilatildeo x generalizaccedilatildeo dos conteuacutedos e formaccedilatildeo comum x formaccedilatildeo para a filosofia Como mencionamos brevemente anteriormente consideramos que do ponto de vista ceacutetico (e epicurista) essas disciplinas satildeo descritas e atacadas propriamente como estudos especializados e natildeo geneacutericos Em relaccedilatildeo ao tipo de formaccedilatildeo enfatizamos que independente de se propagarem como uma formaccedilatildeo comum (geral ampla ou preliminar) a origem da polecircmica eacute o estatuto da loacutegica frente agrave filosofia Mais informaccedilotildees adiante

20

Hipotiposes atualmente satildeo geralmente qualificadas como posteriores ao Contra os

Dogmaacuteticos14

Contra os Professores difere das outras obras sextianas descritas seu alvo satildeo

estudos especializados e natildeo teses filosoacuteficas (embora estas desempenhem algum papel na

caracterizaccedilatildeo destes estudos) seus argumentos parecem conter um vieacutes antiteoacuterico15

acentuado e foacutermulas do discurso ceacutetico principalmente a suspensatildeo do julgamento natildeo satildeo

aparentes Aleacutem do comum sarcasmo Sexto parece demonstrar um desprezo especial por

esses estudiosos principalmente pelos gramaacuteticos e astroacutelogos

Discussotildees acerca da cronologia dessa obra costumaram envolver uma valoraccedilatildeo

negativa de seu conteuacutedo como versatildeo pouco madura (ou pouco prudente e normalmente

menos interessante do ceticismo de Sexto Empiacuterico) foi considerada obra de juventude Por

outro lado certas caracteriacutesticas linguiacutesticas (apontadas por Janagravecek 1972 especialmente)

parecem sugerir que fosse de fato tardia e interpretaccedilotildees de seu conteuacutedo levaram agrave

suposiccedilatildeo de Sexto ter abandonado no momento em que a produz sua orientaccedilatildeo ceacutetica16

Essas opiniotildees e o fato de esta obra natildeo tratar explicitamente de assuntos filosoacuteficos

contribuiacuteram para sua marginalizaccedilatildeo na histoacuteria de estudo do ceticismo tendo sido muitas

vezes inclusive totalmente ignorada Contra os Professores acabou por ser tradicionalmente

considerada um desafio agrave formulaccedilatildeo de uma abordagem ampla do pirronismo Contudo

mesmo que sui generis parece representar um momento importante e autecircntico do ceticismo

sextiano e pode mesmo ser considerada uma obra intermediaacuteria anterior agrave composiccedilatildeo de

PH17

14 Cf Bett 1997 2005 Tem-se sugerido uma maior sofisticaccedilatildeo filosoacutefica para a redaccedilatildeo das PH Sexto evita deixar sem qualificaccedilatildeo conclusotildees com vieacutes dogmaacutetico tal como encontramos em M 1-6 e M 11 por exemplo (talvez estas obras representem uma versatildeo anterior do ceticismo supotildee-se ainda natildeo totalmente ajustado agrave expressatildeo da suspensatildeo do juiacutezo) ao mesmo tempo em que consolida discussotildees presentes em M 7-10 Ver Bett 1997 Brunschwig 1988 Vogt 2012 e 2014 15 Alguns estudiosos aproximaram o discurso de Sexto no Contra os Professores agrave posiccedilatildeo quasi dogmaacutetica dos primeiros meacutedicos empiacutericos Janagravecek (1972 p 87) supocircs mesmo que Sexto teria abandonado o ceticismo quando escreve esta obra Pellegrin 2002 p 11 considera a suposiccedilatildeo imprudente e chama a atenccedilatildeo para a passagem M 16-7 em que Sexto revela a mesma disposiccedilatildeo para tratar dos estudos especializados que teve para com a filosofia Por outro lado eacute possiacutevel aproximar as passagens claramente ceacuteticas desses tratados com a linguagem de Sexto em passagens do Contra os Dogmaacuteticos ou mesmo de PH ainda que de fato nesta uacuteltima obra haja uma preocupaccedilatildeo evidente em contrapor argumentos equipolentes e conduzir a argumentaccedilatildeo agrave equipolecircncia e suspensatildeo do juiacutezo 16 Ver nota acima 17 Eacute a opiniatildeo de Bett por exemplo cf Bett 1997 p 225

21

13 CETICISMO ANTIGO18

Costuma-se apontar duas correntes com orientaccedilatildeo ceacutetica na antiguidade o ceticismo

acadecircmico e o ceticismo pirrocircnico19 Apenas os pirrocircnicos se autodenominaram lsquoceacuteticosrsquo (em

grego skeptikos de skeptomai lsquoinvestigarrsquo lsquoobservarrsquo lsquoexaminarrsquo lsquoconsiderarrsquo) e

provavelmente somente depois do seacuteculo I dC Enesidemo seacutec I aC parece ter usado

somente o termo zetesis (de zeteo lsquoinvestigarrsquo lsquoquestionarrsquo lsquobuscarrsquo) Sexto Empiacuterico utiliza

com naturalidade entre outros termos o termo skeptikos20

Pirronismo por sua vez deve-se a Pirro de Eacutelis uma figura pouco conhecida de fins

do seacuteculo IV aC e princiacutepio do III aC c 365-270 aC contemporacircneo mais jovem de

Aristoacuteteles Diz-se que foi pintor interessou-se pelo atomismo21 estudou filosofia indiana22 e

possuiacutea uma personalidade excecircntrica Este pensador parece ter logo atraiacutedo alguns

seguidores como Tiacutemon de Fliunte (c 320-235 aC) cujos fragmentos remanescentes nos

legaram algumas das parcas informaccedilotildees que possuiacutemos sobre a vida e pensamento de Pirro

18 O intuito foi traccedilar um panorama bastante geneacuterico em que fosse possiacutevel visualizar algumas das principais questotildees que ocuparam os pensadores do periacuteodo foge do escopo deste trabalho considerar as inuacutemeras interpretaccedilotildees modernas para cada um dos termos e passagens aqui mencionados Procuramos identificar de maneira clara os estudiosos cujas obras permitiram nossa visatildeo geral do assunto e citar algumas das problemaacuteticas referentes a pontos cruciais no entanto o fato de natildeo nos atermos a questotildees especiacuteficas aqui levantadas pode mascarar sua complexidade e dar uma ideia superficial do trabalho dos pesquisadores Remetemos os leitores para os textos e a bibliografia presentes no verbete sobre o Ceticismo Antigo na Enciclopeacutedia Online Stanford redigida por Vogt 2014 no artigo de Bolzani 2011 na coletacircnea de Bett 2010 e Hankinson 1995 19 Na obra de Ciacutecero e de Plutarco (Adversus Colotem 1121E=LS 68H1) os acadecircmicos satildeo aqueles que praticam a suspensatildeo do julgamento O termo lsquopirronismorsquo parece ter sido reinvidicado por Enesidemo para designar sua nova escola de pensamento talvez para enfatizar a dissidecircncia com os acadecircmicos No seacuteculo II o termo skeptikoi foi usado (junto com ephektikoi aporetikoi zetetikoi gradualmente adquirindo primazia sobre estes) indistintamente para referir-se a pensadores de ambas as filiaccedilotildees acadecircmicos e pirrocircnicos A obra de Sexto parece ter sido determinante para que se preservasse uma denominaccedilatildeo distinta para as duas filiaccedilotildees jaacute que ele negou aos acadecircmicos a alcunha de ceacuteticos designando-os como dogmaacuteticos 20 ldquoSkeptikos eacute usado como um nome para os neo-pirronistas pela primeira vez ateacute onde sabemos por Fiacutelon de Alexandria (Congr 52) (cf Bett 2003 p 148) Durante o seacuteculo II o adjetivo skeptikoi referindo-se agrave escola de pensamento filosoacutefico aparece em fontes diferentes no sofista Luciano de Samoacutesata (Vit Auct 2740) no escritor romano Aulo Geacutelio (NA 115) e nos escritos de Sexto Empiacuterico (PH 13-21) No seacuteculo III nas obras de Dioacutegenes Laeacutercio (DL 970) eacute jaacute um termo teacutecnico bem estabelecido Sexto tambeacutem usa skepsis como nome para sua filiaccedilatildeo filosoacutefica (PH 157)rdquo Ziemińska 2013 21 A posiccedilatildeo de Demoacutecrito eacute geralmente apontada como precursora do ceticismo O mesmo acerca de Xenoacutefanes Tanto epicuristas quanto estoicos foram em geral atomistas 22 Pirro teria tido contato com os gimnosofistas da Iacutendia durante sua participaccedilatildeo na expediccedilatildeo de Alexandre o Grande Para uma leitura da relaccedilatildeo entre filosofia indiana e a suposta posiccedilatildeo de Pirro ver Nanajivako 1985 Sobre Pirro Decleva Caizzi 1981a 1981b

22

(de forma que teriam sido em grande parte responsaacuteveis pela imagem que a posteridade

formou dele)

Os ensinamentos de Pirro transmitidos oralmente a seus seguidores parecem ter sido

eminentemente de caraacuteter moral Sobre a filosofia pirroniana tal como Tiacutemon a representou

encontramos o relato de Aristoacutecles de Messena

Aquele que pretende ser feliz deve considerar estes trecircs pontos (1) como as coisas satildeo (2) qual deveria ser nossa disposiccedilatildeo com relaccedilatildeo a elas e (3) qual seraacute o resultado para aqueles que estiverem assim dispostos [Tiacutemon] diz que [Pirro] declara que as coisas satildeo igualmente indiferentes (adiaphora) natildeo mensuraacuteveis (astathmeta) e indecidiacuteveis (anepikrita) e que por esta razatildeo nem nossas percepccedilotildees sensiacuteveis nem nossas crenccedilas dizem a verdade ou mentem e assim natildeo devemos confiar (pisteuein) nelas mas devemos ao inveacutes disso ser sem crenccedilas (adoxastous) e natildeo nos comprometermos e natildeo nos influenciarmos dizendo de cada uma e de todas as coisas que natildeo satildeo mais isto que aquilo (ou mallon) ou que satildeo e natildeo satildeo ou que nem satildeo nem natildeo satildeo Tiacutemon diz que o resultado para aqueles que estiverem assim dispostos seraacute a afasia e entatildeo a serenidade de espiacuterito (ataraxia) Enesidemo [diz que eles alcanccedilaratildeo satisfaccedilatildeo] (Aristocles apud Euseacutebio Praeparatio Evangelica 1418758c-d in GERSON 2009 p 113)

Este relato assemelha-se ao nuacutecleo do ceticismo conclamado por Sexto Empiacuterico em sua obra

e a sentenccedila ldquonenhuma coisa eacute maisrdquo (ou(den) mallon) seraacute reiterada como leitmotiv No

entanto resulta-nos difiacutecil dada as escassas evidecircncias e problemas interpretativos julgar ateacute

que ponto Pirro foi algo mais que um vivo personagem cujo nome e caraacuteter notaacutevel teriam

sido sua uacutenica contribuiccedilatildeo ao ceticismo23

Com base no fragmento acima natildeo eacute possiacutevel afirmar claramente se Pirro considera

serem as coisas indeterminadas ou indeterminaacuteveis Para Gerson (2009 p 114) a partir do

testemunho dos ceacuteticos posteriores que afirmam inspirar-se em Pirro seria coerente afirmar

que considerasse as coisas lsquoindeterminaacuteveisrsquo (em suas relaccedilotildees)24 Fica evidente nos escritos

23 Gerson 2009 p 112 A passagem em PH 1 7 parece sugerir que Sexto natildeo se compromete de maneira especial nem com o termo lsquopirronismorsquo nem com a figura de Pirro que pouco aparece em sua obra Bett (1997 p 11) embora tenha argumentado a favor de uma diferenccedila substancial entre a perspectiva pirroniana e a sextiana afirma ldquoMas Pirro parece mesmo ter chegado a algum tipo de desconfianccedila acerca do modo como o mundo se apresenta para noacutes tanto na experiecircncia ordinaacuteria quanto na teoria filosoacutefica ou cientiacutefica e ele aparenta como resultado desta atitude ter alcanccedilado um niacutevel extraordinaacuterio de tranquilidade e indiferenccedila agraves circunstacircncias Estes pontos ndash bem como de maneira igualmente significativa a conexatildeo entre eles ndash podem ser justamente entendidos como antecipando a perspectiva do posterior movimento que toma dele seu nomerdquo 24 Ciacutecero menciona Pirro como um moralista famoso por sua indiferenccedila mas natildeo endossa sua aderecircncia agrave epokhe Ao contraacuterio do que escreveriam sobre ele mais tarde Sexto Empiacuterico e Dioacutegenes Laeacutercio

23

sextianos que os ceacuteticos tiveram de defender-se de acusaccedilotildees de dogmatismo em

pronunciamentos como o mencionado Em PH 1 198 Sexto descreve a indeterminaccedilatildeo como

um lsquoestado da mentersquo (pathos dianoias) que diz respeito a natildeo assentir ou rejeitar nada poreacutem

em PH 1 14-15 ele sustenta que as foacutermulas ceacuteticas (aiacute impliacutecitas agravequelas que envolvem a

indeterminaccedilatildeo) ldquocancelam-serdquo a si mesmas ldquoSe o dogmatismo estabelece como realmente

existente aquilo que dogmatiza enquanto o ceacutetico apresenta suas expressotildees de forma que

implicitamente se auto-cancelam (perigraphein) natildeo se pode entatildeo dizer que o ceacutetico

dogmatiza ao expocirc-lasrdquo25

A hipoacutetese de uma lsquoEscola Pirrocircnicarsquo que tenha se mantido ativa durante todo o

periacuteodo heleniacutestico desde Pirro ateacute Sexto parece estar sugerida no testemunho de Dioacutegenes

Laeacutercio (9 115) mas ele proacuteprio natildeo se mostra muito seguro da consistecircncia de sua lista dos

dirigentes ceacuteticos Estudiosos que tentaram conferir nexo temporal agrave esta lista encontraram

grande dificuldade Aleacutem disso podemos afirmar que o ceticismo natildeo se configurou como

uma instituiccedilatildeo como foram as outras escolas filosoacuteficas do periacuteodo nem mesmo como uma

tradiccedilatildeo contiacutenua e fechada O proacuteprio Sexto insiste no fato de que os ceacuteticos natildeo formaram

uma escola no sentido usual do termo (PH 1 16-17)

Durante os seacuteculos III e II aC momento de manifesta descontinuidade em uma

suposta linhagem pirrocircnica o lugar em que o lsquoantidogmatismorsquo floresceu foi a Academia e

seria a partir de Arcesilau entatildeo que teria tido iniacutecio uma tradiccedilatildeo contiacutenua e consistente de

ceticismo dentro das escolas filosoacuteficas

131 Ceticismo Acadecircmico

Entre o comeccedilo e o meio do seacuteculo III aC a Academia a escola fundada por Platatildeo

liderada agora por Arcesilau (c 316-240 aC)26 tomou uma direccedilatildeo ceacutetica tendo como

25 Sobre a auto-refutaccedilatildeo no ceticismo em geral no pirronismo anterior a Sexto e no proacuteprio Sexto ver Castagnoli 2010 p 249-352 26 Do pensamento de Arcesilau foi dito (Ariacuteston de Quios) que tinha Platatildeo agrave frente Pirro atraacutes e Diodoro no centro (PH 1234) ldquoPorque ele empregou a dialeacutetica de Diodoro sendo na verdade um platonistardquo ldquoSe Pirro estaacute por traacutes de sua filosofia eacute porque ele inspirou em Arcesilau a noccedilatildeo de que suspender o julgamento poderia realmente ser mais desejaacutevel que comprometer-se com uma posiccedilatildeo dogmaacutetica e natildeo somente um artifiacutecio pouco confiaacutevel para resguardar a integridade intelectual (a bleak expedient in the cause of intellectual honesty) como alguns antigos parecem ter suposto Se Diodoro estaacute no coraccedilatildeo de sua filosofia eacute porque Arcesilau adotou as melhores teacutecnicas dialeacuteticas disponiacuteveis na sua eacutepoca aquelas tornadas conhecidas por Diodoro e seus associados [] Se finalmente Platatildeo estava agrave frente da filosofia de Arcesilau eacute porque Arcesilau declarou-se natildeo estar

24

principal adversaacuterio a mais feacutertil e prestigiosa fonte de dogmas filosoacuteficos do periacuteodo a

epistemologia estoica de Zenatildeo de Ciacutetio (c 340-264 aC) Natildeo eacute implausiacutevel que Arcesilau

tenha recebido inspiraccedilatildeo do pensamento de Pirro Dioacutegenes afirma que eles teriam se

conhecido (DL 9 66) poreacutem natildeo haacute evidecircncia direta que o comprove

Fundamentada em elementos da descriccedilatildeo platocircnica de Soacutecrates e enfatizando as

tendecircncias aporeacuteticas dos diaacutelogos platocircnicos contra o dogmatismo dos sucessores de Platatildeo

a Academia Nova (ou Meacutedia como a chama Sexto) parece ter compreendido e defendido o

meacutetodo socraacutetico como um meacutetodo ceacutetico de inquiriccedilatildeo intelectual Os conhecimentos

deveriam a exemplo da posiccedilatildeo socraacutetica naqueles diaacutelogos ser investigados dialogicamente

a partir das proacuteprias premissas e descobertas alardeadas por seus defensores Seria pernicioso

para o processo do conhecimento comprometer-se antes ou durante a investigaccedilatildeo com

qualquer proposiccedilatildeo a defesa da consistecircncia de descobertas ficaria a cargo daqueles que as

sustentavam de forma que os proacuteprios defensores de uma tese ficassem expostos aos dilemas

e conflitos que suas afirmaccedilotildees pudessem gerar Tal procedimento conduziria agrave aporia como

nos diaacutelogos platocircnicos em que Soacutecrates leva seu interlocutor a questionar a natureza do

conhecimento que afirma possuir sobre algo

Esta orientaccedilatildeo ceacutetica conservou-se tambeacutem sob a direccedilatildeo dos sucessores de

Arcesilau dos quais o mais famoso eacute Carneacuteades (c 214-129 aC) Sexto contudo diferencia

o pensamento de Arcesilau e Carneacuteades chamando somente a Academia sob a direccedilatildeo deste

uacuteltimo Carneacuteades de Academia Nova e caracterizando o pensamento dele como mais afim

ao dogmatismo27

Determinadas afinidades intelectuais entre as duas correntes ceacuteticas eram

reconhecidas por pirrocircnicos e acadecircmicos ambas professavam o antidogmatismo no sentido

antigo de natildeo possuiacuterem dogmas ou doutrinas e se opunham aos estoicos28 Em comum

inovando mas revivendo a dialeacutetica sem dogmas que teria caracterizado a Academia sob Platatildeordquo Sedley 1980 p 11 27 Acerca da sucessatildeo na Academia e o abandono da posiccedilatildeo de Arcesilau ldquoCarneacuteades teve um pupilo famoso Clitocircmaco (1876 ndash 11009 aC) que foi o professor de Fiacutelon de Larissa (158-84 aC) Fiacutelon argumentou que a Antiga e a Nova Academias eram na verdade uma soacute baseando-se em parte na revisatildeo de Carneacuteades sobre o argumento de Arcesilau contra nada ser apreensiacutevel Seu disciacutepulo Antiacuteoco de Ascalon (c 130-68 aC) rejeitou a interpretaccedilatildeo ceacutetica de Platatildeo impliacutecita em Fiacutelon e apoiou um retorno agrave Academia Antiga Antiacuteoco entendeu a Academia Antiga em harmonia com a filosofia estoica e peripateacutetica Entre outras coisas isto significa uma reavaliaccedilatildeo positiva do criteacuterio de verdade estoico lsquoa representaccedilatildeo cataleacutepticarsquo Talvez tenha sido contra o alegado dogmatismo adulador de Fiacutelon que Enesidemo (I aC) reagiu abrindo caminho para a fundaccedilatildeo de um lsquonovorsquo ceticismo pirrocircnicordquo Gerson 2009 p 117 28 Para o lsquoestado da questatildeorsquo acerca das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as duas tradicionais correntes ceacuteticas ver Bolzani 2011

25

parecem ter defendido a suspensatildeo do julgamento (epokhe) como uma atitude intelectual

desejaacutevel e necessaacuteria de forma que evitassem o compromisso com uma proposiccedilatildeo jaacute que

natildeo haveria um criteacuterio imparcial para julgaacute-la

Os ceacuteticos pirrocircnicos consideravam que ldquosuspensatildeo do juiacutezo eacute esse equiliacutebrio da

mente (stasis dianoias) que nos leva a natildeo rejeitarmos (airomen) e nem propormos (tithemen)

nadardquo (PH 1 10) Tal suspensatildeo tinha um efeito praacutetico muito significativo ela levaria agrave

ataraxia ou ausecircncia de perturbaccedilatildeo livrando-os da agitaccedilatildeo intelectual e emocional que

estaria associada ao sustentar firmemente convicccedilotildees sobre como as coisas de fato satildeo Jaacute os

ceacuteticos acadecircmicos parecem natildeo ter dado ecircnfase especial aos benefiacutecios praacuteticos da suspensatildeo

do julgamento Arcesilau e Carneacuteades esforccedilaram-se em defender que escolhas e accedilotildees

adequadas satildeo possiacuteveis na ausecircncia de convicccedilotildees ou crenccedilas Mas parece natildeo haver

sugestatildeo expliacutecita de que se estaria melhor ao se desfazer destas crenccedilas natildeo mais que em

termos de lsquointegridade intelectualrsquo De qualquer forma considerando que a filosofia socraacutetica

fois essencialmente uma filosofia moral eacute de se esperar que houvesse alguma consequecircncia

nesta direccedilatildeo

Na disputa com os primeiros estoicos eacute dito que Arcesilau concentrou seus ataques agrave

ceacutelebre distinccedilatildeo que teria estreado com Parmecircnides entre dois tipos de conhecimento

opiniatildeo (doksa)29 e conhecimento verdadeiro (episteme) base de todos os sistemas

dogmaacuteticos Arcesilau visou o criteacuterio de verdade estoico e argumentou contra a existecircncia de

uma lsquorepresentaccedilatildeo apreensivarsquo (phantasia kataleptike) tal que fosse distintiva do

conhecimento verdadeiro proacuteprio do saacutebio como afirmavam os estoicos A contenda aparece

resumida por Sexto Empiacuterico no Contra os Loacutegicos (M 7 150-189) passagem que

retomamos abaixo

O criteacuterio estoico da representaccedilatildeo apreensiva natildeo eacute suficiente para a distinguir de

uma representaccedilatildeo lsquoinapreensiacutevelrsquo ou seja natildeo distingue lsquoconhecimento verdadeirorsquo

delsquoopiniotildeesrsquo teria criticado Arcesilau Nenhuma representaccedilatildeo verdadeira teria sido

encontrada afirma ele que natildeo pudesse tambeacutem ser dita falsa o que faz com que todas

devam ser consideradas inapreensiacuteveis Por isso se o saacutebio assentir a alguma representaccedilatildeo

sendo todas igualmente inapreensiacuteveis estaraacute necessariamente apenas dando sua opiniatildeo E os

29 O termo grego doksa pode ser traduzido tambeacutem por crenccedila ldquoA raiz de doksa eacute dokein lsquoparecerrsquo Em uma crenccedila algo parece ser de tal maneira para algueacutem Mas haacute tambeacutem um elemento de julgamento ou assentimento O verbo em questatildeo doksazein geralmente significa lsquojulgar que algo eacute de tal maneirarsquo As discussotildees heleniacutesticas prevecircm trecircs atitudes cognitivas agraves impressotildees [ou representaccedilotildees] (lsquocomo as coisas parecemrsquo) assentimento rejeiccedilatildeo ou suspensatildeo do julgamento (epokhe)rdquo Vogt 2014

26

proacuteprios estoicos recomendavam ao saacutebio a lsquosuspensatildeo do julgamentorsquo frente a tudo que fosse

opinaacutevel (mesmo que natildeo tenham usado especificamente o termo epokhe atribuiacutedo a eles pela

tradiccedilatildeo)30 Logo de acordo com os estoicos eles mesmos a atitude do saacutebio deveria ser a

suspensatildeo do julgamento31 se o assentimento segue o julgamento a impossibilidade de julgar

indicaria no miacutenimo que eacute apropriado natildeo assentir32 Com esta generalizaccedilatildeo de Arcesilau a

atitude estoica da epokhe parece ter se convertido em lsquoemblema da tradiccedilatildeo ceacuteticarsquo e o

ceticismo teria entatildeo entrado decididamente no problema da validade do conhecimento

Demonstrar que natildeo existe criteacuterio de verdade por outro lado natildeo impede que se

estabeleccedila um criteacuterio para a accedilatildeo defenderam os acadecircmicos Supunham que o criteacuterio de

lsquorazoabilidadersquo (to eulogon) (M 7 158) seria suficiente para guiar nossas accedilotildees sem requerer

obviamente conhecimento verdadeiro no sentido estoico sequer implicando a existecircncia de

crenccedilas Arcesilau teria dito que ldquoa felicidade se daacute atraveacutes do discernimento (phronesis) e o

discernimento se assenta em accedilotildees corretas (katorthoma) e a accedilatildeo correta eacute aquela que

realizada tem defesa (apologia) razoaacutevel (eulogon)rdquo (M 7 158)

Carneacuteades teria compartilhado as criacuteticas que Arcesilau dirigiu aos primeiros

estoicos Tambeacutem ele com efeito estava de acordo que a distinccedilatildeo entre impressotildees ou

representaccedilotildees verdadeiras e falsas seria gratuita reiterando que o criteacuterio estoico natildeo

permite distinguir umas das outras Mas uma vez rechaccedilada esta pretensatildeo dogmaacutetica

Carneacuteades teria considerado excessivo aderir ao princiacutepio pirrocircnico do lsquonada eacute maisrsquo Por

isso propocircs deixar de lado a distinccedilatildeo lsquoverdadeiro-falsorsquo e aceitar uma classificaccedilatildeo das

representaccedilotildees baseada em seu grau de fiabilidade Aparentemente tal posicionamento visava

dar conta da objeccedilatildeo de que o ceacutetico por natildeo possuir opiniotildees e crenccedilas porque suspende o

julgamento estaria fadado agrave inaccedilatildeo Carneacuteades distinguiu entatildeo ldquoconhecimentos persuasivos

(pithanas) e natildeo-persuasivosrdquo e dentre os persuasivos ldquoconhecimentos persuasivos e

30 Bolzani 2011 p 15 discorre sobre a possibilidade de se concluir a partir das Academica de Ciacutecero que Arcesilau foi historicamente (se lembramos as dificuldades presentes na tentativa de atribuiacute-la a Pirro) o primeiro a propor uma noccedilatildeo ceacutetica de suspensatildeo de juiacutezo Esta discussatildeo foi feita por Coussin 1929 31 ldquoEm contraposiccedilatildeo ao ideal estoacuteico de saacutebio - aquele que nunca emite opiniatildeo e daacute sempre assentimento ao verdadeiro - Arcesilau concluiraacute em face das dificuldades apresentadas ao otimismo cognitivo do estoacuteico que ao saacutebio soacute restaraacute recusar assentimento e suspender o juiacutezo (PH 2 67) O estatuto desta lsquosabedoriarsquo a que chega a argumentaccedilatildeo eacute controverso Pode-se de fato sustentar que tem funccedilatildeo meramente dialeacutetica numa espeacutecie de reductio ad absurdum partindo do conceito dogmaacutetico de saacutebio chegamos agrave sua inviabilizaccedilatildeo agrave sua impossibilidade Contudo por que natildeo dizer que doravante com a constataccedilatildeo daquelas dificuldades suspender o juiacutezo se faz sinal de lsquosabedoriarsquo (cf PH 277) Questatildeo polecircmica a ser examinada mais detidamenterdquo Bolzani 2011 p 16-17 32 Gerson 2009 p 118

27

comprovados (dieksodeumenas)rdquo e ldquoconhecimentos persuasivos plenamente comprovados e

natildeo controversos (periodeumenas kai aperispastous)rdquo (PH 1 227 ss) Assim algueacutem poderia

ter opiniotildees melhor ou pior formadas Elas ainda seriam opiniotildees e natildeo conhecimento

porque mesmo uma impressatildeo aparentemente verdadeira natildeo controversa e plenamente

testada poderia ainda ser falsa Ainda agravequilo que natildeo eacute aparente e portanto natildeo pode ser

uma impressatildeo aparentemente verdadeira natildeo conveacutem assentimento

Carneacuteades teria distinguido duas formas de assentir agraves impressotildees traccedilando uma

linha entre assentimento teoacuterico e praacutetico (Ciacutecero Acad 2 104)33 A impressatildeo

aparentemente verdadeira pode provocar o assentimento a determinadas proposiccedilotildees mas ela

seria com efeito somente guia para a accedilatildeo mesmo que pudesse parecer um criteacuterio de

verdade34 Sexto por sua vez diraacute que para Carneacuteades uma impressatildeo que eacute aparentemente

verdadeira (phainomene alethes) e adequadamente representativa (hikanos emphainomene) eacute

efetivamente um tal criteacuterio de verdade (M 7 173)

Sexto natildeo considera os acadecircmicos como ceacuteticos legiacutetimos nem admite sua posiccedilatildeo

como genuiacutena suspensatildeo do julgamento Para Pellegrin (2010 p 128) poderia ser dito que os

acadecircmicos os estoicos e ateacute mesmo Enesidemo praticaram uma suspensatildeo do julgamento

que eacute na verdade apenas uma recusa em assentir enquanto Sexto teria enfatizado a

impossibilidade radical da decisatildeo sobre ser ou natildeo adequado assentir a uma proposiccedilatildeo No

comeccedilo das PH Sexto assim diferencia ceacuteticos e acadecircmicos

O resultado natural de qualquer investigaccedilatildeo eacute quem investiga ou encontra aquilo que busca ou nega que possa ser encontrado e o declara inapreensiacutevel ou ainda persiste em sua busca O mesmo ocorre com as investigaccedilotildees filosoacuteficas e eacute provavelmente por isso que alguns afirmaram ter descoberto a verdade outros que a verdade natildeo pode ser apreendida enquanto outros continuam buscando Aqueles que afirmam ter descoberto a verdade satildeo os propriamente lsquodogmaacuteticosrsquo assim satildeo chamados especialmente Aristoacuteteles por exemplo Epicuro os estoicos e alguns outros Clitocircmaco Carneacuteades e outros acadecircmicos consideram a verdade inapreensiacutevel E os ceacuteticos continuam buscando (zetousi) Portanto parece razoaacutevel manter que haacute trecircs tipos de filosofia a dogmaacutetica a acadecircmica e a ceacutetica (PH 1 1-4) (Traduccedilatildeo nossa)

33 Seguimos preferencialmente o relato de Sexto mas as Academica de Ciacutecero satildeo em realidade obra fundamental para a compreensatildeo do ceticismo acadecircmico Nesta obra Ciacutecero expotildee contra as pretensotildees de Antiacuteoco escolarca da Academia simpatizande do estoicismo o posicionamento filosoacutefico de Carneacuteades Clitocircmaco e Fiacutelon que teriam cultivado o genuiacuteno espiacuterito da filosofia platocircnica e socraacutetica Ver traduccedilatildeo e introduccedilatildeo para o inglecircs de Brittain 2006 e para o portuguecircs Seabra 2013 34 Ciacutecero (Acad 2 105) para seu interlocutor ldquonoacutes dizemos aceitar as mesmas impressotildees que vocecircs dizem apreender contanto que sejam persuasivasrdquo

28

Parece-nos forccediloso supor entatildeo que para Sexto Empiacuterico os acadecircmicos eram o

que costumamos designar como lsquodogmaacuteticos negativosrsquo pois teriam se manifestado

dogmaticamente negando a possibilidade de conhecimento A suspensatildeo do julgamento seria

apenas expressatildeo de sua convicccedilatildeo de que natildeo se pode conhecer a verdade Se esta tendecircncia

dogmaacutetica percebida por Sexto era de fato caracteriacutestica dos acadecircmicos ceacuteticos ou um traccedilo

que Sexto teria enfatizado em razatildeo da posterior tradiccedilatildeo (estoica) na Academia eacute uma

questatildeo a ser verificada dentro da histoacuteria da filosofia acadecircmica Sexto confirma eacute verdade

que os acadecircmicos (especialmente Arcesilau) (PH 1 232) dizem muitas coisas semelhantes ao

que dizem os pirrocircnicos Mas do seu ponto de vista os Acadecircmicos dizem estas coisas como

se fossem definitivas o que os desqualificaria do tiacutetulo de ceacuteticos ldquoOs da Academia Nova ao

dizerem tambeacutem eles que tudo eacute inapreensiacutevel certamente diferem dos ceacuteticos justamente

nisso de dizer que tudo eacute inapreensiacutevel Pois eles fazem desta uma convicccedilatildeo enquanto o

ceacutetico supotildee que seja possiacutevel haver coisas que sejam apreensiacuteveisrdquo (PH 1 226) Se Sexto

estaacute mesmo correto em sua criacutetica do ceticismo na Academia Nova eacute uma questatildeo aberta a

debate35 como dissemos mas o que ele repetidamente expressa eacute que para ele o pirronismo eacute

algo distinto da Academia e natildeo apenas pelo papel conferido agrave ataraxia

Lembrando que a Academia Nova apesar do esforccedilo de Arcesilau em atualizar o

ceticismo do meacutetodo socraacutetico como distintivo da dialeacutetica platocircnica e definidor da

investigaccedilatildeo filosoacutefica natildeo abandona os princiacutepios essencialmente dogmaacuteticos da filosofia

platocircnica Como disse Sexto ldquose [Arcesilau] percebia que os havia predisposto [seus

disciacutepulos] agrave compreensatildeo dos dogmas platocircnicos passava-se ainda por aporeacutetico [ceacutetico]

mas aos assim predispostos transmitia a doutrina platocircnicardquo (PH 1 234)

O ceticismo na Academia persistiu ateacute o iniacutecio do seacuteculo I aC Nessa eacutepoca

provavelmente como reaccedilatildeo ao abandono do ceticismo pela Academia um novo movimento

ceacutetico aparece reivindicando inspiraccedilatildeo direta em Pirro e liderado por Enesidemo de Cnossos

(c 80 aC) Outro de quem possuiacutemos escassas informaccedilotildees ele proacuteprio provavelmente um

acadecircmico a princiacutepio e talvez por isso especialmente empenhado em distinguir seu

pensamento maduro do da Academia O impulso ceacutetico da Academia parece de qualquer

forma determinante para a formaccedilatildeo do pensamento de Enesidemo e essencial para sua

concepccedilatildeo do pirronismo e para a influecircncia intelectual que exerce

35 Cf Frede 1987 Bolzani 2011

29

Eacute interessante ressaltar que o renascimento do ceticismo de inspiraccedilatildeo pirrocircnica

parece ter acontecido como reaccedilatildeo agrave aproximaccedilatildeo do pensamento ceacutetico dentro da Academia

Nova com o estoicismo Costuma-se apontar no entanto uma possiacutevel versatildeo do Pirronismo

provavelmente anterior a Sexto (e impliacutecita em seus escritos) relacionada geralmente a

Enesidemo que encorajaria o dogmatismo negativo de modo similar talvez ao que faz a

Academia Segundo os padrotildees defendidos por Sexto esse meacutetodo seria autodestrutivo as

proposiccedilotildees apoacutes atingirem seu alvo se autocancelariam como citamos acima o processo

estaria sinalizado pela foacutermula da suspensatildeo do julgamento Poreacutem na praacutetica o ceticismo

sextiano poderia afigurar-se tatildeo antiteoacuterico quanto teriam sido supotildee-se alguns meacutedicos

empiacutericos isto eacute atacando posicionamentos dogmaacuteticos por meio da asserccedilatildeo (aparentemente

dogmaacutetica) de sua falsidade inutilidade e inexistecircncia Tal ataque parece algumas vezes supor

a inapreensibilidade do natildeo-manifesto premissa dogmaacutetica compartilhada por acadecircmicos e

meacutedicos empiacutericos segundo o proacuteprio Sexto Aleacutem disso e por outro lado tambeacutem haacute um

bom nuacutemero de passagens em que Sexto atribui posiccedilotildees filosoacuteficas positivas bastante

teoacutericas diriacuteamos a Enesidemo36

As ideias de Enesidemo satildeo reconstruiacutedas em linhas gerais considerando o

testemunho de Foacutecio patriarca em Constantinopla no seacuteculo IX que nos legou um resumo

dos seus Discursos Pirrocircnicos Enesidemo teria criticado a autocontradiccedilatildeo impliacutecita no

conceito acadecircmico de lsquoaparentemente verdadeirorsquo pois os acadecircmicos estariam ao mesmo

tempo sustentando que as coisas satildeo inapreensiacuteveis mas que eles natildeo obstante seriam

capazes de lsquoreconhecerrsquo (ginoskonta) algumas como verdadeiras e outras como falsas se satildeo

inapreensiacuteveis tal reconhecimento natildeo se susteacutem O acadecircmico compartilharia desta forma

as pressuposiccedilotildees dogmaacuteticas do estoicismo teria notado Enesidemo37 Ao movimento

fundado por Enesidemo iraacute filiar-se Sexto Empiacuterico Enesidemo eacute citado por Sexto como o

autor ou ao menos o compilador de oito modos de argumentar contra as explanaccedilotildees causais

dogmaacuteticas (aitialogian)

Outro nome que parece ter sido importante para a formaccedilatildeo do pensamento sextiano

eacute Agripa Ele proacuteprio natildeo eacute citado por Sexto ou por qualquer outro autor da antiguidade aleacutem

de Dioacutegenes Laeacutercio (9 88-89) que afirma que ele foi o autor dos cinco modos da suspensatildeo

do juiacutezo amplamente utilizados por Sexto na sua refutaccedilatildeo aos dogmaacuteticos Como satildeo

praticamente nulas as informaccedilotildees de outras fontes a suposiccedilatildeo de que as aparentes camadas

36 Sobre isso ver os comentaacuterios de Bett (1997 2005 2013) a suas traduccedilotildees de Sexto Empiacuterico 37 Gerson 2009 p 125

30

argumentativas da obra sextiana reflitam diferenccedilas existentes em versotildees diacutespares do

ceticismo natildeo pode a princiacutepio ser comprovada

Menccedilotildees esporaacutedicas datildeo a conhecer alguns outros ceacuteticos pirrocircnicos por nome

poreacutem nada mais sabemos sobre eles Deve-se admitir dessa forma a impossibilidade de

traccedilar com alguma clareza factual as diferentes posiccedilotildees ceacuteticas que possivelmente coexistiam

na antiguidade Fazendo nossas as palavras de Barnes (1988 p 53) quando diz acreditar

fortemente que ldquoo ceticismo antigo tenha se desenvolvido em muito mais formas e variedades

aleacutem das que estamos normalmente inclinados a imaginarrdquo resta-nos a conclusatildeo de que eacute

bastante plausiacutevel que o cenaacuterio real fosse muito menos homogecircneo do que possa aparentar

ser

132 Ceticismo em Sexto Empiacuterico

O ceticismo eacute apresentado por Sexto como um modo de conduzir-se (agoge)38

tanto nas investigaccedilotildees quanto na vida (ao menos onde a accedilatildeo toma como guia o pensamento)

e natildeo uma doutrina sistema de pensamento ou conjunto de convicccedilotildees Sua definiccedilatildeo eacute O ceticismo eacute uma habilidade [ou capacidade] (dunamis) que opotildee as coisas que aparecem (phainomena) e que satildeo pensadas (nooumenon) de todos os modos possiacuteveis com o resultado de que devido agrave equipolecircncia nesta oposiccedilatildeo tanto no que diz respeito aos objetos (pragmasi) quanto agraves explicaccedilotildees (logoi) somos levados inicialmente agrave suspensatildeo (epokhe) e depois agrave tranquumlilidade (ataraksia) Noacutes o denominamos lsquohabilidadersquo natildeo em um sentido especial mas simplesmente no sentido de lsquoser haacutebil ou capaz de algorsquo As coisas que aparecem (phainomena) satildeo entendidas neste contexto como objetos da percepccedilatildeo sensiacutevel (aistheta) os quais contrastamos com objetos do pensamento (noeta) A expressatildeo lsquode todos os modos possiacuteveisrsquo pode ser relacionada seja com a palavra lsquohabilidadersquo em seu sentido usual como dissemos ou pode ser relacionada com lsquoopotildee as coisas que aparecem e que satildeo pensadasrsquo na medida em que opomos coisas que aparecem a coisas que aparecem coisas pensadas a coisas pensadas coisas que aparecem a coisas pensadas e vice-versa a expressatildeo lsquode todos os modos possiacuteveisrsquo permitindo designar todas estas diferentes formas de oposiccedilatildeo Ou ainda podemos relacionar lsquode todos os modos possiacuteveisrsquo com lsquocoisas que aparecem

38 Agoge lsquoorientaccedilatildeorsquo lsquodireccedilatildeorsquo lsquopersuasatildeorsquo lsquomovimentorsquo lsquomeacutetodorsquo lsquoprocedimentorsquo lsquolinha de pensamentorsquo Sobre seu uso em Sexto ldquoeacute o termo padratildeo usado por Sexto nas seccedilotildees iniciais de PH (PH 1 4 6 7 11 12 21 22 etc) para referir-se ao ceticismo skeptike agoge O termo foi usado por historiadores da filosofia para escolas filosoacuteficas mas em Sexto eacute normalmente utilizado para o movimento ceacutetico e parece implicar apenas uma afinidade menos restrita e mais aberta e natildeo uma escola ou seita (hairesis) filosoacutefica que demandaria aderecircncia a certos dogmas (PH 1 16ss) Em PH 1 145 distingui-se agoge de ethe nomoi mithike pistis dogmatike hupolepsis e eacute definida como lsquouma escolha de modo de vida [hairesis biou] ou de accedilatildeo que diz respeito a uma ou mais pessoas a Dioacutegenes ou aos espartanos por exemplorsquo

31

e que satildeo pensadasrsquo indicando que natildeo temos que nos perguntar sobre como o que aparece aparece ou como o que eacute pensado eacute pensado mas tomamos estes termos no sentido habitual (aplos) A expressatildeo lsquoexplicaccedilotildees que se opotildeemrsquo eacute tomada natildeo na acepccedilatildeo de negaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo (apophasin kai kataphasin) mas na de explicaccedilotildees conflitantes (makhomenous) Equipolecircncia (isostheneian) noacutes usamos no sentido de equivalecircncia quanto a ser criacutevel (pistin) ou natildeo criacutevel (apistian) indicando que nenhuma das explicaccedilotildees em conflito eacute mais criacutevel do que a outra A suspensatildeo (epokhe) eacute um estado mental de repouso (stasis dianoias) no qual natildeo afirmamos nem negamos nada Ataraxia eacute a tranquumlilidade ou ausecircncia de perturbaccedilatildeo da alma (psukhes) (PH 1 8-10) (Traduccedilatildeo Marcondes 1997 p 116-117) (transliteraccedilatildeo dos termos gregos eacute nossa)

A atitude ceacutetica portanto guia a conduta do pensador atraveacutes dos estaacutegios de sua

inquiriccedilatildeo intelectual 1) zetesis ‒ investigaccedilatildeo o ceacutetico empenha-se em investigar e

observar39 (PH 1 7) 2) diaphonia ‒ desacordo disputa o ceacutetico se depara com inuacutemeras

convicccedilotildees conflitantes sobre o mesmo fenocircmeno e com as anomalias nas coisas 3)

isostheneia ‒ equipolecircncia percebe que as opiniotildees conflitantes satildeo equivalentes em sua forccedila

persuasiva40 4) epokhe ‒ suspensatildeo do juiacutezo sendo as opiniotildees conflitantes equipolentes em

sua forccedila persuasiva natildeo se pode dizer a qual teoria deve-se dar creacutedito ou natildeo (PH 1 196)

5) aphasia ‒ natildeo se pronunciar natildeo assentir a uma proposiccedilatildeo dogmaacutetica (afirmativa ou

negativa) (PH 1 193 e 197) 6) ataraksia ‒ imperturbabilidade

Dizemos que a finalidade do ceticismo eacute a tranquilidade de espiacuterito nas questotildees de opiniatildeo e moderaccedilatildeo de sentimentos naquilo que nos eacute imposto Pois o ceacutetico tendo comeccedilado a filosofar a fim de decidir quais dentre as aparecircncias satildeo verdadeiras e quais falsas de modo a alcanccedilar a

39 Cf Vogt 2010 ldquoo ceacutetico eacute um investigador genuiacuteno o objetivo da sua investigaccedilatildeo eacute a verdaderdquo A estudiosa manteacutem uma opiniatildeo algo polecircmica e afirma ainda que mesmo que Sexto aponte como objetivo da investigaccedilatildeo pirrocircnica nos primeiros ceacuteticos a suspensatildeo do julgamento (em paralelo agrave tranquilidade da alma) este natildeo eacute o objetivo que o proacuteprio Sexto atribui ao ceticismo cf PH 1 2 PH 2 11 A estudiosa afirma que para entender a investigaccedilatildeo pirrocircnica eacute preciso ter em mente as trecircs consideraccedilatildeo a seguir ldquoprimeiro que ela herda uma concepccedilatildeo muito mais complexa de investigaccedilatildeo moldada por Soacutecrates e Platatildeo cujo fazer filosoacutefico nem sempre visa imediatamente agrave descoberta de verdades Segundo possui uma origem motivacional ndash o desacordo insoluacutevel entre pensamentos conflitantes ndash distinta de qualquer objetivo particular que algueacutem possa ter Terceiro o valor de verdade tem um papel importante na investigaccedilatildeo pirrocircnica embora a investigaccedilatildeo pirrocircnica esteja mais prontamente preocupada em evitar o falso do que em descobrir a verdade Uma investigaccedilatildeo deve responder ao valor de verdade A Premissa da Verdade [uma investigaccedilatildeo deve guiar-se por normas epistecircmicas que respondem ao valor de verdade] eacute crucial para qualquer atividade que reivindique ser algum tipo de investigaccedilatildeordquo Vogt 2011 p 34 O posicionamento dela toma partido frente as polecircmicas atuais acerca da classificaccedilatildeo do pensamento ceacutetico sextiano como uma filosofia possiacutevel ou como uma demissatildeo filosoacutefica 40 O ceacutetico pirrocircnico eacute descrito como em um estado de aporia ele enfrenta a impossibilidade objetiva de classificar as opiniotildees como falsas verdadeiras ou nem uma coisa nem outra por isso a suspensatildeo do julgamento A duacutevida pode ser uma de suas atitudes mas natildeo eacute aquela que o define

32

tranquilidade encontrou-se diante da equipolecircncia nas controveacutersias e sem poder decidir sobre isto adotou a suspensatildeo do julgamento e em consequecircncia da suspensatildeo seguiu-se a tranquilidade em mateacuterias de opiniatildeo (PH 1 25-26) (Traduccedilatildeo nossa)

Um dos princiacutepios baacutesicos do ceticismo seria portanto o de contrapor

argumentos (PH 1 12) Este princiacutepio poderia sugerir que haveria ao menos uma crenccedila a

priori a do lsquoequiliacutebriorsquo entre proposiccedilotildees dogmaacuteticas mas Sexto explica

Quando eu digo que lsquoa cada argumento se opotildee outro argumento equivalentersquo digo implicitamente isto lsquoPara mim eacute manifesto que a cada argumento dos analisados por mim que estabelece algo dogmaticamente se opotildee outro argumento que estabelece algo dogmaticamente e que eacute equivalente agravequele quanto agrave forccedila de persuasatildeo ou falta delarsquo de forma que o que digo natildeo eacute dogmaacutetico mas relato de uma disposiccedilatildeo de espiacuterito que para quem a experiencia eacute sim algo manifesto (PH 1 203) (Traduccedilatildeo nossa)

A inclinaccedilatildeo a crenccedilas dogmaacuteticas eacute apresentada como um estado patoloacutegico que

deve ser enfrentado por meio da prescriccedilatildeo ceacutetica41 constatar que as posiccedilotildees conflitantes

(defendidas por diferentes sistemas filosoacuteficos ou pelo mesmo sistema por pessoas comuns

por pensadores ou eruditos) acerca do mesmo fenocircmeno ou essas posiccedilotildees possuem a mesma

forccedila persuasiva ou natildeo possuem forccedila persuasiva pois natildeo haacute ainda criteacuterio infaliacutevel ou

sequer imparcial que as verifique

Sexto parece qualificar como dogmaacuteticas todas as proposiccedilotildees assertivas pois

valem-se invariavelmente de premissas em que entidades natildeo-verificaacuteveis satildeo postuladas

como entidades reais cujo acesso dar-se-ia por meio de racionalizaccedilatildeo ou teorizaccedilatildeo

ldquodizemos que o ceacutetico natildeo dogmatiza usando lsquodogmarsquo no sentido mantido por alguns de

lsquoassentimento a objetos natildeo-evidentes da investigaccedilatildeo (ta kata tas epistemas dzetoumena)rsquo

pois os pirrocircnicos natildeo datildeo assentimento (sugkatatithetai) a nada que seja natildeo-evidente

(adela)rdquo (PH 1 13) Mais adiante ele afirma ldquoNingueacutem penso eu disputa se o objeto

externo tem esta ou aquela aparecircncia mas sim se ele eacute tal qual parece (eacutestin hopoion

phainetai)rdquo (PH 1 22 grifo nosso)42

41 PH 3 280 ldquocurar a presunccedilatildeo e a temeridade dos dogmaacuteticosrdquo Sobre a lsquoterapecircuticarsquo ceacutetica ver Voelke 1990 42 PH 3 65-81 como exemplo de uma abordagem ceacutetica a uma questatildeo que envolve uma afirmaccedilatildeo sobre a real natureza de um fenocircmeno ldquoDe modo geral trecircs foram ndash creio ndash as posiccedilotildees acerca do movimento As pessoas em geral de fato e alguns filoacutesofos supotildeem que o movimento existe Parmecircnides e Melisso e alguns outros que natildeo existe E os ceacuteticos disseram que o movimento existe e

33

Tambeacutem eacute dogmaacutetico para Sexto afirmar que eacute impossiacutevel descobrir a verdade que

eacute impossiacutevel conhecer o mundo para aleacutem das aparecircncias O ceacutetico pirrocircnico insiste ser uma

questatildeo em aberto saber se o natildeo observaacutevel pode ser conhecido pela lsquorazatildeorsquo (PH I 13-14)

Como colocou Frede (1987 p 255) Eles [os ceacuteticos pirrocircnicos] reconhecem a possibilidade de que num caso particular qualquer pode ser falsa a conclusatildeo a que nos conduz nossa praacutetica cognitiva ordinaacuteria Eles tambeacutem reconhecem a possibilidade de que o mundo possa ser muito diferente do que dada nossa accedilatildeo cognitiva ordinaacuteria parece ser Eles tambeacutem reconhecem a possibilidade de que pode haver um meacutetodo que nos permita determinar como as coisas realmente satildeo O que eles natildeo aceitam eacute a afirmaccedilatildeo de que tal meacutetodo foi descoberto (grifo nosso)

A suspensatildeo do julgamento acerca de proposiccedilotildees dogmaacuteticas em geral seria

induzida principalmente mas natildeo somente atraveacutes dos modos em grego tropoi43 Os modos

satildeo modelos de ou para argumentos Poderiam tambeacutem ser descritos como trajetoacuterias

investigativas retoacuterica e intelectualmente funcionais que nos auxiliam na percepccedilatildeo e contra-

argumentaccedilatildeo do posicionamento dogmaacutetico com forccedila tanto terapecircutica quanto

demonstrativa Descreverei os modos atraveacutes dos quais se induz a suspensatildeo do julgamento sem fazer uma firme asserccedilatildeo nem sobre seu nuacutemero nem sobre seu poder jaacute que eacute possiacutevel que alguns sejam menos importantes e que existam mais do que esses mencionados (PH 135) Entre os primeiros ceacuteticos [] satildeo dez modos Primeiro o da diversidade dos animais Segundo o da diferenccedila entre os homens Terceiro o das diferentes constituiccedilotildees dos sentidos Quarto o modo das circunstacircncias Quinto o das posiccedilotildees distacircncias e lugares Sexto o das interferecircncias Seacutetimo o das quantidades e composiccedilotildees dos objetos Oitavo o da relaccedilatildeo com algo Nono acerca das ocorrecircncias frequentes ou raras Deacutecimo o que contrasta as formas de pensar costumes leis crenccedilas miacuteticas e opiniotildees dogmaacuteticas (PH 1 36-37) Os ceacuteticos mais recentes informam esses cinco modos da suspensatildeo do juiacutezo Primeiro a partir do desacordo (diaphonia) Segundo o que leva ao regresso

natildeo existe pois quanto aos fenocircmenos parece que o movimento existe mas quanto ao raciociacutenio filosoacutefico que natildeo existe Assim pois se noacutes ao expormos a disputa entre os que supotildeem que o movimento existe e os que demonstram que o movimento natildeo eacute nada achamos a disputa equilibrada entatildeo em vista do que se diz sobre ela nos veremos forccedilados a dizer que o movimento tanto existe quanto natildeo existe [] Pois bem isso e muito mais dizem os que negam o movimento E noacutes natildeo podendo desqualificar nem estes argumentos nem o que eacute evidente em que se baseiam os que concluem a realidade do movimento em vista desta contradiccedilatildeo entre fenocircmenos e raciociacutenios suspendemos o julgamento acerca do movimento existir ou natildeo existirrdquo 43 A bibliografia sobre os modos eacute extensa ver por exemplo Annas e Barnes 1985 para uma discussatildeo dos dez modos Barnes 1990 trata dos cinco modos Hankinson 1995 e Woodruff 2010 para uma explicaccedilatildeo geral

34

ao infinito (eis apeiron ekballonta) Terceiro o da relaccedilatildeo com algo (pros ti) Quarto o das hipoacuteteses Quinto o do ciacuterculo vicioso (ton diallelon) (PH 1 164) Enesidemo acrescenta oito modos segundo os quais acredita que pode refutar toda explanaccedilatildeo causal dogmaacutetica e asseverar sua inconsistecircncia Primeiro explanaccedilotildees causais que residem todas no que eacute natildeo-evidente natildeo tecircm confirmaccedilatildeo unacircnime pelo que eacute aparente Segundo embora existam inuacutemeras possibilidades de se explicar o que se investiga de maneiras diferentes alguns datildeo apenas uma explicaccedilatildeo de um soacute jeito Terceiro eles atribuem causas desordenadas a coisas que se datildeo ordenadamente Quarto quando compreendem como se datildeo as coisas que satildeo aparentes acreditam que tambeacutem compreenderam como se daacute o que eacute natildeo-evidente Mas o natildeo-evidente talvez se decirc de forma parecida ao aparente ou talvez natildeo se decirc desta forma mas em outra particular Quinto todos datildeo explanaccedilotildees causais de acordo com suas hipoacuteteses pessoais sobre os elementos e natildeo segundo abordagens comuns e aceitas Sexto normalmente aceitam o que concorda com suas proacuteprias hipoacuteteses e rechaccedilam o que vai contra inclusive quando eacute igualmente plausiacutevel Seacutetimo muitas vezes propotildeem causas que contradizem natildeo soacute o que eacute aparente mas suas proacuteprias hipoacuteteses Oitavo muitas vezes quando o que eacute aparente eacute tatildeo absurdo quanto o que estaacute sendo investigado eles apoacuteiam sua exposiccedilatildeo do que eacute absurdo naquilo que eacute tatildeo absurdo quanto (PH 1 180-184)

Sexto faz pouco uso dos dez modos poreacutem uso mais extenso do poder retoacuterico dos

cinco modos chamados de cinco modos de Agripa (como nos transmitiu Dioacutegenes Laeacutercio)

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 9 90) afirma que os cinco modos negam toda ldquoprova criteacuterio signo

causa movimento ensino (mathesis) vir a ser e tambeacutem que haacute algo bom ou ruim por

naturezardquo

Assim mesmo vaacuterias estrateacutegias da refutaccedilatildeo sextiana tecircm sido apontadas como

fraacutegeis e comprometedoras ou por tentar imputar aos seus adversaacuterios conclusotildees externas ao

seu sistema ou por fazer uso de algum expediente dogmaacutetico e assim autorrefutar-se ou

pela proacutepria debilidade de seus expedientes retoacutericos No entanto o ceacutetico por natildeo sustentar

nenhuma convicccedilatildeo afirma natildeo estar sujeito agrave refutaccedilatildeo nos mesmos moldes que definem seu

ataque ao dogmatismo

Polecircmicas acerca da coerecircncia do ceticismo pirrocircnico desde a antiguidade

levantaram simplificando a pauta as seguintes questotildees se o pirrocircnico natildeo afirma nada

acerca de como as coisas satildeo o que ele fala sobre sua filosofia possui algum significado44 Se

o pirrocircnico suspende o juiacutezo acerca de qualquer proposiccedilatildeo natildeo estaria cometendo lsquosuiciacutedio

44 Ver Corti 2009 e Bett 2013 Esta polecircmica toma a forma da acusaccedilatildeo de que o ceacutetico abusa da linguagem comum

35

cognitivorsquo ou admitindo sua lsquodemissatildeo filosoacuteficarsquo45 Se o pirrocircnico natildeo possui nenhuma

crenccedila (ou opiniatildeo) mas age guiado pelos fenocircmenos ele natildeo estaria manifestando alguma

lsquo(des)crenccedilarsquo nos fenocircmenos46 Os desdobramentos das possiacuteveis respostas a estas questotildees

na interpretaccedilatildeo da obra sextiana satildeo inuacutemeros de forma que natildeo surpreende a complexidade

do debate que tecircm ocasionado

Sexto por sua vez descreve o seu ataque como um ataque efetivo contra as filosofias

dogmaacuteticas e ciecircncias teoacutericas (ainda que talvez tivesse em mente ao menos a princiacutepio

essencialmente a filosofia estoica) portanto no escopo deste trabalho nos interessamos natildeo

tanto por detectar as incongruecircncias do discurso sextiano mas por compreender aquilo que

de seu ponto de vista unificava seus adversaacuterios

O ceticismo sextiano esclarece tambeacutem de que forma o pirrocircnico age comumente na

vida frente agrave acusaccedilatildeo dogmaacutetica de inaccedilatildeo da qual tiveram de se defender tambeacutem os

acadecircmicos como mencionamos acima

Que nos atemos agraves aparecircncias eacute oacutebvio pelo que foi dito acerca do criteacuterio da orientaccedilatildeo ceacutetica A palavra lsquocriteacuteriorsquo (kriterion) eacute usada de dois modos primeiro para o criteacuterio que se assume em relaccedilatildeo agrave crenccedila na existecircncia e natildeo-existecircncia e que discutimos em nossas objeccedilotildees segundo para o criteacuterio de accedilatildeo pelo qual na conduccedilatildeo de nossa vida diaacuteria fazemos algumas coisas e natildeo outras eacute sobre este uacuteltimo que falamos agora Assim dizemos que o criteacuterio da orientaccedilatildeo ceacutetica eacute a aparecircncia ndash usando aqui este termo para a representaccedilatildeo ndash pois jaacute que a aparecircncia liga-se agrave sensaccedilatildeo e sentimento involuntaacuterio ela natildeo estaacute aberta a questionamento Assim ningueacutem penso eu disputa se o objeto externo tem esta ou aquela aparecircncia mas sim se ele eacute tal qual parece Atendo-nos agraves aparecircncias portanto vivemos sem crenccedilas em observaccedilatildeo agrave vida comum pois natildeo eacute possiacutevel que vivamos de todo inativos E a observaccedilatildeo da vida comum parece compor-se de quatro partes [] a orientaccedilatildeo da natureza ‒ aquela pela qual noacutes naturalmente somos capazes de sensaccedilatildeo e pensamento a impulsatildeo do que se sente ndash a fome nos leva a comer e a sede nos faz beber seguir costumes e leis ndash por meio do que aceitamos que ser piedoso na conduccedilatildeo da vida eacute bom e ser impiedoso eacute ruim e a instruccedilatildeo nas artes (tekhnai) ‒ natildeo somos inativos nas artes (tekhnai) em tivermos sido instruiacutedos (PH 1 21-24)

Em vista disso receber instruccedilatildeo conforme a passagem citada natildeo parece ser algo a

que o ceacutetico se opotildee Nem mesmo parece haver qualquer oposiccedilatildeo ao prover instruccedilatildeo que eacute

como o proacuteprio Sexto qualifica por vezes sua exposiccedilatildeo didaskalia Assim o ceacutetico poderia

45 Ver Annas e Barnes 1985 Burnyeat 1980 Nesta questatildeo estaacute envolvida a polecircmica acerca das interpretaccedilotildees ditas lsquoruacutesticarsquo e lsquourbanarsquo do ceticismo concernente ao escopo da suspensatildeo do juiacutezo Ver Brunschwig 1988 Barnes 1982 e 1990 e os outros textos reunidos em Burnyeat e Frede 1997 46 Ver Barney 1992 Vogt 2010 Esta criacutetica envolve a discussatildeo a respeito do que significa phainomenon (lsquofenocircmeno ndash o que aparecersquo) nos textos sextianos

36

receber uma formaccedilatildeo e dedicar-se a uma atividade Sexto mesmo como afirmamos dedicar-

se-ia agrave arte meacutedica Veremos adiante que esta atitude positiva em relaccedilatildeo agrave instruccedilatildeo e agraves

lsquoartesrsquo (tekhnai) parece mesmo integrar-se agrave demoliccedilatildeo das disciplinas do estudo ciacuteclico

(enkuklia mathemata) presente no Contra os Professores47

14 SEXTO MEacuteDICO EMPIacuteRICO

Se natildeo podemos afirmar onde e quando atuou Sexto ao menos uma informaccedilatildeo

biograacutefica muito importante depreende-se de sua obra Em M 1 260 Sexto refere-se a

Ascleacutepio (ou Esculaacutepio) como ldquoo fundador de nossa ciecircnciardquo em PH 2 238 ao argumentar

que apenas os entendidos em cada arte em particular e natildeo os dialeacuteticos satildeo capazes de

refutar sofismas cuja soluccedilatildeo seja uacutetil ele apresenta um exemplo da medicina e usa a primeira

pessoa do plural autointitulando-se meacutedico

Aleacutem destas evidecircncias Sexto faz uso constante de exemplos teacutecnicos da aacuterea

meacutedica para ilustrar seus argumentos embora nunca explicitamente mencione alguma

experiecircncia particular como meacutedico Em duas passagens Sexto faz menccedilatildeo ao que poderiam

ter sido seus escritos na aacuterea meacutedica em M 7 202 ele diz que natildeo haacute necessidade de tratar

novamente das opiniotildees de Ascleacutepio pois estas haviam sido consideradas nos Tratados

Meacutedicos em M 1 61 ele menciona Tratados Empiacutericos que poderiam ser a mesma obra

meacutedica ou natildeo Natildeo chegou ateacute noacutes qualquer obra sua com conteuacutedo especificamente meacutedico

ndash embora algumas das questotildees filosoacuteficas eacuteticas e teacutecnicas de que se ocupa fossem

geralmente de interesse comum entre meacutedicos e filoacutesofos desde no miacutenimo o seacuteculo III aC

Dioacutegenes Laeacutercio (9 116) e Ps-Galeno (Introductio 14 683) afirmam que Sexto

pertencia agrave Escola Empiacuterica de medicina Ps-Galeno (Introductio 14 6841) diz que

Menoacutedoto e Sexto ldquofortaleceram em muitordquo (akribos ekratunan)48 a Medicina Empiacuterica

Outros ceacuteticos foram tambeacutem mencionados como meacutedicos empiacutericos pelos antigos

47 Barnes (1988 p 61ss) propotildes uma distinccedilatildeo entre lsquoinstruccedilatildeo (didaskalia) formalrsquo x lsquoinstruccedilatildeo informalrsquo A primeira que envolve um professor um aprendiz e conhecimentos articulados em um sistema de proposiccedilotildees eacute rejeitada pelo pirrocircnico pois ela representa a posse e transmissatildeo de crenccedilas A segunda diria respeito agrave relaccedilatildeo entre mestre e aprendiz na qual se transmitem habilidades praacuteticas e se adquirem capacidades Embora afirme ele natildeo se faccedila explicitamente uma distinccedilatildeo como essa em M 1 1-6 48 Para uma interpretaccedilatildeo desta passagem ver Frede 1987 p 251ss

37

House (1980 p234 ss) examinou trecircs passagens nas quais Sexto comenta acerca das

escolas meacutedicas (PH 1 236-41 M 8 326-328 M 8 191) e para ele se Sexto foi um meacutedico

da Escola Empiacuterica ele o foi em conflito com sua posiccedilatildeo como pirrocircnico Na primeira

passagem em questatildeo Sexto discute a diferenccedila entre o ceticismo e outras posiccedilotildees ou escolas

filosoacuteficas agraves quais eacute comumente comparado e aborda a diferenccedila entre o ceticismo e a

Escola Empiacuterica Nesta passagem Sexto afirma que embora a corrente empiacuterica na medicina

afirme a inapreensibilidade (akatalepsia) das coisas natildeo-manifestas (adela) o ceacutetico natildeo

deveria aderir a este lsquogruporsquo (hairesis) Sexto conclui que ao ceacutetico conviria melhor a corrente

metoacutedica (o lsquoMeacutetodorsquo) pois esta natildeo se aventura a dizer se as coisas natildeo-manifestas satildeo ou

natildeo satildeo inapreensiacuteveis mas ateacutem-se agraves coisas manifestas tomando delas o que lhes parece

conveniente sendo portanto afim ao ceticismo ou ao menos natildeo divergente

Na segunda passagem mencionada (M 8 326-328) Sexto tambeacutem diferencia a

orientaccedilatildeo ceacutetica do pensamento dos meacutedicos empiacutericos Ao argumentar que a

lsquodemonstraccedilatildeorsquo ou lsquoprovarsquo (apodeiksis) eacute algo natildeo-evidente ele diz haver opiniotildees

conflitantes a esse respeito os filoacutesofos dogmaacuteticos e os meacutedicos racionais fazem uso de

provas os meacutedicos empiacutericos as destroacuteem e os ceacuteticos em uma terceira posiccedilatildeo suspendem

o julgamento Em M 8 191 no entanto ele aproxima empiacutericos de ceacuteticos ao afirmar que os

dois grupos dizem em comum que as coisas natildeo-manifestas satildeo inapreensiacuteveis Sexto refere-

se supomos ao fato de os dois grupos compartilharem uma mesma experiecircncia o que natildeo

implica dizer que tiram daiacute as mesmas consequecircncias enquanto o meacutedico empiacuterico parte

desta experiecircncia e chega a uma conclusatildeo decisiva ndash a inapreensibilidade do natildeo-manifesto

o ceacutetico estaria apenas reportando como lhe parecem ser as coisas sem comprometer-se com

julgamentos definitivos Tal como Sexto se posiciona nas Hipotiposes

Nossa atitude eacute semelhante quando dizemos que lsquotudo eacute inapreensiacutevelrsquo esse lsquotudorsquo noacutes o interpretamos de forma parecida e subentendemos o lsquopara mimrsquo de modo que o que se diz eacute algo como lsquoPara mim todas as coisas natildeo-manifestas investigadas de forma dogmaacutetica tal como examinei me parecem inapreensiacuteveisrsquo E isso natildeo eacute a afirmaccedilatildeo taacutecita de algueacutem que diria que as coisas que se estudam entre os dogmaacuteticos satildeo de natureza tal que resultam inapreensiacuteveis mas estamos expondo nossa maneira de sentir lsquosegundo a qual ‒ dizemos ‒ natildeo ter apreendido ateacute agora nenhuma dessas coisas devido agrave equipolecircncia das coisas contrapostasrsquo (PH 1 200)

Entre a corrente empiacuterica na medicina e o ceticismo pirrocircnico contudo parece ter

havido algum tipo de interinfluecircncia possivelmente determinante para a constituiccedilatildeo do

posicionamento epistemoloacutegico de ambas Nos escritos de Sexto em nenhum momento ele

38

declara sua filiaccedilatildeo meacutedica embora tenha mencionado como vimos e para surpresa dos

criacuteticos que a Escola Metoacutedica eacute que seria mais apropriada ao pirrocircnico (PH 1 236 ss) pois

tal como o ceacutetico o meacutedico metoacutedico guiar-se-ia apenas pelo fenocircmeno

As trecircs correntes principais da medicina na eacutepoca Racionalismo Empirismo e

Metodismo (esta uacuteltima a mais tardia tendo surgido aparentemente no comeccedilo da nossa era)

protagonizaram um debate cujo nuacutecleo pode ser definido em termos de posicionamentos

epistemoloacutegicos

Os Racionalistas natildeo formaram propriamente uma lsquoescolarsquo eles teriam sido

classificados baixo uma mesma denominaccedilatildeo pelos Empiacutericos representando aquilo a que

estes se opunham ou seja a primazia do conhecimento teoacuterico e do meacutetodo racional Os

meacutedicos Racionalistas teriam considerado fundamental fornecer explicaccedilotildees racionais de seus

procedimentos Com base em proposiccedilotildees que parecem ter tido como pretensatildeo definir a

natureza do corpo explicariam a relaccedilatildeo entre estados patoloacutegicos e suas respectivas terapias

Tal posicionamento a favor da produccedilatildeo do discurso que validasse a praacutetica teria levado a

uma proliferaccedilatildeo desenfreada de teorias especulativas acerca da composiccedilatildeo do corpo e do

desenvolvimento de doenccedilas e uma consequente hiper-racionalizaccedilatildeo do procedimento

meacutedico49

Os Empiacutericos por sua vez sustentariam contra este cenaacuterio que a praacutetica meacutedica eacute

apenas uma questatildeo de experiecircncia guiada por observaccedilatildeo teorias racionais sobre a natureza

do corpo seriam natildeo soacute inuacuteteis como prejudiciais Os Empiacutericos teriam no entanto

ultrapassado a simples criacutetica agrave natureza especulativa dos discursos racionalistas alegando

entatildeo que qualquer teoria deveria ser rejeitada ‒ pois toda teoria faria referecircncia a entidades

e estados que natildeo podem ser observados De acordo com os empiacutericos natildeo podemos ter

qualquer conhecimento de entidades e estados natildeo-observaacuteveis Conveacutem talvez lembrar que o

objeto dos meacutedicos eacute de saiacuteda o corpo humano e assim observaacutevel e natildeo-observaacutevel

49 ldquoA medicina racionalista tendeu a tornar-se acadecircmica e escolaacutestica um termo que realmente foi usado por Galeno para referir-se aos meacutedicos Alexandrinos que natildeo mais atendiam pacientes (In Hipp De nat horn CMG V 9 1 p 88 Iss) De outra passagem em Galeno (De dogm Hipp et Platan p 598 M) sabemos que Erasiacutestrato havia realmente parado de praticar a medicina Supostamente ele e Heroacutefilo dedicavam-se exclusivamente ao desenvolvimento de suas teorias fisioloacutegicas e anatocircmicas e assim teriam transformado a medicina em um assunto acadecircmico de grande sutileza e complexidade (cf Plin HN XI 219 XXVI 11) Pliacutenio (HN XXVI 11) definiu a situaccedilatildeo desta maneira Mesmo sendo a praacutetica real o mais eficiente dos professores acerca de qualquer coisa e especialmente da medicina tal celebrada disciplina racional pouco a pouco degenerou em meras palavras e verborragia Pois parece ser mais prazeroso sentar em uma escola e dedicar-se a leituras ao inveacutes de ir agrave natureza em busca de diferentes ervas nas diferentes estaccedilotildees do anordquo Frede 1987 p 236

39

possuiria neste contexto ao menos a princiacutepio um sentido proacuteprio aquilo que pode ou natildeo

ser observaacutevel apenas com os olhos e os instrumentos e teacutecnicas disponiacuteveis agrave eacutepoca

Os primeiros meacutedicos empiacutericos parecem ter negado que a razatildeo (logos) ou o

pensamento racional teriam qualquer papel na aquisiccedilatildeo de conhecimento Contudo eacute

bastante provaacutevel que esta posiccedilatildeo tenha se abrandado no decorrer da tradiccedilatildeo ou convivido

com posiccedilotildees mais moderadas Galeno atribui aos empiacutericos tardios o reconhecimento do uso

da razatildeo ainda que de forma distinta de seus adversaacuterios racionalistas na construccedilatildeo de

conhecimento meacutedico50

Diferentes teorias tentaram harmonizar a latente divergecircncia entre a pertenccedila de

Sexto aos empiacutericos um dado suposto mas consistente em sua biografia (inclusive sendo este

seu epiacuteteto) e seu ceticismo visto que o proacuteprio Sexto parece considerar esta uma posiccedilatildeo

incongruente ou ao menos indesejaacutevel Uma dessas teorias eacute a de que tendo-se

profissionalizado como meacutedico empiacuterico Sexto ao voltar-se para o ceticismo pirrocircnico teria

simplesmente desconsiderado as afirmaccedilotildees desta Escola como lsquoverdadesrsquo mas teria seguido

atuando como meacutedico de acordo com a maacutexima pirrocircnica da utilidade em se aprender uma

arte como vimos acima parte da lsquoobservaccedilatildeo da vidarsquo como ele explica em PH 1 2451

Frede (1987 p 252 ss) no entanto considera provaacutevel que Sexto estivesse empenhado em

uma lsquoreformarsquo no movimento empiacuterico criticando como dogmaacutetica a posiccedilatildeo negativa

tradicional da escola Allen (2001 p 90-91) considera que as observaccedilotildees de Sexto soam

como um aviso contundente contra a tendecircncia dogmaacutetica dentro da medicina empiacuterica mais

do que como uma suposta renuacutencia de fato do empirismo

Certa tensatildeo entre uma postura mais afim ao lsquoradicalismorsquo caracteriacutestico supotildee-se

da medicina empiacuterica e a postura ceacutetica que deveria conduzir agrave suspensatildeo do juiacutezo e agrave

moderaccedilatildeo eacute no entanto latente na obra sextiana Infelizmente nenhuma das obras que

provavelmente escreveu acerca do assunto sobreviveu para que pudecircssemos ter uma melhor

compreensatildeo sobre como vivenciou este conflito e se vivenciou Se a Escola Metoacutedica

surgiu no entanto como contrarreaccedilatildeo a duas facetas do empirismo quais sejam tendecircncias

dogmaacuteticas e tendecircncia teoacuterica (ao complicar posteriormente a explicaccedilatildeo dos meacutetodos de

conhecimento admitidos como tratamos na sequecircncia) eacute provaacutevel que a afirmaccedilatildeo de Sexto

sobre essa escola ser mais adequada ao ceacutetico expresse uma frustraccedilatildeo com certas

caracteriacutesticas da medicina empiacuterica

50 Frede 1987 p 247-249 51 Cf Blank p xvi o autor dessa hipoacutetese seria Hossenfelder

40

Numa tentativa de mapear o que chamaremos de lsquoheranccedila empiacutericarsquo natildeo soacute na

formaccedilatildeo do posicionamento filosoacutefico sextiano mas extensiva a outros debates

especialmente o gramatical na antiguidade retomamos abaixo a histoacuteria do confronto entre

estas escolas em paralelo a posturas filosoacuteficas acerca do lsquoconhecimentorsquo e das lsquoartesrsquo

(tekhnai) Apresentaremos elementos que buscam contribuir para o entendimento da relaccedilatildeo

entre medicina artes (tekhnai) e filosofia importante para a apreciaccedilatildeo da posiccedilatildeo sextiana

Como expressou Frede (1987 p 245)

Parece bastante justo afirmar que a medicina empiacuterica contribuiu para o reflorescimento do Pirronismo no seacuteculo I aC a forma do ceticismo Pirrocircnico em Sexto Empiacuterico eacute claramente influenciada pela corrente empiacuterica aleacutem disso suspeito que o modo como Acadecircmicos e Estoicos conceberam as artes e habilidades teacutecnicas foi amplamente influenciado pelo Empirismo A famosa definiccedilatildeo de gramaacutetica dada por Dioniacutesio Traacutecio no iniacutecio de seu tratado reflete um ponto de vista empiacuterico assim como a observaccedilatildeo introdutoacuteria de Varratildeo sobre o meacutetodo da agricultura (I 18 7) Encontramos na medicina grega desde o tempo do Corpus Hipocraacutetico ateacute Galeno e aleacutem uma rica tradiccedilatildeo de controveacutersias filosoacuteficas concernentes agrave natureza do conhecimento meacutedico que ndash ainda que fortemente influenciada pelas discussotildees das escolas filosoacuteficas ndash ainda assim manteve um alto niacutevel de independecircncia e originalidade e ateacute mesmo teve alguma influecircncia no pensamento dos filoacutesofos e dos representantes de outras artes e ciecircncias

15 ESCOLAS MEacuteDICAS POSICIONAMENTOS FILOSOacuteFICOS E O ATAQUE AgraveS

TEKHNAI

O ataque empreendido por Sexto nos seis livros do Contra os Professores insere-se

no contexto amplo de oposiccedilatildeo agraves filosofias dogmaacuteticas como temos visto atraveacutes da criacutetica

aos conhecimentos teoacutericos construiacutedos com base em raciociacutenios especulativos A criacutetica

sextiana envolve a identificaccedilatildeo das disciplinas do ensino ciacuteclico (enkuklia mathemata) com

artes (tekhnai) racionais ou teoacutericas O propoacutesito destas artes seria natildeo a transmissatildeo e

aquisiccedilatildeo de habilidades com fins praacuteticos mas a construccedilatildeo de teorias postulando a natureza

das coisas Com base no chamado meacutetodo racional o objetivo destas artes seria postular

propriedades definidoras da natureza de seus objetos elaborando explanaccedilotildees causais de por

que as coisas satildeo como satildeo Como parte desses estudos configuram-se entidades teoacutericas

relacionadas por meio de um sistema cuja apreensatildeo depende portanto da aceitaccedilatildeo tanto do

valor existencial de suas entidades componentes como e principalmente do assentimento agraves

41

inferecircncias (constataccedilotildees hipoteacuteticas tomadas como verdadeiras) que as relacionam A

edificaccedilatildeo desses estudos em sistemas envolve portanto um meacutetodo de descoberta e um

conjunto de teoremas que sustenta a conexatildeo de seus elementos Sexto ataca em vista disso o

estudo racional com pretensotildees teoacutericas a incoerecircncia interna e as consequecircncias do meacutetodo

racional

As artes (tekhnai) teriam tido por outro lado pelo menos historicamente um apelo

praacutetico a aplicabilidade praacutetica foi inclusive requisito para uma habilidade ser considerada

uma arte Eacute possiacutevel detectar no entanto uma tendecircncia desde no miacutenimo a geometria

pitagoacuterica de as artes buscarem por respaldo filosoacutefico e passarem a medir seu grau de

sofisticaccedilatildeo pelo seu grau de abstraccedilatildeo teoacuterica daiacute a aproximaccedilatildeo com o meacutetodo racional O

termo para arte tekhne soa polissecircmico durante a antiguidade havendo uma tensatildeo constante

entre um uso reivindicado pela filosofia e um uso corrente de tekhne referindo-se tambeacutem a

habilidades puramente lsquoempiacutericasrsquo como a carpintaria ou equitaccedilatildeo

A polarizaccedilatildeo entre empirismo e racionalidade relativa agraves artes (tekhnai) tem uma

longa tradiccedilatildeo de discussatildeo entre os gregos Essa discussatildeo nos interessa sobremaneira pois

relaciona-se diretamente agrave constituiccedilatildeo dos pressupostos epistemoloacutegicos das escolas meacutedicas

do periacuteodo heleniacutestico mencionadas brevemente anteriormente e eacute essencial para a

abordagem de questotildees relevantes na argumentaccedilatildeo de Sexto no Contra os Professores

151 Evoluccedilatildeo da Medicina e do conceito de tekhne

Por volta do seacuteculo V aC como parte de uma tendecircncia intelectualizante ampla de

rejeiccedilatildeo a explicaccedilotildees mitoloacutegicas ou religiosas reconheciacutevel desde ao menos o seacuteculo VI

aC e valorizaccedilatildeo de hipoacuteteses de cunho mecanicista e naturaliacutestico para a descriccedilatildeo dos

fenocircmenos a praacutetica meacutedica bem como outras praacuteticas procura afastar-se de concepccedilotildees

tradicionais entatildeo consideradas supersticiosas Uma fronteira hieraacuterquica se estabelece entre

um discurso etioloacutegico sobrenatural que doravante pode vir a caracterizar praacuteticas suspeitas e

charlatatildees e concepccedilotildees atentas aos processos transformativos da mateacuteria Estas uacuteltimas

influenciadas pela filosofia materialista do periacuteodo passam a compor o arsenal dos saberes

meacutedicos Do ofiacutecio do meacutedico faraacute parte doravante isolar e identificar elementos definir suas

propriedades e a natureza de seus processos por meio da observaccedilatildeo dos fenocircmenos naturais

que estejam envolvidos no curso das doenccedilas e das terapias

Por um lado o impulso intelectual do periacuteodo eacute empiacuterico e praacutetico por voltar-se aos

elementos e suas combinaccedilotildees e agrave observaccedilatildeo de transformaccedilotildees no curso do tempo Por

42

outro no intuito de interpretar controlar e prever fenocircmenos desenvolver-se-aacute

concomitantemente uma faceta declaradamente racionalista e uma tendecircncia metafiacutesica Pois

ao extrapolar deliberadamente o observaacutevel em busca de leis gerais pretende-se contribuir

para o entendimento do funcionamento profundo do mundo Poder-se-ia dizer nesse sentido

que cooperam neste momento disposiccedilotildees da filosofia da natureza jocircnica e da filosofia

idealista eleaacutetica

Some-se a isso a valorizaccedilatildeo do discurso puacuteblico lembremos da importacircncia de

discursos juriacutedicos de acusaccedilatildeo e defesa bem como do poder das declamaccedilotildees militares e

poliacuteticas de exortaccedilatildeo ou repuacutedio a determinadas linhas de accedilatildeo que parece fazer parte do

impulso intelectual ao qual a medicina se adapta e do qual se alimenta Legitimar

discursivamente um proceder praacutetico persuadindo o puacuteblico de sua confiabilidade e poder

qual se defende uma causa eacute ferramenta fundamental numa profissatildeo que depende da

conquista de lsquoclientesrsquo Meacutedicos precisam se provar confiaacuteveis dentro de uma nova

configuraccedilatildeo social que natildeo quer mais apenas confiar na tradiccedilatildeo e assim vincular seu saber

ao domiacutenio e compreensatildeo global de uma arte racional parece um modo efetivo de divulgar

sua profissatildeo O incentivo agrave racionalizaccedilatildeo de seu conhecimento tambeacutem se deve agrave

necessidade de garantir que seratildeo capazes de transmitir tal conhecimento aos possiacuteveis futuros

pupilos Tal discurso era seu epangelma ou lsquoprofissatildeorsquo aiacute declaravam as promessas de sua

arte

Os escritos hipocraacuteticos dos seacuteculos V e IV aC trazem (aleacutem de criacuteticas agravequeles que

conferem maacute fama agrave praacutetica por exercecirc-la de forma dolosa) indicaccedilotildees de como um meacutedico

deve proceder na defesa da medicina perante aqueles que alegam que ela natildeo eacute uma tekhne

Como resumiu Blank (p xix) O tratado hipocraacutetico do seacuteculo V aC Sobre as doenccedilas comeccedila sublinhando aquilo que todos devem ter em mente ao desejarem participar de um debate sendo a favor ou contra a medicina a etiologia da doenccedila o curso da enfermidade assim como a forma em que os males progridem uns nos outros quais tratamentos satildeo bem-sucedidos e quais seus resultados o que paciente e meacutedico dizem e fazem por acharem que estaacute correto ou por terem certeza de que estaacute correto junto com o que eacute correto e incorreto na ciecircncia meacutedica quais pontos de iniacutecio e fim da medicina foram demonstrados que coisas realmente existem na medicina o que pode ser conhecido dito visto ou feito de forma que um natildeo realize o que natildeo pode o que eacute competecircncia e o que eacute falta de habilidade oportuno ou inoportuno quais outras tekhnai satildeo semelhantes ou diferentes da medicina quais qualidades o corpo conteacutem e como estas modificam-se para melhor ou pior que males produzem bem ou mal quando adicionados aos males presentes E sempre deve-se atentar aos erros dos oponentes em relaccedilatildeo a estas mateacuterias e entatildeo atacar na contra-argumentaccedilatildeo

43

Este relato natildeo soacute comprova a exigecircncia do conhecimento empiacuterico como a centralidade da

racionalizaccedilatildeo da praacutetica com vistas a uma arguiccedilatildeo puacuteblica

A defesa da medicina como uma verdadeira tekhne floresce junto agrave discussatildeo sobre

o papel da experiecircncia versus os papeacuteis da inferecircncia e da justificativa racional na construccedilatildeo

do conhecimento O debate acerca do status da medicina como tekhne e conjuntamente a

discussatildeo mais geral sobre o que eacute uma tekhne parece ter sido tambeacutem influenciado pelo

contexto de atuaccedilatildeo do movimento sofista em Atenas nos seacuteculos V e IV aC Tal movimento

promoveu um novo modelo de educaccedilatildeo civil juvenil os jovens poderiam receber instruccedilatildeo

especializada frequentando seminaacuterios palestras ou cursos pagos Ateacute este momento a

educaccedilatildeo formal para os filhos de cidadatildeos significava aprender a ler e escrever praticar

ginaacutestica e tocar um instrumento musical normalmente a lira Alguns jovens de famiacutelias mais

influentes possuiam preceptores particulares que iam aleacutem desta formaccedilatildeo geral Mas

comumente a educaccedilatildeo juvenil especialmente aquela que visava agrave formaccedilatildeo de liacutederes

poliacuteticos possuia uma dinacircmica social distinta dependia da participaccedilatildeo ativa do jovem nos

eventos da comunidade e de seu conviacutevio com homens saacutebios eou influentes eles proacuteprios

lsquoinstruiacutedosrsquo dentro da mesma dinacircmica

A atuaccedilatildeo dos sofistas desestabiliza esse quadro porque eles natildeo se propuseram a

uma tutela individual e especiacutefica como a dos preceptores ou um serviccedilo de orientaccedilatildeo

juriacutedica como o dos logoacutegrafos (que escreviam discursos para serem usados nos tribunais)

eles reivindicam o papel de educadores dentro da sociedade ou seja um papel a ser disputado

ao poeta ao saacutebio e sublinhe-se ao filoacutesofo Os sofistas teriam se apropriado do conceito de

excelecircncia (arete) com profundas raiacutezes eacuteticas para os gregos e no contexto da atuaccedilatildeo

poliacutetica passam a oferecer uma instruccedilatildeo teacutecnica em taacuteticas para desenvolver habilidades

discursivas (entre outras) agraves quais vinculam a aquisiccedilatildeo de conhecimento

A pretensatildeo social destes estrangeiros em Atenas incitou uma ampla discussatildeo sobre

as consequecircncias da democratizaccedilatildeo do saber A atuaccedilatildeo dos sofistas estabelece o

questionamento acerca de quais habilidades deveriam fazer parte da formaccedilatildeo de um cidadatildeo

livre adulto e de um saacutebio fomentando discursos que valoravam ou depreciavam as

atividades conforme a natureza das competecircncias demandadas ou exercitadas por elas O

movimento sofista foi tambeacutem responsaacutevel em uacuteltimo caso por impulsionar a criaccedilatildeo de

escolas a produccedilatildeo de material lsquoteacutecnicorsquo a lsquoprofissionalizaccedilatildeorsquo do ensino em suma por

provocar a gradual criaccedilatildeo de um lsquosistemarsquo de ensino de jovens e adultos

Parece ter havido entre os proacuteprios sofistas que natildeo formaram uma escola mas

caracterizam-se melhor como um movimento geneacuterico ainda que bastante incisivo uma

44

disputa acerca do que deveria tipicamente compor sua instruccedilatildeo Vemos isso no discurso de

Protaacutegoras no diaacutelogo homocircnimo platocircnico em que Goacutergias eacute acusado de seguir exigindo de

seus pupilos o estudo das disciplinas do ensino baacutesico ao inveacutes de conduzi-los a assuntos

importantes como a poliacutetica

Alguns deles parecem ter apresentado a sofiacutestica como natildeo soacute necessaacuteria mas

superior agraves outras tekhnai e teriam angariado ainda mais inimigos por afirmar que qualquer

discurso seria tatildeo eficaz quanto eficazes fossem as teacutecnicas sofiacutesticas utilizadas para construi-

lo Essa teria sido a promessa feita por alguns a respeito de sua tekhne

A reaccedilatildeo de pensadores importantes contraacuterios ao movimento sofista como Platatildeo e

Aristoacuteteles valeu-se por sua vez da desqualificaccedilatildeo da sofiacutestica como tekhne enquadrando-a

como um mero lsquosaber fazerrsquo O termo tekhne representava algo que os gregos respeitavam e

valorizavam e negar a uma praacutetica a alcunha de tekhne era questionar seu prestiacutegio e sua

utilidade social52 o que acaba por pavimentar o caminho da tensatildeo entre por um lado (mero)

treino de habilidades e por outro (verdadeiro) conhecimento Este debate acaba por tomar

grandes proporccedilotildees ao implicar uma disputa acerca de quais artes seriam de fato artes ou

quais seriam superiores e a quais caracteriacutesticas estaria vinculado seu status Bem como

quais delas eram importantes para a sabedoria quais indiferentes quais despreziacuteveis Ou seja

entra em cena um criteacuterio filosoacutefico para a hierarquizaccedilatildeo das tekhnai

Dar o aval de tekhne a certa aacuterea do conhecimento envolve neste cenaacuterio

normalmente questotildees semelhantes agraves mencionadas no relato hipocraacutetico acima uma teckhne

deveria a) ter um objetivo determinado (distinto do objetivo de outras tekhnai) b) ser uacutetil53 c)

ter a capacidade de atingir seu objetivo d) ser transferiacutevel ou seja poder ser ensinada e

aprendida54 Desse uacuteltimo criteacuterio faz parte e) ter preceitos estabelecidos de forma clara

acerca do que eacute certo e do que eacute errado pois quem domina a arte deve ser capaz de explicar a

correccedilatildeo de seu procedimento ao contraacuterio de uma pessoa despreparada que age

52 Na poesia grega antiga e sua mitologia as tekhnai satildeo presentes divinos que conduziram a humanidade ao seu lugar especial no mundo tendo permitido que sobrevivecircssemos agraves incertezas da sorte (Iliacuteada XXIII 325-318 Odisseia XVII 383 Platatildeo Gorgias 448c) 53 O criteacuterio da utilidade foi particularmente enfatizado pelos epicuristas A utilidade tambeacutem faz parte da definiccedilatildeo estoica padratildeo atribuiacuteda a Zenatildeo de Ciacutetio lsquoarte eacute um sistema de apreensotildees (katalepseis) organizado para algum fim uacutetil na vidarsquo(SVF i 73) 54 Argumentos contra o ensino tais como os paradoxos que encontramos em Sexto foram levantados pelos sofistas por exemplo no Dissoi Logoi tratado sofiacutestico do seacuteculo IV aC Ver Prezotto 2009 Outros argumentos aparecem comumente em Platatildeo especialmente nas discussotildees com os sofistas Goacutergias e Protaacutegoras mas tambeacutem no Eutidemo e Menon

45

corretamente apenas por acaso55 Seppaumlnen (2013 p 19) acrescenta a esta lista

produtividade56 completude57 sistematicidade e meacutetodo58 Durante toda a antiguidade esses

elementos satildeo recorrentes na discussatildeo sobre as tekhnai e permanecem fundamentais para a

concepccedilatildeo sextiana

Os desdobramentos dessa questatildeo em Platatildeo conduzem a uma discussatildeo sobre a

natureza das tekhnai aquelas que satildeo proacuteprias da educaccedilatildeo baacutesica de todo cidadatildeo livre e que

devem ser aprendidas de maneira geral e ateacute certo ponto (a partir deste ponto quando algueacutem

se dedica a elas com rigor tende a se tornar um trabalhador vulgar)59 as tekhnai que natildeo

deveriam receber este nome mas sim o de empeiria (ou tribe praacutetica) pois satildeo irracionais

(alogoi)60 jaacute que natildeo fornecem explicaccedilotildees referentes agrave natureza (phusis) das coisas com que

lidam e natildeo se preocupam com o bem real e as tekhnai propriamente ditas que fornecem

uma explicaccedilatildeo (logos) concernente a razotildees causas e naturezas demandando definiccedilotildees e

criteacuterios para a explanaccedilatildeo causal61

Platatildeo promove assim uma relaccedilatildeo entre tekhnai e conhecimento verdadeiro por um

lado e empeiria e opiniatildeo por outro As uacuteltimas direcionadas ao mundo fenomecircnico e as

tekhnai (verdadeiras) preocupadas em explicar racionalmente o mundo real Esta distinccedilatildeo iraacute

dominar a terminologia dos debates sobre lsquotecnicidadersquo pelo resto da antiguidade62 Platatildeo

aplicou diretamente esta valoraccedilatildeo ao trabalho meacutedico Nas Leis (720 ac 857 cd) Platatildeo

55 Blank pxx 56 De acordo com Aristoacuteteles (Eacutet Nic 1140a10) lsquohabilidade produtiva que acompanha a verdade sob a direccedilatildeo da razatildeorsquo (heksis meta logou alethous poietike) 57 Se o conhecimento for realmente uma tekhne aquele que o possui natildeo domina apenas Homero por exemplo mas toda a arte da poesia Seppaumlnen 2005 p 19 58 Faz parte da interpretaccedilatildeo estoica por exemplo em Ciacutecero (SVF i 73) lsquoas artes compotildeem-se de conhecimentos e conteacutem em si o que eacute constituiacutedo por razatildeo e meacutetodorsquo 59 Cf Platatildeo Protaacutegoras 318e Leis 7 817e-819a Goacutergias 464e-465a Isoacutecrates 15 264 Aristoacuteteles Poliacutetica 8 2 1337b 4 ss Blank (p xxii) aponta para a similaridade entre esta distinccedilatildeo platocircnica e as posiccedilotildees de Epicuro e Sexto que satildeo contra formas teoacutericas mas aceitam os niacuteveis elementares de formaccedilatildeo praacutetica na gramaacutetica astronomia e muacutesica por exemplo disciplinas comuns no ensino baacutesico De forma que a insistecircncia em aprofundar estas habilidades levaria natildeo agrave pretendida lsquosofisticaccedilatildeorsquo de uma habilidade mas ao contraacuterio transformaria seus praticantes os gramaacuteticos digamos em lsquotrabalhadores vulgaresrsquo 60 ldquoOs praticantes empiacutericos de vaacuterias tekhnai muito provavelmente natildeo consideraram isto um insulto jaacute que era mesmo a proacutepria fundaccedilatildeo de sua epistemologia que logos natildeo tinha nada a ver com qualquer tekhnairdquo Seppaumlnen 2013 p 64 Por outro lado possivelmente foi uma afronta o querer privar-lhes o uso de tekhne 61 Goacutergias 462c 463a 464c 464e ndash 465a 62 Blank p xxiii

46

distingue entre meacutedicos escravos e meacutedicos livres os primeiros aprendem de uma maneira

lsquoempiacutericarsquo observando seus mestres no tratamento de pacientes e dispotildeem seus tratamentos

sem discussatildeo ou explanaccedilatildeo enquanto os uacuteltimos aprendem cientificamente dando

explicaccedilotildees para persuadir o paciente do tratamento proposto e discutindo teoria inclusive as

causas das doenccedilas e a natureza do corpo quase como um filoacutesofo A descriccedilatildeo do meacutedico

livre reapareceraacute (exceto por sua boa vontade em conversar com pacientes) como antiacutetese do

praticante empiacuterico tal como o encontramos descrito por Sexto

Outra operaccedilatildeo explicitada em Platatildeo eacute a subordinaccedilatildeo das lsquoartes reaisrsquo que visam

ao lsquobemrsquo agrave dialeacutetica (lsquoa ciecircncia do bemrsquo) capaz de discriminar a real natureza das coisas Na

Repuacuteblica (7 533a-534c) ele afirma que algumas tekhnai tal como a geometria e suas irmatildes

estatildeo relacionadas ao real por fazerem uso de hipoacuteteses e princiacutepios natildeo demonstraacuteveis Elas

satildeo tambeacutem chamadas epistemai mas afirma ele apenas a dialeacutetica merece ser chamada

episteme a geometria a aritmeacutetica etc satildeo apenas uma preparaccedilatildeo (propaideia 536d)

Aristoacuteteles tambeacutem argumentou que tekhne seria mais que simples experiecircncia

ldquotekhne eacute um haacutebito produtivo acompanhado de logos verdadeirordquo (Eacutetica a Nicocircmaco 64

1140a4) mas natildeo a subordinou a uma filosofia do bem ou denegriu o papel da experiecircncia

Para ele o conhecimento eacute produto da experiecircncia havendo contudo uma faculdade natildeo

relacionada agrave experiecircncia sensorial imediata chamada lsquomentersquo (nous) na qual nos apoiamos

para compreender a partir da experiecircncia acumulada os princiacutepios gerais ou universais e

articulaacute-los no entendimento das causas63 Dessa forma eacute que poderiacuteamos passar de saber que

lsquoalgo eacute o casorsquo para o lsquosaber por quecircrsquo (Analiacuteticos Posteriores 2 100a3-9) ldquoOutros animais

vivem por impressotildees e memoacuterias tendo pouca troca de experiecircncia mas os seres humanos

vivem tambeacutem pela arte e pelo raciociacuteniordquo (Metafiacutesica I 1 981a)

Aleacutem disso Aristoacuteteles tambeacutem considera que uma tekhne deve ser transmissiacutevel e

para isso ela precisa tomar corpo atraveacutes de algo como uma forma proposicional (Metafiacutesica I

1 981b7-10) por isso a proeminecircncia do logos Para Aristoacuteteles embora fruto de experiecircncia

acumulada a tekhne em oposiccedilatildeo aos casos particulares que compotildeem a experiecircncia lida

com universais ldquoa arte se daacute quando de muitas observaccedilotildees da experiecircncia nasce uma noccedilatildeo

universal uacutenica concernente aos casos semelhantesrdquo (Metafiacutesica I 1 981a5) Mesmo

considerando tekhne superior agrave experiecircncia ele adota uma posiccedilatildeo moderada ldquosempre que 63 Aristoacuteteles (Toacutep 124b17-20) chamou grammatike lsquoa arte das letras e sonsrsquo de episteme mas natildeo eacute claro se neste ponto quis usar este termo diferentemente de tekhne ldquoO importante eacute que a arte das letras e sons aparece como um campo exemplar do conhecimento pode ser claramente definido e jaacute que pode ser usado como um exemplo seu domiacutenio natildeo eacute ateacute certo ponto disputadordquo Seppaumlnen 2013 p 26

47

algueacutem compreende a teoria sem a experiecircncia e conhece o universal mas eacute ignorante do

particular que estaacute agrave sua frente iraacute com frequecircncia cometer erros no tratamento jaacute que eacute o

particular que requer tratamentordquo (Metafiacutesica I 1 980a12-24)

Assim na visatildeo aristoteacutelica teoria e experiecircncia satildeo ambas imprescindiacuteveis para o

domiacutenio da arte no entanto a experiecircncia embora seja o uacutenico material para a construccedilatildeo das

leis universais eacute apenas uma primeira etapa somente na articulaccedilatildeo destes universais atraveacutes

da lsquoteoriarsquo e na aplicaccedilatildeo da racionalidade para o entendimento das causas eacute que o praticante

se torna mestre na sua arte ldquoO homem de experiecircncia conhece o fato mas natildeo a razatildeo

enquanto o que possui a arte compreende tanto a razatildeo como a causardquo (Metafiacutesica I 1

981a30) Para Aristoacuteteles um meacutedico necessita articular conhecimentos causais para estar

apto a lidar com as novas situaccedilotildees que vier a enfrentar64

Agir de maneira consistente natildeo aleatoacuteria e efetiva eacute proacuteprio do que domina uma

arte em oposiccedilatildeo ao que acumula mero conhecimento empiacuterico Este uacuteltimo pode ainda

produzir bons resultados poreacutem de maneira acidental sem saber explicar como se

produziram os efeitos observados Portanto assim como em Platatildeo a verdadeira arte eacute aqui

definida como aquela que torna seus praticantes aptos a proverem uma explicaccedilatildeo das causas

de seu sucesso Portanto ldquose a medicina pode aspirar a ser mais que uma coleccedilatildeo de

experiecircncias como enfatiza Aristoacuteteles torna-se a questatildeo metodoloacutegica principal na

epistemologia meacutedica gregardquo (HANKINSON 2004 p 7)

Que a medicina seja a arte frequentemente citada na discussatildeo tanto aristoteacutelica

quanto platocircnica deve-se talvez ao fato de existir jaacute nesta eacutepoca uma longa tradiccedilatildeo de

debate nesta aacuterea ldquopor volta de 350 aC a medicina grega poderia lanccedilar olhos para mais de

um seacuteculo de discussotildees acerca natildeo apenas de assuntos da ordem da terapecircutica e prognose

mas tambeacutem sobre os fundamentos teoacutericos da ciecircnciardquo (HANKINSON 2004 p 8)

No tratado hipocraacutetico Sobre a medicina antiga supostamente do fim do seacuteculo V

aC65 eacute dito que a medicina desviou-se em esteacutereis disputas teoacutericas acerca dos elementos

bases da fisiologia humana (fogo aacutegua quente frio uacutemido seco) afastando-se da fonte de

sua efetividade qual seja a observaccedilatildeo empiacuterica detalhada da conexatildeo entre certos tipos de

regime sauacutede e doenccedila A tendecircncia a que se opotildee o tratado hipocraacutetico parece estar entatildeo

firmemente estabelecida Neste tratado tambeacutem se afirma que as disputas entre os teoacutericos

haviam se multiplicado de tal forma que natildeo se vislumbrava maneira oacutebvia de resolvecirc-las

64 Eacutetica a Nicocircmaco 109 Metafiacutesica I 1 981a2-12 65 Ver a traduccedilatildeo e estudo de Schiefsky 2005

48

Hankinson (ibidem) compara a situaccedilatildeo da medicina por volta de 400 aC agravequela que existiu

na filosofia preacute-socraacutetica e motivou a expressatildeo do pessimismo ceacutetico de Xenoacutefanes (Fr 21 B

34 DK) de que talvez a estrutura real das coisas haveria de permanecer para sempre oculta ao

entendimento humano

Durante os seacuteculos IV e comeccedilo do III aC delinea-se uma reaccedilatildeo agrave excessiva ou

irrelevante teorizaccedilatildeo na medicina responsaacutevel por transformar os meacutedicos em estudiosos de

teorias gerais de filosofia natural66 Poreacutem em geral embora se criticasse a inaplicabilidade

praacutetica de algumas generalizaccedilotildees teoacutericas parece ter sido mais ou menos consenso que um

meacutedico deveria ser capaz de lidar com argumentos e explanaccedilotildees causais Pois considerando

a influecircncia aristoteacutelica e platocircnica bem como a resposta agraves provocaccedilotildees no ambiente de

atuaccedilatildeo da sofiacutestica defender a medicina como uma tekhne envolvia defendecirc-la nos moldes

de uma arte explicativa e natildeo apenas conjectural Parece ter sido esse consenso portanto que

permitiu que a oposiccedilatildeo definisse seu adversaacuterio Como expressou Hankinson (2004 p 11)

Esta noccedilatildeo de que a praacutetica meacutedica verdadeira repousaria em um entendimento causal da natureza do corpo humano e sua suscetibilidade agrave doenccedila foi o traccedilo subjacente que possibilitou que todas as vaacuterias escolas posteriores de medicina conhecidas sob a alcunha sintetizante de lsquoDogmaacuteticasrsquo ou lsquoRacionalistasrsquo fossem postas baixo o mesmo guarda-chuva apesar de suas teorias radicalmente diferentes acerca da fisiologia e patologia

1511 Medicina Empiacuterica

Por volta da metade do seacuteculo III aC tomaraacute corpo o movimento de rejeiccedilatildeo em

bloco ao racionalismo na medicina o Empirismo67 As tendecircncias empiacutericas jaacute eram uma

contra-corrente forte no tempo de Aristoacuteteles ou mesmo anterior a ele como vimos na reaccedilatildeo

presente no Sobre a Medicina Antiga A medicina empiacuterica existia jaacute no seacuteculo V aC ela

66 cf Sobre a medicina antiga 20 67 ldquoNum primeiro momento a medicina heleniacutestica foi dogmaacutetica porque a filosofia da eacutepoca era dogmaacutetica A experiecircncia pessoal do meacutedico era incapaz de prevalecer sobre a convicccedilatildeo filosoacutefica e o ceticismo empiacuterico foi esquecido Somente quando o dogmatismo perdeu forccedila na filosofia com a reaccedilatildeo ceacutetica uma medicina ceacutetica natildeo dogmaacutetica pode reaparecerrdquo Edelstein 1967 p 201 Como vimos as opiniotildees divergem acerca de conferir agrave medicina ou agrave filosofia um papel precursor neste movimento De qualquer forma a reaccedilatildeo empiacuterica na medicina parece acompanhar o antidogmatismo ceacutetico da Academia sob o comando de Arcesilau

49

natildeo passou a ser ensinada somente quando a Escola Empiacuterica eacute fundada no periacuteodo

Heleniacutestico mas o Empirismo ganha nova interpretaccedilatildeo neste momento68

A atitude ponderada em relaccedilatildeo ao papel da experiecircncia faz parte como vimos da

proacutepria concepccedilatildeo aristoteacutelica e parece ter influenciado a posiccedilatildeo de Diocles (IV aC) (in

Galeno apud Hankinson 1995 p 200) de que natildeo eacute necessaacuterio prover explicaccedilotildees em todos

os casos mas de que eacute mais seguro confiar naquilo que eacute apreendido atraveacutes da experiecircncia

durante um longo tempo e que isso natildeo afeta o status de tekhne conferido agrave medicina

Tambeacutem Heroacutefilo teria escrito ldquodeixe os fenocircmenos apresentarem-se antes mesmo

se eles natildeo forem primaacuteriosrdquo (apud Hankinson 1995 p 203) Embora Heroacutefilo tenha dito

segundo Galeno que todas as explicaccedilotildees causais seriam hipoteacuteticas e provisoacuterias isso natildeo

seria para ele e seus seguidores motivo em si para que estas explicaccedilotildees fossem rejeitadas

Para Heroacutefilo tanto quanto para Diocles a medicina eacute mais que pura experiecircncia69 Contudo

teria sido um pupilo de Heroacutefilo Serapiatildeo o fundador do Empirismo radical na medicina

Essa escola a partir do seacuteculo III aC e nos proacuteximos quatro seacuteculos ou mais desenvolve-se

consideravelmente

Seguindo a apresentaccedilatildeo de Blank (1998 p xxvi) os empiacutericos natildeo admitiam que o

logos (lsquoteoriarsquo ou lsquorazatildeorsquo) tivesse qualquer papel na praacutetica meacutedica Experiecircncia provinda da

proacutepria observaccedilatildeo (teresis autopsia) e de registros das observaccedilotildees de outros meacutedicos

(historia) compunha a totalidade da arte meacutedica Novos fenocircmenos poderiam ser tratados com

base na extrapolaccedilatildeo a partir de casos similares um procedimento chamado lsquotransiccedilatildeo ao

similarrsquo Cada um desses trecircs pilares da medicina empiacuterica foi tomado pelos empiacutericos em

oposiccedilatildeo direta aos meacutetodos usados por seus oponentes Os racionalistas (logikoi) diziam

eles utilizavam raciociacutenios formais indutivos e dedutivos a fim de aprender acerca de

entidades teoacutericas que natildeo eram em princiacutepio passiacuteveis de ser percebidas Esse processo de

raciociacutenio os empiacutericos denominaram lsquoanalogismorsquo (analogismos) Os processos de

pensamento sancionados pelos empiacutericos eram aqueles que eles tomavam por ser como os da

vida ordinaacuteria ditos lsquoepilogismorsquo (epilogismos) O epilogismo sustecircm eles natildeo conduz a

entidades teoacutericas mas aplica-se apenas agravequelas coisas que satildeo evidentes na sua natureza

mas temporariamente natildeo-evidentes devido a circunstacircncias Um pensamento deste tipo

68 Ver Edelstein 1967 p 195-6 69 Hankinson 2004 p 14

50

levaria a outro e se o poder sugestivo deles fosse forte o bastante o meacutedico por

consequecircncia agiria70

Embora o papel exato da lsquotransiccedilatildeo ao similarrsquo dentro de sua praacutetica fosse questatildeo de

debate entre os empiacutericos o princiacutepio natildeo-negociaacutevel do Empirismo teria sido a oposiccedilatildeo

implacaacutevel agrave medicina etioloacutegica e teoacuterica71

Dizemos que a arte da medicina originou-se da experiecircncia e natildeo da indicaccedilatildeo (endeixis) Por lsquoexperiecircnciarsquo queremos dizer conhecimento de algo baseado em observaccedilatildeo pessoal (autopsia) por lsquoindicaccedilatildeorsquo conhecimento baseado em consequecircncia racional pois a percepccedilatildeo nos conduz agrave experiecircncia enquanto a razatildeo conduz os Dogmaacuteticos agrave indicaccedilatildeo (Galeno Subf Emp 2 44) O Empiacuterico [] natildeo daacute ocasiatildeo a algo como indicaccedilatildeo nem a algo que possa ser conhecido com base em outra coisa pois tudo precisa ser conhecido por si proacuteprio natildeo haacute signo de nada que seja oculto por natureza (Galeno de Sect 1 77)

O empirismo que encontramos nos escritos hipocraacuteticos por outro lado admitia que

aquilo que natildeo pode ser experienciado poderia a princiacutepio ser explicado atraveacutes de

hipoacuteteses72

Aleacutem da elaboraccedilatildeo de uma explicaccedilatildeo de seus procedimentos em oposiccedilatildeo aos

meacutetodos racionalistas salvaguardando a possibilidade do conhecimento meacutedico se

desenvolver sem a necessidade de lsquoteoriarsquo ou lsquorazatildeorsquo fundamentado somente na experiecircncia

(caracterizada de forma muito parecida ao que vimos em Aristoacuteteles) os empiacutericos tambeacutem

tomaram a via negativa atacando as teorias construtos teoacutericos inferecircncias e definiccedilotildees

usadas pelos racionalistas Tambeacutem argumentaram que se a Medicina Racional fosse uma

tekhne tal como os racionalistas a definiam ela deveria ser capaz de resolver seus conflitos

internos o que natildeo aconteceria jamais73

Para os Empiacutericos radicais aqueles que rejeitaram totalmente a transiccedilatildeo ao similar

a memoacuteria eacute tudo que eacute necessaacuterio para organizar a experiecircncia74 De qualquer forma a

memoacuteria eacute um elemento importante anterior agrave experiecircncia atual e construiacutedo a partir de

evidecircncias compartilhadas

70 Cf Frede 1985 p xxii ss 71 Hankinson 2004 p 14 72 Edelstein 1967 p 197 Comparar com Schiefsky 2005 Introduction 73 Ver Blank p xxvii 74 Acerca do papel desempenhado pela lsquomemoacuteriarsquo na epistemologia antiga Frede (1990) aponta a existecircncia de uma lsquocompeticcedilatildeorsquo protagonizada pelos empiricistas entre memoacuteria e razatildeo

51

O Empiacuterico natildeo somente emprega definiccedilotildees e determinaccedilotildees (que repousam somente no que eacute evidente) mas tambeacutem faz uso de exposiccedilotildees causais e provas baseadas no que tem sido anteriormente atestado atraveacutes da percepccedilatildeo de uma maneira evidente [] Devemos manter em mente nunca fazer qualquer asserccedilatildeo baseada em consequecircncia loacutegica mas somente aquelas baseadas na observaccedilatildeo evidente e na memoacuteria Eacute de acordo com isso entatildeo que os Empiacutericos constroem sua arte e ensinam outros (Galeno Subf Emp 8 67-68)

Portanto o tipo de explicaccedilatildeo causal que o empiacuterico rejeita eacute a endeixis do

dogmaacutetico ou seja a indicaccedilatildeo ldquoa inferecircncia a condiccedilotildees internas natildeo-evidentes alegadas

como responsaacuteveis pelos fenocircmenos visiacuteveis ou de forma equivalente estruturas internas

teoricamente postuladas para as coisasrdquo (HANKINSON 2004 p 17) Assim um empiacuterico

utilizar-se-ia da noccedilatildeo de causa quando ela estivesse correlacionada a eventos antecedentes

poreacutem nunca produziria uma etiologia no sentido de uma explicaccedilatildeo teoacuterica sobre como tais

influecircncias causais seriam transmitidas75

O empiacuterico portanto natildeo praticaria a arte de forma lsquoinsensatarsquo pois ele tem como

base a experiecircncia pessoal ou compartilhada Com isso o meacutedico empiacuterico poderia

considerar sua arte uma tekhne ainda que a chame de empeiria pois possui um meacutetodo natildeo o

meacutetodo racional obviamente Entre os adeptos do Empirismo poreacutem parece ter havido muita

disputa acerca de quatildeo longe ou mesmo se era permitido usar este tipo de raciociacutenio causal

expresso na lsquotransiccedilatildeo ao similarrsquo Pois ainda que impeccedila totalmente a inferecircncia a condiccedilotildees

internas ocultas e atenha-se ao conhecimento empiacuterico haacute empiacutericos radicais que se

recusaram a dar creacutedito a qualquer tipo de inferecircncia combinatoacuteria na construccedilatildeo de teoremas

e na concepccedilatildeo dos tratamentos pois tal meacutetodo pode aproximar-se do procedimento

lsquoanaloacutegicorsquo O chamado meacutetodo epilogiacutestico de descoberta portanto foi negado por alguns

empiacutericos que parecem ter se esforccedilado em defender que muitas de suas praacuteticas haviam sido

descobertas ao acaso e natildeo atraveacutes de qualquer raciociacutenio76

Criacuteticas agrave corrente empiacuterica na medicina envolveram questotildees como as que

Asclepiacuteades de Bitiacutenia traz agrave tona em seu ataque agrave escola escrito por volta de 125 aC O cerne

da discussatildeo envolve a acusaccedilatildeo de que os empiacutericos utilizam-se da razatildeo na construccedilatildeo de

seus teoremas de que haacute algum criteacuterio na passagem de casos especiacuteficos para um teorema da

75 Hankinson 2004 p 18 76 Ver Galeno De Exp Med 7 9 16 17 22

52

similaridade e que haacute inferecircncia para aleacutem da experiecircncia jaacute que natildeo eacute possiacutevel determinar

quantos casos seriam suficientes para se chegar a uma descoberta77

A defesa dos empiacutericos considerando Galeno parece ter provido resposta a todas

essas criacuteticas eles diratildeo que a experiecircncia em um sentido natildeo-teacutecnico eacute suficiente para as

demandas da arte que os proacuteprios dogmaacuteticos utilizam-se de fatos evidentes da experiecircncia

como premissas na construccedilatildeo de suas inferecircncias que as descobertas dos dogmaacuteticos para

aleacutem dessas premissas evidentes satildeo confusas entre si que os dogmaacuteticos discordam sobre as

causas ocultas ou seja seus raciociacutenios natildeo levariam a nada uacutetil para a praacutetica Assim visto

que os dogmaacuteticos tambeacutem necessitam da experiecircncia e de fatos evidentes para a construccedilatildeo

de suas teorias tambeacutem eles estatildeo fadados a lidar com o paradoxo de sorites78 e admitir que

todos os conceitos tecircm fronteiras vagas satildeo suspeitos e que mesmo assim satildeo utilizados a

todo momento Ao empiacuterico natildeo interessa encontrar ou demonstrar uma ou a razatildeo pela qual o

paradoxo de sorites seria falacioso bastaria apontar a partir dos resultados que ele o eacute

A configuraccedilatildeo do posicionamento empiricista contribui para a compreensatildeo tanto

do ataque de Sexto agraves tekhnai quanto para a proacutepria concepccedilatildeo e estruturaccedilatildeo de seu

empreendimento filosoacutefico A argumentaccedilatildeo sextiana aproxima-se muito das estrateacutegias e

concepccedilotildees empiacutericas Para os empiacutericos

a argumentaccedilatildeo racionalista e seus construtos teoacutericos satildeo incoerentes e os racionalistas sequer satildeo capazes de fornecer razotildees adequadas para que se acredite em qualquer deles mesmo que algueacutem possa compreender as teorias racionalistas isso natildeo seria de qualquer benefiacutecio praacutetico jaacute que a experiecircncia eacute tudo que eacute necessaacuterio para a arte meacutedica (BLANK p xxvii)

Talvez o empirismo tenha se aproximado do ceticismo em busca de respaldo

filosoacutefico ou ao contraacuterio o ceticismo tenha se reafirmado atraveacutes do empirismo de

qualquer forma parece razoaacutevel afirmar que as duas posiccedilotildees compartem natildeo apenas teacutecnicas

argumentativas mas tambeacutem posicionamentos filosoacuteficos e propostas Como vimos acima

caracteriacutesticas do empirismo tais como definiccedilatildeo clara do adversaacuterio a partir de um

posicionamento epistemoloacutegico ecircnfase na exposiccedilatildeo de contradiccedilotildees e inconsistecircncias do

77 Ver Galeno De Exp Med 7 Esta uacuteltima criacutetica envolveu o paradoxo de sorites quantos gratildeos satildeo necessaacuterios para formar um monte atribuiacutedo ao megaacuterico Eubulides de Mileto e semelhante ao paradoxo do gratildeo de milho atribuiacutedo a Zenatildeo de Eleia por Aristoacuteteles (Ph 250a 20) Ver o verbete Sorites Paradox na Stanford Encyclopedia of Philosophy (online) 78 Ver nota anterior

53

meacutetodo racional criacutetica ao lsquosigno indicativorsquo79 uso do modo do desacordo (diaphonia) e do

regresso ao infinito acusaccedilatildeo de inutilidade contra teorias racionalistas defesa da observaccedilatildeo

e do conhecimento voltados para a praacutetica ndash satildeo todas caracteriacutesticas que podem ser postas em

paralelo com a obra sextiana Eacute interessante tambeacutem aproximar a indiferenccedila com que os

meacutedicos empiacutericos dizem adotar praacuteticas dos seus adversaacuterios caso se mostrem promissoras

e o desdeacutem de Sexto ao apropriar de argumentos dogmaacuteticos utlizando-os e descartando-os

conforme lhe convecircm Aleacutem disso compotildee este cenaacuterio a proacutepria concepccedilatildeo terapecircutica da

argumentaccedilatildeo ceacutetica os diversos momentos em que metaacuteforas meacutedicas satildeo utilizadas para

descrever o processo ceacutetico de cura da precipitaccedilatildeo e orgulho dogmaacuteticos

A discussatildeo empiacuterica contra os meacutetodos racionais na medicina alimenta a discussatildeo

empirismo x racionalismo em outras aacutereas Como seria de se esperar a partir do julgamento

platocircnico e aristoteacutelico acerca das tekhnai que na verdade eacute herdeiro de uma tradiccedilatildeo

filosoacutefica e intelectual anterior onde o conhecimento empiacuterico eacute admitido como uma lsquomerarsquo

etapa primaacuteria em direccedilatildeo agrave racionalizaccedilatildeo mais complexa diversas aacutereas passam a

incorporar um discurso racionalista em busca de legitimaccedilatildeo filosoacutefica Como consequecircncia a

pretensatildeo de lsquoracionalismorsquo se alastra a diversas aacutereas Ateacute mesmo a parte lsquohistoacutericarsquo da

gramaacutetica cuja funccedilatildeo eacute basicamente semelhante a de prover lsquoglossaacuteriosrsquo para obras

literaacuterias iraacute reivindicar um viacutenculo com o meacutetodo racional e com o conhecimento

lsquoverdadeirorsquo como veremos

152 Enkuklia mathemata e Tekhnai

O tratamento que Platatildeo dispensa agraves tekhnai como mencionamos acima parece ter

tido mais propriamente o intuito de assegurar a superioridade dos estudos matemaacuteticos e sua

ligaccedilatildeo com a filosofia e natildeo o de estabelecer uma enkuklios paideia (lsquoformaccedilatildeo ciacuteclicarsquo)

anterior aos estudos filosoacuteficos80 No entanto seu posicionamento parece ter servido para

impulsionar a discussatildeo acerca da constituiccedilatildeo de ciclos de estudos (enkuklia mathemata)

como formaccedilatildeo (paideia) propedecircutica ao estudo filosoacutefico Os termos logikai tekhnai (lsquoartes

racionaisrsquo) enkuklioi tekhnai (lsquoartes ciacuteclicasrsquo) enkuklia paideia (lsquoformaccedilatildeo ciacuteclicarsquo) aparecem

79 Para um estudo aprofundado acerca das relaccedilotildees entre racionalismo empirismo e ceticismo com foco no tratamento da inferecircncia e das noccedilotildees de lsquosigno indicativorsquo e lsquosigno comemorativorsquo cuja origem eacute definida a partir dos debates das escolas meacutedicas ver Allen 2001 p 87ss (Conveacutem ter em mente no entanto as ressalvas expressadas por Barnes 2002) Ver tambeacutem Glidden 1983 80 Clarke 2012 p 3

54

durante a antiguidade em argumentaccedilotildees que asseveram o caraacuteter teoacuterico destes estudos e a

muacutetua similaridade e complementaridade metodoloacutegica e conceitual entre eles e sua utilidade

para a filosofia81 Portanto os estudos ciacuteclicos natildeo foram a princiacutepio nesse ambiente

considerados estudos comuns de cultura geral ou enciclopeacutedica

Tambeacutem em Sexto os estudos ciacuteclicos dificilmente podem ser vistos como estudos de

cultura geral pelo contraacuterio satildeo abordados como estudos especializados cujo status busca

respaldo na filosofia ainda que com um desenvolvimento em grande parte independente

dela82 Em Galeno encontramos um suposto desdobramento da divisatildeo platocircnica ‒ logikai

tekhnai (lsquoartes racionaisrsquo ou lsquofundadas sobre o raciociacuteniorsquo) medicina retoacuterica muacutesica

geometria aritmeacutetica caacutelculo astronomia gramaacutetica direito e kheironaktikai ou banausoi

tekhnai (lsquoartes manuaisrsquo) das quais menciona apenas a escultura e o desenho provavelmente

porque as considera as principais deste grupo

A tensatildeo originada pela lsquoprofissionalizaccedilatildeorsquo dos saberes com os sofistas teria

motivado a discussatildeo filosoacutefica acerca de conhecimentos especializados estudos teoacutericos e

conhecimento verdadeiro Tendo em vista as divergecircncias entre as escolas filosoacuteficas (entre

outros aspectos do cenaacuterio educacional heleniacutestico) natildeo surpreende que houvesse diferentes

propostas Algumas tratavam da necessidade de outros conhecimentos para a boa praacutetica em

uma aacuterea para ser um bom meacutedico ou arquiteto por exemplo Outras voltaram-se

especificamente para a discussatildeo do ciclo de estudos propedecircuticos agrave filosofia Isoacutecrates

Varratildeo Ciacutecero Fiacutelon de Alexandria83 Plutarco Secircneca Ciacutecero todos opinaram neste debate

Na verdade manifestar-se sobre esse tema passa a ser obrigatoacuterio entre os eruditos bem como

passa a ser lugar-comum argumentos que implicam uma fronteira entre sabedoria praacutetica

pretensa sabedoria e sabedoria verdadeira

81 ldquoOs termos enkuklios paideia ou encyclios disciplina designam um ciclo de estudos unificados pelo meacutetodo e estrutura que se deve percorrer e completar para possuir uma educaccedilatildeo completa [] Mas este ciclo natildeo se relaciona na Antiguidade a um nuacutemero definido como o das lsquosete artesrsquo por exemplo mas corresponde agrave ideia de uma unidade interior e de completuderdquo Hadot 2005 p 472 82 ldquoA ideia de que a gramaacutetica era a base de todo estudo subsequente encontra-se na primeira menccedilatildeo da gramaacutetica como uma disciplina separada no seacuteculo I aC Gramaacutetica foi considerada parte das lsquoArtes Liberaisrsquo nas obras retoacutericas de Ciacutecero e no enciclopeacutedico Disciplinarum libri novem de Varratildeo Tanto Ciacutecero como Quintiliano afirmaram que o propoacutesito uacuteltimo de todo estudo eacute a filosofia e a aquisiccedilatildeo de virtude Dentro deste panorama o papel da gramaacutetica foi sempre preparatoacuterio e natildeo um fim em si mesmordquo Luhtala 2007 p 68 83 Oito listas diferentes de disciplinas do estudo ciacuteclico podem ser encontradas na obra de Fiacutelon de Alexandria

55

153 O Ataque agraves Tekhnai84

A oposiccedilatildeo socraacutetica agraves tekhnai tal como Platatildeo a constroi parece ter motivado que

escolas que tinham Soacutecrates como modelo as desprezassem Dioacutegenes Laeacutercio (6 73 104) diz

que os ciacutenicos ignoraram a muacutesica a geometria a astronomia etc como inuacuteteis e

desnecessaacuterias e que Dioacutegenes de Sinope (c 412-323 aC) zombou dos gramaacuteticos que

investigavam os problemas de Homero enquanto ignoravam os seus proacuteprios (DL 6 27-28)

Biacuteon de Boriacutestenes (Frag 3 4 5A 6 DL 4 53) teria ridicularizado gramaacuteticos astrocircnomos

muacutesicos geocircmetras e retoacutericos que incapazes de alcanccedilar a filosofia perdiam seu tempo em

estudos inuacuteteis Isoacutecrates (Ant 261 ss) por outro lado ainda que classifique-as como

preparaccedilatildeo para a filosofia afirma que aqueles que satildeo haacutebeis em certas tekhnai como a

eriacutestica astrologia geometria etc natildeo satildeo prejudiciais pelo contraacuterio podem ajudar (ainda

que muitas pessoas acreditem que tais estudos sejam uma perda de tempo e estejam em

oposiccedilatildeo agrave vida comum e natildeo sejam de nenhum valor na praacutetica estando totalmente distantes

do que eacute necessaacuterio)85

A oposiccedilatildeo agraves tekhnai mais ceacutelebre na antiguidade parece ter sido a dos Epicuristas

Segundo Blank (p xxx) estaacute atestada a existecircncia de vinte e dois tratados epicuristas contra

as disciplinas Destes possuiacutemos grande quantidade de fragmentos provenientes de trecircs

tratados de Filodemo Sobre a Retoacuterica Sobre a Muacutesica e Sobre Poemas Eacute comum aos trecircs

uma discussatildeo sobre estes estudos serem ou natildeo tekhnai ou seja sobre possuiacuterem ou natildeo um

corpo de regras gerais aplicaacuteveis de um modo fixo a casos particulares a conclusatildeo no

entanto eacute a de que uma disciplina somente eacute uacutetil para a sabedoria ou lsquofelicidadersquo na medida

em que for conduzida e utilizada pela filosofia A filosofia (ou phusiologia) eacute o uacutenico estudo

para os Epicuristas capaz de promover a tranquilidade da alma enquanto o estudo de

pormenores lsquoteacutecnicosrsquo resulta apenas em trabalho preocupaccedilatildeo e perturbaccedilatildeo Filodemo

afirma ainda que os resultados de algumas tekhnai podem ser alcanccedilados pelo leigo ainda 84 As informaccedilotildees apresentadas nesta seccedilatildeo e na seguinte seguem a pesquisa de Blank 1998 passim 85ldquoParece-me que aqueles que sustentam que tal treinamento natildeo tem utilidade na vida praacutetica estatildeo certos e que aqueles que falam a favor dele tecircm a verdade de seu lado Se haacute uma contradiccedilatildeo nesta afirmaccedilatildeo eacute porque estas disciplinas satildeo diferentes em sua natureza daqueles estudos que constituem nossa educaccedilatildeo pois estas outras aacutereas nos satildeo beneacuteficas somente depois que tivermos adquirido conhecimento delas enquanto estes estudos podem natildeo trazer benefiacutecio algum depois que os dominamos a menos que escolhamos fazer deles nossa fonte de renda e somente nos ajudam enquanto estamos no processo de aprendizagem Natildeo penso portanto que eacute apropriado aplicar o termo lsquofilosofiarsquo a tal treinamento que natildeo nos ajuda no presente nem em nossas falas nem em nossas accedilotildees mas antes eu os chamaria de lsquoginaacutestica mentalrsquo e uma preparaccedilatildeo para a filosofia (Isoacutecrates Ant 263 cf Norlin 1929)

56

que de uma maneira menos precisa e consistente de forma que o filoacutesofo poderia alcanccedilar

resultados positivos sem ter que se aprofundar nestes estudos86 Para Filodemo entre as artes

proacuteprias ou seja aquelas que sempre alcanccedilam seu objetivo quando bem aplicadas estatildeo a

gramatiacutestica (ie ler e escrever) muacutesica pintura e escultura entre as artes conjecturais nas

quais o sucesso depende em parte de fatores externos estatildeo a medicina e navegaccedilatildeo Um

epicurista era aconselhado a natildeo se envolver com teacutecnicas muito especializadas para natildeo

negligenciar o que eacute verdadeiramente importante na vida Uma arte para ter valor para o

filoacutesofo deveria conter necessariamente algum propoacutesito uacutetil para a vida Desta forma eles

atacaram tekhnai que pareciam desnecessariamente especializadas e argumentaram que elas

eram em geral inuacuteteis Eles teriam atacado tambeacutem tekhnai que natildeo davam a conhecer

abertamente regras claras e firmes de aplicaccedilatildeo geral Esses satildeo saliente-se exatamente os

dois pontos centrais da definiccedilatildeo estoica de tekhne como um sistema de conhecimentos

utilidade e meacutetodo87

A atitude epicurista contrapotildee a estoica Os estoicos a despeito de Zenatildeo de Ciacutetio

seu fundador ter falado contra algumas disciplinas88 datildeo testemunho de terem compreendido

tekhne como um conhecimento da mais alta importacircncia comparaacutevel ou intercambiaacutevel com

episteme89 Tekhne foi definida pelos estoicos como ldquosistema de representaccedilotildees verdadeiras

coexercitadasrdquo (sustema ek katalepseon suggegumnasmenon) e ldquodirecionadas a alguma

finalidade uacutetilrdquo (M 11 182) definiccedilatildeo repetidamente citada por Sexto90

Bastante interessante eacute a possibilidade de nos termos estoicos definir a proacutepria

filosofia como tekhne a mais elevada delas aquela que ordena toda a vida A elevada

concepccedilatildeo estoica de tekhne bem como de tekhnai individuais e sua relaccedilatildeo com a filosofia

86 ldquoFilodemo diz que tekhnai floresceram nas sociedades antigas antes de haver qualquer tekhnologia (On Rhetoric 1 col viii 8 p 59 Longo)rdquo Blank 1995 p 188 87 Para detalhes acerca da posiccedilatildeo dos epicuristas e por extensatildeo daquela de Epicuro principalmente em relaccedilatildeo agrave poesia e retoacuterica ver Blank 1995 e os artigos coletados em Obbink 1995 88 Talvez Zenatildeo natildeo as tenha considerado lsquoverdadeirasrsquo tekhnai ldquoTekhne para Zenatildeo eacute uma poietike ativa ou criativa da mesma forma que Deus ou Natureza ou Logos satildeo ativos ou criativos Tekhne comunica um conteuacutedo ndash pertence ao logos criativo que eacute parte da natureza humanardquo Cf Mansfeld 1983 p 65 89 SVF i 68 ii 117 130 iii 112 M 11 170 ldquoenquanto os estoicos disseram diretamente que a sabedoria praacutetica (phronesis) que eacute uma ciecircncia (episteme) do que eacute bom ruim ou nenhum dos dois eacute uma arte de viver (tekhne peri ton bion)rdquo 90 A definiccedilatildeo de Zenatildeo veio a ser quase universalmente aceita cf Quintiliano 2 27 ab omnibus fere probatus Ver a argumentaccedilatildeo de Barnes 1988 p 63 ss sobre o conceito de lsquoutilidadersquo para os ceacuteticos epicuristas e estoicos a partir de M 1 1-6

57

(gramaacutetica e retoacuterica por exemplo)91 parece ter servido de modelo para ataques como os de

Filodemo Ataques estes que vieram especialmente de filoacutesofos que consideraram necessaacuterio

reiterar a supremacia da filosofia frente agraves tekhnai epicuristas platocircnicos e mesmo o

(alegado) dissidente estoico Ariacuteston de Quios A estrutura subjacente agrave criacutetica sextiana contra

a gramaacutetica e retoacuterica via epicuristas parece mesmo estar relacionada a esta concepccedilatildeo da

relaccedilatildeo das artes com a filosofia92

Apesar da divulgada hostilidade de Pirro agraves tekhnai em Sexto natildeo parece legiacutetimo

que o ceacutetico as ignore tendo em vista o criteacuterio praacutetico da lsquoinstruccedilatildeo nas artesrsquo como

apontamos acima o mais adequado talvez seja supor que tambeacutem o ceacutetico fez sua divisatildeo

entre tekhnai aceitaacuteveis e natildeo aceitaacuteveis

Para finalizar podemos apontar seguindo a distinccedilatildeo operada por Blank (p xxxiv)

entre passagens de origem epicurista e ceacutetica no Contra os Professores alguns lsquocriteacuteriosrsquo

positivos expressos por Sexto quando fala sobre as tekhnai que o ceacutetico natildeo ataca devem ser

uacuteteis agrave vida comum (M 1 49 2 29) satildeo avaliadas atraveacutes de seus resultados praacuteticos (M 11

188) estatildeo fundadas sobre a observaccedilatildeo articulada atraveacutes da estrutura do lsquosigno

comemorativorsquo (M 1 55 M 5 2) (como a escrita) satildeo adaptaacuteveis agraves circunstacircncias (M 11

67) contecircm um corpo de observaccedilotildees ao longo do tempo (tal como fazem os timoneiros e

fazendeiros) e algumas regras gerais que se aplicam a casos particulares mas natildeo um corpo

de doutrinas (M 8 270) satildeo um tipo de capacidade (dunamis) mais um saber-fazer que um

saber-quecirc satildeo aprendidas por orientaccedilatildeo lsquocorretivarsquo (M 1 191)93

91 ldquoEntre os estoicos a situaccedilatildeo eacute mais complexa A doutrina estoica da Razatildeo como princiacutepio corpoacutereo divino por se espalhar atraveacutes de todos os niacuteveis da existecircncia e se manifestar de uma maneira privilegiada no raciociacutenio e linguagem humanos leva os estoicos a se interessarem por todas as formas da linguagem e a definir as estruturas e as leis que as regem Por isso eacute que eles contribuem em larga medida agrave elaboraccedilatildeo da gramaacutetica e ao aperfeiccediloamento da loacutegica [] Quanto agrave retoacuterica e a dialeacutetica que para os estoicos tornaram-se virtudes fundadas sobre a verdade e natildeo mais sobre o provaacutevel como em Aristoacuteteles elas constituem para eles a terceira parte da filosofia a loacutegica Natildeo satildeo mais estudadas uma para adquirir eloquecircncia outra para possuir resposta para tudo mas datildeo lugar sobretudo agrave exerciacutecios destinados a assegurar a retidatildeo da expressatildeo verbal e a aprender a como conduzir uma deduccedilatildeo loacutegica conclusivardquo Hadot 2005 p 478 No fragmento de Dioacutegenes da Babilocircnia (8 PHerc 1506) analisado por Obbink e Waerdt (1991) o estoico afirma que o saacutebio ldquonatildeo eacute apenas um bom dialeacutetico e gramaacutetico e poeta e orador e perfeito no meacutetodo (metodikos) tendo se tornado bom em todas as artes (tekhnai) mas tambeacutem aleacutem destes (tipos de) benefiacutecios ele acrescenta no governo das cidades e natildeo somente daquelas habitadas por atenienses e lacedemocircniosrsquo Ver os comentaacuterios dos autores idem p368 ss 92 Este eacute um direcionamento possiacutevel a partir da leitura de alguns fragmentos estoicos natildeo pretendemos palpitar acerca da interpretaccedilatildeo da epistemologia estoica Para este assunto ver Hankinson 2003 Acerca da aproximaccedilatildeo da lsquoarte de viverrsquo dos estoicos com a concepccedilatildeo socraacutetica de virtude como lsquoartersquo ver Striker 1991 parte 3 93 Ver Blank p xxxiv

58

16 A GRAMAacuteTICA ANTIGA94

A pesquisa sobre o desenvolvimento dos estudos gramaticais na Antiguidade tem se

mostrado uma aacuterea extremamente produtiva nas uacuteltimas deacutecadas Natildeo soacute podemos contar com

bons panoramas mas principalmente com uma grande quantidade de investigaccedilotildees de

questotildees especiacuteficas que inclusive puderam rever posiccedilotildees tradicionais que agora nos

parecem ter sido equiacutevocos95 Aquilo com que natildeo podemos contar no entanto satildeo fontes

primaacuterias propriamente lsquogramaticaisrsquo O periacuteodo que cobrimos aqui eacute justamente um em que

temos de lamentar a perda massiva das fontes excluindo o tratado de Dioniacutesio Traacutecio em que

apenas algumas linhas satildeo unanimemente consideradas genuiacutenas nenhuma obra gramatical

anterior agrave produccedilatildeo de Apolocircnio Diacutescolo no seacuteculo II dC sobreviveu senatildeo em fragmentos

ou de forma indireta e normalmente em testemunhos tardios onde os termos natildeo raro satildeo

anacronicamente empregados96 Ademais as primeiras lsquoartes gramaticaisrsquo (artes

grammaticales) como lsquomanuais teacutecnicos que possuiacutemos satildeo romanas97

Nosso intuito neste momento eacute traccedilar um panorama geneacuterico frente ao qual possamos

visualizar o lugar e o papel da contribuiccedilatildeo sextiana Pretendemos alcanccedilar as especifidades

do campo gramatical do final do periacuteodo heleniacutestico para tanto comeccedilaremos expondo

reflexotildees concernentes agrave linguagem em outras aacutereas especialmente na filosofia Pois como

mencionamos brevemente anteriormente o estudo da linguagem na Antiguidade esteve via

de regra subordinado a aacutereas em que desempenhou um papel restrito frente a seus objetivos

maiores Em geral abordou-se a linguagem a partir de um ponto de vista lsquofilosoacuteficorsquo (loacutegica)

persuasivo (retoacuterica) eou moralizante (poeacutetica) e filoloacutegico (criacutetica textual e literaacuteria) Aleacutem

disso o estudo gramatical do periacuteodo heleniacutestico e as investigaccedilotildees da filosofia estoica que 94 Aqui passamos a traccedilar um panorama dos estudos gramaticais na antiguidade a fim de relacionar esse ambiente com aquele mais geral das discussotildees epistemoloacutegicas do periacuteodo heleniacutestico com o intuito de visualizar o interesse de Sexto pelo assunto e o modo como aborda esta lsquoartersquo Nossas referecircncias principais satildeo Seppaumlnen 2013 Atherton e Blank 2013 Pagani 2011 Blank 2005 Blank 2000 Schenkeveld 1990b Taylor 1987 Pinborg 1975 95 Pensamos principalmente na famosa e tal como apresentamos agrave frente muito provavelmente equivocada caracterizaccedilatildeo da disputa entre anomalistas x analogistas e a consequente polarizaccedilatildeo entre gramaacutetica filosoacutefica x teacutecnica de que falamos na sequecircncia 96 A tradiccedilatildeo indireta coloca claros obstaacuteculos agraves reconstruccedilotildees de teorias com base na terminologia que uma fonte lhe credita eacute de fato difiacutecil estabelecer se a terminologia transmitida eacute original ou se se deve a algum intermediaacuterio A introduccedilatildeo de conceitos gramaticais especializados parece ter sido um dos tipos mais comuns de interpolaccedilatildeo nos textos dos primeiros alexandrinos Cf Pagani 2011 p 50 n 127 97 A primeira gramaacutetica latina conhecida pelo nome de seu autor a ars grammatica de Remmius Palaemon (seacutec I dC) sobreviveu apenas em fragmentos

59

inclusive representam muito do que sabemos acerca do interesse direcionado de forma

sistemaacutetica agrave linguagem nos seacuteculos III e II aC estabelecem conexotildees estreitas98

Tal como impliacutecito no relato de Sexto no iniacutecio de seu ataque agrave gramaacutetica os gregos

desde muito cedo em sua histoacuteria associaram este termo com o estudo das lsquoletrasrsquo (grammata)

ndash em seus dois significados contiacuteguos o que chamariacuteamos de alfabetizaccedilatildeo e letramento

aprender a ler e escrever e entrar em contato com a tradiccedilatildeo literaacuteria99 lsquoGramaacuteticarsquo100 referir-

se-aacute geralmente no periacuteodo heleniacutestico independente das nuances a esse cenaacuterio a inserccedilatildeo

na tradiccedilatildeo literaacuteria ndash o domiacutenio das habilidades concernentes agrave compreensatildeo do texto

literaacuterio por meio do tratamento de seus elementos grosso modo leitura e interpretaccedilatildeo

98 Frede e Inwood (2005 p 3) parecem querer enfatizar a direccedilatildeo contraacuteria agravequela que normalmente se daacute a este influxo ldquoO fato de o estudo da linguagem estar tatildeo fortemente atado a diferentes partes da filosofia tambeacutem explica porque o desenvolvimento da gramaacutetica como uma disciplina sistemaacutetica foi tardiamente abordado pelos filoacutesofos Sua sistematizaccedilatildeo e maturidade deve muito ao trabalho de um grupo bastante distinto de pensadores se o estudo da gramaacutetica finalmente encontrou seu lugar na histoacuteria isto se deve em larga medida aos grandes filoacutelogos e criacuteticos literaacuterios da biblioteca de Alexandria cujos resultados gradualmente comeccedilaram a exercer uma influecircncia sobre os filoacutesofos Apenas depois do estudo da estrutura gramatical do latim e do grego e suas peculiaridades ter atingido um certo niacutevel de sofisticaccedilatildeo eacute que questotildees de gramaacutetica e sintaxe tornaram-se um assunto de reflexatildeo filosoacutefica e suplemento para a anaacutelise da estrutura loacutegica das proposiccedilotildeesrdquo Costuma ser comum no entanto a afirmaccedilatildeo de que os gramaacuteticos devem aos filoacutesofos estoicos principalmente desde meta-linguagem agrave proacutepria concepccedilatildeo do fenocircmeno linguiacutestico como sistema racional (Atherton e Blank 2013 p 1) Poreacutem talvez natildeo seja mesmo o caso de determinar unidirecionalmente as influecircncias nesse contexto mesmo restritos ao material fragmentaacuterio que possuiacutemos e agrave sua interpretaccedilatildeo podemos supor que as influecircncias teriam sido multilaterais Sobre dificuldades especiacuteficas com as fontes nesta aacuterea de estudo ver os trabalhos de Wolfram Ax (geralmente em liacutengua alematilde) A tiacutetulo de exemplo procurar pela histoacuteria da ediccedilatildeo dos Herculaneum Papyri que possui obras do epicurista Filodemo de Gadara entre as quais encontramos ataques ao estoico Dioacutegenes da Babilocircnia e agraves tekhnai Acerca dos gramaacuteticos alexandrinos um oacutetimo panorama do estado da arte eacute o artigo de Lara Pagani 2011 A reconstruccedilatildeo das relaccedilotildees entre estoicos e alexandrinos tem se voltado ao trabalho acurado com as fontes e agrave revisatildeo de concepccedilotildees sobre o periacuteodo (ver Taylor 1987) Algumas questotildees cruciais continuam bastante polecircmicas como aquela da dataccedilatildeo das seccedilotildees do tratado atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio fundamental para a caracterizaccedilatildeo dos estudos linguiacutesticos entre os primeiros alexandrinos e a compreensatildeo de seu papel no desenvolvimento da gramaacutetica como uma disciplina teacutecnica independente da filologia (ver os artigos coletados em Law e Sluiter 1995) 99 O quadro geralmente aceito (Marrou 1971 segunda parte) acerca da educaccedilatildeo no periacuteodo heleniacutestico distingue algumas estapas sucessivas primeiro a escola elementar (grammatodidaskaleion) onde o professor (grammatistes) instrui os alunos na leitura escrita e alguma aritmeacutetica Entatildeo por volta dos 12 anos as crianccedilas passam agrave educaccedilatildeo secundaacuteria Aqui o grammatikos ensina gramaacutetica e literatura especialmente poesia finalmente vem o rhetor cuja instruccedilatildeo envolve discursos e o estudo dos oradores claacutessicos O terceiro estaacutegio tambeacutem poderia incluir frequentar escolas filosoacuteficas ou seguir dedicando-se agrave aritmeacutetica e geometria Esta eacute contudo uma simplificaccedilatildeo geneacuterica natildeo existia um modelo fixo E em geral apenas a elite tinha acesso a uma educaccedilatildeo lsquocontinuadarsquo Cf Schenkeveld 2000 p 432-433 Ver tambeacutem Cribiore 2001 em especial p 185 ss Para um relato mais lsquocuidadosorsquo poreacutem ainda panoracircmico sobre a evoluccedilatildeo do conceito de lsquoarte gramaticalrsquo no periacuteodo preacute-heleniacutestico ver Seppaumlnen p 19ss 100 Para um estudo acerca da definiccedilatildeo e escopo de grammatike na Antiguidade ver Seppaumlnen 2013

60

textual tarefas cujas especificidades constroacuteem-se em relaccedilatildeo com caracteriacutesticas dos textos

condiccedilatildeo fiacutesica dialetos gecircneros e periacuteodos literaacuterios entre outras e satildeo direcionadas por

uma compreensatildeo de como o sujeito deve se relacionar culturalmente com esse saber Esse eacute

o sentido predominante de Gramaacutetica no periacuteodo heleniacutestico educaccedilatildeo literaacuteria101

Alfabetizaccedilatildeo e letramento estiveram constantemente conectadas como facetas de um

mesmo projeto poreacutem como as habilidades demandadas para conduzir uma e outra etapa

bem como seus resultados satildeo distintos natildeo surprende que houvesse uma tendecircncia agrave

especializaccedilatildeo Num sentido teacutecnico o termo lsquogramaacuteticorsquo passaraacute a ser utilizado

preferencialmente para o professor ou estudioso da segunda etapa aquele que transmite a

tradiccedilatildeo literaacuteria Em pouco tempo seratildeo tambeacutem aqueles que estabelecem esta tradiccedilatildeo e

assim lsquoguardiotildees da linguagemrsquo102

O desenvolvimento e especializaccedilatildeo das atribuiccedilotildees do gramaacutetico vinculados agrave

constituiccedilatildeo de escolas filoloacutegicas estaacute na origem de um corpo de conhecimentos e

procedimentos metodoloacutegicos que iraacute em uacuteltima anaacutelise restringir o conceito de gramaacutetica ao

tratamento teacutecnico da liacutengua Num processo de incorporaccedilatildeo de influecircncias multilaterais de

readaptaccedilotildees e acomodaccedilotildees de conteuacutedos provenientes de aacutereas com propoacutesitos natildeo

completamente convergentes teraacute iniacutecio a gramaacutetica como disciplina independente103

101 Antes do periacuteodo heleniacutestico e talvez ainda no princiacutepio dele a educaccedilatildeo literaacuteria poeacutetica relacionava-se agrave lsquoatuaccedilatildeorsquo de sofistas lsquosaacutebiosrsquo ou lsquofiloacutesofosrsquo (ver Platatildeo Protaacutegoras 338e6-339a3) O conceito de gramaacutetica pode se restringir portanto ao ensino elementar das letras sem se referir a interpretaccedilatildeo ou estudo poeacutetico dos textos menos ainda a sua lsquoautenticaccedilatildeorsquo e exegese tarefas lsquofiloloacutegicasrsquo que iratildeo incorporar o conceito de lsquogramaacutetica completarsquo a partir da instituiccedilatildeo dos lsquocentros culturaisrsquo que satildeo as Bibliotecas de Alexandria e Peacutergamo Sobre a lsquocriacutetica literaacuteriarsquo antes do periacuteodo heleniacutestico ver Ford 2002 102 Para o papel social dos gramaacuteticos e professores de literatura no mundo antigo ver Kaster 1997 obra que conteacutem um estudo detalhado acerca do uso dos lsquotiacutetulosrsquo profissionais ver tambeacutem Seppaumlnen 2013 p 34ss sua eacute a tabela que reproduzimos abaixo (grifo nosso)

palavra periacuteodo uso significado

grammatistes seacutec V aC tiacutetulo especializado em letras professor elementar

philologos seacutecs V-IV aC adjetivo lsquoamantersquo dos discursos lsquoamantersquo do estudo estudioso

grammatikos seacutec IV aC epiacutetetoadjetivo literato treinado nas letras

philologos seacutec III aC epiacutetetonome treinado nas letras erudito

grammatikos seacutec II aC tiacutetulo especialista (entendido) na liacutengua e na literatura

103 Swiggers e Wouters 2002 p 17

61

O panorama a seguir foca em seis temas estudos da linguagem como estudos de

poeacutetica e retoacuterica estudos da linguagem em relaccedilatildeo agrave dialeacutetica argumentativa estudos da

linguagem na filosofia estoica estudos da linguagem na filologia heleniacutestica estudo formal

da linguagem como uma parte da filologia estudos da linguagem com orientaccedilatildeo morfoloacutegica

e sintaacutetica no tratamento de uma segunda liacutengua Esta uacuteltima aacuterea da qual natildeo tratamos

diretamente numa sequecircncia de acidentes histoacutericos constitui em uacuteltima anaacutelise o corpo de

conhecimentos que se transmite na tradiccedilatildeo ocidental da chamada lsquogramaacutetica tradicionalrsquo ndash

que retrocede propriamente no miacutenimo ao comeccedilo do periacuteodo medieval104

Dois criteacuterios coextensivos orientam nosso resumo a recorrecircncia dos termos (em

geral ressignificados) e a proximidade com questotildees que tendemos a reconhecer como

lsquogramaticaisrsquo Conveacutem mencionar que natildeo tratamos diretamente de uma das facetas da

gramaacutetica mais produtivas da antiguidade aquela relativa ao ensino das lsquoprimeiras letrasrsquo Ou

seja ainda que todas as abordagens aqui relatadas de uma forma ou de outra estejam

relacionadas com a educaccedilatildeo letrada natildeo mapeamos diretamente o desenvolvimento desse

processo instrucional ao qual estaria relacionada uma pesquisa pedagoacutegica

A cada uma das aacutereas aqui mencionadas pode-se aplicar o termo lsquogramaacuteticarsquo em um

sentido mais ou menos apropriado pois todas elas envolvem o estudo formal de aspectos da

linguagem Alguns dos elementos desenvolvidos por estes estudos contribuiratildeo para a

lsquogramaacutetica tradicionalrsquo outros no entanto satildeo melhor compreendidos de um ponto de vista

mais abrangente a histoacuteria da linguiacutestica De qualquer forma o leitor deve estar atento agrave

polissemia do termo lsquogramaacuteticarsquo que eacute usado em referecircncia agrave lsquogramaacutetica completarsquo do

periacuteodo heleniacutestico ou seja ao estudo da literatura agrave lsquogramaacutetica teacutecnicarsquo no sentido em que o

termo eacute mais habitualmente empregado na atualidade aleacutem de ser empregado com referecircncia

aos tratados gramaticais propriamente ditos que podiam ser manuais escolares ou tratados

mais eruditos Sexto (M 1 43) referir-se-aacute agrave concepccedilatildeo destes tratados (tekhnologia) como

uma das habilidades praacuteticas de que a arte gramatical mais se orgulhava

Poderiacuteamos ter feito uso no panorama a seguir do termo lsquogramaacutetica estoicarsquo tal

como justificou Frede (1987) mas para natildeo nos desviarmos em consideraccedilotildees a respeito

desse uso falaremos em lsquoestudos gramaticaisrsquo dentro da filosofia estoica Para a filologia

heleniacutestica usaremos o termo lsquogramaacutetica heleniacutesticarsquo que procura envolver as contribuiccedilotildees

104 ldquoA expressatildeo lsquogramaacutetica tradicionalrsquo refere-se ao corpo de conhecimento sobre o uso correto das formas de palavras e da sintaxe transmitido no Ocidente ao menos desde o princiacutepio da Idade Meacutedia para o estudo do latim e do grego e cujas categorias foram usadas como modelo para o estudo de outras liacutenguasrdquo Atherton e Blank 2003 p 310

62

das escolas filoloacutegicas de Peacutergamo e Alexandria e o clima de opiniatildeo do momento bem como

reiterar que eacute este o sentido de gramaacutetica para Sexto Empiacuterico Para a parte da gramaacutetica

heleniacutestica que se ocupou do estudo de elementos formais da linguagem falaremos em

lsquogramaacutetica teacutecnicarsquo

161 Periacuteodo Claacutessico

Do periacuteodo claacutessico temos alguma informaccedilatildeo acerca do trabalho dos

glossographoi que se dedicavam a explicar palavras de difiacutecil compreensatildeo usadas nos

poemas homeacutericos105 A poesia homeacuterica devido a sua importacircncia para os gregos foi

continuamente o alvo de maior convergecircncia do interesse linguiacutestico durante toda a

antiguidade106 E conveacutem supor provavelmente esteve mesmo conectada ao processo de

adaptaccedilatildeo do alfabeto feniacutecio agrave liacutengua grega durante o seacuteculo VIII aC Agrave literatura eacute

concedido como apontamos acima status privilegiado no estudo da linguagem na

antiguidade

Bastante influente nesse periacuteodo parece ter sido o interesse vinculado a sofistas tais

como Proacutedico Protaacutegoras e Goacutergias pela orthoepeia e orthotes onomaton ou seja a correta

adequaccedilatildeo dos lsquonomesrsquo Sob essa alcunha ficaram conhecidos desde estudo de sinocircnimos

homocircnimos e parasinocircnimos envolvendo questotildees de sonoridade ateacute especulaccedilotildees acerca da

correspondecircncia entre linguagem e realidade envoltas em algum momento pela controveacutersia

phusei (lsquonaturezarsquo) x thesei (lsquoconvenccedilatildeorsquo)107 Tal controveacutersia parece ter se alimentado da

confusatildeo entre explicaccedilotildees semacircnticas e questotildees de origem da linguagem108

Como testemunho dessas especulaccedilotildees temos o diaacutelogo Craacutetilo de Platatildeo que parece

condenar a praacutetica possivelmente comum em sua eacutepoca de investigar o nome com o intuito

105 ldquoO interesse pela linguagem jaacute eacute manifesto na eacutepica homeacuterica onde o poeta frequentemente explica nomes e palavras Assim o nome Odusseus reflete ambos odussomai (lsquoodiarrsquo) e oduromai (lsquolamentarrsquo) (Odisseia I 5562)rdquo Schenkeveld 2000 p 430 Sobre o interesse da sociedade grega pela linguagem natildeo soacute entre os filoacutesofos ver Schenkeveld 2000 Para uma interpretaccedilatildeo do diaacutelogo Iacuteon de Platatildeo como fonte de informaccedilatildeo acerca da criacutetica homeacuterica no seacuteculo IV aC ver Hunter 2011 106 Para mais informaccedilotildees acerca dos lsquointeacuterpretesrsquo de Homero ver Lamberton e Keaney 1992 107 Protaacutegoras80 A1 A21 A29 DK Proacutedico 84 A16 A17 A 19 DK ver tambeacutem Goacutergias e sua noccedilatildeo do logos como megas dunastes 82 B1149ss DK 108 Ver Atherton e Blank 2013 p 12-24 para um panorama dos problemas impliacutecitos nas discussotildees do periacuteodo Luhtala 2011 sobre a influecircncia dessa discussatildeo na concepccedilatildeo das partes da oraccedilatildeo como categorias ontoloacutegicas

63

de adquirir conhecimento sobre a natureza das coisas que nomeiam Esta praacutetica eacute relacionada

muito diretamente agrave pesquisa lsquoetimoloacutegicarsquo que busca revelar sobre o lsquoreferentersquo algo de sua

lsquofunccedilatildeo originaacuteriarsquo no mundo atraveacutes de um lsquodesdobramentorsquo descritivo de seu nome A

lsquocorreccedilatildeorsquo do nome portanto estaria relacionada agrave sua capacidade de revelar a natureza

daquilo que nomeia Subjacente a tais especulaccedilotildees estaacute uma visatildeo atocircmica da linguagem em

que os niacuteveis mais complexos se explicam a partir dos elementos baacutesicos e suas

combinaccedilotildees109 Veremos que a pesquisa etimoloacutegica como uma ferramenta de criacutetica e

interpretaccedilatildeo literaacuteria permanece ocupando um lugar de prestiacutegio na gramaacutetica heleniacutestica

Um aspecto mais prontamente relacionado agraves investigaccedilotildees sofiacutesticas do periacuteodo eacute o

estudo de elementos linguiacutesticos e suas combinaccedilotildees por causa de seu efeito discursivo De

maneira ampla tais abordagens relacionavam-se a estudos nas aacutereas da composiccedilatildeo poeacutetica e

retoacuterica que ocupam um lugar central na vida intelectual dos antigos Desses estudos temos o

testemunho de Aristoacuteteles que escreveu tratados em ambas as aacutereas e contribuiu para a

sistematizaccedilatildeo natildeo soacute de termos como de conceitos linguiacutesticos Para Aristoacuteteles aquilo que eacute

genuinamente pertencente agrave aacuterea da poeacutetica (Poeacutetica 1456b20ss) eacute o estudo das lsquopartes da

expressatildeorsquo (mere lekseos)110 elemento (letra) siacutelaba conjunccedilatildeo nome verbo artigo caso

sentenccedila (ou discurso) (logos)111 Vecirc-se aiacute impliacutecito um arranjo hieraacuterquico de itens

linguiacutesticos e tambeacutem uma descriccedilatildeo incipiente das lsquopartes da oraccedilatildeorsquo e dos acidentes

nominais e verbais aleacutem de uma organizaccedilatildeo que em uacuteltima anaacutelise tornar-se-aacute

tradicional112

A virtude da expressatildeo afirma Aristoacuteteles eacute ser clara (saphes) mas natildeo pobre

(tapeine) de forma que o poeta deve saber a correta medida entre o uso de palavras

apropriadas (kuriai) e o uso daquelas particulares (idiotika) e estrangeiras (ksenika) que

garantem um tom elevado mas comprometem a claridade O pupilo de Aristoacuteteles Teofrasto

parece ter desenvolvido esse tema talvez em relaccedilatildeo agrave retoacuterica em seu Peri lekseos113

109 Demoacutecrito no entanto teria considerado os nomes convencionais Um comentador do seacuteculo V dC atribui a ele a opiniatildeo de que os nomes fossem corretos de maneira distributiva ou numeacuterica natildeo descritiva (Cf Proclus Crat 1623-36) 110 Procuramos manter os vocaacutebulos gregos pois geralmente a traduccedilatildeo pode mascarar a recorrecircncia do termo jaacute que pretende se aproximar do valor da expressatildeo no contexto Leksis eacute um termo especialmente polissecircmico pode significar palavra expressatildeo dicccedilatildeo estilo 111 Vale chamar a atenccedilatildeo para o fato de Aristoacuteteles apontar logos como uma parte (meros) da leksis Ver abaixo que ele dispensa um tratamento diferente agraves mere logou 112 Taylor 1995 p 84 113 A Teofrasto foi atribuiacutedo pelos comentadores aristoteacutelicos do seacuteculo sexto o estudo de lekseis qua leksis ndash como expressotildees linguiacutesticas (territoacuterio da retoacuterica e poeacutetica) distintas de logos o discurso

64

Outra faceta do estudo linguiacutestico no periacuteodo claacutessico eacute a loacutegica ou seja o

entendimento das propriedades associativas entre os elementos de proposiccedilotildees e entre as

proposiccedilotildees elas mesmas ie o estudo de raciociacutenios vaacutelidos e contraditoacuterios no intuito de

descobrir regras subjacentes a suas realizaccedilatildeo No diaacutelogo platocircnico intitulado Sofista

Soacutecrates enfrenta a dicotomia entre o valor existencial e equacional da coacutepula por meio desta

discussatildeo Platatildeo iraacute contribuir para uma lsquoteoria da predicaccedilatildeorsquo ao conceber a sentenccedila natildeo

como mera justaposiccedilatildeo de palavras mas atentando para o papel lsquosemacircnticorsquo de seus

componentes onoma (lsquonomersquo) ‒ que se aplica ao que realiza a accedilatildeo e rhema (lsquopredicadorsquo ou

lsquoverborsquo) ‒ que se aplica agraves accedilotildees os dois constituintes de uma sentenccedila miacutenima doravante

portadora do valor de verdade114

O estudo do logos seraacute empreendido em relaccedilatildeo ao valor de verdade no De

Interpretatione de Aristoacuteteles que introduz o conceito de lsquoproposiccedilatildeorsquo (logos apophantikos)

Nesta obra ele apresenta uma lista de lsquopartes do discursorsquo (mere logou) nome verbo (ou

predicado) e sentenccedila chamando-as de partes significativas do lsquodiscursorsquo115 O verbo eacute

definido como algo que carrega a ideia de tempo ao contraacuterio do nome e que aponta para a

predicaccedilatildeo (Int 16b 6ss) Nas Categoriae Aristoacuteteles parece equiparar categorias linguiacutesticas

e ontoloacutegicas em seu exaustivo estudo dos dez tipos de predicados onde desenvolve noccedilotildees

mais apuradas de sujeito e predicado

Tambeacutem teria sido Aristoacuteteles o primeiro a usar o conceito de hellenizein (Rhet

1407a19ss) lsquoexpressar-se corretamente em gregorsquo por meio do qual desenvolveu discussotildees

sobre o lugar exato das conjunccedilotildees o uso de nomes apropriados a concordacircncia correta de

gecircnero e nuacutemero sobre como evitar ambiguidades no discurso e sobre a produccedilatildeo adequada

de textos faacuteceis de ler e pronunciar E opocircs a estas discussotildees uma anaacutelise dos solecismos as

racional (territoacuterio da filosofia) Atherton e Blank 2013 p 36-37 Comparar adiante esta divisatildeo reivindicada pela tradiccedilatildeo peripateacutetica e a concepccedilatildeo estoica de leksis e logos Muito se lamenta na histoacuteria do pensamento sobre a linguagem a perda deste tratado de Teofrasto que poderia esclarecer muito acerca das origens e caracteriacutesticas da praacutetica dos gramaacuteticos heleniacutesticos 114 Ver Taylor 1995 p 84 115 Aristoacuteteles usa a expressatildeo kata suntheken (normalmente traduzido por lsquopor convenccedilatildeorsquo em oposiccedilatildeo a lsquopor naturezarsquo) para qualificar as partes significativas No entanto para Pinborg 1975 p 75 a oposiccedilatildeo natildeo seria entre natureza e convenccedilatildeo mas ldquoentre sons naturalmente inarticulados e sons articulados obtidos por combinaccedilatildeordquo

65

construccedilotildees inapropriadas116 Aristoacuteteles tambeacutem definiu metaacutefora como uma analogia do

significado117

162 A Loacutegica Estoica118

Nenhum texto estoico sobre loacutegica sobreviveu Nosso relato portanto depende de

fontes doxograacuteficas Apresentamos aqui principalmente o relato de Dioacutegenes Laeacutercio com

base na interpretaccedilatildeo de Schenkeveld (1990a) A princiacutepio os estoicos natildeo estavam lsquofazendorsquo

gramaacutetica nem parecem ter usado este termo para se referir a qualquer parte de seu sistema

lidaram no entanto com lsquoquestotildees gramaticaisrsquo em decorrecircncia do papel que a racionalidade

linguiacutestica assume em sua filosofia e de sua proacutepria concepccedilatildeo investigativa que os

direcionava a estudos sistemaacuteticos e exaustivos

Os estoicos acreditavam em um mundo impregnado e controlado pela razatildeo (logos)

e na alma humana como parte deste mundo racional Seu sistema filosoacutefico pretendia espelhar

a harmonia do mundo representando sua coerecircncia e integridade e suas trecircs partes ndash loacutegica

fiacutesica e eacutetica ndash pretendiam-se intimamente conectadas O saacutebio estoico (o ideal de homem

provido de sabedoria perfeita) vive em harmonia completa com a razatildeo universal e eacute infaliacutevel

ele tem absoluto domiacutenio do que eacute correto (verdadeiro) pensar e dizer em toda situaccedilatildeo e de

como isso deve ser expressado Eacute exatamente este uacuteltimo ponto o conteuacutedo da loacutegica estoica

a sabedoria linguiacutestica A loacutegica natildeo eacute vista como lsquoferramentarsquo para a filosofia mas parte

dela inclusive sua parte central (DL 7 83) O correto entendimento do pensamento e da

linguagem que o expressa eacute segundo o estoico fundamental para alcanccedilar a lsquofelicidadersquo

A estrutura do conteuacutedo das sentenccedilas individual ou logicamente relacionadas entre

si foi suposta pelos estoicos como espelho da estrutura do mundo Em nossa linguagem

falada ou escrita estas estruturas estatildeo expressas pelas partes da sentenccedila e pelas sentenccedilas

que relacionam-se umas agraves outras por meio de conjunccedilotildees que expressam as relaccedilotildees loacutegicas

entre os conteuacutedos Para o estoico era preciso saber portanto como cada elemento contribui

na formaccedilatildeo da sentenccedila completa e de seu conteuacutedo (ou tambeacutem no caso das conjunccedilotildees na

116 Pagani 2011 p 22-23 117 Sobre as contribuiccedilotildees de Aristoacuteteles a partir da perspectiva da histoacuteria da linguiacutestica ver Allan 2004 Pinborg (1975 p 77) assevera que o desenvolvimento da gramaacutetica na Greacutecia Antiga eacute inexplicaacutevel sem Aristoacuteteles Lembremos que natildeo possuiacutemos nenhuma obra de Criacutesipo ao contraacuterio da permanecircncia da loacutegica aristoteacutelica 118 Para abordagens mais completas ver entre outras Frede 1987 Atherton 1993 Luhtala 2000 Bobzien 2003 Barnes e Schenkeveld 2005

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formaccedilatildeo da estrutura das sentenccedilas) Aleacutem de tambeacutem saber definir cada parte da sentenccedila e

cada um de seus tipos Os estoicos concebem a linguagem como uma hierarquia de niacuteveis

cujas combinaccedilotildees satildeo governadas por regras que devem ser adequadamente compreendidas

Trecircs componentes foram distinguidos pelos estoicos na anaacutelise do significado ou

conteuacutedo (M 8 11-12) o signo ou expressatildeo sonora (semainon ou phone) o que eacute significado

(semainomenon ou lekton) e em termos modernos o lsquoreferentersquo (lsquoextra-linguiacutesticorsquo)

(tunkhanon)119 Destes expressatildeo sonora e lsquoreferentersquo satildeo corpoacutereos De acordo com

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 7 41-42) alguns estoicos dividiram a parte loacutegica da filosofia ndash a que

se ocupa do logos (lsquodiscurso racionalrsquo) em retoacuterica ‒ a ciecircncia do bem falar no que diz

respeito a discursos contiacutenuos e dialeacutetica ‒ a ciecircncia de argumentar corretamente de acordo

com perguntas e respostas Alguns estoicos teriam acrescentado a estas tambeacutem a definiccedilatildeo ‒

que se ocupa da verdade A dialeacutetica120 por sua vez foi dividida (43) em duas seccedilotildees (topoi)

uma relativa agraves coisas significadas (semainomena) outra agrave lsquoexpressatildeo sonorarsquo (phone)

A seccedilatildeo sobre coisas significadas (semainomena) se divide no estudo das

representaccedilotildees e dos diziacuteveis (lekta) que subsistem dependentes delas (grosso modo o

conteuacutedo dos pensamentos e os significados comunicaacuteveis pela linguagem) ndash incluindo

proposiccedilotildees predicados de vaacuterios tipos silogismos e sofismas121 O conceito de lekton parece

ser mais especiacutefico que aquele geral de semainomenon O lekton eacute um incorpoacutereo As

representaccedilotildees seriam a fonte potencial do conteuacutedo semacircntico de uma proposiccedilatildeo O estoicos

evitaram a formulaccedilatildeo de que os lekta seriam lsquocausadosrsquo pelos processos do pensamento dos

quais eles satildeo de alguma forma como dito antes dependentes Pois os elementos do processo

cognitivo em seu sistema satildeo corpoacutereos e consistem em vaacuterias afecccedilotildees fiacutesicas da mente

(corpoacuterea) por isso poderiam enfrentar o problema da natureza da lsquotransferecircnciarsquo (metabasis)

entre a mateacuteria e o lekton incorpoacutereo122

119 Em inglecircs costuma-se preferir a expressatildeo bearer lsquoportadorrsquo Harven p 57 120 ldquoDialeacutetica foi definida como a praacutetica do discurso em perguntas e respostas em referecircncia a suas origens socraacuteticas mas tambeacutem idealmente como uma aacuterea do conhecimento cientiacutefico que permite a distinccedilatildeo segura entre verdades e falsidades por guiar a aplicaccedilatildeo do criteacuterio de verdade manejar os constituintes do logos atraveacutes de anaacutelise conceitual e atraveacutes da conduccedilatildeo do argumentordquo Atherton e Blank 2013 p 35 121 Para uma abordagem do estudo estoico sobre sofismas falaacutecias e paradoxos ver o artigo de Bobzien 2005 122 Sobre a metabasis ver Sluiter 2000 p 381ss Sobre lekton em relaccedilatildeo agrave ontologia estoica ver as valiosas contribuiccedilotildees de Harven p 54ss que tambeacutem discorre sobre a metabasis aleacutem de sua sugestiva leitura da teoria estoica do lekton como uma doutrina do significado como uso ldquoConsidero que os estoicos tenham uma certa doutrina do tipo lsquosignificado eacute usorsquo tal que o que pode ser dito eacute uma funccedilatildeo do que eacute dito O propoacutesito primaacuterio da linguagem eacute expressar nossos pensamentos que

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A seccedilatildeo sobre a expressatildeo sonora (phone) (DL 744) trata de a expressatildeo sonora

dividida em elementos (letras ndash stoikheia) partes da sentenccedila (mere logou) solecismo

barbarismo poemas ambiguidades expressatildeo meloacutedica e de acordo com alguns tambeacutem das

definiccedilotildees divisotildees e palavras (lekseis)123

Relacionando esta passagem com aquela em DL 7 55-62 poderiacuteamos supor entatildeo

que a seccedilatildeo sobre a expressatildeo sonora (phone) seria composta de trecircs partes 1) definiccedilotildees ndash da

expressatildeo sonora (phone) da lsquopalavrarsquo (leksis) da sentenccedila (logos)124 e dos elementos ou

letras diferenccedilas ndash entre lsquopalavrarsquo (leksis) e sentenccedila (logos) e partes da sentenccedila (mere

logou)125 2) virtudes126 e viacutecios da linguagem (logos) expressatildeo (logos) poema poesia

ambiguidade 3) definiccedilatildeo (horos) gecircnero (genos) conceito (ennoema) espeacutecies (eidos)

divisatildeo (diairesis) distribuiccedilatildeo (anaacutelise ou particcedilatildeo) (merismos)

A informaccedilatildeo que temos para organizar estas seccedilotildees dentro da loacutegica estoica proveacutem

em grande parte da sequecircncia das obras de Criacutesipo (c 281-208 aC) (DL 7 190-192) e do

relato de Dioacutegenes Laeacutercio acerca da Tekhne peri phones de Dioacutegenes da Babilocircnia (fim do

seacuteculo III aC princiacutepio do II ac) disciacutepulo de Criacutesipo No entanto natildeo estaacute claro qual

satildeo diziacuteveis o que eu interpreto como sendo o sentido fundamental do modo passivo mas por termos um sistema recursivo para fazecirc-lo ie a linguagem muitas coisas satildeo diziacuteveis independente de serem ditas o que eacute um sentido secundaacuterio do modo passivordquo (p 52) 123 lsquoPalavrarsquo poderia estar em dois niacuteveis como entidade formal (como parece ser o caso na sequecircncia) e como elemento significante do logos como parece ser o caso aqui Ver abaixo 124 Todo logos eacute phone e leksis mas natildeo o inverso 125 As partes do logos satildeo nome (onoma) nome proacuteprio (prosegoria) verbo (rhema) artigo (arthron) conjunccedilatildeo (sundesmos) agraves quais estoicos tardios acrescentaram a categoria do adveacuterbio (mesotes) A distinccedilatildeo entre nome e nome proacuteprio reflete no niacutevel da phone a distinccedilatildeo ontoloacutegica do sistema estoico entre qualidade individual e comum O lsquocasorsquo natildeo se aplica ao nome no niacutevel da phone mas a sua contrapartida no niacutevel do lekton Zenatildeo falou em lsquoelementosrsquo do logos e natildeo lsquopartesrsquo lsquoo filoacutesofo deve se preocupar em conhecer os lsquoelementosrsquo do logos o que cada um deles eacute como eles se combinam entre si e suas consequecircncias (akoloutha)rsquo LS 31 J A traduccedilatildeo por lsquopartes da sentenccedilarsquo talvez natildeo seja a mais apropriada tampouco lsquopartes da oraccedilatildeorsquo Preferimos aquela por ter-nos parecido um pouco menos lsquoteacutecnicarsquo e assim manter uma certa imprecisatildeo terminoloacutegica que nos parece caracteriacutestica do uso da expressatildeo em ambientes filosoacuteficos principalmente Eacute justamente o fato de filoacutesofos (peripateacuteticos e estoicos) retoacutericos e gramaacuteticos terem usado a mesma expressatildeo mere logou ndash cuja tradiccedilatildeo chega a nossos dias ndash para o resultado da aplicaccedilatildeo de distintas metodologias que faz da histoacuteria das lsquopartes da oraccedilatildeorsquo a peccedila chave para o entendimento do desenvolvimento da gramaacutetica na antiguidade Qualquer abordagem que tenha o intuito de preservar o significado estoico da expressatildeo e natildeo sua apropriaccedilatildeo histoacuterica deve aprofundar-se em detalhes do sistema filosoacutefico estoico diferente desse nosso resumo 126 A primeira das virtudes eacute o grego lsquopurorsquo ou lsquocorretorsquo (helenismo hellenismos) e os dois viacutecios barbarismo e solecismo satildeo violaccedilotildees do helenismo As outras virtudes satildeo clareza (sapheneia) concisatildeo (suntomia) propriedade (prepon) e ornamento (kataskeue) Os epicuristas afirmariam que as uacutenicas virtudes do discurso com que temos que nos preocupar satildeo clareza e propriedade que natildeo demandam uma tekhnologia

68

estoico teria organizado daquela forma a bibliografia de Criacutesipo e a organizaccedilatildeo do tratado de

Dioacutegenes da Babilocircnia pode ter sido invenccedilatildeo de seu compilador De qualquer forma a

organizaccedilatildeo de cada uma das duas aacutereas (semainomena e phone) em Dioacutegenes Laeacutercio

segue o princiacutepio baacutesico de partir do menos para o mais complexo e do geral para o

especiacutefico

A seccedilatildeo relativa agrave expressatildeo sonora (7 55-62) estaacute organizada em Dioacutegenes Laeacutercio

na sequecircncia expressatildeo sonora expressatildeo sonora emitida por impulso pelos animais

expressatildeo sonora articulada (lsquopalavrarsquo) (leksis) expressatildeo sonora articulada com significado

(logos) ndash que somente possuem as criaturas racionais ndash e entatildeo lsquoliacutenguarsquo (dialektos) A leksis

(lsquopalavrarsquo) diz-se ser composta de elementos (stoikheia) as 24 letras (grammata) que satildeo

divididas em vogais mudas semivogais etc A diferenccedila entre logos que eacute sempre

significativo e leksis que ainda natildeo eacute daacute-se em paralelo agrave diferenccedila entre lsquodizerrsquo (legein)

pragmata ou lekta e lsquoproferirrsquo (propheresthai) sons A seguir vem a lista e as definiccedilotildees das

partes do logos na sequecircncia as virtudes do logos e as definiccedilotildees de poiema e poiesis

Poiema e poiesis satildeo os paralelos riacutetmicos de leksis e logos poiema eacute uma leksis organizada

em meacutetrica ou ritmo poiesis eacute um poiema significativo contendo representaccedilatildeo de mateacuterias

divinas e humanas A definiccedilatildeo de lsquodefiniccedilatildeorsquo tambeacutem estaacute incluiacuteda presumivelmente por

que eacute um tipo especial e especialmente importante de logos necessaacuterio para a anaacutelise

conceitual127 O mesmo para a presenccedila das definiccedilotildees de conceitos relacionados ou seja

gecircnero conceito espeacutecies divisatildeo anaacutelise Por fim estaacute a ambiguidade cuja importacircncia os

estoicos parecem natildeo ter cansado de enfatizar pois por conta dela pode-se gerar

assentimento a uma proposiccedilatildeo falsa128

A linguagem falada somente comeccedila a ser significante para os estoicos no niacutevel das

partes da sentenccedila leksis eacute articulada mas natildeo ainda significativa Ainda a capacidade de

cada palavra de realizar sua funccedilatildeo como uma parte da sentenccedila depende de sua forma ndash uma

leksis eacute corpoacuterea e pereciacutevel e natildeo pode mudar de forma sem perder sua identidade Para

estar correto acerca desses assuntos o estoico precisava estudar a maneira como a expressatildeo

sonora se divide em sons chamados elementos ou letras como estes sons eram combinados

em siacutelabas e palavras e como estas palavras podiam ser formadas com elementos variaacuteveis

para permitir relaccedilotildees especiacuteficas com outras palavras na sentenccedila expressando estruturas

particulares de conteuacutedo inteliacutegivel O saacutebio deveria saber tambeacutem tudo que fosse possiacutevel

127 Sexto trata do papel das definiccedilotildees para a teoria estoica em PH 2 205ss 128 Referecircncia no estudo da ambiguidade na loacutegica estoica eacute o livro de Atherton 1993

69

sobre a relaccedilatildeo entre o conteuacutedo e sua expressatildeo linguiacutestica incluindo os problemas que

podiam ocorrer solecismo ‒ a falha na consistecircncia entre estrutura da expressatildeo e conteuacutedo

barbarismo ‒ uso de uma forma incorreta ou natildeo aceita de uma palavra e ambiguidade ‒

quando a expressatildeo falha em corresponder a um e apenas um conteuacutedo e tambeacutem sobre

modos alternativos de expressatildeo tais como a poesia

Sobre a aacuterea que trata das lsquocoisas (pragmaton) e dos significados (semainomenon)rsquo o

relato de Dioacutegenes procede (7 63-83) de maneira anaacuteloga comeccedilando com a definiccedilatildeo de

lekton e sua divisatildeo em lekta completos e incompletos De novo avanccedilamos do simples para o

complexo mas aqui a importacircncia da loacutegica como um estudo sistemaacutetico acerca da inferecircncia

se percebe mais claramente Lekta incompletos129 satildeo os predicados (kategoremata) dos quais

haacute vaacuterios tipos outros lekta satildeo completos ou seja axiomata ou proposiccedilotildees que possuem

valor de verdade mas alguns lekta satildeo natildeo-proposicionais tais como perguntas questotildees

comandos e pedidos e alguns satildeo a combinaccedilatildeo de proposiccedilotildees simples em proposiccedilotildees

completas e em argumentos especialmente os silogismos Na sequecircncia explica-se a divisatildeo

dos axiomata em simples e natildeo simples por meio de sua estrutura interna e da conexatildeo loacutegica

respectivamente lista-se seus tipos Tipos de proposiccedilotildees (axiomata) natildeo simples satildeo

analisados em relaccedilatildeo a condiccedilotildees de verdade Essa seccedilatildeo culmina de maneira significativa

na classificaccedilatildeo dos tipos de logos ou seja dos argumentos (76ss)

Na dialeacutetica estoica encontramos portanto quase todos os elementos cruciais

abordados nos tratados de gramaacutetica posteriores bem como grande parte da terminologia

gramatical Esses elementos contudo estatildeo aiacute organizados descritos e nomeados de acordo

com a aacuterea a que estatildeo subordinados phone ou lekta Foram analisados portanto de acordo

com a organizaccedilatildeo de cada uma das sub-partes da parte loacutegica da filosofia estoica e servem a

propoacutesitos inerentes a esta organizaccedilatildeo130 Devem ser interpretados assim de acordo com

129 ldquoSe o predicado eacute formado pelo que chamariacuteamos de verbo de lsquoum-lugarrsquo tudo que ele requer eacute um caso nominativo para formar uma proposiccedilatildeo completa O lsquocaso nominativorsquo ele mesmo natildeo eacute nunca chamado de lekton incompleto presumivelmente precisamente porque diferente dos predicados ele designa algordquo Sluiter 2000 p 378 130 Sobre a necessidade de ler os elementos da dialeacutetica estoica de acordo com seu proacuteprio sistema ldquoNosso conhecimento da doutrina estoica dos genera verbi eacute amplamente derivada de Dioacutegenes Laeacutercio (DL 7 64) Dioacutegenes discute vaacuterios tipos de predicados isto eacute lekta incompletos do tipo que correspondem a verbos mas que satildeo explicitamente distinguidos de verbos como seus lekta correspondentes (58) Percebe-se que a distinccedilatildeo entre lekta e expressotildees correspondentes deve ser levada agrave seacuterio e que deve-se estar ciente que muitas das distinccedilotildees gramaticais satildeo introduzidas em relaccedilatildeo agrave lekta e natildeo agraves expressotildees jaacute que como exemplo do que corresponderia a um verbo ativo ele apresenta dialegesthai (58)rdquo Frede 1987 p 304 Deve-se ter o mesmo cuidado ao abordar o sistema do tempo verbal As distinccedilotildees estoicas entre lsquoperfeitorsquo e lsquoimperfeitorsquo por exemplo satildeo feitas em termos loacutegicos natildeo gramaticais e concernem ao valor de verdade da proposiccedilatildeo (Cf ibidem p 306)

70

esse sistema sob risco de serem equivocadamente aproximados a conceitos gramaticais

homocircnimos Sobre a necessidade de ler os elementos da dialeacutetica estoica de acordo com seu

proacuteprio sistema sob pena de serem mal compreendidos encontramos um exemplo na

advertecircncia de Frede (1987 p 304)

Nosso conhecimento da doutrina estoica dos genera verbi eacute amplamente derivada de Dioacutegenes Laeacutercio (DL 7 64) Dioacutegenes discute vaacuterios tipos de predicados isto eacute lekta incompletos daqueles que correspondem a verbos mas que satildeo explicitamente distinguidos de verbos que satildeo seus lekta correspondentes (58) Percebe-se que a distinccedilatildeo entre lekta e expressotildees [phonai] correspondentes deve ser levada agrave seacuterio e que deve-se estar ciente que muitas das distinccedilotildees gramaticais satildeo introduzidas em relaccedilatildeo agrave lekta e natildeo agraves expressotildees jaacute que como exemplo do que corresponderia a um verbo ativo ele apresenta dialegesthai (58)

Deve-se ter o mesmo cuidado ao abordar o sistema do tempo verbal As distinccedilotildees estoicas

entre lsquoperfeitorsquo e lsquoimperfeitorsquo por exemplo satildeo feitas em termos loacutegicos natildeo gramaticais e

concernem ao valor de verdade da proposiccedilatildeo131

A anaacutelise da poesia aparece tambeacutem conectada agrave parte eacutetica da filosofia estoica

Aleacutem da obra de conteuacutedo desconhecido sobre leksis Zenatildeo teria escrito (DL 7 4) um tratado

sobre a apreciaccedilatildeo da poesia Tambeacutem lhe satildeo atribuiacutedos cinco livros acerca de lsquoproblemas

homeacutericosrsquo (DL 7 4) onde provavelmente tratou do estudo de passagens homeacutericas cuja

interpretaccedilatildeo causava problemas especialmente para aqueles empenhados em demonstrar que

Homero continha bons preceitos morais132 A quinta seccedilatildeo da parte da bibliografia de Criacutesipo

relativa ao ldquodiscurso eacutetico e agrave articulaccedilatildeo de conceitos eacuteticosrdquo menciona que Criacutesipo compocircs

um tratado sobre proveacuterbios um sobre poemas um que trata de como os jovens devem ouvir

os poetas e um contra os criacuteticos Do tratado de Plutarco De audiendis poetis cuja fonte

principal foi Criacutesipo podemos ter uma ideia de qual seria o conteuacutedo geral dos tratados de

Zenatildeo e Criacutesipo ensinar uma pessoa jovem a entender os bons preceitos morais contidos na

poesia para que evitassem a armadilha de pensar que valorosos poetas poderiam estar

exaltando os maus ensinamentos que frequentemente aparecem em seus poemas

A esta concepccedilatildeo lsquoedificantersquo da linguagem parece ser possiacutevel aproximar o interesse

de alguns estoicos por lsquoetimologiarsquo133 e lsquoalegoriarsquo Tal interesse parece ter sido motivado pela

131 Ver Frede 1987 p 306 132 Para mais informaccedilotildees ver Long 1996 capiacutetulo 3 133 Criacutesipo chegou a ser creditado pela criaccedilatildeo do termo lsquoetimologiarsquo (ver DL 7200) Plutarco no livro mencionado no paacuteragrafo anterior (De aud 31e) diz que a etimologia estoica era uma tolice Mesmo

71

estoica concepccedilatildeo lsquoracionalizantersquo do mundo e sua ideia de sabedoria lsquoancestralrsquo

aparentemente recuperaacutevel pelo processo lsquoetimoloacutegicorsquo A linguagem por meio da

descoberta da lsquomensagemrsquo original seria fonte de sabedoria pois o discurso sendo racional

deveria refletir as leis do universo Do mesmo modo a interpretaccedilatildeo dos poetas antigos

atraveacutes da alegoria deveria desvelar algo sobre a real natureza do mundo pois sua sabedoria

os qualificava a transmitir tal conhecimento134

Agrave dialeacutetica estoica seraacute tambeacutem atribuiacutedo um papel organizador para as artes Ciacutecero

(De or 1 187-188) diraacute que lsquosem a disciplina dos filoacutesofosrsquo os elementos das artes

geometria muacutesica astronomia gramaacutetica e retoacuterica estavam dispersos e desconectados mas

com a ajuda da dialeacutetica eles foram organizados em um conjunto sistemaacutetico de

conhecimento135

No primeiro seacuteculo da era comum Fiacutelon de Alexandria (ou Fiacutelon Judeu) por sua

vez usando o vocabulaacuterio comum agrave loacutegica estoica e agrave gramaacutetica iraacute lsquoacusarrsquo os gramaacuteticos de

terem roubado da filosofia as descobertas de que se vangloriam Sua criacutetica eacute uma tentativa

similar agrave criacutetica epicurista de restringir as pretensotildees lsquofilosoacuteficasrsquo da arte gramatical

Escrever e ler eacute tarefa dessa mais imperfeita forma de gramaacutetica que alguns mudando o nome chamam lsquogramatiacutesticarsquo Mas agrave mais perfeita forma de gramaacutetica pertence a explicaccedilatildeo das grandes obras de poetas e historiadores Quando eles [os gramaacuteticos] explicam as partes da sentenccedila por acaso natildeo roubam as descobertas da filosofia e fazem-nas trabalhar para eles Pois eacute tarefa da filosofia investigar o que eacute uma conjunccedilatildeo ou um nome ou um verbo ou o nome comum e o nome proacuteprio ou o que estaacute deficiente ou a mais no discurso o que eacute declarativo o que eacute uma pergunta uma questatildeo o que eacute uma expressatildeo compreensiva ou um pedido ou um impropeacuterio Pois eacute a filosofia que abrange a investigaccedilatildeo de itens completos independentes e de proposiccedilotildees e predicados E tambeacutem como saber o que eacute um elemento semi-vocaacutelico ou um vocaacutelico ou um completamente natildeo-vocaacutelico e como cada um destes eacute costumeiramente chamado e toda a divisatildeo que diz respeito agraves expressotildees sonoras e elementos e partes do discurso natildeo foi isto realizado e completado pela filosofia Mas tendo se apoderado de algumas gotas de

Secircneca questionou seu valor (De beneficiis 136ndash10 = SVF 21082) Sobre a relaccedilatildeo dos estoicos com a etimologia ver Allen 2005 e Long 2005 134 ldquoLong (2005) contesta a teoria de que os estoicos usaram a alegoria como um meacutetodo e sugere que o procedimento em questatildeo era o etimoloacutegico lsquoA tarefa do etimologista estoico eacute tentar recuperar as verdadeiras crenccedilas codificadas nos nomes e epiacutetetos dos deuses ndash crenccedilas que foram encobertas pela supersticcedilatildeo posteriorrsquo (p 38) No mesmo espiacuterito de Long Porter (1992 86 e 86 n 52) tambeacutem sustentou que natildeo haacute prova de que os estoicos tivessem qualquer interesse na criacutetica literaacuteria em si mesma e que o interesse deles pela alegoria natildeo se dava na forma de uma interpretaccedilatildeo literaacuteria as contribuiccedilotildees estoicas para o desenvolvimento da criacutetica literaacuteria seriam entatildeo acidentaisrdquo Seppaumlnen 2013 p 31 135 Ver Hadot 2005 p 55-57

72

uma torrente por assim dizer e apoacutes tentar impregnar suas almas ainda menores com o que roubaram natildeo se envergonham de proclamar o que tomaram dela como se fosse seu (Congress Erud Grat 146-150)

A criacutetica de Secircneca (Ep 88) ao contraacuterio dirigir-se-aacute aos filoacutesofos acusando-os de terem se

rebaixado a discutir assuntos insignificantes desprovidos de valor na filosofia admoestando-

os a se resguardar de competir com gramaacuteticos

163 Gramaacutetica Heleniacutestica

A influecircncia exercida pelos estudos estoicos da linguagem no desenvolvimento da

gramaacutetica heleniacutestica e da disciplina gramatical que iraacute emergir como uma aacuterea independente

tanto da proacutepria filologia quanto da dialeacutetica da retoacuterica e da filosofia no comeccedilo da era

comum estaacute longe de ser algo descrito em comum acordo136 Essa situaccedilatildeo se deve em

grande parte agrave questatildeo das dificuldades de interpretaccedilatildeo das fontes fragmentaacuterias indiretas e

tardias mencionada antes e conectada a esta agrave discussatildeo a respeito da dataccedilatildeo do tratado

atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio137

A figura chave dessa relaccedilatildeo parece ter sido o estoico Dioacutegenes da Babilocircnia

(tradicionalmente c 240-152 aC) disciacutepulo do proacuteprio Criacutesipo e seu tratado Peri tes

phones fonte da descriccedilatildeo de Dioacutegenes Laeacutercio exposta na seccedilatildeo anterior Um dos mais

importantes nomes da gramaacutetica heleniacutestica o fundador da escola lsquocriacuteticarsquo de Peacutergamo Crates

de Malos (primeira metade do seacutec II aC) teria sido disciacutepulo de Dioacutegenes138 Tambeacutem na

Biblioteca de Alexandria aponta-se um disciacutepulo de Dioacutegenes Apolodoro de Atenas que

136 Outro desdobramento dessa questatildeo diz respeito agrave influecircncia estoica nas lsquoartes gramaticaisrsquo romanas Antigamente havia-se postulado uma oposiccedilatildeo radical (em geral contestada hoje em dia) entre a escola de Peacutergamo conectada agrave filosofia estoica e a escola de Alexandria de influecircncia aristoteacutelica e filoloacutegica de forma que a gramaacutetica romana teria tido origem direta na tradiccedilatildeo estoico-pergamena atraveacutes de Crates e teria depois influenciado a gramaacutetica teacutecnica grega Ver Pagani 2011 p 43ss (para a exposiccedilatildeo das opiniotildees de Ax a favor de um modelo como este) e a contra-argumentaccedilatildeo de Schenkeveld 1990b p 298-306 ldquoDiferente de suas opiniotildees sobre a retoacuterica as ideias linguiacutesticas dos estoicos foram extremamente influentes Gramaacuteticos gregos assim como latinos seguiram seus passos mas cada grupo seguiu seu proacuteprio caminho no que diz respeito agraves virtudes e viacutecios do estilo e ao restante da estoica tekhne peri phonesrdquo Schenkeveld 1990a p 107 Os estudos mais recentes parecem preferir lidar com modelos menos unilaterais e mais complexos para abordar as influecircncias e inter-relaccedilotildees ver a introduccedilatildeo dos autores agrave coletacircnea de artigos em Swiggers e Wouters 2002 137 Haacute que se apontar tambeacutem claro o papel da proacutepria dinacircmica de evoluccedilatildeo dos estudos em historiografia linguiacutestica 138 A identificaccedilatildeo de Crates como estoico eacute questionada por Porter 1992

73

estudou com Aristarco de Samotraacutecia (c 216 ndash 144) e teria influenciado Dioniacutesio Traacutecio

tambeacutem disciacutepulo daquele139

Crates e Aristarco liacutederes respectivamente da escola de Peacutergamo e da escola de

Alexandria junto com o predecessor de Aristarco Aristoacutefanes de Bizacircncio (c 260 ndash 185) satildeo

apontados por Sexto (M 1 44) como aqueles que aperfeiccediloaram a gramaacutetica Os

comentadores do tratado atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio (Sch DThr)140 reportam no entanto

uma histoacuteria diferente Eles apontam o alegorista Teaacutegenes de Reacutegio (VI aC)141 como o

criador da disciplina gramatical que foi entatildeo aperfeiccediloada pelos peripateacuteticos Praxiacutefanes142

e Aristoacuteteles (Sch DThr [Vat] 16424)

A obra de Aristoacuteteles e Teofrasto de que falamos acima teve grande importacircncia

tanto para a poeacutetica e para a retoacuterica quanto para o desenvolvimento de uma teoria geral

acerca da expressatildeo linguiacutestica ou do estilo Tal influecircncia seria uma das responsaacuteveis pela

divisatildeo estoica entre retoacuterica e dialeacutetica e a concepccedilatildeo dos elementos que satildeo tratados no niacutevel

da phone Mas certamente Crates Aristarco e Aristoacutefanes seriam mais adequados para

representar especificidades da gramaacutetica heleniacutestica

1631 Escola de Peacutergamo Crates e Taurisco

Crates tal como nos relata Sexto (M 1 79) teria tentado restringir o escopo da

gramaacutetica Crates dizia que o criacutetico eacute superior ao gramaacutetico O criacutetico diz ele precisa ser experiente na totalidade do saber linguiacutestico (logikes epistemes) enquanto o gramaacutetico precisa simplesmente explicar palavras raras restaurar a prosoacutedia e dominar coisas deste gecircnero por isso o criacutetico eacute como um arquiteto e o gramaacutetico um ajudante

139 Acerca da influecircncia de Apolodoro treinado na loacutegica estoica sobre os alexandrinos ver Frede 1987 358-359 Janko 1995 p 215 e Jonge 2008 p 100-101 140 Estes comentaacuterios (Scholia) referidos como Sch DThr satildeo tardios datando provavelmente do seacuteculo IX ao XIV no entanto desempenham um papel fundamental neste relato por terem preservardo diversos testemunhos relativos a uma eacutepoca em que o desenvolvimento da arte gramatical nos seria de outra forma praticamente desconhecido 141 Sobre Teaacutegenes e suas alegorias ver Domaradzki 2011 142 Sobre Praxiacutefanes ver Martano Matelli e Mirhady 2012

74

Supotildee-se geralmente que Crates143 nesta passagem esteja rivalizando com a escola

de Alexandria cujos membros se autodenominaram lsquogramaacuteticosrsquo144 Poreacutem o que de fato

diferenciava a praacutetica do criacutetico e a do gramaacutetico eacute difiacutecil definir Parece que a escola de

Alexandria a princiacutepio entendia a tarefa criacutetica do gramaacutetico somente em relaccedilatildeo agrave avaliaccedilatildeo

das condiccedilotildees de transmissatildeo textual de uma obra e sua autenticidade Enquanto Crates teria

incentivado a exegese dos textos por meio da alegoria Ou seja em termos modernos

teriacuteamos uma oposiccedilatildeo entre criacutetica textual e criacutetica literaacuteria De forma que enquanto os

alexandrinos dedicavam-se a desenvolver um lsquoaparatorsquo criacutetico para a ediccedilatildeo das obras

homeacutericas a escola de Peacutergamo estaria mais preocupada com os meacutetodos interpretativos No

entanto esta eacute uma distinccedilatildeo unilateral natildeo haacute evidecircncias de os alexandrinos terem se

conformado a ela145 e aleacutem disso esta diferenciaccedilatildeo natildeo se susteacutem se comparamos a

produccedilatildeo das duas escolas

Eacute verdade que Crates e Aristarco discordaram com frequecircncia em suas interpretaccedilotildees

de Homero e que Aristarco e alguns de seus pupilos teriam escrito livros contra as

interpretaccedilotildees de Crates mas fora algumas extravagacircncias filosoacuteficas da parte de Crates (por

exemplo interpretar passagens homeacutericas de acordo com lsquoteoremas loacutegicosrsquo e encontrar nelas

elementos de fiacutesica estoica146) dificilmente seus meacutetodos filoloacutegicos se distinguem daqueles

de Aristarco Em particular ambos parecem ter feito uso constante da etimologia como um

criteacuterio para estabelecer o significado e a ortografia de palavras homeacutericas147

Crates teria escrito sobre vaacuterios toacutepicos de gramaacutetica e criacutetica literaacuteria mas natildeo

possuiacutemos nenhuma indicaccedilatildeo de que tenha escrito uma obra geral sobre kritike Um de seus

143 Para os fragmentos atribuiacutedos a Crates ver Broggiato 2000 144 Ver Sch DThr 7 23-29 lsquodeve-se saber que antigamente a gramaacutetica foi chamada de lsquocriacuteticarsquo a partir da lsquocriacutetica da poesiarsquo um gramaacutetico chamado Antidoro a denominou lsquogramaacuteticarsquo como o conhecimento da literaturarsquoAntidoro de Cime seacutec III aC foi considerado o primeiro grammatikos 145 Lembremos que Dioniacutesio Traacutecio iraacute qualificar o julgamento (krisis) dos poemas como a lsquomais bela partersquo da gramaacutetica 146 Ver Gutzwiller 2010 p 356 ss e o capiacutetulo todo p 337ss para um panorama da criacutetica literaacuteria no periacuteodo 147 Blank 2005 p 222 ldquoPor exemplo os dois gramaacuteticos deram explicaccedilotildees distintas para o epiacuteteto de Apolo ἤιε (Sch A 15365a) Aristarco argumentou que a palavra provinha de ἵημι (lsquolanccedilarrsquo) e por isso era aspirada enquanto Crates (F 23 Broggiato) quis derivaacute-la de ἰάομαι (lsquocurarrsquo) portanto sem aspiraccedilatildeo Nesse caso nossa fonte Herodiano que levou as regras da analogia a seu niacutevel mais alto argumentou que Crates estava correto acerca da aspiraccedilatildeo mas que ele deveria tecirc-lo provado com referecircncia agrave regra de que o eta natildeo eacute nunca aspirado antes de uma vogal Crates no entanto estava interessado em resolver um problema de interpretaccedilatildeo se Apolo era capaz na Iliacuteada de curarrdquo Blank 2005 p 222 ver a sequecircncia para outros exemplos como esse

75

alunos no entanto pode ter escrito e eacute atraveacutes de Sexto que temos alguma informaccedilatildeo acerca

de como poderia estar organizado tal tratado Sexto afirma (M 1 248)

Taurisco o disciacutepulo de Crates subordinando a gramaacutetica agrave criacutetica tal como fizeram os outros criacuteticos disse que a criacutetica se compotildee de uma parte racional (logikos) uma parte praacutetica (tribikos) e uma parte lsquohistoacutericarsquo

Relacionando as duas passagens citadas em que Sexto menciona Crates poderiacuteamos sugerir

que o criacutetico fizesse uso das lsquopartesrsquo de sua arte como preliminares para a atividade da criacutetica

ela mesma que envolveria entatildeo todo o saber (episteme) linguiacutestico O fato de Crates usar

episteme para qualificar o tipo de conhecimento de sua aacuterea aproxima-o da discussatildeo a

respeito do estatuto epistemoloacutegico de sua arte primeiro ele lsquorebaixarsquo o papel da gramaacutetica

baseada em conhecimento empiacuterico depois ele alccedila a criacutetica agrave episteme De forma que ele natildeo

precisa encontrar um lugar na arte para a parte lsquocriacuteticarsquo pois jaacute eacute o niacutevel mais alto A arte

gramatical (a criacutetica textual) eacute subordinada agrave criacutetica (a criacutetica literaacuteria) ndash que incorpora toda a

episteme linguiacutestica Qual das partes da criacutetica ele poderia ter identificado com lsquogramaacuteticarsquo eacute

algo que tentaremos abordar adiante Vale lembrar que Sexto faz equivaler lsquocriacuteticarsquo a

lsquogramaacuteticarsquo e trata a divisatildeo de Taurisco disciacutepulo de Crates como um exemplo de que a

parte lsquohistoacutericarsquo era considerada parte da gramaacutetica

A discussatildeo sobre a divisatildeo de uma arte em suas partes objetivos instrumentos etc

eacute conhecida de outros campos filosofia e medicina por exemplo De fato os proacutelogos das

lsquoartesrsquo (tratados teacutecnicos) geralmente seguiam uma ordem de toacutepicos padratildeo definiccedilatildeo148 e

objeto da arte defesa da utilidade da arte e logo assuntos tratados em cada uma das partes

(mere) da arte funccedilotildees (erga) da arte e lsquoinstrumentosrsquo (organa)149 As distinccedilotildees entre estas

trecircs uacuteltimas no entanto natildeo foram nunca muito claras Nas disciplinas teacutecnicas lsquopartersquo pode

se referir a uma aacuterea a uma tarefa a uma habilidade ou ao resultado de um procedimento

Os termos com que Taurisco denomina suas lsquopartesrsquo satildeo termos tradicionais nas

discussotildees epistemoloacutegicas no campo da medicina podemos supor que ele pretendia indicar 148 Cf Platatildeo Fedro 237c lsquoa menos que uma determinada discussatildeo comece com a definiccedilatildeo do toacutepico estaraacute totalmente baseada em suposiccedilotildees com o resultado que os participantes natildeo iratildeo concordar nem consigo proacuteprios nem uns com os outrosrsquo 149 Os manuais iniciavam frequentemente com um prefaacutecio no qual o autor enfatizava a extraordinaacuteria utilidade da lsquoartersquo em questatildeo justificando o ter-se dedicado agrave presente sistematizaccedilatildeo do assunto exemplo disso eacute o tratado De inventione escrito por Ciacutecero em sua juventude (cf Yonge 1888) A seguir viria um tratamento de todos ou de alguns dos toacutepicos especiais mais tarde codificados em uma lista causa origem definiccedilatildeo mateacuteria partes funccedilotildees instrumentos finalidade tal como a que aparece no Sch DThr (Vat) 113 11 Assim eacute que Ciacutecero (De inventione I 5) afirma ldquoMas antes de comeccedilarmos a tratar dos preceitos da retoacuterica penso que devemos dizer algo sobre a natureza desta arte sua funccedilatildeo finalidade material e partesrdquo (cf Yonge 1888)

76

assim o lsquomeacutetodorsquo pelo qual cada parte tratava seu objeto150 De forma que a parte lsquoracionalrsquo

deveria nesta interpretaccedilatildeo ter de contribuir com leis gerais explanativas Pode no entanto

parecer estranho que agrave parte racional esteja subordinado o estudo de leksis e figuras

gramaticais Talvez considerasse tarefa da parte racional a elaboraccedilatildeo dos padrotildees da

expressatildeo linguiacutestica enquanto a parte praacutetica designava a repetida experiecircncia com estilos e

dialetos diferentes por observaccedilatildeo e treino

1632 Escola de Alexandria

16321 Aristoacutefanes de Bizacircncio e Aristarco de Samotraacutecia151

A principal questatildeo acadecircmica acerca da contribuiccedilatildeo de Aristoacutefanes e Aristarco para

o desenvolvimento da gramaacutetica teacutecnica diz respeito a quanto de autonomia eles conferiram

aos estudos formais da linguagem em relaccedilatildeo a seu empreendimento filoloacutegico Esses estudos

tomam duas direccedilotildees principais no periacuteodo heleniacutestico a doutrina dos elementos constituintes

da linguagem com destaque para as lsquopartes da oraccedilatildeorsquo e a questatildeo da correccedilatildeo linguiacutestica

(hellenismos) no que diz respeito a palavras individuais (ortografia prosoacutedia flexatildeo e

significado) e agrave construccedilatildeo (por meio dos criteacuterios da analogia etimologia dialetos uso e

tradiccedilatildeo literaacuteria)

Aristoacutefanes teria composto coleccedilotildees de lekseis as quais teria organizado usando o

princiacutepio da analogia como uma regra gramatical Aristarco teria desenvolvido lsquosistemasrsquo para

a abordagem de particularidades e peculiaridades da linguagem homeacuterica que podem ser

derivados dos testemunhos que possuiacutemos de sua exegese da obra de Homero Seus meacutetodos

parecem ter envolvido conhecimento gramatical fundado em princiacutepios linguiacutesticos tal como

paradigmas de declinaccedilatildeo e conjugaccedilatildeo bem como entendimento de funccedilotildees sintaacuteticas

lsquomorfologiarsquo e uso de partiacuteculas Poreacutem grande parte da reconstruccedilatildeo do suposto sistema

gramatical de Aristarco e seus contemporacircneos depende da admissatildeo ou natildeo da autenticidade

do tratado DThr pois Dioniacutesio Traacutecio foi pupilo de Aristarco Voltaremos a esta questatildeo na

sequecircncia

150 Tribe (lsquopraacuteticarsquo) eacute o exerciacutecio praacutetico da experiecircncia (Galeno Subf Emp 4825) lsquoExperiecircncia praacuteticarsquo (tribike) eacute o que resulta do uso da lsquotransiccedilatildeo ao similarrsquo ou analogia eacute chamada assim porque demanda muita praacutetica e natildeo pode ser usada simplesmente por qualquer um (Galeno I 69 1 cf Subf Emp 4520 4917) 151 Esta seccedilatildeo segue a exposiccedilatildeo de Pagani 2011

77

Matthaios (apud Pagani 2011 p 57ss) examinou exaustivamente todas as evidecircncias

tradicionalmente ligadas a Aristarco no que concerne agrave doutrina das partes da oraccedilatildeo Com

base em suas conclusotildees152 poderiacuteamos afirmar que de acordo com a tradiccedilatildeo dos

testemunhos Aristarco teria conhecimento de um sistema com oito partes da oraccedilatildeo153 Seria

possiacutevel tambeacutem creditar a Aristarco um aparato conceitual de descriccedilatildeo linguiacutestica que

envolveria um certo grau de abstraccedilatildeo diferenciaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo da doutrina gramatical

O conhecimento de Aristarco no campo gramatical pode ser extraiacutedo de sua

aplicaccedilatildeo de ideias linguiacutesticas agrave criacutetica textual e literaacuteria contudo natildeo eacute possiacutevel restaurar

com seguranccedila suas premissas teoacutericas nem afirmar que Aristarco tenha realmente passado da

observaccedilatildeo empiacuterica para a descriccedilatildeo teoacuterica do fenocircmeno gramatical154

O levantamento de Matthaios permite identificar a influecircncia do pensamento estoico

mas tambeacutem a tradiccedilatildeo aristoteacutelico-peripateacutetica Como sintetiza Pagani (2011 p 60-61)

A evidecircncia que ele [Matthaios] acumulou nos permite ver que a tradiccedilatildeo aristoteacutelico-peripateacutetica teve um efeito notaacutevel na descriccedilatildeo alexandrina da linguagem tambeacutem nos permite supor em contraste com a teoria tradicional de evoluccedilatildeo linear (Platatildeo-Aristoacuteteles gt Estoicos gt Alexandrinos) desenvolvimentos paralelos entre a filologia alexandrina e a filosofia especialmente estoica que em alguns casos exerceram influecircncias muacutetuas entre si (grifos nosso)

A influecircncia estoica teria se intensificado na geraccedilatildeo seguinte agrave de Aristarco em parte devido

agrave secessio doctorum (145 aC) que obrigou diversos estudiosos a abandonarem Alexandria e

estabelecerem-se em Rodes Peacutergamo Atenas e mais tarde em Roma155

Embora haja ainda muito desacordo a respeito da interpretaccedilatildeo do material

relacionado a Aristarco parece-nos que uma posiccedilatildeo moderada pode ser coerentemente

defendida Aristarco e seus contemporacircneos natildeo parecem ter aspirado a uma sistematizaccedilatildeo 152 Ver Pagani 2011 p 58-59 153 A expressatildeo mere logou natildeo aparece nos fragmentos atribuiacutedos a Aristarco ldquoAristarco parece ter usado o termos leksis ao discutir a categoria agrave qual uma palavra pertencia e gramaacuteticos posteriores ainda usaram leksis ao definir classes individuais de palavras Mas os gramaacuteticos natildeo disseram que lsquohaacute oito (ou nove) lekseisrsquo Schenkeveld (1994) 279- 280 acredita que as lsquopartesrsquo dos alexandrinos (Aristoacutefanes e Aristarco) foram na verdade mere lekseos no sentido aristoteacutelico poreacutem eacute preciso enfatizar que Aristoacuteteles inclui tambeacutem outras unidades aleacutem de palavras entre as mere lekseosrdquo Jonge 2006 p 88 n45 Muitas versotildees diferentes da teoria das partes da oraccedilatildeo parecem ter estado em circulaccedilatildeo nos seacuteculos entre Aristarco e Apolocircnio e o nuacutemero canocircnico de oito partes pode ter sido fixado apenas no seacutec II de nossa era Cf Seppaumlnen 2013 p 39 154 Pagani 2011 p 57 n 160 155 Ptolomeu VIII Eveacutergeta atacou e expulsou os intelectuais de Alexandria Dioniacutesio Traacutecio bem como Tiracircnio e Aeacutelio Estilo viveram em Rodes

78

linguiacutestica abrangente nem parecem ter produzido tratados especiacuteficos sobre tais assuntos

Como expressou Ax (apud Pagani 2011 p 42 e 63) eacute quase certo que a gramaacutetica

alexandrina nasce lsquoim Kopfrsquo (na cabeccedila) como base ou instrumento para a compreensatildeo e

interpretaccedilatildeo de textos literaacuterios Mas tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar que algumas

observaccedilotildees de Aristarco sugerem um certo grau de abstraccedilatildeo e pressupotildeem alguma

referecircncia teoacuterica Criacutetica textual e exegese satildeo no entanto as motivaccedilotildees originais das

intervenccedilotildees lsquogramaticaisrsquo sobre os textos156

A principal caracteriacutestica compartida por estes estudiosos eacute de fato o seu vastiacutessimo

conhecimento literaacuterio Vitruacutevio (7 4-7) reporta por exemplo uma competiccedilatildeo de poesia em

Alexandria em que Aristoacutefanes de Bizacircncio teria apontado como ganhador o uacutenico

competidor que natildeo seria um plagiarista O que ele poderia saber de imediato pois conhecia

toda a literatura grega coletada na Biblioteca157

16322 Dioniacutesio Traacutecio

A amplamente discutida autenticidade do tratado DThr eacute considerada uma das

questotildees-chave para a compreensatildeo das origens e primeiros desenvolvimentos da teoria

gramatical no mundo antigo a DThr eacute um manual que conteacutem uma descriccedilatildeo sistemaacutetica da

liacutengua e se realmente for obra de um pupilo de Aristarco atesta uma compreensatildeo de

propriedades gramaticais bastante desenvolvida em sua eacutepoca

A atribuiccedilatildeo do tratado a Dioniacutesio Traacutecio foi posta seriamente em duacutevida pela

primeira vez por Di Benedetto (1958 e 1959) A primeira seccedilatildeo deste tratado aquela da

definiccedilatildeo e das partes da gramaacutetica citada por Sexto em seu tratamento da gramaacutetica (M 1 57

e 250) eacute considerada genuiacutena Eacute certamente um produto alexandrino por enfatizar

interpretaccedilatildeo e criacutetica textual e conter elementos pressupostos por gramaacuteticos como

Asclepiacuteades de Mirleia (seacutec I aC) e Varratildeo (116-27 aC) As seccedilotildees 2 a 4 satildeo defendidas

como autecircnticas por alguns estudiosos Menos numerosos satildeo aqueles que defendem a

autenticidade de 6 a 10 E raros satildeo os que defendem a autenticidade de todo o tratado (1-

20)158

156 Ver Pagani 2011 p 63-64 157 Cf Seppaumlnen 2013 p 35 158 A favor da autenticidade ver Swiggers e Wouters 2002 p 16-17 Outra maneira de olhar a questatildeo eacute ver a DThr como uma ediccedilatildeo final canonizada e lsquomodernizadarsquo do tratado autecircntico de Dioniacutesio Traacutecio Alguns estudiosos sugerem que eacute possiacutevel relacionar muito do material presente no tratado que

79

A seccedilatildeo inicial com a definiccedilatildeo e partes da gramaacutetica eacute seguida pela assim chamada

seccedilatildeo teacutecnica em dezenove pequenos capiacutetulos Satildeo abordados diferentes aspectos da

linguagem leitura acentuaccedilatildeo pontuaccedilatildeo rapsoacutedia elementos (letras e sons) siacutelaba (longa

breve comum) e palavra Os dez uacuteltimos capiacutetulos introduzem as oito partes da oraccedilatildeo nome

verbo particiacutepio artigo pronome preposiccedilatildeo adveacuterbio e conjunccedilatildeo Os termos satildeo

simplesmente listados e acompanhados de muitos exemplos o que poderia apontar para sua

praticidade e finalidade enquanto manual escolar Natildeo aborda a sintaxe tampouco a correccedilatildeo

linguiacutestica

A combinaccedilatildeo de fatores principalmente o testemunho de Apolocircnio Diacutescolo que

atribui a Dioniacutesio opiniotildees diferentes daquelas que aparecem em DThr nos levaria a situar a

DThr na forma que a conhecemos por volta dos seacuteculos III-V de nossa era De forma que

estaria assim natildeo mais na origem mas no fim do desenvolvimento da lsquociecircnciarsquo grega da

linguagem Campo que soacute teria tido iniacutecio sistemaacutetico no seacuteculo I aC com figuras como

Tiracircnio e Asclepiacuteades de Mirleia e atingido seus primeiros estaacutegios de sistematizaccedilatildeo pouco

depois com Trifo e Habro

O nascimento da ciecircncia gramatical no seacuteculo I aC foi hipoteticamente relacionado

por Di Benedetto a fatores como a necessidade de preservar o grego claacutessico contato com a

cultura romana que trouxe consigo confrontaccedilatildeo no niacutevel linguiacutestico e o papel da secessio

doctorum que propiciou entre outros o contato muacutetuo entre retoacuterica e gramaacutetica e pode ter

favorecido o estabelecimento das fronteiras respectivas entre as instruccedilotildees linguiacutesticas do

domiacutenio de uma e outra Pinborg acrescenta a isso a tendecircncia geral do periacuteodo de coletar

observaccedilotildees feitas pelos predecessores em manuais teacutecnicos sistemaacuteticos

A questatildeo da autenticidade da DThr continua polecircmica mas o quadro geral serve

para nos precaver de consideraacute-la prova de que um sistema gramatical evoluiacutedo existia jaacute

entre os primeiros alexandrinos Por outro lado eacute possiacutevel atraveacutes de outras fontes como

afirmarmos acima considerar a existecircncia de alguma teorizaccedilatildeo linguiacutestica neste periacuteodo E

mesmo se a DThr tal como a possuiacutemos natildeo foi integralmente escrita por Dioniacutesio podemos

afirmar que ele escreveu algum tratado cuja(s) seccedilatildeo(otildees) inicial(is) conhecemos A parte

autecircntica natildeo sugere uma exposiccedilatildeo teacutecnica e completa de morfologia ou partes da oraccedilatildeo

mas eacute possiacutevel inferir uma estrutura de alguma forma sistematizada e uma consciecircncia

incipiente da autonomia da disciplina Disciplina que no genuiacuteno espiacuterito alexandrino era

possuiacutemos com conhecimentos que de fato datariam da eacutepoca de Dioniacutesio Cf Seppaumlnen 2013 p 52 e Chapanski 2003 (traduccedilatildeo da DThr em portuguecircs)

80

uma combinaccedilatildeo de estudo linguiacutestico e filoloacutegico direcionada agrave interpretaccedilatildeo de textos

literaacuterios

Em geral deve-se sublinhar a distinccedilatildeo conceitual entre acuacutemulo de observaccedilotildees

linguiacutesticas individuais abundantes desde Aristoacuteteles e o estoicos e a incorporaccedilatildeo destas

observaccedilotildees em um sistema gramatical coerente algo que em geral supotildee-se natildeo ter

ocorrido antes do seacuteculo I aC Os estudiosos alexandrinos dificilmente quiseram estabelecer

um sistema linguiacutestico sua pretensatildeo central era a interpretaccedilatildeo dos poetas Ao fazer isso no

entanto eles ocasionalmente construiacuteram e talvez mesmo descreveram algumas categorias

gramaticais

Naquilo que Apolocircnio Diacutescolo credita a Dioniacutesio Traacutecio pode-se detectar a

influecircncia linguiacutestica da tradiccedilatildeo estoica tambeacutem visiacutevel no que se credita a Tiracircnio que teria

escrito um tratado intitulado Peri merismou ton tou logou meron (lsquoSobre a anaacutelise das partes

da sentenccedilarsquo) O processo de evoluccedilatildeo teria levado a uma primeira codificaccedilatildeo por Trifo

(segunda metade do seacuteculo I aC) (muito citado por Apolocircnio Diacutescolo) que parece ter

rejeitado algumas classificaccedilotildees com vieacutes estoico e estabelecido as bases teoacutericas do sistema

alexandrino Depois de Trifo no entanto esta evoluccedilatildeo teria se prolongado por seacuteculos de

vacilaccedilatildeo e flutuaccedilatildeo ateacute atingir o sistema canocircnico com Apolocircnio Diacutescolo

Algo que fica evidente na histoacuteria desse desenvolvimento que perdura por cerca de 400 anos eacute que o papel desempenhado por Aristarco seus predecessores imediatos e seus contemporacircneos foi decisivo para a codificaccedilatildeo e estabelecimento de conceitos e terminologia concernente ao sistema da linguagem Este sistema foi entatildeo estudado em um niacutevel teoacuterico e gradualmente aperfeiccediloado no curso de uma longa tradiccedilatildeo de erudiccedilatildeo e pesquisa (PAGANI 2011 p 62)

Dioniacutesio define gramaacutetica como empeiria e natildeo tekhne mas veremos que o proacuteprio

Sexto (M 157-63) neutraliza a suposiccedilatildeo de que ele estivesse assim posicionando-se em

relaccedilatildeo a um debate entre empeiria e tekhne e teria considerado os termos equivalentes De

qualquer forma que ele use o termo empeiria poderia talvez refletir alguma influecircncia da

discussatildeo na medicina e talvez enfatizasse o procedimento metodoloacutegico da gramaacutetica com

base no conhecimento empiacuterico Mesmo que Dioniacutesio considerasse tal como parecem ter

considerado os proacuteprios meacutedicos empiacutericos que sua praacutetica era incontestavelmente uma

tekhne Seppaumlnen (2013 p 62) afirma que essa polecircmica eacute um indiacutecio de que a influecircncia da

filosofia particularmente estoica e peripateacutetica comeccedila a se fortalecer a partir da geraccedilatildeo de

Dioniacutesio e entatildeo a oposiccedilatildeo entre os conceitos de empeiria e tekhne se estabelece fazendo

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com que as geraccedilotildees seguintes os considerem conceitos diferentes e contraditoacuterios De forma

que o fato de Dioniacutesio ter usado aquele termo transforma-se num problema bastante seacuterio para

os comentadores da DThr (Sch DThr 165 16-24 e 448 22-25 por exemplo) que iratildeo

entatildeo considerar imprescindiacutevel justificar e explicar por que ele usou este termo Os

gramaacuteticos posteriores ver-se-atildeo compelidos portanto a lsquoconsertarrsquo o termo de Dioniacutesio em

suas proacuteprias definiccedilotildees de gramaacutetica159

1633 Analogistas x Anomalistas

A historiografia da gramaacutetica antiga moldou-a desde o iniacutecio em uma grande cisatildeo

que teria comeccedilado no seacuteculo II aC entre lsquofiloacutelogosrsquo alexandrinos seguidores de Aristarco

de Samotraacutecia proponentes da tese da lsquoanalogiarsquo ou regularidade linguiacutestica160 e do outro

lado os lsquocriacuteticosrsquo de Peacutergamo seguidores de Crates de Malos que teria atacado a lsquoanalogiarsquo e

argumentado que a linguagem se definia pela lsquoanomaliarsquo

A importacircncia do conflito entre analogistas e anomalistas largamente enfatizada com

base na obra de Varratildeo161 e Aulo Geacutelio162 foi primeiro colocada em perspectiva por Fehling

(1956) Fehling demonstrou que Crates teria simplesmente diminuiacutedo o papel da analogia

como criteacuterio do hellenismos (lsquocorreccedilatildeo linguiacutesticarsquo) e colocado sunetheia (lsquouso comumrsquo) em

seu lugar de forma que um tal conflito entre analogistas x anomalistas natildeo teria sequer

159 Como afirmou Seppaumlnen 2013 p 64 o debate sobre o status epistemoloacutegico das artes parece nunca ter ficado fora de moda Assim Filodemo usaraacute profiacutecua e fluentemente o vocabulaacuterio empiacuterico no seacutec I E Galeno (Subf Emp 88 18ss) diraacute que uma medicina estritamente empiacuterica conforma-se totalmente ao tiacutetulo de tekhne Dioniacutesio de Halicarnasso (c 60-7 aC) (Thuc 27) pensa que um criteacuterio irracional de valoraccedilatildeo esteacutetica julga o encanto da literatura mas um criteacuterio racional julga suas qualidades teacutecnicas Natildeo eacute a toa que a ambiguidade da natureza das artes provocara criacuteticas como a de Sexto Empiacuterico que se constroacutei com base no argumento de que os gramaacuteticos natildeo tecircm a miacutenima ideia do que estatildeo fazendo 160 Siebenborn (apud Seppaumlnen 2013 p 69) listou trecircs tipos de uso para a analogia gramatical 1) a simples comparaccedilatildeo de duas palavras nos casos em que haacute incertezas em relaccedilatildeo agrave ortografia prosoacutedia som ou flexatildeo 2) a analogia flexional e derivacional que na praacutetica eacute a compraccedilatildeo de ao menos dois itens lexicais baacutesicos e duas formas flexionadas ou derivadas (ktesis ndash ktasthai e kresis ndash krasthai por exemplo) que eacute a versatildeo extendida do primeiro tipo de analogia 3) Consultar kanones (lsquoregrasrsquo) que satildeo elaborados com base na mencionada analogia de quatro membros em casos em que um acidente gramatical natildeo estaacute claro (ortografia prosoacutedia ou flexatildeo) Tais procedimentos analoacutegicos satildeo mesmo utilizados como paracircmetro para se estabelecer a linha evolutiva da arte gramatical na Antiguidade Ver Pagani 2011 p 38ss 161 De Lingua Latina livros 8 e 9 especialmente 9 1 ver adiante 162 Noct Att 225 I-II especialmente 4 ldquoDois gramaacuteticos famosos Aristarco e Crates altamente experientes defenderam respectivamente analogia e anomaliardquo Fehling argumentou que esta passagem em Aulo Geacutelio eacute totalmente dependente daquela de Varratildeo (cf Blank 2005 p 211)

82

existido A questatildeo aqui entenda-se natildeo eacute demonstrar que natildeo existiu um debate acerca do

papel da analogia e da anomalia em relaccedilatildeo agrave elaboraccedilatildeo da metodologia lsquogramaticalrsquo este

debate certamente existiu mas que natildeo existiram lsquogramaacuteticos anomalistasrsquo no sentido de tais

gramaacuteticos teriam contraposto ao meacutetodo analogista um lsquomeacutetodo anomalistarsquo163 No De

Lingua Latina que foi usado como fonte principal para estabelecer este debate Varratildeo

estaria na verdade lidando com duas visotildees acerca da linguagem e natildeo do meacutetodo

gramatical Uma dessas visotildees seria que a linguagem eacute regulada por regras e teoria essa seria

propriamente a visatildeo dos gramaacuteticos em conjunto A outra visatildeo sobre a linguagem por sua

vez seria a de que falar sobre ela demanda somente a observaccedilatildeo do uso comum uma visatildeo

empiacuterica da linguagem O argumento diria respeito agrave abordagem do lsquofenocircmeno linguiacutesticorsquo de

um ponto de vista racionalista (gramatical) ou empirista

De um lado estariam os gramaacuteticos cujos estudos culminam na obra de Apolocircnio

Diacutescolo Apolocircnio sustenta que observaccedilotildees do uso linguiacutestico devem ser julgadas de acordo

com uma compreensatildeo teoacuterica do sistema linguiacutestico Para ele a existecircncia de um sistema

linguiacutestico garantiria nossa habilidade de julgar o que eacute correto e incorreto na linguagem

Jaacute que tais construccedilotildees como essas satildeo tatildeo oacutebvias algumas pessoas iratildeo pensar que podem observar a sintaxe correta mesmo se natildeo compreendem a razatildeo que haacute por traacutes dela Iratildeo experienciar algo similar agravequelas pessoas que aprendem as formas das palavras apenas a partir da experiecircncia mas natildeo a partir do poder explicativo do uso comprovado dos gregos e a analogia concomitante O que acontece com eles eacute que se eles erram em alguma forma natildeo estatildeo aptos a corrigir seu erro por causa da ignoracircncia que se origina da sua praacutetica (Sintaxe I 60 p 51 Iss Uhlig apud Blank p xxxv)

A criacutetica de Apolocircnio aqui parece ter por alvo algueacutem com uma visatildeo muito similar agrave que

Sexto iraacute elogiar em seu ataque agrave lsquoarte da correccedilatildeorsquo (M I 189ss) ou seja algueacutem com uma

espeacutecie de proposta lsquoempiacutericarsquo para a gramaacutetica que tenha defendido que o necessaacuterio para a

correccedilatildeo linguiacutestica pode ser alcanccedilado apenas atraveacutes da observaccedilatildeo do uso comum

Em sua contribuiccedilatildeo para esclarecer a questatildeo da suposta polecircmica analogistas x

anomalistas Blank (1994 p 151-153) argumentou que Crates natildeo poderia ser a fonte da

maioria dos argumentos contra a analogia presentes no livro 8 do De Lingua Latina de

Varratildeo164 tampouco seria ele a fonte do ataque de Sexto agrave lsquoarte da analogiarsquo165 O pesquisador

163 Cf Blank 2005 p 211 164 Varratildeo organizou seu De Lingua Latina da seguinte forma dividindo a lsquorazatildeo linguiacutesticarsquo (ratio) em lsquoimposiccedilatildeorsquo lsquoflexatildeorsquo e lsquocombinaccedilatildeorsquo escreveu para cada um dos dois primeiros toacutepicos quais sejam lsquoimposiccedilatildeorsquoestudo da etimologia e lsquoflexatildeorsquo estudo da analogia na flexatildeo-derivaccedilatildeo seis livros ndash os trecircs primeiros abordando a disciplina ela mesma (um com argumentos contra a disciplina outro

83

assevera (p xxxvi ss) que a fonte de Varratildeo seria um empiacuterico um epicurista ou um ceacutetico

que teria usado as posiccedilotildees de Aristarco e Crates por consideraacute-los igualmente gramaacuteticos e

colegas um do outro para montar um argumento a partir do desacordo (diaphonia) O

argumento seria se os representantes da analogia discordam na sua aplicaccedilatildeo entatildeo a

analogia eacute inuacutetil Pois diferente dos criteacuterios de antiguidade autoridade e uso a analogia (e

tambeacutem a etimologia) depende de uma teoria da linguagem sua aplicaccedilatildeo portanto pode

facilmente resultar em um conflito entre a forma teoricamente postulada como correta e

aquela que eacute comumente aceita166

A atitude lsquoempiacutericarsquo em prol da observaccedilatildeo do uso natildeo seria dessa forma a de um

lsquogramaacuteticorsquo nenhum deles muito menos um do porte de Crates O conflito descrito por

Varratildeo teria a mesma caracteriacutestica daquele que aparece em Sexto167 Ou seja nas palavras de

Blank (2005 p 212)

Um debate acerca da lsquotecnicidadersquo da gramaacutetica incluindo o status epistemoloacutegico de suas regras e sua utilidade para a vida O lado analogista era teacutecnico e racionalista sustentando que a linguagem era um sistema racional ordenado que poderia ser descrito e compreendido atraveacutes de regras precisas que levariam agrave soluccedilatildeo de questotildees que poderiam surgir no curso da leitura escrita e interpretaccedilatildeo O lado empiacuterico teria argumentado que nenhuma arte complexa da gramaacutetica poderia existir que as regras da gramaacutetica teacutecnica eram incoerentes e que tudo que eacute necessaacuterio eacute a habilidade de observar o uso comum e moldar sua praacutetica linguiacutestica de acordo com ele

com argumentos a favor da disciplina e o terceiro com sua exposiccedilatildeo) os outros trecircs livros satildeo acerca das aplicaccedilotildees da disciplina Provavelmente teria seguido o mesmo modelo na parte sobre a lsquocombinaccedilatildeorsquo sintaxe poreacutem com o dobro da extensatildeo somando os vinte e cinco livros totais Possuiacutemos os livros 5-10 em um manuscrito algo corrompido do seacuteculo onze e passagens que aparecem citadas em obras de outros pensadores Por muito tempo sugeriu-se que a fonte do primeiro livro sobre a flexatildeo o livro 8 com argumentos contra a existecircncia e adequabilidade de analogias na flexatildeo teria sido tomado agrave obra de Crates de Malos que foi por isso considerado um anti-analogista ou um lsquoanomalistarsquo Cf Blank 2005 Veremos na sequecircncia da exposiccedilatildeo argumentos que sugerem que esta leitura estaacute equivocada Fehling (apud Blank 2005 p 214) teria inclusive ironizado que apenas a perda dos livros 2-4 evitou que os historiadores da linguiacutestica postulassem um debate que teria se arrastado por mil anos entre lsquoEtymologistenrsquo und ndash wie soll ich sagen ndash lsquoAnti-Etymologistenrsquo (Etimologistas e ndash como deveria dizer ndash Anti-Etimologistas) 165 Sexto em M 1 176 diz que a correccedilatildeo a que se opotildee procede da analogia mas ele tambeacutem se refere diretamente agrave correccedilatildeo (hellenismos) como lsquoa arte da analogiarsquo (M 1 214 cf 179 e 199) 166 Ver Blank 2005 p 215 167 Aleacutem de outras sugerimos comparar entre o livro 8 do De Lingua Latina e o Contra os Gramaacuteticos respectivamente as passagens (27) e (50 176 191-3) (33) e (177-9) (34) e (237) (37-8) e (224-5)

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A par da famosa passagem geral no livro 9 do De Lingua Latina de Varratildeo que

introduz o argumento do analogista onde Crates eacute acusado de interpretar de forma

equivocada tanto o uso de lsquoanomaliarsquo por Criacutesipo quanto as intenccedilotildees de Aristarco ao

defender a lsquoanalogiarsquo (91)168 ndash passagem em que infelizmente natildeo fica claro qual era a

posiccedilatildeo de Crates169 ‒ Crates eacute citado por Varratildeo apenas em relaccedilatildeo a dois outros pontos O

primeiro estaacute relacionado agrave universalidade da analogia da declinaccedilatildeo nominal e o outro

envolve regras de definiccedilatildeo das classes de nomes dentro das quais deveriam aparecer as

mesmas formas para os casos Blank (p xxxvii) acredita que Crates e Aristarco satildeo citados

por terem divergido acerca do criteacuterio da analogia nominal e a fonte de Varratildeo teria usado o

desacordo entre eles para desacreditar seu projeto comum ldquoambas as menccedilotildees a Crates podem

ser interpretadas da mesma forma Crates diz que certas palavras satildeo similares e deveriam

declinar de forma anaacuteloga Aristarco teria contestado negando que tais palavras fossem

similares portanto a analogia natildeo deveria ser aplicada entre elasrdquo (BLANK 2005 p 232)170

Para reforccedilar sua tese de que os argumentos apresentados por Varratildeo natildeo provecircm de

um suposto projeto dogmaacutetico que pretende destruir a analogia e provar que a anomalia

deveria ser o princiacutepio diretriz de nosso comportamento ou praacutetica linguiacutestica171 Blank (p

xxxviii) enfatiza as seguintes passagens

168 ldquoFamoso erro eacute o daqueles que preferem ensinar o que natildeo sabem a aprender o que desconhecem neste erro caiu Crates um nobre gramaacutetico apoiado em Criacutesipo homem muito engenhoso que deixou trecircs livros lsquoSobre Anomaliasrsquo se pocircs contra a analogia e contra Aristarco mas como indicam seus escritos parece natildeo ter compreendido a intenccedilatildeo de nenhum deles Pois Criacutesipo quando escreve sobre a desigualdade nos discursos tem o propoacutesito de mostrar que coisas parecidas satildeo denotadas por palavras diferentes e que coisas diferentes satildeo denotadas por vocaacutebulos parecidos o que eacute verdade e Aristarco quando escreve sobre a regularidade [nos discursos] ordena seguir certa semelhanccedila das palavras na sua mudanccedila como permite o usordquo (Trad Valenza 2010 com alteraccedilotildees) 169 ldquoParece que Crates de alguma forma usou a lsquodescobertarsquo de Criacutesipo de uma correspondecircncia imperfeita entre expressatildeo e significado (lsquoanomaliarsquo) contra os argumentos de Aristarco a favor da regularidade (lsquoanalogiarsquo) na flexatildeo e derivaccedilatildeo - desde que formas teoricamente corretas natildeo estivessem em conflito com formas estabelecidas pelo uso Talvez Crates estivesse simplesmente se referindo aos trecircs livros de Criacutesipo sobre a anomalia como se aiacute estivesse estabelecido que o papel da razatildeo em questotildees linguiacutesticas morfoloacutegicas e semacircnticas era limitadordquo Blank p xxxvi A sugestatildeo eacute que Varratildeo pode natildeo ter percebido que Crates natildeo era na verdade um protagonista no debate mas que teria sido citado como um exemplo Ver Blank 2005 p 211 170 Sobre uma anaacutelise dos criteacuterios para a similaridade ver Siebenborn 1976 A interpretaccedilatildeo de Blank (2005) seguindo os argumentos de Fehling eacute que Crates na verdade seria um proponente da extensatildeo do criteacuterio do uso comum pois formas similares natildeo se comportam de forma anaacuteloga enquanto Aristarco diria que as formas supostas natildeo eram similares portanto natildeo iriacuteamos mesmo encontrar analogia entre elas 171 Vale a pena ressaltar que a par do tratado de Criacutesipo que possui outro vieacutes natildeo haacute qualquer menccedilatildeo agrave existecircncia de um tratado lsquogramaticalrsquo cujo tiacutetulo remeta agrave lsquoanomaliarsquo tal como estatildeo atestados vaacuterios sobre o lsquohelenismorsquo lsquolatinidadersquo e lsquoanalogiarsquo Cf Blank 2005 p 215 n 19

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Em diversos momentos a fonte de Varratildeo mostra sua cara Um eacute a caracterizaccedilatildeo da regra de Aristarco sobre o vocativo como lsquovergonhosarsquo (impudenter) junto com a espirituosa referecircncia aos gecircmeos cocircmicos (841-42 e 9 43)172 Outro eacute o argumento se a analogia estaacute no discurso estaacute ou em parte dele ou em todo ele natildeo estaacute em todo ele e estando somente em parte dele natildeo eacute suficiente ‒ tal como natildeo eacute suficiente ter os dentes brancos para um etiacuteope ser branco logo natildeo haacute analogia no discurso (8 38) Esta eacute claramente uma versatildeo (ligeiramente truncada) de um argumento ceacutetico tal como o proacuteximo ponto (em que se fala dos gecircmeos) Jaacute que aqueles que satildeo a favor das analogias estatildeo confusos sobre onde deve ser encontrada a similaridade (se na forma ou no significado das palavras) e sobre como estabelecer sua ausecircncia ou presenccedila entatildeo eles natildeo possuem qualquer autoridade ou competecircncia nestas mateacuterias e natildeo se deve segui-los (839) A mesma conclusatildeo se repete ao fim desta seccedilatildeo lsquoEntatildeo jaacute que eles natildeo sabem como a similaridade deve ser entendida eles natildeo estatildeo aptos a falar sobre analogiarsquo (843) Note que cada um destes pontos foi colocado para mostrar que lsquonatildeo haacute analogia no discursorsquo ou que lsquonatildeo devemos seguir a regularidadersquo (por exemplo 833 35 37 38)173

Aleacutem disso e sustentando a hipoacutetese de que Crates e Aristarco foram criticados por sua

divergecircncia em relaccedilatildeo agrave aplicaccedilatildeo do criteacuterio da analogia dentro de um projeto comum de

meacutetodo gramatical ao final do livro 9 do De Lingua Latina temos aparentemente a resposta

a um argumento padratildeo construiacutedo com base na diaphonia

Sobre o uacuteltimo ponto no livro precedente de que a analogia natildeo existe porque aqueles que escreveram sobre ela natildeo estatildeo de acordo uns com os outros ou porque aquilo em que concordam natildeo estaacute de acordo com o uso comum (consuetudo) ambos os pontos ltsatildeo insignificantesgt Pois se assim fosse deveriacuteamos rejeitar todas as artes jaacute que os escritores discordam na medicina na muacutesica e em muitas outras artes O mesmo eacute verdade para os pontos em que os escritores concordam se a natureza (natura) nega estes pontos natildeo se deveria culpar a arte mas o lsquoartistarsquo‒ deveriacuteamos dizer que ele natildeo revelou a verdade em seus escritos natildeo que a verdade natildeo pode ser descrita Pois assim como algueacutem diz [no ablativo] monti e fonti enquanto outros dizem monte e fonte e outras palavras que tambeacutem satildeo ditas de dois modos se um modo eacute verdadeiro e outro falso natildeo eacute o caso de que a analogia vai ser destruiacuteda por aquele que erra enquanto aquele que fala corretamente a afirma Mas assim como aquele que erra nestas palavras quando elas possuem duas maneiras de ser ditas natildeo destroacutei a racionalidade por seguir o que eacute falso assim tambeacutem ocorre com aquelas que natildeo satildeo ditas de dois modos se algueacutem pensa que elas satildeo ditas diferentemente de como

172 Aristarco teria insistido que para se estabelecer uma classe de nomes similares a similaridade no nominativo deveria ser reforccedilada pela similaridade no vocativo Varratildeo afirma que este procedimento eacute tatildeo tolo quanto insistir em comparar os filhos dos gecircmeos de Menecmo (uma comeacutedia de Plauto) antes de se admitir que os gecircmeos seriam eles mesmos idecircnticos (nota nossa) 173 Para um argumentaccedilatildeo mais detalhada ver Blank 2005 p 223 ss

86

devem ser natildeo destroacutei a ciecircncia do discurso mas expotildee sua proacutepria falta de conhecimento cientiacutefico (De Lingua Latina 9 111-112) (traduccedilatildeo nossa)174

A resposta de Varratildeo comprovaria que ele estaacute se referindo a um argumento geral do

desacordo aplicado agrave gramaacutetica o qual encontra em Aristarco e Crates evidecircncia de dois

eminentes gramaacuteticos discordando acerca da extensatildeo da analogia e de como suas regras

deveriam ser formuladas e aplicadas De fato dificilmente poderiacuteamos sustentar que as

atitudes que Varratildeo atribui em geral a seu lsquoanti-analogistarsquo seriam caracteriacutesticas de Crates

tais como sustentar que o uso eacute tudo que eacute necessaacuterio para falar corretamente que claridade e

brevidade satildeo as uacutenicas virtudes do discurso que eacute inuacutetil e prejudicial seguir investigando

acerca de questotildees linguiacutesticas uma vez que jaacute tivermos adaptado nosso uso ao uso linguiacutestico

da comunidade e que o criteacuterio racional para a analogia e etimologia deveria ser rejeitado se

algueacutem quisesse falar corretamente175

Talvez isso natildeo seja suficiente para identificar a fonte de Varratildeo como um epicurista

mas possuiacutemos outro relato independente de um ataque epicurista ao helenismo como arte da

correccedilatildeo linguiacutestica No quarto livro de sua Retoacuterica (PHerc 1423 cols I ss) Filodemo

inclui uma discussatildeo do estilo (leksis) na qual os lsquosofistasrsquo ou retoacutericos satildeo criticados por

estabelecerem regras (thematizein) arbitraacuterias do estilo que eles natildeo seguem de verdade e que

satildeo em todo caso desnecessaacuterias em vista do fato de que haacute apenas um modo naturalmente

bom de falar (heis phusikos kalos logos col 7 7-8) ou seja o estilo claro e simples Um dos

toacutepicos mencionados eacute o lsquohelenismorsquo o uso correto do grego (II 412-13)

Agora em relaccedilatildeo ao estilo grego (he Hellenike hermeneia) que alguns dizem consistir em manter as particularidades dos vaacuterios dialetos (tas ethnikas te phulattein idiotetas) e evitar solecismo e barbarismo (alguns referem-se agrave natildeo observaccedilatildeo de particularidades eacutetnicas como lsquosolecismorsquo outros pensam que falar de uma maneira distinta do uso comum em relaccedilatildeo agrave aspiraccedilatildeo natildeo aspiraccedilatildeo ou nos acentos eacute lsquobarbarismorsquo) neste momento natildeo eacute oportuno acrescentar nada basta dizer que os sofistas fizeram o levantamento de muitos solecismos em todos os livros ndash de qualquer forma coloquei este capiacutetulo mais adiante Mesmo assim esse tipo de estilo natildeo possui uma arte tal como eles reivindicam e tal como muitos elaboraram para outros estudos (apud Blank p xl)

Eacute o mesmo que afirma Sexto natildeo haacute uma tekhne relativa ao helenismo (M 1 179 180 193)

174 Ver Blank xxxviii e Blank 2005 p 233-234 Comparar a passagem citada com M 1 170 173 178 e 195 175 Blank 2005 p 221-222

87

Eacute difiacutecil dizer quatildeo confiacuteavel eacute o testemunho de Maximus Planudes quando ele diz

que Epicuro afirmou que ldquoa natureza eacute quem corrige os discursos e natildeo a arterdquo ndash mas este

testemunho estaria de acordo com o panorama do qual damos mais informaccedilotildees na

sequecircncia176

16331 Gramaacutetica Empiacuterica

Eacute preciso ainda esclarecer alguns pontos acerca da seccedilatildeo anterior Diferente do que

foi de fato o caso com a arte meacutedica natildeo houve uma lsquoescola empiacuterica de gramaacuteticarsquo Os

argumentos que supotildeem uma visatildeo empiacuterica da correccedilatildeo linguiacutestica satildeo oriundos de um

ambiente de disputas filosoacuteficas interconectadas com a tradiccedilatildeo dessas discussotildees na

medicina177 Eacute justo afirmar que tais argumentos provavelmente teriam exercido certa

influecircncia sobre a praacutetica de alguns gramaacuteticos no entanto eles concernem agrave lsquonatildeo-existecircnciarsquo

e inutilidade da arte gramatical in totum Ou seja eles visam a tekhne grammatike enquanto

tekhne A habilidade gramatical que pode ser lsquodefendidarsquo eacute a lsquonatildeo-gramaacuteticarsquo ie a

lsquogramatiacutesticarsquo A discussatildeo dentro do ambiente gramatical acerca de seu status como tekhne

ou empeiria em nenhum momento sugere que fossem totalmente descartados os criteacuterios

racionais mas somente discute as limitaccedilotildees de sua aplicaccedilatildeo178

Poderiacuteamos mesmo sustentar que a observaccedilatildeo do uso comum ou do uso de autores

consagrados deveria ser a base de qualquer projeto que versasse a boa expressatildeo escrita ou

falada E a observaccedilatildeo do uso eacute realmente a base da gramaacutetica ou filologia antiga O que estaacute

em jogo de acordo com a leitura que estamos defendendo aqui diz respeito na verdade agrave

compreensatildeo ou pretensatildeo de gramaacuteticos e filoacutelogos de que o que eles praticam eacute uma arte

ou ciecircncia (tekhne) um conhecimento sistemaacutetico e universal Tal que faria parte do seu

sistema regras e uma metodologia de aplicaccedilatildeo por meio das quais todos ou quase todos os

casos ou problemas poderiam ser regulados logo neste caso a observaccedilatildeo do uso natildeo seria

suficiente Natildeo temos qualquer indiacutecio de que tenha havido uma corrente ou escola gramatical

176 Blank p xl 177 ldquoEnquanto houve claramente divergecircncias entre os gramaacuteticos sobre o modo em que as regras e criteacuterios gramaticais deveriam ser empregados os empiacutericos evidentemente natildeo foram gramaacuteticos antes devemos contaacute-los entre epicuristas ceacuteticos pirrocircnicos e provavelmente acadecircmicosrdquo Blank 2005 p 215 178 Por exemplo Sch DThr [Vat] 165 166ss ver Blank 2005 p 217

88

baseada somente em princiacutepios empiacutericos observaccedilatildeo do uso pesquisa em fontes anteriores

e transiccedilatildeo ao similar e que desprezasse um meacutetodo racionalista179

17 CONTRA OS GRAMAacuteTICOS

Sexto afirma no princiacutepio da lsquoIntroduccedilatildeorsquo ao Contra os Professores (M 11-7) que

tanto epicuristas quanto pirrocircnicos propuseram ainda que por motivos diferentes180 contra-

argumentos aos especialistas nas tekhnai Ele como pirrocircnico diz que iraacute tentar lsquosem espiacuterito

de rivalidadersquo (khoris philoneikias) escolher e expor os argumentos que lsquoefetivamentersquo

(pragmatikos) depotildeem contra as disciplinas Tudo indica que esteja afirmando que iraacute

incorporar argumentos ceacuteticos ou epicuristas evitando uma postura dogmaacutetica (tanto por natildeo

descartar os argumentos dogmaacuteticos a priori quanto no enquadramento que lhes confere)

A argumentaccedilatildeo de Sexto contra os elementos do ensino em sua lsquoIntroduccedilatildeorsquo eacute

como mencionamos antes tipicamente ceacutetica e encontra paralelo em outras obras sextianas

(PH 3 250 ss M 11 168 ss) Por outro lado o ataque especiacutefico a cada arte conteacutem muito

material de origem epicurista e embora Sexto realmente se aproprie deste material por vezes

ele faz questatildeo de distinguir sua procedecircncia Tais distinccedilotildees satildeo feitas geralmente quando

os argumentos se assentam sobre premissas dogmaacuteticas ou quando violam o espiacuterico ceacutetico

como por exemplo quando os argumentos contra a gramaacutetica satildeo direcionados em primeiro

lugar contra a proacutepria poesia pois os pirrocircnicos se recusam a atacar a poesia (M 1 278 299)

Muitos argumentos revelam supomos um vieacutes epicurista mas Sexto natildeo os diferencia o que

poderia sugerir que estes argumentos natildeo violam o espiacuterito ceacutetico ou estatildeo mesmo de acordo

com ele181

Um exemplo muito claro da alternacircncia de Sexto entre argumentos ceacuteticos e

epicuristas e o uso desta alternacircncia como um princiacutepio estrutural eacute o sexto e uacuteltimo livro

Contra os Muacutesicos Sexto adverte (M 6 4-6) que lsquotal como no caso da gramaacuteticarsquo o primeiro

179 Blank 2005 p 216 ldquoVer Herodiano que diz (90918 Lentz) lsquosejam as palavras raras ou comuns seratildeo conhecidas pela analogia que produz prediccedilotildees sobre qualquer palavra grega e com sua arte conteacutem como uma rede a muacuteltipla expressatildeo da linguagem humanarsquordquo 180 Sexto caracteriza a gramaacutetica alvo de seu ataque como aquela que se ocupa da natureza de sons e letras Epicuro que possuiacutea suas proacuteprias teorias acerca da natureza e invenccedilatildeo da linguagem (Carta a Heroacutedoto 37-8 75-6) natildeo deve ter atacado a gramaacutetica com base nisso O ataque epicurista eacute a princiacutepio motivado pela pretensatildeo das artes de equiparar-se agrave filosofia Ver Blank 1995 p 184-185 Sobre as ideias de Epicuro acerca da origem da linguagem ver o artigo bastante completo de Verlinsky 2005 181 Blank xliv

89

tipo de ataque agrave teoria musical eacute feito de forma lsquobastante dogmaacuteticarsquo Tal polecircmica ver-se-aacute

eacute epicurista o estudo da teoria musical natildeo contribui para a felicidade e eacute na verdade

prejudicial Os argumentos desta seccedilatildeo (7-37) apresentam inclusive semelhanccedilas verbais

com o tratado do epicurista Filodemo de Gaacutedara Sobre a Muacutesica182 A segunda polecircmica no

entanto eacute pirrocircnica a lsquodestruiccedilatildeo da muacutesicarsquo resultaraacute das aporias ceacuteticas direcionadas a suas

hipoacuteteses teoacutericas fundamentais e depende do que Sexto chama de uma investigaccedilatildeo lsquomais

efetivarsquo (pragmatikotera) mais relacionada agrave teoria musical ela proacutepria que aos efeitos da

muacutesica (38) Sexto ataca melodia e ritmo a partir das noccedilotildees de som tom e ritmo usando

argumentos contra intervalos alto baixo e homoacutefono dissonante e consonate tons longos e

curtos e tempo ndash jaacute utilizados em M 10 169-247 Com tais argumentos lsquoefetivosrsquo

(pragmatikos) dirigidos contra os princiacutepios da muacutesica (68) Sexto daacute por encerrada sua

exposiccedilatildeo contra as disciplinas183

A afirmaccedilatildeo de Sexto de que haacute dois tipos de polecircmica (M 6 4-6) dogmaacutetica e

aporeacutetica tais que se revelam epicurista e ceacutetica lsquocomo foi o caso com a gramaacuteticarsquo reitera a

divisatildeo em argumentos ceacuteticos e epicuristas como um princiacutepio estrutural seguido tambeacutem no

Contra os Gramaacuteticos Assim uma longa seccedilatildeo de M 1 eacute atribuiacuteda por Sexto a lsquooutros

especialmente os epicuristasrsquo (M 1 299) Esta seccedilatildeo (277-298) conteacutem a primeira parte do

ataque de Sexto agrave parte da gramaacutetica que trata dos poetas Na sequecircncia o ataque segue uma

orientaccedilatildeo diferente (299-320) Sexto natildeo critica a poesia ela mesma seu alvo eacute a ignoracircncia

dos gramaacuteticos acerca tanto das palavras usadas na poesia como de seus significados Esta

segunda parte do ataque Sexto descreve como uma refutaccedilatildeo ceacutetica (299) As seccedilotildees se

dividem da maneira jaacute indicada por Sexto a reacuteplica epicurista contesta a utilidade da poesia e

da poeacutetica para a lsquofelicidadersquo o ataque ceacutetico por sua vez mira nos princiacutepios fundamentais e

nos teoremas do gramaacutetico A contra-argumentaccedilatildeo de vieacutes epicurista segue ponto por ponto

os argumentos que foram antes mencionados em defesa da utilidade desta parte da gramaacutetica

(270-6)

O padratildeo geral de Sexto eacute a exposiccedilatildeo da posiccedilatildeo sustentada pelos gramaacuteticos

acerca de uma determinada questatildeo seguida pela criacutetica desta posiccedilatildeo O mesmo padratildeo que

segue no Contra os Muacutesicos Seu livro mimetiza a estrutura de um tratado gramatical

definiccedilatildeo de gramaacutetica divisatildeo em partes discussatildeo de cada uma das partes Tal como

apontou Blank (p xlv) transparece na estrutura da argumentaccedilatildeo que o tratado subjacente agrave

182 Sobre isso e sobre o Contra os Muacutesicos em geral ver Roeder 2013 183 Cf Blank xlii-xliv

90

criacutetica poderia ser aquele de Asclepiacuteades de Mirleia Este gramaacutetico eacute citado (47) para a

etimologia da palavra lsquogramaacuteticarsquo a partir de gramma no sentido de lsquoobra literaacuteriarsquo De

acordo com Asclepiacuteades o domiacutenio da lsquogramaacuteticarsquo eacute a literatura184 Tambeacutem eacute sua a definiccedilatildeo

de gramaacutetica que critica aquela dada por Dioniacutesio Traacutecio e pretende aprimoraacute-la (72-75) A

divisatildeo da gramaacutetica em trecircs partes lsquohistoacuterica teacutecnica e especialrsquo (91) escolhida por Sexto

como ponto de partida para sua discussatildeo parece ser uma adaptaccedilatildeo da triparticcedilatildeo de

Asclepiacuteades em lsquoteacutecnica histoacuterica e gramaticalrsquo citada em sect 252 Aleacutem disso Sexto usa

como base para sua criacutetica da lsquoparte histoacutericarsquo a descriccedilatildeo e estruturaccedilatildeo atribuiacuteda a

Asclepiacuteades (252) Com isso poderiacuteamos inferir que o tratado de Asclepiacuteades seria em

uacuteltima anaacutelise a origem das seccedilotildees de M 1 que expotildeem a tekhne gramatical185

Asclepiacuteades foi famoso na Antiguidade por seu tratado acerca da taccedila de Nestor

(Iliacuteada 11 632 ss) interpretando-a como uma representaccedilatildeo da esfera celestial186 Com base

neste livro que critica Dioniacutesio Traacutecio e outros alexandrinos e em sua teoria da esfera

celestial Asclepiacuteades foi associado a Crates de Malos e agrave Escola de Peacutergamo Mas ele teria

tambeacutem criticado Crates Suas pesquisas sobre astronomia transparecem em sua obra Sobre a

Esfera Baacuterbara onde explica mitos associados agraves figuras zodiacais Escreveu sobre a Iliacuteada e

a Odisseia tal como provavelmente todos os gramaacuteticos heleniacutesticos antes dele talvez tenha

escrito tambeacutem sobre Piacutendaro e Teoacutecrito e em todos os seus livros parece ter citado muita

poesia heleniacutestica Asclepiacuteades tambeacutem escreveu dez ou mais livros sobre a Bitiacutenia (seu paiacutes

de origem) explicando mitos e lendas dessa aacuterea e um Guia dos Povos da Turdetacircnia que

foi usado por Estrabatildeo uma revisatildeo da histoacuteria miacutetica das relaccedilotildees hispano-grecas

Finalmente ele eacute o autor do livro Sobre Gramaacutetica cujo tiacutetulo eacute citado por Sexto em sect 252

presumivelmente tambeacutem o lugar de onde proveacutem as outras citaccedilotildees sect 47 e sect 91 Tal livro

parece ter sido utilizado tambeacutem por Quintiliano em De Oratore e com base nas passagens

184 Tal reivindicaccedilatildeo de Asclepiacuteades por um lado reafirma o status da gramaacutetica lsquocompletarsquo frente agravequela lsquomenorrsquo a lsquogramatiacutesticarsquo que teria mesmo perdido o direito de chamar-se lsquogramaacuteticarsquo mas por outro lado talvez ele estivesse reagindo agrave especializaccedilatildeo da gramaacutetica lsquoteacutecnicarsquo que conforme indicamos no relato histoacuterico do desenvolvimento da gramaacutetica comeccedila a despontar como campo independente da lsquofilologiarsquo por volta da eacutepoca em que Asclepiacuteades teria atuado comeccedilo do seacuteculo I aC Sexto no entanto natildeo faz qualquer menccedilatildeo de que a gramaacutetica pudesse ser entendida como estando desvinculada do estudo da literatura Di Benedetto (p 399) aponta a definiccedilatildeo de Asclepiacuteades em polecircmica com a de Dioniacutesio Traacutecio como indiacutecio de que neste momento depois de Dioniacutesio a gramaacutetica teacutecnica desponta como estudo especializado ainda vinculado agrave filologia mas doravante seguindo um desenvolvimento proacuteprio 185 Blank p xlv 186 Sobre Asclepiacuteades ver Pagani 2007

91

similares em Sexto e Quintiliano e em menor medida em Dioniacutesio de Halicarnasso pode-se

ter uma ideia de seu conteuacutedo

Sexto no entanto natildeo parece ter utilizado diretamente o tratado de Asclepiacuteades As

exposiccedilotildees das partes de seu sistema gramatical estatildeo em geral conectadas a refutaccedilotildees de

vieacutes epicurista com isso tanto exposiccedilatildeo quanto refutaccedilatildeo foram provavelmente retiradas de

uma mesma fonte Com base nisso poderiacuteamos concluir tal como faz Blank (p xlvii) que a

fonte de Sexto seria um tratado epicurista que critica e ataca o Sobre a Gramaacutetica de

Asclepiacuteades

Cada um dos toacutepicos apresenta excertos de maior ou menor extensatildeo provenientes

iraacute afirmar Blank (ibidem) da obra de Asclepiacuteades seguidos ou imediatamente ou depois de

uma exposiccedilatildeo completa por uma refutaccedilatildeo que visa demonstrar que a gramaacutetica natildeo eacute uma

tekhne e natildeo eacute uacutetil Esta teacutecnica de excerto e criacutetica eacute comum agraves obras de Filodemo Sobre os

poemas Sobre a muacutesica e Sobre a retoacuterica Natildeo temos conhecimento de nenhuma obra de

Filodemo acerca da gramaacutetica mas eacute plausiacutevel que a fonte de Sexto fosse algum tratado como

os de Filodemo ou de seu mestre Zenatildeo de Siacutedon (c 150-75 aC) que eacute conhecido por ter

usado um formato similar em suas obras Filodemo (PHerc 1005 col 10 9-21 = fr 12

Angeli-Colaizzo apud Blank p xvii) afirma que Zenatildeo ldquorespondia agraves objeccedilotildees contra a

doutrina (logos) e modo de vida dos seguidores de Epicuro por meio daquilo mesmo que

estava em seus livros coletando muitiacutessimas evidecircncias sobre cada ponto como ele fez em

seu Sobre a Gramaacutetica Sobre a Histoacuteria Sobre Proveacuterbios e Similares Sobre a Expressatildeo

Sobre o Uso dos Poemas e Sobre a Piedaderdquo187 De forma que eacute razoaacutevel supor que teria

reunido nestas obras as informaccedilotildees que os epicuristas usavam para construir seus ataques agrave

lsquogramaacuteticarsquo quais sejam o trabalho dos filoacutelogos alexandrinos e dos criacuteticos de Peacutergamo eacute

inuacutetil todos devem aprender a ler e escrever e falar corretamente de acordo com os costumes

correntes um processo que natildeo depende e natildeo necessita de teoria gramatical somente os

filoacutesofos podem realizar a elucidaccedilatildeo dos textos filosoacuteficos188

A seccedilatildeo explicitamente marcada como epicurista natildeo seria portanto a uacutenica a conter

elementos epicuristas a exposiccedilatildeo da teoria gramatical e as citaccedilotildees dos gramaacuteticos teriam

origem na mesma fonte da qual proviria tambeacutem uma refutaccedilatildeo epicurista a cada uma das

doutrinas gramaticais Blank (ibidem) relaciona a referecircncia cruzada presente em M 6 30

187 Note que todos os tiacutetulos listados encontram eco na argumentaccedilatildeo sextiana gramaacutetica teacutecnica lsquohistoacuteriarsquo papel da gramaacutetica na explicaccedilatildeo da poesia tratamento poeacutetico dos deuses 188 Cf frs 13-14 Angeli-Colaizzo apud Blank p xlvii Infelizmente natildeo obtivemos acesso aos fragmentos presentes nesta publicaccedilatildeo de Angeli e Colaizzo

92

(onde a reivindicaccedilatildeo de que se deve estudar a teoria musical porque ldquoseus elementos satildeo os

mesmos que aqueles das coisas estudadas pela filosofiardquo eacute comparada com lsquotal como

dissemos antes a respeito da gramaacuteticarsquo) com a abertura da seccedilatildeo inicial de M 1 e sua

afirmaccedilatildeo de que a gramaacutetica eacute a mais pretensiosa das ciecircncias pois vai tatildeo longe a ponto de

prometer o que prometem as Sereias ldquoensinar o que eacuterdquo (41-42)189 Com tal aproximaccedilatildeo

Blank conclui que assim como aquela passagem no Contra os Muacutesicos deriva de uma fonte

epicurista o mesmo deve ser verdade em relaccedilatildeo agrave passagem sobre a gramaacutetica agrave qual faz

referecircncia Teriam origem epicurista exceto pela discussatildeo a respeito de Tiacutemon em sect 53-55

supotildee Blank tambeacutem as passagens seguintes (44-56) que diferenciam o estudo gramatical

uacutetil do ler e escrever de um estudo especializado inuacutetil jaacute que cita Asclepiacuteades e conteacutem uma

longa citaccedilatildeo de Epicuro (49-53)

Aleacutem destas passagems e tambeacutem sect 210-299 para as quais haacute evidecircncia

positivamente compatiacutevel com o epicurismo os argumentos de vieacutes epicurista seriam mais

difiacuteceis de localizar Blank (p xlviii) reitera que uma obra epicurista teria sido usada como

fonte para a doutrina gramatical a ser criticada mas de fato natildeo eacute sempre claro se os

argumentos que Sexto oferece contra a doutrina gramatical satildeo seus ou desta fonte epicurista

No tratamento das definiccedilotildees de gramaacutetica (57-89) haveria por exemplo perceptivelmente

trecircs vozes Asclepiacuteades que primeiro reportou e aperfeiccediloou tais definiccedilotildees a suposta fonte

epicurista e o proacuteprio Sexto Ademais em nenhum lugar em M 1-6 pode-se dizer com certeza

se Sexto estaria ou natildeo seguindo um predecessor pirrocircnico tal como Enesidemo Sua alusatildeo

aos lsquoseguidores de Pirrorsquo em sect 1 provavelmente deve ser lida como uma indicaccedilatildeo de que ele

tinha ao menos uma fonte pirrocircnica para a discussatildeo de sect 1-38 assim tambeacutem em relaccedilatildeo a M

6 5 Blank (p xlix) admite que o esquema interpretativo que tenta delinear eacute barrado pelas

proacuteprias complexidades do texto que traz por exemplo lado a lado uma citaccedilatildeo do

epicurista Metrodoro e uma referecircncia cruzada a uma passagem do proacuteprio Sexto (61)

Poderiacuteamos considerar a partir de M 6 4-5 que uma polecircmica epicurista ou

dogmaacutetica visa demonstrar que uma arte ou estudo natildeo eacute uacutetil para a felicidade mas

prejudicial por meio do ataque e destruiccedilatildeo dos argumentos principais dos estudiosos

enquanto a refutaccedilatildeo aporeacutetica evita tal meacutetodo e pretende destruir toda a disciplina pelo

ataque direcionado a suas hipoacuteteses Os epicuristas atacariam entatildeo no ponto da utilidade e

assim anulariam qualquer reivindicaccedilatildeo agrave tekhne De forma que seus argumentos seriam

189 Por outro lado esta referecircncia poderia ser agrave passagem em sect 72 onde Sexto menciona a afirmaccedilatildeo de Asclepiacuteades de que a gramaacutetica eacute uma arte como a muacutesica e a filosofia

93

portanto aqueles que comeccedilam com as declaraccedilotildees ou apologias feitas em nome da lsquoartersquo

eou aqueles que concluem que ela eacute inuacutetil ou natildeo eacute uma tekhne Os ceacuteticos por sua vez se

ocupariam dos princiacutepios mais importantes ndash definiccedilotildees teoremas hipoacuteteses ndash da tekhne e

demonstrariam que eles satildeo incoerentes ou insubsistentes Seguindo este princiacutepio de

diferenciaccedilatildeo teriacuteamos que a seccedilatildeo geral sect 9- 40 seria inteira de origem pirrocircnica O mesmo

pode ser dito acerca do objetivo abrangente da polecircmica especiacutefica contra a teoria gramatical

que visa mostrar que a lsquogramaacutetica na concepccedilatildeo dos gramaacuteticos eacute insubsistentersquo (90 e 96)

bem como o cenaacuterio de discussatildeo de duas das partes da gramaacutetica a teacutecnica (insubsistente

247) e a histoacuterica (inconsistente 269) (a impossibilidade da exposiccedilatildeo teacutecnica e da parte

histoacuterica (270)) Aleacutem disso os ataques contra as entidades postuladas pela parte teacutecnica da

gramaacutetica seriam ceacuteticos os gramaacuteticos natildeo possuem elementos ou primeiros princiacutepios

(letras 99 120) natildeo existe algo como uma siacutelaba longa ou breve (126 130) eacute impossiacutevel que

exista a palavra (131) a sentenccedila e suas partes natildeo existem (138 140 158) a divisatildeo da

sentenccedila em partes eacute impossiacutevel (161 164 168) Obviamente se consideramos que a fonte

epicurista que reporta as doutrinas supostamente de Asclepiacuteades tambeacutem as critica eacute

provaacutevel que Sexto tenha incorporado alguns argumentos desta fonte em seu proacuteprio

tratamento190

Permanece duacutebia a anaacutelise da natureza de algumas seccedilotildees do ataque contra a parte

teacutecnica em que a natildeo-subsistecircncia de seu objeto natildeo parece ser o alvo Em particular a

discussatildeo da ortografia (169-175) do helenismo (176-240) e da etimologia (241-7) todas

concluem que para falarmos corretamente natildeo precisamos seguir nenhum criteacuterio teacutecnico

mas moldarmo-nos ao uso comum de forma que o criteacuterio teacutecnico bem como todos os

toacutepicos de gramaacutetica teacutecnica satildeo inuacuteteis Apesar da presenccedila constante da noccedilatildeo de utilidade

nestas seccedilotildees noccedilatildeo esta que estaacute ausente das discussotildees preacutevias sobre os constituintes da

parte teacutecnica da gramaacutetica Blank (p l) mostra-se relutante em conferir-lhes uma origem

epicurista e somos levados a concordar com seu posicionamento Pois se estaacute claro que

existem precedentes epicuristas para estas discussotildees por outro lado seu tratamento tem

muito em comum com outros toacutepicos em Sexto especialmente em relaccedilatildeo ao lsquocriteacuterio

praacuteticorsquo que apresentamos antes e faz uso de termos caracteriacutesticos de Sexto como simples

(apheles 153 179 232) e natildeo-teacutecnico (atekhnos 153 180 181 183 219) Destas trecircs seccedilotildees

mencionadas somente aquela sobre ortografia comeccedila com uma exposiccedilatildeo da respectiva

doutrina gramatical sugerindo o uso da fonte epicurista enquanto as outras duas comeccedilam

190 Cf Blank p xlix

94

diretamente com a refutaccedilatildeo A seccedilatildeo sobre helenismo no entanto inclui uma discussatildeo da

visatildeo do pupilo de Aristarco Pindaacuterio junto com uma refutaccedilatildeo do lsquoque os gramaacuteticos dizemrsquo

que em sua maior parte lida com definiccedilotildees de barbarismo e solecismo (209-16)

respondidas por Sexto (230-235) ndash essas passagens provavelmente exigiram uma fonte

gramatical que poderia ter sido o suposto ataque epicurista agrave gramaacutetica de Asclepiacuteades

conforme a argumentaccedilatildeo acima

171 As partes da Gramaacutetica no Contra os Gramaacuteticos

Dioniacutesio Traacutecio de acordo com Sexto Empiacuterico (M 1 250) listou seis partes da

gramaacutetica

Dioniacutesio Traacutecio quando diz que a gramaacutetica tem seis partes agraves quais nos referimos mais acima de forma geneacuterica como trecircs inclui a parte lsquohistoacutericarsquo entre elas Pois diz que as partes da gramaacutetica satildeo a leitura treinada (entribes) de acordo com a prosoacutedia a interpretaccedilatildeo de acordo com as figuras poeacuteticas presentes explicaccedilatildeo de palavras e histoacuterias a descoberta das etimologias o estabelecimento das analogias e a criacutetica dos poemas

As partes parecem estar listadas de acordo com a ordem em que se procedia agrave anaacutelise

filoloacutegica da obra literaacuteria 1) lsquoreconhecimentorsquo das qualidades do discurso que natildeo estavam

graficamente marcadas ndash fronteira de palavras pontuaccedilatildeo letras maiuacutesculas bem como dos

traccedilos prosoacutedicos ndash acentos aspiraccedilatildeo etc 2) compreensatildeo das expressotildees literaacuterias tiacutepicas

3) tratamento das palavras inusuais ndash obsoletas ou raras e das referecircncias a lugares pessoas e

acontecimentos fictiacutecios ou reais 4) justificativas lsquoetimoloacutegicasrsquo que ajudavam a verificar o

significado e forma das palavras 5) justificativas lsquoanaloacutegicasrsquo para conferir ou corrigir a

forma e significado das palavras 6) valoraccedilatildeo da obra (provavelmente tanto em relaccedilatildeo agrave sua

autenticidade quanto em um segundo momento com relaccedilatildeo a seu valor literaacuterio [como item

a ser incorporado em uma coleccedilatildeo da biblioteca]) Num ambiente escolar os passos seriam os

mesmos mas realizados de maneira a funcionar como um treinamento da teacutecnica gramatical

ou seja da exegese literaacuteria

A divisatildeo de Dioniacutesio revela a funccedilatildeo da gramaacutetica tornar a literatura compreensiacutevel

em todos seus niacuteveis ndash pronuacutencia escansatildeo significado de cada expressatildeo ortografia ndash e por

fim estimar seu valor como produto literaacuterio A gramaacutetica teacutecnica ndash o tratamento de letras

siacutelabas e partes da sentenccedila ndash estaacute ausente da definiccedilatildeo de Dioniacutesio e de sua lista das partes

95

Natildeo sabemos quatildeo importante foi a gramaacutetica teacutecnica para Dioniacutesio que descreve a tarefa de

valorar e editar textos em sua lista mas natildeo se preocupa em incluir aiacute o tratamento teacutecnico da

linguagem que no entanto provavelmente deve ter ocupado uma seccedilatildeo em seu tratado

original191

De acordo com Sexto (M 1 250) a divisatildeo de Dioniacutesio foi criticada por lsquoapresentar

alguns dos resultados da gramaacutetica ou suas subdivisotildees como se fossem partes delarsquo aleacutem de

ldquoobviamente tomar a leitura treinada a explicaccedilatildeo e a criacutetica dos poemas da parte que trata

de poetas e escritores e a etimologia e a analogia da parte teacutecnica as quais contrapotildes a parte

lsquohistoacutericarsquo que trata da explicaccedilatildeo de palavras e histoacuteriasrdquo Tal criacutetica provavelmente foi feita

por Asclepiacuteades de Mirleia que eacute citado logo na frase seguinte (251) como aquele que propotildee

tal divisatildeo tripartite da gramaacutetica ldquoAsclepiacuteades em seu tratado Sobre a Gramaacutetica afirma

serem trecircs as partes primaacuterias da gramaacutetica teacutecnica lsquohistoacutericarsquo e gramaticalrdquo Divisatildeo que eacute

praticamente a mesma escolhida por Sexto em sect 91 ldquode forma a gerar menos conflito []

teacutecnica (to tekhnikon) lsquohistoacutericarsquo (to historikon) e especiacutefica (to idiaiteron)rdquo Dessa forma

poderiacuteamos aproximar a concepccedilatildeo do que eacute responsabilidade de cada uma das partes

descrita nas seccedilotildees anteriores e nas seguintes e considerar que reflitam a exposiccedilatildeo do tratado

de Asclepiacuteades Como sugere Blank (200 p 413) podemos supor que Asclepiacuteades

considerou lsquoleiturarsquo interpretaccedilatildeo e criacutetica dos poemas como um resultado da parte

gramatical explicaccedilatildeo de palavras e histoacuterias como uma sub-parte da parte lsquohistoacutericarsquo

etimologia e analogia como sub-partes da parte teacutecnica

A estrutura apresentada por Sexto natildeo eacute caracteriacutestica de nenhum dos tratados

gramaticais que possuiacutemos e nenhuma gramaacutetica heleniacutestica sobreviveu para que tiveacutessemos

outro termo de comparaccedilatildeo192 Mas a outra divisatildeo apresentada a de Taurisco (248) tambeacutem

eacute tripartite racional (logikon) praacutetica (tribikon) e lsquohistoacutericarsquo (historikon) No entanto exceto

a parte lsquohistoacutericarsquo natildeo haacute equivalecircncia completa destas para o sistema que atribuiacutemos a

Asclepiacuteades na Tabela 1 abaixo A aproximaccedilatildeo mais oacutebvia seria entre a parte racional e a

teacutecnica ndash que compartem aleacutem do meacutetodo provavelmente a abordagem da expressatildeo

(leksis) e a parte praacutetica com a gramatical (ou especiacutefica) ndash que lidam ambas com dialetos e

estilos193

191 Cf Seppaumlnen 2013 p 70ss 192 Ver Seppaumlnen 2013 p 75 Por outro lado acreditamos que estes tratados diziam respeito geralmente apenas aos elementos da parte teacutecnica por isso tekhnologia 193 ldquoNatildeo estaacute claro onde Asclepiacuteades posicionou o estudo de dialetos e estilos que constituem a parte lsquoempiacutericarsquo [praacutetica] de Taurisco mas provavelmente estivessem na parte gramatical de Asclepiacuteades jaacute

96

TABELA 1 CONSTITUINTES DA lsquoGRAMAacuteTICArsquo PARA ASCLEPIacuteADES DE MIRLEIA DE ACORDO COM SEXTO EMPIacuteRICO (M 1)

nome lida com

tekhnikon teacutecnica

letras (elementos) siacutelabas leksis partes da sentenccedila anaacutelise meacutetrica e anaacutelise da sentenccedila

todas discutidas por Sexto (97-247) ortografia

correccedilatildeo analogia etimologia virtudes e viacutecios do discurso

historikon lsquohistoacutericarsquo

palavras inusuais atribuiacutedo diretamente a Asclepiacuteades (252-3)

histoacuterias verdadeiras falsas verossimilhantes proveacuterbios e definiccedilotildees

grammatikon gramatical

ou idiaiteron especiacutefica

interpretaccedilatildeo julgamento de adequaccedilatildeo e autenticidade

descritas por Sexto (93)

valoraccedilatildeo (eacutetica) da poesia (e prosa) discutido por Sexto (270ss)

(leitura treinada explicaccedilatildeo e criacutetica dos poemas) criticado agrave divisatildeo de Dioniacutesio (252)

172 Sobre Dogmatismo Negativo no Contra os Professores M 1 1-6

Como mencionamos brevemente no iniacutecio desta exposiccedilatildeo introdutoacuteria o Contra os

Professores bem como outras passagens sextianas costumam ser acusados de conter

proposiccedilotildees dogmaacuteticas negativas bem como de natildeo conduzir agrave suspensatildeo do juiacutezo em

prejuiacutezo da caracterizaccedilatildeo do empreendimento ceacutetico pretendida por Sexto

Barnes (1988 p 76) compara a lsquoesquizofreniarsquo destes textos a uma lsquodrogariarsquo de

argumentos diferentes argumentos para curar diferentes tipos de dogmatismo Com isso os

argumentos que asseveram a incoerecircncia e natildeo subsistecircncia de um teorema teacutecnico ou de uma

tekhne valeriam como contrapostos equipolentes agrave argumentos teacutecnico-dogmaacuteticos

A exposiccedilatildeo de Blank (p lii-lv) oferece um resumo padratildeo da contextualizaccedilatildeo dos

argumentos em relaccedilatildeo a outras passagens sextianas Segundo o estudioso as diferenccedilas entre

as discussotildees sobre ortografia helenismo etimologia e lsquohistoacuteriarsquo que envolvem

prioritariamente a noccedilatildeo de utilidade e o tratamento aporeacutetico anterior dos elementos da parte

teacutecnica satildeo diferenccedilas que devem ser consideradas Tais seccedilotildees empregam estrateacutegias ceacuteticas

que natildeo estatildeo nem na parte teacutecnica nem na histoacuterica e dizem respeito a gecircneros poeacuteticos particularesrdquo (Blank 2000 p 409-10)

97

comuns mas tambeacutem focam na inutilidade daquelas partes da gramaacutetica poreacutem satildeo de fato

tipicamente sextianas justamente por esta tentativa de afirmar a inutilidade e a insubsistecircncia

ou inexistecircncia delas A mesma combinaccedilatildeo de objetivos pode ser detectada em PH 2 no

tratamento do criteacuterio de verdade (80 94) Sexto introduz a discussatildeo dizendo que natildeo eacute seu

propoacutesito dar a entender que o criteacuterio de verdade natildeo existe pois isto seria dogmaacutetico (2 79)

logo no paraacutegrafo seguinte ele afirma que o criteacuterio de verdade eacute inuacutetil porque a verdade natildeo

existe e o verdadeiro eacute insubsistente (80) No comeccedilo da discussatildeo sobre o criteacuterio (14-15)

Sexto nos advertiu que aborda o criteacuterio dogmaacutetico da verdade aquele que pretende julgar a

realidade ou natildeo-realidade de algo e natildeo o criteacuterio praacutetico que nos guia na vida comum A

seguir Sexto diferencia trecircs usos da palavra criteacuterio (kriterion) geral especiacutefico e muito

especializado (koinos idia idiaitata) O primeiro envolve todo criteacuterio de conhecimento

mesmo os sentidos o segundo diz respeito a criteacuterios teacutecnicos tais como normas e rotinas e

estes natildeo satildeo alvos do ataque de Sexto (16) Seu alvo eacute o terceiro tipo de criteacuterio aquele

muito especializado que despreza os criteacuterios da vida e diz respeito somente a criteacuterios

loacutegicos usados pelos dogmaacuteticos

Tambeacutem a discussatildeo sobre os signos desenvolve-se de maneira anaacuteloga Sexto

afirma que natildeo lhe interessa atacar todos os signos mas somente o signo indicativo (to

endeiktikon) inventado pelos dogmaacuteticos (102) Pois atacar o signo comemorativo (to

hupomnestikon) eacute lutar contra a vida comum A seguir ele novamente assevera que natildeo

pretende em absoluto demonstrar que o signo indicativo eacute algo inexistente (anuparkton) que

seu propoacutesito eacute deixar clara a equipolecircncia entre os argumentos a favor e contra sua

existecircncia Todavia muitos dos argumentos que se seguem concluem simplesmente que o

signo indicativo eacute inexistente (129) ou incognosciacutevel ou incompreensiacutevel A estes

argumentos no entanto segue-se de fato uma seacuterie de argumentos contrapostos de maneira

equipolente (130ss) e uma conclusatildeo que assevera a equipolecircncia (132)

A discussatildeo sobre a demonstraccedilatildeo (134ss) se assemelha a essa A princiacutepio Sexto

diz que a demonstraccedilatildeo eacute um tipo de signo e como tal tambeacutem teremos de suspender o juiacutezo

acerca dela Depois de apresentar definiccedilotildees e tipos de demonstraccedilatildeo ele desenvolve uma

longa lista de argumentos que concluem que a demonstraccedilatildeo natildeo existe (144ss) A estes

argumentos seguem-se as reacuteplicas dos dogmaacuteticos (185ss) e por fim as treacuteplicas equipolentes

dos ceacuteticos (187ss) que levam agrave conclusatildeo equipolente (192)

Aleacutem disso a seccedilatildeo sobre o helenismo com sua ecircnfase na necessidade de seguir o

uso comum e a inutilidade da analogia teacutecnica lembraria muito a discussatildeo em PH 2 acerca

de sofismas e ambiguidades Nas Hipotiposes estaacute exposto que na medida em que a

98

eliminaccedilatildeo de alguns sofismas e a soluccedilatildeo de certas ambiguidades satildeo realmente uacuteteis para a

vida de fato somos capazes de evitar os problemas que elas nos causariam com base apenas

na observaccedilatildeo da vida cotidiana e comum (254-257) sem termos de recorrer agraves habilidades do

dialeacutetico Ademais a soluccedilatildeo de problemas propriamente dialeacuteticos eacute inuacutetil (236) Sempre que

surgem ambiguidades no escopo de uma disciplina particular aqueles que satildeo experientes

neste campo estaratildeo aptos a resolvecirc-la de forma que novamente a arte do dialeacutetico eacute inuacutetil

(256) Por outro lado ambiguidades que natildeo dizem respeito agraves experiecircncias da vida cotidiana

e comum (biotikai empeiriai) satildeo invenccedilotildees dogmaacuteticas e certamente satildeo inuacuteteis para uma

vida lsquolivre de crenccedilasrsquo (adoksastos) (258)

Com base nessas comparaccedilotildees mencionadas poderiacuteamos concluir com Blank (p liv)

que no conflito entre o inuacutetil e o uacutetil (ou seja no choque entre o que eacute especializado e

dogmaacutetico com o que eacute geral ceacutetico e necessaacuterio para vida) Sexto tende a argumentar pela

natildeo existecircncia do que eacute lsquoespecializadorsquo Tal procedimento natildeo seria muito diferente entre M

1-6 e PH 2 mesmo porque haacute uma introduccedilatildeo geral na qual se diz que o ceacutetico ataca as artes a

partir de sua experiecircncia aporeacutetica e as refutaccedilotildees ceacuteticas satildeo consistentemente caracterizadas

como aporeacuteticas Dessa forma talvez natildeo poderiacuteamos dizer que as polecircmicas em M 1-6 satildeo

exemplos de dogmatismo negativo se supomos que aquelas em PH tambeacutem natildeo o satildeo

Outro exemplo uacutetil pode ser encontrado em M 9 Depois dos comentaacuterios iniciais

acerca das diferenccedilas entre o meacutetodo acadecircmico de produzir uma infinidade de argumentos

detalhados sobre tudo que o dogmaacutetico sustenta e o meacutetodo ceacutetico de atacar os princiacutepios mais

fundamentais Sexto introduz uma discussatildeo aporeacutetica (diaporoumen 12) relativa aos

princiacutepios (estoicos) do ativo e passivo Primeiro diz ele investigaraacute dogmaticamente sobre

lsquodeusrsquo e entatildeo aporeticamente discorreraacute sobre a natildeo existecircncia de ativo e passivo Poreacutem

antes disso ele diz que eacute preciso jaacute que cada investigaccedilatildeo deve comeccedilar por uma concepccedilatildeo

do que se busca abordar como poderiacuteamos adquirir uma noccedilatildeo de lsquodeusrsquo Ao fim desta seccedilatildeo

(191) apresentados os argumentos dogmaacuteticos a favor da existecircncia e natildeo-existecircncia de

deuses e introduzida a suspensatildeo ceacutetica do juiacutezo ele daacute iniacutecio agrave discussatildeo lsquomais ceacuteticarsquo que

provaraacute que o princiacutepio passivo eacute tatildeo aporeacutetico quanto o ativo Nessa discussatildeo ele iraacute

contrapor argumentos ceacuteticos a argumentos dogmaacuteticos (207) Tal como supotildee Blank

(ibidem) os mesmos termos utilizados em M 1-6 aparecem aiacute acompanhados do

reconhecimento expliacutecito do princiacutepio geral segundo o qual mesmo quando os argumentos

ceacuteticos asseveram a natildeo-existecircncia eles continuam sendo exemplos de argumentos

equipolentes

99

Esse panorama apresentado e sua conclusatildeo estaacute de acordo com a leitura de Barnes

mencionada no iniacutecio desta seccedilatildeo aleacutem disso preserva o cenaacuterio puramente ceacutetico da

argumentaccedilatildeo sextiana que natildeo somente revela as aporias relativas a estas disciplinas como

reitera o criteacuterio praacutetico contra a teorizaccedilatildeo dogmaacutetica Tal exposiccedilatildeo no entanto apenas

seleciona e enfatiza argumentos que supomos o proacuteprio Sexto ofereceria em sua defesa isso

contribui para a compreensatildeo de como ele pretendia conferir coerecircncia ao seu

empreendimento poreacutem tal defesa natildeo parece eliminar os motivos pelos quais muitos

produtos de sua lsquofarmaacuteciarsquo tecircm sido constantemente acusados de serem lsquoplacebosrsquo

simulaccedilotildees cuja eficaacutecia contra o dogmatismo estaria ameaccedilada por causa de sua composiccedilatildeo

inadequada e apenas agiriam se houvesse uma predisposiccedilatildeo ao efeito

Ainda assim talvez devecircssemos salientar que Sexto estaacute disputando um territoacuterio

com seus lsquoadversaacuteriosrsquo haacute uma resposta mas tambeacutem haacute uma proposta e esta se coloca em

relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da vida agrave formaccedilatildeo cultural e agrave filosofia em uniacutessono Aquilo que

pessoalmente nos intriga eacute que suas obras natildeo parecem expressar a ataraksia que sugerem

muito menos propiciar qualquer tipo de lsquopaz de espiacuteritorsquo especialmente entre aqueles que

seguem nos uacuteltimos seacuteculos escrevendo fervorosamente sobre ela Tampouco suas obras

refletem moderaccedilatildeo de opiniatildeo principalmente em relaccedilatildeo aos resultados das outras propostas

concorrentes com a sua Contudo pode-se sim afirmar que o ceacutetico segue investigando E

neste sentido Sexto natildeo se potildee agrave margem de um territoacuterio ele continua o exerciacutecio filosoacutefico

dialogando pesquisando falando adequadamente e agindo normalmente supomos e isso

talvez jaacute expresse moderaccedilatildeo e lsquoserenidadersquo suficientes

18 SOBRE A TRADUCcedilAtildeO Nossa preocupaccedilatildeo principal foi encontrar um equiliacutebrio entre a imprescindiacutevel

permanecircncia e padronizaccedilatildeo de termos e conceitos teacutecnico-filosoacuteficos e a fluidez da

argumentaccedilatildeo procurando salvaguardar caracteriacutesticas do estilo retoacuterico sextiano mas sem

nos restringirmos a mimetizar as propriedades da liacutengua grega em portuguecircs A padronizaccedilatildeo

de termos acontece por ser necessaacuterio preservar ainda que artificialmente a especificidade

polissecircmica talvez daquele termo em um contexto maior que o relaciona a uma lsquotradiccedilatildeorsquo

Tal tradiccedilatildeo no entanto natildeo eacute somente e necessariamente a do contexto de produccedilatildeo Pelo

contraacuterio eacute geralmente a do contexto de recepccedilatildeo Eacute a histoacuteria do termo como parte de uma

cultura de recepccedilatildeo da filosofia heleniacutestica em especiacutefico ou da cultura grega em geral que

100

costuma gerar muitas das duacutevidas do processo tradutoacuterio Procuramos portanto natildeo perder de

vista o lugar em que se insere nossa contribuiccedilatildeo herdeira dessa tradiccedilatildeo e expressar em

nota ao menos parte de nossas hesitaccedilotildees fornecendo nosso roteiro de leitura do termo e da

passagem em que ocorre

Assim as notas de fim procuram esclarecer o leitor acerca de nosso caminho

interpretativo e disponibilizar informaccedilotildees que permitam outras associaccedilotildees e leituras natildeo

necessariamente contempladas aqui Frequentemente colocamos na traduccedilatildeo entre parecircnteses

a transliteraccedilatildeo de termos gregos pareceu-nos um recurso para trazer agrave memoacuteria do leitor que

natildeo segue o original as tradiccedilotildees de leitura daquele termo e expressar uma distacircncia possiacutevel

entre esta tradiccedilatildeo e nossa traduccedilatildeo Assim serve para conferir ecircnfase a um termo ou mesmo

sugerir nossa insatisfaccedilatildeo com a soluccedilatildeo que encontramos para ele Sentimo-nos

particularmente descontentes com as traduccedilotildees de tekhne e termos correlatos lsquoArtersquo eacute uma

traduccedilatildeo que malgrado sua imprecisatildeo jaacute estaacute consideravelmente estabelecida e pode natildeo

gerar problemas maiores justamente por continuar problemaacutetica e natildeo haver se cristalizado

em um sentido equivocado Por outro lado natildeo conseguimos manter o paralelo e usar os

termos familiares como lsquoartistarsquo lsquoartiacuteficersquo lsquoartiacutesticorsquo e quetais e tivemos entatildeo de optar por

lsquoteacutecnicarsquo que aleacutem de tambeacutem natildeo poder ser padronizada mas dar lugar em alguns

contextos a outras escolhas se justifica apenas por espelhar o termo grego pois em geral

uma leitura desavisada do termo pode mesmo prejudicar a compreensatildeo do texto A soluccedilatildeo

foi manter o termo em itaacutelico para lembrarmo-nos de que se relaciona agrave tekhne Em um

sentido bastante geral e comum acreditamos que tekhne em alguns contextos poderia ser

traduzida por lsquociecircnciarsquo da forma como cotidianamente se fala em lsquocientificamente

comprovadorsquo para algo que atraveacutes de um meacutetodo conforma-se a um sistema de proposiccedilotildees

e descobertas teoacutericas e praacuteticas compartilhado por especialistas e iniciados Aleacutem de evocar

tambeacutem a questatildeo da lsquosuperioridadersquo os cientistas satildeo aqueles cuja opiniatildeo sobre o assunto

possui autoridade Tambeacutem conteacutem o elemento da exclusividade de forma que natildeo se

permitiria chamar ciecircncia a estudos lsquoprofeacuteticosrsquo por exemplo Dessa forma conteacutem tambeacutem o

geacutermen da discoacuterdia pois usa-se lsquociecircnciarsquo em um sentido bastante corriqueiro e natildeo

especializado (lsquociecircncia domeacutesticarsquo para truques culinaacuterios) e tambeacutem quando o intuito eacute

defender a integridade de um estudo mesmo quando ele natildeo se adapta agraves regras de uma

comunidade cientiacutefica lsquodominantersquo Mas esta eacute apenas uma aproximaccedilatildeo canhestra teriacuteamos

que confrontar ainda muitos outros problemas histoacutericos sociais e filosoacuteficos relativos ao

termo lsquociecircnciarsquo

101

Em geral preferimos natildeo modernizar os termos no sentido de natildeo procurar atingir

seu sentido com um conceito moderno que poderia nos remeter mais rapidamente a seus

significados Por exemplo mantivemos lsquogramaacuteticarsquo que certamente possui no contexto da

discussatildeo do texto uma abrangecircncia distinta da atual e que poderia ser coberta

imperfeitamente tambeacutem pelo termo lsquofilologiarsquo Gostariacuteamos especialmente de chamar a

atenccedilatildeo para as ocorrecircncias de mathemata mathema mathesis tekhne tekhnikos tekhnites

atekhnos theorema historia e remeter o leitor agraves notas explicativas em que esclarecemos

acerca de suas especificidades e nossas escolhas

As citaccedilotildees de trechos poeacuteticos feitas por Sexto com exceccedilatildeo das citaccedilotildees da Iliacuteada e

da Odisseia em que usamos as traduccedilotildees de Carlos Alberto Nunes foram traduzidas sem

atentar para a meacutetrica nos atemos apenas ao argumento sextiano

O texto grego de base eacute o de J Mau e H Mutschmann Sexti Empirici opera vol 3

2ordf ediccedilatildeo Leipzig Teubner 1961 presente no corpus online Thesaurus Linguae Graecae A

mesma ediccedilatildeo serviu de base para a traduccedilatildeo de Blank (1998) Blank (p lvi) afirma natildeo haver

notado diferenccedilas com o texto de Bury (1949) para as ediccedilotildees Loeb no entanto Bury afirma

ter seguido a ediccedilatildeo de I Bekker (1842) Dalimier segue a primeira ediccedilatildeo de Mutschmann e

Mau (vol 3 1954) e encontramos algumas diferenccedilas entre seu texto e o que seguimos Natildeo

apontamos especificamente estas diferenccedilas mas consideramos sua traduccedilatildeo em passagens

que nos pareceram problemaacuteticas e citamos algumas de suas colocaccedilotildees e sugestotildees em notas

Foram mantidos os siacutembolos originais no texto grego

[] supressatildeo ausente da traduccedilatildeo

ltgt inserccedilatildeo

Blank procede a algumas modificaccedilotildees no texto nem sempre completamente

justificadas ou situadas em relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo dos manuscritos De maneira geral no entanto

seguimos suas recomendaccedilotildees por acreditarmos que sua minuciosa exegese do texto

apresentada nos comentaacuterios agrave moda de ensaios a cada linha do texto confere-lhe autoridade

sobre ele Ainda assim talvez algumas delas fossem mesmo supeacuterfluas e buscamos apontar

nas notas quando esse parece ser o caso

Quando a inserccedilatildeo foi sugerida por Blank usamos o mesmo sinal ltgt mas

informamos em nota de rodapeacute Quando Blank propotildee uma supressatildeo colocamos nota de

rodapeacute com o texto grego suprimido usando os siacutembolos bem como traduzimos

tambeacutem em nota a passagem Lembrando que o livro de Blank natildeo traz o texto grego apenas

acompanha a traduccedilatildeo com notas que justificam suas opccedilotildees Em alguns momentos (poucos eacute

102

verdade) sua traduccedilatildeo parece implicar alguma modificaccedilatildeo no texto grego que ele no

entanto natildeo anotou

103

ΠΡΟΣ ΜΑΘΗΜΑΤΙΚΟΥΣ

[1] Τὴν πρὸς τοὺς ἀπὸ τῶν μαθημάτων

ἀντίρρησιν κοινότερον μὲν διατεθεῖσθαι

δοκοῦσιν οἵ τε περὶ τὸν Ἐπίκουρον καὶ οἱ ἀπὸ

τοῦ Πύρρωνος οὐκ ἀπὸ τῆς αὐτῆς δὲ

διαθέσεως ἀλλrsquo οἱ μὲν περὶ τὸν Ἐπίκουρον

ὡς τῶν μαθημάτων μηδὲν συνεργούντων

πρὸς σοφίας τελείωσιν ἤ ὥς τινες εἰκάζουσι

τοῦτο προκάλυμμα τῆς ἑαυτῶν ἀπαιδευσίας

εἶναι νομίζοντες (ἐν πολλοῖς γὰρ ἀμαθὴς

Ἐπίκουρος ἐλέγχεται οὐδὲ ἐν ταῖς κοιναῖς

ὁμιλίαις καθαρεύων) [2] τάχα δὲ καὶ διὰ τὴν

πρὸς τοὺς περὶ Πλάτωνα καὶ Ἀριστοτέλη καὶ

τοὺς ὁμοίους δυσμένειαν πολυμαθεῖς

γεγονότας οὐκ ἀπέοικε δὲ καὶ διὰ τὴν πρὸς

Ναυσιφάνην τὸν Πύρρωνος ἀκουστὴν

ἔχθραν πολλοὺς γὰρ τῶν νέων συνεῖχε καὶ

τῶν μαθημάτων σπουδαίως ἐπεμελεῖτο

μάλιστα δὲ ῥητορικῆς [3] γενόμενος οὖν

τούτου μαθητὴς ὁ Ἐπίκουρος ὑπὲρ τοῦ

δοκεῖν αὐτοδίδακτος εἶναι καὶ αὐτοφυὴς

φιλόσοφος ἠρνεῖτο ἐκ παντὸς τρόπου τήν τε

περὶ αὐτοῦ φήμην ἐξαλείφειν ἔσπευδε πολύς

τε ἐγίνετο τῶν μαθημάτων κατήγορος ἐν οἷς

ἐκεῖνος ἐσεμνύνετο [4] φησὶ γοῦν ἐν τῇ πρὸς

τοὺς ἐν Μυτιλήνῃ φιλοσόφους ἐπιστολῇ

lsquoοἶμαι δὲ ἔγωγε τοὺς βαρυστόνους καὶ

μαθητήν με δόξειν τοῦ πλεύμονος εἶναι μετὰ

μειρακίων τινῶν κραιπαλώντων ἀκούσαντα rsquo

CONTRA OS PROFESSORES1

[1] Em comum tanto o ciacuterculo de Epicuro

quanto seguidores de Pirro parecem ter proposto

um ataque (antirrhesis)2 contra os que professam

as disciplinas do estudo ciacuteclico (mathematikoi)

mas natildeo pelo mesmo motivo (diathesis)3 Os

epicuristas fizeram-no ou por terem concluiacutedo que

estes estudos (mathemata)4 natildeo contribuem em

nada para a sabedoria ou por imaginarem como

supotildeem alguns que isso pudesse encobrir sua

proacutepria falta de cultura De fato Epicuro foi

censurado por natildeo ter instruccedilatildeo (amathes) em

muitos assuntos nem falar corretamente a liacutengua

em conversas cotidianas5 [2] Ou talvez tenha sido

por causa de sua maacute vontade com Platatildeo e

Aristoacuteteles e outros como eles que eram

poliacutematas - o que natildeo eacute improvaacutevel visto a

hostilidade contra Nausiacutefanes6 disciacutepulo de Pirro7

Nausiacutefanes atraiacutea muitos jovens e dedicava-se

com seriedade a estas disciplinas principalmente agrave

retoacuterica [3] E Epicuro para parecer que fora

autodidata e filoacutesofo nato negava de todas as

formas ter sido seu aluno dedicando-se a destruir

a reputaccedilatildeo daquele Tornou-se entatildeo um acusador

constante dos estudos ciacuteclicos em que Nausiacutefanes

se destacava8 [4] Em sua Carta aos filoacutesofos em

Mitilene expressou-se mesmo dessa forma

ldquoSuponho que os linguarudos9 vatildeo dizer que sou

disciacutepulo da lsquoaacutegua-vivarsquo porque estive escutando-a

junto agravequele bando de jovens de ressacardquo

2 TEXTO GREGO E TRADUCcedilAtildeO

104

1 Blank ad loc de acordo com todos os manuscritos exceto um Por σοφίας

νῦν πλεύμονα καλῶν τὸν Ναυσιφάνην ὡς

ἀναίσθητον καὶ πάλιν προβὰς πολλά τε

κατειπὼν τἀνδρὸς ὑπεμφαίνει τὴν ἐν τοῖς

μαθήμασιν αὐτοῦ προκοπὴν λέγων lsquoκαὶ γὰρ

πονηρὸς ἄνθρωπος ἦν καὶ ἐπιτετηδευκὼς

τοιαῦτα ἐξ ὧν οὐ δυνατὸν εἰς σοφίαν ἐλθεῖνrsquo

αἰνισσόμενος τὰ μαθήματα [5] πλὴν ὁ μὲν

Ἐπίκουρος ὡς ἄν τις εἰκοβολῶν εἴποι ἀπὸ

τοιούτων τινῶν ἀφορμῶν πολεμεῖν τοῖς

μαθήμασιν ἠξίου οἱ δὲ ἀπὸ Πύρρωνος οὔτε

διὰ τὸ μηδὲν συνεργεῖν αὐτὰ πρὸς σοφίαν

δογματικὸς γὰρ ὁ λόγος οὔτε διὰ τὴν

προσοῦσαν αὐτοῖς ἀπαιδευσίαν σὺν γὰρ τῷ

πεπαιδεῦσθαι καὶ πολυπειροτέρους παρὰ τοὺς

ἄλλους ὑπάρχειν φιλοσόφους ἔτι καὶ

ltἀgtδιαφόρως ἔχουσι πρὸς τὴν παρὰ τοῖς

πολλοῖς δόξαν [6] καὶ μὴν οὐδὲ δυσμενείας

χάριν τῆς πρός τινας (μακρὰν γὰρ αὐτῶν τῆς

πραότητός ἐστιν ἡ τοιαύτη κακία) ἀλλὰ

τοιοῦτόν τι ἐπὶ τῶν μαθημάτων παθόντες

ὁποῖον ἐφrsquo ὅλης ἔπαθον τῆς φιλοσοφίας1

καθὰ γὰρ ἐπὶ ταύτην ἦλθον πόθῳ τοῦ τυχεῖν

τῆς ἀληθείας ἰσοσθενεῖ δὲ μάχῃ καὶ

ἀνωμαλίᾳ τῶν πραγμάτων ὑπαντήσαντες

ἐπέσχον οὕτω καὶ ἐπὶ τῶν μαθημάτων

ὁρμήσαντες ἐπὶ τὴν ἀνάληψιν αὐτῶν

ζητοῦντες καὶ τὸ ἐνταῦθα μαθεῖν ἀληθές τὰς

δὲ ἴσας εὑρόντες ἀπορίας οὐκ ἀπεκρύψαντο

(chamando Nausiacutefanes de aacutegua-viva como

algueacutem incapaz de perceber algo (anaisthetos))10

E depois de jaacute o ter insultado vaacuterias vezes parece

aludir a sua competecircncia nos estudos

especializados ao dizer ldquoEra um homem sem

qualquer valia algueacutem que se dedicava a coisas

pelas quais eacute impossiacutevel alcanccedilar sabedoriardquo

insinuando os estudos ciacuteclicos [5] Pois bem deste

modo como podem supor a partir de coisas como

tais que fogem ao assunto eacute que Epicuro justifica

sua guerra a estes estudos Os seguidores de Pirro

no entanto criticaram estes estudos natildeo porque

natildeo fossem de nenhum proveito para a sabedoria

(pois esse argumento eacute dogmaacutetico) nem porque

fosse comum entre eles a falta de cultura

(apaideusia) ndash uma vez que a par da formaccedilatildeo

recebida e de serem muito mais experientes que

outros filoacutesofos satildeo tambeacutem indiferentes agrave

opiniatildeo do vulgo11 [6] Nem certamente teria sido

por qualquer espeacutecie de inimizade com algueacutem jaacute

que tal tipo de maldade estaacute bem longe de seu

caraacuteter gentil12 Mas sim por sentirem em relaccedilatildeo

a estes estudos algo como o que sentiram em

relaccedilatildeo agrave filosofia como um todo Pois a

procuraram movidos pelo desejo de encontrar a

verdade poreacutem ao deparar-se com um conflito

entre argumentos equipolentes (isosthenes makhe)

e anomalia nas coisas (anomalia ton

pragmaton)13 acabaram por suspender o

julgamento (epekho) Da mesma forma

dispuseram-se a se dedicar (analepsis) a estes

estudos procurando (zetountes) tambeacutem aqui

aprender a verdade Poreacutem tendo encontrado

aporias iguais agravequelas natildeo as ocultaram14

105

2 Blank ad loc com Giusta p 429

[7] διόπερ καὶ ἡμεῖς τὴν αὐτὴν τούτοις

ἀγωγὴν μεταδιώκοντες πειρασόμεθα χωρὶς

φιλονεικίας τὰ πραγματικῶς λεγόμενα πρὸς

αὐτὰ ἐπιλεξάμενοι θεῖναι

Τὸ μὲν οὖν διδάσκειν ἀπὸ τίνος ἐγκύκλια

προσηγόρευται μαθήματα καὶ πόσα τὸν

ἀριθμόν ἐστι περιττὸν ἡγοῦμαι ltπρὸς

τοὺςgt2 ἱκανὴν ἤδη τὴν περὶ τούτων ἔχοντας

κατήχησιν γινομένης ἡμῖν τῆς διδασκαλίας

[8] ὃ δέ ἐστιν ἀναγκαῖον ἐπὶ τοῦ παρόντος

ὑποδεικτέον ὅτι τῶν λεγομένων πρὸς τὰ

μαθήματα τὰ μὲν καθολικῶς λέγεται πρὸς

πάντα τὰ μαθήματα τὰ δὲ ὡς πρὸς ἕκαστα

καὶ καθολικώτερον μὲν τὸ περὶ τοῦ μηδὲν

εἶναι μάθημα ἰδιαίτερον δὲ πρὸς μὲν

γραμματικούς εἰ τύχοι περὶ τῶν τῆς λέξεως

στοιχείων πρὸς δὲ γεωμέτρας περὶ τοῦ μὴ

δεῖν ἐξ ὑποθέσεως λαμβάνειν τὰς ἀρχάς πρὸς

δὲ μουσικοὺς περὶ τοῦ μηδὲν εἶναι φωνὴν

μηδὲ χρόνον ἴδωμεν δὲ τάξει πρῶτον τὴν

καθολικωτέραν ἀντίρρησιν

Eacute por isso que tambeacutem noacutes que seguimos a

mesma orientaccedilatildeo (agoge)15 deles tentaremos

sem espiacuterito de rivalidade apresentar tendo-os

selecionado argumentos efetivos (pragmatikos)16

contra os estudos ciacuteclicos

Creio ser desnecessaacuterio expor (didaskein) por

que satildeo chamados estudos ciacuteclicos (enkuklia)17 ou

quantos satildeo em nuacutemero pois nossa exposiccedilatildeo

(didaskalia) dirige-se a quem jaacute ouviu falar

suficientemente sobre isto [8] Nesse momento o

necessaacuterio eacute indicar que contra estes estudos

existem os argumentos gerais que falam contra

todos os estudos especializados e os especiacuteficos

que se dirigem a cada disciplina em particular18

Natildeo existir estudo19 eacute o argumento mais geral Um

mais especiacutefico seria por exemplo contra os

gramaacuteticos sobre os elementos da palavra20 ou

contra os geocircmetras acerca de natildeo ser necessaacuterio

assumir princiacutepios a partir de uma hipoacutetese21 ou

contra os muacutesicos sobre natildeo existirem som

(phone) e tempo22 Por ordem veremos primeiro o

ataque mais geral

Εἰ ἔστι μάθημα

[9] Τὴν μὲν οὖν γενομένην παρὰ τοῖς

φιλοσόφοις περὶ μαθήσεως διαφωνίαν

πολλὴν καὶ ποικίλην οὖσαν οὐ τοῦ παρόντος

ἐστὶ καιροῦ ἐπικρίνειν ἀπόχρη δὲ

παραστῆσαι ὡς εἴπερ ἔστι τι μάθημα καὶ

τοῦτο ἀνυστὸν ἀνθρώπῳ τέσσαρα δεῖ

προομολογήσασθαι τὸ διδασκόμενον

πρᾶγμα τὸν διδάσκοντα τὸν μανθάνοντα

τὸν τρόπον τῆς μαθήσεως οὔτε δὲ τὸ

διδασκόμενον ἔστιν οὔτε ὁ διδάσκων οὔτε ὁ

μανθάνων οὔτε ὁ τρόπος τῆς μαθήσεως

Se existe estudo

Este natildeo eacute o momento adequado para examinar

o longo e variado desacordo (diaphonia) que

existe entre os filosoacutefos sobre o ensino

(mathesis)23 Basta colocar que se existe algo

como um estudo (mathema) acessiacutevel para o

homem quatro coisas precisam ser admitidas de

antematildeo uma coisa (pragma) que se ensina

quem ensina quem aprende e um modo de

ensinar E natildeo existe o que se ensina nem quem

ensina tampouco quem aprende ou o modo de

ensinar conforme demonstraremos portanto natildeo

106

3 Blank ad loc com Bekker 4 Blank ad loc deleta por considerar interpolaccedilatildeo εἰ δὲ καὶ μηδὲν ἀληθές εἴπερ διδακτόν ἐστιν τῶν γὰρ ὄντων ἐστὶ τὸ ἀληθές ἀδίδακτον ἄρα τὸ μὴ ὄν μηδ ἀληθὲς διδάσκεται Tambeacutem natildeo eacute algo verdadeiro no caso de ser ensinaacutevel visto que uma coisa verdadeira faz parte do que eacute conclui-se que o que natildeo existe eacute natildeo-ensinaacutevel Tampouco eacute ensinado como verdadeiro

καθάπερ ὑποδείξομεν οὐκ ἄρα ἔστι τι

μάθημα

existe algo como um estudo

Περὶ τοῦ διδασκομένου

[10] Καὶ δὴ περὶ τοῦ πρώτου λέγοντες

πρῶτόν φαμεν ὡς εἴπερ διδάσκεταί τι ἤτοι τὸ

ὂν τῷ εἶναι διδάσκεται ἢ τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ

εἶναι οὔτε δὲ τὸ ὂν τῷ εἶναι διδάσκεται οὔτε

τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ εἶναι καθάπερ

παραστήσομεν οὐκ ἄρα διδάσκεταί τι καὶ δὴ

τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ εἶναι οὐκ ἂν διδάσκοιτο εἰ

γὰρ διδάσκεται διδακτόν ἐστι διδακτὸν δὲ

καθεστὼς τῶν ὄντων γενήσεται

Sobre o que se ensina

Ao abordar o primeiro ponto diremos primeiro

que se alguma coisa eacute ensinada24 ou eacute ensinado o

que existe (to on) por existir ou o que natildeo existe

(to me on) por natildeo existir Mas nem o que existe

eacute ensinado por existir nem o que natildeo existe por

natildeo existir conforme provaremos logo coisa

alguma eacute ensinada25 O que natildeo existe natildeo viria a

ser ensinado por natildeo existir pois se eacute ensinado eacute

ensinaacutevel e sendo ensinaacutevel tornar-se-aacute das

coisas26 que existem

[11] καὶ διὰ τοῦτο ἔσται μὴ ὄν τε καὶ ὄν οὐχὶ

δέ γε δυνατόν ἐστι τὸ αὐτὸ καὶ ὄν τε καὶ μὴ

ὂν ὑπάρχειν οὐκ ἄρα τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ εἶναι

διδάσκεται τῷ τε μὴ ὄντι οὐδὲν συμβέβηκεν

ᾧ δὲ μηδὲν συμβέβηκεν οὐδὲ τὸ διδάσκεσθαι

συμβήσεται ἓν γάρ τι ἦν τῶν συμβεβηκότων

καὶ τὸ διδάσκεσθαι

E por isso seria algo que existe e natildeo existe e

certamente natildeo eacute possiacutevel existir (huparkhein)

uma mesma coisa que existe e natildeo existe27

portanto o que natildeo existe natildeo eacute ensinado por natildeo

existir Ao que natildeo existe nada eacute atribuiacutedo

(sumbebeke) ao que nada eacute atribuiacutedo natildeo se

atribuiraacute nem o ser ensinado pois mesmo lsquoser

ensinadorsquo eacute um atributo28

[12] τοίνυν οὐδὲ ταύτῃ διδακτόν ἐστι τὸ μὴ

ὄν καὶ μὴν τὸ διδασκόμενον φαντασίαν

κινοῦν εἰς μάθησιν ἡμῖν ἔρχεται τὸ δὲ μὴ ὂν

ἀδυνατοῦν φαντασίαν κινεῖν οὐδὲ διδακτόν

ἐστιν ἔτι δὲ οὐδrsquo ὡς ἀληθὲς τὸ μὴ ὂν

ltδιδακτόνgt3 ἐστιν οὔτε γὰρ τῶν μὴ ὄντων

ἐστὶ τἀληθὲς οὔτε τι ἀληθὲς ὡς μὴ ὂν

διδακτόν ἐστιν 4

Assim por esta razatildeo o que natildeo existe natildeo eacute

ensinaacutevel E mais o que se ensina noacutes o

apreendemos atraveacutes da representaccedilatildeo (phantasia)

que provoca29 o que natildeo existe sendo incapaz de

provocar qualquer representaccedilatildeo tampouco eacute

ensinaacutevel Ainda o que natildeo existe tambeacutem natildeo eacute

ensinaacutevel como algo verdadeiro De fato algo

verdadeiro natildeo estaacute entre as coisas que natildeo

107

5 Blank ad loc deleta por considerar interpolaccedilatildeo ἤτοι γὰρ τὸ διδασκόμενον ψεῦδός ἐστιν ἢ ἀληθές ἀλλὰ ψεῦδος μὲν ἀλογώτατον τὸ δὲ ἀληθὲς ὂν ὑπῆρχεν οὐκ ἄρα τὸ μὴ ὂν διδακτόν Pois o que se ensina ou eacute falso ou eacute verdadeiro Natildeo faz o menor sentido dizer que eacute falso E aquilo que eacute verdadeiro existe Conclui-se entatildeo que o que natildeo existe natildeo eacute ensinaacutevel 6 Blank ad loc deleta πᾶσι φαινομένων Optamos por suprimir tambeacutem a expressatildeo seguinte πᾶσι φαινομένων ἐπ ἴσης visto serem todas aparentes de maneira igual para todos A expressatildeo eacute recorrente na obra sextiana como parte de argumento distinto 7 Passagem problemaacutetica seguimos uma das modificaccedilotildees sugeridas por Blank ad loc ἵνα ἐκ τούltτουgt γινωσκομένου γένηται ἡ τούτου μάθησις Por ser semelhante agrave passagem M XI 222

existem e tampouco algo verdadeiro eacute ensinaacutevel

como algo que natildeo existe30

[13] εἰ δὲ μηδὲν ἀληθὲς διδάσκεται πᾶν τὸ

διδασκόμενον ψεῦδός ἐστιν ὅπερ

ἀλογώτατον ὑπάρχει οὐ τοίνυν τὸ μὴ ὂν

διδάσκεται 5

E se natildeo eacute ensinado nada verdadeiro tudo que se

ensina eacute falso o que eacute totalmente iloacutegico Pois

bem natildeo eacute ensinado o que natildeo existe

[14] καὶ μὴν οὐδὲ τὸ ὂν τῷ εἶναι διδακτόν

ἐστιν ἐπειδήπερ τῶν ὄντων 6 πάντα ἔσται

διδακτά ᾧ ἀκολουθήσει τὸ μηδὲν εἶναι

διδακτόν δεῖ γὰρ ὑποκεῖσθαί τι ἀδίδακτον

ἵνα ἐκ τούltτουgt γένηται ἡ μάθησις7 τοίνυν

οὐδὲ τὸ ὂν τῷ εἶναι διδάσκεται

Mas o fato eacute que tambeacutem o que existe natildeo eacute

ensinaacutevel por existir pois de outro modo todas as

coisas que existem seratildeo ensinaacuteveis31 A

consequecircncia disto eacute que nada seria ensinaacutevel

Pois eacute preciso assumir (hupokeisthai) algo natildeo-

ensinaacutevel para que o ensino possa acontecer a

partir dele Assim tampouco o que existe eacute

ensinado por existir

[15] Ὁ δὲ ὅμοιος τῆς ἀπορίας γενήσεται

τρόπος καὶ πρὸς τοὺς ἐροῦντας τὸ οὔ τι ὂν ἢ

τὶ διδάσκεσθαι εἰ γὰρ τὸ οὔ τι ὂν διδάσκοιτο

ἔσται ᾗ διδάσκεται τί καὶ διὰ τοῦτο ltτὸgt

αὐτὸ τἀναντία οὔτι καὶ τὶ ἔσται ὅπερ ἦν τῶν

ἀδυνάτων τῷ τε οὔτινι οὐδὲν συμβέβηκεν

διὸ οὐδὲ τὸ διδάσκεσθαι

O mesmo modo de revelar aporias seraacute usado

contra os que dizem que ou eacute ensinado algo ou

nada32 Pois se nada fosse ensinado tornar-se-ia

algo ensinado - de forma que a mesma coisa viria

a ser coisas contraacuterias nada e algo o que foi

considerado impossiacutevel Ao nada nada eacute

atribuiacutedo por isso nem mesmo o ser ensinado

[16] καὶ γὰρ τοῦτο τῶν συμβεβηκότων ἐστίν

οὐ τοίνυν τὸ οὔτι διδάσκεται κατὰ δὲ τὴν

αὐτὴν ἀναλογίαν καὶ τὸ τὶ τῶν ἀδιδάκτων

γενήσεται εἰ γὰρ διὰ τοῦτο διδακτὸν ἔσται

ὅτι ἔστιν οὐδὲν ἀδίδακτον ἔσται ᾧ ἕπεται τὸ

μηδὲν εἶναι διδακτόν

jaacute que este eacute um atributo Portanto o nada natildeo eacute

ensinado De maneira anaacuteloga tambeacutem o que eacute

algo vem a ser natildeo-ensinaacutevel Pois se fosse

ensinaacutevel simplesmente porque eacute algo nenhuma

coisa seria natildeo-ensinaacutevel com a consequecircncia de

que coisa alguma seria ensinaacutevel

[17] καὶ μὴν εἰ διδάσκεται ltτὸgt τί ἤτοι διὰ

τῶν οὐτινῶν διδαχθήσεται ἢ διὰ τῶν τινῶν

De fato se algo eacute ensinado teraacute de ser ensinado

ou por meio de algo ou por meio de nada Mas

108

8 Blank ad loc conforme Blomqvist p 73 Lecirc ἢ ao inveacutes de εἰ

ἀλλὰ διὰ μὲν τῶν οὐτινῶν οὐχ οἷόν τε

διδαχθῆναι ἀνυπόστατα γάρ ἐστι τῇ διανοίᾳ

ταῦτα κατὰ τοὺς ἀπὸ τῆς στοᾶς λείπεται οὖν

διὰ τῶν τινῶν γίνεσθαι τὴν μάθησιν ὃ πάλιν

ἄπορόν ἐστιν

natildeo eacute possiacutevel para ele ser ensinado por meio de

nada pois para o pensamento (dianoia) o nada eacute

insubsistente (anupostatos) segundo os estoicos

Resta-nos portanto que o ensino se decirc por meio

de algo O que eacute novamente aporeacutetico

[18] ὥσπερ γὰρ αὐτὸ τὸ διδασκόμενον κατὰ

τοῦτο διδάσκεται καθὸ τί ἐστιν οὕτως ἐπεὶ

καὶ τὰ ἐξ ὧν ἡ μάθησις τινά ἐστι ltπάνταgt

γενήσεται διδακτά καὶ ταύτῃ μηδενὸς ὄντος

ltἀgtδιδάκτου ἀναιρεῖται ἡ μάθησις

Pois da mesma forma que o que se ensina eacute ele

proacuteprio ensinado por esta condiccedilatildeo ou seja

porque eacute algo entatildeo visto tambeacutem serem algo as

coisas a partir das quais acontece o ensino todas

elas seratildeo ensinaacuteveis Por essa razatildeo se natildeo existe

nada natildeo-ensinaacutevel anula-se (anairetai)33 o

ensino

[19] Ἄλλως τε ἐπεὶ τῶν τινῶν τὰ μέν ἐστι

σώματα τὰ δὲ ἀσώματα δεήσει τὰ

διδασκόμενα τινὰ ὄντα ἤτοι σώματα εἶναι ἢ

ἀσώματα οὔτε δὲ σώματα δύναται ὑπάρχειν

οὔτε ἀσώματα ὡς παραστήσομεν οὐκ ἄρα

ἔστι τινὰ διδασκόμενα

E aleacutem disso jaacute que algo ou eacute corpoacutereo (soma)

ou incorpoacutereo (asoma) seraacute preciso que se o que

se ensina eacute algo seja ou corpoacutereo ou incorpoacutereo

Mas natildeo eacute possiacutevel ser nem corpoacutereo nem

incorpoacutereo como demonstraremos Logo natildeo

existe algo que se ensina

Περὶ σώματος

[20] Τὸ μὲν οὖν σῶμα καὶ μάλιστα κατὰ

τοὺς Στωικούς οὐκ ἂν εἴη τῶν διδακτῶν δεῖ

γὰρ τὰ διδασκόμενα λεκτὰ τυγχάνειν τὰ δὲ

σώματα οὐκ ἔστι λεκτά διόπερ οὐ

διδάσκεται εἴπερ δὲ τὰ σώματα μήτε αἰσθητά

ἐστι μήτε νοητά δῆλον ὡς οὐδὲ διδακτὰ

γενήσεται αἰσθητὰ μὲν οὖν οὐκ ἔστιν ὡς ἐκ

τῆς ἐννοίας αὐτῶν συμφανές

Sobre corpo34

O corpo de acordo principalmente com os

estoicos natildeo poderia ser uma coisa ensinaacutevel pois

as coisas que se ensinam precisam ser diziacuteveis

(lekta)35 e coisas corpoacutereas natildeo satildeo diziacuteveis por

isso natildeo satildeo ensinadas E se realmente as coisas

corpoacutereas natildeo satildeo nem sensiacuteveis (aistheta) nem

inteligiacuteveis (noeta) eacute evidente que natildeo seratildeo

ensinaacuteveis Natildeo serem sensiacuteveis eacute algo que estaacute

claro na definiccedilatildeo dos estoicos36

[21] ἢ 8 γὰρ σύνοδός ἐστι κατὰ ἀθροισμὸν

μεγέθους καὶ σχήματος καὶ ἀντιτυπίας τὸ

σῶμα ὥς φησιν Ἐπίκουρος ἢ τὸ τριχῇ

διαστατόν τουτέστι τὸ ἐκ μήκους καὶ

πλάτους καὶ βάθους καθάπερ οἱ μαθηματικοὶ

λέγουσιν ἢ τὸ τριχῇ διαστατὸν μετὰ

Pois ou o corpo eacute como diz Epicuro uma

combinaccedilatildeo por junccedilatildeo de grandeza forma e

solidez ou conforme dizem os matemaacuteticos eacute

algo de trecircs dimensotildees ou seja comprimento

largura e profundidade ou de novo segundo

Epicuro o que tem trecircs dimensotildees mais solidez (a

109

9 Blank ad loc deleta ἢ ὄγκος ἀντίτυπος ὡς ἄλλοι ou ainda uma massa soacutelida de acordo com outros pois esta definiccedilatildeo natildeo envolve diversas propriedades nem aparece em M IX ou em M XI Jaacute a tradutora francesa considera que se possa conceder valor argumentativo agrave passagem por implicar a conjunccedilatildeo de massa e resistecircncia (cf Dalimier ad loc) 10 Blank ad loc conforme Giusta p 74 Para [εἰ δὲ λογικῆς διανοίας] οὐκ 11 Blank ad loc com Blomqvist p 74 12 Blank ad loc com Blomqvist p 74 Deleta πάλιν novamente

ἀντιτυπίας ὡς πάλιν ὁ Ἐπίκουρος ἵνα τούτῳ

διορίζῃ τοῦ κενοῦ 9 ndash

fim de diferenciaacute-lo do vazio)

[22] ὅπως δrsquo ἂν ἔχῃ ἐπεὶ κατὰ σύνοδον

πολλῶν ἰδιωμάτων νοεῖται ἡ δὲ πλειόνων

ἐπισύνθεσις οὐχ ἁπλῆς τινος καὶ ἀλόγου

αἰσθήσεώς ἐστιν ἔργον ἀλλὰ λογικῆς

διανοίας εἰ δὲ λογικῆς διανοίας ltνοητόν

τιgt10 οὐκ ἔσται τῶν αἰσθητῶν τὸ σῶμα

- seja como for visto ser concebido (noeitai) por

uma conjunccedilatildeo de diversas propriedades

especiacuteficas e a combinaccedilatildeo de muitos elementos

natildeo eacute tarefa de um sentido (aisthesis) simples e

natildeo-racional (alogos) mas de pensamento

racional (logike dianoia) e se eacute tarefa de

pensamento racional eacute um inteligiacutevel o corpo natildeo

seraacute um sensiacutevel

[23] κἂν αἰσθητὸν δὲ ltπάλινgt11 αὐτὸ

ὑποθώμεθα πάλιν ἐστὶν ἀδίδακτον τὸ γὰρ

αἰσθητὸν 12 ᾗ αἰσθητόν ἐστιν οὐ διδάσκεται

οὐδεὶς γὰρ λευκὸν ὁρᾶν μανθάνει οὐδὲ

γλυκέος γεύεσθαι οὐδὲ θερμοῦ ἅπτεσθαι

οὐκ εὐώδους ὀσφραίνεσθαι ἀλλrsquo ἔστι ταῦτα

τῶν ἀδιδάκτων καὶ φυσικῶς ἡμῖν προσόντων

E mesmo supondo que seja sensiacutevel novamente eacute

algo natildeo-ensinaacutevel Pois o sensiacutevel na medida em

que eacute sensiacutevel natildeo eacute ensinado pois ningueacutem

aprende a ver o branco nem a sentir um gosto

doce ou o calor ou um odor agradaacutevel estas

coisas satildeo daquelas que natildeo satildeo ensinaacuteveis mas

fazem parte naturalmente do que somos37

[24] λείπεται οὖν νοητόν τε λέγειν τὸ σῶμα

καὶ ταύτῃ διδακτόν ὅπως δrsquo ἂν ἀληθὲς εἴη

σκοπῶμεν εἰ γὰρ μήτε μῆκός ἐστι κατrsquoἰδίαν

τὸ σῶμα μήτε πλάτος ἢ βάθος τὸ δὲ ἐξ

ἁπάντων νοούμενον ἀνάγκη πάντων

ἀσωμάτων ὄντων καὶ τὸ ἐξ αὐτῶν συστὰν

ἀσώματον νοεῖν καὶ οὐ σῶμα διὰ δὲ τοῦτο

καὶ ἀδίδακτον

Resta-nos neste caso considerar o corpo um

inteligiacutevel e por esta razatildeo algo ensinaacutevel

Vamos entatildeo examinar de que forma isto poderia

ser verdadeiro Pois se o corpo natildeo eacute nem

comprimento nem largura nem profundidade

separadamente mas o que se concebe (noein) a

partir de todas estas qualidades juntas eacute forccediloso

entatildeo jaacute que elas satildeo todas incorpoacutereas que o que

se concebe a partir delas seja tambeacutem incorpoacutereo

e natildeo um corpo por isso tambeacutem eacute natildeo-ensinaacutevel

[25] πρὸς τῷ τὸν νοοῦντα τὸ ἐκ τούτων

συνεστὼς σῶμα πρότερον ὀφείλειν αὐτὰ

ταῦτα νοεῖν ἵνα κἀκεῖνο δυνατὸν ᾖ νοεῖν ἢ

γὰρ περιπτωτικῶς αὐτὰ νοήσει ἢ κατὰ

E mais o que concebe o corpo como um conjunto

daqueles elementos deve primeiro conceber os

proacuteprios elementos para que seja entatildeo possiacutevel

conceber o tal conjunto Assim ou iraacute concebecirc-los

110 μετάβασιν ἀπὸ περιπτώσεως οὔτε δὲ

περιπτωτικῶς ἀσώματα γάρ ἐστι καὶ τῶν

ἀσωμάτων οὐκ ἀντιλαμβανόμεθα

περιπτωτικῶς ἀεὶ κατὰ θίξιν γινομένης τῆς

περὶ τὴν αἴσθησιν ἀντιλήψεως καὶ μὴν οὐδὲ

κατὰ μετάβασιν ἀπὸ περιπτώσεως τῷ μηδὲν

ἔχειν αἰσθητὸν ἀφrsquo οὗ μετιών τις ποιήσεται

τούτων ἐπίνοιαν τοίνυν οὐδὲ τὰ ἐξ ὧν τὸ

σῶμα νοεῖν δυνάμενοι πάντως οὐδὲ διδάσκειν

τοῦτο ἰσχύσομεν

por experiecircncia direta (periptotikos) ou por

transferecircncia (metabasis) a partir de uma

experiecircncia direta38 Natildeo os concebe por

experiecircncia direta jaacute que satildeo incorpoacutereos e os

incorpoacutereos natildeo satildeo apreendidos por experiecircncia

direta39 a apreensatildeo (antilepsis) sensoacuteria40 eacute

sempre motivada por contato41 Mas tampouco

com efeito por transferecircncia a partir de uma

experiecircncia direta porque natildeo haacute nenhum sensiacutevel

a partir do qual se possa fazer a transferecircncia e

chegar agrave concepccedilatildeo destes elementos42 De forma

que natildeo sendo sequer capazes de conceber os

elementos que o compotildeem muito menos seremos

capazes de ensinar o corpo

[26] Ἀλλὰ περὶ μὲν τῆς τοῦ σώματος

νοήσεώς τε καὶ ὑποστάσεως ἐν τοῖς

σκεπτικοῖς ὑπεμνήσαμεν ἀκριβέστερον νυνὶ

δὲ ἀποστάντες τούτων τῶν ἐλέγχων ἐκεῖνο

λέγωμεν ὅτι τῶν σωμάτων κατὰ τὸ ἀνωτάτω

διττή τίς ἐστι διαφορά τὰ μὲν γὰρ αὐτῶν

αἰσθητὰ καθέστηκε τὰ δὲ νοητά καὶ εἰ τὸ

διδασκόμενόν ἐστι σῶμα πάντως ἤτοι

νοητόν ἐστιν ἢ αἰσθητόν

Mas da concepccedilatildeo do corpo e de sua

subsistecircncia (hupostasis) tratamos mais

detidamente nos Discursos Ceacuteticos43 Por ora

deixando de lado tais refutaccedilotildees (elenkhoi)

voltaremos agravequele argumento que diz que os

corpos diferem primeiramente de duas formas

uns satildeo sensiacuteveis outros inteliacutegiveis E se o que

se ensina eacute corpoacutereo teraacute de ser obrigatoriamente

ou sensiacutevel ou inteligiacutevel

[27] ἀλλrsquo οὔτε αἰσθητὸν εἶναι δύναται διὰ τὸ

πᾶσιν ἐπrsquo ἴσης ὀφείλειν φαίνεσθαι καὶ

πρόδηλον ὑπάρχειν οὔτε νοητὸν διὰ τὸ

ἀδηλεῖσθαι καὶ αὐτὸ τοῦτο ἀνεπικρίτως

διαφωνεῖσθαι παρὰ πᾶσι τοῖς φιλοσόφοις

τῶν μὲν ἄτομον τοῦτο λεγόντων ὑπάρχειν

τῶν δὲ τμητόν καὶ τῶν τμητὸν φαμένων εἶναι

ἐνίων μὲν εἰς ἄπειρον τέμνεσθαι τοῦτο

ἀξιούντων ἐνίων δὲ εἰς ἐλάχιστον καὶ ἀμερὲς

καταλήγειν οὐκ ἄρα διδακτόν ἐστι τὸ σῶμα

Poreacutem natildeo eacute possiacutevel que seja sensiacutevel por ter de

ser igualmente manifesto (prodelon) e aparente

(phainesthai) para todos Tampouco eacute um

inteligiacutevel por ser natildeo-evidente e objeto de

discussatildeo sem fim entre todos os filoacutesofos uns

dizem que eacute indivisiacutevel outros que pode ser

dividido dos que dizem ser divisiacutevel uns

acreditam que se divide ao infinito (apeiros)

outros dizem que cessa em uma parte miacutenima

indivisiacutevel O corpo natildeo eacute portanto ensinaacutevel

[28] Καὶ μὴν οὐδὲ τὸ ἀσώματον πᾶν γὰρ

καὶ ὁποῖον ἄν τις ἀσώματον λέγῃ

E certamente tampouco o incorpoacutereo Pois

todo e qualquer incorpoacutereo que algueacutem afirme ser

111

13 Blank ad loc com De Marco 1956 p 153 Natildeo inserccedilatildeo de ltοὐκ ἄρα ἔστι τι τὸ διδασκόμενονgt

διδάσκεσθαι ἐάν τε τὴν Πλατωνικὴν ἰδέαν

ἐάν τε τὸ παρὰ τοῖς Στωικοῖς λεκτόν ἐάν τε

τόπον ἢ κενὸν ἢ χρόνον ἢ ἄλλο τι τῶν

τοιούτων ἵνα μηδὲν προπετὲς περὶ τῆς

ὑποστάσεως αὐτῶν λέγωμεν μηδrsquo ἑτέρας

σκέψεις ἐν ἑτέραις διεξοδεύωμεν παριστάντες

τὸ ἀνυπόστατον ἑκάστου lt ὃ gt προδήλως

μὲν ἐπιζητεῖται καὶ ἔς τrsquo ἂν ὕδωρ τε νάῃ καὶ

δένδρεα μακρὰ τεθήλῃ ζητήσεται παρὰ τοῖς

δογματικοῖς τῶν μὲν εἶναι ταῦτα

διαβεβαιουμένων τῶν δὲ μὴ εἶναι τῶν δὲ

ἐπεχόντων τὸ δὲ τὰ ἔτι ἐπίδικα καὶ ἐν

μετεώροις ἀμφισβητήσεσι κείμενα ὡς

σύμφωνα καὶ ὁμόλογα διδάσκεσθαι λέγειν

τῶν ἀτόπων ἐστίν

ensinado ndash seja a ideia platocircnica ou o diziacutevel

(lekton) dos estoacuteicos seja o lugar o vazio ou o

tempo ou qualquer outro como estes ndash sem

intenccedilatildeo de fazer qualquer afirmaccedilatildeo precipitada

(propetes)44 sobre sua subsistecircncia ou repassar

exaustivamente outras investigaccedilotildees provando a

insubsistecircncia de cada um continuam todos sendo

investigados pelos dogmaacuteticos E issolsquoenquanto as

aacuteguas correrem e as altas aacutervores floresceremrsquo45

uns sustentando firmemente que existem estas

coisas outros que natildeo existem e outros

suspendendo o juiacutezo E eacute absurdo dizer das coisas

que ainda estatildeo sob disputa e que permanecem em

controveacutersia indefinida que satildeo ensinadas como

se houvesse acordo unacircnime sobre elas

[29] Εἰ οὖν τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι σώματα

τὰ δὲ ἀσώματα δέδεικται δὲ οὐδέτερα

τούτων διδασκόμενα οὐδὲν διδάσκεται

Ἐπιχειρητέον δὲ καὶ οὕτως εἰ διδάσκεταί

τι ἤτοι ἀληθές ἐστιν ἢ ψεῦδος οὔτε δὲ

ψεῦδος διδακτόν ἐστιν ὡς αὐτόθεν

ὁμόλογον οὔτε ἀληθές τὸ γὰρ ἀληθὲς

ἄπορον ὡς ἐν τοῖς σκεπτικοῖς ὑπομνήμασι

δέδεικται καὶ τῶν ἀπόρων οὐκ ἔστι μάθησις

Portanto se das coisas que existem umas satildeo

corpoacutereas e outras incorpoacutereas e estaacute provado que

nenhuma destas se ensina nada eacute ensinado

Tambeacutem se pode argumentar da seguinte

maneira se algo eacute ensinado ou eacute verdadeiro ou eacute

falso Mas nem eacute ensinaacutevel o falso (admite-se de

imediato) nem o verdadeiro pois o que eacute

verdadeiro estaacute sujeito a aporia como foi

demonstrado nos nossos Comentaacuterios Ceacuteticos46 e

natildeo existe ensino de coisas aporeacuteticas47

[30] οὐκ ἄρα ἔστι τι τὸ διδασκόμενον

καθόλου τε εἰ διδάσκεταί τι ἤτοι τεχνικόν

ἐστιν ἢ ἄτεχνον καὶ ἄτεχνον μὲν ὂν οὐκ ἔστι

διδακτόν τεχνικὸν δὲ εἴπερ καθέστηκεν

αὐτόθεν μὲν φαινόμενον οὔτε τεχνικόν ἐστιν

οὔτε διδακτόν ἄδηλον δὲ καθεστὼς διὰ τὸ

ἀδηλεῖσθαι πάλιν ἐστὶν ἀδίδακτον13

Ὧι συναναιρεῖται καὶ ὁ διδάσκων διὰ τὸ

μὴ ἔχειν ὃ διδάξει [ᾗ ἄδηλόν ἐστιν] ὅ τε

logo natildeo existe algo que se ensina E no geral se

alguma coisa eacute ensinada ou ela faz parte de uma

arte (tekhnikon) ou natildeo faz (atekhnon) O que natildeo

faz parte de uma arte natildeo eacute ensinaacutevel E se faz

parte de uma arte ou eacute aparente em si mesma e

entatildeo nem faz parte de uma arte nem eacute ensinaacutevel

ou eacute natildeo-evidente e por ser natildeo-evidente

novamente eacute natildeo-ensinaacutevel48

Com isso anula-se tambeacutem aquele que ensina

112 μανθάνων διὰ τὸ μὴ ἔχειν ὃ μάθῃ ὅμως δrsquo

οὖν καὶ περὶ ἑκατέρου τούτων κατrsquo ἰδίαν

ἐπελθόντες ἀπορήσομεν

pois natildeo haacute o que ensinar e tambeacutem aquele que

aprende jaacute que natildeo haacute o que aprender Natildeo

obstante revelaremos as aporias relativas a cada

um deles atacando-os em especiacutefico

Περὶ τοῦ διδάσκοντος καὶ μανθάνοντος

[31] Εἰ γὰρ ἔστι τις τούτων ἤτοι ὁ ἄτεχνος

τὸν ὁμοίως ἄτεχνον διδάξει ἢ ὁ τεχνίτης τὸν

ὁμοίως τεχνίτην ἢ ὁ ἄτεχνος τὸν τεχνίτην ἢ

ἀνάπαλιν οὔτε δὲ ὁ ἄτεχνος τὸν ἄτεχνον

δύναται διδάσκειν ὡς οὐδὲ ὁ τυφλὸς τὸν

τυφλὸν ὁδηγεῖν οὔτε ὁ τεχνίτης τὸν ὁμοίως

τεχνίτην οὐδέτερος γὰρ αὐτῶν ἐδεῖτο

μαθήσεως καὶ οὐ μᾶλλον οὗτος ἐκείνου ἢ

ἐκεῖνος τούτου χρείαν ἔχει πρὸς τὸ

μανθάνειν τοῖς ἴσοις περιουσιαζόμενοι οὔτε

ὁ ἄτεχνος τὸν τεχνίτην

Sobre o que ensina e o que aprende

Pois bem se existe algum destes ou o leigo

(atekhnos) ensinaraacute ao igualmente leigo ou o

entendido (tekhnites) ensinaraacute ao igualmente

entendido ou ainda o leigo ao entendido ou o

entendido ao leigo O leigo natildeo pode ensinar o

leigo como um cego natildeo guia outro cego Nem o

entendido ao igualmente entendido porque a

nenhum deles falta ensino nem nenhum tem mais

necessidade que o outro de aprender - estando os

dois jaacute igualmente supridos Tampouco o leigo

pode ensinar ao entendido

[32] ὅμοιον γὰρ ὡς εἴ τις λέγοι τὸν βλέποντα

ὑπὸ τοῦ πεπηρωμένου ὁδηγεῖσθαι καὶ γὰρ ὁ

ἄτεχνος πρὸς τὰ τεχνικὰ τῶν θεωρημάτων

πεπηρωμένος οὐκ ἂν δύναιτό τινα διδάσκειν

ἃ μηδὲ τὴν ἀρχὴν οἶδεν καὶ ὁ τεχνίτης

διαβλέπων ἐν τοῖς τεχνικοῖς θεωρήμασι καὶ

γνῶσιν αὐτῶν ἐσχηκὼς οὐ δεήσεται τοῦ

διδάξοντος

que eacute o mesmo que supor o que enxerga sendo

guiado pelo que eacute completamente cego Pois o

leigo eacute completamente cego diante dos teoremas

(theoremata) de uma arte (tekhnika)49 de forma

que natildeo eacute possiacutevel que ensine aquilo de que natildeo

sabe o princiacutepio E o entendido que enxerga com

clareza em meio aos teoremas da arte e possui

conhecimento deles natildeo iraacute ter necessidade de um

professor50

[33] λείπεται οὖν τὸν τεχνίτην τοῦ ἀτέχνου

διδάσκαλον εἶναι λέγειν ὃ τῶν προτέρων

ἐστὶν ἀτοπώτερον ὅ τε γὰρ τεχνίτης

συνηπόρηται ἡμῖν τοῖς τῆς τέχνης

θεωρήμασιν ἐν τῷ σκεπτικῷ τόπῳ ὅ τε

ἄτεχνος οὔτε ὅτε ἐστὶν ἄτεχνος δύναται

γενέσθαι τεχνίτης οὔτε ὅτε ἐστὶ τεχνίτης ἔτι

γίνεται τεχνίτης ἀλλrsquo ἔστιν

Faltou entatildeo considerar o entendido como

professor do leigo o que eacute um disparate maior que

o anterior Pois ao tratar do ceticismo51

revelamos as aporias a que estaacute sujeito o

entendido por meio dos teoremas de sua arte E eacute

impossiacutevel que o leigo se torne um entendido

quando eacute leigo tampouco quando eacute entendido

ainda iraacute tornar-se entendido pois jaacute o eacute

[34] ἄτεχνος μὲν γὰρ ὢν ὅμοιός ἐστι τῷ ἐκ

γενετῆς τυφλῷ ἢ κωφῷ καὶ ὃν τρόπον οὗτος

Porque ser leigo eacute igual a ser cego ou surdo de

nascimento quem eacute assim jamais adquire

113 οὐδέποτε ἢ εἰς χρωμάτων ἢ εἰς φωνῶν ἐλθεῖν

ἔννοιαν πέφυκεν οὕτως οὐδὲ ὁ ἄτεχνος ἐφrsquo

ὅσον ἐστὶν ἄτεχνος τετυφλωμένος καὶ

κεκωφωμένος πρὸς τὰ τεχνικὰ θεωρήματα

οὔτε ἰδεῖν οὔτε ἀκοῦσαί τι τούτων οἷός τε

ἐστίν τεχνίτης δὲ γενόμενος οὐκέτι

διδάσκεται ἀλλὰ δεδίδακται

naturalmente a noccedilatildeo (ennoia) das cores ou dos

sons tal eacute o leigo naquilo em que eacute leigo cego e

surdo para os teoremas da arte incapaz de ver ou

entender qualquer deles E assim que se torna

entendido natildeo se ensina mais nada a ele pois jaacute

teraacute sido ensinado52

[35] Μετακτέον δὲ τὰς ἀπορίας ἐκ τῶν

περὶ μεταβολῆς καὶ πάθους γενέσεώς τε καὶ

φθορᾶς προεγκεχειρισμένων ἡμῖν ἐν ταῖς

πρὸς τοὺς φυσικοὺς ἀντιρρήσεσι τὰ δὲ νῦν

συγχωρήσαντες τοῖς ἀπὸ τῶν μαθημάτων

εἶναί τι τὸ διδασκόμενον πρᾶγμα καὶ εἶναί

τινα τὸν ὑφηγούμενον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸν

μανθάνοντα τὸ μετὰ τοῦτο ἀπαιτῶμεν τὸν

τρόπον τῆς μαθήσεως

Tambeacutem poderiacuteamos ainda acrescentar aporias

com base nos argumentos relativos agrave mudanccedila

passividade vir-a-ser e perecer que expusemos

em nossas refutaccedilotildees dos fiacutesicos53 Por ora

faremos uma concessatildeo aos que professam

estudos ciacuteclicos supondo que existam a coisa que

se ensina algueacutem que conduz o ensino e

igualmente algueacutem que aprende isto feito vamos

questionar o modo de ensinar

Περὶ τρόπου μαθήσεως

[36] Ἢ γὰρ ἐναργείᾳ γίνεται ἢ λόγῳ τὰ τῆς

διδασκαλίας ἀλλὰ τούτων ἡ μὲν ἐνάργεια

τῶν δεικτῶν ἐστί τὸ δὲ δεικτὸν φαινόμενον

τὸ δὲ φαινόμενον ᾗ φαίνεται κοινῶς πᾶσι

ληπτόν τὸ δὲ κοινῶς πᾶσι ληπτὸν ἀδίδακτον

οὐκ ἄρα τὸ ἐναργείᾳ δεικτὸν διδακτόν

Sobre o modo de ensinar

A instruccedilatildeo ocorre ou por meio de evidecircncia

(enargeia)54 ou por meio do discurso (logos) Mas

destes a evidecircncia eacute algo que pode ser apontado e

o que pode ser apontado eacute aparente e o que eacute

aparente por ser aparente pode ser percebido por

todos em comum E o que eacute percebido comumente

por todos eacute natildeo-ensinaacutevel Portanto o que pode

ser apontado pela evidecircncia natildeo eacute ensinaacutevel

[37] ὁ δὲ λόγος ἤτοι σημαίνει ἢ οὐ σημαίνει

καὶ μηδὲν μὲν σημαίνων οὐδὲ διδάσκαλός

τινός ἐστι σημαίνων δὲ ἤτοι φύσει τι

σημαίνει ἢ θέσει καὶ φύσει μὲν οὐ σημαίνει

διὰ τὸ μὴ πάντας πάντων ἀκούειν Ἕλληνας

βαρβάρων καὶ βαρβάρους Ἑλλήνων ἢ

Ἕλληνας Ἑλλήνων ἢ βαρβάρους βαρβάρων

O discurso por sua vez ou significa ou natildeo

significa E nada significando tampouco eacute

instrutivo Poreacutem se significa ou significa por

natureza (phusei) ou por convenccedilatildeo (thesei) Natildeo

significa por natureza por isso eacute que natildeo se

compreendem todos gregos a baacuterbaros baacuterbaros a

gregos gregos a gregos baacuterbaros a baacuterbaros55

[38] θέσει δὲ εἴπερ σημαίνει δῆλον ὡς οἱ μὲν

προκατειληφότες τὰ καθrsquo ὧν αἱ λέξεις κεῖνται

E se significa por convenccedilatildeo entatildeo eacute evidente

que os que previamente apreenderam

114 καὶ ἀντιλήψονται τούτων οὐ τὸ ἀγνοούμενον

ἐξ αὐτῶν διδασκόμενοι τὸ δrsquo ὅπερ ᾔδεισαν

ἀνανεούμενοι οἱ δὲ χρῄζοντες τῆς τῶν

ἀγνοουμένων μαθήσεως οὐκέτι

Εἰ οὖν οὔτε τὸ διδασκόμενον ἔστιν οὔτε ὁ

διδάσκων οὔτε ὁ μανθάνων οὔτε ὁ τρόπος

τῆς μαθήσεως δῆλον ὡς οὐδὲ μάθημα οὐδὲ

ὁ μαθήματος προεστώς

(prokatalambaino) as coisas agraves quais se aplicam

as palavras tambeacutem iratildeo entender (antilambaino)

as palavras (lekseis) natildeo se lhes estaacute ensinando

a partir delas algo desconhecido (to

agnooumenon) mas eles se recordam o que jaacute eacute

conhecido Jaacute os que esperam pelo ensino de

coisas desconhecidas natildeo iratildeo entendecirc-las56

Portanto se natildeo existem o que se ensina

aquele que ensina aquele que aprende nem o

modo de ensinar eacute evidente que natildeo existem nem

estudo nem aquele que professa o estudo

[39] ἀλλrsquo ἐπεὶ οὐ καθολικὴν μόνον πρὸς

πάντας τοὺς μαθηματικοὺς ὑπεσχόμεθα

ποιήσασθαι τὴν ἀντίρρησιν ἀλλὰ καὶ

εἰδικωτέραν πρὸς ἕκαστον ὑποτιθέμενοι τὸ

εἶναί τι μάθημα καὶ δυνατὴν ὑπάρχειν τὴν

μάθησιν σκοπῶμεν εἰ καὶ τὸ ἑκάστου

μαθήματος ἐπάγγελμα δυνατόν ἐστι

λαμβάνοντες πρὸς τοὺς ἐλέγχους μὴ πάντα τὰ

παρὰ τοῖς ἐλεγχομένοις λεγόμενα (τοῦτο γὰρ

σὺν τῷ περισκελὲς καὶ ἀμέθοδον εἶναι τάχα

καὶ ἀδύνατόν ἐστι)

Mas como nos dispusemos a apresentar natildeo

apenas um ataque geral contra a totalidade dos

estudos ciacuteclicos mas tambeacutem um mais especiacutefico

contra cada disciplina vamos admitir

hipoteticamente que exista algo como um estudo e

que eacute possiacutevel existir o ensino e verificaremos

entatildeo se o que cada estudo propotildee eacute possiacutevel Na

refutaccedilatildeo natildeo trataremos de tudo o que eacute dito

pelos que estatildeo sendo refutados (pois isto aleacutem de

excessivo e assistemaacutetico provavelmente eacute

impossiacutevel)

[40] μήτε δrsquo ἐκ πάντων τὰ ὁποιαοῦν (τοῦτο

γὰρ ἴσως οὐδὲ καθικνεῖται αὐτῶν) ἀλλὰ τὰ

ὧν ἀναιρουμένων συναναιρεῖται πάντα καὶ

ὃν τρόπον οἱ πόλιν λαβεῖν σπεύδοντες

ἐκείνων μάλιστα ἐγκρατεῖς γίνεσθαι

σπουδάζουσιν ὧν ἁλόντων καὶ ἡ πόλις

ἑάλωκεν οἷον τείχη καθαιροῦντες ἢ στόλον

ἐμπιπράντες ἢ τὰς εἰς τὸ ζῆν ἀφορμὰς

ἀποκλείοντες οὕτω καὶ ἡμεῖς τοῖς ἀπὸ τῶν

μαθημάτων διαγωνιζόμενοι τὸ αὐτὸ

πειράζωμεν ἐξ ὧν αὐτοῖς σώζεται τὰ πάντα

οἷον ἢ ἀρχὰς ἢ τὰς ἐκ τῶν ἀρχῶν καθολικὰς

μεθόδους ἢ τὰ τέλη ἐν τούτοις γὰρ ἢ ἐκ

tampouco faremos uma escolha aleatoacuteria (porque

talvez natildeo os destruiacutessemos deste modo) mas

escolheremos justamente o que anulado anula

todo o resto E assim como os que atacam uma

cidade se esforccedilam principalmente em derrubar

muralhas pocircr fogo nos navios ou cortar suas

provisotildees - porque a conquista destas coisas

significa a conquista da cidade o mesmo faremos

noacutes ao combater os que professam estudos

ciacuteclicos atacaremos o que para eles eacute a

sustentaccedilatildeo do todo por exemplo os princiacutepios

(ta arkha) ou os meacutetodos gerais calcados nos

princiacutepios ou suas finalidades57 Pois todo estudo

115

ΠΡΟΣ ΓΡΑΜΜΑΤΙΚΟΥΣ

[41] Ἀρχέτω δὲ ἡμῖν εὐθὺς ἡ πρὸς τοὺς

γραμματικοὺς ζήτησις πρῶτον μὲν ἐπείπερ

ἀπὸ νηπιότητος σχεδὸν καὶ ἐκ πρώτων

σπαργάνων γραμματικῇ παραδιδόμεθα ἔστι

δὲ αὕτη οἷον ἀφετήριόν τι πρὸς τὴν τῶν

ἄλλων μάθησιν εἶθrsquo ὅτι παρὰ πάσας

θρασύνεται τὰς ἐπιστήμας σχεδόν τι τὴν τῶν

Σειρήνων ὑπόσχεσιν ὑπισχνουμένη

CONTRA OS GRAMAacuteTICOS

Vamos comeccedilar nossa investigaccedilatildeo

diretamente contra os gramaacuteticos (grammatikoi)59

Em primeiro lugar porque desde a primeira

infacircncia praticamente em fraldas somos

entregues agrave gramaacutetica ela funciona como ponto de

partida para o ensino das outras disciplinas60 E

em segundo porque eacute a mais pretensiosa das

lsquociecircnciasrsquo (epistemai) prometendo quase o mesmo

que prometem as Sereias61

[42] ἐκεῖναι μὲν γὰρ εἰδυῖαι ὅτι φύσει

φιλομαθής ἐστιν ἅνθρωπος καὶ πολὺς αὐτῷ

κατὰ στέρνων τῆς ἀληθείας ἵμερος ἐντέτηκεν

οὐ μόνον θεσπεσίοις μέλεσι κηλήσειν τοὺς

παραπλέοντας ὑπισχνοῦνται ἀλλὰ καὶ τὰ ὄντα

αὐτοὺς διδάξειν φασὶ γὰρ

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ μέγα κῦδος

Ἀχαιῶν

νῆα κατάστησον ἵνα νωιτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς

οὐ γάρ πώ τις τῇδε παρέπλω νηὶ μελαίνῃ

πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo

ἀκούσῃ

ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται καὶ πλείονα

εἰδώς

ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ Τροίῃ εὐρείῃ

Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν ἰότητι μόγησαν

ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ χθονὶ

πουλυβοτείρῃ

Pois as Sereias sabem que o homem eacute por

natureza aacutevido de conhecimento e guarda no

fundo do peito intenso desejo pela verdade

Assim aos que navegam ao seu redor natildeo

prometem apenas o deleite de seus doces cantos

divinais mas tambeacutem ensinar-lhes quanto existe

(ta onta) pois dizem

ldquorsquoVem para perto famoso Odisseu dos Aquivos

orgulho

traz para caacute teu navio que possas o canto

escutar-nos

Em nenhum tempo ningueacutem por aqui navegou em

nau negra

sem nossa voz inefaacutevel ouvir qual dos laacutebios nos

soa

Bem mais instruiacutedo prossegue depois de se haver

deleitado

Todas as coisas sabemos que em Troia e vastas

campinas

τούτων συνίσταται πᾶν μάθημα

ou fundamenta-se nestes pontos ou se constitui a

partir deles58

104

pela vontade dos deuses Troianos e Argivos

sofreram

como tambeacutem quanto passa no dorso da terra

fecundarsquordquo

[Od XII 184-91 Trad Carlos Alberto Nunes]

[43] ἡ δὲ γραμματική σὺν τῷ τὰ ἐκ τῶν

μύθων τε καὶ ἱστοριῶν λόγῳ διορίζειν καὶ τὸ

περὶ τὰς διαλέκτους καὶ τεχνολογίας καὶ

ἀναγνώσεις πραγματικὸν αὐχοῦσα πολὺν

ἑαυτῆς ἐργάζεται τοῖς ἀκούουσι πόθον ἀλλrsquo

ἵνα μὴ παρὰ θύραν πλανᾶσθαι δοκῶμεν

ὑποδεικτέον πόσαι τέ εἰσι γραμματικαὶ καὶ

περὶ τίνος αὐτῶν πρόκειται ζητεῖν

E assim a gramaacutetica eacute capaz de provocar grande

desejo por ela em quem a escuta vangloriar-se do

trabalho praacutetico (to pragmatikon) acerca de

dialetos exposiccedilotildees teacutecnicas (tekhnologiai) e

criacuteticas textuais (anagnoseis)62 somado ao de

explicar racionalmente (logoi) detalhes de mitos e

histoacuterias Mas para natildeo parecer que damos voltas

ao assunto conveacutem indicar quantas gramaacuteticas

existem e qual se pretende investigar

Ποσαχῶς λέγεται γραμματική

[44] Γραμματικὴ τοίνυν λέγεται κατὰ

ὁμωνυμίαν κοινῶς τε καὶ ἰδίως καὶ κοινῶς

μὲν ἡ τῶν ὁποιωνδηποτοῦν γραμμάτων

εἴδησις ἐάν τε Ἑλληνικῶν ἐάν τε

βαρβαρικῶν ἣν συνήθως γραμματιστικὴν

καλοῦμεν ἰδιαίτερον δὲ ἡ ἐντελὴς καὶ τοῖς

περὶ Κράτητα τὸν Μαλλώτην Ἀριστοφάνην τε

καὶ Ἀρίσταρχον ἐκπονηθεῖσα

Em quantos sentidos se diz lsquogramaacuteticarsquo

Pois bem gramaacutetica se diz por homoniacutemia

num sentido geral e noutro especiacutefico Diz-se em

geral do aprendizado das letras sejam gregas ou

estrangeiras o que chamamos correntemente de

lsquogramatiacutesticarsquo No sentido especiacutefico diz-se

daquela completa organizada por Crates de

Malos Aristoacutefanes Aristarco e seus seguidores

[45] δοκεῖ δὲ τούτων ἑκατέρα καὶ ἀπό τινος

ἐτύμου φερωνύμως προσηγορεῦσθαι ἡ μὲν

γὰρ πρώτη ἀπὸ τῶν γραμμάτων οἷς

σημειούμεθα τὰς ἐνάρθρους φωνάς ἡ δὲ

δευτέρα τάχα μέν ὥς τινες ἠξιώκασι

διατατικώτερον14 ἀπὸ τῆς πρώτης μοῖρα γάρ

ἐστιν αὐτῆς καὶ ὃν τρόπον ἡ ἰατρικὴ εἴρηται

μὲν τὸ παλαιὸν ἀπὸ τῆς τῶν ἰῶν ἐξαιρέσεως

ἐπικατηγορεῖται δὲ νῦν καὶ τῆς τῶν ἄλλων

Ambas parecem estar assim denominadas a partir

do significado da palavra de origem A primeira a

partir de lsquoletrasrsquo (grammata) que usamos como

signos dos sons articulados E a segunda

acreditam alguns por extensatildeo da primeira pois

as letras satildeo uma seccedilatildeo (moira) dela Do mesmo

modo como a medicina (iatrike) no passado

recebeu este nome por remover venenos (ioi) mas

hoje se encarrega do tratamento de outros males

14 Blank ad loc ldquocom os editores anteriores e a maioria dos MSSrdquo Para διαταltκgtτικώτερον em Mau

105

παθῶν ἀνασκευῆς πολλῷ τεχνικωτέρας

οὔσης

sendo muito mais teacutecnica (tekhnikotera)

[46] καὶ ὡς γεωμετρία ἔσπακε μὲν τὴν κλῆσιν

ἀρχικῶς ἀπὸ τῆς κατὰ τὴν γῆν

καταμετρήσεως τάττεται δὲ ἐπὶ τοῦ παρόντος

καὶ κατὰ τῆς τῶν φυσικωτέρων θεωρίας

οὕτω καὶ ἡ τέλειος γραμματικὴ ἀπὸ τῆς τῶν

γραμμάτων εἰδήσεως κατrsquo ἀρχὰς

ὀνομασθεῖσα διετάθη καὶ ἐπὶ τὴν ἐν τοῖς

ποικιλωτέροις αὐτῶν καὶ τεχνικωτέροις

θεωρήμασι γνῶσιν

Ou como a geometria assim chamada no princiacutepio

por conta da mensuraccedilatildeo (metron) da terra (ge)

mas no presente se aplica a uma teoria (theoria)

mais voltada a leis da natureza (phusikoteron) O

mesmo acontece com a gramaacutetica completa que

foi nomeada no princiacutepio a partir do aprendizado

das letras e foi estendida ao conhecimento das

letras em teoremas mais variados e mais

teacutecnicos63

[47] τάχα δέ ὥς φασιν οἱ περὶ τὸν

Ἀσκληπιάδην καὶ αὐτὴ ἀπὸ μὲν γραμμάτων

ὠνόμασται οὐκ ἀπὸ τούτων δὲ ἀφrsquo ὧν καὶ ἡ

γραμματιστική ἀλλrsquo ἐκείνη μέν ὡς ἔφην

ἀπὸ τῶν στοιχείων αὕτη δὲ ἀπὸ τῶν

συγγραμμάτων περὶ οἷς πονεῖται γράμματα

γὰρ καὶ ταῦτα προσηγορεύετο καθὰ καὶ

δημόσια καλοῦμεν γράμματα καὶ πολλῶν

τινὰ γραμμάτων ἔμπειρον ὑπάρχειν φαμέν

τουτέστιν οὐ τῶν στοιχείων ἀλλὰ τῶν

συγγραμμάτων

Talvez como dizem os que seguem Asclepiacuteades

teria sido tambeacutem nomeada a partir de lsquoletrasrsquo

poreacutem natildeo no sentido que tecircm na gramatiacutestica de

lsquoelementosrsquo (stoikheia) do alfabeto como foi dito

mas desta vez por causa das composiccedilotildees

(sungrammata) sobre as quais se trabalha

Tambeacutem estas satildeo chamadas lsquoletrasrsquo do mesmo

modo que se fala em lsquoletras puacuteblicasrsquo ou quando

dizemos de algueacutem que eacute versado em lsquomuitas

letrasrsquo natildeo nos referimos assim aos elementos do

alfabeto mas a composiccedilotildees

[48] Καλλίμαχος δέ ποτὲ μὲν τὸ ποίημα

καλῶν γράμμα ποτὲ δὲ τὸ καταλογάδην

σύγγραμμα φησί

Κρεοφύλου πόνος εἰμί δόμῳ ποτὲ θεῖον

ἀοιδόν

δεξαμένου κλείω δrsquo Εὔρυτον ὅσσrsquo ἔπαθεν

καὶ ξανθὴν Ἰόλειαν Ὁμήρειον δὲ καλεῦμαι

γράμμα Κρεοφύλῳ Ζεῦ φίλε τοῦτο μέγα

καὶ πάλιν

εἴπας lsquoἭλιε χαῖρεrsquo Κλεόμβροτος

Ἀμπρακιώτης

Caliacutemaco certa vez referiu-se agrave composiccedilatildeo

poeacutetica e em outro momento agrave composiccedilatildeo em

prosa ambas como lsquoletrarsquo (gramma)

Sou trabalho de Creoacutefilo que certa vez em sua

casa o divino bardo

recebeu Canto quanto sofreu Eurito

e a loira Ioleia e sou chamado homeacuterico

poema (gramma) Caro Zeus para Creoacutefilo isto eacute

importante [Ep 6 Pfeiffer]

e ainda

Dizendo ldquoAdeus Solrdquo Cleocircmbroto de Ambraacutecia

106

ἥλατrsquo ἀφrsquo ὑψηλοῦ τείχεος εἰς Ἀίδην

ἄξιον οὐδὲν ἰδὼν θανάτου τέλος ἀλλὰ

Πλάτωνος

ἓν τὸ περὶ ψυχῆς γράμμrsquo ἀναλεξάμενος

de alta muralha ao Hades atirou-se

natildeo pensava ter motivo para morrer mas de

Platatildeo

tinha lido um soacute livro (gramma)rdquoSobre a almardquo

[Ep 23 Pfeiffer]

[49] Πλὴν διττῆς οὔσης γραμματικῆς τῆς

μὲν τὰ στοιχεῖα καὶ τὰς τούτων συμπλοκὰς

διδάξειν ἐπαγγελλομένης καὶ καθόλου τέχνης

τινὸς οὔσης τοῦ γράφειν τε καὶ ἀναγινώσκειν

τῆς δὲ βαθυτέρας παρὰ ταύτην δυνάμεως οὐκ

ἐν ψιλῇ γραμμάτων γνώσει κειμένης ἀλλὰ

κἀν τῷ ἐξετάζειν τὴν εὕρεσιν αὐτῶν καὶ τὴν

φύσιν ἔτι δὲ τὰ ἐκ τούτων συνεστῶτα λόγου

μέρη καὶ εἴ τι τῆς αὐτῆς ἰδέας θεωρεῖται

πρόκειται νῦν ἀντιλέγειν οὐ τῇ προτέρᾳ

συμφώνως γὰρ κατὰ πάντας ἐστὶ χρειώδης ἐν

οἷς θετέον καὶ τὸν Ἐπίκουρον εἰ καὶ δοκεῖ

τοῖς ἀπὸ τῶν μαθημάτων διεχθραίνειν ἐν

γοῦν τῷ περὶ δώρων καὶ χάριτος ἱκανῶς

πειρᾶται διδάσκειν ὅτι ἀναγκαῖόν ἐστι τοῖς

σοφοῖς μανθάνειν γράμματα

Existem portanto duas gramaacuteticas aquela que

promete ensinar os elementos do alfabeto e suas

combinaccedilotildees e eacute uma arte geral do ler e escrever

e aquela mais complexa cujo domiacutenio natildeo se

restringe ao simples conhecimento das letras mas

estende-se agrave investigaccedilatildeo de sua origem e

natureza e ainda das partes da sentenccedila (logou

mere)64 compostas a partir das letras e se ocupa de

coisas deste tipo Nossa intenccedilatildeo natildeo eacute falar

contra a primeira pois eacute indiscutivelmente uacutetil65

no que concorda mesmo Epicuro ainda que

pareccedila odiar os que professam estudos ciacuteclicos

Pelo menos no seu livro Sobre daacutedivas e gratidatildeo

ele se empenhou consideravelmente em mostrar

que eacute fundamental para os saacutebios aprenderem as

letras

[50] καὶ ἄλλως εἴπαιμεν ἂν ἡμεῖς οὐ σοφοῖς

μόνον ἀλλὰ καὶ πᾶσιν ἀνθρώποις ὅτι γὰρ

πάσης τέχνης τὸ τέλος εὔχρηστόν ἐστι τῷ

βίῳ φανερόν

Noacutes jaacute diriacuteamos de outra forma eacute fundamental

para todos os homens natildeo apenas para os saacutebios

Pois a finalidade (telos) de toda arte (tekhne) eacute

obviamente bastante uacutetil (eukhreston) para a

vida66

[51] τῶν δὲ τεχνῶν αἱ μὲν προηγουμένως

ὑπὲρ τῆς τῶν ὀχληρῶν ἐκκλίσεως παρῆλθον

αἱ δὲ ὑπὲρ τῆς τῶν ὠφελίμων εὑρέσεως καὶ

ἔστι τῆς μὲν πρώτης ἰδέας ἰατρική παιωνὶς

οὖσα καὶ λυσίπονος τέχνη τῆς δὲ δευτέρας

κυβερνητική τῆς γὰρ ἀπὸ τῶν ἄλλων ἐθνῶν

χρείας μάλιστα δέονται πάντες ἄνθρωποι

Haacute artes que primeiro se estabeleceram com o

propoacutesito de afastar problemas e outras cuja

intenccedilatildeo eacute trazer benefiacutecios A medicina eacute do

primeiro tipo pois eacute uma arte para a cura e aliacutevio

de sofrimentos Agrave segunda classe pertence a

navegaccedilatildeo visto que todos os homens tecircm grande

necessidade dos suprimentos provenientes de

107

outros povos e paiacuteses

[52] ἐπεὶ οὖν ἡ γραμματιστικὴ διὰ τῆς τῶν

γραμμάτων ἐπινοίας ἰᾶται μὲν ἀργότατον

πάθος τὴν λήθην συνέχει δὲ ἀναγκαιοτάτην

ἐνέργειαν τὴν μνήμην τὰ πάντα ἐπrsquo αὐτῇ

κεῖται σχεδόν καὶ οὔτε ἄλλους τι ἔνεστι τῶν

ἀναγκαίων διδάσκειν οὔτε παρrsquo ἄλλου μαθεῖν

τι τῶν λυσιτελῶν χωρὶς αὐτῆς δυνατὸν ἔσται

οὐκοῦν τῶν χρησιμωτάτων ἡ γραμματιστική

Pois bem a gramatiacutestica por meio da

compreensatildeo (epinoia) das letras promove a cura

do mais indolente dos males - o esquecimento e

suporta a atividade (energeia) mais necessaacuteria minus a

memoacuteria pois quase tudo depende dela E sem ela

natildeo eacute possiacutevel nem ensinar aos outros nenhuma

das coisas que satildeo necessaacuterias nem aprender de

outro algo beneacutefico Portanto de fato a

gramatiacutestica estaacute entre as coisas que mais nos satildeo

uacuteteis

[53] ἀμέλει γοῦν οὐδὲ θελήσαντες

δυνησόμεθα ταύτην ἀπεριτρέπτως ἀνελεῖν εἰ

γὰρ αἱ ἄχρηστον διδάσκουσαι τὴν

γραμματιστικὴν ἐπιχειρήσεις εἰσὶν εὔχρηστοι

οὔτε δὲ μνημονευθῆναι οὔτε τοῖς αὖθις

παραδοθῆναι χωρὶς αὐτῆς δύνανται χρειώδης

ἐστὶν ἡ γραμματιστική καίτοι δόξειεν ἄν

τισιν ἐπὶ τῆς ἐναντίας εἶναι προλήψεως ὁ

προφήτης τῶν Πύρρωνος λόγων Τίμων ἐν οἷς

φησι

γραμματική τῆς οὔ τις ἀνασκοπὴ οὐδrsquo

ἀνάθρησις

ἀνδρὶ διδασκομένῳ Φοινικικὰ σήματα

Κάδμου

De qualquer forma mesmo se quiseacutessemos natildeo

poderiacuteamos destruiacute-la sem nos refutarmos

(aperitreptos) Porque mesmo que fossem uacuteteis

os argumentos contra a utilidade da gramatiacutestica

natildeo seriam nem memorizados nem divulgados

sem seu auxiacutelio para tanto a gramatiacutestica eacute

necessaacuteria Poderia parecer a algueacutem que foi de

opiniatildeo contraacuteria Timon arauto das palavras de

Pirro quando disse

A gramaacutetica sobre a qual natildeo haacute consideraccedilatildeo

nem exame atento

para o homem a quem foram ensinados os feniacutecios

sinais de Cadmo

[fr 835 Lloyd-JonesParsons]

[54] οὐ μὴν οὕτως ἔχειν φαίνεται τὸ γὰρ ὑπrsquo

αὐτοῦ λεγόμενον οὐκ ἔστι τοιοῦτον κατrsquo

αὐτῆς τῆς γραμματιστικῆς καθrsquo ἣν

διδάσκεται τὰ Φοινικικὰ σήματα Κάδμου τὸ

rsquoοὐδεμία ἐστὶν ἀνασκοπὴ οὐδrsquo ἀνάθρησιςrsquo

πῶς γάρ εἰ διδάσκεταί τις αὐτήν οὐδεμίαν

ἔσχηκεν ἐπιστροφὴν αὐτῆς ἀλλὰ μᾶλλον

τοιοῦτό φησι lsquoδιδαχθέντι τὰ Φοινικικὰ

Mas na verdade natildeo eacute como parece porque

quando diz lsquosem consideraccedilatildeo nem exame atentorsquo

natildeo estaacute se referindo agrave gramatiacutestica que ensina lsquoos

sinais feniacutecios de Cadmorsquo67 Pois como poderia

ser ensinada sem ser considerada O que ele estaacute

dizendo parece ser isso lsquoaquele a quem foram

ensinados os sinais feniacutecios de Cadmo natildeo

considera aleacutem dessa nenhuma outra gramaacuteticarsquo

108

σήματα Κάδμου οὐδεμιᾶς ἄλλης παρὰ τοῦτό

ἐστι γραμματικῆς ἐπιστροφήrsquo ὅπερ

καταστρέφει οὐκ εἰς τὸ ἀχρηστεῖν ταύτην τὴν

ἐν τοῖς στοιχείοις καὶ τῷ διrsquo αὐτῶν γράφειν τε

καὶ ἀναγινώσκειν θεωρουμένην ἀλλὰ τὴν

πέρπερον καὶ περιεργοτέραν

De forma que natildeo denuncia a inutilidade daquela

que se ocupa dos elementos do alfabeto e de como

ler e escrever com eles mas sim da outra

presunccedilosa e supeacuterflua

[55] ἡ μὲν γὰρ τῶν στοιχείων χρῆσις ἤπειγεν

εἰς τὴν τοῦ βίου διεξαγωγήν τὸ δὲ μὴ

ἀρκεῖσθαι τῇ ἐκ τῆς παρατηρήσεως τούτων

παραδόσει προσεπιδεικνύναι δὲ ὡς τάδε μέν

ἐστι φωνάεντα τῇ φύσει τάδε δὲ σύμφωνα

καὶ τῶν φωναέντων τὰ μὲν φύσει βραχέα τὰ

δὲ μακρὰ τὰ δὲ δίχρονα καὶ κοινὰ μήκους τε

καὶ συστολῆς καὶ καθόλου τὰ λοιπὰ περὶ ὧν

οἱ τετυφωμένοι τῶν γραμματικῶν

διδάσκουσιν ltἄχρηστά ἐστινgt

Pois se por um lado a utilizaccedilatildeo dos elementos

do alfabeto contribui na conduccedilatildeo da vida por

outro natildeo se contentar em transmiti-los por meio

de sua observaccedilatildeo (parateresis) e ir aleacutem

apontando os que satildeo vogais por natureza os que

satildeo consoantes e dentre as vogais as que satildeo por

natureza breves e as que satildeo longas e quais satildeo

ambiacuteguas com largura e brevidade em comum

isto e no geral todo o resto que ensinam os

gramaacuteticos arrogantes eacute inuacutetil

[56] ὥστε τῇ μὲν γραμματιστικῇ πρὸς τῷ

μηδὲν ἐγκαλεῖν ἔτι καὶ τὰς ἀνωτάτω χάριτας

ὀφείλομεν τῇ δὲ λειπομένῃ προσάπτομεν

τοὺς ἐλέγχους τὸ δὲ εἴτε ὑγιῶς εἴτε

τοὐναντίον μάθοιμεν ἂν προσεξαπλώσαντες

αὐτῆς τὸν χαρακτῆρα

De modo que contra a gramatiacutestica nada temos a

dizer pelo contraacuterio somos imensamente gratos a

ela Agravequela outra eacute que vamos dirigir nossas

refutaccedilotildees Se o fazemos de modo apropriado

(hugios) ou natildeo eacute algo que soacute poderemos saber

depois que tivermos delineado seu caraacuteter

Τί ἐστι γραμματική

[57] Ἐπεὶ οὔτε ζητεῖν οὔτε ἀπορεῖν ἔστι

κατὰ τὸν σοφὸν Ἐπίκουρον ἄνευ προλήψεως

εὖ ἂν ἔχοι πρὸ τῶν ὅλων σκέψασθαι τί τrsquo

ἐστὶν ἡ γραμματική καὶ εἰ κατὰ τὴν

ἀποδιδομένην ὑπὸ τῶν γραμματικῶν ἔννοιαν

δύναται συστατόν τι καὶ ὑπαρκτὸν νοεῖσθαι

μάθημα Διονύσιος μὲν οὖν ὁ Θρᾷξ ἐν τοῖς

παραγγέλμασί φησι lsquoγραμματική ἐστιν

ἐμπειρία ὡς ἐπὶ τὸ πλεῖστον τῶν παρὰ

ποιηταῖς τε καὶ συγγραφεῦσι λεγομένωνrsquo

Que eacute a gramaacutetica

Conforme o saacutebio Epicuro nem se investiga

nem se conduz agrave aporia sem uma concepccedilatildeo

preacutevia (prolepsis) Portanto melhor seria antes de

todo o resto considerarmos com atenccedilatildeo que coisa

eacute a gramaacutetica e se conforme a definiccedilatildeo

(ennoia)68 exposta pelos gramaacuteticos eacute possiacutevel

concebecirc-la como um estudo consistente (sustatos)

e existente (huparktos)69 Dioniacutesio Traacutecio diz em

seus preceitos70 que ldquogramaacutetica eacute experiecircncia

(empeiria) na maior parte do que dizem os poetas

109

συγγραφεῖς καλῶν ὡς ἔστιν ἐκ τῆς πρὸς τοὺς

ποιητὰς ἀντεμφάσεως πρόδηλον οὐκ ἄλλους

τινὰς ἢ τοὺς καταλογάδην

πραγματευσαμένους

e escritoresrdquo71 Na oposiccedilatildeo com poetas fica claro

que lsquoescritoresrsquo natildeo se refere a outros senatildeo

agravequeles que escrevem em prosa

[58] τά τε παρὰ τοῖς ποιηταῖς [καὶ

συγγραφεῦσιν] ἃ ὁ γραμματικὸς ἑρμηνεύειν

φαίνεται καθάπερ Ὁμήρῳ τε καὶ Ἡσιόδῳ

Πινδάρῳ τε καὶ Εὐριπίδῃ καὶ Μενάνδρῳ καὶ

τοῖς ἄλλοις τά τε παρὰ τοῖς συγγραφεῦσιν

οἷον Ἡροδότῳ καὶ Θουκυδίδῃ καὶ Πλάτωνι

ὡς ἴδιον ἔργον μετέρχεται

Como sua tarefa particular72 o gramaacutetico trata

tanto do que dizem os poetas coisas que parece

interpretar (hermeneuein) (poetas como Homero

Hesiacuteodo Piacutendaro e Euriacutepides e Menandro e os

outros) quanto do que dizem os escritores (como

Heroacutedoto Tuciacutedides e Platatildeo)

[59] παρὸ καὶ οἱ χαρίεντες ἐξ αὐτῶν περὶ

πολλῶν ἐπραγματεύσαντο συγγραφέων

τοῦτο μὲν ἱστορικῶν τοῦτο δὲ ῥητορικῶν καὶ

ἤδη φιλοσόφων ζητοῦντες τίνα τε δεόντως

καὶ ἀκολούθως ταῖς διαλέκτοις εἴρηται καὶ

τίνα παρέφθαρται τί τε σημαίνει παρὰ μὲν

Θουκυδίδῃ λόγου χάριν τὸ lsquoζάγκλονrsquo καὶ

lsquoτορνεύοντεςrsquo παρὰ δὲ Δημοσθένει τὸ lsquoἐβόα

ὥσπερ ἐξ ἁμάξηςrsquo ἢ πῶς ἀναγνωστέον παρὰ

Πλάτωνι τὴν lsquoη δ οςrsquo λέξιν πότερον ψιλῶς

ἐκφέροντα τὴν πρώτην συλλαβὴν ἢ δασέως ἢ

τὴν μὲν πρώτην ψιλῶς τὴν δὲ δευτέραν

δασέως ἢ ἀμφοτέρας ψιλῶς ἢ ἐναλλάξ

Assim os que se destacam entre eles ocuparam-se

de muitos escritores diferentes ora historiadores

ora retoacutericos e ora73 filoacutesofos procurando o que

estaacute dito adequadamente de acordo com o dialeto

e o que estaacute equivocado o que significa por

exemplo zanklon74 (lsquofoicersquo) em Tuciacutedides ou

torneuontes75 ou lsquogritou como se a partir de um

carrorsquo76 em Demoacutestenes ou como deve ser lida a

expressatildeo lsquoΗΔΟΣrsquo (edos) em Platatildeo se a primeira

siacutelaba eacute aspirada ou branda se a primeira eacute

aspirada e a segunda branda se satildeo ambas

aspiradas ou ambas sem aspiraccedilatildeo77

[60] διὰ γὰρ τὰ τοιαῦτα εἴρηται ἡ γραμματικὴ

ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων Οὗτος μὲν οὖν

οὕτως ἐγκαλεῖ δὲ αὐτῷ Πτολεμαῖος ὁ

Περιπατητικὸς ὅτι οὐκ ἐχρῆν ἐμπειρίαν

εἰρηκέναι τὴν γραμματικήν [61] (αὐτὴ μὲν

Por essas razotildees eacute que se diz que a gramaacutetica eacute

experiecircncia do que dizem poetas e escritores Pois

bem isso foi o que disse Dioniacutesio Contra ele

Ptolomeu o Peripateacutetico78 argumentou que a

gramaacutetica natildeo deveria ter sido definida como

experiecircncia (jaacute que experiecircncia mesmo eacute

γὰρ ἡ ἐμπειρία τριβή τίς ἐστι καὶ ἐργάτις

ἄτεχνός τε καὶ ἄλογος ἐν ψιλῇ παρατηρήσει

καὶ συγγυμνασίᾳ κειμένη ἡ δὲ γραμματικὴ

praacutetica (tribe) que opera sem arte (atekhnos) e

sem entendimento (alogos) resumindo-se a

simples observaccedilatildeo e treino ndash mas a gramaacutetica eacute

110

τέχνη καθέστηκεν) οὐ συνορῶν ὅτι τάττεται

μὲν καὶ ἐπὶ τέχνης τοὔνομα καθὼς ἐν τοῖς

ἐμπειρικοῖς ὑπομνήμασιν ἐδιδάξαμεν

ἀδιαφόρως τοῦ βίου τοὺς αὐτοὺς ἐμπείρους τε

καὶ τεχνίτας καλοῦντος ἀφrsquo ἧσπερ ἐννοίας

καὶ ὁ Μητρόδωρος ἔφη μηδεμίαν ἄλλην

πραγμάτων ἐμπειρίαν τὸ ἑαυτῆς τέλος

συνορᾶν ἢ φιλοσοφίαν τουτέστι μηδεμίαν

τέχνην

uma arte (tekhne)) Ele natildeo percebeu que este

nome se usa tambeacutem para arte como mostramos

nos Tratados Empiacutericos79 pois na liacutengua viva80

diz-se de algueacutem tanto que eacute lsquoexperientersquo

(empeiros) como que eacute lsquoentendidorsquo (tekhnites)

sem distinccedilatildeo Essa mesma noccedilatildeo (ennoia) estaacute

por traacutes do que disse Metrodoro81 lsquonenhuma outra

experiecircncia que lida com as coisas (pragmata)

percebe sua proacutepria finalidade somente a

filosofiarsquo ou seja nenhuma outra arte

[62] τάττεται δὲ ἐξόχως καὶ ἐπὶ τῆς τῶν

πολλῶν καὶ ποικίλων πραγμάτων γνώσεως

καθὼς καὶ τοὺς πρεσβύτας πολλὰ μὲν ἰδόντας

πολλὰ δὲ ἀκούσαντας ἐμπείρους τοῦ βίου

φαμέν ὡς καὶ ὁ Εὐριπίδης

ὦ τέκνον οὐχ ἅπαντα τῷ γήρᾳ κακά

Ἐτεόκλεες πρόσεστιν ἀλλrsquo ἡμπειρία

ἔχει τι λέξαι τῶν νέων σοφώτερον

E diz-se sobretudo do conhecimento de vaacuterios

assuntos distintos como dizemos dos mais velhos

que satildeo experientes (empeiroi) na vida porque

viram e ouviram muitas coisas tal como disse

Euriacutepides

Meu filho nem tudo na velhice

eacute ruim Eteacuteocles mas a experiecircncia (empeiria)

eacute mais saacutebia no falar que os jovens

[Feniacutecias 528-530]

[63] ἐφrsquo ὅπερ ἴσως ὁ Θρᾷξ φερόμενος

σημαινόμενον ἐπεὶ πολυειδήμονά τινα καὶ

πολυμαθῆ βούλεται εἶναι τὸν γραμματικόν

ἔφη ἐμπειρίαν ὑπάρχειν τὴν γραμματικὴν τῶν

παρὰ ποιηταῖς τε καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων ὥστε τοῦτο μὲν ὑπέλαφρον

ἐκεῖνο δὲ ἴσως τις πραγματικωτέρας ἐχόμενον

ζητήσεως ἐρεῖ πρὸς αὐτόν

Provavelmente era este entatildeo o significado que

Dioniacutesio Traacutecio pretendia ao definir a gramaacutetica

como experiecircncia do que dizem poetas e

escritores dizendo que o gramaacutetico eacute erudito e

poliacutemata Assim tal objeccedilatildeo eacute irrelevante mas

talvez algueacutem o confronte com essa outra que

conteacutem uma questatildeo mais efetiva

[64] ἤτοι γὰρ τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων μόνον ἐμπειρίαν

συμβέβηκεν εἶναι τὴν γραμματικήν ἢ καὶ τῶν

μήτε παρὰ ποιηταῖς μήτε παρὰ συγγραφεῦσι

καθεστώτων ἀλλὰ μόνων μὲν τῶν παρὰ

Ou a gramaacutetica eacute uma experiecircncia apenas do que

dizem poetas e escritores ou tambeacutem de coisas

que natildeo estatildeo atestadas82 nem em poetas nem em

escritores83 Contudo ele natildeo iria responder que a

gramaacutetica eacute uma experiecircncia somente do que

111

ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσιν οὐκ ἂν εἴποιεν15

ἐμπειρίαν αὐτὴν ὑπάρχειν ἅτε ποτὲ καὶ ταῖς

ἀνὰ χεῖρα τῶν ἰδιωτῶν καὶ ἀνεπιστημόνων

ὁμιλίαις ἐφιστῶσαν 16 καὶ τὸ βάρβαρον καὶ

τὸ Ἑλληνικὸν τό τε σόλοικον καὶ τὸ μὴ

τοιοῦτον ἐξελέγχουσαν

dizem os poetas e escritores haja visto ela impor-

se amiuacutede tambeacutem ao falar cotidiano do homem

comum e sem conhecimentos averiguando o que

eacute barbarismo e o que eacute grego correto (to

Hellenikon)84 o que eacute solecismo e o que natildeo eacute

[65] εἰ δὲ καὶ τῶν μὴ παρὰ ποιηταῖς μηδὲ

συγγραφεῦσι μόνον λεγομένων ἐμπειρία

καθέστηκεν οὐκ ἔδει αὐτὴν εἶναι λέγειν lt ὃ

gt ἀπὸ μέρους ἔχειν συμβέβηκός17

Ἀλλὰ παρέντες τὸ περὶ τῶν τοιούτων

λεπτολογεῖν σκοπῶμεν ὡς ὑπεσχόμεθα εἰ

δύναται τέλος ὅσον ἐπὶ τῇ τοιαύτῃ ἐννοίᾳ

ὑποστῆναι ἡ γραμματική

E se tambeacutem eacute experiecircncia natildeo soacute das coisas que

satildeo ditas por poetas e escritores natildeo deveria ser

definida por um atributo parcial

Mas vamos deixar de lado estes pormenores e

examinar tal como nos comprometemos se no

fim eacute possiacutevel ao menos de acordo com aquela

definiccedilatildeo que subsista (hupostenai) a gramaacutetica

[66] ὅταν οὖν λέγωσιν αὐτὴν ἐμπειρίαν κατὰ

τὸ πλεῖστον τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων φασὶ πάντων ἢ

τινῶν καὶ εἰ πάντων πρῶτον μὲν οὐκέτι κατὰ

τὸ πλεῖστον ἀλλὰ πάντων ltεἶταgt καὶ εἰ

πάντων18 καὶ τῶν ἀπείρων ἄπειρα γάρ ἐστι

ταῦτα τῶν δὲ ἀπείρων οὐκ ἔστιν ἐμπειρία

διόπερ οὐδὲ γραμματική τις γενήσεται εἰ δὲ

τινῶν ἐπεὶ καὶ οἱ ἰδιῶταί τινα τῶν παρὰ

ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων εἰδότες

οὐκ ἔχουσι γραμματικὴν ἐμπειρίαν οὐδὲ

ταύτῃ εἶναι λεκτέον γραμματικήν

Pois bem ao afirmarem que ela eacute lsquouma

experiecircncia concernente agrave maior parte85 do que

dizem os poetas e escritoresrsquo referem-se ou a

todas as coisas ou apenas a algumas Se satildeo todas

as coisas entatildeo natildeo se trata mais de lsquoa maior

partersquo mas de tudo E se eacute tudo eacute do infinito que

se trata porque estas coisas satildeo infinitas De

coisas infinitas natildeo existe experiecircncia

consequentemente natildeo existiraacute algo como a

gramaacutetica E no caso de estarem se referindo

daquele modo a algumas coisas diriacuteamos que

mesmo as pessoas comuns sem possuiacuterem

experiecircncia gramatical sabem algumas das coisas

ditas por poetas e escritores Logo nem assim se

pode dizer que a gramaacutetica existe

[67] ἐκτὸς εἰ μή τι διὰ τοῦτο ltτὸgt lsquoκατὰ τὸ A natildeo ser que aleguem dizer lsquoa maior partersquo para

15 Blank ad loc natildeo concorda com a modificaccedilatildeo de Mau εἴποιltμgtεν 16 Blank ad loc natildeo inserccedilatildeo de ltθεωρεῖσθαιgt 17 Aqui optamos por natildeo seguir a escolha de Blank ad loc com Giusta p 429 οὐκ ἔδει αὐτὴν ltτούτων ἐμπειρίαgt εἶναι λέγειν ltἃgt ἀπὸ μέρους ἔχειν συμβέβηκεν 18 Blank ad loc com Giusta p 428 Por [πρῶτον μὲν] οὐκέτι κατὰ τὸ πλεῖστον ἀλλὰ πάντων καὶ εἰ πάντων

112

πλεῖστονrsquo εἰρῆσθαι φήσουσιν ἵνα ἥ τε πρὸς

τὴν πάντων ἐνιαχοῦ [ἀπορίαν] ἐμπειρίαltνgt ἥ

τε πρὸς τὸν ἰδιωτισμὸν διαφορὰ ὑποβάλληται

τοῦ μὲν γὰρ ἰδιώτου διενήνοχεν ὁ

γραμματικὸς παρόσον οὐκ ὀλίγων ὡς

ἐκεῖνος ἀλλὰ πλείστων τῶν παρὰ ποιηταῖς τε

καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων ἔμπειρός ἐστι

τῆς δὲ τῶν πάντων γνώσεως ἀδυνάτου τάχα

καθεστώσης κεχώρισται ἐπεὶ οὐ πάντα τὰ δὲ

πλεῖστα ἐξ αὐτῶν ἐπαγγέλλεται γινώσκειν

indicar de um lado a diferenccedila em relaccedilatildeo agrave

experiecircncia de eventualmente todas as coisas e

de outro a diferenccedila em relaccedilatildeo ao leigo Pois o

gramaacutetico difere do homem comum na medida em

que eacute experiente natildeo somente em alguma coisa

como aquele mas na maior parte do que eacute dito

por poetas e escritores Mas tambeacutem eacute dito para se

eximir de ter de conhecer todas as coisas algo

impossiacutevel jaacute que ele declara conhecer natildeo todas

elas mas a maioria

[68] ταῦτα δὲ οὐκ ἀπολογουμένου ἦν ἀλλὰ

κακοῖς ἐπιπληροῦντος κακὰ καὶ μηκέτι

μετρίως ἀλλrsquo ἄρδην ἐπισπωμένου τὰς

ἀπορίας πρῶτον μὲν οὖν ὡς τὰ πολλὰ

ἀόριστά ἐστι καὶ τὴν σωρικὴν γεννᾷ ἀπορίαν

οὕτω καὶ τὰ πλεῖστα ὅθεν ἢ περιγραψάτωσαν

ἡμῖν αὐτά δείξαντες ἄχρι πόσων γνώσεως

τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων ῥητέον ἢ εἴπερ ἐπὶ ἀορίστου

μένουσιν ὑποσχέσεως τὰ πλεῖστα γινώσκειν

λέγοντες παραδεχέσθωσαν τὴν παρὰ μικρὸν

ἐρώτησιν

E tais natildeo foram palavras de algueacutem que constroi

uma defesa mas sim de algueacutem que multiplica os

males e passa entatildeo a atrair as aporias de forma

completa natildeo mais moderadamente Em primeiro

lugar da mesma forma que lsquomuitosrsquo eacute

indeterminado e gera o paradoxo de sorites o

mesmo acontece com lsquoa maior partersquo Por isso ou

nos apontam um limite mostrando quanto do que

eacute dito por poetas e escritores se pode dizer que

conhecem ou caso mantenham seu compromisso

com o indeterminado sustentando conhecer lsquoa

maior partersquo destas coisas deveratildeo se submeter agrave

interrogaccedilatildeo dita lsquode pouco-em-poucorsquo

[69] τοῦ γὰρ πλείστου ὁρισθέντος ἀριθμοῦ ὁ

ἑνὶ ἐλάσσων πλεῖστος ἀκμήν ἐστιν ἐπεὶ

τελέως ἄτοπον μονάδος προσθέσει τὸν μὲν

πλεῖστον λέγειν τὸν δὲ μηδαμῶς διόπερ ἀεὶ

μονάδι μειονεκτούμενος ὁ κατrsquo αὐτοὺς

πλεῖστος ἀριθμὸς ἐλεύσεται πάντως εἰς τὸ

μηκέτι ἀριθμὸς πλεῖστος ὑπάρχειν καὶ διὰ

τοῦτο μηδὲ γραμματικήν ὅπερ ἦν τῆς

σωρικῆς ἀπορίας συμπέρασμα

Pois subtraindo-se uma unidade da quantia que

foi definida como sendo lsquoa maior partersquo o

resultado eacute ainda lsquoa maior partersquo ndash pois seria

completamente absurdo que pela adiccedilatildeo de uma

uacutenica unidade se diga de um que eacute lsquoa maior

partersquo e do outro natildeo Em seguida subtraindo-se

constantemente uma unidade da quantia que foi

considerada lsquoa maior partersquo esta acabaria

inevitavelmente a natildeo ser mais lsquoa maior partersquo

com isto a gramaacutetica natildeo existiria Esta seria

113

precisamente a conclusatildeo do paradoxo de sorites

[70] πῶς δrsquo οὐκ ὄντως γραμματικῆς

παχύτητος τὸ ἐν ἀπείρῳ πλήθει λέγειν

πλεῖστα ὡς γὰρ τὸ ὀλιγώτερον πρός τί ἐστι

καὶ κατὰ τὴν ὡς πρὸς τὸ πλεῖστον σχέσιν

νοεῖται οὕτω καὶ τὸ πλεῖστον κατὰ τὴν ὡς

πρὸς τὸ ὀλίγον σχέσιν θεωρήσεται εἰ οὖν τῶν

πλείστων ltτῶνgt παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων ἐμπειρίαν ἔχουσιν οἱ

γραμματικοί ὀλίγων ltδὲgt τῶν λοιπῶν οὐκ

ἔχουσιν

Eacute mesmo um exemplo da extrema obtusidade da

gramaacutetica dizer que um grande nuacutemero

indeterminado eacute lsquoa maior partersquo Pois com efeito

justamente como lsquomenosrsquo eacute relativo

compreendido em relaccedilatildeo ao que eacute lsquomaisrsquo da

mesma forma lsquoa maior partersquo soacute faraacute sentido na

condiccedilatildeo de estar relacionada a lsquoa menor partersquo

Portanto se os gramaacuteticos tecircm experiecircncia acerca

da lsquomaior partersquo do que eacute dito por poetas e

escritores natildeo a tecircm da parte restante a lsquomenor

partersquo

[71] εἰ δὲ καὶ τὸ ληφθέν ἐστι πλεῖστον καὶ

τὸ καταλειφθὲν ἔλασσον ltοὐ δοτέον αὐτοῖς

ὡςgt οὐκέτι τὸ πᾶν γίνεται ἄπειρον19 ὅμως δrsquo

οὖν ἵνα μηδὲν περὶ τούτων ἀκριβευώμεθα

ψεῦδός ἐστι τὸ τὰ πλεῖστα τῶν παρὰ ποιηταῖς

τε καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων γινώσκειν τὸν

γραμματικόν ἐλάχιστα γὰρ ἦν

πολλαπλασιόνων ἀπολειπομένων ἃ οὐκ οἶδε

καθὼς προβαινούσης τῆς ζητήσεως

παραστήσω

Ainda se a parte considerada eacute a maior e a parte

que resta eacute a menor o total natildeo deixa de ser da

mesma forma indeterminado Outrossim sem nos

atermos demasiado aos detalhes eacute falso que o

gramaacutetico conhece a maior parte do que dizem

poetas e escritores de fato eacute a menor parte que ele

conhece superada em muito pelas coisas que ele

natildeo sabe como demonstrarei agrave frente em minha

investigaccedilatildeo

[72] τὰ νῦν δὲ ἄλλην ἀπόδοσιν θεωρητέον

Ἀσκληπιάδης τοίνυν μέμφεται τὸν Θρᾷκα

Διονύσιον ἐμπειρίαν λέγοντα τὴν

γραμματικήν διrsquo ἣν αἰτίαν καὶ ὁ Πτολεμαῖος

ἔφη ἐγκαλεῖ δὲ αὐτῷ καὶ ltἐπὶgt τῷ20 κατὰ τὸ

πλεῖστον ἐμπειρίαν21 αὐτὴν ἀποφαίνειν

τοῦτο μὲν γὰρ τῶν στοχαστικῶν καὶ ὑπὸ τὴν

τύχην πιπτουσῶν ἐστὶ τεχνῶν ὥσπερ

Por ora outra definiccedilatildeo (apodosis) deve ser

considerada Asclepiacuteades pela mesma razatildeo que

Ptolomeu censura Dioniacutesio Traacutecio por ter

definido a gramaacutetica como experiecircncia e ainda o

acusa pelo lsquona maior partersquo Pois isso diz ele eacute

caracteriacutestico das artes que satildeo conjecturais

(stokhastikai) e sujeitas ao acaso tal como a

navegaccedilatildeo e a medicina A gramaacutetica no entanto

19 De ὀλίγων ltδὲgt na uacuteltima linha da seccedilatildeo anterior a ἄπειρον os siacutembolos indicam modificaccedilotildees de Blank ad loc segue na maior parte Giusta p 430 20 Blank ad loc com Blomqvist p 74 Por καὶ τὸ 21 Blank ad loc

114

κυβερνητικῆς καὶ ἰατρικῆς γραμματικὴ δὲ

οὐκ ἔστι στοχαστικὴ ἀλλὰ μουσικῇ τε καὶ

φιλοσοφίᾳ παραπλήσιος

natildeo eacute conjectural mas assemelha-se agrave muacutesica e agrave

filosofia

[73] rsquoεἰ μή τι δέδοικεrsquo φησί lsquoτὴν ὀλιγότητα

τοῦ βίου ὡς οὐκ οὖσαν ἱκανὴν πρὸς τὸ πάντα

περιλαβεῖν ὅπερ ἐστὶν ἄτοπον γραμματικοῦ

ἀλλrsquo οὐ γραμματικῆς ποιήσεται τὸν ὅρον

ἐπείπερ οὗτος μὲν τυχὸν ἴσως ἐπιστήμων ἐστὶ

τῶν ltπλείστων τῶνgt22 παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων ὀλιγόβιον καθεστὼς

ζῶον ἡ δὲ γραμματικὴ πάντων εἴδησιςrsquo

Asclepiacuteades disse o seguinte ldquoeacute como se Dioniacutesio

temesse que a brevidade da vida natildeo fosse

suficiente para a compreensatildeo de todas as coisas

o que eacute mesmo absurdo jaacute que ela daraacute fim86 ao

gramaacutetico natildeo agrave gramaacutetica Na verdade como

criatura de vida curta ao gramaacutetico pode mesmo

vir a acontecer de ser entendido somente na maior

parte do que eacute dito por poetas e escritores a

gramaacutetica no entanto eacute o conhecimento de todas

estas coisasrdquo87

[74] ὅθεν τὸ μὲν ἀλλάξας τοῦ ὅρου τούτου τὸ

δrsquo ἀνελών οὕτως ἀποδίδωσι τῆς γραμματικῆς

τὴν ἔννοιαν lsquoγραμματική ἐστι τέχνη τῶν

παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι λεγομένωνrsquo

οὐκ ἀνεῖλε δὲ ὁ ἀνὴρ τὰς ἀπορίας ἀλλrsquo

ἐπέτεινεν καὶ ἐν οἷς θέλει τὴν γραμματικὴν

αὔξειν ἐν τούτοις αὐτὴν ἀνεῖλεν ἔστω γὰρ

πάντων εἴδησις τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων οὐκοῦν ἐπεὶ οὐδέν

ἐστιν εἴδησις παρὰ τὸν εἰδότα οὐδὲ

γραμματική ltτιgt παρὰ τὸν εἰδότα

γραμματικόν ὡς οὐδὲ περιπάτησις παρὰ τὸν

περιπατοῦντα καὶ στάσις παρὰ τὸν ἑστῶτα

καὶ κατάκλισις παρὰ τὸν κατακείμενον

Por esse motivo muda uma parte daquela

definiccedilatildeo e suprime outra e propotildee esta definiccedilatildeo

de gramaacutetica ldquogramaacutetica eacute uma arte (tekhne) do

que eacute dito por poetas e escritoresrdquo E assim o

homem natildeo elimina nenhuma das dificuldades

mas as reforccedila e querendo enaltecer a gramaacutetica

acaba por destruiacute-la Com efeito assumindo que

ela seja o conhecimento (eidesis) de tudo que eacute

dito por poetas e escritores e o conhecimento

definitivamente natildeo existe sem o conhecedor

entatildeo tampouco a gramaacutetica existe sem o que

conhece a gramaacutetica Da mesma forma que natildeo haacute

caminhada sem caminhante ou parada sem o que

para nem descanso sem o que descansa

[75] ὡμολόγηται δὲ ὁ γραμματικὸς μὴ ἔχειν

πάντων εἴδησιν οὐκ ἄρα ἔτι ἔστιν εἴδησις

πάντων τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων διὰ δὲ τοῦτο οὐδὲ γραμματική

καὶ ἄλλως εἴπερ τέχνη ἐστὶν ἡ γραμματική

Concordou-se pois que o gramaacutetico natildeo possui

este conhecimento logo o conhecimento de tudo

que eacute dito por poetas e escritores natildeo existe por

isso natildeo existe a gramaacutetica Dito de outra forma a

gramaacutetica eacute uma arte e eacute o conhecimento de tudo

22 Blank ad loc

115

εἴδησις οὖσα πάντων τῶν παρὰ ποιηταῖς τε

καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων ἡ δὲ τέχνη

σύστημα ἐκ καταλήψεων [τῶν περὶ τὴν

γραμματικήν]23 ἐξ ἀνάγκης μηδενὸς ἔχοντος

πάντων τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων κατάληψιν ἀνύπαρκτος γίνεται ἡ

γραμματική

que eacute dito por poetas e escritores Uma arte por

sua vez eacute um sistema composto de apreensotildees

[representaccedilotildees verdadeiras] natildeo havendo

ningueacutem que apreenda tudo que eacute dito por poetas e

escritores forccedilosamente a gramaacutetica acaba por

tornar-se inexistente (anuparktos)

[76] Χάρης δὲ ἐν τῷ πρώτῳ περὶ

γραμματικῆς τὴν τελείαν φησὶ γραμματικὴν

ἕξιν εἶναι ἀπὸ τέχνης 24 διαγνωστικὴν τῶν

παρrsquo Ἕλλησι λεκτῶν καὶ νοητῶν ἐπὶ τὸ

ἀκριβέστατον πλὴν τῶν ὑπrsquo ἄλλαις τέχναις

τὸ τελευταῖον προσθεὶς οὐ παρέργως

Caacuteres88 no primeiro livro de Sobre a

Gramaacutetica diz que ldquoa gramaacutetica completa eacute uma

habilidade (heksis) com base na arte (tekhne) que

distingue (diagnostike) o que eacute dito e pensado

pelos gregos da forma mais precisa possiacutevel

exceto o que eacute do domiacutenio de outras artesrdquo89 O

acreacutescimo final natildeo eacute supeacuterfluo

[77] ἐπεὶ γὰρ τῶν παρrsquo Ἕλλησι λεκτῶν καὶ

νοητῶν τὰ μέν ἐστιν ὑπὸ τέχναις τὰ δrsquo οὔ τῶν

μὲν ὑπὸ τέχναις οὐκ οἴεται τέχνην εἶναι καὶ

ἕξιν τὴν γραμματικήν οἷον ἐν μὲν μουσικῇ

τῆς διὰ τεσσάρων συμφωνίας καὶ τῆς

μεταβολῆς τῶν συστημάτων ἐν δὲ

μαθηματικῇ ἐκλείψεως ἢ τῆς τῶν κύκλων

θέσεως τὰ δὲ αὐτὰ καὶ ἐπὶ τῶν ἄλλων

νοητέον τεχνῶν οὐδενὸς γὰρ τῶν ὑπrsquo αὐταῖς

εἴδησις ἡ γραμματική ἀλλὰ μέθοδός τίς ἐστι

τῶν παρὰ ταύτας ἑτέρων λεκτῶν τε καὶ

νοητῶν

Pois das coisas ditas (lekton) e pensadas (noeton)

pelos gregos algumas satildeo de domiacutenio das artes

mas outras natildeo E ele natildeo considera a gramaacutetica

uma arte e habilidade do que eacute de domiacutenio das

artes tal como lsquoharmonia em quartasrsquo e lsquomudanccedila

de escalasrsquo proacuteprio da muacutesica e lsquoeclipse ou

posiccedilatildeo das esferas celestesrsquo da astronomia90

Deve-se pensar o mesmo em relaccedilatildeo agraves outras

artes Pois a gramaacutetica natildeo eacute conhecimento de

nenhuma das coisas de domiacutenio delas mas eacute um

meacutetodo para tratar de coisas ditas e pensadas fora

destes domiacutenios

[78] νοητῶν μὲν ὡς ὅτι πίσυρες τέσσαρες καὶ lsquoCoisas pensadasrsquo como por exemplo piacutesures91

23 Ao contraacuterio de Blank ad loc que segue Giusta p 428 mantemos a supressatildeo [τῶν περὶ τὴν γραμματικήν] A tradutora francesa sugere ltτῶν περὶ τὸν γραμματικόνgt lsquoem relaccedilatildeo com o gramaacuteticorsquo Cf Dalimier ad loc 24 Blank ad loc com Barwick baseado na comparaccedilatildeo com Sch DThr 118 11 insere τέχνης ltκαὶ ἱστορίαςgt lte investigaccedilatildeogt (historia) Esta inserccedilatildeo coloca tekhne e historia no mesmo niacutevel de forma que as duas funcionariam ou como ponto de partida (considerando-as como atividades) ou como material de base (considerando-as como produtos) De qualquer modo com ou sem a inserccedilatildeo a relaccedilatildeo que apo estabelece entre heksis e tekhne (kai historia) eacute bastante ambiacutegua pode ser temporal causal de origem de modo de consequecircncia etc Cf Platatildeo (Fedro 268e) Aristoacuteteles (Pr955b1) Poliacutebio (10477) DS (229) para τέχνη (tekhne) definida como ἕξις ἢ διάθεσις ἀπὸ παρατηρήσεως (heksis e diathesis apo paratereseos) lsquohabilidade ou disposiccedilatildeo com base na observaccedilatildeorsquo

116

lsquoβῆσσαιrsquo καὶ lsquoἄγκεαrsquo οἱ βάσιμοι ltκαὶ

κοῖλοιgt25 τόποι λεκτῶν δὲ τῶν περὶ τὰς

διαλέκτους οἷον ὅτι τοῦτο μὲν εἴρηται

Δωρικῶς τοῦτο δrsquo Αἰολικῶς καὶ οὐχ ᾗπερ οἱ

στωικοὶ τὸ σημαινόμενον ἀλλrsquo ἀνάπαλιν τὸ

σημαῖνον τὸ γὰρ νοητὸν ἐπὶ τοῦ

σημαινομένου [μόνου] παρείληπται

para lsquoquatrorsquo e bessai e ankea92 para lugares

lsquoacessiacuteveisrsquo e lsquoprofundosrsquo lsquoCoisas ditasrsquo como as

que dizem respeito aos dialetos por exemplo uma

coisa estaacute dita em doacuterico e outra em eoacutelico ndash mas

natildeo agrave maneira dos estoicos acerca do significado

(semainomenon) pelo contraacuterio sobre o signo

(semainon) porque a lsquocoisa pensadarsquo eacute que estaacute

associada ao significado

[79] ἔοικε δὲ καὶ Κρατήτειόν τινα κινεῖν

λόγον καὶ γὰρ ἐκεῖνος ἔλεγε διαφέρειν τὸν

κριτικὸν τοῦ γραμματικοῦ καὶ τὸν μὲν

κριτικὸν πάσης φησί δεῖ λογικῆς ἐπιστήμης

ἔμπειρον εἶναι τὸν δὲ γραμματικὸν ἁπλῶς

γλωσσῶν ἐξηγητικὸν καὶ προσῳδίας

ἀποδοτικὸν καὶ τῶν τούτοις παραπλησίων

εἰδήμονα παρὸ καὶ ἐοικέναι ἐκεῖνον μὲν

ἀρχιτέκτονι τὸν δὲ γραμματικὸν ὑπηρέτῃ

Mas Caacuteres parece usar um argumento de Crates

Pois Crates dizia que o criacutetico eacute superior ao

gramaacutetico O criacutetico diz ele precisa ser experiente

na totalidade do saber linguiacutestico (logikes

epistemes) enquanto o gramaacutetico precisa

simplesmente explicar palavras inusuais restaurar

a prosoacutedia e dominar coisas deste gecircnero por isso

o criacutetico eacute como um arquiteto e o gramaacutetico um

ajudante

[80] Ἀλλὰ τὰ μὲν τῆς ἀποδόσεως τοιαῦτα

πῇ μὲν μετριώτερα τῶν Διονυσίου

ἀτοπημάτων πῇ δὲ χείρονα ὅτι μὲν γὰρ τῆς

σωρικῆς ἀπορίας ἐξέλυσε τὴν γραμματικὴν

καὶ τῶν ἀλλοτρίων κεχώρικε θεωρημάτων

μουσικῆς τε καὶ μαθηματικῆς ὡς μὴ

προσηκόντων αὐτόθεν συμφανές τοῦ δὲ μὴ

ἀνυπόστατον ὑπάρχειν οὐδαμῶς αὐτὴν

ἐρρύσατο ἀλλὰ καὶ εἰς τὸ εἶναι τοιαύτην

μᾶλλον συνηγωνίσατο

E tais satildeo as contribuiccedilotildees da definiccedilatildeo de

Caacuteres algumas mais razoaacuteveis que os absurdos de

Dioniacutesio outras piores Que ele driblou o

paradoxo de sorites e afastou a gramaacutetica de

teoremas que lhe satildeo estranhos (como os que satildeo

proacuteprios da muacutesica e da astronomia) na medida

em que natildeo se relacionam vecirc-se de imediato

Mas de maneira alguma pocircde salvaacute-la de ser

insubsistente pelo contraacuterio acabou por

favorecer e muito para que fosse justamente

assim

[81] ὁ μὲν γὰρ Διονύσιος κατά τι διώρισε τὸν

τῆς γραμματικῆς ὅρον ἐπὶ μόνων αὐτὴν

ποιητῶν τε καὶ συγγραφέων στήσας οὗτος δὲ

περὶ πᾶσαν Ἑλληνικὴν φωνὴν καὶ περὶ πᾶν

Dioniacutesio havia posto um limite agrave gramaacutetica

estendendo-a somente ao que escreveram poetas e

escritores Jaacute Caacuteres quer que ela decirc conta de toda

palavra grega e de cada coisa significada o que se

25 Blank ad loc

117

σημαινόμενον καταγίγνεσθαι ταύτην θέλει

ὅπερ εἰ θεμιτὸν εἰπεῖν οὐδὲ θεοῖς ἀνυτόν

ἐστιν ὡς γὰρ καὶ πρότερον ἐλέγομεν οὐδεμία

μέθοδος συνίσταται περί τι ἄπειρον ἀλλὰ καὶ

μάλιστα αὐτὴ26 τοῦτο περατοῖ τῶν γὰρ

ἀορίστων ἡ ἐπιστήμη δεσμός ἐστιν

natildeo for iacutempio dizecirc-lo nem os proacuteprios deuses

realizariam Pois como dissemos antes nenhum

meacutetodo se organiza em torno ao que eacute infinito

pelo contraacuterio um meacutetodo certamente poria termo

ao infinito pois para o indeterminado o saber eacute

uma prisatildeo

[82] τὰ δὲ σημαίνοντα καὶ σημαινόμενα τῶν

πραγμάτων ἐστὶν ἄπειρα οὐκ ἄρα ἐστὶν ἡ

γραμματικὴ τέχνη περὶ τὰ σημαίνοντα καὶ

σημαινόμενα καὶ μὴν παντοῖαι γίνονται τῶν

φωνῶν μεταβολαὶ καὶ πρὸ τοῦ γεγόνασι καὶ

εἰσαῦθις γενήσονται φιλομετάβολον γάρ τί

ἐστιν ὁ αἰών οὐκ εἰς φυτὰ μόνον καὶ ζῷα

ἀλλὰ καὶ εἰς ῥήματα

E os signos e significados das coisas (pragmata)

satildeo infinitos logo a arte gramatical natildeo eacute sobre

signos e significados Aleacutem disso ocorre todo

tipo de mudanccedila nas palavras jaacute ocorreu antes e

vai continuar ocorrendo pois o tempo que natildeo

cessa eacute um amante das mudanccedilas natildeo somente

nas plantas e animais mas tambeacutem nas palavras

(remata)

[83] περὶ ἑστῶσαν δὲ ἀπειρίαν οὐχ ὅτι γε27

καὶ μεταβάλλουσαν ἀμήχανόν ἐστι γνῶσιν

ἀνθρωπίνην εὑρεῖν οὐδὲ ταύτῃ ἄρα ἡ

γραμματικὴ συστήσεται ἄλλως τε ἤτοι

τεχνικὴν οἴεται εἶναι τὴν ἕξιν ἢ ἄτεχνον καὶ

εἰ μὲν τεχνικήν πῶς οὐκ αὐτὴν εἶπε τέχνην

ἀλλὰ τὸ ἀφrsquo οὗ ἔστιν εἰ δὲ ἄτεχνον ἐπεὶ οὐ

δυνατὸν διὰ τοῦ ἀτέχνου τὸ τεχνικὸν

ὁρᾶσθαι οὐδὲ συστήσεταί τις γραμματικὴ

ἕξις τεχνικῶς διαγινώσκουσα τὰ παρrsquo Ἕλλησι

σημαίνοντά τε καὶ σημαινόμενα

E se eacute impossiacutevel encontrar conhecimento

humano acerca do que eacute infinito poreacutem estaacutevel

quanto mais seria do que muda sem cessar Logo

nem desta maneira a gramaacutetica eacute consistente

Aleacutem disso Caacuteres ou a considerou uma habilidade

teacutecnica (tekhniken) ou natildeo teacutecnica (atekhnon) E

se a considera teacutecnica porque natildeo a chamou

diretamente de lsquoartersquo ao inveacutes do lsquocom base emrsquo

Mas se natildeo eacute teacutecnica e natildeo eacute possiacutevel enxergar o

teacutecnico atraveacutes do natildeo teacutecnico tampouco seraacute

consistente alguma habilidade gramatical que

distingue de modo teacutecnico os signos e significados

dos gregos

[84] Δημήτριος δὲ ὁ ἐπικαλούμενος

Χλωρὸς καὶ ἄλλοι τινὲς τῶν γραμματικῶν

οὕτως ὡρίσαντο lsquoγραμματική ἐστι τέχνη τῶν

παρὰ ποιηταῖς τε καὶ τῶν κατὰ τὴν κοινὴν

συνήθειαν λέξεων εἴδησιςrsquo μένουσι δὲ καὶ

Demeacutetrio chamado tambeacutem de Cloro93 e

alguns outros gramaacuteticos deram essa definiccedilatildeo

ldquogramaacutetica eacute uma arte do que eacute dito pelos poetas e

tambeacutem conhecimento das palavras de uso

comum (kata ten koinen sunetheian)rdquo Nela

26 Blank ad loc com Giusta p 431 Por αὕτη 27 Blank ad loc com Giusta p 431 Por οὔ τοί γε

118

τούτοις αἱ αὐταὶ ἀπορίαι οὔτε γὰρ πάντων

τῶν παρὰ ποιηταῖς λεγομένων δύναται εἶναι

τέχνη γραμματικὴ οὔτε τινῶν

permanecem em questatildeo as mesmas aporias a

gramaacutetica natildeo pode ser uma arte nem de tudo nem

de parte do que eacute dito pelos poetas

[85] καὶ πάντων μὲν αὐτόθεν ἀδύνατον εἴγε

καὶ περὶ θεῶν καὶ περὶ ἀρετῆς καὶ ψυχῆς

λέγεται παρὰ τοῖς ποιηταῖς ὧν ἀπείρως

ἔχουσιν οἱ γραμματικοί τινῶν δὲ διὰ τὸ μὴ

εἰς τοὺς γραμματικοὺς τὸ τοιοῦτον πίπτειν

μόνους ἀλλὰ καὶ ἄλλους τινάς οἷον

φιλοσόφους καὶ μουσικοὺς καὶ ἰατρούς

συνεώρων γὰρ καὶ οἵδε τινὰ τῶν παρὰ

ποιηταῖς

Abordar tudo que eacute dito por eles eacute obviamente

impossiacutevel os poetas falam sobre deuses virtude

alma coisas de que os gramaacuteticos natildeo tecircm

qualquer experiecircncia E abordar parte do que

dizem natildeo eacute algo que seja exclusivo dos

gramaacuteticos pelo contraacuterio compartilha-se com

outros tantos como filoacutesofos muacutesicos e meacutedicos

que tambeacutem conhecem e compreendem parte do

que eacute dito pelos poetas

[86] πάλιν τε ἐν τῷ λέγειν καὶ τῶν κατὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν λέξεων εἴδησιν εἶναι τὴν

γραμματικὴν εἰ μὲν τὸ καθολικὸν λαμβάνοιεν

τὸ lsquoεἴ τινές εἰσι κατὰ τὴν κοινὴν συνήθειαν

λέξεις ἐκείνων ἐστὶν εἴδησις ἡ γραμματικήrsquo

ἁμαρτάνουσιν ἄπειροι γὰρ αἱ κατὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν λέξεις καὶ τῶν ἀπείρων

οὐκ ἔστιν εἴδησις

E estatildeo novamente equivocados ao dizerem que a

gramaacutetica eacute lsquoconhecimento das palavras de uso

comumrsquo caso tenha o sentido geral de lsquose haacute

palavras de uso comum a gramaacutetica eacute o

conhecimento delasrsquo ndash porque satildeo infinitas as

palavras de uso comum e natildeo existe

conhecimento de coisas que satildeo infinitas

[87] εἰ δὲ ἐπὶ τὸ ἐπὶ μέρους φέροιντο ὅπερ

ἴσον ἐστὶ τῷ lsquoεἰσί τινες λέξεις κατὰ τὴν

συνήθειαν τὴν κοινὴν ὧν εἴδησίς ἐστιν ἡ

γραμματικήrsquo οὐδrsquo οὕτω ποιήσουσί τι τὴν

γραμματικήν καὶ γὰρ ὁ Ἀθηναῖος εἴδησιν

ἔχει τῶν κατὰ τὴν Ἀτθίδα συνήθων λέξεων

καὶ ὁ Δωριεὺς τῶν κατὰ τὴν Δωρίδα καὶ ὁ

ῥήτωρ τῶν κατὰ τὴν ῥητορικήν καὶ ὁ ἰατρὸς

τῶν κατὰ τὴν ἰατρικήν

Mas tambeacutem se carrega o sentido particular de

lsquoexistem algumas palavras de uso comum de que a

gramaacutetica eacute o conhecimentorsquo nem assim

transformaratildeo a gramaacutetica em alguma coisa

porque um ateniense tem conhecimento das

palavras de uso comum no dialeto aacutetico e um

doacuterico daquelas de uso comum no dialeto doacuterico

um retoacuterico conhece as que satildeo geralmente usadas

na retoacuterica e um meacutedico as que satildeo comuns

dentro da medicina

[88] εἰ δὲ λέγοιεν πασῶν τῶν κατὰ τὴν κοινὴν

συνήθειαν αὐτὴν λέξεων εἴδησιν οὐχ ὡς τῶν

καθrsquo ἕκαστα καὶ ἐν μέρει πασῶν (τοῦτο γὰρ

E se for dito que ela eacute o conhecimento de todas as

palavras de uso comum mas natildeo todas em

particular uma por umarsquo (o que eacute realmente

119

ὄντως ἀδύνατον) ἀλλὰ τῶν καθόλου πασῶν

καὶ ἀνωτάτω ἐν ταῖς διαλέκτοις οἷον ὅτι

Δωριέων μέν ἐστι τοιούτῳ τόνῳ χρῆσθαι

Ἰώνων δὲ ἄλλῳ τάχα μέν τι πιθανὸν ἐροῦσιν

οὐ μὴν ἀληθές

impossiacutevel) e sim todas de forma geneacuterica e

aquilo que eacute mais geral nos dialetos (por exemplo

que os doacutericos usam uma acentuaccedilatildeo e os jocircnicos

outra) pode ateacute ser que isso soe plausiacutevel

(pithanos) mas natildeo eacute verdadeiro

[89] οὔτε γὰρ ἓν ἔθος ἐστὶ καθrsquo ἑκάστην

διάλεκτον (πολλαὶ γὰρ Δωρίδες καὶ Ἀτθίδες)

οὔτε οἱ κανόνες οὓς δοκοῦσι παραδιδόναι

πρὸς πᾶσαν ἀποτείνονται λέξιν ἀλλrsquo ἄχρι μὲν

ποσῶν καὶ ὁμοτόνων οἷον ὀξυτόνων ἢ

βαρυτόνων προκόπτουσιν πάσας δὲ

περιλαβεῖν ἀδυνατοῦσιν

Porque natildeo existe em cada dialeto um haacutebito

uacutenico satildeo muitas as formas de doacuterico e de aacutetico

Tampouco as regras (kanones) que querem

transmitir estendem-se a todas as palavras mas

aplicam-se somente agraves que tecircm o mesmo padratildeo

de acentuaccedilatildeo por exemplo ou agraves oxiacutetonas ou agraves

bariacutetonas e eacute impossiacutevel que consigam abranger

todas elas

[90] Δείγματος μὲν οὖν χάριν ταῦτrsquo

εἰρήσθω εἰς τὸ ἀνυπόστατον εἶναι τὴν

γραμματικὴν ὅσον ἐπὶ τῇ παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς αὐτῆς ἐπινοίᾳ μετελθόντες δὲ

ἀκολούθως καὶ τὰ κυριώτατα τῶν ἐν αὐτῇ

θεωρημάτων καὶ ἐξ ὧν μάλιστα λαμβάνει τὴν

ὑπόστασιν βασανίζωμεν

Eis aiacute portanto um exemplo de como se pode

argumentar partindo apenas da concepccedilatildeo dos

gramaacuteticos e revelar a insubsistecircncia da gramaacutetica

Agora passando adiante por ordem

submeteremos agrave anaacutelise tambeacutem os principais

teoremas da gramaacutetica dos quais depende

principalmente sua subsistecircncia

Τίνα μέρη γραμματικῆς

[91] Πολλῆς οὔσης καὶ ἀνηνύτου παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς περὶ μερῶν γραμματικῆς

διαστάσεως ἵνα μήτε τὸ πάρεργον ἔργου

χώραν ἐπέχειν ἡμῖν φαίνηται μήτε εἰς

ἀλλοτρίαν καὶ ὡς πρὸς τὸ παρὸν ἀνωφελῆ

ἐμβαίνοντες ὕλην ἀπολειπώμεθα τῆς

ἀναγκαιοτέρας ἀντιρρήσεως ἀπαρκέσει

λέγειν ἀσυκοφαντητότερον ὡς ἄρα τῆς

γραμματικῆς τὸ μέν ἐστιν τεχνικὸν τὸ δὲ

ἱστορικὸν28 τὸ δὲ ἰδιαίτερον διrsquoοὗ τὰ κατὰ

τοὺς ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς μεθοδεύεται

Quais as partes da gramaacutetica

As divergecircncias entre os gramaacuteticos acerca das

partes da gramaacutetica satildeo longas e interminaacuteveis94

Assim para um assunto secundaacuterio natildeo nos

desviar de nosso objetivo nem adentrarmos

mateacuteria no momento alheia e supeacuterflua

abandonando o ataque mais necessaacuterio seraacute

suficiente dizer de forma a gerar menos conflito

que as partes da gramaacutetica satildeo teacutecnica (to

tekhnikon) lsquohistoacutericarsquo (to historikon) e especiacutefica

(to idiaiteron) - por meio desta uacuteltima aborda-se o

concernente a poetas e escritores

28 Blank ad loc com Giusta p 431 Para ἱστορικὸν τὸ δὲ τεχνικὸν nos MSS

120

[92] ὧν τεχνικὸν μέν ἐστιν ἐν ᾧ περὶ τῶν

στοιχείων καὶ τῶν τοῦ λόγου μερῶν

ὀρθογραφίας τε καὶ ἑλληνισμοῦ καὶ τῶν

ἀκολούθων διατάττονται ἱστορικὸν δὲ ὅπου

περὶ προσώπων οἱονεὶ θείων τε καὶ

ἀνθρωπίνων καὶ ἡρωικῶν διδάσκουσιν ἢ περὶ

τόπων διηγοῦνται καθάπερ ὀρῶν ἢ ποταμῶν

ἢ περὶ πλασμάτων καὶ μύθων παραδιδόασιν ἢ

εἴ τι τῆς αὐτῆς ἰδέας ἐστίν

Dessas a parte teacutecnica eacute aquela na qual dispotildeem

os elementos as partes da sentenccedila (logou mere)

e tambeacutem ortografia e helenismo e o que disso se

segue A parte dita lsquohistoacutericarsquo eacute onde ensinam

sobre os personagens ndash divinos humanos e

heroacuteicos datildeo detalhes sobre lugares como

montanhas e rios retomam tradiccedilotildees associadas a

ficccedilotildees e mitos e coisas deste gecircnero95

[93] ἰδιαίτερον δὲ ltδιrsquo οὗgt τὰ κατὰ τοὺς

ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς ἐπισκοποῦσι καθrsquo ὃ29

τὰ ἀσαφῶς λεγόμενα ἐξηγοῦνται τά τε ὑγιῆ

καὶ τὰ μὴ τοιαῦτα κρίνουσι τά τε γνήσια ἀπὸ

τῶν νόθων διορίζουσιν ἀλλrsquo ὡς μὲν τύπῳ καὶ

ὁλοσχερέστερον περιλαβεῖν ταῦτά ἐστι τὰ

τῆς γραμματικῆς μέρη

E a parte especiacutefica eacute aquela atraveacutes da qual

analisam o que eacute dito por poetas e escritores

interpretam as passagens obscuras julgam o que

estaacute correto e o que natildeo e distinguem o genuiacuteno

do espuacuterio Estas satildeo de maneira geral e grosso

modo explicadas as partes da gramaacutetica96

[94] νοητέον δὲ αὐτὰ οὐ κατrsquo εἰλικρίνειαν

οὐδrsquo ὡς ἄν τις εἴποι lsquoμέρη τοῦ ἀνθρώπου

ψυχὴ καὶ σῶμαrsquo ταυτὶ μὲν γὰρ ὡς ἕτερα ὄντα

ἀλλήλων νοεῖται τὸ δὲ τεχνικὸν καὶ

ἱστορικὸν καὶ τὸ περὶ τὰς ποιήσεις καὶ

συγγραφὰς τῆς γραμματικῆς μέρη πολλὴν

ἔχει συμπλοκὴν καὶ ἀνάκρασιν πρὸς τὰ λοιπά

Mas elas natildeo devem ser entendidas como se

fossem independentes ou como dir-se-ia que lsquoas

partes do homem satildeo o corpo e a almarsquo Pois se

concebe estas uacuteltimas como coisas diferentes uma

da outra e a parte teacutecnica a lsquohistoacutericarsquo e a que

trata de poetas e escritores isto eacute as partes da

gramaacutetica satildeo muito conectadas e entrelaccediladas

umas agraves outras

[95] καὶ γὰρ ἡ τῶν ποιητῶν ἐπίσκεψις οὐ

χωρὶς τοῦ τεχνικοῦ καὶ ἱστορικοῦ γίνεται

μέρους καὶ ἑκάτερον τούτων οὐ δίχα τῆς τῶν

ἄλλων παραπλοκῆς συνέστηκεν ὥσπερ οὖν

οἱ λέγοντες τῆς ἰατρικῆς μέρη δίαιταν

χειρουργίαν φαρμακείαν οὕτω λέγουσιν ὡς

πολλῆς οὔσης ἐν τοῖς θεωρήμασιν

Pois a anaacutelise dos poetas natildeo acontece sem as

partes teacutecnica e lsquohistoacutericarsquo e cada uma delas foi

constituiacuteda em conexatildeo com as outras97 Logo eacute

assim como dizem que as partes da medicina satildeo a

dieta a cirurgia e a farmacologia falando assim

porque haacute muita interdependecircncia entre os

teoremas (a dieta com efeito natildeo se apresenta

29 Blank ad loc com Giusta p 428 Para ἰδιαίτερον δὲ τὸ κατὰ τοὺς ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς [ἐπισκοποῦσι] καθ ὃ

121

ἀλληλουχίας (καὶ γὰρ ἡ δίαιτα οὐ χωρὶς

φαρμακείας καὶ χειρουργίας πρό[ς]εισι καὶ ἡ

φαρμακεία πάλιν περιείχετο καὶ τῇ τῶν

ἄλλων δυνάμει) ὧδε καὶ ἐπὶ τοῦ παρόντος

οὐκ ἀπότακτόν τί ἐστιν ἕκαστον μέρος οὐδrsquo

εἰλικρινὲς ἀπὸ τῆς τῶν ἄλλων ἐπιμιξίας

sem a farmacologia e a cirurgia e a farmacologia

por sua vez envolve-se tambeacutem na accedilatildeo das

outras) de maneira que natildeo estatildeo no momento

separadas nem satildeo independentes umas das

outras

[96] τοῦτο δὲ προδιηρθρώσαμεν οὐ

παρέργως ἀλλrsquo ἵνα εἰδῶμεν ὡς ἂν ἕν τι ἐξ

αὐτῶν δειχθῇ ἀσύστατον δυνάμει καὶ τὰ

λοιπὰ ἀνῄρηται ὧν ἑκάτερον οὐ χωρὶς τοῦ

ἀναιρεθέντος ὑφίσταται ὅμως δὲ οὐ

ποιήσομεν τοῦτο καίπερ ὂν σύντομον ἀλλὰ

πειρασόμεθα πρὸς ἕκαστον ἀντιλέγειν ὡς εἰ

καὶ μὴ ἔχρῃζε τῆς τῶν λοιπῶν παρουσίας

τάξει δὲ ἀρκτέον ἀπὸ τοῦ πρώτου

E natildeo foi agrave toa que detalhamos tal explicaccedilatildeo mas

para nos darmos conta de que se fica provado

para qualquer das partes que eacute inconsistente

destroacutei-se por forccedila tambeacutem o resto porque

nenhuma delas subsiste sem a parte que foi

destruiacuteda Mesmo assim ainda que nos poupasse

tempo natildeo faremos dessa forma mas tentaremos

argumentar contra cada uma como se prescindisse

da presenccedila das outras Comeccedilaremos entatildeo em

ordem pela primeira

[97] Ὅτι ἀμέθοδόν ἐστι καὶ ἀσύστατον τὸ

τεχνικὸν τῆς γραμματικῆς μέρος

Διὰ πολλὰ μὲν καὶ ἄλλα δίκαιόν ἐστι μετὰ

σπουδῆς ἐξετάζειν τὴν γραμματικὴν

τεχνολογίαν μάλιστα δὲ ἁπάντων διὰ τὸ ἐπrsquo

αὐτῇ κομᾶν καὶ μέγα φρονεῖν τοὺς

γραμματικούς ἀεὶ δὲ τῶν κατὰ τὰ λοιπὰ

κοσμουμένων μαθήματα κατατρέχειν ὡς μηδὲ

τὴν κοινὴν τῶν Ἑλλήνων συνήθειαν

ἐπισταμένων καὶ ἔτι διὰ τό εἴ ποτε θλίβοιντο

ἐν ζητήσει μὴ ἄλλην εὑρίσκειν πολλάκις

ἀποφυγὴν εἰς τὸ περισπᾶν τοὺς συζητοῦντας

αὐτοῖς ἢ τὸ ὅτι βάρβαρον ἢ σόλοικόν ἐστι τὸ

ὑπrsquo αὐτῶν λεχθέν

A parte teacutecnica da gramaacutetica eacute ametoacutedica e

inconsistente

Por muitos outros motivos vale a pena

examinar seriamente a exposiccedilatildeo teacutecnica da

gramaacutetica (grammatike tekhnologia) mas

sobretudo e principalmente porque os gramaacuteticos

vangloriam-se dela com uma presunccedilatildeo

desmedida E estatildeo sempre a rebaixar os que se

dedicam a outros estudos como se estes natildeo

tivessem domiacutenio da linguagem comum dos

gregos Mas tambeacutem porque ao serem

pressionados num debate muitas vezes sem

encontrar outro recurso para escapar aos

adversaacuterios vatildeo dizer que haacute barbarismo ou

solecismo na fala deles

[98] οὐκ ὀλίγην δὲ ἂν ἔχοι μοῖραν εἰς

προτροπὴν καὶ ὅταν βλέπωμεν τοὺς μηδὲ δύο

Tambeacutem natildeo eacute pouco o estiacutemulo que adveacutem de

vermos os gramaacuteticos incapazes de juntar duas

122

σχεδὸν ῥήματα δεξιῶς εἴρειν δυναμένους

γραμματικοὺς θέλοντας ἕκαστον τῶν μέγα

δυνηθέντων ἐν εὐφραδείᾳ καὶ ἑλληνισμῷ

παλαιῶν καθάπερ Θουκυδίδην Πλάτωνα

Δημοσθένην ὡς βάρβαρον ἐλέγχειν μία γὰρ

ἀντὶ πάντων ἄμυνα γενήσεται πρὸς αὐτούς

ἐὰν τὴν ψευδώνυμον αὐτῶν τεχνολογίαν

ἄτεχνον ἀποδείξωμεν

frases direito querendo censurar como barbarismo

expressotildees de escritores antigos altamente

capacitados na correccedilatildeo e pureza do idioma grego

como Tuciacutedides Platatildeo Demoacutestenes Poreacutem uma

uacutenica accedilatildeo de resistecircncia contra eles jaacute valeraacute por

todas demonstrarmos que sua falsamente

nomeada lsquoexposiccedilatildeo teacutecnicarsquo natildeo eacute teacutecnica

(atekhnos)

[99] τάξει δὲ λεκτέον ἡμῖν πρῶτον περὶ τῶν

στοιχείων ἐξ ὧν τὰ πάντα κατrsquo αὐτοὺς

συνέστηκεν καὶ ὧν ἀναιρεθέντων

ἀγραμμάτους ἀνάγκη γίνεσθαι τοὺς

γραμματικούς

Καὶ δὴ τριχῶς λεγομένου τοῦ στοιχείου

τοῦ τε γραφομένου χαρακτῆρος καὶ τύπου καὶ

τῆς τούτου δυνάμεως καὶ ἔτι τοῦ ὀνόματος

προαγέτω νῦν ἡ ζήτησις μάλιστα περὶ τῆς

δυνάμεως αὕτη γὰρ καὶ κυρίως στοιχεῖον

παρrsquo αὐτοῖς προσηγόρευται

Por ordem devemos falar primeiro das letras

como elementos De acordo com os gramaacuteticos

elas sustentam o todo portanto sua destruiccedilatildeo

teria por consequecircncia que os gramaacuteticos se

tornariam necessariamente lsquoiletradosrsquo

De fato diz-se lsquoletrarsquo de trecircs maneiras para a

forma ou sinal graacutefico para a qualidade deste e

para o seu nome Que nossa investigaccedilatildeo prossiga

por ora enfocando a qualidade (dunamis) porque

eacute a ela principalmente que se referem quando

dizem lsquoletrarsquo

[100] εἰκοσιτεσσάρων τοίνυν στοιχείων

ὄντων τῆς ἐγγραμμάτου φωνῆς τούτων

διττὴν ὑποτίθενται κατὰ τὸ ἀνωτάτω τὴν

φύσιν τὰ μὲν γὰρ αὐτῶν φωνάεντα

προσαγορεύουσι τὰ δὲ σύμφωνα καὶ

φωνάεντα μὲν ἑπτά α ε η ι ο υ ω

σύμφωνα δὲ τὰ λοιπά τῶν δὲ φωναέντων

τρεῖς λέγουσι διαφοράς δύο μὲν γὰρ αὐτῶν

φύσει μακρὰ λέγουσι τυγχάνειν τὸ η καὶ τὸ

ω ἰσάριθμα δὲ βραχέα τὸ ε καὶ τὸ ο τρία δὲ

κοινὰ μήκους τε καὶ βραχύτητος α ι υ ἅπερ

δίχρονα καὶ ὑγρὰ καὶ ἀμφίβολα καὶ

μεταβολικὰ καλοῦσιν

Pois bem vinte e quatro satildeo os elementos que

representam graficamente a fala (engrammatos

phone) e foram divididos no mais alto da escala

em duas classes segundo a natureza a uns

chamam vogais (phonaenta) e a outros

consoantes (sumphona) As vogais satildeo sete α ε

η ι ο υ ω (alfa eacutepsilon eta iota ocircmicron

iacutepsilon ocircmega) as consoantes satildeo as que restam

Entre as vogais existem trecircs diferenccedilas dizem de

duas delas que satildeo longas por natureza - η ω (eta

ocircmega) duas breves ndash ε ο (eacutepsilon ocircmicron) e

trecircs satildeo comuns (koina) a duas qualidades

longura e brevidade - α ι υ (alfa iota iacutepsilon)

Estas uacuteltimas satildeo tambeacutem chamadas de lsquohiacutebridasrsquo

123

(dikhrona) lsquoliacutequidasrsquo (hugra) lsquoambiacuteguasrsquo

(amphibola) e lsquovariaacuteveisrsquo (metabolika)

[101] ἕκαστον γὰρ αὐτῶν πέφυκεν ὁτὲ μὲν

ἐκτείνεσθαι ὁτὲ δὲ συστέλλεσθαι οἷον τὸ μὲν

α ἐπὶ τοῦ

Ἆρες Ἄρες βροτολοιγὲ μιαιφόνε τειχεσιπλῆτα

τὸ δὲ ι

Ἴλιον εἰς ἱερήν τῇ δrsquo ἀντίος ὤρνυτrsquo Ἀπόλλων

τὸ δὲ υ

θεσπέσιον νεφέων ἐκ Διὸς ὗεν ὕδωρ

porque cada uma delas tem a propriedade de ora

alongar-se ora abreviar-se como o α em

Āres Ăres brotoloige miaiphone teikhesipleta

Ares ldquoAres guerreiro dos homens flagelo

eversor de cidadesrdquo

[Iliacuteada V 31 Trad Carlos Alberto Nunes]

Ou o ι em

Īlĭon eis hĭeren tei drsquoantios ornutrsquo Apollon

ldquopara Iacutelio santa Mas do alto de Peacutergamo veio

encontraacute-lardquo

[Il VII 20 Trad Carlos Alberto Nunes]

Ou υ em

thespesion nepheon ek Dios hūen hŭdor

lsquoAacutegua maravilhosa que das nuvens de Zeus

derrama-sersquo [fradespota1169Lloyd-

JonesParsons]

[102] τῶν δὲ συμφώνων τὰ μὲν ἡμίφωνά ἐστι

κατrsquo αὐτοὺς τὰ δὲ ἄφωνα καὶ ἡμίφωνα μὲν

ὅσα διrsquo αὑτῶν ῥοῖζον ἢ σιγμὸν ἢ μυγμὸν ἤ

τινα παραπλήσιον ἦχον κατὰ τὴν ἐκφώνησιν

ἀποτελεῖν πεφυκότα καθάπερ τὸ ζ θ λ μ ν

ξ ρ σ φ χ ψ ἢ ὥς τινες χωρὶς τοῦ θ καὶ φ

καὶ χ τὰ λειπόμενα ὀκτώ ἄφωνα δέ ἐστι τὰ

μήτε συλλαβὰς καθrsquo ἑαυτὰ ποιεῖν δυνάμενα

μήτε ἤχων ἰδιότητας αὐτὸ30 δὲ μόνον μετὰ

τῶν ἄλλων συνεκφωνούμενα καθάπερ β γ δ

κ π τ ἢ ὡς ἔνιοι καὶ τὸ θ φ χ

Entre as consoantes umas satildeo semivocaacutelicas

(hemiphona) segundo eles e outras mudas

(aphona) Agraves semivocaacutelicas eacute natural que na

pronuacutencia ocorra um sibilo assobio ou sussurro

ou um som desse tipo como em ζ θ λ μ ν ξ ρ

σ φ χ ψ (zeta theta lambda mi ni ksi rocirc

sigma phi khi psi) ou dizem alguns

excetuando-se θ φ χ (theta phi khi) as outras

oito restantes As consoantes mudas satildeo as que

natildeo satildeo capazes de formar siacutelaba por si mesmas

nem de soar isoladas mas somente quando

pronunciadas junto com outras satildeo elas β γ δ κ

π τ (beta gamma delta kappa pi tau) ou

como alguns dizem tambeacutem θ φ χ (theta phi

30 Blank ad loc com MS G Por αὐτὰ

124

khi)

[103] καὶ μὴν κοινῶς τῶν συμφώνων πάλιν τὰ

μὲν φύσει δασέα λέγουσι τὰ δὲ ψιλά καὶ

δασέα μὲν θ φ χ ψιλὰ δὲ κ π τ μόνον δέ

φασι τὸ ρ ἐπιδέχεσθαι ἑκάτερον δασύτητα

καὶ ψιλότητα λέγουσι δέ τινα τῶν συμφώνων

καὶ διπλᾶ καθάπερ τὸ ζ ξ ψ συνεστηκέναι

γάρ φασι τὸ μὲν ζ ἐκ τοῦ σ καὶ δ τὸ δὲ ξ ἐκ

τοῦ κ καὶ σ τὸ δὲ ψ ἐκ τοῦ π καὶ σ

E das consoantes em geral dizem tambeacutem que

algumas satildeo por natureza aacutesperas e outras satildeo

simples - as aspiradas θ φ χ (theta phi khi) as

simples κ π τ (kappa pi tau) E dizem que

apenas o ρ (rocirc) admite ambas as qualidades

aacutespera e simples E dizem ainda que dentre as

consoantes algumas satildeo duplas como ζ ξ ψ

(zeta ksi psi) pois satildeo combinaccedilotildees o ζ (zeta)

de σ (sigma) e δ (delta) o ξ (ksi) do κ (kappa) e σ

(sigma) e o ψ (psi) de π (pi) e σ (sigma)

[104] Τούτων δὴ προεστοιχειωμένων φημὶ

πρῶτον μὲν ἀτόπως αὐτοῖς λέγεσθαι τῶν

στοιχείων τινὰ εἶναι διπλᾶ τὸ γὰρ διπλοῦν

σύστημά ἐστιν ἐκ δυοῖν τὸ δὲ στοιχεῖον οὐκ

ἔστι σύστημα ἐκ τινῶν ἁπλοῦν γὰρ ὀφείλει

τυγχάνειν καὶ οὐκ ἐξ ἑτέρων συστατόν οὐκ

ἄρα ἔστι διπλοῦν στοιχεῖον ἄλλως τε εἰ τὰ

συστατικὰ τοῦ διπλοῦ στοιχείου στοιχεῖά

ἐστι τὸ διπλοῦν ἐκ τῶν στοιχείων συνεστὼς

οὐκ ἔσται στοιχεῖον ἀλλὰ μὴν τὰ συστατικὰ

τοῦ διπλοῦ στοιχείου στοιχεῖά ἐστιν οὐκ ἄρα

τὸ διπλοῦν ἐστι στοιχεῖον

Portanto tendo sido apresentados os elementos

primeiro direi que eacute completamente absurdo da

parte deles afirmar que alguns elementos satildeo

duplos porque lsquoduplorsquo eacute o que se compotildee de dois

e lsquoelementorsquo natildeo eacute uma composiccedilatildeo de coisas

porque tem de ser simples e natildeo composto Logo

natildeo existe um lsquoelemento duplorsquo De outra forma

se os componentes do elemento duplo satildeo

elementos o elemento duplo composto de

elementos natildeo seraacute um elemento E de fato os

componentes do elemento duplo satildeo ditos

elementos assim o elemento duplo natildeo eacute um

elemento

[105] Καὶ μὴν ὡς ταῦτα ἀναιρεῖται οὕτω

καὶ τὰ δίχρονα κοινὴν φύσιν μήκους τε καὶ

βραχύτητος ἀξιούμενα ἔχειν εἴπερ γὰρ

τοιαῦτά ἐστιν ἤτοι αὐτὸ τὸ γράμμα κατrsquo ἰδίαν

καὶ ὁ ψιλός εἰ τύχοι τοῦ α 31 χαρακτὴρ

ἐμφανιστικός ἐστι τῆς διχρόνου φύσεως ltἢgt 32 νυνὶ μὲν συστέλλεσθαι νυνὶ δὲ ἐκτείνεσθαι

δυνάμενον 33 τῇ προσῳδίᾳ

Com efeito da mesma maneira como foram

destruiacutedas s estas letras tambeacutem o podem ser as

hiacutebridas que satildeo consideradas como tendo uma

natureza comum a duas qualidades Se de fato satildeo

assim ou a letra mesma sozinha e por si proacutepria

digamos α (alfa) eacute um sinal que expressa a

natureza hiacutebrida ou eacute capaz de alongar-se e

abreviar-se por causa da prosoacutedia

31 Blank ad loc com Blomqvist p 75 ss Supressatildeo de ι υ 32 Blank ad loc com Blomqvist p 75 ss Modificaccedilotildees ltἢgt καὶ

125

[106] ἀλλrsquo ὁ μὲν χαρακτὴρ κατrsquo ἰδίαν οὐκ

ἔστι κοινοῦ φύσει στοιχείου μηνυτικός οὔτε

γὰρ ὅτι μηκύνεται οὔθrsquo ὅτι βραχύνεται οὔθrsquo

ὅτι τὸ συναμφότερον καὶ μηκύνεται καὶ

βραχύνεται ἐμφαίνει ἀλλrsquo ὃν τρόπον ἡ διrsquo

αὐτοῦ συλλαβή καθάπερ εἴρηται ἐπὶ τῆς

Ἆρες λέξεως οὐ χωρὶς τῆς προστιθεμένης

προσῳδίας οὔτrsquo εἰ μακρά ἐστιν οὔτrsquo εἰ

βραχεῖα γινώσκεται οὕτω καὶ τὸ α ι υ κατrsquo

ἰδίαν λαμβανόμενα οὐ κοινὰ ἑκατέρας ἔσται

δυνάμεως ἀλλrsquo οὐδετέρας

Mas o sinal graacutefico por si proacuteprio natildeo eacute

indicativo de um elemento de natureza comum

Pois natildeo manifesta nem que eacute longo nem que eacute

breve tampouco a combinaccedilatildeo de ambos longo e

breve Na verdade como foi dito da palavra

lsquoAresrsquo natildeo se sabe se a siacutelaba por ela mesma eacute

longa ou breve sem aplicar a prosoacutedia Do mesmo

modo tambeacutem α ι υ (alfa iota iacutepsilon) por si

mesmas tomadas natildeo seratildeo comuns a duas

qualidades mas antes a nenhuma

[107] λείπεται οὖν σὺν προσῳδίᾳ λέγειν αὐτὸ

κοινὸν ὑπάρχειν ὃ πάλιν ἐστὶν ἀμήχανον

προσλαμβάνον γὰρ ταύτην ἢ μακρὸν γίνεται

ὅτε ἔστι μακρά ἢ βραχύ ὅτε ἔστι βραχεῖα

κοινὸν δὲ οὐδέποτε οὐκ ἄρα ἔστι φύσει

δίχρονα στοιχεῖα

Faltou entatildeo considerar que existiria como

elemento comum por causa do uso O que mais

uma vez eacute impossiacutevel Pois de acordo com a

prosoacutedia o elemento se torna longo ou breve

jamais vai ser tornar lsquocomumrsquo Logo natildeo existem

elementos hiacutebridos por natureza

[108] εἰ δὲ λέγοιεν κοινὰ φύσει ὑπάρχειν

ταῦτα παρόσον ἐπιδεκτικά ἐστιν ἑκατέρου

μήκους τε καὶ συστολῆς λήσονται σχεδὸν εἰς

τὴν αὐτὴν ἐγκυλισθέντες ἀπορίαν τὸ γὰρ

ἐπιδεκτικόν τινος οὐκ ἔσται ἐκεῖνο τὸ οὗπερ

ἐπιδεκτικόν ἐστιν ὥσπερ γὰρ ὁ χαλκὸς

ἐπιδεκτικὸς μέν ἐστι τοῦ ἀνδριὰς γενέσθαι

οὐκ ἔστι δὲ ἀνδριὰς ἐφrsquo ὅσον ἐπιδεκτικός

ἐστι καὶ ὃν τρόπον τὰ ξύλα ἐπιτήδειον μὲν

ἔχει φύσιν εἰς τὸ ναῦς γενέσθαι οὔπω δὲ ἔστι

ναῦς οὕτω καὶ τὰ τοιαῦτα τῶν στοιχείων

ἐπιδεκτικὰ ltμένgt ἐστι μήκους τε καὶ

συστολῆς οὔτε δὲ μακρά ἐστιν οὔτε βραχέα

οὔθrsquo ἑκάτερον πρὶν ἀπὸ προσῳδίας

ποιωθῆναι

E caso afirmem que elementos comuns existem

por natureza na medida em que satildeo suscetiacuteveis de

ambas as qualidades longura e brevidade

envolver-se-atildeo sem perceberem praticamente na

mesma aporia Pois aquilo que eacute suscetiacutevel de algo

natildeo eacute aquilo de que eacute suscetiacutevel assim como o

bronze eacute suscetiacutevel de transformar-se em estaacutetua

mas natildeo eacute uma estaacutetua Os troncos de aacutervore

possuem natureza suscetiacutevel a moldarem-se em

barco mas natildeo satildeo barco ainda Da mesma forma

os elementos suscetiacuteveis de serem longos ou

breves natildeo satildeo longos nem satildeo breves nem

ambas as coisas antes de serem dotados de tal

qualidade de acordo com a prosoacutedia

33 Blank ad loc com Blomqvist p 75 ss Supressatildeo κοινὸν σὺν

126

[109] πρός γε μὴν τοῖς λεχθεῖσιν ἐναντίον

ἐστὶν ἥ τε βραχύτης καὶ ἡ ἐπέκτασις καὶ οὐ

συνυφίσταται ἀναιρέσει γὰρ τῆς βραχύτητος

ἡ ἐπέκτασις συνίσταται καὶ ἀναιρουμένης

μακρᾶς βραχεῖα γίνεται παρrsquo ἣν αἰτίαν

ἀδύνατον περισπωμένην βραχεῖαν γενέσθαι

διὰ τὸ τῷ περισπασμῷ κατrsquo ἀνάγκην

συνυφίστασθαι τὴν ἐπέκτασιν

Ao que foi dito acrescente-se que breve e longa

satildeo qualidades contraacuterias e natildeo coexistem Pois o

alongamento consiste na destruiccedilatildeo da brevidade

uma breve surge por se destruir uma longa Por

esse motivo eacute que uma breve natildeo recebe acento

circunflexo porque necessariamente acento

circunflexo coexiste com alongamento

[110] διόπερ εἰ φύσει τι δίχρονόν ἐστι

στοιχεῖον ἤτοι ὑφrsquo ἓν περὶ αὐτὸ ἥ τε τῆς

βραχύτητος καὶ ἡ τῆς ἐπεκτάσεως

ὑποστήσεται δύναμις ἢ παρὰ μέρος ἀλλrsquo ὑφrsquo

ἓν μὲν ἀμήχανον περὶ γὰρ τὴν αὐτὴν

ἐκφώνησιν κατὰ τὸ αὐτὸ ἀναιρετικαὶ

ἀλλήλων δυνάμεις οὐκ ἂν ὑποσταῖεν λείπεται

ἄρα παρὰ μέρος ὃ πάλιν ἐστὶν ἀπίθανον ὅτε

γὰρ ἔστι μακρόν τότε οὐκ ἔστι κοινὸν

στοιχεῖον βραχύτητος καὶ μήκους ltἀλλὰ

μακρόν μόνον καὶ ὅτε ἐστὶ βραχὺ οὐκ ἔστι

κοινὸνgt 34 ἀλλὰ βραχὺ μόνον

Assim se o elemento eacute por natureza hiacutebrido as

qualidades de breve e longa subsistem nele ou ao

mesmo tempo ou em separado Mas eacute impossiacutevel

que subsistam ao mesmo tempo porque na

proacutepria pronuacutencia do elemento mesmo qualidades

com forccedilas mutuamente destrutivas natildeo

subsistiriam Portanto resta que subsistam em

separado O que por sua vez eacute implausiacutevel pois

se eacute longo entatildeo natildeo eacute um elemento comum a

duas qualidades longura e brevidade ao

contraacuterio eacute somente longo e se eacute breve natildeo eacute

comum apenas breve

[111] Ὁ δrsquo αὐτὸς τῆς ἐπιχειρήσεως τρόπος

γινέσθω καὶ ἐπὶ τῶν φύσει ψιλῶν ἢ δασέων ἢ

καθrsquo ἑκάτερον κοινῶν ἡμῖν δὲ ἀπόχρη τὸ

γένος τῆς ἐπιχειρήσεως ὑποδεῖξαι

Καὶ μὴν ἐπεὶ ἀνῄρηται τὰ κοινὰ καὶ

δέδεικται τὸ ἐκτείνεσθαι μόνον αὐτὰ ἢ

συστέλλεσθαι ἀκολουθήσει καὶ τὸ δισσὸν

ὑπάρχειν ἕκαστον τὸ μὲν φύσει μακρὸν τὸ δrsquo

αὖ φύσει βραχύ

O mesmo modo de contra-argumentar deve ser

admitido contra as que satildeo ditas por natureza

aspiradas simples ou comuns Basta-nos por ter

indicado o tipo de argumento

E na verdade jaacute que foram destruiacutedas as

comuns e ficou claro que as mesmas satildeo apenas

ou longas ou breves segue-se que de cada uma

haacute duas uma eacute longa por natureza e a outra o

oposto breve por natureza

[112] δισσοῦ οὖν ὄντος τοῦ α καὶ ι καὶ υ

οὐκέτι ἑπτὰ γενήσεται μόνον στοιχεῖα

φωνάεντα ὧν δύο μὲν μακρά τό τε η καὶ τὸ

Portanto se α ι υ (alfa iota iacutepsilon) satildeo duplas

natildeo teremos mais apenas sete elementos como

vogais dois longos ndash η ω (eacuteta ocircmega) dois

34 Blank ad loc

127

ω δύο δὲ βραχέα τό τε ε καὶ τὸ ο τρία δὲ

δίχρονα τό τε α καὶ ι καὶ υ ἀλλὰ τὰ

σύμπαντα δέκα καὶ τούτων τὰ πέντε μὲν

μακρά τό τε η καὶ τὸ ω καὶ τὸ μακρὸν α καὶ ι

καὶ υ ἰσάριθμα δὲ τὰ βραχέα τὸ ο καὶ τὸ ε

καὶ τὸ βραχὺ α καὶ ι καὶ υ

breves ndash ε ο (eacutepsilon ocircmicron) e trecircs hiacutebridos ndash

α ι υ (alfa iota iacutepsilon) mas teremos ao todo

dez cinco dos quais satildeo longos - η ω (eta

ocircmega) e α ι υ (alfa iota iacutepsilon) longos e

cinco breves - ε ο (epsilon ocircmicron) e α ι υ

(alfa iota iacutepsilon) breves

[113] ἀλλrsquo ἐπεὶ οὐ δύο μόνον ὑπειλήφασιν

εἶναι προσῳδίας γραμματικῶν παῖδες τήν τε

μακρὰν καὶ βραχεῖαν ἀλλὰ καὶ ὀξεῖαν

βαρεῖαν περισπωμένην δασεῖαν ψιλήν

ἕκαστον τῶν ὑποδεδειγμένων φωναέντων

ἔχον τινὰ τούτων κατrsquo ἰδίαν προσῳδίαν

γενήσεται στοιχεῖον καὶ ᾧ λόγῳ οὐδὲν ἦν

κοινὸν μήκους τε καὶ βραχύτητος στοιχεῖον

ἀλλrsquo ἢ μακρὸν μόνον ὅτrsquo εἶχε τὴν μακράν ἢ

βραχύ ὅτrsquo εἶχε τὴν βραχεῖαν τῷ αὐτῷ λόγῳ

οὐδὲν ἔσται κοινὸν ὀξύτητος καὶ βαρύτητος

ἀλλrsquo ἢ ὀξὺ μόνον ὅτε προσειλήφει τὴν

ὀξεῖαν ἢ βαρύ ὅτε τὴν βαρεῖαν καὶ ἐπὶ τῶν

ἄλλων τὸ ἀνάλογον ἐπεὶ οὖν τὰ μὲν βραχέα

δύrsquo ὄντα ἀνὰ πέντε ἐπιδέχεται προσῳδίας

βραχεῖαν ὀξεῖαν βαρεῖαν δασεῖαν ψιλήν δέκα

γενήσεται

Poreacutem visto natildeo serem apenas duas as nuances

prosoacutedicas que a classe dos gramaacuteticos assume a

saber longa e breve mas tambeacutem agudo grave

circunflexo aspirado e simples - cada uma das

vogais mencionadas antes realizando-se

prosodicamente com cada um destes traccedilos seraacute

entatildeo um elemento E de acordo com o

argumento natildeo haacute elemento misto breve e longo -

mas somente o longo quando possui o traccedilo

longo e o breve quando possui o traccedilo breve -

pelo mesmo motivo natildeo existiraacute um elemento

misto agudo e grave mas apenas agudo se leva o

acento agudo ou grave se possui o acento grave

e com os outros dar-se-aacute da mesma forma

Portanto jaacute que as breves satildeo duas e admitem ateacute

cinco marcas prosoacutedicas breve aguda grave

aspirada e simples seratildeo na verdade dez

[114] τὰ δὲ μακρὰ πάλιν δύο ὄντα ltἐπεὶgt35 ἐκ

περισσοῦ προσλαμβάνει καὶ τὴν προσῳδίαν

τὴν περισπωμένην (μηκύνεται γὰρ ταῦτα καὶ

ὀξύνεται καὶ βαρύνεται καὶ δασύνεται καὶ

ψιλοῦται καὶ ἰδιαίτερον περισπᾶσθαι πέφυκε)

γενήσεται δώδεκα τὰ δὲ κοινὰ τρία

καθεστῶτα τὰς ἑπτὰ προσῳδίας καθrsquo ἕκαστον

ἐπιδέχεται καὶ ταύτῃ γίνεται εἴκοσι καὶ ἕν

ὥστε πάντα τεσσαράκοντα καὶ τρία

As longas por sua vez tambeacutem satildeo duas mas

como recebem adicionalmente o acento

circunflexo - podem ser com efeito longas

agudas graves aspiradas simples e por sua

caracteriacutestica proacutepria circunflexas - tornar-se-atildeo

portanto doze E as trecircs vogais ditas comuns

podem receber cada uma sete marcas prosoacutedicas

Dessa forma acabam por ser vinte e uma Assim

no total satildeo quarenta e trecircs98 Somando-se a estas

35 Blank ad loc com Giusta p 431 Por Hervetus ltεἰgt

128

τυγχάνειν οἷς τῶν δεκαεπτὰ συμφώνων

προστιθεμένων ἑξήκοντα γίνεσθαι στοιχεῖα

ἀλλrsquo οὐκ εἰκοσιτέσσαρα

as dezessete consoantes teremos sessenta

elementos e natildeo vinte e quatro99

[115] Ἔστι δὲ καὶ ἕτερος λόγος καθrsquo ὃν

ἀξιοῦται διαφόρως τὰ φωνάεντα πάλιν

στοιχεῖα ἐλάσσονα εἶναι τῶν παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς θρυλουμένων ἑπτά εἰ γὰρ τὸ α

κατrsquo αὐτοὺς ἐκτεινόμενον καὶ συστελλόμενον

οὐχ ἕτερόν ἐστι στοιχεῖον ἀλλrsquo ἓν κοινόν

ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ ι καὶ τὸ υ ἀκολουθήσει

καὶ τὸ ε καὶ τὸ η ἓν εἶναι στοιχεῖον κατὰ τὴν

αὐτὴν δύναμιν κοινόν ἡ γὰρ αὐτὴ δύναμις

ἐπrsquo ἀμφοτέρων ἐστί καὶ συσταλὲν μὲν τὸ η

γίνεται ε ἐκταθὲν δὲ τὸ ε γίνεται η κατὰ δὲ

τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τὸ ο καὶ τὸ ω 36 μία

στοιχείου γενήσεται φύσις κοινή ἐκτάσει καὶ

συστολῇ διαφέρουσα ἐπείπερ τὸ μὲν ω

μακρόν ἐστιν [τὸ] ο τὸ δὲ ο βραχύ ἐστιν ω

Haacute ainda um outro argumento segundo o qual

as vogais satildeo diferentemente valoradas e desta

vez somam menos elementos do que os sete

alardeados pelos gramaacuteticos Pois se o α (alfa)

conforme eles dizem natildeo eacute separado um longo

outro breve mas um uacutenico elemento comum dar-

se-ia exatamente o mesmo com ι e υ (iota

iacutepsilon) Mas assim tambeacutem ε e η (epsilon eacuteta)

seriam um soacute elemento com a mesma qualidade -

porque a mesma qualidade existe em ambos

abreviando o η (eta) torna-se ε (epsilon)

alongando o ε (epsilon) torna-se η (eacuteta) Do

mesmo modo tambeacutem ο e ω (ocircmicron ocircmega)

teratildeo uma soacute natureza comum diferindo quando eacute

breve ou longo visto que ω (ocircmega) eacute um ο

(ocircmicron) longo enquanto o ο (ocircmicron) eacute um ω

(ocircmega) breve

[116] τυφλώττουσιν οὖν οἱ γραμματικοὶ καὶ

τὸ ἀκόλουθον αὑτοῖς οὐ συνορῶσι λέγοντες

ἑπτὰ φωνάεντα τυγχάνειν πέντε μόνων ὄντων

πρὸς τὴν φύσιν

Καὶ ἀναστρόφως ἔσεσθαί τινά φασιν ἔνιοι

τῶν φιλοσόφων πλείονα στοιχεῖα διάφορον

ἔχοντα δύναμιν τῶν συνήθως παραδιδομένων

οἷον καὶ τὸ αι καὶ τὸ ου καὶ πᾶν ὃ τῆς ὁμοίας

ἐστὶ φύσεως τὸ γὰρ στοιχεῖον κριτέον

μάλιστα ὅτι στοιχεῖόν ἐστιν ἐκ τοῦ

ἀσύνθετον καὶ μονόποιον ἔχειν φθόγγον οἷός

ἐστιν ὁ τοῦ α καὶ ε καὶ ο καὶ τῶν λοιπῶν

Portanto os gramaacuteticos estatildeo completamente

cegos e natildeo enxergam as consequecircncias de suas

colocaccedilotildees ao dizerem que as vogais satildeo sete

quando satildeo apenas cinco por natureza

E de modo contraacuterio alguns filoacutesofos dizem

existir mesmo mais alguns elementos que

possuem qualidades diferentes das que lhes satildeo

comumente conferidas como o αι e o ου e todo

elemento de natureza semelhante Pois um

elemento deve ser julgado primeiramente porque

eacute um elemento ou seja por ter um som de

qualidade uacutenica e natildeo composta tal como α ε ο

36 Natildeo seguimos a modificaccedilatildeo de Blank ad loc com Giusta p 431 para καὶ τοῦ ο καὶ τοῦ ω

129

(alfa eacutepsilon ocircmicron) e os demais

[117] ἐπεὶ οὖν ὁ τοῦ αι καὶ ει φθόγγος ἁπλοῦς

ἐστι καὶ μονοειδής ἔσται καὶ ταῦτα στοιχεῖα

τεκμήριον δὲ τῆς ἁπλότητος καὶ μονοειδείας

τὸ λεχθησόμενον ὁ μὲν γὰρ σύνθετος

φθόγγος οὐχ οἷος ἀπrsquo ἀρχῆς προσπίπτει τῇ

αἰσθήσει τοιοῦτος ἄχρι τέλους παραμένειν

πέφυκεν ἀλλὰ κατὰ παράτασιν ἑτεροιοῦται ὁ

δὲ ἁπλοῦς καὶ ὄντως τοῦ στοιχείου λόγον

ἔχων τοὐναντίον ἀπrsquo ἀρχῆς μέχρι τέλους

ἀμετάβολός ἐστιν οἷον τοῦ μὲν ρα φθόγγου

ἐν παρατάσει προφερομένου δῆλον ὡς οὐχ

ὡσαύτως αὐτοῦ κατὰ τὴν πρώτην

πρόltςgtπτωσιν ἀντιλήψεται ἡ αἴσθησις καὶ

κατὰ τὴν τελευταίαν ἀλλὰ κατrsquo ἀρχὰς μὲν

ὑπὸ τῆς ρ ἐκφωνήσεως κινηθήσεται μεταῦθις

δὲ ἐξαφανισθείσης αὐτῆς εἰλικρινοῦς τῆς τοῦ

α δυνάμεως ποιήσεται τὴν ἀντίληψιν ὅθεν

οὐκ ἂν εἴη στοιχεῖον τὸ ρα καὶ πᾶν τὸ ἐοικὸς

αὐτῷ

Portanto jaacute que αι e ει satildeo sons simples e

uniformes tambeacutem eles seriam elementos

Daremos prova da simplicidade e uniformidade

num som composto a sensaccedilatildeo produzida no

comeccedilo natildeo se estende do comeccedilo ao fim tal como

se originou poreacutem modifica-se conforme avanccedila

enquanto o que eacute simples tem exatamente a loacutegica

contraacuteria eacute imutaacutevel do princiacutepio ao fim Por

exemplo o som ρα (ra) pronunciado

continuamente eacute evidente que a sensaccedilatildeo do

primeiro impacto e do uacuteltimo natildeo satildeo percebidas

como a mesma mas no comeccedilo imprime-se a do

som de ρ e entatildeo sumindo esta a percepccedilatildeo que

se produz eacute a da qualidade do som do α (alfa) sem

mistura Portanto natildeo pode ser dito nem de ρα

nem de outro que for como ele que eacute um

elemento

[118] εἰ δὲ τὸν τοῦ αι φθόγγον λέγοιεν οὐδὲν

ἔσται τοιοῦτον ἀλλrsquo οἷον ἀπrsquo ἀρχῆς

ἐξακούεται ltτὸgt τῆς φωνῆς ἰδίωμα τοιοῦτον

καὶ ἐπὶ τέλει ὥστε στοιχεῖον ἔσται τὸ αι

τούτου δὲ οὕτως ἔχοντος ἐπεὶ καὶ ὁ τοῦ ει

φθόγγος καὶ ὁ τοῦ ου μονοειδὴς καὶ

ἀσύνθετος καὶ ἀμετάβολος ἐξ ἀρχῆς ἄχρι

τέλους λαμβάνεται ἔσται καὶ οὗτος

στοιχεῖον

Mas ao falarmos do som de αι natildeo se diria nada

disto ao contraacuterio do princiacutepio ao fim o que se

escuta eacute o mesmo som caracteriacutestico Pois bem de

acordo com isto o αι seraacute um elemento E sendo

assim com ele jaacute que tambeacutem os sons de ει e ου

satildeo percebidos de forma uniforme natildeo compostos

e imutaacuteveis do princiacutepio ao fim tambeacutem estes

seratildeo elementos

[119] Ἀλλὰ ἀφέμενοί γε ταύτης τῆς

ζητήσεως ἐκεῖνο ἂν λέγοιμεν ὃ μᾶλλον

δύναται θλίβειν τοὺς γραμματικούς εἰ γὰρ

κοινὰ λέγεται στοιχεῖα τρία α ι υ διὰ τὸ

Mas deixando de lado esta questatildeo podemos

dizer algo que eacute capaz de pesar ainda mais sobre

os gramaacuteticos Se os elementos comuns satildeo trecircs α

ι υ (alfa iota iacutepsilon) porque podem receber a

130

ἐπιδεκτικὰ τυγχάνειν μήκους τε καὶ

συστολῆς ἀκολουθήσει πᾶν στοιχεῖον κοινὸν

εἶναι λέγειν ἐπιδεκτικὸν γάρ ἐστι τῶν

τεσσάρων προσῳδιῶν βαρύτητος ὀξύτητος

ψιλότητος δασύτητος ἢ εἴπερ οὐχ

ὑπομένουσι πᾶν στοιχεῖον κοινὸν εἶναι λέγειν

μηδrsquo ἐκεῖνα λεγέτωσαν κοινὰ παρόσον

ἐκτάσεως καὶ συστολῆς ἐστὶν ἐπιδεκτικά

qualidade de breves ou longos consequentemente

todo elemento seraacute dito comum pois pode receber

as quatro marcas de prosoacutedia agudo grave

simples e aspirado Mas se eles natildeo consentem

que se diga que todo elemento eacute comum

tampouco lhes seraacute permitido dizer que aqueles o

satildeo por serem suscetiacuteveis de longura e brevidade

[120] Ἤρκει μὲν οὖν ἠπορημένων τῶν

στοιχείων τῆς γραμματικῆς πέρας

ἐπιτεθεικέναι τῇ ζητήσει τίς γὰρ ἀπολείπεται

λόγος περὶ τῶν μετὰ τὰς ἀρχὰς τοῖς τὰς ἀρχὰς

οὐκ ἔχουσι γραμματικοῖς ὅμως δrsquo οὖν

ἐνδοτέρω προχωροῦντας οὐκ ἔστιν ἀλλότριον

κἀκείνων δείγματος χάριν ἀποπειραθῆναι καὶ

ἐπεὶ ἐκ στοιχείων αἱ συλλαβαί εἰσι ltτὰgt περὶ

τούτων ἐπισυνάπτωμεν

Poderiacuteamos nos dar por satisfeitos em ter

demonstrado que a concepccedilatildeo dos elementos eacute

aporeacutetica e pocircr termo agrave investigaccedilatildeo Pois qual

argumento para o que vem depois dos princiacutepios

resta aos gramaacuteticos agora que natildeo possuem mais

os princiacutepios Contudo tendo adentrado tanto

neste assunto natildeo eacute irrelevante que se ponham

tambeacutem agrave prova os outros a tiacutetulo de exemplo E

jaacute que de elementos satildeo feitas as siacutelabas

agreguemos argumentos sobre elas

Περὶ συλλαβῆς

[121] Πᾶσα οὖν συλλαβὴ ἢ μακρά ἐστιν ἢ

βραχεῖα μακρὰ δὲ γίνεται φασί διχῶς φύσει

τε καὶ θέσει φύσει μὲν τριχῶς ἢ ὅταν ἔχῃ

στοιχεῖον φύσει μακρὸν ὡς ἐπὶ τῆς ἠώς

λέξεως ἑκατέρα γὰρ τούτων τῶν συλλαβῶν

ἐστι μακρὰ διὰ τὸ τὴν μὲν τὸ η τὴν δὲ τὸ ω

φύσει ἔχειν μακρόν ἢ ὅταν ἐκ δυοῖν

φωναέντων συνεστήκῃ ὡς ἐπὶ τῆς αἰεί

λέξεως αἱ γὰρ δύο συλλαβαὶ μακραὶ τῷ

ἑκατέραν ἐκ δυοῖν φωναέντων ὑπάρχειν ἢ

ὅταν κοινὸν ἔχῃ τὸ στοιχεῖον μακροτόνως

παρειλημμένον ὡς ἐπὶ τῆς Ἆρες 37 τὸ γὰρ α

δίχρονον νῦν μακροτόνως ἐκφέρεται

Sobre a siacutelaba

Pois bem toda siacutelaba ou eacute longa ou eacute breve Eacute

longa dizem de duas formas ou por natureza ou

por posiccedilatildeo Por natureza de trecircs formas ou

quando conteacutem um elemento por natureza longo

como na palavra ἠώς (ēōs) onde cada uma das

siacutelabas eacute longa porque uma conteacutem o η (eta) e a

outra o ω (ocircmega) ambos longos por natureza Ou

eacute longa quando consiste de duas vogais como na

palavra αἰεί (aiei) pois as duas siacutelabas satildeo longas

existindo em cada uma duas vogais Ou eacute longa

quando possui um elemento misto que se produz

como longo como na palavra Āres onde o α

hiacutebrido eacute pronunciado longo

37 Blank ad loc ldquoEsta leitura faz mais sentido no contexto que o Ἄρης dos MSS ausente do verso homeacuterico citado em 101 acimardquo

131

[122] οὐκοῦν φύσει τριχῶς μηκύνεται

συλλαβή θέσει δὲ πενταχῶς ἤτοι ὅταν εἰς

σύμφωνα τῶν ἁπλῶν λήγῃ δύο ἢ ὅταν ἡ μετrsquo

αὐτὴν συλλαβὴ ἀπὸ συμφώνων δύο ἄρχηται

ἢ ὅταν εἰς σύμφωνον λήγῃ καὶ ἀπὸ συμφώνου

ἡ ἑξῆς ἄρχηται ἢ ὅταν εἰς διπλοῦν λήγῃ

στοιχεῖον ἢ ὅταν μετrsquo αὐτὴν διπλοῦν

ἐπιφέρηται

Portanto por natureza a siacutelaba eacute longa de trecircs

formas mas por posiccedilatildeo satildeo cinco formas

quando termina em duas consoantes simples

quando a siacutelaba seguinte comeccedila com duas

consoantes ou quando termina em consoante e a

siacutelaba seguinte comeccedila em consoante ou quando

termina em consoante dupla ou quando depois

dela vem uma consoante dupla

[123] εἰ δὴ πᾶσα συλλαβὴ ἤτοι μακρά ἐστιν ἢ

βραχεῖα κατὰ τοὺς ὑποδεδειγμένους τῆς

τεχνολογίας τρόπους ἐὰν παραστήσωμεν

μηδετέραν οὖσαν αὐτῶν δῆλον ὡς οὐδὲ λέξιν

ἕξουσιν οἱ γραμματικοί καθὰ γὰρ τῶν

στοιχείων ἀναιρουμένων συναναιροῦνται καὶ

αἱ συλλαβαί οὕτω καὶ τῶν συλλαβῶν μὴ

οὐσῶν οὔτε αἱ λέξεις γενήσονται οὔτε κοινῶς

τὰ τοῦ λόγου μέρη διὰ δὲ τοῦτrsquo οὐδὲ λόγος

E com efeito se toda siacutelaba ou eacute longa ou eacute breve

de acordo com os modos indicados nos tratados

teacutecnicos (tekhnologiai) entatildeo ao mostrarmos que

nenhuma delas existe eacute evidente que os

gramaacuteticos tambeacutem perdem a lsquopalavrarsquo (leksis)

pois ao serem destruiacutedos os elementos destroem-

se junto as siacutelabas e natildeo existindo siacutelabas

tampouco teremos palavras ou partes da sentenccedila

em geral e por isso tambeacutem natildeo teremos a

proacutepria sentenccedila

[124] Ἵνrsquo οὖν ᾖ τις βραχεῖα συλλαβή δεῖ

προωμολογῆσθαι ὅτι ἐλάχιστος καὶ βραχὺς

ἔστι χρόνος ἐν ᾧ ὑφίσταται οὐκ ἔστι δὲ

ἐλάχιστος χρόνος πᾶς γὰρ εἰς ἄπειρον

τέμνεται ὡς ἐν τοῖς ὕστερον δείξομεν εἰ δὲ

εἰς ἄπειρον τέμνεται οὐκ ἔστιν ἐλάχιστος

οὐκ ἄρα ἔσται βραχεῖα συλλαβὴ βραχὺν

ἔχουσα χρόνον εἰ δὲ λέγοιεν νῦν βραχεῖαν

καλεῖν καὶ ἐλαχίστην συλλαβὴν οὐ τὴν πρὸς

φύσιν ἐλαχίστην οὖσαν ἀλλὰ τὴν πρὸς

αἴσθησιν ἑαυτοῖς προσαύξουσι τὴν ἀπορίαν

O fato eacute que para que haja siacutelaba breve deve-se

concordar previamente que existe tempo breve e

miacutenimo no qual ela subsiste E natildeo existe o tempo

miacutenimo pois todo tempo eacute divisiacutevel ao infinito100

como demonstraremos depois E se o tempo eacute

divisiacutevel ao infinito o tempo miacutenimo natildeo existe

Conclui-se assim que natildeo haveraacute siacutelaba breve de

tempo breve Se disserem entatildeo que a chamam

breve e miacutenima natildeo por ser por natureza a

miacutenima mas pela sensaccedilatildeo (aisthesis) que causa

estaratildeo agravando a aporia para si mesmos

[125] τὰς γὰρ λεγομένας παρrsquo αὐτοῖς

βραχείας συλλαβὰς εὑρήσομεν ὡς πρὸς

αἴσθησιν μεριστάς οἷον τὴν ερ αἰσθητῶς γὰρ

ἐπιβάλλομεν ἐπrsquo αὐτῆς ὅτι προεκφωνεῖται τῆς

Com efeito descobriremos que as siacutelabas que eles

dizem ser breves datildeo a sensaccedilatildeo de serem

divididas como a siacutelaba ερ pois a sensaccedilatildeo que

temos neste caso eacute que a qualidade de ε eacute

132

τοῦ ρ δυνάμεως ἡ τοῦ ε δύναμις καὶ

ἐναλλάξαντες εἰ λέγοιμεν ρε πάλιν

ἀντιληψόμεθα ὅτι πρώτη μέν ἐστι κατὰ τὴν

τάξιν ἡ τοῦ ρ δύναμις δευτέρα δὲ ἡ τοῦ ε

pronunciada antes do ρ E ao dizer ρε invertendo

tambeacutem teremos a sensaccedilatildeo de que em ordem

primeiro vem a qualidade de ρ e por segundo a

de ε

[126] ἐπεὶ οὖν πᾶν ὃ πρῶτον καὶ δεύτερον

μέρος ἔχει πρὸς αἴσθησιν οὐκ ἔστιν

ἐλάχιστον πρὸς αἴσθησιν φαίνεται δὲ ἡ κατὰ

τοὺς γραμματικοὺς βραχεῖα συλλαβὴ πρῶτον

καὶ δεύτερον ἔχουσα οὐκ ἂν εἴη πρὸς

αἴσθησιν ἐλαχίστη καὶ βραχεῖα συλλαβή

μουσικοὶ μὲν γὰρ ἴσως ἀλόγους τινὰς χρόνους

καὶ φωνῶν παραυξήσεις δυνήσονται

ἀπολιπεῖν τοῖς δὲ μὴ χωροῦσι τὸ τοιοῦτον

βάθος γραμματικοῖς τῆς ἀπειρίας ἀλλὰ

αὐτὸ38 μόνον εἰς βραχεῖαν καὶ μακρὰν

διαιρουμένοις τὴν γενικὴν συλλαβήν οὐκ

ἔστι συγγνωμονεῖν δίκαιον οὐκοῦν

ἀνυπόστατός ἐστιν ἡ βραχεῖα συλλαβή

Portanto jaacute que tudo que daacute a sensaccedilatildeo de ter

primeira e segunda partes natildeo daacute a sensaccedilatildeo de

ser lsquomiacutenimorsquo logo a siacutelaba que os gramaacuteticos

dizem ser breve como tem primeira e segunda

partes natildeo seria miacutenima e breve pela sensaccedilatildeo que

causa Eacute ateacute possiacutevel que os que satildeo muacutesicos

cheguem a considerar divisotildees natildeo racionais do

tempo e ampliaccedilotildees progressivas do som Mas os

gramaacuteticos natildeo costumam ir tatildeo longe na

infinitude e somente distinguem a siacutelaba de modo

geral em longa e breve portanto natildeo merecem esta

desculpa De forma que a siacutelaba breve de fato eacute

insubsistente

[127] Καὶ μὴν ἡ μακρὰ πάλιν ἔσται

ἀνύπαρκτος δίχρονον μὲν γὰρ αὐτὴν εἶναι

λέγουσι δύο δὲ χρόνοι οὐ συνυπάρχουσιν

ἀλλήλοις εἰ γὰρ δύο εἰσί τούτῳ διορίζονται

ὅτι εἰσὶ δύο τῷ τὸν μὲν ἐνεστηκέναι τὸν δὲ

μή εἰ δὲ ὃς μὲν ἐνέστηκεν ὃς δὲ οὐκ

ἐνέστηκεν οὐ συνυπάρχουσιν ἀλλήλοις

E certamente tambeacutem a siacutelaba longa mais

uma vez seraacute inexistente Dizem que ela possui

dois tempos mas dois tempos natildeo coexistem um

com o outro Pois se satildeo dois entatildeo diferenciam-

se como dois um existe no momento presente e o

outro natildeo E se um existe agora e o outro natildeo natildeo

coexistem um e outro

[128] διόπερ καὶ ἡ μακρὰ συλλαβὴ εἴπερ ἐστὶ

δίχρονος ὀφείλει ὅτε μὲν αὐτῆς ἐνέστηκεν ὁ

πρῶτος χρόνος τότε ὁ δεύτερος μὴ

ἐνεστηκέναι καὶ ὅτε ὁ δεύτερος ἐνίσταται

τότε ὁ πρῶτος μηκέτι εἶναι ἀσυνυπάρκτων δὲ

αὐτῆς ὄντων τῶν μερῶν ὅλη μὲν οὐχ

ὑφέστηκε μέρος δέ τι αὐτῆς ἀλλὰ τό γε

Logo a siacutelaba longa se possui dois tempos tem

de ser assim quando seu primeiro tempo estaacute

existindo entatildeo ainda natildeo existe o segundo e

quando o segundo tempo passa a existir entatildeo o

primeiro natildeo existe mais Se as partes dela natildeo

coexistem entatildeo o todo natildeo chega a existir

somente uma parte dela existe Poreacutem eacute fato uma

38 Blank ad loc segue Harder e natildeo suprime [αὐτὸ]

133

μέρος αὐτῆς οὐκ ἦν αὐτή ἐπεὶ οὐ διοίσει τῆς

βραχείας ἡ μακρὰ συλλαβή οὐκ ἄρα οὐδὲ

μακρά τις ἔστι συλλαβή

parte dela natildeo eacute ela mesma visto que dessa

forma natildeo se diferenciaraacute a siacutelaba longa da siacutelaba

breve Logo natildeo existe uma siacutelaba longa

[129] εἰ δὲ λέγοιεν κατὰ συμμνημόνευσιν

νοεῖσθαι μακρὰν συλλαβήν (τοῦ γὰρ

προλεχθέντος φθόγγου μνημονεύοντες καὶ

τοῦ νῦν λεγομένου ἀντιλαμβανόμενοι τὸ ἐξ

ἀμφοτέρων συντιθέμενον μακρὰν

ἐνενοήσαμεν συλλαβήν) ndash εἰ δὴ τοῦτο

λέγοιεν οὐδὲν ἄλλο ἢ ἀνυπόστατον

ὁμολογήσουσιν εἶναι τὴν τοιαύτην συλλαβήν

E se disserem que se concebe a siacutelaba longa por

lsquomemoacuteria conjuntarsquo (summnemoneusis)101 minus ou

seja pela combinaccedilatildeo entre a lembranccedila do som

receacutem percebido somada agrave percepccedilatildeo do som atual

ndash de fato se dizem isso natildeo estariam senatildeo

concordando que a siacutelaba longa eacute insubsistente

[130] εἰ γὰρ ὑφέστηκεν ἤτοι ἐν τῷ

προαναφωνουμένῳ φθόγγῳ ὑφέστηκεν ἢ ἐν

τῷ ἐπαναφωνουμένῳ οὔτε δὲ ἐν τῷ

προαναφωνουμένῳ οὔτε ἐν τῷ

ἐπαναφωνουμένῳ ἑκάτερος γὰρ αὐτῶν κατrsquo

ἰδίαν μὴ ὑφεστὼς οὐδὲ τὴν ἀρχὴν συλλαβή

ἐστιν ὥστε οὐδὲ ὑφέστηκεν ὑφεστῶσα δὲ

βραχεῖά ἐστιν ἀλλrsquo οὐ μακρὰ συλλαβή οὔτε

δὲ ἐν ἀμφοτέροις ὁ γὰρ ἕτερος αὐτῶν τοῦ

ἑτέρου ὑφεστῶτος οὐχ ὑφέστηκεν ἐκ δὲ τοῦ

ὑπάρχοντος καὶ μὴ ὑπάρχοντος οὐδὲν ἔστιν

ἐπινοῆσαι συγκείμενον ὡς ἐκ μερῶν οὐκ ἄρα

ἔστι τις μακρὰ συλλαβή

Porque se ela subsiste ou subsiste no primeiro

som que foi pronunciado ou no que seraacute

pronunciado em seguida Mas natildeo subsiste nem no

primeiro som e nem no som seguinte pois se

nenhum deles subsiste por si mesmo

separadamente por princiacutepio nem mesmo eacute uma

siacutelaba Assim tampouco chega a subsistir e

subsistindo seria uma siacutelaba breve e natildeo longa

Tampouco subsiste em ambos os sons pois para

cada um deles subsistindo um natildeo subsiste o

outro - e natildeo eacute possiacutevel conceber algo cujas partes

consistam no existente e natildeo-existente102 Logo

natildeo existe algo como a siacutelaba longa

[131] Ἀνάλογον δὲ τούτοις ἐστὶ καὶ τὰ περὶ

λέξεως καὶ τῶν τοῦ λόγου μερῶν ἀπορεῖσθαι

ὀφείλοντα πρῶτον μὲν γάρ ὡς μικρῷ

πρότερον ὑπεδείκνυμεν μὴ οὔσης συλλαβῆς

μηδὲ λέξιν εἶναι δυνατόν ἐκ συλλαβῶν γὰρ

αἱ λέξεις λαμβάνουσι τὴν ὑπόστασιν εἶτα καὶ

κατὰ τὴν αὐτὴν ἔφοδον ἐξέσται

προηγουμένως ἐπrsquo αὐτῆς τῆς λέξεως τὰς

αὐτὰς χειρίζειν ἀπορίας ἢ γὰρ συλλαβή ἐστιν

As aporias que devem ser reveladas acerca da

palavra e das partes da sentenccedila se datildeo de modo

anaacutelogo agrave argumentaccedilatildeo anterior Pois em

primeiro lugar como haacute pouco demonstramos

natildeo existindo a siacutelaba tampouco eacute possiacutevel que

exista a palavra porque as palavras se formam das

siacutelabas Em segundo lugar seguindo o mesmo

caminho apontam-se as mesmas aporias

concernentes agrave palavra mesmo Pois ou a palavra eacute

134

ἢ ἐκ συλλαβῶν συνέστηκεν ὅπως δrsquo ἂν ἔχῃ

τὰς ἐκκειμένας ἡμῖν ἐπὶ τῆς συλλαβῆς

ἀπορίας ἐπιδέξεται

uma siacutelaba ou se constitui de siacutelabas assim de

uma forma ou de outra estaacute sujeita agraves aporias

expostas em relaccedilatildeo agraves siacutelabas

[132] ἀλλrsquo ὅμως ἵνα μὴ καινοτέρων ἐλέγχων

ἀπορεῖν δοκῶμεν προσφωνητέον τι κἀνταῦθα

τοῖς γραμματικοῖς

Ὅταν γὰρ μέρη τινὰ λόγου καλῶσιν οἷον

ὄνομα ῥῆμα ἄρθρον καὶ τὰ λοιπά πόθεν

λαβόντες ἤτοι γὰρ ταῦτα ὅλον τὸν λόγον

καλοῦσιν ἢ ταῦτα μέρη ἐκείνου μήτε δrsquo

ἐκείνου ὡς ὅλου νοεῖσθαι δυναμένου μήτε

τούτων ὡς μερῶν ἐκείνου ltgt λαμβανέσθω

δὲ τὰ εἰς τὴν ὑπόθεσιν παραδείγματα ὡς μὴ

ἀπῶμεν τῶν τῆς γραμματικῆς θεωρημάτων

Mas mesmo assim para natildeo parecer que seria um

problema encontrar novos argumentos para a

refutaccedilatildeo tambeacutem aqui lanccedilaremos algo aos

gramaacuteticos

Pois bem quando chamam certas coisas de

partes da sentenccedila103 por exemplo nome

(onoma) verbo (rema) artigo (arthron) e as

outras104 de onde as tiram105 De fato ou as

chamam de lsquosentenccedilarsquo como um todo ou de

lsquopartes da sentenccedilarsquo mas nem eacute possiacutevel conceber

a sentenccedila como um todo nem estas coisas como

se fossem suas partes Consideremos no entanto

os exemplos que sustentam sua posiccedilatildeo de forma

a natildeo nos afastarmos dos teoremas da proacutepria

gramaacutetica106

[133] ἔστω τοίνυν ὑποθέσεως χάριν λόγος μὲν

ὁ σύμπας οὗτος ὁ στίχος

μῆνιν ἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆος

μέρη δὲ αὐτοῦ ταῦτα τό τε μῆνιν προσηγορία

καθεστώς καὶ τὸ ἄειδε ῥῆμα προστακτικόν

καὶ τὸ θεά προσηγορία πάλιν θηλυκή καὶ τὸ

Πηληιάδεω ὄνομα πατρωνυμικόν πρὸς δὲ

τούτοις καὶ τὸ Ἀχιλῆος ὄνομα κύριον

Vamos supor entatildeo a tiacutetulo de exemplo que o

todo eacute o verso a seguir

menin aeide thea Peleiadeo Akhileos

ldquoCanta-me a coacutelera ndash oacute deusa - funesta de

Aquiles Pelidardquo

[Il I 1 Trad Carlos Alberto Nunes]

e estas suas partes

menin um nome geneacuterico (prosegoria)

aeide um verbo no imperativo

thea de novo um nome geneacuterico feminino

Peleiadeo um nome patroniacutemico

e junto a estes tambeacutem

Akhileos um nome proacuteprio (onoma kurion)

[134] οὐκοῦν ἤτοι ἄλλο τί ἐστιν ὁ λόγος παρὰ

τὰ μέρη αὐτοῦ καὶ ἄλλα τὰ μέρη παρὰ τὸν

Pois bem ou a sentenccedila eacute algo distinto de suas

partes e suas partes satildeo algo distinto dela mesma

135

λόγον ἢ τὸ ἄθροισμα τῶν μερῶν ὁ λόγος

ὑπείληπται καὶ εἰ μὲν ἄλλο τι τῶν μερῶν

ἐστιν ὁ λόγος αἰρομένων δηλονότι τῶν

ἐκκειμένων τοῦ λόγου μερῶν ὑπολειφθήσεται

ὁ λόγος τοσοῦτον δὲ ἀπέχει ὁ προειρημένος

στίχος τοῦ μένειν πάντων αἰρομένων αὐτοῦ

τῶν μερῶν ὡς κἂν ἓν ὁδηποτοῦν αὐτοῦ

μέρος ἀνέλωμεν οἷον τὸ μῆνιν ἢ τὸ ἄειδε

μηκέτι στίχος ὑπάρχειν

ou assume-se que o conjunto das partes eacute a

sentenccedila E se a sentenccedila eacute algo distinto de suas

partes retiradas as partes estabelecidas

obviamente a sentenccedila deveraacute entatildeo permanecer

Mas o verso acima mencionado estaacute longe de

permanecer se as partes forem todas retiradas

mesmo se removecircssemos uma soacute parte dele tal

como menin ou aeide o verso natildeo mais existiria

[135] εἰ δὲ τὸ ἄθροισμα τῶν τοῦ λόγου μερῶν

νοεῖται λόγος τῷ μηδὲν εἶναι τὸν ἀθροισμὸν

παρὰ τὰ ἠθροισμένα καθάπερ καὶ τὸ

διάστημα παρὰ τὰ διεστηκότα οὐδὲν ὑπάρξει

ὁ λόγος οὗ νοηθήσεταί τινα μέρη μηδενὸς δὲ

ὄντος ὅλου λόγου οὐδὲ μέρη τινὰ τούτου

γενήσεται ὥσπερ οὖν εἰ μηδὲν ἔστιν

ἀριστερόν οὐδὲ δεξιὸν ἔστιν οὕτως εἰ μὴ

ἔστι τι ὅλον λόγος οὐδὲ τὰ μέρη ὑπάρξει

Por outro lado se o conjunto das partes da

sentenccedila eacute concebido como a sentenccedila pelo fato

de natildeo existir o conjunto sem as coisas que estatildeo

conjuntas (assim como a distacircncia natildeo existe sem

as coisas que estatildeo distantes) a sentenccedila

concebida como suas partes natildeo eacute nada Se a

sentenccedila inteira natildeo eacute nada tampouco alguma

parte sua seraacute De fato da mesma maneira que se

natildeo existe esquerda natildeo existe direita assim

tambeacutem se a sentenccedila natildeo existe como algo

inteiro tampouco as partes existiratildeo

[136] καθόλου τε εἰ τὸν ἀθροισμὸν τῶν τοῦ

λόγου μερῶν ὅλον ἡγήσονται λόγον

ἀκολουθήσει αὐτοῖς τὰ μέρη τοῦ λόγου

ἀλλήλων λέγειν εἶναι μέρη εἰ γὰρ μηδὲν

ὑπόκειται ὅλον παρrsquo αὐτὰ οὗ γενήσεται μέρη

ἀλλήλων ἔσται μέρη τοῦτο δὲ ὡς ἔστιν

ἀλογώτατον σκοπῶμεν

Em geral se o conjunto das partes da sentenccedila for

considerado a sentenccedila como um todo isso traraacute a

consequecircncia de que as partes da sentenccedila seriam

partes de suas partes Pois se aleacutem delas natildeo se

estabelece um todo do qual venham a ser partes

seratildeo partes umas das outras Vejamos o quatildeo

iloacutegico eacute isto

[137] τὰ γὰρ μέρη πάντως ἐμπεριέχεται

ἐκείνοις τοῖς ὧν λέγεται μέρη ἴδιον τόπον

ἐπέχοντα καὶ ἰδίαν ὑπόστασιν ἔχοντα ἐν

ἀλλήλοις δὲ οὐκ ἐμπεριέχεται οἷον ἀνθρώπου

μὲν μέρη χεῖρες καθεστᾶσι χειρῶν δὲ

δάκτυλοι καὶ δακτύλων ὄνυχες διόπερ ἐν μὲν

As partes estatildeo incluiacutedas naquilo de que satildeo ditas

partes ocupam seu lugar proacuteprio e subsistem

separadamente e natildeo se incluem umas agraves outras

Tal como as matildeos satildeo partes de uma pessoa e os

dedos partes das matildeos e as unhas partes dos

dedos Por isso eacute que se diz que as matildeos estatildeo

136

ἀνθρώπῳ χεῖρες περιέχονται ἐν χερσὶ δὲ

δάκτυλοι ἐν δακτύλοις δὲ ὄνυχες καὶ οὐχὶ

μὲν ἡ δεξιὰ χεὶρ τὴν ἀριστερὰν συμπληροῖ ὁ

δὲ λιχανὸς τὸν ἀντίχειρα δάκτυλον ἀπαρτίζει

ἡ δὲ κεφαλὴ τοὺς πόδας συντίθησι καὶ οἱ

πόδες τὸν θώρακα

incluiacutedas na pessoa os dedos nas matildeos as unhas

nos dedos mas natildeo se diria que a matildeo direita

completa a esquerda que o dedo indicador finaliza

o polegar que agrave cabeccedila se juntam os peacutes nem os

peacutes com o toacuterax107

[138] ὅθεν καὶ τὰ μέρη τοῦ λόγου οὐ ῥητέον

ἀλλήλων εἶναι μέρη ἐπεὶ ἐν ἀλλήλοις αὐτὰ

δεήσει περιέχεσθαι τὸ μὲν μῆνιν ἐν τῷ ἄειδε

τὸ δὲ ἄειδε ἐν τῷ θεά καὶ καθόλου πάντα ἐν

πᾶσιν ὅπερ ἀδύνατον οὐ τοίνυν ἀλλήλων

τῶν τοῦ λόγου μερῶν δυναμένων εἶναι μερῶν

διὰ τὸ ἀνόητον τοῦ πράγματος οὔτε ὅλου

τινὸς εὑρισκομένου λόγου παρὰ τὰ ἑαυτοῦ

μέρη μηδενὸς [τε] εὑρισκομένου πράγματος

παρrsquo αὐτὰ τὰ μέρη οὗ λέξομεν εἶναι τὰ μέρη

λείπεται λέγειν ὡς οὐδέν ἐστι μέρος λόγου

διὰ δὲ τοῦτrsquo οὐδὲ λόγος

Por isso eacute que natildeo se pode dizer que as partes da

sentenccedila satildeo partes umas das outras jaacute que

precisariam estar incluiacutedas umas nas outras menin

em aeide aeide em thea e no geral todas em

todas o que eacute impossiacutevel Assim entatildeo por ser

inconcebiacutevel (anoeton) natildeo eacute possiacutevel que as

partes da sentenccedila sejam partes umas das outras e

como natildeo foi encontrada uma sentenccedila que seja

um todo sem ser suas partes e natildeo foi encontrada

aleacutem das partes mesmas coisa alguma de que

diriacuteamos que fossem partes resta-nos afirmar que

natildeo existe parte da sentenccedila E por isso tampouco

existe sentenccedila

[139] Ἐπακτέον δὲ καὶ οὕτως εἴπερ τὸ

μῆνιν μέρος ἐστὶ τοῦ στίχου ἤτοι ὅλου τοῦ

στίχου μέρος ἐστὶν ἢ τοῦ rsquoἄειδε θεὰ

Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo ἀλλrsquo εἰ μὲν τοῦ ὅλου

στίχου μέρος ἐστίν ἐπεὶ ὅλος σὺν αὐτῷ τῷ

μῆνιν νοεῖται καὶ ἑαυτοῦ μέρος

συμπληρωτικὸν γενήσεται τὸ μῆνιν διὰ δὲ

τοῦτο καὶ μεῖζον ἑαυτοῦ καὶ ἧττον μεῖζον

μὲν ἑαυτοῦ ᾗ συμπληροῦται ὑφrsquo ἑαυτοῦ (τὸ

γὰρ ὑπό τινος συμπληρούμενον μεῖζόν ἐστι

τοῦ συμπληροῦντος αὐτό) ἔλασσον δὲ ᾗ

συμπληροῖ ἑαυτό τὸ γάρ τινος

συμπληρωτικὸν ἔλασσόν ἐστι τοῦ

συμπληρουμένου οὐ πάνυ δὲ ταῦτα πιθανά

Deve-se atacar tambeacutem da seguinte forma se

menin eacute parte do verso ou eacute parte do verso como

um todo ou de aeide thea Peleiadeo Akhileos

Mas se eacute parte do verso como um todo e o todo eacute

concebido juntamente com o proacuteprio menin menin

tornar-se-aacute parte complementar de si mesmo E

por isso tambeacutem maior e menor que si mesmo

maior que si mesmo na medida em que eacute

completado por si mesmo pois o que eacute

completado por algo eacute maior que o que o

completa Menor na medida em que se

completaria a si mesmo Pois a parte que completa

algo eacute menor que o que eacute completado Tudo isso eacute

bem pouco plausiacutevel logo menin natildeo eacute parte do

137

οὐκ ἄρα τοῦ ὅλου στίχου μέρος ἐστὶ τὸ μῆνιν verso como um todo

[140] καὶ μὴν οὐδὲ τοῦ λειπομένου φημὶ δὲ

τοῦ lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo πρῶτον

μὲν γὰρ τὸ μέρος περιέχεται ἐν τῷ οὗ ἐστι

μέρος τὸ δὲ μῆνιν οὐκ ἐμπεριέχεται ἐν τῷ

lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo ὥστε οὐκ ἂν

εἴη μέρος τούτου εἶτα δὲ οὐδὲ τὸ lsquoἄειδε θεὰ

Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo χρῄζει συμπληρώσεως

κατὰ γὰρ τὸν ἴδιον λόγον συμπεπλήρωται

ἀλλὰ ὅλος ὁ λόγος λέγω δὲ ὁ στίχος οὐκ ἔστι

τὸ lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo τοίνυν

οὐδὲ τούτου μέρος ἐστὶ τὸ μῆνιν ἀλλrsquo εἰ μήτε

τοῦ ὅλου στίχου μέρος ἐστὶ τὸ μῆνιν μήτε τοῦ

ἀπολειπομένου μέρους παρὰ δὲ ταῦτα οὐδὲν

ἄλλο ὑπόκειται οὐδενὸς λόγου μέρος ἐστὶ τὸ

μῆνιν

Tampouco de fato do restante digo de aeide

thea Peleiadeo Akhileos Primeiro porque a parte

estaacute incluiacuteda naquilo de que eacute parte e menin natildeo

estaacute aiacute incluiacutedo de forma que natildeo seria sua parte

Em seguida esta passagem natildeo tem necessidade

de ser completada pois a sentenccedila estaacute completa

por si proacutepria Mas a sentenccedila como um todo

digo o verso natildeo eacute aeide thea Peleiadeo

Akhileos Nem menin eacute parte disso Mas se natildeo eacute

parte do verso como um todo e tambeacutem natildeo eacute

parte da parte restante e fora estas coisas natildeo haacute

outra entatildeo menin natildeo eacute parte de nenhuma

sentenccedila

[141] Ταῦτα μὲν οὖν καθολικώτερον πρὸς

τὰ μέρη τοῦ λόγου ῥητέον ἐμβάντες δὲ εἰς

τὰς κατὰ μέρος παρrsquo αὐτοῖς περὶ τούτων

τεχνολογίας πολὺν λῆρον εὑρήσομεν καὶ

τοῦτο πάρεστι μαθεῖν οὐκ ἐπὶ τὴν πᾶσαν ὕλην

φοιτήσαντας (ἀδόλεσχον γάρ ἐστι καὶ

γραμματικῆς γραολογίας πλῆρες) ἀλλrsquo

ὅμοιόν τι τοῖς οἰνοκαπήλοις ποιήσαντας καὶ

ὃν τρόπον ἐκεῖνοι ἐξ ὀλίγου γεύματος τὸν

ὅλον δοκιμάζουσι φόρτον οὕτω καὶ αὐτοὶ ἓν

λόγου μέρος προχειρισάμενοι καθάπερ τὸ

ὄνομα ἐκ τῆς περὶ τούτου τεχνολογίας

συνοψόμεθα καὶ τὴν ἐν τοῖς ἄλλοις τῶν

γραμματικῶν ἐντρέχειαν

Isto eacute o que deve ser dito de maneira geral

contra as partes da sentenccedila poreacutem se

adentrarmos as exposiccedilotildees teacutecnicas de cada uma

em particular iremos nos deparar com muitos

disparates Eacute possiacutevel perceber isto sem precisar

esquadrinhar toda a mateacuteria (porque eacute um falatoacuterio

sem fim cheio da tiacutepica ladainha gramatical)

Faremos como fazem os vendedores de vinho

julgar a carga toda por uma pequena prova

Escolheremos portanto uma das partes da

sentenccedila o nome por exemplo e a partir do que

encontrarmos nas exposiccedilotildees teacutecnicas sobre ele

seremos capazes de vislumbrar a aptidatildeo dos

gramaacuteticos em relaccedilatildeo agraves outras partes

Περὶ ὀνόματος

[142] Αὐτίκα τοίνυν ὅταν τῶν ὀνομάτων τὰ

μὲν ἀρσενικὰ φύσει λέγωσι τὰ δὲ θηλυκὰ τὰ

Sobre o nome

Assim a princiacutepio vamos pocircr em questatildeo o

que quer dizer esta expressatildeo lsquopor naturezarsquo

138

δὲ οὐδέτερα καὶ τὰ μὲν ἑνικὰ τῷ ἀριθμῷ τὰ

δὲ δυϊκὰ τὰ δὲ πληθυντικά καὶ ἤδη τὰς ἄλλας

ἐπισυνείρωσι διαιρέσεις ἐπιζητήσωμεν τί

ποτέ ἐστι τὸ ἐπιφωνούμενον τοῦτο lsquoφύσειrsquo

quando dizem que os nomes satildeo lsquopor naturezarsquo

masculinos femininos ou neutros e quanto ao

nuacutemero que satildeo singulares duais ou plurais aleacutem

das outras distinccedilotildees que acrescentam

[143] ἢ γὰρ ὅτι οἱ πρῶτοι ἀναφθεγξάμενοι τὰ

ὀνόματα φυσικὴν ἐποιήσαντο τὴν

ἀναφώνησιν αὐτῶν ὡς καὶ τὴν ἐπὶ τῷ ἀλγεῖν

κραυγὴν καὶ τὴν ἐπὶ τῷ ἥδεσθαι ἢ τῷ

θαυμάζειν ἐκβόησιν οὕτω λέγουσι φύσει τὰ

μὲν τοιαῦτα εἶναι τῶν ὀνομάτων τὰ δὲ τοιάδε

ἢ ὅτι καὶ ἐπὶ τοῦ παρόντος ἕκαστον αὐτῶν

φυσικῶς ἡμᾶς κινεῖ ὅτι ἀρρενικόν κἂν ἡμεῖς

μὴ νομίζωμεν αὐτὸ ἀρρενικὸν εἶναι καὶ πάλιν

φυσικῶς αὐτὸ ἐνδείκνυται ὅτι θηλυκόν ἐστι

κἂν ἡμεῖς μὴ θέλωμεν

Pois ou ela implica que os primeiros homens que

disseram estes nomes produziram sua sonoridade

de forma natural ou seja tal como produziriam

um grito de dor e uma exclamaccedilatildeo de prazer ou

surpresa e por isso eacute que dizem que os nomes satildeo

lsquopor naturezarsquo de uma forma ou de outra ou quer

dizer que agora mesmo cada um destes nomes

naturalmente nos afeta como masculino mesmo

que noacutes natildeo o consideremos masculino ou ao

contraacuterio naturalmente se mostra feminino

mesmo que natildeo se queira

[144] ἀλλὰ τὸ μὲν πρῶτον οὐκ ἂν εἴποιεν

πόθεν γὰρ γραμματικῇ παχύτητι διαγινώσκειν

πότερον φύσει ἢ θέσει τὰ ὀνόματα ἢ τινα μὲν

οὕτως τινὰ δὲ ἐκείνως ὅτε39 οὐδὲ τοῖς ἐπrsquo

ἄκρον ἥκουσι φυσιολογίας εὐμαρὲς εἰπεῖν διὰ

τὰς ἑκατέρωθεν ἰσολογίας

Mas natildeo se responderia do primeiro modo Pois

como se poderia pela obtusidade gramatical

avaliar quais nomes satildeo por natureza quais por

convenccedilatildeo ou que alguns satildeo de uma forma e

outros de outra quando sequer os mais avanccedilados

no estudo da natureza podem dizecirc-lo facilmente

devido aos argumentos igualmente convincentes

de um e outro lado

[145] ἄλλως τε καὶ ἰσχυρὸς ἀντικάθηται

τούτῳ λόγος πρὸς ὃν οὐδrsquo εἰ καταπέλτην

ὑπομένοιεν φασίν οἱ γραμματικοὶ

δυνήσονταί τι συνιδεῖν ἱκνούμενον εἴπερ γὰρ

φύσει τὰ ὀνόματα ἦν καὶ μὴ τῇ καθrsquo ἕκαστον

θέσει ἐσήμαινεν ἐχρῆν πάντας πάντων

ἀκούειν Ἕλληνας βαρβάρων καὶ βαρβάρους

Ἑλλήνων καὶ βαρβάρους βαρβάρων οὐχὶ δέ

Aleacutem disso haacute um argumento tatildeo forte contra isto

que nem se os gramaacuteticos como diz o ditado

fossem capazes de aguentar o golpe de uma

catapulta poderiam providenciar uma resposta

satisfatoacuteria Pois caso os nomes fossem por

natureza e seu significado individual natildeo fosse

convencional seria preciso que nos

compreendecircssemos todos gregos a baacuterbaros e

39 Blank ad loc segue os editores anteriores a Mau Por ἢ τίνα μὲν οὕτως τίνα δὲ ἐκείνως

139

γε τοῦτο οὐκ ἄρα φύσει σημαίνει τὰ

ὀνόματα ὥστε τοῦτο μὲν οὐκ ἐροῦσιν

baacuterbaros a gregos e baacuterbaros a baacuterbaros O que

certamente natildeo eacute o caso Logo os nomes natildeo

significam por natureza De forma que natildeo diratildeo

isso

[146] εἰ δrsquo ὅτι φυσικῶς διαδείκνυσιν ἕκαστον

ὄνομα ὅτι ἀρρενικόν ἐστιν ἢ θηλυκὸν ἢ

οὐδέτερον φασὶ τὰ μὲν τοιάδε τὰ δὲ τοιαῦτα

τυγχάνειν ἴστωσαν λειότερον αὑτοῖς

τρίβοντες τὸν κλοιόν

E se dizem que os nomes acabam sendo uns de

uma forma outros de outra porque cada um deixa

claro de forma natural que eacute masculino feminino

ou neutro deveriam saber que estatildeo apertando a

corda em torno de seus proacuteprios pescoccedilos

[147] πάλιν γὰρ φήσομεν ὅτι τὸ φύσει κινοῦν

ἡμᾶς ὁμοίως πάντας κινεῖ καὶ οὐχ οὓς μὲν

οὕτως οὓς δὲ ἐναντίως οἷον φύσει τὸ πῦρ

ἀλεαίνει βαρβάρους Ἕλληνας ἰδιώτας

ἐμπείρους καὶ οὐχ Ἕλληνας μὲν ἀλεαίνει

βαρβάρους δὲ ψύχει καὶ ἡ χιὼν φύσει ψύχει

καὶ οὐ τινὰς μὲν ψύχει τινὰς δὲ θερμαίνει

ὥστε τὸ φύσει κινοῦν ὁμοίως τοὺς

ἀπαραποδίστους ἔχοντας τὰς αἰσθήσεις κινεῖ

Porque mais uma vez o que nos afeta por

natureza afeta a todos igualmente e natildeo uns de

uma forma e outros de forma contraacuteria Por

exemplo por natureza o fogo esquenta a todos

baacuterbaros gregos leigos e entendidos - e natildeo eacute

que esquenta quem eacute grego mas esfria um

baacuterbaro E a neve por natureza esfria e natildeo eacute que

esfria alguns e aquece outros Entatildeo desta forma eacute

que o que afeta por natureza afeta do mesmo

modo a todos desde que tenham seus sentidos

livres de interferecircncia

[148] τὰ δὲ αὐτὰ ὀνόματα οὐ πᾶσίν ἐστι τὰ

αὐτά ἀλλὰ τοῖς μὲν ἀρρενικὰ τοῖς δὲ θηλυκὰ

τοῖς δὲ οὐδέτερα οἷον Ἀθηναῖοι μὲν τὴν

στάμνον λέγουσι θηλυκῶς Πελοποννήσιοι δὲ

τὸν στάμνον ἀρρενικῶς καὶ οἱ μὲν τὴν θόλον

οἱ δὲ τὸν θόλον καὶ οἱ μὲν τὴν βῶλον οἱ δὲ

τὸν βῶλον καὶ οὐ διὰ τοῦτο οὗτοι ἢ ἐκεῖνοι

λέγονται ἁμαρτάνειν

E os mesmos nomes natildeo satildeo da mesma forma para

todos mas para alguns satildeo masculinos para

outros femininos ou neutros Por exemplo os

atenienses dizem staacutemnos (lsquojarrorsquo) como

feminino os peloponeacutesios no masculino e haacute os

que dizem que thoacutelos (lsquorotundarsquo) eacute masculino e haacute

os que dizem que eacute feminino e uns dizem bolos

(lsquomontersquo) no masculino e outros no feminino E

natildeo eacute por isso que se pode dizer que algum deles

esteja equivocado

[149] ἕκαστος γάρ ὡς τεθεμάτικεν οὕτω

χρῆται καὶ οἱ αὐτοὶ δὲ διαφόρως ταὐτὰ ὁτὲ

μὲν ἀρρενικῶς ἐκφέρουσιν ὁτὲ δὲ θηλυκῶς

Porque a palavra eacute usada tal como foi-se impondo

E agraves vezes ateacute os mesmos grupos usam a mesma

palavra ora no masculino ora no feminino e dizem

140

λέγοντες τὸν λιμόν καὶ τὴν λιμόν οὐκ ἄρα

φύσει τῶν ὀνομάτων τὰ μὲν ἀρρενικὰ τὰ δὲ

θηλυκά ἀλλὰ κατὰ θεματισμὸν τὰ μὲν

τοιαῦτα γίνεται τὰ δὲ τοιαῦτα

limos (lsquofomersquo) tanto no masculino quanto no

feminino Portanto disto se conclui que por

natureza os nomes natildeo satildeo masculinos ou

femininos mas eacute por irem-se impondo de tal

forma que se tornam uma coisa ou outra

[150] καὶ μὴν εἴπερ φύσει τῶν ὀνομάτων ἦν

τὰ μὲν ἀρρενικὰ τὰ δὲ θηλυκά ὤφεltιgtλον αἱ

ἀρρενικαὶ φύσεις ἀεί ποτε ἀρρενικοῖς

ὀνόμασι προσαγορεύεσθαι καὶ αἱ θηλυκαὶ

θηλυκοῖς καὶ αἱ μήτε ἀρρενικαὶ φύσεις μήτε

[αἱ] θηλυκαὶ οὐδετέρως

E o fato eacute que se os nomes fossem lsquopor naturezarsquo

femininos ou masculinos necessariamente as

naturezas masculinas receberiam sempre nomes

masculinos e as femininas nomes femininos e as

que natildeo fossem nem masculinas nem femininas

ganhariam nomes neutros

[151] οὐχὶ δὲ τοῦτο ἀλλὰ καὶ τὰς ἀρρενικὰς

φύσεις θηλυκῶς καλοῦμεν καὶ τὰς θηλυκὰς

ἀρρενικῶς καὶ τὰς οὔτε ἀρρενικὰς οὔτε

θηλυκὰς ἤτοι ἀρρενικῶς ἢ θηλυκῶς οὐχὶ δὲ

οὐδετέρως οἷον κόραξ μὲν λέγεται ἀετός

κώνωψ κάνθαρος σκορπίος μῦς ἀρρενικῶς

καὶ ἐπὶ τοῦ θήλεος καὶ πάλιν χελιδών χελώνη

κορώνη ἀκρίς μυγαλῆ ἐμπίς καὶ ἐπὶ τοῦ

ἄρρενος τὴν φύσιν θηλυκῶς

Mas natildeo eacute esse o caso chamamos coisas

naturalmente masculinas com nomes femininos e

o contraacuterio e ao que natildeo eacute nem masculino nem

feminino damos nomes masculinos ou femininos

e natildeo neutros Como eacute o caso com koraks

(lsquocorvorsquo) aetos (lsquoaacuteguiarsquo) konops (lsquomosquitorsquo)

kantharos (lsquobesourorsquo) skorpios (lsquoescorpiatildeorsquo) mus

(lsquoratorsquo) para os quais o nome masculino serve

tambeacutem para a fecircmea E o contraacuterio com khelidon

(lsquoandorinharsquo) khelone (lsquotartarugarsquo) korone

(lsquocorvorsquo) akris (lsquogrilorsquo) mugale (ratazana) empis

(lsquomosquitorsquo) em que se diz o nome feminino para

o que eacute masculino por natureza

[152] ὡσαύτως δὲ κλίνη θηλυκῶς ἐπὶ τῆς

μήτε ἄρρενος μήτε θηλείας τὴν φύσιν καὶ

στῦλος ἀρρενικῶς ἐπὶ τοῦ οὐδετέρου τοίνυν

εἰ φύσει οὐδέν ἐστιν ἀρρενικὸν ἢ θηλυκὸν

ὄνομα ζητῶ πῶς ὁ γραμματικὸς ἐπιλήψεται

τοῦ διαστρόφως λέγοντος ὁ χελιδών καὶ ἡ

ἀετός ἤτοι γὰρ ὡς φύσει τοῦ ὀνόματος τῆς

χελιδόνος θηλυκοῦ ὄντος ἐκείνου δὲ

ἀρρενικὸν αὐτὸ τῷ ἄρθρῳ βιαζομένου

Da mesma maneira kline (lsquoleitorsquo) eacute dito no

feminino embora natildeo seja nem masculino nem

feminino por natureza e stulos (lsquocolunarsquo) eacute dito

no masculino embora o objeto seja neutro Assim

se nenhum nome eacute masculino ou feminino por

natureza me pergunto como poderaacute o gramaacutetico

censurar quem invertendo diz ho khelidon

(lsquoandorinharsquo) no masculino e he aetos (lsquoaacuteguiarsquo) no

feminino Pois ou seraacute porque khelidon

141

γενέσθαι ἢ ὡς τῆς κοινῆς συνηθείας θηλυκὸν

αὐτὸ θεματισάσης ἀλλrsquo οὐκ ἀρρενικόν

(lsquoandorinharsquo) eacute feminino por natureza e aquele o

estaacute forccedilando a tornar-se masculino com o uso do

artigo ou seraacute porque o uso comum o impocircs como

nome feminino e natildeo masculino

[153] ἀλλrsquo εἰ μὲν ὡς φύσει θηλυκοῦ

καθεστῶτος ἐπεὶ οὐδὲν φύσει θηλυκόν ἐστι

καθὼς παρεστήσαμεν ἀδιάφορον τὸ ὅσον ἐπὶ

τούτῳ ἐάν τε οὕτως ἐάν τε ἐκείνως

ἐκφέρηται εἰ δrsquo ὡς ὑπὸ τῆς κοινῆς συνηθείας

ἀντὶ θηλυκοῦ θεματισθέν γενήσεται τοῦ τε εὖ

λεγομένου καὶ μὴ κριτήριον οὐχὶ τεχνικός τις

καὶ γραμματικὸς λόγος ἀλλrsquo ἡ ἄτεχνος καὶ

ἀφελὴς τῆς συνηθείας παρατήρησις

Mas se for por ser feminino por natureza e

conforme haviacuteamos demonstrado nenhum nome eacute

feminino por natureza natildeo faraacute diferenccedila ao

menos neste sentido que se diga de uma ou de

outra forma E se for porque foi imposto como

feminino pelo uso comum entatildeo o criteacuterio do que

eacute dito adequadamente ou natildeo natildeo eacute um argumento

(logos) teacutecnico (tekhnikos) e gramatical

(grammatikos) mas a simples observaccedilatildeo natildeo

teacutecnica do uso

[154] Τὰ δὲ αὐτὰ ταῦτα μετακτέον καὶ ἐπὶ τὰ

ἑνικὰ καὶ πληθυντικὰ τῶν ὀνομάτων Ἀθῆναι

γὰρ λέγονται πληθυντικῶς ἡ μία πόλις καὶ

Πλαταιαί καὶ πάλιν Θήβη ἑνικῶς καὶ Θῆβαι

πληθυντικῶς καὶ Μυκήνη καὶ Μυκῆναι

ῥηθήσεται δὲ ἐπιμελέστερον περὶ τῆς ἐν

τούτοις ἀνωμαλίας προβαινούσης τῆς

ζητήσεως

Τὰ νῦν δὲ ἐπεὶ καὶ ὑποδειγματικῶς

κατωπτεύκαμεν τὴν ἐν τούτοις τῶν

γραμματικῶν ἀκρίβειαν φέρε κἀκεῖνο πρὶν

ἐπrsquo ἄλλον τ[ρ]όπον ἀπελθεῖν ἐξετάσωμεν

Os mesmos argumentos devem ser retomados

com relaccedilatildeo ao plural e singular dos nomes Pois

lsquoAtenasrsquo diz-se no plural e eacute uma uacutenica cidade tal

como lsquoPlateiasrsquo E haacute por sua vez lsquoTebersquo no

singular e lsquoTebasrsquo no plural e lsquoMicenersquo e

lsquoMicenasrsquo Mais adiante falaremos

detalhadamente sobre as anomalias108 que se

verificam nestes casos

Por ora jaacute que pudemos observar algumas

passagens exemplificativas da precisatildeo dos

gramaacuteticos nestes assuntos antes de nos

debruccedilarmos sobre outro tema vamos pocircr em

evidecircncia aquele toacutepico anterior

[155] φημὶ δὲ τίνα λόγον καλοῦσιν ἢ μέρη

λόγου

me refiro ao que chamam de sentenccedila ou partes da

sentenccedila

Περὶ λόγου καὶ μερῶν λόγου

Ἤτοι γὰρ αὐτὴν τὴν σωματικὴν φωνὴν

ἐροῦσιν ἢ ἀσώματον λεκτόν διαφέρον

ταύτης οὔτε δὲ τὴν φωνὴν ἐροῦσιν ταύτης

Sobre sentenccedila e partes da sentenccedila

Diratildeo eles ou que a sentenccedila eacute expressatildeo

sonora (phone) corpoacuterea ou expressatildeo diziacutevel

(lekton) incorpoacuterea diferente daquela E natildeo

142

μὲν γὰρ ῥηθείσης πάντες ἀκούουσιν

Ἕλληνές τε καὶ βάρβαροι καὶ ἰδιῶται καὶ οἱ

παιδείας ἐντός τοῦ δὲ λόγου καὶ τῶν τούτου

μερῶν Ἕλληνες μόνοι καὶ οἱ τούτου ἔμπειροι

τοίνυν οὐχ ἡ φωνή ἐστιν ὁ λόγος καὶ μέρη

λόγου

diratildeo que eacute expressatildeo sonora pois esta ao ser

pronunciada todos a escutam gregos e baacuterbaros

pessoas comuns e cultos mas apenas entendem a

sentenccedila e suas partes os gregos e pessoas que

tecircm experiecircncia109 Assim a expressatildeo sonora natildeo

eacute a sentenccedila e partes da sentenccedila

[156] καὶ μὴν οὐδὲ τὸ ἀσώματον λεκτόν πῶς

γὰρ ἀσώματον ἔτι ἔστι τι ἄλλο τοιοῦτο παρὰ

τὸ σῶμα καὶ τὸ κενόν πολλῆς καὶ ἀνηνύτου

γενομένης παρὰ τοῖς φιλοσόφοις περὶ αὐτοῦ

διαμάχης εἰ μὲν γὰρ κινεῖται σῶμά ἐστιν τὸ

γὰρ κινούμενον σῶμα εἰ δὲ μένει δεχόμενον

μὲν τὰ εἰς αὐτὸ φερόμενα σώματα καὶ μὴ

ἀντιτυποῦν κενὸν γενήσεται κενοῦ γὰρ ἴδιον

τὸ μὴ ἀντιτυπεῖν ἀντιτυποῦν δὲ τοῖς εἰς αὐτὸ

φερομένοις σῶμά ἐστιν ἰδίωμα γὰρ σώματος

τὸ ἀντιτυπεῖν

E certamente a sentenccedila tambeacutem natildeo eacute a

expressatildeo diziacutevel incorpoacuterea Pois como poderia

existir ainda um incorpoacutereo ou seja agrave parte de

corpo e vazio se haacute entre os filoacutesofos tamanha e

interminaacutevel discussatildeo sobre isto Se se move eacute

corpo porque o que se move eacute corpo Se natildeo se

move e admite outros corpos sem opor

resistecircncia seria vazio Pois eacute caracteriacutestico do

vazio natildeo opor resistecircncia Se opotildee resistecircncia a

outros corpos entatildeo eacute corpo pois criar resistecircncia

eacute proacuteprio do corpo110

[157] ἄλλως τε ὁ λέγων ἀσώματόν τι λεκτὸν

ὑπάρχειν ἤτοι φάσει μόνον ἀρκούμενος λέγει

ἢ ἀπόδειξιν παραλαμβάνων ἀλλὰ φάσει μὲν

ἀρκούμενος ἐν ἀντιφάσει ἐπισχεθήσεται

ἀπόδειξιν δὲ παραλαμβάνων ἐπεὶ καὶ αὐτὴ

διrsquo ἀναμφισβητήτων ὀφείλει λημμάτων

προάγειν τὰ δὲ λήμματά ἐστι λεκτά

προαρπάζων τὸ ζητούμενον ὡς

ὁμολογούμενον ἄπιστος ἔσται

Aleacutem disso quem diz existir a expressatildeo diziacutevel

incorpoacuterea ou deve se contentar com a mera

asserccedilatildeo ou deve arcar com o ocircnus da prova E se

se contenta com a asserccedilatildeo uma contra-asserccedilatildeo o

conteria Mas se se compromete em apresentar

uma prova e a prova deve se apresentar em forma

de premissas incontestaacuteveis e premissas satildeo

expressotildees diziacuteveis a prova iraacute antepor-se agrave

proacutepria questatildeo como se jaacute houvesse acordo sobre

ela e cairaacute assim em descreacutedito

[158] παρrsquo ἣν αἰτίαν λοιπόν εἰ μήτε ἡ φωνὴ

λόγος ἐστὶ μήτε τὸ σημαινόμενον ὑπrsquo αὐτῆς

ἀσώματον λεκτόν παρὰ δὲ ταῦτα νοεῖν οὐδὲν

ἐνδέχεται οὐδέν ἐστι λόγος

Ἔστω δὲ νῦν καὶ ὁ λόγος καὶ μέρη τούτου

ὁπόσα θέλουσιν οἱ γραμματικοὶ ὑπάρχειν

Por essa razatildeo portanto se a sentenccedila natildeo eacute nem a

expressatildeo sonora nem a expressatildeo diziacutevel

incorpoacuterea que eacute significada por ela e fora estas

natildeo se admitem outras concepccedilotildees a sentenccedila natildeo

eacute nada

Mas por ora vamos supor que existe a sentenccedila

143

ἀλλrsquo εἰπάτωσάν γε ἡμῖν πῶς τὸν λόγον

μερίζουσιν

e tantas partes dela quantas querem os gramaacuteticos

Que eles nos digam entatildeo como analisam a

sentenccedila

Περὶ μερισμοῦ

[159] Ἐπεὶ γὰρ τὸν μερισμὸν τὸν τῶν

ltἐμgtμέτρων ἐν δυσὶ μάλιστα τοῖς

ἀναγκαιοτάτοις κεῖσθαι συμβέβηκεν ἔν τε τῷ

βαίνειν τουτέστι τῇ εἰς τοὺς πόδας διανομῇ

καὶ ἐν τῇ εἰς τὰ τοῦ λόγου μέρη διαιρέσει

ἀκόλουθον μὲν 40 ἦν τοῖς τελέως πρὸς αὐτοὺς

ἀντιλέγουσιν ἑκάτερον κινεῖν τόν τε τρόπον

τοῦ βαίνειν σκελίσαντας αὐτῶν ἅπαντας τοὺς

οἷς βαίνουσι πόδας ὡς ἀνυπάρκτους καὶ ἔτι

τὸν τρόπον τῆς τῶν τοῦ λόγου μερῶν

διανομῆς δείξαντας τὸ ἀδύνατον τῆς

διαιρέσεως

Sobre anaacutelise

Jaacute que a anaacutelise (merismos)111 de versos assenta-

se principalmente em duas categorias mais

importantes a saber na escansatildeo (ou seja na

distribuiccedilatildeo (dianome) em peacutes meacutetricos) e na

distinccedilatildeo (diairesis)112 das partes da sentenccedila

consequentemente os que pretendem refutar os

gramaacuteticos de forma definitiva devem atacar as

duas Isto eacute tanto o meacutetodo de escansatildeo

inutilizando todos os lsquopeacutesrsquo com que lsquocaminhamrsquo

como inexistentes como o modo de distribuiccedilatildeo

das partes da sentenccedila mostrando a

impossibilidade de distinccedilatildeo

[160] ἀλλrsquo ἐπεὶ κἀν τοῖς πρὸς τοὺς μουσικοὺς

προηγουμένως περὶ ποδῶν ζητοῦμεν ἵνα μὴ

προλαμβάνωμεν τὰ μελλήσοντα πρὸς

ἐκείνους λέγεσθαι ἢ μὴ δὶς τὰ αὐτὰ λέγωμεν

ταύτην μὲν τὴν ἀπορίαν εἰς τὸν δέοντα καιρὸν

ὑπερθησόμεθα περὶ δὲ τῆς διαιρέσεως τῶν

τοῦ λόγου μερῶν σκεψώμεθα

Poreacutem jaacute que investigamos de forma minuciosa a

questatildeo dos peacutes meacutetricos no Contra os Muacutesicos

[M 6 60-67] e natildeo queremos nem antecipar o que

se diraacute contra eles nem repetir o argumento esta

aporia ficaraacute posposta para o momento oportuno e

iremos considerar por ora a distinccedilatildeo das partes

da sentenccedila

[161] Ὁ οὖν μερίζων τινὰ στίχον τὰ μὲν

ἀφαιρεῖ τὰ δὲ προστίθησι καὶ ἀφαιρεῖ μὲν τὸ

μῆνιν εἰ τύχοι χωρίζων τοῦ παντὸς στίχου

καὶ πάλιν τὸ ἄειδε καὶ τὰ λοιπὰ μέρη

προστίθησι δὲ τοῖς κατὰ συναλοιφὴν

ἐκφερομένοις οἷον τῷ lsquoαἷμrsquo ἐμέωνrsquo τὸ α τὸ

γὰρ πλῆρες ἦν rsquoαἷμα ἐμέωνrsquo καὶ πάλιν τῷ lsquoβῆ

δrsquo ἀκέωνrsquo τὸ ε κατὰ γὰρ ἐκπλήρωσιν οὕτως

εἶχε lsquoβῆ δὲ ἀκέωνrsquo μηδενὸς μέντοι μήτε

Pois bem na anaacutelise de um verso algumas

coisas satildeo separadas outras satildeo acrescentadas

Por exemplo tira-se o menin separando-o do

verso inteiro e entatildeo na sequecircncia o aeide e o

resto E ao que foi pronunciado elidido

acrescenta-se como acrescentar o alfa em

lsquohaimrsquoemeonrsquo pois a forma completa era lsquohaima

emeonrsquo (lsquovomitando sanguersquo) e assim com lsquobe

drsquoakeonrsquo cuja forma completa seria lsquobe de akeonrsquo

40 Blank ad loc ἂν

144

ἀφαιρεῖσθαι δυναμένου ἀπό τινος μήτε

προστίθεσθαί τινι πεφυκότος ἀδύνατος

γίνεται ὁ κατὰ γραμματικὴν μερισμός

(lsquoe foi-se em silecircnciorsquo) Poreacutem jaacute que por

natureza nada pode ser separado de nada nem

nada pode ser acrescentado a algo a anaacutelise nos

moldes da gramaacutetica torna-se impossiacutevel

Περὶ ἀφαιρέσεως

[162] Τὸ δὲ ὅτι οὐδὲν οὐδενὸς ἀφαιρεῖται

μάθοιμεν ἂν τὸν τρόπον τοῦτον εἰ γὰρ

ἀφαιρεῖταί τι ἀπό τινος ἢ ὅλον ἀφrsquo ὅλου

ἀφαιρεῖται ἢ μέρος ἀπὸ μέρους ἢ ὅλον ἀπὸ

μέρους ἢ μέρος ἀπὸ ὅλου ὅλον μὲν οὖν ἀπὸ

ὅλου οὐκ ἀφαιρεῖται ἑνὸς γὰρ ὑποκειμένου

στίχου εἰ ὅλον ἐστὶ τὸ ἀφαιρούμενον ὅλον

στίχον ἀφελοῦμεν καὶ οὕτως εἰ μὲν ἔτι μένοι

ὁ στίχος ἀφrsquo οὗ ἡ ἀφαίρεσις οὐδὲ ὅλως ἔσται

γεγονυῖά τις ἀφαίρεσις ἀπrsquo αὐτοῦ πῶς γὰρ ἔτι

μένειν οἷόν τέ ἐστι τὸ ὅλον εἴπερ ἀφῄρηται

εἰ δὲ μὴ μένοι δῆλον ὡς ἐκ τοῦ μὴ ὄντος οὐκ

ἔστι πάλιν γεγονυῖα ἀφαίρεσις ὥστε ὅλον

ἀπὸ ὅλου οὐκ ἀφαιρεῖται

Sobre separaccedilatildeo

Que nada se separa de nada podemos perceber

desse modo se algo se separasse de algo ou o

todo do todo separar-se-ia ou a parte da parte ou

o todo da parte ou a parte do todo O todo do

todo natildeo se separa pois dado um verso se o que

se separa eacute o todo acabamos com todo o verso E

assim se ainda restar o verso no qual se opera a

separaccedilatildeo entatildeo eacute porque a separaccedilatildeo natildeo se

operou totalmente Pois como eacute que haveria de

restar o todo se foi separado E se natildeo resta nada

eacute evidente que tampouco ocorre separaccedilatildeo do que

natildeo existe De forma que o todo do todo natildeo se

separa

[163] καὶ μὴν οὐδὲ ὅλον ἀπὸ μέρους ἐν μὲν

γὰρ τῷ μέρει οὐκ ἐμπεριέχεται τὸ ὅλον οἷον

τῷ μῆνιν τὸ lsquoltμῆνινgt ἄειδε θεὰ Πηληιάδεω

Ἀχιλῆοςrsquo τὸ δὲ ἀφαιρούμενον ὀφείλει

ἐμπεριέχεσθαι τῷ τὴν ἀφαίρεσιν

ἐπιδεχομένῳ λείπεται ἄρα ἢ μέρος ἀφrsquo ὅλου

ἢ μέρος ἀπὸ μέρους ἀφαιρεῖσθαι ἀλλὰ καὶ

τοῦτrsquo ἄπορον τὸ γὰρ μῆνιν εἰ μὲν ἀφrsquo ὅλου

ἀφαιρεῖται τοῦ στίχου καὶ ἀπὸ αὑτοῦ

ἀφαιρεῖται σὺν αὐτῷ γὰρ ὅλος ὁ στίχος

ἐνοεῖτο καὶ ἄλλως εἰ ἀφrsquo ὅλου ἀφαιρεῖται τὸ

δrsquo ὅλον ἦν lsquoμῆνιν ἄειδε θεὰ Πηληιάδεω

Ἀχιλῆοςrsquo ὤφειλεν ἠλαττῶσθαι καὶ τὸ lsquoἄειδε

θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo καὶ μὴ μένειν ἐν τῷ

De fato tambeacutem natildeo se separa o todo da parte

Pois o todo natildeo estaacute contido na parte como

lsquomenin aeide thea Peleiadeo Akhileosrsquo natildeo estaacute

contido em menin e o elemento separado deve

estar contido no que admite a separaccedilatildeo Faltou

entatildeo considerar se podem ser separadas a parte

do todo e a parte da parte Mas isto tambeacutem eacute

aporeacutetico Pois se menin eacute separado de todo o

verso eacute separado de si mesmo porque o verso foi

concebido como um todo juntamente com menin

E por outro acircngulo se se separa do todo e o todo

era lsquomenin aeide thea Peleiadeo Akhileosrsquo seria

preciso que tambeacutem lsquoaeide thea Peleiadeo

Akhileosrsquo tivesse diminuiacutedo e natildeo permanecido

145

αὐτῷ παντὸς τοῦ ἀφαίρεσιν ἐπιδεξαμένου μὴ

μένοντος ἐν ταὐτῷ

do mesmo jeito porque tudo que admite separaccedilatildeo

natildeo permanece do jeito que era

[164] ἐχρῆν δὲ καὶ αὐτὸ τὸ μῆνιν ἀφrsquo ὅλου

ἐκείνου λαμβάνον τὴν ἀφαίρεσιν ἔχειν τι ἐξ

ἑκάστου τῶν ἐν ἐκείνῳ ὃ πάλιν ἐστὶ ψεῦδος

εἰ οὖν μήτε ὅλον στίχον ἀπὸ στίχου δυνατὸν

μερίζειν μήτε μέρος στίχου ἀπὸ μέρους μήτε

ὅλον ἀπὸ μέρους μήτε μέρος

ἀφrsquo ὅλου καὶ παρὰ ταῦτα οὐδὲν ἐνδέχεται

νοεῖν41 ἀδύνατος τῷ γραμματικῷ ὁ μερισμός

O proacuteprio menin ao ser separado do todo teria

que conter em si algo de cada um dos elementos

do todo o que eacute novamente falso Portanto se

natildeo eacute possiacutevel do verso separar o verso todo de

uma parte separar parte do verso ou todo o verso

nem do todo separar uma parte e natildeo se admitem

outras concepccedilotildees fora estas a anaacutelise torna-se

impossiacutevel para o gramaacutetico

Περὶ προσθέσεως

[165] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ ἡ κατὰ τὰς

συναλειπτικῶς ἐκφερομένας λέξεις τινῶν

πρόσθεσις οὐκ ἔσται καὶ τοῦτrsquo ἔσται σαφές

ἂν μὴ ἐπὶ συλλαβῶν ἢ στοιχείων χειρίζηται ὁ

λόγος ὧν μάλιστα τὰς προσθέσεις ἐν τοῖς

μερισμοῖς ποιοῦνται οἱ γραμματικοί ἀλλrsquo ἐπὶ

ὅλων λέξεων ὑποκειμένου τοίνυν ἡμιστιχίου

τοῦ lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo (ἔστω

γὰρ πρὸς τὸ παρὸν τουτὶ ἡμιστίχιον καὶ

προσλαμβανέτω τὸ μῆνιν ὥστε τὸ ἐξ

ἀμφοτέρων ἡρωικὸν γίνεσθαι μέτρον)

ζητοῦμεν τίνι ἡ πρόσθεσις γίνεται

Sobre acreacutescimo

Tampouco haveraacute acreacutescimo nas palavras que

apresentam elisatildeo na pronuacutencia Isto fica claro se

se aplica o argumento natildeo sobre siacutelabas ou letras

que os gramaacuteticos frequentemente acrescentam

quando fazem suas anaacutelises mas sobre palavras

inteiras Que se defina entatildeo lsquoaeide thea

Peleiadeo Akhileosrsquo como hemistiacutequio ou seja

metade do verso (para o presente propoacutesito esta

passagem eacute a metade do verso agrave qual se ajunta

menin e de ambas produz-se um verso de metro

heroico)113 e vamos investigar a que se faz o

acreacutescimo

[166] ἤτοι γὰρ ἑαυτῷ τὸ μῆνιν προστίθεται ἢ

τῷ προϋποκειμένῳ ἡμιστιχίῳ ἢ τῷ ἐξ

ἀμφοτέρων ἀποτελεσθέντι ἡρωικῷ μέτρῳ καὶ

ἑαυτῷ μὲν οὐκ ἂν προστεθείη μὴ ὂν γὰρ

ἕτερον ἑαυτοῦ καὶ μὴ διπλασιάζον ἑαυτὸ οὐκ

ἂν λέγοιτο ἑαυτῷ προστίθεσθαι τῷ δὲ

προϋποκειμένῳ ἡμιστιχίῳ πῶς ἐνδέχεται ὅλῳ

μὲν γὰρ αὐτῷ προστιθέμενον καὶ αὐτὸ

παρισαζόμενον ἐκείνῳ ἡμιστίχιον γενήσεται

Pois bem ou menin eacute acrescentado a si mesmo ou

agrave metade de verso antes definida ou ao verso

heroico produzido a partir de ambos A si mesmo

natildeo seria acrescentado pois natildeo sendo diferente

de si mesmo nem um duplo de si natildeo pode ser

dito que se acrescenta a si mesmo E como poderia

acrescentar-se agrave metade de verso antes definida

Pois acrescentado ao hemistiacutequio como um todo

e equiparando-se um e outro menin tornar-se-ia

41 Blank ad loc com Blomqvist p 78 νοιεῖν por ποιεῖν

146

outra metade do verso

[167] ταύτῃ τε ἀκολουθήσει καὶ τὸ μέγα

ἡμιστίχιον λέγειν εἶναι βραχύ βραχεῖ

συνεξισούμενον τῷ μῆνιν καὶ τὸ βραχὺ μέγα

μείζονι ἀντιπαρῆκον τῷ ἡμιστιχίῳ εἴπερ τῷ

παντὶ ἡμιστιχίῳ προστίθοιτο τὸ μῆνιν ltεἰ δὲ

μέρει μόνον προστίθοιτο τὸ μῆνινgt οἷον τῷ

ἄειδε καὶ εἰ μὲν μόνον αὐξήσει τὸ ἄειδε τὸ δrsquo

ὅλον οὔ ltοὐgt ποιήσει στίχον42 λείπεται οὖν

φάσκειν τῷ ἐξ ἀμφοῖν αὐτοῦ τε τοῦ μῆνιν καὶ

τοῦ προϋποκειμένου ἡμιστιχίου

ἀποτελουμένῳ ἑξαμέτρῳ καὶ ἡρωικῷ στίχῳ

προστίθεσθαι

A consequecircncia disto eacute que a metade longa do

verso seraacute dita breve pois ter-se-aacute igualado a

menin que eacute breve E a metade breve seraacute dita

longa pois emparelhou-se agrave outra metade ndash isso

no caso de mecircnin acrescentar-se ao hemistiacutequio

todo Se se acrescenta menin apenas a parte do

verso tal como a aeide e somente esta parte

aumenta e natildeo o verso como um todo natildeo se

produziria um verso completo Falta portanto

considerar que se acrescenta a ambos ou seja ao

hexacircmetro completo o verso heroico produzido a

partir do proacuteprio menin mais a metade de verso

acima definida

[168] ὃ τελέως ἦν ἀπίθανον τὸ γὰρ

ἐπιδεχόμενον πρόσθεσιν προϋπόκειται τῆς

προσθέσεως οὐ μὴν τὸ γινόμενον ἐκ τῆς

προσθέσεως προϋπόκειται ταύτης οὐκ ἄρα

οὖν τῷ γινομένῳ ἐκ τῆς προσθέσεως τοῦ

μῆνιν ἑξαμέτρῳ στίχῳ προστίθεται τὸ μῆνιν

ὅτε μὲν γὰρ γίνεται ἡ πρόσθεσις οὔπω

ἑξάμετρός ἐστιν ὅτε δὲ ἔστιν ἑξάμετρος

οὐκέτι γίνεται ἡ πρόσθεσις πλὴν συνῆκται τὸ

προκείμενον καὶ μήτε προσθέσεως μήτε

ἀφαιρέσεως οὔσης ἀναιρεῖται ὁ προειρημένος

τοῦ μερισμοῦ τρόπος

Ἀλλὰ δὴ πάλιν τὴν ἐν τούτοις τῶν

γραμματικῶν ἀκρίβειαν κατανοήσαντες φέρε

καὶ τῆς ἐν τῷ γράφειν αὐτῶν δυνάμεως

ἀποπειραθῶμεν

Isso eacute completamente inverossiacutemil pois o que

recebe acreacutescimo preexiste ao acreacutescimo e

obviamente o que resulta do acreacutescimo natildeo

preexiste a ele Consequentemente menin natildeo eacute

acrescentado ao verso hexacircmetro que resulta de

seu acreacutescimo pois no momento do acreacutescimo o

hexacircmetro ainda natildeo existe e existindo o

hexacircmetro o acreacutescimo jaacute se concluiu Em todo o

caso fecha-se o assunto proposto e natildeo existindo

nem acreacutescimo nem separaccedilatildeo destroacutei-se o acima

mencionado meacutetodo de anaacutelise 114

Mas mais uma vez tendo observado com

cuidado a precisatildeo dos gramaacuteticos nestes assuntos

vamos pocircr agrave prova tambeacutem sua capacidade em

relaccedilatildeo ao escrever

Περὶ ὀρθογραφίας Sobre ortografia115

42 Blank ad loc com Giusta p 431 que tambeacutem suprime o καὶ Por ltεἰ δὲ μέρει αὐτοῦgt οἷον τῷ ἄειδε καὶ εἰ μὲν μόνον αὐξήσει τὸ ἄειδε τὸ δ ὅλον ltοὐκ αὐξήσειgt οὐ ποιήσει στίχον

147

[169] Τὴν γὰρ ὀρθογραφίαν φασὶν ἐν τρισὶ

κεῖσθαι τρόποις ποσότητι ποιότητι μερισμῷ

ποσότητι μὲν οὖν ὅταν ζητῶμεν εἰ ταῖς

δοτικαῖς προσθετέον τὸ ι καὶ εὐχάλινον καὶ

εὐώδινας43 τῷ ι μόνον γραπτέον ἢ τῇ ει

ποιότητι δέ ὅταν σκεπτώμεθα πότερον διὰ

τοῦ ζ γραπτέον ἐστὶ τὸ σμιλίον καὶ τὴν

Σμύρναν ἢ διὰ τοῦ σ μερισμῷ δέ ἐπειδὰν

διαπορῶμεν περὶ τῆς ὄβριμος λέξεως

πότερόν ποτε τὸ β τῆς δευτέρας ἐστὶ

συλλαβῆς ἀρχὴ ἢ τῆς προηγουμένης πέρας

καὶ ἐπὶ τοῦ Ἀριστίων ὀνόματος ποῦ τακτέον

τὸ σ

Pois bem dizem que a ortografia assenta-se em

trecircs fatores quantidade qualidade e divisatildeo de

siacutelabas Na quantidade quando queremos saber se

aos dativos se deve adicionar um ι iota ou se

palavras como eukhalinos (lsquocom arreios bem

postosrsquo) e euodin (lsquofrutiacuteferorsquo) devem ser escritas

apenas com ι iota ou com ει eacutepsilon e iota116 Na

qualidade quando pensamos se smilion (faca) e

Smyrna (lsquoEsmirnarsquo) devem ser escritas com ζ zeta

ou com σ sigma117 E na divisatildeo quando estamos

em duacutevida se na palavra obrimos (lsquorobustorsquo) o β

beta eacute o comeccedilo da segunda siacutelaba ou o fim da

anterior ou em relaccedilatildeo ao nome Aristion onde

devemos colocar o σ sigma

[170] πάλιν δrsquo ἡ τοιαύτη τεχνολογία ἵνα

μηδὲν τῶν ἀπορωτέρων κινῶμεν μάταιος

εἶναι φαίνεται πρῶτον μὲν ἐκ τῆς διαφωνίας

ἔπειτα δὲ καὶ ἐξ αὐτῶν τῶν ἀποτελεσμάτων

καὶ ἐκ μὲν τῆς διαφωνίας ἐπείπερ οἱ τεχνικοὶ

μάχονταί τε καὶ εἰς αἰῶνα μαχήσονται πρὸς

ἀλλήλους τῶν μὲν οὕτως τῶν δὲ ἐκείνως τὸ

αὐτὸ γράφειν ἀξιούντων

Novamente tal exposiccedilatildeo teacutecnica revela-se inuacutetil ndash

sem provocarmos nenhuma das aporias mais

seacuterias ndash primeiro por causa do desacordo

(diaphonia) e em seguida por causa de seus

resultados (apotelesmata) mesmo118 No primeiro

caso porque os entendidos (tekhnikoi) no assunto

estatildeo em conflito entre si e continuaratildeo para

sempre a disputar uns com os outros defendendo

para a mesma palavra uns que deve ser escrita de

uma forma outros de outra

[171] ὅθεν καὶ οὕτως αὐτοὺς ἐρωτητέον εἰ

χρειώδης ἐστὶν ἡ περὶ ὀρθογραφίας

τεχνολογία τῷ βίῳ ἐχρῆν ἡμᾶς τε καὶ

ἕκαστον τῶν διαφωνούντων περὶ αὐτῆς

γραμματικῶν ἀνεπικρίτου ἀκμὴν

καθεστώσης τῆς κατὰ ταύτην διαφωνίας

παραποδίζεσθαι εἰς ἃ ἂν δέῃ γράφειν

Por isso eacute que devem ser confrontados com o

seguinte questionamento se uma exposiccedilatildeo

teacutecnica sobre ortografia eacute necessaacuteria para a vida

noacutes e todos os gramaacuteticos que discordam sobre

ela (e o desacordo permanece insoluacutevel) nos

encontrariacuteamos necessariamente paralisados

diante do que se deve escrever

[172] οὔτε δὲ ἡμῶν οὔτε τούτων ἕκαστος Mas natildeo ficamos paralisados nenhum de noacutes e

43 Blank ad loc ldquopossivelmente devecircssemos ler χαλινούς (lsquofreiosrsquo lsquoreacutedeasrsquo Iliacuteada XIX 393) e ὠδῖνας (lsquodores do partorsquo Iliacuteada XI 271)rdquo

148

παραποδίζεται ἀλλὰ συμφώνως πάντες

τυγχάνουσι τῆς προθέσεως ἅτε δὴ μὴ ἀπrsquo

ἐκείνης ἀλλrsquo ἀπὸ κοινοτέρας τινὸς καὶ

συμφώνου ὁρμώμενοι τριβῆς καθrsquo ἣν τὰ μὲν

κατrsquo ἀνάγκην ὀφείλοντα παραλαμβάνεσθαι

στοιχεῖα πρὸς τὴν μήνυσιν τοῦ ὀνόματος

πάντες παραλαμβάνουσι καὶ οἱ γραμματικοὶ

καὶ οἱ μὴ γραμματικοί περὶ δὲ τῶν μὴ κατrsquo

ἀνάγκην ἀδιαφοροῦσιν οὐκ ἄρα χρειώδης

ἐστὶν ἡ περὶ ὀρθογραφίας παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς ὑφήγησις

nenhum deles Ao contraacuterio todos alcanccedilamos

nosso propoacutesito sem desacordos precisamente

porque de fato natildeo eacute a ortografia que conta mas

uma praacutetica (tribe) mais geral e unacircnime segundo

a qual todos gramaacuteticos e natildeo gramaacuteticos usam

as letras que necessariamente devem ser usadas

para informar (menusis) a palavra e somos

indiferentes agraves que natildeo satildeo necessaacuterias Conclui-

se portanto natildeo ser necessaacuteria a orientaccedilatildeo

ortograacutefica dos gramaacuteticos

[173] ἀλλrsquo ὁ μὲν ἀπὸ τῆς διαφωνίας ἔλεγχος

τοιοῦτος ὁ δὲ ἀπὸ τῶν ἀποτελεσμάτων

ἐμφανής οὐδὲν γὰρ βλαπτόμεθα ἐάν τε σὺν

τῷ ι γράφωμεν τὴν δοτικὴν πτῶσιν ἐάν τε μή

καὶ ἐάν τε διὰ τοῦ σ τὸ σμιλίον καὶ τὴν

Σμύρναν ἐάν τε διὰ τοῦ ζ καὶ ἐπὶ τοῦ

Ἀριστίων ὀνόματος ἐάν τε τῇ προηγουμένῃ

συλλαβῇ τὸ σ προσμερίζωμεν ἐάν τε τῇ

ἐπιφερομένῃ τοῦτο συντάττωμεν

Essa refutaccedilatildeo teve por base a questatildeo do

desacordo Jaacute a que se configura com base nos

resultados eacute bastante oacutebvia Porque natildeo nos causa

qualquer prejuiacutezo escrevermos o caso dativo com ι

iota ou sem ι iota ou grafar smilion (lsquofacarsquo) e

Smyrna (lsquoEsmirnarsquo) com ζ zeta ou com σ sigma

e com relaccedilatildeo ao nome Aristion se o σ sigma

pertence agrave siacutelaba anterior ou se o colocamos com

a seguinte

[174] εἰ μὲν γὰρ παρὰ τὸ διὰ τοῦ σ ἀλλὰ μὴ

διὰ τοῦ ζ γράφειν τὸ σμιλίον οὐκέτι σμιλίον

γίνεται ἀλλὰ δρέπανον καὶ εἰ παρὰ [τὸ σ] τὸ

τοῦ Ἀριστίων ὀνόματος οὕτως ἀλλὰ μὴ

ἐκείνως συντάσσεσθαι τὸ σ [ἢ] ὁ Ἀριστίων

καθώς φησί τις τῶν χαριεντιζομένων

Δειπνίων γίνεται ἥρμοζε μὴ ἀδιαφορεῖν εἰ δrsquo

ὅπως ἂν ἔχῃ τὰ τῆς γραφῆς τὸ σμιλίον ltἐστὶ

σμιλίονgt ἐάν τε διὰ τοῦ σ ἐάν τε διὰ

τοῦ ζ κατάρχηται ὅ τε Ἀριστίων ἀεί ποτέ

ἐστιν Ἀριστίων ἐάν τε τῷ ι ἐάν τε τῷ τ τὸ σ

προσμερίζωμεν τίς χρεία τῆς πολλῆς καὶ

ματαίας παρὰ τοῖς γραμματικοῖς περὶ τούτων

Contudo se smilion (lsquofacarsquo) por ser escrito com ζ

zeta e natildeo com σ sigma deixa de ser o que eacute e se

torna drepanon (lsquofoicersquo) se o nome Aristion

(lsquoaquele que desjejuarsquo) por ser separado de uma

forma e natildeo de outra se tornasse como diria

algum engraccediladinho Deipnion (lsquoaquele que

jantarsquo) se fosse este o caso conviria natildeo sermos

indiferentes Poreacutem se independente da grafia

smilion (lsquofacarsquo) eacute smilion (lsquofacarsquo) com ζ zeta ou

com σ sigma e Aristion sempre Aristion

colocando-se o σ sigma com a siacutelaba anterior ou

com a seguinte que utilidade tem a interminaacutevel

lenga-lenga vatilde dos gramaacuteticos sobre estas coisas

149

μωρολογίας

[175] Κεφαλαιωδέστερον δὴ καὶ περὶ

ὀρθογραφίας διεξιόντες ἴδωμεν εἰς

συμπλήρωσιν τῆς πρὸς τὸ τεχνικὸν μέρος

αὐτῶν ἀντιρρήσεως πότερον ἔχουσί τινα πρὸς

τὸ ἑλληνίζειν συνεστῶσαν μέθοδον ἢ

οὐδαμῶς

Sobre ortografia abordamos os pontos

principais Para completar o ataque agrave parte

teacutecnica veremos se possuem ou natildeo um meacutetodo

consistente para a correccedilatildeo

Εἰ ἔστι τις τέχνη περὶ ἑλληνισμοῦ

[176] Ὅτι μὲν δεῖ τινα φειδὼ ποιεῖσθαι τῆς

περὶ τὰς διαλέκτους καθαριότητος αὐτόθεν

συμφανές ὅ τε γὰρ ἑκάστοτε βαρβαρίζων καὶ

σολοικίζων ὡς ἀπαίδευτος χλευάζεται ὅ τε

ἑλληνίζων ἱκανός ἐστι πρὸς τὸ σαφῶς ἅμα καὶ

ἀκριβῶς παραστῆσαι τὰ νοηθέντα τῶν

πραγμάτων ἤδη δὲ τοῦ ἑλληνισμοῦ δύο εἰσὶ

διαφοραί ὃς μὲν γάρ ἐστι κεχωρισμένος τῆς

κοινῆς ἡμῶν συνηθείας καὶ κατὰ

γραμματικὴν ἀναλογίαν δοκεῖ προκόπτειν ὃς

δὲ κατὰ τὴν ἑκάστου τῶν Ἑλλήνων συνήθειαν

ἐκ παραπλασμοῦ καὶ τῆς ἐν ταῖς ὁμιλίαις

παρατηρήσεως ἀναγόμενος

Se existe uma arte sobre a correccedilatildeo

(hellenismos)119

Que eacute preciso com alguma parcimocircnia cuidar

da pureza do idioma que se fala120 eacute de imediato

oacutebvio pois aquele que comete a todo momento

barbarismos ou solecismos eacute menosprezado como

ignorante Por outro lado quem fala grego

corretamente (hellenizon) eacute capaz de expressar

com clareza e precisatildeo o que pensa (noethenta)

sobre as coisas No entanto haacute dois tipos de

correccedilatildeo um destes tipos estaacute desvinculado de

nosso uso comum e parece proceder da analogia

gramatical o outro se adequa ao uso de cada um

dos gregos tendo origem na imitaccedilatildeo

(paraplasmos) e observaccedilatildeo da fala cotidiana121

[177] οἷον ὁ μὲν τῆς Ζεύς ὀρθῆς πτώσεως τὰς

πλαγίους σχηματίζων τοῦ Ζεός τῷ Ζεΐ τὸν

Ζέα κατὰ τὸν πρότερον τοῦ ἑλληνισμοῦ

χαρακτῆρα διαλέλεκται ὁ δὲ ἀφελῶς τοῦ

Ζηνός λέγων καὶ τῷ Ζηνὶ καὶ ltτὸνgt Ζῆνα

κατὰ τὸν δεύτερον καὶ συνηθέστερον ἡμῖν

πλὴν δυοῖν ὄντων τῶν ἑλληνισμῶν εὔχρηστον

μὲν εἶναί φαμεν τὸν δεύτερον διὰ τὰς

προειρημένας αἰτίας ἄχρηστον δὲ τὸν πρῶτον

διὰ τὰς λεχθησομένας

Assim quem a partir do nominativo Zeus

(lsquoZeusrsquo) forma os casos obliacutequos como Zeos Zeiuml

Zea se adequou ao primeiro tipo de correccedilatildeo jaacute o

que diz simplesmente Zenos Zeni e Zena estaacute

usando a liacutengua de acordo com o segundo tipo ao

qual estamos mais acostumados Ou seja haacute dois

tipos de correccedilatildeo e consideramos que o segundo

tipo seja uacutetil pelas razotildees antes mencionadas mas

o primeiro ao contraacuterio eacute inuacutetil pelas razotildees que

seratildeo apresentadas a seguir

[178] ὥσπερ γὰρ ἐν πόλει νομίσματός τινος Com efeito quando se utiliza uma moeda local em

150

προχωροῦντος κατὰ τὸ ἐγχώριον ὁ μὲν τούτῳ

στοιχῶν δύναται καὶ τὰς ἐν ἐκείνῃ τῇ πόλει

διεξαγωγὰς ἀπαραποδίστως ποιεῖσθαι ὁ δὲ

τοῦτο μὲν μὴ παραδεχόμενος ἄλλο δέ τι

καινὸν χαράσσων ἑαυτῷ καὶ τούτῳ

νομιστεύεσθαι θέλων μάταιος καθέστηκεν

οὕτω κἀν τῷ βίῳ ὁ μὴ βουλόμενος τῇ

συνήθως παραδεχθείσῃ καθάπερ νομίσματι

ὁμιλίᾳ κατακολουθεῖν ἀλλrsquo ἰδίαν αὑτῷ

τέμνειν μανίας ἐγγύς ἐστιν

uma determinada cidade de acordo com o

costume aquele que segue este uso estaacute apto a

fazer seus negoacutecios neste local sem empecilhos

no entanto aquele que natildeo admite isto e ao

cunhar para si mesmo uma moeda nova diferente

pretende utilizaacute-la seraacute apontado como louco O

mesmo acontece com aquele que natildeo deseja seguir

na vida a maneira de falar que eacute comumente

admitida como uma moeda estabelecida mas

pretende talhar uma liacutengua particular para si

mesmo estaacute perto da loucura

[179] διόπερ ltεἰgt οἱ γραμματικοὶ

ὑπισχνοῦνται τέχνην τινὰ τὴν καλουμένην

ἀναλογίαν παραδώσειν διrsquo ἧς κατrsquo ἐκεῖνον

ἡμᾶς τὸν ἑλληνισμὸν ἀναγκάζουσι

διαλέγεσθαι ὑποδεικτέον ὅτι ἀσύστατός

ἐστιν αὕτη ἡ τέχνη δεῖ δὲ τοὺς ὀρθῶς

βουλομένους διαλέγεσθαι τῇ ἀτέχνῳ καὶ

ἀφελεῖ κατὰ τὸν βίον καὶ τῇ κατὰ τὴν κοινὴν

τῶν πολλῶν συνήθειαν παρατηρήσει

προσανέχειν

Por isso se os gramaacuteticos tomam para si o

encargo de transmitir uma certa arte a que

chamam analogia pela qual estariacuteamos obrigados

a falar de acordo com aquele tipo de correccedilatildeo

devemos entatildeo demonstrar que tal arte eacute

inconsistente e os que desejam expressar-se de

maneira correta devem dedicar-se agrave observaccedilatildeo

simples e natildeo teacutecnica da liacutengua viva (ho bios) e do

uso comum de muitos

[180] Εἴπερ οὖν ἔστι τις περὶ ἑλληνισμὸν

τέχνη ἤτοι ἔχει ἀρχὰς ἐφrsquo αἷς συνέστηκεν ἢ

οὐκ ἔχει καὶ μὴ ἔχειν μὲν οὐκ ἂν φαῖεν οἱ

γραμματικοί πᾶσα γὰρ τέχνη ἀπό τινος ἀρχῆς

ὀφείλει συνίστασθαι εἰ δὲ ἔχει ἤτοι τεχνικὰς

ταύτας ἔχει ἢ ἀτέχνους καὶ εἰ μὲν τεχνικάς

πάντως ἢ ἀφrsquo ἑαυτῶν ἢ ἀπrsquo ἄλλης τέχνης

συνέστησαν κἀκείνη πάλιν ἀπὸ τρίτης καὶ ἡ

τρίτη ἀπὸ τετάρτης καὶ τοῦτrsquo εἰς ἄπειρον

ὥστε ἄναρχον γιγνομένην τὴν περὶ

ἑλληνισμὸν τέχνην μηδὲ τέχνην ὑπάρχειν

Pois bem se existe uma arte da correccedilatildeo ela

tem princiacutepios sobre os quais se fundamenta ou

natildeo os tem Os gramaacuteticos natildeo diriam que natildeo os

tem pois toda arte deve estar fundamentada sobre

algum princiacutepio Entatildeo se os tem satildeo princiacutepios

teacutecnicos ou natildeo teacutecnicos Se satildeo teacutecnicos

fundamentam-se sempre ou em si mesmos ou

em outra arte que por sua vez fundamentar-se-ia

numa terceira esta terceira numa quarta e assim

por diante ad infinitum de forma que se natildeo haacute

princiacutepio para a arte da correccedilatildeo tampouco ela

existe como arte

151

[181] εἰ δὲ ἀτέχνους οὐκ ἄλλαι τινὲς

εὑρεθήσονται παρὰ τὴν συνήθειαν ἡ ἄρα

συνήθεια τοῦ τί τέ ἐστιν ἑλληνικὸν καὶ τί

ἀνελλήνιστον γίνεται κριτήριον καὶ οὐκ ἄλλη

τις περὶ τὸν ἑλληνισμὸν τέχνη

Se se considera que os princiacutepios satildeo natildeo teacutecnicos

nenhum outro seraacute encontrado a natildeo ser o uso

Logo o uso eacute o criteacuterio para o que eacute correto e o

que eacute incorreto em grego (anelleniston) e natildeo

alguma outra arte acerca da correccedilatildeo

[182] ἄλλως τε ἐπεὶ τῶν τεχνῶν αἱ μὲν τῷ

ὄντι εἰσὶ τέχναι ὡς ἡ ἀνδριαντοποιικὴ καὶ

ζωγραφία αἱ δὲ ἐπαγγέλματι μέν εἰσι τέχναι

οὐ πάντως δὲ καὶ κατrsquo ἀλήθειαν ὡς

Χαλδαϊκή τε καὶ θυτική ἵνα μάθωμεν

πότερόν ποτε καὶ ἡ περὶ τὸν ἑλληνισμὸν

λεγομένη τέχνη ἢ ὑπόσχεσις μόνον ἐστὶν ἢ

καὶ ὑποκειμένη δύναμις δεήσει κριτήριόν τι

ἡμᾶς ἔχειν εἰς τὴν ταύτης δοκιμασίαν

Aleacutem disso dentre as artes algumas satildeo na

realidade (toi onti) artes como a escultura e

pintura e outras apenas se proclamam como tais

mas natildeo satildeo artes totalmente e de verdade como a

astrologia caldeia e a profecia que acompanha os

sacrifiacutecios Para verificarmos de qual tipo eacute a

chamada arte sobre a correccedilatildeo se promessa

apenas ou uma capacidade de fato teriacuteamos que

ter um criteacuterio para a avaliaccedilatildeo (dokimasia)

[183] τοῦτrsquo οὖν τὸ κριτήριον πάλιν ἤτοι

τεχνικόν τί ἐστι (καὶ περὶ ἑλληνισμόν εἴγε καὶ

τῆς περὶ τὸν ἑλληνισμὸν κρινούσης εἰ ὑγιῶς

κρίνει δοκιμαστικὸν καθέστηκεν) ἢ ἄτεχνον

ἀλλὰ τεχνικὸν μὲν περὶ ἑλληνισμὸν οὐκ ἂν

εἴη διὰ τὴν προειρημένην εἰς ἄπειρον

ἔκπτωσιν ἄτεχνον δrsquo εἰ λαμβάνοιτο τὸ

κριτήριον οὐκ ἄλλο τι εὑρήσομεν ἢ τὴν

συνήθειαν ἡ ἄρα

συνήθεια καὶ αὐτὴν τὴν περὶ ἑλληνισμὸν

τέχνην κρίνουσα οὐ δεήσεται τέχνης

E assim novamente esse criteacuterio ou seria teacutecnico

(e relativo agrave correccedilatildeo do grego jaacute que teria sido

estabelecido para avaliar se esta arte que julga a

correccedilatildeo do grego julga apropriadamente) ou

seria natildeo teacutecnico Mas natildeo poderia haver um

criteacuterio teacutecnico relativo agrave correccedilatildeo por causa do

que foi dito antes acerca do regresso ao infinito E

se este criteacuterio for considerado natildeo teacutecnico natildeo se

encontraraacute nenhum outro senatildeo o uso Logo o uso

julgaraacute tambeacutem a proacutepria arte da correccedilatildeo e natildeo

haveraacute necessidade de uma arte

[184] Εἴπερ δὲ οὐκ ἄλλως ἔστιν ἑλληνίζειν

ἐὰν μὴ παρὰ γραμματικῆς μάθωμεν τὸ

ἑλληνικόν ἤτοι ἐναργές ἐστι τοῦτο καὶ ἐξ

αὑτοῦ βλεπόμενον ἢ ἀδηλότερον ἀλλrsquo

ἐναργὲς μὲν οὐκ ἔστιν ἐπεὶ σύμφωνον ἂν ἦν

παρὰ πᾶσιν ὡς τὰ λοιπὰ τῶν ἐltναgtργῶν

Pois se de fato natildeo haacute outro modo de falar

grego corretamente a natildeo ser aprendermos o grego

correto junto agrave gramaacutetica entatildeo ou isto eacute algo

evidente que se vecirc por si mesmo ou eacute natildeo-

evidente (adeloteron) Mas natildeo eacute evidente ou

haveria acordo unacircnime sobre isso como haacute

acerca de todas as outras coisas evidentes

[185] καὶ ἄλλως πρὸς μὲν τὴν τοῦ ἐναργοῦς Aleacutem disso nenhuma arte eacute necessaacuteria para a

152

ἀντίληψιν οὐδεμιᾶς τέχνης ἐστὶ χρεία

καθάπερ οὐδὲ πρὸς τὸ λευκὸν ὁρᾶν ἢ γλυκέος

γεύεσθαι ἢ θερμοῦ θιγγάνειν πρὸς δὲ τὸ

ἑλληνίζειν μεθόδου τινὸς καὶ τέχνης κατὰ

τοὺς γραμματικούς ἐστι χρεία οὐκ ἄρα

ἐναργές ἐστι τὸ ἑλληνίζειν

apreensatildeo do que eacute evidente tal como natildeo eacute

necessaacuteria para ver o branco sentir um gosto

doce ou sentir calor E para falar grego

corretamente meacutetodo e arte satildeo necessaacuterios

segundo os gramaacuteticos Logo falar grego

corretamente natildeo eacute algo evidente

[186] ἄδηλον δὲ εἴπερ ἐστί πάλιν ἐπεὶ τὸ

ἄδηλον ἔκ τινος ἑτέρου γνωρίζεται ἤτοι

φυσικῷ τινι κατακολουθητέον κριτηρίῳ ἐξ

οὗ διαγιγνώσκεται τί τὸ ἑλληνικὸν καὶ τί τὸ

ἀνελλήνιστον ἢ τῇ ἑνὸς συνηθείᾳ ὡς ἄκρως

ἑλληνίζοντος χρηστέον πρὸς τὴν τούτου

κατάληψιν ἢ τῇ πάντων

E se for uma coisa natildeo-evidente e o natildeo-evidente

se conhece a partir de alguma outra coisa seria

preciso seguir ou algum criteacuterio natural com o

qual distinguimos o que eacute correto e o que eacute

incorreto ou para sua apreensatildeo deve-se

empregar ou o uso de uma uacutenica pessoa (que fale

o grego de forma sumamente correta) ou o uso de

todos

[187] ἀλλὰ φυσικὸν μὲν κριτήριον εἰς τὸ

ἑλληνικὸν καὶ τὸ μὴ τοιοῦτον οὐδὲν ἔχομεν

τοῦ γὰρ Ἀττικοῦ τὸ τάριχος λέγοντος ὡς

ἑλληνικὸν καὶ τοῦ Πελοποννησίου ὁ τάριχος

προφερομένου ὡς ἀδιάστροφον καὶ τοῦ μὲν

τὴν στάμνον ὀνομάζοντος τοῦ δὲ τὸν

στάμνον οὐδὲν ἔχει ἐξ ἑαυτοῦ κριτήριον

πιστὸν ὁ γραμματικὸς εἰς τὸ οὕτως ἀλλὰ μὴ

οὕτως δεῖν λέγειν εἰ μὴ ἄρα τὴν ἑκάστου

συνήθειαν ἥτις οὔτε τεχνικὴ οὔτε φυσική

ἐστιν

Mas natildeo temos um criteacuterio natural com o qual

podemos distinguir o que eacute correto em grego e o

que natildeo eacute porque para os atenienses dizer to

tarikhos (lsquocarne secarsquo) no neutro estaacute correto e

os peloponeacutesios tecircm certeza de que o correto eacute ho

tarikhos no masculino e um diz he stamnos

(lsquojarrorsquo) no feminino o outro ho stamnos no

masculino De forma que o gramaacutetico natildeo tem

nenhum criteacuterio por si mesmo confiaacutevel para o

que deve ser dito de uma forma e natildeo de outra a

natildeo ser o uso de cada um o que natildeo eacute nem teacutecnico

nem natural

[188] τῇ δὲ τινὸς συνηθείᾳ δεῖν ἀκολουθεῖν

εἴπερ ἐροῦσιν ἤτοι φάσει μόνον ἐροῦσιν ἢ

ἐμμεθόδοις ἀποδείξεσι χρησάμενοι ἀλλὰ

φάσιν μὲν λέγουσι φάσιν ἀντιθήσομεν περὶ

τοῦ τοῖς πολλοῖς μᾶλλον ἢ τῷ ἑνὶ δεῖν

ἀκολουθεῖν ἐμμεθόδως δὲ ἀποδεικνύντες ὅτι

οὗτος ἑλληνίζει ἀναγκασθήσονται ἐκείνην

E se disserem que se deve seguir o uso de uma

uacutenica pessoa ou isso eacute uma mera asserccedilatildeo ou

precisam apresentar provas concordantes com um

meacutetodo Mas se dizem que eacute uma asserccedilatildeo

contrapomos com a asserccedilatildeo de que se deve seguir

de preferecircncia o uso de muitos a seguir um Se

apresentarem metodicamente as provas de que tal

153

τὴν μέθοδον κριτήριον ἑλληνισμοῦ λέγειν διrsquo

ἣν καὶ οὗτος ἑλληνίζων δέδεικται ἀλλrsquo οὐχὶ

τοῦτον

sujeito fala grego corretamente seratildeo obrigados a

chamar de criteacuterio para a correccedilatildeo natildeo o sujeito

mas o meacutetodo pelo qual demonstraram que ele

fala grego corretamente

[189] λείπεται οὖν τῇ πάντων συνηθείᾳ

προσέχειν εἰ δὲ τοῦτο οὐ χρεία τῆς

ἀναλογίας ἀλλὰ παρατηρήσεως τοῦ πῶς οἱ

πολλοὶ διαλέγονται καὶ τί ὡς ἑλληνικὸν

παραδέχονται ἢ ὡς οὐ τοιοῦτον ἐκκλίνουσιν

τό γε μὴν ἑλληνικὸν ἤτοι φύσει ἐστὶν ἢ θέσει

καὶ φύσει μὲν οὐκ ἔστιν ἐπεὶ οὐκ ἄν ποτε

ταὐτὸν τοῖς μὲν ἑλληνικὸν ἐδόκει τυγχάνειν

τοῖς δὲ οὐχ ἑλληνικόν

Faltou entatildeo considerar que seja o uso de todos

Se eacute isto natildeo eacute a analogia que eacute necessaacuteria mas a

observaccedilatildeo de como muitos falam do que

admitem como grego correto ou evitam como

incorreto E de fato a correccedilatildeo do grego ou se daacute

por natureza ou por convenccedilatildeo Mas natildeo eacute por

natureza pois se fosse jamais aconteceria de uma

mesma coisa parecer correta para alguns e

incorreta para outros

[190] θέσει δὲ εἴπερ ἐστὶ καὶ νόμῳ τῶν

ἀνθρώπων ὁ συνασκηθεὶς μάλιστα καὶ

τριβεὶς ἐν τῇ συνηθείᾳ οὗτος ἑλληνίζει καὶ

οὐχ ὁ τὴν ἀναλογίαν ἐπιστάμενος καὶ γὰρ

ἄλλως ἔνεστι παραστῆσαι ὅτι οὐ δεόμεθα

πρὸς τὸ ἑλληνίζειν τῆς γραμματικῆς

E se fosse por convenccedilatildeo e lei dos homens aquele

que tem mais praacutetica e estaacute mais habituado ao uso

eacute que fala corretamente e natildeo o que domina

(epistamenos) a analogia Aleacutem disso podemos

demonstrar tambeacutem de outra forma que noacutes natildeo

precisamos da gramaacutetica para falar grego

corretamente

[191] ἐν γὰρ ταῖς ἀνὰ χεῖρα ὁμιλίαις ἤτοι

ἀντικόψουσιν ἡμῖν οἱ πολλοὶ ἐπί τισι λέξεσιν

ἢ οὐκ ἀντικόψουσιν καὶ εἰ μὲν ἀντικόψουσιν

εὐθὺς καὶ διορθώσονται ἡμᾶς ὥστε παρὰ τῶν

ἐκ τοῦ βίου καθεστώτων ἀλλrsquo οὐχὶ παρὰ

γραμματικῶν ἔχειν τὸ ἑλληνίζειν

Pois nas conversas cotidianas ou muitos iratildeo se

opor a noacutes no uso de algumas expressotildees (lekseis)

ou natildeo haveraacute oposiccedilatildeo E se se opotildeem iratildeo ao

mesmo tempo nos corrigir de forma que falar

grego corretamente depende do que se aponta a

partir da liacutengua viva e natildeo da gramaacutetica

[192] εἰ δrsquo οὐ δυσχεραίνουσιν ἀλλrsquo ὡς σαφέσι

καὶ ὀρθῶς ἔχουσι συμπεριφέροιντο τοῖς

λεγομένοις καὶ ἡμεῖς αὐτοῖς ἐπιμενοῦμεν

κατά τε ταύτην τὴν ἀναλογίαν ἤτοι πάντες ἢ

οἱ πλεῖστοι ἢ οἱ πολλοὶ διαλέγονται οὔτε δὲ

πάντες οὔθrsquo οἱ πλεῖστοι οὔθrsquo οἱ πολλοί μόλις

γὰρ δύο ἢ τρεῖς τοιοῦτοι εὑρίσκονται οἱ δὲ

E se os outros natildeo se incomodam mas se mostram

familiarizados com o que estamos dizendo como

estando claro e correto tambeacutem noacutes iremos

perseverar neste uso E ou todos (pantes) falam

de acordo com a analogia ou a maior parte

(pleistoi) ou muitos (polloi) mas nem todos nem

a maior parte nem muitos porque dificilmente se

154

πλεῖστοι οὐδὲ ἴσασιν αὐτήν encontram duas ou trecircs pessoas que o fazem e a

maior parte sequer conhece a analogia

[193] τοίνυν ἐπεὶ τῇ τῶν πολλῶν συνηθείᾳ

καὶ οὐ τῇ τῶν δυοῖν ἀναγκαῖον

κατακολουθεῖν ῥητέον τὴν παρατήρησιν τῆς

κοινῆς συνηθείας χρησιμεύειν πρὸς τὸ

ἑλληνίζειν ἀλλὰ μὴ τὴν ἀναλογίαν ἐπὶ

πάντων γε μὴν σχεδὸν τῶν χρησιμευόντων τῷ

βίῳ μέτρον ἐστὶν ἱκανὸν τὸ μὴ

παραποδίζεσθαι πρὸς τὰς χρείας

Pois bem jaacute que eacute o uso de muitos e natildeo de duas

pessoas que eacute necessaacuterio seguir deve ser dito que

a observaccedilatildeo do uso comum eacute necessaacuteria para

falar grego corretamente mas natildeo a analogia E

de fato como em praticamente tudo na vida que eacute

uacutetil eacute criteacuterio (metron) suficiente natildeo complicar-

se para alcanccedilar as coisas necessaacuterias

[194] διόπερ εἰ καὶ ὁ ἑλληνισμὸς διὰ δύο

μάλιστα προηγούμενα ἔτυχεν ἀποδοχῆς τήν

τε σαφήνειαν καὶ τὴν προσήνειαν τῶν

δηλουμένων (τούτοις γὰρ ἔξωθεν κατrsquo

ἐπακολούθησιν συνέζευκται τὸ μεταφορικῶς

καὶ ἐμφατικῶς καὶ κατὰ τοὺς ἄλλους τρόπους

φράζειν) ζητήσομεν οὖν ἐκ ποτέρας ταῦτα

μᾶλλον περιγίνεται ἆρά γε τῆς κοινῆς

συνηθείας ἢ τῆς ἀναλογίας ἵνα ἐκείνῃ

προσθώμεθα

Assim se a correccedilatildeo recebeu aprovaccedilatildeo por causa

de duas razotildees principais clareza e conformidade

(proseneia) das expressotildees (ta deloumena) (pois

foi algo agregado de fora e acessoriamente o falar

(phrazein) metaforicamente enfaticamente ou de

acordo com outras figuras (tropoi))122 vamos

investigar entatildeo atraveacutes de qual das correccedilotildees se

alcanccedila mais provavelmente estas qualidades a

que segue o uso comum ou a analogia e com isso

vamos tomar seu partido

[195] βλέπομεν δέ γε ὡς ἐκ τῆς κοινῆς

συνηθείας μᾶλλον ἢ ὅτι ἐκ τῆς ἀναλογίας

ἐκείνῃ ἄρα ἀλλrsquo οὐ ταύτῃ χρηστέον τὸ μὲν

γὰρ τῆς ὀρθῆς πτώσεως ὁ Ζεύς οὔσης τὰς

πλαγίους προφέρεσθαι Ζηνός Ζηνί Ζῆνα καὶ

τῆς κύων κυνός κυνί κύνα ltοὐ μόνονgt σαφές

ἀλλὰ καὶ ἀπρόσκοπον τοῖς πολλοῖς εἶναι

φαίνεται τοῦτο δέ ἐστι τὸ τῆς κοινῆς

συνηθείας τὸ δὲ ἀπὸ τῆς Ζεύς ὀρθῆς Ζεός

λέγειν καὶ Ζεΐ καὶ Ζέα καὶ ἀπὸ τῆς κύων

σχηματίζειν κύωνος κύωνι κύωνα ἢ ἀπὸ τῆς

κυνός γενικῆς ἀξιοῦν τὴν ὀρθὴν κῦς

ὑπάρχειν καὶ ἐπὶ τῶν ῥηματικῶν φερήσω

Percebe-se no entanto que de fato mais vale o

uso comum que a analogia Logo deve-se usar

aquele mas natildeo esta Pois do nominativo Zeus

(lsquoZeusrsquo) formar os casos obliacutequos Zenos Zeni e

Zena e de kuon (lsquocatildeorsquo) formar kunos kuni e

kuna parece natildeo somente claro mas tambeacutem eacute

sem objeccedilotildees para muitos e isto eacute proacuteprio do uso

comum Mas de Zeus dizer Zeos Zeiuml e Zea e de

kuon dizer kuonos kuoni kuona ou a partir do

genitivo kunos considerar que o nominativo eacute kus

ou nas formas verbais dizer phereso e blepeso123

por analogia a kueso (lsquoengravidarrsquo) e theleso

(lsquoquererrsquo) natildeo somente natildeo eacute claro como tambeacutem

155

λέγειν καὶ βλεπήσω ὡς κυήσω καὶ θελήσω οὐ

μόνον ἀσαφὲς ἀλλὰ καὶ γέλωτος ἔτι δὲ

προσκοπῆς ἄξιον εἶναι δοκεῖ τοῦτο δὲ γίνεται

ἀπὸ ἀναλογίας

parece ser motivo de riso e mesmo de ofensa E

isto eacute o que resulta da analogia

[196] τοίνυν ὡς ἔφην οὐ ταύτῃ χρηστέον

ἀλλὰ τῇ συνηθείᾳ

Μήποτε δὲ καὶ περιτρέπονται καὶ ἐάν ltτεgt

θελήσωσιν ἐάν τε καὶ μή ἀναγκασθήσονται

χρῆσθαι μὲν τῇ συνηθείᾳ παραπέμπειν δὲ τὴν

ἀναλογίαν σκοπῶμεν δrsquo ἐντεῦθεν τὸ

λεγόμενον τουτέστιν ἐκ τῆς πρὸς αὐτοὺς

ἀκολουθίας

Portanto como disse natildeo eacute esta que se deve usar

mas o uso comum

E pode ser que acabem mesmo por refutar-se a

si mesmos pois querendo ou natildeo eacute obrigatoacuterio

seguir o uso e deixar de lado a analogia Vamos

entatildeo examinar o que eles dizem a partir disto

mesmo ou seja a partir da consequecircncia para eles

proacuteprios

[197] ζητουμένου γὰρ τοῦ πῶς δεῖ λέγειν

χρῆσθαι ἢ χρᾶσθαι φασὶν ὅτι χρᾶσθαι καὶ

ἀπαιτούμενοι τούτου τὴν πίστιν λέγουσιν ὅτι

χρῆσις καὶ κτῆσις ἀνάλογά ἐστιν ὡς οὖν

κτᾶσθαι μὲν λέγεται κτῆσθαι δὲ οὐ λέγεται

οὕτω καὶ χρᾶσθαι μὲν ῥηθήσεται χρῆσθαι δὲ

οὐ πάντως

Pois perguntados se se deve dizer khrestai ou

khrasthai (lsquoservir-se dersquo) diratildeo que eacute khrasthai e

quando se pede uma prova disso dizem que

khresis (lsquousorsquo) e ktesis (lsquoaquisiccedilatildeorsquo) satildeo anaacutelogos

Portanto jaacute que se diz ktasthai (lsquoadquirirrsquo) mas

natildeo ktesthai assim tambeacutem deveremos dizer

khrasthai e de forma alguma khresthai

[198] ἀλλrsquo εἰ ἐπακολουθῶν τις αὐτοῖς πύθοιτο

lsquoαὐτὸ δὲ τοῦτο τὸ κτᾶσθαι ὅτι ὀρθῶς εἴρηται

ἀφrsquo οὗ καὶ τὸ χρᾶσθαι ἀποδείκνυμεν πόθεν

ἴσμενrsquo φήσουσιν ὅτι ἐν τῇ συνηθείᾳ λέγεται

τοῦτο δὲ λέγοντες δώσουσι τὸ τῇ συνηθείᾳ

δεῖν ὡς κριτηρίῳ προσέχειν ἀλλὰ μὴ τῇ

ἀναλογίᾳ

Mas se continuamos a investigar e perguntamos

lsquocomo sabemos que a forma ktasthai a partir da

qual indicamos krasthai estaacute corretarsquo -

respondem que eacute porque eacute de uso comum E ao

dizer isto confirmam que eacute preciso se ater ao uso

como criteacuterio e natildeo agrave analogia

[199] εἰ γὰρ ὅτι ἐν τῇ συνηθείᾳ λέγεται

κτᾶσθαι ῥητέον καὶ χρᾶσθαι ὀφείλομεν

παρέντες τὴν ἀναλογικὴν τέχνην ἐπὶ τὴν

συνήθειαν ἀναδραμεῖν ἀφrsquo ἧς κἀκείνη

ἤρτηται

Καὶ μὴν ἡ ἀναλογία ὁμοίων πολλῶν

ὀνομάτων ἐστὶ παράθεσις τὰ δὲ ὀνόματα

Pois se se deve dizer khrasthai porque no uso

comum se diz ktasthai entatildeo vamos ter que

deixar de lado a arte da analogia e retomar o uso

comum do qual tambeacutem ela depende

De fato a analogia eacute a comparaccedilatildeo de muitas

palavras (onomata) similares e estas palavras satildeo

tiradas do uso Portanto tambeacutem a consistecircncia da

156

ταῦτα ἐκ τῆς συνηθείας ὥστε καὶ ἡ σύστασις

τῆς ἀναλογίας ἀπὸ τῆς συνηθείας πρόεισιν

analogia procede do uso

[200] τούτου δὲ οὕτως ἔχοντος ἐρωτητέον

τρόπῳ τῷδε ἤτοι ἐγκρίνετε τὴν συνήθειαν ὡς

πιστὴν πρὸς διάγνωσιν ἑλληνισμοῦ ἢ

ἐκβάλλετε εἰ μὲν ἐγκρίνετε αὐτόθεν

συνῆκται τὸ προκείμενον καὶ οὐ χρεία τῆς

ἀναλογίας εἰ δὲ ἐκβάλλετε ἐπεὶ καὶ ἡ

ἀναλογία ἐκ ταύτης συνίσταται ἐκβάλλετε

καὶ τὴν ἀναλογίαν καὶ πάλιν ἄτοπον τὸ αὐτὸ

καὶ ὡς πιστὸν προσίεσθαι καὶ ὡς ἄπιστον

παραιτεῖσθαι

Pois bem jaacute que estas coisas satildeo desta forma

devemos confrontaacute-los com o seguinte ou vocecircs

aceitam o uso como confiaacutevel para a distinccedilatildeo do

grego correto ou o rejeitam Se o admitem a

presente questatildeo resolve-se por si mesma e natildeo haacute

necessidade da analogia Se o rejeitam jaacute que a

analogia se baseia propriamente nele rejeitam

tambeacutem a analogia E de novo eacute absurdo aceitar

uma mesma coisa como confiaacutevel e rechaccedilaacute-la

como natildeo confiaacutevel

[201] οἱ δὲ γραμματικοὶ θέλοντες τὴν

συνήθειαν ὡς ἄπιστον ἐκβάλλειν καὶ πάλιν

ταύτην ὡς πιστὴν παραλαμβάνειν τὸ αὐτὸ

πιστὸν ἅμα καὶ ἄπιστον ποιήσουσιν ἵνα γὰρ

δείξωσιν ὅτι οὐ διαλεκτέον κατὰ τὴν

συνήθειαν εἰσάγουσι τὴν ἀναλογίαν ἡ δὲ

ἀναλογία οὐκ ἰσχυροποιεῖται εἰ μὴ συνήθειαν

ἔχοι τὴν βεβαιοῦσαν

Poreacutem os gramaacuteticos porque querem rejeitar o

uso como natildeo confiaacutevel e ainda assim admitir

este mesmo uso como confiaacutevel acabam por fazer

com que uma mesma coisa seja confiaacutevel e natildeo-

confiaacutevel ao mesmo tempo O fato eacute que

introduzem a analogia para mostrar que natildeo se

deve falar segundo o uso mas a analogia natildeo tem

validade se natildeo tiver a confirmaccedilatildeo do uso

comum

[202] τῇ ἄρα συνηθείᾳ ἐκβάλλοντες τὴν

συνήθειαν τὸ αὐτὸ πιστὸν ἅμα καὶ ἄπιστον

ποιήσουσιν ἐκτὸς εἰ μή τι φήσουσι μὴ τὴν

αὐτὴν συνήθειαν ἐκβάλλειν ἅμα καὶ

προσίεσθαι ἀλλrsquo ἄλλην μὲν ἐκβάλλειν ἄλλην

δὲ προσίεσθαι ὅπερ καὶ λέγουσιν οἱ ἀπὸ

Πινδαρίωνος ἀναλογία φασίν

ὁμολογουμένως ἐκ τῆς συνηθείας ὁρμᾶται

ἔστι γὰρ ὁμοίου τε καὶ ἀνομοίου θεωρία

Logo ao rejeitarem o uso atraveacutes do uso acabam

por fazer com que seja confiaacutevel e natildeo-confiaacutevel

ao mesmo tempo A menos que digam isto natildeo

para rejeitar o uso comum ao mesmo tempo que o

admitem mas porque rejeitam um tipo e admitem

outro Isso eacute o que dizem os disciacutepulos de

Pindaacuterio ldquoTodos concordamrdquo ndash dizem eles ndash ldquoque

a analogia proveacutem do uso pois eacute uma teoria

(theoria) acerca do que eacute similar e do que eacute

diferente

[203] τὸ δὲ ὅμοιον καὶ ἀνόμοιον ἐκ τῆς

δεδοκιμασμένης λαμβάνεται συνηθείας

e similar e diferente satildeo ambos tomados do uso

consagrado e o que eacute consagrado e tambeacutem o

157

δεδοκιμασμένη δὲ καὶ ἀρχαιοτάτη ἐστὶν ἡ

Ὁμήρου ποίησις ποίημα γὰρ οὐδὲν

πρεσβύτερον ἧκεν εἰς ἡμᾶς τῆς ἐκείνου

ποιήσεως διαλεξόμεθα ἄρα τῇ Ὁμήρου

κατακολουθοῦντες συνηθείᾳ

mais antigo eacute a poesia homeacuterica Nenhum poema

mais antigo que a poesia de Homero chegou ateacute

noacutesrdquo vamos entatildeo conversar seguindo o uso de

Homero124

[204] ἀλλὰ πρῶτον μὲν οὐχ ὑπὸ πάντων

ὁμολογεῖται ποιητὴς ἀρχαιότατος εἶναι

Ὅμηρος ἔνιοι γὰρ Ἡσίοδον προήκειν τοῖς

χρόνοις λέγουσιν Λίνον τε καὶ Ὀρφέα καὶ

Μουσαῖον καὶ ἄλλους παμπληθεῖς οὐ μὴν

ἀλλὰ καὶ πιθανόν ἐστι γεγονέναι μέν τινας

πρὸ αὐτοῦ καὶ κατrsquo αὐτὸν ποιητάς ἐπεὶ καὶ

αὐτός πού φησι

τὴν γὰρ ἀοιδὴν μᾶλλον ἐπικλείουσrsquo

ἄνθρωποι

ἥτις ἀκουόντεσσι νεωτάτη ἀμφιπέληται

τούτους δὲ ὑπὸ τῆς περὶ αὐτὸν λαμπρότητος

ἐπεσκοτῆσθαι

Mas o fato eacute que primeiro nem todos estatildeo de

acordo sobre Homero ser o poeta mais antigo

alguns dizem que Hesiacuteodo eacute anterior tambeacutem

Lino e Orfeu e muitiacutessimos outros Na verdade eacute

sim plausiacutevel que houvesse poetas antes dele ou

contemporacircneos jaacute que ele mesmo diz em algum

lugar

lsquopois entre o povo recebem mais altos louvores os

cantos

que para o ouvinte mais novos lhe soamrsquo

[Odisseia I 351-2 Trad Carlos Alberto Nunes]

Mas o brilho de Homero deixou esses poetas na

obscuridade

[205] καὶ εἰ ἀρχαιότατος δὲ ὁμολογοῖτο

τυγχάνειν Ὅμηρος οὐδὲν εἴρηται ὑπὸ τοῦ

Πινδαρίωνος ἱκνούμενον ὥσπερ γὰρ

προηποροῦμεν περὶ τοῦ πότερόν ποτε44 τῇ

συνηθείᾳ ἢ τῇ ἀναλογίᾳ χρηστέον οὕτω καὶ

νῦν διαπορήσομεν πότερον τῇ συνηθείᾳ ἢ τῇ

ἀναλογίᾳ καὶ εἰ τῇ συνηθείᾳ ἆρα τῇ καθrsquo

Ὅμηρον ἢ τῇ τῶν ἄλλων ἀνθρώπων πρὸς

ὅπερ οὐδὲν εἴρηται

E mesmo que se concorde ser Homero o mais

antigo ainda assim nada razoaacutevel foi dito por

Pindaacuterio Pois assim como estaacutevamos em duacutevida

antes sobre ser preciso seguir o uso ou a analogia

agora tambeacutem iremos questionar se eacute o uso ou a

analogia e se for o uso se eacute conforme Homero ou

conforme o resto das pessoas ndash sobre isso

Pindaacuterio nada disse

[206] εἶτα κἀκείνην μάλιστα δεῖ τὴν

συνήθειαν μεταδιώκειν ᾗ προσχρώμενοι οὐ

γελασθησόμεθα τῇ δὲ Ὁμηρικῇ

κατακολουθοῦντες οὐ χωρὶς γέλωτος

ἑλληνιοῦμεν μάρτυροι λέγοντες καὶ lsquoσπάρτα

E em segundo lugar eacute preciso sobretudo seguir

o uso que natildeo nos torne motivo de risada Mas se

focircssemos seguir o uso homeacuterico estariacuteamos

usando um tal grego que cairiam na risada quando

nos saiacutessemos com coisas como marturoi

44 Blank ad loc Por πότερόν τε

158

λέλυνταιrsquo καὶ ἄλλα τούτων ἀτοπώτερα τοίνυν

οὐδrsquo οὗτός ἐστιν ὁ λόγος ὑγιής μετὰ καὶ τοῦ

συγκεχωρῆσθαι τὸ κατασκευαζόμενον ὑφrsquo

ἡμῶν τουτέστι τὸ μὴ χρῆσθαι ἀναλογίᾳ

(lsquotestemunhasrsquo) e sparta leluntai (lsquoas cordas estatildeo

soltasrsquo) ou outras ainda mais estranhas Logo

tampouco este argumento eacute apropriado aleacutem de

que confirma a proposiccedilatildeo que estaacutevamos

tentando estabelecer ou seja de que natildeo haacute por

que servir-se da analogia

[207] τί γὰρ διήνεγκεν εἴτrsquo ἐπὶ τὴν τῶν

πολλῶν εἴτrsquo ἐπὶ τὴν Ὁμήρου συνήθειαν

ἐλθεῖν ὡς γὰρ ἐπὶ τῆς τῶν πολλῶν τηρήσεώς

ἐστι χρεία ἀλλrsquo οὐ τεχνικῆς ἀναλογίας οὕτω

καὶ ἐπὶ τῆς Ὁμήρου τηρήσαντες γὰρ αὐτοὶ

πῶς εἴωθε λέγειν οὕτω καὶ διαλεξόμεθα

Pois qual a diferenccedila entre seguir o uso da maioria

e o uso de Homero Para seguir o uso da maioria eacute

necessaacuterio observaccedilatildeo e natildeo analogia teacutecnica e eacute

a mesma coisa quando se trata do uso de Homero

Pois iriacuteamos moldar nossa fala a partir da

observaccedilatildeo de seu modo usual de se expressar

[208] τὸ δὲ ὅλον ὡς αὐτὸς Ὅμηρος οὐκ

ἀναλογίᾳ προσεχρήσατο ἀλλὰ τῇ τῶν κατrsquo

αὐτὸν ἀνθρώπων συνηθείᾳ κατηκολούθησεν

οὕτω καὶ ἡμεῖς οὐκ ἀναλογίαltιgt πάντως

ltπροσgtἑξόμεν βεβαιωτὴν ἐχούσηι45 Ὅμηρον

ἀλλὰ τὴν συνήθειαν τῶν καθrsquo αὑτοὺς

ἀνθρώπων παραπλασόμεθα

Em suma assim como o proacuteprio Homero natildeo

utiliza analogia mas segue o uso comum das

pessoas de seu tempo tambeacutem noacutes natildeo iremos

prestar atenccedilatildeo agrave analogia nunca embora tenha

Homero como suporte mas nos moldaremos

(paraplasso) ao uso dos homens de nosso tempo

[209] Ἄρτι μὲν οὖν ἐκ τῆς πρὸς τοὺς

γραμματικοὺς ἀκολουθίας συνῆκται τὸ

παρέλκειν μὲν τὴν ἀναλογίαν πρὸς

ἑλληνισμόν εὐχρηστεῖν δὲ τὴν τῆς συνηθείας

παρατήρησιν δῆλον δὲ ἴσως ἔσται ltκαὶgt46 ἐκ

τῶν ῥητῶν

Assim acabamos de concluir a partir das

consequecircncias de seus argumentos que para falar

grego corretamente a analogia eacute dispensaacutevel e a

observaccedilatildeo do uso comum eacute que eacute bastante uacutetil

Provavelmente isso tambeacutem ficaraacute evidente a

partir do que afirmam

[210] ὁριζόμενοι γὰρ τόν τε βαρβαρισμὸν καὶ

τὸν σολοικισμόν φασι lsquoβαρβαρισμός ἐστι

παράπτωσις ἐν ἁπλῇ λέξει παρὰ τὴν κοινὴν

συνήθειανrsquo καὶ lsquoσολοικισμός ἐστι

παράπτωσις ἀσυνήθης κατὰ τὴν ὅλην

σύνταξιν καὶ ἀνακόλουθοςrsquo

Pois quando definem barbarismo e solecismo

afirmam que lsquobarbarismo eacute o desvio (paraptosis)

do uso comum em uma palavra apenasrsquo e

lsquosolecismo eacute o desvio do uso e da coerecircncia em

toda a construccedilatildeo (suntaksis)rsquo

[211] πρὸς ἃ δυνάμεθα λέγειν εὐθύς ἀλλrsquo εἰ ὁ Contra isto podemos logo dizer mas se o

45 Blank ad loc com Blomqvist p 79 ss Por lsquoοὐκ ἀναλογίας πάντως ἑξόμεθα βεβαιωτὴν ἐχούσηltςgtrsquo 46 Blank ad loc com Bekker

159

μὲν βαρβαρισμός ἐστιν ἐν ἁπλῇ λέξει ὁ δὲ

σολοικισμὸς ἐν συνθέσει λέξεων δέδεικται δὲ

ἔμπροσθεν ὡς οὔτε ἁπλῆ ἔστι λέξις τις οὔτε

σύνθεσις λέξεων οὐδέν ἐστι βαρβαρισμὸς ἢ

σολοικισμός

barbarismo ocorre em uma palavra apenas e o

solecismo na combinaccedilatildeo (suntaksis) das palavras

e como ficou demonstrado acima natildeo existe nem

palavra sozinha tampouco a combinaccedilatildeo delas

barbarismo e solecismo natildeo satildeo nada

[212] πάλιν εἰ ἐν λέξει μιᾷ ὁ βαρβαρισμὸς

νοεῖται καὶ ἐν συνθέσει λέξεων ὁ

σολοικισμός ἀλλrsquo οὐκ ἐν τοῖς ὑποκειμένοις

πράγμασι πῶς ἥμαρτον εἰπὼν lsquoοὗτοςrsquo

δείκνυμι δὲ γυναῖκα ἢ lsquoαὕτηrsquo δείκνυμι δὲ

νεανίαν οὔτε γὰρ ἐσολοίκισα οὐ γὰρ

σύνθεσιν πολλῶν ἀκαταλλήλων λέξεων

προηνεγκάμην ἀλλrsquo ἁπλῆν τὴν οὗτος λέξιν ἢ

αὕτη

Ainda se se concebe o barbarismo em uma uacutenica

palavra e o solecismo na combinaccedilatildeo das

palavras mas natildeo em relaccedilatildeo agraves coisas

subjacentes (ta hupokeimena pragmata) entatildeo

que erro haveria em dizer lsquoelersquo indicando uma

mulher ou lsquoelarsquo quando indico um jovem Pois

natildeo cometi solecismo jaacute que natildeo foi pronunciada

uma combinaccedilatildeo incoerente de muitas palavras

mas tatildeo somente a palavra lsquoelersquo ou lsquoelarsquo

[213] οὔτrsquo ἐβαρβάρισα οὐδὲν γὰρ ἀσύνηθες

εἶχεν ἡ οὗτος λέξις ὡς ἡ παρὰ τοῖς

Ἀλεξανδρεῦσιν lsquoἐλήλυθανrsquo καὶ lsquoἀπελήλυθανrsquo

Πλὴν τοιαῦτα μὲν πολλὰ πρὸς τοὺς

γραμματικοὺς ἐνδέχεται λέγειν

E tampouco cometi um barbarismo pois a palavra

lsquoelersquo natildeo desvia do uso como ocorre com as

formas eleluthan (rsquoforamrsquo) e apeleluthan

(rsquoafastaram-sersquo)125 que satildeo usadas pelos

alexandrinos

Seria possiacutevel apontar contra os gramaacuteticos

ainda muitos outros argumentos como esses

[214] ἵνα δὲ μὴ δοκῶμεν ἐν πᾶσιν ἀπορητικοὶ

τυγχάνειν ἐπὶ τὴν ἐξ ἀρχῆς πρόθεσιν

ἀναδραμόντες φήσομεν ὡς εἴπερ ὁ

βαρβαρισμὸς παράπτωσίς ἐστι παρὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν ἐν μιᾷ λέξει θεωρούμενος

ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ σολοικισμὸς ἐν πολλαῖς

λέξεσι τὴν ὑπόστασιν λαμβάνων καὶ ἔστι

βάρβαρον μὲν τὸ dagger τράπεζα διὰ τὸ μὴ

σύνηθες εἶναι τὸ ῥῆμα σόλοικον δὲ τὸ lsquoπολλὰ

περιπατήσας κοπιᾷ μου τὰ σκέληrsquo διὰ τὸ μὴ

λέγεσθαι τῇ κοινῇ συνηθείᾳ ὡμολόγηται ὅτι

ἡ μὲν ἀναλογικὴ τέχνη ὄνομα κενόν ἐστι πρὸς

No entanto para natildeo parecer que somos em tudo

aporeacuteticos voltaremos agrave proposta do princiacutepio e

diremos que se o barbarismo eacute um desvio do uso

comum observaacutevel em uma soacute palavra bem como

solecismo eacute o que se diz subsistir em muitas

palavras e eacute barbarismo dizer trapeza126 porque

natildeo se usa este verbo (rema) e eacute solecismo o polla

peripatesas kopiai mou ta skele (lsquotendo andado

muito minhas pernas doemrsquo)127 porque natildeo se diz

no uso comum entatildeo daacute-se por consentido que

lsquoarte da analogiarsquo eacute um nome vazio e que para

natildeo cometermos barbarismos ou solecismos eacute

160

τὸ μὴ βαρβαρίζειν ἢ σολοικίζειν δεῖ δὲ τὴν

συνήθειαν παρατηρεῖν καὶ ἀκολούθως αὐτῇ

διαλέγεσθαι

preciso observar e adequar-se no falar ao uso

comum

[215] εἰ μὲν γὰρ μετακαθίσαντες λέγοιεν

βαρβαρισμὸν ἁπλῶς παράπτωσιν ἐν ἁπλῇ

λέξει δίχα τοῦ προσθεῖναι τὸ παρὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν καὶ σολοικισμὸν

παράπτωσιν κατὰ τὴν ὅλην σύνταξιν καὶ

ἀνακόλουθον χωρὶς τοῦ παραλαβεῖν τὸ

ἀσύνηθες καὶ χεῖρόν τι κινήσουσιν ἑαυτοῖς

πρᾶγμα τὰ γὰρ τοιαῦτα καθrsquo ὅλην τὴν

σύνταξιν ltἀνgtακολουθοῦντα ἕξουσιν

lsquoἈθῆναι καλὴ πόλις Ὀρέστης καλὴ

τραγῳδία ἡ βουλὴ οἱ ἑξακόσιοιrsquo ἃ δεήσει

σολοικισμοὺς λέγειν οὐχὶ δέ γε σολοικισμοὶ

τυγχάνουσι διὰ τὸ σύνηθες

Se mudassem de estrateacutegia e dissessem que o

barbarismo eacute simplesmente lsquoo desvio em uma

palavra apenasrsquo sem acrescentar que eacute lsquocontra o

uso comumrsquorsquo e solecismo lsquoo desvio da coerecircncia

em toda a construccedilatildeorsquo mas sem mencionar que eacute

um lsquodesvio do usorsquo estariam numa posiccedilatildeo ainda

pior Pois as seguintes frases contecircm desvios em

sua construccedilatildeo lsquoAtenas [pl] eacute uma cidade bonita

[sg]rsquo lsquoOrestes [masc] eacute uma bela trageacutedia

[fem]rsquo lsquoOs 600 [masc pl] eacute a assembleacuteia [fem

sg] da cidadersquo e seraacute preciso afirmar que satildeo

solecismos quando na verdade natildeo satildeo porque

satildeo usuais

[216] οὐκ ἄρα ψιλῇ τῇ ἀκολουθίᾳ κριτέον τὸν

σολοικισμόν ἀλλὰ τῇ συνηθείᾳ

Εὖ δrsquo ἂν ἔχοι καὶ μετὰ τὴν ἐκ τῆς ltπρὸς

αὐτοὺςgt ἀκολουθίας καὶ τῶν ῥητῶν ἔνστασιν

ἔτι καὶ ἀπὸ τῆς κατὰ τὸ ὅμοιον μεταβάσεως

αὐτοὺς δυσωπεῖν

Portanto natildeo se julga o solecismo apenas pela

coerecircncia mas pelo uso

Depois da objeccedilatildeo com base nas consequecircncias

de seus argumentos contra si mesmos e em suas

proacuteprias afirmaccedilotildees seria interessante tambeacutem

constrangecirc-los usando o argumento da transiccedilatildeo

por similaridade (kata to homoion metabasis)

[217] εἴπερ γὰρ τοῦ ὁμοίου θεωρητικοὶ

καθεστήκασιν ἐπεὶ τῷ εἰς ἀντικνήμιον

τύπτεσθαι ἀνάλογόν ἐστι τὸ εἰς τὴν ῥῖνα

τύπτεσθαι καὶ τὸ εἰς τὴν γαστέρα λέγεται δὲ

τὸ πρῶτον ἀντικνημιάζειν ἀναλόγως καὶ τὸ

γαστρίζειν ἢ μυκτηρίζειν ltgt τὸ δὲ αὐτὸ

καὶ ἐπὶ τοῦ ἱππάζεσθαι καὶ κατακρημνίζεσθαι

καὶ ἡλιάζεσθαι ὑποδεικτέον οὐ λέγομεν δὲ

ταῦτα διὰ τὸ παρὰ τὴν κοινὴν εἶναι

Porque se de fato eles se posicionaram como

teoacutericos da analogia levar um chute na canela

(antiknemios) eacute anaacutelogo a levar um chute no nariz

(rina) ou no estocircmago (gaster) e como o primeiro

eacute dito antiknemiaacutezein (canelar) por analogia

seriam gastrizein (barrigar) e mukterizein

(narigar) O mesmo daacute-se com hippazesthai

(lsquocavalgarrsquo) e katakremnizesthai (lsquoatirar-se de um

precipiacuteciorsquo) e heliazesthai (lsquoaquecer-se ao solrsquo)

161

συνήθειαν τοίνυν οὐδὲ τὸ κltλgtυήσω47

οὐδὲ τὸ φερήσω καὶ τὰ ἄλλα πάντα ἅπερ

ltκατrsquogt ἀναλογίαν ἐστὶν ὀφειλόμενα

λέγεσθαι διὰ τὸ μὴ κατὰ τὴν συνήθειαν

λέγεσθαι

Mas natildeo falamos deste jeito porque seria contra o

uso comum Da mesma forma nem lueso nem

fereso128 e todas as outras que se adequam agrave

analogia natildeo satildeo ditas devidamente porque natildeo

satildeo ditas de acordo com o uso comum

[218] οὐ μὴν ἀλλrsquo εἴπερ ἄριστα μὲν θρᾳκιστὶ

διαλέγεσθαί φαμεν τὸν ὡς σύνηθές ἐστι

Θρᾳξὶ διαλεγόμενον καὶ κάλλιστα ῥωμαϊστὶ

τὸν ὡς σύνηθες Ῥωμαίοις ἀκολουθήσει καὶ

τὸ ἑλληνιστὶ ὑγιῶς διαλέγεσθαι τὸν ὡς

σύνηθες Ἕλλησι διαλεγόμενον ἐὰν τῇ

συνηθείᾳ ἀλλὰ μὴ τῇ διατάξει

κατακολουθῶμεν τῇ ἄρα συνηθείᾳ οὐ τῇ

ἀναλογίᾳ κατακολουθοῦντες ἑλληνιοῦμεν

Na verdade se afirmamos que fala traacutecio muito

bem aquele que fala conforme eacute usual entre os

traacutecios e que fala o mais belo latim quem se

expressa como eacute habitual entre os romanos

consequentemente fala grego com propriedade

aquele que fala como eacute usual entre os gregos se

seguirmos o uso portanto e natildeo a regra Assim

sendo por seguirmos o uso e natildeo a analogia eacute

que falamos grego corretamente

[219] καθόλου τε ἤτοι σύμφωνός ἐστι τῇ

συνηθείᾳ ἡ ἀναλογία ἢ διάφωνος καὶ εἰ μὲν

σύμφωνος πρῶτον μὲν ὡς ἐκείνη οὐκ ἔστι

τεχνική οὕτως οὐδὲ αὕτη γενήσεται τέχνη τὸ

γὰρ ἀτεχνίᾳ συμφωνοῦν πάντως καὶ αὐτό

ἐστιν ἄτεχνον καὶ ἄλλως ltεἰgt τὸ κατrsquo

ἐκείνην ἑλληνικὸν καὶ κατὰ ταύτην ἐκείνῃ

συμφωνοῦσαν γενήσεται ἑλληνικόν καὶ τὸ

κατrsquo ἐκείνην ἔσται τοιοῦτον

E em geral a analogia ou concorda com o uso ou

discorda dele E se concorda em primeiro lugar

visto que o uso natildeo eacute algo teacutecnico tampouco a

analogia viria a ser uma arte pois o que concorda

com o natildeo teacutecnico seraacute ele mesmo sempre natildeo

teacutecnico E em segundo lugar se o que eacute grego

correto conforme o uso comum eacute correto

conforme a analogia jaacute que ela concorda com o

uso entatildeo o que estaacute de acordo com o uso seraacute

correto

[220] τούτου δrsquo οὕτως ἔχοντος οὐ δεησόμεθα

τῆς ἀναλογίας πρὸς διάγνωσιν τοῦ

ἑλληνισμοῦ ἔχοντες εἰς τοῦτο τὴν συνήθειαν

εἰ δὲ διάφωνός ἐστιν αὕτη πάντως ἑτέραν

εἰσηγουμένη συνήθειαν παρrsquo ἐκείνην καὶ

οἱονεὶ βάρβαρον ἀδόκιμος γενήσεται καὶ ὡς

προσκοπὴν ἐμποιοῦσα τελέως ἄχρηστος

E jaacute que as coisas satildeo assim natildeo haveraacute

necessidade de recorrer agrave analogia para avaliar a

correccedilatildeo temos para isso o uso E se a analogia

discorda do uso introduzindo um uso totalmente

diferente ndash como um barbarismo por assim dizer

ndash cairaacute em descreacutedito e geradora de obstaacuteculo

torna-se completamente inuacutetil

47 κυήσω (kueso) seria uma forma correta e foi mesmo usada como paradigma no sect 195 por isto costuma-se modificaacute-la na traduccedilatildeo optamos por proceder agrave modificaccedilatildeo do texto base tambeacutem

162

[221] Ἐπιχειρητέον δὲ καὶ ἀπὸ τῆς

συστάσεως τῆς τέχνης αὐτῶν θέλουσι μὲν

γὰρ καθολικά τινα θεωρήματα συστησάμενοι

ἀπὸ τούτων πάντα τὰ κατὰ μέρος κρίνειν

ὀνόματα εἴτε ἑλληνικά ἐστιν εἴτε καὶ μή οὐ

δύνανται δὲ [καὶ] τοῦτο ποιεῖν διὰ τὸ μήτε τὸ

καθολικὸν αὐτοῖς συγχωρεῖσθαι ὅτι

καθολικόν ἐστι μήτrsquo ἄλλως ἀναπτυσσόμενον

τοῦτο τὴν τοῦ καθολικοῦ σώζειν φύσιν

Devemos argumentar tambeacutem com base na

consistecircncia de sua arte Pois tendo reunido

alguns teoremas universais pretendem usaacute-los

para julgar se cada palavra em particular estaacute

correta ou natildeo E natildeo podem fazer isto porque sua

regra universal (to katholikon) natildeo foi aceita como

tal e tampouco preservaria uma natureza universal

se aplicada diferentemente

[222] λαμβανέσθω δὲ εἰς τοῦτο παραδείγματα

ἀπrsquo αὐτῶν τῶν γραμματικῶν ζητήσεως γὰρ

οὔσης ἐπί τινος τῶν κατὰ μέρος ὀνομάτων

οἷον ἐπὶ τοῦ εὐμενής πότερον χωρὶς τοῦ σ

προενεκτέον ἐστὶ τὴν πλάγιον πτῶσιν

εὐμενοῦ λέγοντας ἢ σὺν τῷ σ εὐμενοῦς

πάρεισιν οἱ γραμματικοὶ καθολικόν τι

προφερόμενοι καὶ ἀπὸ τούτου τὸ ζητούμενον

βεβαιοῦντες φασὶ γὰρ lsquoπᾶν ὄνομα ltοὐχgt48

ἁπλοῦν εἰς ης λῆγον ὀξύτονον τουτὶ ἐξ

ἀνάγκης σὺν τῷ σ κατὰ τὴν γενικὴν

ἐξενεχθήσεται οἷον εὐφυής εὐφυοῦς εὐσεβής

εὐσεβοῦς εὐκλεής εὐκλεοῦς τοίνυν καὶ τὸ

εὐμενής ὀξυτόνως ἐκφερόμενον παραπλησίως

τούτοις διὰ τοῦ σ ἐπὶ τῆς γενικῆς

προενεκτέον εὐμενοῦς λέγονταςrsquo

Tomemos com relaccedilatildeo a isso alguns exemplos

dos proacuteprios gramaacuteticos Supondo que haacute uma

questatildeo acerca de uma palavra em particular por

exemplo sobre se eumenes (lsquofavoraacutevelrsquo)

pronuncia-se no caso obliacutequo sem o -ς sigma

eumenou ou com o -ς sigma eumenous minus os

gramaacuteticos aparecem proclamando uma regra

universal com a qual pretendem dar por encerrada

a questatildeo Afirmam eles que lsquotodo nome natildeo-

simples que termina em -ης eta sigma e eacute oxiacutetono

seraacute necessariamente pronunciado no genitivo

com -ς sigma por exemplo euphues (lsquograciosorsquo)

euphuous eusebes (lsquopiorsquo) eusebous euklees

(lsquofamosorsquo) eukleous Por isso jaacute que tambeacutem

eumenes eacute acentuado na uacuteltima siacutelaba como os

outros a exemplo destes deveraacute ser pronunciado

com o -ς sigma eumenousrsquo

[223] οὐκ ᾔδεσαν δὲ οἱ θαυμάσιοι πρῶτον μὲν

ὅτι ὁ εὐμενοῦ ἀξιῶν λέγειν οὐ δώσει αὐτοῖς

καθολικὸν εἶναι τὸ παράπηγμα τοῦτο γοῦν

αὐτὸ τὸ εὐμενής ltοὐχgt49 ἁπλοῦν ὄνομα

καθεστὼς καὶ ὀξύτονον οὐ φήσει σὺν τῷ σ

ἐκφέρεσθαι ἀλλὰ ἐκείνους τὸ ζητούμενον ὡς

Contudo natildeo perceberam esses homens

admiraacuteveis que em primeiro lugar o que julga

adequado dizer eumenou natildeo concede

universalidade a sua regra eumenes ao menos

diraacute ele mesmo sendo um nome natildeo-simples e

oxiacutetono natildeo se pronuncia com o -ς sigma No

48 Blank ad loc 49 Blank ad loc

163

ὁμολογούμενον συναρπάζειν entanto os gramaacuteticos se apressam em dar por

resolvido o que se estaacute questionando

[224] ἄλλως τε εἰ καθολικόν ἐστι τὸ

παράπηγμα ἤτοι πάντα τὰ κατὰ μέρος

ὀνόματα ἐπελθόντες καὶ τὴν ἐν αὐτοῖς

ἀναλογίαν κατανοήσαντες συνέθεσαν αὐτό ἢ

οὐ πάντα ἀλλὰ πάντα μὲν οὐκ ἐπεληλύθασιν

ἄπειρα γάρ ἐστι τῶν δὲ ἀπείρων οὐκ ἔστι τις

γνῶσις εἰ δὲ τινά πόθεν ὅτι πᾶν ὄνομα

τοιοῦτόν ἐστιν οὐ γὰρ ὅ τί τισι συμβέβηκεν

ὀνόμασι τοῦτο καὶ πᾶσιν

E em segundo lugar se a regra eacute universal teraacute

sido proposta apoacutes percorrerem todas as palavras

em particular e perceberem a analogia entre todas

elas ou foi proposta sem que tenham percorrido

todas as palavras Poreacutem natildeo haveriam de ter

pecorrido todas as palavras pois satildeo infinitas e

natildeo haacute conhecimento do infinito E se

percorreram somente algumas delas como

poderiam saber que todo nome eacute do modo como

dizem Pois natildeo eacute verdade que o atributo de

alguns nomes seja atributo de todos

[225] ἀλλrsquo εἰσί τινες οἱ γελοίως πρὸς τοῦτο

ἀπαντῶντες καὶ λέγοντες ὅτι ἐκ πλειόνων ἐστὶ

τὸ καθολικὸν παράπηγμα οὐχ ἑώρων γὰρ ὅτι

πρῶτον μὲν ἄλλο τί ἐστι τὸ καθολικὸν καὶ

ἄλλο τὸ ὡς ἐπὶ τὸ πολύ καὶ τὸ μὲν καθολικὸν

οὐδέποτε ἡμᾶς διαψεύδεται τὸ δrsquo ὡς 50 τὸ

πολὺ κατὰ τὸ σπάνιον

Mas haacute os que se opotildeem a isso de maneira

ridiacutecula argumentando que uma regra universal eacute

estabelecida a partir da maioria dos casos Natildeo

teriam enxergado que em primeiro lugar uma

coisa eacute o universal e outra completamente

diferente a lsquogrande partersquo dos casos o universal

jamais se revela falso mas o que vale para a

lsquogrande partersquo eventualmente sim

[226] εἶθrsquo ὅτι καὶ εἰ ἐκ πολλῶν ἐστι τὸ

καθολικόν οὐ πάντως τὸ τοῖς πολλοῖς

ὀνόμασι συμβεβηκός τοῦτο ἐξ ἀνάγκης καὶ

πᾶσι τοῖς ὁμοειδέσι συμβέβηκεν ἀλλrsquo ὃν

τρόπον ἐν πολλοῖς καὶ ἄλλοις φέρει τινὰ κατὰ

μονοείδειαν ἡ φύσις οἷον ἐν ὄφεσι μὲν

ἀπείροις οὖσι τὸν κεράστην κερασφόρον ἐν

τετράποσι δὲ τὸν ἐλέφαντα προβοσκίδι

κεχρημένον ἐν ἰχθύσι δὲ τὸν γαλεὸν

ζωοτόκον ἐν λίθοις δὲ τὸν μάγνητα

σιδηραγωγόν οὕτως εὔλογόν ἐστι καὶ ἐν

E em segundo lugar mesmo que o universal

proceda de muitos casos aquilo que eacute atributo de

muitas palavras natildeo eacute sempre e necessariamente

tambeacutem atributo de todas as outras do mesmo tipo

Mas exatamente como em muitos outros

domiacutenios a natureza agraves vezes dispotildee tipos uacutenicos -

como a viacutebora cornuda entre infinitas espeacutecies de

serpentes e o elefante com sua tromba entre os

quadruacutepedes ou entre os peixes o tubaratildeo que eacute

viviacuteparo e entre as pedras o imatilde que atrai o

ferro ndash assim eacute razoaacutevel existir dentre muitas

50 Blank ad loc com Blomqvist p 80 natildeo inserccedilatildeo de ltἐπὶgt

164

πολλοῖς ὁμοιοπτώτοις ὀνόμασιν εἶναί τι

ὄνομα ὃ μὴ ὁμοίως τοῖς πολλοῖς ὀνόμασι

κλίνεται

palavras que se declinam da mesma forma uma

que natildeo se declina como muitas

[227] ὅθεν παρέντες ζητεῖν εἰ ἀνάλογόν ἐστι

τοῖς πολλοῖς σκοπῶμεν πῶς αὐτῷ χρῆται ἡ

συνήθεια πότερον ἀνάλογον ἐκείνοις ἢ κατὰ

ἴδιον τύπον καὶ ὡς ἂν ᾖ χρωμένη οὕτω καὶ

ἡμεῖς προοισόμεθα

Por isso deixemos de lado a questatildeo sobre a

palavra ser ou natildeo anaacuteloga a muitas outras e

examinemos como o uso se serve dela se de

forma anaacuteloga agraves outras ou como um tipo

particular e tal como for utilizada assim noacutes

iremos pronunciaacute-la

[228] Περιδιωκόμενοι δὴ ποικίλως οἱ

γραμματικοὶ θέλουσιν ἀναστρέφειν τὴν

ἀπορίαν πολλαὶ γάρ φασίν εἰσὶ συνήθειαι

καὶ ἄλλη μὲν Ἀθηναίων ἄλλη δὲ

Λακεδαιμονίων καὶ πάλιν Ἀθηναίων

διαφέρουσα μὲν ἡ παλαιὰ ἐξηλλαγμένη δὲ ἡ

νῦν καὶ οὐχ ἡ αὐτὴ μὲν τῶν κατὰ τὴν

ἀγροικίαν ἡ αὐτὴ δὲ τῶν ἐν ἄστει

διατριβόντων παρὸ καὶ ὁ κωμικὸς λέγει

Ἀριστοφάνης

διάλεκτον ἔχοντα μέσην πόλεως

οὔτrsquo ἀστείαν ὑποθηλυτέραν

οὔτrsquo ἀνελεύθερον ὑπαγροικοτέραν

Cercados por todos os lados os gramaacuteticos

desejam inverter a aporia em seu favor Assim

dizem que os usos satildeo muitos um proacuteprio dos

atenienses outro dos lacedemocircnios e entre os

atenienses novamente o uso antigo difere do

atual que sofreu mudanccedilas tambeacutem natildeo eacute o

mesmo o uso daqueles que vivem no campo e o

dos que residem na cidade o que teria motivado a

frase de Aristoacutefanes o comedioacutegrafo

Falando a liacutengua padratildeo da cidade

sem efeminaccedilotildees cosmopolitas

ou grosserias provincianas

[Frag 685 Kock = 706 Kassel-Austin]

[229] πολλῶν οὖν οὐσῶν συνηθειῶν [ὡς]

φασί ποίᾳ χρησόμεθα οὔτε γὰρ πάσαις

κατακολουθεῖν δυνατὸν διὰ τὸ μάχεσθαι

πολλάκις οὔτε τινὶ ἐξ αὐτῶν ἐὰν μή τις

τεχνικῶς προκριθῇ ἀλλὰ πρῶτον μέν

φήσομεν τὸ ζητεῖν ποίᾳ χρηστέον συνηθείᾳ

ἔστιν ἴσον τῷ ltμὴgt εἶναί τινα τέχνην περὶ

ἑλληνισμόν αὕτη γάρ φημὶ δrsquo ἡ ἀναλογία

ὁμοίου καὶ ἀνομοίου ἐστὶ θεωρία τὸ δὲ

ὅμοιον καὶ ἀνόμοιον λαμβάνετε ἀπὸ τῆς

συνηθείας κἂν μὲν ᾖ τετριμμένον χρῆσθε

Havendo muitos usos eles se perguntam lsquoqual

devemos seguir Porque natildeo parece ser possiacutevel

nos adequarmos a todos jaacute que frequentemente

satildeo conflitantes nem parece possiacutevel seguir a um

deles a menos que tenha sido escolhido por meio

da artersquo Mas primeiro diriacuteamos noacutes perguntar

qual uso se deve seguir eacute o mesmo que admitir

que natildeo existe a arte da correccedilatildeo Porque esta e

me refiro agrave analogia eacute a teoria acerca do similar e

do diferente vocecirc toma o que eacute similar e o que eacute

diferente do uso e se for uma forma de uso

165

αὐτῷ εἰ δὲ μή οὐκέτι corrente vocecirc a utiliza se natildeo for natildeo a utiliza

[230] πευσόμεθα οὖν καὶ ἡμεῖς ἀπὸ ποίας

συνηθείας λαμβάνετε τὸ ὅμοιον καὶ τὸ

ἀνόμοιον πολλαὶ γάρ εἰσι καὶ πολλάκις

μαχόμεναι ὅπερ δὲ ἀπολογούμενοι πρὸς

τοῦτο ἐρεῖτε τοῦτο καὶ παρrsquo ἡμῶν

ἀκούσεσθε

Portanto tambeacutem noacutes queremos saber de qual uso

vocecirc toma o similar e o diferente Pois satildeo muitos

os usos aleacutem de conflitantes com frequecircncia E

seja qual for a resposta que der a isto tambeacutem seraacute

esta a resposta que ouviraacute de noacutes

[231] καὶ πάλιν ὅταν λέγητε τὸν βαρβαρισμὸν

παράπτωσιν ἐν ἁπλῇ λέξει παρὰ τὴν

συνήθειαν ἀνταπορήσομεν λέγοντες ποίαν

φατὲ πολλῶν οὐσῶν καὶ ᾗ ἂν εἴπητε ταύτῃ

φήσομεν καὶ ἡμεῖς ἀκολουθεῖν

E assim sempre que vocecirc disser que barbarismo eacute

lsquoo desvio do uso comum em uma soacute palavrarsquo

iremos nos intrometer perguntando a qual dos

muitos usos que existem vocecirc se refere e seja qual

for sua resposta diremos tambeacutem noacutes que o

seguimos

[232] κοινῆς οὖν οὔσης ἀπορίας οὐκ ἄπορος

ἡ παρrsquo ἡμῶν ταύτης ἐστὶ λύσις τῶν γὰρ

συνηθειῶν αἱ μέν εἰσι κατὰ τὰς ἐπιστήμας αἱ

δὲ κατὰ τὸν βίον καὶ γὰρ ἐν φιλοσοφίᾳ

ὀνομάτων τινῶν ἐστιν ἀποδοχὴ καὶ ἐν ἰατρικῇ

ἐξαιρέτως καὶ ἤδη κατὰ μουσικὴν καὶ

γεωμετρίαν ἔστι δὲ καὶ βιωτική τις ἀφελὴς

συνήθεια τῶν ἰδιωτῶν κατὰ πόλεις καὶ ἔθνη

διαφέρουσα

De forma que compartilhamos a aporia mas

solucionaacute-la para noacutes natildeo eacute aporeacutetico Pois

existem entre os usos uns que satildeo proacuteprios dos

saberes e outros da vida cotidiana Por exemplo

alguns termos satildeo aceitos na filosofia e tambeacutem na

medicina de modo particular e ainda na muacutesica e

na geometria poreacutem existe um uso simples

proacuteprio da vida cotidiana das pessoas comuns

(idiotai) que difere entre cidades e povos

[233] ὅθεν ἐν φιλοσοφίᾳ μὲν τῇ τῶν

φιλοσόφων στοιχήσομεν ἐν ἰατρικῇ δὲ τῇ

ἰατρικωτέρᾳ ἐν δὲ τῷ βίῳ τῇ συνηθεστέρᾳ

καὶ ἀπερίττῳ καὶ ἐπιχωριαζούσῃ

Consequentemente na filosofia nos alinharemos

ao uso dos filoacutesofos na medicina nos adequamos

ao jargatildeo meacutedico e na liacutengua viva (ho bios) ao

que seja mais usual menos extravagante e proacuteprio

do local onde estamos

[234] παρὸ καὶ διχῶς τοῦ αὐτοῦ πράγματος

λεγομένου πειρασόμεθα πρὸς τὰ παρόντα

ἁρμοζόμενοι πρόσωπα τὸ μὴ γελώμενον

προφέρεσθαι ὁποῖόν ποτrsquo ἂν ᾖ κατὰ τὴν

φύσιν οἷον τὸ αὐτὸ ἀρτοφόριον καὶ πανάριον

λέγεται καὶ πάλιν τὸ αὐτὸ σκάφιον καὶ ἁμίς

Por isso quando haacute duas formas de dizer alguma

coisa tentaremos nos adaptar agraves pessoas presentes

e dizer aquilo que natildeo provoque o riso

independente do que possa vir a ser a coisa por

natureza129 Por exemplo um mesmo objeto eacute

chamado tanto artophorion (lsquoporta-patildeesrsquo) como

166

καὶ ἴγδις καὶ θυΐα ἀλλὰ στοχαζόμενοι τοῦ

καλῶς ἔχοντος καὶ σαφῶς καὶ τοῦ μὴ

γελᾶσθαι ὑπὸ τῶν διακονούντων ἡμῖν

παιδαρίων ltκαὶ ἰδιωτῶνgt πανάριον ἐροῦμεν

καὶ εἰ βάρβαρόν ἐστιν ἀλλrsquo οὐκ ἀρτοφόριον

καὶ σκάφιον ἀλλrsquo οὐκ ἁμίδα καὶ θυΐαν

μᾶλλον ἢ ἴγδιν51

panarion (lsquocestarsquo) um outro tanto skaphion

(lsquopenicorsquo) como hamis (lsquourinolrsquo) e assim tambeacutem

igdis (lsquoalmofarizrsquo) e thuia (lsquopilatildeorsquo) Noacutes no

entanto nos alinharemos ao uso claro e adequado

que natildeo seja motivo de riso para nossos

empregados nem para as pessoas comuns e

diremos panarion (lsquocestarsquo) ao inveacutes de

artophorion (lsquoporta-patildeesrsquo) mesmo sendo um

barbarismo e skaphion (lsquopenicorsquo) natildeo hamis

(lsquourinolrsquo) e diremos thuia (lsquopilatildeorsquo) de preferecircncia

a igdis (lsquoalmofarizrsquo)

[235] καὶ πάλιν ἐν διαλέξει ἀποβλέποντες

πρὸς τοὺς παρόντας ltτὰςgt μὲν ἰδιωτικὰς

λέξεις παραπέμψομεν τὴν δὲ ἀστειοτέραν καὶ

φιλολόγον συνήθειαν μεταδιώξομεν ὡς γὰρ ἡ

φιλολόγος γελᾶται παρὰ τοῖς ἰδιώταις οὕτως

ἡ ἰδιωτικὴ παρὰ τοῖς φιλολόγοις δεξιῶς οὖν

ἑκάστῃ περιστάσει τὸ πρέπον ἀποδιδόντες

δόξομεν ἀμέμπτως ἑλληνίζειν

Em uma discussatildeo novamente consideraremos os

presentes e evitaremos palavras vulgares

seguindo um uso menos coloquial e mais culto

Pois da mesma forma que o uso culto eacute motivo de

risada entre as pessoas comuns assim tambeacutem a

linguagem popular junto aos cultos Portanto se

habilmente endereccedilarmos a cada ambiente a

expressatildeo apropriada (prepon) nosso grego soaraacute

correto e irrepreensiacutevel

[236] Ἄλλως τε ἐπεὶ ἐγκαλοῦσιν ὡς

ἀνωμάλῳ καὶ πολυειδεῖ τῇ συνηθείᾳ καὶ

ἡμεῖς ἀπὸ τῆς αὐτῆς ἀφορμῆς αὐτοῖς

ἐγκαλέσομεν εἰ γὰρ ἡ ἀναλογία ὁμοίου

παράθεσίς ἐστι τὸ δὲ ὅμοιον ἐκ τῆς

συνηθείας ἡ δὲ συνήθεια ἀνώμαλός τε καὶ

ἄστατος δεήσει καὶ τὴν ἀναλογίαν μὴ ἔχειν

ἑστῶτα παραπήγματα

Aleacutem disso jaacute que reprovam o uso comum

como anocircmalo e diverso tambeacutem noacutes iremos

reprovaacute-los com base no mesmo argumento Pois

se a analogia eacute a comparaccedilatildeo do similar e o

similar proveacutem do uso comum e o uso comum eacute

anocircmalo e instaacutevel (astatos) necessariamente a

analogia tambeacutem natildeo teraacute regras (parapegmata)

fixas (hestota)

[237] καὶ τοῦτο πάρεστι διδάσκειν ἐπὶ τῶν

ὀνομάτων καὶ τῶν ῥημάτων καὶ μετοχῶν καὶ

καθόλου τῶν ἄλλων ἁπάντων οἷον ἐπὶ μὲν

E isso se verifica em nomes verbos particiacutepios e

de maneira geral em todos os outros Por

exemplo alguns nomes mesmo sendo similares e

51 Blank ad loc modificaccedilotildees - ἀρτοφόριον σκάφιον ἁμίς por ἀρτοφορίδα σταμνίον ἀμίδιον permanecircncia de ltκαὶ ἰδιωτῶνgt

167

τῶν ὀνομάτων παρόσον τὰ κατὰ τὰς ὀρθὰς

πτώσεις ἀνάλογα ὄντα καὶ ὅμοια ταῦτα κατὰ

τὰς πλαγίους ἀνομοίως τε καὶ οὐκ ἀναλόγως

σχηματίζεται οἷον Ἄρης Χάρης ndash Ἄρεως

Χάρητος καὶ Μέμνων Θέων ndash Μέμνονος

Θέωνος Σκόπας Ἄβας ndash Σκόπα Ἄβαντος52

anaacutelogos no caso nominativo satildeo diferentes nos

casos obliacutequos e natildeo se declinam de forma

anaacuteloga Assim Ares Khares [nom] Areos

Kharetos [gen] Memnon Theon Memnonos

Theonos Skopas Abas Skopa Abantos

[238] ἐπὶ δὲ τῶν ῥηματικῶν πολλὰ ὁμοίως

κατὰ τὸν ἐνεστῶτα χρόνον λεγόμενα οὐκ

ἀναλόγως ἐν τοῖς ἄλλοις χρόνοις

σχηματίζεται ltοἷον εὑρίσκει ἀρέσκει ndash

ηὕρηκεν ἀρήρεκενgt ἐνίων δὲ συζυγίαι τινὲς

ἐκλελοίπασιν καὶ ἔκτονε μὲν λέγεται ἔκταγκε

δὲ οὐ λέγεται ἀλήλιπται μὲν εἴποι τις ἄν

ἤλειπται δὲ οὐκέτι ἐπὶ δὲ τῶν μετοχῶν βοῶν

σαρῶν νοῶν ndash βοῶντος σαροῦντος νοοῦντος

καὶ ἐπὶ τῶν προσηγοριῶν ἄναξ ἄβαξ ndash

ἄνακτος ἄβακος γραῦς ναῦς ndash γραός νηός

No caso dos verbos muitos tecircm a forma similar

no presente e natildeo se conjugam de maneira anaacuteloga

nos outros tempos Por exemplo heuriskei

(descobrir) areskei (agradar) heureken arereken

enquanto a conjugaccedilatildeo de alguns eacute defectiva e haacute

ektone (matar) mas natildeo ektanke e diz-se

aleliptai (untar) e jamais eleiptai No caso dos

particiacutepios temos boon (gritando) saron

(limpando) noon boontos sarountos noountos

e entre os nomes geneacutericos anaks (senhor) abaks

(taacutebua) anaktos abakos graus (velha) naus

(barco) graos neos

[239] ὡσαύτως δὲ καὶ ἐπὶ τῶν τοιούτων

ἄρχων γὰρ λέγεται καὶ ὀνοματικῶς καὶ ὁ τὴν

ἀρχὴν διέπων ἀλλrsquo Ἄρχωνος μὲν γίνεται

κατὰ πλάγιον πτῶσιν τὸ ὀνοματικόν

ἄρχοντος δὲ τὸ μετοχικόν καὶ κατὰ ὅμοιον

τρόπον μένων θέων νέων μετοχικὰ ὄντα καὶ

ὀνοματικὰ διαφερούσας λαμβάνει τὰς

κλίσεις Μένωνος μὲν γὰρ γίνεται τὸ

ὀνοματικόν μένοντος δὲ ἡ μετοχή καὶ

Θέωνος μὲν τὸ ὀνοματικόν θέοντος δὲ ltἡgt

μετοχή ἐστιν

E se passa exatamente assim em muitos outros

casos parecidos arkhon utiliza-se como nome de

pessoa e tambeacutem para designar lsquoo que governarsquo

[particiacutepio substantivado] e no primeiro caso o

genitivo eacute Arkhonos mas o genitivo do particiacutepio

eacute arkhontos E de modo similar menon theon

neon que podem ser particiacutepios [o que espera o

que corre o que nada] e nomes proacuteprios

possuindo diferentes declinaccedilotildees pois o nome

proacuteprio tem genitivo em Menonos enquanto o

particiacutepio em menontos e Theonos eacute o genitivo do

nome proacuteprio mas theontos do particiacutepio

52 Blank cf p 236-40 suprime entre os exemplos οἷον Ἄρης Χάρης χάρτης ndash Ἄρεως Χάρητος χάρτου καὶ Μέμνων Θέων λέων ndash Μέμνονος Θέωνος λέοντος Σκόπας μέλας Ἄβας ndash Σκόπα μέλανος Ἄβαντος Ares Khares khaacutertes [nom] Areos Kharetos khartou [gen] Memnon Theon leon Memnonos Theonos leontos Skopas melas Abas Skopa melanos Abantos

168

[240] πλὴν ἐκ τούτων συμφανὲς ὡς τῆς

συνηθείας ἀνωμάλου καθεστώσης οὐχ ἕστηκε

τὰ παραπήγματα τῆς ἀναλογίας ἀλλrsquo ἀνάγκη

ἀποστάντας αὐτῶν τοῖς κατὰ τὴν συνήθειαν

σχηματισμοῖς προσέχειν παρέντας τὸ

ἀνάλογον

Em todo caso fica claro a partir desses exemplos

que o uso eacute cheio de anomalias130 e por isso as

regras da analogia natildeo podem ser fixas pelo

contraacuterio que eacute necessaacuterio abandonar essas regras

e ater-se agraves formas que aparecem no uso sem se

preocupar com o que eacute anaacutelogo

Περὶ ἐτυμολογίας

[241] Τὰ δὲ αὐτὰ λεκτέον πρὸς αὐτοὺς καὶ

ὅταν διrsquo ἐτυμολογίας κρίνειν θέλωσι τὸν

ἑλληνισμόν πάλιν γὰρ ἤτοι σύμφωνός ἐστι τῇ

συνηθείᾳ ἡ ἐτυμολογία ἢ διάφωνος καὶ εἰ μὲν

σύμφωνος παρέλκει εἰ δὲ διάφωνος οὐ

χρηστέον αὐτῇ ὡς προσκοπὴν ἐμποιούσῃ

μᾶλλον τοῦ βαρβαρίζειν ἢ σολοικίζειν καὶ

καθόλου μετακτέον τὰς ὁμοίας ἀντιρρήσεις

ταῖς ἔμπροσθεν ἡμῖν ἀποδοθείσαις

Sobre etimologia131

Os mesmos argumentos devem ser contrapostos

aos gramaacuteticos quando querem decidir a correccedilatildeo

baseando-se na etimologia Pois uma vez mais

ou a etimologia concorda com o uso ou discorda

dele E se concorda eacute dispensaacutevel mas se

discorda natildeo deve ser utilizada pois causa mais

obstaacuteculos que os proacuteprios barbarismos ou

solecismos De modo geral cabem aqui as

mesmas objeccedilotildees (antirreseis) anteriormente

expostas

[241] ἰδιαίτερον δὲ ἐκεῖνο λεκτέον τὸ

ἐτυμολογίᾳ κρινόμενον ὄνομα ὅτι ἑλληνικόν

ἐστιν ἤτοι ἔτυμα πάντως ἔχειν ὀφείλει τὰ

προηγούμενα αὐτοῦ ὀνόματα ἢ εἴς τινα τῶν

φυσικῶς ἀναφωνηθέντων καταλήγειν καὶ εἰ

μὲν ἀπὸ ἐτύμων πάντως κατὰ τοῦτο εἰς

ἄπειρον τῆς ἐκπτώσεως γινομένης ἄναρχος

ἔσται ἡ ἐτυμολογία καὶ οὐκ εἰσόμεθα εἰ

ἑλληνικόν ἐστι τὸ ἔσχατον λεγόμενον ὄνομα

ἀγνοοῦντες ποῖον ἦν τὸ ἀφrsquo οὗ πρῶτον

κατάγεται

E conveacutem ainda apontar uma mais especiacutefica o

nome (onoma) que for julgado correto por meio da

etimologia precisa em todos os casos ter palavras

precedentes que sejam eacutetimos ou cessar em

palavras que foram vocalizadas (anaphonetenta)

naturalmente (phusikos) Mas se procede em

todos os casos de eacutetimos resultando em um

regresso ao infinito a etimologia natildeo teraacute comeccedilo

e natildeo saberemos se a palavra em questatildeo eacute correta

porque desconhecemos qual eacute a situaccedilatildeo daquela

primeira de que descende

[243] οἷον εἰ ὁ λύχνος εἴρηται ἀπὸ τοῦ λύειν

τὸ νύχος ὀφείλομεν μαθεῖν εἰ καὶ τὸ νύχος

ἀπό τινος ἑλληνικοῦ εἴρηται καὶ τοῦτο πάλιν

ἀπrsquo ἄλλου καὶ οὕτως εἰς ἄπειρον γινομένης

τῆς ἀνόδου καὶ ἀνευρέτου καθεστῶτος τοῦ

Para exemplificar se lukhnos (lsquolacircmpadarsquo) vem de

luein to nukhos (lsquodissolver a escuridatildeorsquo) teriacuteamos

que verificar se nukhos se diz a partir de uma

expressatildeo correta e se esta de novo de outra

Deste modo a sequecircncia estende-se ao infinito e

169

πρῶτον ἀναφωνηθέντος ὀνόματος

συνακαταληπτεῖται καὶ τὸ εἰ ἑλληνικῶς ὁ

λύχνος εἴρηται

torna-se impossiacutevel descobrir a palavra que foi

pronunciada primeiro assim eacute inapreensiacutevel se

lukhnos estaacute dito corretamente

[244] εἰ δὲ ἐπί τινα τῶν ἀνετύμως κειμένων

ὀνομάτων καταλήγοι τὸ ἐτυμολογούμενον

ὄνομα ὃν τρόπον ἐκεῖνα τὰ εἰς ἃ κατέληξεν

οὐ διότι ἔστιν ἔτυμα παραδεξόμεθα ἀλλὰ

διότι τέτριπται κατὰ τὴν συνήθειαν οὕτω καὶ

τὸ διrsquo ἐτυμολογίας κρινόμενον παραδεξόμεθα

οὐ διὰ τὴν ἐτυμολογίαν ἀλλὰ διὰ τὸ σύνηθες

οἷον προσκεφάλαιον ἀπὸ τοῦ τῇ κεφαλῇ

προστίθεσθαι εἴρηται ἡ δὲ κεφαλὴ καὶ τὸ

πρός ὅ ἐστι πρόθεσις ἀνετύμως κέκληται

E se a etimologia da palavra cessar em palavras

que natildeo satildeo eacutetimos do mesmo modo que estas satildeo

admitidas natildeo porque se descobriu a etimologia

mas porque aparecem constantemente no uso

assim tambeacutem acabaremos por admitir a palavra

cuja correccedilatildeo se quer julgar com a etimologia

seraacute admitida natildeo por causa da etimologia mas

por causa do uso Por exemplo proskephalaion

(lsquotravesseirorsquo) vem de tei kephalei prostithesthai

(lsquocolocar na cabeccedilarsquo) mas tanto kephale

(lsquocabeccedilarsquo) quanto pros (lsquoemrsquo) que eacute uma

preposiccedilatildeo132 dir-se-iam natildeo ser eacutetimos133

[245] τοίνυν ὡς ταῦτα χωρὶς ἐτυμολογίας

πεπίστευται διότι ἐστὶν ἑλληνικά τῆς

συνηθείας αὐτοῖς χρωμένης οὕτω καὶ τὸ

προσκεφάλαιον δίχα ἐτυμολογίας ἔσται

πιστόν ἄλλως τε ἐνίοτε τὸ αὐτὸ πρᾶγμα δυσὶν

ὀνόμασι καλεῖται τῷ μὲν ἐτυμολογίαν

ἐπιδεχομένῳ τῷ δὲ ἀνετυμολογήτῳ καὶ οὐ

διὰ τοῦτο τὸ μὲν ἔτυμον λέγεται ἑλληνικὸν τὸ

δὲ ἀνέτυμον βαρβαρικόν ἀλλrsquo ὡς ἐκεῖνο

ἑλληνικόν οὕτω καὶ τοῦτο

Assim visto que se aceitam tais palavras sem

etimologia por causa de seu uso corrente assim

tambeacutem proskephalaion seraacute aceita independente

de sua etimologia Aleacutem disso agraves vezes uma

mesma coisa tem dois nomes um deles suscetiacutevel

de etimologia o outro natildeo mas isso natildeo faz com

que o eacutetimo seja grego correto e o outro seja

baacuterbaro mas um e outro estatildeo igualmente

corretos

[246] οἷον τὸ ὑφrsquo ἡμῶν καλούμενον

ὑποπόδιον Ἀθηναῖοι καὶ Κῷοι χελωνίδα

καλοῦσιν ἀλλὰ ἔστι τὸ μὲν ὑποπόδιον

ἔτυμον ἡ δὲ χελωνὶς ἀνέτυμον καὶ οὐ διὰ

τοῦτο οἱ μὲν Ἀθηναῖοι λέγονται βαρβαρίζειν

ἡμεῖς δὲ ἑλληνίζειν ἀλλrsquo ἀμφότεροι

ἑλληνίζειν

Por exemplo o que noacutes chamamos hupopodion

(lsquobanquinho para peacutesrsquo) os atenienses e habitantes

de Coacutes chamam de khelonis (lsquotartarugarsquo)

hupopodion existe como um eacutetimo134 mas natildeo

khelonis e natildeo eacute por isso que se diria dos

atenienses que natildeo sabem falar grego e que noacutes

falamos o grego correto pois ambos falamos

grego corretamente

170

[247] τοίνυν ὡς ἐκεῖνοι διὰ τὴν συνήθειαν καὶ

οὐ διὰ τὴν τοῦ ὀνόματος ἐτυμότητα λέγονται

ἑλληνίζειν οὕτω καὶ ἡμεῖς διὰ τὸ ἐν τῇ αὑτῶν

συνηθείᾳ τετριμμένον ἔχειν τὸ τοιοῦτον

ὄνομα καὶ οὐ διὰ τὴν τῆς ἐτυμολογίας πίστιν

ἑλληνιοῦμεν

Ἀλλrsquo ὅτι μὲν τὸ τεχνικὸν μέρος τῆς

γραμματικῆς ἀνυπόστατόν ἐστιν αὐτάρκως

ἐκ τῶν εἰρημένων δέδεικται χωρῶμεν δὲ

ἀκολούθως καὶ ἐπὶ τὸ ἱστορικόν

Portanto tal como se diz que falam corretamente

natildeo por causa da etimologia mas pelo uso mesmo

tambeacutem noacutes usaremos o grego corretamente natildeo

por nos fiarmos na credibilidade da etimologia

mas por utilizarmos palavras correntes no uso

comum

Com o que foi dito fica suficientemente

comprovado que a parte teacutecnica da gramaacutetica eacute

insubsistente135 A seguir passamos agrave parte

lsquohistoacutericarsquo136

Εἰ σύστατον τὸ ἱστορικόν

[248] Ὅτι μὲν οὖν ἀξιοῦται τοῦτο ὁλοσχερῶς

εἶναι μέρος γραμματικῆς συμφανές

Ταυρίσκος γοῦν ὁ Κράτητος ἀκουστής

ὥσπερ οἱ ἄλλοι κριτικοὶ ὑποτάσσων τῇ

κριτικῇ τὴν γραμματικήν φησὶ τῆς κριτικῆς

εἶναι τὸ μέν τι λογικὸν τὸ δὲ τριβικὸν τὸ δrsquo

ἱστορικόν

Se a parte lsquohistoacutericarsquo eacute consistente

Eacute evidente que se considera a parte lsquohistoacutericarsquo

integralmente como parte da gramaacutetica Taurisco

o disciacutepulo de Crates subordinando a gramaacutetica agrave

criacutetica tal como fizeram os outros criacuteticos disse

que a criacutetica se compotildee de uma parte racional

(logikos) uma parte praacutetica (tribikos) e uma parte

lsquohistoacutericarsquo

[249] λογικὸν μὲν τὸ στρεφόμενον περὶ τὴν

λέξιν καὶ τοὺς γραμματικοὺς τρόπους

τριβικὸν δὲ τὸ περὶ τὰς διαλέκτους καὶ τὰς

διαφορὰς τῶν πλασμάτων καὶ χαρακτήρων

ἱστορικὸν δὲ τὸ περὶ τὴν προχειρότητα τῆς

ἀμεθόδου ὕλης

A parte racional volta-se para a expressatildeo (leksis)

e figuras (tropoi) gramaticais a parte praacutetica

ocupa-se de dialetos diferentes formas (plasmata)

e tipos (kharaktera) de estilo137 enquanto a parte

lsquohistoacutericarsquo lida com o material desorganizado

(amethodos) preexistente138139

[250] Διονύσιος δὲ ὁ Θρᾷξ ἓξ μέρη

γραμματικῆς εἶναι λέγων ἅπερ ἡμεῖς

ἀνώτερον ὁλοσχερῶς τρία προσηγορεύσαμεν

ἐν τούτοις καὶ τὸ ἱστορικὸν ἀποδίδωσιν εἶναι

γάρ φησι γραμματικῆς μέρη ἀνάγνωσιν

ἐντριβῆ κατὰ προσῳδίαν ἐξήγησιν κατὰ τοὺς

ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς τρόπους λέξεων

καὶ ἱστοριῶν ἀπόδοσιν ἐτυμολογίας εὕρεσιν

ἀναλογίας ἐκλογισμόν κρίσιν ποιημάτων

Dioniacutesio Traacutecio quando diz que a gramaacutetica tem

seis partes agraves quais nos referimos mais acima de

forma geneacuterica como trecircs inclui a parte

lsquohistoacutericarsquo entre elas Pois diz que as partes da

gramaacutetica satildeo a leitura treinada (entribes) de

acordo com a prosoacutedia a interpretaccedilatildeo de acordo

com as figuras poeacuteticas presentes explicaccedilatildeo de

palavras e histoacuterias a descoberta das etimologias

o estabelecimento das analogias e a criacutetica dos

171

ἀτόπως διαιρούμενος καὶ τάχα μὲν

ἀποτελέσματά τινα καὶ μόρια γραμματικῆς

[οὐ] μέρη ταύτης ποιῶν

poemas140 Uma divisatildeo estranha que parece

apresentar alguns dos resultados da gramaacutetica ou

suas subdivisotildees como se fossem partes dela

[251] ὁμολόγως δὲ τὴν μὲν ἐντριβῆ

ἀνάγνωσιν καὶ τὴν ἐξήγησιν καὶ τὴν κρίσιν

τῶν ποιημάτων ἐκ τῆς περὶ ποιητὰς καὶ

συγγραφεῖς θεωρίας λαμβάνων τὴν δὲ

ἐτυμολογίαν καὶ ἀναλογίαν ἐκ τοῦ τεχνικοῦ

τοῖς δὲ τὸ ἱστορικὸν ἀντεκτιθείς ἐν ἱστοριῶν

καὶ λέξεων ἀποδόσει κείμενον

Aleacutem de obviamente tomar a leitura treinada a

explicaccedilatildeo e a criacutetica dos poemas da parte que

trata de poetas e escritores e a etimologia e a

analogia da parte teacutecnica a estas ele contrapotildee a

parte lsquohistoacutericarsquo que trata da explicaccedilatildeo de

palavras e histoacuterias

[252] Ἀσκληπιάδης δὲ ἐν τῷ Περὶ

γραμματικῆς τρία φήσας εἶναι τὰ πρῶτα τῆς

γραμματικῆς μέρη [ἀνάγνωσιν ἐντριβῆ καὶ

κατὰ προσῳδίαν] τεχνικὸν ἱστορικὸν

γραμματικόν ὅπερ ἀμφοτέρων ἐφάπτεται

φημὶ δὲ τοῦ ἱστορικοῦ καὶ τοῦ τεχνικοῦ τριχῇ

ὑποδιαιρεῖται τὸ ἱστορικόν τῆς γὰρ ἱστορίας

τὴν μέν τινα ἀληθῆ εἶναί φησι τὴν δὲ ψευδῆ

τὴν δὲ ὡς ἀληθῆ καὶ ἀληθῆ μὲν τὴν

πρακτικήν ψευδῆ δὲ τὴν περὶ πλάσματα

καὶμύθους ὡς ἀληθῆ δὲ ltτὴν περὶ

πλάσματαgt53 οἷά ἐστιν ἡ κωμῳδία καὶ οἱ

μῖμοι

Asclepiacuteades em seu tratado Sobre a Gramaacutetica

afirma serem trecircs as partes primaacuterias da gramaacutetica

teacutecnica lsquohistoacutericarsquo e gramatical (que estaacute em

contato com as outras duas isto eacute a lsquohistoacutericarsquo e a

teacutecnica) Subdivide entatildeo a parte lsquohistoacutericarsquo em

trecircs pois afirma ele da lsquohistoacuteriarsquo fazem parte a

histoacuteria verdadeira a falsa e a verossimilhante ndash

uma histoacuteria de feitos (praktike) eacute verdadeira

aquela relativa a mitos eacute falsa e ficccedilotildees

(plasmata) tal como comeacutedias e mimos satildeo

verossimilhantes141 142

[253] τῆς δὲ ἀληθοῦς τρία πάλιν μέρη ἡ μὲν

γάρ ἐστι περὶ τὰ πρόσωπα θεῶν καὶ ἡρώων

καὶ ἀνδρῶν ἐπιφανῶν ἡ δὲ περὶ τοὺς τόπους

καὶ χρόνους ἡ δὲ περὶ τὰς πράξεις τῆς δὲ

ψευδοῦς τουτέστι τῆς μυθικῆς ἓν εἶδος

μόνον ὑπάρχειν λέγει τὸ γενεαλογικόν

ὑποτάσσεσθαι δὲ τῷ ἱστορικῷ κοινῶς φησι

καθὼς καὶ Διονύσιος τὸ περὶ τὰς γλώττας

ἱστορεῖ γὰρ ὅτι κρήγυον ἀληθές ἐστιν ἢ

E trecircs satildeo as partes da histoacuteria verdadeira uma

trata do papel de deuses heroacuteis e homens

famosos outra de lugares e datas e outra dos

feitos (prakseis)143 Da histoacuteria falsa ou seja das

histoacuterias miacuteticas ele diz que haacute apenas um tipo a

genealogia E como Dioniacutesio ele afirma que a

parte concernente agraves palavras inusuais eacute

geralmente subjugada agrave parte lsquohistoacutericarsquo pois eacute

pelo levantamento lsquohistoacutericorsquo (historei) que

53 Blank ad loc com Kaibel

172

ἀγαθόν ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ περὶ παροιμιῶν

καὶ ὅρων

Ἀλλrsquo ὅτι μὲν γραμματικῆς εἶναι μέρος

βούλονται τὸ ἱστορικόν ἐκ τούτων ἐστὶ

συμφανές

kreguon144 eacute lsquoverdadeirorsquo ou lsquobomrsquo e assim

tambeacutem com o relativo a proveacuterbios e definiccedilotildees

Assim fica claro a partir do que foi dito que eles

consideraram a parte lsquohistoacutericarsquo como parte da

gramaacutetica

[254] λοιπὸν δέ ἐπεὶ οἱ πλείους

ὡμολογήκασιν αὐτὸ ἄτεχνον εἶναι καὶ ἐκ τῆς

ἀμεθόδου ὕλης τυγχάνειν ἀπολελύκασι μὲν

ἡμᾶς τῆς ἐπὶ πλεῖον πρὸς αὐτοὺς

ἀντιρρήσεως ὅμως δrsquo οὖν ὑπὲρ τοῦ μὴ

ἀνεπισήμαντον παρελθεῖν τὸν τόπον οὕτως

ἐρωτητέον ἤτοι τέχνη ἐστὶν ἡ γραμματικὴ ἢ

οὔκ ἐστι τέχνη καὶ εἰ μὲν οὔκ ἐστιν αὐτόθεν

συμβεβίασται τὸ προκείμενον εἰ δὲ τέχνη

ἐστίν ἐπεὶ τὰ τῆς τέχνης μέρη πάντως ἐστὶ

τεχνικά τὸ δrsquo ἱστορικὸν ἀμέθοδον

ὡμολόγηται τυγχάνειν οὐκ ἂν εἴη τῆς

γραμματικῆς μέρος τὸ ἱστορικόν

Agora jaacute que a maior parte deles concorda que o

lsquohistoacutericorsquo natildeo eacute teacutecnico e proveacutem de material

desorganizado acabam nos liberando de um

ataque mais detalhado Mesmo assim para natildeo

passar ao largo sem dar atenccedilatildeo ao assunto

levantaremos o questionamento a seguir Ou a

gramaacutetica eacute uma arte ou a gramaacutetica natildeo eacute uma

arte E se natildeo eacute a questatildeo se resolve por si

mesma Mas se eacute uma arte e as partes de uma

arte satildeo sempre elas mesmas teacutecnicas e acabou de

ser acordado que a parte lsquohistoacutericarsquo eacute ametoacutedica

logo a parte lsquohistoacutericarsquo natildeo poderia ser parte da

gramaacutetica

[255] καὶ ὅτι τῷ ὄντι τοιοῦτόν ἐστιν αὐτόθεν

σχεδὸν ὑπέπιπτεν οὐ γάρ ὥσπερ ἀπὸ

καθολικῆς τινος μεθόδου καὶ τεχνικῆς

δυνάμεως λέγει ὁ μὲν ἰατρὸς ὅτι τόδε τὸ ἐπὶ

μέρους ὑγιεινόν ἐστι καὶ τόδε νοσερόν ὁ δὲ

μουσικὸς ὅτι τόδε ἡρμοσμένον καὶ ltτόδεgt

ἀνάρμοστον καὶ ἡρμοσμένον μὲν κατὰ τήνδε

τὴν συμφωνίαν ἀλλrsquo οὐχὶ κατὰ τήνδε οὕτω

καὶ ὁ γραμματικὸς δύναται ἀπὸ

ἐπιστημονικῆς τινος καὶ καθολικῆς θεωρίας

ἀπαγγέλλειν ὅτι ὁ μὲν Πέλοπος ὦμος

ἐλεφάντινος ἦν ὑπὸ τοῦ Ἄρεως ἢ ὑπὸ

Δήμητρος βρωθείς ἡ δὲ τοῦ Ἡρακλέους

κεφαλὴ ἐψέδνωτο ῥυεισῶν αὐτοῦ τῶν τριχῶν

ὅτε ὑπὸ τοῦ ἐφορμῶντος τῇ Ἡσιόνῃ κήτους

E eacute praticamente oacutebvio por si mesmo que eacute assim

de fato Pois o meacutedico a partir de um meacutetodo

geral e de uma capacidade teacutecnica afirma de algo

em particular que eacute saudaacutevel e de outra coisa que

eacute nociva e o muacutesico considera harmocircnica uma

passagem e dissonante outra e harmocircnica em

relaccedilatildeo a determinado acorde mas natildeo a outro No

entanto o gramaacutetico natildeo pode do mesmo modo

que eles a partir de alguma teoria cientiacutefica

(epistemonike) geral declarar que o ombro de

Peacutelops era de marfim porque seu ombro mesmo

foi comido por Ares ou por Demeacuteter ou que

Heacutercules ficou calvo porque seu cabelo caiu

quando ele foi engolido pelo monstro marinho que

estava atacando Hesiacuteone

173

κατεπόθη

[256] ἀλλrsquo ἵνα τούτων ποιήσηται τὴν ἔκθεσιν

ὀφείλει πᾶσι τοῖς κατὰ μέρος περὶ αὐτῶν

ἱστορουμένοις54 ἐντυχεῖν τὸ δὲ πάντων τῶν

κατὰ μέρος ποιεῖσθαι τὴν ἀνάληψιν αὐτοῖς

ἐντυγχάνοντα τοῖς κατὰ μέρος οὔκ ἐστι

τεχνικόν οὐκ ἄρα ἐκ τέχνης τινὸς

μεθοδεύεται τοῖς γραμματικοῖς τὸ ἱστορικόν

Mas para fazer uma exposiccedilatildeo destas coisas ele

tem de encontrar todos os relatos (historoumenoi)

particulares sobre elas E repetir todos esses dados

um por um por ter consultado esses mesmos

dados em relatos particulares natildeo eacute algo teacutecnico

Logo a parte lsquohistoacutericarsquo natildeo foi organizada

(methodeuo) pelos gramaacuteticos a partir de uma arte

[257] καὶ μὴν ἐπεὶ τῆς ἱστορίας ἡ μέν τίς ἐστι

τοπικὴ ἡ δὲ χρονικὴ ἡ δὲ περὶ τὰ πρόσωπα ἡ

δὲ περὶ τὰς πράξεις δῆλον ὡς εἰ μὴ τεχνική

ἐστιν ἡ τῶν τόπων καὶ ἡ τῶν χρόνων

ἀπόδοσις οὔθrsquo ἡ τῶν προσώπων οὔθrsquo ἡ τῶν

πράξεων τεχνικὴ γενήσεται τί γὰρ διήνεγκε

τούτων ἢ ἐκείνων ἀποκρατεῖν ἀλλὰ μὴν

οὐδὲν ἔχει τεχνικὸν τὸ ἀποδιδόναι τοπικὴν

ἱστορίαν λέγοντας ὅτι εἰ τύχοι Βρίλησος55

μὲν καὶ Ἀράκυνθος τῆς Ἀττικῆς ἐστιν ὄρος

Ἀκάμας δὲ τῆς Κυπρίας ἀκρωτήριον ἢ

χρονικὴν ἐκτίθεσθαι καθάπερ ὅτι Ξενοφάνης

Κολοφώνιος ἐγένετο περὶ τὴν τεσσαρακοστὴν

ὀλυμπιάδα τοῦτο γὰρ καὶ ὁ μὴ ὢν

γραμματικὸς ἄλλως δὲ περίεργος δυνήσεται

ποιεῖν

E ainda se haacute uma lsquohistoacuteriarsquo que trata de lugares

outra de datas outra sobre personagens outra de

accedilotildees eacute evidente que se explicaccedilotildees de lugares e

tempos natildeo satildeo teacutecnicas tampouco seraacute teacutecnico o

que trata de personagens ou accedilotildees145 Pois qual eacute

a diferenccedila entre ocupar-se destas ou daquelas De

fato natildeo haacute nada de teacutecnico na lsquohistoacuteriarsquo que trata

de lugares dizendo por exemplo que Brileso e

Aracinto satildeo montes da Aacutetica ou que Acamante eacute

um promontoacuterio em Chipre tampouco naquela

que estabelece datas como por exemplo que

Xenoacutefanes de Coacutelofon nasceu na quadrageacutesima

olimpiacuteada Isto mesmo aquele que natildeo eacute

gramaacutetico mas apenas curioso tambeacutem eacute capaz

de fazer

[258] τοίνυν οὐδὲ τὸ περὶ προσώπων καὶ

πράξεων ἀπαγγέλλειν τεχνικὸν γενήσεται

οἷον ὅτι Πλάτων μὲν ὁ φιλόσοφος

Ἀριστοκλῆς πρότερον ἐκαλεῖτο καὶ ἐτέτρητο

τὸ οὖς ἐλλόβιον φορήσας ὅτrsquo ἦν μειρακίσκος

Πυθιὰς δὲ ἡ Ἀριστοτέλους θυγάτηρ τρισὶν

ἀνδράσιν ἐγαμήθη πρῶτον μὲν Νικάνορι τῷ

Σταγειρίτῃ οἰκείῳ ὄντι Ἀριστοτέλους

Assim tampouco seraacute teacutecnico dar declaraccedilotildees

sobre personagens e accedilotildees por exemplo que

Platatildeo o filoacutesofo se chamava antes Aristoacutecles

tinha a orelha furada e usava brinco quando era

jovem ou que a filha de Aristoacuteteles Pitiacuteade

casou-se com trecircs homens o primeiro Nicanor de

Estagira parente de Aristoacuteteles o segundo

Procles descendente do rei lacedemocircnio

54 Blank ad loc com Giusta p 430 Por ἱστοροῦσιν 55 Blank ad loc com a ediccedilatildeo de Genebra Para Βριλησός

174

δευτέρῳ δὲ Προκλεῖ Δημαράτου τοῦ

Λακεδαιμονίων βασιλέως ἀπογόνῳ ὃς καὶ

δύο ἐξ αὐτῆς τεκνοῦται παῖδας Προκλέα τε

καὶ Δημάρατον τοὺς παρὰ Θεοφράστῳ

φιλοσοφήσαντας τρίτῳ δὲ Μητροδώρῳ

ἰατρῷ Χρυσίππου μὲν τοῦ Κνιδίου μαθητῇ

Ἐρασιστράτου δὲ ὑφηγητῇ ᾧ γίνεται παῖς

Ἀριστοτέλης

Demaacuterato com quem teve dois filhos Procles e

Demaacuterato que estudaram filosofia com Teofrasto

e o terceiro pai do menino chamado Aristoacuteteles

foi o meacutedico Metrodoro aluno de Crisipo de

Cniacutedio e professor de Erasiacutestrato

[259] ταῦτα γὰρ καὶ τὰ τούτοις ὅμοια πρὸς τῷ

τελέως ἀχρηστεῖν ἔτι οὐδεμίαν ἐμφαίνει

τεχνικὴν δύναμιν ὥστε οὐδὲ ἡ τῶν ἱστορικῶν

ἀπόδοσίς ἐστιν ἔντεχνος ἄλλως τε καθὼς

ἀνώτερον ὑπεδείξαμεν οὔτε τῶν ἀπείρων

οὔτε τῶν ἄλλοτε ἄλλως γινομένων ἔστι τις

τεχνικὴ γνῶσις

Com efeito aleacutem de todas as informaccedilotildees como

estas serem completamente inuacuteteis tambeacutem natildeo

evidenciam nenhuma capacidade teacutecnica De

forma que tampouco explicar dados lsquohistoacutericosrsquo

resulta de uma arte (entekhnos) Aleacutem disso como

demonstramos mais acima natildeo existe um

conhecimento teacutecnico do que eacute infinito ou de

coisas que a todo tempo variam

[260] αἱ δέ γε κατὰ μέρος ἱστορίαι ἄπειροί τε

διὰ τὸ πλῆθός εἰσι καὶ οὐχ ἑστῶσαι διὰ τὸ μὴ

τὰ αὐτὰ περὶ τοῦ αὐτοῦ παρὰ πᾶσιν

ἱστορεῖσθαι οἷον (οὐκ ἄτοπον γάρ ἵνα

συμφυέσι τε καὶ οἰκείοις χρησώμεθα τῶν

πραγμάτων παραδείγμασιν) ὑπόθεσιν γὰρ

ἑαυτοῖς ψευδῆ λαμβάνοντες οἱ ἱστορικοὶ ltοὐκ

ἀρκούμενοι τῷ ψεύσματι ἐν ᾧgt τὸν ἀρχηγὸν

ἡμῶν τῆς ἐπιστήμης Ἀσκληπιὸν

κεκεραυνῶσθαι λέγουσιν56 καὶ ποικίλως

αὐτὸ μεταπλάττουσι

Mas claro as histoacuterias individuais satildeo infinitas

porque satildeo inuacutemeras aleacutem disso natildeo satildeo fixas

pois natildeo eacute como se todos contassem as mesmas

histoacuterias do mesmo modo sobre as mesmas coisas

Por exemplo (e faz sentido utilizarmos exemplos

conectados e que nos sejam familiares) os

lsquohistoriadoresrsquo (historikoi) adotam uma suposiccedilatildeo

falsa e afirmam que Ascleacutepio o fundador da nossa

ciecircncia foi fulminado por um raio e natildeo

satisfeitos com essa mentira ainda a transformam

de inuacutemeras formas

[261] Στησίχορος μὲν ἐν Ἐριφύλῃ εἰπὼν ὅτι

τινὰς τῶν ἐπὶ Θήβαις πεσόντων ἀνιστᾷ

Πολύανθος δὲ ὁ Κυρηναῖος ἐν τῷ περὶ τῆς

Estesiacutecoro em sua Eriacutefile diz que isso aconteceu

porque Ascleacutepio estaria ressuscitando alguns dos

que caiacuteram em Tebas Polianto de Cirene em sua

56 Blank ad loc com Giusta p 431 Por οἷον (οὐκ ἄτοπον γάρ) ἵνα συμφυέσι τε καὶ οἰκείοις χρησώμεθα τῶν πραγμάτων παραδείγμασιν ὑπόθεσιν γὰρ ἑαυτοῖς ψευδῆ λαμβάνοντες οἱ ἱστορικοὶ τὸν ἀρχηγὸν ἡμῶν τῆς ἐπιστήμης Ἀσκληπιὸν κεκεραυνῶσθαι λέγουσιν οὐκ ἀρκούμενοι τῷ ψεύσματι dagger ἐν ᾧ dagger καὶ ποικίλως

175

Ἀσκληπιαδῶν γενέσεως ὅτι τὰς Προίτου

θυγατέρας κατὰ χόλον Ἥρας ἐμμανεῖς

γενομένας ἰάσατο Πανύασις δὲ διὰ τὸ νεκρὸν

Τυνδάρεω ἀναστῆσαι Στάφυλος δὲ ἐν τῷ

περὶ Ἀρκάδων ὅτι Ἱππόλυτον ἐθεράπευσε

φεύγοντα ἐκ Τροιζῆνος κατὰ τὰς

παραδεδομένας κατrsquo αὐτοῦ ἐν τοῖς

τραγῳδουμένοις φήμας

obra sobre a origem dos Asclepiacuteadas diz que foi

porque curou as filhas de Preto que haviam ficado

loucas por causa da ira de Hera Paniacuteasis diz que

foi porque fez voltar agrave vida o cadaacutever de Tiacutendaro

Estaacutefilo em seu livro sobre os arcaacutedios diz que

ele curou Hipoacutelito que fugia de Trezeno

conforme a tradiccedilatildeo que se transmite sobre ele

nas trageacutedias

[262] Φύλαρχος δὲ ἐν τῇ ἐννάτῃ διὰ τὸ τοὺς

Φινέως υἱοὺς τυφλωθέντας ἀποκαταστῆσαι

χαριζόμενον αὐτῶν τῇ μητρὶ Κλεοπάτρᾳ τῇ

Ἐρεχθέως Τελέσαρχος δὲ ἐν τῷ Ἀργολικῷ

ὅτι τὸν Ὠρίωνα ἐπεβάλετο ἀναστῆσαι οὐ

τοίνυν τῆς οὕτως ἀπὸ ψευδοῦς ὑποθέσεως

ἀρχομένης καὶ ἀδιεξιτήτου κατὰ πλῆθος καὶ

πρὸς τὴν ἑκάστου προαίρεσιν

μεταπλαττομένης γένοιτrsquo ἄν τις τεχνικὴ

θεωρία

Filarco diz no livro nono que foi porque ele

recuperou a visatildeo aos filhos cegos de Fineu como

um favor para com sua matildee Cleoacutepatra a filha de

Erecteu e Telesarco em seu Argoacutelico afirma que

teria tentado ressuscitar Oriacuteon Em suma algo que

comeccedila dessa forma a partir de uma suposiccedilatildeo

que eacute falsa multiplicada agrave exaustatildeo e reinventada

conforme as vontades de cada um natildeo pode

tornar-se objeto de uma teoria (theoria) teacutecnica

[263] Πρὸς τούτοις ἐπεὶ τῶν ἱστορουμένων

τὸ μέν ἐστιν ἱστορία τὸ δὲ μῦθος τὸ δὲ

πλάσμα ὧν ἡ μὲν ἱστορία ἀληθῶν τινῶν ἐστι

καὶ γεγονότων ἔκθεσις ὡς ὅτι Ἀλέξανδρος ἐν

Βαβυλῶνι διrsquo ἐπιβούλων φαρμακευθεὶς

ἐτελεύτα πλάσμα δὲ πραγμάτων μὴ

γενομένων μὲν ὁμοίως δὲ τοῖς γενομένοις

λεγομένων ὡς αἱ κωμικαὶ ὑποθέσεις καὶ οἱ

μῖμοι

Aleacutem do mais dos relatos (historoumenoi)146

fazem parte a histoacuteria147 o mito e a ficccedilatildeo148 A

histoacuteria eacute a exposiccedilatildeo de acontecimentos

verdadeiros149 como que Alexandre morreu na

Babilocircnia envenenado por conspiradores A ficccedilatildeo

refere-se a eventos que natildeo aconteceram mas que

satildeo contados como se tivessem acontecido os

enredos (hupotheseis) de comeacutedias e mimos por

exemplo

[264] μῦθος δὲ πραγμάτων ἀγενήτων καὶ

ψευδῶν ἔκθεσις ὡς ὅτι τὸ μὲν τῶν φαλαγγίων

καὶ ὄφεων γένος Τιτήνων ἐνέπουσιν ἀφrsquo

αἵματος ἐζωγονῆσθαι τὸν δὲ Πήγασον

λαιμοτομηθείσης τῆς Γοργόνος ἀπὸ τῆς

κεφαλῆς ἐκθορεῖν καὶ οἱ μὲν Διομήδους

O mito eacute a exposiccedilatildeo de eventos que natildeo

aconteceram e satildeo falsos tal como dizer que a

raccedila de serpentes e aranhas venenosas brotou viva

do sangue derramado dos Titatildes ou que Peacutegaso

nasceu da cabeccedila decepada da Goacutergona e que os

companheiros de Diomedes se transformaram em

176

ἑταῖροι εἰς θαλασσίους μετέβαλον ὄρνις ὁ δὲ

Ὀδυσσεὺς εἰς ἵππον ἡ δὲ Ἑκάβη εἰς κύνα

aves marinhas Odisseu num cavalo e Heacutecuba

numa cadela

[265] ndash τοιαύτης δὲ οὔσης ltτῆςgt τῶν

ἱστοριῶν διαφορᾶς ἐπεὶ οὐκ ἔστι τέχνη τις

περὶ τὰ ψευδῆ καὶ ἀνύπαρκτα ψευδῆ δέ ἐστι

καὶ ἀνύπαρκτα τὰ περὶ τοὺς μύθους καὶ τὰ

πλάσματα περὶ ἃ μάλιστα τοῦ ἱστορικοῦ

μέρους ἡ γραμματικὴ καταγίνεται οὐκ ἂν εἴη

τις τέχνη περὶ τὸ ἱστορικὸν μέρος ltτῆςgt

γραμματικῆς

Sendo tal a diversidade entre as histoacuterias e jaacute que

natildeo existe qualquer arte que trate do falso e do

inexistente (anuparkta) e eacute falso e inexistente o

que se diz nos mitos e ficccedilotildees de que se ocupa

principalmente a gramaacutetica em sua parte

lsquohistoacutericarsquo natildeo pode haver qualquer arte para a a

parte lsquohistoacutericarsquo da gramaacutetica

[266] ὅθεν καταγελᾶν ἄξιον τῶν λεγόντων ὅτι

εἰ καὶ ἡ ὕλη τῆς ἱστορίας ἐστὶν ἀμέθοδος ἡ

μέντοι κρίσις ταύτης γενήσεται τεχνική διrsquo ἧς

γιγνώσκομεν τί τε ψευδῶς ἱστόρηται καὶ τί

ἀληθῶς

Por isso merecem ser ridicularizados os que

dizem que mesmo que o material base da

lsquohistoacuteriarsquo seja desorganizado ainda assim o

julgamento deste material pelo qual conhecemos

o que eacute relatado (historeo) de maneira falsa ou

verdadeira eacute teacutecnico150

[267] πρῶτον μὲν γὰρ οὐ παραδεδώκασιν

ἡμῖν οἱ γραμματικοὶ τῆς ἀληθοῦς ἱστορίας

κριτήριον ἵνα καὶ ἐξετάζωμεν πότε ἀληθής

ἐστιν αὕτη καὶ πότε ψευδής εἶτα καὶ

μηδεμιᾶς οὔσης ἀληθοῦς ἱστορίας παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς οὐδὲ τὸ τοῦ ἀληθοῦς κριτήριον

ὑποστατόν ἐστιν ἐπεὶ πῶς οὐκ ἔργον τινὸς

μὲν λέγοντος ὅτι Ὀδυσσεὺς ὑπὸ Τηλεγόνου

παιδὸς κατὰ ἄγνοιαν ἀνῄρηται τινὸς δὲ ὅτι

λάρου κέντρον θαλασσίας τρυγόνος ἀφέντος

αὐτοῦ ltἐπὶgt57 τῇ κεφαλῇ διεφώνησεν ἄλλου

δὲ ὅτι εἰς ἵππον μετέβαλε τὴν μορφήν θέλειν

ἐν οὕτως ἀπερρωγόσι πράγμασιν εὑρεῖν

τἀληθές πρότερον γὰρ δεῖ ὑποστῆναι ἐν τοῖς

διαφωνοῦσι τὸν ἀληθεύοντα καὶ τότε ζητεῖν

τί ἐστιν

Com efeito em primeiro lugar os gramaacuteticos natildeo

nos forneceram um criteacuterio de verdade com o

qual pudeacutessemos testar quando a histoacuteria eacute

verdadeira e quando eacute falsa Em segundo lugar se

natildeo haacute nenhuma histoacuteria verdadeira para os

gramaacuteticos tampouco subsiste um criteacuterio de

verdade Um diz que Odisseu foi morto por seu

filho Teleacutegono sem que este soubesse quem ele

era outro diz que ele faleceu quando uma gaivota

deixou cair em sua cabeccedila a cauda de uma arraia

ainda com o ferratildeo e um outro que se

metamorfoseou em cavalo natildeo eacute uma tarefa

insana querer descobrir a verdade em coisas tatildeo

desconexas Porque antes de tudo seria preciso

supor que em meio a histoacuterias tatildeo discordantes

tenha sido dito algo verdadeiro e soacute entatildeo depois

57 Blank ad loc com Giusta p 431

177

disso procurar pelo que eacute verdadeiro

[268] πάντων δὲ ἀπίθανα καὶ ψευδῆ λεγόντων

οὐδὲ τεχνικῷ τινὶ κριτηρίῳ δίδοται πάροδος

Καὶ μὴν οὐδὲ διrsquo ὧν ἂν ἱστορία καλῶς

γραφείη διδάσκουσιν οἱ γραμματικοί ἵνα κατrsquo

ἀναφορὰν τὴν ὡς ἐπὶ τὰ τοιαῦτα θεωρήματα

λέγωμεν τεχνικόν τι μέρος ὑπάρχειν παρrsquo

αὐτοῖς τὸ ἱστορικόν τοῦτο γὰρ ῥητορικῶν

ἐστι τὸ ἔργον

Mas quando todos dizem coisas falsas e

inacreditaacuteveis sequer existe brecha para introduzir

um criteacuterio teacutecnico151

Na verdade os gramaacuteticos nem mesmo nos

ensinam como seria uma histoacuteria be escrita de

forma que pudeacutessemos com referecircncia a tais

teoremas dizer que sua parte lsquohistoacutericarsquo eacute teacutecnica

Jaacute que esta eacute a tarefa dos retoacutericos

[269] ὥστrsquo ἐπεὶ καὶ αὐτοὶ ἐξομολογοῦνται

ἀμέθοδόν τι εἶναι παράπηγμα τὴν ἱστορίαν

καὶ ἡμεῖς ἐπελογισάμεθα καὶ ἄλλως οὐδὲν

τεχνικὸν θεώρημα πρὸς τὴν γνῶσιν αὐτῆς ἢ

σύστασιν παραδεδώκασι ῥητέον καὶ κατὰ τὸ

ἱστορικὸν μέρος ἀσύστατον εἶναι τὴν

γραμματικήν

Consequentemente se eles proacuteprios jaacute admitiram

que a lsquohistoacuteriarsquo eacute como uma lista (parapegma)

sem meacutetodo e noacutes mesmos o comprovamos e

aleacutem disso eles natildeo forneceram nenhum teorema

teacutecnico a favor do conhecimento dela ou de sua

consistecircncia entatildeo deve ser dito que tambeacutem no

que se refere agrave parte lsquohistoacutericarsquo a gramaacutetica eacute

inconsistente

Ὅτι τὸ τοὺς ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς μέρος

τῆς γραμματικῆς ἀσύστατόν ἐστιν

[270] Ἤδη μὲν δυνάμει καὶ τὸ περὶ ποιητὰς

καὶ συγγραφεῖς μέρος τῆς γραμματικῆς ἡμῖν

ἀνῄρηται δείξασι τὸ ἀδύνατον τοῦ κατὰ τὰς

τεχνολογίας καὶ τοῦ ἱστορικοῦ χωρὶς γὰρ

τούτων οὐκ ἀπευθύνεταί τις ποιήσεως

ἐξήγησις ὅμως δrsquo οὖν καὶ τὰ ἐν τούτῳ τῷ

μέρει πειρασόμεθα κοινότερον δυνάμενα

λέγεσθαι σκοπεῖν καὶ μάλιστα ὅτι οὕτως

ἐπιτεθαρρήκασιν αὐτῷ οἱ γραμματικοὶ ὡς καὶ

τὸ βιωφελὲς τῆς γραμματικῆς καὶ πρὸς

εὐδαιμονίαν ἀναγκαῖον ἐξ αὐτοῦ τολμᾶν

πιστοῦσθαι φασὶ γοῦν ὡς ἡ ποιητικὴ πολλὰς

δίδωσιν ἀφορμὰς πρὸς σοφίαν καὶ εὐδαίμονα

βίον ἄνευ δὲ τοῦ ἀπὸ γραμματικῆς φωτὸς οὐχ

A parte da gramaacutetica que trata de poetas e

escritores eacute inconsistente

A parte da gramaacutetica que trata de poetas e

escritores tambeacutem jaacute se encontra praticamente

destruiacuteda por termos demonstrado a

impossibilidade da exposiccedilatildeo teacutecnica e da parte

lsquohistoacutericarsquo e sem estas natildeo se pode por em

praacutetica qualquer exegese (eksegesis) da poesia No

entanto vamos nos esforccedilar em considerar o que

se pode dizer de maneira geral tambeacutem aqui

especialmente porque os gramaacuteticos depositam tal

confianccedila nessa parte que ousam aiacute apoiar-se para

provar que a gramaacutetica eacute uacutetil para a vida e

indispensaacutevel para a felicidade Ao menos quando

afirmam que a poesia (poietike) contribui em

muito para uma vida feliz e com sabedoria e que

178

οἷόν τε τὰ παρὰ τοῖς ποιηταῖς διορᾶν ὁποῖά

ποτέ ἐστιν χρειώδης ἄρα ἡ γραμματική

sem a luz da gramaacutetica natildeo eacute possiacutevel ver

claramente o que os poetas querem dizer em cada

passagem de forma que a gramaacutetica eacute uacutetil152

[271] τὸ δrsquo ὅτι συχνὰς δίδωσιν ἡ ποιητικὴ

ἀφορμὰς πρὸς εὐδαιμονίαν δῆλον ἐκ τοῦ τὴν

ὄντως κρατίστην καὶ ἠθοποιὸν φιλοσοφίαν

ἀπὸ τῆς παρὰ τοῖς ποιηταῖς γνωμολογίας τὴν

ἀρχὴν ἐρριζῶσθαι καὶ διὰ τοῦτο τοὺς

φιλοσόφους εἴ ποτε παραινετικῶς τι λέγοιεν

ταῖς ποιητικαῖς φωναῖς ὡσπερεὶ σφραγίζεσθαι

τὸ ὑπrsquo αὐτῶν λεγόμενον καὶ ὁ μὲν ἐπrsquo ἀρετὴν

παρακαλῶν φησὶν

ἀρετὴ δὲ κἂν θάνῃ τις οὐκ ἀπόλλυται

ὁ δὲ φιλαργυρίαν φεύγειν ἐγκελευόμενος

προφέρεται τὸ

μὴ Πλοῦτον εἴπῃς οὐχὶ θαυμάζω θεόν

ὃν χὡ κάκιστος ῥᾳδίως ἐκτήσατο

ὁ δὲ αὐτάρκειαν ὑπαγορεύων συμπιστοῦται

τὸ δόγμα ἐκ τοῦ τὸν Εὐριπίδην λέγειν

τί γὰρ δέει βροτοῖσι πλὴν δυοῖν μόνον

Δήμητρος ἀκτῆς πώματός θrsquo ὑδρηχόου

ἃ δὴ πάρεστι καὶ πέφυχrsquo ἡμᾶς τρέφειν

Que a poesia frequentemente contribui para a

felicidade eacute evidente pelo fato de que a filosofia

que na realidade tem mais poder e eacute formadora de

caraacuteter teve suas raiacutezes primeiras nos ditos

gnocircmicos dos poetas e por isso os filoacutesofos num

tom exortativo usavam passagens poeacuteticas para

validar por assim dizer seus proacuteprios dizeres

Assim o que exorta a virtude diz

A virtude mesmo que a pessoa morra natildeo

perece [Euriacutepides Temenoi fr 734 Nauck2]

o que nos conclama a evitar a avareza profere

Natildeo me fales de Riqueza eu natildeo venero um deus

a quem ateacute o mais vil facilmente conquista

[Euriacutepides Aeolus fr 20 Nauck2]

e outro que aconselha a autossuficiecircncia

confirma sua doutrina pelo que disse Euriacutepides

O que eacute preciso para os mortais senatildeo duas coisas

somente

o alimento de Demeacuteter e a aacutegua que flui

e das duas nos provecirc a natureza153

[fr 892 Nauck2]

[272] καὶ τὸ μὲν τοὺς ἄλλους φιλοσόφους

τοῦτο ποιεῖν οὐ παράδοξον αὐτοὺς δὲ

εὑρήσομεν τοὺς τῆς γραμματικῆς

κατηγόρους Πύρρωνά τε καὶ Ἐπίκουρον

ἐξομολογουμένους τὸ ἀναγκαῖον αὐτῆς ὧν ὁ

μὲν Πύρρων ἱστορεῖται τὴν Ὁμηρικὴν διὰ

παντὸς ποίησιν ἀναγινώσκων μὴ ἄν ποτε

τοῦτο ποιήσας εἴπερ μὴ ἐγίνωσκεν αὐτὴν

χρησίμην καὶ διὰ τοῦτο τὴν γραμματικὴν

E natildeo eacute incomum que outros filoacutesofos tambeacutem

faccedilam o mesmo encontraremos mesmo os que

acusaram a gramaacutetica Pirro e Epicuro admitindo

que seja necessaacuteria Pois diz-se que Pirro estava

sempre lendo a poesia homeacuterica e que natildeo o faria

se natildeo reconhecesse a utilidade dela e que por

isso a gramaacutetica eacute indispensaacutevel154

179

ἀναγκαίαν

[273] ὁ δὲ Ἐπίκουρος φωρᾶται τὰ κράτιστα

τῶν δογμάτων παρὰ ποιητῶν ἀνηρπακώς τόν

τε γὰρ ὅρον τοῦ μεγέθους τῶν ἡδονῶν ὅτι ἡ

παντός ἐστι τοῦ ἀλγοῦντος ὑπεξαίρεσις ἐξ

ἑνὸς στίχου δέδεικται λαβών ltτοῦgt

αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντο

τὸν δὲ θάνατον ὅτι οὐδέν ἐστι πρὸς ἡμᾶς

Ἐπίχαρμος αὐτῷ προμεμήνυκεν εἰπὼν

ἀποθανεῖν ἢ τεθνάναι οὔ μοι διαφέρει

ὡσαύτως δὲ καὶ τὰ νεκρὰ τῶν σωμάτων

ἀναισθητεῖν παρrsquo Ὁμήρου κέκλοφε

γράφοντος

κωφὴν γὰρ δὴ γαῖαν ἀεικίζει μενεαίνων

E Epicuro por seu lado foi acusado de tomar dos

poetas a parte realmente importante de suas

doutrinas Com efeito alegou-se que o lsquolimite da

intensidade do prazerrsquo como lsquoa extinccedilatildeo de toda

dorrsquo [RS 3] teria sido tirada deste uacutenico verso

ldquoTendo assim pois a vontade da fome e da sede

saciadordquo

[Il I 469 Trad Carlos Alberto Nunes]

e Epicarmo155 jaacute havia mostrado a ele que lsquoa morte

natildeo eacute nada para noacutesrsquo [DL 10124 Lucreacutecio De

rer nat III 830ss] ao dizer

Morrer ou estar morto natildeo faz diferenccedila para

mim156 [fg 23 B 11 DK]

E da mesma forma teria roubado deste verso

escrito por Homero a ideia de que os corpos

mortos satildeo insensiacuteveis157

ldquopois contra terra insensiacutevel apenas a fuacuteria

exercitardquo

[Il XXIV 54 Trad Carlos Alberto Nunes]

[274] καὶ μὴν οὐ ταῦτα μόνον τοῖς ποιηταῖς

δεξιῶς εἰρῆσθαι φαίνεται ἀλλὰ καὶ τὰ περὶ

θεῶν οἷόν ἐστι καὶ τὸ παρὰ τῷ Εὐριπίδῃ

λεχθὲν ἐν Φρίξῳ

ὅστις δὲ θνητῶν οἴεται καθrsquo ἡμέραν

κακόν τι πράσσων τοὺς θεοὺς λεληθέναι

δοκεῖ πονηρά καὶ δοκῶν ἁλίσκεται

ὅταν σχολὴν ἄγουσα τυγχάνῃ δίκη

ἀλλrsquo εἴπερ ταῦτα καὶ τὰ τούτοις ἐοικότα

χρειώδη ἐστί λαμβάνεται δrsquo οὐ χωρὶς

γραμματικῆς ἔσται καὶ ἡ γραμματικὴ τῶν

βιωφελῶν

E de fato natildeo apenas estas coisas se revelaram

muito bem expressas pelos poetas mas tambeacutem o

que dizem sobre os deuses por exemplo Euriacutepides

em seu Frixo

Qualquer mortal que acredite poder fazer o mal

dia apoacutes dia e passar despercebido pelos deuses

eacute leviano e sucumbiraacute agrave sua proacutepria leviandade

tatildeo logo a justiccedila tenha um tempo livre158

[Fr 124 West2 ]

Pois bem se de fato esses dizeres e outros

semelhantes satildeo uacuteteis e natildeo se pode compreendecirc-

los sem a ajuda da gramaacutetica entatildeo a gramaacutetica

tambeacutem estaraacute entre as coisas que satildeo uacuteteis para a

180

vida

[275] ἔχοι δrsquo ἄν τινα φασίν ἐξαιρέτως καὶ

ταῖς τῶν μανθανόντων αὐτὴν πατρίσιν

ἀναγκαῖα Λεβεδίων γοῦν διαφερομένων πρὸς

τοὺς ἀστυγείτονας περὶ Καμανδωδοῦ ὁ

γραμματικὸς τὸ Ἱππωνάκτειον παραθέμενος

ἐνίκα

μηδέ μοι μῦ

λαλεῖν Λεβεδίην ἰσχάδrsquo ἐκ Καμανδωδοῦ

ὁμιλητικούς τε παρεχομένη τοὺς προσέχοντας

αὐτῇ εὐθὺς καὶ ταύτῃ [καὶ] τοῖς πέλας κατὰ

πολλὰς περιστάσεις ὀνησιφόρος γίνεται

E conforme dizem a gramaacutetica traria aleacutem do

mais algumas vantagens especiais para as paacutetrias

daqueles que se instruem nela159 Ao menos diz-se

que os lebedianos estavam disputando com seus

vizinhos acerca de Camandodo e que seu

gramaacutetico venceu a disputa ao citar Hipocircnax

E natildeo me venha com figos lebedianos de

Camandodo [fr 124 West2]

E por tornar sociaacuteveis os homens que se dedicam

a ela evidentemente que neste sentido tambeacutem

traraacute em muitas circunstacircncias benefiacutecios para os

vizinhos

[276] πάρεστι δὲ τὸ λεγόμενον σκοπεῖν ἐξ

αὐτῶν τῶν ἀποτελεσμάτων Σώστρατος γάρ

ὥς φασιν ἀποσταλεὶς ὑπὸ Πτολεμαίου πρὸς

τὸν Ἀντίγονον βασιλικῆς τινὸς ἕνεκα χρείας

κἀκείνου εἰκαιότερον ἀποκρινομένου

ἐπέτυχεν εἰπὼν

οὕτω δὴ κέλεαι γαιήοχε κυανοχαῖτα

τόνδε φέρω Διὶ μῦθον ἀπηνέα τε κρατερόν

τε

ἤ τι μεταστρέψεις στρεπταὶ μέν τε φρένες

ἐσθλῶν

ταῦτα γὰρ ἀκούσας Ἀντίγονος μετεβάλλετο

Isso se verifica a partir dos proacuteprios resultados

Pois Soacutestrato segundo dizem foi enviado por

Ptolomeu a Antiacutegono para tratar de algum assunto

do interesse real e quando este lhe respondeu de

forma precipitada teria obtido ecircxito ao contestar

ldquoAbalador poderoso desejas que a Zeus em

verdade

decirc de tua parte um recado tatildeo duro e insolente

como esse

Natildeo seraacute bom refletires Os homens sensatos satildeo

doacuteceisrdquo

[Il XV 201-203] Trad Carlos Alberto Nunes

Com efeito ao escutar tais palavras Antiacutegono

mudou de ideacuteia

[277] Πολλῶν δὴ τοιούτων λεγομένων εἰς

τὸ χρησιμώτατον εἶναι τὸ τῆς γραμματικῆς

μέρος τὸ περὶ ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς

καταγιγνόμενον δείγματος χάριν τοῖς

ἐκκειμένοις ἀρκεσθέντες λέγωμεν πρὸς

ἕκαστον αὐτῶν τὸ τοίνυν βιωφελῆ εἶναι τὴν

De fato haacute muitos argumentos semelhantes em

favor da enorme utilidade da parte da gramaacutetica

que trata de poetas e escritores mas vamos nos

dar por satisfeitos com os jaacute expostos como um

padratildeo e passaremos a contra-argumentar contra

cada um deles Pois bem o argumento de que a

181

ποιητικὴν γνωμολογίαν καὶ φιλοσοφίας

ἀρχήν ταύτης δὲ ἀποδοτικὴν ὑπάρχειν τὴν

γραμματικήν ὄντως γραμματικόν ἐστιν

poesia gnocircmica eacute uacutetil para vida e o princiacutepio da

filosofia e que a interpretaccedilatildeo dela compete agrave

gramaacutetica realmente eacute tiacutepico de um gramaacutetico

[278] πρῶτον μὲν γάρ ἵνα συνδράμωμεν

αὐτοῖς μηδὲν ποιητικῆς κατειπόντες ἀλλrsquo οὖν

γε ἐκεῖνο πρόδηλόν ἐστιν ὅτι ὁπόσα μὲν

βιωφελῆ καὶ ἀναγκαῖα εὑρίσκεται παρὰ

ποιηταῖς οἷά ἐστι τὰ γνωμικὰ καὶ

παραινετικά ταῦτα σαφῶς αὐτοῖς πέφρασται

καὶ οὐ δεῖται γραμματικῆς ltὁπόσα δὲ μὴ

σαφῶς πέφρασται καὶ δεῖται γραμματικῆςgt

καθάπερ τὰ ἐν ξέναις ἱστορίαις κείμενα ἢ

αἰνιγματωδῶς ἐκφερόμενα ταῦτrsquo ἐστιν

ἄχρηστα ὥστε καὶ τῇ ἀπrsquo ἐκείνων ὠφελείᾳ

μὴ συνεισέρχεσθαι αὐτῶν τὸ χρειῶδες τῆς

γραμματικῆς καὶ τῇ τούτων ματαιότητι

συμπεριφέρεσθαι

Porque em primeiro lugar minus e coincidimos com

eles ao natildeo levantar acusaccedilotildees contra a poesia minus

eacute mesmo evidente que aquilo que nos poetas eacute

necessaacuterio e uacutetil para a vida tais como as

maacuteximas de sabedoria e as exortaccedilotildees estaraacute jaacute

claramente formulado e natildeo seraacute preciso

explicaccedilatildeo gramatical e o que natildeo estaacute dito

claramente e precisa de explicaccedilatildeo gramatical

como o que estaacute escrito de forma enigmaacutetica ou

em histoacuterias insoacutelitas (ksenai) eacute de todo inuacutetil160

De forma que a utilidade da gramaacutetica natildeo

sobreveacutem do benefiacutecio que nos trazem aquelas

primeiras e acaba por acomodar-se agrave futilidade161

destas uacuteltimas

[279] εἶτα φάσις μόνον ἐστὶν ἡ γνώμη

καθάπερ τὸ τοιοῦτο

σοφὸν γὰρ ἓν βούλευμα τὰς πολλὰς χέρας

νικᾷ σὺν ὄχλῳ δrsquo ἀμαθία πλεῖστον κακόν

φάσει δὲ οὐ πείθεται ὁ νοῦς περὶ τοῦ καλῶς

εἰρῆσθαι ἢ μὴ [εἰρῆσθαι] ἀλλrsquo ἀποδείξεων

δεῖται αἱ δὲ ἀποδείξεις τῶν καθηκόντως

λεγομένων ἢ μὴ οὐ γραμματικῆς εἰσιν ἀλλὰ

φιλοσοφίας τοίνυν καὶ ταύτῃ περισσὴν καὶ

ματαίαν συμβέβηκεν εἶναι τὴν γραμματικήν

καὶ μὴν εἴπερ διὰ τὸ πολλὰ καλῶς εἰρῆσθαι

τοῖς ποιηταῖς καὶ βιωφελῶς χρησίμη ἐστὶν ἡ

προφῆτις γραμματικὴ αὐτῶν ἐπεὶ

πολλαπλασίονα τούτων διαστρόφως καὶ ἐπὶ

λύμῃ τοῦ βίου παρrsquo αὐτοῖς ἐξενήνεκται

ἄχρηστος γενήσεται καθὰ γὰρ ἔστι τις ὁ

Ademais uma maacutexima eacute apenas uma asserccedilatildeo

como a seguinte

Um uacutenico conselho saacutebio conquista muitas matildeos

mas a ignoracircncia aliada agrave multidatildeo eacute o pior dos

males [Euriacutepides Antiacuteope fr 200 Nauck2]

E uma asserccedilatildeo natildeo eacute capaz de convencer o

intelecto da propriedade do que eacute dito mas eacute

preciso haver provas E natildeo eacute tarefa da gramaacutetica

mas da filosofia dar provas do que estaacute ou natildeo

apropriadamente dito162 Assim tambeacutem dessa

maneira a gramaacutetica acaba por ser vatilde e supeacuterflua

Na verdade se eacute por causa das muitas coisas que

os poetas dizem de maneira tatildeo adequada e

proveitosa para a vida que a pitonisa gramatical

deles eacute uacutetil entatildeo visto que o nuacutemero de coisas

que eles disseram de maneira deploraacutevel e

182

εἰπὼν

μὴ Πλοῦτον εἴπῃς οὐχὶ θαυμάζω θεόν

ὃν χὡ κάκιστος ῥᾳδίως ἐκτήσατο

οὕτως ἔστι καὶ ὁ τοὐναντίον ἀποφαινόμενος

ὦ χρυσὲ δεξίωμα κάλλιστον βροτοῖς

ὡς οὔτε μήτηρ ἡδονὰς τοίας ἔχει

οὐ παῖδες ἀνθρώποισιν οὐ φίλος πατήρ

οἵας σὺ χοἱ σὲ δώμασιν κεκτημένοι

καὶ πάλιν

εὖ πρᾶσσε τὰ φίλων δrsquo οὐδὲν ἤν τις δυστυχῇ

καὶ

κάλλιστα μουσῶν φθέγγεται πλουτῶν ἀνήρ

ofensiva agrave vida eacute muito maior ela se tornaraacute inuacutetil

Pois assim como haacute um que diz

Natildeo me fales de Riqueza eu natildeo venero um deus

a quem ateacute o mais vil facilmente conquista

[Euriacutepides Eolo frag 20 Nauck2]

tambeacutem haveraacute o que declara o contraacuterio

Oacute ouro para os mortais a mais bela posse

Para os homens tal prazer natildeo nos daacute

Nem a matildee nem os filhos nem um pai querido

Tal como fazes tu e aqueles que te tecircm em casa

[Euriacutepides Danaides frag 324 Nauck2]

E tambeacutem

Sejas bem-sucedido amizades natildeo existem na

miseacuteria [Euriacutepides Feniacutecias 403]

E

A mais bela das melodias eacute a voz de um homem

rico [fr adesp 464 Nauck2]

[280] ἀναποδείκτως μὲν οὖν λεγομένων τῶν

οὕτως ἐναντίων ἐπιρρεπέστερον ἔχουσιν

ἄνθρωποι πρὸς τὴν τοῦ χείρονος ἐκλογήν καὶ

διὰ τοῦτο βλαπτικὴ ἀναφαίνεται ἡ ποιητική

διακρινομένων δὲ αὐτῶν καὶ τῶν μὲν

ἀθετουμένων τῶν δὲ προκρινομένων

χρειώδης γίνεται οὐχ ἡ γραμματικὴ ἀλλrsquo ἡ

διακρίνειν δυναμένη φιλοσοφία ποιητικοῖς τε

μαρτυρίοις χρῶνται οὐχ οἱ γνησίως

φιλοσοφοῦντες (τούτων γὰρ ὁ λόγος

αὐτάρκης ἐστὶ πρὸς πειθώ) ἀλλrsquo οἱ τὸν πολὺν

καὶ ἀγοραῖον φενακίζοντες ὄχλον

Frente a tatildeo diacutespares afirmaccedilotildees feitas sem prova

os homens tendem agrave escolha do pior e eacute por esse

motivo que a poesia eacute vista como algo nocivo E

quando se distingue o que deve ser preterido do

que deve ser preferido natildeo eacute a gramaacutetica que eacute

uacutetil mas aquela que tem a capacidade de

diferenciaacute-los ou seja a filosofia E natildeo satildeo os

que legitimamente (gnesios) filosofam que fazem

uso dos testemunhos de poetas (pois no caso

destes seu proacuteprio raciociacutenio eacute o bastante para

convencer) mas aqueles que iludem as multidotildees

nas praccedilas puacuteblicas163

[281] οὐ γὰρ δυσχερὲς ποιητὰς μαχομένους

καὶ εἰς ὅ τι ἂν θέλωσιν ᾄδοντας δεῖξαι ὅτε

καὶ οἱ προηγουμένως φιλοσοφοῦντες πολλὰ

μαχομένως λέγουσιν τῶν δὲ γραμματικῆς

Certamente natildeo eacute difiacutecil demonstrar que os poetas

se contradizem e cantam o que quiserem do modo

como quiserem quando mesmo filoacutesofos

importantes dizem muitas coisas contraditoacuterias

183

κατηγόρων ὁ μὲν Πύρρων παρrsquo ἕκαστα τὴν

Ὁμηρικὴν διετύλισσε ποίησιν οὐ πάντως διὰ

τὴν εἰρημένην αἰτίαν ἀλλὰ τάχα μὲν

ψυχαγωγίας χάριν καὶ ὡς εἰ κωμῳδῶν

ἠκροᾶτο τάχα δὲ καὶ τοὺς ποιητικοὺς

παρατηρῶν τρόπους καὶ χαρακτῆρας

Pirro um dos acusadores da gramaacutetica estava

constantemente a ler a poesia homeacuterica mas natildeo

necessariamente pela razatildeo mencionada mas

talvez agrave guisa de entretenimento (psukhagogia)164

como se estivesse assistindo a uma comeacutedia e

talvez tambeacutem para observar estilos (kharakterai)

e figuras poeacuteticas

[282] λέγεται γὰρ αὐτὸν καὶ ποίησιν εἰς τὸν

Μακεδόνα Ἀλέξανδρον γράψαντα μυρίοις

χρυσοῖς τετιμῆσθαι οὐκ ἀπέοικε δὲ καὶ ἄλλας

αἰτίας ὑπάρχειν περὶ ὧν ἐν τοῖς Πυρρωνείοις

διεξήλθομεν

Pois diz-se que Pirro teria ele proacuteprio escrito um

poema para Alexandre da Macedocircnia e teria sido

gratificado com mil moedas de ouro E natildeo eacute

improvaacutevel que existam tambeacutem outras razotildees e

sobre elas nos debruccedilamos em nossas

Pirrocircnicas165

[283] ὁ δὲ Ἐπίκουρος οὐκ ἐκ τῶν Ὁμηρικῶν

εἴληφε τὸν ὅρον τοῦ μεγέθους τῶν ἡδονῶν

μακρῷ γὰρ διαφέρει τὸ λέγειν ὅτι ἐπαύσαντό

τινες πίνοντες καὶ ἐσθίοντες καὶ τὴν αὑτῶν

ἐπιθυμίαν πληροῦντες (τοῦτο γάρ ἐστι τὸ

αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντο)

τοῦ φάναι ὅρον εἶναι τῶν περὶ τὰς ἡδονὰς

μεγεθῶν τὴν τοῦ ἀλγοῦντος ὑπεξαίρεσιν

τοῦτο γὰρ οὐ πάντως κρέασι καὶ οἴνῳ ἀλλὰ

καὶ τοῖς λιτοτάτοις πέφυκε γίνεσθαι

E Epicuro natildeo tomou de Homero o lsquolimite da

intensidade do prazerrsquo Porque difere muitiacutessimo

dizer que alguns homens pararam de comer e de

beber e de satisfazer seus desejos (pois isto eacute o

que diz o verso

Entatildeo quando aplacaram o desejo de comer e

beber)

de dizer que lsquoo limite da intensidade do prazerrsquo eacute

lsquoa extinccedilatildeo de toda dorrsquo Pois isto natildeo sobreveacutem

naturalmente somente com a carne e o vinho

bastam os alimentos mais simples

[284] ἄλλως τε ὁ μὲν ποιητὴς ἐπὶ

προσφερομένων μόνων ἐποιήσατο τὴν

ἀπόφασιν Ἐπίκουρος δὲ ἐπὶ πάντων τῶν

ἀπολαυστῶν ἐν οἷς ἐστι καὶ ἡ ἀφροδίσιος

μῖξις περὶ ἧς πάντες ἴσασιν οἵαν ἔσχε γνώμην

Ὅμηρος τό τε τὸν θάνατον [μὲν] μηδὲν εἶναι

πρὸς ἡμᾶς εἴρηται μὲν ἴσως τῷ Σώφρονι

ἀποδέδεικται δὲ Ἐπικούρῳ καὶ ἔστιν οὐ τὸ

εἰπεῖν ἀλλὰ τὸ ἀποδεῖξαι θαυμαστόν

Por outro lado o poeta fez esta afirmaccedilatildeo apenas

sobre as coisas que eles tinham ingerido mas o

limite de Epicuro se estende a todas as coisas

prazerosas (apolausta) incluiacutedas aiacute as relaccedilotildees

sexuais e todo o mundo sabe qual era o

pensamento de Homero a este respeito166 Talvez

Soacutefron167 tenha mesmo dito que a morte natildeo eacute

nada para noacutes mas quem o demonstrou foi

Epicuro e o admiraacutevel natildeo eacute dizer mas provar

184

[285] εἶτα οὐδὲ κατὰ τοῦτο ἔφησεν ὁ

Ἐπίκουρος τὸν θάνατον μηδὲν εἶναι πρὸς

ἡμᾶς καθὸ ἀδιάφορόν ἐστιν ἢ ζῆν ἢ μή

πολλῷ γὰρ αἱρετώτερον τὸ ζῆν διὰ τὸ

αἰσθανομένων εἶναι τὸ ἀγαθόν ἀλλrsquo ἐν

ἀναισθησίᾳ οὔτε κακόν τι εἶναι οὔτε ἀγαθόν

τὸ μὲν γὰρ ἀναισθητεῖν τὰ νεκρὰ τῶν

σωμάτων οὐχ ὁ ποιητὴς μόνος οἶδεν ἀλλὰ καὶ

ὁ σύμπας βίος μήτηρ γοῦν πολλάκις υἱὸν

θρηνοῦσα φησὶν lsquoἀλλὰ σὺ μὲν τούτων οὐκ

ἐπαισθάνῃ ἐγὼ δὲ ταλαιπωρῶrsquo καὶ

ἐνατενίζουσα ἐπιφθέγγεται lsquoτίς δέ ἐστιν ἔτι

σοι τούτων ὄνησιςrsquo

Aleacutem do mais Epicuro natildeo disse que lsquoa morte natildeo

eacute nada para noacutesrsquo no sentido de que natildeo haacute

diferenccedila entre viver ou estar morto (pois viver eacute

de longe muito melhor jaacute que o bem (to agathon)

pertence aos que podem sentir) mas porque na

ausecircncia de sensaccedilotildees natildeo haacute bem nem mal168 E

com efeito todo mundo sabe que os corpos mortos

satildeo insensiacuteveis natildeo apenas o poeta Assim uma

matildee repetindo lamentos pelo filho morto diz lsquotu

natildeo te apercebes de nada e eu sofro

miseravelmentersquo e com os olhos fixos nele

exclama lsquode que te serve isso agorarsquo

[286] οὐ μὴν ἀλλrsquo ἐὰν ἐξετάζῃ τις τὴν

ἐναντίαν ἔχοντα δόξαν εὑρήσει τὸν ποιητήν

αἱ μὲν γὰρ ψυχαὶ κοινῶς διψῶσιν αἵματος

(ἀλλrsquo ἀποχάζεο βόθρου ἄπισχε δὲ φάσγανον

ὀξὺ

αἵματος ὄφρα πίω καί τοι νημερτέα εἴπω)

58 ὁ δὲ Τάνταλος ἕστηκεν ἐν λίμνῃ

ἡ δὲ προσέκλυζε γενείῳ

στεῦτο δὲ διψάων πιέειν δrsquo οὐκ εἶχεν

ἑλέσθαι

E tudo isso natildeo nos impede de ao procurar com

alguma atenccedilatildeo encontrar o poeta a expressar

justamente a opiniatildeo contraacuteria169 Assim as almas

estatildeo comumente sedentas de sangue

lsquoMas para o lado do fosso retira-te e a espada

recolhe

para que eu possa do sangue provar e dizer-te a

verdadersquo

[Odisseia XI 95-6 Trad Carlos Alberto Nunes]

E Tacircntalo permanece no pacircntano onde

com aacutegua a bater-lhe no queixo

Sede sofria mas era impossiacutevel jamais minoraacute-la

[Od XI 583-584 Trad Carlos Alberto Nunes]

[287] καὶ μὴν ὅσον ἐπὶ τῷ ὑπrsquo Εὐριπίδου

λεχθέντι περὶ θεῶν τὴν αὐτὴν καὶ οἱ ἰδιῶται

δόξαν ἔχουσιν ἴσον γάρ ἐστι τῷ

ὅστις δὲ θνητῶν οἴεται τοὐφήμερον

E quanto ao que foi dito por Euriacutepides sobre os

deuses ateacute as pessoas comuns tecircm a mesma

opiniatildeo Pois daacute na mesma dizer isto

Qualquer mortal que acredite poder fazer o mal

58 Blank ad loc deleta ὁ δὲ Τιτυὸς ὑπὸ γυπῶν διὰ τὴν ἐπιθυμίαν ἡπατοφαγεῖταιO fiacutegado de Tiacutecio eacute devorado pelos abutres por causa de sua luxuacuteria Sexto menciona o supliacutecio de Tiacutecio bem como o de Tacircntalo de maneira a criticar a contradiccedilatildeo dos versos homeacutericos acerca das sensaccedilotildees de algueacutem que jaacute estaacute morto nos Contra os Fiacutesicos M IX 68-70 lsquotodo aquele que sofre eacute mortalrsquo

185

κακόν τι πράσσων τοὺς θεοὺς λεληθέναι

δοκεῖ πονηρά καὶ δοκῶν ἁλίσκεται

ὅταν σχολὴν ἄγουσα τυγχάνῃ δίκη

καὶ τὸ οὕτω παρὰ τοῖς πολλοῖς λεγόμενον

ὀψὲ θεῶν ἀλέουσι μύλοι ἀλέουσι δὲ λεπτά

μόνῳ δὲ διενήνοχε τῷ μέτρῳ

todos os dias e passar despercebido pelos deuses

eacute leviano e sucumbiraacute agrave sua proacutepria leviandade

tatildeo logo a justiccedila tenha um tempo livre

[fr 235 Nauck2]

ou como dizem muitos

Lentamente moem os moinhos dos deuses mas

moem muito fino170

a uacutenica diferenccedila estaacute no tipo de metro171

[288] ἂν δὲ καὶ ἐξετάσῃ τις πολλῷ χείρονα

τῆς τῶν ἰδιωτῶν ὑπολήψεως εὑρήσει τὰ τῶν

ποιητῶν καὶ ὁ μὲν σκηνικὸς ἀναγορευθεὶς

φιλόσοφος ἔτι μετριώτερος φαίνεται λέγων

μὴ εἰδέναι ᾧ προσεύχεται

ὦ γῆς ὄχημα κἀπὶ γῆς ἔχων ἕδραν

ὅστις ποτrsquo εἶ σύ δυστόπαστος εἰσιδεῖν

Ζεύς εἴτrsquo ἀνάγκη φύσεος εἴτε νοῦς βροτῶν

προσευξάμην σέ

E se algueacutem procurar com atenccedilatildeo descobriraacute

que satildeo muito piores as suposiccedilotildees dos poetas do

que aquelas das pessoas comuns Mesmo que

nosso proclamado lsquodramaturgo filoacutesoforsquo172 ainda

pareccedila bastante moderado quando diz natildeo saber a

quem faz suas suacuteplicas

Oacute Zeus suporte da terra e que sobre a terra tens

teu assento

Quem quer que sejas ser inescrutaacutevel

Necessidade da natureza ou mente dos mortais

A ti dirijo minhas suacuteplicas

[Euriacutepides Troianas 884-7]

[289] Ὅμηρος δὲ καὶ Ἡσίοδος κατὰ τὸν

Κολοφώνιον Ξενοφάνη

ὡς πλεῖστrsquo ἐφθέγξαντο θεῶν ἀθεμίστια ἔργα

κλέπτειν μοιχεύειν τε καὶ ἀλλήλους ἀπατεύειν

Κρόνος μὲν γάρ ἐφrsquo οὗ τὸν εὐδαίμονα βίον

γεγονέναι λέγουσι τὸν πατέρα ἠνδροτόμησε

καὶ τὰ τέκνα κατέπιεν Ζεύς τε ὁ τούτου παῖς

ἀφελόμενος αὐτὸν τῆς ἡγεμονίας

γαίης νέρθε καθεῖσε καὶ ἀτρυγέτοιο

θαλάσσης

τῆλε μάλrsquo ἧχι βάθιστον ὑπὸ χθονός ἐστι

βέρεθρον

De acordo com Xenoacutefanes de Coacutelofon Homero e

Hesiacuteodo

fizeram alarde de inuacutemeros atos criminosos dos

deuses

roubar trair e enganar uns aos outros

[Xenoacutefanes B12 DK]

Com efeito Cronos173 (e dizem que a vida era soacute

felicidade em seu tempo) castrou o pai e devorou

os filhos e quando foi deposto pelo seu proacuteprio

filho Zeus este

ldquopocircs Crono embaixo da terra fecunda e do mar

incansaacutevelrdquo

[Il XIV 204-205 Trad Carlos Alberto Nunes]

186

[290] τῷ δὲ Διὶ ἐπιβουλεύουσιν οἱ συγγενεῖς

παρὸ καὶ ὑπὸ Θέτιδος βοηθεῖται

ὁππότε μιν ξυνδῆσαι Ὀλύμπιοι ἤθελον ἄλλοι

Ἥρη τrsquo ἠδὲ Ποσειδάων καὶ Παλλὰς Ἀθήνη

ὠμότατος γάρ ἐστι καὶ τὴν μὲν ἀδελφὴν καὶ

γυναῖκα ἱεροσύλου τρόπον κρεμάσας οὐκ

ἀρκεῖται ἀλλὰ καὶ ὀνειδίζει λέγων

ἢ οὐ μέμνῃ ὅτε τrsquo ἐκρέμω ὑψόθεν ἐκ δὲ

ποδοῖιν

ἄκμονας ἧκα δύω περὶ χερσὶ δὲ δεσμὸν ἴηλα

χρύσεον ἄρρηκτον σὺ δrsquo ἐν αἰθέρι καὶ

νεφέλῃσιν

ἐκρέμω ἠλάστεον δὲ θεοὶ κατὰ μακρὸν

Ὄλυμπον

E contra Zeus conspiraram seus proacuteprios

familiares e Teacutetis foi quem o ajudou

ldquoquando outros deuses do Olimpo em liame

quiseram prendecirc-lo Hera e Posido de escuros

cabelos e Palas Atenardquo

[Il I 399-400 Trad Carlos Alberto Nunes]

pois Zeus eacute muito cruel natildeo lhe bastou ter posto

na forca a irmatilde e esposa como se houvesse

profanado um templo mas ainda a insultou

dizendo

ldquoOu natildeo te lembras do tempo em que no alto

ficaste suspensa

com duas grandes bigornas nos peacutes amarradas e

algemas

de ouro infrangiacuteveis nos punhos Pendeste das

nuvens desta arte

indignaccedilatildeo provocando nos deuses do Olimpordquo

[Il XV 18-21 Traduccedilatildeo Carlos Alberto Nunes]

[291] τὸν δὲ Ἥφαιστον ὀργισθεὶς ῥίπτει ἀπὸ

τοῦ οὐρανοῦ ὁ δὲ

κάππεσεν ἐν Λήμνῳ ὀλίγος δrsquo ἔτι θυμὸς

ἐνῆεν

τὸν δὲ ἀδελφὸν ὑπερορᾷ

οἰκίrsquo ἔχοντα

σμερδαλέrsquo εὐρώεντα τά τε στυγέουσι θεοί περ

πρόσεστι δὲ αὐτῷ πρὸς τῇ ἀποτομίᾳ καὶ

ἀκρασία ὃς θεασάμενος τὴν Ἥραν ἐπὶ τῆς

Ἴδης κεκοσμημένην οὐ καρτερεῖ μέχρις τῶν

ἀποδεδειγμένων αὐτοῖς θαλάμων ἐλθεῖν ἀλλrsquo

ἐπὶ τοῦ ὄρους χαμαὶ ῥίψας ἑαυτὸν

συγκυλίνδεται τῇ γυναικί

τοῖσι δrsquo ὑπὸ χθὼν δῖα φύεν νεοθηλέα ποίην

E tomado de coacutelera do ceacuteu atirou abaixo Hefesto

que

ldquofui ter a Lemno sem dar quase mostras de ainda

estar vivordquo

[Il I 593 Traduccedilatildeo Carlos Alberto Nunes]

Tambeacutem desdenha do irmatildeo dizendo

ldquoseu tenebroso palaacutecio que ateacute pelos numes eacute

odiadordquo

[Il XX 65-66 Traduccedilatildeo Carlos Alberto Nunes]

Some-se a sua crueldade sua intemperanccedila Ao

ver Hera toda arrumada sobre o monte Ida natildeo se

conteve e sem esperar que chegassem ao quarto

ali mesmo rolou no chatildeo com sua mulher e

ldquoFez logo que erva florida da terra divina

187

λωτόν θrsquo ἑρσήεντα ἰδὲ κρόκον ἠδrsquo ὑάκινθον crescesse

loto rociado e virente accedilafratildeo prazzenteiro e

jacintordquo

[Il XIV 347-348 Trad Carlos Alberto Nunes ]

[292] ποικίλης οὖν πεφωραμένης τῆς

ποιήσεως ἀνωφελὴς ἡ γραμματικὴ μὴ

δυναμένη ἀποδεῖξαι τίσι πιστευτέον ἐστὶν ὡς

ἀληθέσι καὶ τίσιν ἀπιστητέον ὡς μυθικοῖς

ψεύσμασιν

Assim pois revelada a inconstacircncia da poesia

percebe-se a inutilidade da gramaacutetica jaacute que natildeo eacute

capaz de apontar quais coisas devemos crer como

verdadeiras e quais desacreditar como falsos

mitos

[293] Ἀλλὰ πόλει φασὶ χρησίμην εἶναι τὴν

γραμματικήν ἐπεὶ καὶ Λεβεδίοις νίκης αἴτιον

ἐγένετο ltτὸgt59 ἐκ ποιητικῆς μαρτύριον ἕνεκα

δὲ τούτου καὶ τὴν ὀρχηστικὴν ἀναγκαίαν

λέγομεν εἶναι ἐπεὶ Σώστρατος ὁ Ἀντιόχου

ὀρχηστής λαβόντος ὑποχείριον τὴν Πριήνην

τοῦ βασιλέως πατρίδα οὖσαν αὐτοῦ καὶ παρὰ

τὸ συμπόσιον τὴν ἐλευθερίαν ἀναγκαζόμενος

ὀρχεῖσθαι οὐ καλὸν ἔφη τῆς πατρίδος αὐτοῦ

δουλευούσης αὐτὸν ἐλευθερίαν ὀρχεῖσθαι

καὶ διὰ τοῦτο ἐλευθερωθῆναι τὴν πόλιν

Mas se dizem que a gramaacutetica eacute uacutetil para uma

cidade porque os lebedianos obtiveram uma

vitoacuteria agraves custas de uma citaccedilatildeo poeacutetica noacutes

diremos que no que depender dessa relaccedilatildeo

tambeacutem a danccedila eacute necessaacuteria Pois Soacutestrato

bailarino de Antiacuteoco quando o rei tomou sua

cidade natal Priene agrave forccedila ao ser obrigado a

danccedilar no banquete de comemoraccedilatildeo disse natildeo

ser correto danccedilar a danccedila da liberdade enquanto

sua paacutetria era escravizada e por causa disto a

cidade foi libertada174

[294] εἶτα ἄλλο μέν ἐστι τὸ πόλει χρήσιμον

ἄλλο δὲ τὸ ἡμῖν αὐτοῖς σκυτοτομικὴ γοῦν καὶ

χαλκευτικὴ πόλει μέν ἐστιν ἀναγκαῖον ἡμῖν

δὲ χαλκεῦσι γενέσθαι καὶ σκυτοτόμοις πρὸς

εὐδαιμονίαν οὐκ ἀναγκαῖον διόπερ καὶ ἡ

γραμματικὴ οὐκ ἐπεὶ πόλει χρησίμη

καθέστηκεν ἐξ ἀνάγκης καὶ ἡμῖν ἐστιν [ἡ]

τοιαύτη ἡ μὲν γὰρ ὁμιλητικὴ οὐκ ἀπὸ

γραμματικῆς περιγίνεσθαι πέφυκεν ἀλλrsquo ἀπὸ

κοινῆς τινος ἐντρεχείας [295] εἰ μή τι

Aleacutem disso uma coisa eacute ser uacutetil para a cidade

outra eacute ser uacutetil para noacutes mesmos Assim o ofiacutecio

do sapateiro e do ferreiro satildeo necessaacuterios para a

cidade mas natildeo eacute necessaacuterio tornarmo-nos

sapateiros ou ferreiros para alcanccedilar a felicidade

Por isso a gramaacutetica tambeacutem natildeo nos eacute

necessariamente uacutetil mesmo que seja uacutetil para a

cidade Aleacutem do que a sociabilidade natildeo eacute uma

consequecircncia natural da gramaacutetica mas sim de

alguma habilidade geral a natildeo ser que Decircmades o

orador fosse tambeacutem gramaacutetico

καὶ Δημάδης ὁ ῥήτωρ γραμματικὸς ἦν pois feito prisioneiro junto com muitos outros

59 Blank ad loc

188

πολλοῖς τῶν Ἀθηναίων μετὰ τὴν ἐν

Χαιρωνείᾳ ἧτταν συναιχμαλωτισθεὶς καὶ

εἰπὼν πρὸς τὸν Φίλιππον ἀναγκάζοντα

εὐωχεῖσθαι

τίς γάρ κεν ἀνήρ ὃς ἐναίσιμος εἴη

πρὶν τλαίη πάσασθαι ἐδητύος ἠδὲ ποτῆτος

πρὶν λῦσαί θrsquo ἑτάρους καὶ ἐν ὀφθαλμοῖσιν

ἰδέσθαι

atenienses depois da derrota em Queroneia disse a

Felipe que tentava obrigaacute-lo a participar de um

banquete175

Haveraacute quem se julgue dotado de espiacuterito justo

e que se atreva em verdade a tocar em comida

ou bebida

antes de os soacutecios haver libertado e de os ter sob

os olhosrsquo

[Od X 383-385 Trad Carlos Alberto Nunes]

[296] Ταῦτα μὲν οὖν πρὸς τὰς τῶν

γραμματικῶν ἐπιχειρήσεις λεγέσθω

προηγουμένως δὲ ῥητέον ὡς εἰ μὲν μόνοι

ἦσαν οἱ ποιηταὶ βιωφελεῖς τάχα ἂν ἡ

γραμματικὴ βιωφελὴς ἐγίνετο περὶ τούτους

πονουμένη νῦν δὲ ἐπεὶ οὗτοι μὲν ἢ ἀνωφελεῖς

εἰσιν ἢ ὀλιγωφελεῖς φιλόσοφοι δὲ καὶ οἱ

λοιποὶ συγγραφεῖς διδάσκουσι τὰ ὠφέλιμα

τῶν πραγμάτων οὐ δεόμεθα γραμματικῆς

Portanto tais satildeo as objeccedilotildees que se colocam

contra as reinvidicaccedilotildees dos gramaacuteticos Diz-se

principalmente que se apenas os poetas fossem

uacuteteis para a vida talvez a gramaacutetica por se ocupar

deles pudesse vir a ser uacutetil para a vida por ora jaacute

que satildeo de nenhuma ou pouca utilidade e os

filoacutesofos e demais escritores em prosa eacute que

ensinam o que eacute uacutetil natildeo precisamos da

gramaacutetica

[297] καὶ ὅτι οἱ συγγραφεῖς μᾶλλον ἢ οἱ

ποιηταὶ τὰ χρήσιμα τῷ βίῳ δηλοῦσιν

εὐεπιλόγιστον οἱ μὲν γὰρ τοῦ ἀληθοῦς

στοχάζονται οἱ δὲ ἐκ παντὸς ψυχαγωγεῖν

ἐθέλουσιν ψυχαγωγεῖ δὲ μᾶλλον τὸ ψεῦδος ἢ

τἀληθές τοίνυν ἐκείνοις ltμᾶλλονgt ἢ τούτοις

προσεκτέον τοῖς ἐπίτηδες τὸ ψεῦδος

μεταδιώκουσιν

Que os escritores mais que os poetas mostram o

que eacute uacutetil para vida infere-se facilmente Pois o

objetivo dos primeiros eacute a verdade jaacute os outros

querem de toda forma entreter e muito mais que a

verdade eacute a mentira que entreteacutem Assim

devemos preferir nos aliar aos primeiros e natildeo a

estes uacuteltimos que deliberadamente perseguem a

mentira

[298] καθόλου τε ὅσον ἐπὶ τοῖς ποιηταῖς οὐχ

οἷον ἀνωφελὴς τῷ βίῳ ἀλλὰ καὶ

βλαβερωτάτη ἐπιτείχισμα γὰρ ἀνθρωπίνων

παθῶν ἡ ποιητικὴ καθέστηκεν καὶ ὡς

γέρων γέροντι γλῶσσαν ἡδίστην ἔχει οὕτως οἱ

μὲν ἐρωτομανεῖς καὶ μέθυσοι τὰς Ἀλκαίου

καὶ Ἀνακρέοντος ποιήσεις ἀναγνόντες

Em geral no que se refere aos poetas a poesia natildeo

eacute apenas desnecessaacuteria para a vida eacute tambeacutem

muito prejudicial Pois a poesia se faz fortaleza

para as paixotildees humanas e assim como

a mais doce palavra para um velho eacute a de outro

velho [fr adesp 364 Nauck]

os loucos de amor e os becircbados exaltam-se ainda

189

προσεκκαίονται οἱ δὲ ὀργίλοι Ἱππώνακτα καὶ

Ἀρχίλοχον ἀλείπτας ἔχουσι τῆς περὶ αὐτοὺς

κακίας

mais ao lerem a poesia de Alceu e Anacreonte e

os irasciacuteveis tomam por mestres em seus viacutecios a

Hipocircnax e Arquiacuteloco

[299] Τὰ μὲν οὖν ὑπὸ τῶν ἄλλων λεγόμενα

κατὰ τὸν τόπον καὶ μάλιστα τῶν

Ἐπικουρείων ἐστὶ τοιαῦτα ἡμεῖς δὲ μηδὲν

κατειπόντες τῆς ποιητικῆς ἄλλως ποιώμεθα

τὰς ἀντιρρήσεις πρὸς τοὺς ἀξιοῦντας

γραμματικὴν ἔχειν τέχνην τῶν παρὰ ποιηταῖς

καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων διαγνωστικήν

Pois bem isso eacute o que outros dizem sobre o

assunto principalmente os epicuristas levantemos

noacutes que natildeo temos nada contra a poesia outro

tipo de refutaccedilotildees contra aqueles que creem

possuir na gramaacutetica uma arte para discriminar o

que eacute dito por poetas e escritores176

[300] ἐπεὶ τοίνυν πᾶν σύγγραμμα καὶ πᾶσα

ποίησις ἐκ λέξεων τῶν δηλουσῶν καὶ

πραγμάτων τῶν δηλουμένων συνέστηκε

δεήσει τὸν γραμματικόν εἴπερ ἔχει τέχνην

διαρθρωτικὴν τῶν παρὰ συγγραφεῦσι καὶ

ποιηταῖς λεγομένων ἤτοι τὰς λέξεις μόνον ἢ

τὰ ὑποκείμενα πράγματα γινώσκειν ἢ τὸ

συναμφότερον ἀλλὰ τὰ μὲν πράγματα κἂν

ἡμεῖς μὴ λέγωμεν φαίνεται μὴ γινώσκειν

τούτων γὰρ τὰ μέν ἐστι φυσικὰ τὰ δὲ

μαθηματικὰ τὰ δὲ ἰατρικὰ τὰ δὲ μουσικά καὶ

δεῖ τὸν μὲν φυσικοῖς ἐπιβάλλοντα πράγμασιν

εὐθὺς φυσικὸν εἶναι καὶ τὸν μουσικοῖς

μουσικὸν εἶναι καὶ τὸν μαθηματικοῖς εὐθὺς

εἶναι μαθηματικόν καὶ ἐπὶ τῶν ἄλλων

ὁμοίως ὁ μέντοι γραμματικὸς ltὅτιgt οὔκ

ἐστιν ἐν τῷ αὐτῷ πάνσοφος καὶ πάσης

ἐπιστήμης δαήμων σὺν τῷ καὶ αὐτόθεν

προσπίπτειν ἔτι κἀκ τῶν ἀποτελεσμάτων

ἐλέγχεται

Assim como toda composiccedilatildeo em prosa ou poesia

consiste de palavras e de coisas ou seja palavras

que expressam coisas e coisas expressadas por

palavras o gramaacutetico se possui a arte de analisar

o que eacute dito por poetas e prosadores deve

conhecer ou somente as palavras ou somente as

coisas subjacentes ou ambas juntas E natildeo eacute

preciso dizer parece que natildeo conhece as coisas

Com efeito trata-se de coisas que satildeo proacuteprias

tanto do estudo da natureza quanto da astronomia

ou da medicina e tambeacutem da muacutesica E conveacutem

agravequele que lida com coisas da natureza ser

obviamente um filoacutesofo da natureza da muacutesica

conveacutem ser muacutesico da astronomia ser claro um

astrocircnomo e assim por diante Mas o gramaacutetico

certamente natildeo eacute algueacutem que ao mesmo tempo eacute

saacutebio em tudo e domina todas as aacutereas do

conhecimento (episteme) o que aleacutem de ser

imediatamente oacutebvio tambeacutem se prova atraveacutes de

resultados177

[301] ποῦ γάρ τις δύναται τῶν ὠφρυωμένων

γραμματικῶν Ἡράκλειτον συνεῖναι καὶ

Πλάτωνι παρακολουθῆσαι λέγοντι

Pois onde estaacute tatildeo orgulhoso gramaacutetico que eacute

capaz de entender Heraacuteclito178 ou acompanhar

Platatildeo quando ele diz

190

rsquoτῆς ἀμερίστου καὶ ἀεὶ κατὰ ταὐτὰ ἐχούσης

οὐσίας καὶ τῆς περὶ τὰ σώματα μεριστῆς τρίτον

ἐξ ἀμφοῖν συνεκεράσατο οὐσίας εἶδος τῆς τε

ταὐτοῦ φύσεως καὶ τῆς θατέρουrsquo

καὶ ἤδη τὰ ἑξῆς 60 ἢ ποῦ τοῖς Χρυσίππου

διαλεκτικοῖς θεωρήμασιν ἢ Ἀρχιμήδους τε

καὶ Εὐδόξου μαθηματικοῖς ἐπιβάλλειν

ἰσχύσει

ldquodo que tem substacircncia indivisiacutevel e sempre na

mesma condiccedilatildeo e da substacircncia que estaacute dividida

em vaacuterios corpos misturando ambas compocircs uma

terceira forma com natureza de uma e de outrardquo179

[Timeu 35a]

e a sequecircncia ou que teria forccedila para lanccedilar-se aos

teoremas dialeacuteticos de Crisipo ou aos

matemaacuteticos de Eudoxo e Arquimedes

[302] καὶ μὴν ὡς ἐν τούτοις ἐστὶ τυφλός

οὕτω κἀν τοῖς περὶ αὐτῶν γραφεῖσι

ποιήμασιν οἷον Ἐμπεδοκλέους λέγοντος

χαίρετrsquo ἐγὼ δrsquo ὑμῖν θεὸς ἄμβροτος οὐκέτι

θνητός

πωλεῦμαι μετὰ πᾶσι τετιμένος

καὶ πάλιν

ἀλλὰ τί τοῖσδrsquo ἐπίκειμrsquo ὡσεὶ μέγα χρῆμά τι

πράσσων

εἰ θνητῶν περίειμι πολυφθερέων ἀνθρώπων

ὁ μὲν γὰρ γραμματικὸς καὶ ὁ ἰδιώτης

ὑπολήψονται κατrsquo ἀλαζονείαν καὶ τὴν πρὸς

τοὺς ἄλλους ἀνθρώπους ὑπεροψίαν ταῦτrsquo

ἀνεφθέγχθαι τὸν φιλόσοφον ὅπερ ἀλλότριόν

ἐστι τοῦ κἂν μετρίαν ἕξιν ἐν φιλοσοφίᾳ

ἔχοντος οὐχ ὅτι γε τοῦ τοσούτου ἀνδρός

Certamente da mesma maneira que estaacute como

cego em meio a estas coisas tambeacutem estaria em

meio aos poemas escritos sobre elas por exemplo

quando Empeacutedoles180 diz

Eu vos sauacutedo como um deus entre voacutes natildeo mais

mortal

e vou honrado por todos181 [B 112 4-5 DK]

e tambeacutem

Mas por que me debruccedilo sobre isto como se fosse

importante

se sou superior aos homens mortais tatildeo

pereciacuteveis [B 113 DK]

Gramaacutetico e homem comum iriam supor que o

filoacutesofo se expressou assim por ser pretensioso e

desprezar os outros homens ndashcomportamento que

seria estranho mesmo em algueacutem medianamente

versado em filosofia sem falar de um homem da

envergadura de Empeacutedocles

[303] ὁ δὲ ἀπὸ φυσικῆς ὁρμώμενος θεωρίας

σαφῶς γινώσκων ὅτι ἀρχαῖον ὅλως τὸ δόγμα

ἐστί τοῖς ὁμοίοις τὰ ὅμοια γιγνώσκεσθαι

ὅπερ ἀπὸ Πυθαγόρου δοκοῦν κατεληλυθέναι

Mas quem parte da teoria natural compreende

claramente que a doutrina de que pelo similar se

conhece o similar eacute realmente antiga procede

supotildee-se de Pitaacutegoras e aparece mesmo no Timeu

60 Blank ad loc deleta ndash περὶ τὴν λέξιν πάντες οἱ Πλάτωνος ἐξηγηταὶ ἐσίγησαν ndash(sobre esta passagem todos os inteacuterpretes de Platatildeo guardaram silecircncio) Dalimier ad loc manteacutem a passagem e modifica τὰ ἑξῆς (anterior agrave supressatildeo de Blank) por τὸ ἑξῆς obtendo assim lsquoo significado atribuiacutedo agrave expressatildeo foi mantido em segredo por todos os comentadores de Platatildeorsquo

191

κεῖται μὲν καὶ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ Τιμαίῳ

εἴρηται δὲ πολὺ πρότερον ὑπrsquo αὐτοῦ

Ἐμπεδοκλέους

γαίῃ μὲν γὰρ γαῖαν ὀπώπαμεν ὕδατι δrsquo

ὕδωρ

ἠέρι δrsquo ἠέρα δῖον ἀτὰρ πυρὶ πῦρ ἀίδηλον

στοργὴν δὲ στοργῇ νεῖκος δέ τε νείκεϊ

λυγρῷ

συνήσει ὅτι ὁ Ἐμπεδοκλῆς θεὸν ἑαυτὸν

προσηγόρευσεν ἐπεὶ μόνος καθαρὸν ἀπὸ

κακίας τηρήσας τὸν νοῦν καὶ ἀνεπιθόλωτον

τῷ ἐν ἑαυτῷ θεῷ τὸν ἐκτὸς θεὸν κατείληφεν

de Platatildeo aleacutem de ter sido expressa muito antes

pelo proacuteprio Empeacutedocles

Pois pela terra entendemos a terra pela aacutegua a

aacutegua

pelo eacuteter o eacuteter divino e pelo fogo o fogo que

destroacutei

pelo amor o amor e a violecircncia pela violecircncia

que corrompe [B109 DK]

assim esse homem compreenderaacute que

Empeacutedocles nomeou a si mesmo lsquodeusrsquo porque

somente ele preservou sua mente livre de maldade

e impureza e compreendeu o deus exterior atraveacutes

do deus em si mesmo182

[304] Ἀράτου τε μὴν γράφοντος

ὅσσον ἀπrsquo ὀφθαλμοῖο βολῆς ἀπολάμπεται

αὐγή

ἑξάκις ἂν τόσση μιν ὑποδράμοι αὐτὰρ ἑκάστη

ἴση μετρηθεῖσα δύω περιτέλλεται ἄστρα

οὐ γραμματικοῦ τοῦτο νοῆσαι ὅτι ἡλίκη

ἐστὶν ἡ ἀπὸ τῆς ἡμῶν ὄψεως πρὸς τὴν

ἀνατολὴν ἐκβαλλομένη εὐθεῖα ἑξάκις αὕτη

ληφθεῖσα τὸν ζῳδιακὸν καταμετρήσει κύκλον

ὥστε δύο αὐτὴν ἀποτέμνεσθαι ζῴδια ἀλλὰ

μαθηματικοῦ γραμμικῶς αὐτὸ

ἀποδεικνύντος ὅτι τὸ ἕκτον τοῦ ζωδιακοῦ

κύκλου μέρος ἐπὶ61 τῆς μέχρι τῆς ἀνατολῆς

ἐκβαλλομένης εὐθείας καθέστηκεν

Quando Arato escreve

O brilho do raio que parte do olho

seis vezes percorrido em si mesmo e cada um

de igual medida dois astros zodiacais

comporta183

[Phaenomena 541-3]

natildeo eacute coisa de gramaacutetico saber que a medida da

linha reta que parte de nossos olhos ao orto solar

se multiplicada seis vezes daraacute a medida do

ciacuterculo zodiacal de tal forma que ela proacutepria

cortaraacute dois signos do zodiacuteaco Mas um

matemaacutetico sim ele demonstra geometricamente

(grammikos)184 que a sexta parte do ciacuterculo do

zodiacuteaco fica sobre a linha reta traccedilada ateacute o orto

solar

[305] Τίμωνός τε τοῦ Φλιασίου τὸν Πύρρωνα

ἡλίῳ ἀπεικάζοντος ἐν οἷς φησι

μοῦνος δrsquo ἀνθρώποισι θεοῦ τρόπον

ἡγεμονεύεις

Quando Tiacutemon de Fliunte compara Pirro ao sol

dizendo

Sozinho aos homens governas como o deus

em circular caminhada rodeia toda a terra

61 Blank ad loc com Blomqvist p 12 ss Por ἀπὸ

192

ὃς περὶ πᾶσαν ἐλῶν γαῖαν ἀναστρέφεται

δεικνὺς εὐτόρνου σφαίρας πυρικαύτορα

κύκλον

δόξει μὲν τοῖς γραμματικοῖς κατὰ τιμὴν αὐτὸ

λέγειν καὶ διὰ τὴν περὶ τὸν φιλόσοφον

ἐπιφάνειαν ἄλλος δὲ ἐπιστήσει μήποτε καὶ

μάχεται τὰ παραδείγματα62 τῷ σκεπτικῷ

βουλήματι τὰ ὑπὸ τοῦ Φλιασίου εἰς τὸν

Πύρρωνα λεχθέντα εἴγε ὁ μὲν ἥλιος τὰ

πρότερον μὴ βλεπόμενα τῷ φωτὶ καταυγάζων

δείκνυσιν ὁ δὲ Πύρρων καὶ τὰ προδήλως

ἡμῖν ληφθέντα τῶν πραγμάτων εἰς ἀδηλότητα

περισπᾶν βιάζεται

e deixa ver o orbe ardente em fogo de sua bem

lavrada esfera [fr8415-7Lloyd-JonesParsons]185

para os gramaacuteticos vai parecer que o diz por

honrarias e para aumentar a fama acerca do

filoacutesofo Mas outra pessoa poderaacute verificar que

provavelmente isso que diz de Pirro estaacute em

conflito com os exemplos que Tiacutemon apresenta

para as aspiraccedilotildees ceacuteticas pois se o sol ilumina o

que antes natildeo se via e o revela Pirro ao contraacuterio

lanccedila violentamente para a obscuridade o que

antes estava claro para noacutes

[306] τὸ δὲ οὐχ οὕτως ἔχειν φαίνεται τῷ

φιλοσοφώτερον ἐπιβάλλοντι ἀλλrsquo ἡλίου

τρόπον ἐπέχειν φησὶ τὸν Πύρρωνα καθόσον

ltὡςgt ὁ θεὸς τὰς τῶν ἀκριβῶς εἰς αὐτὸν

ἀτενιζόντων ὄψεις ἀμαυροῖ οὕτω καὶ ὁ

σκεπτικὸς λόγος τὸ τῆς διανοίας ὄμμα τῶν

ἐπιμελέστερον αὐτῷ προσεχόντων συγχεῖ

ὥστε ἀκαταληπτεῖν περὶ ἑκάστου τῶν κατὰ

δογματικὴν θρασύτητα τιθεμένων

No entanto para quem tem uma abordagem mais

filosoacutefica eacute niacutetido que natildeo eacute isso Diraacute que Pirro agrave

maneira do sol faz suspender o julgamento da

mesma forma que o deus obscurece os olhos

daqueles que o encaram diretamente o raciociacutenio

ceacutetico confunde os olhos do entendimento dos que

lhe dedicam uma atenccedilatildeo concentrada assim cada

um dos argumentos que nos oferece a excessiva

arrogacircncia dogmaacutetica se torna inapreensiacutevel

[307] εἰ δὲ δεῖ περὶ ἰατρικῆς διεξέρχεσθαι

θεωρίας καὶ παριστᾶν ltἔστινgt63 ὡς καὶ

ἐπίθετον πολλάκις προσριφὲν ὑπὸ ποιητοῦ

βαθὺν ἐμφαίνει καὶ ἐπιστημονικὸν νοῦν οἷόν

ἐστι τὸ lsquoβαθύσχοινον λεχεποίηνrsquo παρrsquo

Ὁμήρῳ σημαίνει γάρ ὃ μὴ δύναται νοῆσαι

γραμματικός ltὅτιgt παραστατικὸν πρὸς

συνουσίαν ἐστὶ τὸ τῆς σχοίνου σπέρμα λέχος

καλοῦντος τοῦ ποιητοῦ τὴν μῖξιν

E se eacute preciso estender a discussatildeo para a teoria

meacutedica tambeacutem acontece de muitas vezes um

adjetivo dito sem mais pelo poeta revelar um

sentido profundo e cientiacutefico como por exemplo

lsquoleito feito de juncos densosrsquo usado por Homero

[Iliacuteada IV 383] cujo significado um gramaacutetico

natildeo pode alcanccedilar que a semente do junco

encoraja a relaccedilatildeo sexual e o poeta chama lsquoleitorsquo

ao ato sexual186

[308] ἢ τὸ παρὰ τῷ Εὐριπίδῃ ἐπὶ τῇ Ou o que eacute dito por Euriacutepides acerca da filha de

62 Blank ad loc com Giusta p 429 reteacutem τὰ παραδείγματα 63 Blank ad loc com Bury que segue Hervetus

193

Λυκομήδους θυγατρὶ Δηιδαμείᾳ λεγόμενον˙

ἡ παῖς νοσεῖ σου κἀπικινδύνως ἔχει

πρὸς τοῦ τίς αὐτὴν πημονὴ δαμάζεται

μῶν κρυμὸς αὐτῆς πλευρὰ γυμνάζει χολῆς

πυνθάνεται γὰρ μή τι πλευριτικὴ γέγονε διὰ

τὸ τοὺς πλευριτικοὺς βήσσοντας ὑπόχολον

ἀνάγειν ὧν οὐδὲν οἶδεν ὁ γραμματικός

Licomedes Deidacircmia

Sua filha estaacute doente e estaacute correndo risco

Por quecirc Que intruso a agride

Acaso natildeo eacute um frio que molesta seu flanco com

bile [Frag 682 Nauck2]

Pois estaacute perguntando se ela natildeo sofre de pleurisia

jaacute que os que padecem dessa enfermidade tossem

bile Nada disso sabe o gramaacutetico

[309] Καίτοι περιττὸν ἴσως ἐστὶν ἀπὸ τῶν

ἀρχαιοτέρων καὶ τάχα ἐπιστημονικῶν

δυσωπεῖν τοὺς ἀπὸ τῆς γραμματικῆς ὅτε καὶ

τὸ τυχὸν ἐπιγραμμάτιον οὐχ οἷοί τέ εἰσι

νοῆσαι καθάπερ καὶ τὸ ὑπὸ τοῦ Καλλιμάχου

εἰς Διόδωρον τὸν Κρόνον συγγραφέν

ἠνίδε κου κόρακες τεγέων ἔπι lsquoκοῖα συνῆπταιrsquo

κρώζουσιν καὶ lsquoκῶς αὖθι γενησόμεθαrsquo

Contudo talvez seja demasiado constranger os

que se dedicam agrave gramaacutetica com questotildees sobre

coisas muito antigas e provavelmente especiacuteficas

quando natildeo satildeo sequer capazes de compreender

um epigrama qualquer como por exemplo o que

escreveu Caliacutemaco187 para Diodoro Crono

Ouccedila os corvos sobre os telhados gralhando ldquoDe

que tipo satildeo as condicionaisrsquo e lsquoComo

nasceremos de novorsquo [Frag 393 3 Pfeiffer]

[310] ὅτι γὰρ διαλεκτικώτατος ἦν ὁ Κρόνος

καὶ ἐδίδασκε πῶς κριτέον ἐστὶ τὸ ὑγιὲς

συνημμένον ὥστε διὰ τὸ ἐπικρατεῖν ἤδη τὴν

διδασκαλίαν καὶ τοὺς ἐπὶ τῶν δωμάτων

κόρακας ἐκ πολλῆς τῆς κατηχήσεως κράζειν

τὴν κατrsquo αὐτὸν τοῦ συνημμένου κρίσιν εἴποι

ἂν ὁ γραμματικός καὶ μέχρι τούτου συνήσει

τὸ καὶ παιδίοις γνώριμον

Pois Crono188 era um grande dialeacutetico e ensinava

como se deve julgar a validade das proposiccedilotildees

condicionais189 de forma que por causa da

influecircncia de seus ensinamentos ateacute mesmo os

corvos sobre as casas de tanto ouvirem

gralhavam seu criteacuterio para as proposiccedilotildees

condicionais Isto diria o gramaacutetico e ateacute aqui natildeo

vai aleacutem do que sabem mesmo as crianccedilas

[311] ἐλθὼν δὲ καὶ ἐπὶ τὸ lsquoκαὶ κῶς αὖθι

γενησόμεθαrsquo ἡσυχάσει μὴ εὑρίσκων τὸ

δηλούμενον πρᾶγμα φιλοσόφου γὰρ ἦν εἰπεῖν

ὅτι ἀρέσκει τῷ Διοδώρῳ μηδὲν κινεῖσθαι τὸ

γὰρ κινούμενον ἤτοι ἐν ᾧ ἔστι τόπῳ κινεῖται

ἢ ἐν ᾧ μὴ ἔστιν οὔτε δὲ τὸ πρῶτον οὔτε τὸ

δεύτερον οὐκ ἄρα κινεῖταί τι τῷ δὲ μηδὲν

κινεῖσθαι τὸ μηδὲν φθείρεσθαι ἀκολουθεῖ

Mas quando chega a lsquocomo nasceremos de novorsquo

cala-se por natildeo encontrar o objeto a que se refere

Pois eacute tarefa do filoacutesofo dizer que a opiniatildeo de

Diodoro eacute a de que nada se move190 Pois o que se

move ou se move no lugar em que estaacute ou no

lugar em que natildeo estaacute e natildeo se move no primeiro

nem no segundo logo natildeo se move Se nada se

move nada perece

194

[312] ὡς γὰρ διὰ τὸ μήτε ἐν ᾧ ἔστι τόπῳ

κινεῖσθαί τι μήτε ἐν ᾧ μή ἐστιν οὐδὲν

κινεῖται οὕτως ἐπεὶ τὸ ζῷον οὔτε ἐν ᾧ ζῇ

χρόνῳ ἀποθνῄσκει οὔτε ἐν ᾧ μὴ ζῇ οὐδέποτε

ἄρα ἀποθνῄσκει εἰ δὲ τοῦτο ἀεὶ ζῶντες κατrsquo

αὐτὸν καὶ αὖθις γενησόμεθα

Pois assim como nada se move jaacute que natildeo se

move no lugar em que estaacute nem tampouco no que

natildeo estaacute do mesmo modo o que estaacute vivo natildeo

morre quando estaacute vivo nem tampouco quando

natildeo estaacute vivo consequentemente natildeo morre

nunca E se eacute assim vivemos para sempre

segundo ele e nasceremos de novo191

[313] Οὐκοῦν τὰ μὲν πράγματα οὐ νοοῦσιν οἱ

γραμματικοί λείπεται τοίνυν τὰ ὀνόματα

νοεῖν αὐτούς ὃ πάλιν ἐστὶ ληρῶδες πρῶτον

μὲν γὰρ οὐδὲν ἔχουσι τεχνικὸν εἰς τὸ λέξιν

γινώσκειν οὐδὲ γὰρ ἐκ τέχνης τινὸς

μεμαθήκασιν ὅτι οἱ παρὰ τῷ Σοφοκλεῖ

ποιμένες lsquoἰὼ βαλλήνrsquo λέγοντες lsquoἰὼ βασιλεῦrsquo

λέγουσι φρυγιστί ἀλλὰ παρrsquo ἄλλων

ἀκούσαντες διήνεγκε δὲ οὐδὲν ἢ βαρβάρου

λέξεως ἑρμηνευτὰς γίνεσθαι ἢ τῆς κατὰ

γλῶσσαν προενεχθείσης ὁμοίως οὔσης

ἀσυνήθους ἡμῖν

Portanto os gramaacuteticos natildeo compreendem as

coisas a que as palavras se referem Faltou entatildeo

considerar que compreendam as palavras o que eacute

novamente um disparate Primeiro porque natildeo

possuem teacutecnica para conhecer a palavra De fato

natildeo foi a partir de nenhuma arte que ficaram

sabendo que os pastores em Soacutefocles quando

dizem lsquoio ballenrsquo estatildeo dizendo lsquoio basileursquo ou

seja lsquoAi reirsquo em friacutegio [Frag 515 Radt] mas

porque ouviram de outros E natildeo haveraacute diferenccedila

entre interpretar palavras estrangeiras ou aquelas

raras pois satildeo igualmente incomuns para noacutes192

[314] εἶτα καὶ τοῦτrsquo ἀδύνατόν ἐστιν ἀπείρων

οὐσῶν λέξεων καὶ ἄλλως παρrsquo ἄλλοις

ὀνοματοποιηθεισῶν ἢ ἐπὶ πράγμασιν οἷς ἡμεῖς

οὐκ ἴσμεν τεθεισῶν οἷόν ἐστι τὸ

ltlsquoἐβαρβάριζε τὸ ὅλον ἕλκη ἔχον ἐν τῇ χειρίrsquo

τοῦ μὲνgt ἐβαρβάριζεν ἀντὶ τοῦ ἐσύριζε

κειμένου βάρβαροι γὰρ οἱ Σύροι τοῦ δὲ ὅλου

ἀντὶ τοῦ παντός ὅλον γὰρ καὶ πᾶν

συνώνυμον τοῦ δὲ ἕλκους ἀντὶ τῆς σύριγγος

εἶδος γὰρ ἕλκους ἡ σύριγξ ὥστε τὸ ὅλον

γίνεσθαι τοιοῦτον lsquoἐσύριζεν ὁ Πάν σύριγγας

ἔχων ἐν τῇ χειρίrsquo

Segundo tal coisa eacute impossiacutevel porque as

palavras satildeo infinitas e se formam de inuacutemeras

maneiras diferentes em lugares diferentes ou satildeo

usadas para nomear coisas que sequer

conhecemos Como por exemplo lsquofalava

inteiramente como um estrangeiro com as matildeos

feridasrsquo onde lsquofalar como um estrangeirorsquo estaacute por

lsquotocar siringersquo (esyrize) pois os siacuterios satildeo

estrangeiros e lsquointeiramentersquo (holon) estaacute por

lsquotodorsquo (pan) ou seja lsquopanrsquo que soa como Patilde e

lsquoferidarsquo estaacute por lsquosiringersquo jaacute que uma flauta tem

aberturas como feridas E assim a frase toda seria

algo como lsquoTocou Patilde com sua siringe em

matildeosrsquo193

195

[315] ἄλλως τε καὶ ποῦ ἴσασιν ἐνίας τῶν

ἐπιστημονικῶν λέξεων οἱ γραμματικοί

καθάπερ τὴν παρὰ Ἀριστοτέλει ἐντελέχειαν ἢ

τὸ τί ἦν εἶναι ἢ ποῦ συνήσουσι τίνα δύναμιν

ἔχει παρὰ σκεπτικοῖς ἡ lsquoοὐδὲν μᾶλλονrsquo φωνή

πότερον πυσματική ἐστιν ἢ ἀξιωματική καὶ

ἐπὶ τίνος τάσσεται ἆρά γε τοῦ ἐκτὸς

ὑποκειμένου ἢ τοῦ περὶ ἡμᾶς πάθους

Aleacutem disso como os gramaacuteticos saberiam o que

significam certas palavras cientiacuteficas como por

exemplo lsquoa enteleacutequiarsquo ou o lsquoo que era para serrsquo

(to ti en einai) de Aristoacuteteles194 Ou como

entenderatildeo a forccedila que tem junto aos ceacuteticos a

expressatildeo lsquonada eacute maisrsquo (ouden mallon) Se eacute

interrogativa ou declarativa e a que se aplica ao

que nos eacute exterior (to ektos hupokeimenon) ou a

nossos sentimentos (pathoi)195

[316] τί δὲ καὶ ἐροῦσιν ἐκ λέξεών τινων

συντεθέντος τινὸς ποιήματος

εἰ64 γάρ σοι δισσοῖσιν ὑπrsquo οὔρεσι διττὸς

ἐραστὴς

ἔφθιτο καὶ νεάτην μοῖραν ἔθηκε φύσιν

ἄρθρῳ ἐν ἀσπιδόεντι βεβηκότα γυῖα καθrsquo

ὁλμοῦ

βλαισὰ τροχαντήρων ἄχρι περιστρέφετο

σμερδαλέαι δrsquo ὑπένερθεν ἀλώπεκες ἄχρι

δοχαίης

αἰῶνος χαλαρὴς σύνδραμον ἁρμονίης65

E o que diratildeo de tal poema composto em termos

tais

Poderias tu sob as montanhas gecircmeas como dois

amantes

perecer e por destino uma natureza mais baixa

adquirir

Membros articulados igual serpente o corpo

todo

do tronco ao trocacircnter revolvendo-se

e por baixo do receptaacuteculo terriacuteveis raposas

reuacutenem-se

pela eternidade da harmonia do amante196

[317] τοὺς γὰρ ἐραστὰς οἵτινές εἰσι καὶ τὰ

ὄρη καὶ τὸ ἀσπιδόεν ἄρθρον καὶ τοὺς

τροχαντῆρας ἔτι δὲ καὶ τὸν ὅλμον καὶ τὰς

ἀλώπεκας δοχαίην τε καὶ αἰῶνα καὶ ἁρμονίαν

μήτε τροπικῶς μήτε κατὰ ἱστορίαν ἀλλὰ

κυρίως ἐξενεχθέντα ὀνόματα κἂν μυριάκις

ἐπιστήσωσιν οὐ συνήσουσιν

Quem satildeo os lsquoamantesrsquo as lsquomontanhasrsquo a

lsquoarticulaccedilatildeo igual serpentersquo ou o lsquotrocacircnterrsquo ou o

lsquotroncorsquo ou as lsquoraposasrsquo ou o lsquoreceptaacuteculorsquo ou a

lsquoeternidadersquo ou a lsquoharmoniarsquo minus e natildeo satildeo

expressotildees figurativas ou cujo sentido se precisa

levantar historicamente mas estatildeo sendo usadas

em um sentido proacuteprio (kurios)197 Ainda que mil

vezes o vasculhem natildeo compreenderatildeo

[318] Εἰ οὖν μήτε τὰ πράγματα μήτε τὰς

λέξεις ἴσασιν παρὰ δὲ ταῦτα οὐδέν ἐστιν ἡ

Portanto se natildeo conhecem nem as coisas e nem as

palavras e prosa e poesia satildeo isto e nada mais

64 Blank ad loc com Blomqvist p 17 Por ἦ nos MSS 65 Blank ad loc modificaccedilotildees com Blomqvist p 13-18 Por ὁλμοῦ βᾶσα περιστρέφεται σμερδαλέα ἀλώπεκος χαλαρὰν σύνδρομον

196

ποίησις ἢ τὸ σύγγραμμα οὐκ ἂν ἔχοιεν

τέχνην ἐξηγητικὴν τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων ἄλλως τε καὶ εἰ

χρῄζομεν γραμματικῆς ἐπὶ τῶν ἀρίστων

ποιημάτων χρῄζομεν ἀλλrsquo οὐ τῶν μοχθηρῶν

ἄριστον δὲ ποίημά ἐστι κατrsquo αὐτοὺς τὸ σαφές

eles natildeo teriam uma arte interpretativa do que eacute

dito por poetas e escritores Aleacutem disso se

focircssemos fazer uso da gramaacutetica seria para os

melhores poemas e natildeo para os ruins Mas de

acordo com eles o melhor poema eacute o que estaacute

claro

[319] ἀρετὴ γὰρ ποιήματος ἡ σαφήνεια καὶ

μοχθηρὸν τὸ ἀσαφὲς παρὰ γραμματικῇ οὔτε

οὖν ἐπὶ ἀρίστου ἐστὶ ποιήματος χρειώδης διὰ

τὸ μὴ δεῖσθαι ἐξηγήσεως σαφὲς ὄν οὔτε ἐπὶ

τοῦ μοχθηροῦ διὰ τὸ αὐτόθεν εἶναι μοχθηρόν

pois a clareza eacute excelecircncia (arete) em um poema

e aquele a que falta clareza eacute um poema ruim

segundo a gramaacutetica Assim portanto a gramaacutetica

natildeo tem utilidade quando se trata de um poema

muito bom que natildeo precisa de explicaccedilatildeo porque

ele estaacute claro nem eacute uacutetil para o poema ruim

porque ele eacute de imediato ruim198

[320] τό τε ἀνεπικρίτως διαφωνούμενον

ἀκατάληπτόν ἐστιν ἀνεπικρίτως δrsquo ἔτι

διαφωνοῦσιν ἐν ταῖς ἐξηγήσεσιν οἱ

γραμματικοὶ περὶ τῆς τοῦ συγγραφέως

διανοίας ἀκατάληπτος ἄρα ἐστὶν ἡ τοῦ

συγγραφέως διάνοια καὶ διὰ τοῦτο ἄχρηστος

ἡ γραμματική

Ἀλλὰ γὰρ πρὸς μὲν τοὺς ἀπὸ τούτου τοῦ

μαθήματος ἀναγομένους ἐπὶ τοσοῦτον

εἰρήσθω ἀπrsquo ἄλλης δὲ ἀρχῆς σκεψώμεθα καὶ

πρὸς τοὺς ῥήτορας ἃ δεῖ λέγειν

E aquilo sobre que se discorda indefinidamente eacute

inapreensiacutevel e os gramaacuteticos discordam

indefinidamente acerca das interpretaccedilotildees do

pensamento (dianoia) dos escritores Logo

inapreensiacutevel eacute o pensamento dos escritores e por

isso a gramaacutetica eacute inuacutetil

Poreacutem contra os que se dedicam a esta

disciplina certamente deve bastar o que jaacute foi

dito E a partir de outro princiacutepio vamos

considerar o que precisa ser dito contra os

retoacutericos

197

21 NOTAS DE FIM

1 Pedimos desculpas pela formataccedilatildeo inadequada poreacutem uma vez inseridos os textos desta forma natildeo nos foi possiacutevel modificaacute-los para esta versatildeo 2 Procuramos diferenciar o uso de antirrhesis (lsquoataquersquo ou lsquoreacuteplicarsquo lsquocontra-argumentorsquo) e o uso dos termos da famiacutelia de elenkhos (lsquorefutaccedilatildeorsquo) os dois provavemente podem ser considerados sinocircnimos em muitos contextos contudo ao menos nos dois livros aqui traduzidos antirrhesis (lsquoataquersquo) parece ter uma conotaccedilatildeo mais geral ver sect 39 enquanto elenkhos (lsquorefutaccedilatildeorsquo) parece referir-se propriamente ao procedimento argumentativo em que se expotildee a contradiccedilatildeo nas teses dos adversaacuterios 3 Sexto Empiacuterico contrapotildee logo de iniacutecio epicuristas e pirrocircnicos informando-nos que ambos atacaram estes estudos com criacuteticas que teriam se distinguido pela lsquodisposiccedilatildeorsquo (diathesis) ou seja pelos lsquomotivosrsquo mas natildeo necessariamente pelo meacutetodo ou conteuacutedo supomos Obviamente Sexto traccedila uma fronteira entre o dogmatismo dos epicuristas e o posicionamento ceacutetico dos pirrocircnicos por isso eacute importante para ele contrapor lsquomotivaccedilotildeesrsquo pois os argumentos epicuristas satildeo parte essencial da artilharia que seraacute utilizada por Sexto na invectiva contra os lsquoestudos especializadosrsquo Os motivos imputados a Epicuro e a seus seguidores satildeo no entanto uma coleccedilatildeo de lugares comuns A hostilidade de Epicuro contra as tekhnai era ceacutelebre na antiguidade 4 Ta mathemata uma das traduccedilotildees possiacuteveis para este termo e que costuma aparecer em diversas liacutenguas eacute o equivalente ao portuguecircs lsquoartes liberaisrsquo Encontramos por exemplo a traduccedilatildeo de Blank (1998) ldquoliberal studiesrdquo Cavero (1997) ldquodisciplinas liberalesrdquo mas Dalimier (2002) ldquoeacutetudesrdquo ou Bury (1949) ldquoArts and Sciencesrdquo A questatildeo que se coloca eacute a relaccedilatildeo entre o grupo de disciplinas abordado por Sexto (satildeo seis gramaacutetica retoacuterica geometria aritmeacutetica astrologia muacutesica) e aquele das sete artes liberais (trivium gramaacutetica retoacuterica dialeacutetica e quadrivium geometria aritmeacutetica astronomia muacutesica) que compotildeem o curriacuteculo escolar medieval bem estabelecido agrave eacutepoca de Santo Agostinho A semelhanccedila entre os dois grupos eacute oacutebvia e satildeo muitos os elementos histoacutericos que nos permitem acompanhar o processo de canonizaccedilatildeo das sete disciplinas medievais durante a antiguidade com raiacutezes muito anteriores agrave obra de Sexto Empiacuterico (em Fiacutelon de Alexandria por exemplo ou mesmo em Platatildeo e Secircneca) mas o que procuramos evitar em nossa traduccedilatildeo eacute a imediata associaccedilatildeo do termo com a posterior tradiccedilatildeo escolaacutestica Embora Sexto pareccedila sugerir que as enkuklia mathemata estavam padronizadas e em outro momento use o termo lsquoartes liberaisrsquo (hai eleutherai tekhnai) (M 2 57) entendemos que com isso estivesse indicando um assunto de domiacutenio comum ao menos entre os intelectuais por ser este o termo geneacuterico aplicado aos estudos ciacuteclicos superiores (em oposiccedilatildeo a disciplinas baacutesicas da educaccedilatildeo infantil) ou

198

intermediaacuteriospreparatoacuterios (entre os estudos baacutesicos e o estudo filosoacutefico) Aquilo de que discordamos eacute a suposiccedilatildeo de que este ciclo de disciplinas estivesse fechado e consagrado curricularmente agrave eacutepoca de Sexto Sexto em outro contexto refere-se tambeacutem agrave medicina como logikon mathema (M 2 51) medicina e arquitetura satildeo outras duas disciplinas comumente presentes nas listas das lsquoartes liberaisrsquo durante a antiguidade Por outro lado eacute verdade que os posicionamentos a respeito de quais disciplinas fariam parte do quadro destes estudos natildeo satildeo tatildeo discrepantes e de maneira ampla parece haver algum consenso geral acerca da fronteira que separa lsquoestudos liberaisrsquo de estudos ocupacionais profissionais ou mecacircnicos aqueles direcionados a propoacutesitos econocircmicos e natildeo intelectuais Mas enquanto se pode apontar uma equivalecircncia entre as listas natildeo se pode apontar uma uacutenica lista Em relaccedilatildeo a obra sextiana supomos com Hadot (2005 p 293) que a esquiva de Sexto em adentrar o assunto natildeo se deve agrave uniformidade de tratamento da questatildeo mas ao contraacuterio agrave existecircncia de muitos pontos de vista que acreditamos aponta para um uso natildeo-teacutecnico do termo em oposiccedilatildeo ao uso especiacutefico durante a Idade Meacutedia Por outro lado quisemos qualificar estes lsquoestudosrsquo apropriando-nos de uma especificaccedilatildeo que natildeo eacute proacutepria do termo grego e que Sexto mesmo soacute expotildee quando passa a tratar de cada disciplina em particular Assim com lsquoestudosrsquo ou estudos ciacuteclicos procuramos nos referir de maneira geral aos estudos disciplinares superiores ou seja ao estudo aprofundado em diferentes agravereas do conhecimento com vieacutes misto teoacuterico e praacutetico mas ao agregar o adjetivo lsquoespecializadosrsquo quisemos principalmente sugerir uma caracteriacutestica das disciplinas atacadas por Sexto que eacute fundamental para definir a abordagem sextiana e que Hadot (2005 p 293) expressou na seguinte conclusatildeo ldquoA situaccedilatildeo poderia ser resumida desta forma para noacutes lsquoartes liberaisrsquo pode referir-se a qualquer ocupaccedilatildeo digna de um homem livre seja intelectual esportiva ou militar enquanto a noccedilatildeo de enkuklios paideia se limita agraves lsquoartes fundadas sobre o raciociacuteniorsquo e implica a representaccedilatildeo teoacuterica da unidade de um corpo cientiacutefico de conhecimentosrdquo Consideramos pois que ta mathemata estaacute em relaccedilatildeo direta com certa racionalizaccedilatildeo e especializaccedilatildeo proacutepria de estudos teoacutericos mas mais distante da interpretaccedilatildeo como lsquoartes liberaisrsquo no sentido restrito de conjunto fixo de disciplinas de um curriacuteculo formativo (parte da pedagogia escolaacutestica) e no sentido amplo de toda atividade proacutepria ao homem livre -mesmo que seja produtiva a oposiccedilatildeo entre lsquoartes liberaisrsquo proacuteprias dos homens livres e instruiacutedos e lsquoartes servisrsquo por assim dizer que envolveriam trabalho pesado mecacircnico repetitivo eou profissional proacuteprias dos escravos serviccedilais e classe trabalhadora ou seja aquelas que estatildeo relacionadas a aquisiccedilatildeo de uma profissatildeo de um meio de vida Entendemos tambeacutem que a par da popularizaccedilatildeo crescente durante a antiguidade do conteuacutedo destes estudos que pode ser percebida entre outros pelo sucesso de manuais ou tratados e de sua caracteriacutestica de estudos preparatoacuterios ou interrelacionados ou seja dois traccedilos que justificariam a alcunha de estudos gerais ou ciclo de estudos comuns Sexto direciona sua refutaccedilatildeo aos professores destes estudos aos intelectuais que se especializam nos teoremas da arte por isso tambeacutem neste sentido acreditamos ser adequado qualificaacute-los de especializados A discussatildeo que se desenvolve na Antiguidade dentro das escolas filosoacuteficas em relaccedilatildeo agraves enkuklia mathemata ou enkuklios paideia diz respeito principalmente ao valor eou necessidade do estudo das disciplinas teoacutericas ou teacutecnicas como preparaccedilatildeo para o estudo da lsquofilosofiarsquo debate-se pois a utilidade destes estudos no

199

caminho da lsquosabedoriarsquo Eacute neste panorama que se enquadra a hostilidade de Epicuro e tambeacutem o interesse de Sexto pela questatildeo Vale lembrar que a sistematizaccedilatildeo de estudos superiores e a oferta de cursos regulares e livros teacutecnicos ligados a disciplinas especializadas eacute um fenocircmeno que tem iniacutecio com o movimento sofista Eacute interessante portanto constatar que tais assuntos estiveram desde o princiacutepio contaminados com a ambiguidade que acompanha a sofiacutestica No singular to mathema aparece quase sempre no contexto da argumentaccedilatildeo geral acerca da possilidade eou existecircncia de qualquer disciplina (especializada) Procuramos sempre diferenciar o uso de mathesis que se relaciona agrave lsquoensinorsquo de modo amplo ou seja lsquotransmissatildeoaquisiccedilatildeo de conhecimentorsquo Conforme Blank p 68 ta mathemata teria sido o termo mais comum nos ataques ceacuteticos e epicuristas ao ensino tradicional Contudo embora possa parecer um termo teacutecnico como comentamos referindo-se ao conjunto especiacutefico das seis disciplinas presentes aqui tambeacutem ocorre em contextos neutros Em geral mathema e tekhne parecem intercambiaacuteveis no Contra os Professores Dadas as peculiaridades tanto do ambiente educacional na antiguidade quanto das ocorrecircncias do termo uma traduccedilatildeo totalmente uniforme foi descartada Optamos portanto em incorporar traduccedilotildees possiacuteveis de forma que estivessem concatenadas e assim compusessem o significado da expressatildeo satildeo as disciplinas particulares que compotildeem os chamados estudos ciacuteclicos (8) por isso vertemos lsquoProfessoresrsquo (mathematikoi) tambeacutem por lsquoos que professam as disciplinas do estudo ciacuteclicorsquo (hoi apo ton mathematon) (1) Satildeo como afirmamos estudos lsquoespecializadosrsquo no sentido de que cada disciplina possui e se aprofunda em sua especialidade e entatildeo os lsquoProfessoresrsquo satildeo na verdade lsquoespecialistasrsquo Mas satildeo tambeacutem propriamente estudos ciacuteclicos por terem sido vistos como complementares uns aos outros ao mesmo tempo em que eram uma etapa um lsquociclorsquo da formaccedilatildeo portanto propedecircuticos Conveacutem considerar ainda o horizonte especiacutefico traccedilado por Sexto mais adiante satildeo estudos necessariamente vinculados a um determinado ambiente de lsquoensinorsquo que envolve professor aluno mateacuteria (proposiccedilotildees supomos) e meacutetodo 5 Considerando que grande parte dos argumentos utilizados por Sexto no Contra os Gramaacuteticos eacute de origem epicurista eacute interessante principalmente em relaccedilatildeo agrave argumentaccedilatildeo a favor da correccedilatildeo da linguagem pelo uso comum manter em mente esta criacutetica a Epicuro Aqui no entanto se usa o termo kathareuein incomum no contexto gramatical onde se usa preferencialmente hellenizein (lsquofalar grego corretamentersquo) 6 Nausiacutefanes (c 360-300 a C) foi um filoacutesofo atomista Sobre ele ver DL (9 69 e 102 ndash em que eacute apresentado como pirrocircnico e 10 8 e 64) 7 Parece ser necessaacuterio diferenciar entre lsquodisciacutepulo de Pirrorsquo (Pyrronos akoustes) aqui e lsquopirronistasseguidores de Pirrorsquo (hoi apo tou Pyrronos) acima sect1 pois Nausiacutefanes certamente defendia os estudos ciacuteclicos Sobre o uso do termo lsquopirrocircnicorsquo por Sexto ver Decleva Caizzi 1992 p 295

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8 A criacutetica de Epicuro aos estudos especializados e agraves tekhnai em geral parece compor-se tanto de uma acusaccedilatildeo acerca da ausecircncia de conteuacutedo e de meacutetodo no ensino tradicional quanto estar baseada em uma concepccedilatildeo diferente de sabedoria 9 Barustonoi era um nome coloquial para atores (Demoacutestenes 18 262) 10 Seguindo a leitura de Warren 2002 p 188ss Epicuro nega ser disciacutepulo de Nausiacutefanes mas natildeo que esteve em suas aulas esta distinccedilatildeo era importante porque de fato Epicuro assistiu agraves aulas de Nausiacutefanes Sobre a atitude de Epicuro contra seus rivais e a especial animosidade que dirigiu a Nausiacutefanes ver Sedley 1976 Este autor sugere (p 132ss) que os apelidos que Epicuro dava a outros filoacutesofos tinham relaccedilatildeo com a orientaccedilatildeo filosoacutefica deles lsquoAacutegua-vivarsquo aqui a supor pelo adendo encontra eco em Aristoacuteteles (PA 68 Ia19) que descreve as aacuteguas-vivas e espeacutecies semelhantes como desprovidas de percepccedilatildeo sendo como plantas vivas Para Platatildeo (Filebo 21c) uma pessoa desprovida da habilidade de raciocinar vive a vida natildeo como um homem mas como uma espeacutecie de aacutegua-viva ou qualquer animal marinho com concha Para uma interpretaccedilatildeo da rivalidade filosoacutefica entre Nausiacutefanes e Epicuro ver Warren opcit p 160ss 11 Cf PH 2 246 ldquoEacute suficiente creio viver de acordo com as experiecircncias (empeiros) e sem opiniatildeo (adoksastos) segundo as observaccedilotildees e lsquoconceitosrsquo (prolepseis) comunsrdquo 12 Cf Dioacutegenes Leacutercio (9 108) ldquoalguns falam que eacute apatia outros que eacute o temperamento gentil (praotes) o propoacutesito dos ceacuteticosrdquo Apatia (apatheia) como um estado de libertaccedilatildeo das perturbaccedilotildees emocionais caracterizava o saacutebio estoico 13 Pragma(ta) normalmente traduzido por lsquocoisa(s)rsquo apresenta mesmo tantas acepccedilotildees quanto o termo portuguecircs a coisa concreta o fato (real) o assunto a realidade o evento o objeto o tema o negoacutecio as coisas ditas os raciociacutenios a situaccedilatildeo Haacute no entanto um sentido geral que parece ser o caso nesta passagem A tensatildeo entre o concreto e o abstrato gerou contudo ambiguidades constantemente exploradas por retoacutericos e filoacutesofos Essa tensatildeo eacute latente em toda a discussatildeo sobre lsquoa coisa (pragma) que se ensinarsquo ora Sexto parece sugerir que tem em mente propriamente um objeto concreto ora o que se diz sobre um objeto as proposiccedilotildees ora o conteuacutedo mesmo das proposiccedilotildees De modo geral pode ser dito que pragma seria o lsquofato significadorsquo oposto a onoma(ta) (lsquopalavra(s)rsquo) ou phone(ai) (lsquosom(ns) da falarsquo) principalmente no contexto estoico Mas se eacute pragma um objeto concreto no mundo ou o conteuacutedo de um expressatildeo se corpoacutereo ou incorpoacutereo ou seja qual seu estatuto ontoloacutegico eacute justamente a indeterminaccedilatildeo de que foram acusadas propriamente ou natildeo as doutrinas que Sexto ataca No miacutenimo ele tira proveito de tal confusatildeo terminoloacutegica 14 Vemos aiacute vaacuterios termos programaacuteticos do ceticismo pirrocircnico cf PH I 7 10 12 26 29 Em relaccedilatildeo a eles pode ser dito que a argumentaccedilatildeo aporeacutetica expliacutecita eacute constante ao longo do Contra os Gramaacuteticos no entanto o argumento da diaphonia (lsquodesacordorsquo) parece tomar o lugar da equipolecircncia do lsquoconflito de forccedilas iguaisrsquo e a referecircncia agraves lsquoanomaliasrsquo faraacute parte

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do contexto de discussatildeo do criteacuterio gramatical da analogia (154 236 240) Poreacutem a diaphonia natildeo parece conduzir agrave lsquosuspensatildeo do juiacutezorsquo que aparece novamente apenas em sect 28 quando Sexto fala sobre as atitudes filosoacuteficas frente ao natildeo-evidente e em sect 306 ao falar sobre Pirro 15 Agoge eacute o termo comumente usado por Sexto para qualificar o movimento ceacutetico parece denotar um viacutenculo menos riacutegido que hairesis lsquoescolarsquo ou lsquoseitarsquo Cf PH 1 16ss 145 16 Pragmatikos aparece tambeacutem em PH 3 13 M 2 28 M 5106 M 6 68 em todos os casos refere-se agrave argumentaccedilatildeo No Contra os Muacutesicos (M 6 4-5 38 e 68) caracteriza a refutaccedilatildeo aporeacutetica dita lsquomais efetivarsquo ou lsquomais atenta aos fatosrsquo (pragmatikoteros) (ldquobastante maacutes teacutecnicardquo prefere o tradutor espanhol Cavero 1997) direcionada agravequilo que propriamente sustenta a teoria musical em oposiccedilatildeo agrave refutaccedilatildeo que faz uso dos argumentos dogmaacuteticos (epicuristas) e ataca principalmente a utilidade da muacutesica Cf a correspondecircncia com a passagem M 11 217 ldquoselecionar e expor os pontos principaisrdquo (ta kuriotata epileksamenoi thesomen) No entanto neste ponto aparentemente Sexto qualifica como lsquoefetivarsquo toda a argumentaccedilatildeo dos livros subsequentes malgrado seu uso supomos de argumentos epicuristas 17 Os testemunhos oferecem diferentes interpretaccedilotildees de por que estes estudos eram chamados ciacuteclicos em geral com acepccedilotildees como as que informamos na nota 3 18 A divisatildeo entre geral (katholikoskoinotero) e especiacutefico (idiaiteros) eacute um expediente de organizaccedilatildeo comum em Sexto Empiacuterico ocorre jaacute no comeccedilo do tratamento do ceticismo em PH 15 em que lsquogeralrsquo estaacute para a parte que conteacutem as definiccedilotildees de caraacuteter amplo do ceticismo e lsquoespeciacuteficorsquo para os ataques contra as divisotildees da lsquoassim chamadarsquo filosofia cf M 7 1 Sexto utiliza-o tambeacutem em PH 2 84 PH 3 1 M 1 141 M 8 1 e 55 M 11 217 e 243 (cf Blank p 85) 19 To meden einai mathema ocorrecircncias das foacutermulas de natildeo-existecircncia e respectivas traduccedilotildees (procuramos manter a paridade das escolhas ao longo da traduccedilatildeo) 1) to meden einai X = (o) natildeo existir X sect 8 (2 vezes) 14 16 135 284 285 2) ouk eacutestin Y(s) ouk ara eacutestin ti X = natildeo existe(m) Y(s) logo natildeo existe (algo como) X sect 9 29-30 Comparar com o uso de anupostatos (lsquoinsubsistentersquo) asustatos (lsquoinconsistentersquo) anuparktos (lsquoinexistentersquo) e oudenmeden estin (lsquonatildeo eacute nadarsquo) De acordo com a leitura de Pellegrin ldquoAnuparktos anupostatos ou asustasos indicam natildeo uma inexistecircncia no sentido ontoloacutegico mas uma inconsistecircncia ou uma ausecircncia de fundamentordquo (Pellegrin 2006 p42 apud Roeder 2014 p 65) 20 Ao contraacuterio de Blank (ldquoelements of stylerdquo) e Dalimier (ldquoeacuteleacutements du stylerdquo) acreditamos que a referecircncia seja de fato agrave discussatildeo sobre a classificaccedilatildeo dos lsquoelementos (da palavra)rsquo lsquoletrasrsquo a partir de sect100 cf sect 121 Cavero 1997 usa ldquoelementos del lenguajerdquo

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21 Cf Contra os Geocircmetras M 3 7-17 22 Cf Contra os Muacutesicos M 552-7 61-7 23 Ou seja de modo amplo acerca da transmissatildeo e aquisiccedilatildeo de conhecimento Aleacutem de abranger questotildees pontuais sobre os itens mencionados por Sexto que compotildeem o lsquoensinorsquo essa discussatildeo diz respeito em muitos casos agrave questatildeo ampla da transmissatildeoaquisiccedilatildeo de conhecimento Fez parte deste toacutepico a discussatildeo sobre quais lsquohabilidadesrsquo poderiam ser ensinadas (seriam objeto de ensino dar-se-iam pelo ensino) e se sua transmissatildeoaquisiccedilatildeo efetuar-se-ia (somente) pelo ensino Discussatildeo que em certos ciacuterculos filosoacuteficos envolveu postular eou defender a existecircncia de itens que natildeo eram passiacuteveis de ensino (ou habilidades que natildeo eram transmitidasadquiridas (somente) pelo ensino) ou seja itens cujo conhecimento seria ou inato ou fruto de vivecircncia particular Com base neste conhecimento natildeo-ensinaacutevel dar-se-ia o lsquoensinorsquo de forma que certos conhecimentos preacutevios seriam necessaacuterios para a aquisiccedilatildeo de outros conhecimentoshabilidades O panorama amplo dessa discussatildeo estaacute relacionado ao movimento sofista e sua suposta reivindicaccedilatildeo da possibilidade do ensino de lsquotodas as coisasrsquo e principalmente agrave questatildeo do ensino transmissatildeo da excelecircncia (lsquovirtudersquo) (arete) Bem como agrave proliferaccedilatildeo desde o seacuteculo V a C de conhecimento especializado inclusive exposto em manuais vinculado a diversas aacutereas do saber Como menciona Blank (p 86) o debate que Sexto potildee deliberadamente de lado para ater-se agrave refutaccedilatildeo pontual dos elementos que seriam prerrequisitos do lsquoestudo especializadorsquo poderia incluir portanto as controveacutersias epistemoloacutegicas do periacutedo claacutessico e heleniacutestico ou dizer respeito apenas agrave paradoxos como os que aparecem no Menon (80de) e Eutidemo (275d277c) de Platatildeo paradoxos estes cujo reflexo eacute visiacutevel em alguns dos argumentos sextianos e que provavelmente jaacute estavam bastante gastos agrave eacutepoca Como apontou Bett (2007 p 226) tais argumentos datildeo no entanto a impressatildeo de terem sido institucionalizados dentro da proacutepria tradiccedilatildeo ceacutetica devido ao caraacuteter rotineiro e quase mecacircnico com que satildeo expostos Em algumas passagens sextianas essa discussatildeo se daacute em torno ao termo didaskalia lsquoinstruccedilatildeorsquo que substitui mathesis Para a tradutora francesa (Dalimier p 73) Sexto deixa de lado justamente tal discussatildeo sobre a ldquoaquisiccedilatildeo do saberrdquo para concentrar-se na possibilidade de existecircncia do lsquoestudorsquo ou seja do lsquoestudo especializadorsquo das lsquodisciplinasrsquo como resultado do processo de ensino Sua traduccedilatildeo da passagem eacute ldquoIl suffira drsquoindiquer que srsquoil existe quelque eacutetude acheveacutee qui en reacutesulte pour lrsquohomme [] [] et par conseacutequent el nrsquoest rien qui soit eacutetuderdquo De qualquer forma os elementos discutidos por Sexto o objeto de ensino quem ensina quem aprende e o modo de transmitir conhecimento estavam frequentemente relacionados agrave discussatildeo filosoacutefica ampla sobre ser possiacutevel ensinar Eacute difiacutecil dizer se estes elementos do ponto de vista sextiano qualificam apenas estudos especializados em oposiccedilatildeo a estudos baseados na experiecircncia e se haveria entatildeo o argumento impliacutecito de que a necessidade de se estabelecer tanto o que se transmiteadquire pelo ensino quanto o modo como isso poderia efetuar-se desqualifica apenas estes estudos mas preserva o estudo baseado na observaccedilatildeo e repeticcedilatildeo Considerando que Sexto apresenta em PH 1 23-4 o lsquoensino das artesrsquo ou lsquoinstruccedilatildeo nas artesrsquo (didaskalia tekhnon) como uma das quatro praacuteticas que regulam a vida comum e portanto a vida do ceacutetico tal como

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discutimos na Introduccedilatildeo eacute necessaacuterio admitir que a instruccedilatildeo (didaskalia) de alguma forma eacute natildeo soacute admitida na conduta ceacutetica mas eacute parte constituinte dela A possibilidade de podermos traccedilar uma distinccedilatildeo entre dois tipos de ensino um aceito e o outro rejeitado pelo ceacutetico ou seja o uacuteltimo como o ensino que comunica conjuntos de conhecimentos teoreacuteticos tais como os dogmaacuteticos afirmam possuir e o anterior relativo ao ensino que transmite habilidades ou conjuntos sistemaacuteticos de atividades atraveacutes de uma praacutetica supervisionada tal possibilidade ainda que adequada ao posicionamento sextiano expresso em M 1-6 e PH como expomos na ldquoIntroduccedilatildeordquo eacute vetada por Bett em sua anaacutelise de M 11 Em M 1 e PH 3 o ensino que eacute considerado impossiacutevel eacute aquele relativo a um ldquoobjeto de ensinordquo (ou como prefere Bett ldquothe subject being taughtrdquo) (to didaskomenon pragma) o que parece significar algum objeto ou conjunto de objetos sobre os quais se comparte alguma informaccedilatildeo com o aluno (ou algumas vezes a proacutepria informaccedilatildeo) ao inveacutes de alguma atividade na qual o aluno eacute treinado Mas o fato eacute que tambeacutem em M 11 ainda segundo Bett os usos do verbo ensinar (didaskein) (M 11 216) e de ensinoinstruccedilatildeo (didaskalia) claramente referem-se a proposiccedilotildees mas nesse caso a proposiccedilotildees ceacuteticas e ao processo de transmitir o pensamento ceacutetico de forma efetiva ou seja de forma a ser aceito pelo aluno Este eacute o reconhecido paradoxo educacional da posiccedilatildeo sextiana de que tratamos em alguns momentos da ldquoIntroduccedilatildeordquo exposto partindo de outro ponto de vista por Heyting e Mulder (1999 p 360) desta forma ldquoum ceacutetico no sentido sextiano natildeo pode ensinar seu ceticismo sem o apelo a algum tipo de princiacutepio e eacute exatamente acerca de princiacutepios que este ceticismo suspende o julgamento Ou seja parece haver um paradoxo educacional no coraccedilatildeo mesmo do ensino do ceticismordquo O problema apareceria quando aquele que estaacute no processo de tornar-se um ceacutetico natildeo se conforma a etapas dessa orientaccedilatildeo como por exemplo natildeo sentir-se tranquilo apoacutes suspender o julgamento ou natildeo concordar que sentenccedilas opostas sejam equipolentes Como explicitam os estudiosos Heyting e Mulder (1999 p 377) o ceacutetico pareceria natildeo ter outra alternativa nestes casos a natildeo ser ensinar dogmatizando ou seja imprimir o seu ponto de vista como uma proposiccedilatildeo verdadeira Parece natildeo haver resoluccedilatildeo deste conflito na obra sextiana e tal como apontou Bett (p 228) Sexto parece natildeo ter se confrontado diretamente com o problema talvez porque este problema sobrevenha do fato de ele ter usado de fontes diacutespares em que tais questotildees aparecessem desconectadas Esta eacute a opiniatildeo de Bett em sua anaacutelise do Contra os Eacuteticos para ele esta obra compotildee-se de duas partes claramente redigidas com base em duas fontes diferentes natildeo harmonizadas que sugerem orientaccedilotildees distintas do ceticismo antigo Permanecem as divergecircncias e surgem daiacute conflitos como este que envolve o ensino do ceticismo x a destruiccedilatildeo do ensino Resta-nos apontar a soluccedilatildeo transversal de Heyting e Mulder (ibidem) considerar que as lsquoproposiccedilotildeesrsquo selecionadas por Sexto quando se trata de instruccedilatildeo ceacutetica natildeo serviriam para lsquotratarrsquo um dogmaacutetico com vistas agrave sua lsquoconversatildeorsquo mas sim ldquopara curar por assim dizer seu proacuteprio dogmatismordquo ou seja as tendecircncias dogmaacuteticas em um ceacutetico Tal soluccedilatildeo parece concordar com a interpretaccedilatildeo que Heyting e Mulder conferem ao ceticismo uma atividade incompleta constante sempre em processo 24 lsquoO que se ensinarsquo (to didaskomenon (pragma)) lsquoeacute ensinadorsquo (didasketai) os termos permitem inversatildeo como no paralelo com as frases lsquoEnsina-se aacutelgebrarsquo e lsquoAacutelgebra eacute

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ensinadarsquo As opccedilotildees de outros tradutores para o primeiro caso incluem ldquola materia ensentildeadardquo (Cavero 1997) ldquothe thing taughtrdquo (Blank) ldquolrsquoobjet drsquoenseignementrdquo (Dalimier) 25 Paralelo com as foacutermulas de existecircncia 1) condiccedilatildeo ei(per) eacutestin (ti) X ei(per) didasketai (ti) = se existe (algo como) X se (algo alguma coisa) eacute ensinado 2) conclusatildeo ouk ara eacutestin ti X ouk ara didasketai ti = logo natildeo existe (algo como) X logo natildeo eacute ensinado (algo coisa alguma) variante (M 1 19) ou dunatai uparxein Y(s) ouk ara eacutestin ti X(s) = natildeo eacute possiacutevel existir(em) Y(s) logo natildeo existe(m) (coisa)(s) X(s) lsquoNada eacute ensinadorsquo (ouden didasketai) aparece somente em sect 29 26 Esta eacute uma das inuacutemeras ocorrecircncias do lsquoneutro pluralrsquo uma peculiaridade da liacutengua grega cuja traduccedilatildeo fica aqueacutem da elegacircncia do original A partir da substantivaccedilatildeo de uma qualidade por exemplo a substantivaccedilatildeo do adjetivo kaloseon temos no masculino singular uma expressatildeo que parece sugerir a elipse do lsquosubstantivorsquo ndash ho kalos lsquoaquele (o homem) que eacute belorsquo no feminino ndash he kale lsquoaquela (a mulher) que eacute belarsquo mas no neutro ndash to kalon lsquoaquilo que eacute belorsquo (lsquoa coisa belarsquo) assim o lsquoneutro substantivadorsquo singular pode alccedilar a abstraccedilatildeo da qualidade e resultar em algo como lsquoo belorsquo Como pode ser percebido na traduccedilatildeo dos termos desta seccedilatildeo procuramos para o singular aquilo que nos pareceu um grau intermediaacuterio to on ndash lsquoo que existersquo (intermediaacuterio entre lsquoa coisa que existersquo e o lsquoexistenteentersquo) Para o plural usamos a traduccedilatildeo canhestra lsquoas coisas que existemrsquo o mesmo em vaacuterias outras passagens Assim lsquocoisa(s)rsquo eacute recorrente no texto e geralmente natildeo eacute a traduccedilatildeo de um item lexical explicitamente presente no grego Poreacutem remete ao que poderia estar aiacute latente pragma(ta) de que tratamos em nota acima e cuja ambiguidade pode ser suposta nesses contextos tambeacutem 27Oukhi de ge dunaton esti to auto kai on te kai me on huparkhein comparar com o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo expresso por Aristoacuteteles lsquopois natildeo eacute possiacutevel que uma mesma coisa seja e natildeo seja [atributo] do mesmo [sujeito] ao mesmo tempo e no mesmo sentidorsquo (to gar auto hama huparkhein te kai me huparkhein adunaton toi autoi kai kata to auto) (Metafiacutesica IV 3 1005b19-20) Aristoacuteteles diz mais a frente que lsquonatildeo eacute possiacutevel supor que uma mesma coisa eacute e natildeo eacutersquo (adunaton gar ontinoun tauton hupolambanein einai kai me einai) (1005b24 29-30) 28 Fica impliacutecito que conforme a teoria em questatildeo para ter algum atributo eacute preciso ser alguma coisa que eacute Aristoacuteteles afirma que todos os acidentes demandam um sujeito ao qual pertencem (aei to sumbebekos kathrsquohupokeimenou tinos) (Metafiacutesica IV 4 1007a33ss) da mesma forma que os estoicos falaram em lsquosubstrato natildeo-qualificadorsquo preexistente agrave atribuiccedilatildeo de uma qualidade que o transforma em objeto lsquoqualificadorsquo (cf Blank p 90 e LS 28 sobre lsquoqualidadesrsquo e lsquocoisas qualificadasrsquo) Os estoicos poreacutem teriam diferenciado sumbebekos (lsquoatributorsquo) de kategorema (lsquopredicadorsquo) 29 Phantasian kinoun Aristoacuteteles (De Anima III 3 429a1) define phantasia como lsquomovimento resultante do uso efetivo de um sentidorsquo (kinesis hypo tes aistheseos tes katrsquoenergeian gignomene) Criacutesipo (SVF ii 54) a definiu como lsquouma experiecircncia (pathos) que

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ocorre na alma e que tambeacutem revela em si mesma do que eacute feita por exemplo quando vemos atraveacutes da visatildeo algo branco atraveacutes da visatildeo daacute-se em nossa alma uma experiecircncia e em respeito a essa experiecircncia podemos dizer que conteacutem (hypokeitai) algo branco que nos move (kinein)rsquo (cf SVF ii 55ss) ldquoEm tais descriccedilotildees causais da representaccedilatildeo (phantasia) eacute difiacutecil ver como poderiacuteamos formar uma representaccedilatildeo de um objeto natildeo-existente e Sexto tira vantagem desta dificuldade Mecanismos como analogia transiccedilatildeo e combinaccedilatildeo no entanto foram utilizados para explicar nossas representaccedilotildees de por exemplo centaurosrsquo (cf DL 7 49ss DL 10 32)rdquo (BLANK p 91) 30 Conforme salientou Blank p 91 os estoicos (M 7 38ss) diferenciaram lsquoverdadeirorsquo (to alethes) de lsquoverdadersquo (he aletheia) lsquoverdadeirorsquo eacute um julgamento (aksioma) e portanto um lekton ou seja incorpoacutereo enquanto lsquoverdadersquo eacute conhecimento (episteme) e corpoacuterea O lsquoverdadeirorsquo eacute simples a lsquoverdadersquo eacute composta Igualar o verdadeiro com algo que existe eacute um posicionamento de que Platatildeo decisivamente se distancia no Teeteto e no Sofista onde verdade e falsidade referem-se agrave sentenccedilas e natildeo coisas Mesmo assim desde Parmecircnides foi comum a associaccedilatildeo do ser com o verdadeiro e do natildeo-ser com o falso (por exemplo em Aristoacuteteles Metafiacutesica VI 4 1027b18ss Analiacuteticos Primeiros I 46 52a32 em que ser verdadeiro eacute o mesmo que existir) Sexto mesmo tende a classificar o que cada escola conta como verdadeiro pelo que esta escola considera existir ldquoPlatatildeo e Demoacutecrito pensaram que somente inteliacutegiveis fossem verdadeiros Enesidemo e Epicuro pensaram que sensiacuteveis fossem verdadeiros para o primeiro os sensiacuteveis verdadeiros satildeo os que aparecem para todos igualmente jaacute o uacuteltimo disse que todos os sensiacuteveis satildeo verdadeiros e existentes os estoicos pensaram que alguns sensiacuteveis e alguns inteliacutegiveis fossem verdadeirosrdquo (M 8 6-10) 31 Didakton eacute um adjetivo verbal pode exprimir tanto uma coisa feita quanto uma coisa realizaacutevel portanto lsquoestar ensinadorsquo ou lsquoser ensinaacutevelrsquo (lsquopoder ser ensinadorsquo) E ainda por ser neutro pode ter sido substantivado lsquouma coisa (um item) ensinada(o)-ensinaacutevelrsquo Tentamos uniformizar a escolha para todos os momentos em que Sexto utiliza este termo e procuramos diferenciar seu uso de lsquoeacute ensinadorsquo(didasketai) Ao menos sect 14 16 17 e 18 tecircm seu argumento diretamente vinculado acreditamos agrave ambiguidade desta expressatildeo Este termo e portanto sua ambiguidade estaacute presente tambeacutem na discussatildeo do Menon de Platatildeo Day (1994 p 18) que traduziu este diaacutelogo justificou assim sua escolha (mantemos o original) ldquodidakton is poised in meaning between what is taught and what can be taught and lsquocomes from teachingrsquo seems to me the translation which captures this best while also reflecting the presuposition within Menorsquos question that virtue arises in only one wayrdquo Nestes termos o argumento de Sexto apenas expotildee a contradiccedilatildeo a partir da inversatildeo anterior (o existente eacute ensinado = tudo que existe eacute objeto de ensino) se tudo deve lsquopassar pelo ensinorsquo natildeo haveria lsquoponto de partidarsquo ou seja natildeo haveria nem ensino nem seu objeto cf PH 3 257 Procuramos traduzir lsquoX (estin) adidaktonrsquo por lsquoX eacute natildeo-ensinaacutevelrsquo e lsquoou(k) didakton (estin) Xrsquo por lsquoX natildeo eacute ensinaacutevelrsquo Acerca do argumento em M 1 14 (semelhante a 16) M 11 222 e PH 3 257 (o texto desta passagem encontra-se corrompido e recebe emendas) sobre ser preciso existir algo lsquoque natildeo estaacute ensinadorsquo ou lsquonatildeo-ensinaacutevelrsquo para ocorrer o ensino haacute a passagem dos Analiacuteticos Posteriores (I 1 71a1) de Aristoacuteteles em que

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este afirma que ldquotodo ensino depende de um conhecimento preexistenterdquo (pasa didaskalia kai pasa mathesis dianoetike ek prouparkhouses ginetai gnoseos) na Metafiacutesica (II 992b30) ele diz que ldquotodo conhecimento se daacute atraveacutes de lsquopremissasrsquo que satildeo todas ou algumas preacute-conhecidasrdquo (pasa mathesis dia progignoskomenon e panton e tinon esti) Para Aristoacuteteles estes satildeo os axiomas itens do conhecimento que satildeo baacutesicos e preexistem ao ensino ou seja itens cujo conhecimento natildeo se daacute atraveacutes do ensino seriam portanto na termilogia sextiana natildeo-ensinaacuteveis Eacute em paralelo agrave passagem no Contra os Eacuteticos (M 11 222ss) que interpretamos M 114 e deletamos lsquoaparentes para todos de maneira igualrsquo (pasi phainomenon eprsquoises) por considerarmos que esta expressatildeo eacute uma foacutermula recorrente em Sexto (cf entre outras passagens PH 1 8) e parece-nos sem sentido reter apenas eprsquoises neste contexto logo ou permanece a expressatildeo como um todo ou elimina-se como um todo Se se mantivesse esta inserccedilatildeo teriacuteamos como consequecircncia que M 1 14 conteria o argumento sobressalente natildeo mencionado nem em PH 3257 nem em M 11 222 de que o que eacute aparente natildeo demanda ensino ou porque lsquoestaacute ensinadorsquo ou porque eacute lsquonatildeo-ensinaacutevelrsquo ou seja lsquonatildeo pode ser ensinadorsquo ou lsquonatildeo se daacute pelo ensinorsquo) - argumento que ocorre no entanto em PH 3 254 e 266 em M 136ss e M 8 280 Mas tambeacutem o que eacute mais relevante ficariacuteamos com o argumento de que lsquoo que existe eacute aparente para todos de maneira igualrsquo que natildeo encontramos em nenhum outro lugar em Sexto mas que corresponde no entanto ao argumento em DL 9 100 Normalmente a expressatildeo lsquoser aparentersquo ou lsquoaparecer para todos de maneira igualrsquo estaacute relacionada agrave discussatildeo sobre ser lsquoaparentersquo (phainomenos) x ser lsquonatildeo-evidentersquo (adelos) e qualifica o que eacute lsquoaparentersquo o que eacute lsquoaparentersquo eacute lsquoaparente (evidente) de maneira igual para todosrsquo Aceitar esta intrusatildeo levaria ao que Blank chama de lsquointerpretaccedilatildeo fracarsquo - fraca por ldquonatildeo haver uma boa razatildeo em particular de porque o que existe deveria ser qualificado como sendo evidente de maneira igual para todosrdquo (Procuramos manter uma traduccedilatildeo uniforme para os seguintes termos phainomenon lsquoaparentersquo adelon lsquonatildeo-evidentersquo enargeia ndash lsquoevidecircncia enarges ndash lsquoevidentersquo) O argumento seria tal como interpretamos e traduzimos lsquose eacute ensinado simplesmente porque existe tudo que existe eacute ensinaacutevel logo natildeo haveraacute nada natildeo-ensinaacutevel mas o ensino precisa partir de algo natildeo-ensinaacutevelrsquo Haveria a possibilidade de interpretar e traduzir diferentemente este argumento lsquose eacute ensinado simplesmente porque existe natildeo haveraacute nada que natildeo esteja jaacute ensinado portanto natildeo haveria nada a ensinarrsquo Tal interpretaccedilatildeo diluiria a ligaccedilatildeo com o argumento aristoteacutelico que de qualquer forma natildeo podemos afirmar seguramente que fosse o alvo Vale lembrar que todas as passagens conclusivas de que lsquoX natildeo eacute ensinaacutevelrsquo (ouk didakton) ou lsquoX eacute natildeo-ensinaacutevel (adidakton)rsquo equivalem agrave lsquoX eacute um item que natildeo pode ser ensinadorsquo ou lsquoX natildeo se daacute pelo ensinorsquo ou seja lsquoX natildeo eacute objeto de ensinorsquo Considerando a ambiguidade do termo permanecem possiacuteveis diferentes leituras do argumento Supomos portanto que o argumento sextiano vale-se das ambiguidades de possiacuteveis associaccedilotildees e sugestotildees sem apoiar-se sobre uma tese que poderia conferir (falsa) estabilidade teoacuterica para sua argumentaccedilatildeo 32 Esta aporia que natildeo estaacute presente nem em M 11 nem em PH 3 visa especificamente aos estoicos para os quais a primeira divisatildeo natildeo se daacute entre o que existe (to on) e o que natildeo existe (to me on) mas entre algo (ti) e nada (outina) (cf SVF ii278) Incorpoacutereos e corpoacutereos satildeo classificados como lsquoalgorsquo incorpoacutereo eacute lsquoalgorsquo (oposto a lsquonadarsquo) que lsquonatildeo existersquo poreacutem

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pode lsquoser o casorsquo (huparkhei) Ou seja todos os incorpoacutereos tais como os lsquodiziacuteveisrsquo (lekta) (bem como o verdadeiro mencionado em sect12 e o vazio e o tempo) devem ser considerados se natildeo como lsquoexistentesrsquo como lsquosubsistindorsquo (huphestosin) (cf Galeno Meth med 10 155 1-8 Plutarco Adv Colot I I 16 B-C) Uma das possiacuteveis razotildees pela qual os estoicos teriam edificado esta ontologia seria por rejeitarem a identificaccedilatildeo platocircnica do ser (being) com ser algo (being something) (cf CASTON 1999 p 151) ldquoUma coisa sobre a qual haacute acordo eacute que os estoicos consideram lsquoalgorsquo (ti) como o mais alto gecircnero da realidade o qual inclui lsquocorposrsquo (somata) lsquoo que existersquo (einai) bem como entidades classificadas como incorpoacutereas (asomata) das quais se diz lsquosubsistiremrsquo (huphistanai) mas natildeo existirem Nada mais acerca da ontologia estoica escapa agrave controveacutersia incluindo (ou melhor especialmente) o que estes termos significam Embora haja um cacircnone geralmente aceito de incorpoacutereos nomeadamente espaccedilo vazio tempo e o que eacute diziacutevel (lekton ndash ou grosseiramente o significado de nossas palavras) natildeo estaacute estabelecido se seriam estes os uacutenicos quatro Aleacutem disso e mais importante natildeo estaacute claro o que estas entidades tecircm em comum aleacutem de serem incorpoacutereas ou o que precisamente significa dizer que subsistem De fato eacute um lugar-comum assumir que os estoicos introduziram a categoria de lsquoalgorsquo como um artifiacutecio ad hoc para lidar com as recalcitrantes entidades incorpoacutereas que realmente natildeo se adaptam aos moldes corpoacutereos mas tatildeo pouco satildeo dispensaacuteveisrdquo (HARVEN 2012 p 3-4) O trabalho de Harven contudo defende que a ontologia estoica do ldquotudo eacute lsquoalgorsquo e lsquonadarsquo natildeo eacuterdquo eacute coerente (p 92) Sobre huparkhein e huphistanai na ontologia estoica ver Goldschmidt 1972 e Harven 2012 Para o presente propoacutesito o importante eacute perceber que a ontologia estoica diferencia einai huparkhein e huphistanai e que a terminologia sextiana eacute amplamente dependente da estoica pois aleacutem de Sexto refutaacute-los em seus termos a sistematizaccedilatildeo ontoloacutegica estoica eacute o procedimento dogmaacutetico mais discutido do periacuteodo que interessa a Sexto A objeccedilatildeo de Sexto se desenvolve de forma similar a anterior tal como ele havia prevenido mas ele adiciona uma nova possibilidade (sect17-18) a de que o ensino possa se dar por meio de lsquoalgorsquo ou lsquonadarsquo 33 A anairesis eacute a destruiccedilatildeo indica o resultado da argumentaccedilatildeo ceacuteticaaporeacutetica em que uma noccedilatildeo se revela inexistenteirreal (anuparktos) insubsistente (anupostatos) inconsistente (asustatos) ou se diz que natildeo eacute nada (ouden estin) ou que natildeo existe (ouk eacutestin) Vale ressaltar que esta noccedilatildeo natildeo aparece em PH para descrever o procedimento ceacutetico ao contraacuterio parece justamente referir-se ao que o ceacutetico natildeo faz (cf PH 1 196-7) Cf Bett 2005 p xxix Este eacute um dos argumentos utilizados por Bett para sugerir que PH seja mais tardio que M 7-11 34 Haacute paralelos entre esta argumentaccedilatildeo aquela contra a noccedilatildeo de corpo dos fiacutesicos (PH 3 38-55) e a discussatildeo das aporias resultantes das definiccedilotildees geomeacutetricas de entidades fiacutesicas atraveacutes de entidades matemaacuteticas (M 319 37-50 60-4 77-91) Sexto parece embaralhar os niacuteveis e o escopo das definiccedilotildees estoicas mas com isso deixa entrever problemaacuteticas relativas aos limites da ontologia estoica limites estes que foram frequentemente explorados pelos adversaacuterios dos estoicos na antiguidade e continuam a intrigar os estudiosos modernosVer tambeacutem M 9 359-439 M 11 228ss

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35 Os estoicos consideraram ta lekta incorpoacutereos Portanto se o que eacute ensinado deve ser algo exprimiacuteveldiziacutevel entatildeo eacute incorpoacutereo e natildeo corpo Ao dizer que lsquodiziacuteveisrsquo satildeo lsquoo que se ensinarsquo Sexto aponta para o conteuacutedo do ensino na sequecircncia no entanto parece ter em mente os objetos sobre os quais ocorre o ensino (cf Bett p 234) 36 lsquoSensiacuteveisrsquo objetos dos sentidos da percepccedilatildeo sensiacutevel lsquointeliacutegiveisrsquo objetos do intelecto Ver DL 7 51 ldquoEles [os estoicos] dividem as representaccedilotildees entre aquelas que satildeo sensoacuterias (aisthetikai) e aquelas que natildeo satildeo As sensoacuterias satildeo obtidas atraveacutes de um ou mais oacutergatildeos do sentido as natildeo-sensoacuterias satildeo aquelas obtidas atraveacutes do pensamento (dianoia) tais como os incorpoacutereos e outras coisas adquiridas pela razatildeo (logoi)rdquo A divisatildeo entre o que eacute percebido pelos sentidos e o que eacute percebido pelo intelecto eacute atribuiacuteda por Sexto aos peripateacuteticos em M 7 217-26 concluindo ldquoa partir do que foi dito percepccedilatildeo sensoacuteria (aisthesis) e intelecto (nous) satildeo o primeiro criteacuterio para o conhecimento (gnosis) das coisas aquela a modo de ferramenta e este como um artesatildeo (tekhnites)rdquo Ver a discussatildeo no Teeteto de Platatildeo (184ss) para distinguir entre percepccedilatildeo e conhecimento ldquoSoacutec Entatildeo haacute coisas que todas as criaturas homens e animais igualmente satildeo naturalmente capazes de perceber assim que nascem ou seja experiecircncias que chegam agrave alma atraveacutes do corpo Mas consideraccedilotildees sobre existecircncia e coisas uacuteteis quando surgem satildeo como o resultado de um longo e aacuterduo desenvolvimento envolvendo uma consideraacutevel quantidade de eventos tempo e instruccedilatildeordquo (186c) 37 Em PH 3 47 Sexto afirma que os sentidos satildeo lsquode sensaccedilatildeo simplesuacutenicarsquo (haplopathes) argumento que remete agrave discussatildeo no Teeteto de Platatildeo (184ss) mas tambeacutem a Criacutesipo (ldquoos objetos da sensaccedilatildeo como corpos satildeo compostos e os sentidos individuais percebem uma coisa definida este a cor outro o som e em todos os casos do presente nenhum sentido lembra o que eacute passado ou prevecirc o futuro Eacute funccedilatildeo de reflexatildeo interna e raciociacutenio entender a experiecircncia de cada sentido e inferir qual eacute o objeto e aceitaacute-lo no presente lembraacute-lo quando ausente e projetaacute-lo no futurordquo (cf SVF ii 879 - com base na interpretaccedilatildeo de Blank p 97)) Ver a qualificaccedilatildeo dada por Sexto sentido simples (haple) e natildeo-racional (alogos) Em M 9 437 a argumentaccedilatildeo eacute algo distinta Sexto diz aiacute que lsquouma qualidade complexa percebida por combinaccedilatildeo natildeo eacute um sensiacutevelrsquo O argumento de que os sensiacuteveis natildeo satildeo ensinaacuteveis parece relacionar-se tambeacutem ao argumento de que cada sentido percebe seu proacuteprio objeto sem instruccedilatildeo o que difere do argumento em PH 3254 de que tudo que eacute evidente natildeo eacute ensinado (Ver Blank p 98) 38 Aparentemente deriva da noccedilatildeo de lsquodar de encontro comrsquo (peripiptein) foi usado por Galeno para referir-se a uma das principais formas de obter evidecircncia dentro da escola empiacuterica de medicina uso atestado por Filodemo (cf Blank p 99) Blank traduz por ldquosensationrdquo Dalimier opta normalmente por ldquoexpeacuterience sensoriellerdquo mas nesta passagem usa ldquoaffection accidentellerdquo Periptosis e metabasis satildeo discutidos por Sexto em M 8 58-60 ldquoExperiecircncia sensoacuteria direta (he dia tes aistheseos periptosis) deve preceder toda concepccedilatildeo e por esta razatildeo se se anulam os sensiacuteveis (ta aistheta) necessariamente anula-se toda concepccedilatildeordquo e em M 9 390-402 M 11 250-6 e M 3 39-50 ldquoEm geral toda concepccedilatildeo se daacute de duas formas atraveacutes de evidecircncia perceptiva direta (kata periptosin enarge) ou atraveacutes de

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transferecircncia a partir de uma evidecircncia (kata ten apo ton enargon metabasin) esta uacuteltima apresenta trecircs modalidades semelhanccedila composiccedilatildeo e analogiardquo Tais termos satildeo usualmente estoicos bem como grande parte daqueles implicados nas aporias de sect 1-40 cf DL 7 53 39 Cf PH 3 49 e Contra os Fiacutesicos M 9 286 40 Usado aqui como sinocircnimo aparentemente de periptosis experiecircncia direta 41 Sobre contato fiacutesico ver Contra os Fiacutesicos M 9 258 42 Cf M 339-50 Sexto explica o processo (estoico) de conhecimento por transferecircncia a) por semelhanccedila (conceber Soacutecrates a partir de seu retrato ou seja pela experiecircncia direta de seu retrato concebe-se em transferecircncia a proacutepria pessoa de Soacutecrates) b) por composiccedilatildeo (quando se concebe um centauro a partir do homem e do cavalo pois haacute mistura de elementos dos quais se tem experiecircncia direta em algo que imaginamos) e c) por analogia de duas formas por aumentarmos ou diminuirmos qualidades conhecidas Assim concebemos os pigmeus um povo miacutetico para os gregos por diminuiccedilatildeo de algo que se oferece a nossa percepccedilatildeo o homem E por aumentarmos o que conhecemos do homem concebemos os Ciclopes Sexto insiste que estes processos soacute ocorrem se houver algo que se experienciou diretamente e que seja portanto jaacute conhecido A noccedilatildeo de transferecircncia aparece no contexto da filosofia epicurista e entre os meacutedicos empiacutericos Para os epicuristas a transferecircncia eacute uma relaccedilatildeo que pode adquirir inuacutemeras formas a) os epicuristas pensavam que a ideacuteia de que os deuses satildeo imortais e felizes adveacutem aos homens lsquopor transferecircncia a partir da condiccedilatildeo humanarsquo da mesma forma que a noccedilatildeo de Ciacuteclope eacute concebida por extrapolarmos a imagem do homem ordinaacuterio (M 9 45) b) a transferecircncia indica um modo de formaccedilatildeo de conceitos a partir da comparaccedilatildeo de imagens semelhantes c) a partir do II aC os epicuristas teriam utilizado a transferecircncia naquilo que Filodemo chama de ldquomeacutetodo de similaridaderdquo se A e B satildeo tais que natildeo se pode conceber que uma propriedade essencial de A natildeo esteja tambeacutem presente em B pode-se proceder ao seguinte raciociacutenio ldquose A eacute X B eacute Xrdquo no qual X eacute uma outra propriedade essencial de A O exemplo de Filodemo eacute ldquoSe Platatildeo eacute um homem entatildeo Soacutecrates tambeacutem eacute um homemrdquo (De signis col 17 De Lacy) Na medicina empiacuterica o conhecimento dos fenocircmenos se daacute fundamentalmente por constataccedilatildeo direta (autopsia) mas admite-se tambeacutem a historia ou seja o recurso agrave observaccedilotildees de outros quando estatildeo expostas e documentadas devidamente sem aparato lsquoracionalistarsquo Outro procedimento aceito eacute a metabasis a transferecircncia passar de um domiacutenio a outro sem justificaccedilatildeo teoacuterica (por associaccedilatildeo supomos epilogismos e natildeo analogismos como explicamos na primeira parte desta tese) e quando as circunstacircncias permitem Conveacutem atentar para o fato de que se para Sexto natildeo se apreende o corpo por transferecircncia eacute porque natildeo haacute uma experiecircncia sensoacuteria a partir da qual possa ocorrer a transferecircncia e natildeo porque a transferecircncia ela mesma fosse um modo ilegiacutetimo Conforme Pellegrin 2002 p 462-463

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43 Esta referecircncia que repete a passagem de M 11 226 provavelmente refere-se a M 9 359ss e natildeo a PH 3 38ss pelo uso de lsquomais detidamentecom mais precisatildeorsquo que Sexto em geral usa para qualificar M 7-11 Haacute referecircncias a esta mesma obra presume-se em M 129 33 e 282 M 2 106 e M 6 58 44 A precipitaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica dogmaacutetica repetidamente enfatizada por Sexto PH 3 281 PH 120 entre outras passagens Para o estoico a lsquoprecipitaccedilatildeorsquo (propeteia) era considerada um empecilho no caminho do conhecimento e definida como um viacutecio de pensamento que faz assentir a representaccedilotildees natildeo compreensivas (cf SVF iii 548) Sexto denuncia com este termo a propensatildeo ao julgamento Tal inclinaccedilatildeo eacute um traccedilo comum a todas as escolas filosoacuteficas classificadas como dogmaacuteticas 45 A foacutermula corresponde ao segundo verso do epitaacutefio de Midas rei da Friacutegia Eacute citada por Soacutecrates no Fedro (264d) e por Dioacutegenes Laeacutercio na Vida de Cleoacutebulo (1 89-90) 46 ldquoO mesmo tipo de referecircncia eacute feita pouco acima sect 29 e no Contra os Retores sect 106 com o substantivo (hupomnemata) correspondente ao verbo aqui utilizado (hupomnesamen) Trata-se sem duacutevida da longa demonstraccedilatildeo do tratado Contra os Fiacutesicos I [M 9] e natildeo da breve passagem de PH 1259rdquo DALIMIER ad loc Para Blank no entanto esta referecircncia remete agrave discussatildeo sobre o criteacuterio de verdade no Contra os Loacutegicos M 7 29-446 47 Como comenta Bett (2007 p 240) em sua traduccedilatildeo do Contra os Eacuteticos provavelmente Sexto tem em mente que a verdade seja aporeacutetica no sentido de que devido agrave falta de criteacuterio claro natildeo haacute como estabelecer sem controveacutersia o que eacute verdadeiro e o que natildeo eacute e como ele expocircs anteriormente natildeo haacute ensino do que estaacute sob disputa em sect 28 e em M 11 231 O argumento sobre ensinar-se o verdadeiro ou o falso eacute o primeiro da discussatildeo em PH 3 253 48 Este argumento parece uma versatildeo talvez mal colocada da distinccedilatildeo entre aparente x natildeo-evidente As distinccedilotildees entre tekhnikos x atekhnos satildeo no entanto relevantes a seguir o que se ensina eacute parte de uma arte (um preceito supomos) ou natildeo Se natildeo eacute parte de uma arte eacute porque eacute algo que natildeo demanda ensino (M 2 233) Se eacute parte de uma arte estaacute sujeito agrave divisatildeo habitual entre aparente por si proacuteprio x natildeo-evidente o aparente natildeo demanda ensino (portanto eacute atekhnos) e o natildeo-evidente como foi dito antes natildeo se ensina Bett (2007 p 240-1) comenta o trecho equivalente a este em M 11 233 considerando que Sexto refere-se a lsquoartersquo como um corpo consistente de conhecimentos ao inveacutes de implicar simplesmente um conjunto de atividades pois satildeo verdades ou seja proposiccedilotildees e natildeo comportamentos que satildeo ditos serem ou lsquoaparentesrsquo ou lsquonatildeo-evidentesrsquo Para os estoicos arte (tekhne) eacute um lsquosistema composto de apreensotildees (representaccedilotildees verdadeiras) organizadas em conjunto (ou co-exercitadas) (sustema ek katalepseon suggegumnasmenon) direcionadas a uma finalidade uacutetil ([Galeno] Def med XIX 350 SVF ii 94) ou alternativamente um lsquosistema composto de teoremas (theoremata) organizados em conjuntorsquo (Anecd gr Paris i 171) A lsquoarte de viverrsquo objeto dessa discussatildeo em Contra os Eacuteticos eacute pois um corpo de conhecimentos sistemaacutetico e articulaacutevel que eacute voltado para o viver adequada ou efetivamente a vida em geral

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Neste sentido ao afirmar que algo que natildeo faz parte de uma arte natildeo eacute ensinaacutevel Sexto poderia indicar a interpretaccedilatildeo de lsquoobjeto de ensinorsquo (to didaskomenon pragma) natildeo como entidades sobre as quais se ensina mas conjunto de proposiccedilotildees relativas a estas entidades No capiacutetulo IV da obra Sobre as escolas de medicina de Galeno os meacutedicos dogmaacuteticos censuram aos empiacutericos sua indefiniccedilatildeo vagueza e falta de meacutetodo pelo fato da lsquoexperiecircnciarsquo que eles advogam como base de sua arte ser precisamente atekhnon lsquosem artersquo (Manzano 2002 p 98 cf 112ss) Se considerarmos que to didaskomenon pragma refira-se a um lsquoconjunto de conhecimentos teoacutericosrsquo o entendimento das passagens em que Sexto conclui pela natildeo-existecircncia de to didaskomenon pragma teria obviamente uma interpretaccedilatildeo mais especiacutefica 49 ta tekhnika ton theorematon o termo theorema pode ter em grego o sentido especializado que possui em portuguecircs a palavra lsquoteoremarsquo ldquoproposiccedilatildeo que pode ser demonstrada por meio de um processo loacutegicordquo (HOUAISS) ou seja uma proposiccedilatildeo demonstrada a partir de princiacutepios anteriormente dados que tenham sido ou natildeo eles proacuteprios demonstrados Neste caso seu uso estaacute de certa forma limitado agraves ciecircncias matemaacuteticas ou altamente formalizadas Mas este estaacute longe de ser seu sentido principal Seus usos ainda que numerosos guardam em comum o referir-se ao sentido do verbo originaacuterio lsquoverrsquo lsquoolharrsquo lsquocontemplarrsquo como os demais vocaacutebulos etimologicamente relacionados De forma que estaria primeiramente indicando algo que haacute sido lsquoconsideradorsquo lsquoobjeto de reflexatildeo eou especulaccedilatildeorsquo Poreacutem de fato Sexto o usa geralmente natildeo para referir-se a uma simples observaccedilatildeo ou reflexatildeo mas a uma proposiccedilatildeo ou um conjunto de proposiccedilotildees que desempenham um papel de preceitos ou princiacutepios De forma que os theoremata de uma arte satildeo ao mesmo tempo seus elementos essenciais e suas regras de funcionamento Quando Sexto pretende atacar os theoremata da gramaacutetica ldquoaqueles sobre os quais ela fundamenta sua subsistecircnciardquo (90) ele comeccedila por se ater ao problema da divisatildeo da gramaacutetica em partes com a interessante comparaccedilatildeo com a medicina (95) Para os estoicos pelo menos depois de Criacutesipo toda arte possui theoremata que satildeo as proposiccedilotildees que formam seu quadro Eacute esta posiccedilatildeo estoica que o proacuteprio Sexto parece expor quando escreve que ldquose natildeo haacute theorema proacuteprio a uma arte natildeo se pode distinguir a ausecircncia de arte da arterdquo (M 8 280) Portanto toda arte depende de seus theoremata proacuteprios Crisipo teria escrito um tratado Sobre os theoremata com vistas a produccedilatildeo de silogismos Em Do destino Ciacutecero chama theoremata (percepta) da arte divinatoacuteria proposiccedilotildees como esta ldquose algueacutem nasce durante a Caniacutecula natildeo morreraacute no marrdquo Por fim se a virtude eacute uma tekhne como pensam os estoicos devem existir teoremas eacuteticos e Dioacutegenes Laeacutercio explica que se as virtudes acompanham umas agraves outras de forma que natildeo se pode possuir uma sem que se possua tambeacutem as outras isso se deve ao fato de que seus teoremas satildeo comuns O emprego do termo theorema pelos meacutedicos empiacutericos eacute ainda mais interessante Combina a definiccedilatildeo estoica do teorema e as exigecircncias epistemoloacutegicas dos empiacutericos Para os empiacutericos com efeito natildeo haacute conhecimento meacutedico ndash e conhecimento em geral ndash a natildeo ser o que estaacute diretamente baseado em observaccedilatildeo Mas esta observaccedilatildeo repetindo-se adquire um valor gnosioloacutegico superior Ela tambeacutem pode ser fortalecida pelo recurso agrave observaccedilotildees dos outros ndash o que eacute chamado lsquohistoriarsquo Galeno atribui a um meacutedico empiacuterico que expotildee os princiacutepios de sua doutrina tais palavras ldquodizemos que um teorema eacute o

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conhecimento de uma coisa que se viu um certo nuacutemero de vezes ao mesmo tempo que envolve o conhecimento claro dos resultados em contraacuteriordquo (Subf Emp apud Frede 1985 p 25) Da mesma forma um dos outros grandes princiacutepios da medicina empiacuterica eacute a transferecircncia (metabasis) de um resultado para fora de seu domiacutenio de origem Assim os meacutedicos empiacutericos aplicam na perna enferma um unguento que curou a mesma afecccedilatildeo no braccedilo Esta experiecircncia eacute dita lsquoimitativarsquo Galeno em seu tratado De sectis (apud Frede 1985 p 4) assim explica o que eacute um teorema para os empiacutericos ldquoeacute esta espeacutecie de experiecircncia [a saber a experiecircncia imitativa] que mais contribuiu para sua arte Pois tendo eles imitado natildeo apenas duas ou trecircs vezes mas um grande nuacutemero de vezes o que revelou-se beneacutefico em ocasiotildees preacutevias e descoberto que em condiccediloes anaacutelogas apresenta basicamente o mesmo efeito eles chamam tal memoacuteria de teorema acreditando que seja portanto confiaacutevel e faccedila parte da arterdquo Nota escrita com base em Pellegrin 2002 p 460-462 50 O argumento sextiano implica conceber o lsquoentendidorsquo como algueacutem que possui um conhecimento fechado natildeo compartilhado e ao qual natildeo se acrescenta nada Tal concepccedilatildeo teria como pano de fundo a definiccedilatildeo estoica de tekhne ldquosistema de apreensotildeescogniccedilotildees co-exercitado em direccedilatildeo a algum fim uacutetil para a vida (SVF i 73 ii 93-7 M 2 10 I 75 7 373 11 182 PH 3 188 241 251 261) com o acreacutescimo de que cada cogniccedilatildeo dentro deste lsquosistemarsquo teria que estar simultaneamente presente nele para que fosse dito de algueacutem que domina determinada lsquoartersquo Portanto natildeo haveria parte da lsquoartersquo fora do sistema ou seja que fosse desconhecida para o lsquoentendidorsquo Esta abordagem desconsidera a distinccedilatildeo estoica entre tekhne e episteme observa Blank (1998 p 103) pois eacute a esta uacuteltima que se referem como um todo autocircnomo um sistema em que as cogniccedilotildees satildeo mutuamente dependentes Sexto por exemplo afirma que os estoicos consideraram virtudes como tekhnai (PH 3188) quando na verdade elas seriam mais propriamente epistemai (SVF iii 104) E assim ele justifica dispensar a toda tekhne o tratamento que os estoicos deram agrave virtude se vocecirc a tem entatildeo todas suas partes estatildeo simultaneamente presentes e mutuamente vinculadas mas se vocecirc natildeo a possui entatildeo nenhuma das cogniccedilotildees individuais que vocecirc possa ter adquirido possuem na verdade qualquer caracteriacutestica de tekhne nem foram percebidas enquanto tekhnike Desse entendimento proviria a comparaccedilatildeo com o cego de nascimento que natildeo possui qualquer noccedilatildeo das cores o leigo por sua vez natildeo possuiria qualquer noccedilatildeo das proposiccedilotildees de uma lsquoartersquo (Blank p 104) Por outro lado a proacutepria flutuaccedilatildeo terminoloacutegica e opiniotildees distintas sustentadas por diferentes estoicos em eacutepocas tambeacutem distintas eacute motivo suficiente para Sexto consideraacute-las incoerentes 51 Contra os Eacuteticos M 11 168-215 argumentos contra a lsquoarte de viverrsquo atraveacutes da demoliccedilatildeo de seus teoremas Cf PH 3 259 52 O argumento aparece melhor exposto em PH 3 260-5 fazendo uso de paradoxos como os mencionados acima (sect 30-35) e aproximando-se do paradoxo de sorites com a conclusatildeo de que natildeo existem nem o que ensina nem o que eacute ensinado

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53 A discussatildeo sobre mudanccedila e passividade desenvolve-se em M 9 195-329 na passagem lsquoSobre causa e o passivorsquo o vir-a-ser e o perecer foram abordados em M 10 310-50 54 Enargeia (lsquoclaridadersquo aqui lsquoevidecircncia sensoacuteriarsquo) foi comumente utilizado para definir um estilo de escrita lsquovivazrsquo Como termo filosoacutefico eacute um sinocircnimo epicurista para a lsquorepresentaccedilatildeorsquo (phantasia) ou seja a evidecircncia dos sentidos que eacute sempre verdadeira oposta a uma opiniatildeo faliacutevel (M 7 210) Seguimos a leitura de Blank (p 106-7) que identificou a interposiccedilatildeo sextiana de to deikton lsquoo que pode ser apontadorsquo entre os termos epicuristas sinocircnimos enargeia e phainomenon como uma tentativa de evitar que a discussatildeo fosse considerada especificamente epicurista chamando a atenccedilatildeo para a contraposiccedilatildeo com o discurso (logos) 55 Esta primeira opccedilatildeo eacute sempre descartada por Sexto com referecircncia agrave muacutetua ininteligibilidade das liacutenguas (cf M 1 145 e PH 2 214) com a implicaccedilatildeo de que a lsquonaturezarsquo eacute a mesma para todos em qualquer parte Cf Bett 1997 p xiv ss acerca do que chama de lsquoa exigecircncia de universalidadersquo ser F por natureza em Sexto implica ser intrinsecamente F e por isso invariaacutevel 56 Cf a passagem de PH 3268-269 damos a traduccedilatildeo em inglecircs ldquo[] But if you need to learn the things which you do not already know and if you have not got knowledge of the things to which the words are assigned then you will not get a grasp of anything Hence the method of learning cannot subsistrdquo E na sequecircncia o argumento baseado na impossibilidade da apreensatildeo que natildeo estaacute presente nem em M 1 nem em M 11 ldquoAgain the teacher ought to instil in the learner an apprehension of the theorems of the expertise being taught so that the learner will in this way apprehend the compound of these and become expert But as we suggested above [PH 3 241] there is no such thing as apprehension This method of teaching then cannot subsist eitherrdquo Trad Annas Barnes 2000 Que o discurso signifique por convenccedilatildeo ou seja por terem sido lsquoconvencionadosrsquo os nomes natildeo eacute algo que Sexto diretamente rejeite a objeccedilatildeo que levanta faz uso da ambiguidade que Blank (1998 p 106) compara agravequela da passagem do Eutidemo de Platatildeo (277a) entre conhecer (compreender) o meio de comunicaccedilatildeo versus compreender seu conteuacutedo A terminologia de que Sexto se apropria nesta passagem seria epicurista informa-nos Blank (ibidem) remetendo agrave ligaccedilatildeo epistemoloacutegica estabelecida por Epicuro entre experiecircncia direta das coisas (enargeia) rarr preconcepccedilatildeo (prolepsis) rarr palavra Ou seja se os nomes natildeo significam por natureza natildeo satildeo imediatamente relacionados agrave coisa que designam portanto a experiecircncia direta com as coisas eacute imprescindiacutevel para associaacute-la ao nome porque eacute ela que gera a lsquopreconcepccedilatildeorsquo O argumento epicurista parece servir ao propoacutesito sextiano por ter imposto esta etapa 57 O foco recairaacute sobre o que cada disciplina propotildee seu epaggelma (39) (termo usado por Platatildeo (Protaacutegoras 319a Eutidemo 274a) para referir-se ao que os sofistas prometiam ser possiacutevel alcanccedilar atraveacutes de seus ensinamentos) Para atingir tais disciplinas de maneira efetiva Sexto dispotildee-se a demolir princiacutepios (arkhai) meacutetodos gerais (hai katholikai methodoi) ou finalidades (ta tele) Destruir a estrutura dos sistemas dogmaacuteticos eacute como Sexto

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normalmente caracteriza o ataque ceacutetico em oposiccedilatildeo agrave argumentaccedilatildeo em moldes dogmaacuteticos cf M 9 1-3 M 5 e M 6 No entanto poderia ser dito que a refutaccedilatildeo aqui subsequente percorre as duas vias fazendo uso de argumentos epicuristas 58 Comparar a partir de sect 9 com a introduccedilatildeo agrave parte final do Contra os Eacuteticos ldquoJunto com o fato de que natildeo existe a lsquoarte de viverrsquo (he peri ton bion tekhne) ficou tambeacutem demonstrado que natildeo eacute ensinaacutevel [] Mesmo assim vamos supor que exista e ensinar (didaskomen) que eacute natildeo-ensinaacutevel Haacute uma longa e variada discussatildeo entre os filoacutesofos a respeito do ensino mas noacutes de nossa parte vamos selecionar e expor os pontos principais dentre os quais o mais geral eacute usado pelos ceacuteticos para mostrar que natildeo existe o ensino e os demais satildeo ditos especiacuteficos contra a sabedoria praacutetica (phronesis) Primeiro por ordem trataremos das objeccedilotildees mais gerais (M 11 216-17)rdquo E na sequecircncia (M 11 217-56) expotildeem-se argumentos contra a possibilidade do ensino tais como os encontrados em M 1 9-38 Assim a argumentaccedilatildeo presente na Introduccedilatildeo do Contra os Professores (M 1 9-38) compotildee-se de um conjunto de elementos recorrentes na argumentaccedilatildeo ceacutetica usados em outros dois momentos por Sexto contra a lsquoarte de viverrsquo (he peri ton bion tekhne) na passagem de que tiramos o excerto citado M 11 168-256 e em PH 3 250-270 ldquoEste eacute o uacutenico caso nos escritos de Sexto em que suas trecircs obras conteacutem longas passagens cobrindo o mesmo assuntordquo (BETT p 225) A versatildeo da argumentaccedilatildeo ceacutetica contra o lsquoensinorsquo relatada por Dioacutegenes Laeacutercio (9 100) restringe-se agrave destruiccedilatildeo de lsquoo que se ensinarsquo ldquoEles costumavam tambeacutem negar a possibilidade do ensino (mathesis) Se algo eacute ensinado eles dizem ou o que existe eacute ensinado por existir ou o que natildeo existe por natildeo existir Mas nem o que existe eacute ensinado por existir ndash pois a natureza das coisas que existem aparece para todos e eacute conhecida (gignosketai) nem o que natildeo existe natildeo eacute ensinado por natildeo existir pois ao que natildeo existe nada se atribui assim tampouco o ser ensinadordquo Para possibilitar uma anaacutelise contextualizada da argumentaccedilatildeo de Sexto apresentaremos um resumo das outras duas passagens em que desenvolve seu ataque contra o lsquoque se ensinarsquo tal como mencionamos acima ao final do livro 3 das Hipotiposes Pirrocircnicas e na parte final do Contra os Eacuteticos Nosso resumo estaacute baseado na anaacutelise de Blank (1998 p 87-90) mas traduzimos os termos e acrescentamos elementos conforme nossa proacutepria anaacutelise geral PH 3 253-8 A) (253) O que se ensina (to didaskomenon) ou eacute verdadeiro ou eacute falso

a) o falso eacute inexistente (anuparktos) e natildeo haveria instruccedilatildeo (didaskalia) do que natildeo tem existecircncia

b) o verdadeiro tambeacutem eacute inexistente como foi demonstrado com referecircncia ao criteacuterio de verdade

logo nada eacute ensinado (ouden didasketai) B) (254) A coisa que se ensina ou eacute aparente (phainomenos) ou eacute natildeo-evidente (adelos)

a) o que eacute aparente para todos natildeo precisa ser ensinado b) o que eacute natildeo-evidente eacute objeto de permanente desacordo e assim natildeo pode ser

ensinado (didakton) jaacute que o que natildeo pode ser compreendido (katalambanei) natildeo pode ser ensinado (didaskein) nem aprendido (manthanein)

logo nada eacute ensinado

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C) (255) O que se ensina ou eacute corpoacutereo ou eacute incorpoacutereo ambos estatildeo sujeitos agrave divisatildeo

anterior entre aparente e invisiacutevel logo natildeo eacute ensinado nada (ouk ara didasketai ti) D) (256-8) Ou eacute ensinado o que existe ou o que natildeo existe

a) os ensinos (hai didaskaliai) satildeo proacuteprios das coisas verdadeiras assim se algo que natildeo existe eacute ensinado torna-se verdadeiro e teraacute existecircncia (huparksei) pois lsquoelesrsquo dizem que esta eacute a definiccedilatildeo de verdadeiro mas eacute absurdo dizer que o que natildeo existe tem existecircncia (huparkhei)

logo natildeo eacute ensinado o que natildeo existe b) O que existe tem que ser ensinado ou porque eacute algo que existe (katho on estin) ou

porque eacute outra coisa (katrsquoallo ti) b1) se eacute ensinado porque eacute algo que existe entatildeo de tudo que existe nada eacute natildeo-ensinaacutevel (allrsquoei men katho on esti didakton ton onton eacutestai ouden adidakton) e por isso tambeacutem natildeo seraacute ensinaacutevel (dia de touto oude didakton) porque o ensino tem iniacutecio com base no que haacute acordo e eacute natildeo-ensinaacutevel (tas gar didaskalias ek tinon homologoumenon kai adidakton ginesthai prosekei) (texto grego conforme as correccedilotildees de Blank 1998 p 92) logo o que existe natildeo eacute ensinado porque eacute algo que existe b2) o que existe natildeo possui qualquer atributo (sumbebekos) que seja algo que natildeo existe assim se natildeo eacute ensinado porque eacute algo que existe natildeo seraacute ensinado porque eacute outra coisa

c) Aleacutem disso jaacute que o que existe e o que natildeo existe devem ser ou aparentes ou natildeo-evidentes voltamos agrave aporia mencionada em B e natildeo satildeo ensinados nem um nem outro

logo nada eacute o que se ensina (ouden estin to didaskomenon)

M 9 219-33 I) Se alguma coisa eacute ensinada (ei didasketai ti pragma) ou eacute ensinado o que existe ou o

que natildeo existe A)

i) (219) o que natildeo existe natildeo possui qualquer atributo (symbebeke) portanto nem o de ser ensinado

ii) se o que natildeo existe eacute ensinado seraacute verdadeiro pois o ensino eacute proacuteprio das coisas verdadeiras mas se for verdadeiro teraacute existecircncia jaacute que esta eacute a definiccedilatildeo estoica de verdade (cf M 5III 6-10 e abaixo) mas eacute absurdo que o que natildeo existe exista

logo natildeo eacute ensinado o que natildeo existe iii) O que se ensina (to didaskomenon) eacute ensinado atraveacutes da representaccedilatildeo

mental que nos provoca (kinoun phantasian) e o que natildeo existe natildeo pode provocar uma representaccedilatildeo mental

logo o que natildeo existe natildeo eacute ensinaacutevel (didakton) iv) (221) se o que natildeo existe eacute ensinado nada verdadeiro eacute ensinado pois a

verdade eacute proacutepria das coisas que satildeo e existem (ton onton kai huparkhonton) e entatildeo tudo que se ensina eacute falso o que eacute absurdo

logo o que natildeo existe natildeo eacute ensinado

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v) se o que natildeo existe eacute ensinado ou eacute ensinado porque eacute algo que natildeo existe

(katho me on esti) ou porque eacute alguma outra coisa mas se eacute ensinado porque eacute algo que natildeo existe estaraacute sendo ensinado como sendo nada (ouden on didakhthesetai) o que eacute absurdo E natildeo eacute ensinado porque eacute alguma outra coisa pois alguma coisa eacute algo mas o que natildeo existe natildeo eacute

B) (222) Se o que existe eacute ensinado entatildeo ou eacute ensinado porque eacute algo que existe ou porque eacute alguma outra coisa

i) se eacute ensinado porque eacute algo que existe entatildeo natildeo existiraacute nada natildeo-ensinaacutevel (ouden eacutestai adidakton) tampouco existiraacute algo a ensinar (oude ge eacutestai ti didaskomenon) porque eacute preciso que exista algo natildeo ensinaacutevel para com base nisso ocorrer o ensino (dei gar adidakton ti einai hina ek toutou mathesis genetai)

logo natildeo seria ensinado o que existe porque eacute algo que existe ii) (223) E qualquer atributo do que existe eacute algo que existe assim se natildeo eacute

ensinado porque eacute algo que existe tampouco seraacute ensinado por ser alguma outra coisa

Logo nenhuma coisa das que existem eacute ensinada (ouden ton onton didasketai) Assim a versatildeo de M 1 aproxima-se de M 11 por comeccedilar com a divisatildeo entre o que existe e o que natildeo existe por incluir o argumento o que natildeo existe natildeo pode provocar uma representaccedilatildeo e por dar a divisatildeo entre corpoacutereo e incorpoacutereo apoacutes aquela primeira Por outro lado a expressatildeo lsquoporque eacute algo que existersquo (kata ou katho) presente tanto em M 11 222 quanto em PH 3 257 eacute substituiacuteda em M 1 10 (e em Dioacutegenes Laeacutercio (9100)) por um dativo de causa (toi einai) lsquopor existirrsquo Resulta pois difiacutecil estabelecer qual a relaccedilatildeo precisa entre estas passagens Blank (p 89-90) acredita que Sexto modificou seus argumentos anteriores para remover a referecircncia direta agrave teoria estoica (M 11 219) e assim tornaacute-los aplicaacuteveis a qualquer divisatildeo filosoacutefica entre o que existe e o que natildeo existe De fato esta eacute a divisatildeo fundamental para platocircnicos peripateacuteticos e epicuristas Contudo tal movimento teria prejudicado a argumentaccedilatildeo de M 1 pois sem a referecircncia agrave teoria estoica e de fato sem qualquer referecircncia anterior agrave verdade primeiriacutessimo argumento em PH 3 o argumento de Sexto em M 1 12 e 13 parece mal formulado e um tanto breve Assim pois Blank considera interpolaccedilotildees as passagens que buscam consertar o argumento 59 Kaster (1997 p 42ss 447ss passim) mostrou que as ocorrecircncias mais antigas de grammatikos indicam exclusivamente algueacutem que aprendeu as letras ou seja que pode ler e escrever em oposiccedilatildeo a um lsquoiletradorsquo ou analfabeto (agrammatos) A partir do final do seacuteculo IV aC o termo grammatistes foi utilizado para o professor de leitura e escrita E em algum momento a partir do seacuteculo III aC e jaacute regularmente no seacuteculo II aC grammatikos passou a descrever o professor de lsquoliteraturarsquo tambeacutem como um tiacutetulo profissional embora o sentido original tenha persistido em uso O uso teacutecnico de grammatikos como o que se dedica agrave grammatike ou seja agrave criacutetica textual e literaacuteria estaacute evidentemente relacionado ao surgimento desta arte no fim do seacuteculo III aC no ambiente histoacuterico da Alexandria de Ptolomeu

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60 Que a gramaacutetica seja a primeira e ponto de partida para o ensino das outras disciplinas parece relacionar-se evidentemente ao letramento No entanto como Sexto expotildee adiante a parte da gramaacutetica que trata apenas da alfabetizaccedilatildeo natildeo seraacute alvo de seu ataque Satildeo alvo de seu ataque as reivindicaccedilotildees que defendem o conhecimento da gramaacutetica em termos abertamente pretensiosos vinculando diversas habilidades intelectuais ao seu estudo Entre estas por exemplo as de Fiacutelon de Alexandria (De Cong) que apresenta a proacutepria deusa lsquoSabedoriarsquo a recomendar o estudo das artes lsquoliberaisrsquo como preparaccedilatildeo para os que desejam associarem-se a ela e menciona primeiro a gramaacutetica o que eacute comum nestas listas mas acrescenta a gramaacutetica ensina o conhecimento compartilhado (historia) em poetas e prosadores nos daacute inteligecircncia e polimatia e nos ensina a desprezar ideacuteias tolas ao revelar os infortuacutenios de semi-deuses e heroacuteis celebrados na literatura Tambeacutem houve declaraccedilotildees que vincularam a gramaacutetica agrave capacidade de reconhecer e consequentemente discernir termos ambiacuteguos ou polissecircmicos Cf Blank p 109-110 61 Aulo Geacutelio (16815-17) refere-se ao estudo da dialeacutetica como sendo tatildeo encantador quanto as Sereias 62 ldquoO que geralmente se entende por gramaacutetica alexandrina eacute um conjunto de expedientes doutrinaacuterios aplicados na anaacutelise na fixaccedilatildeo e na ediccedilatildeo de textos literaacuterios claacutessicos O trabalho dessa gramaacutetica eacute fundamentalmente o de criacutetica textual []rdquo (Chapanski 2003 p 3) Neste sentido criacutetica textual refere-se tanto ao conjunto das lsquoliccedilotildeesrsquo ou lsquoleiturasrsquo (anagnoseis) propostas pelos gramaacuteticos em suas ediccedilotildees dos textos quanto ao lsquoreconhecimentorsquo de caracteriacutesticas dos textos implicadas em sua lsquoleitura em voz altarsquo ldquoO gramaacutetico antigo entende que para ler bem eacute necessaacuterio conhecer a demanda de cada gecircnero do texto o tipo de vocalizaccedilatildeo que lhe eacute adequada a entonaccedilatildeo caracterizadora de cada tipo de poema [] aleacutem de tudo era necessaacuterio resgatar a suposta pronuacutencia claacutessica e com ela o ritmo dos poemas oriundo da alteraccedilatildeo quantitativa das siacutelabasrdquo (Chapanski op cit p 80-81) 63 Contra os Astroacutelogos (M 5) e Contra os Muacutesicos (M 6) tambeacutem apresentam distinccedilotildees similares apontando as caracteriacutesticas das disciplinas que seratildeo atacadas e aquelas que satildeo consideradas uacuteteis Para a astronomia satildeo apresentados trecircs sentidos (M 5 1-2) astronomia matemaacutetica que Sexto teria destruiacutedo ao atacar a aritmeacutetica e a geometria astronomia de observaccedilatildeo de fenocircmenos que pode ser uacutetil por prever pragas e cataacutestrofes naturais e aquela que lida com horoacutescopos praticada pelos caldeus essa sim um lsquoatraso de vidarsquo Tambeacutem a muacutesica pode ser entendida em trecircs sentidos o estudo de melodias notas e ritmos como praticado por Aristoacutexeno (alvo de Sexto) a habilidade praacutetica de tocar um instrumento e tambeacutem no sentido lsquoimproacutepriorsquo de algo que esteja harmoniosamente disposto (cf Blank p 116-7) Interessante comparar a distinccedilatildeo de Sexto com a descriccedilatildeo que Proclo (c 411-85) apresenta dos inimigos dos matemaacuteticos ldquoHaacute natildeo obstante aqueles indiviacuteduos combativos que se empenham em eliminar o valor desta ciecircncia alguns negando sua beleza e excelecircncia pelo fato de seus discursos natildeo tratarem destes temas [filosofia e outras artes e ciecircncias]

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outros afirmando que as ciecircncias empiacutericas que se voltam aos objetos sensiacuteveis satildeo mais uacuteteis que os teoremas gerais da matemaacutetica A mensuraccedilatildeo da terra eles dizem eacute mais uacutetil que a geometria a aritmeacutetica popular mais uacutetil que a teoria dos nuacutemeros e a navegaccedilatildeo mais uacutetil que astronomia geral Pois natildeo nos tornamos ricos por saber o que eacute a riqueza mas por nos apropriarmos dela nem somos mais felizes por saber o que eacute a felicidade mas por viver uma vida feliz Deveriacuteamos pois concordar dizem eles que as ciecircncias empiacutericas e natildeo as teorias dos matemaacuteticos contribuem mais para a vida humana Aqueles que ignoram os princiacutepios mas praticaram resolvendo problemas particulares satildeo muito superiores em satisfazer as necessidades humanas que aqueles que gastaram seu tempo nas escolas estudando teoria apenasrdquo (Comentaacuterios ao Primeiro Livro dos Elementos de Euclides 25-26) (MORROW 1970 p 22) 64 Aqui tal como em sect 132-140 optamos pela traduccedilatildeo lsquopartes da sentenccedilarsquo pois o ataque de Sexto se constroacutei com base na relaccedilatildeo parte-todo ele natildeo discutiraacute propriamente o conceito de lsquopartes da oraccedilatildeorsquo no sentido de classes de palavras ainda que discuta o que se fala sobre o lsquonomersquo certamente tendo-o considerado de fato neste sentido 65 Comparar com as outras passagens no Contra os Professores em que Sexto isola o alvo de seus ataques M 3 6 5 1 6 3 Conveacutem enfatizar que a gramatiacutestica natildeo deixa de ser dita uma tekhne 66 Esta passagem parece importante para caracterizar a visatildeo do proacuteprio Sexto Acima ele afirma ser favoraacutevel ao estudo das letras para aprender a ler e escrever Portanto a gramatiacutestica natildeo seria um estudo especializado no sentido que quisemos imprimir a este termo apenas a gramaacutetica completa o seria Aqui ele afirma que o telos (lsquopropoacutesitorsquo lsquofimrsquo lsquoobjetivorsquo lsquofinalidadersquo) de toda tekhne (arte) eacute uacutetil A gramatiacutestica portanto eacute uma arte Bem como a medicina e a navegaccedilatildeo a seguir Sexto introduz o termo tekhne em um sentido lsquoteacutecnicorsquo somente quando separa a gramaacutetica uacutetil da inuacutetil Mais agrave frente sect 54 ele carateriza a gramatiacutestica como a que transmite os elementos por observaccedilatildeo elementos que satildeo uacuteteis para a conduccedilatildeo da vida As coisas da gramaacutetica completa eacute que satildeo inuacuteteis 67 A introduccedilatildeo do alfabeto feniacutecio na Greacutecia era tradicionalmente atribuiacuteda a Cadmo heroacutei fundador de Tebas casado com Harmonia Cf Sch DThr GG I 3 p 33-35 68 As definiccedilotildees de Gramaacutetica na Antiguidade ateacute o seacutec II aC satildeo analisadas no trabalho de Seppaumlnen 2013 69 A lsquoinconsistecircnciarsquo eacute normalmente o resultado da argumentaccedilatildeo aporeacutetica acerca de itens que ou satildeo constituiacutedos de partes ou fazem parte de um sistema estruturado tal como qualquer tekhne racionalista A lsquoconsistecircnciarsquo (lsquocoerecircnciarsquo ou lsquoconstituiccedilatildeorsquo) (sustasis) de uma tekhne deriva de seus teoremas e a consistecircncia de cada teorema resulta de uma formulaccedilatildeo clara e natildeo-contraditoacuteria cuja prova se daacute por meio de outros teoremas e por meio dos princiacutepios da tekhne (cf M 3 21 4 3-4 5 49 6 61) Cf Blank p 128

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70 Sexto parece referir-se ao texto de Dioniacutesio Traacutecio pelo tiacutetulo de Paraggelmata (Preceitos) Ao tratado atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio tal como o possuiacutemos daacute-se tradicionalmente o tiacutetulo de Tekhne Grammatike (Arte Gramatical) De nossa parte nos referimos a ele como DThr 71 Comparar com a passagem na DThr ldquoGramaacutetica eacute o conhecimento empiacuterico do comumente dito ltnas obrasgt dos poetas e prosadoresrdquo (Trad Chapanski 2003 p 21) Grammatike estin empeiria ton para poietais te kai suggrapheusin hos epi to polu legomenon Tentamos reter a ambiguidade da expressatildeo utilizada por Sexto hos epi to pleiston lsquona maior partersquo pois pode referir-se tanto agrave gramaacutetica lsquoa gramaacutetica eacute em sua maior parte rsquoquanto ao objeto da gramaacutetica lsquoa maior parte do que dizem poetas e escritoresrsquo Estas duas interpretaccedilotildees faratildeo parte da argumentaccedilatildeo sextiana agrave frente O uso de pleiston (lsquoa maior partersquo) como superlativo de polu (lsquogrande partersquo) poderia sugerir uma tendecircncia universalista agrave formulaccedilatildeo de Sexto No entanto no escoacutelio de DThr quando os comentadores discutem a questatildeo da universalidade ou particularidade da gramaacutetica as duas expressotildees satildeo intercambiaacuteveis cf Blank p 129 Haacute certa polecircmica acerca de qual seria a versatildeo lsquooriginalrsquo de Dioniacutesio Sluiter (2011 p 310) no entanto acredita que as duas versotildees de DThr e Sexto satildeo simplesmente sinocircnimas 72 Nas discussotildees sobre as tekhnai uma das exigecircncias correntes eacute a de terem uma tarefa que lhes seja proacutepria especializada natildeo compartilhada com outras tekhnai 73 ἤδη pode ter um sentido temporal e significar lsquoagorarsquo implicando que comentaacuterios a obras filosoacuteficas tivessem aparecido mais tardiamente Cf Dalimier ad loc Talvez a fonte epicurista tenha pretendido apontar esta distinccedilatildeo mas de qualquer forma aqui natildeo parece haver ecircnfase nesta possiacutevel oposiccedilatildeo 74 Tuciacutedides VI 4-5 75 Devido a ausecircncia deste termo no corpus conhecido da obra de Tuciacutedides e nos lexicoacutegrafos da Antiguidade a tradutora francesa propotildee a seguinte interpretaccedilatildeo ldquoO verbo torneuo lsquotornearrsquo aparece em Platatildeo (Timeu 33b 69c 73e Criacutetias 113d) e aplica-se a uma criaccedilatildeo perfeita conforme agrave regra e agrave medida (analoga kai summetra) e que remove as irregularidades (anomalotes) Aristoacuteteles recupera a imagem no Tratado sobre o Ceacuteu 287b15 (o mundo eacute entornos lsquobem torneadorsquo) Pode-se portanto compreender a frase deste modo lsquoespera-se deles que ao torneaacute-las digam o que significam de maneira regularrsquo Torneuontes neste caso natildeo seria uma palavra usada como exemplo mas aplicar-se-ia ao comentaacuterio dos gramaacuteticos assimilada por forccedila da metaacutefora com a criaccedilatildeo analoacutegica divinardquo Dalimier ad loc 76 Demoacutestenes Sobre a coroa 122 o termo eacute usado como alusatildeo agraves injuacuterias que se lanccedilam durante um desfile ritualizado

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77 A escrita tradicional natildeo continha nenhuma marcaccedilatildeo diacriacutetica de acentos ou aspiraccedilotildees e tampouco se separavam as palavras Providenciar as marcaccedilotildees adequadas agrave leitura oral era trabalho do gramaacutetico ΗΔΟΣ como uma soacute palavra eacute um termo homeacuterico eoacutelico que significa lsquoprazerrsquo (edos) Em Platatildeo eacute uma foacutermula fixa constituiacuteda de trecircs palavras (verbo-partiacutecula-pronome ἦ δ ὅς (e drsquohos) equivalente a lsquodisse elersquo que permite introduzir a reacuteplica de um personagem Cf Dalimier ad loc 78 Personagem mal identificado Muitos gramaacuteticos alexandrinos chamaram-se Ptolomeu Provavelmente teria atuado pouco depois do proacuteprio Dioniacutesio Pagani 2011 p 19 A mesma criacutetica aparece no Sch DThr sem autoria especificada (Sch DThr 165 16-166 12) 79 Tratado desconhecido pode ser o mesmo a que Sexto se refere como Tratados Meacutedicos em Contra os Loacutegicos M 7 262 80 ho bios literalmente lsquoa vidarsquo expressatildeo frequentemente utilizada ao longo do texto neste sentido de lsquoliacutengua vivarsquo lsquolinguagem correntersquo 81 Metrodoro de Lacircmpsaco amigo e disciacutepulo de Epicuro 82 A tradutora francesa aponta para o uso teacutecnico de kathistemi lsquoencontrar regularmentersquo entre os gramaacuteticos por exemplo em Apolocircnio Diacutescolo Sobre as conjunccedilotildees 232 12-20 Cf Dalimier ad loc 83 Objeccedilatildeo que se apoia na primeira interpretaccedilatildeo da foacutermula hos epi to pleiston aplicada agrave gramaacutetica 84 To hellenikon ho hellenismos o helenismo aplicado agrave liacutengua eacute o criteacuterio ideal pelo qual se julga sua pureza e correccedilatildeo Como termo teacutecnico parece estar vinculado ao trabalho de ediccedilatildeo dos textos antigos durante o periacuteodo heleniacutestico Parte importante deste trabalho era lsquojulgarrsquo a qualidade do material disponiacutevel e apontar correccedilotildees Os lsquoeditoresrsquo deveriam seguir portanto uma norma pela qual identificavam as corrupccedilotildees do texto Este lsquopadratildeorsquo no entanto natildeo era uacutenico consideravam-se as variedades dialetais lsquoliteraacuteriasrsquo do grego O helenismo foi mesmo definido como o uso correto de todos os dialetos (Ps ndashHerodiano De barb et sol 311 9) Esta atividade acaba integrada agrave dinacircmica da variaccedilatildeo linguiacutestica entre cultos e iletrados no mundo antigo Expressar-se bem eacute uma das virtudes mais louvaacuteveis desde Homero e fator de sucesso social extremamente relevante durante a democracia grega As habilidades linguiacutesticas combinavam-se ao estudo da muacutesica e da ginaacutestica e parecem ter sido vistas como resultado de uma educaccedilatildeo moralizante Contudo rapidamente ocorre um processo de conscientizaccedilatildeo acerca da maleabilidade do discurso e da manipulaccedilatildeo de seu efeito pela manipulaccedilatildeo de sua lsquocomposiccedilatildeorsquo Ou seja a partir da aquisiccedilatildeo de habilidades especiacuteficas natildeo mais necessariamente vinculadas agrave formaccedilatildeo do caraacuteter do sujeito como um todo A retoacuterica aponte-se jaacute eacute um tema de longa tradiccedilatildeo no periacuteodo heleniacutestico Parece ter havido no entanto uma confluecircncia destas tendecircncias moralizantes especiacuteficas e retoacutericas com o

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trabalho erudito dos lsquoeditoresrsquo e os criteacuterios que valoravam as obras literaacuterias teriam passado a exercer uma autoridade coerciva sobre a expressatildeo do homem comum e uma autoridade mediadora do contato do lsquohomem livrersquo com a lsquoaltarsquo cultura Na traduccedilatildeo para este termo aparecem as expressotildees lsquofalar grego corretamentersquo lsquousar a liacutengua grega corretamentersquo lsquoo grego corretorsquo ou apenas o adjetivo lsquocorreto(a)rsquo Ver nota na seccedilatildeo sobre a correccedilatildeo (lsquohelenismorsquo) sect 176-247 mais agrave frente 85 Aqui ao inveacutes de retomar a expressatildeo hos epi to pleiston na sua segunda interpretaccedilatildeo Sexto utiliza kata to pleiston aplicada agrave expressatildeo participial lsquoo que dizem poetas e escritoresrsquo 86 poieomai ton horon lsquodar uma definiccedilatildeorsquo ou lsquoestabelecer limitesrsquo 87 Ou seja ars longa vita brevis A versatildeo hipocraacutetica continua lsquoa vida eacute curta a arte eacute longa a oportunidade eacute fugaz o experimento eacute incerto e o julgamento difiacutecilrsquo (ho bios brakhus he de tekhne makre ho de kairos oksus he de peira sphalere he de krisis khalepe) (Aph 11) 88 Caacuteres provavelmente deve ser identificado com Cairis (Khairis) ativo no seacutec I aC e citado pelo Sch DThr (118 9-10) como autor desta mesma definiccedilatildeo Cf Blank p 137-138 Dalimier ad loc Pagani 2011 p 19 89 Tambeacutem Eratoacutestenes (276 aC-194 aC) um dos mais renomados eruditos alexandrinos teria definido a gramaacutetica como uma heksis lsquoa gramaacutetica eacute uma habilidade [ou mestria] completa nas letras em que letras se refere a composiccedilotildeesrsquo (grammatike estin heksis panteles en grammasi grammata kalon ta suggramata) (Sch DThr 160 10-11) Aliaacutes fora a definiccedilatildeo presente no texto hipocraacutetico esta parece ser a mais antiga definiccedilatildeo de gramaacutetica que possuiacutemos Sobre a definiccedilatildeo de Eratoacutestenes e sobre heksis ver o valioso artigo de Matthaios 2010 ldquoCom sua definiccedilatildeo de lsquogramaacuteticarsquo Eratoacutestenes marcou a passagem do periacuteodo preacute-teoacuterico para o periacuteodo cientiacutefico da disciplina filoloacutegica Como a erudiccedilatildeo estava se afastando da responsabilidade do filoacutesofo e da profissatildeo dos poetas Eratoacutestenes um filoacutesofo erudito emprestou-lhe suas roupas epistemoloacutegicas definindo sua terminologia e conteuacutedosrdquo (ibidem p 85) 90 mathematike cf Contra os Astroacutelogos 1 91 Forma eoacutelica atestada em numerosas passagens homeacutericas 92 Cf Iliacuteada 22 190 93 Desconhecido talvez segunda metade do seacutec I aC Ver Seppaumlnen 2013 p 87ss 94 Blank (1998 p 147) nos informa que nos comentaacuterios a DThr encontram-se principalmente divisotildees quadripartites Usener (editor dos fragmentos epicuristas) teria

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apontado como origem delas a divisatildeo de Tiracircnio gramaacutetico grego ativo em Roma por volta do seacutec I aC leitura oral interpretaccedilatildeo criacutetica textual julgamento Os comentaacuterios indicam ainda que esta divisatildeo refletia o desenvolvimento de uma aula ldquoo estudante leria a passagem escolhida oralmente entatildeo o professor ofereceria uma explicaccedilatildeo de cada palavra no texto e logo da passagem toda seguida por correccedilotildees ao texto que eram entatildeo coroadas pelo julgamento ou criacutetica da passagemrdquo Blank ibidem 95 Historia aqui tem o sentido que originado na filosofia jocircnica do seacutec VI aC remete agrave investigaccedilatildeo inquiriccedilatildeo busca de informaccedilotildees No periacuteodo heleniacutestico referia-se principalmente agrave busca realizada em livros ou seja agrave pesquisa Usa-se tanto para a atividade de investigaccedilatildeo quanto para o produto desta investigaccedilatildeo ie para os dados levantados e dispostos em coletacircneas Na medicina designava um dos modos de obter conhecimento admitidos pelos empiacutericos a historia era a consulta agraves lsquoanotaccedilotildeesrsquo de outros meacutedicos relativas a um caso semelhante Portanto pode carregar tambeacutem o sentido de lsquoconhecimento compartilhadorsquo 96 Apesar de entre os romanos ter se tornado mais comum uma divisatildeo dupla remetendo a regras da liacutengua e anaacutelise de obras literaacuterias por exemplo lsquoa arte de falar corretamente e a explicaccedilatildeo de poetasrsquo (Quintiliano I 4 2) em Secircneca (Ep 88) encontramos uma divisatildeo muito parecida agrave de Sexto ldquoO gramaacutetico se encarrega do cuidado com a liacutengua e se ele quer ir aleacutem com histoacuterias (historiae) e finalmente se ele deseja demarcar um territoacuterio amplo com a poesiardquo 97 Cf Quintiliano I 4 3 ldquotanto as regras da escrita se combinam com as do falar como uma leitura correta precede a explicaccedilatildeo e um juiacutezo criacutetico permeia a ambasrdquo (Trad Pereira 2000) 98 Se Sexto houvesse continuado o argumento anterior e calculado para as cinco vogais breves as cinco marcas prosoacutedicas e o mesmo com as cinco vogais longas calculando suas seis variaccedilotildees ele teria chegado ao nuacutemero cinquenta e cinco no total 99 Esses caacutelculos satildeo ainda mais irocircnicos se considerarmos que houve uma tendecircncia a oferecer explicaccedilotildees racionais acerca do nuacutemero e ordem de quaisquer elementos Sobre tais discussotildees haacute uma anedota em Plutarco (Moralia ndash Quaest Conv 738c ss) citada por Blank (ibidem) apoacutes ouvir os outros convivas exporem analogias e numerologias para explicar o nuacutemero das letras o grammatistes Zopyrus rindo muito afirmou que o nuacutemero das letras eacute aleatoacuterio uma questatildeo de coincidecircncia e natildeo razatildeo 100 Isso foi dito por Criacutesipo 11422-6 (LS 50A) 101 Este termo parece ser uma invenccedilatildeo estoica e eacute mencionado por Sexto em PH 3 108 em relaccedilatildeo agrave mudanccedila em M 10176 sobre o tempo em M 10 64 sobre o movimento em M 7 279 acerca do lsquohomemrsquo conceitual e na aporia da parte versus o todo em M 9 352 Na uacuteltima passagem ele argumenta que se lsquopartersquo existe apenas na mente de algueacutem por lsquomemoacuteria

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conjuntarsquo entatildeo o homem pode existir externamente mas se lsquopartersquo do homem tal como seu pescoccedilo estaacute na nossa mente ndash o que seria desconfortaacutevel (sic) ndash ou se ambos parte e todo estatildeo em nossa mente permanece o problema sobre o todo ser (concebido como) algo aleacutem de suas partes 102 Argumento que parece envolver as dificuldades enfrentadas pelos estoicos acerca da incorporalidade do tempo e o status de passado presente e futuro em sua ontologia cf Plutarco (Comm not 1081C-1082A (LS 51C)) que expotildee os paradoxos das opiniotildees de Criacutesipo sobre o assunto 103 As afirmaccedilotildees de filoacutesofos gramaacuteticos e retoacutericos referindo-se agrave partes da sentenccedila (logou) e partes da expressatildeo (lexeos) satildeo antecedentes das listas de classes de palavras Mas em geral estas partes parecem ter sido entendidas como elementos lsquoloacutegicosrsquo necessariamente ou potencialmente relacionados agraves outras partes A traduccedilatildeo por lsquopartes da sentenccedilarsquo nos pareceu algo mais neutra e adequada agrave discussatildeo sextiana que ataca as partes da sentenccedila apenas pela relaccedilatildeo partes-todo 104 Criacutesipo e Dioacutegenes da Babilocircnia teriam distinguido cinco partes ou elementos da sentenccedila nome proacuteprio nome geneacuterico (prosegoria) verbo conjunccedilatildeo e artigo Antiacutepater de Tarso teria adicionado o lsquomeiorsquo (mesotes talvez o adveacuterbio) (DL 7 57) Os gramaacuteticos iriam distinguir em geral oito partes nome verbo particiacutepio artigo pronome preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo Seu tratamento destas partes evolui para o tratamento efetivamente como classes de palavra conforme o trabalho com o criteacuterio analoacutegico e a construccedilatildeo de paradigmas ou kanones Parecem ter havido no entanto diversas listas de partes da oraccedilatildeo em circulaccedilatildeo na antiguidade Inclusive Apolocircnio Diacutescolo afirma que Dioniacutesio usou a divisatildeo estoica entre nome e nome geneacuterico e natildeo aquela que temos em DThr e o proacuteprio Sexto usa esta terminologia 105 Cf Fiacutelon de Alexandria (Congress Erud Grat 146-148) ldquoQuando eles [os gramaacuteticos] explicam as partes do discurso por acaso natildeo roubam as descobertas da filosofia e fazem-nas trabalhar para eles Pois eacute tarefa da filosofia investigar o que eacute uma conjunccedilatildeo ou um nome ou um verbo ou o nome comum e o nome proacuteprio ou o que eacute inadequado ou satisfatoacuterio no discurso o que eacute declarativo o que eacute uma pergunta uma questatildeo ou uma expressatildeo compreensiva um pedido ou um impropeacuteriordquo 106 Para este paraacutegrafo e os seguintes sobre o todo e suas partes bastante confusos ver a argumentaccedilatildeo muito mais completa e contextualizada do Contra os Fiacutesicos M 9331-358 Nela Sexto repassa as opiniotildees sobre os termos vinculados agraves discussotildees cosmoloacutegicas do periacuteodo heleniacutestico o universo como o todo o status de suas partes e a relaccedilatildeo entre todo-partes partes-partes Apoacutes levantar as aporias concernentes a tais conceitos Sexto afirma que qualquer coisa chamada todo-partes estaraacute sujeita agraves mesmas aporias tal como as partes da sentenccedila e o demonstra com o mesmo exemplo de Iliacuteada I 1 (350-351) Portanto toda a argumentaccedilatildeo desta parte dos Contra os Gramaacuteticos pode ter sido extraiacuteda e adaptada a partir do contexto do Contra os Fiacutesicos As ambiguidades em jogo satildeo semelhantes mas naquele

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contexto a argumentaccedilatildeo aporeacutetica eacute mais detalhada e o argumento de Sexto aqui parece fazer uso do artifiacutecio de ora considerar o todo como a sentenccedila ora como o verso 107 Este seria um exemplo de que cada parte tem seu proacuteprio lugar em separado satildeo todas partes de algo mas natildeo partes umas das outras 108 lsquoAnomaliarsquo no sentido usado por Criacutesipo portanto 109 Cf DL 7 57 acerca da opiniatildeo dos estoicos ldquoVoz (phone) e dicccedilatildeo (lexis) diferem pois voz eacute som (echos) mas somente a dicccedilatildeo eacute articulada (enarthron) E a dicccedilatildeo difere da linguagem (logos) porque a linguagem eacute sempre significante (semantikos) mas a dicccedilatildeo pode natildeo ter significado (asemos) por exemplo blituri mas a linguagem nunca (oudamos) Aleacutem disso falar (to legein) difere de proferir (propheresthai) pois sons vocais (phonai) satildeo proferidos mas coisas (pragmata) satildeo ditas (legetai) satildeo entatildeo de fato diziacuteveis (lekta)rdquo E o proacuteprio Sexto em M 8 11-12 ldquoo que significa eacute a voz por exemplo lsquoDionrsquo o que eacute significado eacute a coisa ela mesma (auto to pragma) revelada (deloumenon) por ela [a voz] que noacutes apreendemos (antilambanometha) subsistindo agrave parte (parhuphistamenou) de nosso pensamento (dianoia) mas estrangeiros natildeo entendem (epaiousi) embora eles ouccedilam a voz e o lsquoreferentersquo eacute o objeto externo (to ektos hupokeimenon) por exemplo lsquoDionrsquo ele mesmo Destes dois satildeo corpoacutereos a voz e o lsquoreferentersquo e um eacute incorpoacutereo a coisa (pragma) significada ie o que eacute dito (lekton) que eacute verdadeiro ou falsordquo No entanto provavelmente o exemplo estoico seria algo como lsquoDion caminharsquo Pragma geralmente supotildee uma lsquointeraccedilatildeorsquo para os estoicos um lsquofeitorsquo natildeo um objeto simples objeto que natildeo pode ser um diziacutevel tampouco verdadeiro ou falso 110 As polecircmicas sobre lsquocorporsquo e lsquovaziorsquo envolveram atomistas como Leucipo e Demoacutecrito Epicuro (ver sect 23) e Lucreacutecio e os estoicos e mesmo Enesidemo Ver Harven 2012 p 23ss para uma discussatildeo acerca do lsquovaziorsquo ser na teoria estoica inteiramente dependente do lsquocorporsquo como uma condiccedilatildeo sine qua non (p 32) Nessa passagem Sexto parece supor que um diziacutevel sendo incorpoacutereo deveria ser lsquovaziorsquo Sobre a polecircmica atual acerca da coerecircncia da concepccedilatildeo de lekton como incorpoacutereo ver Harven 2012 p 51 ss e bibliografia citada 111 Merismos eacute um termo que aparece com distintas conotaccedilotildees teacutecnicas em vaacuterios contextos geralmente eacute traduzido por lsquodivisatildeorsquo Pareceu-nos que o termo lsquoanaacutelisersquo pudesse ser mais amplo jaacute que estatildeo envolvidos no processo diferentes tipos de lsquodivisatildeorsquo Devemos visualizar as tarefas descritas por Sexto em relaccedilatildeo ao verso em escrita contiacutenua e sem sinais diacriacuteticos e apenas em maiuacutesculas por exemplo ΜΗΝΙΝΑΕΙΔΕΘΕΑΠΗΛΗΙΑΔΕΩΣΑΧΙΛΗΟΣ 112 Diairesis e merismos satildeo meacutetodos distintos de lsquodefiniccedilatildeorsquo para a loacutegica estoica Sexto os discute mas natildeo parece diferenciaacute-los em PH 2 213 ss

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113 A divisatildeo usual seria em uma cesura proacutexima ao meio do verso haveria portanto muito mais proporcionalidade entre os dois hemistiacutequios menin aeide thea e Peleiadeo Akhileos As aporias aqui concernem nuacutemeros quantidades e proporccedilotildees 114 As aporias sobre a parte e o todo aparecem em PH 3 98-101 e M 9331-358 aquelas sobre adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo em PH 3 85-96 e M 9 277-328 e reaparecem em M 4 24-6 115 Como comentamos na primeira parte deste trabalho conforme chamou a atenccedilatildeo Blank a noccedilatildeo de lsquoutilidadersquo ausente desde sect 56 volta a ser usada e aparece onze vezes no tratamento da ortografia e do helenismo 116 Ou seja com mais ou menos letras Natildeo se pronunciava mais o iota subscrito desde ao menos a segunda metade do seacutec II aC A grafia do i longo como ει difundiu-se a partir do seacuteculo I aC Em geral os tratados ortograacuteficos versavam sobre distinccedilotildees que jaacute haviam se perdido na liacutengua falada Cf Blank p 197-198 117 Assim como a quantidade discute lsquoquantas letrasrsquo qualidade versa sobre lsquoquais letrasrsquo 118 Esta organizaccedilatildeo lembra o De Lingua Latina de Varratildeo que aborda o conflito os argumentos a favor e contra a lsquodisciplinarsquo em questatildeo e entatildeo a anaacutelise de suas lsquoaplicaccedilotildeesrsquo seus resultados 119 Optamos por traduzir hellenismos (lsquohelenismorsquo) por lsquocorreccedilatildeorsquo e acreditamos que este termo pode mesmo assumir os diferentes vieses que o termo grego teria menos obviamente a de referir-se especificamente agrave(s) liacutengua(s) grega(s) Junto com a ortografia a correccedilatildeo foi a parte da gramaacutetica antiga que mais se aproximou do caraacuteter normativo ou prescritivo Dos relatos antigos podem ser apontadas em geral duas tarefas principais da correccedilatildeo correspondecircncia entre a forma da palavra e o que ela nomeia no mundo e restauraccedilatildeo da forma lsquooriginalrsquo das palavras Para guiar estas tarefas alguns criteacuterios satildeo constantes comparaccedilatildeo com outras palavras (analogia) etimologia e adequaccedilatildeo ao uso comum ou lsquoexemplarrsquo (tradiccedilatildeo literaacuteria a partir da autoridade dos grandes escritores) A produccedilatildeo de tratados nesta aacuterea provavelmente foi consideraacutevel contudo restam apenas fragmentos deles Acerca do helenismo as uacutenicas contribuiccedilotildees que possuiacutemos completas satildeo passagens em obras com assuntos mais gerais esta passagem de Sexto Quintiliano I 6 e uma passagem do Sch DThr (4466-44728) - onde satildeo tratadas sobre a forma da palavra questotildees de ortografia prosoacutedia (quantidade aspiraccedilatildeo e acentos) foneacutetica flexatildeo distribuiccedilatildeo dialetal e derivaccedilatildeo e sobre o significado mudanccedilas no tempo e parasinocircnimos Em sua Retoacuterica (1407a 19-20) Aristoacuteteles diz que o helenismo eacute o princiacutepio da lsquoexpressatildeorsquo (leksis) e aponta sua virtude (1404b 1-2) clareza Seu pupilo Teofrasto teria distinguido o helenismo como uma das quatro virtudes helenismo clareza propriedade e ornamento A mais antiga definiccedilatildeo de lsquohelenismorsquo eacute a do estoico Diogenes da Babilocircnia que lista as cinco lsquovirtudes do discursorsquo como lsquohelenismorsquo clareza concisatildeo propriedade e ornamento definindo lsquohelenismorsquo como lsquofraseado sem erro de acordo com [um uso] teacutecnico e natildeo algum uso

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aleatoacuteriorsquo Tal lsquouso teacutecnicorsquo que natildeo estaacute definido em parte alguma do sistema estoico provavelmente referir-se-ia a criteacuterios tais como os que apontamos antes e talvez marque a posiccedilatildeo estoica em defesa da necessidade da lsquocorreccedilatildeorsquo teacutecnica Ver Frede 1987 p 310 ss Por outro lado parece que os estoicos atribuiacuteram uma grande importacircncia ao uso comum na determinaccedilatildeo da correccedilatildeo Ver agora Pagani 2014 p 360 120 A expressatildeo de Sexto eacute tas dialektous que a par de significar os lsquodialetosrsquo do grego tambeacutem pode significar lsquoliacutenguasrsquo em geral (cf Aristoacuteteles Retoacuterica 3 2 1404b24) Por isso entendemos como qualquer que seja a liacutengua que se fale eacute preciso algum cuidado com a correccedilatildeo 121 Sexto daacute imunidade agrave correccedilatildeo com base na observaccedilatildeo natildeo-teacutecnica do uso comum ou seja o criteacuterio praacutetico E descreve como procedimentos teacutecnicos os criteacuterios da analogia da etimologia e da autoridade Em Quintiliano (I 6 1) os criteacuterios satildeo razatildeo antiquidade autoridade e uso ao qual se denomina lsquoum mestre confiaacutevelrsquo 122 Provavelmente a partir da retoacuterica supomos Phrazein aparece somente aqui 123 Os futuros irregulares correspondentes deveriam ser ferooiso (lsquotrazerrsquo) blepoblepsomai (lsquoverrsquo) 124 Tal como apontou Dalimier (ad loc) essa frase eacute provavelmente uma conclusatildeo irocircnica de Sexto ou de sua fonte e natildeo parte da citaccedilatildeo de Pindaacuterio jaacute que Sexto afirma mais agrave frente em sect 206 que Pindaacuterio natildeo disse nada sobre qual uso deveriacuteamos seguir Aleacutem disso como afirmou Blank (1998 p 228) Pindaacuterio parece ter proposto a poesia homeacuterica como corpus de referecircncia para o trabalho do gramaacutetico o que faz muito mais sentido que a proposta de lsquoreviverrsquo o grego homeacuterico como liacutengua falada 125 No aacutetico as terminaccedilotildees seriam em -thasi 126 Os editores costumam corrigir o τράπεζα (lsquotrapezarsquo) dos MSS por τράπεσα (lsquotrapesarsquo) pois aquela natildeo eacute uma forma verbal Contudo tampouco esta sugestatildeo parece resolver a questatildeo pois aleacutem de natildeo ser atestada eacute bastante improvaacutevel que fosse uma variante ou erro de qualquer forma de aoristo do verbo τρέπω Cf Blank p 238 A tradutora francesa sugere a possibilidade de ser um desvio relacionado ao verbo trapezao derivado do nome trapeza (lsquomesarsquo) O verbo trapezoo (lsquopocircr sobre a mesarsquo lsquofazer uma oferendarsquo) estaacute atestado Cf Dalimier ad loc 127 O particiacutepio estaacute mal empregado na frase grega concorda com o sujeito loacutegico (lsquoeursquo) e natildeo com o sujeito gramatical ou com o genitivo possessivo Blank (1998 p 238) afirma que deveria concordar com o genitivo Casos semelhantes a estes e aos da seccedilatildeo seguinte satildeo tratados como peculiaridades sintaacuteticas sob o nome de idiomata ou skhemata (lit lsquoposesrsquo) ou

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seja figuras divididas em gramaticais e retoacutericas na tradiccedilatildeo retoacuterica por exemplo por Quintiliano Inst 9114 Cf Lausberg 1998 p 233ss 128 Formas de futuro inexistentes ver acima sect 195 129 Cf acima sect 49 e 55 a gramaacutetica completa investiga a natureza de seus objetos 130 Aqui sim anomalia estaacute para irregularidade gramatical 131 Etimologia natildeo deve obviamente ser tomada em seu sentido moderno Embora de modo geral os dois processos possam ser descritos como a busca pela origem da palavra eles satildeo distintos A etimologia grega foi descrita no Sch DThr (ver GG I III p 14-15 20-29 169) como uma lsquoaberturarsquo (anaptuksis) da palavra que desvenda o lsquoverdadeirorsquo As descriccedilotildees no entanto natildeo parecem captar muito bem a diferenccedila entre a lsquoexpectativarsquo moderna e a antiga poreacutem os exemplos em sect 243 e 244 deixam entrever o abismo A etimologia tal como Sexto a apresenta aqui teria sido considerada um dos modos de autenticar vocaacutebulos como legiacutetimas expressotildees do grego correto atraveacutes da prova de sua ligaccedilatildeo lsquoverdadeirarsquo com a coisa nomeada A autenticidade deste vocaacutebulo eacute explicitada frequentemente na descoberta de um sintagma que contendo elementos sonoros ou graacuteficos semelhantes expressa no entanto o conteuacutedo conceitual relacionado agrave palavra portanto tal sintagma lsquoexplicariarsquo lsquodesvendariarsquo a palavra Tal explicaccedilatildeo conteacutem frequentemente um verbo que desenvolve a relaccedilatildeo Ver a diferenccedila com a lsquopalavra pronunciada espontaneamentersquo ie sem ligaccedilatildeo lsquoatestadarsquo com a coisa que nomeia A etimologia parece ter sido usada natildeo soacute como um argumento de autoridade vinculado agrave erudiccedilatildeo pois descobrir uma etimologia adequada poderia demandar grandes piruetas intelectuais (que do nosso ponto de vista satildeo inclusive bastante curiosas) mas tambeacutem como um processo de aquisiccedilatildeo e memorizaccedilatildeo de vocabulaacuterio e por extensatildeo de conhecimento Em relaccedilatildeo ao papel na aquisiccedilatildeo de conhecimento (um toacutepico muito caro aos gregos) eacute que foi defendida por alguns pensadores e desprezada por outros Por outro lado eacute preciso ter em mente que conferir um determinado conteuacutedo para os nomes envolve necessariamente uma interpretaccedilatildeo de sua relaccedilatildeo com o que ele nomeia e revela portanto uma visatildeo de mundo Assim pois a etimologia parece jaacute conter o pressuposto de uma ligaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria entre nome e coisa aliaacutes o contraacuterio disso uma ligaccedilatildeo em que o nome eacute como um pressaacutegio da verdadeira natureza da coisa um pressaacutegio ligado agrave sabedoria dos primeiros homens e agrave natureza do real demandando interpretaccedilatildeo e revelaccedilatildeo Contudo o criteacuterio de admissatildeo das modificaccedilotildees e associaccedilotildees possiacuteveis para aleacutem de ser aparentemente obrigatoacuterio guardar alguma semelhanccedila foneacutetica parece ser apenas a relaccedilatildeo entre a criatividade do inteacuterprete e o gosto de seu puacuteblico Mesmo assim entre um e outro muito poderia ainda ser dito acerca do pensamento antigo sobre a linguagem e sobre a percepccedilatildeo que tinham de sua proacutepria liacutengua tambeacutem no niacutevel foneacuteticoVer a discussatildeo da origem da linguagem no Craacutetilo de Platatildeo em que os exemplos de etimologia antiga abundam e satildeo alvos da ironia socraacutetica Os estoicos no entanto parecem ter compreendido que Platatildeo defendia a etimologia A etimologia parece ter sido vista como uma importante ferramenta da investigaccedilatildeo filosoacutefica pelos estoicos foi mesmo considerada caracteriacutestica desta escola (cf

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Cicero ND III 62ss De off I 23) Criacutesipo (SVF ii896) por exemplo teria derivado kardia (lsquocoraccedilatildeorsquo) de kratesis (lsquopoderrsquo) e kuria (lsquoautoridadersquo) assim o coraccedilatildeo compreendido como lsquosede da parte dominante da almarsquo foi nomeado a partir daquelas duas palavras cuja transformaccedilatildeo resultou em sua forma atual portanto a etimologia revelou um fato acerca da lsquoentidadersquo em questatildeo a partir da lsquoreversatildeorsquo do processo de formaccedilatildeo (corrupccedilatildeo) da linguagem Supostamente isso estaacute relacionado agrave conexatildeo que os estoicos estabeleceram entre racionalidade e linguagem Havia mesmo uma tentativa de colocar em paralelo processos de formaccedilatildeo de conceitos e formaccedilatildeo de palavras como anaacutelogos Eles teriam tentado portanto explicar e definir os processos transformativos das palavras Ver Tieleman 1996 p 196ss Na argumentaccedilatildeo de Sexto percebe-se uma tensatildeo entre as palavras cuja etimologia se descobre e as que foram naturalmente (phusikos) pronunciadas para os estoicos as primeiras palavras estariam todas naturalmente adequadas ao que nomeam elas seriam assim lsquocorretas por naturezarsquo lembrando que existe neste estaacutegio primordial aquele que sabiamente nomea as coisas conforme sua natureza O processo da etimologia tenta chegar a estas palavras primordiais Mas para os estoicos a lsquocorreccedilatildeorsquo estaacute relacionada agrave digamos harmonia do mundo e natildeo confinada ao padratildeo do helenismo A funccedilatildeo da etimologia no estoicismo portanto natildeo eacute a de lsquoautenticarrsquo que um vocaacutebulo eacute grego Para os gramaacuteticos no entanto para carimbar uma expressatildeo como grego correto natildeo deveria poder bastar como parece ser o argumento de Sexto que se apontasse apenas a correccedilatildeo da expressatildeo analisada mas seria necessaacuterio tambeacutem que o fizessem com todas aquelas que compotildeem a explicaccedilatildeo desta pois todas deveriam ser julgadas pelo criteacuterio do grego correto o etimoloacutegico Natildeo pode haver o a priori estoico de que satildeo lsquocorretasrsquo por natureza Assim ou haacute o regresso ao infinito ou o processo aponta algumas palavras naturalmente pronunciadas e as aceita sem fazer sua etimologia mas entatildeo teriam admitido a correccedilatildeo pelo criteacuterio do uso e natildeo da etimologia provando sua inutilidade 132 ldquoProthesis eacute usado para referir-se agrave lsquoprefixaccedilatildeorsquo somente por Apolocircnio Diacutescolo (Pron 58 16 Synt 3111) enquanto em Dioniacutesio Traacutecio (DThr 18) e Dioniacutesio de Halicarnasso significa lsquopreposiccedilatildeorsquordquo Janko 1995 p 226 133 Este exemplo eacute interessante a origem da palavra composta de pros e kephale eacute um sintagma que explica o que eacute o objeto nomeado no desdobramento o verbo eacute o elemento agregador principal Contudo Sexto afirma natildeo se descobriu nem a etimologia de pros nem de kephale 134 Semelhante a proskephalaion provavelmente seria algo como tou podiou hupotithesthai (lsquopocircr embaixo do peacutersquo) 135 A etimologia eacute a uacuteltima parte da parte teacutecnica da gramaacutetica analisada por Sexto Acerca dos artifiacutecios retoacutericos tipicamente ceacuteticos que tornam possiacuteveis as conclusotildees sextianas haveria muito o que dizer mas acredito que a maior parte deles fale por si Algumas consideraccedilotildees ao final desta parte parecem ser interessantes o ataque agraves fundaccedilotildees da gramaacutetica por um lado por mirar nas partes lsquomal edificadasrsquo de sua estrutura poderia sugerir

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que se melhor construiacuteda poderia ser mais resistente ndash no entanto por outro lado por fazer uma escolha dos pontos que quer atacar entendendo o papel de cada um na estrutura a seu modo natildeo eacute como se os gramaacuteticos tivessem uma chance Seu ataque portanto eacute geneacuterico nestes dois sentidos ele visa agrave totalidade da gramaacutetica lsquocompletarsquo mas ele natildeo lhe concede o benefiacutecio da exatidatildeo Portanto acabamos por almejar um argumento tambeacutem geneacuterico que desse conta da clareza com que Sexto Empiacuterico parece ter visto seu empreendimento Por isso eacute digno de nota que uma proposiccedilatildeo positiva tenha acompanhado reiteradamente sua trajetoacuteria a de que na linguagem basta seguir o uso comum E esta natildeo eacute uma proposta aparentemente apenas para que o homem comum continue simplesmente sendo comum mas para convencer o filoacutesofo a voltar sua atenccedilatildeo e praacutetica agrave observaccedilatildeo da vida comum 136 O termo historia tem uma longa tradiccedilatildeo na antiguidade desde o uso como lsquoinvestigaccedilatildeorsquo da natureza no contexto do movimento intelectual jocircnico ateacute sua concepccedilatildeo como lsquogecircnero textualrsquo no periacuteodo heleniacutestico Com relaccedilatildeo ao termo moderno derivado lsquohistoacuteriarsquo o ponto de contato seria aquele das lsquohistoacuteriasrsquo Traccedilou-se inclusive para enfatizar a natildeo-convergecircncia entre os conceitos a distinccedilatildeo entre a concepccedilatildeo antiga do tempo como circular e aquela moderna que lhe imputa um objetivo cf Press 1982 Nos interessa no momento que o leitor tenha em mente a peculiaridade do uso do termo no contexto da gramaacutetica A parte lsquohistoacutericarsquo da gramaacutetica eacute onde se lsquohistoriamrsquo as histoacuterias em que historiar tem o duplo sentido da atividade e do produto dela assim ela tanto lsquopesquisarsquo quanto lsquocompilarsquo os lsquodadosrsquo relativos a personagens lugares e datas (fictiacutecios ou reais) presentes nas obras literaacuterias bem como em algumas definiccedilotildees provecirc dados que possibilitem o entendimento de termos insoacutelitos Aleacutem disso neste sentido tambeacutem se chamam lsquohistoacuteriasrsquo agraves compilaccedilotildees destes dados publicadas em livros que seratildeo entatildeo novo material para a lsquohistoacuteriarsquo Esta produccedilatildeo resultou em vastas coleccedilotildees produzidas principalmente por Alexandrinos dedicadas agrave tipos particulares de informaccedilotildees bem como comentaacuterios agrave obras literaacuterias individuais (cf Blank p 257-259) Por isso pode ser dito que historia no periacuteodo heleniacutestico configura-se um gecircnero textual Importante ter em mente que natildeo se trata necessariamente do conhecimento do material produzido pelos lsquohistoriadoresrsquo mas de qualquer material que fornecesse informaccedilatildeo acerca do conteuacutedo da obra literaacuteria (cf Press 1982 p 38) lsquoRetomar as tradiccedilotildeesrsquo foi como traduzimos paradidomi em sect 93 em referecircncia agrave tarefa da parte lsquohistoacutericarsquo Essa atividade implica portanto erudiccedilatildeo A traduccedilatildeo manteve entre aspas simples as ocorrecircncias do termo neste sentido explicitado e onde se tratam de estoacuterias como lsquorelatosrsquo em geral o termo natildeo conteacutem aspas Sexto em sua argumentaccedilatildeo foca principalmente a falta de meacutetodo propositivo da atividade a partir da caracteriacutestica assistemaacutetica de seu objeto A historia foi objeto da criacutetica de Aristoacuteteles na Poeacutetica e foi exaltada por Poliacutebio em suas Historiae Historia aparece tambeacutem em Sexto com um sentido semelhante ao de lsquoconhecimento compartilhadorsquo o levantamento das opiniotildees anteriores sobre algum assunto proacuteximo ao uso de historia no contexto da medicina empiacuterica os relatos de outros meacutedicos Mais informaccedilotildees em Press 1982 e Fornara 1983 137 Plasma e kharakter satildeo normalmente encontrados como sinocircnimos para a teoria dos lsquotipos de discursorsquo - lsquotipos de estilorsquo (genera dicendi) cf bibliografia em Blank p 260ss

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138 O material desorganizado que foi lsquoorganizadorsquo pelo poetaescritor ou seja o lsquoconteuacutedorsquo da obra literaacuteria em seu formato preexistente agrave obra isto eacute tal como teria sido dado pela tradiccedilatildeo Portanto a parte lsquohistoacutericarsquo procede ao lsquolevantamentorsquo das informaccedilotildees agraves quais a obra faz referecircncia tais como mitos estoacuterias pessoas lugares coisas e fatos Por isto eacute dito deste material que eacute assistemaacutetico ou desorganizado (amethodos) 139 Como afirmou Blank (1998 p 261) parece estranho que Taurisco tenha atribuiacutedo o estudo da dicccedilatildeo e figuras gramaticais agrave parte racional (logikon) enquanto o de dialetos e estilos agrave praacutetica (tribikon) Estes termos aparecem na tradiccedilatildeo de discussatildeo das escolas empiacuterica e racionalista O primeiro relativo ao meacutetodo racionalista obviamente e o segundo referindo-se ao lsquoexerciacutecio praacutetico da experiecircnciarsquo conforme Galeno (Subf Emp 48 25 Deichgraumlber apud Blank ibidem) Talvez ele estivesse diferenciando a parte relativa agraves regras ou definiccedilotildees dispostas racionalmente da parte que aplicava estas regras na praacutetica agrave textos particulares 140 Nosso texto de DThr difere apenas na terceira parte onde se lecirc lsquopronta (prokheiros) explicaccedilatildeo de palavras inusuais (glossai) e histoacuteriasrsquo Mas tambeacutem conteacutem um adendo agrave uacuteltima parte a criacutetica dos poemas lsquoa mais bela de todas as partes da artersquo (ho de kalliston esti panton ton en tei tekhnei) Cf Chapanski 2003 141 Essencialmente a mesma divisatildeo adotada por Sexto em sect 91-5 com a sugestatildeo semelhante de que estatildeo em lsquocontatorsquo enfatizando a posiccedilatildeo lsquoagregadorarsquo da parte lsquogramaticalrsquo tal como fez em sect 95 142 Considerando que tal como Sexto nos informa em sect 47-48 Asclepiacuteades deriva lsquogramaacuteticarsquo de gramma no sentido das lsquocomposiccedilotildeesrsquo ie das lsquoobrasrsquo faz sentido que ele possa usar o termo livremente para a parte antes mencionada como lsquoespeciacuteficarsquo ldquoSua parte lsquogramaticalrsquo bate de frente com a kritike superior de Taurisco como se dissesse que a ciecircncia da literatura tal como se prova etimologicametne eacute a gramaacutetica e a parte da gramaacutetica que julga criticamente a literatura eacute sua parte especificamente gramatical Sua teacutecnica de divisatildeo eacute digna de nota o gecircnero da gramaacutetica tekhne aparece em sua primeira parte presumivelmente como a parte cuja tecnicidade garante a tecnicidade do todo o termo da lsquoespeacuteciersquo ndash lsquogramaacuteticarsquo aparece na terceira parte Assim as partes que estudam a linguagem e as coisas agraves quais se refere contribuem para o estudo do que as obras significam e todas as trecircs combinadas formam o estudo das obras ie a gramaacuteticardquo BLANK p 265 143 Reparar em como se qualificam as histoacuterias ditas lsquoverdadeirasrsquo Talvez este exame pudesse acrescentar agrave anaacutelise desenvolvida por Cassin 1990 acerca do uso do adveacuterbio historikos por Sexto em PH 1 4 para qualificar o modo como o ceacutetico fala 144 Kreguon eacute um hapax homeacuterico (Iliacuteada 1 106) que natildeo estaacute claro no contexto

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145 Todos foram apontados acima sect 253 como lsquoconteuacutedosrsquo da parte da lsquohistoacuteriarsquo que trata do relato verdadeiro 146 Entendemos historoumenoi (lsquorelatosrsquo) tal como em sect 256 como o material de base da parte lsquohistoacutericarsquo aquele que esta sendo lsquohistoriadorsquo desta forma verdadeiro falso ou verossimilhante satildeo caracteriacutesticas aplicadas propriamente a esses lsquorelatosrsquo e natildeo agrave pesquisa 147 Neste caso supomos que o sentido seja algo como lsquoo relato propriamente ditorsquo e assim na sequecircncia teriacuteamos lsquoo relato propriamente ditorsquo eacute a exposiccedilatildeo de acontecimentos verdadeiros 148 De acordo com Heliodoro (Sch DThr (Lond) 449 11-14 apud Blank p 266) lsquoHistoacuteria eacute o relato claro de coisas que aconteceram ou que satildeo possiacuteveis Mito eacute a narraccedilatildeo de coisas estranhas ou arcaicas ou a introduccedilatildeo de coisas impossiacuteveis Ficccedilatildeo eacute o que pode acontecer mas natildeo acontecersquo 149 Sexto ataca a existecircncia de uma histoacuteria verdadeira pela inexistecircncia do criteacuterio de verdade logo a frente em sect 267 150 Ou seja seria tarefa da parte lsquohistoacutericarsquo o julgamento das informaccedilotildees levantadas 151 Sexto igualou com este argumento a parte lsquoverdadeirarsquo agraves partes acerca de mitos e ficccedilotildees logo tambeacutem aqui o objeto eacute falso e inexistente 152 Os argumentos gerais da lsquoparte da gramaacutetica que trata de poetas e escritoresrsquo analisados por Sexto na sequecircncia natildeo estatildeo relacionados agraves praacuteticas anteriormente vinculadas a esta parte leitura exegese e julgamento de poemas (sect251) em que julgamento de poemas referia-se agrave interpretaccedilatildeo das passagens obscuras julgamento do que estaacute correto e do que natildeo e distinccedilatildeo do genuiacuteno e do espuacuterio (sect 93) Antes voltam-se agrave reinvidicaccedilatildeo da gramaacutetica quanto ao seu papel central na educaccedilatildeo do homem atraveacutes da literatura Blank p 281-287 tal como discutimos na primeira parte deste trabalho vincula toda esta passagem exposiccedilatildeo dos argumentos dos oponentes (sect 270ndash276) e refutaccedilatildeo (sect 277ndash298) a uma provaacutevel fonte epicurista e traccedila diversos paralelos principalmente com os escritos de Filodemo Embora as raiacutezes dessas questotildees retrocedam no miacutenimo a discussotildees platocircnicas no Protaacutegoras Eutiacutefron Ion e Repuacuteblica Blank reconhece um ataque epicurista contra Asclepiacuteades e o pensamento gramatical representado por ele que parece ter defendido a primazia da poesia sobre a filosofia Contudo o alvo dos epicuristas seria os estoicos e sua sabedoria calcada em citaccedilotildees poeacuteticas Sexto afirma em sect 299 que os argumentos contra a poesia foram tomados principalmente dos epicuristas e em sect278 faz um adendo para apontar que o argumento natildeo eacute contra a poesia e coincide com seu ponto de vista provavelmente um argumento de origem pirrocircnica como o que aparece em sect319 cf nota ad loc O ataque propriamente sextiano visa agrave gramaacutetica e natildeo agrave poesia

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153 Fragmento de um peccedila desconhecida de Euriacutepides Aulo Geacutelio (Noc Att VI 16) diz que Criacutesipo costumava citaacute-la 154 A justaposiccedilatildeo de acusaccedilotildees contra Epicuro e PirroTiacutemon aconteceu tambeacutem em sect 49-55 Note que natildeo se fazem acusaccedilotildees a Pirro acerca do roubo de lsquodoutrinasrsquo aos poetas 155 Epicarmo eacute um poeta cocircmico siciliano do seacutec V aC Dioacutegenes Laeacutercio (3 9) diz que Platatildeo utilizou muitas expressotildees que eram na verdade de Epicarmo 156 A mesma passagem eacute atribuiacuteda a Soacutefron (autor de mimos posterior a Epicarmo) em sect 284 157 cf Epicuro Carta a Meneceu 124 ldquoa morte eacute a ausecircncia de sensaccedilatildeordquo 158 A passagem eacute citada mais agrave frente sect287 com uma pequena modificaccedilatildeo touphemeron por kathrsquohemeran (lsquodia apoacutes diarsquo) 159 Este argumento parece ter sido um lugar-comum nos discursos de exaltaccedilatildeo agraves artes Cf M 2 26 160 Caso este seja propriamente um argumento sextiano pode haver um julgamento de valor entre a poesia uacutetil clara e direta e a inuacutetil enigmaacutetica e estranha 161 Mataioteti ver o uso do adjetivo mataios (lsquofuacutetilrsquo) em sect 170 e 174 162 Um argumento semelhante aparece em sect 157 e 188 acima mas naquele ponto tanto a prova quanto a asserccedilatildeo levam a consequecircncias inaceitaacuteveis Nesta passagem a recomendaccedilatildeo expliacutecita de que a filosofia forneccedila as provas da correccedilatildeo da poesia gnocircmica dificilmente seria um argumento pirrocircnico lembraria mais a posiccedilatildeo epicurista ver Filodemo De Rhetorica 5 A distinccedilatildeo entre prova e asserccedilatildeo agrave maneira epicurista aparece novamente em sect 284 e 280 Ver Blank p 297-298 163 Como aponta Blank p 305 a fonte epicurista aqui poderia atingir os sofistas mas seu alvo principal eram os proacuteprios estoicos ceacutelebres por exagerarem em citaccedilotildees poeacuteticas 164 Os epicuristas aprovavam a utilidade da poesia para o entretenimento (cf Filodemo De Mus 4 De Poem) 165 Obra perdida Cf Contra os Muacutesicos M 3 58 166 Ver a citaccedilatildeo homeacuterica em sect 289 167 Em sect 273 ele havia mencionado Epicarmo como autor deste pensamento

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168 Cf Carta a Meneceu 124 169 Os exemplos contradizem a ausecircncia de sensaccedilotildees apoacutes a morte a alma alimenta-se e sofre Comparar estas passagens e tambeacutem M 9 67-8 com a argumentaccedilatildeo de Lucreacutecio em 3 894ss 170 Haacute uma paacuterafrase deste proveacuterbio em Plutarco De sera num vind 549d 171 Triacutemetros iacircmbicos e hexacircmetro dactiacutelico respectivamente 172 Denominaccedilatildeo comum de Euriacutepides aparece por exemplo em Ateneu e Clemente de Alexandria 173 Cf Platatildeo Eutiacutefron 5e-6a onde Eutiacutefron aponta a inconsistecircncia entre estas histoacuterias e os sentimentos populares em relaccedilatildeo por exemplo agrave justiccedila divina Filodemo (1609 4 8 e 1088 8 22) tambeacutem tratou de desarmar o conceito de que a vida fosse feliz no tempo de Crono 174 A mesma anedota aparece em Libacircnio Discurso LXIV (Pro saltatoribus) 119 contudo sem o nome do bailarino Ainda que a danccedila seja a moeda de troca do bailarino natildeo foi ela propriamente que salvou a cidade mas sua presenccedila de espiacuterito e eloquecircncia isto portanto poderia ser dito acerca de qualquer arte mesmo uma considerada inferior agrave gramaacutetica como a danccedila 175 DL (4 9) conta a mesma anedota em relaccedilatildeo a Xenoacutecrates 176 Sexto abandona portanto o ataque agrave poesia e volta-se para o ataque agrave gramaacutetica como tekhne fechando a discussatildeo com um argumento mais afim a sua orientaccedilatildeo filosoacutefica Os argumentos epicuristas visavam principalmente mostrar que a poesia era menos uacutetil que a filosofia e que a poesia para natildeo causar prejuiacutezos precisaria passar pelo crivo do filoacutesofo A possibilidade de que os gramaacuteticos pudessem preparar o terreno para o filoacutesofo arcando com o trabalho preliminar sobre a linguagem e outros problemas de forma a apresentar ao filoacutesofo as maacuteximas que ele deveria julgar natildeo foi afetada por estes argumentos Tambeacutem havia ficado em aberto a questatildeo a respeito da prosa Portanto Sexto deve mostrar a inutilidade plena da gramaacutetica de forma a minar tambeacutem estas possibilidades (BLANK p 327) 177 O lsquoconhecimento de todas as coisasrsquo foi um dos toacutepicos discutidos em relaccedilatildeo agraves competecircncias linguiacutesticas principalmente acerca da retoacuterica mas estendendo-se tambeacutem agrave gramaacutetica e mesmo a arquitetura Ver por exemplo Vitruacutevio De Architectura I 3 Quintiliano I 4 4 Ciacutecero De Oratore 2 2 Aristoacuteteles De Rhetorica I 2 1355b26-35 Eacute toacutepico recorrente portanto nas divergecircncias que implicavam o movimento sofista ver Prezotto 2009

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178 A obscuridade dos escritos de Heraacuteclito foi ceacutelebre DL 9 15 apresenta uma lista dos inteacuterpretes de sua obra 179 Esta passagem e a sentenccedila seguinte satildeo comentadas por Plutarco em seu tratado De animae procreatione in Timaeo 180 Sexto cita Empeacutedocles tambeacutem em M 7 115-25 181 O fragmento 112 4-5 foi tambeacutem citado pelo historiador Timeu de Tauromenion (DL 8 66) para exemplificar sua declaraccedilatildeo de que o modo de vida de Empeacutedocles contradizia sua poesia jaacute que ele parece ter levado uma vida moderada e respeitaacutevel enquanto em seu poema soa como um egoiacutesta pretensioso Este eacute exatamente o tipo de interpretaccedilatildeo que Sexto diz que um lsquogramaacutetico ou homem comumrsquo iriam supor Ver Blank p 335 182 Sobre a purificaccedilatildeo da alma no intuito de tornaacute-la como lsquodeusrsquo e apta a apreender as lsquoFormasrsquo ver por exemplo o Feacutedon 79dss e Teeteto 176ss de Platatildeo 183 Sexto omite o verso seguinte lsquochama-se ciacuterculo zodiacalrsquo Hiparco (I 1004A Mass) afirma que a interpretaccedilatildeo de Arato eacute simples mas natildeo o entendimento das questotildees astronocircmicas que conveacutem a um astrocircnomo O escoacutelio ao poema astronocircmico de Arato cita alteraccedilotildees equivocadas propostas por lsquogramaacuteticosrsquo opondo-as agraves corretas explicaccedilotildees dos lsquomatemaacuteticosrsquo ie astrocircnomos Cf Blank p 330-331 184 A lsquoprovarsquo estaacute em Euclides Elementa 4 15 cada lado de um hexaacutegono regular inscrito em um ciacuterculo eacute igual ao raio do ciacuterculo 185 Dalimier seguindo Bekker propotildee ἑλῶν (lsquohelonrsquo lsquotendo tomado agrave forccedilarsquo ndash lsquotendo em seu poderrsquo) ao inveacutes de ἐλῶν (lsquoelonrsquo conduzindo) na segunda linha do verso 186 Estes dois adjetivos satildeo aplicados por Agamecircmnon ao vale do rio Esopo Natildeo foi encontrada nenhuma passagem antiga que explique a relaccedilatildeo pretendida por Sexto a partir da semente do junco Cf Blank p 339-340 e Dalimier ad loc 187 O poeta Caliacutemaco (c 305-240 aC) foi tambeacutem gramaacutetico em Alexandria Segundo DL 2111 Diodoro Crono frequentou a corte de Ptolomeu Soacuteter que se declarou rei do Egito em 304 aC 188 Diodoro Crono um filoacutesofo jocircnico que ensinou primeiro em Atenas onde influenciou os fundadores das principais escolas heleniacutesticas de filosofia como Arcesilau Zenatildeo e seus contemporacircneos e depois foi para Alexandria parece ter morrido ao redor de 285-282 aC Ver Sedley 1977 e 2013

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189 Lit lsquoconexatildeorsquo (to sunemmenon) uma lsquoproposiccedilatildeo conectadarsquo (lsquoseentatildeorsquo) faz parte dos enunciados complexos da loacutegica estoacuteica Considerando a exposiccedilatildeo de Sexto acerca da controveacutersia entre Diodoro e Fiacutelon de Megara em PH 2110 M 8112ss fica claro que discutem acerca da validade de proposiccedilotildees que chamamos lsquocondicionaisrsquo O criteacuterio de Diodoro para uma condicional vaacutelida eacute ela natildeo admite nem nunca admitiu a possibilidade de ter um antecedente verdadeiro e um consequente falso (Cf Ciacutecero De Fato 917) Ver Manetti 1993 p 104 ss 190 Cf PH 2 110 242 M 7 112ss 191 Paradoxos acerca do movimento satildeo utilizados por Sexto em outras passagens em PH 2 242 e PH 1 312 estatildeo conectados agraves aporias sobre causa ativa e passiva e ao argumento contra a morte E de maneira detalhada em relaccedilatildeo a Diodoro Crono e seus opositores em PH 3 71ss M 10 85ss Ver Kneale e Kneale 1962 p 128-138 Frede 1974 p 73 Sorabji 1980 p 70ss 104ss Acerca do lsquonasceremos de novorsquo Blank (p 344) conecta a teoria atomista de Diodoro implicada nos paradoxos do movimento com a possiacutevel consequecircncia de que algo em movimento desaparece em um tempo e reaparece em outro De forma que nossa existecircncia poderia ser interpretada como uma sequecircncia contiacutenua de desaparecimentos em um tempo e lsquo(re)nascimentosrsquo em outros Ver Denyer 1981 (sobre o chamado argumento lsquodominadorrsquo) e Sorabji 1983 p 19 347 192 Assim como se descobre o significado de palavras estrangeiras por lsquoperguntarrsquo agrave pessoa certa tambeacutem as palavras inusuais satildeo explicadas a partir de uma busca adequada neste caso provavelmente em livros natildeo existe teacutecnica em nenhum dos dois procedimentos tal como o lsquolevantamento histoacutericorsquo natildeo pressupotildee teacutecnica ou seja natildeo pressupotildee um sistema de proposiccedilotildees teoacutericas 193 Este exemplo pretende fazer uso da figura retoacuterica da metalepsis (lsquosubstituiccedilatildeorsquo) ie usar pela palavra pretendida o sinocircnimo de seu homocircnimo siringe (um tipo de flauta) tem como homocircnimo siringe (um tipo de ferimento) cujo sinocircnimo (ferida) eacute usado no lugar da primeira Nos outros casos no entanto Sexto usa lsquohomocircnimosrsquo cujas caracteriacutesticas prosoacutedicas satildeo distintas Cf Blank p 347-348 194 Alguns dos termos mais lsquofamososrsquo da filosofia ateacute hoje 195 Cf PH 1 188-191 Sexto explica que alguns ceacuteticos usam a expressatildeo no sentido interrogativo (lsquoPor que isto mais que aquilorsquo) e que eacute normal usar interrogativas por declaratoacuterias e vice-versa e ainda que a expressatildeo indica o sentimento (pathos) ou modo de sentir (em oposiccedilatildeo ao objeto externo (cf PH 115)) 196 Admitimos que tal poema composto com termos tais realmente apoacutes vasculhado muitas vezes natildeo foi mesmo compreendido

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197 Kurios eacute o que qualifica um nome proacuteprio e tambeacutem a expressatildeo lsquocomumrsquo lsquocorrentersquo em oposiccedilatildeo a uma rara (glossa) estrangeira ou usada metaforicamente Poderia portanto por extensatildeo de sentido referir-se a palavras usadas em um contexto familiar considerando a argumentaccedilatildeo anterior no contexto de uma determinada aacuterea do conhecimento Blank (p 349-350) sugere seguindo a leitura de Blomqvist p 13-18 que o proacuteprio Sexto tenha composto estes diacutesticos elegiacuteacos com termos do seu domiacutenio ou seja da medicina a traduccedilatildeo que ele propotildee em nota e que mantemos em inglecircs eacute esta ldquoWould that both your small toes beneath your metacarpals Might wither away and put that part in lowest place The bones which move in the capped joint of the knee-hollow Become crooked up to the highest process of the femur While the dark psoas-muscles from their bottom up to their loose Insertion at the spinal canal are contractedrdquo 198 Que o objeto de uma arte seja algo lsquoruimrsquo portanto inuacutetil compromete imediatamente a utilidade dessa arte Compare-se no entanto com o argumento em sect 278 cuja afinidade com o pirronismo Sexto faz questatildeo de ressaltar O argumento envolve entatildeo provavelmente o paralelo entre claro = evidente obscuro = natildeo-evidente conectado desta forma ao argumento seguinte do lsquodesacordorsquo Ver tambeacutem a argumentaccedilatildeo contra a utilidade da arte ortograacutefica em sect 170-4

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Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ JOSEANE PREZOTTO

JOSEANE PREZOTTO

SEXTO EMPIacuteRICO CONTRA OS GRAMAacuteTICOS INTRODUCcedilAtildeO TRADUCcedilAtildeO E NOTAS

Tese apresentada ao Curso de Poacutes-Graduccedilatildeo em Letras Setor de Ciecircncias Humanas Letras e Artes Universidade Federal do Paranaacute como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Doutora em Letras Orientador Prof Dr Joseacute Borges Neto Coorientador Prof Dr Alessandro Rolim de Moura

CURITIBA 2015

Dedicado agraves grandes mulheres cujos nomes foram apagados d(est)a histoacuteria

em memoacuteria da minha matildee Marli forccedila e afeto

AGRADECcedilO

Ao Prof Borges pelos anos de orientaccedilatildeo e inspiraccedilatildeo

aos professores da banca por seu tempo e dedicaccedilatildeo

ao Prof Bernardo e ao Prof Luiz Eva pelas valiosas sugestotildees na qualificaccedilatildeo

ao Prof Pierre Swiggers que gentilmente me recebeu na KU Leuven durante meu estaacutegio

ao Rodrigo agrave Teca e agrave Mazeacute por natildeo deixarem de exigir mas tambeacutem apoiar e confiar

aos professores e colegas do Curso de Letras da UFPR

Agrave Eloana ao Juacutenior e ao Heitor por seu carinho

agrave Ana agrave Nathalia e agrave Peneacutelope por iluminarem o inverno europeu

agrave Bia e ao Ronie por estarem por perto

ao Carlos por estar aqui

a todos meus amigos e amigas queridos pelo dolce far niente

Ao meu pai Luiz Carlos

e aos meus irmatildeos Zinho e Juliano pelo amor pela confianccedila

agraves irmatildes e irmatildeos do meu pai porque satildeo seu porto seguro e foram o meu

aos meus primos e especialmente

Eliane Karen Miguel Wanda Telma Anita e Maria Ivone

muito obrigada

E agradeccedilo ao meu coorientador Prof Alessandro Rolim de Moura

por sua paciecircncia confianccedila e dedicaccedilatildeo a este projeto

RESUMO

Esta tese conteacutem a traduccedilatildeo anotada do tratado Contra os Gramaacuteticos escrito por volta do seacuteculo II dC pelo ceacutetico pirrocircnico e meacutedico Sexto Empiacuterico como parte de sua obra intitulada Contra os ProfessoresTambeacutem traduzimos a seccedilatildeo inicial dessa obra que introduz a discussatildeo e traz uma argumentaccedilatildeo geral contra a possibilidade do ensino As traduccedilotildees estatildeo precedidas por um estudo no qual buscamos delinear o perfil filosoacutefico de Sexto expor e analisar as discussotildees central ou transversalmente abordadas no tratado aqui traduzido e na obra de que ele faz parte aleacutem de contextualizar tais discussotildees Os toacutepicos essenciais desta contextualizaccedilatildeo dizem respeito agraves escolas filosoacuteficas do periacuteodo heleniacutestico principalmente o epicurismo e o estoicismo em relaccedilatildeo agraves quais Sexto determina sua proacutepria adesatildeo filosoacutefica o ceticismo pirrocircnico Frente ao ambiente intelectual do periacuteodo heleniacutestico estatildeo dispostas tambeacutem questotildees essenciais para a compreensatildeo da argumentaccedilatildeo sextiana em uma posiccedilatildeo central estaacute o conflito entre empirismo e racionalismo na medicina pois aleacutem de Sexto ter sido um meacutedico empiacuterico este debate congrega grande parte das controveacutersias epistemoloacutegicas da Antiguidade Relacionado a esta polecircmica estaacute o ataque agraves tekhnai fundadas em um corpo sistemaacutetico de conhecimentos teoacutericos lsquoartesrsquo ou lsquociecircnciasrsquo cujo papel como disciplinas semelhantes ou necessaacuterias agrave praacutetica filosoacutefica foi o centro da polecircmica a que se vincula o tratado aqui traduzido Paralelo a estes debates configura-se o papel da Gramaacutetica neste ambiente Com o intuito de disponibilizar ao leitor um panorama do desenvolvimento desta aacuterea e suas especificidades na Antiguidade relacionadas ao estudo amplo da literatura traccedilamos um percurso histoacuterico em que estatildeo presentes os principais personagens e suas contribuiccedilotildees O tratado de Sexto eacute uma fonte de informaccedilatildeo importante acerca dos estudos gramaticais durante o seacuteculo I aC no periacuteodo que se estende entre a produccedilatildeo dos eruditos das escolas filoloacutegicas de Alexandria e Peacutergamo e a especializaccedilatildeo dos estudos formais da chamada gramaacutetica teacutecnica Procuramos portanto fornecer o contexto necessaacuterio para a integraccedilatildeo das informaccedilotildees presentes no tratado em um cenaacuterio maior Tal cenaacuterio eacute fundamental para a compreensatildeo dos termos mobilizados por Sexto em sua polecircmica contra os estudos gramaticais Nas notas agrave traduccedilatildeo tecemos comentaacuterios sobre as peculiaridades de alguns conceitos de acordo com o contexto de produccedilatildeo da obra Tambeacutem apresentamos justificativas para nossas escolhas tradutoacuterias e esclarecimentos pontuais sobre personagens situaccedilotildees ou outros elementos do texto

Palavras-chave Filosofia Heleniacutestica Ceticismo Histoacuteria da Gramaacutetica Gramaacutetica Heleniacutestica Tekhne Sexto Empiacuterico

ABSTRACT

This thesis contains the annotated translation of the treatise Against the Grammarians written by the second century AD pyrrhonist skeptic and physician Sextus Empiricus as part of his work entitled Against the ProfessorsWe have also translated the initial section of this work which introduces the discussion and brings a general argument against the possibility of learning The translations are preceded by a study in which we seek to outline the philosophical profile of Sextus expose and analyze the central and transversal discussions addressed in the translated treatise herein and the work that it is part of as well as contextualizing such discussions The essential topics in such context refer to the philosophical schools of the Hellenistic period mainly Epicureanism and Stoicism for which Sextus determines its own philosophical bias Pyrrhonian Scepticism Amongst such intellectual environment of the Hellenistic period are key issues for understanding the sextan argument in a central position we have the conflict between empiricism and rationalism in medicine due to the fact that in addition to Sextus being an empirical physician this debate brings together great part of epistemological controversies of antiquity Related to this controversy is the attack on tekhnai based on a systematic body of theoretical knowledge expertise or science whose roles as similar or necessary disciplines for philosophical practice was the center of the controversy related to the treatise herein translated The role of Grammar in this environment is parallel to these discussions In order to provide the reader with an overview of the development of this area and its specificities in Antiquity related to the extensive scholarship and literary studies we draw a historical path in which are present the main characters and their contributions Sextus treatise is an important source of information on the grammatical studies during the first century BC the period extending between the production of scholars of the philological schools of Alexandria and Pergamum and the specialization of formal studies of the so called technical grammar Therefore we sought to provide the context necessary for the integration of the information contained in the treatise to a bigger picture Such a scenario is key to understanding the terms mobilized by Sextus in his controversy against grammatical studies In the translation notes we weave comments on the peculiarities of some concepts in accordance to the context in which the work was produced We also present justifications for our translational choices and specific comments on characters situations or other text elements

Key words Hellenistic Philosophy Scepticism (Skepticism) History of Grammar Hellenistic Grammar Tekhne Sextus Empiricus

TABELA CRONOLOacuteGICA

aC

V

400

Parmecircnides (c 540-460) Empeacutedocles (c 483-430) Protaacutegoras (c 480-410)

Proacutedico (fl 441) Demoacutecrito (460-370) Soacutecrates (470-399)

Euclides (c 450-380) Platatildeo (428-347)

Aristoacuteteles (c 384-322) Teofrasto (c 372-288)

Pirro de Eacutelis (c 360-270) Epicuro (c 341-270)

Zenatildeo de Ciacutetio (c 335-264) Metrodoro (c 330-277)

Tiacutemon de Fliunte (c 320-235) Ariston de Quios (c 320-250)

Arcesilau (c 315-241) Criacutesipo (c 281-208)

Aristoacutefanes de Bizacircncio (c 260 ndash 185) Dioacutegenes da Babilocircnia (c 240-152)

Aristarco de Samotraacutecia (c 216 ndash 144) Carneacuteades (c 214-129)

Crates de Malos (c 180-150) Dioniacutesio Traacutecio (c 170-90)

Fiacutelon de Larissa (fl 100) Varratildeo (116-27) Ciacutecero (106-43)

Asclepiacuteades de Mirleia (seacutec I) Enesidemo (fl70)

Antiacuteoco de Ascalon (fl70) Lucreacutecio (c 96-55)

Filodemo de Gadara (fl 60) Horaacutecio (65-8)

IV

300

III

200

II

100

I

dC

I

100

Fiacutelon de Alexandria (c 25 aC-50) Secircneca (c 4-65)

Paulo (Satildeo) (morto c 67) Quintiliano (c 35-95) Plutarco (c 45-125)

Marco Aureacutelio (121-180) Aulo Geacutelio (c 125-180)

Galeno (c 130-200) SEXTO EMPIacuteRICO (seacutec II)

Apolocircnio Diacutescolo (seacutec II) Herodiano (seacutec II)

Dioacutegenes Laeacutercio (flc 225-250)

II

200

III

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SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO 11 11 GERAL 11 12 SEXTO EMPIacuteRICO 14 121 Periacuteodo de atuaccedilatildeo 14 122 Obras 17 13 CETICISMO ANTIGO 21 131 Ceticismo Acadecircmico 23 132 Ceticismo em Sexto Empiacuterico 30 14 SEXTO MEacuteDICO EMPIacuteRICO 36 15 ESCOLAS MEacuteDICAS POSICIONAMENTOS FILOSOacuteFICOS E O ATAQUE AgraveS TEKHNAI

40

151 Evoluccedilatildeo da Medicina e do conceito de tekhne 41 1511 Medicina Empiacuterica 48 152 Enkuklia mathemata e Tekhnai 53 153 O Ataque agraves Tekhnai 55 16 GRAMAacuteTICA ANTIGA 58 161 Periacuteodo Claacutessico 62 162 Loacutegica Estoica 65 163 Gramaacutetica Heleniacutestica 72 1631 Escola de Peacutergamo Crates e Taurisco 73 1632 Escola de Alexandria 76 16321 Aristoacutefanes de Bizacircncio e Aristarco de Samotraacutecia 76 16322 Dioniacutesio Traacutecio 78 1633 Analogistas x Anomalistas 81 1634 Gramaacutetica Empiacuterica 87 17 CONTRA OS GRAMAacuteTICOS 88 171 As partes da Gramaacutetica no Contra os Gramaacuteticos 94 172 Sobre Dogmatismo Negativo no Contra os Professores M 1 1-6 99 18 SOBRE A TRADUCcedilAtildeO 99 2 TEXTO GREGO E TRADUCcedilAtildeO 103 CONTRA OS PROFESSORES 103 CONTRA OS GRAMAacuteTICOS 115 21 NOTAS Agrave TRADUCcedilAtildeO 197 3 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 237

11

1 INTRODUCcedilAtildeO 11 GERAL

Contra os Gramaacuteticos eacute um texto escrito pelo meacutedico e filoacutesofo ceacutetico pirrocircnico

Sexto Empiacuterico por volta do seacuteculo II dC Compotildee uma obra maior Contra os Professores

dedicada ao ataque de seis disciplinas (mathemata) centrais na vida intelectual dos gregos

antigos (e tambeacutem dos romanos) gramaacutetica retoacuterica geometria aritmeacutetica astronomia e

teoria musical Desses tratados o Contra os Gramaacuteticos eacute de longe o mais extenso Aleacutem de

ser em sentido amplo expressatildeo do posicionamento filosoacutefico sextiano esses textos

representam importante fonte de informaccedilatildeo histoacuterica sobre estas aacutereas do conhecimento

Essas disciplinas devem ser compreendidas no entanto em um sentido adequado ao

contexto histoacuterico Se entendermos gramaacutetica por exemplo como ldquoo conjunto de prescriccedilotildees

e regras que convencionam o uso considerado correto de uma liacutengua escrita ou faladardquo

verificar-se-aacute que esta disciplina natildeo existiu de forma independente na Greacutecia Antiga Tal tipo

de abordagem da liacutengua foi um subproduto de aacutereas com objetivos mais abrangentes tais

como a retoacuterica a poeacutetica a loacutegica ou dialeacutetica E descreve apenas uma das preocupaccedilotildees da

aacuterea entatildeo denominada gramaacutetica (algumas vezes lsquocriacuteticarsquo ou lsquofilologiarsquo) cujo

empreendimento amplo relacionava-se no periacuteodo heleniacutestico como veremos ao estudo da

literatura mais especificamente com a correccedilatildeo ediccedilatildeo exegese e valoraccedilatildeo do cacircnone

literaacuterio

Aleacutem da especificidade do desenvolvimento histoacuterico de cada uma dessas disciplinas

e de seu estatuto particular durante a Antiguidade haacute que se atentar para o fato de terem

composto ndash ora todas ora algumas ora junto a outras ndash ciclos de estudos Ou seja estiveram

vinculadas a projetos educacionais impulsionados essencialmente por concepccedilotildees

filosoacuteficas O conjunto de disciplinas abordado por Sexto pode ser considerado desse ponto

de vista um ciclo disciplinar com mateacuterias complementares entre si dispostas de acordo com

uma proposta educativa

Intermediaacuterios entre a formaccedilatildeo baacutesica disponiacutevel para uma parte da populaccedilatildeo e a

formaccedilatildeo superior restrita aos futuros saacutebios ou filoacutesofos o entendimento do papel desses

estudos acompanha consequentemente as polecircmicas filosoacuteficas e culturais em torno aos

conceitos de educaccedilatildeo e sabedoria De forma que certamente natildeo foram alvo de tratamento

unacircnime pelo contraacuterio Por um lado parece ter havido um debate fecundo em relaccedilatildeo a

quais disciplinas deveriam estar presentes nessa etapa da formaccedilatildeo Um debate no entanto

12

em que os participantes costumavam compartilhar ao menos noccedilotildees similares em relaccedilatildeo agrave

constituiccedilatildeo dos saberes Por outro tal como a discussatildeo sextiana natildeo nos deixaraacute esquecer

houve uma oposiccedilatildeo mais draacutestica a tais modelos educacionais disposta a questionar

pressupostos conceituais proposta filosoacutefica e utilidade

Sexto propotildee um ataque aos que professam estes estudos (mathematikoi) aos

especialistas Pois houve claro aqueles que se dedicavam com mais afinco a uma aacuterea

aqueles cuja produccedilatildeo se tornava referecircncia e que era preciso acatar ou criticar aqueles que

se destacaram em vaacuterias aacutereas aqueles cujas liccedilotildees se tornaram ceacutelebres multiplicando

disciacutepulos e propagando seus meacutetodos por fim aqueles cuja influecircncia era tamanha que

acabavam por originar mesmo uma lsquoescolarsquo De forma que nesse sentido Sexto ataca

propriamente estudos especializados pois seus seguidores compartilhavam aleacutem de uma

tradiccedilatildeo um corpo de conhecimentos cada vez mais especializados e teoacutericos Todos esses

saberes aleacutem de serem abordados com efeito como conhecimentos especializados satildeo

atacados precisamente onde supotildeem ou exigem abstraccedilatildeo teoacuterica

O ataque a uma tradiccedilatildeo eacute visiacutevel no Contra os Gramaacuteticos Sexto provecirc nesse livro

tal como tentaremos demonstrar agrave frente um panorama da constituiccedilatildeo dos saberes nesta aacuterea

Que ele mimetiza talvez ironicamente a disposiccedilatildeo de um tratado gramatical eacute algo que pode

ser notado desde o iniacutecio da obra A princiacutepio alude agraves introduccedilotildees laudatoacuterias da gramaacutetica

logo a seguir expotildee e critica suas definiccedilotildees e entatildeo passa ao ataque das partes da gramaacutetica

teacutecnica (que se ocupa de letras siacutelabas nomes partes da sentenccedila ortografia correccedilatildeo

etimologia) lsquohistoacutericarsquo (que trata dos personagens lugares etc) e especiacutefica (o exame das

obras literaacuterias propriamente ditas em verso ou prosa)

Este livro sobre a gramaacutetica eacute muito mais longo que aqueles dedicados agraves outras

disciplinas Eacute razoaacutevel supor tendo em vista a autoridade de que a filosofia estoica desfrutou

no periacuteodo heleniacutestico e a inter-relaccedilatildeo entre o desenvolvimento da disciplina gramatical e a

loacutegica estoica que Sexto tivesse um interesse especial pela questatildeo aleacutem de possivelmente

ter tido a sua disposiccedilatildeo suficiente material a respeito dessa mateacuteria Com relaccedilatildeo a esse

uacuteltimo ponto veremos que o espaccedilo que ele destina a argumentos que muito provavelmente

satildeo de origem epicurista e natildeo ceacutetica eacute consideraacutevel Isso poderia sugerir que sua fonte

principal fosse natildeo um tratado gramatical mas uma obra de ataque agrave doutrina gramatical nos

moldes daquelas ligadas agrave tradiccedilatildeo epicurista de polecircmica contra disciplinas que pretendiam

se antepor agrave filosofia

Apresentamos aleacutem do livro I Contra os Gramaacuteticos (M 1 41-320) a traduccedilatildeo da

Introduccedilatildeo (M 1 1-40) ao Contra os Professores Nela Sexto expotildee um ataque geral contra

13

as disciplinas por meio do que lhes eacute comum ie os elementos essenciais do ensino

conteuacutedo meacutetodo aluno e professor (os dois uacuteltimos atacados em conjunto) As aporias

direcionadas neste ataque de forma generalizada agraves disciplinas do estudo ciacuteclico (enkuklia

mathemata) valem-se de paradoxos comuns desde a primeira sofiacutestica e foram em outras

obras sextianas (M 11 170ss PH 3 239ss) desenvolvidas contra o ensino da tekhne peri ton

bion (arte de viver) dos estoicos Este elemento nos insere em uma das principais senatildeo a

principal problemaacutetica levantada atraveacutes do Contra os Professores as disciplinas

(mathemata) satildeo atacadas em seu fundamento ou utilidade por sua pretensatildeo de serem

tekhnai (lsquoartesrsquo) ndash em um sentido estoico (ou dogmaacutetico) um corpo sistemaacutetico de

conhecimentos lsquoracionaisrsquo organizados por meio de uma lsquometodologiarsquo fundados e guiados

pela lsquorazatildeorsquo (universal) Essa caracterizaccedilatildeo faz com que o ceacutetico considere tais disciplinas

com tais pretensotildees inuacuteteis agrave vida

Nos capiacutetulos iniciais apresentamos informaccedilotildees gerais sobre Sexto Empiacuterico com o

objetivo de delinear o ambiente em relaccedilatildeo ao qual seu posicionamento intelectual se

configura Sexto Empiacuterico dedica parte de sua obra agrave exposiccedilatildeo de sua orientaccedilatildeo filosoacutefica

ele proacuteprio portanto eacute nossa fonte principal Acerca das discussotildees filosoacuteficas do periacuteodo

heleniacutestico demasiado complexas para o escopo dessa introduccedilatildeo assim como as polecircmicas

concernentes agrave interpretaccedilatildeo dos textos sextianos procuramos selecionar algums

questionamentos e posiccedilotildees que tendo sido relevantes para nossa abordagem dos textos

possam contribuir para a apreciaccedilatildeo de nossa traduccedilatildeo Nosso esforccedilo direcionou-se agrave

visualizaccedilatildeo do contexto de produccedilatildeo do Contra os Gramaacuteticos Algumas questotildees receberam

tratamento privilegiado devido agrave importacircncia que adquirem ou na caracterizaccedilatildeo da posiccedilatildeo

sextiana em geral ou especialmente dentro da argumentaccedilatildeo do Contra os Gramaacuteticos

Informaccedilotildees adicionais referentes a escolhas tradutoacuterias por exemplo assim como

indicaccedilotildees de outras associaccedilotildees potencialmente interessantes entre passagens do texto e

outros textos antigos e uma tentativa de contextualizaccedilatildeo e compreensatildeo de argumentos

especiacuteficos encontram-se nas notas ao final da traduccedilatildeo

14

12 SEXTO EMPIacuteRICO

121 Periacuteodo de Atuaccedilatildeo

Sexto Empiacuterico eacute o uacutenico ceacutetico grego da antiguidade de quem possuiacutemos obras

completas Seu posicionamento filosoacutefico exerceraacute grande influecircncia (ainda que

indiretamente) no pensamento ocidental a partir do momento em que sua obra eacute redescoberta

durante o Renascimento1 Seus escritos satildeo uma das principais fontes de informaccedilatildeo sobre os

estoicos (seus principais adversaacuterios) e demais escolas heleniacutesticas aleacutem de conter muitos dos

fragmentos que possuiacutemos dos filoacutesofos preacute-socraacuteticos Eacute tambeacutem uma das mais importantes

vias de acesso agrave gramaacutetica heleniacutestica aleacutem de outras disciplinas do periacuteodo Sobre a vida de

Sexto Empiacuterico poreacutem natildeo sabemos praticamente nada Viveu em um periacuteodo entre o fim do

seacuteculo I dC e iniacutecio do III dC A dataccedilatildeo eacute imprecisa pois as poucas indicaccedilotildees em seus

textos satildeo incertas e as informaccedilotildees a partir de outras fontes duvidosas

Tambeacutem eacute essa a situaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao lugar em que teria atuado mdash consideram-se

provaacuteveis por terem sido os centros intelectuais mais importantes naquele momento as trecircs

principais cidades helenizadas do periacuteodo Roma Alexandria eou Atenas2 Tambeacutem natildeo nos

eacute possiacutevel identificar seus contemporacircneos com base nos adversaacuterios filosoacuteficos propriamente

nomeados por Sexto Empiacuterico pois dentre estes natildeo haacute nenhum cuja atuaccedilatildeo possa ser

datada para aleacutem do seacutec I aC O personagem histoacuterico mais tardio a que faz referecircncia natildeo-

ambiacutegua eacute ao Imperador Tibeacuterio morto em 37 dC (PH 1 84) Sexto parece isolar-se das

correntes filosoacuteficas de sua geraccedilatildeo Da mesma forma o interesse por sua obra parece ter sido

bastante restrito durante a antiguidade ao contraacuterio do impacto que causaraacute no iniacutecio da era

moderna3

1 Ver Floridi 2010 acerca de manuscritos gregos de Sexto Empiacuterico em bibliotecas de influentes pensadores do Renascimento e informaccedilotildees sobre suas primeiras traduccedilotildees latinas neste ambiente Sobre a ausecircncia de Sexto durante o periacuteodo medieval e a existecircncia de uma traduccedilatildeo latina nesta eacutepoca ver Porro 1994 2 House 1980 passim e Blank p xiii ndash xv 3 Bett 2005 p x e Gallego Cao e Muntildeoz Diego 2008 p 7-12 ldquoA redescoberta e publicaccedilatildeo das obras de Sexto Empiacuterico nos seacuteculos XVI e XVII induziram diretamente o ceticismo de Montaigne Gassendi Descartes Bayle e outras figuras importantes e provavelmente a preocupaccedilatildeo da filosofia moderna ateacute os dias de hoje em refutar ou senatildeo combater o ceticismo filosoacuteficordquo (MATES 1996 p 4) Conveacutem no entanto recordar que os filoacutesofos do princiacutepio da era moderna fazem parte de uma tradiccedilatildeo teoloacutegica que remonta principalmente a Santo Agostinho cuja formaccedilatildeo intelectual deve muito aos escritos de Ciacutecero expoente do ceticismo de vieacutes acadecircmico (ver adiante) O ceticismo apresentado por Sexto Empiacuterico parece diferir em muitos aspectos e em pontos cruciais das formas de ceticismo modernas que satildeo de algum modo suas descendentes histoacutericas Sobre possiacuteveis causas

15

O principal episoacutedio a sugerir uma dataccedilatildeo mais tardia para a atuaccedilatildeo de Sexto ao

redor de 200 dC eacute o fato de ele natildeo ter sido citado por Galeno (morto por volta de 200 dC)

em suas meticulosas obras dedicadas agraves correntes meacutedicas do periacuteodo4 E considerando que

Hipoacutelito de Roma autor das Refutaccedilotildees de todas as heresias (Refutatio Omnium Haeresium)

escritas algum tempo antes de 235 dC tenha copiado a partir da obra sextiana (e natildeo a partir

de uma fonte comum a ambos) as passagens que ataca esta seria a data limite para que

tivessem sido compostas por Sexto Por outro lado se considerarmos fidedigna a lista de

lsquodirigentesrsquo da lsquoEscola Ceacuteticarsquo transmitida por Dioacutegenes Laeacutercio (DL 9 115-116) Sexto teria

estado no comando dessa suposta escola entre aproximadamente os anos 110 e 140 dC

eacutepoca de certa influecircncia do estoicismo o que poderia justificar o papel de destaque que esta

filosofia ocupa em sua obra No entanto Sexto Empiacuterico invariavelmente refere-se agrave filosofia

estoica dos trecircs uacuteltimos seacuteculos aC Em M 8 258 Sexto menciona o estoico Basiacutelides com a

possibilidade de que se refira a um dos preceptores de Marco Aureacutelio que nasceu em 121

dC o que poderia reforccedilar a hipoacutetese de Sexto ter atuado ao redor de 140 dC Poreacutem haacute um

outro Basiacutelides um estoico do seacuteculo II aC e a indicaccedilatildeo permanece ambiacutegua5

Assim Sexto parece nunca se referir a um pensador que lhe seja contemporacircneo e

dos filoacutesofos que critica o mais recente teria morrido trecircs ou mais geraccedilotildees antes dele natildeo

havendo qualquer menccedilatildeo a um filoacutesofo atuante por volta do seacuteculo I-II dC Contudo como

apontam Annas e Barnes (2000 p xvi) natildeo devemos nos esquecer que

Sexto natildeo estaacute sozinho em sua obsessatildeo com o passado muitos dos ensaios filosoacuteficos de Plutarco por exemplo discutem figuras de um passado remoto Aleacutem disso a obsessatildeo com o passado era em parte fachada no seacuteculo II dC discutir os pensamentos dos grandes jaacute mortos natildeo era uma forma de escapismo ou marca de nostalgia da Era de Ouro pelo contraacuterio era um modo padratildeo de abordagem das questotildees filosoacuteficas ndash e portanto de

para este fenocircmeno principalmente sobre o ceticismo ter sido historicamente compreendido como a posiccedilatildeo lsquodogmaacuteticarsquo de que nada eacute ou pode ser conhecido com certeza ver a argumentaccedilatildeo de Frede 1987 p 201-222 Ademais as questotildees que interessaram os ceacuteticos antigos estariam hoje em dia associadas a discussotildees em aacutereas como a epistemologia filosofia da linguagem ou teoria da accedilatildeo entre outras aquilo que geralmente seria apontado como a cena contemporacircnea ceacutetica parece envolver questotildees que natildeo desempenharam papel fundamental naquele contexto Cf Vogt 2014 4 O proacuteprio Galeno parece ter sido alvo do silecircncio de seus contemporacircneos entre eles o imperador Marco Aureacutelio que tendo sido seu paciente natildeo o menciona nenhuma vez em suas Meditaccedilotildees obra que conteacutem vaacuterias referecircncias agrave medicina (Manzano 2002 p 10) Tambeacutem eacute interessante mencionar o comentaacuterio da tradutora espanhola (idem p 14) ldquofrequentemente [Galeno] distorce o pensamento de seus adversaacuterios e o interpreta de maneira tendenciosa ndash especialmente o dos meacutedicos contemporacircneos que nunca menciona exceto para rebaixaacute-los apontar seus erros e ocasionalmente oferecer-lhes conselhosrdquo 5 Gallego Cao e Muntildeoz Diego 2008 p 22-24 e Annas e Barnes 2000 p 140

16

engajamento em controveacutersias filosoacuteficas vivas ldquoIsto eacute o que diz Platatildeordquo ldquoCriacutesipo afirma istordquo ndash tais declaraccedilotildees eram toacutepicos dentro das escolas filosoacuteficas Este procedimento pode declinar em lsquomerarsquo doxografia e exegese como mais de um criacutetico antigo observou mas a princiacutepio faz parte de um exerciacutecio filosoacutefico e natildeo histoacuterico

De forma que o anacronismo das obras de Sexto Empiacuterico eacute uma caracteriacutestica

compartilhada com outros filoacutesofos de sua eacutepoca Mesmo assim a visatildeo que ele nos passa eacute

realmente a de estar isolado pois considerando o interesse de seus contemporacircneos por

Platatildeo e Aristoacuteteles o interesse de Sexto pelo passado eacute seletivo seus adversaacuterios satildeo

prioritariamente os estoicos Que ele coloque em cena inclusive pensadores tatildeo antigos como

os preacute-socraacuteticos eacute por sua vez outra caracteriacutestica comum da filosofia heleniacutestica que foi

mesmo descrita como ldquolarge-scale conversationrdquo (Vogt 2014)

Sexto floresceu portanto ao que tudo indica durante ou ao fim do seacuteculo II dC em

pleno Impeacuterio Romano Os temas de seu interesse no entanto configuram-se ao longo de no

miacutenimo cinco seacuteculos tendo sido abordados antes dele por pensadores e estudiosos com

distintas filiaccedilotildees e interesses O ponto crucial dessas discussotildees retomadas por Sexto eacute o

conflito entre as escolas filosoacuteficas heleniacutesticas Este eacute propriamente o ambiente intelectual

com o qual dialoga sua obra Eacute com base nos ataques agrave filosofia estoica do periacuteodo heleniacutestico

que ele desenvolve seu exerciacutecio filosoacutefico (inclusive seu vocabulaacuterio eacute fortemente contiacuteguo

ao estoicismo e epicurismo) posicionando-se frente ao embate que constitui as trecircs linhas

filosoacuteficas que ele menciona no comeccedilo de PH acadecircmicos dogmaacuteticos e ceacuteticos Dessa

caracteriacutestica adveacutem o largo valor doxograacutefico de sua obra

Dentre os gramaacuteticos que cita Aristoacutefanes de Bizacircncio (c 257-180 aC) Aristarco

de Samotraacutecia (c 216-144 aC) Crates de Malos (c 180-150 aC) Taurisco (disciacutepulo de

Crates) Dioniacutesio Traacutecio (c 170-90 aC) Pindaacuterio (prov contemporacircneo de Dioniacutesio) aquele

cuja atuaccedilatildeo seria mais recente eacute Asclepiacuteades de Mirleia (seacutec I aC) cuja concepccedilatildeo de

gramaacutetica parece ter servido de base agrave criacutetica sextiana (ou agrave sua fonte) Alguns poreacutem natildeo

puderam ser idenficados com clareza pela tradiccedilatildeo Ptolomeu o Peripateacutetico Caacuteres e

Demeacutetrio Cloro

Lembrando que o fato de Sexto natildeo se referir a pensadores mais atuais cujas obras

foram fundamentais para o desenvolvimento dos toacutepicos de que trata natildeo eacute evidecircncia de que

ele estivesse totalmente alheio a esta produccedilatildeo Devido agrave sua caracteriacutestica de apoiar-se

fortemente em fontes anteriores poderiacuteamos inclusive supor o contraacuterio De qualquer forma

as ausecircncias satildeo notaacuteveis Considerem-se nomes gregos e latinos como Varratildeo Ciacutecero

Secircneca Filodemo de Gaacutedara Lucreacutecio Fiacutelon de Alexandria Quintiliano Plutarco Aulo

17

Geacutelio por exemplo jamais mencionados Aleacutem de seus provaacuteveis contemporacircneos Galeno e

Apolocircnio Diacutescolo entre tantos outros (inclusive aqueles cujos nomes natildeo conhecemos

justamente por Sexto natildeo ter creditado suas fontes)

122 Obras

De Sexto Empiacuterico chegaram ateacute noacutes atraveacutes de manuscritos medievais as

seguintes obras6

1) Hipotiposes Pirrocircnicas7 (Pyrrhoniae Hypotyposes) - trecircs livros acerca do ceticismo

onde estatildeo expostas sua natureza e propoacutesito Sexto apresenta e demonstra recursos da

posiccedilatildeo ceacutetica e distingue o ceticismo de outras praacuteticas filosoacuteficas O primeiro livro eacute

uma apresentaccedilatildeo geral do ceticismo pirrocircnico os dois uacuteltimos trazem argumentos

contra as principais teses dos filoacutesofos dogmaacuteticos nas trecircs lsquoaacutereasrsquo da filosofia poacutes-

aristoteacutelica8 Loacutegica (tema do segundo livro) Fiacutesica (ou Filosofia da Natureza) e Eacutetica

(ambas no terceiro livro) Tal como as outras obras de Sexto teria sido muito

6 Adoto o seguinte esquema de referecircncia PH 1-3 Hipotiposes Pirrocircnicas 1-3 (Pyrrhoniae Hypotyposes) M 1-6 Contra os Professores 1-6 (Adversus Mathematicos) M 11-40 Introduccedilatildeo M 141-320 Contra os Gramaacuteticos (Adv Grammaticos) M 2 Contra os Retoacutericos (Adv Rhetores) M 3 Contra os Geocircmetras (Adv Geometras) M 4 Contra os Aritmeacuteticos (Adv Arithmeticos) M 5 Contra os Astroacutelogos (Adv Astrologos) M 6 Contra os Muacutesicos (Adv Musicos) M 7-11 Contra os Dogmaacuteticos (Adv Dogmaticos) (transmitido junto com o Contra os Professores mas na verdade um tratado diferente) M 7 e 8 Contra os Loacutegicos 1-2 (Adv Logicos) M 9 e 10 Contra os Fiacutesicos I-II (Adv Physicos) e M 11 Contra os Eacuteticos (Adv Ethicos) Em Dumont 1972 p 4 haacute uma tabela de equivalecircncia das diferentes opccedilotildees utilizadas ateacute entatildeo pelos criacuteticos 7 Sobre a traduccedilatildeo do tiacutetulo Marcondes 1997 p 122 ldquoOptamos por manter o tiacutetulo original lsquoHipotiposesrsquo embora Bury Annas e Barnes e Mates o traduzam por lsquooutlinesrsquo e em espanhol se encontre frequentemente a traduccedilatildeo lsquobosquejosrsquo sendo que ambos os termos poderiam ser traduzidos por lsquoesboccedilosrsquo Consideramos entretanto que o termo lsquohipotiposersquo tem um sentido bastante especiacutefico designando um tipo de texto de resto bastante comum na eacutepoca Enesidemo (seacutec I aC) fundador do movimento ceacutetico de que Sexto Empiacuterico foi um seguidor escreveu tambeacutem Hipotiposes obra hoje perdida O termo lsquohipotiposersquo designa uma figura de linguagem consistindo em uma descriccedilatildeo tatildeo viacutevida de algo que eacute como se o tiveacutessemos diante de noacutes Esta eacute a definiccedilatildeo que encontramos por exemplo na Institutio Oratoria (9 2 40) de Quintiliano lsquotrata-se de uma representaccedilatildeo dos fatos em termos tatildeo expressivos que cremos vecirc-los e natildeo apenas ouvi-losrsquo Eacute com base nesta acepccedilatildeo de lsquohipotiposersquo bastante distante de um simples lsquoesboccedilorsquo que preferimos manter o termo originalrdquo De nossa parte mantemos lsquohipotiposesrsquo por ter-nos parecido comum referir-se agrave obra dessa forma ainda que natildeo estejamos convencidos da argumentaccedilatildeo de Marcondes pela acepccedilatildeo de lsquodescriccedilatildeo viacutevidarsquo e tendamos a considerar que a acepccedilatildeo seria mesmo lsquoesboccedilorsquo ou talvez lsquosiacutentesersquo 8 ldquoDivisatildeo que natildeo sendo de origem estoica foi imposta pelos estoicos agrave praacutetica filosoacutefica ocidental por dois milecircniosrdquo Pellegrin 2002 p 9

18

provavelmente escrita com base em fontes anteriores heterogecircneas9 Partes das

Hipotiposes podem ter sido copiadas de textos anteriores palavra por palavra e haacute

razatildeo para suspeitar que esse fosse o modus operandi normal de Sexto10 Contudo PH

eacute uma obra bem escrita e organizada Sexto natildeo parece se apropriar de forma passiva

do material preexistente mas esforccedilar-se por expor de maneira consistente seu ponto

de vista11

2) Contra os Professores (Adversus Mathematicos) ndash tradicionalmente daacute-se este tiacutetulo

ao conjunto dos onze livros restantes pois estatildeo assim agrupados nos manuscritos

antigos contudo deve-se separaacute-los em duas obras distintas seis livros chamados

propriamente de Contra os Professores12 em que Sexto desenvolve um ataque criacutetico

aos que se envolvem em estudos teoacutericos na ordem M 1-6 Contra os Gramaacuteticos

9 ldquoComo tem sido constantemente sugerido a obra de Sexto depende fortemente de fontes anteriores A razatildeo principal para acreditar nisto satildeo as correspondecircncias muito proacuteximas que podem ser frequentemente observadas entre Sexto e outros autores particularmente Dioacutegenes Algumas vezes a linguagem eacute idecircntica ou extremamente semelhante algumas vezes apenas a estrutura argumentativa mas a extensatildeo das correspondecircncias nos impele a supor que ou um autor se vale do outro ou ambos utilizam fontes anteriores agora perdidas para noacutes Dioacutegenes eacute posterior a Sexto no miacutenimo uma geraccedilatildeo (DL 9 116) entatildeo se um copia o outro seria Dioacutegenes quem copia Sexto No entanto este natildeo parece ser o caso se se consideram as diferenccedilas igualmente marcantes entre os dois No relato de Dioacutegenes sobre o Pirronismo (9 74-101) haacute muito material que certamente natildeo proveacutem de Sexto Mas ele dificilmente teria inventado tais informaccedilotildees e em todo caso Dioacutegenes ao contraacuterio de Sexto eacute bastante expliacutecito sobre estar seguindo fontes anteriores e sua vida de Pirro natildeo eacute uma exceccedilatildeo Consequentemente Dioacutegenes e Sexto devem ter ambos baseado-se em fontes anterioresrdquo Bett 1997 p xxvii 10 Algumas passagens parecem entrar em contradiccedilatildeo entre si e estas discrepacircncias talvez se devam a diferentes variedades do ceticismo presentes nas fontes que Sexto Empiacuterico teria utilizado (Annas Barnes 2000 p xv) Vogt (2014) chama a atenccedilatildeo para o fato de estarem em jogo dois tipos de consistecircncia nos escritos sextianos Por um lado Sexto aspira agrave consistecircncia de um posicionamento filosoacutefico por outro preocupa-se em ter uma resposta para cada objeccedilatildeo adversaacuteria Dessa forma alguns ataques ainda que consistentes ao preservarem o ceacutetico da criacutetica dogmaacutetica podem ter implicaccedilotildees que estatildeo em conflito com o modo como explica o ceticismo em outras passagens (Vogt 2014) 11 Bett 2005 p xx Mates 1996 p vii 12 Pros mathematikous poder-se-ia tentar definir melhor a classe de pensadores que estatildeo sendo atacados Contra os que professam as Disciplinas do Estudo Ciacuteclico uma opccedilatildeo muito longa Talvez alguma dentre as seguintes seria mais adequada Contra os Especialistas Contra os Teoacutericos Contra os Eruditos Contra os Estudiosos Contra os Instruiacutedos (nos estudos ciacuteclicos ou especializados) Contra os Doutos (cf Bett 1997 p x ldquoAgainst the Learnedrdquo) ou aindaldquoContra os Homens de Ciecircnciardquo (Bolzani 2011 p 6) A verdade eacute que Contra os Professores talvez seja mesmo uma das piores opccedilotildees para transmitir ao puacuteblico atual o conteuacutedo desta obra Poreacutem muitos jaacute a conhecem por este tiacutetulo e as outras opccedilotildees mencionadas tambeacutem nos parecem gerar algum tipo de equiacutevoco

19

Contra os Retoacutericos Contra os Geocircmetras Contra os Aritmeacuteticos Contra os

Astroacutelogos e Contra os Muacutesicos13 e

3) Contra os Dogmaacuteticos M 7-11 tiacutetulo que tem sido usado para os outros cinco livros

restantes compostos por dois livros Contra os Loacutegicos M 7-8 dois livros Contra os

Fiacutesicos M 9-10 e um livro Contra os Eacuteticos M 11 Haacute nessa obra muito material

semelhante aos dois uacuteltimos livros das Hipotiposes ou seja argumentos contra os

filoacutesofos dogmaacuteticos mas tambeacutem argumentaccedilatildeo ceacutetica adicional contra suas

doutrinas assim como valiosa informaccedilatildeo sobre as principais escolas filosoacuteficas do

periacuteodo heleniacutestico Sexto refere-se a um escrito introdutoacuterio aos mesmos hoje

supostamente perdido

No Contra os Professores M 1-6 encontramos algumas referecircncias cruzadas (por

exemplo M 1 35 M 3 116) que remetem muito provavelmente a discussotildees presentes no

Contra os Dogmaacuteticos M 7-11 de forma que parecem sugerir que estes uacuteltimos livros foram

escritos antes daqueles Hipotiposes Pirrocircnicas costumava ser apontada como a primeira das

trecircs obras Sexto estaria reformulando no Contra os Dogmaacuteticos questotildees tratadas

sucintamente nos dois uacuteltimos livros das PH ndash como continuaccedilatildeo agrave argumentaccedilatildeo

antidogmaacutetica ali efetuada Contudo ainda que a questatildeo permaneccedila controversa as

13 As seis disciplinas que Sexto discute satildeo muito semelhantes agraves sete artes liberais do cacircnone escolaacutestico medieval que inclui tambeacutem a loacutegica (ou dialeacutetica) o Trivium (gramaacutetica retoacuterica e dialeacuteticaloacutegica) mais Quadrivium (geometria aritmeacutetica astronomia [o alvo de Sexto eacute a astrologia] e muacutesica) Sexto parece sugerir que o ciclo de estudos (enkuklia mathemata) de que trata estava geralmente estabelecido em sua eacutepoca (M 1 7) sem fazer qualquer menccedilatildeo a alguma disputa acerca do lugar da loacutegica Contudo as evidecircncias apontam para um cenaacuterio mais complexo certamente bastante diferente da fixidez das sete disciplinas escolaacutesticas e seu estatuto no curriacuteculo medieval (Sobre a questatildeo das artes liberais na antiguidade ver Hadot 2005) Sexto discute a loacutegica como uma das trecircs partes da filosofia divisatildeo canocircnica do periacuteodo heleniacutestico Mas a loacutegica por vezes foi considerada uma disciplina liberal enfatizando-se o seu caraacuteter de lsquoferramentarsquo para a filosofia E em alguns ambientes ao estudo da loacutegica subordinou-se o estudo da gramaacutetica e da retoacuterica De forma que a situaccedilatildeo mais provaacutevel eacute que existissem diferentes curriacuteculos em lsquocompeticcedilatildeorsquo durante a antiguidade A relaccedilatildeo entre a loacutegica estoica e a gramaacutetica heleniacutestica seraacute discutida adiante Aleacutem da questatildeo deste conjunto de disciplinas ser ou natildeo uma formaccedilatildeo padratildeo em sua eacutepoca duas outras polaridades estatildeo latentes especializaccedilatildeo x generalizaccedilatildeo dos conteuacutedos e formaccedilatildeo comum x formaccedilatildeo para a filosofia Como mencionamos brevemente anteriormente consideramos que do ponto de vista ceacutetico (e epicurista) essas disciplinas satildeo descritas e atacadas propriamente como estudos especializados e natildeo geneacutericos Em relaccedilatildeo ao tipo de formaccedilatildeo enfatizamos que independente de se propagarem como uma formaccedilatildeo comum (geral ampla ou preliminar) a origem da polecircmica eacute o estatuto da loacutegica frente agrave filosofia Mais informaccedilotildees adiante

20

Hipotiposes atualmente satildeo geralmente qualificadas como posteriores ao Contra os

Dogmaacuteticos14

Contra os Professores difere das outras obras sextianas descritas seu alvo satildeo

estudos especializados e natildeo teses filosoacuteficas (embora estas desempenhem algum papel na

caracterizaccedilatildeo destes estudos) seus argumentos parecem conter um vieacutes antiteoacuterico15

acentuado e foacutermulas do discurso ceacutetico principalmente a suspensatildeo do julgamento natildeo satildeo

aparentes Aleacutem do comum sarcasmo Sexto parece demonstrar um desprezo especial por

esses estudiosos principalmente pelos gramaacuteticos e astroacutelogos

Discussotildees acerca da cronologia dessa obra costumaram envolver uma valoraccedilatildeo

negativa de seu conteuacutedo como versatildeo pouco madura (ou pouco prudente e normalmente

menos interessante do ceticismo de Sexto Empiacuterico) foi considerada obra de juventude Por

outro lado certas caracteriacutesticas linguiacutesticas (apontadas por Janagravecek 1972 especialmente)

parecem sugerir que fosse de fato tardia e interpretaccedilotildees de seu conteuacutedo levaram agrave

suposiccedilatildeo de Sexto ter abandonado no momento em que a produz sua orientaccedilatildeo ceacutetica16

Essas opiniotildees e o fato de esta obra natildeo tratar explicitamente de assuntos filosoacuteficos

contribuiacuteram para sua marginalizaccedilatildeo na histoacuteria de estudo do ceticismo tendo sido muitas

vezes inclusive totalmente ignorada Contra os Professores acabou por ser tradicionalmente

considerada um desafio agrave formulaccedilatildeo de uma abordagem ampla do pirronismo Contudo

mesmo que sui generis parece representar um momento importante e autecircntico do ceticismo

sextiano e pode mesmo ser considerada uma obra intermediaacuteria anterior agrave composiccedilatildeo de

PH17

14 Cf Bett 1997 2005 Tem-se sugerido uma maior sofisticaccedilatildeo filosoacutefica para a redaccedilatildeo das PH Sexto evita deixar sem qualificaccedilatildeo conclusotildees com vieacutes dogmaacutetico tal como encontramos em M 1-6 e M 11 por exemplo (talvez estas obras representem uma versatildeo anterior do ceticismo supotildee-se ainda natildeo totalmente ajustado agrave expressatildeo da suspensatildeo do juiacutezo) ao mesmo tempo em que consolida discussotildees presentes em M 7-10 Ver Bett 1997 Brunschwig 1988 Vogt 2012 e 2014 15 Alguns estudiosos aproximaram o discurso de Sexto no Contra os Professores agrave posiccedilatildeo quasi dogmaacutetica dos primeiros meacutedicos empiacutericos Janagravecek (1972 p 87) supocircs mesmo que Sexto teria abandonado o ceticismo quando escreve esta obra Pellegrin 2002 p 11 considera a suposiccedilatildeo imprudente e chama a atenccedilatildeo para a passagem M 16-7 em que Sexto revela a mesma disposiccedilatildeo para tratar dos estudos especializados que teve para com a filosofia Por outro lado eacute possiacutevel aproximar as passagens claramente ceacuteticas desses tratados com a linguagem de Sexto em passagens do Contra os Dogmaacuteticos ou mesmo de PH ainda que de fato nesta uacuteltima obra haja uma preocupaccedilatildeo evidente em contrapor argumentos equipolentes e conduzir a argumentaccedilatildeo agrave equipolecircncia e suspensatildeo do juiacutezo 16 Ver nota acima 17 Eacute a opiniatildeo de Bett por exemplo cf Bett 1997 p 225

21

13 CETICISMO ANTIGO18

Costuma-se apontar duas correntes com orientaccedilatildeo ceacutetica na antiguidade o ceticismo

acadecircmico e o ceticismo pirrocircnico19 Apenas os pirrocircnicos se autodenominaram lsquoceacuteticosrsquo (em

grego skeptikos de skeptomai lsquoinvestigarrsquo lsquoobservarrsquo lsquoexaminarrsquo lsquoconsiderarrsquo) e

provavelmente somente depois do seacuteculo I dC Enesidemo seacutec I aC parece ter usado

somente o termo zetesis (de zeteo lsquoinvestigarrsquo lsquoquestionarrsquo lsquobuscarrsquo) Sexto Empiacuterico utiliza

com naturalidade entre outros termos o termo skeptikos20

Pirronismo por sua vez deve-se a Pirro de Eacutelis uma figura pouco conhecida de fins

do seacuteculo IV aC e princiacutepio do III aC c 365-270 aC contemporacircneo mais jovem de

Aristoacuteteles Diz-se que foi pintor interessou-se pelo atomismo21 estudou filosofia indiana22 e

possuiacutea uma personalidade excecircntrica Este pensador parece ter logo atraiacutedo alguns

seguidores como Tiacutemon de Fliunte (c 320-235 aC) cujos fragmentos remanescentes nos

legaram algumas das parcas informaccedilotildees que possuiacutemos sobre a vida e pensamento de Pirro

18 O intuito foi traccedilar um panorama bastante geneacuterico em que fosse possiacutevel visualizar algumas das principais questotildees que ocuparam os pensadores do periacuteodo foge do escopo deste trabalho considerar as inuacutemeras interpretaccedilotildees modernas para cada um dos termos e passagens aqui mencionados Procuramos identificar de maneira clara os estudiosos cujas obras permitiram nossa visatildeo geral do assunto e citar algumas das problemaacuteticas referentes a pontos cruciais no entanto o fato de natildeo nos atermos a questotildees especiacuteficas aqui levantadas pode mascarar sua complexidade e dar uma ideia superficial do trabalho dos pesquisadores Remetemos os leitores para os textos e a bibliografia presentes no verbete sobre o Ceticismo Antigo na Enciclopeacutedia Online Stanford redigida por Vogt 2014 no artigo de Bolzani 2011 na coletacircnea de Bett 2010 e Hankinson 1995 19 Na obra de Ciacutecero e de Plutarco (Adversus Colotem 1121E=LS 68H1) os acadecircmicos satildeo aqueles que praticam a suspensatildeo do julgamento O termo lsquopirronismorsquo parece ter sido reinvidicado por Enesidemo para designar sua nova escola de pensamento talvez para enfatizar a dissidecircncia com os acadecircmicos No seacuteculo II o termo skeptikoi foi usado (junto com ephektikoi aporetikoi zetetikoi gradualmente adquirindo primazia sobre estes) indistintamente para referir-se a pensadores de ambas as filiaccedilotildees acadecircmicos e pirrocircnicos A obra de Sexto parece ter sido determinante para que se preservasse uma denominaccedilatildeo distinta para as duas filiaccedilotildees jaacute que ele negou aos acadecircmicos a alcunha de ceacuteticos designando-os como dogmaacuteticos 20 ldquoSkeptikos eacute usado como um nome para os neo-pirronistas pela primeira vez ateacute onde sabemos por Fiacutelon de Alexandria (Congr 52) (cf Bett 2003 p 148) Durante o seacuteculo II o adjetivo skeptikoi referindo-se agrave escola de pensamento filosoacutefico aparece em fontes diferentes no sofista Luciano de Samoacutesata (Vit Auct 2740) no escritor romano Aulo Geacutelio (NA 115) e nos escritos de Sexto Empiacuterico (PH 13-21) No seacuteculo III nas obras de Dioacutegenes Laeacutercio (DL 970) eacute jaacute um termo teacutecnico bem estabelecido Sexto tambeacutem usa skepsis como nome para sua filiaccedilatildeo filosoacutefica (PH 157)rdquo Ziemińska 2013 21 A posiccedilatildeo de Demoacutecrito eacute geralmente apontada como precursora do ceticismo O mesmo acerca de Xenoacutefanes Tanto epicuristas quanto estoicos foram em geral atomistas 22 Pirro teria tido contato com os gimnosofistas da Iacutendia durante sua participaccedilatildeo na expediccedilatildeo de Alexandre o Grande Para uma leitura da relaccedilatildeo entre filosofia indiana e a suposta posiccedilatildeo de Pirro ver Nanajivako 1985 Sobre Pirro Decleva Caizzi 1981a 1981b

22

(de forma que teriam sido em grande parte responsaacuteveis pela imagem que a posteridade

formou dele)

Os ensinamentos de Pirro transmitidos oralmente a seus seguidores parecem ter sido

eminentemente de caraacuteter moral Sobre a filosofia pirroniana tal como Tiacutemon a representou

encontramos o relato de Aristoacutecles de Messena

Aquele que pretende ser feliz deve considerar estes trecircs pontos (1) como as coisas satildeo (2) qual deveria ser nossa disposiccedilatildeo com relaccedilatildeo a elas e (3) qual seraacute o resultado para aqueles que estiverem assim dispostos [Tiacutemon] diz que [Pirro] declara que as coisas satildeo igualmente indiferentes (adiaphora) natildeo mensuraacuteveis (astathmeta) e indecidiacuteveis (anepikrita) e que por esta razatildeo nem nossas percepccedilotildees sensiacuteveis nem nossas crenccedilas dizem a verdade ou mentem e assim natildeo devemos confiar (pisteuein) nelas mas devemos ao inveacutes disso ser sem crenccedilas (adoxastous) e natildeo nos comprometermos e natildeo nos influenciarmos dizendo de cada uma e de todas as coisas que natildeo satildeo mais isto que aquilo (ou mallon) ou que satildeo e natildeo satildeo ou que nem satildeo nem natildeo satildeo Tiacutemon diz que o resultado para aqueles que estiverem assim dispostos seraacute a afasia e entatildeo a serenidade de espiacuterito (ataraxia) Enesidemo [diz que eles alcanccedilaratildeo satisfaccedilatildeo] (Aristocles apud Euseacutebio Praeparatio Evangelica 1418758c-d in GERSON 2009 p 113)

Este relato assemelha-se ao nuacutecleo do ceticismo conclamado por Sexto Empiacuterico em sua obra

e a sentenccedila ldquonenhuma coisa eacute maisrdquo (ou(den) mallon) seraacute reiterada como leitmotiv No

entanto resulta-nos difiacutecil dada as escassas evidecircncias e problemas interpretativos julgar ateacute

que ponto Pirro foi algo mais que um vivo personagem cujo nome e caraacuteter notaacutevel teriam

sido sua uacutenica contribuiccedilatildeo ao ceticismo23

Com base no fragmento acima natildeo eacute possiacutevel afirmar claramente se Pirro considera

serem as coisas indeterminadas ou indeterminaacuteveis Para Gerson (2009 p 114) a partir do

testemunho dos ceacuteticos posteriores que afirmam inspirar-se em Pirro seria coerente afirmar

que considerasse as coisas lsquoindeterminaacuteveisrsquo (em suas relaccedilotildees)24 Fica evidente nos escritos

23 Gerson 2009 p 112 A passagem em PH 1 7 parece sugerir que Sexto natildeo se compromete de maneira especial nem com o termo lsquopirronismorsquo nem com a figura de Pirro que pouco aparece em sua obra Bett (1997 p 11) embora tenha argumentado a favor de uma diferenccedila substancial entre a perspectiva pirroniana e a sextiana afirma ldquoMas Pirro parece mesmo ter chegado a algum tipo de desconfianccedila acerca do modo como o mundo se apresenta para noacutes tanto na experiecircncia ordinaacuteria quanto na teoria filosoacutefica ou cientiacutefica e ele aparenta como resultado desta atitude ter alcanccedilado um niacutevel extraordinaacuterio de tranquilidade e indiferenccedila agraves circunstacircncias Estes pontos ndash bem como de maneira igualmente significativa a conexatildeo entre eles ndash podem ser justamente entendidos como antecipando a perspectiva do posterior movimento que toma dele seu nomerdquo 24 Ciacutecero menciona Pirro como um moralista famoso por sua indiferenccedila mas natildeo endossa sua aderecircncia agrave epokhe Ao contraacuterio do que escreveriam sobre ele mais tarde Sexto Empiacuterico e Dioacutegenes Laeacutercio

23

sextianos que os ceacuteticos tiveram de defender-se de acusaccedilotildees de dogmatismo em

pronunciamentos como o mencionado Em PH 1 198 Sexto descreve a indeterminaccedilatildeo como

um lsquoestado da mentersquo (pathos dianoias) que diz respeito a natildeo assentir ou rejeitar nada poreacutem

em PH 1 14-15 ele sustenta que as foacutermulas ceacuteticas (aiacute impliacutecitas agravequelas que envolvem a

indeterminaccedilatildeo) ldquocancelam-serdquo a si mesmas ldquoSe o dogmatismo estabelece como realmente

existente aquilo que dogmatiza enquanto o ceacutetico apresenta suas expressotildees de forma que

implicitamente se auto-cancelam (perigraphein) natildeo se pode entatildeo dizer que o ceacutetico

dogmatiza ao expocirc-lasrdquo25

A hipoacutetese de uma lsquoEscola Pirrocircnicarsquo que tenha se mantido ativa durante todo o

periacuteodo heleniacutestico desde Pirro ateacute Sexto parece estar sugerida no testemunho de Dioacutegenes

Laeacutercio (9 115) mas ele proacuteprio natildeo se mostra muito seguro da consistecircncia de sua lista dos

dirigentes ceacuteticos Estudiosos que tentaram conferir nexo temporal agrave esta lista encontraram

grande dificuldade Aleacutem disso podemos afirmar que o ceticismo natildeo se configurou como

uma instituiccedilatildeo como foram as outras escolas filosoacuteficas do periacuteodo nem mesmo como uma

tradiccedilatildeo contiacutenua e fechada O proacuteprio Sexto insiste no fato de que os ceacuteticos natildeo formaram

uma escola no sentido usual do termo (PH 1 16-17)

Durante os seacuteculos III e II aC momento de manifesta descontinuidade em uma

suposta linhagem pirrocircnica o lugar em que o lsquoantidogmatismorsquo floresceu foi a Academia e

seria a partir de Arcesilau entatildeo que teria tido iniacutecio uma tradiccedilatildeo contiacutenua e consistente de

ceticismo dentro das escolas filosoacuteficas

131 Ceticismo Acadecircmico

Entre o comeccedilo e o meio do seacuteculo III aC a Academia a escola fundada por Platatildeo

liderada agora por Arcesilau (c 316-240 aC)26 tomou uma direccedilatildeo ceacutetica tendo como

25 Sobre a auto-refutaccedilatildeo no ceticismo em geral no pirronismo anterior a Sexto e no proacuteprio Sexto ver Castagnoli 2010 p 249-352 26 Do pensamento de Arcesilau foi dito (Ariacuteston de Quios) que tinha Platatildeo agrave frente Pirro atraacutes e Diodoro no centro (PH 1234) ldquoPorque ele empregou a dialeacutetica de Diodoro sendo na verdade um platonistardquo ldquoSe Pirro estaacute por traacutes de sua filosofia eacute porque ele inspirou em Arcesilau a noccedilatildeo de que suspender o julgamento poderia realmente ser mais desejaacutevel que comprometer-se com uma posiccedilatildeo dogmaacutetica e natildeo somente um artifiacutecio pouco confiaacutevel para resguardar a integridade intelectual (a bleak expedient in the cause of intellectual honesty) como alguns antigos parecem ter suposto Se Diodoro estaacute no coraccedilatildeo de sua filosofia eacute porque Arcesilau adotou as melhores teacutecnicas dialeacuteticas disponiacuteveis na sua eacutepoca aquelas tornadas conhecidas por Diodoro e seus associados [] Se finalmente Platatildeo estava agrave frente da filosofia de Arcesilau eacute porque Arcesilau declarou-se natildeo estar

24

principal adversaacuterio a mais feacutertil e prestigiosa fonte de dogmas filosoacuteficos do periacuteodo a

epistemologia estoica de Zenatildeo de Ciacutetio (c 340-264 aC) Natildeo eacute implausiacutevel que Arcesilau

tenha recebido inspiraccedilatildeo do pensamento de Pirro Dioacutegenes afirma que eles teriam se

conhecido (DL 9 66) poreacutem natildeo haacute evidecircncia direta que o comprove

Fundamentada em elementos da descriccedilatildeo platocircnica de Soacutecrates e enfatizando as

tendecircncias aporeacuteticas dos diaacutelogos platocircnicos contra o dogmatismo dos sucessores de Platatildeo

a Academia Nova (ou Meacutedia como a chama Sexto) parece ter compreendido e defendido o

meacutetodo socraacutetico como um meacutetodo ceacutetico de inquiriccedilatildeo intelectual Os conhecimentos

deveriam a exemplo da posiccedilatildeo socraacutetica naqueles diaacutelogos ser investigados dialogicamente

a partir das proacuteprias premissas e descobertas alardeadas por seus defensores Seria pernicioso

para o processo do conhecimento comprometer-se antes ou durante a investigaccedilatildeo com

qualquer proposiccedilatildeo a defesa da consistecircncia de descobertas ficaria a cargo daqueles que as

sustentavam de forma que os proacuteprios defensores de uma tese ficassem expostos aos dilemas

e conflitos que suas afirmaccedilotildees pudessem gerar Tal procedimento conduziria agrave aporia como

nos diaacutelogos platocircnicos em que Soacutecrates leva seu interlocutor a questionar a natureza do

conhecimento que afirma possuir sobre algo

Esta orientaccedilatildeo ceacutetica conservou-se tambeacutem sob a direccedilatildeo dos sucessores de

Arcesilau dos quais o mais famoso eacute Carneacuteades (c 214-129 aC) Sexto contudo diferencia

o pensamento de Arcesilau e Carneacuteades chamando somente a Academia sob a direccedilatildeo deste

uacuteltimo Carneacuteades de Academia Nova e caracterizando o pensamento dele como mais afim

ao dogmatismo27

Determinadas afinidades intelectuais entre as duas correntes ceacuteticas eram

reconhecidas por pirrocircnicos e acadecircmicos ambas professavam o antidogmatismo no sentido

antigo de natildeo possuiacuterem dogmas ou doutrinas e se opunham aos estoicos28 Em comum

inovando mas revivendo a dialeacutetica sem dogmas que teria caracterizado a Academia sob Platatildeordquo Sedley 1980 p 11 27 Acerca da sucessatildeo na Academia e o abandono da posiccedilatildeo de Arcesilau ldquoCarneacuteades teve um pupilo famoso Clitocircmaco (1876 ndash 11009 aC) que foi o professor de Fiacutelon de Larissa (158-84 aC) Fiacutelon argumentou que a Antiga e a Nova Academias eram na verdade uma soacute baseando-se em parte na revisatildeo de Carneacuteades sobre o argumento de Arcesilau contra nada ser apreensiacutevel Seu disciacutepulo Antiacuteoco de Ascalon (c 130-68 aC) rejeitou a interpretaccedilatildeo ceacutetica de Platatildeo impliacutecita em Fiacutelon e apoiou um retorno agrave Academia Antiga Antiacuteoco entendeu a Academia Antiga em harmonia com a filosofia estoica e peripateacutetica Entre outras coisas isto significa uma reavaliaccedilatildeo positiva do criteacuterio de verdade estoico lsquoa representaccedilatildeo cataleacutepticarsquo Talvez tenha sido contra o alegado dogmatismo adulador de Fiacutelon que Enesidemo (I aC) reagiu abrindo caminho para a fundaccedilatildeo de um lsquonovorsquo ceticismo pirrocircnicordquo Gerson 2009 p 117 28 Para o lsquoestado da questatildeorsquo acerca das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as duas tradicionais correntes ceacuteticas ver Bolzani 2011

25

parecem ter defendido a suspensatildeo do julgamento (epokhe) como uma atitude intelectual

desejaacutevel e necessaacuteria de forma que evitassem o compromisso com uma proposiccedilatildeo jaacute que

natildeo haveria um criteacuterio imparcial para julgaacute-la

Os ceacuteticos pirrocircnicos consideravam que ldquosuspensatildeo do juiacutezo eacute esse equiliacutebrio da

mente (stasis dianoias) que nos leva a natildeo rejeitarmos (airomen) e nem propormos (tithemen)

nadardquo (PH 1 10) Tal suspensatildeo tinha um efeito praacutetico muito significativo ela levaria agrave

ataraxia ou ausecircncia de perturbaccedilatildeo livrando-os da agitaccedilatildeo intelectual e emocional que

estaria associada ao sustentar firmemente convicccedilotildees sobre como as coisas de fato satildeo Jaacute os

ceacuteticos acadecircmicos parecem natildeo ter dado ecircnfase especial aos benefiacutecios praacuteticos da suspensatildeo

do julgamento Arcesilau e Carneacuteades esforccedilaram-se em defender que escolhas e accedilotildees

adequadas satildeo possiacuteveis na ausecircncia de convicccedilotildees ou crenccedilas Mas parece natildeo haver

sugestatildeo expliacutecita de que se estaria melhor ao se desfazer destas crenccedilas natildeo mais que em

termos de lsquointegridade intelectualrsquo De qualquer forma considerando que a filosofia socraacutetica

fois essencialmente uma filosofia moral eacute de se esperar que houvesse alguma consequecircncia

nesta direccedilatildeo

Na disputa com os primeiros estoicos eacute dito que Arcesilau concentrou seus ataques agrave

ceacutelebre distinccedilatildeo que teria estreado com Parmecircnides entre dois tipos de conhecimento

opiniatildeo (doksa)29 e conhecimento verdadeiro (episteme) base de todos os sistemas

dogmaacuteticos Arcesilau visou o criteacuterio de verdade estoico e argumentou contra a existecircncia de

uma lsquorepresentaccedilatildeo apreensivarsquo (phantasia kataleptike) tal que fosse distintiva do

conhecimento verdadeiro proacuteprio do saacutebio como afirmavam os estoicos A contenda aparece

resumida por Sexto Empiacuterico no Contra os Loacutegicos (M 7 150-189) passagem que

retomamos abaixo

O criteacuterio estoico da representaccedilatildeo apreensiva natildeo eacute suficiente para a distinguir de

uma representaccedilatildeo lsquoinapreensiacutevelrsquo ou seja natildeo distingue lsquoconhecimento verdadeirorsquo

delsquoopiniotildeesrsquo teria criticado Arcesilau Nenhuma representaccedilatildeo verdadeira teria sido

encontrada afirma ele que natildeo pudesse tambeacutem ser dita falsa o que faz com que todas

devam ser consideradas inapreensiacuteveis Por isso se o saacutebio assentir a alguma representaccedilatildeo

sendo todas igualmente inapreensiacuteveis estaraacute necessariamente apenas dando sua opiniatildeo E os

29 O termo grego doksa pode ser traduzido tambeacutem por crenccedila ldquoA raiz de doksa eacute dokein lsquoparecerrsquo Em uma crenccedila algo parece ser de tal maneira para algueacutem Mas haacute tambeacutem um elemento de julgamento ou assentimento O verbo em questatildeo doksazein geralmente significa lsquojulgar que algo eacute de tal maneirarsquo As discussotildees heleniacutesticas prevecircm trecircs atitudes cognitivas agraves impressotildees [ou representaccedilotildees] (lsquocomo as coisas parecemrsquo) assentimento rejeiccedilatildeo ou suspensatildeo do julgamento (epokhe)rdquo Vogt 2014

26

proacuteprios estoicos recomendavam ao saacutebio a lsquosuspensatildeo do julgamentorsquo frente a tudo que fosse

opinaacutevel (mesmo que natildeo tenham usado especificamente o termo epokhe atribuiacutedo a eles pela

tradiccedilatildeo)30 Logo de acordo com os estoicos eles mesmos a atitude do saacutebio deveria ser a

suspensatildeo do julgamento31 se o assentimento segue o julgamento a impossibilidade de julgar

indicaria no miacutenimo que eacute apropriado natildeo assentir32 Com esta generalizaccedilatildeo de Arcesilau a

atitude estoica da epokhe parece ter se convertido em lsquoemblema da tradiccedilatildeo ceacuteticarsquo e o

ceticismo teria entatildeo entrado decididamente no problema da validade do conhecimento

Demonstrar que natildeo existe criteacuterio de verdade por outro lado natildeo impede que se

estabeleccedila um criteacuterio para a accedilatildeo defenderam os acadecircmicos Supunham que o criteacuterio de

lsquorazoabilidadersquo (to eulogon) (M 7 158) seria suficiente para guiar nossas accedilotildees sem requerer

obviamente conhecimento verdadeiro no sentido estoico sequer implicando a existecircncia de

crenccedilas Arcesilau teria dito que ldquoa felicidade se daacute atraveacutes do discernimento (phronesis) e o

discernimento se assenta em accedilotildees corretas (katorthoma) e a accedilatildeo correta eacute aquela que

realizada tem defesa (apologia) razoaacutevel (eulogon)rdquo (M 7 158)

Carneacuteades teria compartilhado as criacuteticas que Arcesilau dirigiu aos primeiros

estoicos Tambeacutem ele com efeito estava de acordo que a distinccedilatildeo entre impressotildees ou

representaccedilotildees verdadeiras e falsas seria gratuita reiterando que o criteacuterio estoico natildeo

permite distinguir umas das outras Mas uma vez rechaccedilada esta pretensatildeo dogmaacutetica

Carneacuteades teria considerado excessivo aderir ao princiacutepio pirrocircnico do lsquonada eacute maisrsquo Por

isso propocircs deixar de lado a distinccedilatildeo lsquoverdadeiro-falsorsquo e aceitar uma classificaccedilatildeo das

representaccedilotildees baseada em seu grau de fiabilidade Aparentemente tal posicionamento visava

dar conta da objeccedilatildeo de que o ceacutetico por natildeo possuir opiniotildees e crenccedilas porque suspende o

julgamento estaria fadado agrave inaccedilatildeo Carneacuteades distinguiu entatildeo ldquoconhecimentos persuasivos

(pithanas) e natildeo-persuasivosrdquo e dentre os persuasivos ldquoconhecimentos persuasivos e

30 Bolzani 2011 p 15 discorre sobre a possibilidade de se concluir a partir das Academica de Ciacutecero que Arcesilau foi historicamente (se lembramos as dificuldades presentes na tentativa de atribuiacute-la a Pirro) o primeiro a propor uma noccedilatildeo ceacutetica de suspensatildeo de juiacutezo Esta discussatildeo foi feita por Coussin 1929 31 ldquoEm contraposiccedilatildeo ao ideal estoacuteico de saacutebio - aquele que nunca emite opiniatildeo e daacute sempre assentimento ao verdadeiro - Arcesilau concluiraacute em face das dificuldades apresentadas ao otimismo cognitivo do estoacuteico que ao saacutebio soacute restaraacute recusar assentimento e suspender o juiacutezo (PH 2 67) O estatuto desta lsquosabedoriarsquo a que chega a argumentaccedilatildeo eacute controverso Pode-se de fato sustentar que tem funccedilatildeo meramente dialeacutetica numa espeacutecie de reductio ad absurdum partindo do conceito dogmaacutetico de saacutebio chegamos agrave sua inviabilizaccedilatildeo agrave sua impossibilidade Contudo por que natildeo dizer que doravante com a constataccedilatildeo daquelas dificuldades suspender o juiacutezo se faz sinal de lsquosabedoriarsquo (cf PH 277) Questatildeo polecircmica a ser examinada mais detidamenterdquo Bolzani 2011 p 16-17 32 Gerson 2009 p 118

27

comprovados (dieksodeumenas)rdquo e ldquoconhecimentos persuasivos plenamente comprovados e

natildeo controversos (periodeumenas kai aperispastous)rdquo (PH 1 227 ss) Assim algueacutem poderia

ter opiniotildees melhor ou pior formadas Elas ainda seriam opiniotildees e natildeo conhecimento

porque mesmo uma impressatildeo aparentemente verdadeira natildeo controversa e plenamente

testada poderia ainda ser falsa Ainda agravequilo que natildeo eacute aparente e portanto natildeo pode ser

uma impressatildeo aparentemente verdadeira natildeo conveacutem assentimento

Carneacuteades teria distinguido duas formas de assentir agraves impressotildees traccedilando uma

linha entre assentimento teoacuterico e praacutetico (Ciacutecero Acad 2 104)33 A impressatildeo

aparentemente verdadeira pode provocar o assentimento a determinadas proposiccedilotildees mas ela

seria com efeito somente guia para a accedilatildeo mesmo que pudesse parecer um criteacuterio de

verdade34 Sexto por sua vez diraacute que para Carneacuteades uma impressatildeo que eacute aparentemente

verdadeira (phainomene alethes) e adequadamente representativa (hikanos emphainomene) eacute

efetivamente um tal criteacuterio de verdade (M 7 173)

Sexto natildeo considera os acadecircmicos como ceacuteticos legiacutetimos nem admite sua posiccedilatildeo

como genuiacutena suspensatildeo do julgamento Para Pellegrin (2010 p 128) poderia ser dito que os

acadecircmicos os estoicos e ateacute mesmo Enesidemo praticaram uma suspensatildeo do julgamento

que eacute na verdade apenas uma recusa em assentir enquanto Sexto teria enfatizado a

impossibilidade radical da decisatildeo sobre ser ou natildeo adequado assentir a uma proposiccedilatildeo No

comeccedilo das PH Sexto assim diferencia ceacuteticos e acadecircmicos

O resultado natural de qualquer investigaccedilatildeo eacute quem investiga ou encontra aquilo que busca ou nega que possa ser encontrado e o declara inapreensiacutevel ou ainda persiste em sua busca O mesmo ocorre com as investigaccedilotildees filosoacuteficas e eacute provavelmente por isso que alguns afirmaram ter descoberto a verdade outros que a verdade natildeo pode ser apreendida enquanto outros continuam buscando Aqueles que afirmam ter descoberto a verdade satildeo os propriamente lsquodogmaacuteticosrsquo assim satildeo chamados especialmente Aristoacuteteles por exemplo Epicuro os estoicos e alguns outros Clitocircmaco Carneacuteades e outros acadecircmicos consideram a verdade inapreensiacutevel E os ceacuteticos continuam buscando (zetousi) Portanto parece razoaacutevel manter que haacute trecircs tipos de filosofia a dogmaacutetica a acadecircmica e a ceacutetica (PH 1 1-4) (Traduccedilatildeo nossa)

33 Seguimos preferencialmente o relato de Sexto mas as Academica de Ciacutecero satildeo em realidade obra fundamental para a compreensatildeo do ceticismo acadecircmico Nesta obra Ciacutecero expotildee contra as pretensotildees de Antiacuteoco escolarca da Academia simpatizande do estoicismo o posicionamento filosoacutefico de Carneacuteades Clitocircmaco e Fiacutelon que teriam cultivado o genuiacuteno espiacuterito da filosofia platocircnica e socraacutetica Ver traduccedilatildeo e introduccedilatildeo para o inglecircs de Brittain 2006 e para o portuguecircs Seabra 2013 34 Ciacutecero (Acad 2 105) para seu interlocutor ldquonoacutes dizemos aceitar as mesmas impressotildees que vocecircs dizem apreender contanto que sejam persuasivasrdquo

28

Parece-nos forccediloso supor entatildeo que para Sexto Empiacuterico os acadecircmicos eram o

que costumamos designar como lsquodogmaacuteticos negativosrsquo pois teriam se manifestado

dogmaticamente negando a possibilidade de conhecimento A suspensatildeo do julgamento seria

apenas expressatildeo de sua convicccedilatildeo de que natildeo se pode conhecer a verdade Se esta tendecircncia

dogmaacutetica percebida por Sexto era de fato caracteriacutestica dos acadecircmicos ceacuteticos ou um traccedilo

que Sexto teria enfatizado em razatildeo da posterior tradiccedilatildeo (estoica) na Academia eacute uma

questatildeo a ser verificada dentro da histoacuteria da filosofia acadecircmica Sexto confirma eacute verdade

que os acadecircmicos (especialmente Arcesilau) (PH 1 232) dizem muitas coisas semelhantes ao

que dizem os pirrocircnicos Mas do seu ponto de vista os Acadecircmicos dizem estas coisas como

se fossem definitivas o que os desqualificaria do tiacutetulo de ceacuteticos ldquoOs da Academia Nova ao

dizerem tambeacutem eles que tudo eacute inapreensiacutevel certamente diferem dos ceacuteticos justamente

nisso de dizer que tudo eacute inapreensiacutevel Pois eles fazem desta uma convicccedilatildeo enquanto o

ceacutetico supotildee que seja possiacutevel haver coisas que sejam apreensiacuteveisrdquo (PH 1 226) Se Sexto

estaacute mesmo correto em sua criacutetica do ceticismo na Academia Nova eacute uma questatildeo aberta a

debate35 como dissemos mas o que ele repetidamente expressa eacute que para ele o pirronismo eacute

algo distinto da Academia e natildeo apenas pelo papel conferido agrave ataraxia

Lembrando que a Academia Nova apesar do esforccedilo de Arcesilau em atualizar o

ceticismo do meacutetodo socraacutetico como distintivo da dialeacutetica platocircnica e definidor da

investigaccedilatildeo filosoacutefica natildeo abandona os princiacutepios essencialmente dogmaacuteticos da filosofia

platocircnica Como disse Sexto ldquose [Arcesilau] percebia que os havia predisposto [seus

disciacutepulos] agrave compreensatildeo dos dogmas platocircnicos passava-se ainda por aporeacutetico [ceacutetico]

mas aos assim predispostos transmitia a doutrina platocircnicardquo (PH 1 234)

O ceticismo na Academia persistiu ateacute o iniacutecio do seacuteculo I aC Nessa eacutepoca

provavelmente como reaccedilatildeo ao abandono do ceticismo pela Academia um novo movimento

ceacutetico aparece reivindicando inspiraccedilatildeo direta em Pirro e liderado por Enesidemo de Cnossos

(c 80 aC) Outro de quem possuiacutemos escassas informaccedilotildees ele proacuteprio provavelmente um

acadecircmico a princiacutepio e talvez por isso especialmente empenhado em distinguir seu

pensamento maduro do da Academia O impulso ceacutetico da Academia parece de qualquer

forma determinante para a formaccedilatildeo do pensamento de Enesidemo e essencial para sua

concepccedilatildeo do pirronismo e para a influecircncia intelectual que exerce

35 Cf Frede 1987 Bolzani 2011

29

Eacute interessante ressaltar que o renascimento do ceticismo de inspiraccedilatildeo pirrocircnica

parece ter acontecido como reaccedilatildeo agrave aproximaccedilatildeo do pensamento ceacutetico dentro da Academia

Nova com o estoicismo Costuma-se apontar no entanto uma possiacutevel versatildeo do Pirronismo

provavelmente anterior a Sexto (e impliacutecita em seus escritos) relacionada geralmente a

Enesidemo que encorajaria o dogmatismo negativo de modo similar talvez ao que faz a

Academia Segundo os padrotildees defendidos por Sexto esse meacutetodo seria autodestrutivo as

proposiccedilotildees apoacutes atingirem seu alvo se autocancelariam como citamos acima o processo

estaria sinalizado pela foacutermula da suspensatildeo do julgamento Poreacutem na praacutetica o ceticismo

sextiano poderia afigurar-se tatildeo antiteoacuterico quanto teriam sido supotildee-se alguns meacutedicos

empiacutericos isto eacute atacando posicionamentos dogmaacuteticos por meio da asserccedilatildeo (aparentemente

dogmaacutetica) de sua falsidade inutilidade e inexistecircncia Tal ataque parece algumas vezes supor

a inapreensibilidade do natildeo-manifesto premissa dogmaacutetica compartilhada por acadecircmicos e

meacutedicos empiacutericos segundo o proacuteprio Sexto Aleacutem disso e por outro lado tambeacutem haacute um

bom nuacutemero de passagens em que Sexto atribui posiccedilotildees filosoacuteficas positivas bastante

teoacutericas diriacuteamos a Enesidemo36

As ideias de Enesidemo satildeo reconstruiacutedas em linhas gerais considerando o

testemunho de Foacutecio patriarca em Constantinopla no seacuteculo IX que nos legou um resumo

dos seus Discursos Pirrocircnicos Enesidemo teria criticado a autocontradiccedilatildeo impliacutecita no

conceito acadecircmico de lsquoaparentemente verdadeirorsquo pois os acadecircmicos estariam ao mesmo

tempo sustentando que as coisas satildeo inapreensiacuteveis mas que eles natildeo obstante seriam

capazes de lsquoreconhecerrsquo (ginoskonta) algumas como verdadeiras e outras como falsas se satildeo

inapreensiacuteveis tal reconhecimento natildeo se susteacutem O acadecircmico compartilharia desta forma

as pressuposiccedilotildees dogmaacuteticas do estoicismo teria notado Enesidemo37 Ao movimento

fundado por Enesidemo iraacute filiar-se Sexto Empiacuterico Enesidemo eacute citado por Sexto como o

autor ou ao menos o compilador de oito modos de argumentar contra as explanaccedilotildees causais

dogmaacuteticas (aitialogian)

Outro nome que parece ter sido importante para a formaccedilatildeo do pensamento sextiano

eacute Agripa Ele proacuteprio natildeo eacute citado por Sexto ou por qualquer outro autor da antiguidade aleacutem

de Dioacutegenes Laeacutercio (9 88-89) que afirma que ele foi o autor dos cinco modos da suspensatildeo

do juiacutezo amplamente utilizados por Sexto na sua refutaccedilatildeo aos dogmaacuteticos Como satildeo

praticamente nulas as informaccedilotildees de outras fontes a suposiccedilatildeo de que as aparentes camadas

36 Sobre isso ver os comentaacuterios de Bett (1997 2005 2013) a suas traduccedilotildees de Sexto Empiacuterico 37 Gerson 2009 p 125

30

argumentativas da obra sextiana reflitam diferenccedilas existentes em versotildees diacutespares do

ceticismo natildeo pode a princiacutepio ser comprovada

Menccedilotildees esporaacutedicas datildeo a conhecer alguns outros ceacuteticos pirrocircnicos por nome

poreacutem nada mais sabemos sobre eles Deve-se admitir dessa forma a impossibilidade de

traccedilar com alguma clareza factual as diferentes posiccedilotildees ceacuteticas que possivelmente coexistiam

na antiguidade Fazendo nossas as palavras de Barnes (1988 p 53) quando diz acreditar

fortemente que ldquoo ceticismo antigo tenha se desenvolvido em muito mais formas e variedades

aleacutem das que estamos normalmente inclinados a imaginarrdquo resta-nos a conclusatildeo de que eacute

bastante plausiacutevel que o cenaacuterio real fosse muito menos homogecircneo do que possa aparentar

ser

132 Ceticismo em Sexto Empiacuterico

O ceticismo eacute apresentado por Sexto como um modo de conduzir-se (agoge)38

tanto nas investigaccedilotildees quanto na vida (ao menos onde a accedilatildeo toma como guia o pensamento)

e natildeo uma doutrina sistema de pensamento ou conjunto de convicccedilotildees Sua definiccedilatildeo eacute O ceticismo eacute uma habilidade [ou capacidade] (dunamis) que opotildee as coisas que aparecem (phainomena) e que satildeo pensadas (nooumenon) de todos os modos possiacuteveis com o resultado de que devido agrave equipolecircncia nesta oposiccedilatildeo tanto no que diz respeito aos objetos (pragmasi) quanto agraves explicaccedilotildees (logoi) somos levados inicialmente agrave suspensatildeo (epokhe) e depois agrave tranquumlilidade (ataraksia) Noacutes o denominamos lsquohabilidadersquo natildeo em um sentido especial mas simplesmente no sentido de lsquoser haacutebil ou capaz de algorsquo As coisas que aparecem (phainomena) satildeo entendidas neste contexto como objetos da percepccedilatildeo sensiacutevel (aistheta) os quais contrastamos com objetos do pensamento (noeta) A expressatildeo lsquode todos os modos possiacuteveisrsquo pode ser relacionada seja com a palavra lsquohabilidadersquo em seu sentido usual como dissemos ou pode ser relacionada com lsquoopotildee as coisas que aparecem e que satildeo pensadasrsquo na medida em que opomos coisas que aparecem a coisas que aparecem coisas pensadas a coisas pensadas coisas que aparecem a coisas pensadas e vice-versa a expressatildeo lsquode todos os modos possiacuteveisrsquo permitindo designar todas estas diferentes formas de oposiccedilatildeo Ou ainda podemos relacionar lsquode todos os modos possiacuteveisrsquo com lsquocoisas que aparecem

38 Agoge lsquoorientaccedilatildeorsquo lsquodireccedilatildeorsquo lsquopersuasatildeorsquo lsquomovimentorsquo lsquomeacutetodorsquo lsquoprocedimentorsquo lsquolinha de pensamentorsquo Sobre seu uso em Sexto ldquoeacute o termo padratildeo usado por Sexto nas seccedilotildees iniciais de PH (PH 1 4 6 7 11 12 21 22 etc) para referir-se ao ceticismo skeptike agoge O termo foi usado por historiadores da filosofia para escolas filosoacuteficas mas em Sexto eacute normalmente utilizado para o movimento ceacutetico e parece implicar apenas uma afinidade menos restrita e mais aberta e natildeo uma escola ou seita (hairesis) filosoacutefica que demandaria aderecircncia a certos dogmas (PH 1 16ss) Em PH 1 145 distingui-se agoge de ethe nomoi mithike pistis dogmatike hupolepsis e eacute definida como lsquouma escolha de modo de vida [hairesis biou] ou de accedilatildeo que diz respeito a uma ou mais pessoas a Dioacutegenes ou aos espartanos por exemplorsquo

31

e que satildeo pensadasrsquo indicando que natildeo temos que nos perguntar sobre como o que aparece aparece ou como o que eacute pensado eacute pensado mas tomamos estes termos no sentido habitual (aplos) A expressatildeo lsquoexplicaccedilotildees que se opotildeemrsquo eacute tomada natildeo na acepccedilatildeo de negaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo (apophasin kai kataphasin) mas na de explicaccedilotildees conflitantes (makhomenous) Equipolecircncia (isostheneian) noacutes usamos no sentido de equivalecircncia quanto a ser criacutevel (pistin) ou natildeo criacutevel (apistian) indicando que nenhuma das explicaccedilotildees em conflito eacute mais criacutevel do que a outra A suspensatildeo (epokhe) eacute um estado mental de repouso (stasis dianoias) no qual natildeo afirmamos nem negamos nada Ataraxia eacute a tranquumlilidade ou ausecircncia de perturbaccedilatildeo da alma (psukhes) (PH 1 8-10) (Traduccedilatildeo Marcondes 1997 p 116-117) (transliteraccedilatildeo dos termos gregos eacute nossa)

A atitude ceacutetica portanto guia a conduta do pensador atraveacutes dos estaacutegios de sua

inquiriccedilatildeo intelectual 1) zetesis ‒ investigaccedilatildeo o ceacutetico empenha-se em investigar e

observar39 (PH 1 7) 2) diaphonia ‒ desacordo disputa o ceacutetico se depara com inuacutemeras

convicccedilotildees conflitantes sobre o mesmo fenocircmeno e com as anomalias nas coisas 3)

isostheneia ‒ equipolecircncia percebe que as opiniotildees conflitantes satildeo equivalentes em sua forccedila

persuasiva40 4) epokhe ‒ suspensatildeo do juiacutezo sendo as opiniotildees conflitantes equipolentes em

sua forccedila persuasiva natildeo se pode dizer a qual teoria deve-se dar creacutedito ou natildeo (PH 1 196)

5) aphasia ‒ natildeo se pronunciar natildeo assentir a uma proposiccedilatildeo dogmaacutetica (afirmativa ou

negativa) (PH 1 193 e 197) 6) ataraksia ‒ imperturbabilidade

Dizemos que a finalidade do ceticismo eacute a tranquilidade de espiacuterito nas questotildees de opiniatildeo e moderaccedilatildeo de sentimentos naquilo que nos eacute imposto Pois o ceacutetico tendo comeccedilado a filosofar a fim de decidir quais dentre as aparecircncias satildeo verdadeiras e quais falsas de modo a alcanccedilar a

39 Cf Vogt 2010 ldquoo ceacutetico eacute um investigador genuiacuteno o objetivo da sua investigaccedilatildeo eacute a verdaderdquo A estudiosa manteacutem uma opiniatildeo algo polecircmica e afirma ainda que mesmo que Sexto aponte como objetivo da investigaccedilatildeo pirrocircnica nos primeiros ceacuteticos a suspensatildeo do julgamento (em paralelo agrave tranquilidade da alma) este natildeo eacute o objetivo que o proacuteprio Sexto atribui ao ceticismo cf PH 1 2 PH 2 11 A estudiosa afirma que para entender a investigaccedilatildeo pirrocircnica eacute preciso ter em mente as trecircs consideraccedilatildeo a seguir ldquoprimeiro que ela herda uma concepccedilatildeo muito mais complexa de investigaccedilatildeo moldada por Soacutecrates e Platatildeo cujo fazer filosoacutefico nem sempre visa imediatamente agrave descoberta de verdades Segundo possui uma origem motivacional ndash o desacordo insoluacutevel entre pensamentos conflitantes ndash distinta de qualquer objetivo particular que algueacutem possa ter Terceiro o valor de verdade tem um papel importante na investigaccedilatildeo pirrocircnica embora a investigaccedilatildeo pirrocircnica esteja mais prontamente preocupada em evitar o falso do que em descobrir a verdade Uma investigaccedilatildeo deve responder ao valor de verdade A Premissa da Verdade [uma investigaccedilatildeo deve guiar-se por normas epistecircmicas que respondem ao valor de verdade] eacute crucial para qualquer atividade que reivindique ser algum tipo de investigaccedilatildeordquo Vogt 2011 p 34 O posicionamento dela toma partido frente as polecircmicas atuais acerca da classificaccedilatildeo do pensamento ceacutetico sextiano como uma filosofia possiacutevel ou como uma demissatildeo filosoacutefica 40 O ceacutetico pirrocircnico eacute descrito como em um estado de aporia ele enfrenta a impossibilidade objetiva de classificar as opiniotildees como falsas verdadeiras ou nem uma coisa nem outra por isso a suspensatildeo do julgamento A duacutevida pode ser uma de suas atitudes mas natildeo eacute aquela que o define

32

tranquilidade encontrou-se diante da equipolecircncia nas controveacutersias e sem poder decidir sobre isto adotou a suspensatildeo do julgamento e em consequecircncia da suspensatildeo seguiu-se a tranquilidade em mateacuterias de opiniatildeo (PH 1 25-26) (Traduccedilatildeo nossa)

Um dos princiacutepios baacutesicos do ceticismo seria portanto o de contrapor

argumentos (PH 1 12) Este princiacutepio poderia sugerir que haveria ao menos uma crenccedila a

priori a do lsquoequiliacutebriorsquo entre proposiccedilotildees dogmaacuteticas mas Sexto explica

Quando eu digo que lsquoa cada argumento se opotildee outro argumento equivalentersquo digo implicitamente isto lsquoPara mim eacute manifesto que a cada argumento dos analisados por mim que estabelece algo dogmaticamente se opotildee outro argumento que estabelece algo dogmaticamente e que eacute equivalente agravequele quanto agrave forccedila de persuasatildeo ou falta delarsquo de forma que o que digo natildeo eacute dogmaacutetico mas relato de uma disposiccedilatildeo de espiacuterito que para quem a experiencia eacute sim algo manifesto (PH 1 203) (Traduccedilatildeo nossa)

A inclinaccedilatildeo a crenccedilas dogmaacuteticas eacute apresentada como um estado patoloacutegico que

deve ser enfrentado por meio da prescriccedilatildeo ceacutetica41 constatar que as posiccedilotildees conflitantes

(defendidas por diferentes sistemas filosoacuteficos ou pelo mesmo sistema por pessoas comuns

por pensadores ou eruditos) acerca do mesmo fenocircmeno ou essas posiccedilotildees possuem a mesma

forccedila persuasiva ou natildeo possuem forccedila persuasiva pois natildeo haacute ainda criteacuterio infaliacutevel ou

sequer imparcial que as verifique

Sexto parece qualificar como dogmaacuteticas todas as proposiccedilotildees assertivas pois

valem-se invariavelmente de premissas em que entidades natildeo-verificaacuteveis satildeo postuladas

como entidades reais cujo acesso dar-se-ia por meio de racionalizaccedilatildeo ou teorizaccedilatildeo

ldquodizemos que o ceacutetico natildeo dogmatiza usando lsquodogmarsquo no sentido mantido por alguns de

lsquoassentimento a objetos natildeo-evidentes da investigaccedilatildeo (ta kata tas epistemas dzetoumena)rsquo

pois os pirrocircnicos natildeo datildeo assentimento (sugkatatithetai) a nada que seja natildeo-evidente

(adela)rdquo (PH 1 13) Mais adiante ele afirma ldquoNingueacutem penso eu disputa se o objeto

externo tem esta ou aquela aparecircncia mas sim se ele eacute tal qual parece (eacutestin hopoion

phainetai)rdquo (PH 1 22 grifo nosso)42

41 PH 3 280 ldquocurar a presunccedilatildeo e a temeridade dos dogmaacuteticosrdquo Sobre a lsquoterapecircuticarsquo ceacutetica ver Voelke 1990 42 PH 3 65-81 como exemplo de uma abordagem ceacutetica a uma questatildeo que envolve uma afirmaccedilatildeo sobre a real natureza de um fenocircmeno ldquoDe modo geral trecircs foram ndash creio ndash as posiccedilotildees acerca do movimento As pessoas em geral de fato e alguns filoacutesofos supotildeem que o movimento existe Parmecircnides e Melisso e alguns outros que natildeo existe E os ceacuteticos disseram que o movimento existe e

33

Tambeacutem eacute dogmaacutetico para Sexto afirmar que eacute impossiacutevel descobrir a verdade que

eacute impossiacutevel conhecer o mundo para aleacutem das aparecircncias O ceacutetico pirrocircnico insiste ser uma

questatildeo em aberto saber se o natildeo observaacutevel pode ser conhecido pela lsquorazatildeorsquo (PH I 13-14)

Como colocou Frede (1987 p 255) Eles [os ceacuteticos pirrocircnicos] reconhecem a possibilidade de que num caso particular qualquer pode ser falsa a conclusatildeo a que nos conduz nossa praacutetica cognitiva ordinaacuteria Eles tambeacutem reconhecem a possibilidade de que o mundo possa ser muito diferente do que dada nossa accedilatildeo cognitiva ordinaacuteria parece ser Eles tambeacutem reconhecem a possibilidade de que pode haver um meacutetodo que nos permita determinar como as coisas realmente satildeo O que eles natildeo aceitam eacute a afirmaccedilatildeo de que tal meacutetodo foi descoberto (grifo nosso)

A suspensatildeo do julgamento acerca de proposiccedilotildees dogmaacuteticas em geral seria

induzida principalmente mas natildeo somente atraveacutes dos modos em grego tropoi43 Os modos

satildeo modelos de ou para argumentos Poderiam tambeacutem ser descritos como trajetoacuterias

investigativas retoacuterica e intelectualmente funcionais que nos auxiliam na percepccedilatildeo e contra-

argumentaccedilatildeo do posicionamento dogmaacutetico com forccedila tanto terapecircutica quanto

demonstrativa Descreverei os modos atraveacutes dos quais se induz a suspensatildeo do julgamento sem fazer uma firme asserccedilatildeo nem sobre seu nuacutemero nem sobre seu poder jaacute que eacute possiacutevel que alguns sejam menos importantes e que existam mais do que esses mencionados (PH 135) Entre os primeiros ceacuteticos [] satildeo dez modos Primeiro o da diversidade dos animais Segundo o da diferenccedila entre os homens Terceiro o das diferentes constituiccedilotildees dos sentidos Quarto o modo das circunstacircncias Quinto o das posiccedilotildees distacircncias e lugares Sexto o das interferecircncias Seacutetimo o das quantidades e composiccedilotildees dos objetos Oitavo o da relaccedilatildeo com algo Nono acerca das ocorrecircncias frequentes ou raras Deacutecimo o que contrasta as formas de pensar costumes leis crenccedilas miacuteticas e opiniotildees dogmaacuteticas (PH 1 36-37) Os ceacuteticos mais recentes informam esses cinco modos da suspensatildeo do juiacutezo Primeiro a partir do desacordo (diaphonia) Segundo o que leva ao regresso

natildeo existe pois quanto aos fenocircmenos parece que o movimento existe mas quanto ao raciociacutenio filosoacutefico que natildeo existe Assim pois se noacutes ao expormos a disputa entre os que supotildeem que o movimento existe e os que demonstram que o movimento natildeo eacute nada achamos a disputa equilibrada entatildeo em vista do que se diz sobre ela nos veremos forccedilados a dizer que o movimento tanto existe quanto natildeo existe [] Pois bem isso e muito mais dizem os que negam o movimento E noacutes natildeo podendo desqualificar nem estes argumentos nem o que eacute evidente em que se baseiam os que concluem a realidade do movimento em vista desta contradiccedilatildeo entre fenocircmenos e raciociacutenios suspendemos o julgamento acerca do movimento existir ou natildeo existirrdquo 43 A bibliografia sobre os modos eacute extensa ver por exemplo Annas e Barnes 1985 para uma discussatildeo dos dez modos Barnes 1990 trata dos cinco modos Hankinson 1995 e Woodruff 2010 para uma explicaccedilatildeo geral

34

ao infinito (eis apeiron ekballonta) Terceiro o da relaccedilatildeo com algo (pros ti) Quarto o das hipoacuteteses Quinto o do ciacuterculo vicioso (ton diallelon) (PH 1 164) Enesidemo acrescenta oito modos segundo os quais acredita que pode refutar toda explanaccedilatildeo causal dogmaacutetica e asseverar sua inconsistecircncia Primeiro explanaccedilotildees causais que residem todas no que eacute natildeo-evidente natildeo tecircm confirmaccedilatildeo unacircnime pelo que eacute aparente Segundo embora existam inuacutemeras possibilidades de se explicar o que se investiga de maneiras diferentes alguns datildeo apenas uma explicaccedilatildeo de um soacute jeito Terceiro eles atribuem causas desordenadas a coisas que se datildeo ordenadamente Quarto quando compreendem como se datildeo as coisas que satildeo aparentes acreditam que tambeacutem compreenderam como se daacute o que eacute natildeo-evidente Mas o natildeo-evidente talvez se decirc de forma parecida ao aparente ou talvez natildeo se decirc desta forma mas em outra particular Quinto todos datildeo explanaccedilotildees causais de acordo com suas hipoacuteteses pessoais sobre os elementos e natildeo segundo abordagens comuns e aceitas Sexto normalmente aceitam o que concorda com suas proacuteprias hipoacuteteses e rechaccedilam o que vai contra inclusive quando eacute igualmente plausiacutevel Seacutetimo muitas vezes propotildeem causas que contradizem natildeo soacute o que eacute aparente mas suas proacuteprias hipoacuteteses Oitavo muitas vezes quando o que eacute aparente eacute tatildeo absurdo quanto o que estaacute sendo investigado eles apoacuteiam sua exposiccedilatildeo do que eacute absurdo naquilo que eacute tatildeo absurdo quanto (PH 1 180-184)

Sexto faz pouco uso dos dez modos poreacutem uso mais extenso do poder retoacuterico dos

cinco modos chamados de cinco modos de Agripa (como nos transmitiu Dioacutegenes Laeacutercio)

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 9 90) afirma que os cinco modos negam toda ldquoprova criteacuterio signo

causa movimento ensino (mathesis) vir a ser e tambeacutem que haacute algo bom ou ruim por

naturezardquo

Assim mesmo vaacuterias estrateacutegias da refutaccedilatildeo sextiana tecircm sido apontadas como

fraacutegeis e comprometedoras ou por tentar imputar aos seus adversaacuterios conclusotildees externas ao

seu sistema ou por fazer uso de algum expediente dogmaacutetico e assim autorrefutar-se ou

pela proacutepria debilidade de seus expedientes retoacutericos No entanto o ceacutetico por natildeo sustentar

nenhuma convicccedilatildeo afirma natildeo estar sujeito agrave refutaccedilatildeo nos mesmos moldes que definem seu

ataque ao dogmatismo

Polecircmicas acerca da coerecircncia do ceticismo pirrocircnico desde a antiguidade

levantaram simplificando a pauta as seguintes questotildees se o pirrocircnico natildeo afirma nada

acerca de como as coisas satildeo o que ele fala sobre sua filosofia possui algum significado44 Se

o pirrocircnico suspende o juiacutezo acerca de qualquer proposiccedilatildeo natildeo estaria cometendo lsquosuiciacutedio

44 Ver Corti 2009 e Bett 2013 Esta polecircmica toma a forma da acusaccedilatildeo de que o ceacutetico abusa da linguagem comum

35

cognitivorsquo ou admitindo sua lsquodemissatildeo filosoacuteficarsquo45 Se o pirrocircnico natildeo possui nenhuma

crenccedila (ou opiniatildeo) mas age guiado pelos fenocircmenos ele natildeo estaria manifestando alguma

lsquo(des)crenccedilarsquo nos fenocircmenos46 Os desdobramentos das possiacuteveis respostas a estas questotildees

na interpretaccedilatildeo da obra sextiana satildeo inuacutemeros de forma que natildeo surpreende a complexidade

do debate que tecircm ocasionado

Sexto por sua vez descreve o seu ataque como um ataque efetivo contra as filosofias

dogmaacuteticas e ciecircncias teoacutericas (ainda que talvez tivesse em mente ao menos a princiacutepio

essencialmente a filosofia estoica) portanto no escopo deste trabalho nos interessamos natildeo

tanto por detectar as incongruecircncias do discurso sextiano mas por compreender aquilo que

de seu ponto de vista unificava seus adversaacuterios

O ceticismo sextiano esclarece tambeacutem de que forma o pirrocircnico age comumente na

vida frente agrave acusaccedilatildeo dogmaacutetica de inaccedilatildeo da qual tiveram de se defender tambeacutem os

acadecircmicos como mencionamos acima

Que nos atemos agraves aparecircncias eacute oacutebvio pelo que foi dito acerca do criteacuterio da orientaccedilatildeo ceacutetica A palavra lsquocriteacuteriorsquo (kriterion) eacute usada de dois modos primeiro para o criteacuterio que se assume em relaccedilatildeo agrave crenccedila na existecircncia e natildeo-existecircncia e que discutimos em nossas objeccedilotildees segundo para o criteacuterio de accedilatildeo pelo qual na conduccedilatildeo de nossa vida diaacuteria fazemos algumas coisas e natildeo outras eacute sobre este uacuteltimo que falamos agora Assim dizemos que o criteacuterio da orientaccedilatildeo ceacutetica eacute a aparecircncia ndash usando aqui este termo para a representaccedilatildeo ndash pois jaacute que a aparecircncia liga-se agrave sensaccedilatildeo e sentimento involuntaacuterio ela natildeo estaacute aberta a questionamento Assim ningueacutem penso eu disputa se o objeto externo tem esta ou aquela aparecircncia mas sim se ele eacute tal qual parece Atendo-nos agraves aparecircncias portanto vivemos sem crenccedilas em observaccedilatildeo agrave vida comum pois natildeo eacute possiacutevel que vivamos de todo inativos E a observaccedilatildeo da vida comum parece compor-se de quatro partes [] a orientaccedilatildeo da natureza ‒ aquela pela qual noacutes naturalmente somos capazes de sensaccedilatildeo e pensamento a impulsatildeo do que se sente ndash a fome nos leva a comer e a sede nos faz beber seguir costumes e leis ndash por meio do que aceitamos que ser piedoso na conduccedilatildeo da vida eacute bom e ser impiedoso eacute ruim e a instruccedilatildeo nas artes (tekhnai) ‒ natildeo somos inativos nas artes (tekhnai) em tivermos sido instruiacutedos (PH 1 21-24)

Em vista disso receber instruccedilatildeo conforme a passagem citada natildeo parece ser algo a

que o ceacutetico se opotildee Nem mesmo parece haver qualquer oposiccedilatildeo ao prover instruccedilatildeo que eacute

como o proacuteprio Sexto qualifica por vezes sua exposiccedilatildeo didaskalia Assim o ceacutetico poderia

45 Ver Annas e Barnes 1985 Burnyeat 1980 Nesta questatildeo estaacute envolvida a polecircmica acerca das interpretaccedilotildees ditas lsquoruacutesticarsquo e lsquourbanarsquo do ceticismo concernente ao escopo da suspensatildeo do juiacutezo Ver Brunschwig 1988 Barnes 1982 e 1990 e os outros textos reunidos em Burnyeat e Frede 1997 46 Ver Barney 1992 Vogt 2010 Esta criacutetica envolve a discussatildeo a respeito do que significa phainomenon (lsquofenocircmeno ndash o que aparecersquo) nos textos sextianos

36

receber uma formaccedilatildeo e dedicar-se a uma atividade Sexto mesmo como afirmamos dedicar-

se-ia agrave arte meacutedica Veremos adiante que esta atitude positiva em relaccedilatildeo agrave instruccedilatildeo e agraves

lsquoartesrsquo (tekhnai) parece mesmo integrar-se agrave demoliccedilatildeo das disciplinas do estudo ciacuteclico

(enkuklia mathemata) presente no Contra os Professores47

14 SEXTO MEacuteDICO EMPIacuteRICO

Se natildeo podemos afirmar onde e quando atuou Sexto ao menos uma informaccedilatildeo

biograacutefica muito importante depreende-se de sua obra Em M 1 260 Sexto refere-se a

Ascleacutepio (ou Esculaacutepio) como ldquoo fundador de nossa ciecircnciardquo em PH 2 238 ao argumentar

que apenas os entendidos em cada arte em particular e natildeo os dialeacuteticos satildeo capazes de

refutar sofismas cuja soluccedilatildeo seja uacutetil ele apresenta um exemplo da medicina e usa a primeira

pessoa do plural autointitulando-se meacutedico

Aleacutem destas evidecircncias Sexto faz uso constante de exemplos teacutecnicos da aacuterea

meacutedica para ilustrar seus argumentos embora nunca explicitamente mencione alguma

experiecircncia particular como meacutedico Em duas passagens Sexto faz menccedilatildeo ao que poderiam

ter sido seus escritos na aacuterea meacutedica em M 7 202 ele diz que natildeo haacute necessidade de tratar

novamente das opiniotildees de Ascleacutepio pois estas haviam sido consideradas nos Tratados

Meacutedicos em M 1 61 ele menciona Tratados Empiacutericos que poderiam ser a mesma obra

meacutedica ou natildeo Natildeo chegou ateacute noacutes qualquer obra sua com conteuacutedo especificamente meacutedico

ndash embora algumas das questotildees filosoacuteficas eacuteticas e teacutecnicas de que se ocupa fossem

geralmente de interesse comum entre meacutedicos e filoacutesofos desde no miacutenimo o seacuteculo III aC

Dioacutegenes Laeacutercio (9 116) e Ps-Galeno (Introductio 14 683) afirmam que Sexto

pertencia agrave Escola Empiacuterica de medicina Ps-Galeno (Introductio 14 6841) diz que

Menoacutedoto e Sexto ldquofortaleceram em muitordquo (akribos ekratunan)48 a Medicina Empiacuterica

Outros ceacuteticos foram tambeacutem mencionados como meacutedicos empiacutericos pelos antigos

47 Barnes (1988 p 61ss) propotildes uma distinccedilatildeo entre lsquoinstruccedilatildeo (didaskalia) formalrsquo x lsquoinstruccedilatildeo informalrsquo A primeira que envolve um professor um aprendiz e conhecimentos articulados em um sistema de proposiccedilotildees eacute rejeitada pelo pirrocircnico pois ela representa a posse e transmissatildeo de crenccedilas A segunda diria respeito agrave relaccedilatildeo entre mestre e aprendiz na qual se transmitem habilidades praacuteticas e se adquirem capacidades Embora afirme ele natildeo se faccedila explicitamente uma distinccedilatildeo como essa em M 1 1-6 48 Para uma interpretaccedilatildeo desta passagem ver Frede 1987 p 251ss

37

House (1980 p234 ss) examinou trecircs passagens nas quais Sexto comenta acerca das

escolas meacutedicas (PH 1 236-41 M 8 326-328 M 8 191) e para ele se Sexto foi um meacutedico

da Escola Empiacuterica ele o foi em conflito com sua posiccedilatildeo como pirrocircnico Na primeira

passagem em questatildeo Sexto discute a diferenccedila entre o ceticismo e outras posiccedilotildees ou escolas

filosoacuteficas agraves quais eacute comumente comparado e aborda a diferenccedila entre o ceticismo e a

Escola Empiacuterica Nesta passagem Sexto afirma que embora a corrente empiacuterica na medicina

afirme a inapreensibilidade (akatalepsia) das coisas natildeo-manifestas (adela) o ceacutetico natildeo

deveria aderir a este lsquogruporsquo (hairesis) Sexto conclui que ao ceacutetico conviria melhor a corrente

metoacutedica (o lsquoMeacutetodorsquo) pois esta natildeo se aventura a dizer se as coisas natildeo-manifestas satildeo ou

natildeo satildeo inapreensiacuteveis mas ateacutem-se agraves coisas manifestas tomando delas o que lhes parece

conveniente sendo portanto afim ao ceticismo ou ao menos natildeo divergente

Na segunda passagem mencionada (M 8 326-328) Sexto tambeacutem diferencia a

orientaccedilatildeo ceacutetica do pensamento dos meacutedicos empiacutericos Ao argumentar que a

lsquodemonstraccedilatildeorsquo ou lsquoprovarsquo (apodeiksis) eacute algo natildeo-evidente ele diz haver opiniotildees

conflitantes a esse respeito os filoacutesofos dogmaacuteticos e os meacutedicos racionais fazem uso de

provas os meacutedicos empiacutericos as destroacuteem e os ceacuteticos em uma terceira posiccedilatildeo suspendem

o julgamento Em M 8 191 no entanto ele aproxima empiacutericos de ceacuteticos ao afirmar que os

dois grupos dizem em comum que as coisas natildeo-manifestas satildeo inapreensiacuteveis Sexto refere-

se supomos ao fato de os dois grupos compartilharem uma mesma experiecircncia o que natildeo

implica dizer que tiram daiacute as mesmas consequecircncias enquanto o meacutedico empiacuterico parte

desta experiecircncia e chega a uma conclusatildeo decisiva ndash a inapreensibilidade do natildeo-manifesto

o ceacutetico estaria apenas reportando como lhe parecem ser as coisas sem comprometer-se com

julgamentos definitivos Tal como Sexto se posiciona nas Hipotiposes

Nossa atitude eacute semelhante quando dizemos que lsquotudo eacute inapreensiacutevelrsquo esse lsquotudorsquo noacutes o interpretamos de forma parecida e subentendemos o lsquopara mimrsquo de modo que o que se diz eacute algo como lsquoPara mim todas as coisas natildeo-manifestas investigadas de forma dogmaacutetica tal como examinei me parecem inapreensiacuteveisrsquo E isso natildeo eacute a afirmaccedilatildeo taacutecita de algueacutem que diria que as coisas que se estudam entre os dogmaacuteticos satildeo de natureza tal que resultam inapreensiacuteveis mas estamos expondo nossa maneira de sentir lsquosegundo a qual ‒ dizemos ‒ natildeo ter apreendido ateacute agora nenhuma dessas coisas devido agrave equipolecircncia das coisas contrapostasrsquo (PH 1 200)

Entre a corrente empiacuterica na medicina e o ceticismo pirrocircnico contudo parece ter

havido algum tipo de interinfluecircncia possivelmente determinante para a constituiccedilatildeo do

posicionamento epistemoloacutegico de ambas Nos escritos de Sexto em nenhum momento ele

38

declara sua filiaccedilatildeo meacutedica embora tenha mencionado como vimos e para surpresa dos

criacuteticos que a Escola Metoacutedica eacute que seria mais apropriada ao pirrocircnico (PH 1 236 ss) pois

tal como o ceacutetico o meacutedico metoacutedico guiar-se-ia apenas pelo fenocircmeno

As trecircs correntes principais da medicina na eacutepoca Racionalismo Empirismo e

Metodismo (esta uacuteltima a mais tardia tendo surgido aparentemente no comeccedilo da nossa era)

protagonizaram um debate cujo nuacutecleo pode ser definido em termos de posicionamentos

epistemoloacutegicos

Os Racionalistas natildeo formaram propriamente uma lsquoescolarsquo eles teriam sido

classificados baixo uma mesma denominaccedilatildeo pelos Empiacutericos representando aquilo a que

estes se opunham ou seja a primazia do conhecimento teoacuterico e do meacutetodo racional Os

meacutedicos Racionalistas teriam considerado fundamental fornecer explicaccedilotildees racionais de seus

procedimentos Com base em proposiccedilotildees que parecem ter tido como pretensatildeo definir a

natureza do corpo explicariam a relaccedilatildeo entre estados patoloacutegicos e suas respectivas terapias

Tal posicionamento a favor da produccedilatildeo do discurso que validasse a praacutetica teria levado a

uma proliferaccedilatildeo desenfreada de teorias especulativas acerca da composiccedilatildeo do corpo e do

desenvolvimento de doenccedilas e uma consequente hiper-racionalizaccedilatildeo do procedimento

meacutedico49

Os Empiacutericos por sua vez sustentariam contra este cenaacuterio que a praacutetica meacutedica eacute

apenas uma questatildeo de experiecircncia guiada por observaccedilatildeo teorias racionais sobre a natureza

do corpo seriam natildeo soacute inuacuteteis como prejudiciais Os Empiacutericos teriam no entanto

ultrapassado a simples criacutetica agrave natureza especulativa dos discursos racionalistas alegando

entatildeo que qualquer teoria deveria ser rejeitada ‒ pois toda teoria faria referecircncia a entidades

e estados que natildeo podem ser observados De acordo com os empiacutericos natildeo podemos ter

qualquer conhecimento de entidades e estados natildeo-observaacuteveis Conveacutem talvez lembrar que o

objeto dos meacutedicos eacute de saiacuteda o corpo humano e assim observaacutevel e natildeo-observaacutevel

49 ldquoA medicina racionalista tendeu a tornar-se acadecircmica e escolaacutestica um termo que realmente foi usado por Galeno para referir-se aos meacutedicos Alexandrinos que natildeo mais atendiam pacientes (In Hipp De nat horn CMG V 9 1 p 88 Iss) De outra passagem em Galeno (De dogm Hipp et Platan p 598 M) sabemos que Erasiacutestrato havia realmente parado de praticar a medicina Supostamente ele e Heroacutefilo dedicavam-se exclusivamente ao desenvolvimento de suas teorias fisioloacutegicas e anatocircmicas e assim teriam transformado a medicina em um assunto acadecircmico de grande sutileza e complexidade (cf Plin HN XI 219 XXVI 11) Pliacutenio (HN XXVI 11) definiu a situaccedilatildeo desta maneira Mesmo sendo a praacutetica real o mais eficiente dos professores acerca de qualquer coisa e especialmente da medicina tal celebrada disciplina racional pouco a pouco degenerou em meras palavras e verborragia Pois parece ser mais prazeroso sentar em uma escola e dedicar-se a leituras ao inveacutes de ir agrave natureza em busca de diferentes ervas nas diferentes estaccedilotildees do anordquo Frede 1987 p 236

39

possuiria neste contexto ao menos a princiacutepio um sentido proacuteprio aquilo que pode ou natildeo

ser observaacutevel apenas com os olhos e os instrumentos e teacutecnicas disponiacuteveis agrave eacutepoca

Os primeiros meacutedicos empiacutericos parecem ter negado que a razatildeo (logos) ou o

pensamento racional teriam qualquer papel na aquisiccedilatildeo de conhecimento Contudo eacute

bastante provaacutevel que esta posiccedilatildeo tenha se abrandado no decorrer da tradiccedilatildeo ou convivido

com posiccedilotildees mais moderadas Galeno atribui aos empiacutericos tardios o reconhecimento do uso

da razatildeo ainda que de forma distinta de seus adversaacuterios racionalistas na construccedilatildeo de

conhecimento meacutedico50

Diferentes teorias tentaram harmonizar a latente divergecircncia entre a pertenccedila de

Sexto aos empiacutericos um dado suposto mas consistente em sua biografia (inclusive sendo este

seu epiacuteteto) e seu ceticismo visto que o proacuteprio Sexto parece considerar esta uma posiccedilatildeo

incongruente ou ao menos indesejaacutevel Uma dessas teorias eacute a de que tendo-se

profissionalizado como meacutedico empiacuterico Sexto ao voltar-se para o ceticismo pirrocircnico teria

simplesmente desconsiderado as afirmaccedilotildees desta Escola como lsquoverdadesrsquo mas teria seguido

atuando como meacutedico de acordo com a maacutexima pirrocircnica da utilidade em se aprender uma

arte como vimos acima parte da lsquoobservaccedilatildeo da vidarsquo como ele explica em PH 1 2451

Frede (1987 p 252 ss) no entanto considera provaacutevel que Sexto estivesse empenhado em

uma lsquoreformarsquo no movimento empiacuterico criticando como dogmaacutetica a posiccedilatildeo negativa

tradicional da escola Allen (2001 p 90-91) considera que as observaccedilotildees de Sexto soam

como um aviso contundente contra a tendecircncia dogmaacutetica dentro da medicina empiacuterica mais

do que como uma suposta renuacutencia de fato do empirismo

Certa tensatildeo entre uma postura mais afim ao lsquoradicalismorsquo caracteriacutestico supotildee-se

da medicina empiacuterica e a postura ceacutetica que deveria conduzir agrave suspensatildeo do juiacutezo e agrave

moderaccedilatildeo eacute no entanto latente na obra sextiana Infelizmente nenhuma das obras que

provavelmente escreveu acerca do assunto sobreviveu para que pudecircssemos ter uma melhor

compreensatildeo sobre como vivenciou este conflito e se vivenciou Se a Escola Metoacutedica

surgiu no entanto como contrarreaccedilatildeo a duas facetas do empirismo quais sejam tendecircncias

dogmaacuteticas e tendecircncia teoacuterica (ao complicar posteriormente a explicaccedilatildeo dos meacutetodos de

conhecimento admitidos como tratamos na sequecircncia) eacute provaacutevel que a afirmaccedilatildeo de Sexto

sobre essa escola ser mais adequada ao ceacutetico expresse uma frustraccedilatildeo com certas

caracteriacutesticas da medicina empiacuterica

50 Frede 1987 p 247-249 51 Cf Blank p xvi o autor dessa hipoacutetese seria Hossenfelder

40

Numa tentativa de mapear o que chamaremos de lsquoheranccedila empiacutericarsquo natildeo soacute na

formaccedilatildeo do posicionamento filosoacutefico sextiano mas extensiva a outros debates

especialmente o gramatical na antiguidade retomamos abaixo a histoacuteria do confronto entre

estas escolas em paralelo a posturas filosoacuteficas acerca do lsquoconhecimentorsquo e das lsquoartesrsquo

(tekhnai) Apresentaremos elementos que buscam contribuir para o entendimento da relaccedilatildeo

entre medicina artes (tekhnai) e filosofia importante para a apreciaccedilatildeo da posiccedilatildeo sextiana

Como expressou Frede (1987 p 245)

Parece bastante justo afirmar que a medicina empiacuterica contribuiu para o reflorescimento do Pirronismo no seacuteculo I aC a forma do ceticismo Pirrocircnico em Sexto Empiacuterico eacute claramente influenciada pela corrente empiacuterica aleacutem disso suspeito que o modo como Acadecircmicos e Estoicos conceberam as artes e habilidades teacutecnicas foi amplamente influenciado pelo Empirismo A famosa definiccedilatildeo de gramaacutetica dada por Dioniacutesio Traacutecio no iniacutecio de seu tratado reflete um ponto de vista empiacuterico assim como a observaccedilatildeo introdutoacuteria de Varratildeo sobre o meacutetodo da agricultura (I 18 7) Encontramos na medicina grega desde o tempo do Corpus Hipocraacutetico ateacute Galeno e aleacutem uma rica tradiccedilatildeo de controveacutersias filosoacuteficas concernentes agrave natureza do conhecimento meacutedico que ndash ainda que fortemente influenciada pelas discussotildees das escolas filosoacuteficas ndash ainda assim manteve um alto niacutevel de independecircncia e originalidade e ateacute mesmo teve alguma influecircncia no pensamento dos filoacutesofos e dos representantes de outras artes e ciecircncias

15 ESCOLAS MEacuteDICAS POSICIONAMENTOS FILOSOacuteFICOS E O ATAQUE AgraveS

TEKHNAI

O ataque empreendido por Sexto nos seis livros do Contra os Professores insere-se

no contexto amplo de oposiccedilatildeo agraves filosofias dogmaacuteticas como temos visto atraveacutes da criacutetica

aos conhecimentos teoacutericos construiacutedos com base em raciociacutenios especulativos A criacutetica

sextiana envolve a identificaccedilatildeo das disciplinas do ensino ciacuteclico (enkuklia mathemata) com

artes (tekhnai) racionais ou teoacutericas O propoacutesito destas artes seria natildeo a transmissatildeo e

aquisiccedilatildeo de habilidades com fins praacuteticos mas a construccedilatildeo de teorias postulando a natureza

das coisas Com base no chamado meacutetodo racional o objetivo destas artes seria postular

propriedades definidoras da natureza de seus objetos elaborando explanaccedilotildees causais de por

que as coisas satildeo como satildeo Como parte desses estudos configuram-se entidades teoacutericas

relacionadas por meio de um sistema cuja apreensatildeo depende portanto da aceitaccedilatildeo tanto do

valor existencial de suas entidades componentes como e principalmente do assentimento agraves

41

inferecircncias (constataccedilotildees hipoteacuteticas tomadas como verdadeiras) que as relacionam A

edificaccedilatildeo desses estudos em sistemas envolve portanto um meacutetodo de descoberta e um

conjunto de teoremas que sustenta a conexatildeo de seus elementos Sexto ataca em vista disso o

estudo racional com pretensotildees teoacutericas a incoerecircncia interna e as consequecircncias do meacutetodo

racional

As artes (tekhnai) teriam tido por outro lado pelo menos historicamente um apelo

praacutetico a aplicabilidade praacutetica foi inclusive requisito para uma habilidade ser considerada

uma arte Eacute possiacutevel detectar no entanto uma tendecircncia desde no miacutenimo a geometria

pitagoacuterica de as artes buscarem por respaldo filosoacutefico e passarem a medir seu grau de

sofisticaccedilatildeo pelo seu grau de abstraccedilatildeo teoacuterica daiacute a aproximaccedilatildeo com o meacutetodo racional O

termo para arte tekhne soa polissecircmico durante a antiguidade havendo uma tensatildeo constante

entre um uso reivindicado pela filosofia e um uso corrente de tekhne referindo-se tambeacutem a

habilidades puramente lsquoempiacutericasrsquo como a carpintaria ou equitaccedilatildeo

A polarizaccedilatildeo entre empirismo e racionalidade relativa agraves artes (tekhnai) tem uma

longa tradiccedilatildeo de discussatildeo entre os gregos Essa discussatildeo nos interessa sobremaneira pois

relaciona-se diretamente agrave constituiccedilatildeo dos pressupostos epistemoloacutegicos das escolas meacutedicas

do periacuteodo heleniacutestico mencionadas brevemente anteriormente e eacute essencial para a

abordagem de questotildees relevantes na argumentaccedilatildeo de Sexto no Contra os Professores

151 Evoluccedilatildeo da Medicina e do conceito de tekhne

Por volta do seacuteculo V aC como parte de uma tendecircncia intelectualizante ampla de

rejeiccedilatildeo a explicaccedilotildees mitoloacutegicas ou religiosas reconheciacutevel desde ao menos o seacuteculo VI

aC e valorizaccedilatildeo de hipoacuteteses de cunho mecanicista e naturaliacutestico para a descriccedilatildeo dos

fenocircmenos a praacutetica meacutedica bem como outras praacuteticas procura afastar-se de concepccedilotildees

tradicionais entatildeo consideradas supersticiosas Uma fronteira hieraacuterquica se estabelece entre

um discurso etioloacutegico sobrenatural que doravante pode vir a caracterizar praacuteticas suspeitas e

charlatatildees e concepccedilotildees atentas aos processos transformativos da mateacuteria Estas uacuteltimas

influenciadas pela filosofia materialista do periacuteodo passam a compor o arsenal dos saberes

meacutedicos Do ofiacutecio do meacutedico faraacute parte doravante isolar e identificar elementos definir suas

propriedades e a natureza de seus processos por meio da observaccedilatildeo dos fenocircmenos naturais

que estejam envolvidos no curso das doenccedilas e das terapias

Por um lado o impulso intelectual do periacuteodo eacute empiacuterico e praacutetico por voltar-se aos

elementos e suas combinaccedilotildees e agrave observaccedilatildeo de transformaccedilotildees no curso do tempo Por

42

outro no intuito de interpretar controlar e prever fenocircmenos desenvolver-se-aacute

concomitantemente uma faceta declaradamente racionalista e uma tendecircncia metafiacutesica Pois

ao extrapolar deliberadamente o observaacutevel em busca de leis gerais pretende-se contribuir

para o entendimento do funcionamento profundo do mundo Poder-se-ia dizer nesse sentido

que cooperam neste momento disposiccedilotildees da filosofia da natureza jocircnica e da filosofia

idealista eleaacutetica

Some-se a isso a valorizaccedilatildeo do discurso puacuteblico lembremos da importacircncia de

discursos juriacutedicos de acusaccedilatildeo e defesa bem como do poder das declamaccedilotildees militares e

poliacuteticas de exortaccedilatildeo ou repuacutedio a determinadas linhas de accedilatildeo que parece fazer parte do

impulso intelectual ao qual a medicina se adapta e do qual se alimenta Legitimar

discursivamente um proceder praacutetico persuadindo o puacuteblico de sua confiabilidade e poder

qual se defende uma causa eacute ferramenta fundamental numa profissatildeo que depende da

conquista de lsquoclientesrsquo Meacutedicos precisam se provar confiaacuteveis dentro de uma nova

configuraccedilatildeo social que natildeo quer mais apenas confiar na tradiccedilatildeo e assim vincular seu saber

ao domiacutenio e compreensatildeo global de uma arte racional parece um modo efetivo de divulgar

sua profissatildeo O incentivo agrave racionalizaccedilatildeo de seu conhecimento tambeacutem se deve agrave

necessidade de garantir que seratildeo capazes de transmitir tal conhecimento aos possiacuteveis futuros

pupilos Tal discurso era seu epangelma ou lsquoprofissatildeorsquo aiacute declaravam as promessas de sua

arte

Os escritos hipocraacuteticos dos seacuteculos V e IV aC trazem (aleacutem de criacuteticas agravequeles que

conferem maacute fama agrave praacutetica por exercecirc-la de forma dolosa) indicaccedilotildees de como um meacutedico

deve proceder na defesa da medicina perante aqueles que alegam que ela natildeo eacute uma tekhne

Como resumiu Blank (p xix) O tratado hipocraacutetico do seacuteculo V aC Sobre as doenccedilas comeccedila sublinhando aquilo que todos devem ter em mente ao desejarem participar de um debate sendo a favor ou contra a medicina a etiologia da doenccedila o curso da enfermidade assim como a forma em que os males progridem uns nos outros quais tratamentos satildeo bem-sucedidos e quais seus resultados o que paciente e meacutedico dizem e fazem por acharem que estaacute correto ou por terem certeza de que estaacute correto junto com o que eacute correto e incorreto na ciecircncia meacutedica quais pontos de iniacutecio e fim da medicina foram demonstrados que coisas realmente existem na medicina o que pode ser conhecido dito visto ou feito de forma que um natildeo realize o que natildeo pode o que eacute competecircncia e o que eacute falta de habilidade oportuno ou inoportuno quais outras tekhnai satildeo semelhantes ou diferentes da medicina quais qualidades o corpo conteacutem e como estas modificam-se para melhor ou pior que males produzem bem ou mal quando adicionados aos males presentes E sempre deve-se atentar aos erros dos oponentes em relaccedilatildeo a estas mateacuterias e entatildeo atacar na contra-argumentaccedilatildeo

43

Este relato natildeo soacute comprova a exigecircncia do conhecimento empiacuterico como a centralidade da

racionalizaccedilatildeo da praacutetica com vistas a uma arguiccedilatildeo puacuteblica

A defesa da medicina como uma verdadeira tekhne floresce junto agrave discussatildeo sobre

o papel da experiecircncia versus os papeacuteis da inferecircncia e da justificativa racional na construccedilatildeo

do conhecimento O debate acerca do status da medicina como tekhne e conjuntamente a

discussatildeo mais geral sobre o que eacute uma tekhne parece ter sido tambeacutem influenciado pelo

contexto de atuaccedilatildeo do movimento sofista em Atenas nos seacuteculos V e IV aC Tal movimento

promoveu um novo modelo de educaccedilatildeo civil juvenil os jovens poderiam receber instruccedilatildeo

especializada frequentando seminaacuterios palestras ou cursos pagos Ateacute este momento a

educaccedilatildeo formal para os filhos de cidadatildeos significava aprender a ler e escrever praticar

ginaacutestica e tocar um instrumento musical normalmente a lira Alguns jovens de famiacutelias mais

influentes possuiam preceptores particulares que iam aleacutem desta formaccedilatildeo geral Mas

comumente a educaccedilatildeo juvenil especialmente aquela que visava agrave formaccedilatildeo de liacutederes

poliacuteticos possuia uma dinacircmica social distinta dependia da participaccedilatildeo ativa do jovem nos

eventos da comunidade e de seu conviacutevio com homens saacutebios eou influentes eles proacuteprios

lsquoinstruiacutedosrsquo dentro da mesma dinacircmica

A atuaccedilatildeo dos sofistas desestabiliza esse quadro porque eles natildeo se propuseram a

uma tutela individual e especiacutefica como a dos preceptores ou um serviccedilo de orientaccedilatildeo

juriacutedica como o dos logoacutegrafos (que escreviam discursos para serem usados nos tribunais)

eles reivindicam o papel de educadores dentro da sociedade ou seja um papel a ser disputado

ao poeta ao saacutebio e sublinhe-se ao filoacutesofo Os sofistas teriam se apropriado do conceito de

excelecircncia (arete) com profundas raiacutezes eacuteticas para os gregos e no contexto da atuaccedilatildeo

poliacutetica passam a oferecer uma instruccedilatildeo teacutecnica em taacuteticas para desenvolver habilidades

discursivas (entre outras) agraves quais vinculam a aquisiccedilatildeo de conhecimento

A pretensatildeo social destes estrangeiros em Atenas incitou uma ampla discussatildeo sobre

as consequecircncias da democratizaccedilatildeo do saber A atuaccedilatildeo dos sofistas estabelece o

questionamento acerca de quais habilidades deveriam fazer parte da formaccedilatildeo de um cidadatildeo

livre adulto e de um saacutebio fomentando discursos que valoravam ou depreciavam as

atividades conforme a natureza das competecircncias demandadas ou exercitadas por elas O

movimento sofista foi tambeacutem responsaacutevel em uacuteltimo caso por impulsionar a criaccedilatildeo de

escolas a produccedilatildeo de material lsquoteacutecnicorsquo a lsquoprofissionalizaccedilatildeorsquo do ensino em suma por

provocar a gradual criaccedilatildeo de um lsquosistemarsquo de ensino de jovens e adultos

Parece ter havido entre os proacuteprios sofistas que natildeo formaram uma escola mas

caracterizam-se melhor como um movimento geneacuterico ainda que bastante incisivo uma

44

disputa acerca do que deveria tipicamente compor sua instruccedilatildeo Vemos isso no discurso de

Protaacutegoras no diaacutelogo homocircnimo platocircnico em que Goacutergias eacute acusado de seguir exigindo de

seus pupilos o estudo das disciplinas do ensino baacutesico ao inveacutes de conduzi-los a assuntos

importantes como a poliacutetica

Alguns deles parecem ter apresentado a sofiacutestica como natildeo soacute necessaacuteria mas

superior agraves outras tekhnai e teriam angariado ainda mais inimigos por afirmar que qualquer

discurso seria tatildeo eficaz quanto eficazes fossem as teacutecnicas sofiacutesticas utilizadas para construi-

lo Essa teria sido a promessa feita por alguns a respeito de sua tekhne

A reaccedilatildeo de pensadores importantes contraacuterios ao movimento sofista como Platatildeo e

Aristoacuteteles valeu-se por sua vez da desqualificaccedilatildeo da sofiacutestica como tekhne enquadrando-a

como um mero lsquosaber fazerrsquo O termo tekhne representava algo que os gregos respeitavam e

valorizavam e negar a uma praacutetica a alcunha de tekhne era questionar seu prestiacutegio e sua

utilidade social52 o que acaba por pavimentar o caminho da tensatildeo entre por um lado (mero)

treino de habilidades e por outro (verdadeiro) conhecimento Este debate acaba por tomar

grandes proporccedilotildees ao implicar uma disputa acerca de quais artes seriam de fato artes ou

quais seriam superiores e a quais caracteriacutesticas estaria vinculado seu status Bem como

quais delas eram importantes para a sabedoria quais indiferentes quais despreziacuteveis Ou seja

entra em cena um criteacuterio filosoacutefico para a hierarquizaccedilatildeo das tekhnai

Dar o aval de tekhne a certa aacuterea do conhecimento envolve neste cenaacuterio

normalmente questotildees semelhantes agraves mencionadas no relato hipocraacutetico acima uma teckhne

deveria a) ter um objetivo determinado (distinto do objetivo de outras tekhnai) b) ser uacutetil53 c)

ter a capacidade de atingir seu objetivo d) ser transferiacutevel ou seja poder ser ensinada e

aprendida54 Desse uacuteltimo criteacuterio faz parte e) ter preceitos estabelecidos de forma clara

acerca do que eacute certo e do que eacute errado pois quem domina a arte deve ser capaz de explicar a

correccedilatildeo de seu procedimento ao contraacuterio de uma pessoa despreparada que age

52 Na poesia grega antiga e sua mitologia as tekhnai satildeo presentes divinos que conduziram a humanidade ao seu lugar especial no mundo tendo permitido que sobrevivecircssemos agraves incertezas da sorte (Iliacuteada XXIII 325-318 Odisseia XVII 383 Platatildeo Gorgias 448c) 53 O criteacuterio da utilidade foi particularmente enfatizado pelos epicuristas A utilidade tambeacutem faz parte da definiccedilatildeo estoica padratildeo atribuiacuteda a Zenatildeo de Ciacutetio lsquoarte eacute um sistema de apreensotildees (katalepseis) organizado para algum fim uacutetil na vidarsquo(SVF i 73) 54 Argumentos contra o ensino tais como os paradoxos que encontramos em Sexto foram levantados pelos sofistas por exemplo no Dissoi Logoi tratado sofiacutestico do seacuteculo IV aC Ver Prezotto 2009 Outros argumentos aparecem comumente em Platatildeo especialmente nas discussotildees com os sofistas Goacutergias e Protaacutegoras mas tambeacutem no Eutidemo e Menon

45

corretamente apenas por acaso55 Seppaumlnen (2013 p 19) acrescenta a esta lista

produtividade56 completude57 sistematicidade e meacutetodo58 Durante toda a antiguidade esses

elementos satildeo recorrentes na discussatildeo sobre as tekhnai e permanecem fundamentais para a

concepccedilatildeo sextiana

Os desdobramentos dessa questatildeo em Platatildeo conduzem a uma discussatildeo sobre a

natureza das tekhnai aquelas que satildeo proacuteprias da educaccedilatildeo baacutesica de todo cidadatildeo livre e que

devem ser aprendidas de maneira geral e ateacute certo ponto (a partir deste ponto quando algueacutem

se dedica a elas com rigor tende a se tornar um trabalhador vulgar)59 as tekhnai que natildeo

deveriam receber este nome mas sim o de empeiria (ou tribe praacutetica) pois satildeo irracionais

(alogoi)60 jaacute que natildeo fornecem explicaccedilotildees referentes agrave natureza (phusis) das coisas com que

lidam e natildeo se preocupam com o bem real e as tekhnai propriamente ditas que fornecem

uma explicaccedilatildeo (logos) concernente a razotildees causas e naturezas demandando definiccedilotildees e

criteacuterios para a explanaccedilatildeo causal61

Platatildeo promove assim uma relaccedilatildeo entre tekhnai e conhecimento verdadeiro por um

lado e empeiria e opiniatildeo por outro As uacuteltimas direcionadas ao mundo fenomecircnico e as

tekhnai (verdadeiras) preocupadas em explicar racionalmente o mundo real Esta distinccedilatildeo iraacute

dominar a terminologia dos debates sobre lsquotecnicidadersquo pelo resto da antiguidade62 Platatildeo

aplicou diretamente esta valoraccedilatildeo ao trabalho meacutedico Nas Leis (720 ac 857 cd) Platatildeo

55 Blank pxx 56 De acordo com Aristoacuteteles (Eacutet Nic 1140a10) lsquohabilidade produtiva que acompanha a verdade sob a direccedilatildeo da razatildeorsquo (heksis meta logou alethous poietike) 57 Se o conhecimento for realmente uma tekhne aquele que o possui natildeo domina apenas Homero por exemplo mas toda a arte da poesia Seppaumlnen 2005 p 19 58 Faz parte da interpretaccedilatildeo estoica por exemplo em Ciacutecero (SVF i 73) lsquoas artes compotildeem-se de conhecimentos e conteacutem em si o que eacute constituiacutedo por razatildeo e meacutetodorsquo 59 Cf Platatildeo Protaacutegoras 318e Leis 7 817e-819a Goacutergias 464e-465a Isoacutecrates 15 264 Aristoacuteteles Poliacutetica 8 2 1337b 4 ss Blank (p xxii) aponta para a similaridade entre esta distinccedilatildeo platocircnica e as posiccedilotildees de Epicuro e Sexto que satildeo contra formas teoacutericas mas aceitam os niacuteveis elementares de formaccedilatildeo praacutetica na gramaacutetica astronomia e muacutesica por exemplo disciplinas comuns no ensino baacutesico De forma que a insistecircncia em aprofundar estas habilidades levaria natildeo agrave pretendida lsquosofisticaccedilatildeorsquo de uma habilidade mas ao contraacuterio transformaria seus praticantes os gramaacuteticos digamos em lsquotrabalhadores vulgaresrsquo 60 ldquoOs praticantes empiacutericos de vaacuterias tekhnai muito provavelmente natildeo consideraram isto um insulto jaacute que era mesmo a proacutepria fundaccedilatildeo de sua epistemologia que logos natildeo tinha nada a ver com qualquer tekhnairdquo Seppaumlnen 2013 p 64 Por outro lado possivelmente foi uma afronta o querer privar-lhes o uso de tekhne 61 Goacutergias 462c 463a 464c 464e ndash 465a 62 Blank p xxiii

46

distingue entre meacutedicos escravos e meacutedicos livres os primeiros aprendem de uma maneira

lsquoempiacutericarsquo observando seus mestres no tratamento de pacientes e dispotildeem seus tratamentos

sem discussatildeo ou explanaccedilatildeo enquanto os uacuteltimos aprendem cientificamente dando

explicaccedilotildees para persuadir o paciente do tratamento proposto e discutindo teoria inclusive as

causas das doenccedilas e a natureza do corpo quase como um filoacutesofo A descriccedilatildeo do meacutedico

livre reapareceraacute (exceto por sua boa vontade em conversar com pacientes) como antiacutetese do

praticante empiacuterico tal como o encontramos descrito por Sexto

Outra operaccedilatildeo explicitada em Platatildeo eacute a subordinaccedilatildeo das lsquoartes reaisrsquo que visam

ao lsquobemrsquo agrave dialeacutetica (lsquoa ciecircncia do bemrsquo) capaz de discriminar a real natureza das coisas Na

Repuacuteblica (7 533a-534c) ele afirma que algumas tekhnai tal como a geometria e suas irmatildes

estatildeo relacionadas ao real por fazerem uso de hipoacuteteses e princiacutepios natildeo demonstraacuteveis Elas

satildeo tambeacutem chamadas epistemai mas afirma ele apenas a dialeacutetica merece ser chamada

episteme a geometria a aritmeacutetica etc satildeo apenas uma preparaccedilatildeo (propaideia 536d)

Aristoacuteteles tambeacutem argumentou que tekhne seria mais que simples experiecircncia

ldquotekhne eacute um haacutebito produtivo acompanhado de logos verdadeirordquo (Eacutetica a Nicocircmaco 64

1140a4) mas natildeo a subordinou a uma filosofia do bem ou denegriu o papel da experiecircncia

Para ele o conhecimento eacute produto da experiecircncia havendo contudo uma faculdade natildeo

relacionada agrave experiecircncia sensorial imediata chamada lsquomentersquo (nous) na qual nos apoiamos

para compreender a partir da experiecircncia acumulada os princiacutepios gerais ou universais e

articulaacute-los no entendimento das causas63 Dessa forma eacute que poderiacuteamos passar de saber que

lsquoalgo eacute o casorsquo para o lsquosaber por quecircrsquo (Analiacuteticos Posteriores 2 100a3-9) ldquoOutros animais

vivem por impressotildees e memoacuterias tendo pouca troca de experiecircncia mas os seres humanos

vivem tambeacutem pela arte e pelo raciociacuteniordquo (Metafiacutesica I 1 981a)

Aleacutem disso Aristoacuteteles tambeacutem considera que uma tekhne deve ser transmissiacutevel e

para isso ela precisa tomar corpo atraveacutes de algo como uma forma proposicional (Metafiacutesica I

1 981b7-10) por isso a proeminecircncia do logos Para Aristoacuteteles embora fruto de experiecircncia

acumulada a tekhne em oposiccedilatildeo aos casos particulares que compotildeem a experiecircncia lida

com universais ldquoa arte se daacute quando de muitas observaccedilotildees da experiecircncia nasce uma noccedilatildeo

universal uacutenica concernente aos casos semelhantesrdquo (Metafiacutesica I 1 981a5) Mesmo

considerando tekhne superior agrave experiecircncia ele adota uma posiccedilatildeo moderada ldquosempre que 63 Aristoacuteteles (Toacutep 124b17-20) chamou grammatike lsquoa arte das letras e sonsrsquo de episteme mas natildeo eacute claro se neste ponto quis usar este termo diferentemente de tekhne ldquoO importante eacute que a arte das letras e sons aparece como um campo exemplar do conhecimento pode ser claramente definido e jaacute que pode ser usado como um exemplo seu domiacutenio natildeo eacute ateacute certo ponto disputadordquo Seppaumlnen 2013 p 26

47

algueacutem compreende a teoria sem a experiecircncia e conhece o universal mas eacute ignorante do

particular que estaacute agrave sua frente iraacute com frequecircncia cometer erros no tratamento jaacute que eacute o

particular que requer tratamentordquo (Metafiacutesica I 1 980a12-24)

Assim na visatildeo aristoteacutelica teoria e experiecircncia satildeo ambas imprescindiacuteveis para o

domiacutenio da arte no entanto a experiecircncia embora seja o uacutenico material para a construccedilatildeo das

leis universais eacute apenas uma primeira etapa somente na articulaccedilatildeo destes universais atraveacutes

da lsquoteoriarsquo e na aplicaccedilatildeo da racionalidade para o entendimento das causas eacute que o praticante

se torna mestre na sua arte ldquoO homem de experiecircncia conhece o fato mas natildeo a razatildeo

enquanto o que possui a arte compreende tanto a razatildeo como a causardquo (Metafiacutesica I 1

981a30) Para Aristoacuteteles um meacutedico necessita articular conhecimentos causais para estar

apto a lidar com as novas situaccedilotildees que vier a enfrentar64

Agir de maneira consistente natildeo aleatoacuteria e efetiva eacute proacuteprio do que domina uma

arte em oposiccedilatildeo ao que acumula mero conhecimento empiacuterico Este uacuteltimo pode ainda

produzir bons resultados poreacutem de maneira acidental sem saber explicar como se

produziram os efeitos observados Portanto assim como em Platatildeo a verdadeira arte eacute aqui

definida como aquela que torna seus praticantes aptos a proverem uma explicaccedilatildeo das causas

de seu sucesso Portanto ldquose a medicina pode aspirar a ser mais que uma coleccedilatildeo de

experiecircncias como enfatiza Aristoacuteteles torna-se a questatildeo metodoloacutegica principal na

epistemologia meacutedica gregardquo (HANKINSON 2004 p 7)

Que a medicina seja a arte frequentemente citada na discussatildeo tanto aristoteacutelica

quanto platocircnica deve-se talvez ao fato de existir jaacute nesta eacutepoca uma longa tradiccedilatildeo de

debate nesta aacuterea ldquopor volta de 350 aC a medicina grega poderia lanccedilar olhos para mais de

um seacuteculo de discussotildees acerca natildeo apenas de assuntos da ordem da terapecircutica e prognose

mas tambeacutem sobre os fundamentos teoacutericos da ciecircnciardquo (HANKINSON 2004 p 8)

No tratado hipocraacutetico Sobre a medicina antiga supostamente do fim do seacuteculo V

aC65 eacute dito que a medicina desviou-se em esteacutereis disputas teoacutericas acerca dos elementos

bases da fisiologia humana (fogo aacutegua quente frio uacutemido seco) afastando-se da fonte de

sua efetividade qual seja a observaccedilatildeo empiacuterica detalhada da conexatildeo entre certos tipos de

regime sauacutede e doenccedila A tendecircncia a que se opotildee o tratado hipocraacutetico parece estar entatildeo

firmemente estabelecida Neste tratado tambeacutem se afirma que as disputas entre os teoacutericos

haviam se multiplicado de tal forma que natildeo se vislumbrava maneira oacutebvia de resolvecirc-las

64 Eacutetica a Nicocircmaco 109 Metafiacutesica I 1 981a2-12 65 Ver a traduccedilatildeo e estudo de Schiefsky 2005

48

Hankinson (ibidem) compara a situaccedilatildeo da medicina por volta de 400 aC agravequela que existiu

na filosofia preacute-socraacutetica e motivou a expressatildeo do pessimismo ceacutetico de Xenoacutefanes (Fr 21 B

34 DK) de que talvez a estrutura real das coisas haveria de permanecer para sempre oculta ao

entendimento humano

Durante os seacuteculos IV e comeccedilo do III aC delinea-se uma reaccedilatildeo agrave excessiva ou

irrelevante teorizaccedilatildeo na medicina responsaacutevel por transformar os meacutedicos em estudiosos de

teorias gerais de filosofia natural66 Poreacutem em geral embora se criticasse a inaplicabilidade

praacutetica de algumas generalizaccedilotildees teoacutericas parece ter sido mais ou menos consenso que um

meacutedico deveria ser capaz de lidar com argumentos e explanaccedilotildees causais Pois considerando

a influecircncia aristoteacutelica e platocircnica bem como a resposta agraves provocaccedilotildees no ambiente de

atuaccedilatildeo da sofiacutestica defender a medicina como uma tekhne envolvia defendecirc-la nos moldes

de uma arte explicativa e natildeo apenas conjectural Parece ter sido esse consenso portanto que

permitiu que a oposiccedilatildeo definisse seu adversaacuterio Como expressou Hankinson (2004 p 11)

Esta noccedilatildeo de que a praacutetica meacutedica verdadeira repousaria em um entendimento causal da natureza do corpo humano e sua suscetibilidade agrave doenccedila foi o traccedilo subjacente que possibilitou que todas as vaacuterias escolas posteriores de medicina conhecidas sob a alcunha sintetizante de lsquoDogmaacuteticasrsquo ou lsquoRacionalistasrsquo fossem postas baixo o mesmo guarda-chuva apesar de suas teorias radicalmente diferentes acerca da fisiologia e patologia

1511 Medicina Empiacuterica

Por volta da metade do seacuteculo III aC tomaraacute corpo o movimento de rejeiccedilatildeo em

bloco ao racionalismo na medicina o Empirismo67 As tendecircncias empiacutericas jaacute eram uma

contra-corrente forte no tempo de Aristoacuteteles ou mesmo anterior a ele como vimos na reaccedilatildeo

presente no Sobre a Medicina Antiga A medicina empiacuterica existia jaacute no seacuteculo V aC ela

66 cf Sobre a medicina antiga 20 67 ldquoNum primeiro momento a medicina heleniacutestica foi dogmaacutetica porque a filosofia da eacutepoca era dogmaacutetica A experiecircncia pessoal do meacutedico era incapaz de prevalecer sobre a convicccedilatildeo filosoacutefica e o ceticismo empiacuterico foi esquecido Somente quando o dogmatismo perdeu forccedila na filosofia com a reaccedilatildeo ceacutetica uma medicina ceacutetica natildeo dogmaacutetica pode reaparecerrdquo Edelstein 1967 p 201 Como vimos as opiniotildees divergem acerca de conferir agrave medicina ou agrave filosofia um papel precursor neste movimento De qualquer forma a reaccedilatildeo empiacuterica na medicina parece acompanhar o antidogmatismo ceacutetico da Academia sob o comando de Arcesilau

49

natildeo passou a ser ensinada somente quando a Escola Empiacuterica eacute fundada no periacuteodo

Heleniacutestico mas o Empirismo ganha nova interpretaccedilatildeo neste momento68

A atitude ponderada em relaccedilatildeo ao papel da experiecircncia faz parte como vimos da

proacutepria concepccedilatildeo aristoteacutelica e parece ter influenciado a posiccedilatildeo de Diocles (IV aC) (in

Galeno apud Hankinson 1995 p 200) de que natildeo eacute necessaacuterio prover explicaccedilotildees em todos

os casos mas de que eacute mais seguro confiar naquilo que eacute apreendido atraveacutes da experiecircncia

durante um longo tempo e que isso natildeo afeta o status de tekhne conferido agrave medicina

Tambeacutem Heroacutefilo teria escrito ldquodeixe os fenocircmenos apresentarem-se antes mesmo

se eles natildeo forem primaacuteriosrdquo (apud Hankinson 1995 p 203) Embora Heroacutefilo tenha dito

segundo Galeno que todas as explicaccedilotildees causais seriam hipoteacuteticas e provisoacuterias isso natildeo

seria para ele e seus seguidores motivo em si para que estas explicaccedilotildees fossem rejeitadas

Para Heroacutefilo tanto quanto para Diocles a medicina eacute mais que pura experiecircncia69 Contudo

teria sido um pupilo de Heroacutefilo Serapiatildeo o fundador do Empirismo radical na medicina

Essa escola a partir do seacuteculo III aC e nos proacuteximos quatro seacuteculos ou mais desenvolve-se

consideravelmente

Seguindo a apresentaccedilatildeo de Blank (1998 p xxvi) os empiacutericos natildeo admitiam que o

logos (lsquoteoriarsquo ou lsquorazatildeorsquo) tivesse qualquer papel na praacutetica meacutedica Experiecircncia provinda da

proacutepria observaccedilatildeo (teresis autopsia) e de registros das observaccedilotildees de outros meacutedicos

(historia) compunha a totalidade da arte meacutedica Novos fenocircmenos poderiam ser tratados com

base na extrapolaccedilatildeo a partir de casos similares um procedimento chamado lsquotransiccedilatildeo ao

similarrsquo Cada um desses trecircs pilares da medicina empiacuterica foi tomado pelos empiacutericos em

oposiccedilatildeo direta aos meacutetodos usados por seus oponentes Os racionalistas (logikoi) diziam

eles utilizavam raciociacutenios formais indutivos e dedutivos a fim de aprender acerca de

entidades teoacutericas que natildeo eram em princiacutepio passiacuteveis de ser percebidas Esse processo de

raciociacutenio os empiacutericos denominaram lsquoanalogismorsquo (analogismos) Os processos de

pensamento sancionados pelos empiacutericos eram aqueles que eles tomavam por ser como os da

vida ordinaacuteria ditos lsquoepilogismorsquo (epilogismos) O epilogismo sustecircm eles natildeo conduz a

entidades teoacutericas mas aplica-se apenas agravequelas coisas que satildeo evidentes na sua natureza

mas temporariamente natildeo-evidentes devido a circunstacircncias Um pensamento deste tipo

68 Ver Edelstein 1967 p 195-6 69 Hankinson 2004 p 14

50

levaria a outro e se o poder sugestivo deles fosse forte o bastante o meacutedico por

consequecircncia agiria70

Embora o papel exato da lsquotransiccedilatildeo ao similarrsquo dentro de sua praacutetica fosse questatildeo de

debate entre os empiacutericos o princiacutepio natildeo-negociaacutevel do Empirismo teria sido a oposiccedilatildeo

implacaacutevel agrave medicina etioloacutegica e teoacuterica71

Dizemos que a arte da medicina originou-se da experiecircncia e natildeo da indicaccedilatildeo (endeixis) Por lsquoexperiecircnciarsquo queremos dizer conhecimento de algo baseado em observaccedilatildeo pessoal (autopsia) por lsquoindicaccedilatildeorsquo conhecimento baseado em consequecircncia racional pois a percepccedilatildeo nos conduz agrave experiecircncia enquanto a razatildeo conduz os Dogmaacuteticos agrave indicaccedilatildeo (Galeno Subf Emp 2 44) O Empiacuterico [] natildeo daacute ocasiatildeo a algo como indicaccedilatildeo nem a algo que possa ser conhecido com base em outra coisa pois tudo precisa ser conhecido por si proacuteprio natildeo haacute signo de nada que seja oculto por natureza (Galeno de Sect 1 77)

O empirismo que encontramos nos escritos hipocraacuteticos por outro lado admitia que

aquilo que natildeo pode ser experienciado poderia a princiacutepio ser explicado atraveacutes de

hipoacuteteses72

Aleacutem da elaboraccedilatildeo de uma explicaccedilatildeo de seus procedimentos em oposiccedilatildeo aos

meacutetodos racionalistas salvaguardando a possibilidade do conhecimento meacutedico se

desenvolver sem a necessidade de lsquoteoriarsquo ou lsquorazatildeorsquo fundamentado somente na experiecircncia

(caracterizada de forma muito parecida ao que vimos em Aristoacuteteles) os empiacutericos tambeacutem

tomaram a via negativa atacando as teorias construtos teoacutericos inferecircncias e definiccedilotildees

usadas pelos racionalistas Tambeacutem argumentaram que se a Medicina Racional fosse uma

tekhne tal como os racionalistas a definiam ela deveria ser capaz de resolver seus conflitos

internos o que natildeo aconteceria jamais73

Para os Empiacutericos radicais aqueles que rejeitaram totalmente a transiccedilatildeo ao similar

a memoacuteria eacute tudo que eacute necessaacuterio para organizar a experiecircncia74 De qualquer forma a

memoacuteria eacute um elemento importante anterior agrave experiecircncia atual e construiacutedo a partir de

evidecircncias compartilhadas

70 Cf Frede 1985 p xxii ss 71 Hankinson 2004 p 14 72 Edelstein 1967 p 197 Comparar com Schiefsky 2005 Introduction 73 Ver Blank p xxvii 74 Acerca do papel desempenhado pela lsquomemoacuteriarsquo na epistemologia antiga Frede (1990) aponta a existecircncia de uma lsquocompeticcedilatildeorsquo protagonizada pelos empiricistas entre memoacuteria e razatildeo

51

O Empiacuterico natildeo somente emprega definiccedilotildees e determinaccedilotildees (que repousam somente no que eacute evidente) mas tambeacutem faz uso de exposiccedilotildees causais e provas baseadas no que tem sido anteriormente atestado atraveacutes da percepccedilatildeo de uma maneira evidente [] Devemos manter em mente nunca fazer qualquer asserccedilatildeo baseada em consequecircncia loacutegica mas somente aquelas baseadas na observaccedilatildeo evidente e na memoacuteria Eacute de acordo com isso entatildeo que os Empiacutericos constroem sua arte e ensinam outros (Galeno Subf Emp 8 67-68)

Portanto o tipo de explicaccedilatildeo causal que o empiacuterico rejeita eacute a endeixis do

dogmaacutetico ou seja a indicaccedilatildeo ldquoa inferecircncia a condiccedilotildees internas natildeo-evidentes alegadas

como responsaacuteveis pelos fenocircmenos visiacuteveis ou de forma equivalente estruturas internas

teoricamente postuladas para as coisasrdquo (HANKINSON 2004 p 17) Assim um empiacuterico

utilizar-se-ia da noccedilatildeo de causa quando ela estivesse correlacionada a eventos antecedentes

poreacutem nunca produziria uma etiologia no sentido de uma explicaccedilatildeo teoacuterica sobre como tais

influecircncias causais seriam transmitidas75

O empiacuterico portanto natildeo praticaria a arte de forma lsquoinsensatarsquo pois ele tem como

base a experiecircncia pessoal ou compartilhada Com isso o meacutedico empiacuterico poderia

considerar sua arte uma tekhne ainda que a chame de empeiria pois possui um meacutetodo natildeo o

meacutetodo racional obviamente Entre os adeptos do Empirismo poreacutem parece ter havido muita

disputa acerca de quatildeo longe ou mesmo se era permitido usar este tipo de raciociacutenio causal

expresso na lsquotransiccedilatildeo ao similarrsquo Pois ainda que impeccedila totalmente a inferecircncia a condiccedilotildees

internas ocultas e atenha-se ao conhecimento empiacuterico haacute empiacutericos radicais que se

recusaram a dar creacutedito a qualquer tipo de inferecircncia combinatoacuteria na construccedilatildeo de teoremas

e na concepccedilatildeo dos tratamentos pois tal meacutetodo pode aproximar-se do procedimento

lsquoanaloacutegicorsquo O chamado meacutetodo epilogiacutestico de descoberta portanto foi negado por alguns

empiacutericos que parecem ter se esforccedilado em defender que muitas de suas praacuteticas haviam sido

descobertas ao acaso e natildeo atraveacutes de qualquer raciociacutenio76

Criacuteticas agrave corrente empiacuterica na medicina envolveram questotildees como as que

Asclepiacuteades de Bitiacutenia traz agrave tona em seu ataque agrave escola escrito por volta de 125 aC O cerne

da discussatildeo envolve a acusaccedilatildeo de que os empiacutericos utilizam-se da razatildeo na construccedilatildeo de

seus teoremas de que haacute algum criteacuterio na passagem de casos especiacuteficos para um teorema da

75 Hankinson 2004 p 18 76 Ver Galeno De Exp Med 7 9 16 17 22

52

similaridade e que haacute inferecircncia para aleacutem da experiecircncia jaacute que natildeo eacute possiacutevel determinar

quantos casos seriam suficientes para se chegar a uma descoberta77

A defesa dos empiacutericos considerando Galeno parece ter provido resposta a todas

essas criacuteticas eles diratildeo que a experiecircncia em um sentido natildeo-teacutecnico eacute suficiente para as

demandas da arte que os proacuteprios dogmaacuteticos utilizam-se de fatos evidentes da experiecircncia

como premissas na construccedilatildeo de suas inferecircncias que as descobertas dos dogmaacuteticos para

aleacutem dessas premissas evidentes satildeo confusas entre si que os dogmaacuteticos discordam sobre as

causas ocultas ou seja seus raciociacutenios natildeo levariam a nada uacutetil para a praacutetica Assim visto

que os dogmaacuteticos tambeacutem necessitam da experiecircncia e de fatos evidentes para a construccedilatildeo

de suas teorias tambeacutem eles estatildeo fadados a lidar com o paradoxo de sorites78 e admitir que

todos os conceitos tecircm fronteiras vagas satildeo suspeitos e que mesmo assim satildeo utilizados a

todo momento Ao empiacuterico natildeo interessa encontrar ou demonstrar uma ou a razatildeo pela qual o

paradoxo de sorites seria falacioso bastaria apontar a partir dos resultados que ele o eacute

A configuraccedilatildeo do posicionamento empiricista contribui para a compreensatildeo tanto

do ataque de Sexto agraves tekhnai quanto para a proacutepria concepccedilatildeo e estruturaccedilatildeo de seu

empreendimento filosoacutefico A argumentaccedilatildeo sextiana aproxima-se muito das estrateacutegias e

concepccedilotildees empiacutericas Para os empiacutericos

a argumentaccedilatildeo racionalista e seus construtos teoacutericos satildeo incoerentes e os racionalistas sequer satildeo capazes de fornecer razotildees adequadas para que se acredite em qualquer deles mesmo que algueacutem possa compreender as teorias racionalistas isso natildeo seria de qualquer benefiacutecio praacutetico jaacute que a experiecircncia eacute tudo que eacute necessaacuterio para a arte meacutedica (BLANK p xxvii)

Talvez o empirismo tenha se aproximado do ceticismo em busca de respaldo

filosoacutefico ou ao contraacuterio o ceticismo tenha se reafirmado atraveacutes do empirismo de

qualquer forma parece razoaacutevel afirmar que as duas posiccedilotildees compartem natildeo apenas teacutecnicas

argumentativas mas tambeacutem posicionamentos filosoacuteficos e propostas Como vimos acima

caracteriacutesticas do empirismo tais como definiccedilatildeo clara do adversaacuterio a partir de um

posicionamento epistemoloacutegico ecircnfase na exposiccedilatildeo de contradiccedilotildees e inconsistecircncias do

77 Ver Galeno De Exp Med 7 Esta uacuteltima criacutetica envolveu o paradoxo de sorites quantos gratildeos satildeo necessaacuterios para formar um monte atribuiacutedo ao megaacuterico Eubulides de Mileto e semelhante ao paradoxo do gratildeo de milho atribuiacutedo a Zenatildeo de Eleia por Aristoacuteteles (Ph 250a 20) Ver o verbete Sorites Paradox na Stanford Encyclopedia of Philosophy (online) 78 Ver nota anterior

53

meacutetodo racional criacutetica ao lsquosigno indicativorsquo79 uso do modo do desacordo (diaphonia) e do

regresso ao infinito acusaccedilatildeo de inutilidade contra teorias racionalistas defesa da observaccedilatildeo

e do conhecimento voltados para a praacutetica ndash satildeo todas caracteriacutesticas que podem ser postas em

paralelo com a obra sextiana Eacute interessante tambeacutem aproximar a indiferenccedila com que os

meacutedicos empiacutericos dizem adotar praacuteticas dos seus adversaacuterios caso se mostrem promissoras

e o desdeacutem de Sexto ao apropriar de argumentos dogmaacuteticos utlizando-os e descartando-os

conforme lhe convecircm Aleacutem disso compotildee este cenaacuterio a proacutepria concepccedilatildeo terapecircutica da

argumentaccedilatildeo ceacutetica os diversos momentos em que metaacuteforas meacutedicas satildeo utilizadas para

descrever o processo ceacutetico de cura da precipitaccedilatildeo e orgulho dogmaacuteticos

A discussatildeo empiacuterica contra os meacutetodos racionais na medicina alimenta a discussatildeo

empirismo x racionalismo em outras aacutereas Como seria de se esperar a partir do julgamento

platocircnico e aristoteacutelico acerca das tekhnai que na verdade eacute herdeiro de uma tradiccedilatildeo

filosoacutefica e intelectual anterior onde o conhecimento empiacuterico eacute admitido como uma lsquomerarsquo

etapa primaacuteria em direccedilatildeo agrave racionalizaccedilatildeo mais complexa diversas aacutereas passam a

incorporar um discurso racionalista em busca de legitimaccedilatildeo filosoacutefica Como consequecircncia a

pretensatildeo de lsquoracionalismorsquo se alastra a diversas aacutereas Ateacute mesmo a parte lsquohistoacutericarsquo da

gramaacutetica cuja funccedilatildeo eacute basicamente semelhante a de prover lsquoglossaacuteriosrsquo para obras

literaacuterias iraacute reivindicar um viacutenculo com o meacutetodo racional e com o conhecimento

lsquoverdadeirorsquo como veremos

152 Enkuklia mathemata e Tekhnai

O tratamento que Platatildeo dispensa agraves tekhnai como mencionamos acima parece ter

tido mais propriamente o intuito de assegurar a superioridade dos estudos matemaacuteticos e sua

ligaccedilatildeo com a filosofia e natildeo o de estabelecer uma enkuklios paideia (lsquoformaccedilatildeo ciacuteclicarsquo)

anterior aos estudos filosoacuteficos80 No entanto seu posicionamento parece ter servido para

impulsionar a discussatildeo acerca da constituiccedilatildeo de ciclos de estudos (enkuklia mathemata)

como formaccedilatildeo (paideia) propedecircutica ao estudo filosoacutefico Os termos logikai tekhnai (lsquoartes

racionaisrsquo) enkuklioi tekhnai (lsquoartes ciacuteclicasrsquo) enkuklia paideia (lsquoformaccedilatildeo ciacuteclicarsquo) aparecem

79 Para um estudo aprofundado acerca das relaccedilotildees entre racionalismo empirismo e ceticismo com foco no tratamento da inferecircncia e das noccedilotildees de lsquosigno indicativorsquo e lsquosigno comemorativorsquo cuja origem eacute definida a partir dos debates das escolas meacutedicas ver Allen 2001 p 87ss (Conveacutem ter em mente no entanto as ressalvas expressadas por Barnes 2002) Ver tambeacutem Glidden 1983 80 Clarke 2012 p 3

54

durante a antiguidade em argumentaccedilotildees que asseveram o caraacuteter teoacuterico destes estudos e a

muacutetua similaridade e complementaridade metodoloacutegica e conceitual entre eles e sua utilidade

para a filosofia81 Portanto os estudos ciacuteclicos natildeo foram a princiacutepio nesse ambiente

considerados estudos comuns de cultura geral ou enciclopeacutedica

Tambeacutem em Sexto os estudos ciacuteclicos dificilmente podem ser vistos como estudos de

cultura geral pelo contraacuterio satildeo abordados como estudos especializados cujo status busca

respaldo na filosofia ainda que com um desenvolvimento em grande parte independente

dela82 Em Galeno encontramos um suposto desdobramento da divisatildeo platocircnica ‒ logikai

tekhnai (lsquoartes racionaisrsquo ou lsquofundadas sobre o raciociacuteniorsquo) medicina retoacuterica muacutesica

geometria aritmeacutetica caacutelculo astronomia gramaacutetica direito e kheironaktikai ou banausoi

tekhnai (lsquoartes manuaisrsquo) das quais menciona apenas a escultura e o desenho provavelmente

porque as considera as principais deste grupo

A tensatildeo originada pela lsquoprofissionalizaccedilatildeorsquo dos saberes com os sofistas teria

motivado a discussatildeo filosoacutefica acerca de conhecimentos especializados estudos teoacutericos e

conhecimento verdadeiro Tendo em vista as divergecircncias entre as escolas filosoacuteficas (entre

outros aspectos do cenaacuterio educacional heleniacutestico) natildeo surpreende que houvesse diferentes

propostas Algumas tratavam da necessidade de outros conhecimentos para a boa praacutetica em

uma aacuterea para ser um bom meacutedico ou arquiteto por exemplo Outras voltaram-se

especificamente para a discussatildeo do ciclo de estudos propedecircuticos agrave filosofia Isoacutecrates

Varratildeo Ciacutecero Fiacutelon de Alexandria83 Plutarco Secircneca Ciacutecero todos opinaram neste debate

Na verdade manifestar-se sobre esse tema passa a ser obrigatoacuterio entre os eruditos bem como

passa a ser lugar-comum argumentos que implicam uma fronteira entre sabedoria praacutetica

pretensa sabedoria e sabedoria verdadeira

81 ldquoOs termos enkuklios paideia ou encyclios disciplina designam um ciclo de estudos unificados pelo meacutetodo e estrutura que se deve percorrer e completar para possuir uma educaccedilatildeo completa [] Mas este ciclo natildeo se relaciona na Antiguidade a um nuacutemero definido como o das lsquosete artesrsquo por exemplo mas corresponde agrave ideia de uma unidade interior e de completuderdquo Hadot 2005 p 472 82 ldquoA ideia de que a gramaacutetica era a base de todo estudo subsequente encontra-se na primeira menccedilatildeo da gramaacutetica como uma disciplina separada no seacuteculo I aC Gramaacutetica foi considerada parte das lsquoArtes Liberaisrsquo nas obras retoacutericas de Ciacutecero e no enciclopeacutedico Disciplinarum libri novem de Varratildeo Tanto Ciacutecero como Quintiliano afirmaram que o propoacutesito uacuteltimo de todo estudo eacute a filosofia e a aquisiccedilatildeo de virtude Dentro deste panorama o papel da gramaacutetica foi sempre preparatoacuterio e natildeo um fim em si mesmordquo Luhtala 2007 p 68 83 Oito listas diferentes de disciplinas do estudo ciacuteclico podem ser encontradas na obra de Fiacutelon de Alexandria

55

153 O Ataque agraves Tekhnai84

A oposiccedilatildeo socraacutetica agraves tekhnai tal como Platatildeo a constroi parece ter motivado que

escolas que tinham Soacutecrates como modelo as desprezassem Dioacutegenes Laeacutercio (6 73 104) diz

que os ciacutenicos ignoraram a muacutesica a geometria a astronomia etc como inuacuteteis e

desnecessaacuterias e que Dioacutegenes de Sinope (c 412-323 aC) zombou dos gramaacuteticos que

investigavam os problemas de Homero enquanto ignoravam os seus proacuteprios (DL 6 27-28)

Biacuteon de Boriacutestenes (Frag 3 4 5A 6 DL 4 53) teria ridicularizado gramaacuteticos astrocircnomos

muacutesicos geocircmetras e retoacutericos que incapazes de alcanccedilar a filosofia perdiam seu tempo em

estudos inuacuteteis Isoacutecrates (Ant 261 ss) por outro lado ainda que classifique-as como

preparaccedilatildeo para a filosofia afirma que aqueles que satildeo haacutebeis em certas tekhnai como a

eriacutestica astrologia geometria etc natildeo satildeo prejudiciais pelo contraacuterio podem ajudar (ainda

que muitas pessoas acreditem que tais estudos sejam uma perda de tempo e estejam em

oposiccedilatildeo agrave vida comum e natildeo sejam de nenhum valor na praacutetica estando totalmente distantes

do que eacute necessaacuterio)85

A oposiccedilatildeo agraves tekhnai mais ceacutelebre na antiguidade parece ter sido a dos Epicuristas

Segundo Blank (p xxx) estaacute atestada a existecircncia de vinte e dois tratados epicuristas contra

as disciplinas Destes possuiacutemos grande quantidade de fragmentos provenientes de trecircs

tratados de Filodemo Sobre a Retoacuterica Sobre a Muacutesica e Sobre Poemas Eacute comum aos trecircs

uma discussatildeo sobre estes estudos serem ou natildeo tekhnai ou seja sobre possuiacuterem ou natildeo um

corpo de regras gerais aplicaacuteveis de um modo fixo a casos particulares a conclusatildeo no

entanto eacute a de que uma disciplina somente eacute uacutetil para a sabedoria ou lsquofelicidadersquo na medida

em que for conduzida e utilizada pela filosofia A filosofia (ou phusiologia) eacute o uacutenico estudo

para os Epicuristas capaz de promover a tranquilidade da alma enquanto o estudo de

pormenores lsquoteacutecnicosrsquo resulta apenas em trabalho preocupaccedilatildeo e perturbaccedilatildeo Filodemo

afirma ainda que os resultados de algumas tekhnai podem ser alcanccedilados pelo leigo ainda 84 As informaccedilotildees apresentadas nesta seccedilatildeo e na seguinte seguem a pesquisa de Blank 1998 passim 85ldquoParece-me que aqueles que sustentam que tal treinamento natildeo tem utilidade na vida praacutetica estatildeo certos e que aqueles que falam a favor dele tecircm a verdade de seu lado Se haacute uma contradiccedilatildeo nesta afirmaccedilatildeo eacute porque estas disciplinas satildeo diferentes em sua natureza daqueles estudos que constituem nossa educaccedilatildeo pois estas outras aacutereas nos satildeo beneacuteficas somente depois que tivermos adquirido conhecimento delas enquanto estes estudos podem natildeo trazer benefiacutecio algum depois que os dominamos a menos que escolhamos fazer deles nossa fonte de renda e somente nos ajudam enquanto estamos no processo de aprendizagem Natildeo penso portanto que eacute apropriado aplicar o termo lsquofilosofiarsquo a tal treinamento que natildeo nos ajuda no presente nem em nossas falas nem em nossas accedilotildees mas antes eu os chamaria de lsquoginaacutestica mentalrsquo e uma preparaccedilatildeo para a filosofia (Isoacutecrates Ant 263 cf Norlin 1929)

56

que de uma maneira menos precisa e consistente de forma que o filoacutesofo poderia alcanccedilar

resultados positivos sem ter que se aprofundar nestes estudos86 Para Filodemo entre as artes

proacuteprias ou seja aquelas que sempre alcanccedilam seu objetivo quando bem aplicadas estatildeo a

gramatiacutestica (ie ler e escrever) muacutesica pintura e escultura entre as artes conjecturais nas

quais o sucesso depende em parte de fatores externos estatildeo a medicina e navegaccedilatildeo Um

epicurista era aconselhado a natildeo se envolver com teacutecnicas muito especializadas para natildeo

negligenciar o que eacute verdadeiramente importante na vida Uma arte para ter valor para o

filoacutesofo deveria conter necessariamente algum propoacutesito uacutetil para a vida Desta forma eles

atacaram tekhnai que pareciam desnecessariamente especializadas e argumentaram que elas

eram em geral inuacuteteis Eles teriam atacado tambeacutem tekhnai que natildeo davam a conhecer

abertamente regras claras e firmes de aplicaccedilatildeo geral Esses satildeo saliente-se exatamente os

dois pontos centrais da definiccedilatildeo estoica de tekhne como um sistema de conhecimentos

utilidade e meacutetodo87

A atitude epicurista contrapotildee a estoica Os estoicos a despeito de Zenatildeo de Ciacutetio

seu fundador ter falado contra algumas disciplinas88 datildeo testemunho de terem compreendido

tekhne como um conhecimento da mais alta importacircncia comparaacutevel ou intercambiaacutevel com

episteme89 Tekhne foi definida pelos estoicos como ldquosistema de representaccedilotildees verdadeiras

coexercitadasrdquo (sustema ek katalepseon suggegumnasmenon) e ldquodirecionadas a alguma

finalidade uacutetilrdquo (M 11 182) definiccedilatildeo repetidamente citada por Sexto90

Bastante interessante eacute a possibilidade de nos termos estoicos definir a proacutepria

filosofia como tekhne a mais elevada delas aquela que ordena toda a vida A elevada

concepccedilatildeo estoica de tekhne bem como de tekhnai individuais e sua relaccedilatildeo com a filosofia

86 ldquoFilodemo diz que tekhnai floresceram nas sociedades antigas antes de haver qualquer tekhnologia (On Rhetoric 1 col viii 8 p 59 Longo)rdquo Blank 1995 p 188 87 Para detalhes acerca da posiccedilatildeo dos epicuristas e por extensatildeo daquela de Epicuro principalmente em relaccedilatildeo agrave poesia e retoacuterica ver Blank 1995 e os artigos coletados em Obbink 1995 88 Talvez Zenatildeo natildeo as tenha considerado lsquoverdadeirasrsquo tekhnai ldquoTekhne para Zenatildeo eacute uma poietike ativa ou criativa da mesma forma que Deus ou Natureza ou Logos satildeo ativos ou criativos Tekhne comunica um conteuacutedo ndash pertence ao logos criativo que eacute parte da natureza humanardquo Cf Mansfeld 1983 p 65 89 SVF i 68 ii 117 130 iii 112 M 11 170 ldquoenquanto os estoicos disseram diretamente que a sabedoria praacutetica (phronesis) que eacute uma ciecircncia (episteme) do que eacute bom ruim ou nenhum dos dois eacute uma arte de viver (tekhne peri ton bion)rdquo 90 A definiccedilatildeo de Zenatildeo veio a ser quase universalmente aceita cf Quintiliano 2 27 ab omnibus fere probatus Ver a argumentaccedilatildeo de Barnes 1988 p 63 ss sobre o conceito de lsquoutilidadersquo para os ceacuteticos epicuristas e estoicos a partir de M 1 1-6

57

(gramaacutetica e retoacuterica por exemplo)91 parece ter servido de modelo para ataques como os de

Filodemo Ataques estes que vieram especialmente de filoacutesofos que consideraram necessaacuterio

reiterar a supremacia da filosofia frente agraves tekhnai epicuristas platocircnicos e mesmo o

(alegado) dissidente estoico Ariacuteston de Quios A estrutura subjacente agrave criacutetica sextiana contra

a gramaacutetica e retoacuterica via epicuristas parece mesmo estar relacionada a esta concepccedilatildeo da

relaccedilatildeo das artes com a filosofia92

Apesar da divulgada hostilidade de Pirro agraves tekhnai em Sexto natildeo parece legiacutetimo

que o ceacutetico as ignore tendo em vista o criteacuterio praacutetico da lsquoinstruccedilatildeo nas artesrsquo como

apontamos acima o mais adequado talvez seja supor que tambeacutem o ceacutetico fez sua divisatildeo

entre tekhnai aceitaacuteveis e natildeo aceitaacuteveis

Para finalizar podemos apontar seguindo a distinccedilatildeo operada por Blank (p xxxiv)

entre passagens de origem epicurista e ceacutetica no Contra os Professores alguns lsquocriteacuteriosrsquo

positivos expressos por Sexto quando fala sobre as tekhnai que o ceacutetico natildeo ataca devem ser

uacuteteis agrave vida comum (M 1 49 2 29) satildeo avaliadas atraveacutes de seus resultados praacuteticos (M 11

188) estatildeo fundadas sobre a observaccedilatildeo articulada atraveacutes da estrutura do lsquosigno

comemorativorsquo (M 1 55 M 5 2) (como a escrita) satildeo adaptaacuteveis agraves circunstacircncias (M 11

67) contecircm um corpo de observaccedilotildees ao longo do tempo (tal como fazem os timoneiros e

fazendeiros) e algumas regras gerais que se aplicam a casos particulares mas natildeo um corpo

de doutrinas (M 8 270) satildeo um tipo de capacidade (dunamis) mais um saber-fazer que um

saber-quecirc satildeo aprendidas por orientaccedilatildeo lsquocorretivarsquo (M 1 191)93

91 ldquoEntre os estoicos a situaccedilatildeo eacute mais complexa A doutrina estoica da Razatildeo como princiacutepio corpoacutereo divino por se espalhar atraveacutes de todos os niacuteveis da existecircncia e se manifestar de uma maneira privilegiada no raciociacutenio e linguagem humanos leva os estoicos a se interessarem por todas as formas da linguagem e a definir as estruturas e as leis que as regem Por isso eacute que eles contribuem em larga medida agrave elaboraccedilatildeo da gramaacutetica e ao aperfeiccediloamento da loacutegica [] Quanto agrave retoacuterica e a dialeacutetica que para os estoicos tornaram-se virtudes fundadas sobre a verdade e natildeo mais sobre o provaacutevel como em Aristoacuteteles elas constituem para eles a terceira parte da filosofia a loacutegica Natildeo satildeo mais estudadas uma para adquirir eloquecircncia outra para possuir resposta para tudo mas datildeo lugar sobretudo agrave exerciacutecios destinados a assegurar a retidatildeo da expressatildeo verbal e a aprender a como conduzir uma deduccedilatildeo loacutegica conclusivardquo Hadot 2005 p 478 No fragmento de Dioacutegenes da Babilocircnia (8 PHerc 1506) analisado por Obbink e Waerdt (1991) o estoico afirma que o saacutebio ldquonatildeo eacute apenas um bom dialeacutetico e gramaacutetico e poeta e orador e perfeito no meacutetodo (metodikos) tendo se tornado bom em todas as artes (tekhnai) mas tambeacutem aleacutem destes (tipos de) benefiacutecios ele acrescenta no governo das cidades e natildeo somente daquelas habitadas por atenienses e lacedemocircniosrsquo Ver os comentaacuterios dos autores idem p368 ss 92 Este eacute um direcionamento possiacutevel a partir da leitura de alguns fragmentos estoicos natildeo pretendemos palpitar acerca da interpretaccedilatildeo da epistemologia estoica Para este assunto ver Hankinson 2003 Acerca da aproximaccedilatildeo da lsquoarte de viverrsquo dos estoicos com a concepccedilatildeo socraacutetica de virtude como lsquoartersquo ver Striker 1991 parte 3 93 Ver Blank p xxxiv

58

16 A GRAMAacuteTICA ANTIGA94

A pesquisa sobre o desenvolvimento dos estudos gramaticais na Antiguidade tem se

mostrado uma aacuterea extremamente produtiva nas uacuteltimas deacutecadas Natildeo soacute podemos contar com

bons panoramas mas principalmente com uma grande quantidade de investigaccedilotildees de

questotildees especiacuteficas que inclusive puderam rever posiccedilotildees tradicionais que agora nos

parecem ter sido equiacutevocos95 Aquilo com que natildeo podemos contar no entanto satildeo fontes

primaacuterias propriamente lsquogramaticaisrsquo O periacuteodo que cobrimos aqui eacute justamente um em que

temos de lamentar a perda massiva das fontes excluindo o tratado de Dioniacutesio Traacutecio em que

apenas algumas linhas satildeo unanimemente consideradas genuiacutenas nenhuma obra gramatical

anterior agrave produccedilatildeo de Apolocircnio Diacutescolo no seacuteculo II dC sobreviveu senatildeo em fragmentos

ou de forma indireta e normalmente em testemunhos tardios onde os termos natildeo raro satildeo

anacronicamente empregados96 Ademais as primeiras lsquoartes gramaticaisrsquo (artes

grammaticales) como lsquomanuais teacutecnicos que possuiacutemos satildeo romanas97

Nosso intuito neste momento eacute traccedilar um panorama geneacuterico frente ao qual possamos

visualizar o lugar e o papel da contribuiccedilatildeo sextiana Pretendemos alcanccedilar as especifidades

do campo gramatical do final do periacuteodo heleniacutestico para tanto comeccedilaremos expondo

reflexotildees concernentes agrave linguagem em outras aacutereas especialmente na filosofia Pois como

mencionamos brevemente anteriormente o estudo da linguagem na Antiguidade esteve via

de regra subordinado a aacutereas em que desempenhou um papel restrito frente a seus objetivos

maiores Em geral abordou-se a linguagem a partir de um ponto de vista lsquofilosoacuteficorsquo (loacutegica)

persuasivo (retoacuterica) eou moralizante (poeacutetica) e filoloacutegico (criacutetica textual e literaacuteria) Aleacutem

disso o estudo gramatical do periacuteodo heleniacutestico e as investigaccedilotildees da filosofia estoica que 94 Aqui passamos a traccedilar um panorama dos estudos gramaticais na antiguidade a fim de relacionar esse ambiente com aquele mais geral das discussotildees epistemoloacutegicas do periacuteodo heleniacutestico com o intuito de visualizar o interesse de Sexto pelo assunto e o modo como aborda esta lsquoartersquo Nossas referecircncias principais satildeo Seppaumlnen 2013 Atherton e Blank 2013 Pagani 2011 Blank 2005 Blank 2000 Schenkeveld 1990b Taylor 1987 Pinborg 1975 95 Pensamos principalmente na famosa e tal como apresentamos agrave frente muito provavelmente equivocada caracterizaccedilatildeo da disputa entre anomalistas x analogistas e a consequente polarizaccedilatildeo entre gramaacutetica filosoacutefica x teacutecnica de que falamos na sequecircncia 96 A tradiccedilatildeo indireta coloca claros obstaacuteculos agraves reconstruccedilotildees de teorias com base na terminologia que uma fonte lhe credita eacute de fato difiacutecil estabelecer se a terminologia transmitida eacute original ou se se deve a algum intermediaacuterio A introduccedilatildeo de conceitos gramaticais especializados parece ter sido um dos tipos mais comuns de interpolaccedilatildeo nos textos dos primeiros alexandrinos Cf Pagani 2011 p 50 n 127 97 A primeira gramaacutetica latina conhecida pelo nome de seu autor a ars grammatica de Remmius Palaemon (seacutec I dC) sobreviveu apenas em fragmentos

59

inclusive representam muito do que sabemos acerca do interesse direcionado de forma

sistemaacutetica agrave linguagem nos seacuteculos III e II aC estabelecem conexotildees estreitas98

Tal como impliacutecito no relato de Sexto no iniacutecio de seu ataque agrave gramaacutetica os gregos

desde muito cedo em sua histoacuteria associaram este termo com o estudo das lsquoletrasrsquo (grammata)

ndash em seus dois significados contiacuteguos o que chamariacuteamos de alfabetizaccedilatildeo e letramento

aprender a ler e escrever e entrar em contato com a tradiccedilatildeo literaacuteria99 lsquoGramaacuteticarsquo100 referir-

se-aacute geralmente no periacuteodo heleniacutestico independente das nuances a esse cenaacuterio a inserccedilatildeo

na tradiccedilatildeo literaacuteria ndash o domiacutenio das habilidades concernentes agrave compreensatildeo do texto

literaacuterio por meio do tratamento de seus elementos grosso modo leitura e interpretaccedilatildeo

98 Frede e Inwood (2005 p 3) parecem querer enfatizar a direccedilatildeo contraacuteria agravequela que normalmente se daacute a este influxo ldquoO fato de o estudo da linguagem estar tatildeo fortemente atado a diferentes partes da filosofia tambeacutem explica porque o desenvolvimento da gramaacutetica como uma disciplina sistemaacutetica foi tardiamente abordado pelos filoacutesofos Sua sistematizaccedilatildeo e maturidade deve muito ao trabalho de um grupo bastante distinto de pensadores se o estudo da gramaacutetica finalmente encontrou seu lugar na histoacuteria isto se deve em larga medida aos grandes filoacutelogos e criacuteticos literaacuterios da biblioteca de Alexandria cujos resultados gradualmente comeccedilaram a exercer uma influecircncia sobre os filoacutesofos Apenas depois do estudo da estrutura gramatical do latim e do grego e suas peculiaridades ter atingido um certo niacutevel de sofisticaccedilatildeo eacute que questotildees de gramaacutetica e sintaxe tornaram-se um assunto de reflexatildeo filosoacutefica e suplemento para a anaacutelise da estrutura loacutegica das proposiccedilotildeesrdquo Costuma ser comum no entanto a afirmaccedilatildeo de que os gramaacuteticos devem aos filoacutesofos estoicos principalmente desde meta-linguagem agrave proacutepria concepccedilatildeo do fenocircmeno linguiacutestico como sistema racional (Atherton e Blank 2013 p 1) Poreacutem talvez natildeo seja mesmo o caso de determinar unidirecionalmente as influecircncias nesse contexto mesmo restritos ao material fragmentaacuterio que possuiacutemos e agrave sua interpretaccedilatildeo podemos supor que as influecircncias teriam sido multilaterais Sobre dificuldades especiacuteficas com as fontes nesta aacuterea de estudo ver os trabalhos de Wolfram Ax (geralmente em liacutengua alematilde) A tiacutetulo de exemplo procurar pela histoacuteria da ediccedilatildeo dos Herculaneum Papyri que possui obras do epicurista Filodemo de Gadara entre as quais encontramos ataques ao estoico Dioacutegenes da Babilocircnia e agraves tekhnai Acerca dos gramaacuteticos alexandrinos um oacutetimo panorama do estado da arte eacute o artigo de Lara Pagani 2011 A reconstruccedilatildeo das relaccedilotildees entre estoicos e alexandrinos tem se voltado ao trabalho acurado com as fontes e agrave revisatildeo de concepccedilotildees sobre o periacuteodo (ver Taylor 1987) Algumas questotildees cruciais continuam bastante polecircmicas como aquela da dataccedilatildeo das seccedilotildees do tratado atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio fundamental para a caracterizaccedilatildeo dos estudos linguiacutesticos entre os primeiros alexandrinos e a compreensatildeo de seu papel no desenvolvimento da gramaacutetica como uma disciplina teacutecnica independente da filologia (ver os artigos coletados em Law e Sluiter 1995) 99 O quadro geralmente aceito (Marrou 1971 segunda parte) acerca da educaccedilatildeo no periacuteodo heleniacutestico distingue algumas estapas sucessivas primeiro a escola elementar (grammatodidaskaleion) onde o professor (grammatistes) instrui os alunos na leitura escrita e alguma aritmeacutetica Entatildeo por volta dos 12 anos as crianccedilas passam agrave educaccedilatildeo secundaacuteria Aqui o grammatikos ensina gramaacutetica e literatura especialmente poesia finalmente vem o rhetor cuja instruccedilatildeo envolve discursos e o estudo dos oradores claacutessicos O terceiro estaacutegio tambeacutem poderia incluir frequentar escolas filosoacuteficas ou seguir dedicando-se agrave aritmeacutetica e geometria Esta eacute contudo uma simplificaccedilatildeo geneacuterica natildeo existia um modelo fixo E em geral apenas a elite tinha acesso a uma educaccedilatildeo lsquocontinuadarsquo Cf Schenkeveld 2000 p 432-433 Ver tambeacutem Cribiore 2001 em especial p 185 ss Para um relato mais lsquocuidadosorsquo poreacutem ainda panoracircmico sobre a evoluccedilatildeo do conceito de lsquoarte gramaticalrsquo no periacuteodo preacute-heleniacutestico ver Seppaumlnen p 19ss 100 Para um estudo acerca da definiccedilatildeo e escopo de grammatike na Antiguidade ver Seppaumlnen 2013

60

textual tarefas cujas especificidades constroacuteem-se em relaccedilatildeo com caracteriacutesticas dos textos

condiccedilatildeo fiacutesica dialetos gecircneros e periacuteodos literaacuterios entre outras e satildeo direcionadas por

uma compreensatildeo de como o sujeito deve se relacionar culturalmente com esse saber Esse eacute

o sentido predominante de Gramaacutetica no periacuteodo heleniacutestico educaccedilatildeo literaacuteria101

Alfabetizaccedilatildeo e letramento estiveram constantemente conectadas como facetas de um

mesmo projeto poreacutem como as habilidades demandadas para conduzir uma e outra etapa

bem como seus resultados satildeo distintos natildeo surprende que houvesse uma tendecircncia agrave

especializaccedilatildeo Num sentido teacutecnico o termo lsquogramaacuteticorsquo passaraacute a ser utilizado

preferencialmente para o professor ou estudioso da segunda etapa aquele que transmite a

tradiccedilatildeo literaacuteria Em pouco tempo seratildeo tambeacutem aqueles que estabelecem esta tradiccedilatildeo e

assim lsquoguardiotildees da linguagemrsquo102

O desenvolvimento e especializaccedilatildeo das atribuiccedilotildees do gramaacutetico vinculados agrave

constituiccedilatildeo de escolas filoloacutegicas estaacute na origem de um corpo de conhecimentos e

procedimentos metodoloacutegicos que iraacute em uacuteltima anaacutelise restringir o conceito de gramaacutetica ao

tratamento teacutecnico da liacutengua Num processo de incorporaccedilatildeo de influecircncias multilaterais de

readaptaccedilotildees e acomodaccedilotildees de conteuacutedos provenientes de aacutereas com propoacutesitos natildeo

completamente convergentes teraacute iniacutecio a gramaacutetica como disciplina independente103

101 Antes do periacuteodo heleniacutestico e talvez ainda no princiacutepio dele a educaccedilatildeo literaacuteria poeacutetica relacionava-se agrave lsquoatuaccedilatildeorsquo de sofistas lsquosaacutebiosrsquo ou lsquofiloacutesofosrsquo (ver Platatildeo Protaacutegoras 338e6-339a3) O conceito de gramaacutetica pode se restringir portanto ao ensino elementar das letras sem se referir a interpretaccedilatildeo ou estudo poeacutetico dos textos menos ainda a sua lsquoautenticaccedilatildeorsquo e exegese tarefas lsquofiloloacutegicasrsquo que iratildeo incorporar o conceito de lsquogramaacutetica completarsquo a partir da instituiccedilatildeo dos lsquocentros culturaisrsquo que satildeo as Bibliotecas de Alexandria e Peacutergamo Sobre a lsquocriacutetica literaacuteriarsquo antes do periacuteodo heleniacutestico ver Ford 2002 102 Para o papel social dos gramaacuteticos e professores de literatura no mundo antigo ver Kaster 1997 obra que conteacutem um estudo detalhado acerca do uso dos lsquotiacutetulosrsquo profissionais ver tambeacutem Seppaumlnen 2013 p 34ss sua eacute a tabela que reproduzimos abaixo (grifo nosso)

palavra periacuteodo uso significado

grammatistes seacutec V aC tiacutetulo especializado em letras professor elementar

philologos seacutecs V-IV aC adjetivo lsquoamantersquo dos discursos lsquoamantersquo do estudo estudioso

grammatikos seacutec IV aC epiacutetetoadjetivo literato treinado nas letras

philologos seacutec III aC epiacutetetonome treinado nas letras erudito

grammatikos seacutec II aC tiacutetulo especialista (entendido) na liacutengua e na literatura

103 Swiggers e Wouters 2002 p 17

61

O panorama a seguir foca em seis temas estudos da linguagem como estudos de

poeacutetica e retoacuterica estudos da linguagem em relaccedilatildeo agrave dialeacutetica argumentativa estudos da

linguagem na filosofia estoica estudos da linguagem na filologia heleniacutestica estudo formal

da linguagem como uma parte da filologia estudos da linguagem com orientaccedilatildeo morfoloacutegica

e sintaacutetica no tratamento de uma segunda liacutengua Esta uacuteltima aacuterea da qual natildeo tratamos

diretamente numa sequecircncia de acidentes histoacutericos constitui em uacuteltima anaacutelise o corpo de

conhecimentos que se transmite na tradiccedilatildeo ocidental da chamada lsquogramaacutetica tradicionalrsquo ndash

que retrocede propriamente no miacutenimo ao comeccedilo do periacuteodo medieval104

Dois criteacuterios coextensivos orientam nosso resumo a recorrecircncia dos termos (em

geral ressignificados) e a proximidade com questotildees que tendemos a reconhecer como

lsquogramaticaisrsquo Conveacutem mencionar que natildeo tratamos diretamente de uma das facetas da

gramaacutetica mais produtivas da antiguidade aquela relativa ao ensino das lsquoprimeiras letrasrsquo Ou

seja ainda que todas as abordagens aqui relatadas de uma forma ou de outra estejam

relacionadas com a educaccedilatildeo letrada natildeo mapeamos diretamente o desenvolvimento desse

processo instrucional ao qual estaria relacionada uma pesquisa pedagoacutegica

A cada uma das aacutereas aqui mencionadas pode-se aplicar o termo lsquogramaacuteticarsquo em um

sentido mais ou menos apropriado pois todas elas envolvem o estudo formal de aspectos da

linguagem Alguns dos elementos desenvolvidos por estes estudos contribuiratildeo para a

lsquogramaacutetica tradicionalrsquo outros no entanto satildeo melhor compreendidos de um ponto de vista

mais abrangente a histoacuteria da linguiacutestica De qualquer forma o leitor deve estar atento agrave

polissemia do termo lsquogramaacuteticarsquo que eacute usado em referecircncia agrave lsquogramaacutetica completarsquo do

periacuteodo heleniacutestico ou seja ao estudo da literatura agrave lsquogramaacutetica teacutecnicarsquo no sentido em que o

termo eacute mais habitualmente empregado na atualidade aleacutem de ser empregado com referecircncia

aos tratados gramaticais propriamente ditos que podiam ser manuais escolares ou tratados

mais eruditos Sexto (M 1 43) referir-se-aacute agrave concepccedilatildeo destes tratados (tekhnologia) como

uma das habilidades praacuteticas de que a arte gramatical mais se orgulhava

Poderiacuteamos ter feito uso no panorama a seguir do termo lsquogramaacutetica estoicarsquo tal

como justificou Frede (1987) mas para natildeo nos desviarmos em consideraccedilotildees a respeito

desse uso falaremos em lsquoestudos gramaticaisrsquo dentro da filosofia estoica Para a filologia

heleniacutestica usaremos o termo lsquogramaacutetica heleniacutesticarsquo que procura envolver as contribuiccedilotildees

104 ldquoA expressatildeo lsquogramaacutetica tradicionalrsquo refere-se ao corpo de conhecimento sobre o uso correto das formas de palavras e da sintaxe transmitido no Ocidente ao menos desde o princiacutepio da Idade Meacutedia para o estudo do latim e do grego e cujas categorias foram usadas como modelo para o estudo de outras liacutenguasrdquo Atherton e Blank 2003 p 310

62

das escolas filoloacutegicas de Peacutergamo e Alexandria e o clima de opiniatildeo do momento bem como

reiterar que eacute este o sentido de gramaacutetica para Sexto Empiacuterico Para a parte da gramaacutetica

heleniacutestica que se ocupou do estudo de elementos formais da linguagem falaremos em

lsquogramaacutetica teacutecnicarsquo

161 Periacuteodo Claacutessico

Do periacuteodo claacutessico temos alguma informaccedilatildeo acerca do trabalho dos

glossographoi que se dedicavam a explicar palavras de difiacutecil compreensatildeo usadas nos

poemas homeacutericos105 A poesia homeacuterica devido a sua importacircncia para os gregos foi

continuamente o alvo de maior convergecircncia do interesse linguiacutestico durante toda a

antiguidade106 E conveacutem supor provavelmente esteve mesmo conectada ao processo de

adaptaccedilatildeo do alfabeto feniacutecio agrave liacutengua grega durante o seacuteculo VIII aC Agrave literatura eacute

concedido como apontamos acima status privilegiado no estudo da linguagem na

antiguidade

Bastante influente nesse periacuteodo parece ter sido o interesse vinculado a sofistas tais

como Proacutedico Protaacutegoras e Goacutergias pela orthoepeia e orthotes onomaton ou seja a correta

adequaccedilatildeo dos lsquonomesrsquo Sob essa alcunha ficaram conhecidos desde estudo de sinocircnimos

homocircnimos e parasinocircnimos envolvendo questotildees de sonoridade ateacute especulaccedilotildees acerca da

correspondecircncia entre linguagem e realidade envoltas em algum momento pela controveacutersia

phusei (lsquonaturezarsquo) x thesei (lsquoconvenccedilatildeorsquo)107 Tal controveacutersia parece ter se alimentado da

confusatildeo entre explicaccedilotildees semacircnticas e questotildees de origem da linguagem108

Como testemunho dessas especulaccedilotildees temos o diaacutelogo Craacutetilo de Platatildeo que parece

condenar a praacutetica possivelmente comum em sua eacutepoca de investigar o nome com o intuito

105 ldquoO interesse pela linguagem jaacute eacute manifesto na eacutepica homeacuterica onde o poeta frequentemente explica nomes e palavras Assim o nome Odusseus reflete ambos odussomai (lsquoodiarrsquo) e oduromai (lsquolamentarrsquo) (Odisseia I 5562)rdquo Schenkeveld 2000 p 430 Sobre o interesse da sociedade grega pela linguagem natildeo soacute entre os filoacutesofos ver Schenkeveld 2000 Para uma interpretaccedilatildeo do diaacutelogo Iacuteon de Platatildeo como fonte de informaccedilatildeo acerca da criacutetica homeacuterica no seacuteculo IV aC ver Hunter 2011 106 Para mais informaccedilotildees acerca dos lsquointeacuterpretesrsquo de Homero ver Lamberton e Keaney 1992 107 Protaacutegoras80 A1 A21 A29 DK Proacutedico 84 A16 A17 A 19 DK ver tambeacutem Goacutergias e sua noccedilatildeo do logos como megas dunastes 82 B1149ss DK 108 Ver Atherton e Blank 2013 p 12-24 para um panorama dos problemas impliacutecitos nas discussotildees do periacuteodo Luhtala 2011 sobre a influecircncia dessa discussatildeo na concepccedilatildeo das partes da oraccedilatildeo como categorias ontoloacutegicas

63

de adquirir conhecimento sobre a natureza das coisas que nomeiam Esta praacutetica eacute relacionada

muito diretamente agrave pesquisa lsquoetimoloacutegicarsquo que busca revelar sobre o lsquoreferentersquo algo de sua

lsquofunccedilatildeo originaacuteriarsquo no mundo atraveacutes de um lsquodesdobramentorsquo descritivo de seu nome A

lsquocorreccedilatildeorsquo do nome portanto estaria relacionada agrave sua capacidade de revelar a natureza

daquilo que nomeia Subjacente a tais especulaccedilotildees estaacute uma visatildeo atocircmica da linguagem em

que os niacuteveis mais complexos se explicam a partir dos elementos baacutesicos e suas

combinaccedilotildees109 Veremos que a pesquisa etimoloacutegica como uma ferramenta de criacutetica e

interpretaccedilatildeo literaacuteria permanece ocupando um lugar de prestiacutegio na gramaacutetica heleniacutestica

Um aspecto mais prontamente relacionado agraves investigaccedilotildees sofiacutesticas do periacuteodo eacute o

estudo de elementos linguiacutesticos e suas combinaccedilotildees por causa de seu efeito discursivo De

maneira ampla tais abordagens relacionavam-se a estudos nas aacutereas da composiccedilatildeo poeacutetica e

retoacuterica que ocupam um lugar central na vida intelectual dos antigos Desses estudos temos o

testemunho de Aristoacuteteles que escreveu tratados em ambas as aacutereas e contribuiu para a

sistematizaccedilatildeo natildeo soacute de termos como de conceitos linguiacutesticos Para Aristoacuteteles aquilo que eacute

genuinamente pertencente agrave aacuterea da poeacutetica (Poeacutetica 1456b20ss) eacute o estudo das lsquopartes da

expressatildeorsquo (mere lekseos)110 elemento (letra) siacutelaba conjunccedilatildeo nome verbo artigo caso

sentenccedila (ou discurso) (logos)111 Vecirc-se aiacute impliacutecito um arranjo hieraacuterquico de itens

linguiacutesticos e tambeacutem uma descriccedilatildeo incipiente das lsquopartes da oraccedilatildeorsquo e dos acidentes

nominais e verbais aleacutem de uma organizaccedilatildeo que em uacuteltima anaacutelise tornar-se-aacute

tradicional112

A virtude da expressatildeo afirma Aristoacuteteles eacute ser clara (saphes) mas natildeo pobre

(tapeine) de forma que o poeta deve saber a correta medida entre o uso de palavras

apropriadas (kuriai) e o uso daquelas particulares (idiotika) e estrangeiras (ksenika) que

garantem um tom elevado mas comprometem a claridade O pupilo de Aristoacuteteles Teofrasto

parece ter desenvolvido esse tema talvez em relaccedilatildeo agrave retoacuterica em seu Peri lekseos113

109 Demoacutecrito no entanto teria considerado os nomes convencionais Um comentador do seacuteculo V dC atribui a ele a opiniatildeo de que os nomes fossem corretos de maneira distributiva ou numeacuterica natildeo descritiva (Cf Proclus Crat 1623-36) 110 Procuramos manter os vocaacutebulos gregos pois geralmente a traduccedilatildeo pode mascarar a recorrecircncia do termo jaacute que pretende se aproximar do valor da expressatildeo no contexto Leksis eacute um termo especialmente polissecircmico pode significar palavra expressatildeo dicccedilatildeo estilo 111 Vale chamar a atenccedilatildeo para o fato de Aristoacuteteles apontar logos como uma parte (meros) da leksis Ver abaixo que ele dispensa um tratamento diferente agraves mere logou 112 Taylor 1995 p 84 113 A Teofrasto foi atribuiacutedo pelos comentadores aristoteacutelicos do seacuteculo sexto o estudo de lekseis qua leksis ndash como expressotildees linguiacutesticas (territoacuterio da retoacuterica e poeacutetica) distintas de logos o discurso

64

Outra faceta do estudo linguiacutestico no periacuteodo claacutessico eacute a loacutegica ou seja o

entendimento das propriedades associativas entre os elementos de proposiccedilotildees e entre as

proposiccedilotildees elas mesmas ie o estudo de raciociacutenios vaacutelidos e contraditoacuterios no intuito de

descobrir regras subjacentes a suas realizaccedilatildeo No diaacutelogo platocircnico intitulado Sofista

Soacutecrates enfrenta a dicotomia entre o valor existencial e equacional da coacutepula por meio desta

discussatildeo Platatildeo iraacute contribuir para uma lsquoteoria da predicaccedilatildeorsquo ao conceber a sentenccedila natildeo

como mera justaposiccedilatildeo de palavras mas atentando para o papel lsquosemacircnticorsquo de seus

componentes onoma (lsquonomersquo) ‒ que se aplica ao que realiza a accedilatildeo e rhema (lsquopredicadorsquo ou

lsquoverborsquo) ‒ que se aplica agraves accedilotildees os dois constituintes de uma sentenccedila miacutenima doravante

portadora do valor de verdade114

O estudo do logos seraacute empreendido em relaccedilatildeo ao valor de verdade no De

Interpretatione de Aristoacuteteles que introduz o conceito de lsquoproposiccedilatildeorsquo (logos apophantikos)

Nesta obra ele apresenta uma lista de lsquopartes do discursorsquo (mere logou) nome verbo (ou

predicado) e sentenccedila chamando-as de partes significativas do lsquodiscursorsquo115 O verbo eacute

definido como algo que carrega a ideia de tempo ao contraacuterio do nome e que aponta para a

predicaccedilatildeo (Int 16b 6ss) Nas Categoriae Aristoacuteteles parece equiparar categorias linguiacutesticas

e ontoloacutegicas em seu exaustivo estudo dos dez tipos de predicados onde desenvolve noccedilotildees

mais apuradas de sujeito e predicado

Tambeacutem teria sido Aristoacuteteles o primeiro a usar o conceito de hellenizein (Rhet

1407a19ss) lsquoexpressar-se corretamente em gregorsquo por meio do qual desenvolveu discussotildees

sobre o lugar exato das conjunccedilotildees o uso de nomes apropriados a concordacircncia correta de

gecircnero e nuacutemero sobre como evitar ambiguidades no discurso e sobre a produccedilatildeo adequada

de textos faacuteceis de ler e pronunciar E opocircs a estas discussotildees uma anaacutelise dos solecismos as

racional (territoacuterio da filosofia) Atherton e Blank 2013 p 36-37 Comparar adiante esta divisatildeo reivindicada pela tradiccedilatildeo peripateacutetica e a concepccedilatildeo estoica de leksis e logos Muito se lamenta na histoacuteria do pensamento sobre a linguagem a perda deste tratado de Teofrasto que poderia esclarecer muito acerca das origens e caracteriacutesticas da praacutetica dos gramaacuteticos heleniacutesticos 114 Ver Taylor 1995 p 84 115 Aristoacuteteles usa a expressatildeo kata suntheken (normalmente traduzido por lsquopor convenccedilatildeorsquo em oposiccedilatildeo a lsquopor naturezarsquo) para qualificar as partes significativas No entanto para Pinborg 1975 p 75 a oposiccedilatildeo natildeo seria entre natureza e convenccedilatildeo mas ldquoentre sons naturalmente inarticulados e sons articulados obtidos por combinaccedilatildeordquo

65

construccedilotildees inapropriadas116 Aristoacuteteles tambeacutem definiu metaacutefora como uma analogia do

significado117

162 A Loacutegica Estoica118

Nenhum texto estoico sobre loacutegica sobreviveu Nosso relato portanto depende de

fontes doxograacuteficas Apresentamos aqui principalmente o relato de Dioacutegenes Laeacutercio com

base na interpretaccedilatildeo de Schenkeveld (1990a) A princiacutepio os estoicos natildeo estavam lsquofazendorsquo

gramaacutetica nem parecem ter usado este termo para se referir a qualquer parte de seu sistema

lidaram no entanto com lsquoquestotildees gramaticaisrsquo em decorrecircncia do papel que a racionalidade

linguiacutestica assume em sua filosofia e de sua proacutepria concepccedilatildeo investigativa que os

direcionava a estudos sistemaacuteticos e exaustivos

Os estoicos acreditavam em um mundo impregnado e controlado pela razatildeo (logos)

e na alma humana como parte deste mundo racional Seu sistema filosoacutefico pretendia espelhar

a harmonia do mundo representando sua coerecircncia e integridade e suas trecircs partes ndash loacutegica

fiacutesica e eacutetica ndash pretendiam-se intimamente conectadas O saacutebio estoico (o ideal de homem

provido de sabedoria perfeita) vive em harmonia completa com a razatildeo universal e eacute infaliacutevel

ele tem absoluto domiacutenio do que eacute correto (verdadeiro) pensar e dizer em toda situaccedilatildeo e de

como isso deve ser expressado Eacute exatamente este uacuteltimo ponto o conteuacutedo da loacutegica estoica

a sabedoria linguiacutestica A loacutegica natildeo eacute vista como lsquoferramentarsquo para a filosofia mas parte

dela inclusive sua parte central (DL 7 83) O correto entendimento do pensamento e da

linguagem que o expressa eacute segundo o estoico fundamental para alcanccedilar a lsquofelicidadersquo

A estrutura do conteuacutedo das sentenccedilas individual ou logicamente relacionadas entre

si foi suposta pelos estoicos como espelho da estrutura do mundo Em nossa linguagem

falada ou escrita estas estruturas estatildeo expressas pelas partes da sentenccedila e pelas sentenccedilas

que relacionam-se umas agraves outras por meio de conjunccedilotildees que expressam as relaccedilotildees loacutegicas

entre os conteuacutedos Para o estoico era preciso saber portanto como cada elemento contribui

na formaccedilatildeo da sentenccedila completa e de seu conteuacutedo (ou tambeacutem no caso das conjunccedilotildees na

116 Pagani 2011 p 22-23 117 Sobre as contribuiccedilotildees de Aristoacuteteles a partir da perspectiva da histoacuteria da linguiacutestica ver Allan 2004 Pinborg (1975 p 77) assevera que o desenvolvimento da gramaacutetica na Greacutecia Antiga eacute inexplicaacutevel sem Aristoacuteteles Lembremos que natildeo possuiacutemos nenhuma obra de Criacutesipo ao contraacuterio da permanecircncia da loacutegica aristoteacutelica 118 Para abordagens mais completas ver entre outras Frede 1987 Atherton 1993 Luhtala 2000 Bobzien 2003 Barnes e Schenkeveld 2005

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formaccedilatildeo da estrutura das sentenccedilas) Aleacutem de tambeacutem saber definir cada parte da sentenccedila e

cada um de seus tipos Os estoicos concebem a linguagem como uma hierarquia de niacuteveis

cujas combinaccedilotildees satildeo governadas por regras que devem ser adequadamente compreendidas

Trecircs componentes foram distinguidos pelos estoicos na anaacutelise do significado ou

conteuacutedo (M 8 11-12) o signo ou expressatildeo sonora (semainon ou phone) o que eacute significado

(semainomenon ou lekton) e em termos modernos o lsquoreferentersquo (lsquoextra-linguiacutesticorsquo)

(tunkhanon)119 Destes expressatildeo sonora e lsquoreferentersquo satildeo corpoacutereos De acordo com

Dioacutegenes Laeacutercio (DL 7 41-42) alguns estoicos dividiram a parte loacutegica da filosofia ndash a que

se ocupa do logos (lsquodiscurso racionalrsquo) em retoacuterica ‒ a ciecircncia do bem falar no que diz

respeito a discursos contiacutenuos e dialeacutetica ‒ a ciecircncia de argumentar corretamente de acordo

com perguntas e respostas Alguns estoicos teriam acrescentado a estas tambeacutem a definiccedilatildeo ‒

que se ocupa da verdade A dialeacutetica120 por sua vez foi dividida (43) em duas seccedilotildees (topoi)

uma relativa agraves coisas significadas (semainomena) outra agrave lsquoexpressatildeo sonorarsquo (phone)

A seccedilatildeo sobre coisas significadas (semainomena) se divide no estudo das

representaccedilotildees e dos diziacuteveis (lekta) que subsistem dependentes delas (grosso modo o

conteuacutedo dos pensamentos e os significados comunicaacuteveis pela linguagem) ndash incluindo

proposiccedilotildees predicados de vaacuterios tipos silogismos e sofismas121 O conceito de lekton parece

ser mais especiacutefico que aquele geral de semainomenon O lekton eacute um incorpoacutereo As

representaccedilotildees seriam a fonte potencial do conteuacutedo semacircntico de uma proposiccedilatildeo O estoicos

evitaram a formulaccedilatildeo de que os lekta seriam lsquocausadosrsquo pelos processos do pensamento dos

quais eles satildeo de alguma forma como dito antes dependentes Pois os elementos do processo

cognitivo em seu sistema satildeo corpoacutereos e consistem em vaacuterias afecccedilotildees fiacutesicas da mente

(corpoacuterea) por isso poderiam enfrentar o problema da natureza da lsquotransferecircnciarsquo (metabasis)

entre a mateacuteria e o lekton incorpoacutereo122

119 Em inglecircs costuma-se preferir a expressatildeo bearer lsquoportadorrsquo Harven p 57 120 ldquoDialeacutetica foi definida como a praacutetica do discurso em perguntas e respostas em referecircncia a suas origens socraacuteticas mas tambeacutem idealmente como uma aacuterea do conhecimento cientiacutefico que permite a distinccedilatildeo segura entre verdades e falsidades por guiar a aplicaccedilatildeo do criteacuterio de verdade manejar os constituintes do logos atraveacutes de anaacutelise conceitual e atraveacutes da conduccedilatildeo do argumentordquo Atherton e Blank 2013 p 35 121 Para uma abordagem do estudo estoico sobre sofismas falaacutecias e paradoxos ver o artigo de Bobzien 2005 122 Sobre a metabasis ver Sluiter 2000 p 381ss Sobre lekton em relaccedilatildeo agrave ontologia estoica ver as valiosas contribuiccedilotildees de Harven p 54ss que tambeacutem discorre sobre a metabasis aleacutem de sua sugestiva leitura da teoria estoica do lekton como uma doutrina do significado como uso ldquoConsidero que os estoicos tenham uma certa doutrina do tipo lsquosignificado eacute usorsquo tal que o que pode ser dito eacute uma funccedilatildeo do que eacute dito O propoacutesito primaacuterio da linguagem eacute expressar nossos pensamentos que

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A seccedilatildeo sobre a expressatildeo sonora (phone) (DL 744) trata de a expressatildeo sonora

dividida em elementos (letras ndash stoikheia) partes da sentenccedila (mere logou) solecismo

barbarismo poemas ambiguidades expressatildeo meloacutedica e de acordo com alguns tambeacutem das

definiccedilotildees divisotildees e palavras (lekseis)123

Relacionando esta passagem com aquela em DL 7 55-62 poderiacuteamos supor entatildeo

que a seccedilatildeo sobre a expressatildeo sonora (phone) seria composta de trecircs partes 1) definiccedilotildees ndash da

expressatildeo sonora (phone) da lsquopalavrarsquo (leksis) da sentenccedila (logos)124 e dos elementos ou

letras diferenccedilas ndash entre lsquopalavrarsquo (leksis) e sentenccedila (logos) e partes da sentenccedila (mere

logou)125 2) virtudes126 e viacutecios da linguagem (logos) expressatildeo (logos) poema poesia

ambiguidade 3) definiccedilatildeo (horos) gecircnero (genos) conceito (ennoema) espeacutecies (eidos)

divisatildeo (diairesis) distribuiccedilatildeo (anaacutelise ou particcedilatildeo) (merismos)

A informaccedilatildeo que temos para organizar estas seccedilotildees dentro da loacutegica estoica proveacutem

em grande parte da sequecircncia das obras de Criacutesipo (c 281-208 aC) (DL 7 190-192) e do

relato de Dioacutegenes Laeacutercio acerca da Tekhne peri phones de Dioacutegenes da Babilocircnia (fim do

seacuteculo III aC princiacutepio do II ac) disciacutepulo de Criacutesipo No entanto natildeo estaacute claro qual

satildeo diziacuteveis o que eu interpreto como sendo o sentido fundamental do modo passivo mas por termos um sistema recursivo para fazecirc-lo ie a linguagem muitas coisas satildeo diziacuteveis independente de serem ditas o que eacute um sentido secundaacuterio do modo passivordquo (p 52) 123 lsquoPalavrarsquo poderia estar em dois niacuteveis como entidade formal (como parece ser o caso na sequecircncia) e como elemento significante do logos como parece ser o caso aqui Ver abaixo 124 Todo logos eacute phone e leksis mas natildeo o inverso 125 As partes do logos satildeo nome (onoma) nome proacuteprio (prosegoria) verbo (rhema) artigo (arthron) conjunccedilatildeo (sundesmos) agraves quais estoicos tardios acrescentaram a categoria do adveacuterbio (mesotes) A distinccedilatildeo entre nome e nome proacuteprio reflete no niacutevel da phone a distinccedilatildeo ontoloacutegica do sistema estoico entre qualidade individual e comum O lsquocasorsquo natildeo se aplica ao nome no niacutevel da phone mas a sua contrapartida no niacutevel do lekton Zenatildeo falou em lsquoelementosrsquo do logos e natildeo lsquopartesrsquo lsquoo filoacutesofo deve se preocupar em conhecer os lsquoelementosrsquo do logos o que cada um deles eacute como eles se combinam entre si e suas consequecircncias (akoloutha)rsquo LS 31 J A traduccedilatildeo por lsquopartes da sentenccedilarsquo talvez natildeo seja a mais apropriada tampouco lsquopartes da oraccedilatildeorsquo Preferimos aquela por ter-nos parecido um pouco menos lsquoteacutecnicarsquo e assim manter uma certa imprecisatildeo terminoloacutegica que nos parece caracteriacutestica do uso da expressatildeo em ambientes filosoacuteficos principalmente Eacute justamente o fato de filoacutesofos (peripateacuteticos e estoicos) retoacutericos e gramaacuteticos terem usado a mesma expressatildeo mere logou ndash cuja tradiccedilatildeo chega a nossos dias ndash para o resultado da aplicaccedilatildeo de distintas metodologias que faz da histoacuteria das lsquopartes da oraccedilatildeorsquo a peccedila chave para o entendimento do desenvolvimento da gramaacutetica na antiguidade Qualquer abordagem que tenha o intuito de preservar o significado estoico da expressatildeo e natildeo sua apropriaccedilatildeo histoacuterica deve aprofundar-se em detalhes do sistema filosoacutefico estoico diferente desse nosso resumo 126 A primeira das virtudes eacute o grego lsquopurorsquo ou lsquocorretorsquo (helenismo hellenismos) e os dois viacutecios barbarismo e solecismo satildeo violaccedilotildees do helenismo As outras virtudes satildeo clareza (sapheneia) concisatildeo (suntomia) propriedade (prepon) e ornamento (kataskeue) Os epicuristas afirmariam que as uacutenicas virtudes do discurso com que temos que nos preocupar satildeo clareza e propriedade que natildeo demandam uma tekhnologia

68

estoico teria organizado daquela forma a bibliografia de Criacutesipo e a organizaccedilatildeo do tratado de

Dioacutegenes da Babilocircnia pode ter sido invenccedilatildeo de seu compilador De qualquer forma a

organizaccedilatildeo de cada uma das duas aacutereas (semainomena e phone) em Dioacutegenes Laeacutercio

segue o princiacutepio baacutesico de partir do menos para o mais complexo e do geral para o

especiacutefico

A seccedilatildeo relativa agrave expressatildeo sonora (7 55-62) estaacute organizada em Dioacutegenes Laeacutercio

na sequecircncia expressatildeo sonora expressatildeo sonora emitida por impulso pelos animais

expressatildeo sonora articulada (lsquopalavrarsquo) (leksis) expressatildeo sonora articulada com significado

(logos) ndash que somente possuem as criaturas racionais ndash e entatildeo lsquoliacutenguarsquo (dialektos) A leksis

(lsquopalavrarsquo) diz-se ser composta de elementos (stoikheia) as 24 letras (grammata) que satildeo

divididas em vogais mudas semivogais etc A diferenccedila entre logos que eacute sempre

significativo e leksis que ainda natildeo eacute daacute-se em paralelo agrave diferenccedila entre lsquodizerrsquo (legein)

pragmata ou lekta e lsquoproferirrsquo (propheresthai) sons A seguir vem a lista e as definiccedilotildees das

partes do logos na sequecircncia as virtudes do logos e as definiccedilotildees de poiema e poiesis

Poiema e poiesis satildeo os paralelos riacutetmicos de leksis e logos poiema eacute uma leksis organizada

em meacutetrica ou ritmo poiesis eacute um poiema significativo contendo representaccedilatildeo de mateacuterias

divinas e humanas A definiccedilatildeo de lsquodefiniccedilatildeorsquo tambeacutem estaacute incluiacuteda presumivelmente por

que eacute um tipo especial e especialmente importante de logos necessaacuterio para a anaacutelise

conceitual127 O mesmo para a presenccedila das definiccedilotildees de conceitos relacionados ou seja

gecircnero conceito espeacutecies divisatildeo anaacutelise Por fim estaacute a ambiguidade cuja importacircncia os

estoicos parecem natildeo ter cansado de enfatizar pois por conta dela pode-se gerar

assentimento a uma proposiccedilatildeo falsa128

A linguagem falada somente comeccedila a ser significante para os estoicos no niacutevel das

partes da sentenccedila leksis eacute articulada mas natildeo ainda significativa Ainda a capacidade de

cada palavra de realizar sua funccedilatildeo como uma parte da sentenccedila depende de sua forma ndash uma

leksis eacute corpoacuterea e pereciacutevel e natildeo pode mudar de forma sem perder sua identidade Para

estar correto acerca desses assuntos o estoico precisava estudar a maneira como a expressatildeo

sonora se divide em sons chamados elementos ou letras como estes sons eram combinados

em siacutelabas e palavras e como estas palavras podiam ser formadas com elementos variaacuteveis

para permitir relaccedilotildees especiacuteficas com outras palavras na sentenccedila expressando estruturas

particulares de conteuacutedo inteliacutegivel O saacutebio deveria saber tambeacutem tudo que fosse possiacutevel

127 Sexto trata do papel das definiccedilotildees para a teoria estoica em PH 2 205ss 128 Referecircncia no estudo da ambiguidade na loacutegica estoica eacute o livro de Atherton 1993

69

sobre a relaccedilatildeo entre o conteuacutedo e sua expressatildeo linguiacutestica incluindo os problemas que

podiam ocorrer solecismo ‒ a falha na consistecircncia entre estrutura da expressatildeo e conteuacutedo

barbarismo ‒ uso de uma forma incorreta ou natildeo aceita de uma palavra e ambiguidade ‒

quando a expressatildeo falha em corresponder a um e apenas um conteuacutedo e tambeacutem sobre

modos alternativos de expressatildeo tais como a poesia

Sobre a aacuterea que trata das lsquocoisas (pragmaton) e dos significados (semainomenon)rsquo o

relato de Dioacutegenes procede (7 63-83) de maneira anaacuteloga comeccedilando com a definiccedilatildeo de

lekton e sua divisatildeo em lekta completos e incompletos De novo avanccedilamos do simples para o

complexo mas aqui a importacircncia da loacutegica como um estudo sistemaacutetico acerca da inferecircncia

se percebe mais claramente Lekta incompletos129 satildeo os predicados (kategoremata) dos quais

haacute vaacuterios tipos outros lekta satildeo completos ou seja axiomata ou proposiccedilotildees que possuem

valor de verdade mas alguns lekta satildeo natildeo-proposicionais tais como perguntas questotildees

comandos e pedidos e alguns satildeo a combinaccedilatildeo de proposiccedilotildees simples em proposiccedilotildees

completas e em argumentos especialmente os silogismos Na sequecircncia explica-se a divisatildeo

dos axiomata em simples e natildeo simples por meio de sua estrutura interna e da conexatildeo loacutegica

respectivamente lista-se seus tipos Tipos de proposiccedilotildees (axiomata) natildeo simples satildeo

analisados em relaccedilatildeo a condiccedilotildees de verdade Essa seccedilatildeo culmina de maneira significativa

na classificaccedilatildeo dos tipos de logos ou seja dos argumentos (76ss)

Na dialeacutetica estoica encontramos portanto quase todos os elementos cruciais

abordados nos tratados de gramaacutetica posteriores bem como grande parte da terminologia

gramatical Esses elementos contudo estatildeo aiacute organizados descritos e nomeados de acordo

com a aacuterea a que estatildeo subordinados phone ou lekta Foram analisados portanto de acordo

com a organizaccedilatildeo de cada uma das sub-partes da parte loacutegica da filosofia estoica e servem a

propoacutesitos inerentes a esta organizaccedilatildeo130 Devem ser interpretados assim de acordo com

129 ldquoSe o predicado eacute formado pelo que chamariacuteamos de verbo de lsquoum-lugarrsquo tudo que ele requer eacute um caso nominativo para formar uma proposiccedilatildeo completa O lsquocaso nominativorsquo ele mesmo natildeo eacute nunca chamado de lekton incompleto presumivelmente precisamente porque diferente dos predicados ele designa algordquo Sluiter 2000 p 378 130 Sobre a necessidade de ler os elementos da dialeacutetica estoica de acordo com seu proacuteprio sistema ldquoNosso conhecimento da doutrina estoica dos genera verbi eacute amplamente derivada de Dioacutegenes Laeacutercio (DL 7 64) Dioacutegenes discute vaacuterios tipos de predicados isto eacute lekta incompletos do tipo que correspondem a verbos mas que satildeo explicitamente distinguidos de verbos como seus lekta correspondentes (58) Percebe-se que a distinccedilatildeo entre lekta e expressotildees correspondentes deve ser levada agrave seacuterio e que deve-se estar ciente que muitas das distinccedilotildees gramaticais satildeo introduzidas em relaccedilatildeo agrave lekta e natildeo agraves expressotildees jaacute que como exemplo do que corresponderia a um verbo ativo ele apresenta dialegesthai (58)rdquo Frede 1987 p 304 Deve-se ter o mesmo cuidado ao abordar o sistema do tempo verbal As distinccedilotildees estoicas entre lsquoperfeitorsquo e lsquoimperfeitorsquo por exemplo satildeo feitas em termos loacutegicos natildeo gramaticais e concernem ao valor de verdade da proposiccedilatildeo (Cf ibidem p 306)

70

esse sistema sob risco de serem equivocadamente aproximados a conceitos gramaticais

homocircnimos Sobre a necessidade de ler os elementos da dialeacutetica estoica de acordo com seu

proacuteprio sistema sob pena de serem mal compreendidos encontramos um exemplo na

advertecircncia de Frede (1987 p 304)

Nosso conhecimento da doutrina estoica dos genera verbi eacute amplamente derivada de Dioacutegenes Laeacutercio (DL 7 64) Dioacutegenes discute vaacuterios tipos de predicados isto eacute lekta incompletos daqueles que correspondem a verbos mas que satildeo explicitamente distinguidos de verbos que satildeo seus lekta correspondentes (58) Percebe-se que a distinccedilatildeo entre lekta e expressotildees [phonai] correspondentes deve ser levada agrave seacuterio e que deve-se estar ciente que muitas das distinccedilotildees gramaticais satildeo introduzidas em relaccedilatildeo agrave lekta e natildeo agraves expressotildees jaacute que como exemplo do que corresponderia a um verbo ativo ele apresenta dialegesthai (58)

Deve-se ter o mesmo cuidado ao abordar o sistema do tempo verbal As distinccedilotildees estoicas

entre lsquoperfeitorsquo e lsquoimperfeitorsquo por exemplo satildeo feitas em termos loacutegicos natildeo gramaticais e

concernem ao valor de verdade da proposiccedilatildeo131

A anaacutelise da poesia aparece tambeacutem conectada agrave parte eacutetica da filosofia estoica

Aleacutem da obra de conteuacutedo desconhecido sobre leksis Zenatildeo teria escrito (DL 7 4) um tratado

sobre a apreciaccedilatildeo da poesia Tambeacutem lhe satildeo atribuiacutedos cinco livros acerca de lsquoproblemas

homeacutericosrsquo (DL 7 4) onde provavelmente tratou do estudo de passagens homeacutericas cuja

interpretaccedilatildeo causava problemas especialmente para aqueles empenhados em demonstrar que

Homero continha bons preceitos morais132 A quinta seccedilatildeo da parte da bibliografia de Criacutesipo

relativa ao ldquodiscurso eacutetico e agrave articulaccedilatildeo de conceitos eacuteticosrdquo menciona que Criacutesipo compocircs

um tratado sobre proveacuterbios um sobre poemas um que trata de como os jovens devem ouvir

os poetas e um contra os criacuteticos Do tratado de Plutarco De audiendis poetis cuja fonte

principal foi Criacutesipo podemos ter uma ideia de qual seria o conteuacutedo geral dos tratados de

Zenatildeo e Criacutesipo ensinar uma pessoa jovem a entender os bons preceitos morais contidos na

poesia para que evitassem a armadilha de pensar que valorosos poetas poderiam estar

exaltando os maus ensinamentos que frequentemente aparecem em seus poemas

A esta concepccedilatildeo lsquoedificantersquo da linguagem parece ser possiacutevel aproximar o interesse

de alguns estoicos por lsquoetimologiarsquo133 e lsquoalegoriarsquo Tal interesse parece ter sido motivado pela

131 Ver Frede 1987 p 306 132 Para mais informaccedilotildees ver Long 1996 capiacutetulo 3 133 Criacutesipo chegou a ser creditado pela criaccedilatildeo do termo lsquoetimologiarsquo (ver DL 7200) Plutarco no livro mencionado no paacuteragrafo anterior (De aud 31e) diz que a etimologia estoica era uma tolice Mesmo

71

estoica concepccedilatildeo lsquoracionalizantersquo do mundo e sua ideia de sabedoria lsquoancestralrsquo

aparentemente recuperaacutevel pelo processo lsquoetimoloacutegicorsquo A linguagem por meio da

descoberta da lsquomensagemrsquo original seria fonte de sabedoria pois o discurso sendo racional

deveria refletir as leis do universo Do mesmo modo a interpretaccedilatildeo dos poetas antigos

atraveacutes da alegoria deveria desvelar algo sobre a real natureza do mundo pois sua sabedoria

os qualificava a transmitir tal conhecimento134

Agrave dialeacutetica estoica seraacute tambeacutem atribuiacutedo um papel organizador para as artes Ciacutecero

(De or 1 187-188) diraacute que lsquosem a disciplina dos filoacutesofosrsquo os elementos das artes

geometria muacutesica astronomia gramaacutetica e retoacuterica estavam dispersos e desconectados mas

com a ajuda da dialeacutetica eles foram organizados em um conjunto sistemaacutetico de

conhecimento135

No primeiro seacuteculo da era comum Fiacutelon de Alexandria (ou Fiacutelon Judeu) por sua

vez usando o vocabulaacuterio comum agrave loacutegica estoica e agrave gramaacutetica iraacute lsquoacusarrsquo os gramaacuteticos de

terem roubado da filosofia as descobertas de que se vangloriam Sua criacutetica eacute uma tentativa

similar agrave criacutetica epicurista de restringir as pretensotildees lsquofilosoacuteficasrsquo da arte gramatical

Escrever e ler eacute tarefa dessa mais imperfeita forma de gramaacutetica que alguns mudando o nome chamam lsquogramatiacutesticarsquo Mas agrave mais perfeita forma de gramaacutetica pertence a explicaccedilatildeo das grandes obras de poetas e historiadores Quando eles [os gramaacuteticos] explicam as partes da sentenccedila por acaso natildeo roubam as descobertas da filosofia e fazem-nas trabalhar para eles Pois eacute tarefa da filosofia investigar o que eacute uma conjunccedilatildeo ou um nome ou um verbo ou o nome comum e o nome proacuteprio ou o que estaacute deficiente ou a mais no discurso o que eacute declarativo o que eacute uma pergunta uma questatildeo o que eacute uma expressatildeo compreensiva ou um pedido ou um impropeacuterio Pois eacute a filosofia que abrange a investigaccedilatildeo de itens completos independentes e de proposiccedilotildees e predicados E tambeacutem como saber o que eacute um elemento semi-vocaacutelico ou um vocaacutelico ou um completamente natildeo-vocaacutelico e como cada um destes eacute costumeiramente chamado e toda a divisatildeo que diz respeito agraves expressotildees sonoras e elementos e partes do discurso natildeo foi isto realizado e completado pela filosofia Mas tendo se apoderado de algumas gotas de

Secircneca questionou seu valor (De beneficiis 136ndash10 = SVF 21082) Sobre a relaccedilatildeo dos estoicos com a etimologia ver Allen 2005 e Long 2005 134 ldquoLong (2005) contesta a teoria de que os estoicos usaram a alegoria como um meacutetodo e sugere que o procedimento em questatildeo era o etimoloacutegico lsquoA tarefa do etimologista estoico eacute tentar recuperar as verdadeiras crenccedilas codificadas nos nomes e epiacutetetos dos deuses ndash crenccedilas que foram encobertas pela supersticcedilatildeo posteriorrsquo (p 38) No mesmo espiacuterito de Long Porter (1992 86 e 86 n 52) tambeacutem sustentou que natildeo haacute prova de que os estoicos tivessem qualquer interesse na criacutetica literaacuteria em si mesma e que o interesse deles pela alegoria natildeo se dava na forma de uma interpretaccedilatildeo literaacuteria as contribuiccedilotildees estoicas para o desenvolvimento da criacutetica literaacuteria seriam entatildeo acidentaisrdquo Seppaumlnen 2013 p 31 135 Ver Hadot 2005 p 55-57

72

uma torrente por assim dizer e apoacutes tentar impregnar suas almas ainda menores com o que roubaram natildeo se envergonham de proclamar o que tomaram dela como se fosse seu (Congress Erud Grat 146-150)

A criacutetica de Secircneca (Ep 88) ao contraacuterio dirigir-se-aacute aos filoacutesofos acusando-os de terem se

rebaixado a discutir assuntos insignificantes desprovidos de valor na filosofia admoestando-

os a se resguardar de competir com gramaacuteticos

163 Gramaacutetica Heleniacutestica

A influecircncia exercida pelos estudos estoicos da linguagem no desenvolvimento da

gramaacutetica heleniacutestica e da disciplina gramatical que iraacute emergir como uma aacuterea independente

tanto da proacutepria filologia quanto da dialeacutetica da retoacuterica e da filosofia no comeccedilo da era

comum estaacute longe de ser algo descrito em comum acordo136 Essa situaccedilatildeo se deve em

grande parte agrave questatildeo das dificuldades de interpretaccedilatildeo das fontes fragmentaacuterias indiretas e

tardias mencionada antes e conectada a esta agrave discussatildeo a respeito da dataccedilatildeo do tratado

atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio137

A figura chave dessa relaccedilatildeo parece ter sido o estoico Dioacutegenes da Babilocircnia

(tradicionalmente c 240-152 aC) disciacutepulo do proacuteprio Criacutesipo e seu tratado Peri tes

phones fonte da descriccedilatildeo de Dioacutegenes Laeacutercio exposta na seccedilatildeo anterior Um dos mais

importantes nomes da gramaacutetica heleniacutestica o fundador da escola lsquocriacuteticarsquo de Peacutergamo Crates

de Malos (primeira metade do seacutec II aC) teria sido disciacutepulo de Dioacutegenes138 Tambeacutem na

Biblioteca de Alexandria aponta-se um disciacutepulo de Dioacutegenes Apolodoro de Atenas que

136 Outro desdobramento dessa questatildeo diz respeito agrave influecircncia estoica nas lsquoartes gramaticaisrsquo romanas Antigamente havia-se postulado uma oposiccedilatildeo radical (em geral contestada hoje em dia) entre a escola de Peacutergamo conectada agrave filosofia estoica e a escola de Alexandria de influecircncia aristoteacutelica e filoloacutegica de forma que a gramaacutetica romana teria tido origem direta na tradiccedilatildeo estoico-pergamena atraveacutes de Crates e teria depois influenciado a gramaacutetica teacutecnica grega Ver Pagani 2011 p 43ss (para a exposiccedilatildeo das opiniotildees de Ax a favor de um modelo como este) e a contra-argumentaccedilatildeo de Schenkeveld 1990b p 298-306 ldquoDiferente de suas opiniotildees sobre a retoacuterica as ideias linguiacutesticas dos estoicos foram extremamente influentes Gramaacuteticos gregos assim como latinos seguiram seus passos mas cada grupo seguiu seu proacuteprio caminho no que diz respeito agraves virtudes e viacutecios do estilo e ao restante da estoica tekhne peri phonesrdquo Schenkeveld 1990a p 107 Os estudos mais recentes parecem preferir lidar com modelos menos unilaterais e mais complexos para abordar as influecircncias e inter-relaccedilotildees ver a introduccedilatildeo dos autores agrave coletacircnea de artigos em Swiggers e Wouters 2002 137 Haacute que se apontar tambeacutem claro o papel da proacutepria dinacircmica de evoluccedilatildeo dos estudos em historiografia linguiacutestica 138 A identificaccedilatildeo de Crates como estoico eacute questionada por Porter 1992

73

estudou com Aristarco de Samotraacutecia (c 216 ndash 144) e teria influenciado Dioniacutesio Traacutecio

tambeacutem disciacutepulo daquele139

Crates e Aristarco liacutederes respectivamente da escola de Peacutergamo e da escola de

Alexandria junto com o predecessor de Aristarco Aristoacutefanes de Bizacircncio (c 260 ndash 185) satildeo

apontados por Sexto (M 1 44) como aqueles que aperfeiccediloaram a gramaacutetica Os

comentadores do tratado atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio (Sch DThr)140 reportam no entanto

uma histoacuteria diferente Eles apontam o alegorista Teaacutegenes de Reacutegio (VI aC)141 como o

criador da disciplina gramatical que foi entatildeo aperfeiccediloada pelos peripateacuteticos Praxiacutefanes142

e Aristoacuteteles (Sch DThr [Vat] 16424)

A obra de Aristoacuteteles e Teofrasto de que falamos acima teve grande importacircncia

tanto para a poeacutetica e para a retoacuterica quanto para o desenvolvimento de uma teoria geral

acerca da expressatildeo linguiacutestica ou do estilo Tal influecircncia seria uma das responsaacuteveis pela

divisatildeo estoica entre retoacuterica e dialeacutetica e a concepccedilatildeo dos elementos que satildeo tratados no niacutevel

da phone Mas certamente Crates Aristarco e Aristoacutefanes seriam mais adequados para

representar especificidades da gramaacutetica heleniacutestica

1631 Escola de Peacutergamo Crates e Taurisco

Crates tal como nos relata Sexto (M 1 79) teria tentado restringir o escopo da

gramaacutetica Crates dizia que o criacutetico eacute superior ao gramaacutetico O criacutetico diz ele precisa ser experiente na totalidade do saber linguiacutestico (logikes epistemes) enquanto o gramaacutetico precisa simplesmente explicar palavras raras restaurar a prosoacutedia e dominar coisas deste gecircnero por isso o criacutetico eacute como um arquiteto e o gramaacutetico um ajudante

139 Acerca da influecircncia de Apolodoro treinado na loacutegica estoica sobre os alexandrinos ver Frede 1987 358-359 Janko 1995 p 215 e Jonge 2008 p 100-101 140 Estes comentaacuterios (Scholia) referidos como Sch DThr satildeo tardios datando provavelmente do seacuteculo IX ao XIV no entanto desempenham um papel fundamental neste relato por terem preservardo diversos testemunhos relativos a uma eacutepoca em que o desenvolvimento da arte gramatical nos seria de outra forma praticamente desconhecido 141 Sobre Teaacutegenes e suas alegorias ver Domaradzki 2011 142 Sobre Praxiacutefanes ver Martano Matelli e Mirhady 2012

74

Supotildee-se geralmente que Crates143 nesta passagem esteja rivalizando com a escola

de Alexandria cujos membros se autodenominaram lsquogramaacuteticosrsquo144 Poreacutem o que de fato

diferenciava a praacutetica do criacutetico e a do gramaacutetico eacute difiacutecil definir Parece que a escola de

Alexandria a princiacutepio entendia a tarefa criacutetica do gramaacutetico somente em relaccedilatildeo agrave avaliaccedilatildeo

das condiccedilotildees de transmissatildeo textual de uma obra e sua autenticidade Enquanto Crates teria

incentivado a exegese dos textos por meio da alegoria Ou seja em termos modernos

teriacuteamos uma oposiccedilatildeo entre criacutetica textual e criacutetica literaacuteria De forma que enquanto os

alexandrinos dedicavam-se a desenvolver um lsquoaparatorsquo criacutetico para a ediccedilatildeo das obras

homeacutericas a escola de Peacutergamo estaria mais preocupada com os meacutetodos interpretativos No

entanto esta eacute uma distinccedilatildeo unilateral natildeo haacute evidecircncias de os alexandrinos terem se

conformado a ela145 e aleacutem disso esta diferenciaccedilatildeo natildeo se susteacutem se comparamos a

produccedilatildeo das duas escolas

Eacute verdade que Crates e Aristarco discordaram com frequecircncia em suas interpretaccedilotildees

de Homero e que Aristarco e alguns de seus pupilos teriam escrito livros contra as

interpretaccedilotildees de Crates mas fora algumas extravagacircncias filosoacuteficas da parte de Crates (por

exemplo interpretar passagens homeacutericas de acordo com lsquoteoremas loacutegicosrsquo e encontrar nelas

elementos de fiacutesica estoica146) dificilmente seus meacutetodos filoloacutegicos se distinguem daqueles

de Aristarco Em particular ambos parecem ter feito uso constante da etimologia como um

criteacuterio para estabelecer o significado e a ortografia de palavras homeacutericas147

Crates teria escrito sobre vaacuterios toacutepicos de gramaacutetica e criacutetica literaacuteria mas natildeo

possuiacutemos nenhuma indicaccedilatildeo de que tenha escrito uma obra geral sobre kritike Um de seus

143 Para os fragmentos atribuiacutedos a Crates ver Broggiato 2000 144 Ver Sch DThr 7 23-29 lsquodeve-se saber que antigamente a gramaacutetica foi chamada de lsquocriacuteticarsquo a partir da lsquocriacutetica da poesiarsquo um gramaacutetico chamado Antidoro a denominou lsquogramaacuteticarsquo como o conhecimento da literaturarsquoAntidoro de Cime seacutec III aC foi considerado o primeiro grammatikos 145 Lembremos que Dioniacutesio Traacutecio iraacute qualificar o julgamento (krisis) dos poemas como a lsquomais bela partersquo da gramaacutetica 146 Ver Gutzwiller 2010 p 356 ss e o capiacutetulo todo p 337ss para um panorama da criacutetica literaacuteria no periacuteodo 147 Blank 2005 p 222 ldquoPor exemplo os dois gramaacuteticos deram explicaccedilotildees distintas para o epiacuteteto de Apolo ἤιε (Sch A 15365a) Aristarco argumentou que a palavra provinha de ἵημι (lsquolanccedilarrsquo) e por isso era aspirada enquanto Crates (F 23 Broggiato) quis derivaacute-la de ἰάομαι (lsquocurarrsquo) portanto sem aspiraccedilatildeo Nesse caso nossa fonte Herodiano que levou as regras da analogia a seu niacutevel mais alto argumentou que Crates estava correto acerca da aspiraccedilatildeo mas que ele deveria tecirc-lo provado com referecircncia agrave regra de que o eta natildeo eacute nunca aspirado antes de uma vogal Crates no entanto estava interessado em resolver um problema de interpretaccedilatildeo se Apolo era capaz na Iliacuteada de curarrdquo Blank 2005 p 222 ver a sequecircncia para outros exemplos como esse

75

alunos no entanto pode ter escrito e eacute atraveacutes de Sexto que temos alguma informaccedilatildeo acerca

de como poderia estar organizado tal tratado Sexto afirma (M 1 248)

Taurisco o disciacutepulo de Crates subordinando a gramaacutetica agrave criacutetica tal como fizeram os outros criacuteticos disse que a criacutetica se compotildee de uma parte racional (logikos) uma parte praacutetica (tribikos) e uma parte lsquohistoacutericarsquo

Relacionando as duas passagens citadas em que Sexto menciona Crates poderiacuteamos sugerir

que o criacutetico fizesse uso das lsquopartesrsquo de sua arte como preliminares para a atividade da criacutetica

ela mesma que envolveria entatildeo todo o saber (episteme) linguiacutestico O fato de Crates usar

episteme para qualificar o tipo de conhecimento de sua aacuterea aproxima-o da discussatildeo a

respeito do estatuto epistemoloacutegico de sua arte primeiro ele lsquorebaixarsquo o papel da gramaacutetica

baseada em conhecimento empiacuterico depois ele alccedila a criacutetica agrave episteme De forma que ele natildeo

precisa encontrar um lugar na arte para a parte lsquocriacuteticarsquo pois jaacute eacute o niacutevel mais alto A arte

gramatical (a criacutetica textual) eacute subordinada agrave criacutetica (a criacutetica literaacuteria) ndash que incorpora toda a

episteme linguiacutestica Qual das partes da criacutetica ele poderia ter identificado com lsquogramaacuteticarsquo eacute

algo que tentaremos abordar adiante Vale lembrar que Sexto faz equivaler lsquocriacuteticarsquo a

lsquogramaacuteticarsquo e trata a divisatildeo de Taurisco disciacutepulo de Crates como um exemplo de que a

parte lsquohistoacutericarsquo era considerada parte da gramaacutetica

A discussatildeo sobre a divisatildeo de uma arte em suas partes objetivos instrumentos etc

eacute conhecida de outros campos filosofia e medicina por exemplo De fato os proacutelogos das

lsquoartesrsquo (tratados teacutecnicos) geralmente seguiam uma ordem de toacutepicos padratildeo definiccedilatildeo148 e

objeto da arte defesa da utilidade da arte e logo assuntos tratados em cada uma das partes

(mere) da arte funccedilotildees (erga) da arte e lsquoinstrumentosrsquo (organa)149 As distinccedilotildees entre estas

trecircs uacuteltimas no entanto natildeo foram nunca muito claras Nas disciplinas teacutecnicas lsquopartersquo pode

se referir a uma aacuterea a uma tarefa a uma habilidade ou ao resultado de um procedimento

Os termos com que Taurisco denomina suas lsquopartesrsquo satildeo termos tradicionais nas

discussotildees epistemoloacutegicas no campo da medicina podemos supor que ele pretendia indicar 148 Cf Platatildeo Fedro 237c lsquoa menos que uma determinada discussatildeo comece com a definiccedilatildeo do toacutepico estaraacute totalmente baseada em suposiccedilotildees com o resultado que os participantes natildeo iratildeo concordar nem consigo proacuteprios nem uns com os outrosrsquo 149 Os manuais iniciavam frequentemente com um prefaacutecio no qual o autor enfatizava a extraordinaacuteria utilidade da lsquoartersquo em questatildeo justificando o ter-se dedicado agrave presente sistematizaccedilatildeo do assunto exemplo disso eacute o tratado De inventione escrito por Ciacutecero em sua juventude (cf Yonge 1888) A seguir viria um tratamento de todos ou de alguns dos toacutepicos especiais mais tarde codificados em uma lista causa origem definiccedilatildeo mateacuteria partes funccedilotildees instrumentos finalidade tal como a que aparece no Sch DThr (Vat) 113 11 Assim eacute que Ciacutecero (De inventione I 5) afirma ldquoMas antes de comeccedilarmos a tratar dos preceitos da retoacuterica penso que devemos dizer algo sobre a natureza desta arte sua funccedilatildeo finalidade material e partesrdquo (cf Yonge 1888)

76

assim o lsquomeacutetodorsquo pelo qual cada parte tratava seu objeto150 De forma que a parte lsquoracionalrsquo

deveria nesta interpretaccedilatildeo ter de contribuir com leis gerais explanativas Pode no entanto

parecer estranho que agrave parte racional esteja subordinado o estudo de leksis e figuras

gramaticais Talvez considerasse tarefa da parte racional a elaboraccedilatildeo dos padrotildees da

expressatildeo linguiacutestica enquanto a parte praacutetica designava a repetida experiecircncia com estilos e

dialetos diferentes por observaccedilatildeo e treino

1632 Escola de Alexandria

16321 Aristoacutefanes de Bizacircncio e Aristarco de Samotraacutecia151

A principal questatildeo acadecircmica acerca da contribuiccedilatildeo de Aristoacutefanes e Aristarco para

o desenvolvimento da gramaacutetica teacutecnica diz respeito a quanto de autonomia eles conferiram

aos estudos formais da linguagem em relaccedilatildeo a seu empreendimento filoloacutegico Esses estudos

tomam duas direccedilotildees principais no periacuteodo heleniacutestico a doutrina dos elementos constituintes

da linguagem com destaque para as lsquopartes da oraccedilatildeorsquo e a questatildeo da correccedilatildeo linguiacutestica

(hellenismos) no que diz respeito a palavras individuais (ortografia prosoacutedia flexatildeo e

significado) e agrave construccedilatildeo (por meio dos criteacuterios da analogia etimologia dialetos uso e

tradiccedilatildeo literaacuteria)

Aristoacutefanes teria composto coleccedilotildees de lekseis as quais teria organizado usando o

princiacutepio da analogia como uma regra gramatical Aristarco teria desenvolvido lsquosistemasrsquo para

a abordagem de particularidades e peculiaridades da linguagem homeacuterica que podem ser

derivados dos testemunhos que possuiacutemos de sua exegese da obra de Homero Seus meacutetodos

parecem ter envolvido conhecimento gramatical fundado em princiacutepios linguiacutesticos tal como

paradigmas de declinaccedilatildeo e conjugaccedilatildeo bem como entendimento de funccedilotildees sintaacuteticas

lsquomorfologiarsquo e uso de partiacuteculas Poreacutem grande parte da reconstruccedilatildeo do suposto sistema

gramatical de Aristarco e seus contemporacircneos depende da admissatildeo ou natildeo da autenticidade

do tratado DThr pois Dioniacutesio Traacutecio foi pupilo de Aristarco Voltaremos a esta questatildeo na

sequecircncia

150 Tribe (lsquopraacuteticarsquo) eacute o exerciacutecio praacutetico da experiecircncia (Galeno Subf Emp 4825) lsquoExperiecircncia praacuteticarsquo (tribike) eacute o que resulta do uso da lsquotransiccedilatildeo ao similarrsquo ou analogia eacute chamada assim porque demanda muita praacutetica e natildeo pode ser usada simplesmente por qualquer um (Galeno I 69 1 cf Subf Emp 4520 4917) 151 Esta seccedilatildeo segue a exposiccedilatildeo de Pagani 2011

77

Matthaios (apud Pagani 2011 p 57ss) examinou exaustivamente todas as evidecircncias

tradicionalmente ligadas a Aristarco no que concerne agrave doutrina das partes da oraccedilatildeo Com

base em suas conclusotildees152 poderiacuteamos afirmar que de acordo com a tradiccedilatildeo dos

testemunhos Aristarco teria conhecimento de um sistema com oito partes da oraccedilatildeo153 Seria

possiacutevel tambeacutem creditar a Aristarco um aparato conceitual de descriccedilatildeo linguiacutestica que

envolveria um certo grau de abstraccedilatildeo diferenciaccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo da doutrina gramatical

O conhecimento de Aristarco no campo gramatical pode ser extraiacutedo de sua

aplicaccedilatildeo de ideias linguiacutesticas agrave criacutetica textual e literaacuteria contudo natildeo eacute possiacutevel restaurar

com seguranccedila suas premissas teoacutericas nem afirmar que Aristarco tenha realmente passado da

observaccedilatildeo empiacuterica para a descriccedilatildeo teoacuterica do fenocircmeno gramatical154

O levantamento de Matthaios permite identificar a influecircncia do pensamento estoico

mas tambeacutem a tradiccedilatildeo aristoteacutelico-peripateacutetica Como sintetiza Pagani (2011 p 60-61)

A evidecircncia que ele [Matthaios] acumulou nos permite ver que a tradiccedilatildeo aristoteacutelico-peripateacutetica teve um efeito notaacutevel na descriccedilatildeo alexandrina da linguagem tambeacutem nos permite supor em contraste com a teoria tradicional de evoluccedilatildeo linear (Platatildeo-Aristoacuteteles gt Estoicos gt Alexandrinos) desenvolvimentos paralelos entre a filologia alexandrina e a filosofia especialmente estoica que em alguns casos exerceram influecircncias muacutetuas entre si (grifos nosso)

A influecircncia estoica teria se intensificado na geraccedilatildeo seguinte agrave de Aristarco em parte devido

agrave secessio doctorum (145 aC) que obrigou diversos estudiosos a abandonarem Alexandria e

estabelecerem-se em Rodes Peacutergamo Atenas e mais tarde em Roma155

Embora haja ainda muito desacordo a respeito da interpretaccedilatildeo do material

relacionado a Aristarco parece-nos que uma posiccedilatildeo moderada pode ser coerentemente

defendida Aristarco e seus contemporacircneos natildeo parecem ter aspirado a uma sistematizaccedilatildeo 152 Ver Pagani 2011 p 58-59 153 A expressatildeo mere logou natildeo aparece nos fragmentos atribuiacutedos a Aristarco ldquoAristarco parece ter usado o termos leksis ao discutir a categoria agrave qual uma palavra pertencia e gramaacuteticos posteriores ainda usaram leksis ao definir classes individuais de palavras Mas os gramaacuteticos natildeo disseram que lsquohaacute oito (ou nove) lekseisrsquo Schenkeveld (1994) 279- 280 acredita que as lsquopartesrsquo dos alexandrinos (Aristoacutefanes e Aristarco) foram na verdade mere lekseos no sentido aristoteacutelico poreacutem eacute preciso enfatizar que Aristoacuteteles inclui tambeacutem outras unidades aleacutem de palavras entre as mere lekseosrdquo Jonge 2006 p 88 n45 Muitas versotildees diferentes da teoria das partes da oraccedilatildeo parecem ter estado em circulaccedilatildeo nos seacuteculos entre Aristarco e Apolocircnio e o nuacutemero canocircnico de oito partes pode ter sido fixado apenas no seacutec II de nossa era Cf Seppaumlnen 2013 p 39 154 Pagani 2011 p 57 n 160 155 Ptolomeu VIII Eveacutergeta atacou e expulsou os intelectuais de Alexandria Dioniacutesio Traacutecio bem como Tiracircnio e Aeacutelio Estilo viveram em Rodes

78

linguiacutestica abrangente nem parecem ter produzido tratados especiacuteficos sobre tais assuntos

Como expressou Ax (apud Pagani 2011 p 42 e 63) eacute quase certo que a gramaacutetica

alexandrina nasce lsquoim Kopfrsquo (na cabeccedila) como base ou instrumento para a compreensatildeo e

interpretaccedilatildeo de textos literaacuterios Mas tambeacutem eacute possiacutevel demonstrar que algumas

observaccedilotildees de Aristarco sugerem um certo grau de abstraccedilatildeo e pressupotildeem alguma

referecircncia teoacuterica Criacutetica textual e exegese satildeo no entanto as motivaccedilotildees originais das

intervenccedilotildees lsquogramaticaisrsquo sobre os textos156

A principal caracteriacutestica compartida por estes estudiosos eacute de fato o seu vastiacutessimo

conhecimento literaacuterio Vitruacutevio (7 4-7) reporta por exemplo uma competiccedilatildeo de poesia em

Alexandria em que Aristoacutefanes de Bizacircncio teria apontado como ganhador o uacutenico

competidor que natildeo seria um plagiarista O que ele poderia saber de imediato pois conhecia

toda a literatura grega coletada na Biblioteca157

16322 Dioniacutesio Traacutecio

A amplamente discutida autenticidade do tratado DThr eacute considerada uma das

questotildees-chave para a compreensatildeo das origens e primeiros desenvolvimentos da teoria

gramatical no mundo antigo a DThr eacute um manual que conteacutem uma descriccedilatildeo sistemaacutetica da

liacutengua e se realmente for obra de um pupilo de Aristarco atesta uma compreensatildeo de

propriedades gramaticais bastante desenvolvida em sua eacutepoca

A atribuiccedilatildeo do tratado a Dioniacutesio Traacutecio foi posta seriamente em duacutevida pela

primeira vez por Di Benedetto (1958 e 1959) A primeira seccedilatildeo deste tratado aquela da

definiccedilatildeo e das partes da gramaacutetica citada por Sexto em seu tratamento da gramaacutetica (M 1 57

e 250) eacute considerada genuiacutena Eacute certamente um produto alexandrino por enfatizar

interpretaccedilatildeo e criacutetica textual e conter elementos pressupostos por gramaacuteticos como

Asclepiacuteades de Mirleia (seacutec I aC) e Varratildeo (116-27 aC) As seccedilotildees 2 a 4 satildeo defendidas

como autecircnticas por alguns estudiosos Menos numerosos satildeo aqueles que defendem a

autenticidade de 6 a 10 E raros satildeo os que defendem a autenticidade de todo o tratado (1-

20)158

156 Ver Pagani 2011 p 63-64 157 Cf Seppaumlnen 2013 p 35 158 A favor da autenticidade ver Swiggers e Wouters 2002 p 16-17 Outra maneira de olhar a questatildeo eacute ver a DThr como uma ediccedilatildeo final canonizada e lsquomodernizadarsquo do tratado autecircntico de Dioniacutesio Traacutecio Alguns estudiosos sugerem que eacute possiacutevel relacionar muito do material presente no tratado que

79

A seccedilatildeo inicial com a definiccedilatildeo e partes da gramaacutetica eacute seguida pela assim chamada

seccedilatildeo teacutecnica em dezenove pequenos capiacutetulos Satildeo abordados diferentes aspectos da

linguagem leitura acentuaccedilatildeo pontuaccedilatildeo rapsoacutedia elementos (letras e sons) siacutelaba (longa

breve comum) e palavra Os dez uacuteltimos capiacutetulos introduzem as oito partes da oraccedilatildeo nome

verbo particiacutepio artigo pronome preposiccedilatildeo adveacuterbio e conjunccedilatildeo Os termos satildeo

simplesmente listados e acompanhados de muitos exemplos o que poderia apontar para sua

praticidade e finalidade enquanto manual escolar Natildeo aborda a sintaxe tampouco a correccedilatildeo

linguiacutestica

A combinaccedilatildeo de fatores principalmente o testemunho de Apolocircnio Diacutescolo que

atribui a Dioniacutesio opiniotildees diferentes daquelas que aparecem em DThr nos levaria a situar a

DThr na forma que a conhecemos por volta dos seacuteculos III-V de nossa era De forma que

estaria assim natildeo mais na origem mas no fim do desenvolvimento da lsquociecircnciarsquo grega da

linguagem Campo que soacute teria tido iniacutecio sistemaacutetico no seacuteculo I aC com figuras como

Tiracircnio e Asclepiacuteades de Mirleia e atingido seus primeiros estaacutegios de sistematizaccedilatildeo pouco

depois com Trifo e Habro

O nascimento da ciecircncia gramatical no seacuteculo I aC foi hipoteticamente relacionado

por Di Benedetto a fatores como a necessidade de preservar o grego claacutessico contato com a

cultura romana que trouxe consigo confrontaccedilatildeo no niacutevel linguiacutestico e o papel da secessio

doctorum que propiciou entre outros o contato muacutetuo entre retoacuterica e gramaacutetica e pode ter

favorecido o estabelecimento das fronteiras respectivas entre as instruccedilotildees linguiacutesticas do

domiacutenio de uma e outra Pinborg acrescenta a isso a tendecircncia geral do periacuteodo de coletar

observaccedilotildees feitas pelos predecessores em manuais teacutecnicos sistemaacuteticos

A questatildeo da autenticidade da DThr continua polecircmica mas o quadro geral serve

para nos precaver de consideraacute-la prova de que um sistema gramatical evoluiacutedo existia jaacute

entre os primeiros alexandrinos Por outro lado eacute possiacutevel atraveacutes de outras fontes como

afirmarmos acima considerar a existecircncia de alguma teorizaccedilatildeo linguiacutestica neste periacuteodo E

mesmo se a DThr tal como a possuiacutemos natildeo foi integralmente escrita por Dioniacutesio podemos

afirmar que ele escreveu algum tratado cuja(s) seccedilatildeo(otildees) inicial(is) conhecemos A parte

autecircntica natildeo sugere uma exposiccedilatildeo teacutecnica e completa de morfologia ou partes da oraccedilatildeo

mas eacute possiacutevel inferir uma estrutura de alguma forma sistematizada e uma consciecircncia

incipiente da autonomia da disciplina Disciplina que no genuiacuteno espiacuterito alexandrino era

possuiacutemos com conhecimentos que de fato datariam da eacutepoca de Dioniacutesio Cf Seppaumlnen 2013 p 52 e Chapanski 2003 (traduccedilatildeo da DThr em portuguecircs)

80

uma combinaccedilatildeo de estudo linguiacutestico e filoloacutegico direcionada agrave interpretaccedilatildeo de textos

literaacuterios

Em geral deve-se sublinhar a distinccedilatildeo conceitual entre acuacutemulo de observaccedilotildees

linguiacutesticas individuais abundantes desde Aristoacuteteles e o estoicos e a incorporaccedilatildeo destas

observaccedilotildees em um sistema gramatical coerente algo que em geral supotildee-se natildeo ter

ocorrido antes do seacuteculo I aC Os estudiosos alexandrinos dificilmente quiseram estabelecer

um sistema linguiacutestico sua pretensatildeo central era a interpretaccedilatildeo dos poetas Ao fazer isso no

entanto eles ocasionalmente construiacuteram e talvez mesmo descreveram algumas categorias

gramaticais

Naquilo que Apolocircnio Diacutescolo credita a Dioniacutesio Traacutecio pode-se detectar a

influecircncia linguiacutestica da tradiccedilatildeo estoica tambeacutem visiacutevel no que se credita a Tiracircnio que teria

escrito um tratado intitulado Peri merismou ton tou logou meron (lsquoSobre a anaacutelise das partes

da sentenccedilarsquo) O processo de evoluccedilatildeo teria levado a uma primeira codificaccedilatildeo por Trifo

(segunda metade do seacuteculo I aC) (muito citado por Apolocircnio Diacutescolo) que parece ter

rejeitado algumas classificaccedilotildees com vieacutes estoico e estabelecido as bases teoacutericas do sistema

alexandrino Depois de Trifo no entanto esta evoluccedilatildeo teria se prolongado por seacuteculos de

vacilaccedilatildeo e flutuaccedilatildeo ateacute atingir o sistema canocircnico com Apolocircnio Diacutescolo

Algo que fica evidente na histoacuteria desse desenvolvimento que perdura por cerca de 400 anos eacute que o papel desempenhado por Aristarco seus predecessores imediatos e seus contemporacircneos foi decisivo para a codificaccedilatildeo e estabelecimento de conceitos e terminologia concernente ao sistema da linguagem Este sistema foi entatildeo estudado em um niacutevel teoacuterico e gradualmente aperfeiccediloado no curso de uma longa tradiccedilatildeo de erudiccedilatildeo e pesquisa (PAGANI 2011 p 62)

Dioniacutesio define gramaacutetica como empeiria e natildeo tekhne mas veremos que o proacuteprio

Sexto (M 157-63) neutraliza a suposiccedilatildeo de que ele estivesse assim posicionando-se em

relaccedilatildeo a um debate entre empeiria e tekhne e teria considerado os termos equivalentes De

qualquer forma que ele use o termo empeiria poderia talvez refletir alguma influecircncia da

discussatildeo na medicina e talvez enfatizasse o procedimento metodoloacutegico da gramaacutetica com

base no conhecimento empiacuterico Mesmo que Dioniacutesio considerasse tal como parecem ter

considerado os proacuteprios meacutedicos empiacutericos que sua praacutetica era incontestavelmente uma

tekhne Seppaumlnen (2013 p 62) afirma que essa polecircmica eacute um indiacutecio de que a influecircncia da

filosofia particularmente estoica e peripateacutetica comeccedila a se fortalecer a partir da geraccedilatildeo de

Dioniacutesio e entatildeo a oposiccedilatildeo entre os conceitos de empeiria e tekhne se estabelece fazendo

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com que as geraccedilotildees seguintes os considerem conceitos diferentes e contraditoacuterios De forma

que o fato de Dioniacutesio ter usado aquele termo transforma-se num problema bastante seacuterio para

os comentadores da DThr (Sch DThr 165 16-24 e 448 22-25 por exemplo) que iratildeo

entatildeo considerar imprescindiacutevel justificar e explicar por que ele usou este termo Os

gramaacuteticos posteriores ver-se-atildeo compelidos portanto a lsquoconsertarrsquo o termo de Dioniacutesio em

suas proacuteprias definiccedilotildees de gramaacutetica159

1633 Analogistas x Anomalistas

A historiografia da gramaacutetica antiga moldou-a desde o iniacutecio em uma grande cisatildeo

que teria comeccedilado no seacuteculo II aC entre lsquofiloacutelogosrsquo alexandrinos seguidores de Aristarco

de Samotraacutecia proponentes da tese da lsquoanalogiarsquo ou regularidade linguiacutestica160 e do outro

lado os lsquocriacuteticosrsquo de Peacutergamo seguidores de Crates de Malos que teria atacado a lsquoanalogiarsquo e

argumentado que a linguagem se definia pela lsquoanomaliarsquo

A importacircncia do conflito entre analogistas e anomalistas largamente enfatizada com

base na obra de Varratildeo161 e Aulo Geacutelio162 foi primeiro colocada em perspectiva por Fehling

(1956) Fehling demonstrou que Crates teria simplesmente diminuiacutedo o papel da analogia

como criteacuterio do hellenismos (lsquocorreccedilatildeo linguiacutesticarsquo) e colocado sunetheia (lsquouso comumrsquo) em

seu lugar de forma que um tal conflito entre analogistas x anomalistas natildeo teria sequer

159 Como afirmou Seppaumlnen 2013 p 64 o debate sobre o status epistemoloacutegico das artes parece nunca ter ficado fora de moda Assim Filodemo usaraacute profiacutecua e fluentemente o vocabulaacuterio empiacuterico no seacutec I E Galeno (Subf Emp 88 18ss) diraacute que uma medicina estritamente empiacuterica conforma-se totalmente ao tiacutetulo de tekhne Dioniacutesio de Halicarnasso (c 60-7 aC) (Thuc 27) pensa que um criteacuterio irracional de valoraccedilatildeo esteacutetica julga o encanto da literatura mas um criteacuterio racional julga suas qualidades teacutecnicas Natildeo eacute a toa que a ambiguidade da natureza das artes provocara criacuteticas como a de Sexto Empiacuterico que se constroacutei com base no argumento de que os gramaacuteticos natildeo tecircm a miacutenima ideia do que estatildeo fazendo 160 Siebenborn (apud Seppaumlnen 2013 p 69) listou trecircs tipos de uso para a analogia gramatical 1) a simples comparaccedilatildeo de duas palavras nos casos em que haacute incertezas em relaccedilatildeo agrave ortografia prosoacutedia som ou flexatildeo 2) a analogia flexional e derivacional que na praacutetica eacute a compraccedilatildeo de ao menos dois itens lexicais baacutesicos e duas formas flexionadas ou derivadas (ktesis ndash ktasthai e kresis ndash krasthai por exemplo) que eacute a versatildeo extendida do primeiro tipo de analogia 3) Consultar kanones (lsquoregrasrsquo) que satildeo elaborados com base na mencionada analogia de quatro membros em casos em que um acidente gramatical natildeo estaacute claro (ortografia prosoacutedia ou flexatildeo) Tais procedimentos analoacutegicos satildeo mesmo utilizados como paracircmetro para se estabelecer a linha evolutiva da arte gramatical na Antiguidade Ver Pagani 2011 p 38ss 161 De Lingua Latina livros 8 e 9 especialmente 9 1 ver adiante 162 Noct Att 225 I-II especialmente 4 ldquoDois gramaacuteticos famosos Aristarco e Crates altamente experientes defenderam respectivamente analogia e anomaliardquo Fehling argumentou que esta passagem em Aulo Geacutelio eacute totalmente dependente daquela de Varratildeo (cf Blank 2005 p 211)

82

existido A questatildeo aqui entenda-se natildeo eacute demonstrar que natildeo existiu um debate acerca do

papel da analogia e da anomalia em relaccedilatildeo agrave elaboraccedilatildeo da metodologia lsquogramaticalrsquo este

debate certamente existiu mas que natildeo existiram lsquogramaacuteticos anomalistasrsquo no sentido de tais

gramaacuteticos teriam contraposto ao meacutetodo analogista um lsquomeacutetodo anomalistarsquo163 No De

Lingua Latina que foi usado como fonte principal para estabelecer este debate Varratildeo

estaria na verdade lidando com duas visotildees acerca da linguagem e natildeo do meacutetodo

gramatical Uma dessas visotildees seria que a linguagem eacute regulada por regras e teoria essa seria

propriamente a visatildeo dos gramaacuteticos em conjunto A outra visatildeo sobre a linguagem por sua

vez seria a de que falar sobre ela demanda somente a observaccedilatildeo do uso comum uma visatildeo

empiacuterica da linguagem O argumento diria respeito agrave abordagem do lsquofenocircmeno linguiacutesticorsquo de

um ponto de vista racionalista (gramatical) ou empirista

De um lado estariam os gramaacuteticos cujos estudos culminam na obra de Apolocircnio

Diacutescolo Apolocircnio sustenta que observaccedilotildees do uso linguiacutestico devem ser julgadas de acordo

com uma compreensatildeo teoacuterica do sistema linguiacutestico Para ele a existecircncia de um sistema

linguiacutestico garantiria nossa habilidade de julgar o que eacute correto e incorreto na linguagem

Jaacute que tais construccedilotildees como essas satildeo tatildeo oacutebvias algumas pessoas iratildeo pensar que podem observar a sintaxe correta mesmo se natildeo compreendem a razatildeo que haacute por traacutes dela Iratildeo experienciar algo similar agravequelas pessoas que aprendem as formas das palavras apenas a partir da experiecircncia mas natildeo a partir do poder explicativo do uso comprovado dos gregos e a analogia concomitante O que acontece com eles eacute que se eles erram em alguma forma natildeo estatildeo aptos a corrigir seu erro por causa da ignoracircncia que se origina da sua praacutetica (Sintaxe I 60 p 51 Iss Uhlig apud Blank p xxxv)

A criacutetica de Apolocircnio aqui parece ter por alvo algueacutem com uma visatildeo muito similar agrave que

Sexto iraacute elogiar em seu ataque agrave lsquoarte da correccedilatildeorsquo (M I 189ss) ou seja algueacutem com uma

espeacutecie de proposta lsquoempiacutericarsquo para a gramaacutetica que tenha defendido que o necessaacuterio para a

correccedilatildeo linguiacutestica pode ser alcanccedilado apenas atraveacutes da observaccedilatildeo do uso comum

Em sua contribuiccedilatildeo para esclarecer a questatildeo da suposta polecircmica analogistas x

anomalistas Blank (1994 p 151-153) argumentou que Crates natildeo poderia ser a fonte da

maioria dos argumentos contra a analogia presentes no livro 8 do De Lingua Latina de

Varratildeo164 tampouco seria ele a fonte do ataque de Sexto agrave lsquoarte da analogiarsquo165 O pesquisador

163 Cf Blank 2005 p 211 164 Varratildeo organizou seu De Lingua Latina da seguinte forma dividindo a lsquorazatildeo linguiacutesticarsquo (ratio) em lsquoimposiccedilatildeorsquo lsquoflexatildeorsquo e lsquocombinaccedilatildeorsquo escreveu para cada um dos dois primeiros toacutepicos quais sejam lsquoimposiccedilatildeorsquoestudo da etimologia e lsquoflexatildeorsquo estudo da analogia na flexatildeo-derivaccedilatildeo seis livros ndash os trecircs primeiros abordando a disciplina ela mesma (um com argumentos contra a disciplina outro

83

assevera (p xxxvi ss) que a fonte de Varratildeo seria um empiacuterico um epicurista ou um ceacutetico

que teria usado as posiccedilotildees de Aristarco e Crates por consideraacute-los igualmente gramaacuteticos e

colegas um do outro para montar um argumento a partir do desacordo (diaphonia) O

argumento seria se os representantes da analogia discordam na sua aplicaccedilatildeo entatildeo a

analogia eacute inuacutetil Pois diferente dos criteacuterios de antiguidade autoridade e uso a analogia (e

tambeacutem a etimologia) depende de uma teoria da linguagem sua aplicaccedilatildeo portanto pode

facilmente resultar em um conflito entre a forma teoricamente postulada como correta e

aquela que eacute comumente aceita166

A atitude lsquoempiacutericarsquo em prol da observaccedilatildeo do uso natildeo seria dessa forma a de um

lsquogramaacuteticorsquo nenhum deles muito menos um do porte de Crates O conflito descrito por

Varratildeo teria a mesma caracteriacutestica daquele que aparece em Sexto167 Ou seja nas palavras de

Blank (2005 p 212)

Um debate acerca da lsquotecnicidadersquo da gramaacutetica incluindo o status epistemoloacutegico de suas regras e sua utilidade para a vida O lado analogista era teacutecnico e racionalista sustentando que a linguagem era um sistema racional ordenado que poderia ser descrito e compreendido atraveacutes de regras precisas que levariam agrave soluccedilatildeo de questotildees que poderiam surgir no curso da leitura escrita e interpretaccedilatildeo O lado empiacuterico teria argumentado que nenhuma arte complexa da gramaacutetica poderia existir que as regras da gramaacutetica teacutecnica eram incoerentes e que tudo que eacute necessaacuterio eacute a habilidade de observar o uso comum e moldar sua praacutetica linguiacutestica de acordo com ele

com argumentos a favor da disciplina e o terceiro com sua exposiccedilatildeo) os outros trecircs livros satildeo acerca das aplicaccedilotildees da disciplina Provavelmente teria seguido o mesmo modelo na parte sobre a lsquocombinaccedilatildeorsquo sintaxe poreacutem com o dobro da extensatildeo somando os vinte e cinco livros totais Possuiacutemos os livros 5-10 em um manuscrito algo corrompido do seacuteculo onze e passagens que aparecem citadas em obras de outros pensadores Por muito tempo sugeriu-se que a fonte do primeiro livro sobre a flexatildeo o livro 8 com argumentos contra a existecircncia e adequabilidade de analogias na flexatildeo teria sido tomado agrave obra de Crates de Malos que foi por isso considerado um anti-analogista ou um lsquoanomalistarsquo Cf Blank 2005 Veremos na sequecircncia da exposiccedilatildeo argumentos que sugerem que esta leitura estaacute equivocada Fehling (apud Blank 2005 p 214) teria inclusive ironizado que apenas a perda dos livros 2-4 evitou que os historiadores da linguiacutestica postulassem um debate que teria se arrastado por mil anos entre lsquoEtymologistenrsquo und ndash wie soll ich sagen ndash lsquoAnti-Etymologistenrsquo (Etimologistas e ndash como deveria dizer ndash Anti-Etimologistas) 165 Sexto em M 1 176 diz que a correccedilatildeo a que se opotildee procede da analogia mas ele tambeacutem se refere diretamente agrave correccedilatildeo (hellenismos) como lsquoa arte da analogiarsquo (M 1 214 cf 179 e 199) 166 Ver Blank 2005 p 215 167 Aleacutem de outras sugerimos comparar entre o livro 8 do De Lingua Latina e o Contra os Gramaacuteticos respectivamente as passagens (27) e (50 176 191-3) (33) e (177-9) (34) e (237) (37-8) e (224-5)

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A par da famosa passagem geral no livro 9 do De Lingua Latina de Varratildeo que

introduz o argumento do analogista onde Crates eacute acusado de interpretar de forma

equivocada tanto o uso de lsquoanomaliarsquo por Criacutesipo quanto as intenccedilotildees de Aristarco ao

defender a lsquoanalogiarsquo (91)168 ndash passagem em que infelizmente natildeo fica claro qual era a

posiccedilatildeo de Crates169 ‒ Crates eacute citado por Varratildeo apenas em relaccedilatildeo a dois outros pontos O

primeiro estaacute relacionado agrave universalidade da analogia da declinaccedilatildeo nominal e o outro

envolve regras de definiccedilatildeo das classes de nomes dentro das quais deveriam aparecer as

mesmas formas para os casos Blank (p xxxvii) acredita que Crates e Aristarco satildeo citados

por terem divergido acerca do criteacuterio da analogia nominal e a fonte de Varratildeo teria usado o

desacordo entre eles para desacreditar seu projeto comum ldquoambas as menccedilotildees a Crates podem

ser interpretadas da mesma forma Crates diz que certas palavras satildeo similares e deveriam

declinar de forma anaacuteloga Aristarco teria contestado negando que tais palavras fossem

similares portanto a analogia natildeo deveria ser aplicada entre elasrdquo (BLANK 2005 p 232)170

Para reforccedilar sua tese de que os argumentos apresentados por Varratildeo natildeo provecircm de

um suposto projeto dogmaacutetico que pretende destruir a analogia e provar que a anomalia

deveria ser o princiacutepio diretriz de nosso comportamento ou praacutetica linguiacutestica171 Blank (p

xxxviii) enfatiza as seguintes passagens

168 ldquoFamoso erro eacute o daqueles que preferem ensinar o que natildeo sabem a aprender o que desconhecem neste erro caiu Crates um nobre gramaacutetico apoiado em Criacutesipo homem muito engenhoso que deixou trecircs livros lsquoSobre Anomaliasrsquo se pocircs contra a analogia e contra Aristarco mas como indicam seus escritos parece natildeo ter compreendido a intenccedilatildeo de nenhum deles Pois Criacutesipo quando escreve sobre a desigualdade nos discursos tem o propoacutesito de mostrar que coisas parecidas satildeo denotadas por palavras diferentes e que coisas diferentes satildeo denotadas por vocaacutebulos parecidos o que eacute verdade e Aristarco quando escreve sobre a regularidade [nos discursos] ordena seguir certa semelhanccedila das palavras na sua mudanccedila como permite o usordquo (Trad Valenza 2010 com alteraccedilotildees) 169 ldquoParece que Crates de alguma forma usou a lsquodescobertarsquo de Criacutesipo de uma correspondecircncia imperfeita entre expressatildeo e significado (lsquoanomaliarsquo) contra os argumentos de Aristarco a favor da regularidade (lsquoanalogiarsquo) na flexatildeo e derivaccedilatildeo - desde que formas teoricamente corretas natildeo estivessem em conflito com formas estabelecidas pelo uso Talvez Crates estivesse simplesmente se referindo aos trecircs livros de Criacutesipo sobre a anomalia como se aiacute estivesse estabelecido que o papel da razatildeo em questotildees linguiacutesticas morfoloacutegicas e semacircnticas era limitadordquo Blank p xxxvi A sugestatildeo eacute que Varratildeo pode natildeo ter percebido que Crates natildeo era na verdade um protagonista no debate mas que teria sido citado como um exemplo Ver Blank 2005 p 211 170 Sobre uma anaacutelise dos criteacuterios para a similaridade ver Siebenborn 1976 A interpretaccedilatildeo de Blank (2005) seguindo os argumentos de Fehling eacute que Crates na verdade seria um proponente da extensatildeo do criteacuterio do uso comum pois formas similares natildeo se comportam de forma anaacuteloga enquanto Aristarco diria que as formas supostas natildeo eram similares portanto natildeo iriacuteamos mesmo encontrar analogia entre elas 171 Vale a pena ressaltar que a par do tratado de Criacutesipo que possui outro vieacutes natildeo haacute qualquer menccedilatildeo agrave existecircncia de um tratado lsquogramaticalrsquo cujo tiacutetulo remeta agrave lsquoanomaliarsquo tal como estatildeo atestados vaacuterios sobre o lsquohelenismorsquo lsquolatinidadersquo e lsquoanalogiarsquo Cf Blank 2005 p 215 n 19

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Em diversos momentos a fonte de Varratildeo mostra sua cara Um eacute a caracterizaccedilatildeo da regra de Aristarco sobre o vocativo como lsquovergonhosarsquo (impudenter) junto com a espirituosa referecircncia aos gecircmeos cocircmicos (841-42 e 9 43)172 Outro eacute o argumento se a analogia estaacute no discurso estaacute ou em parte dele ou em todo ele natildeo estaacute em todo ele e estando somente em parte dele natildeo eacute suficiente ‒ tal como natildeo eacute suficiente ter os dentes brancos para um etiacuteope ser branco logo natildeo haacute analogia no discurso (8 38) Esta eacute claramente uma versatildeo (ligeiramente truncada) de um argumento ceacutetico tal como o proacuteximo ponto (em que se fala dos gecircmeos) Jaacute que aqueles que satildeo a favor das analogias estatildeo confusos sobre onde deve ser encontrada a similaridade (se na forma ou no significado das palavras) e sobre como estabelecer sua ausecircncia ou presenccedila entatildeo eles natildeo possuem qualquer autoridade ou competecircncia nestas mateacuterias e natildeo se deve segui-los (839) A mesma conclusatildeo se repete ao fim desta seccedilatildeo lsquoEntatildeo jaacute que eles natildeo sabem como a similaridade deve ser entendida eles natildeo estatildeo aptos a falar sobre analogiarsquo (843) Note que cada um destes pontos foi colocado para mostrar que lsquonatildeo haacute analogia no discursorsquo ou que lsquonatildeo devemos seguir a regularidadersquo (por exemplo 833 35 37 38)173

Aleacutem disso e sustentando a hipoacutetese de que Crates e Aristarco foram criticados por sua

divergecircncia em relaccedilatildeo agrave aplicaccedilatildeo do criteacuterio da analogia dentro de um projeto comum de

meacutetodo gramatical ao final do livro 9 do De Lingua Latina temos aparentemente a resposta

a um argumento padratildeo construiacutedo com base na diaphonia

Sobre o uacuteltimo ponto no livro precedente de que a analogia natildeo existe porque aqueles que escreveram sobre ela natildeo estatildeo de acordo uns com os outros ou porque aquilo em que concordam natildeo estaacute de acordo com o uso comum (consuetudo) ambos os pontos ltsatildeo insignificantesgt Pois se assim fosse deveriacuteamos rejeitar todas as artes jaacute que os escritores discordam na medicina na muacutesica e em muitas outras artes O mesmo eacute verdade para os pontos em que os escritores concordam se a natureza (natura) nega estes pontos natildeo se deveria culpar a arte mas o lsquoartistarsquo‒ deveriacuteamos dizer que ele natildeo revelou a verdade em seus escritos natildeo que a verdade natildeo pode ser descrita Pois assim como algueacutem diz [no ablativo] monti e fonti enquanto outros dizem monte e fonte e outras palavras que tambeacutem satildeo ditas de dois modos se um modo eacute verdadeiro e outro falso natildeo eacute o caso de que a analogia vai ser destruiacuteda por aquele que erra enquanto aquele que fala corretamente a afirma Mas assim como aquele que erra nestas palavras quando elas possuem duas maneiras de ser ditas natildeo destroacutei a racionalidade por seguir o que eacute falso assim tambeacutem ocorre com aquelas que natildeo satildeo ditas de dois modos se algueacutem pensa que elas satildeo ditas diferentemente de como

172 Aristarco teria insistido que para se estabelecer uma classe de nomes similares a similaridade no nominativo deveria ser reforccedilada pela similaridade no vocativo Varratildeo afirma que este procedimento eacute tatildeo tolo quanto insistir em comparar os filhos dos gecircmeos de Menecmo (uma comeacutedia de Plauto) antes de se admitir que os gecircmeos seriam eles mesmos idecircnticos (nota nossa) 173 Para um argumentaccedilatildeo mais detalhada ver Blank 2005 p 223 ss

86

devem ser natildeo destroacutei a ciecircncia do discurso mas expotildee sua proacutepria falta de conhecimento cientiacutefico (De Lingua Latina 9 111-112) (traduccedilatildeo nossa)174

A resposta de Varratildeo comprovaria que ele estaacute se referindo a um argumento geral do

desacordo aplicado agrave gramaacutetica o qual encontra em Aristarco e Crates evidecircncia de dois

eminentes gramaacuteticos discordando acerca da extensatildeo da analogia e de como suas regras

deveriam ser formuladas e aplicadas De fato dificilmente poderiacuteamos sustentar que as

atitudes que Varratildeo atribui em geral a seu lsquoanti-analogistarsquo seriam caracteriacutesticas de Crates

tais como sustentar que o uso eacute tudo que eacute necessaacuterio para falar corretamente que claridade e

brevidade satildeo as uacutenicas virtudes do discurso que eacute inuacutetil e prejudicial seguir investigando

acerca de questotildees linguiacutesticas uma vez que jaacute tivermos adaptado nosso uso ao uso linguiacutestico

da comunidade e que o criteacuterio racional para a analogia e etimologia deveria ser rejeitado se

algueacutem quisesse falar corretamente175

Talvez isso natildeo seja suficiente para identificar a fonte de Varratildeo como um epicurista

mas possuiacutemos outro relato independente de um ataque epicurista ao helenismo como arte da

correccedilatildeo linguiacutestica No quarto livro de sua Retoacuterica (PHerc 1423 cols I ss) Filodemo

inclui uma discussatildeo do estilo (leksis) na qual os lsquosofistasrsquo ou retoacutericos satildeo criticados por

estabelecerem regras (thematizein) arbitraacuterias do estilo que eles natildeo seguem de verdade e que

satildeo em todo caso desnecessaacuterias em vista do fato de que haacute apenas um modo naturalmente

bom de falar (heis phusikos kalos logos col 7 7-8) ou seja o estilo claro e simples Um dos

toacutepicos mencionados eacute o lsquohelenismorsquo o uso correto do grego (II 412-13)

Agora em relaccedilatildeo ao estilo grego (he Hellenike hermeneia) que alguns dizem consistir em manter as particularidades dos vaacuterios dialetos (tas ethnikas te phulattein idiotetas) e evitar solecismo e barbarismo (alguns referem-se agrave natildeo observaccedilatildeo de particularidades eacutetnicas como lsquosolecismorsquo outros pensam que falar de uma maneira distinta do uso comum em relaccedilatildeo agrave aspiraccedilatildeo natildeo aspiraccedilatildeo ou nos acentos eacute lsquobarbarismorsquo) neste momento natildeo eacute oportuno acrescentar nada basta dizer que os sofistas fizeram o levantamento de muitos solecismos em todos os livros ndash de qualquer forma coloquei este capiacutetulo mais adiante Mesmo assim esse tipo de estilo natildeo possui uma arte tal como eles reivindicam e tal como muitos elaboraram para outros estudos (apud Blank p xl)

Eacute o mesmo que afirma Sexto natildeo haacute uma tekhne relativa ao helenismo (M 1 179 180 193)

174 Ver Blank xxxviii e Blank 2005 p 233-234 Comparar a passagem citada com M 1 170 173 178 e 195 175 Blank 2005 p 221-222

87

Eacute difiacutecil dizer quatildeo confiacuteavel eacute o testemunho de Maximus Planudes quando ele diz

que Epicuro afirmou que ldquoa natureza eacute quem corrige os discursos e natildeo a arterdquo ndash mas este

testemunho estaria de acordo com o panorama do qual damos mais informaccedilotildees na

sequecircncia176

16331 Gramaacutetica Empiacuterica

Eacute preciso ainda esclarecer alguns pontos acerca da seccedilatildeo anterior Diferente do que

foi de fato o caso com a arte meacutedica natildeo houve uma lsquoescola empiacuterica de gramaacuteticarsquo Os

argumentos que supotildeem uma visatildeo empiacuterica da correccedilatildeo linguiacutestica satildeo oriundos de um

ambiente de disputas filosoacuteficas interconectadas com a tradiccedilatildeo dessas discussotildees na

medicina177 Eacute justo afirmar que tais argumentos provavelmente teriam exercido certa

influecircncia sobre a praacutetica de alguns gramaacuteticos no entanto eles concernem agrave lsquonatildeo-existecircnciarsquo

e inutilidade da arte gramatical in totum Ou seja eles visam a tekhne grammatike enquanto

tekhne A habilidade gramatical que pode ser lsquodefendidarsquo eacute a lsquonatildeo-gramaacuteticarsquo ie a

lsquogramatiacutesticarsquo A discussatildeo dentro do ambiente gramatical acerca de seu status como tekhne

ou empeiria em nenhum momento sugere que fossem totalmente descartados os criteacuterios

racionais mas somente discute as limitaccedilotildees de sua aplicaccedilatildeo178

Poderiacuteamos mesmo sustentar que a observaccedilatildeo do uso comum ou do uso de autores

consagrados deveria ser a base de qualquer projeto que versasse a boa expressatildeo escrita ou

falada E a observaccedilatildeo do uso eacute realmente a base da gramaacutetica ou filologia antiga O que estaacute

em jogo de acordo com a leitura que estamos defendendo aqui diz respeito na verdade agrave

compreensatildeo ou pretensatildeo de gramaacuteticos e filoacutelogos de que o que eles praticam eacute uma arte

ou ciecircncia (tekhne) um conhecimento sistemaacutetico e universal Tal que faria parte do seu

sistema regras e uma metodologia de aplicaccedilatildeo por meio das quais todos ou quase todos os

casos ou problemas poderiam ser regulados logo neste caso a observaccedilatildeo do uso natildeo seria

suficiente Natildeo temos qualquer indiacutecio de que tenha havido uma corrente ou escola gramatical

176 Blank p xl 177 ldquoEnquanto houve claramente divergecircncias entre os gramaacuteticos sobre o modo em que as regras e criteacuterios gramaticais deveriam ser empregados os empiacutericos evidentemente natildeo foram gramaacuteticos antes devemos contaacute-los entre epicuristas ceacuteticos pirrocircnicos e provavelmente acadecircmicosrdquo Blank 2005 p 215 178 Por exemplo Sch DThr [Vat] 165 166ss ver Blank 2005 p 217

88

baseada somente em princiacutepios empiacutericos observaccedilatildeo do uso pesquisa em fontes anteriores

e transiccedilatildeo ao similar e que desprezasse um meacutetodo racionalista179

17 CONTRA OS GRAMAacuteTICOS

Sexto afirma no princiacutepio da lsquoIntroduccedilatildeorsquo ao Contra os Professores (M 11-7) que

tanto epicuristas quanto pirrocircnicos propuseram ainda que por motivos diferentes180 contra-

argumentos aos especialistas nas tekhnai Ele como pirrocircnico diz que iraacute tentar lsquosem espiacuterito

de rivalidadersquo (khoris philoneikias) escolher e expor os argumentos que lsquoefetivamentersquo

(pragmatikos) depotildeem contra as disciplinas Tudo indica que esteja afirmando que iraacute

incorporar argumentos ceacuteticos ou epicuristas evitando uma postura dogmaacutetica (tanto por natildeo

descartar os argumentos dogmaacuteticos a priori quanto no enquadramento que lhes confere)

A argumentaccedilatildeo de Sexto contra os elementos do ensino em sua lsquoIntroduccedilatildeorsquo eacute

como mencionamos antes tipicamente ceacutetica e encontra paralelo em outras obras sextianas

(PH 3 250 ss M 11 168 ss) Por outro lado o ataque especiacutefico a cada arte conteacutem muito

material de origem epicurista e embora Sexto realmente se aproprie deste material por vezes

ele faz questatildeo de distinguir sua procedecircncia Tais distinccedilotildees satildeo feitas geralmente quando

os argumentos se assentam sobre premissas dogmaacuteticas ou quando violam o espiacuterico ceacutetico

como por exemplo quando os argumentos contra a gramaacutetica satildeo direcionados em primeiro

lugar contra a proacutepria poesia pois os pirrocircnicos se recusam a atacar a poesia (M 1 278 299)

Muitos argumentos revelam supomos um vieacutes epicurista mas Sexto natildeo os diferencia o que

poderia sugerir que estes argumentos natildeo violam o espiacuterito ceacutetico ou estatildeo mesmo de acordo

com ele181

Um exemplo muito claro da alternacircncia de Sexto entre argumentos ceacuteticos e

epicuristas e o uso desta alternacircncia como um princiacutepio estrutural eacute o sexto e uacuteltimo livro

Contra os Muacutesicos Sexto adverte (M 6 4-6) que lsquotal como no caso da gramaacuteticarsquo o primeiro

179 Blank 2005 p 216 ldquoVer Herodiano que diz (90918 Lentz) lsquosejam as palavras raras ou comuns seratildeo conhecidas pela analogia que produz prediccedilotildees sobre qualquer palavra grega e com sua arte conteacutem como uma rede a muacuteltipla expressatildeo da linguagem humanarsquordquo 180 Sexto caracteriza a gramaacutetica alvo de seu ataque como aquela que se ocupa da natureza de sons e letras Epicuro que possuiacutea suas proacuteprias teorias acerca da natureza e invenccedilatildeo da linguagem (Carta a Heroacutedoto 37-8 75-6) natildeo deve ter atacado a gramaacutetica com base nisso O ataque epicurista eacute a princiacutepio motivado pela pretensatildeo das artes de equiparar-se agrave filosofia Ver Blank 1995 p 184-185 Sobre as ideias de Epicuro acerca da origem da linguagem ver o artigo bastante completo de Verlinsky 2005 181 Blank xliv

89

tipo de ataque agrave teoria musical eacute feito de forma lsquobastante dogmaacuteticarsquo Tal polecircmica ver-se-aacute

eacute epicurista o estudo da teoria musical natildeo contribui para a felicidade e eacute na verdade

prejudicial Os argumentos desta seccedilatildeo (7-37) apresentam inclusive semelhanccedilas verbais

com o tratado do epicurista Filodemo de Gaacutedara Sobre a Muacutesica182 A segunda polecircmica no

entanto eacute pirrocircnica a lsquodestruiccedilatildeo da muacutesicarsquo resultaraacute das aporias ceacuteticas direcionadas a suas

hipoacuteteses teoacutericas fundamentais e depende do que Sexto chama de uma investigaccedilatildeo lsquomais

efetivarsquo (pragmatikotera) mais relacionada agrave teoria musical ela proacutepria que aos efeitos da

muacutesica (38) Sexto ataca melodia e ritmo a partir das noccedilotildees de som tom e ritmo usando

argumentos contra intervalos alto baixo e homoacutefono dissonante e consonate tons longos e

curtos e tempo ndash jaacute utilizados em M 10 169-247 Com tais argumentos lsquoefetivosrsquo

(pragmatikos) dirigidos contra os princiacutepios da muacutesica (68) Sexto daacute por encerrada sua

exposiccedilatildeo contra as disciplinas183

A afirmaccedilatildeo de Sexto de que haacute dois tipos de polecircmica (M 6 4-6) dogmaacutetica e

aporeacutetica tais que se revelam epicurista e ceacutetica lsquocomo foi o caso com a gramaacuteticarsquo reitera a

divisatildeo em argumentos ceacuteticos e epicuristas como um princiacutepio estrutural seguido tambeacutem no

Contra os Gramaacuteticos Assim uma longa seccedilatildeo de M 1 eacute atribuiacuteda por Sexto a lsquooutros

especialmente os epicuristasrsquo (M 1 299) Esta seccedilatildeo (277-298) conteacutem a primeira parte do

ataque de Sexto agrave parte da gramaacutetica que trata dos poetas Na sequecircncia o ataque segue uma

orientaccedilatildeo diferente (299-320) Sexto natildeo critica a poesia ela mesma seu alvo eacute a ignoracircncia

dos gramaacuteticos acerca tanto das palavras usadas na poesia como de seus significados Esta

segunda parte do ataque Sexto descreve como uma refutaccedilatildeo ceacutetica (299) As seccedilotildees se

dividem da maneira jaacute indicada por Sexto a reacuteplica epicurista contesta a utilidade da poesia e

da poeacutetica para a lsquofelicidadersquo o ataque ceacutetico por sua vez mira nos princiacutepios fundamentais e

nos teoremas do gramaacutetico A contra-argumentaccedilatildeo de vieacutes epicurista segue ponto por ponto

os argumentos que foram antes mencionados em defesa da utilidade desta parte da gramaacutetica

(270-6)

O padratildeo geral de Sexto eacute a exposiccedilatildeo da posiccedilatildeo sustentada pelos gramaacuteticos

acerca de uma determinada questatildeo seguida pela criacutetica desta posiccedilatildeo O mesmo padratildeo que

segue no Contra os Muacutesicos Seu livro mimetiza a estrutura de um tratado gramatical

definiccedilatildeo de gramaacutetica divisatildeo em partes discussatildeo de cada uma das partes Tal como

apontou Blank (p xlv) transparece na estrutura da argumentaccedilatildeo que o tratado subjacente agrave

182 Sobre isso e sobre o Contra os Muacutesicos em geral ver Roeder 2013 183 Cf Blank xlii-xliv

90

criacutetica poderia ser aquele de Asclepiacuteades de Mirleia Este gramaacutetico eacute citado (47) para a

etimologia da palavra lsquogramaacuteticarsquo a partir de gramma no sentido de lsquoobra literaacuteriarsquo De

acordo com Asclepiacuteades o domiacutenio da lsquogramaacuteticarsquo eacute a literatura184 Tambeacutem eacute sua a definiccedilatildeo

de gramaacutetica que critica aquela dada por Dioniacutesio Traacutecio e pretende aprimoraacute-la (72-75) A

divisatildeo da gramaacutetica em trecircs partes lsquohistoacuterica teacutecnica e especialrsquo (91) escolhida por Sexto

como ponto de partida para sua discussatildeo parece ser uma adaptaccedilatildeo da triparticcedilatildeo de

Asclepiacuteades em lsquoteacutecnica histoacuterica e gramaticalrsquo citada em sect 252 Aleacutem disso Sexto usa

como base para sua criacutetica da lsquoparte histoacutericarsquo a descriccedilatildeo e estruturaccedilatildeo atribuiacuteda a

Asclepiacuteades (252) Com isso poderiacuteamos inferir que o tratado de Asclepiacuteades seria em

uacuteltima anaacutelise a origem das seccedilotildees de M 1 que expotildeem a tekhne gramatical185

Asclepiacuteades foi famoso na Antiguidade por seu tratado acerca da taccedila de Nestor

(Iliacuteada 11 632 ss) interpretando-a como uma representaccedilatildeo da esfera celestial186 Com base

neste livro que critica Dioniacutesio Traacutecio e outros alexandrinos e em sua teoria da esfera

celestial Asclepiacuteades foi associado a Crates de Malos e agrave Escola de Peacutergamo Mas ele teria

tambeacutem criticado Crates Suas pesquisas sobre astronomia transparecem em sua obra Sobre a

Esfera Baacuterbara onde explica mitos associados agraves figuras zodiacais Escreveu sobre a Iliacuteada e

a Odisseia tal como provavelmente todos os gramaacuteticos heleniacutesticos antes dele talvez tenha

escrito tambeacutem sobre Piacutendaro e Teoacutecrito e em todos os seus livros parece ter citado muita

poesia heleniacutestica Asclepiacuteades tambeacutem escreveu dez ou mais livros sobre a Bitiacutenia (seu paiacutes

de origem) explicando mitos e lendas dessa aacuterea e um Guia dos Povos da Turdetacircnia que

foi usado por Estrabatildeo uma revisatildeo da histoacuteria miacutetica das relaccedilotildees hispano-grecas

Finalmente ele eacute o autor do livro Sobre Gramaacutetica cujo tiacutetulo eacute citado por Sexto em sect 252

presumivelmente tambeacutem o lugar de onde proveacutem as outras citaccedilotildees sect 47 e sect 91 Tal livro

parece ter sido utilizado tambeacutem por Quintiliano em De Oratore e com base nas passagens

184 Tal reivindicaccedilatildeo de Asclepiacuteades por um lado reafirma o status da gramaacutetica lsquocompletarsquo frente agravequela lsquomenorrsquo a lsquogramatiacutesticarsquo que teria mesmo perdido o direito de chamar-se lsquogramaacuteticarsquo mas por outro lado talvez ele estivesse reagindo agrave especializaccedilatildeo da gramaacutetica lsquoteacutecnicarsquo que conforme indicamos no relato histoacuterico do desenvolvimento da gramaacutetica comeccedila a despontar como campo independente da lsquofilologiarsquo por volta da eacutepoca em que Asclepiacuteades teria atuado comeccedilo do seacuteculo I aC Sexto no entanto natildeo faz qualquer menccedilatildeo de que a gramaacutetica pudesse ser entendida como estando desvinculada do estudo da literatura Di Benedetto (p 399) aponta a definiccedilatildeo de Asclepiacuteades em polecircmica com a de Dioniacutesio Traacutecio como indiacutecio de que neste momento depois de Dioniacutesio a gramaacutetica teacutecnica desponta como estudo especializado ainda vinculado agrave filologia mas doravante seguindo um desenvolvimento proacuteprio 185 Blank p xlv 186 Sobre Asclepiacuteades ver Pagani 2007

91

similares em Sexto e Quintiliano e em menor medida em Dioniacutesio de Halicarnasso pode-se

ter uma ideia de seu conteuacutedo

Sexto no entanto natildeo parece ter utilizado diretamente o tratado de Asclepiacuteades As

exposiccedilotildees das partes de seu sistema gramatical estatildeo em geral conectadas a refutaccedilotildees de

vieacutes epicurista com isso tanto exposiccedilatildeo quanto refutaccedilatildeo foram provavelmente retiradas de

uma mesma fonte Com base nisso poderiacuteamos concluir tal como faz Blank (p xlvii) que a

fonte de Sexto seria um tratado epicurista que critica e ataca o Sobre a Gramaacutetica de

Asclepiacuteades

Cada um dos toacutepicos apresenta excertos de maior ou menor extensatildeo provenientes

iraacute afirmar Blank (ibidem) da obra de Asclepiacuteades seguidos ou imediatamente ou depois de

uma exposiccedilatildeo completa por uma refutaccedilatildeo que visa demonstrar que a gramaacutetica natildeo eacute uma

tekhne e natildeo eacute uacutetil Esta teacutecnica de excerto e criacutetica eacute comum agraves obras de Filodemo Sobre os

poemas Sobre a muacutesica e Sobre a retoacuterica Natildeo temos conhecimento de nenhuma obra de

Filodemo acerca da gramaacutetica mas eacute plausiacutevel que a fonte de Sexto fosse algum tratado como

os de Filodemo ou de seu mestre Zenatildeo de Siacutedon (c 150-75 aC) que eacute conhecido por ter

usado um formato similar em suas obras Filodemo (PHerc 1005 col 10 9-21 = fr 12

Angeli-Colaizzo apud Blank p xvii) afirma que Zenatildeo ldquorespondia agraves objeccedilotildees contra a

doutrina (logos) e modo de vida dos seguidores de Epicuro por meio daquilo mesmo que

estava em seus livros coletando muitiacutessimas evidecircncias sobre cada ponto como ele fez em

seu Sobre a Gramaacutetica Sobre a Histoacuteria Sobre Proveacuterbios e Similares Sobre a Expressatildeo

Sobre o Uso dos Poemas e Sobre a Piedaderdquo187 De forma que eacute razoaacutevel supor que teria

reunido nestas obras as informaccedilotildees que os epicuristas usavam para construir seus ataques agrave

lsquogramaacuteticarsquo quais sejam o trabalho dos filoacutelogos alexandrinos e dos criacuteticos de Peacutergamo eacute

inuacutetil todos devem aprender a ler e escrever e falar corretamente de acordo com os costumes

correntes um processo que natildeo depende e natildeo necessita de teoria gramatical somente os

filoacutesofos podem realizar a elucidaccedilatildeo dos textos filosoacuteficos188

A seccedilatildeo explicitamente marcada como epicurista natildeo seria portanto a uacutenica a conter

elementos epicuristas a exposiccedilatildeo da teoria gramatical e as citaccedilotildees dos gramaacuteticos teriam

origem na mesma fonte da qual proviria tambeacutem uma refutaccedilatildeo epicurista a cada uma das

doutrinas gramaticais Blank (ibidem) relaciona a referecircncia cruzada presente em M 6 30

187 Note que todos os tiacutetulos listados encontram eco na argumentaccedilatildeo sextiana gramaacutetica teacutecnica lsquohistoacuteriarsquo papel da gramaacutetica na explicaccedilatildeo da poesia tratamento poeacutetico dos deuses 188 Cf frs 13-14 Angeli-Colaizzo apud Blank p xlvii Infelizmente natildeo obtivemos acesso aos fragmentos presentes nesta publicaccedilatildeo de Angeli e Colaizzo

92

(onde a reivindicaccedilatildeo de que se deve estudar a teoria musical porque ldquoseus elementos satildeo os

mesmos que aqueles das coisas estudadas pela filosofiardquo eacute comparada com lsquotal como

dissemos antes a respeito da gramaacuteticarsquo) com a abertura da seccedilatildeo inicial de M 1 e sua

afirmaccedilatildeo de que a gramaacutetica eacute a mais pretensiosa das ciecircncias pois vai tatildeo longe a ponto de

prometer o que prometem as Sereias ldquoensinar o que eacuterdquo (41-42)189 Com tal aproximaccedilatildeo

Blank conclui que assim como aquela passagem no Contra os Muacutesicos deriva de uma fonte

epicurista o mesmo deve ser verdade em relaccedilatildeo agrave passagem sobre a gramaacutetica agrave qual faz

referecircncia Teriam origem epicurista exceto pela discussatildeo a respeito de Tiacutemon em sect 53-55

supotildee Blank tambeacutem as passagens seguintes (44-56) que diferenciam o estudo gramatical

uacutetil do ler e escrever de um estudo especializado inuacutetil jaacute que cita Asclepiacuteades e conteacutem uma

longa citaccedilatildeo de Epicuro (49-53)

Aleacutem destas passagems e tambeacutem sect 210-299 para as quais haacute evidecircncia

positivamente compatiacutevel com o epicurismo os argumentos de vieacutes epicurista seriam mais

difiacuteceis de localizar Blank (p xlviii) reitera que uma obra epicurista teria sido usada como

fonte para a doutrina gramatical a ser criticada mas de fato natildeo eacute sempre claro se os

argumentos que Sexto oferece contra a doutrina gramatical satildeo seus ou desta fonte epicurista

No tratamento das definiccedilotildees de gramaacutetica (57-89) haveria por exemplo perceptivelmente

trecircs vozes Asclepiacuteades que primeiro reportou e aperfeiccediloou tais definiccedilotildees a suposta fonte

epicurista e o proacuteprio Sexto Ademais em nenhum lugar em M 1-6 pode-se dizer com certeza

se Sexto estaria ou natildeo seguindo um predecessor pirrocircnico tal como Enesidemo Sua alusatildeo

aos lsquoseguidores de Pirrorsquo em sect 1 provavelmente deve ser lida como uma indicaccedilatildeo de que ele

tinha ao menos uma fonte pirrocircnica para a discussatildeo de sect 1-38 assim tambeacutem em relaccedilatildeo a M

6 5 Blank (p xlix) admite que o esquema interpretativo que tenta delinear eacute barrado pelas

proacuteprias complexidades do texto que traz por exemplo lado a lado uma citaccedilatildeo do

epicurista Metrodoro e uma referecircncia cruzada a uma passagem do proacuteprio Sexto (61)

Poderiacuteamos considerar a partir de M 6 4-5 que uma polecircmica epicurista ou

dogmaacutetica visa demonstrar que uma arte ou estudo natildeo eacute uacutetil para a felicidade mas

prejudicial por meio do ataque e destruiccedilatildeo dos argumentos principais dos estudiosos

enquanto a refutaccedilatildeo aporeacutetica evita tal meacutetodo e pretende destruir toda a disciplina pelo

ataque direcionado a suas hipoacuteteses Os epicuristas atacariam entatildeo no ponto da utilidade e

assim anulariam qualquer reivindicaccedilatildeo agrave tekhne De forma que seus argumentos seriam

189 Por outro lado esta referecircncia poderia ser agrave passagem em sect 72 onde Sexto menciona a afirmaccedilatildeo de Asclepiacuteades de que a gramaacutetica eacute uma arte como a muacutesica e a filosofia

93

portanto aqueles que comeccedilam com as declaraccedilotildees ou apologias feitas em nome da lsquoartersquo

eou aqueles que concluem que ela eacute inuacutetil ou natildeo eacute uma tekhne Os ceacuteticos por sua vez se

ocupariam dos princiacutepios mais importantes ndash definiccedilotildees teoremas hipoacuteteses ndash da tekhne e

demonstrariam que eles satildeo incoerentes ou insubsistentes Seguindo este princiacutepio de

diferenciaccedilatildeo teriacuteamos que a seccedilatildeo geral sect 9- 40 seria inteira de origem pirrocircnica O mesmo

pode ser dito acerca do objetivo abrangente da polecircmica especiacutefica contra a teoria gramatical

que visa mostrar que a lsquogramaacutetica na concepccedilatildeo dos gramaacuteticos eacute insubsistentersquo (90 e 96)

bem como o cenaacuterio de discussatildeo de duas das partes da gramaacutetica a teacutecnica (insubsistente

247) e a histoacuterica (inconsistente 269) (a impossibilidade da exposiccedilatildeo teacutecnica e da parte

histoacuterica (270)) Aleacutem disso os ataques contra as entidades postuladas pela parte teacutecnica da

gramaacutetica seriam ceacuteticos os gramaacuteticos natildeo possuem elementos ou primeiros princiacutepios

(letras 99 120) natildeo existe algo como uma siacutelaba longa ou breve (126 130) eacute impossiacutevel que

exista a palavra (131) a sentenccedila e suas partes natildeo existem (138 140 158) a divisatildeo da

sentenccedila em partes eacute impossiacutevel (161 164 168) Obviamente se consideramos que a fonte

epicurista que reporta as doutrinas supostamente de Asclepiacuteades tambeacutem as critica eacute

provaacutevel que Sexto tenha incorporado alguns argumentos desta fonte em seu proacuteprio

tratamento190

Permanece duacutebia a anaacutelise da natureza de algumas seccedilotildees do ataque contra a parte

teacutecnica em que a natildeo-subsistecircncia de seu objeto natildeo parece ser o alvo Em particular a

discussatildeo da ortografia (169-175) do helenismo (176-240) e da etimologia (241-7) todas

concluem que para falarmos corretamente natildeo precisamos seguir nenhum criteacuterio teacutecnico

mas moldarmo-nos ao uso comum de forma que o criteacuterio teacutecnico bem como todos os

toacutepicos de gramaacutetica teacutecnica satildeo inuacuteteis Apesar da presenccedila constante da noccedilatildeo de utilidade

nestas seccedilotildees noccedilatildeo esta que estaacute ausente das discussotildees preacutevias sobre os constituintes da

parte teacutecnica da gramaacutetica Blank (p l) mostra-se relutante em conferir-lhes uma origem

epicurista e somos levados a concordar com seu posicionamento Pois se estaacute claro que

existem precedentes epicuristas para estas discussotildees por outro lado seu tratamento tem

muito em comum com outros toacutepicos em Sexto especialmente em relaccedilatildeo ao lsquocriteacuterio

praacuteticorsquo que apresentamos antes e faz uso de termos caracteriacutesticos de Sexto como simples

(apheles 153 179 232) e natildeo-teacutecnico (atekhnos 153 180 181 183 219) Destas trecircs seccedilotildees

mencionadas somente aquela sobre ortografia comeccedila com uma exposiccedilatildeo da respectiva

doutrina gramatical sugerindo o uso da fonte epicurista enquanto as outras duas comeccedilam

190 Cf Blank p xlix

94

diretamente com a refutaccedilatildeo A seccedilatildeo sobre helenismo no entanto inclui uma discussatildeo da

visatildeo do pupilo de Aristarco Pindaacuterio junto com uma refutaccedilatildeo do lsquoque os gramaacuteticos dizemrsquo

que em sua maior parte lida com definiccedilotildees de barbarismo e solecismo (209-16)

respondidas por Sexto (230-235) ndash essas passagens provavelmente exigiram uma fonte

gramatical que poderia ter sido o suposto ataque epicurista agrave gramaacutetica de Asclepiacuteades

conforme a argumentaccedilatildeo acima

171 As partes da Gramaacutetica no Contra os Gramaacuteticos

Dioniacutesio Traacutecio de acordo com Sexto Empiacuterico (M 1 250) listou seis partes da

gramaacutetica

Dioniacutesio Traacutecio quando diz que a gramaacutetica tem seis partes agraves quais nos referimos mais acima de forma geneacuterica como trecircs inclui a parte lsquohistoacutericarsquo entre elas Pois diz que as partes da gramaacutetica satildeo a leitura treinada (entribes) de acordo com a prosoacutedia a interpretaccedilatildeo de acordo com as figuras poeacuteticas presentes explicaccedilatildeo de palavras e histoacuterias a descoberta das etimologias o estabelecimento das analogias e a criacutetica dos poemas

As partes parecem estar listadas de acordo com a ordem em que se procedia agrave anaacutelise

filoloacutegica da obra literaacuteria 1) lsquoreconhecimentorsquo das qualidades do discurso que natildeo estavam

graficamente marcadas ndash fronteira de palavras pontuaccedilatildeo letras maiuacutesculas bem como dos

traccedilos prosoacutedicos ndash acentos aspiraccedilatildeo etc 2) compreensatildeo das expressotildees literaacuterias tiacutepicas

3) tratamento das palavras inusuais ndash obsoletas ou raras e das referecircncias a lugares pessoas e

acontecimentos fictiacutecios ou reais 4) justificativas lsquoetimoloacutegicasrsquo que ajudavam a verificar o

significado e forma das palavras 5) justificativas lsquoanaloacutegicasrsquo para conferir ou corrigir a

forma e significado das palavras 6) valoraccedilatildeo da obra (provavelmente tanto em relaccedilatildeo agrave sua

autenticidade quanto em um segundo momento com relaccedilatildeo a seu valor literaacuterio [como item

a ser incorporado em uma coleccedilatildeo da biblioteca]) Num ambiente escolar os passos seriam os

mesmos mas realizados de maneira a funcionar como um treinamento da teacutecnica gramatical

ou seja da exegese literaacuteria

A divisatildeo de Dioniacutesio revela a funccedilatildeo da gramaacutetica tornar a literatura compreensiacutevel

em todos seus niacuteveis ndash pronuacutencia escansatildeo significado de cada expressatildeo ortografia ndash e por

fim estimar seu valor como produto literaacuterio A gramaacutetica teacutecnica ndash o tratamento de letras

siacutelabas e partes da sentenccedila ndash estaacute ausente da definiccedilatildeo de Dioniacutesio e de sua lista das partes

95

Natildeo sabemos quatildeo importante foi a gramaacutetica teacutecnica para Dioniacutesio que descreve a tarefa de

valorar e editar textos em sua lista mas natildeo se preocupa em incluir aiacute o tratamento teacutecnico da

linguagem que no entanto provavelmente deve ter ocupado uma seccedilatildeo em seu tratado

original191

De acordo com Sexto (M 1 250) a divisatildeo de Dioniacutesio foi criticada por lsquoapresentar

alguns dos resultados da gramaacutetica ou suas subdivisotildees como se fossem partes delarsquo aleacutem de

ldquoobviamente tomar a leitura treinada a explicaccedilatildeo e a criacutetica dos poemas da parte que trata

de poetas e escritores e a etimologia e a analogia da parte teacutecnica as quais contrapotildes a parte

lsquohistoacutericarsquo que trata da explicaccedilatildeo de palavras e histoacuteriasrdquo Tal criacutetica provavelmente foi feita

por Asclepiacuteades de Mirleia que eacute citado logo na frase seguinte (251) como aquele que propotildee

tal divisatildeo tripartite da gramaacutetica ldquoAsclepiacuteades em seu tratado Sobre a Gramaacutetica afirma

serem trecircs as partes primaacuterias da gramaacutetica teacutecnica lsquohistoacutericarsquo e gramaticalrdquo Divisatildeo que eacute

praticamente a mesma escolhida por Sexto em sect 91 ldquode forma a gerar menos conflito []

teacutecnica (to tekhnikon) lsquohistoacutericarsquo (to historikon) e especiacutefica (to idiaiteron)rdquo Dessa forma

poderiacuteamos aproximar a concepccedilatildeo do que eacute responsabilidade de cada uma das partes

descrita nas seccedilotildees anteriores e nas seguintes e considerar que reflitam a exposiccedilatildeo do tratado

de Asclepiacuteades Como sugere Blank (200 p 413) podemos supor que Asclepiacuteades

considerou lsquoleiturarsquo interpretaccedilatildeo e criacutetica dos poemas como um resultado da parte

gramatical explicaccedilatildeo de palavras e histoacuterias como uma sub-parte da parte lsquohistoacutericarsquo

etimologia e analogia como sub-partes da parte teacutecnica

A estrutura apresentada por Sexto natildeo eacute caracteriacutestica de nenhum dos tratados

gramaticais que possuiacutemos e nenhuma gramaacutetica heleniacutestica sobreviveu para que tiveacutessemos

outro termo de comparaccedilatildeo192 Mas a outra divisatildeo apresentada a de Taurisco (248) tambeacutem

eacute tripartite racional (logikon) praacutetica (tribikon) e lsquohistoacutericarsquo (historikon) No entanto exceto

a parte lsquohistoacutericarsquo natildeo haacute equivalecircncia completa destas para o sistema que atribuiacutemos a

Asclepiacuteades na Tabela 1 abaixo A aproximaccedilatildeo mais oacutebvia seria entre a parte racional e a

teacutecnica ndash que compartem aleacutem do meacutetodo provavelmente a abordagem da expressatildeo

(leksis) e a parte praacutetica com a gramatical (ou especiacutefica) ndash que lidam ambas com dialetos e

estilos193

191 Cf Seppaumlnen 2013 p 70ss 192 Ver Seppaumlnen 2013 p 75 Por outro lado acreditamos que estes tratados diziam respeito geralmente apenas aos elementos da parte teacutecnica por isso tekhnologia 193 ldquoNatildeo estaacute claro onde Asclepiacuteades posicionou o estudo de dialetos e estilos que constituem a parte lsquoempiacutericarsquo [praacutetica] de Taurisco mas provavelmente estivessem na parte gramatical de Asclepiacuteades jaacute

96

TABELA 1 CONSTITUINTES DA lsquoGRAMAacuteTICArsquo PARA ASCLEPIacuteADES DE MIRLEIA DE ACORDO COM SEXTO EMPIacuteRICO (M 1)

nome lida com

tekhnikon teacutecnica

letras (elementos) siacutelabas leksis partes da sentenccedila anaacutelise meacutetrica e anaacutelise da sentenccedila

todas discutidas por Sexto (97-247) ortografia

correccedilatildeo analogia etimologia virtudes e viacutecios do discurso

historikon lsquohistoacutericarsquo

palavras inusuais atribuiacutedo diretamente a Asclepiacuteades (252-3)

histoacuterias verdadeiras falsas verossimilhantes proveacuterbios e definiccedilotildees

grammatikon gramatical

ou idiaiteron especiacutefica

interpretaccedilatildeo julgamento de adequaccedilatildeo e autenticidade

descritas por Sexto (93)

valoraccedilatildeo (eacutetica) da poesia (e prosa) discutido por Sexto (270ss)

(leitura treinada explicaccedilatildeo e criacutetica dos poemas) criticado agrave divisatildeo de Dioniacutesio (252)

172 Sobre Dogmatismo Negativo no Contra os Professores M 1 1-6

Como mencionamos brevemente no iniacutecio desta exposiccedilatildeo introdutoacuteria o Contra os

Professores bem como outras passagens sextianas costumam ser acusados de conter

proposiccedilotildees dogmaacuteticas negativas bem como de natildeo conduzir agrave suspensatildeo do juiacutezo em

prejuiacutezo da caracterizaccedilatildeo do empreendimento ceacutetico pretendida por Sexto

Barnes (1988 p 76) compara a lsquoesquizofreniarsquo destes textos a uma lsquodrogariarsquo de

argumentos diferentes argumentos para curar diferentes tipos de dogmatismo Com isso os

argumentos que asseveram a incoerecircncia e natildeo subsistecircncia de um teorema teacutecnico ou de uma

tekhne valeriam como contrapostos equipolentes agrave argumentos teacutecnico-dogmaacuteticos

A exposiccedilatildeo de Blank (p lii-lv) oferece um resumo padratildeo da contextualizaccedilatildeo dos

argumentos em relaccedilatildeo a outras passagens sextianas Segundo o estudioso as diferenccedilas entre

as discussotildees sobre ortografia helenismo etimologia e lsquohistoacuteriarsquo que envolvem

prioritariamente a noccedilatildeo de utilidade e o tratamento aporeacutetico anterior dos elementos da parte

teacutecnica satildeo diferenccedilas que devem ser consideradas Tais seccedilotildees empregam estrateacutegias ceacuteticas

que natildeo estatildeo nem na parte teacutecnica nem na histoacuterica e dizem respeito a gecircneros poeacuteticos particularesrdquo (Blank 2000 p 409-10)

97

comuns mas tambeacutem focam na inutilidade daquelas partes da gramaacutetica poreacutem satildeo de fato

tipicamente sextianas justamente por esta tentativa de afirmar a inutilidade e a insubsistecircncia

ou inexistecircncia delas A mesma combinaccedilatildeo de objetivos pode ser detectada em PH 2 no

tratamento do criteacuterio de verdade (80 94) Sexto introduz a discussatildeo dizendo que natildeo eacute seu

propoacutesito dar a entender que o criteacuterio de verdade natildeo existe pois isto seria dogmaacutetico (2 79)

logo no paraacutegrafo seguinte ele afirma que o criteacuterio de verdade eacute inuacutetil porque a verdade natildeo

existe e o verdadeiro eacute insubsistente (80) No comeccedilo da discussatildeo sobre o criteacuterio (14-15)

Sexto nos advertiu que aborda o criteacuterio dogmaacutetico da verdade aquele que pretende julgar a

realidade ou natildeo-realidade de algo e natildeo o criteacuterio praacutetico que nos guia na vida comum A

seguir Sexto diferencia trecircs usos da palavra criteacuterio (kriterion) geral especiacutefico e muito

especializado (koinos idia idiaitata) O primeiro envolve todo criteacuterio de conhecimento

mesmo os sentidos o segundo diz respeito a criteacuterios teacutecnicos tais como normas e rotinas e

estes natildeo satildeo alvos do ataque de Sexto (16) Seu alvo eacute o terceiro tipo de criteacuterio aquele

muito especializado que despreza os criteacuterios da vida e diz respeito somente a criteacuterios

loacutegicos usados pelos dogmaacuteticos

Tambeacutem a discussatildeo sobre os signos desenvolve-se de maneira anaacuteloga Sexto

afirma que natildeo lhe interessa atacar todos os signos mas somente o signo indicativo (to

endeiktikon) inventado pelos dogmaacuteticos (102) Pois atacar o signo comemorativo (to

hupomnestikon) eacute lutar contra a vida comum A seguir ele novamente assevera que natildeo

pretende em absoluto demonstrar que o signo indicativo eacute algo inexistente (anuparkton) que

seu propoacutesito eacute deixar clara a equipolecircncia entre os argumentos a favor e contra sua

existecircncia Todavia muitos dos argumentos que se seguem concluem simplesmente que o

signo indicativo eacute inexistente (129) ou incognosciacutevel ou incompreensiacutevel A estes

argumentos no entanto segue-se de fato uma seacuterie de argumentos contrapostos de maneira

equipolente (130ss) e uma conclusatildeo que assevera a equipolecircncia (132)

A discussatildeo sobre a demonstraccedilatildeo (134ss) se assemelha a essa A princiacutepio Sexto

diz que a demonstraccedilatildeo eacute um tipo de signo e como tal tambeacutem teremos de suspender o juiacutezo

acerca dela Depois de apresentar definiccedilotildees e tipos de demonstraccedilatildeo ele desenvolve uma

longa lista de argumentos que concluem que a demonstraccedilatildeo natildeo existe (144ss) A estes

argumentos seguem-se as reacuteplicas dos dogmaacuteticos (185ss) e por fim as treacuteplicas equipolentes

dos ceacuteticos (187ss) que levam agrave conclusatildeo equipolente (192)

Aleacutem disso a seccedilatildeo sobre o helenismo com sua ecircnfase na necessidade de seguir o

uso comum e a inutilidade da analogia teacutecnica lembraria muito a discussatildeo em PH 2 acerca

de sofismas e ambiguidades Nas Hipotiposes estaacute exposto que na medida em que a

98

eliminaccedilatildeo de alguns sofismas e a soluccedilatildeo de certas ambiguidades satildeo realmente uacuteteis para a

vida de fato somos capazes de evitar os problemas que elas nos causariam com base apenas

na observaccedilatildeo da vida cotidiana e comum (254-257) sem termos de recorrer agraves habilidades do

dialeacutetico Ademais a soluccedilatildeo de problemas propriamente dialeacuteticos eacute inuacutetil (236) Sempre que

surgem ambiguidades no escopo de uma disciplina particular aqueles que satildeo experientes

neste campo estaratildeo aptos a resolvecirc-la de forma que novamente a arte do dialeacutetico eacute inuacutetil

(256) Por outro lado ambiguidades que natildeo dizem respeito agraves experiecircncias da vida cotidiana

e comum (biotikai empeiriai) satildeo invenccedilotildees dogmaacuteticas e certamente satildeo inuacuteteis para uma

vida lsquolivre de crenccedilasrsquo (adoksastos) (258)

Com base nessas comparaccedilotildees mencionadas poderiacuteamos concluir com Blank (p liv)

que no conflito entre o inuacutetil e o uacutetil (ou seja no choque entre o que eacute especializado e

dogmaacutetico com o que eacute geral ceacutetico e necessaacuterio para vida) Sexto tende a argumentar pela

natildeo existecircncia do que eacute lsquoespecializadorsquo Tal procedimento natildeo seria muito diferente entre M

1-6 e PH 2 mesmo porque haacute uma introduccedilatildeo geral na qual se diz que o ceacutetico ataca as artes a

partir de sua experiecircncia aporeacutetica e as refutaccedilotildees ceacuteticas satildeo consistentemente caracterizadas

como aporeacuteticas Dessa forma talvez natildeo poderiacuteamos dizer que as polecircmicas em M 1-6 satildeo

exemplos de dogmatismo negativo se supomos que aquelas em PH tambeacutem natildeo o satildeo

Outro exemplo uacutetil pode ser encontrado em M 9 Depois dos comentaacuterios iniciais

acerca das diferenccedilas entre o meacutetodo acadecircmico de produzir uma infinidade de argumentos

detalhados sobre tudo que o dogmaacutetico sustenta e o meacutetodo ceacutetico de atacar os princiacutepios mais

fundamentais Sexto introduz uma discussatildeo aporeacutetica (diaporoumen 12) relativa aos

princiacutepios (estoicos) do ativo e passivo Primeiro diz ele investigaraacute dogmaticamente sobre

lsquodeusrsquo e entatildeo aporeticamente discorreraacute sobre a natildeo existecircncia de ativo e passivo Poreacutem

antes disso ele diz que eacute preciso jaacute que cada investigaccedilatildeo deve comeccedilar por uma concepccedilatildeo

do que se busca abordar como poderiacuteamos adquirir uma noccedilatildeo de lsquodeusrsquo Ao fim desta seccedilatildeo

(191) apresentados os argumentos dogmaacuteticos a favor da existecircncia e natildeo-existecircncia de

deuses e introduzida a suspensatildeo ceacutetica do juiacutezo ele daacute iniacutecio agrave discussatildeo lsquomais ceacuteticarsquo que

provaraacute que o princiacutepio passivo eacute tatildeo aporeacutetico quanto o ativo Nessa discussatildeo ele iraacute

contrapor argumentos ceacuteticos a argumentos dogmaacuteticos (207) Tal como supotildee Blank

(ibidem) os mesmos termos utilizados em M 1-6 aparecem aiacute acompanhados do

reconhecimento expliacutecito do princiacutepio geral segundo o qual mesmo quando os argumentos

ceacuteticos asseveram a natildeo-existecircncia eles continuam sendo exemplos de argumentos

equipolentes

99

Esse panorama apresentado e sua conclusatildeo estaacute de acordo com a leitura de Barnes

mencionada no iniacutecio desta seccedilatildeo aleacutem disso preserva o cenaacuterio puramente ceacutetico da

argumentaccedilatildeo sextiana que natildeo somente revela as aporias relativas a estas disciplinas como

reitera o criteacuterio praacutetico contra a teorizaccedilatildeo dogmaacutetica Tal exposiccedilatildeo no entanto apenas

seleciona e enfatiza argumentos que supomos o proacuteprio Sexto ofereceria em sua defesa isso

contribui para a compreensatildeo de como ele pretendia conferir coerecircncia ao seu

empreendimento poreacutem tal defesa natildeo parece eliminar os motivos pelos quais muitos

produtos de sua lsquofarmaacuteciarsquo tecircm sido constantemente acusados de serem lsquoplacebosrsquo

simulaccedilotildees cuja eficaacutecia contra o dogmatismo estaria ameaccedilada por causa de sua composiccedilatildeo

inadequada e apenas agiriam se houvesse uma predisposiccedilatildeo ao efeito

Ainda assim talvez devecircssemos salientar que Sexto estaacute disputando um territoacuterio

com seus lsquoadversaacuteriosrsquo haacute uma resposta mas tambeacutem haacute uma proposta e esta se coloca em

relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da vida agrave formaccedilatildeo cultural e agrave filosofia em uniacutessono Aquilo que

pessoalmente nos intriga eacute que suas obras natildeo parecem expressar a ataraksia que sugerem

muito menos propiciar qualquer tipo de lsquopaz de espiacuteritorsquo especialmente entre aqueles que

seguem nos uacuteltimos seacuteculos escrevendo fervorosamente sobre ela Tampouco suas obras

refletem moderaccedilatildeo de opiniatildeo principalmente em relaccedilatildeo aos resultados das outras propostas

concorrentes com a sua Contudo pode-se sim afirmar que o ceacutetico segue investigando E

neste sentido Sexto natildeo se potildee agrave margem de um territoacuterio ele continua o exerciacutecio filosoacutefico

dialogando pesquisando falando adequadamente e agindo normalmente supomos e isso

talvez jaacute expresse moderaccedilatildeo e lsquoserenidadersquo suficientes

18 SOBRE A TRADUCcedilAtildeO Nossa preocupaccedilatildeo principal foi encontrar um equiliacutebrio entre a imprescindiacutevel

permanecircncia e padronizaccedilatildeo de termos e conceitos teacutecnico-filosoacuteficos e a fluidez da

argumentaccedilatildeo procurando salvaguardar caracteriacutesticas do estilo retoacuterico sextiano mas sem

nos restringirmos a mimetizar as propriedades da liacutengua grega em portuguecircs A padronizaccedilatildeo

de termos acontece por ser necessaacuterio preservar ainda que artificialmente a especificidade

polissecircmica talvez daquele termo em um contexto maior que o relaciona a uma lsquotradiccedilatildeorsquo

Tal tradiccedilatildeo no entanto natildeo eacute somente e necessariamente a do contexto de produccedilatildeo Pelo

contraacuterio eacute geralmente a do contexto de recepccedilatildeo Eacute a histoacuteria do termo como parte de uma

cultura de recepccedilatildeo da filosofia heleniacutestica em especiacutefico ou da cultura grega em geral que

100

costuma gerar muitas das duacutevidas do processo tradutoacuterio Procuramos portanto natildeo perder de

vista o lugar em que se insere nossa contribuiccedilatildeo herdeira dessa tradiccedilatildeo e expressar em

nota ao menos parte de nossas hesitaccedilotildees fornecendo nosso roteiro de leitura do termo e da

passagem em que ocorre

Assim as notas de fim procuram esclarecer o leitor acerca de nosso caminho

interpretativo e disponibilizar informaccedilotildees que permitam outras associaccedilotildees e leituras natildeo

necessariamente contempladas aqui Frequentemente colocamos na traduccedilatildeo entre parecircnteses

a transliteraccedilatildeo de termos gregos pareceu-nos um recurso para trazer agrave memoacuteria do leitor que

natildeo segue o original as tradiccedilotildees de leitura daquele termo e expressar uma distacircncia possiacutevel

entre esta tradiccedilatildeo e nossa traduccedilatildeo Assim serve para conferir ecircnfase a um termo ou mesmo

sugerir nossa insatisfaccedilatildeo com a soluccedilatildeo que encontramos para ele Sentimo-nos

particularmente descontentes com as traduccedilotildees de tekhne e termos correlatos lsquoArtersquo eacute uma

traduccedilatildeo que malgrado sua imprecisatildeo jaacute estaacute consideravelmente estabelecida e pode natildeo

gerar problemas maiores justamente por continuar problemaacutetica e natildeo haver se cristalizado

em um sentido equivocado Por outro lado natildeo conseguimos manter o paralelo e usar os

termos familiares como lsquoartistarsquo lsquoartiacuteficersquo lsquoartiacutesticorsquo e quetais e tivemos entatildeo de optar por

lsquoteacutecnicarsquo que aleacutem de tambeacutem natildeo poder ser padronizada mas dar lugar em alguns

contextos a outras escolhas se justifica apenas por espelhar o termo grego pois em geral

uma leitura desavisada do termo pode mesmo prejudicar a compreensatildeo do texto A soluccedilatildeo

foi manter o termo em itaacutelico para lembrarmo-nos de que se relaciona agrave tekhne Em um

sentido bastante geral e comum acreditamos que tekhne em alguns contextos poderia ser

traduzida por lsquociecircnciarsquo da forma como cotidianamente se fala em lsquocientificamente

comprovadorsquo para algo que atraveacutes de um meacutetodo conforma-se a um sistema de proposiccedilotildees

e descobertas teoacutericas e praacuteticas compartilhado por especialistas e iniciados Aleacutem de evocar

tambeacutem a questatildeo da lsquosuperioridadersquo os cientistas satildeo aqueles cuja opiniatildeo sobre o assunto

possui autoridade Tambeacutem conteacutem o elemento da exclusividade de forma que natildeo se

permitiria chamar ciecircncia a estudos lsquoprofeacuteticosrsquo por exemplo Dessa forma conteacutem tambeacutem o

geacutermen da discoacuterdia pois usa-se lsquociecircnciarsquo em um sentido bastante corriqueiro e natildeo

especializado (lsquociecircncia domeacutesticarsquo para truques culinaacuterios) e tambeacutem quando o intuito eacute

defender a integridade de um estudo mesmo quando ele natildeo se adapta agraves regras de uma

comunidade cientiacutefica lsquodominantersquo Mas esta eacute apenas uma aproximaccedilatildeo canhestra teriacuteamos

que confrontar ainda muitos outros problemas histoacutericos sociais e filosoacuteficos relativos ao

termo lsquociecircnciarsquo

101

Em geral preferimos natildeo modernizar os termos no sentido de natildeo procurar atingir

seu sentido com um conceito moderno que poderia nos remeter mais rapidamente a seus

significados Por exemplo mantivemos lsquogramaacuteticarsquo que certamente possui no contexto da

discussatildeo do texto uma abrangecircncia distinta da atual e que poderia ser coberta

imperfeitamente tambeacutem pelo termo lsquofilologiarsquo Gostariacuteamos especialmente de chamar a

atenccedilatildeo para as ocorrecircncias de mathemata mathema mathesis tekhne tekhnikos tekhnites

atekhnos theorema historia e remeter o leitor agraves notas explicativas em que esclarecemos

acerca de suas especificidades e nossas escolhas

As citaccedilotildees de trechos poeacuteticos feitas por Sexto com exceccedilatildeo das citaccedilotildees da Iliacuteada e

da Odisseia em que usamos as traduccedilotildees de Carlos Alberto Nunes foram traduzidas sem

atentar para a meacutetrica nos atemos apenas ao argumento sextiano

O texto grego de base eacute o de J Mau e H Mutschmann Sexti Empirici opera vol 3

2ordf ediccedilatildeo Leipzig Teubner 1961 presente no corpus online Thesaurus Linguae Graecae A

mesma ediccedilatildeo serviu de base para a traduccedilatildeo de Blank (1998) Blank (p lvi) afirma natildeo haver

notado diferenccedilas com o texto de Bury (1949) para as ediccedilotildees Loeb no entanto Bury afirma

ter seguido a ediccedilatildeo de I Bekker (1842) Dalimier segue a primeira ediccedilatildeo de Mutschmann e

Mau (vol 3 1954) e encontramos algumas diferenccedilas entre seu texto e o que seguimos Natildeo

apontamos especificamente estas diferenccedilas mas consideramos sua traduccedilatildeo em passagens

que nos pareceram problemaacuteticas e citamos algumas de suas colocaccedilotildees e sugestotildees em notas

Foram mantidos os siacutembolos originais no texto grego

[] supressatildeo ausente da traduccedilatildeo

ltgt inserccedilatildeo

Blank procede a algumas modificaccedilotildees no texto nem sempre completamente

justificadas ou situadas em relaccedilatildeo agrave tradiccedilatildeo dos manuscritos De maneira geral no entanto

seguimos suas recomendaccedilotildees por acreditarmos que sua minuciosa exegese do texto

apresentada nos comentaacuterios agrave moda de ensaios a cada linha do texto confere-lhe autoridade

sobre ele Ainda assim talvez algumas delas fossem mesmo supeacuterfluas e buscamos apontar

nas notas quando esse parece ser o caso

Quando a inserccedilatildeo foi sugerida por Blank usamos o mesmo sinal ltgt mas

informamos em nota de rodapeacute Quando Blank propotildee uma supressatildeo colocamos nota de

rodapeacute com o texto grego suprimido usando os siacutembolos bem como traduzimos

tambeacutem em nota a passagem Lembrando que o livro de Blank natildeo traz o texto grego apenas

acompanha a traduccedilatildeo com notas que justificam suas opccedilotildees Em alguns momentos (poucos eacute

102

verdade) sua traduccedilatildeo parece implicar alguma modificaccedilatildeo no texto grego que ele no

entanto natildeo anotou

103

ΠΡΟΣ ΜΑΘΗΜΑΤΙΚΟΥΣ

[1] Τὴν πρὸς τοὺς ἀπὸ τῶν μαθημάτων

ἀντίρρησιν κοινότερον μὲν διατεθεῖσθαι

δοκοῦσιν οἵ τε περὶ τὸν Ἐπίκουρον καὶ οἱ ἀπὸ

τοῦ Πύρρωνος οὐκ ἀπὸ τῆς αὐτῆς δὲ

διαθέσεως ἀλλrsquo οἱ μὲν περὶ τὸν Ἐπίκουρον

ὡς τῶν μαθημάτων μηδὲν συνεργούντων

πρὸς σοφίας τελείωσιν ἤ ὥς τινες εἰκάζουσι

τοῦτο προκάλυμμα τῆς ἑαυτῶν ἀπαιδευσίας

εἶναι νομίζοντες (ἐν πολλοῖς γὰρ ἀμαθὴς

Ἐπίκουρος ἐλέγχεται οὐδὲ ἐν ταῖς κοιναῖς

ὁμιλίαις καθαρεύων) [2] τάχα δὲ καὶ διὰ τὴν

πρὸς τοὺς περὶ Πλάτωνα καὶ Ἀριστοτέλη καὶ

τοὺς ὁμοίους δυσμένειαν πολυμαθεῖς

γεγονότας οὐκ ἀπέοικε δὲ καὶ διὰ τὴν πρὸς

Ναυσιφάνην τὸν Πύρρωνος ἀκουστὴν

ἔχθραν πολλοὺς γὰρ τῶν νέων συνεῖχε καὶ

τῶν μαθημάτων σπουδαίως ἐπεμελεῖτο

μάλιστα δὲ ῥητορικῆς [3] γενόμενος οὖν

τούτου μαθητὴς ὁ Ἐπίκουρος ὑπὲρ τοῦ

δοκεῖν αὐτοδίδακτος εἶναι καὶ αὐτοφυὴς

φιλόσοφος ἠρνεῖτο ἐκ παντὸς τρόπου τήν τε

περὶ αὐτοῦ φήμην ἐξαλείφειν ἔσπευδε πολύς

τε ἐγίνετο τῶν μαθημάτων κατήγορος ἐν οἷς

ἐκεῖνος ἐσεμνύνετο [4] φησὶ γοῦν ἐν τῇ πρὸς

τοὺς ἐν Μυτιλήνῃ φιλοσόφους ἐπιστολῇ

lsquoοἶμαι δὲ ἔγωγε τοὺς βαρυστόνους καὶ

μαθητήν με δόξειν τοῦ πλεύμονος εἶναι μετὰ

μειρακίων τινῶν κραιπαλώντων ἀκούσαντα rsquo

CONTRA OS PROFESSORES1

[1] Em comum tanto o ciacuterculo de Epicuro

quanto seguidores de Pirro parecem ter proposto

um ataque (antirrhesis)2 contra os que professam

as disciplinas do estudo ciacuteclico (mathematikoi)

mas natildeo pelo mesmo motivo (diathesis)3 Os

epicuristas fizeram-no ou por terem concluiacutedo que

estes estudos (mathemata)4 natildeo contribuem em

nada para a sabedoria ou por imaginarem como

supotildeem alguns que isso pudesse encobrir sua

proacutepria falta de cultura De fato Epicuro foi

censurado por natildeo ter instruccedilatildeo (amathes) em

muitos assuntos nem falar corretamente a liacutengua

em conversas cotidianas5 [2] Ou talvez tenha sido

por causa de sua maacute vontade com Platatildeo e

Aristoacuteteles e outros como eles que eram

poliacutematas - o que natildeo eacute improvaacutevel visto a

hostilidade contra Nausiacutefanes6 disciacutepulo de Pirro7

Nausiacutefanes atraiacutea muitos jovens e dedicava-se

com seriedade a estas disciplinas principalmente agrave

retoacuterica [3] E Epicuro para parecer que fora

autodidata e filoacutesofo nato negava de todas as

formas ter sido seu aluno dedicando-se a destruir

a reputaccedilatildeo daquele Tornou-se entatildeo um acusador

constante dos estudos ciacuteclicos em que Nausiacutefanes

se destacava8 [4] Em sua Carta aos filoacutesofos em

Mitilene expressou-se mesmo dessa forma

ldquoSuponho que os linguarudos9 vatildeo dizer que sou

disciacutepulo da lsquoaacutegua-vivarsquo porque estive escutando-a

junto agravequele bando de jovens de ressacardquo

2 TEXTO GREGO E TRADUCcedilAtildeO

104

1 Blank ad loc de acordo com todos os manuscritos exceto um Por σοφίας

νῦν πλεύμονα καλῶν τὸν Ναυσιφάνην ὡς

ἀναίσθητον καὶ πάλιν προβὰς πολλά τε

κατειπὼν τἀνδρὸς ὑπεμφαίνει τὴν ἐν τοῖς

μαθήμασιν αὐτοῦ προκοπὴν λέγων lsquoκαὶ γὰρ

πονηρὸς ἄνθρωπος ἦν καὶ ἐπιτετηδευκὼς

τοιαῦτα ἐξ ὧν οὐ δυνατὸν εἰς σοφίαν ἐλθεῖνrsquo

αἰνισσόμενος τὰ μαθήματα [5] πλὴν ὁ μὲν

Ἐπίκουρος ὡς ἄν τις εἰκοβολῶν εἴποι ἀπὸ

τοιούτων τινῶν ἀφορμῶν πολεμεῖν τοῖς

μαθήμασιν ἠξίου οἱ δὲ ἀπὸ Πύρρωνος οὔτε

διὰ τὸ μηδὲν συνεργεῖν αὐτὰ πρὸς σοφίαν

δογματικὸς γὰρ ὁ λόγος οὔτε διὰ τὴν

προσοῦσαν αὐτοῖς ἀπαιδευσίαν σὺν γὰρ τῷ

πεπαιδεῦσθαι καὶ πολυπειροτέρους παρὰ τοὺς

ἄλλους ὑπάρχειν φιλοσόφους ἔτι καὶ

ltἀgtδιαφόρως ἔχουσι πρὸς τὴν παρὰ τοῖς

πολλοῖς δόξαν [6] καὶ μὴν οὐδὲ δυσμενείας

χάριν τῆς πρός τινας (μακρὰν γὰρ αὐτῶν τῆς

πραότητός ἐστιν ἡ τοιαύτη κακία) ἀλλὰ

τοιοῦτόν τι ἐπὶ τῶν μαθημάτων παθόντες

ὁποῖον ἐφrsquo ὅλης ἔπαθον τῆς φιλοσοφίας1

καθὰ γὰρ ἐπὶ ταύτην ἦλθον πόθῳ τοῦ τυχεῖν

τῆς ἀληθείας ἰσοσθενεῖ δὲ μάχῃ καὶ

ἀνωμαλίᾳ τῶν πραγμάτων ὑπαντήσαντες

ἐπέσχον οὕτω καὶ ἐπὶ τῶν μαθημάτων

ὁρμήσαντες ἐπὶ τὴν ἀνάληψιν αὐτῶν

ζητοῦντες καὶ τὸ ἐνταῦθα μαθεῖν ἀληθές τὰς

δὲ ἴσας εὑρόντες ἀπορίας οὐκ ἀπεκρύψαντο

(chamando Nausiacutefanes de aacutegua-viva como

algueacutem incapaz de perceber algo (anaisthetos))10

E depois de jaacute o ter insultado vaacuterias vezes parece

aludir a sua competecircncia nos estudos

especializados ao dizer ldquoEra um homem sem

qualquer valia algueacutem que se dedicava a coisas

pelas quais eacute impossiacutevel alcanccedilar sabedoriardquo

insinuando os estudos ciacuteclicos [5] Pois bem deste

modo como podem supor a partir de coisas como

tais que fogem ao assunto eacute que Epicuro justifica

sua guerra a estes estudos Os seguidores de Pirro

no entanto criticaram estes estudos natildeo porque

natildeo fossem de nenhum proveito para a sabedoria

(pois esse argumento eacute dogmaacutetico) nem porque

fosse comum entre eles a falta de cultura

(apaideusia) ndash uma vez que a par da formaccedilatildeo

recebida e de serem muito mais experientes que

outros filoacutesofos satildeo tambeacutem indiferentes agrave

opiniatildeo do vulgo11 [6] Nem certamente teria sido

por qualquer espeacutecie de inimizade com algueacutem jaacute

que tal tipo de maldade estaacute bem longe de seu

caraacuteter gentil12 Mas sim por sentirem em relaccedilatildeo

a estes estudos algo como o que sentiram em

relaccedilatildeo agrave filosofia como um todo Pois a

procuraram movidos pelo desejo de encontrar a

verdade poreacutem ao deparar-se com um conflito

entre argumentos equipolentes (isosthenes makhe)

e anomalia nas coisas (anomalia ton

pragmaton)13 acabaram por suspender o

julgamento (epekho) Da mesma forma

dispuseram-se a se dedicar (analepsis) a estes

estudos procurando (zetountes) tambeacutem aqui

aprender a verdade Poreacutem tendo encontrado

aporias iguais agravequelas natildeo as ocultaram14

105

2 Blank ad loc com Giusta p 429

[7] διόπερ καὶ ἡμεῖς τὴν αὐτὴν τούτοις

ἀγωγὴν μεταδιώκοντες πειρασόμεθα χωρὶς

φιλονεικίας τὰ πραγματικῶς λεγόμενα πρὸς

αὐτὰ ἐπιλεξάμενοι θεῖναι

Τὸ μὲν οὖν διδάσκειν ἀπὸ τίνος ἐγκύκλια

προσηγόρευται μαθήματα καὶ πόσα τὸν

ἀριθμόν ἐστι περιττὸν ἡγοῦμαι ltπρὸς

τοὺςgt2 ἱκανὴν ἤδη τὴν περὶ τούτων ἔχοντας

κατήχησιν γινομένης ἡμῖν τῆς διδασκαλίας

[8] ὃ δέ ἐστιν ἀναγκαῖον ἐπὶ τοῦ παρόντος

ὑποδεικτέον ὅτι τῶν λεγομένων πρὸς τὰ

μαθήματα τὰ μὲν καθολικῶς λέγεται πρὸς

πάντα τὰ μαθήματα τὰ δὲ ὡς πρὸς ἕκαστα

καὶ καθολικώτερον μὲν τὸ περὶ τοῦ μηδὲν

εἶναι μάθημα ἰδιαίτερον δὲ πρὸς μὲν

γραμματικούς εἰ τύχοι περὶ τῶν τῆς λέξεως

στοιχείων πρὸς δὲ γεωμέτρας περὶ τοῦ μὴ

δεῖν ἐξ ὑποθέσεως λαμβάνειν τὰς ἀρχάς πρὸς

δὲ μουσικοὺς περὶ τοῦ μηδὲν εἶναι φωνὴν

μηδὲ χρόνον ἴδωμεν δὲ τάξει πρῶτον τὴν

καθολικωτέραν ἀντίρρησιν

Eacute por isso que tambeacutem noacutes que seguimos a

mesma orientaccedilatildeo (agoge)15 deles tentaremos

sem espiacuterito de rivalidade apresentar tendo-os

selecionado argumentos efetivos (pragmatikos)16

contra os estudos ciacuteclicos

Creio ser desnecessaacuterio expor (didaskein) por

que satildeo chamados estudos ciacuteclicos (enkuklia)17 ou

quantos satildeo em nuacutemero pois nossa exposiccedilatildeo

(didaskalia) dirige-se a quem jaacute ouviu falar

suficientemente sobre isto [8] Nesse momento o

necessaacuterio eacute indicar que contra estes estudos

existem os argumentos gerais que falam contra

todos os estudos especializados e os especiacuteficos

que se dirigem a cada disciplina em particular18

Natildeo existir estudo19 eacute o argumento mais geral Um

mais especiacutefico seria por exemplo contra os

gramaacuteticos sobre os elementos da palavra20 ou

contra os geocircmetras acerca de natildeo ser necessaacuterio

assumir princiacutepios a partir de uma hipoacutetese21 ou

contra os muacutesicos sobre natildeo existirem som

(phone) e tempo22 Por ordem veremos primeiro o

ataque mais geral

Εἰ ἔστι μάθημα

[9] Τὴν μὲν οὖν γενομένην παρὰ τοῖς

φιλοσόφοις περὶ μαθήσεως διαφωνίαν

πολλὴν καὶ ποικίλην οὖσαν οὐ τοῦ παρόντος

ἐστὶ καιροῦ ἐπικρίνειν ἀπόχρη δὲ

παραστῆσαι ὡς εἴπερ ἔστι τι μάθημα καὶ

τοῦτο ἀνυστὸν ἀνθρώπῳ τέσσαρα δεῖ

προομολογήσασθαι τὸ διδασκόμενον

πρᾶγμα τὸν διδάσκοντα τὸν μανθάνοντα

τὸν τρόπον τῆς μαθήσεως οὔτε δὲ τὸ

διδασκόμενον ἔστιν οὔτε ὁ διδάσκων οὔτε ὁ

μανθάνων οὔτε ὁ τρόπος τῆς μαθήσεως

Se existe estudo

Este natildeo eacute o momento adequado para examinar

o longo e variado desacordo (diaphonia) que

existe entre os filosoacutefos sobre o ensino

(mathesis)23 Basta colocar que se existe algo

como um estudo (mathema) acessiacutevel para o

homem quatro coisas precisam ser admitidas de

antematildeo uma coisa (pragma) que se ensina

quem ensina quem aprende e um modo de

ensinar E natildeo existe o que se ensina nem quem

ensina tampouco quem aprende ou o modo de

ensinar conforme demonstraremos portanto natildeo

106

3 Blank ad loc com Bekker 4 Blank ad loc deleta por considerar interpolaccedilatildeo εἰ δὲ καὶ μηδὲν ἀληθές εἴπερ διδακτόν ἐστιν τῶν γὰρ ὄντων ἐστὶ τὸ ἀληθές ἀδίδακτον ἄρα τὸ μὴ ὄν μηδ ἀληθὲς διδάσκεται Tambeacutem natildeo eacute algo verdadeiro no caso de ser ensinaacutevel visto que uma coisa verdadeira faz parte do que eacute conclui-se que o que natildeo existe eacute natildeo-ensinaacutevel Tampouco eacute ensinado como verdadeiro

καθάπερ ὑποδείξομεν οὐκ ἄρα ἔστι τι

μάθημα

existe algo como um estudo

Περὶ τοῦ διδασκομένου

[10] Καὶ δὴ περὶ τοῦ πρώτου λέγοντες

πρῶτόν φαμεν ὡς εἴπερ διδάσκεταί τι ἤτοι τὸ

ὂν τῷ εἶναι διδάσκεται ἢ τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ

εἶναι οὔτε δὲ τὸ ὂν τῷ εἶναι διδάσκεται οὔτε

τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ εἶναι καθάπερ

παραστήσομεν οὐκ ἄρα διδάσκεταί τι καὶ δὴ

τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ εἶναι οὐκ ἂν διδάσκοιτο εἰ

γὰρ διδάσκεται διδακτόν ἐστι διδακτὸν δὲ

καθεστὼς τῶν ὄντων γενήσεται

Sobre o que se ensina

Ao abordar o primeiro ponto diremos primeiro

que se alguma coisa eacute ensinada24 ou eacute ensinado o

que existe (to on) por existir ou o que natildeo existe

(to me on) por natildeo existir Mas nem o que existe

eacute ensinado por existir nem o que natildeo existe por

natildeo existir conforme provaremos logo coisa

alguma eacute ensinada25 O que natildeo existe natildeo viria a

ser ensinado por natildeo existir pois se eacute ensinado eacute

ensinaacutevel e sendo ensinaacutevel tornar-se-aacute das

coisas26 que existem

[11] καὶ διὰ τοῦτο ἔσται μὴ ὄν τε καὶ ὄν οὐχὶ

δέ γε δυνατόν ἐστι τὸ αὐτὸ καὶ ὄν τε καὶ μὴ

ὂν ὑπάρχειν οὐκ ἄρα τὸ μὴ ὂν τῷ μὴ εἶναι

διδάσκεται τῷ τε μὴ ὄντι οὐδὲν συμβέβηκεν

ᾧ δὲ μηδὲν συμβέβηκεν οὐδὲ τὸ διδάσκεσθαι

συμβήσεται ἓν γάρ τι ἦν τῶν συμβεβηκότων

καὶ τὸ διδάσκεσθαι

E por isso seria algo que existe e natildeo existe e

certamente natildeo eacute possiacutevel existir (huparkhein)

uma mesma coisa que existe e natildeo existe27

portanto o que natildeo existe natildeo eacute ensinado por natildeo

existir Ao que natildeo existe nada eacute atribuiacutedo

(sumbebeke) ao que nada eacute atribuiacutedo natildeo se

atribuiraacute nem o ser ensinado pois mesmo lsquoser

ensinadorsquo eacute um atributo28

[12] τοίνυν οὐδὲ ταύτῃ διδακτόν ἐστι τὸ μὴ

ὄν καὶ μὴν τὸ διδασκόμενον φαντασίαν

κινοῦν εἰς μάθησιν ἡμῖν ἔρχεται τὸ δὲ μὴ ὂν

ἀδυνατοῦν φαντασίαν κινεῖν οὐδὲ διδακτόν

ἐστιν ἔτι δὲ οὐδrsquo ὡς ἀληθὲς τὸ μὴ ὂν

ltδιδακτόνgt3 ἐστιν οὔτε γὰρ τῶν μὴ ὄντων

ἐστὶ τἀληθὲς οὔτε τι ἀληθὲς ὡς μὴ ὂν

διδακτόν ἐστιν 4

Assim por esta razatildeo o que natildeo existe natildeo eacute

ensinaacutevel E mais o que se ensina noacutes o

apreendemos atraveacutes da representaccedilatildeo (phantasia)

que provoca29 o que natildeo existe sendo incapaz de

provocar qualquer representaccedilatildeo tampouco eacute

ensinaacutevel Ainda o que natildeo existe tambeacutem natildeo eacute

ensinaacutevel como algo verdadeiro De fato algo

verdadeiro natildeo estaacute entre as coisas que natildeo

107

5 Blank ad loc deleta por considerar interpolaccedilatildeo ἤτοι γὰρ τὸ διδασκόμενον ψεῦδός ἐστιν ἢ ἀληθές ἀλλὰ ψεῦδος μὲν ἀλογώτατον τὸ δὲ ἀληθὲς ὂν ὑπῆρχεν οὐκ ἄρα τὸ μὴ ὂν διδακτόν Pois o que se ensina ou eacute falso ou eacute verdadeiro Natildeo faz o menor sentido dizer que eacute falso E aquilo que eacute verdadeiro existe Conclui-se entatildeo que o que natildeo existe natildeo eacute ensinaacutevel 6 Blank ad loc deleta πᾶσι φαινομένων Optamos por suprimir tambeacutem a expressatildeo seguinte πᾶσι φαινομένων ἐπ ἴσης visto serem todas aparentes de maneira igual para todos A expressatildeo eacute recorrente na obra sextiana como parte de argumento distinto 7 Passagem problemaacutetica seguimos uma das modificaccedilotildees sugeridas por Blank ad loc ἵνα ἐκ τούltτουgt γινωσκομένου γένηται ἡ τούτου μάθησις Por ser semelhante agrave passagem M XI 222

existem e tampouco algo verdadeiro eacute ensinaacutevel

como algo que natildeo existe30

[13] εἰ δὲ μηδὲν ἀληθὲς διδάσκεται πᾶν τὸ

διδασκόμενον ψεῦδός ἐστιν ὅπερ

ἀλογώτατον ὑπάρχει οὐ τοίνυν τὸ μὴ ὂν

διδάσκεται 5

E se natildeo eacute ensinado nada verdadeiro tudo que se

ensina eacute falso o que eacute totalmente iloacutegico Pois

bem natildeo eacute ensinado o que natildeo existe

[14] καὶ μὴν οὐδὲ τὸ ὂν τῷ εἶναι διδακτόν

ἐστιν ἐπειδήπερ τῶν ὄντων 6 πάντα ἔσται

διδακτά ᾧ ἀκολουθήσει τὸ μηδὲν εἶναι

διδακτόν δεῖ γὰρ ὑποκεῖσθαί τι ἀδίδακτον

ἵνα ἐκ τούltτουgt γένηται ἡ μάθησις7 τοίνυν

οὐδὲ τὸ ὂν τῷ εἶναι διδάσκεται

Mas o fato eacute que tambeacutem o que existe natildeo eacute

ensinaacutevel por existir pois de outro modo todas as

coisas que existem seratildeo ensinaacuteveis31 A

consequecircncia disto eacute que nada seria ensinaacutevel

Pois eacute preciso assumir (hupokeisthai) algo natildeo-

ensinaacutevel para que o ensino possa acontecer a

partir dele Assim tampouco o que existe eacute

ensinado por existir

[15] Ὁ δὲ ὅμοιος τῆς ἀπορίας γενήσεται

τρόπος καὶ πρὸς τοὺς ἐροῦντας τὸ οὔ τι ὂν ἢ

τὶ διδάσκεσθαι εἰ γὰρ τὸ οὔ τι ὂν διδάσκοιτο

ἔσται ᾗ διδάσκεται τί καὶ διὰ τοῦτο ltτὸgt

αὐτὸ τἀναντία οὔτι καὶ τὶ ἔσται ὅπερ ἦν τῶν

ἀδυνάτων τῷ τε οὔτινι οὐδὲν συμβέβηκεν

διὸ οὐδὲ τὸ διδάσκεσθαι

O mesmo modo de revelar aporias seraacute usado

contra os que dizem que ou eacute ensinado algo ou

nada32 Pois se nada fosse ensinado tornar-se-ia

algo ensinado - de forma que a mesma coisa viria

a ser coisas contraacuterias nada e algo o que foi

considerado impossiacutevel Ao nada nada eacute

atribuiacutedo por isso nem mesmo o ser ensinado

[16] καὶ γὰρ τοῦτο τῶν συμβεβηκότων ἐστίν

οὐ τοίνυν τὸ οὔτι διδάσκεται κατὰ δὲ τὴν

αὐτὴν ἀναλογίαν καὶ τὸ τὶ τῶν ἀδιδάκτων

γενήσεται εἰ γὰρ διὰ τοῦτο διδακτὸν ἔσται

ὅτι ἔστιν οὐδὲν ἀδίδακτον ἔσται ᾧ ἕπεται τὸ

μηδὲν εἶναι διδακτόν

jaacute que este eacute um atributo Portanto o nada natildeo eacute

ensinado De maneira anaacuteloga tambeacutem o que eacute

algo vem a ser natildeo-ensinaacutevel Pois se fosse

ensinaacutevel simplesmente porque eacute algo nenhuma

coisa seria natildeo-ensinaacutevel com a consequecircncia de

que coisa alguma seria ensinaacutevel

[17] καὶ μὴν εἰ διδάσκεται ltτὸgt τί ἤτοι διὰ

τῶν οὐτινῶν διδαχθήσεται ἢ διὰ τῶν τινῶν

De fato se algo eacute ensinado teraacute de ser ensinado

ou por meio de algo ou por meio de nada Mas

108

8 Blank ad loc conforme Blomqvist p 73 Lecirc ἢ ao inveacutes de εἰ

ἀλλὰ διὰ μὲν τῶν οὐτινῶν οὐχ οἷόν τε

διδαχθῆναι ἀνυπόστατα γάρ ἐστι τῇ διανοίᾳ

ταῦτα κατὰ τοὺς ἀπὸ τῆς στοᾶς λείπεται οὖν

διὰ τῶν τινῶν γίνεσθαι τὴν μάθησιν ὃ πάλιν

ἄπορόν ἐστιν

natildeo eacute possiacutevel para ele ser ensinado por meio de

nada pois para o pensamento (dianoia) o nada eacute

insubsistente (anupostatos) segundo os estoicos

Resta-nos portanto que o ensino se decirc por meio

de algo O que eacute novamente aporeacutetico

[18] ὥσπερ γὰρ αὐτὸ τὸ διδασκόμενον κατὰ

τοῦτο διδάσκεται καθὸ τί ἐστιν οὕτως ἐπεὶ

καὶ τὰ ἐξ ὧν ἡ μάθησις τινά ἐστι ltπάνταgt

γενήσεται διδακτά καὶ ταύτῃ μηδενὸς ὄντος

ltἀgtδιδάκτου ἀναιρεῖται ἡ μάθησις

Pois da mesma forma que o que se ensina eacute ele

proacuteprio ensinado por esta condiccedilatildeo ou seja

porque eacute algo entatildeo visto tambeacutem serem algo as

coisas a partir das quais acontece o ensino todas

elas seratildeo ensinaacuteveis Por essa razatildeo se natildeo existe

nada natildeo-ensinaacutevel anula-se (anairetai)33 o

ensino

[19] Ἄλλως τε ἐπεὶ τῶν τινῶν τὰ μέν ἐστι

σώματα τὰ δὲ ἀσώματα δεήσει τὰ

διδασκόμενα τινὰ ὄντα ἤτοι σώματα εἶναι ἢ

ἀσώματα οὔτε δὲ σώματα δύναται ὑπάρχειν

οὔτε ἀσώματα ὡς παραστήσομεν οὐκ ἄρα

ἔστι τινὰ διδασκόμενα

E aleacutem disso jaacute que algo ou eacute corpoacutereo (soma)

ou incorpoacutereo (asoma) seraacute preciso que se o que

se ensina eacute algo seja ou corpoacutereo ou incorpoacutereo

Mas natildeo eacute possiacutevel ser nem corpoacutereo nem

incorpoacutereo como demonstraremos Logo natildeo

existe algo que se ensina

Περὶ σώματος

[20] Τὸ μὲν οὖν σῶμα καὶ μάλιστα κατὰ

τοὺς Στωικούς οὐκ ἂν εἴη τῶν διδακτῶν δεῖ

γὰρ τὰ διδασκόμενα λεκτὰ τυγχάνειν τὰ δὲ

σώματα οὐκ ἔστι λεκτά διόπερ οὐ

διδάσκεται εἴπερ δὲ τὰ σώματα μήτε αἰσθητά

ἐστι μήτε νοητά δῆλον ὡς οὐδὲ διδακτὰ

γενήσεται αἰσθητὰ μὲν οὖν οὐκ ἔστιν ὡς ἐκ

τῆς ἐννοίας αὐτῶν συμφανές

Sobre corpo34

O corpo de acordo principalmente com os

estoicos natildeo poderia ser uma coisa ensinaacutevel pois

as coisas que se ensinam precisam ser diziacuteveis

(lekta)35 e coisas corpoacutereas natildeo satildeo diziacuteveis por

isso natildeo satildeo ensinadas E se realmente as coisas

corpoacutereas natildeo satildeo nem sensiacuteveis (aistheta) nem

inteligiacuteveis (noeta) eacute evidente que natildeo seratildeo

ensinaacuteveis Natildeo serem sensiacuteveis eacute algo que estaacute

claro na definiccedilatildeo dos estoicos36

[21] ἢ 8 γὰρ σύνοδός ἐστι κατὰ ἀθροισμὸν

μεγέθους καὶ σχήματος καὶ ἀντιτυπίας τὸ

σῶμα ὥς φησιν Ἐπίκουρος ἢ τὸ τριχῇ

διαστατόν τουτέστι τὸ ἐκ μήκους καὶ

πλάτους καὶ βάθους καθάπερ οἱ μαθηματικοὶ

λέγουσιν ἢ τὸ τριχῇ διαστατὸν μετὰ

Pois ou o corpo eacute como diz Epicuro uma

combinaccedilatildeo por junccedilatildeo de grandeza forma e

solidez ou conforme dizem os matemaacuteticos eacute

algo de trecircs dimensotildees ou seja comprimento

largura e profundidade ou de novo segundo

Epicuro o que tem trecircs dimensotildees mais solidez (a

109

9 Blank ad loc deleta ἢ ὄγκος ἀντίτυπος ὡς ἄλλοι ou ainda uma massa soacutelida de acordo com outros pois esta definiccedilatildeo natildeo envolve diversas propriedades nem aparece em M IX ou em M XI Jaacute a tradutora francesa considera que se possa conceder valor argumentativo agrave passagem por implicar a conjunccedilatildeo de massa e resistecircncia (cf Dalimier ad loc) 10 Blank ad loc conforme Giusta p 74 Para [εἰ δὲ λογικῆς διανοίας] οὐκ 11 Blank ad loc com Blomqvist p 74 12 Blank ad loc com Blomqvist p 74 Deleta πάλιν novamente

ἀντιτυπίας ὡς πάλιν ὁ Ἐπίκουρος ἵνα τούτῳ

διορίζῃ τοῦ κενοῦ 9 ndash

fim de diferenciaacute-lo do vazio)

[22] ὅπως δrsquo ἂν ἔχῃ ἐπεὶ κατὰ σύνοδον

πολλῶν ἰδιωμάτων νοεῖται ἡ δὲ πλειόνων

ἐπισύνθεσις οὐχ ἁπλῆς τινος καὶ ἀλόγου

αἰσθήσεώς ἐστιν ἔργον ἀλλὰ λογικῆς

διανοίας εἰ δὲ λογικῆς διανοίας ltνοητόν

τιgt10 οὐκ ἔσται τῶν αἰσθητῶν τὸ σῶμα

- seja como for visto ser concebido (noeitai) por

uma conjunccedilatildeo de diversas propriedades

especiacuteficas e a combinaccedilatildeo de muitos elementos

natildeo eacute tarefa de um sentido (aisthesis) simples e

natildeo-racional (alogos) mas de pensamento

racional (logike dianoia) e se eacute tarefa de

pensamento racional eacute um inteligiacutevel o corpo natildeo

seraacute um sensiacutevel

[23] κἂν αἰσθητὸν δὲ ltπάλινgt11 αὐτὸ

ὑποθώμεθα πάλιν ἐστὶν ἀδίδακτον τὸ γὰρ

αἰσθητὸν 12 ᾗ αἰσθητόν ἐστιν οὐ διδάσκεται

οὐδεὶς γὰρ λευκὸν ὁρᾶν μανθάνει οὐδὲ

γλυκέος γεύεσθαι οὐδὲ θερμοῦ ἅπτεσθαι

οὐκ εὐώδους ὀσφραίνεσθαι ἀλλrsquo ἔστι ταῦτα

τῶν ἀδιδάκτων καὶ φυσικῶς ἡμῖν προσόντων

E mesmo supondo que seja sensiacutevel novamente eacute

algo natildeo-ensinaacutevel Pois o sensiacutevel na medida em

que eacute sensiacutevel natildeo eacute ensinado pois ningueacutem

aprende a ver o branco nem a sentir um gosto

doce ou o calor ou um odor agradaacutevel estas

coisas satildeo daquelas que natildeo satildeo ensinaacuteveis mas

fazem parte naturalmente do que somos37

[24] λείπεται οὖν νοητόν τε λέγειν τὸ σῶμα

καὶ ταύτῃ διδακτόν ὅπως δrsquo ἂν ἀληθὲς εἴη

σκοπῶμεν εἰ γὰρ μήτε μῆκός ἐστι κατrsquoἰδίαν

τὸ σῶμα μήτε πλάτος ἢ βάθος τὸ δὲ ἐξ

ἁπάντων νοούμενον ἀνάγκη πάντων

ἀσωμάτων ὄντων καὶ τὸ ἐξ αὐτῶν συστὰν

ἀσώματον νοεῖν καὶ οὐ σῶμα διὰ δὲ τοῦτο

καὶ ἀδίδακτον

Resta-nos neste caso considerar o corpo um

inteligiacutevel e por esta razatildeo algo ensinaacutevel

Vamos entatildeo examinar de que forma isto poderia

ser verdadeiro Pois se o corpo natildeo eacute nem

comprimento nem largura nem profundidade

separadamente mas o que se concebe (noein) a

partir de todas estas qualidades juntas eacute forccediloso

entatildeo jaacute que elas satildeo todas incorpoacutereas que o que

se concebe a partir delas seja tambeacutem incorpoacutereo

e natildeo um corpo por isso tambeacutem eacute natildeo-ensinaacutevel

[25] πρὸς τῷ τὸν νοοῦντα τὸ ἐκ τούτων

συνεστὼς σῶμα πρότερον ὀφείλειν αὐτὰ

ταῦτα νοεῖν ἵνα κἀκεῖνο δυνατὸν ᾖ νοεῖν ἢ

γὰρ περιπτωτικῶς αὐτὰ νοήσει ἢ κατὰ

E mais o que concebe o corpo como um conjunto

daqueles elementos deve primeiro conceber os

proacuteprios elementos para que seja entatildeo possiacutevel

conceber o tal conjunto Assim ou iraacute concebecirc-los

110 μετάβασιν ἀπὸ περιπτώσεως οὔτε δὲ

περιπτωτικῶς ἀσώματα γάρ ἐστι καὶ τῶν

ἀσωμάτων οὐκ ἀντιλαμβανόμεθα

περιπτωτικῶς ἀεὶ κατὰ θίξιν γινομένης τῆς

περὶ τὴν αἴσθησιν ἀντιλήψεως καὶ μὴν οὐδὲ

κατὰ μετάβασιν ἀπὸ περιπτώσεως τῷ μηδὲν

ἔχειν αἰσθητὸν ἀφrsquo οὗ μετιών τις ποιήσεται

τούτων ἐπίνοιαν τοίνυν οὐδὲ τὰ ἐξ ὧν τὸ

σῶμα νοεῖν δυνάμενοι πάντως οὐδὲ διδάσκειν

τοῦτο ἰσχύσομεν

por experiecircncia direta (periptotikos) ou por

transferecircncia (metabasis) a partir de uma

experiecircncia direta38 Natildeo os concebe por

experiecircncia direta jaacute que satildeo incorpoacutereos e os

incorpoacutereos natildeo satildeo apreendidos por experiecircncia

direta39 a apreensatildeo (antilepsis) sensoacuteria40 eacute

sempre motivada por contato41 Mas tampouco

com efeito por transferecircncia a partir de uma

experiecircncia direta porque natildeo haacute nenhum sensiacutevel

a partir do qual se possa fazer a transferecircncia e

chegar agrave concepccedilatildeo destes elementos42 De forma

que natildeo sendo sequer capazes de conceber os

elementos que o compotildeem muito menos seremos

capazes de ensinar o corpo

[26] Ἀλλὰ περὶ μὲν τῆς τοῦ σώματος

νοήσεώς τε καὶ ὑποστάσεως ἐν τοῖς

σκεπτικοῖς ὑπεμνήσαμεν ἀκριβέστερον νυνὶ

δὲ ἀποστάντες τούτων τῶν ἐλέγχων ἐκεῖνο

λέγωμεν ὅτι τῶν σωμάτων κατὰ τὸ ἀνωτάτω

διττή τίς ἐστι διαφορά τὰ μὲν γὰρ αὐτῶν

αἰσθητὰ καθέστηκε τὰ δὲ νοητά καὶ εἰ τὸ

διδασκόμενόν ἐστι σῶμα πάντως ἤτοι

νοητόν ἐστιν ἢ αἰσθητόν

Mas da concepccedilatildeo do corpo e de sua

subsistecircncia (hupostasis) tratamos mais

detidamente nos Discursos Ceacuteticos43 Por ora

deixando de lado tais refutaccedilotildees (elenkhoi)

voltaremos agravequele argumento que diz que os

corpos diferem primeiramente de duas formas

uns satildeo sensiacuteveis outros inteliacutegiveis E se o que

se ensina eacute corpoacutereo teraacute de ser obrigatoriamente

ou sensiacutevel ou inteligiacutevel

[27] ἀλλrsquo οὔτε αἰσθητὸν εἶναι δύναται διὰ τὸ

πᾶσιν ἐπrsquo ἴσης ὀφείλειν φαίνεσθαι καὶ

πρόδηλον ὑπάρχειν οὔτε νοητὸν διὰ τὸ

ἀδηλεῖσθαι καὶ αὐτὸ τοῦτο ἀνεπικρίτως

διαφωνεῖσθαι παρὰ πᾶσι τοῖς φιλοσόφοις

τῶν μὲν ἄτομον τοῦτο λεγόντων ὑπάρχειν

τῶν δὲ τμητόν καὶ τῶν τμητὸν φαμένων εἶναι

ἐνίων μὲν εἰς ἄπειρον τέμνεσθαι τοῦτο

ἀξιούντων ἐνίων δὲ εἰς ἐλάχιστον καὶ ἀμερὲς

καταλήγειν οὐκ ἄρα διδακτόν ἐστι τὸ σῶμα

Poreacutem natildeo eacute possiacutevel que seja sensiacutevel por ter de

ser igualmente manifesto (prodelon) e aparente

(phainesthai) para todos Tampouco eacute um

inteligiacutevel por ser natildeo-evidente e objeto de

discussatildeo sem fim entre todos os filoacutesofos uns

dizem que eacute indivisiacutevel outros que pode ser

dividido dos que dizem ser divisiacutevel uns

acreditam que se divide ao infinito (apeiros)

outros dizem que cessa em uma parte miacutenima

indivisiacutevel O corpo natildeo eacute portanto ensinaacutevel

[28] Καὶ μὴν οὐδὲ τὸ ἀσώματον πᾶν γὰρ

καὶ ὁποῖον ἄν τις ἀσώματον λέγῃ

E certamente tampouco o incorpoacutereo Pois

todo e qualquer incorpoacutereo que algueacutem afirme ser

111

13 Blank ad loc com De Marco 1956 p 153 Natildeo inserccedilatildeo de ltοὐκ ἄρα ἔστι τι τὸ διδασκόμενονgt

διδάσκεσθαι ἐάν τε τὴν Πλατωνικὴν ἰδέαν

ἐάν τε τὸ παρὰ τοῖς Στωικοῖς λεκτόν ἐάν τε

τόπον ἢ κενὸν ἢ χρόνον ἢ ἄλλο τι τῶν

τοιούτων ἵνα μηδὲν προπετὲς περὶ τῆς

ὑποστάσεως αὐτῶν λέγωμεν μηδrsquo ἑτέρας

σκέψεις ἐν ἑτέραις διεξοδεύωμεν παριστάντες

τὸ ἀνυπόστατον ἑκάστου lt ὃ gt προδήλως

μὲν ἐπιζητεῖται καὶ ἔς τrsquo ἂν ὕδωρ τε νάῃ καὶ

δένδρεα μακρὰ τεθήλῃ ζητήσεται παρὰ τοῖς

δογματικοῖς τῶν μὲν εἶναι ταῦτα

διαβεβαιουμένων τῶν δὲ μὴ εἶναι τῶν δὲ

ἐπεχόντων τὸ δὲ τὰ ἔτι ἐπίδικα καὶ ἐν

μετεώροις ἀμφισβητήσεσι κείμενα ὡς

σύμφωνα καὶ ὁμόλογα διδάσκεσθαι λέγειν

τῶν ἀτόπων ἐστίν

ensinado ndash seja a ideia platocircnica ou o diziacutevel

(lekton) dos estoacuteicos seja o lugar o vazio ou o

tempo ou qualquer outro como estes ndash sem

intenccedilatildeo de fazer qualquer afirmaccedilatildeo precipitada

(propetes)44 sobre sua subsistecircncia ou repassar

exaustivamente outras investigaccedilotildees provando a

insubsistecircncia de cada um continuam todos sendo

investigados pelos dogmaacuteticos E issolsquoenquanto as

aacuteguas correrem e as altas aacutervores floresceremrsquo45

uns sustentando firmemente que existem estas

coisas outros que natildeo existem e outros

suspendendo o juiacutezo E eacute absurdo dizer das coisas

que ainda estatildeo sob disputa e que permanecem em

controveacutersia indefinida que satildeo ensinadas como

se houvesse acordo unacircnime sobre elas

[29] Εἰ οὖν τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι σώματα

τὰ δὲ ἀσώματα δέδεικται δὲ οὐδέτερα

τούτων διδασκόμενα οὐδὲν διδάσκεται

Ἐπιχειρητέον δὲ καὶ οὕτως εἰ διδάσκεταί

τι ἤτοι ἀληθές ἐστιν ἢ ψεῦδος οὔτε δὲ

ψεῦδος διδακτόν ἐστιν ὡς αὐτόθεν

ὁμόλογον οὔτε ἀληθές τὸ γὰρ ἀληθὲς

ἄπορον ὡς ἐν τοῖς σκεπτικοῖς ὑπομνήμασι

δέδεικται καὶ τῶν ἀπόρων οὐκ ἔστι μάθησις

Portanto se das coisas que existem umas satildeo

corpoacutereas e outras incorpoacutereas e estaacute provado que

nenhuma destas se ensina nada eacute ensinado

Tambeacutem se pode argumentar da seguinte

maneira se algo eacute ensinado ou eacute verdadeiro ou eacute

falso Mas nem eacute ensinaacutevel o falso (admite-se de

imediato) nem o verdadeiro pois o que eacute

verdadeiro estaacute sujeito a aporia como foi

demonstrado nos nossos Comentaacuterios Ceacuteticos46 e

natildeo existe ensino de coisas aporeacuteticas47

[30] οὐκ ἄρα ἔστι τι τὸ διδασκόμενον

καθόλου τε εἰ διδάσκεταί τι ἤτοι τεχνικόν

ἐστιν ἢ ἄτεχνον καὶ ἄτεχνον μὲν ὂν οὐκ ἔστι

διδακτόν τεχνικὸν δὲ εἴπερ καθέστηκεν

αὐτόθεν μὲν φαινόμενον οὔτε τεχνικόν ἐστιν

οὔτε διδακτόν ἄδηλον δὲ καθεστὼς διὰ τὸ

ἀδηλεῖσθαι πάλιν ἐστὶν ἀδίδακτον13

Ὧι συναναιρεῖται καὶ ὁ διδάσκων διὰ τὸ

μὴ ἔχειν ὃ διδάξει [ᾗ ἄδηλόν ἐστιν] ὅ τε

logo natildeo existe algo que se ensina E no geral se

alguma coisa eacute ensinada ou ela faz parte de uma

arte (tekhnikon) ou natildeo faz (atekhnon) O que natildeo

faz parte de uma arte natildeo eacute ensinaacutevel E se faz

parte de uma arte ou eacute aparente em si mesma e

entatildeo nem faz parte de uma arte nem eacute ensinaacutevel

ou eacute natildeo-evidente e por ser natildeo-evidente

novamente eacute natildeo-ensinaacutevel48

Com isso anula-se tambeacutem aquele que ensina

112 μανθάνων διὰ τὸ μὴ ἔχειν ὃ μάθῃ ὅμως δrsquo

οὖν καὶ περὶ ἑκατέρου τούτων κατrsquo ἰδίαν

ἐπελθόντες ἀπορήσομεν

pois natildeo haacute o que ensinar e tambeacutem aquele que

aprende jaacute que natildeo haacute o que aprender Natildeo

obstante revelaremos as aporias relativas a cada

um deles atacando-os em especiacutefico

Περὶ τοῦ διδάσκοντος καὶ μανθάνοντος

[31] Εἰ γὰρ ἔστι τις τούτων ἤτοι ὁ ἄτεχνος

τὸν ὁμοίως ἄτεχνον διδάξει ἢ ὁ τεχνίτης τὸν

ὁμοίως τεχνίτην ἢ ὁ ἄτεχνος τὸν τεχνίτην ἢ

ἀνάπαλιν οὔτε δὲ ὁ ἄτεχνος τὸν ἄτεχνον

δύναται διδάσκειν ὡς οὐδὲ ὁ τυφλὸς τὸν

τυφλὸν ὁδηγεῖν οὔτε ὁ τεχνίτης τὸν ὁμοίως

τεχνίτην οὐδέτερος γὰρ αὐτῶν ἐδεῖτο

μαθήσεως καὶ οὐ μᾶλλον οὗτος ἐκείνου ἢ

ἐκεῖνος τούτου χρείαν ἔχει πρὸς τὸ

μανθάνειν τοῖς ἴσοις περιουσιαζόμενοι οὔτε

ὁ ἄτεχνος τὸν τεχνίτην

Sobre o que ensina e o que aprende

Pois bem se existe algum destes ou o leigo

(atekhnos) ensinaraacute ao igualmente leigo ou o

entendido (tekhnites) ensinaraacute ao igualmente

entendido ou ainda o leigo ao entendido ou o

entendido ao leigo O leigo natildeo pode ensinar o

leigo como um cego natildeo guia outro cego Nem o

entendido ao igualmente entendido porque a

nenhum deles falta ensino nem nenhum tem mais

necessidade que o outro de aprender - estando os

dois jaacute igualmente supridos Tampouco o leigo

pode ensinar ao entendido

[32] ὅμοιον γὰρ ὡς εἴ τις λέγοι τὸν βλέποντα

ὑπὸ τοῦ πεπηρωμένου ὁδηγεῖσθαι καὶ γὰρ ὁ

ἄτεχνος πρὸς τὰ τεχνικὰ τῶν θεωρημάτων

πεπηρωμένος οὐκ ἂν δύναιτό τινα διδάσκειν

ἃ μηδὲ τὴν ἀρχὴν οἶδεν καὶ ὁ τεχνίτης

διαβλέπων ἐν τοῖς τεχνικοῖς θεωρήμασι καὶ

γνῶσιν αὐτῶν ἐσχηκὼς οὐ δεήσεται τοῦ

διδάξοντος

que eacute o mesmo que supor o que enxerga sendo

guiado pelo que eacute completamente cego Pois o

leigo eacute completamente cego diante dos teoremas

(theoremata) de uma arte (tekhnika)49 de forma

que natildeo eacute possiacutevel que ensine aquilo de que natildeo

sabe o princiacutepio E o entendido que enxerga com

clareza em meio aos teoremas da arte e possui

conhecimento deles natildeo iraacute ter necessidade de um

professor50

[33] λείπεται οὖν τὸν τεχνίτην τοῦ ἀτέχνου

διδάσκαλον εἶναι λέγειν ὃ τῶν προτέρων

ἐστὶν ἀτοπώτερον ὅ τε γὰρ τεχνίτης

συνηπόρηται ἡμῖν τοῖς τῆς τέχνης

θεωρήμασιν ἐν τῷ σκεπτικῷ τόπῳ ὅ τε

ἄτεχνος οὔτε ὅτε ἐστὶν ἄτεχνος δύναται

γενέσθαι τεχνίτης οὔτε ὅτε ἐστὶ τεχνίτης ἔτι

γίνεται τεχνίτης ἀλλrsquo ἔστιν

Faltou entatildeo considerar o entendido como

professor do leigo o que eacute um disparate maior que

o anterior Pois ao tratar do ceticismo51

revelamos as aporias a que estaacute sujeito o

entendido por meio dos teoremas de sua arte E eacute

impossiacutevel que o leigo se torne um entendido

quando eacute leigo tampouco quando eacute entendido

ainda iraacute tornar-se entendido pois jaacute o eacute

[34] ἄτεχνος μὲν γὰρ ὢν ὅμοιός ἐστι τῷ ἐκ

γενετῆς τυφλῷ ἢ κωφῷ καὶ ὃν τρόπον οὗτος

Porque ser leigo eacute igual a ser cego ou surdo de

nascimento quem eacute assim jamais adquire

113 οὐδέποτε ἢ εἰς χρωμάτων ἢ εἰς φωνῶν ἐλθεῖν

ἔννοιαν πέφυκεν οὕτως οὐδὲ ὁ ἄτεχνος ἐφrsquo

ὅσον ἐστὶν ἄτεχνος τετυφλωμένος καὶ

κεκωφωμένος πρὸς τὰ τεχνικὰ θεωρήματα

οὔτε ἰδεῖν οὔτε ἀκοῦσαί τι τούτων οἷός τε

ἐστίν τεχνίτης δὲ γενόμενος οὐκέτι

διδάσκεται ἀλλὰ δεδίδακται

naturalmente a noccedilatildeo (ennoia) das cores ou dos

sons tal eacute o leigo naquilo em que eacute leigo cego e

surdo para os teoremas da arte incapaz de ver ou

entender qualquer deles E assim que se torna

entendido natildeo se ensina mais nada a ele pois jaacute

teraacute sido ensinado52

[35] Μετακτέον δὲ τὰς ἀπορίας ἐκ τῶν

περὶ μεταβολῆς καὶ πάθους γενέσεώς τε καὶ

φθορᾶς προεγκεχειρισμένων ἡμῖν ἐν ταῖς

πρὸς τοὺς φυσικοὺς ἀντιρρήσεσι τὰ δὲ νῦν

συγχωρήσαντες τοῖς ἀπὸ τῶν μαθημάτων

εἶναί τι τὸ διδασκόμενον πρᾶγμα καὶ εἶναί

τινα τὸν ὑφηγούμενον ὡσαύτως δὲ καὶ τὸν

μανθάνοντα τὸ μετὰ τοῦτο ἀπαιτῶμεν τὸν

τρόπον τῆς μαθήσεως

Tambeacutem poderiacuteamos ainda acrescentar aporias

com base nos argumentos relativos agrave mudanccedila

passividade vir-a-ser e perecer que expusemos

em nossas refutaccedilotildees dos fiacutesicos53 Por ora

faremos uma concessatildeo aos que professam

estudos ciacuteclicos supondo que existam a coisa que

se ensina algueacutem que conduz o ensino e

igualmente algueacutem que aprende isto feito vamos

questionar o modo de ensinar

Περὶ τρόπου μαθήσεως

[36] Ἢ γὰρ ἐναργείᾳ γίνεται ἢ λόγῳ τὰ τῆς

διδασκαλίας ἀλλὰ τούτων ἡ μὲν ἐνάργεια

τῶν δεικτῶν ἐστί τὸ δὲ δεικτὸν φαινόμενον

τὸ δὲ φαινόμενον ᾗ φαίνεται κοινῶς πᾶσι

ληπτόν τὸ δὲ κοινῶς πᾶσι ληπτὸν ἀδίδακτον

οὐκ ἄρα τὸ ἐναργείᾳ δεικτὸν διδακτόν

Sobre o modo de ensinar

A instruccedilatildeo ocorre ou por meio de evidecircncia

(enargeia)54 ou por meio do discurso (logos) Mas

destes a evidecircncia eacute algo que pode ser apontado e

o que pode ser apontado eacute aparente e o que eacute

aparente por ser aparente pode ser percebido por

todos em comum E o que eacute percebido comumente

por todos eacute natildeo-ensinaacutevel Portanto o que pode

ser apontado pela evidecircncia natildeo eacute ensinaacutevel

[37] ὁ δὲ λόγος ἤτοι σημαίνει ἢ οὐ σημαίνει

καὶ μηδὲν μὲν σημαίνων οὐδὲ διδάσκαλός

τινός ἐστι σημαίνων δὲ ἤτοι φύσει τι

σημαίνει ἢ θέσει καὶ φύσει μὲν οὐ σημαίνει

διὰ τὸ μὴ πάντας πάντων ἀκούειν Ἕλληνας

βαρβάρων καὶ βαρβάρους Ἑλλήνων ἢ

Ἕλληνας Ἑλλήνων ἢ βαρβάρους βαρβάρων

O discurso por sua vez ou significa ou natildeo

significa E nada significando tampouco eacute

instrutivo Poreacutem se significa ou significa por

natureza (phusei) ou por convenccedilatildeo (thesei) Natildeo

significa por natureza por isso eacute que natildeo se

compreendem todos gregos a baacuterbaros baacuterbaros a

gregos gregos a gregos baacuterbaros a baacuterbaros55

[38] θέσει δὲ εἴπερ σημαίνει δῆλον ὡς οἱ μὲν

προκατειληφότες τὰ καθrsquo ὧν αἱ λέξεις κεῖνται

E se significa por convenccedilatildeo entatildeo eacute evidente

que os que previamente apreenderam

114 καὶ ἀντιλήψονται τούτων οὐ τὸ ἀγνοούμενον

ἐξ αὐτῶν διδασκόμενοι τὸ δrsquo ὅπερ ᾔδεισαν

ἀνανεούμενοι οἱ δὲ χρῄζοντες τῆς τῶν

ἀγνοουμένων μαθήσεως οὐκέτι

Εἰ οὖν οὔτε τὸ διδασκόμενον ἔστιν οὔτε ὁ

διδάσκων οὔτε ὁ μανθάνων οὔτε ὁ τρόπος

τῆς μαθήσεως δῆλον ὡς οὐδὲ μάθημα οὐδὲ

ὁ μαθήματος προεστώς

(prokatalambaino) as coisas agraves quais se aplicam

as palavras tambeacutem iratildeo entender (antilambaino)

as palavras (lekseis) natildeo se lhes estaacute ensinando

a partir delas algo desconhecido (to

agnooumenon) mas eles se recordam o que jaacute eacute

conhecido Jaacute os que esperam pelo ensino de

coisas desconhecidas natildeo iratildeo entendecirc-las56

Portanto se natildeo existem o que se ensina

aquele que ensina aquele que aprende nem o

modo de ensinar eacute evidente que natildeo existem nem

estudo nem aquele que professa o estudo

[39] ἀλλrsquo ἐπεὶ οὐ καθολικὴν μόνον πρὸς

πάντας τοὺς μαθηματικοὺς ὑπεσχόμεθα

ποιήσασθαι τὴν ἀντίρρησιν ἀλλὰ καὶ

εἰδικωτέραν πρὸς ἕκαστον ὑποτιθέμενοι τὸ

εἶναί τι μάθημα καὶ δυνατὴν ὑπάρχειν τὴν

μάθησιν σκοπῶμεν εἰ καὶ τὸ ἑκάστου

μαθήματος ἐπάγγελμα δυνατόν ἐστι

λαμβάνοντες πρὸς τοὺς ἐλέγχους μὴ πάντα τὰ

παρὰ τοῖς ἐλεγχομένοις λεγόμενα (τοῦτο γὰρ

σὺν τῷ περισκελὲς καὶ ἀμέθοδον εἶναι τάχα

καὶ ἀδύνατόν ἐστι)

Mas como nos dispusemos a apresentar natildeo

apenas um ataque geral contra a totalidade dos

estudos ciacuteclicos mas tambeacutem um mais especiacutefico

contra cada disciplina vamos admitir

hipoteticamente que exista algo como um estudo e

que eacute possiacutevel existir o ensino e verificaremos

entatildeo se o que cada estudo propotildee eacute possiacutevel Na

refutaccedilatildeo natildeo trataremos de tudo o que eacute dito

pelos que estatildeo sendo refutados (pois isto aleacutem de

excessivo e assistemaacutetico provavelmente eacute

impossiacutevel)

[40] μήτε δrsquo ἐκ πάντων τὰ ὁποιαοῦν (τοῦτο

γὰρ ἴσως οὐδὲ καθικνεῖται αὐτῶν) ἀλλὰ τὰ

ὧν ἀναιρουμένων συναναιρεῖται πάντα καὶ

ὃν τρόπον οἱ πόλιν λαβεῖν σπεύδοντες

ἐκείνων μάλιστα ἐγκρατεῖς γίνεσθαι

σπουδάζουσιν ὧν ἁλόντων καὶ ἡ πόλις

ἑάλωκεν οἷον τείχη καθαιροῦντες ἢ στόλον

ἐμπιπράντες ἢ τὰς εἰς τὸ ζῆν ἀφορμὰς

ἀποκλείοντες οὕτω καὶ ἡμεῖς τοῖς ἀπὸ τῶν

μαθημάτων διαγωνιζόμενοι τὸ αὐτὸ

πειράζωμεν ἐξ ὧν αὐτοῖς σώζεται τὰ πάντα

οἷον ἢ ἀρχὰς ἢ τὰς ἐκ τῶν ἀρχῶν καθολικὰς

μεθόδους ἢ τὰ τέλη ἐν τούτοις γὰρ ἢ ἐκ

tampouco faremos uma escolha aleatoacuteria (porque

talvez natildeo os destruiacutessemos deste modo) mas

escolheremos justamente o que anulado anula

todo o resto E assim como os que atacam uma

cidade se esforccedilam principalmente em derrubar

muralhas pocircr fogo nos navios ou cortar suas

provisotildees - porque a conquista destas coisas

significa a conquista da cidade o mesmo faremos

noacutes ao combater os que professam estudos

ciacuteclicos atacaremos o que para eles eacute a

sustentaccedilatildeo do todo por exemplo os princiacutepios

(ta arkha) ou os meacutetodos gerais calcados nos

princiacutepios ou suas finalidades57 Pois todo estudo

115

ΠΡΟΣ ΓΡΑΜΜΑΤΙΚΟΥΣ

[41] Ἀρχέτω δὲ ἡμῖν εὐθὺς ἡ πρὸς τοὺς

γραμματικοὺς ζήτησις πρῶτον μὲν ἐπείπερ

ἀπὸ νηπιότητος σχεδὸν καὶ ἐκ πρώτων

σπαργάνων γραμματικῇ παραδιδόμεθα ἔστι

δὲ αὕτη οἷον ἀφετήριόν τι πρὸς τὴν τῶν

ἄλλων μάθησιν εἶθrsquo ὅτι παρὰ πάσας

θρασύνεται τὰς ἐπιστήμας σχεδόν τι τὴν τῶν

Σειρήνων ὑπόσχεσιν ὑπισχνουμένη

CONTRA OS GRAMAacuteTICOS

Vamos comeccedilar nossa investigaccedilatildeo

diretamente contra os gramaacuteticos (grammatikoi)59

Em primeiro lugar porque desde a primeira

infacircncia praticamente em fraldas somos

entregues agrave gramaacutetica ela funciona como ponto de

partida para o ensino das outras disciplinas60 E

em segundo porque eacute a mais pretensiosa das

lsquociecircnciasrsquo (epistemai) prometendo quase o mesmo

que prometem as Sereias61

[42] ἐκεῖναι μὲν γὰρ εἰδυῖαι ὅτι φύσει

φιλομαθής ἐστιν ἅνθρωπος καὶ πολὺς αὐτῷ

κατὰ στέρνων τῆς ἀληθείας ἵμερος ἐντέτηκεν

οὐ μόνον θεσπεσίοις μέλεσι κηλήσειν τοὺς

παραπλέοντας ὑπισχνοῦνται ἀλλὰ καὶ τὰ ὄντα

αὐτοὺς διδάξειν φασὶ γὰρ

δεῦρrsquo ἄγrsquo ἰών πολύαινrsquo Ὀδυσεῦ μέγα κῦδος

Ἀχαιῶν

νῆα κατάστησον ἵνα νωιτέρην ὄπrsquo ἀκούσῃς

οὐ γάρ πώ τις τῇδε παρέπλω νηὶ μελαίνῃ

πρίν γrsquo ἡμέων μελίγηρυν ἀπὸ στομάτων ὄπrsquo

ἀκούσῃ

ἀλλrsquo ὅ γε τερψάμενος νεῖται καὶ πλείονα

εἰδώς

ἴδμεν γάρ τοι πάνθrsquo ὅσrsquo ἐνὶ Τροίῃ εὐρείῃ

Ἀργεῖοι Τρῶές τε θεῶν ἰότητι μόγησαν

ἴδμεν δrsquo ὅσσα γένηται ἐπὶ χθονὶ

πουλυβοτείρῃ

Pois as Sereias sabem que o homem eacute por

natureza aacutevido de conhecimento e guarda no

fundo do peito intenso desejo pela verdade

Assim aos que navegam ao seu redor natildeo

prometem apenas o deleite de seus doces cantos

divinais mas tambeacutem ensinar-lhes quanto existe

(ta onta) pois dizem

ldquorsquoVem para perto famoso Odisseu dos Aquivos

orgulho

traz para caacute teu navio que possas o canto

escutar-nos

Em nenhum tempo ningueacutem por aqui navegou em

nau negra

sem nossa voz inefaacutevel ouvir qual dos laacutebios nos

soa

Bem mais instruiacutedo prossegue depois de se haver

deleitado

Todas as coisas sabemos que em Troia e vastas

campinas

τούτων συνίσταται πᾶν μάθημα

ou fundamenta-se nestes pontos ou se constitui a

partir deles58

104

pela vontade dos deuses Troianos e Argivos

sofreram

como tambeacutem quanto passa no dorso da terra

fecundarsquordquo

[Od XII 184-91 Trad Carlos Alberto Nunes]

[43] ἡ δὲ γραμματική σὺν τῷ τὰ ἐκ τῶν

μύθων τε καὶ ἱστοριῶν λόγῳ διορίζειν καὶ τὸ

περὶ τὰς διαλέκτους καὶ τεχνολογίας καὶ

ἀναγνώσεις πραγματικὸν αὐχοῦσα πολὺν

ἑαυτῆς ἐργάζεται τοῖς ἀκούουσι πόθον ἀλλrsquo

ἵνα μὴ παρὰ θύραν πλανᾶσθαι δοκῶμεν

ὑποδεικτέον πόσαι τέ εἰσι γραμματικαὶ καὶ

περὶ τίνος αὐτῶν πρόκειται ζητεῖν

E assim a gramaacutetica eacute capaz de provocar grande

desejo por ela em quem a escuta vangloriar-se do

trabalho praacutetico (to pragmatikon) acerca de

dialetos exposiccedilotildees teacutecnicas (tekhnologiai) e

criacuteticas textuais (anagnoseis)62 somado ao de

explicar racionalmente (logoi) detalhes de mitos e

histoacuterias Mas para natildeo parecer que damos voltas

ao assunto conveacutem indicar quantas gramaacuteticas

existem e qual se pretende investigar

Ποσαχῶς λέγεται γραμματική

[44] Γραμματικὴ τοίνυν λέγεται κατὰ

ὁμωνυμίαν κοινῶς τε καὶ ἰδίως καὶ κοινῶς

μὲν ἡ τῶν ὁποιωνδηποτοῦν γραμμάτων

εἴδησις ἐάν τε Ἑλληνικῶν ἐάν τε

βαρβαρικῶν ἣν συνήθως γραμματιστικὴν

καλοῦμεν ἰδιαίτερον δὲ ἡ ἐντελὴς καὶ τοῖς

περὶ Κράτητα τὸν Μαλλώτην Ἀριστοφάνην τε

καὶ Ἀρίσταρχον ἐκπονηθεῖσα

Em quantos sentidos se diz lsquogramaacuteticarsquo

Pois bem gramaacutetica se diz por homoniacutemia

num sentido geral e noutro especiacutefico Diz-se em

geral do aprendizado das letras sejam gregas ou

estrangeiras o que chamamos correntemente de

lsquogramatiacutesticarsquo No sentido especiacutefico diz-se

daquela completa organizada por Crates de

Malos Aristoacutefanes Aristarco e seus seguidores

[45] δοκεῖ δὲ τούτων ἑκατέρα καὶ ἀπό τινος

ἐτύμου φερωνύμως προσηγορεῦσθαι ἡ μὲν

γὰρ πρώτη ἀπὸ τῶν γραμμάτων οἷς

σημειούμεθα τὰς ἐνάρθρους φωνάς ἡ δὲ

δευτέρα τάχα μέν ὥς τινες ἠξιώκασι

διατατικώτερον14 ἀπὸ τῆς πρώτης μοῖρα γάρ

ἐστιν αὐτῆς καὶ ὃν τρόπον ἡ ἰατρικὴ εἴρηται

μὲν τὸ παλαιὸν ἀπὸ τῆς τῶν ἰῶν ἐξαιρέσεως

ἐπικατηγορεῖται δὲ νῦν καὶ τῆς τῶν ἄλλων

Ambas parecem estar assim denominadas a partir

do significado da palavra de origem A primeira a

partir de lsquoletrasrsquo (grammata) que usamos como

signos dos sons articulados E a segunda

acreditam alguns por extensatildeo da primeira pois

as letras satildeo uma seccedilatildeo (moira) dela Do mesmo

modo como a medicina (iatrike) no passado

recebeu este nome por remover venenos (ioi) mas

hoje se encarrega do tratamento de outros males

14 Blank ad loc ldquocom os editores anteriores e a maioria dos MSSrdquo Para διαταltκgtτικώτερον em Mau

105

παθῶν ἀνασκευῆς πολλῷ τεχνικωτέρας

οὔσης

sendo muito mais teacutecnica (tekhnikotera)

[46] καὶ ὡς γεωμετρία ἔσπακε μὲν τὴν κλῆσιν

ἀρχικῶς ἀπὸ τῆς κατὰ τὴν γῆν

καταμετρήσεως τάττεται δὲ ἐπὶ τοῦ παρόντος

καὶ κατὰ τῆς τῶν φυσικωτέρων θεωρίας

οὕτω καὶ ἡ τέλειος γραμματικὴ ἀπὸ τῆς τῶν

γραμμάτων εἰδήσεως κατrsquo ἀρχὰς

ὀνομασθεῖσα διετάθη καὶ ἐπὶ τὴν ἐν τοῖς

ποικιλωτέροις αὐτῶν καὶ τεχνικωτέροις

θεωρήμασι γνῶσιν

Ou como a geometria assim chamada no princiacutepio

por conta da mensuraccedilatildeo (metron) da terra (ge)

mas no presente se aplica a uma teoria (theoria)

mais voltada a leis da natureza (phusikoteron) O

mesmo acontece com a gramaacutetica completa que

foi nomeada no princiacutepio a partir do aprendizado

das letras e foi estendida ao conhecimento das

letras em teoremas mais variados e mais

teacutecnicos63

[47] τάχα δέ ὥς φασιν οἱ περὶ τὸν

Ἀσκληπιάδην καὶ αὐτὴ ἀπὸ μὲν γραμμάτων

ὠνόμασται οὐκ ἀπὸ τούτων δὲ ἀφrsquo ὧν καὶ ἡ

γραμματιστική ἀλλrsquo ἐκείνη μέν ὡς ἔφην

ἀπὸ τῶν στοιχείων αὕτη δὲ ἀπὸ τῶν

συγγραμμάτων περὶ οἷς πονεῖται γράμματα

γὰρ καὶ ταῦτα προσηγορεύετο καθὰ καὶ

δημόσια καλοῦμεν γράμματα καὶ πολλῶν

τινὰ γραμμάτων ἔμπειρον ὑπάρχειν φαμέν

τουτέστιν οὐ τῶν στοιχείων ἀλλὰ τῶν

συγγραμμάτων

Talvez como dizem os que seguem Asclepiacuteades

teria sido tambeacutem nomeada a partir de lsquoletrasrsquo

poreacutem natildeo no sentido que tecircm na gramatiacutestica de

lsquoelementosrsquo (stoikheia) do alfabeto como foi dito

mas desta vez por causa das composiccedilotildees

(sungrammata) sobre as quais se trabalha

Tambeacutem estas satildeo chamadas lsquoletrasrsquo do mesmo

modo que se fala em lsquoletras puacuteblicasrsquo ou quando

dizemos de algueacutem que eacute versado em lsquomuitas

letrasrsquo natildeo nos referimos assim aos elementos do

alfabeto mas a composiccedilotildees

[48] Καλλίμαχος δέ ποτὲ μὲν τὸ ποίημα

καλῶν γράμμα ποτὲ δὲ τὸ καταλογάδην

σύγγραμμα φησί

Κρεοφύλου πόνος εἰμί δόμῳ ποτὲ θεῖον

ἀοιδόν

δεξαμένου κλείω δrsquo Εὔρυτον ὅσσrsquo ἔπαθεν

καὶ ξανθὴν Ἰόλειαν Ὁμήρειον δὲ καλεῦμαι

γράμμα Κρεοφύλῳ Ζεῦ φίλε τοῦτο μέγα

καὶ πάλιν

εἴπας lsquoἭλιε χαῖρεrsquo Κλεόμβροτος

Ἀμπρακιώτης

Caliacutemaco certa vez referiu-se agrave composiccedilatildeo

poeacutetica e em outro momento agrave composiccedilatildeo em

prosa ambas como lsquoletrarsquo (gramma)

Sou trabalho de Creoacutefilo que certa vez em sua

casa o divino bardo

recebeu Canto quanto sofreu Eurito

e a loira Ioleia e sou chamado homeacuterico

poema (gramma) Caro Zeus para Creoacutefilo isto eacute

importante [Ep 6 Pfeiffer]

e ainda

Dizendo ldquoAdeus Solrdquo Cleocircmbroto de Ambraacutecia

106

ἥλατrsquo ἀφrsquo ὑψηλοῦ τείχεος εἰς Ἀίδην

ἄξιον οὐδὲν ἰδὼν θανάτου τέλος ἀλλὰ

Πλάτωνος

ἓν τὸ περὶ ψυχῆς γράμμrsquo ἀναλεξάμενος

de alta muralha ao Hades atirou-se

natildeo pensava ter motivo para morrer mas de

Platatildeo

tinha lido um soacute livro (gramma)rdquoSobre a almardquo

[Ep 23 Pfeiffer]

[49] Πλὴν διττῆς οὔσης γραμματικῆς τῆς

μὲν τὰ στοιχεῖα καὶ τὰς τούτων συμπλοκὰς

διδάξειν ἐπαγγελλομένης καὶ καθόλου τέχνης

τινὸς οὔσης τοῦ γράφειν τε καὶ ἀναγινώσκειν

τῆς δὲ βαθυτέρας παρὰ ταύτην δυνάμεως οὐκ

ἐν ψιλῇ γραμμάτων γνώσει κειμένης ἀλλὰ

κἀν τῷ ἐξετάζειν τὴν εὕρεσιν αὐτῶν καὶ τὴν

φύσιν ἔτι δὲ τὰ ἐκ τούτων συνεστῶτα λόγου

μέρη καὶ εἴ τι τῆς αὐτῆς ἰδέας θεωρεῖται

πρόκειται νῦν ἀντιλέγειν οὐ τῇ προτέρᾳ

συμφώνως γὰρ κατὰ πάντας ἐστὶ χρειώδης ἐν

οἷς θετέον καὶ τὸν Ἐπίκουρον εἰ καὶ δοκεῖ

τοῖς ἀπὸ τῶν μαθημάτων διεχθραίνειν ἐν

γοῦν τῷ περὶ δώρων καὶ χάριτος ἱκανῶς

πειρᾶται διδάσκειν ὅτι ἀναγκαῖόν ἐστι τοῖς

σοφοῖς μανθάνειν γράμματα

Existem portanto duas gramaacuteticas aquela que

promete ensinar os elementos do alfabeto e suas

combinaccedilotildees e eacute uma arte geral do ler e escrever

e aquela mais complexa cujo domiacutenio natildeo se

restringe ao simples conhecimento das letras mas

estende-se agrave investigaccedilatildeo de sua origem e

natureza e ainda das partes da sentenccedila (logou

mere)64 compostas a partir das letras e se ocupa de

coisas deste tipo Nossa intenccedilatildeo natildeo eacute falar

contra a primeira pois eacute indiscutivelmente uacutetil65

no que concorda mesmo Epicuro ainda que

pareccedila odiar os que professam estudos ciacuteclicos

Pelo menos no seu livro Sobre daacutedivas e gratidatildeo

ele se empenhou consideravelmente em mostrar

que eacute fundamental para os saacutebios aprenderem as

letras

[50] καὶ ἄλλως εἴπαιμεν ἂν ἡμεῖς οὐ σοφοῖς

μόνον ἀλλὰ καὶ πᾶσιν ἀνθρώποις ὅτι γὰρ

πάσης τέχνης τὸ τέλος εὔχρηστόν ἐστι τῷ

βίῳ φανερόν

Noacutes jaacute diriacuteamos de outra forma eacute fundamental

para todos os homens natildeo apenas para os saacutebios

Pois a finalidade (telos) de toda arte (tekhne) eacute

obviamente bastante uacutetil (eukhreston) para a

vida66

[51] τῶν δὲ τεχνῶν αἱ μὲν προηγουμένως

ὑπὲρ τῆς τῶν ὀχληρῶν ἐκκλίσεως παρῆλθον

αἱ δὲ ὑπὲρ τῆς τῶν ὠφελίμων εὑρέσεως καὶ

ἔστι τῆς μὲν πρώτης ἰδέας ἰατρική παιωνὶς

οὖσα καὶ λυσίπονος τέχνη τῆς δὲ δευτέρας

κυβερνητική τῆς γὰρ ἀπὸ τῶν ἄλλων ἐθνῶν

χρείας μάλιστα δέονται πάντες ἄνθρωποι

Haacute artes que primeiro se estabeleceram com o

propoacutesito de afastar problemas e outras cuja

intenccedilatildeo eacute trazer benefiacutecios A medicina eacute do

primeiro tipo pois eacute uma arte para a cura e aliacutevio

de sofrimentos Agrave segunda classe pertence a

navegaccedilatildeo visto que todos os homens tecircm grande

necessidade dos suprimentos provenientes de

107

outros povos e paiacuteses

[52] ἐπεὶ οὖν ἡ γραμματιστικὴ διὰ τῆς τῶν

γραμμάτων ἐπινοίας ἰᾶται μὲν ἀργότατον

πάθος τὴν λήθην συνέχει δὲ ἀναγκαιοτάτην

ἐνέργειαν τὴν μνήμην τὰ πάντα ἐπrsquo αὐτῇ

κεῖται σχεδόν καὶ οὔτε ἄλλους τι ἔνεστι τῶν

ἀναγκαίων διδάσκειν οὔτε παρrsquo ἄλλου μαθεῖν

τι τῶν λυσιτελῶν χωρὶς αὐτῆς δυνατὸν ἔσται

οὐκοῦν τῶν χρησιμωτάτων ἡ γραμματιστική

Pois bem a gramatiacutestica por meio da

compreensatildeo (epinoia) das letras promove a cura

do mais indolente dos males - o esquecimento e

suporta a atividade (energeia) mais necessaacuteria minus a

memoacuteria pois quase tudo depende dela E sem ela

natildeo eacute possiacutevel nem ensinar aos outros nenhuma

das coisas que satildeo necessaacuterias nem aprender de

outro algo beneacutefico Portanto de fato a

gramatiacutestica estaacute entre as coisas que mais nos satildeo

uacuteteis

[53] ἀμέλει γοῦν οὐδὲ θελήσαντες

δυνησόμεθα ταύτην ἀπεριτρέπτως ἀνελεῖν εἰ

γὰρ αἱ ἄχρηστον διδάσκουσαι τὴν

γραμματιστικὴν ἐπιχειρήσεις εἰσὶν εὔχρηστοι

οὔτε δὲ μνημονευθῆναι οὔτε τοῖς αὖθις

παραδοθῆναι χωρὶς αὐτῆς δύνανται χρειώδης

ἐστὶν ἡ γραμματιστική καίτοι δόξειεν ἄν

τισιν ἐπὶ τῆς ἐναντίας εἶναι προλήψεως ὁ

προφήτης τῶν Πύρρωνος λόγων Τίμων ἐν οἷς

φησι

γραμματική τῆς οὔ τις ἀνασκοπὴ οὐδrsquo

ἀνάθρησις

ἀνδρὶ διδασκομένῳ Φοινικικὰ σήματα

Κάδμου

De qualquer forma mesmo se quiseacutessemos natildeo

poderiacuteamos destruiacute-la sem nos refutarmos

(aperitreptos) Porque mesmo que fossem uacuteteis

os argumentos contra a utilidade da gramatiacutestica

natildeo seriam nem memorizados nem divulgados

sem seu auxiacutelio para tanto a gramatiacutestica eacute

necessaacuteria Poderia parecer a algueacutem que foi de

opiniatildeo contraacuteria Timon arauto das palavras de

Pirro quando disse

A gramaacutetica sobre a qual natildeo haacute consideraccedilatildeo

nem exame atento

para o homem a quem foram ensinados os feniacutecios

sinais de Cadmo

[fr 835 Lloyd-JonesParsons]

[54] οὐ μὴν οὕτως ἔχειν φαίνεται τὸ γὰρ ὑπrsquo

αὐτοῦ λεγόμενον οὐκ ἔστι τοιοῦτον κατrsquo

αὐτῆς τῆς γραμματιστικῆς καθrsquo ἣν

διδάσκεται τὰ Φοινικικὰ σήματα Κάδμου τὸ

rsquoοὐδεμία ἐστὶν ἀνασκοπὴ οὐδrsquo ἀνάθρησιςrsquo

πῶς γάρ εἰ διδάσκεταί τις αὐτήν οὐδεμίαν

ἔσχηκεν ἐπιστροφὴν αὐτῆς ἀλλὰ μᾶλλον

τοιοῦτό φησι lsquoδιδαχθέντι τὰ Φοινικικὰ

Mas na verdade natildeo eacute como parece porque

quando diz lsquosem consideraccedilatildeo nem exame atentorsquo

natildeo estaacute se referindo agrave gramatiacutestica que ensina lsquoos

sinais feniacutecios de Cadmorsquo67 Pois como poderia

ser ensinada sem ser considerada O que ele estaacute

dizendo parece ser isso lsquoaquele a quem foram

ensinados os sinais feniacutecios de Cadmo natildeo

considera aleacutem dessa nenhuma outra gramaacuteticarsquo

108

σήματα Κάδμου οὐδεμιᾶς ἄλλης παρὰ τοῦτό

ἐστι γραμματικῆς ἐπιστροφήrsquo ὅπερ

καταστρέφει οὐκ εἰς τὸ ἀχρηστεῖν ταύτην τὴν

ἐν τοῖς στοιχείοις καὶ τῷ διrsquo αὐτῶν γράφειν τε

καὶ ἀναγινώσκειν θεωρουμένην ἀλλὰ τὴν

πέρπερον καὶ περιεργοτέραν

De forma que natildeo denuncia a inutilidade daquela

que se ocupa dos elementos do alfabeto e de como

ler e escrever com eles mas sim da outra

presunccedilosa e supeacuterflua

[55] ἡ μὲν γὰρ τῶν στοιχείων χρῆσις ἤπειγεν

εἰς τὴν τοῦ βίου διεξαγωγήν τὸ δὲ μὴ

ἀρκεῖσθαι τῇ ἐκ τῆς παρατηρήσεως τούτων

παραδόσει προσεπιδεικνύναι δὲ ὡς τάδε μέν

ἐστι φωνάεντα τῇ φύσει τάδε δὲ σύμφωνα

καὶ τῶν φωναέντων τὰ μὲν φύσει βραχέα τὰ

δὲ μακρὰ τὰ δὲ δίχρονα καὶ κοινὰ μήκους τε

καὶ συστολῆς καὶ καθόλου τὰ λοιπὰ περὶ ὧν

οἱ τετυφωμένοι τῶν γραμματικῶν

διδάσκουσιν ltἄχρηστά ἐστινgt

Pois se por um lado a utilizaccedilatildeo dos elementos

do alfabeto contribui na conduccedilatildeo da vida por

outro natildeo se contentar em transmiti-los por meio

de sua observaccedilatildeo (parateresis) e ir aleacutem

apontando os que satildeo vogais por natureza os que

satildeo consoantes e dentre as vogais as que satildeo por

natureza breves e as que satildeo longas e quais satildeo

ambiacuteguas com largura e brevidade em comum

isto e no geral todo o resto que ensinam os

gramaacuteticos arrogantes eacute inuacutetil

[56] ὥστε τῇ μὲν γραμματιστικῇ πρὸς τῷ

μηδὲν ἐγκαλεῖν ἔτι καὶ τὰς ἀνωτάτω χάριτας

ὀφείλομεν τῇ δὲ λειπομένῃ προσάπτομεν

τοὺς ἐλέγχους τὸ δὲ εἴτε ὑγιῶς εἴτε

τοὐναντίον μάθοιμεν ἂν προσεξαπλώσαντες

αὐτῆς τὸν χαρακτῆρα

De modo que contra a gramatiacutestica nada temos a

dizer pelo contraacuterio somos imensamente gratos a

ela Agravequela outra eacute que vamos dirigir nossas

refutaccedilotildees Se o fazemos de modo apropriado

(hugios) ou natildeo eacute algo que soacute poderemos saber

depois que tivermos delineado seu caraacuteter

Τί ἐστι γραμματική

[57] Ἐπεὶ οὔτε ζητεῖν οὔτε ἀπορεῖν ἔστι

κατὰ τὸν σοφὸν Ἐπίκουρον ἄνευ προλήψεως

εὖ ἂν ἔχοι πρὸ τῶν ὅλων σκέψασθαι τί τrsquo

ἐστὶν ἡ γραμματική καὶ εἰ κατὰ τὴν

ἀποδιδομένην ὑπὸ τῶν γραμματικῶν ἔννοιαν

δύναται συστατόν τι καὶ ὑπαρκτὸν νοεῖσθαι

μάθημα Διονύσιος μὲν οὖν ὁ Θρᾷξ ἐν τοῖς

παραγγέλμασί φησι lsquoγραμματική ἐστιν

ἐμπειρία ὡς ἐπὶ τὸ πλεῖστον τῶν παρὰ

ποιηταῖς τε καὶ συγγραφεῦσι λεγομένωνrsquo

Que eacute a gramaacutetica

Conforme o saacutebio Epicuro nem se investiga

nem se conduz agrave aporia sem uma concepccedilatildeo

preacutevia (prolepsis) Portanto melhor seria antes de

todo o resto considerarmos com atenccedilatildeo que coisa

eacute a gramaacutetica e se conforme a definiccedilatildeo

(ennoia)68 exposta pelos gramaacuteticos eacute possiacutevel

concebecirc-la como um estudo consistente (sustatos)

e existente (huparktos)69 Dioniacutesio Traacutecio diz em

seus preceitos70 que ldquogramaacutetica eacute experiecircncia

(empeiria) na maior parte do que dizem os poetas

109

συγγραφεῖς καλῶν ὡς ἔστιν ἐκ τῆς πρὸς τοὺς

ποιητὰς ἀντεμφάσεως πρόδηλον οὐκ ἄλλους

τινὰς ἢ τοὺς καταλογάδην

πραγματευσαμένους

e escritoresrdquo71 Na oposiccedilatildeo com poetas fica claro

que lsquoescritoresrsquo natildeo se refere a outros senatildeo

agravequeles que escrevem em prosa

[58] τά τε παρὰ τοῖς ποιηταῖς [καὶ

συγγραφεῦσιν] ἃ ὁ γραμματικὸς ἑρμηνεύειν

φαίνεται καθάπερ Ὁμήρῳ τε καὶ Ἡσιόδῳ

Πινδάρῳ τε καὶ Εὐριπίδῃ καὶ Μενάνδρῳ καὶ

τοῖς ἄλλοις τά τε παρὰ τοῖς συγγραφεῦσιν

οἷον Ἡροδότῳ καὶ Θουκυδίδῃ καὶ Πλάτωνι

ὡς ἴδιον ἔργον μετέρχεται

Como sua tarefa particular72 o gramaacutetico trata

tanto do que dizem os poetas coisas que parece

interpretar (hermeneuein) (poetas como Homero

Hesiacuteodo Piacutendaro e Euriacutepides e Menandro e os

outros) quanto do que dizem os escritores (como

Heroacutedoto Tuciacutedides e Platatildeo)

[59] παρὸ καὶ οἱ χαρίεντες ἐξ αὐτῶν περὶ

πολλῶν ἐπραγματεύσαντο συγγραφέων

τοῦτο μὲν ἱστορικῶν τοῦτο δὲ ῥητορικῶν καὶ

ἤδη φιλοσόφων ζητοῦντες τίνα τε δεόντως

καὶ ἀκολούθως ταῖς διαλέκτοις εἴρηται καὶ

τίνα παρέφθαρται τί τε σημαίνει παρὰ μὲν

Θουκυδίδῃ λόγου χάριν τὸ lsquoζάγκλονrsquo καὶ

lsquoτορνεύοντεςrsquo παρὰ δὲ Δημοσθένει τὸ lsquoἐβόα

ὥσπερ ἐξ ἁμάξηςrsquo ἢ πῶς ἀναγνωστέον παρὰ

Πλάτωνι τὴν lsquoη δ οςrsquo λέξιν πότερον ψιλῶς

ἐκφέροντα τὴν πρώτην συλλαβὴν ἢ δασέως ἢ

τὴν μὲν πρώτην ψιλῶς τὴν δὲ δευτέραν

δασέως ἢ ἀμφοτέρας ψιλῶς ἢ ἐναλλάξ

Assim os que se destacam entre eles ocuparam-se

de muitos escritores diferentes ora historiadores

ora retoacutericos e ora73 filoacutesofos procurando o que

estaacute dito adequadamente de acordo com o dialeto

e o que estaacute equivocado o que significa por

exemplo zanklon74 (lsquofoicersquo) em Tuciacutedides ou

torneuontes75 ou lsquogritou como se a partir de um

carrorsquo76 em Demoacutestenes ou como deve ser lida a

expressatildeo lsquoΗΔΟΣrsquo (edos) em Platatildeo se a primeira

siacutelaba eacute aspirada ou branda se a primeira eacute

aspirada e a segunda branda se satildeo ambas

aspiradas ou ambas sem aspiraccedilatildeo77

[60] διὰ γὰρ τὰ τοιαῦτα εἴρηται ἡ γραμματικὴ

ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων Οὗτος μὲν οὖν

οὕτως ἐγκαλεῖ δὲ αὐτῷ Πτολεμαῖος ὁ

Περιπατητικὸς ὅτι οὐκ ἐχρῆν ἐμπειρίαν

εἰρηκέναι τὴν γραμματικήν [61] (αὐτὴ μὲν

Por essas razotildees eacute que se diz que a gramaacutetica eacute

experiecircncia do que dizem poetas e escritores Pois

bem isso foi o que disse Dioniacutesio Contra ele

Ptolomeu o Peripateacutetico78 argumentou que a

gramaacutetica natildeo deveria ter sido definida como

experiecircncia (jaacute que experiecircncia mesmo eacute

γὰρ ἡ ἐμπειρία τριβή τίς ἐστι καὶ ἐργάτις

ἄτεχνός τε καὶ ἄλογος ἐν ψιλῇ παρατηρήσει

καὶ συγγυμνασίᾳ κειμένη ἡ δὲ γραμματικὴ

praacutetica (tribe) que opera sem arte (atekhnos) e

sem entendimento (alogos) resumindo-se a

simples observaccedilatildeo e treino ndash mas a gramaacutetica eacute

110

τέχνη καθέστηκεν) οὐ συνορῶν ὅτι τάττεται

μὲν καὶ ἐπὶ τέχνης τοὔνομα καθὼς ἐν τοῖς

ἐμπειρικοῖς ὑπομνήμασιν ἐδιδάξαμεν

ἀδιαφόρως τοῦ βίου τοὺς αὐτοὺς ἐμπείρους τε

καὶ τεχνίτας καλοῦντος ἀφrsquo ἧσπερ ἐννοίας

καὶ ὁ Μητρόδωρος ἔφη μηδεμίαν ἄλλην

πραγμάτων ἐμπειρίαν τὸ ἑαυτῆς τέλος

συνορᾶν ἢ φιλοσοφίαν τουτέστι μηδεμίαν

τέχνην

uma arte (tekhne)) Ele natildeo percebeu que este

nome se usa tambeacutem para arte como mostramos

nos Tratados Empiacutericos79 pois na liacutengua viva80

diz-se de algueacutem tanto que eacute lsquoexperientersquo

(empeiros) como que eacute lsquoentendidorsquo (tekhnites)

sem distinccedilatildeo Essa mesma noccedilatildeo (ennoia) estaacute

por traacutes do que disse Metrodoro81 lsquonenhuma outra

experiecircncia que lida com as coisas (pragmata)

percebe sua proacutepria finalidade somente a

filosofiarsquo ou seja nenhuma outra arte

[62] τάττεται δὲ ἐξόχως καὶ ἐπὶ τῆς τῶν

πολλῶν καὶ ποικίλων πραγμάτων γνώσεως

καθὼς καὶ τοὺς πρεσβύτας πολλὰ μὲν ἰδόντας

πολλὰ δὲ ἀκούσαντας ἐμπείρους τοῦ βίου

φαμέν ὡς καὶ ὁ Εὐριπίδης

ὦ τέκνον οὐχ ἅπαντα τῷ γήρᾳ κακά

Ἐτεόκλεες πρόσεστιν ἀλλrsquo ἡμπειρία

ἔχει τι λέξαι τῶν νέων σοφώτερον

E diz-se sobretudo do conhecimento de vaacuterios

assuntos distintos como dizemos dos mais velhos

que satildeo experientes (empeiroi) na vida porque

viram e ouviram muitas coisas tal como disse

Euriacutepides

Meu filho nem tudo na velhice

eacute ruim Eteacuteocles mas a experiecircncia (empeiria)

eacute mais saacutebia no falar que os jovens

[Feniacutecias 528-530]

[63] ἐφrsquo ὅπερ ἴσως ὁ Θρᾷξ φερόμενος

σημαινόμενον ἐπεὶ πολυειδήμονά τινα καὶ

πολυμαθῆ βούλεται εἶναι τὸν γραμματικόν

ἔφη ἐμπειρίαν ὑπάρχειν τὴν γραμματικὴν τῶν

παρὰ ποιηταῖς τε καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων ὥστε τοῦτο μὲν ὑπέλαφρον

ἐκεῖνο δὲ ἴσως τις πραγματικωτέρας ἐχόμενον

ζητήσεως ἐρεῖ πρὸς αὐτόν

Provavelmente era este entatildeo o significado que

Dioniacutesio Traacutecio pretendia ao definir a gramaacutetica

como experiecircncia do que dizem poetas e

escritores dizendo que o gramaacutetico eacute erudito e

poliacutemata Assim tal objeccedilatildeo eacute irrelevante mas

talvez algueacutem o confronte com essa outra que

conteacutem uma questatildeo mais efetiva

[64] ἤτοι γὰρ τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων μόνον ἐμπειρίαν

συμβέβηκεν εἶναι τὴν γραμματικήν ἢ καὶ τῶν

μήτε παρὰ ποιηταῖς μήτε παρὰ συγγραφεῦσι

καθεστώτων ἀλλὰ μόνων μὲν τῶν παρὰ

Ou a gramaacutetica eacute uma experiecircncia apenas do que

dizem poetas e escritores ou tambeacutem de coisas

que natildeo estatildeo atestadas82 nem em poetas nem em

escritores83 Contudo ele natildeo iria responder que a

gramaacutetica eacute uma experiecircncia somente do que

111

ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσιν οὐκ ἂν εἴποιεν15

ἐμπειρίαν αὐτὴν ὑπάρχειν ἅτε ποτὲ καὶ ταῖς

ἀνὰ χεῖρα τῶν ἰδιωτῶν καὶ ἀνεπιστημόνων

ὁμιλίαις ἐφιστῶσαν 16 καὶ τὸ βάρβαρον καὶ

τὸ Ἑλληνικὸν τό τε σόλοικον καὶ τὸ μὴ

τοιοῦτον ἐξελέγχουσαν

dizem os poetas e escritores haja visto ela impor-

se amiuacutede tambeacutem ao falar cotidiano do homem

comum e sem conhecimentos averiguando o que

eacute barbarismo e o que eacute grego correto (to

Hellenikon)84 o que eacute solecismo e o que natildeo eacute

[65] εἰ δὲ καὶ τῶν μὴ παρὰ ποιηταῖς μηδὲ

συγγραφεῦσι μόνον λεγομένων ἐμπειρία

καθέστηκεν οὐκ ἔδει αὐτὴν εἶναι λέγειν lt ὃ

gt ἀπὸ μέρους ἔχειν συμβέβηκός17

Ἀλλὰ παρέντες τὸ περὶ τῶν τοιούτων

λεπτολογεῖν σκοπῶμεν ὡς ὑπεσχόμεθα εἰ

δύναται τέλος ὅσον ἐπὶ τῇ τοιαύτῃ ἐννοίᾳ

ὑποστῆναι ἡ γραμματική

E se tambeacutem eacute experiecircncia natildeo soacute das coisas que

satildeo ditas por poetas e escritores natildeo deveria ser

definida por um atributo parcial

Mas vamos deixar de lado estes pormenores e

examinar tal como nos comprometemos se no

fim eacute possiacutevel ao menos de acordo com aquela

definiccedilatildeo que subsista (hupostenai) a gramaacutetica

[66] ὅταν οὖν λέγωσιν αὐτὴν ἐμπειρίαν κατὰ

τὸ πλεῖστον τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων φασὶ πάντων ἢ

τινῶν καὶ εἰ πάντων πρῶτον μὲν οὐκέτι κατὰ

τὸ πλεῖστον ἀλλὰ πάντων ltεἶταgt καὶ εἰ

πάντων18 καὶ τῶν ἀπείρων ἄπειρα γάρ ἐστι

ταῦτα τῶν δὲ ἀπείρων οὐκ ἔστιν ἐμπειρία

διόπερ οὐδὲ γραμματική τις γενήσεται εἰ δὲ

τινῶν ἐπεὶ καὶ οἱ ἰδιῶταί τινα τῶν παρὰ

ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων εἰδότες

οὐκ ἔχουσι γραμματικὴν ἐμπειρίαν οὐδὲ

ταύτῃ εἶναι λεκτέον γραμματικήν

Pois bem ao afirmarem que ela eacute lsquouma

experiecircncia concernente agrave maior parte85 do que

dizem os poetas e escritoresrsquo referem-se ou a

todas as coisas ou apenas a algumas Se satildeo todas

as coisas entatildeo natildeo se trata mais de lsquoa maior

partersquo mas de tudo E se eacute tudo eacute do infinito que

se trata porque estas coisas satildeo infinitas De

coisas infinitas natildeo existe experiecircncia

consequentemente natildeo existiraacute algo como a

gramaacutetica E no caso de estarem se referindo

daquele modo a algumas coisas diriacuteamos que

mesmo as pessoas comuns sem possuiacuterem

experiecircncia gramatical sabem algumas das coisas

ditas por poetas e escritores Logo nem assim se

pode dizer que a gramaacutetica existe

[67] ἐκτὸς εἰ μή τι διὰ τοῦτο ltτὸgt lsquoκατὰ τὸ A natildeo ser que aleguem dizer lsquoa maior partersquo para

15 Blank ad loc natildeo concorda com a modificaccedilatildeo de Mau εἴποιltμgtεν 16 Blank ad loc natildeo inserccedilatildeo de ltθεωρεῖσθαιgt 17 Aqui optamos por natildeo seguir a escolha de Blank ad loc com Giusta p 429 οὐκ ἔδει αὐτὴν ltτούτων ἐμπειρίαgt εἶναι λέγειν ltἃgt ἀπὸ μέρους ἔχειν συμβέβηκεν 18 Blank ad loc com Giusta p 428 Por [πρῶτον μὲν] οὐκέτι κατὰ τὸ πλεῖστον ἀλλὰ πάντων καὶ εἰ πάντων

112

πλεῖστονrsquo εἰρῆσθαι φήσουσιν ἵνα ἥ τε πρὸς

τὴν πάντων ἐνιαχοῦ [ἀπορίαν] ἐμπειρίαltνgt ἥ

τε πρὸς τὸν ἰδιωτισμὸν διαφορὰ ὑποβάλληται

τοῦ μὲν γὰρ ἰδιώτου διενήνοχεν ὁ

γραμματικὸς παρόσον οὐκ ὀλίγων ὡς

ἐκεῖνος ἀλλὰ πλείστων τῶν παρὰ ποιηταῖς τε

καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων ἔμπειρός ἐστι

τῆς δὲ τῶν πάντων γνώσεως ἀδυνάτου τάχα

καθεστώσης κεχώρισται ἐπεὶ οὐ πάντα τὰ δὲ

πλεῖστα ἐξ αὐτῶν ἐπαγγέλλεται γινώσκειν

indicar de um lado a diferenccedila em relaccedilatildeo agrave

experiecircncia de eventualmente todas as coisas e

de outro a diferenccedila em relaccedilatildeo ao leigo Pois o

gramaacutetico difere do homem comum na medida em

que eacute experiente natildeo somente em alguma coisa

como aquele mas na maior parte do que eacute dito

por poetas e escritores Mas tambeacutem eacute dito para se

eximir de ter de conhecer todas as coisas algo

impossiacutevel jaacute que ele declara conhecer natildeo todas

elas mas a maioria

[68] ταῦτα δὲ οὐκ ἀπολογουμένου ἦν ἀλλὰ

κακοῖς ἐπιπληροῦντος κακὰ καὶ μηκέτι

μετρίως ἀλλrsquo ἄρδην ἐπισπωμένου τὰς

ἀπορίας πρῶτον μὲν οὖν ὡς τὰ πολλὰ

ἀόριστά ἐστι καὶ τὴν σωρικὴν γεννᾷ ἀπορίαν

οὕτω καὶ τὰ πλεῖστα ὅθεν ἢ περιγραψάτωσαν

ἡμῖν αὐτά δείξαντες ἄχρι πόσων γνώσεως

τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων ῥητέον ἢ εἴπερ ἐπὶ ἀορίστου

μένουσιν ὑποσχέσεως τὰ πλεῖστα γινώσκειν

λέγοντες παραδεχέσθωσαν τὴν παρὰ μικρὸν

ἐρώτησιν

E tais natildeo foram palavras de algueacutem que constroi

uma defesa mas sim de algueacutem que multiplica os

males e passa entatildeo a atrair as aporias de forma

completa natildeo mais moderadamente Em primeiro

lugar da mesma forma que lsquomuitosrsquo eacute

indeterminado e gera o paradoxo de sorites o

mesmo acontece com lsquoa maior partersquo Por isso ou

nos apontam um limite mostrando quanto do que

eacute dito por poetas e escritores se pode dizer que

conhecem ou caso mantenham seu compromisso

com o indeterminado sustentando conhecer lsquoa

maior partersquo destas coisas deveratildeo se submeter agrave

interrogaccedilatildeo dita lsquode pouco-em-poucorsquo

[69] τοῦ γὰρ πλείστου ὁρισθέντος ἀριθμοῦ ὁ

ἑνὶ ἐλάσσων πλεῖστος ἀκμήν ἐστιν ἐπεὶ

τελέως ἄτοπον μονάδος προσθέσει τὸν μὲν

πλεῖστον λέγειν τὸν δὲ μηδαμῶς διόπερ ἀεὶ

μονάδι μειονεκτούμενος ὁ κατrsquo αὐτοὺς

πλεῖστος ἀριθμὸς ἐλεύσεται πάντως εἰς τὸ

μηκέτι ἀριθμὸς πλεῖστος ὑπάρχειν καὶ διὰ

τοῦτο μηδὲ γραμματικήν ὅπερ ἦν τῆς

σωρικῆς ἀπορίας συμπέρασμα

Pois subtraindo-se uma unidade da quantia que

foi definida como sendo lsquoa maior partersquo o

resultado eacute ainda lsquoa maior partersquo ndash pois seria

completamente absurdo que pela adiccedilatildeo de uma

uacutenica unidade se diga de um que eacute lsquoa maior

partersquo e do outro natildeo Em seguida subtraindo-se

constantemente uma unidade da quantia que foi

considerada lsquoa maior partersquo esta acabaria

inevitavelmente a natildeo ser mais lsquoa maior partersquo

com isto a gramaacutetica natildeo existiria Esta seria

113

precisamente a conclusatildeo do paradoxo de sorites

[70] πῶς δrsquo οὐκ ὄντως γραμματικῆς

παχύτητος τὸ ἐν ἀπείρῳ πλήθει λέγειν

πλεῖστα ὡς γὰρ τὸ ὀλιγώτερον πρός τί ἐστι

καὶ κατὰ τὴν ὡς πρὸς τὸ πλεῖστον σχέσιν

νοεῖται οὕτω καὶ τὸ πλεῖστον κατὰ τὴν ὡς

πρὸς τὸ ὀλίγον σχέσιν θεωρήσεται εἰ οὖν τῶν

πλείστων ltτῶνgt παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων ἐμπειρίαν ἔχουσιν οἱ

γραμματικοί ὀλίγων ltδὲgt τῶν λοιπῶν οὐκ

ἔχουσιν

Eacute mesmo um exemplo da extrema obtusidade da

gramaacutetica dizer que um grande nuacutemero

indeterminado eacute lsquoa maior partersquo Pois com efeito

justamente como lsquomenosrsquo eacute relativo

compreendido em relaccedilatildeo ao que eacute lsquomaisrsquo da

mesma forma lsquoa maior partersquo soacute faraacute sentido na

condiccedilatildeo de estar relacionada a lsquoa menor partersquo

Portanto se os gramaacuteticos tecircm experiecircncia acerca

da lsquomaior partersquo do que eacute dito por poetas e

escritores natildeo a tecircm da parte restante a lsquomenor

partersquo

[71] εἰ δὲ καὶ τὸ ληφθέν ἐστι πλεῖστον καὶ

τὸ καταλειφθὲν ἔλασσον ltοὐ δοτέον αὐτοῖς

ὡςgt οὐκέτι τὸ πᾶν γίνεται ἄπειρον19 ὅμως δrsquo

οὖν ἵνα μηδὲν περὶ τούτων ἀκριβευώμεθα

ψεῦδός ἐστι τὸ τὰ πλεῖστα τῶν παρὰ ποιηταῖς

τε καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων γινώσκειν τὸν

γραμματικόν ἐλάχιστα γὰρ ἦν

πολλαπλασιόνων ἀπολειπομένων ἃ οὐκ οἶδε

καθὼς προβαινούσης τῆς ζητήσεως

παραστήσω

Ainda se a parte considerada eacute a maior e a parte

que resta eacute a menor o total natildeo deixa de ser da

mesma forma indeterminado Outrossim sem nos

atermos demasiado aos detalhes eacute falso que o

gramaacutetico conhece a maior parte do que dizem

poetas e escritores de fato eacute a menor parte que ele

conhece superada em muito pelas coisas que ele

natildeo sabe como demonstrarei agrave frente em minha

investigaccedilatildeo

[72] τὰ νῦν δὲ ἄλλην ἀπόδοσιν θεωρητέον

Ἀσκληπιάδης τοίνυν μέμφεται τὸν Θρᾷκα

Διονύσιον ἐμπειρίαν λέγοντα τὴν

γραμματικήν διrsquo ἣν αἰτίαν καὶ ὁ Πτολεμαῖος

ἔφη ἐγκαλεῖ δὲ αὐτῷ καὶ ltἐπὶgt τῷ20 κατὰ τὸ

πλεῖστον ἐμπειρίαν21 αὐτὴν ἀποφαίνειν

τοῦτο μὲν γὰρ τῶν στοχαστικῶν καὶ ὑπὸ τὴν

τύχην πιπτουσῶν ἐστὶ τεχνῶν ὥσπερ

Por ora outra definiccedilatildeo (apodosis) deve ser

considerada Asclepiacuteades pela mesma razatildeo que

Ptolomeu censura Dioniacutesio Traacutecio por ter

definido a gramaacutetica como experiecircncia e ainda o

acusa pelo lsquona maior partersquo Pois isso diz ele eacute

caracteriacutestico das artes que satildeo conjecturais

(stokhastikai) e sujeitas ao acaso tal como a

navegaccedilatildeo e a medicina A gramaacutetica no entanto

19 De ὀλίγων ltδὲgt na uacuteltima linha da seccedilatildeo anterior a ἄπειρον os siacutembolos indicam modificaccedilotildees de Blank ad loc segue na maior parte Giusta p 430 20 Blank ad loc com Blomqvist p 74 Por καὶ τὸ 21 Blank ad loc

114

κυβερνητικῆς καὶ ἰατρικῆς γραμματικὴ δὲ

οὐκ ἔστι στοχαστικὴ ἀλλὰ μουσικῇ τε καὶ

φιλοσοφίᾳ παραπλήσιος

natildeo eacute conjectural mas assemelha-se agrave muacutesica e agrave

filosofia

[73] rsquoεἰ μή τι δέδοικεrsquo φησί lsquoτὴν ὀλιγότητα

τοῦ βίου ὡς οὐκ οὖσαν ἱκανὴν πρὸς τὸ πάντα

περιλαβεῖν ὅπερ ἐστὶν ἄτοπον γραμματικοῦ

ἀλλrsquo οὐ γραμματικῆς ποιήσεται τὸν ὅρον

ἐπείπερ οὗτος μὲν τυχὸν ἴσως ἐπιστήμων ἐστὶ

τῶν ltπλείστων τῶνgt22 παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων ὀλιγόβιον καθεστὼς

ζῶον ἡ δὲ γραμματικὴ πάντων εἴδησιςrsquo

Asclepiacuteades disse o seguinte ldquoeacute como se Dioniacutesio

temesse que a brevidade da vida natildeo fosse

suficiente para a compreensatildeo de todas as coisas

o que eacute mesmo absurdo jaacute que ela daraacute fim86 ao

gramaacutetico natildeo agrave gramaacutetica Na verdade como

criatura de vida curta ao gramaacutetico pode mesmo

vir a acontecer de ser entendido somente na maior

parte do que eacute dito por poetas e escritores a

gramaacutetica no entanto eacute o conhecimento de todas

estas coisasrdquo87

[74] ὅθεν τὸ μὲν ἀλλάξας τοῦ ὅρου τούτου τὸ

δrsquo ἀνελών οὕτως ἀποδίδωσι τῆς γραμματικῆς

τὴν ἔννοιαν lsquoγραμματική ἐστι τέχνη τῶν

παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι λεγομένωνrsquo

οὐκ ἀνεῖλε δὲ ὁ ἀνὴρ τὰς ἀπορίας ἀλλrsquo

ἐπέτεινεν καὶ ἐν οἷς θέλει τὴν γραμματικὴν

αὔξειν ἐν τούτοις αὐτὴν ἀνεῖλεν ἔστω γὰρ

πάντων εἴδησις τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων οὐκοῦν ἐπεὶ οὐδέν

ἐστιν εἴδησις παρὰ τὸν εἰδότα οὐδὲ

γραμματική ltτιgt παρὰ τὸν εἰδότα

γραμματικόν ὡς οὐδὲ περιπάτησις παρὰ τὸν

περιπατοῦντα καὶ στάσις παρὰ τὸν ἑστῶτα

καὶ κατάκλισις παρὰ τὸν κατακείμενον

Por esse motivo muda uma parte daquela

definiccedilatildeo e suprime outra e propotildee esta definiccedilatildeo

de gramaacutetica ldquogramaacutetica eacute uma arte (tekhne) do

que eacute dito por poetas e escritoresrdquo E assim o

homem natildeo elimina nenhuma das dificuldades

mas as reforccedila e querendo enaltecer a gramaacutetica

acaba por destruiacute-la Com efeito assumindo que

ela seja o conhecimento (eidesis) de tudo que eacute

dito por poetas e escritores e o conhecimento

definitivamente natildeo existe sem o conhecedor

entatildeo tampouco a gramaacutetica existe sem o que

conhece a gramaacutetica Da mesma forma que natildeo haacute

caminhada sem caminhante ou parada sem o que

para nem descanso sem o que descansa

[75] ὡμολόγηται δὲ ὁ γραμματικὸς μὴ ἔχειν

πάντων εἴδησιν οὐκ ἄρα ἔτι ἔστιν εἴδησις

πάντων τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων διὰ δὲ τοῦτο οὐδὲ γραμματική

καὶ ἄλλως εἴπερ τέχνη ἐστὶν ἡ γραμματική

Concordou-se pois que o gramaacutetico natildeo possui

este conhecimento logo o conhecimento de tudo

que eacute dito por poetas e escritores natildeo existe por

isso natildeo existe a gramaacutetica Dito de outra forma a

gramaacutetica eacute uma arte e eacute o conhecimento de tudo

22 Blank ad loc

115

εἴδησις οὖσα πάντων τῶν παρὰ ποιηταῖς τε

καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων ἡ δὲ τέχνη

σύστημα ἐκ καταλήψεων [τῶν περὶ τὴν

γραμματικήν]23 ἐξ ἀνάγκης μηδενὸς ἔχοντος

πάντων τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ συγγραφεῦσι

λεγομένων κατάληψιν ἀνύπαρκτος γίνεται ἡ

γραμματική

que eacute dito por poetas e escritores Uma arte por

sua vez eacute um sistema composto de apreensotildees

[representaccedilotildees verdadeiras] natildeo havendo

ningueacutem que apreenda tudo que eacute dito por poetas e

escritores forccedilosamente a gramaacutetica acaba por

tornar-se inexistente (anuparktos)

[76] Χάρης δὲ ἐν τῷ πρώτῳ περὶ

γραμματικῆς τὴν τελείαν φησὶ γραμματικὴν

ἕξιν εἶναι ἀπὸ τέχνης 24 διαγνωστικὴν τῶν

παρrsquo Ἕλλησι λεκτῶν καὶ νοητῶν ἐπὶ τὸ

ἀκριβέστατον πλὴν τῶν ὑπrsquo ἄλλαις τέχναις

τὸ τελευταῖον προσθεὶς οὐ παρέργως

Caacuteres88 no primeiro livro de Sobre a

Gramaacutetica diz que ldquoa gramaacutetica completa eacute uma

habilidade (heksis) com base na arte (tekhne) que

distingue (diagnostike) o que eacute dito e pensado

pelos gregos da forma mais precisa possiacutevel

exceto o que eacute do domiacutenio de outras artesrdquo89 O

acreacutescimo final natildeo eacute supeacuterfluo

[77] ἐπεὶ γὰρ τῶν παρrsquo Ἕλλησι λεκτῶν καὶ

νοητῶν τὰ μέν ἐστιν ὑπὸ τέχναις τὰ δrsquo οὔ τῶν

μὲν ὑπὸ τέχναις οὐκ οἴεται τέχνην εἶναι καὶ

ἕξιν τὴν γραμματικήν οἷον ἐν μὲν μουσικῇ

τῆς διὰ τεσσάρων συμφωνίας καὶ τῆς

μεταβολῆς τῶν συστημάτων ἐν δὲ

μαθηματικῇ ἐκλείψεως ἢ τῆς τῶν κύκλων

θέσεως τὰ δὲ αὐτὰ καὶ ἐπὶ τῶν ἄλλων

νοητέον τεχνῶν οὐδενὸς γὰρ τῶν ὑπrsquo αὐταῖς

εἴδησις ἡ γραμματική ἀλλὰ μέθοδός τίς ἐστι

τῶν παρὰ ταύτας ἑτέρων λεκτῶν τε καὶ

νοητῶν

Pois das coisas ditas (lekton) e pensadas (noeton)

pelos gregos algumas satildeo de domiacutenio das artes

mas outras natildeo E ele natildeo considera a gramaacutetica

uma arte e habilidade do que eacute de domiacutenio das

artes tal como lsquoharmonia em quartasrsquo e lsquomudanccedila

de escalasrsquo proacuteprio da muacutesica e lsquoeclipse ou

posiccedilatildeo das esferas celestesrsquo da astronomia90

Deve-se pensar o mesmo em relaccedilatildeo agraves outras

artes Pois a gramaacutetica natildeo eacute conhecimento de

nenhuma das coisas de domiacutenio delas mas eacute um

meacutetodo para tratar de coisas ditas e pensadas fora

destes domiacutenios

[78] νοητῶν μὲν ὡς ὅτι πίσυρες τέσσαρες καὶ lsquoCoisas pensadasrsquo como por exemplo piacutesures91

23 Ao contraacuterio de Blank ad loc que segue Giusta p 428 mantemos a supressatildeo [τῶν περὶ τὴν γραμματικήν] A tradutora francesa sugere ltτῶν περὶ τὸν γραμματικόνgt lsquoem relaccedilatildeo com o gramaacuteticorsquo Cf Dalimier ad loc 24 Blank ad loc com Barwick baseado na comparaccedilatildeo com Sch DThr 118 11 insere τέχνης ltκαὶ ἱστορίαςgt lte investigaccedilatildeogt (historia) Esta inserccedilatildeo coloca tekhne e historia no mesmo niacutevel de forma que as duas funcionariam ou como ponto de partida (considerando-as como atividades) ou como material de base (considerando-as como produtos) De qualquer modo com ou sem a inserccedilatildeo a relaccedilatildeo que apo estabelece entre heksis e tekhne (kai historia) eacute bastante ambiacutegua pode ser temporal causal de origem de modo de consequecircncia etc Cf Platatildeo (Fedro 268e) Aristoacuteteles (Pr955b1) Poliacutebio (10477) DS (229) para τέχνη (tekhne) definida como ἕξις ἢ διάθεσις ἀπὸ παρατηρήσεως (heksis e diathesis apo paratereseos) lsquohabilidade ou disposiccedilatildeo com base na observaccedilatildeorsquo

116

lsquoβῆσσαιrsquo καὶ lsquoἄγκεαrsquo οἱ βάσιμοι ltκαὶ

κοῖλοιgt25 τόποι λεκτῶν δὲ τῶν περὶ τὰς

διαλέκτους οἷον ὅτι τοῦτο μὲν εἴρηται

Δωρικῶς τοῦτο δrsquo Αἰολικῶς καὶ οὐχ ᾗπερ οἱ

στωικοὶ τὸ σημαινόμενον ἀλλrsquo ἀνάπαλιν τὸ

σημαῖνον τὸ γὰρ νοητὸν ἐπὶ τοῦ

σημαινομένου [μόνου] παρείληπται

para lsquoquatrorsquo e bessai e ankea92 para lugares

lsquoacessiacuteveisrsquo e lsquoprofundosrsquo lsquoCoisas ditasrsquo como as

que dizem respeito aos dialetos por exemplo uma

coisa estaacute dita em doacuterico e outra em eoacutelico ndash mas

natildeo agrave maneira dos estoicos acerca do significado

(semainomenon) pelo contraacuterio sobre o signo

(semainon) porque a lsquocoisa pensadarsquo eacute que estaacute

associada ao significado

[79] ἔοικε δὲ καὶ Κρατήτειόν τινα κινεῖν

λόγον καὶ γὰρ ἐκεῖνος ἔλεγε διαφέρειν τὸν

κριτικὸν τοῦ γραμματικοῦ καὶ τὸν μὲν

κριτικὸν πάσης φησί δεῖ λογικῆς ἐπιστήμης

ἔμπειρον εἶναι τὸν δὲ γραμματικὸν ἁπλῶς

γλωσσῶν ἐξηγητικὸν καὶ προσῳδίας

ἀποδοτικὸν καὶ τῶν τούτοις παραπλησίων

εἰδήμονα παρὸ καὶ ἐοικέναι ἐκεῖνον μὲν

ἀρχιτέκτονι τὸν δὲ γραμματικὸν ὑπηρέτῃ

Mas Caacuteres parece usar um argumento de Crates

Pois Crates dizia que o criacutetico eacute superior ao

gramaacutetico O criacutetico diz ele precisa ser experiente

na totalidade do saber linguiacutestico (logikes

epistemes) enquanto o gramaacutetico precisa

simplesmente explicar palavras inusuais restaurar

a prosoacutedia e dominar coisas deste gecircnero por isso

o criacutetico eacute como um arquiteto e o gramaacutetico um

ajudante

[80] Ἀλλὰ τὰ μὲν τῆς ἀποδόσεως τοιαῦτα

πῇ μὲν μετριώτερα τῶν Διονυσίου

ἀτοπημάτων πῇ δὲ χείρονα ὅτι μὲν γὰρ τῆς

σωρικῆς ἀπορίας ἐξέλυσε τὴν γραμματικὴν

καὶ τῶν ἀλλοτρίων κεχώρικε θεωρημάτων

μουσικῆς τε καὶ μαθηματικῆς ὡς μὴ

προσηκόντων αὐτόθεν συμφανές τοῦ δὲ μὴ

ἀνυπόστατον ὑπάρχειν οὐδαμῶς αὐτὴν

ἐρρύσατο ἀλλὰ καὶ εἰς τὸ εἶναι τοιαύτην

μᾶλλον συνηγωνίσατο

E tais satildeo as contribuiccedilotildees da definiccedilatildeo de

Caacuteres algumas mais razoaacuteveis que os absurdos de

Dioniacutesio outras piores Que ele driblou o

paradoxo de sorites e afastou a gramaacutetica de

teoremas que lhe satildeo estranhos (como os que satildeo

proacuteprios da muacutesica e da astronomia) na medida

em que natildeo se relacionam vecirc-se de imediato

Mas de maneira alguma pocircde salvaacute-la de ser

insubsistente pelo contraacuterio acabou por

favorecer e muito para que fosse justamente

assim

[81] ὁ μὲν γὰρ Διονύσιος κατά τι διώρισε τὸν

τῆς γραμματικῆς ὅρον ἐπὶ μόνων αὐτὴν

ποιητῶν τε καὶ συγγραφέων στήσας οὗτος δὲ

περὶ πᾶσαν Ἑλληνικὴν φωνὴν καὶ περὶ πᾶν

Dioniacutesio havia posto um limite agrave gramaacutetica

estendendo-a somente ao que escreveram poetas e

escritores Jaacute Caacuteres quer que ela decirc conta de toda

palavra grega e de cada coisa significada o que se

25 Blank ad loc

117

σημαινόμενον καταγίγνεσθαι ταύτην θέλει

ὅπερ εἰ θεμιτὸν εἰπεῖν οὐδὲ θεοῖς ἀνυτόν

ἐστιν ὡς γὰρ καὶ πρότερον ἐλέγομεν οὐδεμία

μέθοδος συνίσταται περί τι ἄπειρον ἀλλὰ καὶ

μάλιστα αὐτὴ26 τοῦτο περατοῖ τῶν γὰρ

ἀορίστων ἡ ἐπιστήμη δεσμός ἐστιν

natildeo for iacutempio dizecirc-lo nem os proacuteprios deuses

realizariam Pois como dissemos antes nenhum

meacutetodo se organiza em torno ao que eacute infinito

pelo contraacuterio um meacutetodo certamente poria termo

ao infinito pois para o indeterminado o saber eacute

uma prisatildeo

[82] τὰ δὲ σημαίνοντα καὶ σημαινόμενα τῶν

πραγμάτων ἐστὶν ἄπειρα οὐκ ἄρα ἐστὶν ἡ

γραμματικὴ τέχνη περὶ τὰ σημαίνοντα καὶ

σημαινόμενα καὶ μὴν παντοῖαι γίνονται τῶν

φωνῶν μεταβολαὶ καὶ πρὸ τοῦ γεγόνασι καὶ

εἰσαῦθις γενήσονται φιλομετάβολον γάρ τί

ἐστιν ὁ αἰών οὐκ εἰς φυτὰ μόνον καὶ ζῷα

ἀλλὰ καὶ εἰς ῥήματα

E os signos e significados das coisas (pragmata)

satildeo infinitos logo a arte gramatical natildeo eacute sobre

signos e significados Aleacutem disso ocorre todo

tipo de mudanccedila nas palavras jaacute ocorreu antes e

vai continuar ocorrendo pois o tempo que natildeo

cessa eacute um amante das mudanccedilas natildeo somente

nas plantas e animais mas tambeacutem nas palavras

(remata)

[83] περὶ ἑστῶσαν δὲ ἀπειρίαν οὐχ ὅτι γε27

καὶ μεταβάλλουσαν ἀμήχανόν ἐστι γνῶσιν

ἀνθρωπίνην εὑρεῖν οὐδὲ ταύτῃ ἄρα ἡ

γραμματικὴ συστήσεται ἄλλως τε ἤτοι

τεχνικὴν οἴεται εἶναι τὴν ἕξιν ἢ ἄτεχνον καὶ

εἰ μὲν τεχνικήν πῶς οὐκ αὐτὴν εἶπε τέχνην

ἀλλὰ τὸ ἀφrsquo οὗ ἔστιν εἰ δὲ ἄτεχνον ἐπεὶ οὐ

δυνατὸν διὰ τοῦ ἀτέχνου τὸ τεχνικὸν

ὁρᾶσθαι οὐδὲ συστήσεταί τις γραμματικὴ

ἕξις τεχνικῶς διαγινώσκουσα τὰ παρrsquo Ἕλλησι

σημαίνοντά τε καὶ σημαινόμενα

E se eacute impossiacutevel encontrar conhecimento

humano acerca do que eacute infinito poreacutem estaacutevel

quanto mais seria do que muda sem cessar Logo

nem desta maneira a gramaacutetica eacute consistente

Aleacutem disso Caacuteres ou a considerou uma habilidade

teacutecnica (tekhniken) ou natildeo teacutecnica (atekhnon) E

se a considera teacutecnica porque natildeo a chamou

diretamente de lsquoartersquo ao inveacutes do lsquocom base emrsquo

Mas se natildeo eacute teacutecnica e natildeo eacute possiacutevel enxergar o

teacutecnico atraveacutes do natildeo teacutecnico tampouco seraacute

consistente alguma habilidade gramatical que

distingue de modo teacutecnico os signos e significados

dos gregos

[84] Δημήτριος δὲ ὁ ἐπικαλούμενος

Χλωρὸς καὶ ἄλλοι τινὲς τῶν γραμματικῶν

οὕτως ὡρίσαντο lsquoγραμματική ἐστι τέχνη τῶν

παρὰ ποιηταῖς τε καὶ τῶν κατὰ τὴν κοινὴν

συνήθειαν λέξεων εἴδησιςrsquo μένουσι δὲ καὶ

Demeacutetrio chamado tambeacutem de Cloro93 e

alguns outros gramaacuteticos deram essa definiccedilatildeo

ldquogramaacutetica eacute uma arte do que eacute dito pelos poetas e

tambeacutem conhecimento das palavras de uso

comum (kata ten koinen sunetheian)rdquo Nela

26 Blank ad loc com Giusta p 431 Por αὕτη 27 Blank ad loc com Giusta p 431 Por οὔ τοί γε

118

τούτοις αἱ αὐταὶ ἀπορίαι οὔτε γὰρ πάντων

τῶν παρὰ ποιηταῖς λεγομένων δύναται εἶναι

τέχνη γραμματικὴ οὔτε τινῶν

permanecem em questatildeo as mesmas aporias a

gramaacutetica natildeo pode ser uma arte nem de tudo nem

de parte do que eacute dito pelos poetas

[85] καὶ πάντων μὲν αὐτόθεν ἀδύνατον εἴγε

καὶ περὶ θεῶν καὶ περὶ ἀρετῆς καὶ ψυχῆς

λέγεται παρὰ τοῖς ποιηταῖς ὧν ἀπείρως

ἔχουσιν οἱ γραμματικοί τινῶν δὲ διὰ τὸ μὴ

εἰς τοὺς γραμματικοὺς τὸ τοιοῦτον πίπτειν

μόνους ἀλλὰ καὶ ἄλλους τινάς οἷον

φιλοσόφους καὶ μουσικοὺς καὶ ἰατρούς

συνεώρων γὰρ καὶ οἵδε τινὰ τῶν παρὰ

ποιηταῖς

Abordar tudo que eacute dito por eles eacute obviamente

impossiacutevel os poetas falam sobre deuses virtude

alma coisas de que os gramaacuteticos natildeo tecircm

qualquer experiecircncia E abordar parte do que

dizem natildeo eacute algo que seja exclusivo dos

gramaacuteticos pelo contraacuterio compartilha-se com

outros tantos como filoacutesofos muacutesicos e meacutedicos

que tambeacutem conhecem e compreendem parte do

que eacute dito pelos poetas

[86] πάλιν τε ἐν τῷ λέγειν καὶ τῶν κατὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν λέξεων εἴδησιν εἶναι τὴν

γραμματικὴν εἰ μὲν τὸ καθολικὸν λαμβάνοιεν

τὸ lsquoεἴ τινές εἰσι κατὰ τὴν κοινὴν συνήθειαν

λέξεις ἐκείνων ἐστὶν εἴδησις ἡ γραμματικήrsquo

ἁμαρτάνουσιν ἄπειροι γὰρ αἱ κατὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν λέξεις καὶ τῶν ἀπείρων

οὐκ ἔστιν εἴδησις

E estatildeo novamente equivocados ao dizerem que a

gramaacutetica eacute lsquoconhecimento das palavras de uso

comumrsquo caso tenha o sentido geral de lsquose haacute

palavras de uso comum a gramaacutetica eacute o

conhecimento delasrsquo ndash porque satildeo infinitas as

palavras de uso comum e natildeo existe

conhecimento de coisas que satildeo infinitas

[87] εἰ δὲ ἐπὶ τὸ ἐπὶ μέρους φέροιντο ὅπερ

ἴσον ἐστὶ τῷ lsquoεἰσί τινες λέξεις κατὰ τὴν

συνήθειαν τὴν κοινὴν ὧν εἴδησίς ἐστιν ἡ

γραμματικήrsquo οὐδrsquo οὕτω ποιήσουσί τι τὴν

γραμματικήν καὶ γὰρ ὁ Ἀθηναῖος εἴδησιν

ἔχει τῶν κατὰ τὴν Ἀτθίδα συνήθων λέξεων

καὶ ὁ Δωριεὺς τῶν κατὰ τὴν Δωρίδα καὶ ὁ

ῥήτωρ τῶν κατὰ τὴν ῥητορικήν καὶ ὁ ἰατρὸς

τῶν κατὰ τὴν ἰατρικήν

Mas tambeacutem se carrega o sentido particular de

lsquoexistem algumas palavras de uso comum de que a

gramaacutetica eacute o conhecimentorsquo nem assim

transformaratildeo a gramaacutetica em alguma coisa

porque um ateniense tem conhecimento das

palavras de uso comum no dialeto aacutetico e um

doacuterico daquelas de uso comum no dialeto doacuterico

um retoacuterico conhece as que satildeo geralmente usadas

na retoacuterica e um meacutedico as que satildeo comuns

dentro da medicina

[88] εἰ δὲ λέγοιεν πασῶν τῶν κατὰ τὴν κοινὴν

συνήθειαν αὐτὴν λέξεων εἴδησιν οὐχ ὡς τῶν

καθrsquo ἕκαστα καὶ ἐν μέρει πασῶν (τοῦτο γὰρ

E se for dito que ela eacute o conhecimento de todas as

palavras de uso comum mas natildeo todas em

particular uma por umarsquo (o que eacute realmente

119

ὄντως ἀδύνατον) ἀλλὰ τῶν καθόλου πασῶν

καὶ ἀνωτάτω ἐν ταῖς διαλέκτοις οἷον ὅτι

Δωριέων μέν ἐστι τοιούτῳ τόνῳ χρῆσθαι

Ἰώνων δὲ ἄλλῳ τάχα μέν τι πιθανὸν ἐροῦσιν

οὐ μὴν ἀληθές

impossiacutevel) e sim todas de forma geneacuterica e

aquilo que eacute mais geral nos dialetos (por exemplo

que os doacutericos usam uma acentuaccedilatildeo e os jocircnicos

outra) pode ateacute ser que isso soe plausiacutevel

(pithanos) mas natildeo eacute verdadeiro

[89] οὔτε γὰρ ἓν ἔθος ἐστὶ καθrsquo ἑκάστην

διάλεκτον (πολλαὶ γὰρ Δωρίδες καὶ Ἀτθίδες)

οὔτε οἱ κανόνες οὓς δοκοῦσι παραδιδόναι

πρὸς πᾶσαν ἀποτείνονται λέξιν ἀλλrsquo ἄχρι μὲν

ποσῶν καὶ ὁμοτόνων οἷον ὀξυτόνων ἢ

βαρυτόνων προκόπτουσιν πάσας δὲ

περιλαβεῖν ἀδυνατοῦσιν

Porque natildeo existe em cada dialeto um haacutebito

uacutenico satildeo muitas as formas de doacuterico e de aacutetico

Tampouco as regras (kanones) que querem

transmitir estendem-se a todas as palavras mas

aplicam-se somente agraves que tecircm o mesmo padratildeo

de acentuaccedilatildeo por exemplo ou agraves oxiacutetonas ou agraves

bariacutetonas e eacute impossiacutevel que consigam abranger

todas elas

[90] Δείγματος μὲν οὖν χάριν ταῦτrsquo

εἰρήσθω εἰς τὸ ἀνυπόστατον εἶναι τὴν

γραμματικὴν ὅσον ἐπὶ τῇ παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς αὐτῆς ἐπινοίᾳ μετελθόντες δὲ

ἀκολούθως καὶ τὰ κυριώτατα τῶν ἐν αὐτῇ

θεωρημάτων καὶ ἐξ ὧν μάλιστα λαμβάνει τὴν

ὑπόστασιν βασανίζωμεν

Eis aiacute portanto um exemplo de como se pode

argumentar partindo apenas da concepccedilatildeo dos

gramaacuteticos e revelar a insubsistecircncia da gramaacutetica

Agora passando adiante por ordem

submeteremos agrave anaacutelise tambeacutem os principais

teoremas da gramaacutetica dos quais depende

principalmente sua subsistecircncia

Τίνα μέρη γραμματικῆς

[91] Πολλῆς οὔσης καὶ ἀνηνύτου παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς περὶ μερῶν γραμματικῆς

διαστάσεως ἵνα μήτε τὸ πάρεργον ἔργου

χώραν ἐπέχειν ἡμῖν φαίνηται μήτε εἰς

ἀλλοτρίαν καὶ ὡς πρὸς τὸ παρὸν ἀνωφελῆ

ἐμβαίνοντες ὕλην ἀπολειπώμεθα τῆς

ἀναγκαιοτέρας ἀντιρρήσεως ἀπαρκέσει

λέγειν ἀσυκοφαντητότερον ὡς ἄρα τῆς

γραμματικῆς τὸ μέν ἐστιν τεχνικὸν τὸ δὲ

ἱστορικὸν28 τὸ δὲ ἰδιαίτερον διrsquoοὗ τὰ κατὰ

τοὺς ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς μεθοδεύεται

Quais as partes da gramaacutetica

As divergecircncias entre os gramaacuteticos acerca das

partes da gramaacutetica satildeo longas e interminaacuteveis94

Assim para um assunto secundaacuterio natildeo nos

desviar de nosso objetivo nem adentrarmos

mateacuteria no momento alheia e supeacuterflua

abandonando o ataque mais necessaacuterio seraacute

suficiente dizer de forma a gerar menos conflito

que as partes da gramaacutetica satildeo teacutecnica (to

tekhnikon) lsquohistoacutericarsquo (to historikon) e especiacutefica

(to idiaiteron) - por meio desta uacuteltima aborda-se o

concernente a poetas e escritores

28 Blank ad loc com Giusta p 431 Para ἱστορικὸν τὸ δὲ τεχνικὸν nos MSS

120

[92] ὧν τεχνικὸν μέν ἐστιν ἐν ᾧ περὶ τῶν

στοιχείων καὶ τῶν τοῦ λόγου μερῶν

ὀρθογραφίας τε καὶ ἑλληνισμοῦ καὶ τῶν

ἀκολούθων διατάττονται ἱστορικὸν δὲ ὅπου

περὶ προσώπων οἱονεὶ θείων τε καὶ

ἀνθρωπίνων καὶ ἡρωικῶν διδάσκουσιν ἢ περὶ

τόπων διηγοῦνται καθάπερ ὀρῶν ἢ ποταμῶν

ἢ περὶ πλασμάτων καὶ μύθων παραδιδόασιν ἢ

εἴ τι τῆς αὐτῆς ἰδέας ἐστίν

Dessas a parte teacutecnica eacute aquela na qual dispotildeem

os elementos as partes da sentenccedila (logou mere)

e tambeacutem ortografia e helenismo e o que disso se

segue A parte dita lsquohistoacutericarsquo eacute onde ensinam

sobre os personagens ndash divinos humanos e

heroacuteicos datildeo detalhes sobre lugares como

montanhas e rios retomam tradiccedilotildees associadas a

ficccedilotildees e mitos e coisas deste gecircnero95

[93] ἰδιαίτερον δὲ ltδιrsquo οὗgt τὰ κατὰ τοὺς

ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς ἐπισκοποῦσι καθrsquo ὃ29

τὰ ἀσαφῶς λεγόμενα ἐξηγοῦνται τά τε ὑγιῆ

καὶ τὰ μὴ τοιαῦτα κρίνουσι τά τε γνήσια ἀπὸ

τῶν νόθων διορίζουσιν ἀλλrsquo ὡς μὲν τύπῳ καὶ

ὁλοσχερέστερον περιλαβεῖν ταῦτά ἐστι τὰ

τῆς γραμματικῆς μέρη

E a parte especiacutefica eacute aquela atraveacutes da qual

analisam o que eacute dito por poetas e escritores

interpretam as passagens obscuras julgam o que

estaacute correto e o que natildeo e distinguem o genuiacuteno

do espuacuterio Estas satildeo de maneira geral e grosso

modo explicadas as partes da gramaacutetica96

[94] νοητέον δὲ αὐτὰ οὐ κατrsquo εἰλικρίνειαν

οὐδrsquo ὡς ἄν τις εἴποι lsquoμέρη τοῦ ἀνθρώπου

ψυχὴ καὶ σῶμαrsquo ταυτὶ μὲν γὰρ ὡς ἕτερα ὄντα

ἀλλήλων νοεῖται τὸ δὲ τεχνικὸν καὶ

ἱστορικὸν καὶ τὸ περὶ τὰς ποιήσεις καὶ

συγγραφὰς τῆς γραμματικῆς μέρη πολλὴν

ἔχει συμπλοκὴν καὶ ἀνάκρασιν πρὸς τὰ λοιπά

Mas elas natildeo devem ser entendidas como se

fossem independentes ou como dir-se-ia que lsquoas

partes do homem satildeo o corpo e a almarsquo Pois se

concebe estas uacuteltimas como coisas diferentes uma

da outra e a parte teacutecnica a lsquohistoacutericarsquo e a que

trata de poetas e escritores isto eacute as partes da

gramaacutetica satildeo muito conectadas e entrelaccediladas

umas agraves outras

[95] καὶ γὰρ ἡ τῶν ποιητῶν ἐπίσκεψις οὐ

χωρὶς τοῦ τεχνικοῦ καὶ ἱστορικοῦ γίνεται

μέρους καὶ ἑκάτερον τούτων οὐ δίχα τῆς τῶν

ἄλλων παραπλοκῆς συνέστηκεν ὥσπερ οὖν

οἱ λέγοντες τῆς ἰατρικῆς μέρη δίαιταν

χειρουργίαν φαρμακείαν οὕτω λέγουσιν ὡς

πολλῆς οὔσης ἐν τοῖς θεωρήμασιν

Pois a anaacutelise dos poetas natildeo acontece sem as

partes teacutecnica e lsquohistoacutericarsquo e cada uma delas foi

constituiacuteda em conexatildeo com as outras97 Logo eacute

assim como dizem que as partes da medicina satildeo a

dieta a cirurgia e a farmacologia falando assim

porque haacute muita interdependecircncia entre os

teoremas (a dieta com efeito natildeo se apresenta

29 Blank ad loc com Giusta p 428 Para ἰδιαίτερον δὲ τὸ κατὰ τοὺς ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς [ἐπισκοποῦσι] καθ ὃ

121

ἀλληλουχίας (καὶ γὰρ ἡ δίαιτα οὐ χωρὶς

φαρμακείας καὶ χειρουργίας πρό[ς]εισι καὶ ἡ

φαρμακεία πάλιν περιείχετο καὶ τῇ τῶν

ἄλλων δυνάμει) ὧδε καὶ ἐπὶ τοῦ παρόντος

οὐκ ἀπότακτόν τί ἐστιν ἕκαστον μέρος οὐδrsquo

εἰλικρινὲς ἀπὸ τῆς τῶν ἄλλων ἐπιμιξίας

sem a farmacologia e a cirurgia e a farmacologia

por sua vez envolve-se tambeacutem na accedilatildeo das

outras) de maneira que natildeo estatildeo no momento

separadas nem satildeo independentes umas das

outras

[96] τοῦτο δὲ προδιηρθρώσαμεν οὐ

παρέργως ἀλλrsquo ἵνα εἰδῶμεν ὡς ἂν ἕν τι ἐξ

αὐτῶν δειχθῇ ἀσύστατον δυνάμει καὶ τὰ

λοιπὰ ἀνῄρηται ὧν ἑκάτερον οὐ χωρὶς τοῦ

ἀναιρεθέντος ὑφίσταται ὅμως δὲ οὐ

ποιήσομεν τοῦτο καίπερ ὂν σύντομον ἀλλὰ

πειρασόμεθα πρὸς ἕκαστον ἀντιλέγειν ὡς εἰ

καὶ μὴ ἔχρῃζε τῆς τῶν λοιπῶν παρουσίας

τάξει δὲ ἀρκτέον ἀπὸ τοῦ πρώτου

E natildeo foi agrave toa que detalhamos tal explicaccedilatildeo mas

para nos darmos conta de que se fica provado

para qualquer das partes que eacute inconsistente

destroacutei-se por forccedila tambeacutem o resto porque

nenhuma delas subsiste sem a parte que foi

destruiacuteda Mesmo assim ainda que nos poupasse

tempo natildeo faremos dessa forma mas tentaremos

argumentar contra cada uma como se prescindisse

da presenccedila das outras Comeccedilaremos entatildeo em

ordem pela primeira

[97] Ὅτι ἀμέθοδόν ἐστι καὶ ἀσύστατον τὸ

τεχνικὸν τῆς γραμματικῆς μέρος

Διὰ πολλὰ μὲν καὶ ἄλλα δίκαιόν ἐστι μετὰ

σπουδῆς ἐξετάζειν τὴν γραμματικὴν

τεχνολογίαν μάλιστα δὲ ἁπάντων διὰ τὸ ἐπrsquo

αὐτῇ κομᾶν καὶ μέγα φρονεῖν τοὺς

γραμματικούς ἀεὶ δὲ τῶν κατὰ τὰ λοιπὰ

κοσμουμένων μαθήματα κατατρέχειν ὡς μηδὲ

τὴν κοινὴν τῶν Ἑλλήνων συνήθειαν

ἐπισταμένων καὶ ἔτι διὰ τό εἴ ποτε θλίβοιντο

ἐν ζητήσει μὴ ἄλλην εὑρίσκειν πολλάκις

ἀποφυγὴν εἰς τὸ περισπᾶν τοὺς συζητοῦντας

αὐτοῖς ἢ τὸ ὅτι βάρβαρον ἢ σόλοικόν ἐστι τὸ

ὑπrsquo αὐτῶν λεχθέν

A parte teacutecnica da gramaacutetica eacute ametoacutedica e

inconsistente

Por muitos outros motivos vale a pena

examinar seriamente a exposiccedilatildeo teacutecnica da

gramaacutetica (grammatike tekhnologia) mas

sobretudo e principalmente porque os gramaacuteticos

vangloriam-se dela com uma presunccedilatildeo

desmedida E estatildeo sempre a rebaixar os que se

dedicam a outros estudos como se estes natildeo

tivessem domiacutenio da linguagem comum dos

gregos Mas tambeacutem porque ao serem

pressionados num debate muitas vezes sem

encontrar outro recurso para escapar aos

adversaacuterios vatildeo dizer que haacute barbarismo ou

solecismo na fala deles

[98] οὐκ ὀλίγην δὲ ἂν ἔχοι μοῖραν εἰς

προτροπὴν καὶ ὅταν βλέπωμεν τοὺς μηδὲ δύο

Tambeacutem natildeo eacute pouco o estiacutemulo que adveacutem de

vermos os gramaacuteticos incapazes de juntar duas

122

σχεδὸν ῥήματα δεξιῶς εἴρειν δυναμένους

γραμματικοὺς θέλοντας ἕκαστον τῶν μέγα

δυνηθέντων ἐν εὐφραδείᾳ καὶ ἑλληνισμῷ

παλαιῶν καθάπερ Θουκυδίδην Πλάτωνα

Δημοσθένην ὡς βάρβαρον ἐλέγχειν μία γὰρ

ἀντὶ πάντων ἄμυνα γενήσεται πρὸς αὐτούς

ἐὰν τὴν ψευδώνυμον αὐτῶν τεχνολογίαν

ἄτεχνον ἀποδείξωμεν

frases direito querendo censurar como barbarismo

expressotildees de escritores antigos altamente

capacitados na correccedilatildeo e pureza do idioma grego

como Tuciacutedides Platatildeo Demoacutestenes Poreacutem uma

uacutenica accedilatildeo de resistecircncia contra eles jaacute valeraacute por

todas demonstrarmos que sua falsamente

nomeada lsquoexposiccedilatildeo teacutecnicarsquo natildeo eacute teacutecnica

(atekhnos)

[99] τάξει δὲ λεκτέον ἡμῖν πρῶτον περὶ τῶν

στοιχείων ἐξ ὧν τὰ πάντα κατrsquo αὐτοὺς

συνέστηκεν καὶ ὧν ἀναιρεθέντων

ἀγραμμάτους ἀνάγκη γίνεσθαι τοὺς

γραμματικούς

Καὶ δὴ τριχῶς λεγομένου τοῦ στοιχείου

τοῦ τε γραφομένου χαρακτῆρος καὶ τύπου καὶ

τῆς τούτου δυνάμεως καὶ ἔτι τοῦ ὀνόματος

προαγέτω νῦν ἡ ζήτησις μάλιστα περὶ τῆς

δυνάμεως αὕτη γὰρ καὶ κυρίως στοιχεῖον

παρrsquo αὐτοῖς προσηγόρευται

Por ordem devemos falar primeiro das letras

como elementos De acordo com os gramaacuteticos

elas sustentam o todo portanto sua destruiccedilatildeo

teria por consequecircncia que os gramaacuteticos se

tornariam necessariamente lsquoiletradosrsquo

De fato diz-se lsquoletrarsquo de trecircs maneiras para a

forma ou sinal graacutefico para a qualidade deste e

para o seu nome Que nossa investigaccedilatildeo prossiga

por ora enfocando a qualidade (dunamis) porque

eacute a ela principalmente que se referem quando

dizem lsquoletrarsquo

[100] εἰκοσιτεσσάρων τοίνυν στοιχείων

ὄντων τῆς ἐγγραμμάτου φωνῆς τούτων

διττὴν ὑποτίθενται κατὰ τὸ ἀνωτάτω τὴν

φύσιν τὰ μὲν γὰρ αὐτῶν φωνάεντα

προσαγορεύουσι τὰ δὲ σύμφωνα καὶ

φωνάεντα μὲν ἑπτά α ε η ι ο υ ω

σύμφωνα δὲ τὰ λοιπά τῶν δὲ φωναέντων

τρεῖς λέγουσι διαφοράς δύο μὲν γὰρ αὐτῶν

φύσει μακρὰ λέγουσι τυγχάνειν τὸ η καὶ τὸ

ω ἰσάριθμα δὲ βραχέα τὸ ε καὶ τὸ ο τρία δὲ

κοινὰ μήκους τε καὶ βραχύτητος α ι υ ἅπερ

δίχρονα καὶ ὑγρὰ καὶ ἀμφίβολα καὶ

μεταβολικὰ καλοῦσιν

Pois bem vinte e quatro satildeo os elementos que

representam graficamente a fala (engrammatos

phone) e foram divididos no mais alto da escala

em duas classes segundo a natureza a uns

chamam vogais (phonaenta) e a outros

consoantes (sumphona) As vogais satildeo sete α ε

η ι ο υ ω (alfa eacutepsilon eta iota ocircmicron

iacutepsilon ocircmega) as consoantes satildeo as que restam

Entre as vogais existem trecircs diferenccedilas dizem de

duas delas que satildeo longas por natureza - η ω (eta

ocircmega) duas breves ndash ε ο (eacutepsilon ocircmicron) e

trecircs satildeo comuns (koina) a duas qualidades

longura e brevidade - α ι υ (alfa iota iacutepsilon)

Estas uacuteltimas satildeo tambeacutem chamadas de lsquohiacutebridasrsquo

123

(dikhrona) lsquoliacutequidasrsquo (hugra) lsquoambiacuteguasrsquo

(amphibola) e lsquovariaacuteveisrsquo (metabolika)

[101] ἕκαστον γὰρ αὐτῶν πέφυκεν ὁτὲ μὲν

ἐκτείνεσθαι ὁτὲ δὲ συστέλλεσθαι οἷον τὸ μὲν

α ἐπὶ τοῦ

Ἆρες Ἄρες βροτολοιγὲ μιαιφόνε τειχεσιπλῆτα

τὸ δὲ ι

Ἴλιον εἰς ἱερήν τῇ δrsquo ἀντίος ὤρνυτrsquo Ἀπόλλων

τὸ δὲ υ

θεσπέσιον νεφέων ἐκ Διὸς ὗεν ὕδωρ

porque cada uma delas tem a propriedade de ora

alongar-se ora abreviar-se como o α em

Āres Ăres brotoloige miaiphone teikhesipleta

Ares ldquoAres guerreiro dos homens flagelo

eversor de cidadesrdquo

[Iliacuteada V 31 Trad Carlos Alberto Nunes]

Ou o ι em

Īlĭon eis hĭeren tei drsquoantios ornutrsquo Apollon

ldquopara Iacutelio santa Mas do alto de Peacutergamo veio

encontraacute-lardquo

[Il VII 20 Trad Carlos Alberto Nunes]

Ou υ em

thespesion nepheon ek Dios hūen hŭdor

lsquoAacutegua maravilhosa que das nuvens de Zeus

derrama-sersquo [fradespota1169Lloyd-

JonesParsons]

[102] τῶν δὲ συμφώνων τὰ μὲν ἡμίφωνά ἐστι

κατrsquo αὐτοὺς τὰ δὲ ἄφωνα καὶ ἡμίφωνα μὲν

ὅσα διrsquo αὑτῶν ῥοῖζον ἢ σιγμὸν ἢ μυγμὸν ἤ

τινα παραπλήσιον ἦχον κατὰ τὴν ἐκφώνησιν

ἀποτελεῖν πεφυκότα καθάπερ τὸ ζ θ λ μ ν

ξ ρ σ φ χ ψ ἢ ὥς τινες χωρὶς τοῦ θ καὶ φ

καὶ χ τὰ λειπόμενα ὀκτώ ἄφωνα δέ ἐστι τὰ

μήτε συλλαβὰς καθrsquo ἑαυτὰ ποιεῖν δυνάμενα

μήτε ἤχων ἰδιότητας αὐτὸ30 δὲ μόνον μετὰ

τῶν ἄλλων συνεκφωνούμενα καθάπερ β γ δ

κ π τ ἢ ὡς ἔνιοι καὶ τὸ θ φ χ

Entre as consoantes umas satildeo semivocaacutelicas

(hemiphona) segundo eles e outras mudas

(aphona) Agraves semivocaacutelicas eacute natural que na

pronuacutencia ocorra um sibilo assobio ou sussurro

ou um som desse tipo como em ζ θ λ μ ν ξ ρ

σ φ χ ψ (zeta theta lambda mi ni ksi rocirc

sigma phi khi psi) ou dizem alguns

excetuando-se θ φ χ (theta phi khi) as outras

oito restantes As consoantes mudas satildeo as que

natildeo satildeo capazes de formar siacutelaba por si mesmas

nem de soar isoladas mas somente quando

pronunciadas junto com outras satildeo elas β γ δ κ

π τ (beta gamma delta kappa pi tau) ou

como alguns dizem tambeacutem θ φ χ (theta phi

30 Blank ad loc com MS G Por αὐτὰ

124

khi)

[103] καὶ μὴν κοινῶς τῶν συμφώνων πάλιν τὰ

μὲν φύσει δασέα λέγουσι τὰ δὲ ψιλά καὶ

δασέα μὲν θ φ χ ψιλὰ δὲ κ π τ μόνον δέ

φασι τὸ ρ ἐπιδέχεσθαι ἑκάτερον δασύτητα

καὶ ψιλότητα λέγουσι δέ τινα τῶν συμφώνων

καὶ διπλᾶ καθάπερ τὸ ζ ξ ψ συνεστηκέναι

γάρ φασι τὸ μὲν ζ ἐκ τοῦ σ καὶ δ τὸ δὲ ξ ἐκ

τοῦ κ καὶ σ τὸ δὲ ψ ἐκ τοῦ π καὶ σ

E das consoantes em geral dizem tambeacutem que

algumas satildeo por natureza aacutesperas e outras satildeo

simples - as aspiradas θ φ χ (theta phi khi) as

simples κ π τ (kappa pi tau) E dizem que

apenas o ρ (rocirc) admite ambas as qualidades

aacutespera e simples E dizem ainda que dentre as

consoantes algumas satildeo duplas como ζ ξ ψ

(zeta ksi psi) pois satildeo combinaccedilotildees o ζ (zeta)

de σ (sigma) e δ (delta) o ξ (ksi) do κ (kappa) e σ

(sigma) e o ψ (psi) de π (pi) e σ (sigma)

[104] Τούτων δὴ προεστοιχειωμένων φημὶ

πρῶτον μὲν ἀτόπως αὐτοῖς λέγεσθαι τῶν

στοιχείων τινὰ εἶναι διπλᾶ τὸ γὰρ διπλοῦν

σύστημά ἐστιν ἐκ δυοῖν τὸ δὲ στοιχεῖον οὐκ

ἔστι σύστημα ἐκ τινῶν ἁπλοῦν γὰρ ὀφείλει

τυγχάνειν καὶ οὐκ ἐξ ἑτέρων συστατόν οὐκ

ἄρα ἔστι διπλοῦν στοιχεῖον ἄλλως τε εἰ τὰ

συστατικὰ τοῦ διπλοῦ στοιχείου στοιχεῖά

ἐστι τὸ διπλοῦν ἐκ τῶν στοιχείων συνεστὼς

οὐκ ἔσται στοιχεῖον ἀλλὰ μὴν τὰ συστατικὰ

τοῦ διπλοῦ στοιχείου στοιχεῖά ἐστιν οὐκ ἄρα

τὸ διπλοῦν ἐστι στοιχεῖον

Portanto tendo sido apresentados os elementos

primeiro direi que eacute completamente absurdo da

parte deles afirmar que alguns elementos satildeo

duplos porque lsquoduplorsquo eacute o que se compotildee de dois

e lsquoelementorsquo natildeo eacute uma composiccedilatildeo de coisas

porque tem de ser simples e natildeo composto Logo

natildeo existe um lsquoelemento duplorsquo De outra forma

se os componentes do elemento duplo satildeo

elementos o elemento duplo composto de

elementos natildeo seraacute um elemento E de fato os

componentes do elemento duplo satildeo ditos

elementos assim o elemento duplo natildeo eacute um

elemento

[105] Καὶ μὴν ὡς ταῦτα ἀναιρεῖται οὕτω

καὶ τὰ δίχρονα κοινὴν φύσιν μήκους τε καὶ

βραχύτητος ἀξιούμενα ἔχειν εἴπερ γὰρ

τοιαῦτά ἐστιν ἤτοι αὐτὸ τὸ γράμμα κατrsquo ἰδίαν

καὶ ὁ ψιλός εἰ τύχοι τοῦ α 31 χαρακτὴρ

ἐμφανιστικός ἐστι τῆς διχρόνου φύσεως ltἢgt 32 νυνὶ μὲν συστέλλεσθαι νυνὶ δὲ ἐκτείνεσθαι

δυνάμενον 33 τῇ προσῳδίᾳ

Com efeito da mesma maneira como foram

destruiacutedas s estas letras tambeacutem o podem ser as

hiacutebridas que satildeo consideradas como tendo uma

natureza comum a duas qualidades Se de fato satildeo

assim ou a letra mesma sozinha e por si proacutepria

digamos α (alfa) eacute um sinal que expressa a

natureza hiacutebrida ou eacute capaz de alongar-se e

abreviar-se por causa da prosoacutedia

31 Blank ad loc com Blomqvist p 75 ss Supressatildeo de ι υ 32 Blank ad loc com Blomqvist p 75 ss Modificaccedilotildees ltἢgt καὶ

125

[106] ἀλλrsquo ὁ μὲν χαρακτὴρ κατrsquo ἰδίαν οὐκ

ἔστι κοινοῦ φύσει στοιχείου μηνυτικός οὔτε

γὰρ ὅτι μηκύνεται οὔθrsquo ὅτι βραχύνεται οὔθrsquo

ὅτι τὸ συναμφότερον καὶ μηκύνεται καὶ

βραχύνεται ἐμφαίνει ἀλλrsquo ὃν τρόπον ἡ διrsquo

αὐτοῦ συλλαβή καθάπερ εἴρηται ἐπὶ τῆς

Ἆρες λέξεως οὐ χωρὶς τῆς προστιθεμένης

προσῳδίας οὔτrsquo εἰ μακρά ἐστιν οὔτrsquo εἰ

βραχεῖα γινώσκεται οὕτω καὶ τὸ α ι υ κατrsquo

ἰδίαν λαμβανόμενα οὐ κοινὰ ἑκατέρας ἔσται

δυνάμεως ἀλλrsquo οὐδετέρας

Mas o sinal graacutefico por si proacuteprio natildeo eacute

indicativo de um elemento de natureza comum

Pois natildeo manifesta nem que eacute longo nem que eacute

breve tampouco a combinaccedilatildeo de ambos longo e

breve Na verdade como foi dito da palavra

lsquoAresrsquo natildeo se sabe se a siacutelaba por ela mesma eacute

longa ou breve sem aplicar a prosoacutedia Do mesmo

modo tambeacutem α ι υ (alfa iota iacutepsilon) por si

mesmas tomadas natildeo seratildeo comuns a duas

qualidades mas antes a nenhuma

[107] λείπεται οὖν σὺν προσῳδίᾳ λέγειν αὐτὸ

κοινὸν ὑπάρχειν ὃ πάλιν ἐστὶν ἀμήχανον

προσλαμβάνον γὰρ ταύτην ἢ μακρὸν γίνεται

ὅτε ἔστι μακρά ἢ βραχύ ὅτε ἔστι βραχεῖα

κοινὸν δὲ οὐδέποτε οὐκ ἄρα ἔστι φύσει

δίχρονα στοιχεῖα

Faltou entatildeo considerar que existiria como

elemento comum por causa do uso O que mais

uma vez eacute impossiacutevel Pois de acordo com a

prosoacutedia o elemento se torna longo ou breve

jamais vai ser tornar lsquocomumrsquo Logo natildeo existem

elementos hiacutebridos por natureza

[108] εἰ δὲ λέγοιεν κοινὰ φύσει ὑπάρχειν

ταῦτα παρόσον ἐπιδεκτικά ἐστιν ἑκατέρου

μήκους τε καὶ συστολῆς λήσονται σχεδὸν εἰς

τὴν αὐτὴν ἐγκυλισθέντες ἀπορίαν τὸ γὰρ

ἐπιδεκτικόν τινος οὐκ ἔσται ἐκεῖνο τὸ οὗπερ

ἐπιδεκτικόν ἐστιν ὥσπερ γὰρ ὁ χαλκὸς

ἐπιδεκτικὸς μέν ἐστι τοῦ ἀνδριὰς γενέσθαι

οὐκ ἔστι δὲ ἀνδριὰς ἐφrsquo ὅσον ἐπιδεκτικός

ἐστι καὶ ὃν τρόπον τὰ ξύλα ἐπιτήδειον μὲν

ἔχει φύσιν εἰς τὸ ναῦς γενέσθαι οὔπω δὲ ἔστι

ναῦς οὕτω καὶ τὰ τοιαῦτα τῶν στοιχείων

ἐπιδεκτικὰ ltμένgt ἐστι μήκους τε καὶ

συστολῆς οὔτε δὲ μακρά ἐστιν οὔτε βραχέα

οὔθrsquo ἑκάτερον πρὶν ἀπὸ προσῳδίας

ποιωθῆναι

E caso afirmem que elementos comuns existem

por natureza na medida em que satildeo suscetiacuteveis de

ambas as qualidades longura e brevidade

envolver-se-atildeo sem perceberem praticamente na

mesma aporia Pois aquilo que eacute suscetiacutevel de algo

natildeo eacute aquilo de que eacute suscetiacutevel assim como o

bronze eacute suscetiacutevel de transformar-se em estaacutetua

mas natildeo eacute uma estaacutetua Os troncos de aacutervore

possuem natureza suscetiacutevel a moldarem-se em

barco mas natildeo satildeo barco ainda Da mesma forma

os elementos suscetiacuteveis de serem longos ou

breves natildeo satildeo longos nem satildeo breves nem

ambas as coisas antes de serem dotados de tal

qualidade de acordo com a prosoacutedia

33 Blank ad loc com Blomqvist p 75 ss Supressatildeo κοινὸν σὺν

126

[109] πρός γε μὴν τοῖς λεχθεῖσιν ἐναντίον

ἐστὶν ἥ τε βραχύτης καὶ ἡ ἐπέκτασις καὶ οὐ

συνυφίσταται ἀναιρέσει γὰρ τῆς βραχύτητος

ἡ ἐπέκτασις συνίσταται καὶ ἀναιρουμένης

μακρᾶς βραχεῖα γίνεται παρrsquo ἣν αἰτίαν

ἀδύνατον περισπωμένην βραχεῖαν γενέσθαι

διὰ τὸ τῷ περισπασμῷ κατrsquo ἀνάγκην

συνυφίστασθαι τὴν ἐπέκτασιν

Ao que foi dito acrescente-se que breve e longa

satildeo qualidades contraacuterias e natildeo coexistem Pois o

alongamento consiste na destruiccedilatildeo da brevidade

uma breve surge por se destruir uma longa Por

esse motivo eacute que uma breve natildeo recebe acento

circunflexo porque necessariamente acento

circunflexo coexiste com alongamento

[110] διόπερ εἰ φύσει τι δίχρονόν ἐστι

στοιχεῖον ἤτοι ὑφrsquo ἓν περὶ αὐτὸ ἥ τε τῆς

βραχύτητος καὶ ἡ τῆς ἐπεκτάσεως

ὑποστήσεται δύναμις ἢ παρὰ μέρος ἀλλrsquo ὑφrsquo

ἓν μὲν ἀμήχανον περὶ γὰρ τὴν αὐτὴν

ἐκφώνησιν κατὰ τὸ αὐτὸ ἀναιρετικαὶ

ἀλλήλων δυνάμεις οὐκ ἂν ὑποσταῖεν λείπεται

ἄρα παρὰ μέρος ὃ πάλιν ἐστὶν ἀπίθανον ὅτε

γὰρ ἔστι μακρόν τότε οὐκ ἔστι κοινὸν

στοιχεῖον βραχύτητος καὶ μήκους ltἀλλὰ

μακρόν μόνον καὶ ὅτε ἐστὶ βραχὺ οὐκ ἔστι

κοινὸνgt 34 ἀλλὰ βραχὺ μόνον

Assim se o elemento eacute por natureza hiacutebrido as

qualidades de breve e longa subsistem nele ou ao

mesmo tempo ou em separado Mas eacute impossiacutevel

que subsistam ao mesmo tempo porque na

proacutepria pronuacutencia do elemento mesmo qualidades

com forccedilas mutuamente destrutivas natildeo

subsistiriam Portanto resta que subsistam em

separado O que por sua vez eacute implausiacutevel pois

se eacute longo entatildeo natildeo eacute um elemento comum a

duas qualidades longura e brevidade ao

contraacuterio eacute somente longo e se eacute breve natildeo eacute

comum apenas breve

[111] Ὁ δrsquo αὐτὸς τῆς ἐπιχειρήσεως τρόπος

γινέσθω καὶ ἐπὶ τῶν φύσει ψιλῶν ἢ δασέων ἢ

καθrsquo ἑκάτερον κοινῶν ἡμῖν δὲ ἀπόχρη τὸ

γένος τῆς ἐπιχειρήσεως ὑποδεῖξαι

Καὶ μὴν ἐπεὶ ἀνῄρηται τὰ κοινὰ καὶ

δέδεικται τὸ ἐκτείνεσθαι μόνον αὐτὰ ἢ

συστέλλεσθαι ἀκολουθήσει καὶ τὸ δισσὸν

ὑπάρχειν ἕκαστον τὸ μὲν φύσει μακρὸν τὸ δrsquo

αὖ φύσει βραχύ

O mesmo modo de contra-argumentar deve ser

admitido contra as que satildeo ditas por natureza

aspiradas simples ou comuns Basta-nos por ter

indicado o tipo de argumento

E na verdade jaacute que foram destruiacutedas as

comuns e ficou claro que as mesmas satildeo apenas

ou longas ou breves segue-se que de cada uma

haacute duas uma eacute longa por natureza e a outra o

oposto breve por natureza

[112] δισσοῦ οὖν ὄντος τοῦ α καὶ ι καὶ υ

οὐκέτι ἑπτὰ γενήσεται μόνον στοιχεῖα

φωνάεντα ὧν δύο μὲν μακρά τό τε η καὶ τὸ

Portanto se α ι υ (alfa iota iacutepsilon) satildeo duplas

natildeo teremos mais apenas sete elementos como

vogais dois longos ndash η ω (eacuteta ocircmega) dois

34 Blank ad loc

127

ω δύο δὲ βραχέα τό τε ε καὶ τὸ ο τρία δὲ

δίχρονα τό τε α καὶ ι καὶ υ ἀλλὰ τὰ

σύμπαντα δέκα καὶ τούτων τὰ πέντε μὲν

μακρά τό τε η καὶ τὸ ω καὶ τὸ μακρὸν α καὶ ι

καὶ υ ἰσάριθμα δὲ τὰ βραχέα τὸ ο καὶ τὸ ε

καὶ τὸ βραχὺ α καὶ ι καὶ υ

breves ndash ε ο (eacutepsilon ocircmicron) e trecircs hiacutebridos ndash

α ι υ (alfa iota iacutepsilon) mas teremos ao todo

dez cinco dos quais satildeo longos - η ω (eta

ocircmega) e α ι υ (alfa iota iacutepsilon) longos e

cinco breves - ε ο (epsilon ocircmicron) e α ι υ

(alfa iota iacutepsilon) breves

[113] ἀλλrsquo ἐπεὶ οὐ δύο μόνον ὑπειλήφασιν

εἶναι προσῳδίας γραμματικῶν παῖδες τήν τε

μακρὰν καὶ βραχεῖαν ἀλλὰ καὶ ὀξεῖαν

βαρεῖαν περισπωμένην δασεῖαν ψιλήν

ἕκαστον τῶν ὑποδεδειγμένων φωναέντων

ἔχον τινὰ τούτων κατrsquo ἰδίαν προσῳδίαν

γενήσεται στοιχεῖον καὶ ᾧ λόγῳ οὐδὲν ἦν

κοινὸν μήκους τε καὶ βραχύτητος στοιχεῖον

ἀλλrsquo ἢ μακρὸν μόνον ὅτrsquo εἶχε τὴν μακράν ἢ

βραχύ ὅτrsquo εἶχε τὴν βραχεῖαν τῷ αὐτῷ λόγῳ

οὐδὲν ἔσται κοινὸν ὀξύτητος καὶ βαρύτητος

ἀλλrsquo ἢ ὀξὺ μόνον ὅτε προσειλήφει τὴν

ὀξεῖαν ἢ βαρύ ὅτε τὴν βαρεῖαν καὶ ἐπὶ τῶν

ἄλλων τὸ ἀνάλογον ἐπεὶ οὖν τὰ μὲν βραχέα

δύrsquo ὄντα ἀνὰ πέντε ἐπιδέχεται προσῳδίας

βραχεῖαν ὀξεῖαν βαρεῖαν δασεῖαν ψιλήν δέκα

γενήσεται

Poreacutem visto natildeo serem apenas duas as nuances

prosoacutedicas que a classe dos gramaacuteticos assume a

saber longa e breve mas tambeacutem agudo grave

circunflexo aspirado e simples - cada uma das

vogais mencionadas antes realizando-se

prosodicamente com cada um destes traccedilos seraacute

entatildeo um elemento E de acordo com o

argumento natildeo haacute elemento misto breve e longo -

mas somente o longo quando possui o traccedilo

longo e o breve quando possui o traccedilo breve -

pelo mesmo motivo natildeo existiraacute um elemento

misto agudo e grave mas apenas agudo se leva o

acento agudo ou grave se possui o acento grave

e com os outros dar-se-aacute da mesma forma

Portanto jaacute que as breves satildeo duas e admitem ateacute

cinco marcas prosoacutedicas breve aguda grave

aspirada e simples seratildeo na verdade dez

[114] τὰ δὲ μακρὰ πάλιν δύο ὄντα ltἐπεὶgt35 ἐκ

περισσοῦ προσλαμβάνει καὶ τὴν προσῳδίαν

τὴν περισπωμένην (μηκύνεται γὰρ ταῦτα καὶ

ὀξύνεται καὶ βαρύνεται καὶ δασύνεται καὶ

ψιλοῦται καὶ ἰδιαίτερον περισπᾶσθαι πέφυκε)

γενήσεται δώδεκα τὰ δὲ κοινὰ τρία

καθεστῶτα τὰς ἑπτὰ προσῳδίας καθrsquo ἕκαστον

ἐπιδέχεται καὶ ταύτῃ γίνεται εἴκοσι καὶ ἕν

ὥστε πάντα τεσσαράκοντα καὶ τρία

As longas por sua vez tambeacutem satildeo duas mas

como recebem adicionalmente o acento

circunflexo - podem ser com efeito longas

agudas graves aspiradas simples e por sua

caracteriacutestica proacutepria circunflexas - tornar-se-atildeo

portanto doze E as trecircs vogais ditas comuns

podem receber cada uma sete marcas prosoacutedicas

Dessa forma acabam por ser vinte e uma Assim

no total satildeo quarenta e trecircs98 Somando-se a estas

35 Blank ad loc com Giusta p 431 Por Hervetus ltεἰgt

128

τυγχάνειν οἷς τῶν δεκαεπτὰ συμφώνων

προστιθεμένων ἑξήκοντα γίνεσθαι στοιχεῖα

ἀλλrsquo οὐκ εἰκοσιτέσσαρα

as dezessete consoantes teremos sessenta

elementos e natildeo vinte e quatro99

[115] Ἔστι δὲ καὶ ἕτερος λόγος καθrsquo ὃν

ἀξιοῦται διαφόρως τὰ φωνάεντα πάλιν

στοιχεῖα ἐλάσσονα εἶναι τῶν παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς θρυλουμένων ἑπτά εἰ γὰρ τὸ α

κατrsquo αὐτοὺς ἐκτεινόμενον καὶ συστελλόμενον

οὐχ ἕτερόν ἐστι στοιχεῖον ἀλλrsquo ἓν κοινόν

ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ ι καὶ τὸ υ ἀκολουθήσει

καὶ τὸ ε καὶ τὸ η ἓν εἶναι στοιχεῖον κατὰ τὴν

αὐτὴν δύναμιν κοινόν ἡ γὰρ αὐτὴ δύναμις

ἐπrsquo ἀμφοτέρων ἐστί καὶ συσταλὲν μὲν τὸ η

γίνεται ε ἐκταθὲν δὲ τὸ ε γίνεται η κατὰ δὲ

τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τὸ ο καὶ τὸ ω 36 μία

στοιχείου γενήσεται φύσις κοινή ἐκτάσει καὶ

συστολῇ διαφέρουσα ἐπείπερ τὸ μὲν ω

μακρόν ἐστιν [τὸ] ο τὸ δὲ ο βραχύ ἐστιν ω

Haacute ainda um outro argumento segundo o qual

as vogais satildeo diferentemente valoradas e desta

vez somam menos elementos do que os sete

alardeados pelos gramaacuteticos Pois se o α (alfa)

conforme eles dizem natildeo eacute separado um longo

outro breve mas um uacutenico elemento comum dar-

se-ia exatamente o mesmo com ι e υ (iota

iacutepsilon) Mas assim tambeacutem ε e η (epsilon eacuteta)

seriam um soacute elemento com a mesma qualidade -

porque a mesma qualidade existe em ambos

abreviando o η (eta) torna-se ε (epsilon)

alongando o ε (epsilon) torna-se η (eacuteta) Do

mesmo modo tambeacutem ο e ω (ocircmicron ocircmega)

teratildeo uma soacute natureza comum diferindo quando eacute

breve ou longo visto que ω (ocircmega) eacute um ο

(ocircmicron) longo enquanto o ο (ocircmicron) eacute um ω

(ocircmega) breve

[116] τυφλώττουσιν οὖν οἱ γραμματικοὶ καὶ

τὸ ἀκόλουθον αὑτοῖς οὐ συνορῶσι λέγοντες

ἑπτὰ φωνάεντα τυγχάνειν πέντε μόνων ὄντων

πρὸς τὴν φύσιν

Καὶ ἀναστρόφως ἔσεσθαί τινά φασιν ἔνιοι

τῶν φιλοσόφων πλείονα στοιχεῖα διάφορον

ἔχοντα δύναμιν τῶν συνήθως παραδιδομένων

οἷον καὶ τὸ αι καὶ τὸ ου καὶ πᾶν ὃ τῆς ὁμοίας

ἐστὶ φύσεως τὸ γὰρ στοιχεῖον κριτέον

μάλιστα ὅτι στοιχεῖόν ἐστιν ἐκ τοῦ

ἀσύνθετον καὶ μονόποιον ἔχειν φθόγγον οἷός

ἐστιν ὁ τοῦ α καὶ ε καὶ ο καὶ τῶν λοιπῶν

Portanto os gramaacuteticos estatildeo completamente

cegos e natildeo enxergam as consequecircncias de suas

colocaccedilotildees ao dizerem que as vogais satildeo sete

quando satildeo apenas cinco por natureza

E de modo contraacuterio alguns filoacutesofos dizem

existir mesmo mais alguns elementos que

possuem qualidades diferentes das que lhes satildeo

comumente conferidas como o αι e o ου e todo

elemento de natureza semelhante Pois um

elemento deve ser julgado primeiramente porque

eacute um elemento ou seja por ter um som de

qualidade uacutenica e natildeo composta tal como α ε ο

36 Natildeo seguimos a modificaccedilatildeo de Blank ad loc com Giusta p 431 para καὶ τοῦ ο καὶ τοῦ ω

129

(alfa eacutepsilon ocircmicron) e os demais

[117] ἐπεὶ οὖν ὁ τοῦ αι καὶ ει φθόγγος ἁπλοῦς

ἐστι καὶ μονοειδής ἔσται καὶ ταῦτα στοιχεῖα

τεκμήριον δὲ τῆς ἁπλότητος καὶ μονοειδείας

τὸ λεχθησόμενον ὁ μὲν γὰρ σύνθετος

φθόγγος οὐχ οἷος ἀπrsquo ἀρχῆς προσπίπτει τῇ

αἰσθήσει τοιοῦτος ἄχρι τέλους παραμένειν

πέφυκεν ἀλλὰ κατὰ παράτασιν ἑτεροιοῦται ὁ

δὲ ἁπλοῦς καὶ ὄντως τοῦ στοιχείου λόγον

ἔχων τοὐναντίον ἀπrsquo ἀρχῆς μέχρι τέλους

ἀμετάβολός ἐστιν οἷον τοῦ μὲν ρα φθόγγου

ἐν παρατάσει προφερομένου δῆλον ὡς οὐχ

ὡσαύτως αὐτοῦ κατὰ τὴν πρώτην

πρόltςgtπτωσιν ἀντιλήψεται ἡ αἴσθησις καὶ

κατὰ τὴν τελευταίαν ἀλλὰ κατrsquo ἀρχὰς μὲν

ὑπὸ τῆς ρ ἐκφωνήσεως κινηθήσεται μεταῦθις

δὲ ἐξαφανισθείσης αὐτῆς εἰλικρινοῦς τῆς τοῦ

α δυνάμεως ποιήσεται τὴν ἀντίληψιν ὅθεν

οὐκ ἂν εἴη στοιχεῖον τὸ ρα καὶ πᾶν τὸ ἐοικὸς

αὐτῷ

Portanto jaacute que αι e ει satildeo sons simples e

uniformes tambeacutem eles seriam elementos

Daremos prova da simplicidade e uniformidade

num som composto a sensaccedilatildeo produzida no

comeccedilo natildeo se estende do comeccedilo ao fim tal como

se originou poreacutem modifica-se conforme avanccedila

enquanto o que eacute simples tem exatamente a loacutegica

contraacuteria eacute imutaacutevel do princiacutepio ao fim Por

exemplo o som ρα (ra) pronunciado

continuamente eacute evidente que a sensaccedilatildeo do

primeiro impacto e do uacuteltimo natildeo satildeo percebidas

como a mesma mas no comeccedilo imprime-se a do

som de ρ e entatildeo sumindo esta a percepccedilatildeo que

se produz eacute a da qualidade do som do α (alfa) sem

mistura Portanto natildeo pode ser dito nem de ρα

nem de outro que for como ele que eacute um

elemento

[118] εἰ δὲ τὸν τοῦ αι φθόγγον λέγοιεν οὐδὲν

ἔσται τοιοῦτον ἀλλrsquo οἷον ἀπrsquo ἀρχῆς

ἐξακούεται ltτὸgt τῆς φωνῆς ἰδίωμα τοιοῦτον

καὶ ἐπὶ τέλει ὥστε στοιχεῖον ἔσται τὸ αι

τούτου δὲ οὕτως ἔχοντος ἐπεὶ καὶ ὁ τοῦ ει

φθόγγος καὶ ὁ τοῦ ου μονοειδὴς καὶ

ἀσύνθετος καὶ ἀμετάβολος ἐξ ἀρχῆς ἄχρι

τέλους λαμβάνεται ἔσται καὶ οὗτος

στοιχεῖον

Mas ao falarmos do som de αι natildeo se diria nada

disto ao contraacuterio do princiacutepio ao fim o que se

escuta eacute o mesmo som caracteriacutestico Pois bem de

acordo com isto o αι seraacute um elemento E sendo

assim com ele jaacute que tambeacutem os sons de ει e ου

satildeo percebidos de forma uniforme natildeo compostos

e imutaacuteveis do princiacutepio ao fim tambeacutem estes

seratildeo elementos

[119] Ἀλλὰ ἀφέμενοί γε ταύτης τῆς

ζητήσεως ἐκεῖνο ἂν λέγοιμεν ὃ μᾶλλον

δύναται θλίβειν τοὺς γραμματικούς εἰ γὰρ

κοινὰ λέγεται στοιχεῖα τρία α ι υ διὰ τὸ

Mas deixando de lado esta questatildeo podemos

dizer algo que eacute capaz de pesar ainda mais sobre

os gramaacuteticos Se os elementos comuns satildeo trecircs α

ι υ (alfa iota iacutepsilon) porque podem receber a

130

ἐπιδεκτικὰ τυγχάνειν μήκους τε καὶ

συστολῆς ἀκολουθήσει πᾶν στοιχεῖον κοινὸν

εἶναι λέγειν ἐπιδεκτικὸν γάρ ἐστι τῶν

τεσσάρων προσῳδιῶν βαρύτητος ὀξύτητος

ψιλότητος δασύτητος ἢ εἴπερ οὐχ

ὑπομένουσι πᾶν στοιχεῖον κοινὸν εἶναι λέγειν

μηδrsquo ἐκεῖνα λεγέτωσαν κοινὰ παρόσον

ἐκτάσεως καὶ συστολῆς ἐστὶν ἐπιδεκτικά

qualidade de breves ou longos consequentemente

todo elemento seraacute dito comum pois pode receber

as quatro marcas de prosoacutedia agudo grave

simples e aspirado Mas se eles natildeo consentem

que se diga que todo elemento eacute comum

tampouco lhes seraacute permitido dizer que aqueles o

satildeo por serem suscetiacuteveis de longura e brevidade

[120] Ἤρκει μὲν οὖν ἠπορημένων τῶν

στοιχείων τῆς γραμματικῆς πέρας

ἐπιτεθεικέναι τῇ ζητήσει τίς γὰρ ἀπολείπεται

λόγος περὶ τῶν μετὰ τὰς ἀρχὰς τοῖς τὰς ἀρχὰς

οὐκ ἔχουσι γραμματικοῖς ὅμως δrsquo οὖν

ἐνδοτέρω προχωροῦντας οὐκ ἔστιν ἀλλότριον

κἀκείνων δείγματος χάριν ἀποπειραθῆναι καὶ

ἐπεὶ ἐκ στοιχείων αἱ συλλαβαί εἰσι ltτὰgt περὶ

τούτων ἐπισυνάπτωμεν

Poderiacuteamos nos dar por satisfeitos em ter

demonstrado que a concepccedilatildeo dos elementos eacute

aporeacutetica e pocircr termo agrave investigaccedilatildeo Pois qual

argumento para o que vem depois dos princiacutepios

resta aos gramaacuteticos agora que natildeo possuem mais

os princiacutepios Contudo tendo adentrado tanto

neste assunto natildeo eacute irrelevante que se ponham

tambeacutem agrave prova os outros a tiacutetulo de exemplo E

jaacute que de elementos satildeo feitas as siacutelabas

agreguemos argumentos sobre elas

Περὶ συλλαβῆς

[121] Πᾶσα οὖν συλλαβὴ ἢ μακρά ἐστιν ἢ

βραχεῖα μακρὰ δὲ γίνεται φασί διχῶς φύσει

τε καὶ θέσει φύσει μὲν τριχῶς ἢ ὅταν ἔχῃ

στοιχεῖον φύσει μακρὸν ὡς ἐπὶ τῆς ἠώς

λέξεως ἑκατέρα γὰρ τούτων τῶν συλλαβῶν

ἐστι μακρὰ διὰ τὸ τὴν μὲν τὸ η τὴν δὲ τὸ ω

φύσει ἔχειν μακρόν ἢ ὅταν ἐκ δυοῖν

φωναέντων συνεστήκῃ ὡς ἐπὶ τῆς αἰεί

λέξεως αἱ γὰρ δύο συλλαβαὶ μακραὶ τῷ

ἑκατέραν ἐκ δυοῖν φωναέντων ὑπάρχειν ἢ

ὅταν κοινὸν ἔχῃ τὸ στοιχεῖον μακροτόνως

παρειλημμένον ὡς ἐπὶ τῆς Ἆρες 37 τὸ γὰρ α

δίχρονον νῦν μακροτόνως ἐκφέρεται

Sobre a siacutelaba

Pois bem toda siacutelaba ou eacute longa ou eacute breve Eacute

longa dizem de duas formas ou por natureza ou

por posiccedilatildeo Por natureza de trecircs formas ou

quando conteacutem um elemento por natureza longo

como na palavra ἠώς (ēōs) onde cada uma das

siacutelabas eacute longa porque uma conteacutem o η (eta) e a

outra o ω (ocircmega) ambos longos por natureza Ou

eacute longa quando consiste de duas vogais como na

palavra αἰεί (aiei) pois as duas siacutelabas satildeo longas

existindo em cada uma duas vogais Ou eacute longa

quando possui um elemento misto que se produz

como longo como na palavra Āres onde o α

hiacutebrido eacute pronunciado longo

37 Blank ad loc ldquoEsta leitura faz mais sentido no contexto que o Ἄρης dos MSS ausente do verso homeacuterico citado em 101 acimardquo

131

[122] οὐκοῦν φύσει τριχῶς μηκύνεται

συλλαβή θέσει δὲ πενταχῶς ἤτοι ὅταν εἰς

σύμφωνα τῶν ἁπλῶν λήγῃ δύο ἢ ὅταν ἡ μετrsquo

αὐτὴν συλλαβὴ ἀπὸ συμφώνων δύο ἄρχηται

ἢ ὅταν εἰς σύμφωνον λήγῃ καὶ ἀπὸ συμφώνου

ἡ ἑξῆς ἄρχηται ἢ ὅταν εἰς διπλοῦν λήγῃ

στοιχεῖον ἢ ὅταν μετrsquo αὐτὴν διπλοῦν

ἐπιφέρηται

Portanto por natureza a siacutelaba eacute longa de trecircs

formas mas por posiccedilatildeo satildeo cinco formas

quando termina em duas consoantes simples

quando a siacutelaba seguinte comeccedila com duas

consoantes ou quando termina em consoante e a

siacutelaba seguinte comeccedila em consoante ou quando

termina em consoante dupla ou quando depois

dela vem uma consoante dupla

[123] εἰ δὴ πᾶσα συλλαβὴ ἤτοι μακρά ἐστιν ἢ

βραχεῖα κατὰ τοὺς ὑποδεδειγμένους τῆς

τεχνολογίας τρόπους ἐὰν παραστήσωμεν

μηδετέραν οὖσαν αὐτῶν δῆλον ὡς οὐδὲ λέξιν

ἕξουσιν οἱ γραμματικοί καθὰ γὰρ τῶν

στοιχείων ἀναιρουμένων συναναιροῦνται καὶ

αἱ συλλαβαί οὕτω καὶ τῶν συλλαβῶν μὴ

οὐσῶν οὔτε αἱ λέξεις γενήσονται οὔτε κοινῶς

τὰ τοῦ λόγου μέρη διὰ δὲ τοῦτrsquo οὐδὲ λόγος

E com efeito se toda siacutelaba ou eacute longa ou eacute breve

de acordo com os modos indicados nos tratados

teacutecnicos (tekhnologiai) entatildeo ao mostrarmos que

nenhuma delas existe eacute evidente que os

gramaacuteticos tambeacutem perdem a lsquopalavrarsquo (leksis)

pois ao serem destruiacutedos os elementos destroem-

se junto as siacutelabas e natildeo existindo siacutelabas

tampouco teremos palavras ou partes da sentenccedila

em geral e por isso tambeacutem natildeo teremos a

proacutepria sentenccedila

[124] Ἵνrsquo οὖν ᾖ τις βραχεῖα συλλαβή δεῖ

προωμολογῆσθαι ὅτι ἐλάχιστος καὶ βραχὺς

ἔστι χρόνος ἐν ᾧ ὑφίσταται οὐκ ἔστι δὲ

ἐλάχιστος χρόνος πᾶς γὰρ εἰς ἄπειρον

τέμνεται ὡς ἐν τοῖς ὕστερον δείξομεν εἰ δὲ

εἰς ἄπειρον τέμνεται οὐκ ἔστιν ἐλάχιστος

οὐκ ἄρα ἔσται βραχεῖα συλλαβὴ βραχὺν

ἔχουσα χρόνον εἰ δὲ λέγοιεν νῦν βραχεῖαν

καλεῖν καὶ ἐλαχίστην συλλαβὴν οὐ τὴν πρὸς

φύσιν ἐλαχίστην οὖσαν ἀλλὰ τὴν πρὸς

αἴσθησιν ἑαυτοῖς προσαύξουσι τὴν ἀπορίαν

O fato eacute que para que haja siacutelaba breve deve-se

concordar previamente que existe tempo breve e

miacutenimo no qual ela subsiste E natildeo existe o tempo

miacutenimo pois todo tempo eacute divisiacutevel ao infinito100

como demonstraremos depois E se o tempo eacute

divisiacutevel ao infinito o tempo miacutenimo natildeo existe

Conclui-se assim que natildeo haveraacute siacutelaba breve de

tempo breve Se disserem entatildeo que a chamam

breve e miacutenima natildeo por ser por natureza a

miacutenima mas pela sensaccedilatildeo (aisthesis) que causa

estaratildeo agravando a aporia para si mesmos

[125] τὰς γὰρ λεγομένας παρrsquo αὐτοῖς

βραχείας συλλαβὰς εὑρήσομεν ὡς πρὸς

αἴσθησιν μεριστάς οἷον τὴν ερ αἰσθητῶς γὰρ

ἐπιβάλλομεν ἐπrsquo αὐτῆς ὅτι προεκφωνεῖται τῆς

Com efeito descobriremos que as siacutelabas que eles

dizem ser breves datildeo a sensaccedilatildeo de serem

divididas como a siacutelaba ερ pois a sensaccedilatildeo que

temos neste caso eacute que a qualidade de ε eacute

132

τοῦ ρ δυνάμεως ἡ τοῦ ε δύναμις καὶ

ἐναλλάξαντες εἰ λέγοιμεν ρε πάλιν

ἀντιληψόμεθα ὅτι πρώτη μέν ἐστι κατὰ τὴν

τάξιν ἡ τοῦ ρ δύναμις δευτέρα δὲ ἡ τοῦ ε

pronunciada antes do ρ E ao dizer ρε invertendo

tambeacutem teremos a sensaccedilatildeo de que em ordem

primeiro vem a qualidade de ρ e por segundo a

de ε

[126] ἐπεὶ οὖν πᾶν ὃ πρῶτον καὶ δεύτερον

μέρος ἔχει πρὸς αἴσθησιν οὐκ ἔστιν

ἐλάχιστον πρὸς αἴσθησιν φαίνεται δὲ ἡ κατὰ

τοὺς γραμματικοὺς βραχεῖα συλλαβὴ πρῶτον

καὶ δεύτερον ἔχουσα οὐκ ἂν εἴη πρὸς

αἴσθησιν ἐλαχίστη καὶ βραχεῖα συλλαβή

μουσικοὶ μὲν γὰρ ἴσως ἀλόγους τινὰς χρόνους

καὶ φωνῶν παραυξήσεις δυνήσονται

ἀπολιπεῖν τοῖς δὲ μὴ χωροῦσι τὸ τοιοῦτον

βάθος γραμματικοῖς τῆς ἀπειρίας ἀλλὰ

αὐτὸ38 μόνον εἰς βραχεῖαν καὶ μακρὰν

διαιρουμένοις τὴν γενικὴν συλλαβήν οὐκ

ἔστι συγγνωμονεῖν δίκαιον οὐκοῦν

ἀνυπόστατός ἐστιν ἡ βραχεῖα συλλαβή

Portanto jaacute que tudo que daacute a sensaccedilatildeo de ter

primeira e segunda partes natildeo daacute a sensaccedilatildeo de

ser lsquomiacutenimorsquo logo a siacutelaba que os gramaacuteticos

dizem ser breve como tem primeira e segunda

partes natildeo seria miacutenima e breve pela sensaccedilatildeo que

causa Eacute ateacute possiacutevel que os que satildeo muacutesicos

cheguem a considerar divisotildees natildeo racionais do

tempo e ampliaccedilotildees progressivas do som Mas os

gramaacuteticos natildeo costumam ir tatildeo longe na

infinitude e somente distinguem a siacutelaba de modo

geral em longa e breve portanto natildeo merecem esta

desculpa De forma que a siacutelaba breve de fato eacute

insubsistente

[127] Καὶ μὴν ἡ μακρὰ πάλιν ἔσται

ἀνύπαρκτος δίχρονον μὲν γὰρ αὐτὴν εἶναι

λέγουσι δύο δὲ χρόνοι οὐ συνυπάρχουσιν

ἀλλήλοις εἰ γὰρ δύο εἰσί τούτῳ διορίζονται

ὅτι εἰσὶ δύο τῷ τὸν μὲν ἐνεστηκέναι τὸν δὲ

μή εἰ δὲ ὃς μὲν ἐνέστηκεν ὃς δὲ οὐκ

ἐνέστηκεν οὐ συνυπάρχουσιν ἀλλήλοις

E certamente tambeacutem a siacutelaba longa mais

uma vez seraacute inexistente Dizem que ela possui

dois tempos mas dois tempos natildeo coexistem um

com o outro Pois se satildeo dois entatildeo diferenciam-

se como dois um existe no momento presente e o

outro natildeo E se um existe agora e o outro natildeo natildeo

coexistem um e outro

[128] διόπερ καὶ ἡ μακρὰ συλλαβὴ εἴπερ ἐστὶ

δίχρονος ὀφείλει ὅτε μὲν αὐτῆς ἐνέστηκεν ὁ

πρῶτος χρόνος τότε ὁ δεύτερος μὴ

ἐνεστηκέναι καὶ ὅτε ὁ δεύτερος ἐνίσταται

τότε ὁ πρῶτος μηκέτι εἶναι ἀσυνυπάρκτων δὲ

αὐτῆς ὄντων τῶν μερῶν ὅλη μὲν οὐχ

ὑφέστηκε μέρος δέ τι αὐτῆς ἀλλὰ τό γε

Logo a siacutelaba longa se possui dois tempos tem

de ser assim quando seu primeiro tempo estaacute

existindo entatildeo ainda natildeo existe o segundo e

quando o segundo tempo passa a existir entatildeo o

primeiro natildeo existe mais Se as partes dela natildeo

coexistem entatildeo o todo natildeo chega a existir

somente uma parte dela existe Poreacutem eacute fato uma

38 Blank ad loc segue Harder e natildeo suprime [αὐτὸ]

133

μέρος αὐτῆς οὐκ ἦν αὐτή ἐπεὶ οὐ διοίσει τῆς

βραχείας ἡ μακρὰ συλλαβή οὐκ ἄρα οὐδὲ

μακρά τις ἔστι συλλαβή

parte dela natildeo eacute ela mesma visto que dessa

forma natildeo se diferenciaraacute a siacutelaba longa da siacutelaba

breve Logo natildeo existe uma siacutelaba longa

[129] εἰ δὲ λέγοιεν κατὰ συμμνημόνευσιν

νοεῖσθαι μακρὰν συλλαβήν (τοῦ γὰρ

προλεχθέντος φθόγγου μνημονεύοντες καὶ

τοῦ νῦν λεγομένου ἀντιλαμβανόμενοι τὸ ἐξ

ἀμφοτέρων συντιθέμενον μακρὰν

ἐνενοήσαμεν συλλαβήν) ndash εἰ δὴ τοῦτο

λέγοιεν οὐδὲν ἄλλο ἢ ἀνυπόστατον

ὁμολογήσουσιν εἶναι τὴν τοιαύτην συλλαβήν

E se disserem que se concebe a siacutelaba longa por

lsquomemoacuteria conjuntarsquo (summnemoneusis)101 minus ou

seja pela combinaccedilatildeo entre a lembranccedila do som

receacutem percebido somada agrave percepccedilatildeo do som atual

ndash de fato se dizem isso natildeo estariam senatildeo

concordando que a siacutelaba longa eacute insubsistente

[130] εἰ γὰρ ὑφέστηκεν ἤτοι ἐν τῷ

προαναφωνουμένῳ φθόγγῳ ὑφέστηκεν ἢ ἐν

τῷ ἐπαναφωνουμένῳ οὔτε δὲ ἐν τῷ

προαναφωνουμένῳ οὔτε ἐν τῷ

ἐπαναφωνουμένῳ ἑκάτερος γὰρ αὐτῶν κατrsquo

ἰδίαν μὴ ὑφεστὼς οὐδὲ τὴν ἀρχὴν συλλαβή

ἐστιν ὥστε οὐδὲ ὑφέστηκεν ὑφεστῶσα δὲ

βραχεῖά ἐστιν ἀλλrsquo οὐ μακρὰ συλλαβή οὔτε

δὲ ἐν ἀμφοτέροις ὁ γὰρ ἕτερος αὐτῶν τοῦ

ἑτέρου ὑφεστῶτος οὐχ ὑφέστηκεν ἐκ δὲ τοῦ

ὑπάρχοντος καὶ μὴ ὑπάρχοντος οὐδὲν ἔστιν

ἐπινοῆσαι συγκείμενον ὡς ἐκ μερῶν οὐκ ἄρα

ἔστι τις μακρὰ συλλαβή

Porque se ela subsiste ou subsiste no primeiro

som que foi pronunciado ou no que seraacute

pronunciado em seguida Mas natildeo subsiste nem no

primeiro som e nem no som seguinte pois se

nenhum deles subsiste por si mesmo

separadamente por princiacutepio nem mesmo eacute uma

siacutelaba Assim tampouco chega a subsistir e

subsistindo seria uma siacutelaba breve e natildeo longa

Tampouco subsiste em ambos os sons pois para

cada um deles subsistindo um natildeo subsiste o

outro - e natildeo eacute possiacutevel conceber algo cujas partes

consistam no existente e natildeo-existente102 Logo

natildeo existe algo como a siacutelaba longa

[131] Ἀνάλογον δὲ τούτοις ἐστὶ καὶ τὰ περὶ

λέξεως καὶ τῶν τοῦ λόγου μερῶν ἀπορεῖσθαι

ὀφείλοντα πρῶτον μὲν γάρ ὡς μικρῷ

πρότερον ὑπεδείκνυμεν μὴ οὔσης συλλαβῆς

μηδὲ λέξιν εἶναι δυνατόν ἐκ συλλαβῶν γὰρ

αἱ λέξεις λαμβάνουσι τὴν ὑπόστασιν εἶτα καὶ

κατὰ τὴν αὐτὴν ἔφοδον ἐξέσται

προηγουμένως ἐπrsquo αὐτῆς τῆς λέξεως τὰς

αὐτὰς χειρίζειν ἀπορίας ἢ γὰρ συλλαβή ἐστιν

As aporias que devem ser reveladas acerca da

palavra e das partes da sentenccedila se datildeo de modo

anaacutelogo agrave argumentaccedilatildeo anterior Pois em

primeiro lugar como haacute pouco demonstramos

natildeo existindo a siacutelaba tampouco eacute possiacutevel que

exista a palavra porque as palavras se formam das

siacutelabas Em segundo lugar seguindo o mesmo

caminho apontam-se as mesmas aporias

concernentes agrave palavra mesmo Pois ou a palavra eacute

134

ἢ ἐκ συλλαβῶν συνέστηκεν ὅπως δrsquo ἂν ἔχῃ

τὰς ἐκκειμένας ἡμῖν ἐπὶ τῆς συλλαβῆς

ἀπορίας ἐπιδέξεται

uma siacutelaba ou se constitui de siacutelabas assim de

uma forma ou de outra estaacute sujeita agraves aporias

expostas em relaccedilatildeo agraves siacutelabas

[132] ἀλλrsquo ὅμως ἵνα μὴ καινοτέρων ἐλέγχων

ἀπορεῖν δοκῶμεν προσφωνητέον τι κἀνταῦθα

τοῖς γραμματικοῖς

Ὅταν γὰρ μέρη τινὰ λόγου καλῶσιν οἷον

ὄνομα ῥῆμα ἄρθρον καὶ τὰ λοιπά πόθεν

λαβόντες ἤτοι γὰρ ταῦτα ὅλον τὸν λόγον

καλοῦσιν ἢ ταῦτα μέρη ἐκείνου μήτε δrsquo

ἐκείνου ὡς ὅλου νοεῖσθαι δυναμένου μήτε

τούτων ὡς μερῶν ἐκείνου ltgt λαμβανέσθω

δὲ τὰ εἰς τὴν ὑπόθεσιν παραδείγματα ὡς μὴ

ἀπῶμεν τῶν τῆς γραμματικῆς θεωρημάτων

Mas mesmo assim para natildeo parecer que seria um

problema encontrar novos argumentos para a

refutaccedilatildeo tambeacutem aqui lanccedilaremos algo aos

gramaacuteticos

Pois bem quando chamam certas coisas de

partes da sentenccedila103 por exemplo nome

(onoma) verbo (rema) artigo (arthron) e as

outras104 de onde as tiram105 De fato ou as

chamam de lsquosentenccedilarsquo como um todo ou de

lsquopartes da sentenccedilarsquo mas nem eacute possiacutevel conceber

a sentenccedila como um todo nem estas coisas como

se fossem suas partes Consideremos no entanto

os exemplos que sustentam sua posiccedilatildeo de forma

a natildeo nos afastarmos dos teoremas da proacutepria

gramaacutetica106

[133] ἔστω τοίνυν ὑποθέσεως χάριν λόγος μὲν

ὁ σύμπας οὗτος ὁ στίχος

μῆνιν ἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆος

μέρη δὲ αὐτοῦ ταῦτα τό τε μῆνιν προσηγορία

καθεστώς καὶ τὸ ἄειδε ῥῆμα προστακτικόν

καὶ τὸ θεά προσηγορία πάλιν θηλυκή καὶ τὸ

Πηληιάδεω ὄνομα πατρωνυμικόν πρὸς δὲ

τούτοις καὶ τὸ Ἀχιλῆος ὄνομα κύριον

Vamos supor entatildeo a tiacutetulo de exemplo que o

todo eacute o verso a seguir

menin aeide thea Peleiadeo Akhileos

ldquoCanta-me a coacutelera ndash oacute deusa - funesta de

Aquiles Pelidardquo

[Il I 1 Trad Carlos Alberto Nunes]

e estas suas partes

menin um nome geneacuterico (prosegoria)

aeide um verbo no imperativo

thea de novo um nome geneacuterico feminino

Peleiadeo um nome patroniacutemico

e junto a estes tambeacutem

Akhileos um nome proacuteprio (onoma kurion)

[134] οὐκοῦν ἤτοι ἄλλο τί ἐστιν ὁ λόγος παρὰ

τὰ μέρη αὐτοῦ καὶ ἄλλα τὰ μέρη παρὰ τὸν

Pois bem ou a sentenccedila eacute algo distinto de suas

partes e suas partes satildeo algo distinto dela mesma

135

λόγον ἢ τὸ ἄθροισμα τῶν μερῶν ὁ λόγος

ὑπείληπται καὶ εἰ μὲν ἄλλο τι τῶν μερῶν

ἐστιν ὁ λόγος αἰρομένων δηλονότι τῶν

ἐκκειμένων τοῦ λόγου μερῶν ὑπολειφθήσεται

ὁ λόγος τοσοῦτον δὲ ἀπέχει ὁ προειρημένος

στίχος τοῦ μένειν πάντων αἰρομένων αὐτοῦ

τῶν μερῶν ὡς κἂν ἓν ὁδηποτοῦν αὐτοῦ

μέρος ἀνέλωμεν οἷον τὸ μῆνιν ἢ τὸ ἄειδε

μηκέτι στίχος ὑπάρχειν

ou assume-se que o conjunto das partes eacute a

sentenccedila E se a sentenccedila eacute algo distinto de suas

partes retiradas as partes estabelecidas

obviamente a sentenccedila deveraacute entatildeo permanecer

Mas o verso acima mencionado estaacute longe de

permanecer se as partes forem todas retiradas

mesmo se removecircssemos uma soacute parte dele tal

como menin ou aeide o verso natildeo mais existiria

[135] εἰ δὲ τὸ ἄθροισμα τῶν τοῦ λόγου μερῶν

νοεῖται λόγος τῷ μηδὲν εἶναι τὸν ἀθροισμὸν

παρὰ τὰ ἠθροισμένα καθάπερ καὶ τὸ

διάστημα παρὰ τὰ διεστηκότα οὐδὲν ὑπάρξει

ὁ λόγος οὗ νοηθήσεταί τινα μέρη μηδενὸς δὲ

ὄντος ὅλου λόγου οὐδὲ μέρη τινὰ τούτου

γενήσεται ὥσπερ οὖν εἰ μηδὲν ἔστιν

ἀριστερόν οὐδὲ δεξιὸν ἔστιν οὕτως εἰ μὴ

ἔστι τι ὅλον λόγος οὐδὲ τὰ μέρη ὑπάρξει

Por outro lado se o conjunto das partes da

sentenccedila eacute concebido como a sentenccedila pelo fato

de natildeo existir o conjunto sem as coisas que estatildeo

conjuntas (assim como a distacircncia natildeo existe sem

as coisas que estatildeo distantes) a sentenccedila

concebida como suas partes natildeo eacute nada Se a

sentenccedila inteira natildeo eacute nada tampouco alguma

parte sua seraacute De fato da mesma maneira que se

natildeo existe esquerda natildeo existe direita assim

tambeacutem se a sentenccedila natildeo existe como algo

inteiro tampouco as partes existiratildeo

[136] καθόλου τε εἰ τὸν ἀθροισμὸν τῶν τοῦ

λόγου μερῶν ὅλον ἡγήσονται λόγον

ἀκολουθήσει αὐτοῖς τὰ μέρη τοῦ λόγου

ἀλλήλων λέγειν εἶναι μέρη εἰ γὰρ μηδὲν

ὑπόκειται ὅλον παρrsquo αὐτὰ οὗ γενήσεται μέρη

ἀλλήλων ἔσται μέρη τοῦτο δὲ ὡς ἔστιν

ἀλογώτατον σκοπῶμεν

Em geral se o conjunto das partes da sentenccedila for

considerado a sentenccedila como um todo isso traraacute a

consequecircncia de que as partes da sentenccedila seriam

partes de suas partes Pois se aleacutem delas natildeo se

estabelece um todo do qual venham a ser partes

seratildeo partes umas das outras Vejamos o quatildeo

iloacutegico eacute isto

[137] τὰ γὰρ μέρη πάντως ἐμπεριέχεται

ἐκείνοις τοῖς ὧν λέγεται μέρη ἴδιον τόπον

ἐπέχοντα καὶ ἰδίαν ὑπόστασιν ἔχοντα ἐν

ἀλλήλοις δὲ οὐκ ἐμπεριέχεται οἷον ἀνθρώπου

μὲν μέρη χεῖρες καθεστᾶσι χειρῶν δὲ

δάκτυλοι καὶ δακτύλων ὄνυχες διόπερ ἐν μὲν

As partes estatildeo incluiacutedas naquilo de que satildeo ditas

partes ocupam seu lugar proacuteprio e subsistem

separadamente e natildeo se incluem umas agraves outras

Tal como as matildeos satildeo partes de uma pessoa e os

dedos partes das matildeos e as unhas partes dos

dedos Por isso eacute que se diz que as matildeos estatildeo

136

ἀνθρώπῳ χεῖρες περιέχονται ἐν χερσὶ δὲ

δάκτυλοι ἐν δακτύλοις δὲ ὄνυχες καὶ οὐχὶ

μὲν ἡ δεξιὰ χεὶρ τὴν ἀριστερὰν συμπληροῖ ὁ

δὲ λιχανὸς τὸν ἀντίχειρα δάκτυλον ἀπαρτίζει

ἡ δὲ κεφαλὴ τοὺς πόδας συντίθησι καὶ οἱ

πόδες τὸν θώρακα

incluiacutedas na pessoa os dedos nas matildeos as unhas

nos dedos mas natildeo se diria que a matildeo direita

completa a esquerda que o dedo indicador finaliza

o polegar que agrave cabeccedila se juntam os peacutes nem os

peacutes com o toacuterax107

[138] ὅθεν καὶ τὰ μέρη τοῦ λόγου οὐ ῥητέον

ἀλλήλων εἶναι μέρη ἐπεὶ ἐν ἀλλήλοις αὐτὰ

δεήσει περιέχεσθαι τὸ μὲν μῆνιν ἐν τῷ ἄειδε

τὸ δὲ ἄειδε ἐν τῷ θεά καὶ καθόλου πάντα ἐν

πᾶσιν ὅπερ ἀδύνατον οὐ τοίνυν ἀλλήλων

τῶν τοῦ λόγου μερῶν δυναμένων εἶναι μερῶν

διὰ τὸ ἀνόητον τοῦ πράγματος οὔτε ὅλου

τινὸς εὑρισκομένου λόγου παρὰ τὰ ἑαυτοῦ

μέρη μηδενὸς [τε] εὑρισκομένου πράγματος

παρrsquo αὐτὰ τὰ μέρη οὗ λέξομεν εἶναι τὰ μέρη

λείπεται λέγειν ὡς οὐδέν ἐστι μέρος λόγου

διὰ δὲ τοῦτrsquo οὐδὲ λόγος

Por isso eacute que natildeo se pode dizer que as partes da

sentenccedila satildeo partes umas das outras jaacute que

precisariam estar incluiacutedas umas nas outras menin

em aeide aeide em thea e no geral todas em

todas o que eacute impossiacutevel Assim entatildeo por ser

inconcebiacutevel (anoeton) natildeo eacute possiacutevel que as

partes da sentenccedila sejam partes umas das outras e

como natildeo foi encontrada uma sentenccedila que seja

um todo sem ser suas partes e natildeo foi encontrada

aleacutem das partes mesmas coisa alguma de que

diriacuteamos que fossem partes resta-nos afirmar que

natildeo existe parte da sentenccedila E por isso tampouco

existe sentenccedila

[139] Ἐπακτέον δὲ καὶ οὕτως εἴπερ τὸ

μῆνιν μέρος ἐστὶ τοῦ στίχου ἤτοι ὅλου τοῦ

στίχου μέρος ἐστὶν ἢ τοῦ rsquoἄειδε θεὰ

Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo ἀλλrsquo εἰ μὲν τοῦ ὅλου

στίχου μέρος ἐστίν ἐπεὶ ὅλος σὺν αὐτῷ τῷ

μῆνιν νοεῖται καὶ ἑαυτοῦ μέρος

συμπληρωτικὸν γενήσεται τὸ μῆνιν διὰ δὲ

τοῦτο καὶ μεῖζον ἑαυτοῦ καὶ ἧττον μεῖζον

μὲν ἑαυτοῦ ᾗ συμπληροῦται ὑφrsquo ἑαυτοῦ (τὸ

γὰρ ὑπό τινος συμπληρούμενον μεῖζόν ἐστι

τοῦ συμπληροῦντος αὐτό) ἔλασσον δὲ ᾗ

συμπληροῖ ἑαυτό τὸ γάρ τινος

συμπληρωτικὸν ἔλασσόν ἐστι τοῦ

συμπληρουμένου οὐ πάνυ δὲ ταῦτα πιθανά

Deve-se atacar tambeacutem da seguinte forma se

menin eacute parte do verso ou eacute parte do verso como

um todo ou de aeide thea Peleiadeo Akhileos

Mas se eacute parte do verso como um todo e o todo eacute

concebido juntamente com o proacuteprio menin menin

tornar-se-aacute parte complementar de si mesmo E

por isso tambeacutem maior e menor que si mesmo

maior que si mesmo na medida em que eacute

completado por si mesmo pois o que eacute

completado por algo eacute maior que o que o

completa Menor na medida em que se

completaria a si mesmo Pois a parte que completa

algo eacute menor que o que eacute completado Tudo isso eacute

bem pouco plausiacutevel logo menin natildeo eacute parte do

137

οὐκ ἄρα τοῦ ὅλου στίχου μέρος ἐστὶ τὸ μῆνιν verso como um todo

[140] καὶ μὴν οὐδὲ τοῦ λειπομένου φημὶ δὲ

τοῦ lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo πρῶτον

μὲν γὰρ τὸ μέρος περιέχεται ἐν τῷ οὗ ἐστι

μέρος τὸ δὲ μῆνιν οὐκ ἐμπεριέχεται ἐν τῷ

lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo ὥστε οὐκ ἂν

εἴη μέρος τούτου εἶτα δὲ οὐδὲ τὸ lsquoἄειδε θεὰ

Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo χρῄζει συμπληρώσεως

κατὰ γὰρ τὸν ἴδιον λόγον συμπεπλήρωται

ἀλλὰ ὅλος ὁ λόγος λέγω δὲ ὁ στίχος οὐκ ἔστι

τὸ lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo τοίνυν

οὐδὲ τούτου μέρος ἐστὶ τὸ μῆνιν ἀλλrsquo εἰ μήτε

τοῦ ὅλου στίχου μέρος ἐστὶ τὸ μῆνιν μήτε τοῦ

ἀπολειπομένου μέρους παρὰ δὲ ταῦτα οὐδὲν

ἄλλο ὑπόκειται οὐδενὸς λόγου μέρος ἐστὶ τὸ

μῆνιν

Tampouco de fato do restante digo de aeide

thea Peleiadeo Akhileos Primeiro porque a parte

estaacute incluiacuteda naquilo de que eacute parte e menin natildeo

estaacute aiacute incluiacutedo de forma que natildeo seria sua parte

Em seguida esta passagem natildeo tem necessidade

de ser completada pois a sentenccedila estaacute completa

por si proacutepria Mas a sentenccedila como um todo

digo o verso natildeo eacute aeide thea Peleiadeo

Akhileos Nem menin eacute parte disso Mas se natildeo eacute

parte do verso como um todo e tambeacutem natildeo eacute

parte da parte restante e fora estas coisas natildeo haacute

outra entatildeo menin natildeo eacute parte de nenhuma

sentenccedila

[141] Ταῦτα μὲν οὖν καθολικώτερον πρὸς

τὰ μέρη τοῦ λόγου ῥητέον ἐμβάντες δὲ εἰς

τὰς κατὰ μέρος παρrsquo αὐτοῖς περὶ τούτων

τεχνολογίας πολὺν λῆρον εὑρήσομεν καὶ

τοῦτο πάρεστι μαθεῖν οὐκ ἐπὶ τὴν πᾶσαν ὕλην

φοιτήσαντας (ἀδόλεσχον γάρ ἐστι καὶ

γραμματικῆς γραολογίας πλῆρες) ἀλλrsquo

ὅμοιόν τι τοῖς οἰνοκαπήλοις ποιήσαντας καὶ

ὃν τρόπον ἐκεῖνοι ἐξ ὀλίγου γεύματος τὸν

ὅλον δοκιμάζουσι φόρτον οὕτω καὶ αὐτοὶ ἓν

λόγου μέρος προχειρισάμενοι καθάπερ τὸ

ὄνομα ἐκ τῆς περὶ τούτου τεχνολογίας

συνοψόμεθα καὶ τὴν ἐν τοῖς ἄλλοις τῶν

γραμματικῶν ἐντρέχειαν

Isto eacute o que deve ser dito de maneira geral

contra as partes da sentenccedila poreacutem se

adentrarmos as exposiccedilotildees teacutecnicas de cada uma

em particular iremos nos deparar com muitos

disparates Eacute possiacutevel perceber isto sem precisar

esquadrinhar toda a mateacuteria (porque eacute um falatoacuterio

sem fim cheio da tiacutepica ladainha gramatical)

Faremos como fazem os vendedores de vinho

julgar a carga toda por uma pequena prova

Escolheremos portanto uma das partes da

sentenccedila o nome por exemplo e a partir do que

encontrarmos nas exposiccedilotildees teacutecnicas sobre ele

seremos capazes de vislumbrar a aptidatildeo dos

gramaacuteticos em relaccedilatildeo agraves outras partes

Περὶ ὀνόματος

[142] Αὐτίκα τοίνυν ὅταν τῶν ὀνομάτων τὰ

μὲν ἀρσενικὰ φύσει λέγωσι τὰ δὲ θηλυκὰ τὰ

Sobre o nome

Assim a princiacutepio vamos pocircr em questatildeo o

que quer dizer esta expressatildeo lsquopor naturezarsquo

138

δὲ οὐδέτερα καὶ τὰ μὲν ἑνικὰ τῷ ἀριθμῷ τὰ

δὲ δυϊκὰ τὰ δὲ πληθυντικά καὶ ἤδη τὰς ἄλλας

ἐπισυνείρωσι διαιρέσεις ἐπιζητήσωμεν τί

ποτέ ἐστι τὸ ἐπιφωνούμενον τοῦτο lsquoφύσειrsquo

quando dizem que os nomes satildeo lsquopor naturezarsquo

masculinos femininos ou neutros e quanto ao

nuacutemero que satildeo singulares duais ou plurais aleacutem

das outras distinccedilotildees que acrescentam

[143] ἢ γὰρ ὅτι οἱ πρῶτοι ἀναφθεγξάμενοι τὰ

ὀνόματα φυσικὴν ἐποιήσαντο τὴν

ἀναφώνησιν αὐτῶν ὡς καὶ τὴν ἐπὶ τῷ ἀλγεῖν

κραυγὴν καὶ τὴν ἐπὶ τῷ ἥδεσθαι ἢ τῷ

θαυμάζειν ἐκβόησιν οὕτω λέγουσι φύσει τὰ

μὲν τοιαῦτα εἶναι τῶν ὀνομάτων τὰ δὲ τοιάδε

ἢ ὅτι καὶ ἐπὶ τοῦ παρόντος ἕκαστον αὐτῶν

φυσικῶς ἡμᾶς κινεῖ ὅτι ἀρρενικόν κἂν ἡμεῖς

μὴ νομίζωμεν αὐτὸ ἀρρενικὸν εἶναι καὶ πάλιν

φυσικῶς αὐτὸ ἐνδείκνυται ὅτι θηλυκόν ἐστι

κἂν ἡμεῖς μὴ θέλωμεν

Pois ou ela implica que os primeiros homens que

disseram estes nomes produziram sua sonoridade

de forma natural ou seja tal como produziriam

um grito de dor e uma exclamaccedilatildeo de prazer ou

surpresa e por isso eacute que dizem que os nomes satildeo

lsquopor naturezarsquo de uma forma ou de outra ou quer

dizer que agora mesmo cada um destes nomes

naturalmente nos afeta como masculino mesmo

que noacutes natildeo o consideremos masculino ou ao

contraacuterio naturalmente se mostra feminino

mesmo que natildeo se queira

[144] ἀλλὰ τὸ μὲν πρῶτον οὐκ ἂν εἴποιεν

πόθεν γὰρ γραμματικῇ παχύτητι διαγινώσκειν

πότερον φύσει ἢ θέσει τὰ ὀνόματα ἢ τινα μὲν

οὕτως τινὰ δὲ ἐκείνως ὅτε39 οὐδὲ τοῖς ἐπrsquo

ἄκρον ἥκουσι φυσιολογίας εὐμαρὲς εἰπεῖν διὰ

τὰς ἑκατέρωθεν ἰσολογίας

Mas natildeo se responderia do primeiro modo Pois

como se poderia pela obtusidade gramatical

avaliar quais nomes satildeo por natureza quais por

convenccedilatildeo ou que alguns satildeo de uma forma e

outros de outra quando sequer os mais avanccedilados

no estudo da natureza podem dizecirc-lo facilmente

devido aos argumentos igualmente convincentes

de um e outro lado

[145] ἄλλως τε καὶ ἰσχυρὸς ἀντικάθηται

τούτῳ λόγος πρὸς ὃν οὐδrsquo εἰ καταπέλτην

ὑπομένοιεν φασίν οἱ γραμματικοὶ

δυνήσονταί τι συνιδεῖν ἱκνούμενον εἴπερ γὰρ

φύσει τὰ ὀνόματα ἦν καὶ μὴ τῇ καθrsquo ἕκαστον

θέσει ἐσήμαινεν ἐχρῆν πάντας πάντων

ἀκούειν Ἕλληνας βαρβάρων καὶ βαρβάρους

Ἑλλήνων καὶ βαρβάρους βαρβάρων οὐχὶ δέ

Aleacutem disso haacute um argumento tatildeo forte contra isto

que nem se os gramaacuteticos como diz o ditado

fossem capazes de aguentar o golpe de uma

catapulta poderiam providenciar uma resposta

satisfatoacuteria Pois caso os nomes fossem por

natureza e seu significado individual natildeo fosse

convencional seria preciso que nos

compreendecircssemos todos gregos a baacuterbaros e

39 Blank ad loc segue os editores anteriores a Mau Por ἢ τίνα μὲν οὕτως τίνα δὲ ἐκείνως

139

γε τοῦτο οὐκ ἄρα φύσει σημαίνει τὰ

ὀνόματα ὥστε τοῦτο μὲν οὐκ ἐροῦσιν

baacuterbaros a gregos e baacuterbaros a baacuterbaros O que

certamente natildeo eacute o caso Logo os nomes natildeo

significam por natureza De forma que natildeo diratildeo

isso

[146] εἰ δrsquo ὅτι φυσικῶς διαδείκνυσιν ἕκαστον

ὄνομα ὅτι ἀρρενικόν ἐστιν ἢ θηλυκὸν ἢ

οὐδέτερον φασὶ τὰ μὲν τοιάδε τὰ δὲ τοιαῦτα

τυγχάνειν ἴστωσαν λειότερον αὑτοῖς

τρίβοντες τὸν κλοιόν

E se dizem que os nomes acabam sendo uns de

uma forma outros de outra porque cada um deixa

claro de forma natural que eacute masculino feminino

ou neutro deveriam saber que estatildeo apertando a

corda em torno de seus proacuteprios pescoccedilos

[147] πάλιν γὰρ φήσομεν ὅτι τὸ φύσει κινοῦν

ἡμᾶς ὁμοίως πάντας κινεῖ καὶ οὐχ οὓς μὲν

οὕτως οὓς δὲ ἐναντίως οἷον φύσει τὸ πῦρ

ἀλεαίνει βαρβάρους Ἕλληνας ἰδιώτας

ἐμπείρους καὶ οὐχ Ἕλληνας μὲν ἀλεαίνει

βαρβάρους δὲ ψύχει καὶ ἡ χιὼν φύσει ψύχει

καὶ οὐ τινὰς μὲν ψύχει τινὰς δὲ θερμαίνει

ὥστε τὸ φύσει κινοῦν ὁμοίως τοὺς

ἀπαραποδίστους ἔχοντας τὰς αἰσθήσεις κινεῖ

Porque mais uma vez o que nos afeta por

natureza afeta a todos igualmente e natildeo uns de

uma forma e outros de forma contraacuteria Por

exemplo por natureza o fogo esquenta a todos

baacuterbaros gregos leigos e entendidos - e natildeo eacute

que esquenta quem eacute grego mas esfria um

baacuterbaro E a neve por natureza esfria e natildeo eacute que

esfria alguns e aquece outros Entatildeo desta forma eacute

que o que afeta por natureza afeta do mesmo

modo a todos desde que tenham seus sentidos

livres de interferecircncia

[148] τὰ δὲ αὐτὰ ὀνόματα οὐ πᾶσίν ἐστι τὰ

αὐτά ἀλλὰ τοῖς μὲν ἀρρενικὰ τοῖς δὲ θηλυκὰ

τοῖς δὲ οὐδέτερα οἷον Ἀθηναῖοι μὲν τὴν

στάμνον λέγουσι θηλυκῶς Πελοποννήσιοι δὲ

τὸν στάμνον ἀρρενικῶς καὶ οἱ μὲν τὴν θόλον

οἱ δὲ τὸν θόλον καὶ οἱ μὲν τὴν βῶλον οἱ δὲ

τὸν βῶλον καὶ οὐ διὰ τοῦτο οὗτοι ἢ ἐκεῖνοι

λέγονται ἁμαρτάνειν

E os mesmos nomes natildeo satildeo da mesma forma para

todos mas para alguns satildeo masculinos para

outros femininos ou neutros Por exemplo os

atenienses dizem staacutemnos (lsquojarrorsquo) como

feminino os peloponeacutesios no masculino e haacute os

que dizem que thoacutelos (lsquorotundarsquo) eacute masculino e haacute

os que dizem que eacute feminino e uns dizem bolos

(lsquomontersquo) no masculino e outros no feminino E

natildeo eacute por isso que se pode dizer que algum deles

esteja equivocado

[149] ἕκαστος γάρ ὡς τεθεμάτικεν οὕτω

χρῆται καὶ οἱ αὐτοὶ δὲ διαφόρως ταὐτὰ ὁτὲ

μὲν ἀρρενικῶς ἐκφέρουσιν ὁτὲ δὲ θηλυκῶς

Porque a palavra eacute usada tal como foi-se impondo

E agraves vezes ateacute os mesmos grupos usam a mesma

palavra ora no masculino ora no feminino e dizem

140

λέγοντες τὸν λιμόν καὶ τὴν λιμόν οὐκ ἄρα

φύσει τῶν ὀνομάτων τὰ μὲν ἀρρενικὰ τὰ δὲ

θηλυκά ἀλλὰ κατὰ θεματισμὸν τὰ μὲν

τοιαῦτα γίνεται τὰ δὲ τοιαῦτα

limos (lsquofomersquo) tanto no masculino quanto no

feminino Portanto disto se conclui que por

natureza os nomes natildeo satildeo masculinos ou

femininos mas eacute por irem-se impondo de tal

forma que se tornam uma coisa ou outra

[150] καὶ μὴν εἴπερ φύσει τῶν ὀνομάτων ἦν

τὰ μὲν ἀρρενικὰ τὰ δὲ θηλυκά ὤφεltιgtλον αἱ

ἀρρενικαὶ φύσεις ἀεί ποτε ἀρρενικοῖς

ὀνόμασι προσαγορεύεσθαι καὶ αἱ θηλυκαὶ

θηλυκοῖς καὶ αἱ μήτε ἀρρενικαὶ φύσεις μήτε

[αἱ] θηλυκαὶ οὐδετέρως

E o fato eacute que se os nomes fossem lsquopor naturezarsquo

femininos ou masculinos necessariamente as

naturezas masculinas receberiam sempre nomes

masculinos e as femininas nomes femininos e as

que natildeo fossem nem masculinas nem femininas

ganhariam nomes neutros

[151] οὐχὶ δὲ τοῦτο ἀλλὰ καὶ τὰς ἀρρενικὰς

φύσεις θηλυκῶς καλοῦμεν καὶ τὰς θηλυκὰς

ἀρρενικῶς καὶ τὰς οὔτε ἀρρενικὰς οὔτε

θηλυκὰς ἤτοι ἀρρενικῶς ἢ θηλυκῶς οὐχὶ δὲ

οὐδετέρως οἷον κόραξ μὲν λέγεται ἀετός

κώνωψ κάνθαρος σκορπίος μῦς ἀρρενικῶς

καὶ ἐπὶ τοῦ θήλεος καὶ πάλιν χελιδών χελώνη

κορώνη ἀκρίς μυγαλῆ ἐμπίς καὶ ἐπὶ τοῦ

ἄρρενος τὴν φύσιν θηλυκῶς

Mas natildeo eacute esse o caso chamamos coisas

naturalmente masculinas com nomes femininos e

o contraacuterio e ao que natildeo eacute nem masculino nem

feminino damos nomes masculinos ou femininos

e natildeo neutros Como eacute o caso com koraks

(lsquocorvorsquo) aetos (lsquoaacuteguiarsquo) konops (lsquomosquitorsquo)

kantharos (lsquobesourorsquo) skorpios (lsquoescorpiatildeorsquo) mus

(lsquoratorsquo) para os quais o nome masculino serve

tambeacutem para a fecircmea E o contraacuterio com khelidon

(lsquoandorinharsquo) khelone (lsquotartarugarsquo) korone

(lsquocorvorsquo) akris (lsquogrilorsquo) mugale (ratazana) empis

(lsquomosquitorsquo) em que se diz o nome feminino para

o que eacute masculino por natureza

[152] ὡσαύτως δὲ κλίνη θηλυκῶς ἐπὶ τῆς

μήτε ἄρρενος μήτε θηλείας τὴν φύσιν καὶ

στῦλος ἀρρενικῶς ἐπὶ τοῦ οὐδετέρου τοίνυν

εἰ φύσει οὐδέν ἐστιν ἀρρενικὸν ἢ θηλυκὸν

ὄνομα ζητῶ πῶς ὁ γραμματικὸς ἐπιλήψεται

τοῦ διαστρόφως λέγοντος ὁ χελιδών καὶ ἡ

ἀετός ἤτοι γὰρ ὡς φύσει τοῦ ὀνόματος τῆς

χελιδόνος θηλυκοῦ ὄντος ἐκείνου δὲ

ἀρρενικὸν αὐτὸ τῷ ἄρθρῳ βιαζομένου

Da mesma maneira kline (lsquoleitorsquo) eacute dito no

feminino embora natildeo seja nem masculino nem

feminino por natureza e stulos (lsquocolunarsquo) eacute dito

no masculino embora o objeto seja neutro Assim

se nenhum nome eacute masculino ou feminino por

natureza me pergunto como poderaacute o gramaacutetico

censurar quem invertendo diz ho khelidon

(lsquoandorinharsquo) no masculino e he aetos (lsquoaacuteguiarsquo) no

feminino Pois ou seraacute porque khelidon

141

γενέσθαι ἢ ὡς τῆς κοινῆς συνηθείας θηλυκὸν

αὐτὸ θεματισάσης ἀλλrsquo οὐκ ἀρρενικόν

(lsquoandorinharsquo) eacute feminino por natureza e aquele o

estaacute forccedilando a tornar-se masculino com o uso do

artigo ou seraacute porque o uso comum o impocircs como

nome feminino e natildeo masculino

[153] ἀλλrsquo εἰ μὲν ὡς φύσει θηλυκοῦ

καθεστῶτος ἐπεὶ οὐδὲν φύσει θηλυκόν ἐστι

καθὼς παρεστήσαμεν ἀδιάφορον τὸ ὅσον ἐπὶ

τούτῳ ἐάν τε οὕτως ἐάν τε ἐκείνως

ἐκφέρηται εἰ δrsquo ὡς ὑπὸ τῆς κοινῆς συνηθείας

ἀντὶ θηλυκοῦ θεματισθέν γενήσεται τοῦ τε εὖ

λεγομένου καὶ μὴ κριτήριον οὐχὶ τεχνικός τις

καὶ γραμματικὸς λόγος ἀλλrsquo ἡ ἄτεχνος καὶ

ἀφελὴς τῆς συνηθείας παρατήρησις

Mas se for por ser feminino por natureza e

conforme haviacuteamos demonstrado nenhum nome eacute

feminino por natureza natildeo faraacute diferenccedila ao

menos neste sentido que se diga de uma ou de

outra forma E se for porque foi imposto como

feminino pelo uso comum entatildeo o criteacuterio do que

eacute dito adequadamente ou natildeo natildeo eacute um argumento

(logos) teacutecnico (tekhnikos) e gramatical

(grammatikos) mas a simples observaccedilatildeo natildeo

teacutecnica do uso

[154] Τὰ δὲ αὐτὰ ταῦτα μετακτέον καὶ ἐπὶ τὰ

ἑνικὰ καὶ πληθυντικὰ τῶν ὀνομάτων Ἀθῆναι

γὰρ λέγονται πληθυντικῶς ἡ μία πόλις καὶ

Πλαταιαί καὶ πάλιν Θήβη ἑνικῶς καὶ Θῆβαι

πληθυντικῶς καὶ Μυκήνη καὶ Μυκῆναι

ῥηθήσεται δὲ ἐπιμελέστερον περὶ τῆς ἐν

τούτοις ἀνωμαλίας προβαινούσης τῆς

ζητήσεως

Τὰ νῦν δὲ ἐπεὶ καὶ ὑποδειγματικῶς

κατωπτεύκαμεν τὴν ἐν τούτοις τῶν

γραμματικῶν ἀκρίβειαν φέρε κἀκεῖνο πρὶν

ἐπrsquo ἄλλον τ[ρ]όπον ἀπελθεῖν ἐξετάσωμεν

Os mesmos argumentos devem ser retomados

com relaccedilatildeo ao plural e singular dos nomes Pois

lsquoAtenasrsquo diz-se no plural e eacute uma uacutenica cidade tal

como lsquoPlateiasrsquo E haacute por sua vez lsquoTebersquo no

singular e lsquoTebasrsquo no plural e lsquoMicenersquo e

lsquoMicenasrsquo Mais adiante falaremos

detalhadamente sobre as anomalias108 que se

verificam nestes casos

Por ora jaacute que pudemos observar algumas

passagens exemplificativas da precisatildeo dos

gramaacuteticos nestes assuntos antes de nos

debruccedilarmos sobre outro tema vamos pocircr em

evidecircncia aquele toacutepico anterior

[155] φημὶ δὲ τίνα λόγον καλοῦσιν ἢ μέρη

λόγου

me refiro ao que chamam de sentenccedila ou partes da

sentenccedila

Περὶ λόγου καὶ μερῶν λόγου

Ἤτοι γὰρ αὐτὴν τὴν σωματικὴν φωνὴν

ἐροῦσιν ἢ ἀσώματον λεκτόν διαφέρον

ταύτης οὔτε δὲ τὴν φωνὴν ἐροῦσιν ταύτης

Sobre sentenccedila e partes da sentenccedila

Diratildeo eles ou que a sentenccedila eacute expressatildeo

sonora (phone) corpoacuterea ou expressatildeo diziacutevel

(lekton) incorpoacuterea diferente daquela E natildeo

142

μὲν γὰρ ῥηθείσης πάντες ἀκούουσιν

Ἕλληνές τε καὶ βάρβαροι καὶ ἰδιῶται καὶ οἱ

παιδείας ἐντός τοῦ δὲ λόγου καὶ τῶν τούτου

μερῶν Ἕλληνες μόνοι καὶ οἱ τούτου ἔμπειροι

τοίνυν οὐχ ἡ φωνή ἐστιν ὁ λόγος καὶ μέρη

λόγου

diratildeo que eacute expressatildeo sonora pois esta ao ser

pronunciada todos a escutam gregos e baacuterbaros

pessoas comuns e cultos mas apenas entendem a

sentenccedila e suas partes os gregos e pessoas que

tecircm experiecircncia109 Assim a expressatildeo sonora natildeo

eacute a sentenccedila e partes da sentenccedila

[156] καὶ μὴν οὐδὲ τὸ ἀσώματον λεκτόν πῶς

γὰρ ἀσώματον ἔτι ἔστι τι ἄλλο τοιοῦτο παρὰ

τὸ σῶμα καὶ τὸ κενόν πολλῆς καὶ ἀνηνύτου

γενομένης παρὰ τοῖς φιλοσόφοις περὶ αὐτοῦ

διαμάχης εἰ μὲν γὰρ κινεῖται σῶμά ἐστιν τὸ

γὰρ κινούμενον σῶμα εἰ δὲ μένει δεχόμενον

μὲν τὰ εἰς αὐτὸ φερόμενα σώματα καὶ μὴ

ἀντιτυποῦν κενὸν γενήσεται κενοῦ γὰρ ἴδιον

τὸ μὴ ἀντιτυπεῖν ἀντιτυποῦν δὲ τοῖς εἰς αὐτὸ

φερομένοις σῶμά ἐστιν ἰδίωμα γὰρ σώματος

τὸ ἀντιτυπεῖν

E certamente a sentenccedila tambeacutem natildeo eacute a

expressatildeo diziacutevel incorpoacuterea Pois como poderia

existir ainda um incorpoacutereo ou seja agrave parte de

corpo e vazio se haacute entre os filoacutesofos tamanha e

interminaacutevel discussatildeo sobre isto Se se move eacute

corpo porque o que se move eacute corpo Se natildeo se

move e admite outros corpos sem opor

resistecircncia seria vazio Pois eacute caracteriacutestico do

vazio natildeo opor resistecircncia Se opotildee resistecircncia a

outros corpos entatildeo eacute corpo pois criar resistecircncia

eacute proacuteprio do corpo110

[157] ἄλλως τε ὁ λέγων ἀσώματόν τι λεκτὸν

ὑπάρχειν ἤτοι φάσει μόνον ἀρκούμενος λέγει

ἢ ἀπόδειξιν παραλαμβάνων ἀλλὰ φάσει μὲν

ἀρκούμενος ἐν ἀντιφάσει ἐπισχεθήσεται

ἀπόδειξιν δὲ παραλαμβάνων ἐπεὶ καὶ αὐτὴ

διrsquo ἀναμφισβητήτων ὀφείλει λημμάτων

προάγειν τὰ δὲ λήμματά ἐστι λεκτά

προαρπάζων τὸ ζητούμενον ὡς

ὁμολογούμενον ἄπιστος ἔσται

Aleacutem disso quem diz existir a expressatildeo diziacutevel

incorpoacuterea ou deve se contentar com a mera

asserccedilatildeo ou deve arcar com o ocircnus da prova E se

se contenta com a asserccedilatildeo uma contra-asserccedilatildeo o

conteria Mas se se compromete em apresentar

uma prova e a prova deve se apresentar em forma

de premissas incontestaacuteveis e premissas satildeo

expressotildees diziacuteveis a prova iraacute antepor-se agrave

proacutepria questatildeo como se jaacute houvesse acordo sobre

ela e cairaacute assim em descreacutedito

[158] παρrsquo ἣν αἰτίαν λοιπόν εἰ μήτε ἡ φωνὴ

λόγος ἐστὶ μήτε τὸ σημαινόμενον ὑπrsquo αὐτῆς

ἀσώματον λεκτόν παρὰ δὲ ταῦτα νοεῖν οὐδὲν

ἐνδέχεται οὐδέν ἐστι λόγος

Ἔστω δὲ νῦν καὶ ὁ λόγος καὶ μέρη τούτου

ὁπόσα θέλουσιν οἱ γραμματικοὶ ὑπάρχειν

Por essa razatildeo portanto se a sentenccedila natildeo eacute nem a

expressatildeo sonora nem a expressatildeo diziacutevel

incorpoacuterea que eacute significada por ela e fora estas

natildeo se admitem outras concepccedilotildees a sentenccedila natildeo

eacute nada

Mas por ora vamos supor que existe a sentenccedila

143

ἀλλrsquo εἰπάτωσάν γε ἡμῖν πῶς τὸν λόγον

μερίζουσιν

e tantas partes dela quantas querem os gramaacuteticos

Que eles nos digam entatildeo como analisam a

sentenccedila

Περὶ μερισμοῦ

[159] Ἐπεὶ γὰρ τὸν μερισμὸν τὸν τῶν

ltἐμgtμέτρων ἐν δυσὶ μάλιστα τοῖς

ἀναγκαιοτάτοις κεῖσθαι συμβέβηκεν ἔν τε τῷ

βαίνειν τουτέστι τῇ εἰς τοὺς πόδας διανομῇ

καὶ ἐν τῇ εἰς τὰ τοῦ λόγου μέρη διαιρέσει

ἀκόλουθον μὲν 40 ἦν τοῖς τελέως πρὸς αὐτοὺς

ἀντιλέγουσιν ἑκάτερον κινεῖν τόν τε τρόπον

τοῦ βαίνειν σκελίσαντας αὐτῶν ἅπαντας τοὺς

οἷς βαίνουσι πόδας ὡς ἀνυπάρκτους καὶ ἔτι

τὸν τρόπον τῆς τῶν τοῦ λόγου μερῶν

διανομῆς δείξαντας τὸ ἀδύνατον τῆς

διαιρέσεως

Sobre anaacutelise

Jaacute que a anaacutelise (merismos)111 de versos assenta-

se principalmente em duas categorias mais

importantes a saber na escansatildeo (ou seja na

distribuiccedilatildeo (dianome) em peacutes meacutetricos) e na

distinccedilatildeo (diairesis)112 das partes da sentenccedila

consequentemente os que pretendem refutar os

gramaacuteticos de forma definitiva devem atacar as

duas Isto eacute tanto o meacutetodo de escansatildeo

inutilizando todos os lsquopeacutesrsquo com que lsquocaminhamrsquo

como inexistentes como o modo de distribuiccedilatildeo

das partes da sentenccedila mostrando a

impossibilidade de distinccedilatildeo

[160] ἀλλrsquo ἐπεὶ κἀν τοῖς πρὸς τοὺς μουσικοὺς

προηγουμένως περὶ ποδῶν ζητοῦμεν ἵνα μὴ

προλαμβάνωμεν τὰ μελλήσοντα πρὸς

ἐκείνους λέγεσθαι ἢ μὴ δὶς τὰ αὐτὰ λέγωμεν

ταύτην μὲν τὴν ἀπορίαν εἰς τὸν δέοντα καιρὸν

ὑπερθησόμεθα περὶ δὲ τῆς διαιρέσεως τῶν

τοῦ λόγου μερῶν σκεψώμεθα

Poreacutem jaacute que investigamos de forma minuciosa a

questatildeo dos peacutes meacutetricos no Contra os Muacutesicos

[M 6 60-67] e natildeo queremos nem antecipar o que

se diraacute contra eles nem repetir o argumento esta

aporia ficaraacute posposta para o momento oportuno e

iremos considerar por ora a distinccedilatildeo das partes

da sentenccedila

[161] Ὁ οὖν μερίζων τινὰ στίχον τὰ μὲν

ἀφαιρεῖ τὰ δὲ προστίθησι καὶ ἀφαιρεῖ μὲν τὸ

μῆνιν εἰ τύχοι χωρίζων τοῦ παντὸς στίχου

καὶ πάλιν τὸ ἄειδε καὶ τὰ λοιπὰ μέρη

προστίθησι δὲ τοῖς κατὰ συναλοιφὴν

ἐκφερομένοις οἷον τῷ lsquoαἷμrsquo ἐμέωνrsquo τὸ α τὸ

γὰρ πλῆρες ἦν rsquoαἷμα ἐμέωνrsquo καὶ πάλιν τῷ lsquoβῆ

δrsquo ἀκέωνrsquo τὸ ε κατὰ γὰρ ἐκπλήρωσιν οὕτως

εἶχε lsquoβῆ δὲ ἀκέωνrsquo μηδενὸς μέντοι μήτε

Pois bem na anaacutelise de um verso algumas

coisas satildeo separadas outras satildeo acrescentadas

Por exemplo tira-se o menin separando-o do

verso inteiro e entatildeo na sequecircncia o aeide e o

resto E ao que foi pronunciado elidido

acrescenta-se como acrescentar o alfa em

lsquohaimrsquoemeonrsquo pois a forma completa era lsquohaima

emeonrsquo (lsquovomitando sanguersquo) e assim com lsquobe

drsquoakeonrsquo cuja forma completa seria lsquobe de akeonrsquo

40 Blank ad loc ἂν

144

ἀφαιρεῖσθαι δυναμένου ἀπό τινος μήτε

προστίθεσθαί τινι πεφυκότος ἀδύνατος

γίνεται ὁ κατὰ γραμματικὴν μερισμός

(lsquoe foi-se em silecircnciorsquo) Poreacutem jaacute que por

natureza nada pode ser separado de nada nem

nada pode ser acrescentado a algo a anaacutelise nos

moldes da gramaacutetica torna-se impossiacutevel

Περὶ ἀφαιρέσεως

[162] Τὸ δὲ ὅτι οὐδὲν οὐδενὸς ἀφαιρεῖται

μάθοιμεν ἂν τὸν τρόπον τοῦτον εἰ γὰρ

ἀφαιρεῖταί τι ἀπό τινος ἢ ὅλον ἀφrsquo ὅλου

ἀφαιρεῖται ἢ μέρος ἀπὸ μέρους ἢ ὅλον ἀπὸ

μέρους ἢ μέρος ἀπὸ ὅλου ὅλον μὲν οὖν ἀπὸ

ὅλου οὐκ ἀφαιρεῖται ἑνὸς γὰρ ὑποκειμένου

στίχου εἰ ὅλον ἐστὶ τὸ ἀφαιρούμενον ὅλον

στίχον ἀφελοῦμεν καὶ οὕτως εἰ μὲν ἔτι μένοι

ὁ στίχος ἀφrsquo οὗ ἡ ἀφαίρεσις οὐδὲ ὅλως ἔσται

γεγονυῖά τις ἀφαίρεσις ἀπrsquo αὐτοῦ πῶς γὰρ ἔτι

μένειν οἷόν τέ ἐστι τὸ ὅλον εἴπερ ἀφῄρηται

εἰ δὲ μὴ μένοι δῆλον ὡς ἐκ τοῦ μὴ ὄντος οὐκ

ἔστι πάλιν γεγονυῖα ἀφαίρεσις ὥστε ὅλον

ἀπὸ ὅλου οὐκ ἀφαιρεῖται

Sobre separaccedilatildeo

Que nada se separa de nada podemos perceber

desse modo se algo se separasse de algo ou o

todo do todo separar-se-ia ou a parte da parte ou

o todo da parte ou a parte do todo O todo do

todo natildeo se separa pois dado um verso se o que

se separa eacute o todo acabamos com todo o verso E

assim se ainda restar o verso no qual se opera a

separaccedilatildeo entatildeo eacute porque a separaccedilatildeo natildeo se

operou totalmente Pois como eacute que haveria de

restar o todo se foi separado E se natildeo resta nada

eacute evidente que tampouco ocorre separaccedilatildeo do que

natildeo existe De forma que o todo do todo natildeo se

separa

[163] καὶ μὴν οὐδὲ ὅλον ἀπὸ μέρους ἐν μὲν

γὰρ τῷ μέρει οὐκ ἐμπεριέχεται τὸ ὅλον οἷον

τῷ μῆνιν τὸ lsquoltμῆνινgt ἄειδε θεὰ Πηληιάδεω

Ἀχιλῆοςrsquo τὸ δὲ ἀφαιρούμενον ὀφείλει

ἐμπεριέχεσθαι τῷ τὴν ἀφαίρεσιν

ἐπιδεχομένῳ λείπεται ἄρα ἢ μέρος ἀφrsquo ὅλου

ἢ μέρος ἀπὸ μέρους ἀφαιρεῖσθαι ἀλλὰ καὶ

τοῦτrsquo ἄπορον τὸ γὰρ μῆνιν εἰ μὲν ἀφrsquo ὅλου

ἀφαιρεῖται τοῦ στίχου καὶ ἀπὸ αὑτοῦ

ἀφαιρεῖται σὺν αὐτῷ γὰρ ὅλος ὁ στίχος

ἐνοεῖτο καὶ ἄλλως εἰ ἀφrsquo ὅλου ἀφαιρεῖται τὸ

δrsquo ὅλον ἦν lsquoμῆνιν ἄειδε θεὰ Πηληιάδεω

Ἀχιλῆοςrsquo ὤφειλεν ἠλαττῶσθαι καὶ τὸ lsquoἄειδε

θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo καὶ μὴ μένειν ἐν τῷ

De fato tambeacutem natildeo se separa o todo da parte

Pois o todo natildeo estaacute contido na parte como

lsquomenin aeide thea Peleiadeo Akhileosrsquo natildeo estaacute

contido em menin e o elemento separado deve

estar contido no que admite a separaccedilatildeo Faltou

entatildeo considerar se podem ser separadas a parte

do todo e a parte da parte Mas isto tambeacutem eacute

aporeacutetico Pois se menin eacute separado de todo o

verso eacute separado de si mesmo porque o verso foi

concebido como um todo juntamente com menin

E por outro acircngulo se se separa do todo e o todo

era lsquomenin aeide thea Peleiadeo Akhileosrsquo seria

preciso que tambeacutem lsquoaeide thea Peleiadeo

Akhileosrsquo tivesse diminuiacutedo e natildeo permanecido

145

αὐτῷ παντὸς τοῦ ἀφαίρεσιν ἐπιδεξαμένου μὴ

μένοντος ἐν ταὐτῷ

do mesmo jeito porque tudo que admite separaccedilatildeo

natildeo permanece do jeito que era

[164] ἐχρῆν δὲ καὶ αὐτὸ τὸ μῆνιν ἀφrsquo ὅλου

ἐκείνου λαμβάνον τὴν ἀφαίρεσιν ἔχειν τι ἐξ

ἑκάστου τῶν ἐν ἐκείνῳ ὃ πάλιν ἐστὶ ψεῦδος

εἰ οὖν μήτε ὅλον στίχον ἀπὸ στίχου δυνατὸν

μερίζειν μήτε μέρος στίχου ἀπὸ μέρους μήτε

ὅλον ἀπὸ μέρους μήτε μέρος

ἀφrsquo ὅλου καὶ παρὰ ταῦτα οὐδὲν ἐνδέχεται

νοεῖν41 ἀδύνατος τῷ γραμματικῷ ὁ μερισμός

O proacuteprio menin ao ser separado do todo teria

que conter em si algo de cada um dos elementos

do todo o que eacute novamente falso Portanto se

natildeo eacute possiacutevel do verso separar o verso todo de

uma parte separar parte do verso ou todo o verso

nem do todo separar uma parte e natildeo se admitem

outras concepccedilotildees fora estas a anaacutelise torna-se

impossiacutevel para o gramaacutetico

Περὶ προσθέσεως

[165] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ ἡ κατὰ τὰς

συναλειπτικῶς ἐκφερομένας λέξεις τινῶν

πρόσθεσις οὐκ ἔσται καὶ τοῦτrsquo ἔσται σαφές

ἂν μὴ ἐπὶ συλλαβῶν ἢ στοιχείων χειρίζηται ὁ

λόγος ὧν μάλιστα τὰς προσθέσεις ἐν τοῖς

μερισμοῖς ποιοῦνται οἱ γραμματικοί ἀλλrsquo ἐπὶ

ὅλων λέξεων ὑποκειμένου τοίνυν ἡμιστιχίου

τοῦ lsquoἄειδε θεὰ Πηληιάδεω Ἀχιλῆοςrsquo (ἔστω

γὰρ πρὸς τὸ παρὸν τουτὶ ἡμιστίχιον καὶ

προσλαμβανέτω τὸ μῆνιν ὥστε τὸ ἐξ

ἀμφοτέρων ἡρωικὸν γίνεσθαι μέτρον)

ζητοῦμεν τίνι ἡ πρόσθεσις γίνεται

Sobre acreacutescimo

Tampouco haveraacute acreacutescimo nas palavras que

apresentam elisatildeo na pronuacutencia Isto fica claro se

se aplica o argumento natildeo sobre siacutelabas ou letras

que os gramaacuteticos frequentemente acrescentam

quando fazem suas anaacutelises mas sobre palavras

inteiras Que se defina entatildeo lsquoaeide thea

Peleiadeo Akhileosrsquo como hemistiacutequio ou seja

metade do verso (para o presente propoacutesito esta

passagem eacute a metade do verso agrave qual se ajunta

menin e de ambas produz-se um verso de metro

heroico)113 e vamos investigar a que se faz o

acreacutescimo

[166] ἤτοι γὰρ ἑαυτῷ τὸ μῆνιν προστίθεται ἢ

τῷ προϋποκειμένῳ ἡμιστιχίῳ ἢ τῷ ἐξ

ἀμφοτέρων ἀποτελεσθέντι ἡρωικῷ μέτρῳ καὶ

ἑαυτῷ μὲν οὐκ ἂν προστεθείη μὴ ὂν γὰρ

ἕτερον ἑαυτοῦ καὶ μὴ διπλασιάζον ἑαυτὸ οὐκ

ἂν λέγοιτο ἑαυτῷ προστίθεσθαι τῷ δὲ

προϋποκειμένῳ ἡμιστιχίῳ πῶς ἐνδέχεται ὅλῳ

μὲν γὰρ αὐτῷ προστιθέμενον καὶ αὐτὸ

παρισαζόμενον ἐκείνῳ ἡμιστίχιον γενήσεται

Pois bem ou menin eacute acrescentado a si mesmo ou

agrave metade de verso antes definida ou ao verso

heroico produzido a partir de ambos A si mesmo

natildeo seria acrescentado pois natildeo sendo diferente

de si mesmo nem um duplo de si natildeo pode ser

dito que se acrescenta a si mesmo E como poderia

acrescentar-se agrave metade de verso antes definida

Pois acrescentado ao hemistiacutequio como um todo

e equiparando-se um e outro menin tornar-se-ia

41 Blank ad loc com Blomqvist p 78 νοιεῖν por ποιεῖν

146

outra metade do verso

[167] ταύτῃ τε ἀκολουθήσει καὶ τὸ μέγα

ἡμιστίχιον λέγειν εἶναι βραχύ βραχεῖ

συνεξισούμενον τῷ μῆνιν καὶ τὸ βραχὺ μέγα

μείζονι ἀντιπαρῆκον τῷ ἡμιστιχίῳ εἴπερ τῷ

παντὶ ἡμιστιχίῳ προστίθοιτο τὸ μῆνιν ltεἰ δὲ

μέρει μόνον προστίθοιτο τὸ μῆνινgt οἷον τῷ

ἄειδε καὶ εἰ μὲν μόνον αὐξήσει τὸ ἄειδε τὸ δrsquo

ὅλον οὔ ltοὐgt ποιήσει στίχον42 λείπεται οὖν

φάσκειν τῷ ἐξ ἀμφοῖν αὐτοῦ τε τοῦ μῆνιν καὶ

τοῦ προϋποκειμένου ἡμιστιχίου

ἀποτελουμένῳ ἑξαμέτρῳ καὶ ἡρωικῷ στίχῳ

προστίθεσθαι

A consequecircncia disto eacute que a metade longa do

verso seraacute dita breve pois ter-se-aacute igualado a

menin que eacute breve E a metade breve seraacute dita

longa pois emparelhou-se agrave outra metade ndash isso

no caso de mecircnin acrescentar-se ao hemistiacutequio

todo Se se acrescenta menin apenas a parte do

verso tal como a aeide e somente esta parte

aumenta e natildeo o verso como um todo natildeo se

produziria um verso completo Falta portanto

considerar que se acrescenta a ambos ou seja ao

hexacircmetro completo o verso heroico produzido a

partir do proacuteprio menin mais a metade de verso

acima definida

[168] ὃ τελέως ἦν ἀπίθανον τὸ γὰρ

ἐπιδεχόμενον πρόσθεσιν προϋπόκειται τῆς

προσθέσεως οὐ μὴν τὸ γινόμενον ἐκ τῆς

προσθέσεως προϋπόκειται ταύτης οὐκ ἄρα

οὖν τῷ γινομένῳ ἐκ τῆς προσθέσεως τοῦ

μῆνιν ἑξαμέτρῳ στίχῳ προστίθεται τὸ μῆνιν

ὅτε μὲν γὰρ γίνεται ἡ πρόσθεσις οὔπω

ἑξάμετρός ἐστιν ὅτε δὲ ἔστιν ἑξάμετρος

οὐκέτι γίνεται ἡ πρόσθεσις πλὴν συνῆκται τὸ

προκείμενον καὶ μήτε προσθέσεως μήτε

ἀφαιρέσεως οὔσης ἀναιρεῖται ὁ προειρημένος

τοῦ μερισμοῦ τρόπος

Ἀλλὰ δὴ πάλιν τὴν ἐν τούτοις τῶν

γραμματικῶν ἀκρίβειαν κατανοήσαντες φέρε

καὶ τῆς ἐν τῷ γράφειν αὐτῶν δυνάμεως

ἀποπειραθῶμεν

Isso eacute completamente inverossiacutemil pois o que

recebe acreacutescimo preexiste ao acreacutescimo e

obviamente o que resulta do acreacutescimo natildeo

preexiste a ele Consequentemente menin natildeo eacute

acrescentado ao verso hexacircmetro que resulta de

seu acreacutescimo pois no momento do acreacutescimo o

hexacircmetro ainda natildeo existe e existindo o

hexacircmetro o acreacutescimo jaacute se concluiu Em todo o

caso fecha-se o assunto proposto e natildeo existindo

nem acreacutescimo nem separaccedilatildeo destroacutei-se o acima

mencionado meacutetodo de anaacutelise 114

Mas mais uma vez tendo observado com

cuidado a precisatildeo dos gramaacuteticos nestes assuntos

vamos pocircr agrave prova tambeacutem sua capacidade em

relaccedilatildeo ao escrever

Περὶ ὀρθογραφίας Sobre ortografia115

42 Blank ad loc com Giusta p 431 que tambeacutem suprime o καὶ Por ltεἰ δὲ μέρει αὐτοῦgt οἷον τῷ ἄειδε καὶ εἰ μὲν μόνον αὐξήσει τὸ ἄειδε τὸ δ ὅλον ltοὐκ αὐξήσειgt οὐ ποιήσει στίχον

147

[169] Τὴν γὰρ ὀρθογραφίαν φασὶν ἐν τρισὶ

κεῖσθαι τρόποις ποσότητι ποιότητι μερισμῷ

ποσότητι μὲν οὖν ὅταν ζητῶμεν εἰ ταῖς

δοτικαῖς προσθετέον τὸ ι καὶ εὐχάλινον καὶ

εὐώδινας43 τῷ ι μόνον γραπτέον ἢ τῇ ει

ποιότητι δέ ὅταν σκεπτώμεθα πότερον διὰ

τοῦ ζ γραπτέον ἐστὶ τὸ σμιλίον καὶ τὴν

Σμύρναν ἢ διὰ τοῦ σ μερισμῷ δέ ἐπειδὰν

διαπορῶμεν περὶ τῆς ὄβριμος λέξεως

πότερόν ποτε τὸ β τῆς δευτέρας ἐστὶ

συλλαβῆς ἀρχὴ ἢ τῆς προηγουμένης πέρας

καὶ ἐπὶ τοῦ Ἀριστίων ὀνόματος ποῦ τακτέον

τὸ σ

Pois bem dizem que a ortografia assenta-se em

trecircs fatores quantidade qualidade e divisatildeo de

siacutelabas Na quantidade quando queremos saber se

aos dativos se deve adicionar um ι iota ou se

palavras como eukhalinos (lsquocom arreios bem

postosrsquo) e euodin (lsquofrutiacuteferorsquo) devem ser escritas

apenas com ι iota ou com ει eacutepsilon e iota116 Na

qualidade quando pensamos se smilion (faca) e

Smyrna (lsquoEsmirnarsquo) devem ser escritas com ζ zeta

ou com σ sigma117 E na divisatildeo quando estamos

em duacutevida se na palavra obrimos (lsquorobustorsquo) o β

beta eacute o comeccedilo da segunda siacutelaba ou o fim da

anterior ou em relaccedilatildeo ao nome Aristion onde

devemos colocar o σ sigma

[170] πάλιν δrsquo ἡ τοιαύτη τεχνολογία ἵνα

μηδὲν τῶν ἀπορωτέρων κινῶμεν μάταιος

εἶναι φαίνεται πρῶτον μὲν ἐκ τῆς διαφωνίας

ἔπειτα δὲ καὶ ἐξ αὐτῶν τῶν ἀποτελεσμάτων

καὶ ἐκ μὲν τῆς διαφωνίας ἐπείπερ οἱ τεχνικοὶ

μάχονταί τε καὶ εἰς αἰῶνα μαχήσονται πρὸς

ἀλλήλους τῶν μὲν οὕτως τῶν δὲ ἐκείνως τὸ

αὐτὸ γράφειν ἀξιούντων

Novamente tal exposiccedilatildeo teacutecnica revela-se inuacutetil ndash

sem provocarmos nenhuma das aporias mais

seacuterias ndash primeiro por causa do desacordo

(diaphonia) e em seguida por causa de seus

resultados (apotelesmata) mesmo118 No primeiro

caso porque os entendidos (tekhnikoi) no assunto

estatildeo em conflito entre si e continuaratildeo para

sempre a disputar uns com os outros defendendo

para a mesma palavra uns que deve ser escrita de

uma forma outros de outra

[171] ὅθεν καὶ οὕτως αὐτοὺς ἐρωτητέον εἰ

χρειώδης ἐστὶν ἡ περὶ ὀρθογραφίας

τεχνολογία τῷ βίῳ ἐχρῆν ἡμᾶς τε καὶ

ἕκαστον τῶν διαφωνούντων περὶ αὐτῆς

γραμματικῶν ἀνεπικρίτου ἀκμὴν

καθεστώσης τῆς κατὰ ταύτην διαφωνίας

παραποδίζεσθαι εἰς ἃ ἂν δέῃ γράφειν

Por isso eacute que devem ser confrontados com o

seguinte questionamento se uma exposiccedilatildeo

teacutecnica sobre ortografia eacute necessaacuteria para a vida

noacutes e todos os gramaacuteticos que discordam sobre

ela (e o desacordo permanece insoluacutevel) nos

encontrariacuteamos necessariamente paralisados

diante do que se deve escrever

[172] οὔτε δὲ ἡμῶν οὔτε τούτων ἕκαστος Mas natildeo ficamos paralisados nenhum de noacutes e

43 Blank ad loc ldquopossivelmente devecircssemos ler χαλινούς (lsquofreiosrsquo lsquoreacutedeasrsquo Iliacuteada XIX 393) e ὠδῖνας (lsquodores do partorsquo Iliacuteada XI 271)rdquo

148

παραποδίζεται ἀλλὰ συμφώνως πάντες

τυγχάνουσι τῆς προθέσεως ἅτε δὴ μὴ ἀπrsquo

ἐκείνης ἀλλrsquo ἀπὸ κοινοτέρας τινὸς καὶ

συμφώνου ὁρμώμενοι τριβῆς καθrsquo ἣν τὰ μὲν

κατrsquo ἀνάγκην ὀφείλοντα παραλαμβάνεσθαι

στοιχεῖα πρὸς τὴν μήνυσιν τοῦ ὀνόματος

πάντες παραλαμβάνουσι καὶ οἱ γραμματικοὶ

καὶ οἱ μὴ γραμματικοί περὶ δὲ τῶν μὴ κατrsquo

ἀνάγκην ἀδιαφοροῦσιν οὐκ ἄρα χρειώδης

ἐστὶν ἡ περὶ ὀρθογραφίας παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς ὑφήγησις

nenhum deles Ao contraacuterio todos alcanccedilamos

nosso propoacutesito sem desacordos precisamente

porque de fato natildeo eacute a ortografia que conta mas

uma praacutetica (tribe) mais geral e unacircnime segundo

a qual todos gramaacuteticos e natildeo gramaacuteticos usam

as letras que necessariamente devem ser usadas

para informar (menusis) a palavra e somos

indiferentes agraves que natildeo satildeo necessaacuterias Conclui-

se portanto natildeo ser necessaacuteria a orientaccedilatildeo

ortograacutefica dos gramaacuteticos

[173] ἀλλrsquo ὁ μὲν ἀπὸ τῆς διαφωνίας ἔλεγχος

τοιοῦτος ὁ δὲ ἀπὸ τῶν ἀποτελεσμάτων

ἐμφανής οὐδὲν γὰρ βλαπτόμεθα ἐάν τε σὺν

τῷ ι γράφωμεν τὴν δοτικὴν πτῶσιν ἐάν τε μή

καὶ ἐάν τε διὰ τοῦ σ τὸ σμιλίον καὶ τὴν

Σμύρναν ἐάν τε διὰ τοῦ ζ καὶ ἐπὶ τοῦ

Ἀριστίων ὀνόματος ἐάν τε τῇ προηγουμένῃ

συλλαβῇ τὸ σ προσμερίζωμεν ἐάν τε τῇ

ἐπιφερομένῃ τοῦτο συντάττωμεν

Essa refutaccedilatildeo teve por base a questatildeo do

desacordo Jaacute a que se configura com base nos

resultados eacute bastante oacutebvia Porque natildeo nos causa

qualquer prejuiacutezo escrevermos o caso dativo com ι

iota ou sem ι iota ou grafar smilion (lsquofacarsquo) e

Smyrna (lsquoEsmirnarsquo) com ζ zeta ou com σ sigma

e com relaccedilatildeo ao nome Aristion se o σ sigma

pertence agrave siacutelaba anterior ou se o colocamos com

a seguinte

[174] εἰ μὲν γὰρ παρὰ τὸ διὰ τοῦ σ ἀλλὰ μὴ

διὰ τοῦ ζ γράφειν τὸ σμιλίον οὐκέτι σμιλίον

γίνεται ἀλλὰ δρέπανον καὶ εἰ παρὰ [τὸ σ] τὸ

τοῦ Ἀριστίων ὀνόματος οὕτως ἀλλὰ μὴ

ἐκείνως συντάσσεσθαι τὸ σ [ἢ] ὁ Ἀριστίων

καθώς φησί τις τῶν χαριεντιζομένων

Δειπνίων γίνεται ἥρμοζε μὴ ἀδιαφορεῖν εἰ δrsquo

ὅπως ἂν ἔχῃ τὰ τῆς γραφῆς τὸ σμιλίον ltἐστὶ

σμιλίονgt ἐάν τε διὰ τοῦ σ ἐάν τε διὰ

τοῦ ζ κατάρχηται ὅ τε Ἀριστίων ἀεί ποτέ

ἐστιν Ἀριστίων ἐάν τε τῷ ι ἐάν τε τῷ τ τὸ σ

προσμερίζωμεν τίς χρεία τῆς πολλῆς καὶ

ματαίας παρὰ τοῖς γραμματικοῖς περὶ τούτων

Contudo se smilion (lsquofacarsquo) por ser escrito com ζ

zeta e natildeo com σ sigma deixa de ser o que eacute e se

torna drepanon (lsquofoicersquo) se o nome Aristion

(lsquoaquele que desjejuarsquo) por ser separado de uma

forma e natildeo de outra se tornasse como diria

algum engraccediladinho Deipnion (lsquoaquele que

jantarsquo) se fosse este o caso conviria natildeo sermos

indiferentes Poreacutem se independente da grafia

smilion (lsquofacarsquo) eacute smilion (lsquofacarsquo) com ζ zeta ou

com σ sigma e Aristion sempre Aristion

colocando-se o σ sigma com a siacutelaba anterior ou

com a seguinte que utilidade tem a interminaacutevel

lenga-lenga vatilde dos gramaacuteticos sobre estas coisas

149

μωρολογίας

[175] Κεφαλαιωδέστερον δὴ καὶ περὶ

ὀρθογραφίας διεξιόντες ἴδωμεν εἰς

συμπλήρωσιν τῆς πρὸς τὸ τεχνικὸν μέρος

αὐτῶν ἀντιρρήσεως πότερον ἔχουσί τινα πρὸς

τὸ ἑλληνίζειν συνεστῶσαν μέθοδον ἢ

οὐδαμῶς

Sobre ortografia abordamos os pontos

principais Para completar o ataque agrave parte

teacutecnica veremos se possuem ou natildeo um meacutetodo

consistente para a correccedilatildeo

Εἰ ἔστι τις τέχνη περὶ ἑλληνισμοῦ

[176] Ὅτι μὲν δεῖ τινα φειδὼ ποιεῖσθαι τῆς

περὶ τὰς διαλέκτους καθαριότητος αὐτόθεν

συμφανές ὅ τε γὰρ ἑκάστοτε βαρβαρίζων καὶ

σολοικίζων ὡς ἀπαίδευτος χλευάζεται ὅ τε

ἑλληνίζων ἱκανός ἐστι πρὸς τὸ σαφῶς ἅμα καὶ

ἀκριβῶς παραστῆσαι τὰ νοηθέντα τῶν

πραγμάτων ἤδη δὲ τοῦ ἑλληνισμοῦ δύο εἰσὶ

διαφοραί ὃς μὲν γάρ ἐστι κεχωρισμένος τῆς

κοινῆς ἡμῶν συνηθείας καὶ κατὰ

γραμματικὴν ἀναλογίαν δοκεῖ προκόπτειν ὃς

δὲ κατὰ τὴν ἑκάστου τῶν Ἑλλήνων συνήθειαν

ἐκ παραπλασμοῦ καὶ τῆς ἐν ταῖς ὁμιλίαις

παρατηρήσεως ἀναγόμενος

Se existe uma arte sobre a correccedilatildeo

(hellenismos)119

Que eacute preciso com alguma parcimocircnia cuidar

da pureza do idioma que se fala120 eacute de imediato

oacutebvio pois aquele que comete a todo momento

barbarismos ou solecismos eacute menosprezado como

ignorante Por outro lado quem fala grego

corretamente (hellenizon) eacute capaz de expressar

com clareza e precisatildeo o que pensa (noethenta)

sobre as coisas No entanto haacute dois tipos de

correccedilatildeo um destes tipos estaacute desvinculado de

nosso uso comum e parece proceder da analogia

gramatical o outro se adequa ao uso de cada um

dos gregos tendo origem na imitaccedilatildeo

(paraplasmos) e observaccedilatildeo da fala cotidiana121

[177] οἷον ὁ μὲν τῆς Ζεύς ὀρθῆς πτώσεως τὰς

πλαγίους σχηματίζων τοῦ Ζεός τῷ Ζεΐ τὸν

Ζέα κατὰ τὸν πρότερον τοῦ ἑλληνισμοῦ

χαρακτῆρα διαλέλεκται ὁ δὲ ἀφελῶς τοῦ

Ζηνός λέγων καὶ τῷ Ζηνὶ καὶ ltτὸνgt Ζῆνα

κατὰ τὸν δεύτερον καὶ συνηθέστερον ἡμῖν

πλὴν δυοῖν ὄντων τῶν ἑλληνισμῶν εὔχρηστον

μὲν εἶναί φαμεν τὸν δεύτερον διὰ τὰς

προειρημένας αἰτίας ἄχρηστον δὲ τὸν πρῶτον

διὰ τὰς λεχθησομένας

Assim quem a partir do nominativo Zeus

(lsquoZeusrsquo) forma os casos obliacutequos como Zeos Zeiuml

Zea se adequou ao primeiro tipo de correccedilatildeo jaacute o

que diz simplesmente Zenos Zeni e Zena estaacute

usando a liacutengua de acordo com o segundo tipo ao

qual estamos mais acostumados Ou seja haacute dois

tipos de correccedilatildeo e consideramos que o segundo

tipo seja uacutetil pelas razotildees antes mencionadas mas

o primeiro ao contraacuterio eacute inuacutetil pelas razotildees que

seratildeo apresentadas a seguir

[178] ὥσπερ γὰρ ἐν πόλει νομίσματός τινος Com efeito quando se utiliza uma moeda local em

150

προχωροῦντος κατὰ τὸ ἐγχώριον ὁ μὲν τούτῳ

στοιχῶν δύναται καὶ τὰς ἐν ἐκείνῃ τῇ πόλει

διεξαγωγὰς ἀπαραποδίστως ποιεῖσθαι ὁ δὲ

τοῦτο μὲν μὴ παραδεχόμενος ἄλλο δέ τι

καινὸν χαράσσων ἑαυτῷ καὶ τούτῳ

νομιστεύεσθαι θέλων μάταιος καθέστηκεν

οὕτω κἀν τῷ βίῳ ὁ μὴ βουλόμενος τῇ

συνήθως παραδεχθείσῃ καθάπερ νομίσματι

ὁμιλίᾳ κατακολουθεῖν ἀλλrsquo ἰδίαν αὑτῷ

τέμνειν μανίας ἐγγύς ἐστιν

uma determinada cidade de acordo com o

costume aquele que segue este uso estaacute apto a

fazer seus negoacutecios neste local sem empecilhos

no entanto aquele que natildeo admite isto e ao

cunhar para si mesmo uma moeda nova diferente

pretende utilizaacute-la seraacute apontado como louco O

mesmo acontece com aquele que natildeo deseja seguir

na vida a maneira de falar que eacute comumente

admitida como uma moeda estabelecida mas

pretende talhar uma liacutengua particular para si

mesmo estaacute perto da loucura

[179] διόπερ ltεἰgt οἱ γραμματικοὶ

ὑπισχνοῦνται τέχνην τινὰ τὴν καλουμένην

ἀναλογίαν παραδώσειν διrsquo ἧς κατrsquo ἐκεῖνον

ἡμᾶς τὸν ἑλληνισμὸν ἀναγκάζουσι

διαλέγεσθαι ὑποδεικτέον ὅτι ἀσύστατός

ἐστιν αὕτη ἡ τέχνη δεῖ δὲ τοὺς ὀρθῶς

βουλομένους διαλέγεσθαι τῇ ἀτέχνῳ καὶ

ἀφελεῖ κατὰ τὸν βίον καὶ τῇ κατὰ τὴν κοινὴν

τῶν πολλῶν συνήθειαν παρατηρήσει

προσανέχειν

Por isso se os gramaacuteticos tomam para si o

encargo de transmitir uma certa arte a que

chamam analogia pela qual estariacuteamos obrigados

a falar de acordo com aquele tipo de correccedilatildeo

devemos entatildeo demonstrar que tal arte eacute

inconsistente e os que desejam expressar-se de

maneira correta devem dedicar-se agrave observaccedilatildeo

simples e natildeo teacutecnica da liacutengua viva (ho bios) e do

uso comum de muitos

[180] Εἴπερ οὖν ἔστι τις περὶ ἑλληνισμὸν

τέχνη ἤτοι ἔχει ἀρχὰς ἐφrsquo αἷς συνέστηκεν ἢ

οὐκ ἔχει καὶ μὴ ἔχειν μὲν οὐκ ἂν φαῖεν οἱ

γραμματικοί πᾶσα γὰρ τέχνη ἀπό τινος ἀρχῆς

ὀφείλει συνίστασθαι εἰ δὲ ἔχει ἤτοι τεχνικὰς

ταύτας ἔχει ἢ ἀτέχνους καὶ εἰ μὲν τεχνικάς

πάντως ἢ ἀφrsquo ἑαυτῶν ἢ ἀπrsquo ἄλλης τέχνης

συνέστησαν κἀκείνη πάλιν ἀπὸ τρίτης καὶ ἡ

τρίτη ἀπὸ τετάρτης καὶ τοῦτrsquo εἰς ἄπειρον

ὥστε ἄναρχον γιγνομένην τὴν περὶ

ἑλληνισμὸν τέχνην μηδὲ τέχνην ὑπάρχειν

Pois bem se existe uma arte da correccedilatildeo ela

tem princiacutepios sobre os quais se fundamenta ou

natildeo os tem Os gramaacuteticos natildeo diriam que natildeo os

tem pois toda arte deve estar fundamentada sobre

algum princiacutepio Entatildeo se os tem satildeo princiacutepios

teacutecnicos ou natildeo teacutecnicos Se satildeo teacutecnicos

fundamentam-se sempre ou em si mesmos ou

em outra arte que por sua vez fundamentar-se-ia

numa terceira esta terceira numa quarta e assim

por diante ad infinitum de forma que se natildeo haacute

princiacutepio para a arte da correccedilatildeo tampouco ela

existe como arte

151

[181] εἰ δὲ ἀτέχνους οὐκ ἄλλαι τινὲς

εὑρεθήσονται παρὰ τὴν συνήθειαν ἡ ἄρα

συνήθεια τοῦ τί τέ ἐστιν ἑλληνικὸν καὶ τί

ἀνελλήνιστον γίνεται κριτήριον καὶ οὐκ ἄλλη

τις περὶ τὸν ἑλληνισμὸν τέχνη

Se se considera que os princiacutepios satildeo natildeo teacutecnicos

nenhum outro seraacute encontrado a natildeo ser o uso

Logo o uso eacute o criteacuterio para o que eacute correto e o

que eacute incorreto em grego (anelleniston) e natildeo

alguma outra arte acerca da correccedilatildeo

[182] ἄλλως τε ἐπεὶ τῶν τεχνῶν αἱ μὲν τῷ

ὄντι εἰσὶ τέχναι ὡς ἡ ἀνδριαντοποιικὴ καὶ

ζωγραφία αἱ δὲ ἐπαγγέλματι μέν εἰσι τέχναι

οὐ πάντως δὲ καὶ κατrsquo ἀλήθειαν ὡς

Χαλδαϊκή τε καὶ θυτική ἵνα μάθωμεν

πότερόν ποτε καὶ ἡ περὶ τὸν ἑλληνισμὸν

λεγομένη τέχνη ἢ ὑπόσχεσις μόνον ἐστὶν ἢ

καὶ ὑποκειμένη δύναμις δεήσει κριτήριόν τι

ἡμᾶς ἔχειν εἰς τὴν ταύτης δοκιμασίαν

Aleacutem disso dentre as artes algumas satildeo na

realidade (toi onti) artes como a escultura e

pintura e outras apenas se proclamam como tais

mas natildeo satildeo artes totalmente e de verdade como a

astrologia caldeia e a profecia que acompanha os

sacrifiacutecios Para verificarmos de qual tipo eacute a

chamada arte sobre a correccedilatildeo se promessa

apenas ou uma capacidade de fato teriacuteamos que

ter um criteacuterio para a avaliaccedilatildeo (dokimasia)

[183] τοῦτrsquo οὖν τὸ κριτήριον πάλιν ἤτοι

τεχνικόν τί ἐστι (καὶ περὶ ἑλληνισμόν εἴγε καὶ

τῆς περὶ τὸν ἑλληνισμὸν κρινούσης εἰ ὑγιῶς

κρίνει δοκιμαστικὸν καθέστηκεν) ἢ ἄτεχνον

ἀλλὰ τεχνικὸν μὲν περὶ ἑλληνισμὸν οὐκ ἂν

εἴη διὰ τὴν προειρημένην εἰς ἄπειρον

ἔκπτωσιν ἄτεχνον δrsquo εἰ λαμβάνοιτο τὸ

κριτήριον οὐκ ἄλλο τι εὑρήσομεν ἢ τὴν

συνήθειαν ἡ ἄρα

συνήθεια καὶ αὐτὴν τὴν περὶ ἑλληνισμὸν

τέχνην κρίνουσα οὐ δεήσεται τέχνης

E assim novamente esse criteacuterio ou seria teacutecnico

(e relativo agrave correccedilatildeo do grego jaacute que teria sido

estabelecido para avaliar se esta arte que julga a

correccedilatildeo do grego julga apropriadamente) ou

seria natildeo teacutecnico Mas natildeo poderia haver um

criteacuterio teacutecnico relativo agrave correccedilatildeo por causa do

que foi dito antes acerca do regresso ao infinito E

se este criteacuterio for considerado natildeo teacutecnico natildeo se

encontraraacute nenhum outro senatildeo o uso Logo o uso

julgaraacute tambeacutem a proacutepria arte da correccedilatildeo e natildeo

haveraacute necessidade de uma arte

[184] Εἴπερ δὲ οὐκ ἄλλως ἔστιν ἑλληνίζειν

ἐὰν μὴ παρὰ γραμματικῆς μάθωμεν τὸ

ἑλληνικόν ἤτοι ἐναργές ἐστι τοῦτο καὶ ἐξ

αὑτοῦ βλεπόμενον ἢ ἀδηλότερον ἀλλrsquo

ἐναργὲς μὲν οὐκ ἔστιν ἐπεὶ σύμφωνον ἂν ἦν

παρὰ πᾶσιν ὡς τὰ λοιπὰ τῶν ἐltναgtργῶν

Pois se de fato natildeo haacute outro modo de falar

grego corretamente a natildeo ser aprendermos o grego

correto junto agrave gramaacutetica entatildeo ou isto eacute algo

evidente que se vecirc por si mesmo ou eacute natildeo-

evidente (adeloteron) Mas natildeo eacute evidente ou

haveria acordo unacircnime sobre isso como haacute

acerca de todas as outras coisas evidentes

[185] καὶ ἄλλως πρὸς μὲν τὴν τοῦ ἐναργοῦς Aleacutem disso nenhuma arte eacute necessaacuteria para a

152

ἀντίληψιν οὐδεμιᾶς τέχνης ἐστὶ χρεία

καθάπερ οὐδὲ πρὸς τὸ λευκὸν ὁρᾶν ἢ γλυκέος

γεύεσθαι ἢ θερμοῦ θιγγάνειν πρὸς δὲ τὸ

ἑλληνίζειν μεθόδου τινὸς καὶ τέχνης κατὰ

τοὺς γραμματικούς ἐστι χρεία οὐκ ἄρα

ἐναργές ἐστι τὸ ἑλληνίζειν

apreensatildeo do que eacute evidente tal como natildeo eacute

necessaacuteria para ver o branco sentir um gosto

doce ou sentir calor E para falar grego

corretamente meacutetodo e arte satildeo necessaacuterios

segundo os gramaacuteticos Logo falar grego

corretamente natildeo eacute algo evidente

[186] ἄδηλον δὲ εἴπερ ἐστί πάλιν ἐπεὶ τὸ

ἄδηλον ἔκ τινος ἑτέρου γνωρίζεται ἤτοι

φυσικῷ τινι κατακολουθητέον κριτηρίῳ ἐξ

οὗ διαγιγνώσκεται τί τὸ ἑλληνικὸν καὶ τί τὸ

ἀνελλήνιστον ἢ τῇ ἑνὸς συνηθείᾳ ὡς ἄκρως

ἑλληνίζοντος χρηστέον πρὸς τὴν τούτου

κατάληψιν ἢ τῇ πάντων

E se for uma coisa natildeo-evidente e o natildeo-evidente

se conhece a partir de alguma outra coisa seria

preciso seguir ou algum criteacuterio natural com o

qual distinguimos o que eacute correto e o que eacute

incorreto ou para sua apreensatildeo deve-se

empregar ou o uso de uma uacutenica pessoa (que fale

o grego de forma sumamente correta) ou o uso de

todos

[187] ἀλλὰ φυσικὸν μὲν κριτήριον εἰς τὸ

ἑλληνικὸν καὶ τὸ μὴ τοιοῦτον οὐδὲν ἔχομεν

τοῦ γὰρ Ἀττικοῦ τὸ τάριχος λέγοντος ὡς

ἑλληνικὸν καὶ τοῦ Πελοποννησίου ὁ τάριχος

προφερομένου ὡς ἀδιάστροφον καὶ τοῦ μὲν

τὴν στάμνον ὀνομάζοντος τοῦ δὲ τὸν

στάμνον οὐδὲν ἔχει ἐξ ἑαυτοῦ κριτήριον

πιστὸν ὁ γραμματικὸς εἰς τὸ οὕτως ἀλλὰ μὴ

οὕτως δεῖν λέγειν εἰ μὴ ἄρα τὴν ἑκάστου

συνήθειαν ἥτις οὔτε τεχνικὴ οὔτε φυσική

ἐστιν

Mas natildeo temos um criteacuterio natural com o qual

podemos distinguir o que eacute correto em grego e o

que natildeo eacute porque para os atenienses dizer to

tarikhos (lsquocarne secarsquo) no neutro estaacute correto e

os peloponeacutesios tecircm certeza de que o correto eacute ho

tarikhos no masculino e um diz he stamnos

(lsquojarrorsquo) no feminino o outro ho stamnos no

masculino De forma que o gramaacutetico natildeo tem

nenhum criteacuterio por si mesmo confiaacutevel para o

que deve ser dito de uma forma e natildeo de outra a

natildeo ser o uso de cada um o que natildeo eacute nem teacutecnico

nem natural

[188] τῇ δὲ τινὸς συνηθείᾳ δεῖν ἀκολουθεῖν

εἴπερ ἐροῦσιν ἤτοι φάσει μόνον ἐροῦσιν ἢ

ἐμμεθόδοις ἀποδείξεσι χρησάμενοι ἀλλὰ

φάσιν μὲν λέγουσι φάσιν ἀντιθήσομεν περὶ

τοῦ τοῖς πολλοῖς μᾶλλον ἢ τῷ ἑνὶ δεῖν

ἀκολουθεῖν ἐμμεθόδως δὲ ἀποδεικνύντες ὅτι

οὗτος ἑλληνίζει ἀναγκασθήσονται ἐκείνην

E se disserem que se deve seguir o uso de uma

uacutenica pessoa ou isso eacute uma mera asserccedilatildeo ou

precisam apresentar provas concordantes com um

meacutetodo Mas se dizem que eacute uma asserccedilatildeo

contrapomos com a asserccedilatildeo de que se deve seguir

de preferecircncia o uso de muitos a seguir um Se

apresentarem metodicamente as provas de que tal

153

τὴν μέθοδον κριτήριον ἑλληνισμοῦ λέγειν διrsquo

ἣν καὶ οὗτος ἑλληνίζων δέδεικται ἀλλrsquo οὐχὶ

τοῦτον

sujeito fala grego corretamente seratildeo obrigados a

chamar de criteacuterio para a correccedilatildeo natildeo o sujeito

mas o meacutetodo pelo qual demonstraram que ele

fala grego corretamente

[189] λείπεται οὖν τῇ πάντων συνηθείᾳ

προσέχειν εἰ δὲ τοῦτο οὐ χρεία τῆς

ἀναλογίας ἀλλὰ παρατηρήσεως τοῦ πῶς οἱ

πολλοὶ διαλέγονται καὶ τί ὡς ἑλληνικὸν

παραδέχονται ἢ ὡς οὐ τοιοῦτον ἐκκλίνουσιν

τό γε μὴν ἑλληνικὸν ἤτοι φύσει ἐστὶν ἢ θέσει

καὶ φύσει μὲν οὐκ ἔστιν ἐπεὶ οὐκ ἄν ποτε

ταὐτὸν τοῖς μὲν ἑλληνικὸν ἐδόκει τυγχάνειν

τοῖς δὲ οὐχ ἑλληνικόν

Faltou entatildeo considerar que seja o uso de todos

Se eacute isto natildeo eacute a analogia que eacute necessaacuteria mas a

observaccedilatildeo de como muitos falam do que

admitem como grego correto ou evitam como

incorreto E de fato a correccedilatildeo do grego ou se daacute

por natureza ou por convenccedilatildeo Mas natildeo eacute por

natureza pois se fosse jamais aconteceria de uma

mesma coisa parecer correta para alguns e

incorreta para outros

[190] θέσει δὲ εἴπερ ἐστὶ καὶ νόμῳ τῶν

ἀνθρώπων ὁ συνασκηθεὶς μάλιστα καὶ

τριβεὶς ἐν τῇ συνηθείᾳ οὗτος ἑλληνίζει καὶ

οὐχ ὁ τὴν ἀναλογίαν ἐπιστάμενος καὶ γὰρ

ἄλλως ἔνεστι παραστῆσαι ὅτι οὐ δεόμεθα

πρὸς τὸ ἑλληνίζειν τῆς γραμματικῆς

E se fosse por convenccedilatildeo e lei dos homens aquele

que tem mais praacutetica e estaacute mais habituado ao uso

eacute que fala corretamente e natildeo o que domina

(epistamenos) a analogia Aleacutem disso podemos

demonstrar tambeacutem de outra forma que noacutes natildeo

precisamos da gramaacutetica para falar grego

corretamente

[191] ἐν γὰρ ταῖς ἀνὰ χεῖρα ὁμιλίαις ἤτοι

ἀντικόψουσιν ἡμῖν οἱ πολλοὶ ἐπί τισι λέξεσιν

ἢ οὐκ ἀντικόψουσιν καὶ εἰ μὲν ἀντικόψουσιν

εὐθὺς καὶ διορθώσονται ἡμᾶς ὥστε παρὰ τῶν

ἐκ τοῦ βίου καθεστώτων ἀλλrsquo οὐχὶ παρὰ

γραμματικῶν ἔχειν τὸ ἑλληνίζειν

Pois nas conversas cotidianas ou muitos iratildeo se

opor a noacutes no uso de algumas expressotildees (lekseis)

ou natildeo haveraacute oposiccedilatildeo E se se opotildeem iratildeo ao

mesmo tempo nos corrigir de forma que falar

grego corretamente depende do que se aponta a

partir da liacutengua viva e natildeo da gramaacutetica

[192] εἰ δrsquo οὐ δυσχεραίνουσιν ἀλλrsquo ὡς σαφέσι

καὶ ὀρθῶς ἔχουσι συμπεριφέροιντο τοῖς

λεγομένοις καὶ ἡμεῖς αὐτοῖς ἐπιμενοῦμεν

κατά τε ταύτην τὴν ἀναλογίαν ἤτοι πάντες ἢ

οἱ πλεῖστοι ἢ οἱ πολλοὶ διαλέγονται οὔτε δὲ

πάντες οὔθrsquo οἱ πλεῖστοι οὔθrsquo οἱ πολλοί μόλις

γὰρ δύο ἢ τρεῖς τοιοῦτοι εὑρίσκονται οἱ δὲ

E se os outros natildeo se incomodam mas se mostram

familiarizados com o que estamos dizendo como

estando claro e correto tambeacutem noacutes iremos

perseverar neste uso E ou todos (pantes) falam

de acordo com a analogia ou a maior parte

(pleistoi) ou muitos (polloi) mas nem todos nem

a maior parte nem muitos porque dificilmente se

154

πλεῖστοι οὐδὲ ἴσασιν αὐτήν encontram duas ou trecircs pessoas que o fazem e a

maior parte sequer conhece a analogia

[193] τοίνυν ἐπεὶ τῇ τῶν πολλῶν συνηθείᾳ

καὶ οὐ τῇ τῶν δυοῖν ἀναγκαῖον

κατακολουθεῖν ῥητέον τὴν παρατήρησιν τῆς

κοινῆς συνηθείας χρησιμεύειν πρὸς τὸ

ἑλληνίζειν ἀλλὰ μὴ τὴν ἀναλογίαν ἐπὶ

πάντων γε μὴν σχεδὸν τῶν χρησιμευόντων τῷ

βίῳ μέτρον ἐστὶν ἱκανὸν τὸ μὴ

παραποδίζεσθαι πρὸς τὰς χρείας

Pois bem jaacute que eacute o uso de muitos e natildeo de duas

pessoas que eacute necessaacuterio seguir deve ser dito que

a observaccedilatildeo do uso comum eacute necessaacuteria para

falar grego corretamente mas natildeo a analogia E

de fato como em praticamente tudo na vida que eacute

uacutetil eacute criteacuterio (metron) suficiente natildeo complicar-

se para alcanccedilar as coisas necessaacuterias

[194] διόπερ εἰ καὶ ὁ ἑλληνισμὸς διὰ δύο

μάλιστα προηγούμενα ἔτυχεν ἀποδοχῆς τήν

τε σαφήνειαν καὶ τὴν προσήνειαν τῶν

δηλουμένων (τούτοις γὰρ ἔξωθεν κατrsquo

ἐπακολούθησιν συνέζευκται τὸ μεταφορικῶς

καὶ ἐμφατικῶς καὶ κατὰ τοὺς ἄλλους τρόπους

φράζειν) ζητήσομεν οὖν ἐκ ποτέρας ταῦτα

μᾶλλον περιγίνεται ἆρά γε τῆς κοινῆς

συνηθείας ἢ τῆς ἀναλογίας ἵνα ἐκείνῃ

προσθώμεθα

Assim se a correccedilatildeo recebeu aprovaccedilatildeo por causa

de duas razotildees principais clareza e conformidade

(proseneia) das expressotildees (ta deloumena) (pois

foi algo agregado de fora e acessoriamente o falar

(phrazein) metaforicamente enfaticamente ou de

acordo com outras figuras (tropoi))122 vamos

investigar entatildeo atraveacutes de qual das correccedilotildees se

alcanccedila mais provavelmente estas qualidades a

que segue o uso comum ou a analogia e com isso

vamos tomar seu partido

[195] βλέπομεν δέ γε ὡς ἐκ τῆς κοινῆς

συνηθείας μᾶλλον ἢ ὅτι ἐκ τῆς ἀναλογίας

ἐκείνῃ ἄρα ἀλλrsquo οὐ ταύτῃ χρηστέον τὸ μὲν

γὰρ τῆς ὀρθῆς πτώσεως ὁ Ζεύς οὔσης τὰς

πλαγίους προφέρεσθαι Ζηνός Ζηνί Ζῆνα καὶ

τῆς κύων κυνός κυνί κύνα ltοὐ μόνονgt σαφές

ἀλλὰ καὶ ἀπρόσκοπον τοῖς πολλοῖς εἶναι

φαίνεται τοῦτο δέ ἐστι τὸ τῆς κοινῆς

συνηθείας τὸ δὲ ἀπὸ τῆς Ζεύς ὀρθῆς Ζεός

λέγειν καὶ Ζεΐ καὶ Ζέα καὶ ἀπὸ τῆς κύων

σχηματίζειν κύωνος κύωνι κύωνα ἢ ἀπὸ τῆς

κυνός γενικῆς ἀξιοῦν τὴν ὀρθὴν κῦς

ὑπάρχειν καὶ ἐπὶ τῶν ῥηματικῶν φερήσω

Percebe-se no entanto que de fato mais vale o

uso comum que a analogia Logo deve-se usar

aquele mas natildeo esta Pois do nominativo Zeus

(lsquoZeusrsquo) formar os casos obliacutequos Zenos Zeni e

Zena e de kuon (lsquocatildeorsquo) formar kunos kuni e

kuna parece natildeo somente claro mas tambeacutem eacute

sem objeccedilotildees para muitos e isto eacute proacuteprio do uso

comum Mas de Zeus dizer Zeos Zeiuml e Zea e de

kuon dizer kuonos kuoni kuona ou a partir do

genitivo kunos considerar que o nominativo eacute kus

ou nas formas verbais dizer phereso e blepeso123

por analogia a kueso (lsquoengravidarrsquo) e theleso

(lsquoquererrsquo) natildeo somente natildeo eacute claro como tambeacutem

155

λέγειν καὶ βλεπήσω ὡς κυήσω καὶ θελήσω οὐ

μόνον ἀσαφὲς ἀλλὰ καὶ γέλωτος ἔτι δὲ

προσκοπῆς ἄξιον εἶναι δοκεῖ τοῦτο δὲ γίνεται

ἀπὸ ἀναλογίας

parece ser motivo de riso e mesmo de ofensa E

isto eacute o que resulta da analogia

[196] τοίνυν ὡς ἔφην οὐ ταύτῃ χρηστέον

ἀλλὰ τῇ συνηθείᾳ

Μήποτε δὲ καὶ περιτρέπονται καὶ ἐάν ltτεgt

θελήσωσιν ἐάν τε καὶ μή ἀναγκασθήσονται

χρῆσθαι μὲν τῇ συνηθείᾳ παραπέμπειν δὲ τὴν

ἀναλογίαν σκοπῶμεν δrsquo ἐντεῦθεν τὸ

λεγόμενον τουτέστιν ἐκ τῆς πρὸς αὐτοὺς

ἀκολουθίας

Portanto como disse natildeo eacute esta que se deve usar

mas o uso comum

E pode ser que acabem mesmo por refutar-se a

si mesmos pois querendo ou natildeo eacute obrigatoacuterio

seguir o uso e deixar de lado a analogia Vamos

entatildeo examinar o que eles dizem a partir disto

mesmo ou seja a partir da consequecircncia para eles

proacuteprios

[197] ζητουμένου γὰρ τοῦ πῶς δεῖ λέγειν

χρῆσθαι ἢ χρᾶσθαι φασὶν ὅτι χρᾶσθαι καὶ

ἀπαιτούμενοι τούτου τὴν πίστιν λέγουσιν ὅτι

χρῆσις καὶ κτῆσις ἀνάλογά ἐστιν ὡς οὖν

κτᾶσθαι μὲν λέγεται κτῆσθαι δὲ οὐ λέγεται

οὕτω καὶ χρᾶσθαι μὲν ῥηθήσεται χρῆσθαι δὲ

οὐ πάντως

Pois perguntados se se deve dizer khrestai ou

khrasthai (lsquoservir-se dersquo) diratildeo que eacute khrasthai e

quando se pede uma prova disso dizem que

khresis (lsquousorsquo) e ktesis (lsquoaquisiccedilatildeorsquo) satildeo anaacutelogos

Portanto jaacute que se diz ktasthai (lsquoadquirirrsquo) mas

natildeo ktesthai assim tambeacutem deveremos dizer

khrasthai e de forma alguma khresthai

[198] ἀλλrsquo εἰ ἐπακολουθῶν τις αὐτοῖς πύθοιτο

lsquoαὐτὸ δὲ τοῦτο τὸ κτᾶσθαι ὅτι ὀρθῶς εἴρηται

ἀφrsquo οὗ καὶ τὸ χρᾶσθαι ἀποδείκνυμεν πόθεν

ἴσμενrsquo φήσουσιν ὅτι ἐν τῇ συνηθείᾳ λέγεται

τοῦτο δὲ λέγοντες δώσουσι τὸ τῇ συνηθείᾳ

δεῖν ὡς κριτηρίῳ προσέχειν ἀλλὰ μὴ τῇ

ἀναλογίᾳ

Mas se continuamos a investigar e perguntamos

lsquocomo sabemos que a forma ktasthai a partir da

qual indicamos krasthai estaacute corretarsquo -

respondem que eacute porque eacute de uso comum E ao

dizer isto confirmam que eacute preciso se ater ao uso

como criteacuterio e natildeo agrave analogia

[199] εἰ γὰρ ὅτι ἐν τῇ συνηθείᾳ λέγεται

κτᾶσθαι ῥητέον καὶ χρᾶσθαι ὀφείλομεν

παρέντες τὴν ἀναλογικὴν τέχνην ἐπὶ τὴν

συνήθειαν ἀναδραμεῖν ἀφrsquo ἧς κἀκείνη

ἤρτηται

Καὶ μὴν ἡ ἀναλογία ὁμοίων πολλῶν

ὀνομάτων ἐστὶ παράθεσις τὰ δὲ ὀνόματα

Pois se se deve dizer khrasthai porque no uso

comum se diz ktasthai entatildeo vamos ter que

deixar de lado a arte da analogia e retomar o uso

comum do qual tambeacutem ela depende

De fato a analogia eacute a comparaccedilatildeo de muitas

palavras (onomata) similares e estas palavras satildeo

tiradas do uso Portanto tambeacutem a consistecircncia da

156

ταῦτα ἐκ τῆς συνηθείας ὥστε καὶ ἡ σύστασις

τῆς ἀναλογίας ἀπὸ τῆς συνηθείας πρόεισιν

analogia procede do uso

[200] τούτου δὲ οὕτως ἔχοντος ἐρωτητέον

τρόπῳ τῷδε ἤτοι ἐγκρίνετε τὴν συνήθειαν ὡς

πιστὴν πρὸς διάγνωσιν ἑλληνισμοῦ ἢ

ἐκβάλλετε εἰ μὲν ἐγκρίνετε αὐτόθεν

συνῆκται τὸ προκείμενον καὶ οὐ χρεία τῆς

ἀναλογίας εἰ δὲ ἐκβάλλετε ἐπεὶ καὶ ἡ

ἀναλογία ἐκ ταύτης συνίσταται ἐκβάλλετε

καὶ τὴν ἀναλογίαν καὶ πάλιν ἄτοπον τὸ αὐτὸ

καὶ ὡς πιστὸν προσίεσθαι καὶ ὡς ἄπιστον

παραιτεῖσθαι

Pois bem jaacute que estas coisas satildeo desta forma

devemos confrontaacute-los com o seguinte ou vocecircs

aceitam o uso como confiaacutevel para a distinccedilatildeo do

grego correto ou o rejeitam Se o admitem a

presente questatildeo resolve-se por si mesma e natildeo haacute

necessidade da analogia Se o rejeitam jaacute que a

analogia se baseia propriamente nele rejeitam

tambeacutem a analogia E de novo eacute absurdo aceitar

uma mesma coisa como confiaacutevel e rechaccedilaacute-la

como natildeo confiaacutevel

[201] οἱ δὲ γραμματικοὶ θέλοντες τὴν

συνήθειαν ὡς ἄπιστον ἐκβάλλειν καὶ πάλιν

ταύτην ὡς πιστὴν παραλαμβάνειν τὸ αὐτὸ

πιστὸν ἅμα καὶ ἄπιστον ποιήσουσιν ἵνα γὰρ

δείξωσιν ὅτι οὐ διαλεκτέον κατὰ τὴν

συνήθειαν εἰσάγουσι τὴν ἀναλογίαν ἡ δὲ

ἀναλογία οὐκ ἰσχυροποιεῖται εἰ μὴ συνήθειαν

ἔχοι τὴν βεβαιοῦσαν

Poreacutem os gramaacuteticos porque querem rejeitar o

uso como natildeo confiaacutevel e ainda assim admitir

este mesmo uso como confiaacutevel acabam por fazer

com que uma mesma coisa seja confiaacutevel e natildeo-

confiaacutevel ao mesmo tempo O fato eacute que

introduzem a analogia para mostrar que natildeo se

deve falar segundo o uso mas a analogia natildeo tem

validade se natildeo tiver a confirmaccedilatildeo do uso

comum

[202] τῇ ἄρα συνηθείᾳ ἐκβάλλοντες τὴν

συνήθειαν τὸ αὐτὸ πιστὸν ἅμα καὶ ἄπιστον

ποιήσουσιν ἐκτὸς εἰ μή τι φήσουσι μὴ τὴν

αὐτὴν συνήθειαν ἐκβάλλειν ἅμα καὶ

προσίεσθαι ἀλλrsquo ἄλλην μὲν ἐκβάλλειν ἄλλην

δὲ προσίεσθαι ὅπερ καὶ λέγουσιν οἱ ἀπὸ

Πινδαρίωνος ἀναλογία φασίν

ὁμολογουμένως ἐκ τῆς συνηθείας ὁρμᾶται

ἔστι γὰρ ὁμοίου τε καὶ ἀνομοίου θεωρία

Logo ao rejeitarem o uso atraveacutes do uso acabam

por fazer com que seja confiaacutevel e natildeo-confiaacutevel

ao mesmo tempo A menos que digam isto natildeo

para rejeitar o uso comum ao mesmo tempo que o

admitem mas porque rejeitam um tipo e admitem

outro Isso eacute o que dizem os disciacutepulos de

Pindaacuterio ldquoTodos concordamrdquo ndash dizem eles ndash ldquoque

a analogia proveacutem do uso pois eacute uma teoria

(theoria) acerca do que eacute similar e do que eacute

diferente

[203] τὸ δὲ ὅμοιον καὶ ἀνόμοιον ἐκ τῆς

δεδοκιμασμένης λαμβάνεται συνηθείας

e similar e diferente satildeo ambos tomados do uso

consagrado e o que eacute consagrado e tambeacutem o

157

δεδοκιμασμένη δὲ καὶ ἀρχαιοτάτη ἐστὶν ἡ

Ὁμήρου ποίησις ποίημα γὰρ οὐδὲν

πρεσβύτερον ἧκεν εἰς ἡμᾶς τῆς ἐκείνου

ποιήσεως διαλεξόμεθα ἄρα τῇ Ὁμήρου

κατακολουθοῦντες συνηθείᾳ

mais antigo eacute a poesia homeacuterica Nenhum poema

mais antigo que a poesia de Homero chegou ateacute

noacutesrdquo vamos entatildeo conversar seguindo o uso de

Homero124

[204] ἀλλὰ πρῶτον μὲν οὐχ ὑπὸ πάντων

ὁμολογεῖται ποιητὴς ἀρχαιότατος εἶναι

Ὅμηρος ἔνιοι γὰρ Ἡσίοδον προήκειν τοῖς

χρόνοις λέγουσιν Λίνον τε καὶ Ὀρφέα καὶ

Μουσαῖον καὶ ἄλλους παμπληθεῖς οὐ μὴν

ἀλλὰ καὶ πιθανόν ἐστι γεγονέναι μέν τινας

πρὸ αὐτοῦ καὶ κατrsquo αὐτὸν ποιητάς ἐπεὶ καὶ

αὐτός πού φησι

τὴν γὰρ ἀοιδὴν μᾶλλον ἐπικλείουσrsquo

ἄνθρωποι

ἥτις ἀκουόντεσσι νεωτάτη ἀμφιπέληται

τούτους δὲ ὑπὸ τῆς περὶ αὐτὸν λαμπρότητος

ἐπεσκοτῆσθαι

Mas o fato eacute que primeiro nem todos estatildeo de

acordo sobre Homero ser o poeta mais antigo

alguns dizem que Hesiacuteodo eacute anterior tambeacutem

Lino e Orfeu e muitiacutessimos outros Na verdade eacute

sim plausiacutevel que houvesse poetas antes dele ou

contemporacircneos jaacute que ele mesmo diz em algum

lugar

lsquopois entre o povo recebem mais altos louvores os

cantos

que para o ouvinte mais novos lhe soamrsquo

[Odisseia I 351-2 Trad Carlos Alberto Nunes]

Mas o brilho de Homero deixou esses poetas na

obscuridade

[205] καὶ εἰ ἀρχαιότατος δὲ ὁμολογοῖτο

τυγχάνειν Ὅμηρος οὐδὲν εἴρηται ὑπὸ τοῦ

Πινδαρίωνος ἱκνούμενον ὥσπερ γὰρ

προηποροῦμεν περὶ τοῦ πότερόν ποτε44 τῇ

συνηθείᾳ ἢ τῇ ἀναλογίᾳ χρηστέον οὕτω καὶ

νῦν διαπορήσομεν πότερον τῇ συνηθείᾳ ἢ τῇ

ἀναλογίᾳ καὶ εἰ τῇ συνηθείᾳ ἆρα τῇ καθrsquo

Ὅμηρον ἢ τῇ τῶν ἄλλων ἀνθρώπων πρὸς

ὅπερ οὐδὲν εἴρηται

E mesmo que se concorde ser Homero o mais

antigo ainda assim nada razoaacutevel foi dito por

Pindaacuterio Pois assim como estaacutevamos em duacutevida

antes sobre ser preciso seguir o uso ou a analogia

agora tambeacutem iremos questionar se eacute o uso ou a

analogia e se for o uso se eacute conforme Homero ou

conforme o resto das pessoas ndash sobre isso

Pindaacuterio nada disse

[206] εἶτα κἀκείνην μάλιστα δεῖ τὴν

συνήθειαν μεταδιώκειν ᾗ προσχρώμενοι οὐ

γελασθησόμεθα τῇ δὲ Ὁμηρικῇ

κατακολουθοῦντες οὐ χωρὶς γέλωτος

ἑλληνιοῦμεν μάρτυροι λέγοντες καὶ lsquoσπάρτα

E em segundo lugar eacute preciso sobretudo seguir

o uso que natildeo nos torne motivo de risada Mas se

focircssemos seguir o uso homeacuterico estariacuteamos

usando um tal grego que cairiam na risada quando

nos saiacutessemos com coisas como marturoi

44 Blank ad loc Por πότερόν τε

158

λέλυνταιrsquo καὶ ἄλλα τούτων ἀτοπώτερα τοίνυν

οὐδrsquo οὗτός ἐστιν ὁ λόγος ὑγιής μετὰ καὶ τοῦ

συγκεχωρῆσθαι τὸ κατασκευαζόμενον ὑφrsquo

ἡμῶν τουτέστι τὸ μὴ χρῆσθαι ἀναλογίᾳ

(lsquotestemunhasrsquo) e sparta leluntai (lsquoas cordas estatildeo

soltasrsquo) ou outras ainda mais estranhas Logo

tampouco este argumento eacute apropriado aleacutem de

que confirma a proposiccedilatildeo que estaacutevamos

tentando estabelecer ou seja de que natildeo haacute por

que servir-se da analogia

[207] τί γὰρ διήνεγκεν εἴτrsquo ἐπὶ τὴν τῶν

πολλῶν εἴτrsquo ἐπὶ τὴν Ὁμήρου συνήθειαν

ἐλθεῖν ὡς γὰρ ἐπὶ τῆς τῶν πολλῶν τηρήσεώς

ἐστι χρεία ἀλλrsquo οὐ τεχνικῆς ἀναλογίας οὕτω

καὶ ἐπὶ τῆς Ὁμήρου τηρήσαντες γὰρ αὐτοὶ

πῶς εἴωθε λέγειν οὕτω καὶ διαλεξόμεθα

Pois qual a diferenccedila entre seguir o uso da maioria

e o uso de Homero Para seguir o uso da maioria eacute

necessaacuterio observaccedilatildeo e natildeo analogia teacutecnica e eacute

a mesma coisa quando se trata do uso de Homero

Pois iriacuteamos moldar nossa fala a partir da

observaccedilatildeo de seu modo usual de se expressar

[208] τὸ δὲ ὅλον ὡς αὐτὸς Ὅμηρος οὐκ

ἀναλογίᾳ προσεχρήσατο ἀλλὰ τῇ τῶν κατrsquo

αὐτὸν ἀνθρώπων συνηθείᾳ κατηκολούθησεν

οὕτω καὶ ἡμεῖς οὐκ ἀναλογίαltιgt πάντως

ltπροσgtἑξόμεν βεβαιωτὴν ἐχούσηι45 Ὅμηρον

ἀλλὰ τὴν συνήθειαν τῶν καθrsquo αὑτοὺς

ἀνθρώπων παραπλασόμεθα

Em suma assim como o proacuteprio Homero natildeo

utiliza analogia mas segue o uso comum das

pessoas de seu tempo tambeacutem noacutes natildeo iremos

prestar atenccedilatildeo agrave analogia nunca embora tenha

Homero como suporte mas nos moldaremos

(paraplasso) ao uso dos homens de nosso tempo

[209] Ἄρτι μὲν οὖν ἐκ τῆς πρὸς τοὺς

γραμματικοὺς ἀκολουθίας συνῆκται τὸ

παρέλκειν μὲν τὴν ἀναλογίαν πρὸς

ἑλληνισμόν εὐχρηστεῖν δὲ τὴν τῆς συνηθείας

παρατήρησιν δῆλον δὲ ἴσως ἔσται ltκαὶgt46 ἐκ

τῶν ῥητῶν

Assim acabamos de concluir a partir das

consequecircncias de seus argumentos que para falar

grego corretamente a analogia eacute dispensaacutevel e a

observaccedilatildeo do uso comum eacute que eacute bastante uacutetil

Provavelmente isso tambeacutem ficaraacute evidente a

partir do que afirmam

[210] ὁριζόμενοι γὰρ τόν τε βαρβαρισμὸν καὶ

τὸν σολοικισμόν φασι lsquoβαρβαρισμός ἐστι

παράπτωσις ἐν ἁπλῇ λέξει παρὰ τὴν κοινὴν

συνήθειανrsquo καὶ lsquoσολοικισμός ἐστι

παράπτωσις ἀσυνήθης κατὰ τὴν ὅλην

σύνταξιν καὶ ἀνακόλουθοςrsquo

Pois quando definem barbarismo e solecismo

afirmam que lsquobarbarismo eacute o desvio (paraptosis)

do uso comum em uma palavra apenasrsquo e

lsquosolecismo eacute o desvio do uso e da coerecircncia em

toda a construccedilatildeo (suntaksis)rsquo

[211] πρὸς ἃ δυνάμεθα λέγειν εὐθύς ἀλλrsquo εἰ ὁ Contra isto podemos logo dizer mas se o

45 Blank ad loc com Blomqvist p 79 ss Por lsquoοὐκ ἀναλογίας πάντως ἑξόμεθα βεβαιωτὴν ἐχούσηltςgtrsquo 46 Blank ad loc com Bekker

159

μὲν βαρβαρισμός ἐστιν ἐν ἁπλῇ λέξει ὁ δὲ

σολοικισμὸς ἐν συνθέσει λέξεων δέδεικται δὲ

ἔμπροσθεν ὡς οὔτε ἁπλῆ ἔστι λέξις τις οὔτε

σύνθεσις λέξεων οὐδέν ἐστι βαρβαρισμὸς ἢ

σολοικισμός

barbarismo ocorre em uma palavra apenas e o

solecismo na combinaccedilatildeo (suntaksis) das palavras

e como ficou demonstrado acima natildeo existe nem

palavra sozinha tampouco a combinaccedilatildeo delas

barbarismo e solecismo natildeo satildeo nada

[212] πάλιν εἰ ἐν λέξει μιᾷ ὁ βαρβαρισμὸς

νοεῖται καὶ ἐν συνθέσει λέξεων ὁ

σολοικισμός ἀλλrsquo οὐκ ἐν τοῖς ὑποκειμένοις

πράγμασι πῶς ἥμαρτον εἰπὼν lsquoοὗτοςrsquo

δείκνυμι δὲ γυναῖκα ἢ lsquoαὕτηrsquo δείκνυμι δὲ

νεανίαν οὔτε γὰρ ἐσολοίκισα οὐ γὰρ

σύνθεσιν πολλῶν ἀκαταλλήλων λέξεων

προηνεγκάμην ἀλλrsquo ἁπλῆν τὴν οὗτος λέξιν ἢ

αὕτη

Ainda se se concebe o barbarismo em uma uacutenica

palavra e o solecismo na combinaccedilatildeo das

palavras mas natildeo em relaccedilatildeo agraves coisas

subjacentes (ta hupokeimena pragmata) entatildeo

que erro haveria em dizer lsquoelersquo indicando uma

mulher ou lsquoelarsquo quando indico um jovem Pois

natildeo cometi solecismo jaacute que natildeo foi pronunciada

uma combinaccedilatildeo incoerente de muitas palavras

mas tatildeo somente a palavra lsquoelersquo ou lsquoelarsquo

[213] οὔτrsquo ἐβαρβάρισα οὐδὲν γὰρ ἀσύνηθες

εἶχεν ἡ οὗτος λέξις ὡς ἡ παρὰ τοῖς

Ἀλεξανδρεῦσιν lsquoἐλήλυθανrsquo καὶ lsquoἀπελήλυθανrsquo

Πλὴν τοιαῦτα μὲν πολλὰ πρὸς τοὺς

γραμματικοὺς ἐνδέχεται λέγειν

E tampouco cometi um barbarismo pois a palavra

lsquoelersquo natildeo desvia do uso como ocorre com as

formas eleluthan (rsquoforamrsquo) e apeleluthan

(rsquoafastaram-sersquo)125 que satildeo usadas pelos

alexandrinos

Seria possiacutevel apontar contra os gramaacuteticos

ainda muitos outros argumentos como esses

[214] ἵνα δὲ μὴ δοκῶμεν ἐν πᾶσιν ἀπορητικοὶ

τυγχάνειν ἐπὶ τὴν ἐξ ἀρχῆς πρόθεσιν

ἀναδραμόντες φήσομεν ὡς εἴπερ ὁ

βαρβαρισμὸς παράπτωσίς ἐστι παρὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν ἐν μιᾷ λέξει θεωρούμενος

ὡσαύτως δὲ καὶ ὁ σολοικισμὸς ἐν πολλαῖς

λέξεσι τὴν ὑπόστασιν λαμβάνων καὶ ἔστι

βάρβαρον μὲν τὸ dagger τράπεζα διὰ τὸ μὴ

σύνηθες εἶναι τὸ ῥῆμα σόλοικον δὲ τὸ lsquoπολλὰ

περιπατήσας κοπιᾷ μου τὰ σκέληrsquo διὰ τὸ μὴ

λέγεσθαι τῇ κοινῇ συνηθείᾳ ὡμολόγηται ὅτι

ἡ μὲν ἀναλογικὴ τέχνη ὄνομα κενόν ἐστι πρὸς

No entanto para natildeo parecer que somos em tudo

aporeacuteticos voltaremos agrave proposta do princiacutepio e

diremos que se o barbarismo eacute um desvio do uso

comum observaacutevel em uma soacute palavra bem como

solecismo eacute o que se diz subsistir em muitas

palavras e eacute barbarismo dizer trapeza126 porque

natildeo se usa este verbo (rema) e eacute solecismo o polla

peripatesas kopiai mou ta skele (lsquotendo andado

muito minhas pernas doemrsquo)127 porque natildeo se diz

no uso comum entatildeo daacute-se por consentido que

lsquoarte da analogiarsquo eacute um nome vazio e que para

natildeo cometermos barbarismos ou solecismos eacute

160

τὸ μὴ βαρβαρίζειν ἢ σολοικίζειν δεῖ δὲ τὴν

συνήθειαν παρατηρεῖν καὶ ἀκολούθως αὐτῇ

διαλέγεσθαι

preciso observar e adequar-se no falar ao uso

comum

[215] εἰ μὲν γὰρ μετακαθίσαντες λέγοιεν

βαρβαρισμὸν ἁπλῶς παράπτωσιν ἐν ἁπλῇ

λέξει δίχα τοῦ προσθεῖναι τὸ παρὰ τὴν

κοινὴν συνήθειαν καὶ σολοικισμὸν

παράπτωσιν κατὰ τὴν ὅλην σύνταξιν καὶ

ἀνακόλουθον χωρὶς τοῦ παραλαβεῖν τὸ

ἀσύνηθες καὶ χεῖρόν τι κινήσουσιν ἑαυτοῖς

πρᾶγμα τὰ γὰρ τοιαῦτα καθrsquo ὅλην τὴν

σύνταξιν ltἀνgtακολουθοῦντα ἕξουσιν

lsquoἈθῆναι καλὴ πόλις Ὀρέστης καλὴ

τραγῳδία ἡ βουλὴ οἱ ἑξακόσιοιrsquo ἃ δεήσει

σολοικισμοὺς λέγειν οὐχὶ δέ γε σολοικισμοὶ

τυγχάνουσι διὰ τὸ σύνηθες

Se mudassem de estrateacutegia e dissessem que o

barbarismo eacute simplesmente lsquoo desvio em uma

palavra apenasrsquo sem acrescentar que eacute lsquocontra o

uso comumrsquorsquo e solecismo lsquoo desvio da coerecircncia

em toda a construccedilatildeorsquo mas sem mencionar que eacute

um lsquodesvio do usorsquo estariam numa posiccedilatildeo ainda

pior Pois as seguintes frases contecircm desvios em

sua construccedilatildeo lsquoAtenas [pl] eacute uma cidade bonita

[sg]rsquo lsquoOrestes [masc] eacute uma bela trageacutedia

[fem]rsquo lsquoOs 600 [masc pl] eacute a assembleacuteia [fem

sg] da cidadersquo e seraacute preciso afirmar que satildeo

solecismos quando na verdade natildeo satildeo porque

satildeo usuais

[216] οὐκ ἄρα ψιλῇ τῇ ἀκολουθίᾳ κριτέον τὸν

σολοικισμόν ἀλλὰ τῇ συνηθείᾳ

Εὖ δrsquo ἂν ἔχοι καὶ μετὰ τὴν ἐκ τῆς ltπρὸς

αὐτοὺςgt ἀκολουθίας καὶ τῶν ῥητῶν ἔνστασιν

ἔτι καὶ ἀπὸ τῆς κατὰ τὸ ὅμοιον μεταβάσεως

αὐτοὺς δυσωπεῖν

Portanto natildeo se julga o solecismo apenas pela

coerecircncia mas pelo uso

Depois da objeccedilatildeo com base nas consequecircncias

de seus argumentos contra si mesmos e em suas

proacuteprias afirmaccedilotildees seria interessante tambeacutem

constrangecirc-los usando o argumento da transiccedilatildeo

por similaridade (kata to homoion metabasis)

[217] εἴπερ γὰρ τοῦ ὁμοίου θεωρητικοὶ

καθεστήκασιν ἐπεὶ τῷ εἰς ἀντικνήμιον

τύπτεσθαι ἀνάλογόν ἐστι τὸ εἰς τὴν ῥῖνα

τύπτεσθαι καὶ τὸ εἰς τὴν γαστέρα λέγεται δὲ

τὸ πρῶτον ἀντικνημιάζειν ἀναλόγως καὶ τὸ

γαστρίζειν ἢ μυκτηρίζειν ltgt τὸ δὲ αὐτὸ

καὶ ἐπὶ τοῦ ἱππάζεσθαι καὶ κατακρημνίζεσθαι

καὶ ἡλιάζεσθαι ὑποδεικτέον οὐ λέγομεν δὲ

ταῦτα διὰ τὸ παρὰ τὴν κοινὴν εἶναι

Porque se de fato eles se posicionaram como

teoacutericos da analogia levar um chute na canela

(antiknemios) eacute anaacutelogo a levar um chute no nariz

(rina) ou no estocircmago (gaster) e como o primeiro

eacute dito antiknemiaacutezein (canelar) por analogia

seriam gastrizein (barrigar) e mukterizein

(narigar) O mesmo daacute-se com hippazesthai

(lsquocavalgarrsquo) e katakremnizesthai (lsquoatirar-se de um

precipiacuteciorsquo) e heliazesthai (lsquoaquecer-se ao solrsquo)

161

συνήθειαν τοίνυν οὐδὲ τὸ κltλgtυήσω47

οὐδὲ τὸ φερήσω καὶ τὰ ἄλλα πάντα ἅπερ

ltκατrsquogt ἀναλογίαν ἐστὶν ὀφειλόμενα

λέγεσθαι διὰ τὸ μὴ κατὰ τὴν συνήθειαν

λέγεσθαι

Mas natildeo falamos deste jeito porque seria contra o

uso comum Da mesma forma nem lueso nem

fereso128 e todas as outras que se adequam agrave

analogia natildeo satildeo ditas devidamente porque natildeo

satildeo ditas de acordo com o uso comum

[218] οὐ μὴν ἀλλrsquo εἴπερ ἄριστα μὲν θρᾳκιστὶ

διαλέγεσθαί φαμεν τὸν ὡς σύνηθές ἐστι

Θρᾳξὶ διαλεγόμενον καὶ κάλλιστα ῥωμαϊστὶ

τὸν ὡς σύνηθες Ῥωμαίοις ἀκολουθήσει καὶ

τὸ ἑλληνιστὶ ὑγιῶς διαλέγεσθαι τὸν ὡς

σύνηθες Ἕλλησι διαλεγόμενον ἐὰν τῇ

συνηθείᾳ ἀλλὰ μὴ τῇ διατάξει

κατακολουθῶμεν τῇ ἄρα συνηθείᾳ οὐ τῇ

ἀναλογίᾳ κατακολουθοῦντες ἑλληνιοῦμεν

Na verdade se afirmamos que fala traacutecio muito

bem aquele que fala conforme eacute usual entre os

traacutecios e que fala o mais belo latim quem se

expressa como eacute habitual entre os romanos

consequentemente fala grego com propriedade

aquele que fala como eacute usual entre os gregos se

seguirmos o uso portanto e natildeo a regra Assim

sendo por seguirmos o uso e natildeo a analogia eacute

que falamos grego corretamente

[219] καθόλου τε ἤτοι σύμφωνός ἐστι τῇ

συνηθείᾳ ἡ ἀναλογία ἢ διάφωνος καὶ εἰ μὲν

σύμφωνος πρῶτον μὲν ὡς ἐκείνη οὐκ ἔστι

τεχνική οὕτως οὐδὲ αὕτη γενήσεται τέχνη τὸ

γὰρ ἀτεχνίᾳ συμφωνοῦν πάντως καὶ αὐτό

ἐστιν ἄτεχνον καὶ ἄλλως ltεἰgt τὸ κατrsquo

ἐκείνην ἑλληνικὸν καὶ κατὰ ταύτην ἐκείνῃ

συμφωνοῦσαν γενήσεται ἑλληνικόν καὶ τὸ

κατrsquo ἐκείνην ἔσται τοιοῦτον

E em geral a analogia ou concorda com o uso ou

discorda dele E se concorda em primeiro lugar

visto que o uso natildeo eacute algo teacutecnico tampouco a

analogia viria a ser uma arte pois o que concorda

com o natildeo teacutecnico seraacute ele mesmo sempre natildeo

teacutecnico E em segundo lugar se o que eacute grego

correto conforme o uso comum eacute correto

conforme a analogia jaacute que ela concorda com o

uso entatildeo o que estaacute de acordo com o uso seraacute

correto

[220] τούτου δrsquo οὕτως ἔχοντος οὐ δεησόμεθα

τῆς ἀναλογίας πρὸς διάγνωσιν τοῦ

ἑλληνισμοῦ ἔχοντες εἰς τοῦτο τὴν συνήθειαν

εἰ δὲ διάφωνός ἐστιν αὕτη πάντως ἑτέραν

εἰσηγουμένη συνήθειαν παρrsquo ἐκείνην καὶ

οἱονεὶ βάρβαρον ἀδόκιμος γενήσεται καὶ ὡς

προσκοπὴν ἐμποιοῦσα τελέως ἄχρηστος

E jaacute que as coisas satildeo assim natildeo haveraacute

necessidade de recorrer agrave analogia para avaliar a

correccedilatildeo temos para isso o uso E se a analogia

discorda do uso introduzindo um uso totalmente

diferente ndash como um barbarismo por assim dizer

ndash cairaacute em descreacutedito e geradora de obstaacuteculo

torna-se completamente inuacutetil

47 κυήσω (kueso) seria uma forma correta e foi mesmo usada como paradigma no sect 195 por isto costuma-se modificaacute-la na traduccedilatildeo optamos por proceder agrave modificaccedilatildeo do texto base tambeacutem

162

[221] Ἐπιχειρητέον δὲ καὶ ἀπὸ τῆς

συστάσεως τῆς τέχνης αὐτῶν θέλουσι μὲν

γὰρ καθολικά τινα θεωρήματα συστησάμενοι

ἀπὸ τούτων πάντα τὰ κατὰ μέρος κρίνειν

ὀνόματα εἴτε ἑλληνικά ἐστιν εἴτε καὶ μή οὐ

δύνανται δὲ [καὶ] τοῦτο ποιεῖν διὰ τὸ μήτε τὸ

καθολικὸν αὐτοῖς συγχωρεῖσθαι ὅτι

καθολικόν ἐστι μήτrsquo ἄλλως ἀναπτυσσόμενον

τοῦτο τὴν τοῦ καθολικοῦ σώζειν φύσιν

Devemos argumentar tambeacutem com base na

consistecircncia de sua arte Pois tendo reunido

alguns teoremas universais pretendem usaacute-los

para julgar se cada palavra em particular estaacute

correta ou natildeo E natildeo podem fazer isto porque sua

regra universal (to katholikon) natildeo foi aceita como

tal e tampouco preservaria uma natureza universal

se aplicada diferentemente

[222] λαμβανέσθω δὲ εἰς τοῦτο παραδείγματα

ἀπrsquo αὐτῶν τῶν γραμματικῶν ζητήσεως γὰρ

οὔσης ἐπί τινος τῶν κατὰ μέρος ὀνομάτων

οἷον ἐπὶ τοῦ εὐμενής πότερον χωρὶς τοῦ σ

προενεκτέον ἐστὶ τὴν πλάγιον πτῶσιν

εὐμενοῦ λέγοντας ἢ σὺν τῷ σ εὐμενοῦς

πάρεισιν οἱ γραμματικοὶ καθολικόν τι

προφερόμενοι καὶ ἀπὸ τούτου τὸ ζητούμενον

βεβαιοῦντες φασὶ γὰρ lsquoπᾶν ὄνομα ltοὐχgt48

ἁπλοῦν εἰς ης λῆγον ὀξύτονον τουτὶ ἐξ

ἀνάγκης σὺν τῷ σ κατὰ τὴν γενικὴν

ἐξενεχθήσεται οἷον εὐφυής εὐφυοῦς εὐσεβής

εὐσεβοῦς εὐκλεής εὐκλεοῦς τοίνυν καὶ τὸ

εὐμενής ὀξυτόνως ἐκφερόμενον παραπλησίως

τούτοις διὰ τοῦ σ ἐπὶ τῆς γενικῆς

προενεκτέον εὐμενοῦς λέγονταςrsquo

Tomemos com relaccedilatildeo a isso alguns exemplos

dos proacuteprios gramaacuteticos Supondo que haacute uma

questatildeo acerca de uma palavra em particular por

exemplo sobre se eumenes (lsquofavoraacutevelrsquo)

pronuncia-se no caso obliacutequo sem o -ς sigma

eumenou ou com o -ς sigma eumenous minus os

gramaacuteticos aparecem proclamando uma regra

universal com a qual pretendem dar por encerrada

a questatildeo Afirmam eles que lsquotodo nome natildeo-

simples que termina em -ης eta sigma e eacute oxiacutetono

seraacute necessariamente pronunciado no genitivo

com -ς sigma por exemplo euphues (lsquograciosorsquo)

euphuous eusebes (lsquopiorsquo) eusebous euklees

(lsquofamosorsquo) eukleous Por isso jaacute que tambeacutem

eumenes eacute acentuado na uacuteltima siacutelaba como os

outros a exemplo destes deveraacute ser pronunciado

com o -ς sigma eumenousrsquo

[223] οὐκ ᾔδεσαν δὲ οἱ θαυμάσιοι πρῶτον μὲν

ὅτι ὁ εὐμενοῦ ἀξιῶν λέγειν οὐ δώσει αὐτοῖς

καθολικὸν εἶναι τὸ παράπηγμα τοῦτο γοῦν

αὐτὸ τὸ εὐμενής ltοὐχgt49 ἁπλοῦν ὄνομα

καθεστὼς καὶ ὀξύτονον οὐ φήσει σὺν τῷ σ

ἐκφέρεσθαι ἀλλὰ ἐκείνους τὸ ζητούμενον ὡς

Contudo natildeo perceberam esses homens

admiraacuteveis que em primeiro lugar o que julga

adequado dizer eumenou natildeo concede

universalidade a sua regra eumenes ao menos

diraacute ele mesmo sendo um nome natildeo-simples e

oxiacutetono natildeo se pronuncia com o -ς sigma No

48 Blank ad loc 49 Blank ad loc

163

ὁμολογούμενον συναρπάζειν entanto os gramaacuteticos se apressam em dar por

resolvido o que se estaacute questionando

[224] ἄλλως τε εἰ καθολικόν ἐστι τὸ

παράπηγμα ἤτοι πάντα τὰ κατὰ μέρος

ὀνόματα ἐπελθόντες καὶ τὴν ἐν αὐτοῖς

ἀναλογίαν κατανοήσαντες συνέθεσαν αὐτό ἢ

οὐ πάντα ἀλλὰ πάντα μὲν οὐκ ἐπεληλύθασιν

ἄπειρα γάρ ἐστι τῶν δὲ ἀπείρων οὐκ ἔστι τις

γνῶσις εἰ δὲ τινά πόθεν ὅτι πᾶν ὄνομα

τοιοῦτόν ἐστιν οὐ γὰρ ὅ τί τισι συμβέβηκεν

ὀνόμασι τοῦτο καὶ πᾶσιν

E em segundo lugar se a regra eacute universal teraacute

sido proposta apoacutes percorrerem todas as palavras

em particular e perceberem a analogia entre todas

elas ou foi proposta sem que tenham percorrido

todas as palavras Poreacutem natildeo haveriam de ter

pecorrido todas as palavras pois satildeo infinitas e

natildeo haacute conhecimento do infinito E se

percorreram somente algumas delas como

poderiam saber que todo nome eacute do modo como

dizem Pois natildeo eacute verdade que o atributo de

alguns nomes seja atributo de todos

[225] ἀλλrsquo εἰσί τινες οἱ γελοίως πρὸς τοῦτο

ἀπαντῶντες καὶ λέγοντες ὅτι ἐκ πλειόνων ἐστὶ

τὸ καθολικὸν παράπηγμα οὐχ ἑώρων γὰρ ὅτι

πρῶτον μὲν ἄλλο τί ἐστι τὸ καθολικὸν καὶ

ἄλλο τὸ ὡς ἐπὶ τὸ πολύ καὶ τὸ μὲν καθολικὸν

οὐδέποτε ἡμᾶς διαψεύδεται τὸ δrsquo ὡς 50 τὸ

πολὺ κατὰ τὸ σπάνιον

Mas haacute os que se opotildeem a isso de maneira

ridiacutecula argumentando que uma regra universal eacute

estabelecida a partir da maioria dos casos Natildeo

teriam enxergado que em primeiro lugar uma

coisa eacute o universal e outra completamente

diferente a lsquogrande partersquo dos casos o universal

jamais se revela falso mas o que vale para a

lsquogrande partersquo eventualmente sim

[226] εἶθrsquo ὅτι καὶ εἰ ἐκ πολλῶν ἐστι τὸ

καθολικόν οὐ πάντως τὸ τοῖς πολλοῖς

ὀνόμασι συμβεβηκός τοῦτο ἐξ ἀνάγκης καὶ

πᾶσι τοῖς ὁμοειδέσι συμβέβηκεν ἀλλrsquo ὃν

τρόπον ἐν πολλοῖς καὶ ἄλλοις φέρει τινὰ κατὰ

μονοείδειαν ἡ φύσις οἷον ἐν ὄφεσι μὲν

ἀπείροις οὖσι τὸν κεράστην κερασφόρον ἐν

τετράποσι δὲ τὸν ἐλέφαντα προβοσκίδι

κεχρημένον ἐν ἰχθύσι δὲ τὸν γαλεὸν

ζωοτόκον ἐν λίθοις δὲ τὸν μάγνητα

σιδηραγωγόν οὕτως εὔλογόν ἐστι καὶ ἐν

E em segundo lugar mesmo que o universal

proceda de muitos casos aquilo que eacute atributo de

muitas palavras natildeo eacute sempre e necessariamente

tambeacutem atributo de todas as outras do mesmo tipo

Mas exatamente como em muitos outros

domiacutenios a natureza agraves vezes dispotildee tipos uacutenicos -

como a viacutebora cornuda entre infinitas espeacutecies de

serpentes e o elefante com sua tromba entre os

quadruacutepedes ou entre os peixes o tubaratildeo que eacute

viviacuteparo e entre as pedras o imatilde que atrai o

ferro ndash assim eacute razoaacutevel existir dentre muitas

50 Blank ad loc com Blomqvist p 80 natildeo inserccedilatildeo de ltἐπὶgt

164

πολλοῖς ὁμοιοπτώτοις ὀνόμασιν εἶναί τι

ὄνομα ὃ μὴ ὁμοίως τοῖς πολλοῖς ὀνόμασι

κλίνεται

palavras que se declinam da mesma forma uma

que natildeo se declina como muitas

[227] ὅθεν παρέντες ζητεῖν εἰ ἀνάλογόν ἐστι

τοῖς πολλοῖς σκοπῶμεν πῶς αὐτῷ χρῆται ἡ

συνήθεια πότερον ἀνάλογον ἐκείνοις ἢ κατὰ

ἴδιον τύπον καὶ ὡς ἂν ᾖ χρωμένη οὕτω καὶ

ἡμεῖς προοισόμεθα

Por isso deixemos de lado a questatildeo sobre a

palavra ser ou natildeo anaacuteloga a muitas outras e

examinemos como o uso se serve dela se de

forma anaacuteloga agraves outras ou como um tipo

particular e tal como for utilizada assim noacutes

iremos pronunciaacute-la

[228] Περιδιωκόμενοι δὴ ποικίλως οἱ

γραμματικοὶ θέλουσιν ἀναστρέφειν τὴν

ἀπορίαν πολλαὶ γάρ φασίν εἰσὶ συνήθειαι

καὶ ἄλλη μὲν Ἀθηναίων ἄλλη δὲ

Λακεδαιμονίων καὶ πάλιν Ἀθηναίων

διαφέρουσα μὲν ἡ παλαιὰ ἐξηλλαγμένη δὲ ἡ

νῦν καὶ οὐχ ἡ αὐτὴ μὲν τῶν κατὰ τὴν

ἀγροικίαν ἡ αὐτὴ δὲ τῶν ἐν ἄστει

διατριβόντων παρὸ καὶ ὁ κωμικὸς λέγει

Ἀριστοφάνης

διάλεκτον ἔχοντα μέσην πόλεως

οὔτrsquo ἀστείαν ὑποθηλυτέραν

οὔτrsquo ἀνελεύθερον ὑπαγροικοτέραν

Cercados por todos os lados os gramaacuteticos

desejam inverter a aporia em seu favor Assim

dizem que os usos satildeo muitos um proacuteprio dos

atenienses outro dos lacedemocircnios e entre os

atenienses novamente o uso antigo difere do

atual que sofreu mudanccedilas tambeacutem natildeo eacute o

mesmo o uso daqueles que vivem no campo e o

dos que residem na cidade o que teria motivado a

frase de Aristoacutefanes o comedioacutegrafo

Falando a liacutengua padratildeo da cidade

sem efeminaccedilotildees cosmopolitas

ou grosserias provincianas

[Frag 685 Kock = 706 Kassel-Austin]

[229] πολλῶν οὖν οὐσῶν συνηθειῶν [ὡς]

φασί ποίᾳ χρησόμεθα οὔτε γὰρ πάσαις

κατακολουθεῖν δυνατὸν διὰ τὸ μάχεσθαι

πολλάκις οὔτε τινὶ ἐξ αὐτῶν ἐὰν μή τις

τεχνικῶς προκριθῇ ἀλλὰ πρῶτον μέν

φήσομεν τὸ ζητεῖν ποίᾳ χρηστέον συνηθείᾳ

ἔστιν ἴσον τῷ ltμὴgt εἶναί τινα τέχνην περὶ

ἑλληνισμόν αὕτη γάρ φημὶ δrsquo ἡ ἀναλογία

ὁμοίου καὶ ἀνομοίου ἐστὶ θεωρία τὸ δὲ

ὅμοιον καὶ ἀνόμοιον λαμβάνετε ἀπὸ τῆς

συνηθείας κἂν μὲν ᾖ τετριμμένον χρῆσθε

Havendo muitos usos eles se perguntam lsquoqual

devemos seguir Porque natildeo parece ser possiacutevel

nos adequarmos a todos jaacute que frequentemente

satildeo conflitantes nem parece possiacutevel seguir a um

deles a menos que tenha sido escolhido por meio

da artersquo Mas primeiro diriacuteamos noacutes perguntar

qual uso se deve seguir eacute o mesmo que admitir

que natildeo existe a arte da correccedilatildeo Porque esta e

me refiro agrave analogia eacute a teoria acerca do similar e

do diferente vocecirc toma o que eacute similar e o que eacute

diferente do uso e se for uma forma de uso

165

αὐτῷ εἰ δὲ μή οὐκέτι corrente vocecirc a utiliza se natildeo for natildeo a utiliza

[230] πευσόμεθα οὖν καὶ ἡμεῖς ἀπὸ ποίας

συνηθείας λαμβάνετε τὸ ὅμοιον καὶ τὸ

ἀνόμοιον πολλαὶ γάρ εἰσι καὶ πολλάκις

μαχόμεναι ὅπερ δὲ ἀπολογούμενοι πρὸς

τοῦτο ἐρεῖτε τοῦτο καὶ παρrsquo ἡμῶν

ἀκούσεσθε

Portanto tambeacutem noacutes queremos saber de qual uso

vocecirc toma o similar e o diferente Pois satildeo muitos

os usos aleacutem de conflitantes com frequecircncia E

seja qual for a resposta que der a isto tambeacutem seraacute

esta a resposta que ouviraacute de noacutes

[231] καὶ πάλιν ὅταν λέγητε τὸν βαρβαρισμὸν

παράπτωσιν ἐν ἁπλῇ λέξει παρὰ τὴν

συνήθειαν ἀνταπορήσομεν λέγοντες ποίαν

φατὲ πολλῶν οὐσῶν καὶ ᾗ ἂν εἴπητε ταύτῃ

φήσομεν καὶ ἡμεῖς ἀκολουθεῖν

E assim sempre que vocecirc disser que barbarismo eacute

lsquoo desvio do uso comum em uma soacute palavrarsquo

iremos nos intrometer perguntando a qual dos

muitos usos que existem vocecirc se refere e seja qual

for sua resposta diremos tambeacutem noacutes que o

seguimos

[232] κοινῆς οὖν οὔσης ἀπορίας οὐκ ἄπορος

ἡ παρrsquo ἡμῶν ταύτης ἐστὶ λύσις τῶν γὰρ

συνηθειῶν αἱ μέν εἰσι κατὰ τὰς ἐπιστήμας αἱ

δὲ κατὰ τὸν βίον καὶ γὰρ ἐν φιλοσοφίᾳ

ὀνομάτων τινῶν ἐστιν ἀποδοχὴ καὶ ἐν ἰατρικῇ

ἐξαιρέτως καὶ ἤδη κατὰ μουσικὴν καὶ

γεωμετρίαν ἔστι δὲ καὶ βιωτική τις ἀφελὴς

συνήθεια τῶν ἰδιωτῶν κατὰ πόλεις καὶ ἔθνη

διαφέρουσα

De forma que compartilhamos a aporia mas

solucionaacute-la para noacutes natildeo eacute aporeacutetico Pois

existem entre os usos uns que satildeo proacuteprios dos

saberes e outros da vida cotidiana Por exemplo

alguns termos satildeo aceitos na filosofia e tambeacutem na

medicina de modo particular e ainda na muacutesica e

na geometria poreacutem existe um uso simples

proacuteprio da vida cotidiana das pessoas comuns

(idiotai) que difere entre cidades e povos

[233] ὅθεν ἐν φιλοσοφίᾳ μὲν τῇ τῶν

φιλοσόφων στοιχήσομεν ἐν ἰατρικῇ δὲ τῇ

ἰατρικωτέρᾳ ἐν δὲ τῷ βίῳ τῇ συνηθεστέρᾳ

καὶ ἀπερίττῳ καὶ ἐπιχωριαζούσῃ

Consequentemente na filosofia nos alinharemos

ao uso dos filoacutesofos na medicina nos adequamos

ao jargatildeo meacutedico e na liacutengua viva (ho bios) ao

que seja mais usual menos extravagante e proacuteprio

do local onde estamos

[234] παρὸ καὶ διχῶς τοῦ αὐτοῦ πράγματος

λεγομένου πειρασόμεθα πρὸς τὰ παρόντα

ἁρμοζόμενοι πρόσωπα τὸ μὴ γελώμενον

προφέρεσθαι ὁποῖόν ποτrsquo ἂν ᾖ κατὰ τὴν

φύσιν οἷον τὸ αὐτὸ ἀρτοφόριον καὶ πανάριον

λέγεται καὶ πάλιν τὸ αὐτὸ σκάφιον καὶ ἁμίς

Por isso quando haacute duas formas de dizer alguma

coisa tentaremos nos adaptar agraves pessoas presentes

e dizer aquilo que natildeo provoque o riso

independente do que possa vir a ser a coisa por

natureza129 Por exemplo um mesmo objeto eacute

chamado tanto artophorion (lsquoporta-patildeesrsquo) como

166

καὶ ἴγδις καὶ θυΐα ἀλλὰ στοχαζόμενοι τοῦ

καλῶς ἔχοντος καὶ σαφῶς καὶ τοῦ μὴ

γελᾶσθαι ὑπὸ τῶν διακονούντων ἡμῖν

παιδαρίων ltκαὶ ἰδιωτῶνgt πανάριον ἐροῦμεν

καὶ εἰ βάρβαρόν ἐστιν ἀλλrsquo οὐκ ἀρτοφόριον

καὶ σκάφιον ἀλλrsquo οὐκ ἁμίδα καὶ θυΐαν

μᾶλλον ἢ ἴγδιν51

panarion (lsquocestarsquo) um outro tanto skaphion

(lsquopenicorsquo) como hamis (lsquourinolrsquo) e assim tambeacutem

igdis (lsquoalmofarizrsquo) e thuia (lsquopilatildeorsquo) Noacutes no

entanto nos alinharemos ao uso claro e adequado

que natildeo seja motivo de riso para nossos

empregados nem para as pessoas comuns e

diremos panarion (lsquocestarsquo) ao inveacutes de

artophorion (lsquoporta-patildeesrsquo) mesmo sendo um

barbarismo e skaphion (lsquopenicorsquo) natildeo hamis

(lsquourinolrsquo) e diremos thuia (lsquopilatildeorsquo) de preferecircncia

a igdis (lsquoalmofarizrsquo)

[235] καὶ πάλιν ἐν διαλέξει ἀποβλέποντες

πρὸς τοὺς παρόντας ltτὰςgt μὲν ἰδιωτικὰς

λέξεις παραπέμψομεν τὴν δὲ ἀστειοτέραν καὶ

φιλολόγον συνήθειαν μεταδιώξομεν ὡς γὰρ ἡ

φιλολόγος γελᾶται παρὰ τοῖς ἰδιώταις οὕτως

ἡ ἰδιωτικὴ παρὰ τοῖς φιλολόγοις δεξιῶς οὖν

ἑκάστῃ περιστάσει τὸ πρέπον ἀποδιδόντες

δόξομεν ἀμέμπτως ἑλληνίζειν

Em uma discussatildeo novamente consideraremos os

presentes e evitaremos palavras vulgares

seguindo um uso menos coloquial e mais culto

Pois da mesma forma que o uso culto eacute motivo de

risada entre as pessoas comuns assim tambeacutem a

linguagem popular junto aos cultos Portanto se

habilmente endereccedilarmos a cada ambiente a

expressatildeo apropriada (prepon) nosso grego soaraacute

correto e irrepreensiacutevel

[236] Ἄλλως τε ἐπεὶ ἐγκαλοῦσιν ὡς

ἀνωμάλῳ καὶ πολυειδεῖ τῇ συνηθείᾳ καὶ

ἡμεῖς ἀπὸ τῆς αὐτῆς ἀφορμῆς αὐτοῖς

ἐγκαλέσομεν εἰ γὰρ ἡ ἀναλογία ὁμοίου

παράθεσίς ἐστι τὸ δὲ ὅμοιον ἐκ τῆς

συνηθείας ἡ δὲ συνήθεια ἀνώμαλός τε καὶ

ἄστατος δεήσει καὶ τὴν ἀναλογίαν μὴ ἔχειν

ἑστῶτα παραπήγματα

Aleacutem disso jaacute que reprovam o uso comum

como anocircmalo e diverso tambeacutem noacutes iremos

reprovaacute-los com base no mesmo argumento Pois

se a analogia eacute a comparaccedilatildeo do similar e o

similar proveacutem do uso comum e o uso comum eacute

anocircmalo e instaacutevel (astatos) necessariamente a

analogia tambeacutem natildeo teraacute regras (parapegmata)

fixas (hestota)

[237] καὶ τοῦτο πάρεστι διδάσκειν ἐπὶ τῶν

ὀνομάτων καὶ τῶν ῥημάτων καὶ μετοχῶν καὶ

καθόλου τῶν ἄλλων ἁπάντων οἷον ἐπὶ μὲν

E isso se verifica em nomes verbos particiacutepios e

de maneira geral em todos os outros Por

exemplo alguns nomes mesmo sendo similares e

51 Blank ad loc modificaccedilotildees - ἀρτοφόριον σκάφιον ἁμίς por ἀρτοφορίδα σταμνίον ἀμίδιον permanecircncia de ltκαὶ ἰδιωτῶνgt

167

τῶν ὀνομάτων παρόσον τὰ κατὰ τὰς ὀρθὰς

πτώσεις ἀνάλογα ὄντα καὶ ὅμοια ταῦτα κατὰ

τὰς πλαγίους ἀνομοίως τε καὶ οὐκ ἀναλόγως

σχηματίζεται οἷον Ἄρης Χάρης ndash Ἄρεως

Χάρητος καὶ Μέμνων Θέων ndash Μέμνονος

Θέωνος Σκόπας Ἄβας ndash Σκόπα Ἄβαντος52

anaacutelogos no caso nominativo satildeo diferentes nos

casos obliacutequos e natildeo se declinam de forma

anaacuteloga Assim Ares Khares [nom] Areos

Kharetos [gen] Memnon Theon Memnonos

Theonos Skopas Abas Skopa Abantos

[238] ἐπὶ δὲ τῶν ῥηματικῶν πολλὰ ὁμοίως

κατὰ τὸν ἐνεστῶτα χρόνον λεγόμενα οὐκ

ἀναλόγως ἐν τοῖς ἄλλοις χρόνοις

σχηματίζεται ltοἷον εὑρίσκει ἀρέσκει ndash

ηὕρηκεν ἀρήρεκενgt ἐνίων δὲ συζυγίαι τινὲς

ἐκλελοίπασιν καὶ ἔκτονε μὲν λέγεται ἔκταγκε

δὲ οὐ λέγεται ἀλήλιπται μὲν εἴποι τις ἄν

ἤλειπται δὲ οὐκέτι ἐπὶ δὲ τῶν μετοχῶν βοῶν

σαρῶν νοῶν ndash βοῶντος σαροῦντος νοοῦντος

καὶ ἐπὶ τῶν προσηγοριῶν ἄναξ ἄβαξ ndash

ἄνακτος ἄβακος γραῦς ναῦς ndash γραός νηός

No caso dos verbos muitos tecircm a forma similar

no presente e natildeo se conjugam de maneira anaacuteloga

nos outros tempos Por exemplo heuriskei

(descobrir) areskei (agradar) heureken arereken

enquanto a conjugaccedilatildeo de alguns eacute defectiva e haacute

ektone (matar) mas natildeo ektanke e diz-se

aleliptai (untar) e jamais eleiptai No caso dos

particiacutepios temos boon (gritando) saron

(limpando) noon boontos sarountos noountos

e entre os nomes geneacutericos anaks (senhor) abaks

(taacutebua) anaktos abakos graus (velha) naus

(barco) graos neos

[239] ὡσαύτως δὲ καὶ ἐπὶ τῶν τοιούτων

ἄρχων γὰρ λέγεται καὶ ὀνοματικῶς καὶ ὁ τὴν

ἀρχὴν διέπων ἀλλrsquo Ἄρχωνος μὲν γίνεται

κατὰ πλάγιον πτῶσιν τὸ ὀνοματικόν

ἄρχοντος δὲ τὸ μετοχικόν καὶ κατὰ ὅμοιον

τρόπον μένων θέων νέων μετοχικὰ ὄντα καὶ

ὀνοματικὰ διαφερούσας λαμβάνει τὰς

κλίσεις Μένωνος μὲν γὰρ γίνεται τὸ

ὀνοματικόν μένοντος δὲ ἡ μετοχή καὶ

Θέωνος μὲν τὸ ὀνοματικόν θέοντος δὲ ltἡgt

μετοχή ἐστιν

E se passa exatamente assim em muitos outros

casos parecidos arkhon utiliza-se como nome de

pessoa e tambeacutem para designar lsquoo que governarsquo

[particiacutepio substantivado] e no primeiro caso o

genitivo eacute Arkhonos mas o genitivo do particiacutepio

eacute arkhontos E de modo similar menon theon

neon que podem ser particiacutepios [o que espera o

que corre o que nada] e nomes proacuteprios

possuindo diferentes declinaccedilotildees pois o nome

proacuteprio tem genitivo em Menonos enquanto o

particiacutepio em menontos e Theonos eacute o genitivo do

nome proacuteprio mas theontos do particiacutepio

52 Blank cf p 236-40 suprime entre os exemplos οἷον Ἄρης Χάρης χάρτης ndash Ἄρεως Χάρητος χάρτου καὶ Μέμνων Θέων λέων ndash Μέμνονος Θέωνος λέοντος Σκόπας μέλας Ἄβας ndash Σκόπα μέλανος Ἄβαντος Ares Khares khaacutertes [nom] Areos Kharetos khartou [gen] Memnon Theon leon Memnonos Theonos leontos Skopas melas Abas Skopa melanos Abantos

168

[240] πλὴν ἐκ τούτων συμφανὲς ὡς τῆς

συνηθείας ἀνωμάλου καθεστώσης οὐχ ἕστηκε

τὰ παραπήγματα τῆς ἀναλογίας ἀλλrsquo ἀνάγκη

ἀποστάντας αὐτῶν τοῖς κατὰ τὴν συνήθειαν

σχηματισμοῖς προσέχειν παρέντας τὸ

ἀνάλογον

Em todo caso fica claro a partir desses exemplos

que o uso eacute cheio de anomalias130 e por isso as

regras da analogia natildeo podem ser fixas pelo

contraacuterio que eacute necessaacuterio abandonar essas regras

e ater-se agraves formas que aparecem no uso sem se

preocupar com o que eacute anaacutelogo

Περὶ ἐτυμολογίας

[241] Τὰ δὲ αὐτὰ λεκτέον πρὸς αὐτοὺς καὶ

ὅταν διrsquo ἐτυμολογίας κρίνειν θέλωσι τὸν

ἑλληνισμόν πάλιν γὰρ ἤτοι σύμφωνός ἐστι τῇ

συνηθείᾳ ἡ ἐτυμολογία ἢ διάφωνος καὶ εἰ μὲν

σύμφωνος παρέλκει εἰ δὲ διάφωνος οὐ

χρηστέον αὐτῇ ὡς προσκοπὴν ἐμποιούσῃ

μᾶλλον τοῦ βαρβαρίζειν ἢ σολοικίζειν καὶ

καθόλου μετακτέον τὰς ὁμοίας ἀντιρρήσεις

ταῖς ἔμπροσθεν ἡμῖν ἀποδοθείσαις

Sobre etimologia131

Os mesmos argumentos devem ser contrapostos

aos gramaacuteticos quando querem decidir a correccedilatildeo

baseando-se na etimologia Pois uma vez mais

ou a etimologia concorda com o uso ou discorda

dele E se concorda eacute dispensaacutevel mas se

discorda natildeo deve ser utilizada pois causa mais

obstaacuteculos que os proacuteprios barbarismos ou

solecismos De modo geral cabem aqui as

mesmas objeccedilotildees (antirreseis) anteriormente

expostas

[241] ἰδιαίτερον δὲ ἐκεῖνο λεκτέον τὸ

ἐτυμολογίᾳ κρινόμενον ὄνομα ὅτι ἑλληνικόν

ἐστιν ἤτοι ἔτυμα πάντως ἔχειν ὀφείλει τὰ

προηγούμενα αὐτοῦ ὀνόματα ἢ εἴς τινα τῶν

φυσικῶς ἀναφωνηθέντων καταλήγειν καὶ εἰ

μὲν ἀπὸ ἐτύμων πάντως κατὰ τοῦτο εἰς

ἄπειρον τῆς ἐκπτώσεως γινομένης ἄναρχος

ἔσται ἡ ἐτυμολογία καὶ οὐκ εἰσόμεθα εἰ

ἑλληνικόν ἐστι τὸ ἔσχατον λεγόμενον ὄνομα

ἀγνοοῦντες ποῖον ἦν τὸ ἀφrsquo οὗ πρῶτον

κατάγεται

E conveacutem ainda apontar uma mais especiacutefica o

nome (onoma) que for julgado correto por meio da

etimologia precisa em todos os casos ter palavras

precedentes que sejam eacutetimos ou cessar em

palavras que foram vocalizadas (anaphonetenta)

naturalmente (phusikos) Mas se procede em

todos os casos de eacutetimos resultando em um

regresso ao infinito a etimologia natildeo teraacute comeccedilo

e natildeo saberemos se a palavra em questatildeo eacute correta

porque desconhecemos qual eacute a situaccedilatildeo daquela

primeira de que descende

[243] οἷον εἰ ὁ λύχνος εἴρηται ἀπὸ τοῦ λύειν

τὸ νύχος ὀφείλομεν μαθεῖν εἰ καὶ τὸ νύχος

ἀπό τινος ἑλληνικοῦ εἴρηται καὶ τοῦτο πάλιν

ἀπrsquo ἄλλου καὶ οὕτως εἰς ἄπειρον γινομένης

τῆς ἀνόδου καὶ ἀνευρέτου καθεστῶτος τοῦ

Para exemplificar se lukhnos (lsquolacircmpadarsquo) vem de

luein to nukhos (lsquodissolver a escuridatildeorsquo) teriacuteamos

que verificar se nukhos se diz a partir de uma

expressatildeo correta e se esta de novo de outra

Deste modo a sequecircncia estende-se ao infinito e

169

πρῶτον ἀναφωνηθέντος ὀνόματος

συνακαταληπτεῖται καὶ τὸ εἰ ἑλληνικῶς ὁ

λύχνος εἴρηται

torna-se impossiacutevel descobrir a palavra que foi

pronunciada primeiro assim eacute inapreensiacutevel se

lukhnos estaacute dito corretamente

[244] εἰ δὲ ἐπί τινα τῶν ἀνετύμως κειμένων

ὀνομάτων καταλήγοι τὸ ἐτυμολογούμενον

ὄνομα ὃν τρόπον ἐκεῖνα τὰ εἰς ἃ κατέληξεν

οὐ διότι ἔστιν ἔτυμα παραδεξόμεθα ἀλλὰ

διότι τέτριπται κατὰ τὴν συνήθειαν οὕτω καὶ

τὸ διrsquo ἐτυμολογίας κρινόμενον παραδεξόμεθα

οὐ διὰ τὴν ἐτυμολογίαν ἀλλὰ διὰ τὸ σύνηθες

οἷον προσκεφάλαιον ἀπὸ τοῦ τῇ κεφαλῇ

προστίθεσθαι εἴρηται ἡ δὲ κεφαλὴ καὶ τὸ

πρός ὅ ἐστι πρόθεσις ἀνετύμως κέκληται

E se a etimologia da palavra cessar em palavras

que natildeo satildeo eacutetimos do mesmo modo que estas satildeo

admitidas natildeo porque se descobriu a etimologia

mas porque aparecem constantemente no uso

assim tambeacutem acabaremos por admitir a palavra

cuja correccedilatildeo se quer julgar com a etimologia

seraacute admitida natildeo por causa da etimologia mas

por causa do uso Por exemplo proskephalaion

(lsquotravesseirorsquo) vem de tei kephalei prostithesthai

(lsquocolocar na cabeccedilarsquo) mas tanto kephale

(lsquocabeccedilarsquo) quanto pros (lsquoemrsquo) que eacute uma

preposiccedilatildeo132 dir-se-iam natildeo ser eacutetimos133

[245] τοίνυν ὡς ταῦτα χωρὶς ἐτυμολογίας

πεπίστευται διότι ἐστὶν ἑλληνικά τῆς

συνηθείας αὐτοῖς χρωμένης οὕτω καὶ τὸ

προσκεφάλαιον δίχα ἐτυμολογίας ἔσται

πιστόν ἄλλως τε ἐνίοτε τὸ αὐτὸ πρᾶγμα δυσὶν

ὀνόμασι καλεῖται τῷ μὲν ἐτυμολογίαν

ἐπιδεχομένῳ τῷ δὲ ἀνετυμολογήτῳ καὶ οὐ

διὰ τοῦτο τὸ μὲν ἔτυμον λέγεται ἑλληνικὸν τὸ

δὲ ἀνέτυμον βαρβαρικόν ἀλλrsquo ὡς ἐκεῖνο

ἑλληνικόν οὕτω καὶ τοῦτο

Assim visto que se aceitam tais palavras sem

etimologia por causa de seu uso corrente assim

tambeacutem proskephalaion seraacute aceita independente

de sua etimologia Aleacutem disso agraves vezes uma

mesma coisa tem dois nomes um deles suscetiacutevel

de etimologia o outro natildeo mas isso natildeo faz com

que o eacutetimo seja grego correto e o outro seja

baacuterbaro mas um e outro estatildeo igualmente

corretos

[246] οἷον τὸ ὑφrsquo ἡμῶν καλούμενον

ὑποπόδιον Ἀθηναῖοι καὶ Κῷοι χελωνίδα

καλοῦσιν ἀλλὰ ἔστι τὸ μὲν ὑποπόδιον

ἔτυμον ἡ δὲ χελωνὶς ἀνέτυμον καὶ οὐ διὰ

τοῦτο οἱ μὲν Ἀθηναῖοι λέγονται βαρβαρίζειν

ἡμεῖς δὲ ἑλληνίζειν ἀλλrsquo ἀμφότεροι

ἑλληνίζειν

Por exemplo o que noacutes chamamos hupopodion

(lsquobanquinho para peacutesrsquo) os atenienses e habitantes

de Coacutes chamam de khelonis (lsquotartarugarsquo)

hupopodion existe como um eacutetimo134 mas natildeo

khelonis e natildeo eacute por isso que se diria dos

atenienses que natildeo sabem falar grego e que noacutes

falamos o grego correto pois ambos falamos

grego corretamente

170

[247] τοίνυν ὡς ἐκεῖνοι διὰ τὴν συνήθειαν καὶ

οὐ διὰ τὴν τοῦ ὀνόματος ἐτυμότητα λέγονται

ἑλληνίζειν οὕτω καὶ ἡμεῖς διὰ τὸ ἐν τῇ αὑτῶν

συνηθείᾳ τετριμμένον ἔχειν τὸ τοιοῦτον

ὄνομα καὶ οὐ διὰ τὴν τῆς ἐτυμολογίας πίστιν

ἑλληνιοῦμεν

Ἀλλrsquo ὅτι μὲν τὸ τεχνικὸν μέρος τῆς

γραμματικῆς ἀνυπόστατόν ἐστιν αὐτάρκως

ἐκ τῶν εἰρημένων δέδεικται χωρῶμεν δὲ

ἀκολούθως καὶ ἐπὶ τὸ ἱστορικόν

Portanto tal como se diz que falam corretamente

natildeo por causa da etimologia mas pelo uso mesmo

tambeacutem noacutes usaremos o grego corretamente natildeo

por nos fiarmos na credibilidade da etimologia

mas por utilizarmos palavras correntes no uso

comum

Com o que foi dito fica suficientemente

comprovado que a parte teacutecnica da gramaacutetica eacute

insubsistente135 A seguir passamos agrave parte

lsquohistoacutericarsquo136

Εἰ σύστατον τὸ ἱστορικόν

[248] Ὅτι μὲν οὖν ἀξιοῦται τοῦτο ὁλοσχερῶς

εἶναι μέρος γραμματικῆς συμφανές

Ταυρίσκος γοῦν ὁ Κράτητος ἀκουστής

ὥσπερ οἱ ἄλλοι κριτικοὶ ὑποτάσσων τῇ

κριτικῇ τὴν γραμματικήν φησὶ τῆς κριτικῆς

εἶναι τὸ μέν τι λογικὸν τὸ δὲ τριβικὸν τὸ δrsquo

ἱστορικόν

Se a parte lsquohistoacutericarsquo eacute consistente

Eacute evidente que se considera a parte lsquohistoacutericarsquo

integralmente como parte da gramaacutetica Taurisco

o disciacutepulo de Crates subordinando a gramaacutetica agrave

criacutetica tal como fizeram os outros criacuteticos disse

que a criacutetica se compotildee de uma parte racional

(logikos) uma parte praacutetica (tribikos) e uma parte

lsquohistoacutericarsquo

[249] λογικὸν μὲν τὸ στρεφόμενον περὶ τὴν

λέξιν καὶ τοὺς γραμματικοὺς τρόπους

τριβικὸν δὲ τὸ περὶ τὰς διαλέκτους καὶ τὰς

διαφορὰς τῶν πλασμάτων καὶ χαρακτήρων

ἱστορικὸν δὲ τὸ περὶ τὴν προχειρότητα τῆς

ἀμεθόδου ὕλης

A parte racional volta-se para a expressatildeo (leksis)

e figuras (tropoi) gramaticais a parte praacutetica

ocupa-se de dialetos diferentes formas (plasmata)

e tipos (kharaktera) de estilo137 enquanto a parte

lsquohistoacutericarsquo lida com o material desorganizado

(amethodos) preexistente138139

[250] Διονύσιος δὲ ὁ Θρᾷξ ἓξ μέρη

γραμματικῆς εἶναι λέγων ἅπερ ἡμεῖς

ἀνώτερον ὁλοσχερῶς τρία προσηγορεύσαμεν

ἐν τούτοις καὶ τὸ ἱστορικὸν ἀποδίδωσιν εἶναι

γάρ φησι γραμματικῆς μέρη ἀνάγνωσιν

ἐντριβῆ κατὰ προσῳδίαν ἐξήγησιν κατὰ τοὺς

ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς τρόπους λέξεων

καὶ ἱστοριῶν ἀπόδοσιν ἐτυμολογίας εὕρεσιν

ἀναλογίας ἐκλογισμόν κρίσιν ποιημάτων

Dioniacutesio Traacutecio quando diz que a gramaacutetica tem

seis partes agraves quais nos referimos mais acima de

forma geneacuterica como trecircs inclui a parte

lsquohistoacutericarsquo entre elas Pois diz que as partes da

gramaacutetica satildeo a leitura treinada (entribes) de

acordo com a prosoacutedia a interpretaccedilatildeo de acordo

com as figuras poeacuteticas presentes explicaccedilatildeo de

palavras e histoacuterias a descoberta das etimologias

o estabelecimento das analogias e a criacutetica dos

171

ἀτόπως διαιρούμενος καὶ τάχα μὲν

ἀποτελέσματά τινα καὶ μόρια γραμματικῆς

[οὐ] μέρη ταύτης ποιῶν

poemas140 Uma divisatildeo estranha que parece

apresentar alguns dos resultados da gramaacutetica ou

suas subdivisotildees como se fossem partes dela

[251] ὁμολόγως δὲ τὴν μὲν ἐντριβῆ

ἀνάγνωσιν καὶ τὴν ἐξήγησιν καὶ τὴν κρίσιν

τῶν ποιημάτων ἐκ τῆς περὶ ποιητὰς καὶ

συγγραφεῖς θεωρίας λαμβάνων τὴν δὲ

ἐτυμολογίαν καὶ ἀναλογίαν ἐκ τοῦ τεχνικοῦ

τοῖς δὲ τὸ ἱστορικὸν ἀντεκτιθείς ἐν ἱστοριῶν

καὶ λέξεων ἀποδόσει κείμενον

Aleacutem de obviamente tomar a leitura treinada a

explicaccedilatildeo e a criacutetica dos poemas da parte que

trata de poetas e escritores e a etimologia e a

analogia da parte teacutecnica a estas ele contrapotildee a

parte lsquohistoacutericarsquo que trata da explicaccedilatildeo de

palavras e histoacuterias

[252] Ἀσκληπιάδης δὲ ἐν τῷ Περὶ

γραμματικῆς τρία φήσας εἶναι τὰ πρῶτα τῆς

γραμματικῆς μέρη [ἀνάγνωσιν ἐντριβῆ καὶ

κατὰ προσῳδίαν] τεχνικὸν ἱστορικὸν

γραμματικόν ὅπερ ἀμφοτέρων ἐφάπτεται

φημὶ δὲ τοῦ ἱστορικοῦ καὶ τοῦ τεχνικοῦ τριχῇ

ὑποδιαιρεῖται τὸ ἱστορικόν τῆς γὰρ ἱστορίας

τὴν μέν τινα ἀληθῆ εἶναί φησι τὴν δὲ ψευδῆ

τὴν δὲ ὡς ἀληθῆ καὶ ἀληθῆ μὲν τὴν

πρακτικήν ψευδῆ δὲ τὴν περὶ πλάσματα

καὶμύθους ὡς ἀληθῆ δὲ ltτὴν περὶ

πλάσματαgt53 οἷά ἐστιν ἡ κωμῳδία καὶ οἱ

μῖμοι

Asclepiacuteades em seu tratado Sobre a Gramaacutetica

afirma serem trecircs as partes primaacuterias da gramaacutetica

teacutecnica lsquohistoacutericarsquo e gramatical (que estaacute em

contato com as outras duas isto eacute a lsquohistoacutericarsquo e a

teacutecnica) Subdivide entatildeo a parte lsquohistoacutericarsquo em

trecircs pois afirma ele da lsquohistoacuteriarsquo fazem parte a

histoacuteria verdadeira a falsa e a verossimilhante ndash

uma histoacuteria de feitos (praktike) eacute verdadeira

aquela relativa a mitos eacute falsa e ficccedilotildees

(plasmata) tal como comeacutedias e mimos satildeo

verossimilhantes141 142

[253] τῆς δὲ ἀληθοῦς τρία πάλιν μέρη ἡ μὲν

γάρ ἐστι περὶ τὰ πρόσωπα θεῶν καὶ ἡρώων

καὶ ἀνδρῶν ἐπιφανῶν ἡ δὲ περὶ τοὺς τόπους

καὶ χρόνους ἡ δὲ περὶ τὰς πράξεις τῆς δὲ

ψευδοῦς τουτέστι τῆς μυθικῆς ἓν εἶδος

μόνον ὑπάρχειν λέγει τὸ γενεαλογικόν

ὑποτάσσεσθαι δὲ τῷ ἱστορικῷ κοινῶς φησι

καθὼς καὶ Διονύσιος τὸ περὶ τὰς γλώττας

ἱστορεῖ γὰρ ὅτι κρήγυον ἀληθές ἐστιν ἢ

E trecircs satildeo as partes da histoacuteria verdadeira uma

trata do papel de deuses heroacuteis e homens

famosos outra de lugares e datas e outra dos

feitos (prakseis)143 Da histoacuteria falsa ou seja das

histoacuterias miacuteticas ele diz que haacute apenas um tipo a

genealogia E como Dioniacutesio ele afirma que a

parte concernente agraves palavras inusuais eacute

geralmente subjugada agrave parte lsquohistoacutericarsquo pois eacute

pelo levantamento lsquohistoacutericorsquo (historei) que

53 Blank ad loc com Kaibel

172

ἀγαθόν ὡσαύτως δὲ καὶ τὸ περὶ παροιμιῶν

καὶ ὅρων

Ἀλλrsquo ὅτι μὲν γραμματικῆς εἶναι μέρος

βούλονται τὸ ἱστορικόν ἐκ τούτων ἐστὶ

συμφανές

kreguon144 eacute lsquoverdadeirorsquo ou lsquobomrsquo e assim

tambeacutem com o relativo a proveacuterbios e definiccedilotildees

Assim fica claro a partir do que foi dito que eles

consideraram a parte lsquohistoacutericarsquo como parte da

gramaacutetica

[254] λοιπὸν δέ ἐπεὶ οἱ πλείους

ὡμολογήκασιν αὐτὸ ἄτεχνον εἶναι καὶ ἐκ τῆς

ἀμεθόδου ὕλης τυγχάνειν ἀπολελύκασι μὲν

ἡμᾶς τῆς ἐπὶ πλεῖον πρὸς αὐτοὺς

ἀντιρρήσεως ὅμως δrsquo οὖν ὑπὲρ τοῦ μὴ

ἀνεπισήμαντον παρελθεῖν τὸν τόπον οὕτως

ἐρωτητέον ἤτοι τέχνη ἐστὶν ἡ γραμματικὴ ἢ

οὔκ ἐστι τέχνη καὶ εἰ μὲν οὔκ ἐστιν αὐτόθεν

συμβεβίασται τὸ προκείμενον εἰ δὲ τέχνη

ἐστίν ἐπεὶ τὰ τῆς τέχνης μέρη πάντως ἐστὶ

τεχνικά τὸ δrsquo ἱστορικὸν ἀμέθοδον

ὡμολόγηται τυγχάνειν οὐκ ἂν εἴη τῆς

γραμματικῆς μέρος τὸ ἱστορικόν

Agora jaacute que a maior parte deles concorda que o

lsquohistoacutericorsquo natildeo eacute teacutecnico e proveacutem de material

desorganizado acabam nos liberando de um

ataque mais detalhado Mesmo assim para natildeo

passar ao largo sem dar atenccedilatildeo ao assunto

levantaremos o questionamento a seguir Ou a

gramaacutetica eacute uma arte ou a gramaacutetica natildeo eacute uma

arte E se natildeo eacute a questatildeo se resolve por si

mesma Mas se eacute uma arte e as partes de uma

arte satildeo sempre elas mesmas teacutecnicas e acabou de

ser acordado que a parte lsquohistoacutericarsquo eacute ametoacutedica

logo a parte lsquohistoacutericarsquo natildeo poderia ser parte da

gramaacutetica

[255] καὶ ὅτι τῷ ὄντι τοιοῦτόν ἐστιν αὐτόθεν

σχεδὸν ὑπέπιπτεν οὐ γάρ ὥσπερ ἀπὸ

καθολικῆς τινος μεθόδου καὶ τεχνικῆς

δυνάμεως λέγει ὁ μὲν ἰατρὸς ὅτι τόδε τὸ ἐπὶ

μέρους ὑγιεινόν ἐστι καὶ τόδε νοσερόν ὁ δὲ

μουσικὸς ὅτι τόδε ἡρμοσμένον καὶ ltτόδεgt

ἀνάρμοστον καὶ ἡρμοσμένον μὲν κατὰ τήνδε

τὴν συμφωνίαν ἀλλrsquo οὐχὶ κατὰ τήνδε οὕτω

καὶ ὁ γραμματικὸς δύναται ἀπὸ

ἐπιστημονικῆς τινος καὶ καθολικῆς θεωρίας

ἀπαγγέλλειν ὅτι ὁ μὲν Πέλοπος ὦμος

ἐλεφάντινος ἦν ὑπὸ τοῦ Ἄρεως ἢ ὑπὸ

Δήμητρος βρωθείς ἡ δὲ τοῦ Ἡρακλέους

κεφαλὴ ἐψέδνωτο ῥυεισῶν αὐτοῦ τῶν τριχῶν

ὅτε ὑπὸ τοῦ ἐφορμῶντος τῇ Ἡσιόνῃ κήτους

E eacute praticamente oacutebvio por si mesmo que eacute assim

de fato Pois o meacutedico a partir de um meacutetodo

geral e de uma capacidade teacutecnica afirma de algo

em particular que eacute saudaacutevel e de outra coisa que

eacute nociva e o muacutesico considera harmocircnica uma

passagem e dissonante outra e harmocircnica em

relaccedilatildeo a determinado acorde mas natildeo a outro No

entanto o gramaacutetico natildeo pode do mesmo modo

que eles a partir de alguma teoria cientiacutefica

(epistemonike) geral declarar que o ombro de

Peacutelops era de marfim porque seu ombro mesmo

foi comido por Ares ou por Demeacuteter ou que

Heacutercules ficou calvo porque seu cabelo caiu

quando ele foi engolido pelo monstro marinho que

estava atacando Hesiacuteone

173

κατεπόθη

[256] ἀλλrsquo ἵνα τούτων ποιήσηται τὴν ἔκθεσιν

ὀφείλει πᾶσι τοῖς κατὰ μέρος περὶ αὐτῶν

ἱστορουμένοις54 ἐντυχεῖν τὸ δὲ πάντων τῶν

κατὰ μέρος ποιεῖσθαι τὴν ἀνάληψιν αὐτοῖς

ἐντυγχάνοντα τοῖς κατὰ μέρος οὔκ ἐστι

τεχνικόν οὐκ ἄρα ἐκ τέχνης τινὸς

μεθοδεύεται τοῖς γραμματικοῖς τὸ ἱστορικόν

Mas para fazer uma exposiccedilatildeo destas coisas ele

tem de encontrar todos os relatos (historoumenoi)

particulares sobre elas E repetir todos esses dados

um por um por ter consultado esses mesmos

dados em relatos particulares natildeo eacute algo teacutecnico

Logo a parte lsquohistoacutericarsquo natildeo foi organizada

(methodeuo) pelos gramaacuteticos a partir de uma arte

[257] καὶ μὴν ἐπεὶ τῆς ἱστορίας ἡ μέν τίς ἐστι

τοπικὴ ἡ δὲ χρονικὴ ἡ δὲ περὶ τὰ πρόσωπα ἡ

δὲ περὶ τὰς πράξεις δῆλον ὡς εἰ μὴ τεχνική

ἐστιν ἡ τῶν τόπων καὶ ἡ τῶν χρόνων

ἀπόδοσις οὔθrsquo ἡ τῶν προσώπων οὔθrsquo ἡ τῶν

πράξεων τεχνικὴ γενήσεται τί γὰρ διήνεγκε

τούτων ἢ ἐκείνων ἀποκρατεῖν ἀλλὰ μὴν

οὐδὲν ἔχει τεχνικὸν τὸ ἀποδιδόναι τοπικὴν

ἱστορίαν λέγοντας ὅτι εἰ τύχοι Βρίλησος55

μὲν καὶ Ἀράκυνθος τῆς Ἀττικῆς ἐστιν ὄρος

Ἀκάμας δὲ τῆς Κυπρίας ἀκρωτήριον ἢ

χρονικὴν ἐκτίθεσθαι καθάπερ ὅτι Ξενοφάνης

Κολοφώνιος ἐγένετο περὶ τὴν τεσσαρακοστὴν

ὀλυμπιάδα τοῦτο γὰρ καὶ ὁ μὴ ὢν

γραμματικὸς ἄλλως δὲ περίεργος δυνήσεται

ποιεῖν

E ainda se haacute uma lsquohistoacuteriarsquo que trata de lugares

outra de datas outra sobre personagens outra de

accedilotildees eacute evidente que se explicaccedilotildees de lugares e

tempos natildeo satildeo teacutecnicas tampouco seraacute teacutecnico o

que trata de personagens ou accedilotildees145 Pois qual eacute

a diferenccedila entre ocupar-se destas ou daquelas De

fato natildeo haacute nada de teacutecnico na lsquohistoacuteriarsquo que trata

de lugares dizendo por exemplo que Brileso e

Aracinto satildeo montes da Aacutetica ou que Acamante eacute

um promontoacuterio em Chipre tampouco naquela

que estabelece datas como por exemplo que

Xenoacutefanes de Coacutelofon nasceu na quadrageacutesima

olimpiacuteada Isto mesmo aquele que natildeo eacute

gramaacutetico mas apenas curioso tambeacutem eacute capaz

de fazer

[258] τοίνυν οὐδὲ τὸ περὶ προσώπων καὶ

πράξεων ἀπαγγέλλειν τεχνικὸν γενήσεται

οἷον ὅτι Πλάτων μὲν ὁ φιλόσοφος

Ἀριστοκλῆς πρότερον ἐκαλεῖτο καὶ ἐτέτρητο

τὸ οὖς ἐλλόβιον φορήσας ὅτrsquo ἦν μειρακίσκος

Πυθιὰς δὲ ἡ Ἀριστοτέλους θυγάτηρ τρισὶν

ἀνδράσιν ἐγαμήθη πρῶτον μὲν Νικάνορι τῷ

Σταγειρίτῃ οἰκείῳ ὄντι Ἀριστοτέλους

Assim tampouco seraacute teacutecnico dar declaraccedilotildees

sobre personagens e accedilotildees por exemplo que

Platatildeo o filoacutesofo se chamava antes Aristoacutecles

tinha a orelha furada e usava brinco quando era

jovem ou que a filha de Aristoacuteteles Pitiacuteade

casou-se com trecircs homens o primeiro Nicanor de

Estagira parente de Aristoacuteteles o segundo

Procles descendente do rei lacedemocircnio

54 Blank ad loc com Giusta p 430 Por ἱστοροῦσιν 55 Blank ad loc com a ediccedilatildeo de Genebra Para Βριλησός

174

δευτέρῳ δὲ Προκλεῖ Δημαράτου τοῦ

Λακεδαιμονίων βασιλέως ἀπογόνῳ ὃς καὶ

δύο ἐξ αὐτῆς τεκνοῦται παῖδας Προκλέα τε

καὶ Δημάρατον τοὺς παρὰ Θεοφράστῳ

φιλοσοφήσαντας τρίτῳ δὲ Μητροδώρῳ

ἰατρῷ Χρυσίππου μὲν τοῦ Κνιδίου μαθητῇ

Ἐρασιστράτου δὲ ὑφηγητῇ ᾧ γίνεται παῖς

Ἀριστοτέλης

Demaacuterato com quem teve dois filhos Procles e

Demaacuterato que estudaram filosofia com Teofrasto

e o terceiro pai do menino chamado Aristoacuteteles

foi o meacutedico Metrodoro aluno de Crisipo de

Cniacutedio e professor de Erasiacutestrato

[259] ταῦτα γὰρ καὶ τὰ τούτοις ὅμοια πρὸς τῷ

τελέως ἀχρηστεῖν ἔτι οὐδεμίαν ἐμφαίνει

τεχνικὴν δύναμιν ὥστε οὐδὲ ἡ τῶν ἱστορικῶν

ἀπόδοσίς ἐστιν ἔντεχνος ἄλλως τε καθὼς

ἀνώτερον ὑπεδείξαμεν οὔτε τῶν ἀπείρων

οὔτε τῶν ἄλλοτε ἄλλως γινομένων ἔστι τις

τεχνικὴ γνῶσις

Com efeito aleacutem de todas as informaccedilotildees como

estas serem completamente inuacuteteis tambeacutem natildeo

evidenciam nenhuma capacidade teacutecnica De

forma que tampouco explicar dados lsquohistoacutericosrsquo

resulta de uma arte (entekhnos) Aleacutem disso como

demonstramos mais acima natildeo existe um

conhecimento teacutecnico do que eacute infinito ou de

coisas que a todo tempo variam

[260] αἱ δέ γε κατὰ μέρος ἱστορίαι ἄπειροί τε

διὰ τὸ πλῆθός εἰσι καὶ οὐχ ἑστῶσαι διὰ τὸ μὴ

τὰ αὐτὰ περὶ τοῦ αὐτοῦ παρὰ πᾶσιν

ἱστορεῖσθαι οἷον (οὐκ ἄτοπον γάρ ἵνα

συμφυέσι τε καὶ οἰκείοις χρησώμεθα τῶν

πραγμάτων παραδείγμασιν) ὑπόθεσιν γὰρ

ἑαυτοῖς ψευδῆ λαμβάνοντες οἱ ἱστορικοὶ ltοὐκ

ἀρκούμενοι τῷ ψεύσματι ἐν ᾧgt τὸν ἀρχηγὸν

ἡμῶν τῆς ἐπιστήμης Ἀσκληπιὸν

κεκεραυνῶσθαι λέγουσιν56 καὶ ποικίλως

αὐτὸ μεταπλάττουσι

Mas claro as histoacuterias individuais satildeo infinitas

porque satildeo inuacutemeras aleacutem disso natildeo satildeo fixas

pois natildeo eacute como se todos contassem as mesmas

histoacuterias do mesmo modo sobre as mesmas coisas

Por exemplo (e faz sentido utilizarmos exemplos

conectados e que nos sejam familiares) os

lsquohistoriadoresrsquo (historikoi) adotam uma suposiccedilatildeo

falsa e afirmam que Ascleacutepio o fundador da nossa

ciecircncia foi fulminado por um raio e natildeo

satisfeitos com essa mentira ainda a transformam

de inuacutemeras formas

[261] Στησίχορος μὲν ἐν Ἐριφύλῃ εἰπὼν ὅτι

τινὰς τῶν ἐπὶ Θήβαις πεσόντων ἀνιστᾷ

Πολύανθος δὲ ὁ Κυρηναῖος ἐν τῷ περὶ τῆς

Estesiacutecoro em sua Eriacutefile diz que isso aconteceu

porque Ascleacutepio estaria ressuscitando alguns dos

que caiacuteram em Tebas Polianto de Cirene em sua

56 Blank ad loc com Giusta p 431 Por οἷον (οὐκ ἄτοπον γάρ) ἵνα συμφυέσι τε καὶ οἰκείοις χρησώμεθα τῶν πραγμάτων παραδείγμασιν ὑπόθεσιν γὰρ ἑαυτοῖς ψευδῆ λαμβάνοντες οἱ ἱστορικοὶ τὸν ἀρχηγὸν ἡμῶν τῆς ἐπιστήμης Ἀσκληπιὸν κεκεραυνῶσθαι λέγουσιν οὐκ ἀρκούμενοι τῷ ψεύσματι dagger ἐν ᾧ dagger καὶ ποικίλως

175

Ἀσκληπιαδῶν γενέσεως ὅτι τὰς Προίτου

θυγατέρας κατὰ χόλον Ἥρας ἐμμανεῖς

γενομένας ἰάσατο Πανύασις δὲ διὰ τὸ νεκρὸν

Τυνδάρεω ἀναστῆσαι Στάφυλος δὲ ἐν τῷ

περὶ Ἀρκάδων ὅτι Ἱππόλυτον ἐθεράπευσε

φεύγοντα ἐκ Τροιζῆνος κατὰ τὰς

παραδεδομένας κατrsquo αὐτοῦ ἐν τοῖς

τραγῳδουμένοις φήμας

obra sobre a origem dos Asclepiacuteadas diz que foi

porque curou as filhas de Preto que haviam ficado

loucas por causa da ira de Hera Paniacuteasis diz que

foi porque fez voltar agrave vida o cadaacutever de Tiacutendaro

Estaacutefilo em seu livro sobre os arcaacutedios diz que

ele curou Hipoacutelito que fugia de Trezeno

conforme a tradiccedilatildeo que se transmite sobre ele

nas trageacutedias

[262] Φύλαρχος δὲ ἐν τῇ ἐννάτῃ διὰ τὸ τοὺς

Φινέως υἱοὺς τυφλωθέντας ἀποκαταστῆσαι

χαριζόμενον αὐτῶν τῇ μητρὶ Κλεοπάτρᾳ τῇ

Ἐρεχθέως Τελέσαρχος δὲ ἐν τῷ Ἀργολικῷ

ὅτι τὸν Ὠρίωνα ἐπεβάλετο ἀναστῆσαι οὐ

τοίνυν τῆς οὕτως ἀπὸ ψευδοῦς ὑποθέσεως

ἀρχομένης καὶ ἀδιεξιτήτου κατὰ πλῆθος καὶ

πρὸς τὴν ἑκάστου προαίρεσιν

μεταπλαττομένης γένοιτrsquo ἄν τις τεχνικὴ

θεωρία

Filarco diz no livro nono que foi porque ele

recuperou a visatildeo aos filhos cegos de Fineu como

um favor para com sua matildee Cleoacutepatra a filha de

Erecteu e Telesarco em seu Argoacutelico afirma que

teria tentado ressuscitar Oriacuteon Em suma algo que

comeccedila dessa forma a partir de uma suposiccedilatildeo

que eacute falsa multiplicada agrave exaustatildeo e reinventada

conforme as vontades de cada um natildeo pode

tornar-se objeto de uma teoria (theoria) teacutecnica

[263] Πρὸς τούτοις ἐπεὶ τῶν ἱστορουμένων

τὸ μέν ἐστιν ἱστορία τὸ δὲ μῦθος τὸ δὲ

πλάσμα ὧν ἡ μὲν ἱστορία ἀληθῶν τινῶν ἐστι

καὶ γεγονότων ἔκθεσις ὡς ὅτι Ἀλέξανδρος ἐν

Βαβυλῶνι διrsquo ἐπιβούλων φαρμακευθεὶς

ἐτελεύτα πλάσμα δὲ πραγμάτων μὴ

γενομένων μὲν ὁμοίως δὲ τοῖς γενομένοις

λεγομένων ὡς αἱ κωμικαὶ ὑποθέσεις καὶ οἱ

μῖμοι

Aleacutem do mais dos relatos (historoumenoi)146

fazem parte a histoacuteria147 o mito e a ficccedilatildeo148 A

histoacuteria eacute a exposiccedilatildeo de acontecimentos

verdadeiros149 como que Alexandre morreu na

Babilocircnia envenenado por conspiradores A ficccedilatildeo

refere-se a eventos que natildeo aconteceram mas que

satildeo contados como se tivessem acontecido os

enredos (hupotheseis) de comeacutedias e mimos por

exemplo

[264] μῦθος δὲ πραγμάτων ἀγενήτων καὶ

ψευδῶν ἔκθεσις ὡς ὅτι τὸ μὲν τῶν φαλαγγίων

καὶ ὄφεων γένος Τιτήνων ἐνέπουσιν ἀφrsquo

αἵματος ἐζωγονῆσθαι τὸν δὲ Πήγασον

λαιμοτομηθείσης τῆς Γοργόνος ἀπὸ τῆς

κεφαλῆς ἐκθορεῖν καὶ οἱ μὲν Διομήδους

O mito eacute a exposiccedilatildeo de eventos que natildeo

aconteceram e satildeo falsos tal como dizer que a

raccedila de serpentes e aranhas venenosas brotou viva

do sangue derramado dos Titatildes ou que Peacutegaso

nasceu da cabeccedila decepada da Goacutergona e que os

companheiros de Diomedes se transformaram em

176

ἑταῖροι εἰς θαλασσίους μετέβαλον ὄρνις ὁ δὲ

Ὀδυσσεὺς εἰς ἵππον ἡ δὲ Ἑκάβη εἰς κύνα

aves marinhas Odisseu num cavalo e Heacutecuba

numa cadela

[265] ndash τοιαύτης δὲ οὔσης ltτῆςgt τῶν

ἱστοριῶν διαφορᾶς ἐπεὶ οὐκ ἔστι τέχνη τις

περὶ τὰ ψευδῆ καὶ ἀνύπαρκτα ψευδῆ δέ ἐστι

καὶ ἀνύπαρκτα τὰ περὶ τοὺς μύθους καὶ τὰ

πλάσματα περὶ ἃ μάλιστα τοῦ ἱστορικοῦ

μέρους ἡ γραμματικὴ καταγίνεται οὐκ ἂν εἴη

τις τέχνη περὶ τὸ ἱστορικὸν μέρος ltτῆςgt

γραμματικῆς

Sendo tal a diversidade entre as histoacuterias e jaacute que

natildeo existe qualquer arte que trate do falso e do

inexistente (anuparkta) e eacute falso e inexistente o

que se diz nos mitos e ficccedilotildees de que se ocupa

principalmente a gramaacutetica em sua parte

lsquohistoacutericarsquo natildeo pode haver qualquer arte para a a

parte lsquohistoacutericarsquo da gramaacutetica

[266] ὅθεν καταγελᾶν ἄξιον τῶν λεγόντων ὅτι

εἰ καὶ ἡ ὕλη τῆς ἱστορίας ἐστὶν ἀμέθοδος ἡ

μέντοι κρίσις ταύτης γενήσεται τεχνική διrsquo ἧς

γιγνώσκομεν τί τε ψευδῶς ἱστόρηται καὶ τί

ἀληθῶς

Por isso merecem ser ridicularizados os que

dizem que mesmo que o material base da

lsquohistoacuteriarsquo seja desorganizado ainda assim o

julgamento deste material pelo qual conhecemos

o que eacute relatado (historeo) de maneira falsa ou

verdadeira eacute teacutecnico150

[267] πρῶτον μὲν γὰρ οὐ παραδεδώκασιν

ἡμῖν οἱ γραμματικοὶ τῆς ἀληθοῦς ἱστορίας

κριτήριον ἵνα καὶ ἐξετάζωμεν πότε ἀληθής

ἐστιν αὕτη καὶ πότε ψευδής εἶτα καὶ

μηδεμιᾶς οὔσης ἀληθοῦς ἱστορίας παρὰ τοῖς

γραμματικοῖς οὐδὲ τὸ τοῦ ἀληθοῦς κριτήριον

ὑποστατόν ἐστιν ἐπεὶ πῶς οὐκ ἔργον τινὸς

μὲν λέγοντος ὅτι Ὀδυσσεὺς ὑπὸ Τηλεγόνου

παιδὸς κατὰ ἄγνοιαν ἀνῄρηται τινὸς δὲ ὅτι

λάρου κέντρον θαλασσίας τρυγόνος ἀφέντος

αὐτοῦ ltἐπὶgt57 τῇ κεφαλῇ διεφώνησεν ἄλλου

δὲ ὅτι εἰς ἵππον μετέβαλε τὴν μορφήν θέλειν

ἐν οὕτως ἀπερρωγόσι πράγμασιν εὑρεῖν

τἀληθές πρότερον γὰρ δεῖ ὑποστῆναι ἐν τοῖς

διαφωνοῦσι τὸν ἀληθεύοντα καὶ τότε ζητεῖν

τί ἐστιν

Com efeito em primeiro lugar os gramaacuteticos natildeo

nos forneceram um criteacuterio de verdade com o

qual pudeacutessemos testar quando a histoacuteria eacute

verdadeira e quando eacute falsa Em segundo lugar se

natildeo haacute nenhuma histoacuteria verdadeira para os

gramaacuteticos tampouco subsiste um criteacuterio de

verdade Um diz que Odisseu foi morto por seu

filho Teleacutegono sem que este soubesse quem ele

era outro diz que ele faleceu quando uma gaivota

deixou cair em sua cabeccedila a cauda de uma arraia

ainda com o ferratildeo e um outro que se

metamorfoseou em cavalo natildeo eacute uma tarefa

insana querer descobrir a verdade em coisas tatildeo

desconexas Porque antes de tudo seria preciso

supor que em meio a histoacuterias tatildeo discordantes

tenha sido dito algo verdadeiro e soacute entatildeo depois

57 Blank ad loc com Giusta p 431

177

disso procurar pelo que eacute verdadeiro

[268] πάντων δὲ ἀπίθανα καὶ ψευδῆ λεγόντων

οὐδὲ τεχνικῷ τινὶ κριτηρίῳ δίδοται πάροδος

Καὶ μὴν οὐδὲ διrsquo ὧν ἂν ἱστορία καλῶς

γραφείη διδάσκουσιν οἱ γραμματικοί ἵνα κατrsquo

ἀναφορὰν τὴν ὡς ἐπὶ τὰ τοιαῦτα θεωρήματα

λέγωμεν τεχνικόν τι μέρος ὑπάρχειν παρrsquo

αὐτοῖς τὸ ἱστορικόν τοῦτο γὰρ ῥητορικῶν

ἐστι τὸ ἔργον

Mas quando todos dizem coisas falsas e

inacreditaacuteveis sequer existe brecha para introduzir

um criteacuterio teacutecnico151

Na verdade os gramaacuteticos nem mesmo nos

ensinam como seria uma histoacuteria be escrita de

forma que pudeacutessemos com referecircncia a tais

teoremas dizer que sua parte lsquohistoacutericarsquo eacute teacutecnica

Jaacute que esta eacute a tarefa dos retoacutericos

[269] ὥστrsquo ἐπεὶ καὶ αὐτοὶ ἐξομολογοῦνται

ἀμέθοδόν τι εἶναι παράπηγμα τὴν ἱστορίαν

καὶ ἡμεῖς ἐπελογισάμεθα καὶ ἄλλως οὐδὲν

τεχνικὸν θεώρημα πρὸς τὴν γνῶσιν αὐτῆς ἢ

σύστασιν παραδεδώκασι ῥητέον καὶ κατὰ τὸ

ἱστορικὸν μέρος ἀσύστατον εἶναι τὴν

γραμματικήν

Consequentemente se eles proacuteprios jaacute admitiram

que a lsquohistoacuteriarsquo eacute como uma lista (parapegma)

sem meacutetodo e noacutes mesmos o comprovamos e

aleacutem disso eles natildeo forneceram nenhum teorema

teacutecnico a favor do conhecimento dela ou de sua

consistecircncia entatildeo deve ser dito que tambeacutem no

que se refere agrave parte lsquohistoacutericarsquo a gramaacutetica eacute

inconsistente

Ὅτι τὸ τοὺς ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς μέρος

τῆς γραμματικῆς ἀσύστατόν ἐστιν

[270] Ἤδη μὲν δυνάμει καὶ τὸ περὶ ποιητὰς

καὶ συγγραφεῖς μέρος τῆς γραμματικῆς ἡμῖν

ἀνῄρηται δείξασι τὸ ἀδύνατον τοῦ κατὰ τὰς

τεχνολογίας καὶ τοῦ ἱστορικοῦ χωρὶς γὰρ

τούτων οὐκ ἀπευθύνεταί τις ποιήσεως

ἐξήγησις ὅμως δrsquo οὖν καὶ τὰ ἐν τούτῳ τῷ

μέρει πειρασόμεθα κοινότερον δυνάμενα

λέγεσθαι σκοπεῖν καὶ μάλιστα ὅτι οὕτως

ἐπιτεθαρρήκασιν αὐτῷ οἱ γραμματικοὶ ὡς καὶ

τὸ βιωφελὲς τῆς γραμματικῆς καὶ πρὸς

εὐδαιμονίαν ἀναγκαῖον ἐξ αὐτοῦ τολμᾶν

πιστοῦσθαι φασὶ γοῦν ὡς ἡ ποιητικὴ πολλὰς

δίδωσιν ἀφορμὰς πρὸς σοφίαν καὶ εὐδαίμονα

βίον ἄνευ δὲ τοῦ ἀπὸ γραμματικῆς φωτὸς οὐχ

A parte da gramaacutetica que trata de poetas e

escritores eacute inconsistente

A parte da gramaacutetica que trata de poetas e

escritores tambeacutem jaacute se encontra praticamente

destruiacuteda por termos demonstrado a

impossibilidade da exposiccedilatildeo teacutecnica e da parte

lsquohistoacutericarsquo e sem estas natildeo se pode por em

praacutetica qualquer exegese (eksegesis) da poesia No

entanto vamos nos esforccedilar em considerar o que

se pode dizer de maneira geral tambeacutem aqui

especialmente porque os gramaacuteticos depositam tal

confianccedila nessa parte que ousam aiacute apoiar-se para

provar que a gramaacutetica eacute uacutetil para a vida e

indispensaacutevel para a felicidade Ao menos quando

afirmam que a poesia (poietike) contribui em

muito para uma vida feliz e com sabedoria e que

178

οἷόν τε τὰ παρὰ τοῖς ποιηταῖς διορᾶν ὁποῖά

ποτέ ἐστιν χρειώδης ἄρα ἡ γραμματική

sem a luz da gramaacutetica natildeo eacute possiacutevel ver

claramente o que os poetas querem dizer em cada

passagem de forma que a gramaacutetica eacute uacutetil152

[271] τὸ δrsquo ὅτι συχνὰς δίδωσιν ἡ ποιητικὴ

ἀφορμὰς πρὸς εὐδαιμονίαν δῆλον ἐκ τοῦ τὴν

ὄντως κρατίστην καὶ ἠθοποιὸν φιλοσοφίαν

ἀπὸ τῆς παρὰ τοῖς ποιηταῖς γνωμολογίας τὴν

ἀρχὴν ἐρριζῶσθαι καὶ διὰ τοῦτο τοὺς

φιλοσόφους εἴ ποτε παραινετικῶς τι λέγοιεν

ταῖς ποιητικαῖς φωναῖς ὡσπερεὶ σφραγίζεσθαι

τὸ ὑπrsquo αὐτῶν λεγόμενον καὶ ὁ μὲν ἐπrsquo ἀρετὴν

παρακαλῶν φησὶν

ἀρετὴ δὲ κἂν θάνῃ τις οὐκ ἀπόλλυται

ὁ δὲ φιλαργυρίαν φεύγειν ἐγκελευόμενος

προφέρεται τὸ

μὴ Πλοῦτον εἴπῃς οὐχὶ θαυμάζω θεόν

ὃν χὡ κάκιστος ῥᾳδίως ἐκτήσατο

ὁ δὲ αὐτάρκειαν ὑπαγορεύων συμπιστοῦται

τὸ δόγμα ἐκ τοῦ τὸν Εὐριπίδην λέγειν

τί γὰρ δέει βροτοῖσι πλὴν δυοῖν μόνον

Δήμητρος ἀκτῆς πώματός θrsquo ὑδρηχόου

ἃ δὴ πάρεστι καὶ πέφυχrsquo ἡμᾶς τρέφειν

Que a poesia frequentemente contribui para a

felicidade eacute evidente pelo fato de que a filosofia

que na realidade tem mais poder e eacute formadora de

caraacuteter teve suas raiacutezes primeiras nos ditos

gnocircmicos dos poetas e por isso os filoacutesofos num

tom exortativo usavam passagens poeacuteticas para

validar por assim dizer seus proacuteprios dizeres

Assim o que exorta a virtude diz

A virtude mesmo que a pessoa morra natildeo

perece [Euriacutepides Temenoi fr 734 Nauck2]

o que nos conclama a evitar a avareza profere

Natildeo me fales de Riqueza eu natildeo venero um deus

a quem ateacute o mais vil facilmente conquista

[Euriacutepides Aeolus fr 20 Nauck2]

e outro que aconselha a autossuficiecircncia

confirma sua doutrina pelo que disse Euriacutepides

O que eacute preciso para os mortais senatildeo duas coisas

somente

o alimento de Demeacuteter e a aacutegua que flui

e das duas nos provecirc a natureza153

[fr 892 Nauck2]

[272] καὶ τὸ μὲν τοὺς ἄλλους φιλοσόφους

τοῦτο ποιεῖν οὐ παράδοξον αὐτοὺς δὲ

εὑρήσομεν τοὺς τῆς γραμματικῆς

κατηγόρους Πύρρωνά τε καὶ Ἐπίκουρον

ἐξομολογουμένους τὸ ἀναγκαῖον αὐτῆς ὧν ὁ

μὲν Πύρρων ἱστορεῖται τὴν Ὁμηρικὴν διὰ

παντὸς ποίησιν ἀναγινώσκων μὴ ἄν ποτε

τοῦτο ποιήσας εἴπερ μὴ ἐγίνωσκεν αὐτὴν

χρησίμην καὶ διὰ τοῦτο τὴν γραμματικὴν

E natildeo eacute incomum que outros filoacutesofos tambeacutem

faccedilam o mesmo encontraremos mesmo os que

acusaram a gramaacutetica Pirro e Epicuro admitindo

que seja necessaacuteria Pois diz-se que Pirro estava

sempre lendo a poesia homeacuterica e que natildeo o faria

se natildeo reconhecesse a utilidade dela e que por

isso a gramaacutetica eacute indispensaacutevel154

179

ἀναγκαίαν

[273] ὁ δὲ Ἐπίκουρος φωρᾶται τὰ κράτιστα

τῶν δογμάτων παρὰ ποιητῶν ἀνηρπακώς τόν

τε γὰρ ὅρον τοῦ μεγέθους τῶν ἡδονῶν ὅτι ἡ

παντός ἐστι τοῦ ἀλγοῦντος ὑπεξαίρεσις ἐξ

ἑνὸς στίχου δέδεικται λαβών ltτοῦgt

αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντο

τὸν δὲ θάνατον ὅτι οὐδέν ἐστι πρὸς ἡμᾶς

Ἐπίχαρμος αὐτῷ προμεμήνυκεν εἰπὼν

ἀποθανεῖν ἢ τεθνάναι οὔ μοι διαφέρει

ὡσαύτως δὲ καὶ τὰ νεκρὰ τῶν σωμάτων

ἀναισθητεῖν παρrsquo Ὁμήρου κέκλοφε

γράφοντος

κωφὴν γὰρ δὴ γαῖαν ἀεικίζει μενεαίνων

E Epicuro por seu lado foi acusado de tomar dos

poetas a parte realmente importante de suas

doutrinas Com efeito alegou-se que o lsquolimite da

intensidade do prazerrsquo como lsquoa extinccedilatildeo de toda

dorrsquo [RS 3] teria sido tirada deste uacutenico verso

ldquoTendo assim pois a vontade da fome e da sede

saciadordquo

[Il I 469 Trad Carlos Alberto Nunes]

e Epicarmo155 jaacute havia mostrado a ele que lsquoa morte

natildeo eacute nada para noacutesrsquo [DL 10124 Lucreacutecio De

rer nat III 830ss] ao dizer

Morrer ou estar morto natildeo faz diferenccedila para

mim156 [fg 23 B 11 DK]

E da mesma forma teria roubado deste verso

escrito por Homero a ideia de que os corpos

mortos satildeo insensiacuteveis157

ldquopois contra terra insensiacutevel apenas a fuacuteria

exercitardquo

[Il XXIV 54 Trad Carlos Alberto Nunes]

[274] καὶ μὴν οὐ ταῦτα μόνον τοῖς ποιηταῖς

δεξιῶς εἰρῆσθαι φαίνεται ἀλλὰ καὶ τὰ περὶ

θεῶν οἷόν ἐστι καὶ τὸ παρὰ τῷ Εὐριπίδῃ

λεχθὲν ἐν Φρίξῳ

ὅστις δὲ θνητῶν οἴεται καθrsquo ἡμέραν

κακόν τι πράσσων τοὺς θεοὺς λεληθέναι

δοκεῖ πονηρά καὶ δοκῶν ἁλίσκεται

ὅταν σχολὴν ἄγουσα τυγχάνῃ δίκη

ἀλλrsquo εἴπερ ταῦτα καὶ τὰ τούτοις ἐοικότα

χρειώδη ἐστί λαμβάνεται δrsquo οὐ χωρὶς

γραμματικῆς ἔσται καὶ ἡ γραμματικὴ τῶν

βιωφελῶν

E de fato natildeo apenas estas coisas se revelaram

muito bem expressas pelos poetas mas tambeacutem o

que dizem sobre os deuses por exemplo Euriacutepides

em seu Frixo

Qualquer mortal que acredite poder fazer o mal

dia apoacutes dia e passar despercebido pelos deuses

eacute leviano e sucumbiraacute agrave sua proacutepria leviandade

tatildeo logo a justiccedila tenha um tempo livre158

[Fr 124 West2 ]

Pois bem se de fato esses dizeres e outros

semelhantes satildeo uacuteteis e natildeo se pode compreendecirc-

los sem a ajuda da gramaacutetica entatildeo a gramaacutetica

tambeacutem estaraacute entre as coisas que satildeo uacuteteis para a

180

vida

[275] ἔχοι δrsquo ἄν τινα φασίν ἐξαιρέτως καὶ

ταῖς τῶν μανθανόντων αὐτὴν πατρίσιν

ἀναγκαῖα Λεβεδίων γοῦν διαφερομένων πρὸς

τοὺς ἀστυγείτονας περὶ Καμανδωδοῦ ὁ

γραμματικὸς τὸ Ἱππωνάκτειον παραθέμενος

ἐνίκα

μηδέ μοι μῦ

λαλεῖν Λεβεδίην ἰσχάδrsquo ἐκ Καμανδωδοῦ

ὁμιλητικούς τε παρεχομένη τοὺς προσέχοντας

αὐτῇ εὐθὺς καὶ ταύτῃ [καὶ] τοῖς πέλας κατὰ

πολλὰς περιστάσεις ὀνησιφόρος γίνεται

E conforme dizem a gramaacutetica traria aleacutem do

mais algumas vantagens especiais para as paacutetrias

daqueles que se instruem nela159 Ao menos diz-se

que os lebedianos estavam disputando com seus

vizinhos acerca de Camandodo e que seu

gramaacutetico venceu a disputa ao citar Hipocircnax

E natildeo me venha com figos lebedianos de

Camandodo [fr 124 West2]

E por tornar sociaacuteveis os homens que se dedicam

a ela evidentemente que neste sentido tambeacutem

traraacute em muitas circunstacircncias benefiacutecios para os

vizinhos

[276] πάρεστι δὲ τὸ λεγόμενον σκοπεῖν ἐξ

αὐτῶν τῶν ἀποτελεσμάτων Σώστρατος γάρ

ὥς φασιν ἀποσταλεὶς ὑπὸ Πτολεμαίου πρὸς

τὸν Ἀντίγονον βασιλικῆς τινὸς ἕνεκα χρείας

κἀκείνου εἰκαιότερον ἀποκρινομένου

ἐπέτυχεν εἰπὼν

οὕτω δὴ κέλεαι γαιήοχε κυανοχαῖτα

τόνδε φέρω Διὶ μῦθον ἀπηνέα τε κρατερόν

τε

ἤ τι μεταστρέψεις στρεπταὶ μέν τε φρένες

ἐσθλῶν

ταῦτα γὰρ ἀκούσας Ἀντίγονος μετεβάλλετο

Isso se verifica a partir dos proacuteprios resultados

Pois Soacutestrato segundo dizem foi enviado por

Ptolomeu a Antiacutegono para tratar de algum assunto

do interesse real e quando este lhe respondeu de

forma precipitada teria obtido ecircxito ao contestar

ldquoAbalador poderoso desejas que a Zeus em

verdade

decirc de tua parte um recado tatildeo duro e insolente

como esse

Natildeo seraacute bom refletires Os homens sensatos satildeo

doacuteceisrdquo

[Il XV 201-203] Trad Carlos Alberto Nunes

Com efeito ao escutar tais palavras Antiacutegono

mudou de ideacuteia

[277] Πολλῶν δὴ τοιούτων λεγομένων εἰς

τὸ χρησιμώτατον εἶναι τὸ τῆς γραμματικῆς

μέρος τὸ περὶ ποιητὰς καὶ συγγραφεῖς

καταγιγνόμενον δείγματος χάριν τοῖς

ἐκκειμένοις ἀρκεσθέντες λέγωμεν πρὸς

ἕκαστον αὐτῶν τὸ τοίνυν βιωφελῆ εἶναι τὴν

De fato haacute muitos argumentos semelhantes em

favor da enorme utilidade da parte da gramaacutetica

que trata de poetas e escritores mas vamos nos

dar por satisfeitos com os jaacute expostos como um

padratildeo e passaremos a contra-argumentar contra

cada um deles Pois bem o argumento de que a

181

ποιητικὴν γνωμολογίαν καὶ φιλοσοφίας

ἀρχήν ταύτης δὲ ἀποδοτικὴν ὑπάρχειν τὴν

γραμματικήν ὄντως γραμματικόν ἐστιν

poesia gnocircmica eacute uacutetil para vida e o princiacutepio da

filosofia e que a interpretaccedilatildeo dela compete agrave

gramaacutetica realmente eacute tiacutepico de um gramaacutetico

[278] πρῶτον μὲν γάρ ἵνα συνδράμωμεν

αὐτοῖς μηδὲν ποιητικῆς κατειπόντες ἀλλrsquo οὖν

γε ἐκεῖνο πρόδηλόν ἐστιν ὅτι ὁπόσα μὲν

βιωφελῆ καὶ ἀναγκαῖα εὑρίσκεται παρὰ

ποιηταῖς οἷά ἐστι τὰ γνωμικὰ καὶ

παραινετικά ταῦτα σαφῶς αὐτοῖς πέφρασται

καὶ οὐ δεῖται γραμματικῆς ltὁπόσα δὲ μὴ

σαφῶς πέφρασται καὶ δεῖται γραμματικῆςgt

καθάπερ τὰ ἐν ξέναις ἱστορίαις κείμενα ἢ

αἰνιγματωδῶς ἐκφερόμενα ταῦτrsquo ἐστιν

ἄχρηστα ὥστε καὶ τῇ ἀπrsquo ἐκείνων ὠφελείᾳ

μὴ συνεισέρχεσθαι αὐτῶν τὸ χρειῶδες τῆς

γραμματικῆς καὶ τῇ τούτων ματαιότητι

συμπεριφέρεσθαι

Porque em primeiro lugar minus e coincidimos com

eles ao natildeo levantar acusaccedilotildees contra a poesia minus

eacute mesmo evidente que aquilo que nos poetas eacute

necessaacuterio e uacutetil para a vida tais como as

maacuteximas de sabedoria e as exortaccedilotildees estaraacute jaacute

claramente formulado e natildeo seraacute preciso

explicaccedilatildeo gramatical e o que natildeo estaacute dito

claramente e precisa de explicaccedilatildeo gramatical

como o que estaacute escrito de forma enigmaacutetica ou

em histoacuterias insoacutelitas (ksenai) eacute de todo inuacutetil160

De forma que a utilidade da gramaacutetica natildeo

sobreveacutem do benefiacutecio que nos trazem aquelas

primeiras e acaba por acomodar-se agrave futilidade161

destas uacuteltimas

[279] εἶτα φάσις μόνον ἐστὶν ἡ γνώμη

καθάπερ τὸ τοιοῦτο

σοφὸν γὰρ ἓν βούλευμα τὰς πολλὰς χέρας

νικᾷ σὺν ὄχλῳ δrsquo ἀμαθία πλεῖστον κακόν

φάσει δὲ οὐ πείθεται ὁ νοῦς περὶ τοῦ καλῶς

εἰρῆσθαι ἢ μὴ [εἰρῆσθαι] ἀλλrsquo ἀποδείξεων

δεῖται αἱ δὲ ἀποδείξεις τῶν καθηκόντως

λεγομένων ἢ μὴ οὐ γραμματικῆς εἰσιν ἀλλὰ

φιλοσοφίας τοίνυν καὶ ταύτῃ περισσὴν καὶ

ματαίαν συμβέβηκεν εἶναι τὴν γραμματικήν

καὶ μὴν εἴπερ διὰ τὸ πολλὰ καλῶς εἰρῆσθαι

τοῖς ποιηταῖς καὶ βιωφελῶς χρησίμη ἐστὶν ἡ

προφῆτις γραμματικὴ αὐτῶν ἐπεὶ

πολλαπλασίονα τούτων διαστρόφως καὶ ἐπὶ

λύμῃ τοῦ βίου παρrsquo αὐτοῖς ἐξενήνεκται

ἄχρηστος γενήσεται καθὰ γὰρ ἔστι τις ὁ

Ademais uma maacutexima eacute apenas uma asserccedilatildeo

como a seguinte

Um uacutenico conselho saacutebio conquista muitas matildeos

mas a ignoracircncia aliada agrave multidatildeo eacute o pior dos

males [Euriacutepides Antiacuteope fr 200 Nauck2]

E uma asserccedilatildeo natildeo eacute capaz de convencer o

intelecto da propriedade do que eacute dito mas eacute

preciso haver provas E natildeo eacute tarefa da gramaacutetica

mas da filosofia dar provas do que estaacute ou natildeo

apropriadamente dito162 Assim tambeacutem dessa

maneira a gramaacutetica acaba por ser vatilde e supeacuterflua

Na verdade se eacute por causa das muitas coisas que

os poetas dizem de maneira tatildeo adequada e

proveitosa para a vida que a pitonisa gramatical

deles eacute uacutetil entatildeo visto que o nuacutemero de coisas

que eles disseram de maneira deploraacutevel e

182

εἰπὼν

μὴ Πλοῦτον εἴπῃς οὐχὶ θαυμάζω θεόν

ὃν χὡ κάκιστος ῥᾳδίως ἐκτήσατο

οὕτως ἔστι καὶ ὁ τοὐναντίον ἀποφαινόμενος

ὦ χρυσὲ δεξίωμα κάλλιστον βροτοῖς

ὡς οὔτε μήτηρ ἡδονὰς τοίας ἔχει

οὐ παῖδες ἀνθρώποισιν οὐ φίλος πατήρ

οἵας σὺ χοἱ σὲ δώμασιν κεκτημένοι

καὶ πάλιν

εὖ πρᾶσσε τὰ φίλων δrsquo οὐδὲν ἤν τις δυστυχῇ

καὶ

κάλλιστα μουσῶν φθέγγεται πλουτῶν ἀνήρ

ofensiva agrave vida eacute muito maior ela se tornaraacute inuacutetil

Pois assim como haacute um que diz

Natildeo me fales de Riqueza eu natildeo venero um deus

a quem ateacute o mais vil facilmente conquista

[Euriacutepides Eolo frag 20 Nauck2]

tambeacutem haveraacute o que declara o contraacuterio

Oacute ouro para os mortais a mais bela posse

Para os homens tal prazer natildeo nos daacute

Nem a matildee nem os filhos nem um pai querido

Tal como fazes tu e aqueles que te tecircm em casa

[Euriacutepides Danaides frag 324 Nauck2]

E tambeacutem

Sejas bem-sucedido amizades natildeo existem na

miseacuteria [Euriacutepides Feniacutecias 403]

E

A mais bela das melodias eacute a voz de um homem

rico [fr adesp 464 Nauck2]

[280] ἀναποδείκτως μὲν οὖν λεγομένων τῶν

οὕτως ἐναντίων ἐπιρρεπέστερον ἔχουσιν

ἄνθρωποι πρὸς τὴν τοῦ χείρονος ἐκλογήν καὶ

διὰ τοῦτο βλαπτικὴ ἀναφαίνεται ἡ ποιητική

διακρινομένων δὲ αὐτῶν καὶ τῶν μὲν

ἀθετουμένων τῶν δὲ προκρινομένων

χρειώδης γίνεται οὐχ ἡ γραμματικὴ ἀλλrsquo ἡ

διακρίνειν δυναμένη φιλοσοφία ποιητικοῖς τε

μαρτυρίοις χρῶνται οὐχ οἱ γνησίως

φιλοσοφοῦντες (τούτων γὰρ ὁ λόγος

αὐτάρκης ἐστὶ πρὸς πειθώ) ἀλλrsquo οἱ τὸν πολὺν

καὶ ἀγοραῖον φενακίζοντες ὄχλον

Frente a tatildeo diacutespares afirmaccedilotildees feitas sem prova

os homens tendem agrave escolha do pior e eacute por esse

motivo que a poesia eacute vista como algo nocivo E

quando se distingue o que deve ser preterido do

que deve ser preferido natildeo eacute a gramaacutetica que eacute

uacutetil mas aquela que tem a capacidade de

diferenciaacute-los ou seja a filosofia E natildeo satildeo os

que legitimamente (gnesios) filosofam que fazem

uso dos testemunhos de poetas (pois no caso

destes seu proacuteprio raciociacutenio eacute o bastante para

convencer) mas aqueles que iludem as multidotildees

nas praccedilas puacuteblicas163

[281] οὐ γὰρ δυσχερὲς ποιητὰς μαχομένους

καὶ εἰς ὅ τι ἂν θέλωσιν ᾄδοντας δεῖξαι ὅτε

καὶ οἱ προηγουμένως φιλοσοφοῦντες πολλὰ

μαχομένως λέγουσιν τῶν δὲ γραμματικῆς

Certamente natildeo eacute difiacutecil demonstrar que os poetas

se contradizem e cantam o que quiserem do modo

como quiserem quando mesmo filoacutesofos

importantes dizem muitas coisas contraditoacuterias

183

κατηγόρων ὁ μὲν Πύρρων παρrsquo ἕκαστα τὴν

Ὁμηρικὴν διετύλισσε ποίησιν οὐ πάντως διὰ

τὴν εἰρημένην αἰτίαν ἀλλὰ τάχα μὲν

ψυχαγωγίας χάριν καὶ ὡς εἰ κωμῳδῶν

ἠκροᾶτο τάχα δὲ καὶ τοὺς ποιητικοὺς

παρατηρῶν τρόπους καὶ χαρακτῆρας

Pirro um dos acusadores da gramaacutetica estava

constantemente a ler a poesia homeacuterica mas natildeo

necessariamente pela razatildeo mencionada mas

talvez agrave guisa de entretenimento (psukhagogia)164

como se estivesse assistindo a uma comeacutedia e

talvez tambeacutem para observar estilos (kharakterai)

e figuras poeacuteticas

[282] λέγεται γὰρ αὐτὸν καὶ ποίησιν εἰς τὸν

Μακεδόνα Ἀλέξανδρον γράψαντα μυρίοις

χρυσοῖς τετιμῆσθαι οὐκ ἀπέοικε δὲ καὶ ἄλλας

αἰτίας ὑπάρχειν περὶ ὧν ἐν τοῖς Πυρρωνείοις

διεξήλθομεν

Pois diz-se que Pirro teria ele proacuteprio escrito um

poema para Alexandre da Macedocircnia e teria sido

gratificado com mil moedas de ouro E natildeo eacute

improvaacutevel que existam tambeacutem outras razotildees e

sobre elas nos debruccedilamos em nossas

Pirrocircnicas165

[283] ὁ δὲ Ἐπίκουρος οὐκ ἐκ τῶν Ὁμηρικῶν

εἴληφε τὸν ὅρον τοῦ μεγέθους τῶν ἡδονῶν

μακρῷ γὰρ διαφέρει τὸ λέγειν ὅτι ἐπαύσαντό

τινες πίνοντες καὶ ἐσθίοντες καὶ τὴν αὑτῶν

ἐπιθυμίαν πληροῦντες (τοῦτο γάρ ἐστι τὸ

αὐτὰρ ἐπεὶ πόσιος καὶ ἐδητύος ἐξ ἔρον ἕντο)

τοῦ φάναι ὅρον εἶναι τῶν περὶ τὰς ἡδονὰς

μεγεθῶν τὴν τοῦ ἀλγοῦντος ὑπεξαίρεσιν

τοῦτο γὰρ οὐ πάντως κρέασι καὶ οἴνῳ ἀλλὰ

καὶ τοῖς λιτοτάτοις πέφυκε γίνεσθαι

E Epicuro natildeo tomou de Homero o lsquolimite da

intensidade do prazerrsquo Porque difere muitiacutessimo

dizer que alguns homens pararam de comer e de

beber e de satisfazer seus desejos (pois isto eacute o

que diz o verso

Entatildeo quando aplacaram o desejo de comer e

beber)

de dizer que lsquoo limite da intensidade do prazerrsquo eacute

lsquoa extinccedilatildeo de toda dorrsquo Pois isto natildeo sobreveacutem

naturalmente somente com a carne e o vinho

bastam os alimentos mais simples

[284] ἄλλως τε ὁ μὲν ποιητὴς ἐπὶ

προσφερομένων μόνων ἐποιήσατο τὴν

ἀπόφασιν Ἐπίκουρος δὲ ἐπὶ πάντων τῶν

ἀπολαυστῶν ἐν οἷς ἐστι καὶ ἡ ἀφροδίσιος

μῖξις περὶ ἧς πάντες ἴσασιν οἵαν ἔσχε γνώμην

Ὅμηρος τό τε τὸν θάνατον [μὲν] μηδὲν εἶναι

πρὸς ἡμᾶς εἴρηται μὲν ἴσως τῷ Σώφρονι

ἀποδέδεικται δὲ Ἐπικούρῳ καὶ ἔστιν οὐ τὸ

εἰπεῖν ἀλλὰ τὸ ἀποδεῖξαι θαυμαστόν

Por outro lado o poeta fez esta afirmaccedilatildeo apenas

sobre as coisas que eles tinham ingerido mas o

limite de Epicuro se estende a todas as coisas

prazerosas (apolausta) incluiacutedas aiacute as relaccedilotildees

sexuais e todo o mundo sabe qual era o

pensamento de Homero a este respeito166 Talvez

Soacutefron167 tenha mesmo dito que a morte natildeo eacute

nada para noacutes mas quem o demonstrou foi

Epicuro e o admiraacutevel natildeo eacute dizer mas provar

184

[285] εἶτα οὐδὲ κατὰ τοῦτο ἔφησεν ὁ

Ἐπίκουρος τὸν θάνατον μηδὲν εἶναι πρὸς

ἡμᾶς καθὸ ἀδιάφορόν ἐστιν ἢ ζῆν ἢ μή

πολλῷ γὰρ αἱρετώτερον τὸ ζῆν διὰ τὸ

αἰσθανομένων εἶναι τὸ ἀγαθόν ἀλλrsquo ἐν

ἀναισθησίᾳ οὔτε κακόν τι εἶναι οὔτε ἀγαθόν

τὸ μὲν γὰρ ἀναισθητεῖν τὰ νεκρὰ τῶν

σωμάτων οὐχ ὁ ποιητὴς μόνος οἶδεν ἀλλὰ καὶ

ὁ σύμπας βίος μήτηρ γοῦν πολλάκις υἱὸν

θρηνοῦσα φησὶν lsquoἀλλὰ σὺ μὲν τούτων οὐκ

ἐπαισθάνῃ ἐγὼ δὲ ταλαιπωρῶrsquo καὶ

ἐνατενίζουσα ἐπιφθέγγεται lsquoτίς δέ ἐστιν ἔτι

σοι τούτων ὄνησιςrsquo

Aleacutem do mais Epicuro natildeo disse que lsquoa morte natildeo

eacute nada para noacutesrsquo no sentido de que natildeo haacute

diferenccedila entre viver ou estar morto (pois viver eacute

de longe muito melhor jaacute que o bem (to agathon)

pertence aos que podem sentir) mas porque na

ausecircncia de sensaccedilotildees natildeo haacute bem nem mal168 E

com efeito todo mundo sabe que os corpos mortos

satildeo insensiacuteveis natildeo apenas o poeta Assim uma

matildee repetindo lamentos pelo filho morto diz lsquotu

natildeo te apercebes de nada e eu sofro

miseravelmentersquo e com os olhos fixos nele

exclama lsquode que te serve isso agorarsquo

[286] οὐ μὴν ἀλλrsquo ἐὰν ἐξετάζῃ τις τὴν

ἐναντίαν ἔχοντα δόξαν εὑρήσει τὸν ποιητήν

αἱ μὲν γὰρ ψυχαὶ κοινῶς διψῶσιν αἵματος

(ἀλλrsquo ἀποχάζεο βόθρου ἄπισχε δὲ φάσγανον

ὀξὺ

αἵματος ὄφρα πίω καί τοι νημερτέα εἴπω)

58 ὁ δὲ Τάνταλος ἕστηκεν ἐν λίμνῃ

ἡ δὲ προσέκλυζε γενείῳ

στεῦτο δὲ διψάων πιέειν δrsquo οὐκ εἶχεν

ἑλέσθαι

E tudo isso natildeo nos impede de ao procurar com

alguma atenccedilatildeo encontrar o poeta a expressar

justamente a opiniatildeo contraacuteria169 Assim as almas

estatildeo comumente sedentas de sangue

lsquoMas para o lado do fosso retira-te e a espada

recolhe

para que eu possa do sangue provar e dizer-te a

verdadersquo

[Odisseia XI 95-6 Trad Carlos Alberto Nunes]

E Tacircntalo permanece no pacircntano onde

com aacutegua a bater-lhe no queixo

Sede sofria mas era impossiacutevel jamais minoraacute-la

[Od XI 583-584 Trad Carlos Alberto Nunes]

[287] καὶ μὴν ὅσον ἐπὶ τῷ ὑπrsquo Εὐριπίδου

λεχθέντι περὶ θεῶν τὴν αὐτὴν καὶ οἱ ἰδιῶται

δόξαν ἔχουσιν ἴσον γάρ ἐστι τῷ

ὅστις δὲ θνητῶν οἴεται τοὐφήμερον

E quanto ao que foi dito por Euriacutepides sobre os

deuses ateacute as pessoas comuns tecircm a mesma

opiniatildeo Pois daacute na mesma dizer isto

Qualquer mortal que acredite poder fazer o mal

58 Blank ad loc deleta ὁ δὲ Τιτυὸς ὑπὸ γυπῶν διὰ τὴν ἐπιθυμίαν ἡπατοφαγεῖταιO fiacutegado de Tiacutecio eacute devorado pelos abutres por causa de sua luxuacuteria Sexto menciona o supliacutecio de Tiacutecio bem como o de Tacircntalo de maneira a criticar a contradiccedilatildeo dos versos homeacutericos acerca das sensaccedilotildees de algueacutem que jaacute estaacute morto nos Contra os Fiacutesicos M IX 68-70 lsquotodo aquele que sofre eacute mortalrsquo

185

κακόν τι πράσσων τοὺς θεοὺς λεληθέναι

δοκεῖ πονηρά καὶ δοκῶν ἁλίσκεται

ὅταν σχολὴν ἄγουσα τυγχάνῃ δίκη

καὶ τὸ οὕτω παρὰ τοῖς πολλοῖς λεγόμενον

ὀψὲ θεῶν ἀλέουσι μύλοι ἀλέουσι δὲ λεπτά

μόνῳ δὲ διενήνοχε τῷ μέτρῳ

todos os dias e passar despercebido pelos deuses

eacute leviano e sucumbiraacute agrave sua proacutepria leviandade

tatildeo logo a justiccedila tenha um tempo livre

[fr 235 Nauck2]

ou como dizem muitos

Lentamente moem os moinhos dos deuses mas

moem muito fino170

a uacutenica diferenccedila estaacute no tipo de metro171

[288] ἂν δὲ καὶ ἐξετάσῃ τις πολλῷ χείρονα

τῆς τῶν ἰδιωτῶν ὑπολήψεως εὑρήσει τὰ τῶν

ποιητῶν καὶ ὁ μὲν σκηνικὸς ἀναγορευθεὶς

φιλόσοφος ἔτι μετριώτερος φαίνεται λέγων

μὴ εἰδέναι ᾧ προσεύχεται

ὦ γῆς ὄχημα κἀπὶ γῆς ἔχων ἕδραν

ὅστις ποτrsquo εἶ σύ δυστόπαστος εἰσιδεῖν

Ζεύς εἴτrsquo ἀνάγκη φύσεος εἴτε νοῦς βροτῶν

προσευξάμην σέ

E se algueacutem procurar com atenccedilatildeo descobriraacute

que satildeo muito piores as suposiccedilotildees dos poetas do

que aquelas das pessoas comuns Mesmo que

nosso proclamado lsquodramaturgo filoacutesoforsquo172 ainda

pareccedila bastante moderado quando diz natildeo saber a

quem faz suas suacuteplicas

Oacute Zeus suporte da terra e que sobre a terra tens

teu assento

Quem quer que sejas ser inescrutaacutevel

Necessidade da natureza ou mente dos mortais

A ti dirijo minhas suacuteplicas

[Euriacutepides Troianas 884-7]

[289] Ὅμηρος δὲ καὶ Ἡσίοδος κατὰ τὸν

Κολοφώνιον Ξενοφάνη

ὡς πλεῖστrsquo ἐφθέγξαντο θεῶν ἀθεμίστια ἔργα

κλέπτειν μοιχεύειν τε καὶ ἀλλήλους ἀπατεύειν

Κρόνος μὲν γάρ ἐφrsquo οὗ τὸν εὐδαίμονα βίον

γεγονέναι λέγουσι τὸν πατέρα ἠνδροτόμησε

καὶ τὰ τέκνα κατέπιεν Ζεύς τε ὁ τούτου παῖς

ἀφελόμενος αὐτὸν τῆς ἡγεμονίας

γαίης νέρθε καθεῖσε καὶ ἀτρυγέτοιο

θαλάσσης

τῆλε μάλrsquo ἧχι βάθιστον ὑπὸ χθονός ἐστι

βέρεθρον

De acordo com Xenoacutefanes de Coacutelofon Homero e

Hesiacuteodo

fizeram alarde de inuacutemeros atos criminosos dos

deuses

roubar trair e enganar uns aos outros

[Xenoacutefanes B12 DK]

Com efeito Cronos173 (e dizem que a vida era soacute

felicidade em seu tempo) castrou o pai e devorou

os filhos e quando foi deposto pelo seu proacuteprio

filho Zeus este

ldquopocircs Crono embaixo da terra fecunda e do mar

incansaacutevelrdquo

[Il XIV 204-205 Trad Carlos Alberto Nunes]

186

[290] τῷ δὲ Διὶ ἐπιβουλεύουσιν οἱ συγγενεῖς

παρὸ καὶ ὑπὸ Θέτιδος βοηθεῖται

ὁππότε μιν ξυνδῆσαι Ὀλύμπιοι ἤθελον ἄλλοι

Ἥρη τrsquo ἠδὲ Ποσειδάων καὶ Παλλὰς Ἀθήνη

ὠμότατος γάρ ἐστι καὶ τὴν μὲν ἀδελφὴν καὶ

γυναῖκα ἱεροσύλου τρόπον κρεμάσας οὐκ

ἀρκεῖται ἀλλὰ καὶ ὀνειδίζει λέγων

ἢ οὐ μέμνῃ ὅτε τrsquo ἐκρέμω ὑψόθεν ἐκ δὲ

ποδοῖιν

ἄκμονας ἧκα δύω περὶ χερσὶ δὲ δεσμὸν ἴηλα

χρύσεον ἄρρηκτον σὺ δrsquo ἐν αἰθέρι καὶ

νεφέλῃσιν

ἐκρέμω ἠλάστεον δὲ θεοὶ κατὰ μακρὸν

Ὄλυμπον

E contra Zeus conspiraram seus proacuteprios

familiares e Teacutetis foi quem o ajudou

ldquoquando outros deuses do Olimpo em liame

quiseram prendecirc-lo Hera e Posido de escuros

cabelos e Palas Atenardquo

[Il I 399-400 Trad Carlos Alberto Nunes]

pois Zeus eacute muito cruel natildeo lhe bastou ter posto

na forca a irmatilde e esposa como se houvesse

profanado um templo mas ainda a insultou

dizendo

ldquoOu natildeo te lembras do tempo em que no alto

ficaste suspensa

com duas grandes bigornas nos peacutes amarradas e

algemas

de ouro infrangiacuteveis nos punhos Pendeste das

nuvens desta arte

indignaccedilatildeo provocando nos deuses do Olimpordquo

[Il XV 18-21 Traduccedilatildeo Carlos Alberto Nunes]

[291] τὸν δὲ Ἥφαιστον ὀργισθεὶς ῥίπτει ἀπὸ

τοῦ οὐρανοῦ ὁ δὲ

κάππεσεν ἐν Λήμνῳ ὀλίγος δrsquo ἔτι θυμὸς

ἐνῆεν

τὸν δὲ ἀδελφὸν ὑπερορᾷ

οἰκίrsquo ἔχοντα

σμερδαλέrsquo εὐρώεντα τά τε στυγέουσι θεοί περ

πρόσεστι δὲ αὐτῷ πρὸς τῇ ἀποτομίᾳ καὶ

ἀκρασία ὃς θεασάμενος τὴν Ἥραν ἐπὶ τῆς

Ἴδης κεκοσμημένην οὐ καρτερεῖ μέχρις τῶν

ἀποδεδειγμένων αὐτοῖς θαλάμων ἐλθεῖν ἀλλrsquo

ἐπὶ τοῦ ὄρους χαμαὶ ῥίψας ἑαυτὸν

συγκυλίνδεται τῇ γυναικί

τοῖσι δrsquo ὑπὸ χθὼν δῖα φύεν νεοθηλέα ποίην

E tomado de coacutelera do ceacuteu atirou abaixo Hefesto

que

ldquofui ter a Lemno sem dar quase mostras de ainda

estar vivordquo

[Il I 593 Traduccedilatildeo Carlos Alberto Nunes]

Tambeacutem desdenha do irmatildeo dizendo

ldquoseu tenebroso palaacutecio que ateacute pelos numes eacute

odiadordquo

[Il XX 65-66 Traduccedilatildeo Carlos Alberto Nunes]

Some-se a sua crueldade sua intemperanccedila Ao

ver Hera toda arrumada sobre o monte Ida natildeo se

conteve e sem esperar que chegassem ao quarto

ali mesmo rolou no chatildeo com sua mulher e

ldquoFez logo que erva florida da terra divina

187

λωτόν θrsquo ἑρσήεντα ἰδὲ κρόκον ἠδrsquo ὑάκινθον crescesse

loto rociado e virente accedilafratildeo prazzenteiro e

jacintordquo

[Il XIV 347-348 Trad Carlos Alberto Nunes ]

[292] ποικίλης οὖν πεφωραμένης τῆς

ποιήσεως ἀνωφελὴς ἡ γραμματικὴ μὴ

δυναμένη ἀποδεῖξαι τίσι πιστευτέον ἐστὶν ὡς

ἀληθέσι καὶ τίσιν ἀπιστητέον ὡς μυθικοῖς

ψεύσμασιν

Assim pois revelada a inconstacircncia da poesia

percebe-se a inutilidade da gramaacutetica jaacute que natildeo eacute

capaz de apontar quais coisas devemos crer como

verdadeiras e quais desacreditar como falsos

mitos

[293] Ἀλλὰ πόλει φασὶ χρησίμην εἶναι τὴν

γραμματικήν ἐπεὶ καὶ Λεβεδίοις νίκης αἴτιον

ἐγένετο ltτὸgt59 ἐκ ποιητικῆς μαρτύριον ἕνεκα

δὲ τούτου καὶ τὴν ὀρχηστικὴν ἀναγκαίαν

λέγομεν εἶναι ἐπεὶ Σώστρατος ὁ Ἀντιόχου

ὀρχηστής λαβόντος ὑποχείριον τὴν Πριήνην

τοῦ βασιλέως πατρίδα οὖσαν αὐτοῦ καὶ παρὰ

τὸ συμπόσιον τὴν ἐλευθερίαν ἀναγκαζόμενος

ὀρχεῖσθαι οὐ καλὸν ἔφη τῆς πατρίδος αὐτοῦ

δουλευούσης αὐτὸν ἐλευθερίαν ὀρχεῖσθαι

καὶ διὰ τοῦτο ἐλευθερωθῆναι τὴν πόλιν

Mas se dizem que a gramaacutetica eacute uacutetil para uma

cidade porque os lebedianos obtiveram uma

vitoacuteria agraves custas de uma citaccedilatildeo poeacutetica noacutes

diremos que no que depender dessa relaccedilatildeo

tambeacutem a danccedila eacute necessaacuteria Pois Soacutestrato

bailarino de Antiacuteoco quando o rei tomou sua

cidade natal Priene agrave forccedila ao ser obrigado a

danccedilar no banquete de comemoraccedilatildeo disse natildeo

ser correto danccedilar a danccedila da liberdade enquanto

sua paacutetria era escravizada e por causa disto a

cidade foi libertada174

[294] εἶτα ἄλλο μέν ἐστι τὸ πόλει χρήσιμον

ἄλλο δὲ τὸ ἡμῖν αὐτοῖς σκυτοτομικὴ γοῦν καὶ

χαλκευτικὴ πόλει μέν ἐστιν ἀναγκαῖον ἡμῖν

δὲ χαλκεῦσι γενέσθαι καὶ σκυτοτόμοις πρὸς

εὐδαιμονίαν οὐκ ἀναγκαῖον διόπερ καὶ ἡ

γραμματικὴ οὐκ ἐπεὶ πόλει χρησίμη

καθέστηκεν ἐξ ἀνάγκης καὶ ἡμῖν ἐστιν [ἡ]

τοιαύτη ἡ μὲν γὰρ ὁμιλητικὴ οὐκ ἀπὸ

γραμματικῆς περιγίνεσθαι πέφυκεν ἀλλrsquo ἀπὸ

κοινῆς τινος ἐντρεχείας [295] εἰ μή τι

Aleacutem disso uma coisa eacute ser uacutetil para a cidade

outra eacute ser uacutetil para noacutes mesmos Assim o ofiacutecio

do sapateiro e do ferreiro satildeo necessaacuterios para a

cidade mas natildeo eacute necessaacuterio tornarmo-nos

sapateiros ou ferreiros para alcanccedilar a felicidade

Por isso a gramaacutetica tambeacutem natildeo nos eacute

necessariamente uacutetil mesmo que seja uacutetil para a

cidade Aleacutem do que a sociabilidade natildeo eacute uma

consequecircncia natural da gramaacutetica mas sim de

alguma habilidade geral a natildeo ser que Decircmades o

orador fosse tambeacutem gramaacutetico

καὶ Δημάδης ὁ ῥήτωρ γραμματικὸς ἦν pois feito prisioneiro junto com muitos outros

59 Blank ad loc

188

πολλοῖς τῶν Ἀθηναίων μετὰ τὴν ἐν

Χαιρωνείᾳ ἧτταν συναιχμαλωτισθεὶς καὶ

εἰπὼν πρὸς τὸν Φίλιππον ἀναγκάζοντα

εὐωχεῖσθαι

τίς γάρ κεν ἀνήρ ὃς ἐναίσιμος εἴη

πρὶν τλαίη πάσασθαι ἐδητύος ἠδὲ ποτῆτος

πρὶν λῦσαί θrsquo ἑτάρους καὶ ἐν ὀφθαλμοῖσιν

ἰδέσθαι

atenienses depois da derrota em Queroneia disse a

Felipe que tentava obrigaacute-lo a participar de um

banquete175

Haveraacute quem se julgue dotado de espiacuterito justo

e que se atreva em verdade a tocar em comida

ou bebida

antes de os soacutecios haver libertado e de os ter sob

os olhosrsquo

[Od X 383-385 Trad Carlos Alberto Nunes]

[296] Ταῦτα μὲν οὖν πρὸς τὰς τῶν

γραμματικῶν ἐπιχειρήσεις λεγέσθω

προηγουμένως δὲ ῥητέον ὡς εἰ μὲν μόνοι

ἦσαν οἱ ποιηταὶ βιωφελεῖς τάχα ἂν ἡ

γραμματικὴ βιωφελὴς ἐγίνετο περὶ τούτους

πονουμένη νῦν δὲ ἐπεὶ οὗτοι μὲν ἢ ἀνωφελεῖς

εἰσιν ἢ ὀλιγωφελεῖς φιλόσοφοι δὲ καὶ οἱ

λοιποὶ συγγραφεῖς διδάσκουσι τὰ ὠφέλιμα

τῶν πραγμάτων οὐ δεόμεθα γραμματικῆς

Portanto tais satildeo as objeccedilotildees que se colocam

contra as reinvidicaccedilotildees dos gramaacuteticos Diz-se

principalmente que se apenas os poetas fossem

uacuteteis para a vida talvez a gramaacutetica por se ocupar

deles pudesse vir a ser uacutetil para a vida por ora jaacute

que satildeo de nenhuma ou pouca utilidade e os

filoacutesofos e demais escritores em prosa eacute que

ensinam o que eacute uacutetil natildeo precisamos da

gramaacutetica

[297] καὶ ὅτι οἱ συγγραφεῖς μᾶλλον ἢ οἱ

ποιηταὶ τὰ χρήσιμα τῷ βίῳ δηλοῦσιν

εὐεπιλόγιστον οἱ μὲν γὰρ τοῦ ἀληθοῦς

στοχάζονται οἱ δὲ ἐκ παντὸς ψυχαγωγεῖν

ἐθέλουσιν ψυχαγωγεῖ δὲ μᾶλλον τὸ ψεῦδος ἢ

τἀληθές τοίνυν ἐκείνοις ltμᾶλλονgt ἢ τούτοις

προσεκτέον τοῖς ἐπίτηδες τὸ ψεῦδος

μεταδιώκουσιν

Que os escritores mais que os poetas mostram o

que eacute uacutetil para vida infere-se facilmente Pois o

objetivo dos primeiros eacute a verdade jaacute os outros

querem de toda forma entreter e muito mais que a

verdade eacute a mentira que entreteacutem Assim

devemos preferir nos aliar aos primeiros e natildeo a

estes uacuteltimos que deliberadamente perseguem a

mentira

[298] καθόλου τε ὅσον ἐπὶ τοῖς ποιηταῖς οὐχ

οἷον ἀνωφελὴς τῷ βίῳ ἀλλὰ καὶ

βλαβερωτάτη ἐπιτείχισμα γὰρ ἀνθρωπίνων

παθῶν ἡ ποιητικὴ καθέστηκεν καὶ ὡς

γέρων γέροντι γλῶσσαν ἡδίστην ἔχει οὕτως οἱ

μὲν ἐρωτομανεῖς καὶ μέθυσοι τὰς Ἀλκαίου

καὶ Ἀνακρέοντος ποιήσεις ἀναγνόντες

Em geral no que se refere aos poetas a poesia natildeo

eacute apenas desnecessaacuteria para a vida eacute tambeacutem

muito prejudicial Pois a poesia se faz fortaleza

para as paixotildees humanas e assim como

a mais doce palavra para um velho eacute a de outro

velho [fr adesp 364 Nauck]

os loucos de amor e os becircbados exaltam-se ainda

189

προσεκκαίονται οἱ δὲ ὀργίλοι Ἱππώνακτα καὶ

Ἀρχίλοχον ἀλείπτας ἔχουσι τῆς περὶ αὐτοὺς

κακίας

mais ao lerem a poesia de Alceu e Anacreonte e

os irasciacuteveis tomam por mestres em seus viacutecios a

Hipocircnax e Arquiacuteloco

[299] Τὰ μὲν οὖν ὑπὸ τῶν ἄλλων λεγόμενα

κατὰ τὸν τόπον καὶ μάλιστα τῶν

Ἐπικουρείων ἐστὶ τοιαῦτα ἡμεῖς δὲ μηδὲν

κατειπόντες τῆς ποιητικῆς ἄλλως ποιώμεθα

τὰς ἀντιρρήσεις πρὸς τοὺς ἀξιοῦντας

γραμματικὴν ἔχειν τέχνην τῶν παρὰ ποιηταῖς

καὶ συγγραφεῦσι λεγομένων διαγνωστικήν

Pois bem isso eacute o que outros dizem sobre o

assunto principalmente os epicuristas levantemos

noacutes que natildeo temos nada contra a poesia outro

tipo de refutaccedilotildees contra aqueles que creem

possuir na gramaacutetica uma arte para discriminar o

que eacute dito por poetas e escritores176

[300] ἐπεὶ τοίνυν πᾶν σύγγραμμα καὶ πᾶσα

ποίησις ἐκ λέξεων τῶν δηλουσῶν καὶ

πραγμάτων τῶν δηλουμένων συνέστηκε

δεήσει τὸν γραμματικόν εἴπερ ἔχει τέχνην

διαρθρωτικὴν τῶν παρὰ συγγραφεῦσι καὶ

ποιηταῖς λεγομένων ἤτοι τὰς λέξεις μόνον ἢ

τὰ ὑποκείμενα πράγματα γινώσκειν ἢ τὸ

συναμφότερον ἀλλὰ τὰ μὲν πράγματα κἂν

ἡμεῖς μὴ λέγωμεν φαίνεται μὴ γινώσκειν

τούτων γὰρ τὰ μέν ἐστι φυσικὰ τὰ δὲ

μαθηματικὰ τὰ δὲ ἰατρικὰ τὰ δὲ μουσικά καὶ

δεῖ τὸν μὲν φυσικοῖς ἐπιβάλλοντα πράγμασιν

εὐθὺς φυσικὸν εἶναι καὶ τὸν μουσικοῖς

μουσικὸν εἶναι καὶ τὸν μαθηματικοῖς εὐθὺς

εἶναι μαθηματικόν καὶ ἐπὶ τῶν ἄλλων

ὁμοίως ὁ μέντοι γραμματικὸς ltὅτιgt οὔκ

ἐστιν ἐν τῷ αὐτῷ πάνσοφος καὶ πάσης

ἐπιστήμης δαήμων σὺν τῷ καὶ αὐτόθεν

προσπίπτειν ἔτι κἀκ τῶν ἀποτελεσμάτων

ἐλέγχεται

Assim como toda composiccedilatildeo em prosa ou poesia

consiste de palavras e de coisas ou seja palavras

que expressam coisas e coisas expressadas por

palavras o gramaacutetico se possui a arte de analisar

o que eacute dito por poetas e prosadores deve

conhecer ou somente as palavras ou somente as

coisas subjacentes ou ambas juntas E natildeo eacute

preciso dizer parece que natildeo conhece as coisas

Com efeito trata-se de coisas que satildeo proacuteprias

tanto do estudo da natureza quanto da astronomia

ou da medicina e tambeacutem da muacutesica E conveacutem

agravequele que lida com coisas da natureza ser

obviamente um filoacutesofo da natureza da muacutesica

conveacutem ser muacutesico da astronomia ser claro um

astrocircnomo e assim por diante Mas o gramaacutetico

certamente natildeo eacute algueacutem que ao mesmo tempo eacute

saacutebio em tudo e domina todas as aacutereas do

conhecimento (episteme) o que aleacutem de ser

imediatamente oacutebvio tambeacutem se prova atraveacutes de

resultados177

[301] ποῦ γάρ τις δύναται τῶν ὠφρυωμένων

γραμματικῶν Ἡράκλειτον συνεῖναι καὶ

Πλάτωνι παρακολουθῆσαι λέγοντι

Pois onde estaacute tatildeo orgulhoso gramaacutetico que eacute

capaz de entender Heraacuteclito178 ou acompanhar

Platatildeo quando ele diz

190

rsquoτῆς ἀμερίστου καὶ ἀεὶ κατὰ ταὐτὰ ἐχούσης

οὐσίας καὶ τῆς περὶ τὰ σώματα μεριστῆς τρίτον

ἐξ ἀμφοῖν συνεκεράσατο οὐσίας εἶδος τῆς τε

ταὐτοῦ φύσεως καὶ τῆς θατέρουrsquo

καὶ ἤδη τὰ ἑξῆς 60 ἢ ποῦ τοῖς Χρυσίππου

διαλεκτικοῖς θεωρήμασιν ἢ Ἀρχιμήδους τε

καὶ Εὐδόξου μαθηματικοῖς ἐπιβάλλειν

ἰσχύσει

ldquodo que tem substacircncia indivisiacutevel e sempre na

mesma condiccedilatildeo e da substacircncia que estaacute dividida

em vaacuterios corpos misturando ambas compocircs uma

terceira forma com natureza de uma e de outrardquo179

[Timeu 35a]

e a sequecircncia ou que teria forccedila para lanccedilar-se aos

teoremas dialeacuteticos de Crisipo ou aos

matemaacuteticos de Eudoxo e Arquimedes

[302] καὶ μὴν ὡς ἐν τούτοις ἐστὶ τυφλός

οὕτω κἀν τοῖς περὶ αὐτῶν γραφεῖσι

ποιήμασιν οἷον Ἐμπεδοκλέους λέγοντος

χαίρετrsquo ἐγὼ δrsquo ὑμῖν θεὸς ἄμβροτος οὐκέτι

θνητός

πωλεῦμαι μετὰ πᾶσι τετιμένος

καὶ πάλιν

ἀλλὰ τί τοῖσδrsquo ἐπίκειμrsquo ὡσεὶ μέγα χρῆμά τι

πράσσων

εἰ θνητῶν περίειμι πολυφθερέων ἀνθρώπων

ὁ μὲν γὰρ γραμματικὸς καὶ ὁ ἰδιώτης

ὑπολήψονται κατrsquo ἀλαζονείαν καὶ τὴν πρὸς

τοὺς ἄλλους ἀνθρώπους ὑπεροψίαν ταῦτrsquo

ἀνεφθέγχθαι τὸν φιλόσοφον ὅπερ ἀλλότριόν

ἐστι τοῦ κἂν μετρίαν ἕξιν ἐν φιλοσοφίᾳ

ἔχοντος οὐχ ὅτι γε τοῦ τοσούτου ἀνδρός

Certamente da mesma maneira que estaacute como

cego em meio a estas coisas tambeacutem estaria em

meio aos poemas escritos sobre elas por exemplo

quando Empeacutedoles180 diz

Eu vos sauacutedo como um deus entre voacutes natildeo mais

mortal

e vou honrado por todos181 [B 112 4-5 DK]

e tambeacutem

Mas por que me debruccedilo sobre isto como se fosse

importante

se sou superior aos homens mortais tatildeo

pereciacuteveis [B 113 DK]

Gramaacutetico e homem comum iriam supor que o

filoacutesofo se expressou assim por ser pretensioso e

desprezar os outros homens ndashcomportamento que

seria estranho mesmo em algueacutem medianamente

versado em filosofia sem falar de um homem da

envergadura de Empeacutedocles

[303] ὁ δὲ ἀπὸ φυσικῆς ὁρμώμενος θεωρίας

σαφῶς γινώσκων ὅτι ἀρχαῖον ὅλως τὸ δόγμα

ἐστί τοῖς ὁμοίοις τὰ ὅμοια γιγνώσκεσθαι

ὅπερ ἀπὸ Πυθαγόρου δοκοῦν κατεληλυθέναι

Mas quem parte da teoria natural compreende

claramente que a doutrina de que pelo similar se

conhece o similar eacute realmente antiga procede

supotildee-se de Pitaacutegoras e aparece mesmo no Timeu

60 Blank ad loc deleta ndash περὶ τὴν λέξιν πάντες οἱ Πλάτωνος ἐξηγηταὶ ἐσίγησαν ndash(sobre esta passagem todos os inteacuterpretes de Platatildeo guardaram silecircncio) Dalimier ad loc manteacutem a passagem e modifica τὰ ἑξῆς (anterior agrave supressatildeo de Blank) por τὸ ἑξῆς obtendo assim lsquoo significado atribuiacutedo agrave expressatildeo foi mantido em segredo por todos os comentadores de Platatildeorsquo

191

κεῖται μὲν καὶ παρὰ Πλάτωνι ἐν τῷ Τιμαίῳ

εἴρηται δὲ πολὺ πρότερον ὑπrsquo αὐτοῦ

Ἐμπεδοκλέους

γαίῃ μὲν γὰρ γαῖαν ὀπώπαμεν ὕδατι δrsquo

ὕδωρ

ἠέρι δrsquo ἠέρα δῖον ἀτὰρ πυρὶ πῦρ ἀίδηλον

στοργὴν δὲ στοργῇ νεῖκος δέ τε νείκεϊ

λυγρῷ

συνήσει ὅτι ὁ Ἐμπεδοκλῆς θεὸν ἑαυτὸν

προσηγόρευσεν ἐπεὶ μόνος καθαρὸν ἀπὸ

κακίας τηρήσας τὸν νοῦν καὶ ἀνεπιθόλωτον

τῷ ἐν ἑαυτῷ θεῷ τὸν ἐκτὸς θεὸν κατείληφεν

de Platatildeo aleacutem de ter sido expressa muito antes

pelo proacuteprio Empeacutedocles

Pois pela terra entendemos a terra pela aacutegua a

aacutegua

pelo eacuteter o eacuteter divino e pelo fogo o fogo que

destroacutei

pelo amor o amor e a violecircncia pela violecircncia

que corrompe [B109 DK]

assim esse homem compreenderaacute que

Empeacutedocles nomeou a si mesmo lsquodeusrsquo porque

somente ele preservou sua mente livre de maldade

e impureza e compreendeu o deus exterior atraveacutes

do deus em si mesmo182

[304] Ἀράτου τε μὴν γράφοντος

ὅσσον ἀπrsquo ὀφθαλμοῖο βολῆς ἀπολάμπεται

αὐγή

ἑξάκις ἂν τόσση μιν ὑποδράμοι αὐτὰρ ἑκάστη

ἴση μετρηθεῖσα δύω περιτέλλεται ἄστρα

οὐ γραμματικοῦ τοῦτο νοῆσαι ὅτι ἡλίκη

ἐστὶν ἡ ἀπὸ τῆς ἡμῶν ὄψεως πρὸς τὴν

ἀνατολὴν ἐκβαλλομένη εὐθεῖα ἑξάκις αὕτη

ληφθεῖσα τὸν ζῳδιακὸν καταμετρήσει κύκλον

ὥστε δύο αὐτὴν ἀποτέμνεσθαι ζῴδια ἀλλὰ

μαθηματικοῦ γραμμικῶς αὐτὸ

ἀποδεικνύντος ὅτι τὸ ἕκτον τοῦ ζωδιακοῦ

κύκλου μέρος ἐπὶ61 τῆς μέχρι τῆς ἀνατολῆς

ἐκβαλλομένης εὐθείας καθέστηκεν

Quando Arato escreve

O brilho do raio que parte do olho

seis vezes percorrido em si mesmo e cada um

de igual medida dois astros zodiacais

comporta183

[Phaenomena 541-3]

natildeo eacute coisa de gramaacutetico saber que a medida da

linha reta que parte de nossos olhos ao orto solar

se multiplicada seis vezes daraacute a medida do

ciacuterculo zodiacal de tal forma que ela proacutepria

cortaraacute dois signos do zodiacuteaco Mas um

matemaacutetico sim ele demonstra geometricamente

(grammikos)184 que a sexta parte do ciacuterculo do

zodiacuteaco fica sobre a linha reta traccedilada ateacute o orto

solar

[305] Τίμωνός τε τοῦ Φλιασίου τὸν Πύρρωνα

ἡλίῳ ἀπεικάζοντος ἐν οἷς φησι

μοῦνος δrsquo ἀνθρώποισι θεοῦ τρόπον

ἡγεμονεύεις

Quando Tiacutemon de Fliunte compara Pirro ao sol

dizendo

Sozinho aos homens governas como o deus

em circular caminhada rodeia toda a terra

61 Blank ad loc com Blomqvist p 12 ss Por ἀπὸ

192

ὃς περὶ πᾶσαν ἐλῶν γαῖαν ἀναστρέφεται

δεικνὺς εὐτόρνου σφαίρας πυρικαύτορα

κύκλον

δόξει μὲν τοῖς γραμματικοῖς κατὰ τιμὴν αὐτὸ

λέγειν καὶ διὰ τὴν περὶ τὸν φιλόσοφον

ἐπιφάνειαν ἄλλος δὲ ἐπιστήσει μήποτε καὶ

μάχεται τὰ παραδείγματα62 τῷ σκεπτικῷ

βουλήματι τὰ ὑπὸ τοῦ Φλιασίου εἰς τὸν

Πύρρωνα λεχθέντα εἴγε ὁ μὲν ἥλιος τὰ

πρότερον μὴ βλεπόμενα τῷ φωτὶ καταυγάζων

δείκνυσιν ὁ δὲ Πύρρων καὶ τὰ προδήλως

ἡμῖν ληφθέντα τῶν πραγμάτων εἰς ἀδηλότητα

περισπᾶν βιάζεται

e deixa ver o orbe ardente em fogo de sua bem

lavrada esfera [fr8415-7Lloyd-JonesParsons]185

para os gramaacuteticos vai parecer que o diz por

honrarias e para aumentar a fama acerca do

filoacutesofo Mas outra pessoa poderaacute verificar que

provavelmente isso que diz de Pirro estaacute em

conflito com os exemplos que Tiacutemon apresenta

para as aspiraccedilotildees ceacuteticas pois se o sol ilumina o

que antes natildeo se via e o revela Pirro ao contraacuterio

lanccedila violentamente para a obscuridade o que

antes estava claro para noacutes

[306] τὸ δὲ οὐχ οὕτως ἔχειν φαίνεται τῷ

φιλοσοφώτερον ἐπιβάλλοντι ἀλλrsquo ἡλίου

τρόπον ἐπέχειν φησὶ τὸν Πύρρωνα καθόσον

ltὡςgt ὁ θεὸς τὰς τῶν ἀκριβῶς εἰς αὐτὸν

ἀτενιζόντων ὄψεις ἀμαυροῖ οὕτω καὶ ὁ

σκεπτικὸς λόγος τὸ τῆς διανοίας ὄμμα τῶν

ἐπιμελέστερον αὐτῷ προσεχόντων συγχεῖ

ὥστε ἀκαταληπτεῖν περὶ ἑκάστου τῶν κατὰ

δογματικὴν θρασύτητα τιθεμένων

No entanto para quem tem uma abordagem mais

filosoacutefica eacute niacutetido que natildeo eacute isso Diraacute que Pirro agrave

maneira do sol faz suspender o julgamento da

mesma forma que o deus obscurece os olhos

daqueles que o encaram diretamente o raciociacutenio

ceacutetico confunde os olhos do entendimento dos que

lhe dedicam uma atenccedilatildeo concentrada assim cada

um dos argumentos que nos oferece a excessiva

arrogacircncia dogmaacutetica se torna inapreensiacutevel

[307] εἰ δὲ δεῖ περὶ ἰατρικῆς διεξέρχεσθαι

θεωρίας καὶ παριστᾶν ltἔστινgt63 ὡς καὶ

ἐπίθετον πολλάκις προσριφὲν ὑπὸ ποιητοῦ

βαθὺν ἐμφαίνει καὶ ἐπιστημονικὸν νοῦν οἷόν

ἐστι τὸ lsquoβαθύσχοινον λεχεποίηνrsquo παρrsquo

Ὁμήρῳ σημαίνει γάρ ὃ μὴ δύναται νοῆσαι

γραμματικός ltὅτιgt παραστατικὸν πρὸς

συνουσίαν ἐστὶ τὸ τῆς σχοίνου σπέρμα λέχος

καλοῦντος τοῦ ποιητοῦ τὴν μῖξιν

E se eacute preciso estender a discussatildeo para a teoria

meacutedica tambeacutem acontece de muitas vezes um

adjetivo dito sem mais pelo poeta revelar um

sentido profundo e cientiacutefico como por exemplo

lsquoleito feito de juncos densosrsquo usado por Homero

[Iliacuteada IV 383] cujo significado um gramaacutetico

natildeo pode alcanccedilar que a semente do junco

encoraja a relaccedilatildeo sexual e o poeta chama lsquoleitorsquo

ao ato sexual186

[308] ἢ τὸ παρὰ τῷ Εὐριπίδῃ ἐπὶ τῇ Ou o que eacute dito por Euriacutepides acerca da filha de

62 Blank ad loc com Giusta p 429 reteacutem τὰ παραδείγματα 63 Blank ad loc com Bury que segue Hervetus

193

Λυκομήδους θυγατρὶ Δηιδαμείᾳ λεγόμενον˙

ἡ παῖς νοσεῖ σου κἀπικινδύνως ἔχει

πρὸς τοῦ τίς αὐτὴν πημονὴ δαμάζεται

μῶν κρυμὸς αὐτῆς πλευρὰ γυμνάζει χολῆς

πυνθάνεται γὰρ μή τι πλευριτικὴ γέγονε διὰ

τὸ τοὺς πλευριτικοὺς βήσσοντας ὑπόχολον

ἀνάγειν ὧν οὐδὲν οἶδεν ὁ γραμματικός

Licomedes Deidacircmia

Sua filha estaacute doente e estaacute correndo risco

Por quecirc Que intruso a agride

Acaso natildeo eacute um frio que molesta seu flanco com

bile [Frag 682 Nauck2]

Pois estaacute perguntando se ela natildeo sofre de pleurisia

jaacute que os que padecem dessa enfermidade tossem

bile Nada disso sabe o gramaacutetico

[309] Καίτοι περιττὸν ἴσως ἐστὶν ἀπὸ τῶν

ἀρχαιοτέρων καὶ τάχα ἐπιστημονικῶν

δυσωπεῖν τοὺς ἀπὸ τῆς γραμματικῆς ὅτε καὶ

τὸ τυχὸν ἐπιγραμμάτιον οὐχ οἷοί τέ εἰσι

νοῆσαι καθάπερ καὶ τὸ ὑπὸ τοῦ Καλλιμάχου

εἰς Διόδωρον τὸν Κρόνον συγγραφέν

ἠνίδε κου κόρακες τεγέων ἔπι lsquoκοῖα συνῆπταιrsquo

κρώζουσιν καὶ lsquoκῶς αὖθι γενησόμεθαrsquo

Contudo talvez seja demasiado constranger os

que se dedicam agrave gramaacutetica com questotildees sobre

coisas muito antigas e provavelmente especiacuteficas

quando natildeo satildeo sequer capazes de compreender

um epigrama qualquer como por exemplo o que

escreveu Caliacutemaco187 para Diodoro Crono

Ouccedila os corvos sobre os telhados gralhando ldquoDe

que tipo satildeo as condicionaisrsquo e lsquoComo

nasceremos de novorsquo [Frag 393 3 Pfeiffer]

[310] ὅτι γὰρ διαλεκτικώτατος ἦν ὁ Κρόνος

καὶ ἐδίδασκε πῶς κριτέον ἐστὶ τὸ ὑγιὲς

συνημμένον ὥστε διὰ τὸ ἐπικρατεῖν ἤδη τὴν

διδασκαλίαν καὶ τοὺς ἐπὶ τῶν δωμάτων

κόρακας ἐκ πολλῆς τῆς κατηχήσεως κράζειν

τὴν κατrsquo αὐτὸν τοῦ συνημμένου κρίσιν εἴποι

ἂν ὁ γραμματικός καὶ μέχρι τούτου συνήσει

τὸ καὶ παιδίοις γνώριμον

Pois Crono188 era um grande dialeacutetico e ensinava

como se deve julgar a validade das proposiccedilotildees

condicionais189 de forma que por causa da

influecircncia de seus ensinamentos ateacute mesmo os

corvos sobre as casas de tanto ouvirem

gralhavam seu criteacuterio para as proposiccedilotildees

condicionais Isto diria o gramaacutetico e ateacute aqui natildeo

vai aleacutem do que sabem mesmo as crianccedilas

[311] ἐλθὼν δὲ καὶ ἐπὶ τὸ lsquoκαὶ κῶς αὖθι

γενησόμεθαrsquo ἡσυχάσει μὴ εὑρίσκων τὸ

δηλούμενον πρᾶγμα φιλοσόφου γὰρ ἦν εἰπεῖν

ὅτι ἀρέσκει τῷ Διοδώρῳ μηδὲν κινεῖσθαι τὸ

γὰρ κινούμενον ἤτοι ἐν ᾧ ἔστι τόπῳ κινεῖται

ἢ ἐν ᾧ μὴ ἔστιν οὔτε δὲ τὸ πρῶτον οὔτε τὸ

δεύτερον οὐκ ἄρα κινεῖταί τι τῷ δὲ μηδὲν

κινεῖσθαι τὸ μηδὲν φθείρεσθαι ἀκολουθεῖ

Mas quando chega a lsquocomo nasceremos de novorsquo

cala-se por natildeo encontrar o objeto a que se refere

Pois eacute tarefa do filoacutesofo dizer que a opiniatildeo de

Diodoro eacute a de que nada se move190 Pois o que se

move ou se move no lugar em que estaacute ou no

lugar em que natildeo estaacute e natildeo se move no primeiro

nem no segundo logo natildeo se move Se nada se

move nada perece

194

[312] ὡς γὰρ διὰ τὸ μήτε ἐν ᾧ ἔστι τόπῳ

κινεῖσθαί τι μήτε ἐν ᾧ μή ἐστιν οὐδὲν

κινεῖται οὕτως ἐπεὶ τὸ ζῷον οὔτε ἐν ᾧ ζῇ

χρόνῳ ἀποθνῄσκει οὔτε ἐν ᾧ μὴ ζῇ οὐδέποτε

ἄρα ἀποθνῄσκει εἰ δὲ τοῦτο ἀεὶ ζῶντες κατrsquo

αὐτὸν καὶ αὖθις γενησόμεθα

Pois assim como nada se move jaacute que natildeo se

move no lugar em que estaacute nem tampouco no que

natildeo estaacute do mesmo modo o que estaacute vivo natildeo

morre quando estaacute vivo nem tampouco quando

natildeo estaacute vivo consequentemente natildeo morre

nunca E se eacute assim vivemos para sempre

segundo ele e nasceremos de novo191

[313] Οὐκοῦν τὰ μὲν πράγματα οὐ νοοῦσιν οἱ

γραμματικοί λείπεται τοίνυν τὰ ὀνόματα

νοεῖν αὐτούς ὃ πάλιν ἐστὶ ληρῶδες πρῶτον

μὲν γὰρ οὐδὲν ἔχουσι τεχνικὸν εἰς τὸ λέξιν

γινώσκειν οὐδὲ γὰρ ἐκ τέχνης τινὸς

μεμαθήκασιν ὅτι οἱ παρὰ τῷ Σοφοκλεῖ

ποιμένες lsquoἰὼ βαλλήνrsquo λέγοντες lsquoἰὼ βασιλεῦrsquo

λέγουσι φρυγιστί ἀλλὰ παρrsquo ἄλλων

ἀκούσαντες διήνεγκε δὲ οὐδὲν ἢ βαρβάρου

λέξεως ἑρμηνευτὰς γίνεσθαι ἢ τῆς κατὰ

γλῶσσαν προενεχθείσης ὁμοίως οὔσης

ἀσυνήθους ἡμῖν

Portanto os gramaacuteticos natildeo compreendem as

coisas a que as palavras se referem Faltou entatildeo

considerar que compreendam as palavras o que eacute

novamente um disparate Primeiro porque natildeo

possuem teacutecnica para conhecer a palavra De fato

natildeo foi a partir de nenhuma arte que ficaram

sabendo que os pastores em Soacutefocles quando

dizem lsquoio ballenrsquo estatildeo dizendo lsquoio basileursquo ou

seja lsquoAi reirsquo em friacutegio [Frag 515 Radt] mas

porque ouviram de outros E natildeo haveraacute diferenccedila

entre interpretar palavras estrangeiras ou aquelas

raras pois satildeo igualmente incomuns para noacutes192

[314] εἶτα καὶ τοῦτrsquo ἀδύνατόν ἐστιν ἀπείρων

οὐσῶν λέξεων καὶ ἄλλως παρrsquo ἄλλοις

ὀνοματοποιηθεισῶν ἢ ἐπὶ πράγμασιν οἷς ἡμεῖς

οὐκ ἴσμεν τεθεισῶν οἷόν ἐστι τὸ

ltlsquoἐβαρβάριζε τὸ ὅλον ἕλκη ἔχον ἐν τῇ χειρίrsquo

τοῦ μὲνgt ἐβαρβάριζεν ἀντὶ τοῦ ἐσύριζε

κειμένου βάρβαροι γὰρ οἱ Σύροι τοῦ δὲ ὅλου

ἀντὶ τοῦ παντός ὅλον γὰρ καὶ πᾶν

συνώνυμον τοῦ δὲ ἕλκους ἀντὶ τῆς σύριγγος

εἶδος γὰρ ἕλκους ἡ σύριγξ ὥστε τὸ ὅλον

γίνεσθαι τοιοῦτον lsquoἐσύριζεν ὁ Πάν σύριγγας

ἔχων ἐν τῇ χειρίrsquo

Segundo tal coisa eacute impossiacutevel porque as

palavras satildeo infinitas e se formam de inuacutemeras

maneiras diferentes em lugares diferentes ou satildeo

usadas para nomear coisas que sequer

conhecemos Como por exemplo lsquofalava

inteiramente como um estrangeiro com as matildeos

feridasrsquo onde lsquofalar como um estrangeirorsquo estaacute por

lsquotocar siringersquo (esyrize) pois os siacuterios satildeo

estrangeiros e lsquointeiramentersquo (holon) estaacute por

lsquotodorsquo (pan) ou seja lsquopanrsquo que soa como Patilde e

lsquoferidarsquo estaacute por lsquosiringersquo jaacute que uma flauta tem

aberturas como feridas E assim a frase toda seria

algo como lsquoTocou Patilde com sua siringe em

matildeosrsquo193

195

[315] ἄλλως τε καὶ ποῦ ἴσασιν ἐνίας τῶν

ἐπιστημονικῶν λέξεων οἱ γραμματικοί

καθάπερ τὴν παρὰ Ἀριστοτέλει ἐντελέχειαν ἢ

τὸ τί ἦν εἶναι ἢ ποῦ συνήσουσι τίνα δύναμιν

ἔχει παρὰ σκεπτικοῖς ἡ lsquoοὐδὲν μᾶλλονrsquo φωνή

πότερον πυσματική ἐστιν ἢ ἀξιωματική καὶ

ἐπὶ τίνος τάσσεται ἆρά γε τοῦ ἐκτὸς

ὑποκειμένου ἢ τοῦ περὶ ἡμᾶς πάθους

Aleacutem disso como os gramaacuteticos saberiam o que

significam certas palavras cientiacuteficas como por

exemplo lsquoa enteleacutequiarsquo ou o lsquoo que era para serrsquo

(to ti en einai) de Aristoacuteteles194 Ou como

entenderatildeo a forccedila que tem junto aos ceacuteticos a

expressatildeo lsquonada eacute maisrsquo (ouden mallon) Se eacute

interrogativa ou declarativa e a que se aplica ao

que nos eacute exterior (to ektos hupokeimenon) ou a

nossos sentimentos (pathoi)195

[316] τί δὲ καὶ ἐροῦσιν ἐκ λέξεών τινων

συντεθέντος τινὸς ποιήματος

εἰ64 γάρ σοι δισσοῖσιν ὑπrsquo οὔρεσι διττὸς

ἐραστὴς

ἔφθιτο καὶ νεάτην μοῖραν ἔθηκε φύσιν

ἄρθρῳ ἐν ἀσπιδόεντι βεβηκότα γυῖα καθrsquo

ὁλμοῦ

βλαισὰ τροχαντήρων ἄχρι περιστρέφετο

σμερδαλέαι δrsquo ὑπένερθεν ἀλώπεκες ἄχρι

δοχαίης

αἰῶνος χαλαρὴς σύνδραμον ἁρμονίης65

E o que diratildeo de tal poema composto em termos

tais

Poderias tu sob as montanhas gecircmeas como dois

amantes

perecer e por destino uma natureza mais baixa

adquirir

Membros articulados igual serpente o corpo

todo

do tronco ao trocacircnter revolvendo-se

e por baixo do receptaacuteculo terriacuteveis raposas

reuacutenem-se

pela eternidade da harmonia do amante196

[317] τοὺς γὰρ ἐραστὰς οἵτινές εἰσι καὶ τὰ

ὄρη καὶ τὸ ἀσπιδόεν ἄρθρον καὶ τοὺς

τροχαντῆρας ἔτι δὲ καὶ τὸν ὅλμον καὶ τὰς

ἀλώπεκας δοχαίην τε καὶ αἰῶνα καὶ ἁρμονίαν

μήτε τροπικῶς μήτε κατὰ ἱστορίαν ἀλλὰ

κυρίως ἐξενεχθέντα ὀνόματα κἂν μυριάκις

ἐπιστήσωσιν οὐ συνήσουσιν

Quem satildeo os lsquoamantesrsquo as lsquomontanhasrsquo a

lsquoarticulaccedilatildeo igual serpentersquo ou o lsquotrocacircnterrsquo ou o

lsquotroncorsquo ou as lsquoraposasrsquo ou o lsquoreceptaacuteculorsquo ou a

lsquoeternidadersquo ou a lsquoharmoniarsquo minus e natildeo satildeo

expressotildees figurativas ou cujo sentido se precisa

levantar historicamente mas estatildeo sendo usadas

em um sentido proacuteprio (kurios)197 Ainda que mil

vezes o vasculhem natildeo compreenderatildeo

[318] Εἰ οὖν μήτε τὰ πράγματα μήτε τὰς

λέξεις ἴσασιν παρὰ δὲ ταῦτα οὐδέν ἐστιν ἡ

Portanto se natildeo conhecem nem as coisas e nem as

palavras e prosa e poesia satildeo isto e nada mais

64 Blank ad loc com Blomqvist p 17 Por ἦ nos MSS 65 Blank ad loc modificaccedilotildees com Blomqvist p 13-18 Por ὁλμοῦ βᾶσα περιστρέφεται σμερδαλέα ἀλώπεκος χαλαρὰν σύνδρομον

196

ποίησις ἢ τὸ σύγγραμμα οὐκ ἂν ἔχοιεν

τέχνην ἐξηγητικὴν τῶν παρὰ ποιηταῖς καὶ

συγγραφεῦσι λεγομένων ἄλλως τε καὶ εἰ

χρῄζομεν γραμματικῆς ἐπὶ τῶν ἀρίστων

ποιημάτων χρῄζομεν ἀλλrsquo οὐ τῶν μοχθηρῶν

ἄριστον δὲ ποίημά ἐστι κατrsquo αὐτοὺς τὸ σαφές

eles natildeo teriam uma arte interpretativa do que eacute

dito por poetas e escritores Aleacutem disso se

focircssemos fazer uso da gramaacutetica seria para os

melhores poemas e natildeo para os ruins Mas de

acordo com eles o melhor poema eacute o que estaacute

claro

[319] ἀρετὴ γὰρ ποιήματος ἡ σαφήνεια καὶ

μοχθηρὸν τὸ ἀσαφὲς παρὰ γραμματικῇ οὔτε

οὖν ἐπὶ ἀρίστου ἐστὶ ποιήματος χρειώδης διὰ

τὸ μὴ δεῖσθαι ἐξηγήσεως σαφὲς ὄν οὔτε ἐπὶ

τοῦ μοχθηροῦ διὰ τὸ αὐτόθεν εἶναι μοχθηρόν

pois a clareza eacute excelecircncia (arete) em um poema

e aquele a que falta clareza eacute um poema ruim

segundo a gramaacutetica Assim portanto a gramaacutetica

natildeo tem utilidade quando se trata de um poema

muito bom que natildeo precisa de explicaccedilatildeo porque

ele estaacute claro nem eacute uacutetil para o poema ruim

porque ele eacute de imediato ruim198

[320] τό τε ἀνεπικρίτως διαφωνούμενον

ἀκατάληπτόν ἐστιν ἀνεπικρίτως δrsquo ἔτι

διαφωνοῦσιν ἐν ταῖς ἐξηγήσεσιν οἱ

γραμματικοὶ περὶ τῆς τοῦ συγγραφέως

διανοίας ἀκατάληπτος ἄρα ἐστὶν ἡ τοῦ

συγγραφέως διάνοια καὶ διὰ τοῦτο ἄχρηστος

ἡ γραμματική

Ἀλλὰ γὰρ πρὸς μὲν τοὺς ἀπὸ τούτου τοῦ

μαθήματος ἀναγομένους ἐπὶ τοσοῦτον

εἰρήσθω ἀπrsquo ἄλλης δὲ ἀρχῆς σκεψώμεθα καὶ

πρὸς τοὺς ῥήτορας ἃ δεῖ λέγειν

E aquilo sobre que se discorda indefinidamente eacute

inapreensiacutevel e os gramaacuteticos discordam

indefinidamente acerca das interpretaccedilotildees do

pensamento (dianoia) dos escritores Logo

inapreensiacutevel eacute o pensamento dos escritores e por

isso a gramaacutetica eacute inuacutetil

Poreacutem contra os que se dedicam a esta

disciplina certamente deve bastar o que jaacute foi

dito E a partir de outro princiacutepio vamos

considerar o que precisa ser dito contra os

retoacutericos

197

21 NOTAS DE FIM

1 Pedimos desculpas pela formataccedilatildeo inadequada poreacutem uma vez inseridos os textos desta forma natildeo nos foi possiacutevel modificaacute-los para esta versatildeo 2 Procuramos diferenciar o uso de antirrhesis (lsquoataquersquo ou lsquoreacuteplicarsquo lsquocontra-argumentorsquo) e o uso dos termos da famiacutelia de elenkhos (lsquorefutaccedilatildeorsquo) os dois provavemente podem ser considerados sinocircnimos em muitos contextos contudo ao menos nos dois livros aqui traduzidos antirrhesis (lsquoataquersquo) parece ter uma conotaccedilatildeo mais geral ver sect 39 enquanto elenkhos (lsquorefutaccedilatildeorsquo) parece referir-se propriamente ao procedimento argumentativo em que se expotildee a contradiccedilatildeo nas teses dos adversaacuterios 3 Sexto Empiacuterico contrapotildee logo de iniacutecio epicuristas e pirrocircnicos informando-nos que ambos atacaram estes estudos com criacuteticas que teriam se distinguido pela lsquodisposiccedilatildeorsquo (diathesis) ou seja pelos lsquomotivosrsquo mas natildeo necessariamente pelo meacutetodo ou conteuacutedo supomos Obviamente Sexto traccedila uma fronteira entre o dogmatismo dos epicuristas e o posicionamento ceacutetico dos pirrocircnicos por isso eacute importante para ele contrapor lsquomotivaccedilotildeesrsquo pois os argumentos epicuristas satildeo parte essencial da artilharia que seraacute utilizada por Sexto na invectiva contra os lsquoestudos especializadosrsquo Os motivos imputados a Epicuro e a seus seguidores satildeo no entanto uma coleccedilatildeo de lugares comuns A hostilidade de Epicuro contra as tekhnai era ceacutelebre na antiguidade 4 Ta mathemata uma das traduccedilotildees possiacuteveis para este termo e que costuma aparecer em diversas liacutenguas eacute o equivalente ao portuguecircs lsquoartes liberaisrsquo Encontramos por exemplo a traduccedilatildeo de Blank (1998) ldquoliberal studiesrdquo Cavero (1997) ldquodisciplinas liberalesrdquo mas Dalimier (2002) ldquoeacutetudesrdquo ou Bury (1949) ldquoArts and Sciencesrdquo A questatildeo que se coloca eacute a relaccedilatildeo entre o grupo de disciplinas abordado por Sexto (satildeo seis gramaacutetica retoacuterica geometria aritmeacutetica astrologia muacutesica) e aquele das sete artes liberais (trivium gramaacutetica retoacuterica dialeacutetica e quadrivium geometria aritmeacutetica astronomia muacutesica) que compotildeem o curriacuteculo escolar medieval bem estabelecido agrave eacutepoca de Santo Agostinho A semelhanccedila entre os dois grupos eacute oacutebvia e satildeo muitos os elementos histoacutericos que nos permitem acompanhar o processo de canonizaccedilatildeo das sete disciplinas medievais durante a antiguidade com raiacutezes muito anteriores agrave obra de Sexto Empiacuterico (em Fiacutelon de Alexandria por exemplo ou mesmo em Platatildeo e Secircneca) mas o que procuramos evitar em nossa traduccedilatildeo eacute a imediata associaccedilatildeo do termo com a posterior tradiccedilatildeo escolaacutestica Embora Sexto pareccedila sugerir que as enkuklia mathemata estavam padronizadas e em outro momento use o termo lsquoartes liberaisrsquo (hai eleutherai tekhnai) (M 2 57) entendemos que com isso estivesse indicando um assunto de domiacutenio comum ao menos entre os intelectuais por ser este o termo geneacuterico aplicado aos estudos ciacuteclicos superiores (em oposiccedilatildeo a disciplinas baacutesicas da educaccedilatildeo infantil) ou

198

intermediaacuteriospreparatoacuterios (entre os estudos baacutesicos e o estudo filosoacutefico) Aquilo de que discordamos eacute a suposiccedilatildeo de que este ciclo de disciplinas estivesse fechado e consagrado curricularmente agrave eacutepoca de Sexto Sexto em outro contexto refere-se tambeacutem agrave medicina como logikon mathema (M 2 51) medicina e arquitetura satildeo outras duas disciplinas comumente presentes nas listas das lsquoartes liberaisrsquo durante a antiguidade Por outro lado eacute verdade que os posicionamentos a respeito de quais disciplinas fariam parte do quadro destes estudos natildeo satildeo tatildeo discrepantes e de maneira ampla parece haver algum consenso geral acerca da fronteira que separa lsquoestudos liberaisrsquo de estudos ocupacionais profissionais ou mecacircnicos aqueles direcionados a propoacutesitos econocircmicos e natildeo intelectuais Mas enquanto se pode apontar uma equivalecircncia entre as listas natildeo se pode apontar uma uacutenica lista Em relaccedilatildeo a obra sextiana supomos com Hadot (2005 p 293) que a esquiva de Sexto em adentrar o assunto natildeo se deve agrave uniformidade de tratamento da questatildeo mas ao contraacuterio agrave existecircncia de muitos pontos de vista que acreditamos aponta para um uso natildeo-teacutecnico do termo em oposiccedilatildeo ao uso especiacutefico durante a Idade Meacutedia Por outro lado quisemos qualificar estes lsquoestudosrsquo apropriando-nos de uma especificaccedilatildeo que natildeo eacute proacutepria do termo grego e que Sexto mesmo soacute expotildee quando passa a tratar de cada disciplina em particular Assim com lsquoestudosrsquo ou estudos ciacuteclicos procuramos nos referir de maneira geral aos estudos disciplinares superiores ou seja ao estudo aprofundado em diferentes agravereas do conhecimento com vieacutes misto teoacuterico e praacutetico mas ao agregar o adjetivo lsquoespecializadosrsquo quisemos principalmente sugerir uma caracteriacutestica das disciplinas atacadas por Sexto que eacute fundamental para definir a abordagem sextiana e que Hadot (2005 p 293) expressou na seguinte conclusatildeo ldquoA situaccedilatildeo poderia ser resumida desta forma para noacutes lsquoartes liberaisrsquo pode referir-se a qualquer ocupaccedilatildeo digna de um homem livre seja intelectual esportiva ou militar enquanto a noccedilatildeo de enkuklios paideia se limita agraves lsquoartes fundadas sobre o raciociacuteniorsquo e implica a representaccedilatildeo teoacuterica da unidade de um corpo cientiacutefico de conhecimentosrdquo Consideramos pois que ta mathemata estaacute em relaccedilatildeo direta com certa racionalizaccedilatildeo e especializaccedilatildeo proacutepria de estudos teoacutericos mas mais distante da interpretaccedilatildeo como lsquoartes liberaisrsquo no sentido restrito de conjunto fixo de disciplinas de um curriacuteculo formativo (parte da pedagogia escolaacutestica) e no sentido amplo de toda atividade proacutepria ao homem livre -mesmo que seja produtiva a oposiccedilatildeo entre lsquoartes liberaisrsquo proacuteprias dos homens livres e instruiacutedos e lsquoartes servisrsquo por assim dizer que envolveriam trabalho pesado mecacircnico repetitivo eou profissional proacuteprias dos escravos serviccedilais e classe trabalhadora ou seja aquelas que estatildeo relacionadas a aquisiccedilatildeo de uma profissatildeo de um meio de vida Entendemos tambeacutem que a par da popularizaccedilatildeo crescente durante a antiguidade do conteuacutedo destes estudos que pode ser percebida entre outros pelo sucesso de manuais ou tratados e de sua caracteriacutestica de estudos preparatoacuterios ou interrelacionados ou seja dois traccedilos que justificariam a alcunha de estudos gerais ou ciclo de estudos comuns Sexto direciona sua refutaccedilatildeo aos professores destes estudos aos intelectuais que se especializam nos teoremas da arte por isso tambeacutem neste sentido acreditamos ser adequado qualificaacute-los de especializados A discussatildeo que se desenvolve na Antiguidade dentro das escolas filosoacuteficas em relaccedilatildeo agraves enkuklia mathemata ou enkuklios paideia diz respeito principalmente ao valor eou necessidade do estudo das disciplinas teoacutericas ou teacutecnicas como preparaccedilatildeo para o estudo da lsquofilosofiarsquo debate-se pois a utilidade destes estudos no

199

caminho da lsquosabedoriarsquo Eacute neste panorama que se enquadra a hostilidade de Epicuro e tambeacutem o interesse de Sexto pela questatildeo Vale lembrar que a sistematizaccedilatildeo de estudos superiores e a oferta de cursos regulares e livros teacutecnicos ligados a disciplinas especializadas eacute um fenocircmeno que tem iniacutecio com o movimento sofista Eacute interessante portanto constatar que tais assuntos estiveram desde o princiacutepio contaminados com a ambiguidade que acompanha a sofiacutestica No singular to mathema aparece quase sempre no contexto da argumentaccedilatildeo geral acerca da possilidade eou existecircncia de qualquer disciplina (especializada) Procuramos sempre diferenciar o uso de mathesis que se relaciona agrave lsquoensinorsquo de modo amplo ou seja lsquotransmissatildeoaquisiccedilatildeo de conhecimentorsquo Conforme Blank p 68 ta mathemata teria sido o termo mais comum nos ataques ceacuteticos e epicuristas ao ensino tradicional Contudo embora possa parecer um termo teacutecnico como comentamos referindo-se ao conjunto especiacutefico das seis disciplinas presentes aqui tambeacutem ocorre em contextos neutros Em geral mathema e tekhne parecem intercambiaacuteveis no Contra os Professores Dadas as peculiaridades tanto do ambiente educacional na antiguidade quanto das ocorrecircncias do termo uma traduccedilatildeo totalmente uniforme foi descartada Optamos portanto em incorporar traduccedilotildees possiacuteveis de forma que estivessem concatenadas e assim compusessem o significado da expressatildeo satildeo as disciplinas particulares que compotildeem os chamados estudos ciacuteclicos (8) por isso vertemos lsquoProfessoresrsquo (mathematikoi) tambeacutem por lsquoos que professam as disciplinas do estudo ciacuteclicorsquo (hoi apo ton mathematon) (1) Satildeo como afirmamos estudos lsquoespecializadosrsquo no sentido de que cada disciplina possui e se aprofunda em sua especialidade e entatildeo os lsquoProfessoresrsquo satildeo na verdade lsquoespecialistasrsquo Mas satildeo tambeacutem propriamente estudos ciacuteclicos por terem sido vistos como complementares uns aos outros ao mesmo tempo em que eram uma etapa um lsquociclorsquo da formaccedilatildeo portanto propedecircuticos Conveacutem considerar ainda o horizonte especiacutefico traccedilado por Sexto mais adiante satildeo estudos necessariamente vinculados a um determinado ambiente de lsquoensinorsquo que envolve professor aluno mateacuteria (proposiccedilotildees supomos) e meacutetodo 5 Considerando que grande parte dos argumentos utilizados por Sexto no Contra os Gramaacuteticos eacute de origem epicurista eacute interessante principalmente em relaccedilatildeo agrave argumentaccedilatildeo a favor da correccedilatildeo da linguagem pelo uso comum manter em mente esta criacutetica a Epicuro Aqui no entanto se usa o termo kathareuein incomum no contexto gramatical onde se usa preferencialmente hellenizein (lsquofalar grego corretamentersquo) 6 Nausiacutefanes (c 360-300 a C) foi um filoacutesofo atomista Sobre ele ver DL (9 69 e 102 ndash em que eacute apresentado como pirrocircnico e 10 8 e 64) 7 Parece ser necessaacuterio diferenciar entre lsquodisciacutepulo de Pirrorsquo (Pyrronos akoustes) aqui e lsquopirronistasseguidores de Pirrorsquo (hoi apo tou Pyrronos) acima sect1 pois Nausiacutefanes certamente defendia os estudos ciacuteclicos Sobre o uso do termo lsquopirrocircnicorsquo por Sexto ver Decleva Caizzi 1992 p 295

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8 A criacutetica de Epicuro aos estudos especializados e agraves tekhnai em geral parece compor-se tanto de uma acusaccedilatildeo acerca da ausecircncia de conteuacutedo e de meacutetodo no ensino tradicional quanto estar baseada em uma concepccedilatildeo diferente de sabedoria 9 Barustonoi era um nome coloquial para atores (Demoacutestenes 18 262) 10 Seguindo a leitura de Warren 2002 p 188ss Epicuro nega ser disciacutepulo de Nausiacutefanes mas natildeo que esteve em suas aulas esta distinccedilatildeo era importante porque de fato Epicuro assistiu agraves aulas de Nausiacutefanes Sobre a atitude de Epicuro contra seus rivais e a especial animosidade que dirigiu a Nausiacutefanes ver Sedley 1976 Este autor sugere (p 132ss) que os apelidos que Epicuro dava a outros filoacutesofos tinham relaccedilatildeo com a orientaccedilatildeo filosoacutefica deles lsquoAacutegua-vivarsquo aqui a supor pelo adendo encontra eco em Aristoacuteteles (PA 68 Ia19) que descreve as aacuteguas-vivas e espeacutecies semelhantes como desprovidas de percepccedilatildeo sendo como plantas vivas Para Platatildeo (Filebo 21c) uma pessoa desprovida da habilidade de raciocinar vive a vida natildeo como um homem mas como uma espeacutecie de aacutegua-viva ou qualquer animal marinho com concha Para uma interpretaccedilatildeo da rivalidade filosoacutefica entre Nausiacutefanes e Epicuro ver Warren opcit p 160ss 11 Cf PH 2 246 ldquoEacute suficiente creio viver de acordo com as experiecircncias (empeiros) e sem opiniatildeo (adoksastos) segundo as observaccedilotildees e lsquoconceitosrsquo (prolepseis) comunsrdquo 12 Cf Dioacutegenes Leacutercio (9 108) ldquoalguns falam que eacute apatia outros que eacute o temperamento gentil (praotes) o propoacutesito dos ceacuteticosrdquo Apatia (apatheia) como um estado de libertaccedilatildeo das perturbaccedilotildees emocionais caracterizava o saacutebio estoico 13 Pragma(ta) normalmente traduzido por lsquocoisa(s)rsquo apresenta mesmo tantas acepccedilotildees quanto o termo portuguecircs a coisa concreta o fato (real) o assunto a realidade o evento o objeto o tema o negoacutecio as coisas ditas os raciociacutenios a situaccedilatildeo Haacute no entanto um sentido geral que parece ser o caso nesta passagem A tensatildeo entre o concreto e o abstrato gerou contudo ambiguidades constantemente exploradas por retoacutericos e filoacutesofos Essa tensatildeo eacute latente em toda a discussatildeo sobre lsquoa coisa (pragma) que se ensinarsquo ora Sexto parece sugerir que tem em mente propriamente um objeto concreto ora o que se diz sobre um objeto as proposiccedilotildees ora o conteuacutedo mesmo das proposiccedilotildees De modo geral pode ser dito que pragma seria o lsquofato significadorsquo oposto a onoma(ta) (lsquopalavra(s)rsquo) ou phone(ai) (lsquosom(ns) da falarsquo) principalmente no contexto estoico Mas se eacute pragma um objeto concreto no mundo ou o conteuacutedo de um expressatildeo se corpoacutereo ou incorpoacutereo ou seja qual seu estatuto ontoloacutegico eacute justamente a indeterminaccedilatildeo de que foram acusadas propriamente ou natildeo as doutrinas que Sexto ataca No miacutenimo ele tira proveito de tal confusatildeo terminoloacutegica 14 Vemos aiacute vaacuterios termos programaacuteticos do ceticismo pirrocircnico cf PH I 7 10 12 26 29 Em relaccedilatildeo a eles pode ser dito que a argumentaccedilatildeo aporeacutetica expliacutecita eacute constante ao longo do Contra os Gramaacuteticos no entanto o argumento da diaphonia (lsquodesacordorsquo) parece tomar o lugar da equipolecircncia do lsquoconflito de forccedilas iguaisrsquo e a referecircncia agraves lsquoanomaliasrsquo faraacute parte

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do contexto de discussatildeo do criteacuterio gramatical da analogia (154 236 240) Poreacutem a diaphonia natildeo parece conduzir agrave lsquosuspensatildeo do juiacutezorsquo que aparece novamente apenas em sect 28 quando Sexto fala sobre as atitudes filosoacuteficas frente ao natildeo-evidente e em sect 306 ao falar sobre Pirro 15 Agoge eacute o termo comumente usado por Sexto para qualificar o movimento ceacutetico parece denotar um viacutenculo menos riacutegido que hairesis lsquoescolarsquo ou lsquoseitarsquo Cf PH 1 16ss 145 16 Pragmatikos aparece tambeacutem em PH 3 13 M 2 28 M 5106 M 6 68 em todos os casos refere-se agrave argumentaccedilatildeo No Contra os Muacutesicos (M 6 4-5 38 e 68) caracteriza a refutaccedilatildeo aporeacutetica dita lsquomais efetivarsquo ou lsquomais atenta aos fatosrsquo (pragmatikoteros) (ldquobastante maacutes teacutecnicardquo prefere o tradutor espanhol Cavero 1997) direcionada agravequilo que propriamente sustenta a teoria musical em oposiccedilatildeo agrave refutaccedilatildeo que faz uso dos argumentos dogmaacuteticos (epicuristas) e ataca principalmente a utilidade da muacutesica Cf a correspondecircncia com a passagem M 11 217 ldquoselecionar e expor os pontos principaisrdquo (ta kuriotata epileksamenoi thesomen) No entanto neste ponto aparentemente Sexto qualifica como lsquoefetivarsquo toda a argumentaccedilatildeo dos livros subsequentes malgrado seu uso supomos de argumentos epicuristas 17 Os testemunhos oferecem diferentes interpretaccedilotildees de por que estes estudos eram chamados ciacuteclicos em geral com acepccedilotildees como as que informamos na nota 3 18 A divisatildeo entre geral (katholikoskoinotero) e especiacutefico (idiaiteros) eacute um expediente de organizaccedilatildeo comum em Sexto Empiacuterico ocorre jaacute no comeccedilo do tratamento do ceticismo em PH 15 em que lsquogeralrsquo estaacute para a parte que conteacutem as definiccedilotildees de caraacuteter amplo do ceticismo e lsquoespeciacuteficorsquo para os ataques contra as divisotildees da lsquoassim chamadarsquo filosofia cf M 7 1 Sexto utiliza-o tambeacutem em PH 2 84 PH 3 1 M 1 141 M 8 1 e 55 M 11 217 e 243 (cf Blank p 85) 19 To meden einai mathema ocorrecircncias das foacutermulas de natildeo-existecircncia e respectivas traduccedilotildees (procuramos manter a paridade das escolhas ao longo da traduccedilatildeo) 1) to meden einai X = (o) natildeo existir X sect 8 (2 vezes) 14 16 135 284 285 2) ouk eacutestin Y(s) ouk ara eacutestin ti X = natildeo existe(m) Y(s) logo natildeo existe (algo como) X sect 9 29-30 Comparar com o uso de anupostatos (lsquoinsubsistentersquo) asustatos (lsquoinconsistentersquo) anuparktos (lsquoinexistentersquo) e oudenmeden estin (lsquonatildeo eacute nadarsquo) De acordo com a leitura de Pellegrin ldquoAnuparktos anupostatos ou asustasos indicam natildeo uma inexistecircncia no sentido ontoloacutegico mas uma inconsistecircncia ou uma ausecircncia de fundamentordquo (Pellegrin 2006 p42 apud Roeder 2014 p 65) 20 Ao contraacuterio de Blank (ldquoelements of stylerdquo) e Dalimier (ldquoeacuteleacutements du stylerdquo) acreditamos que a referecircncia seja de fato agrave discussatildeo sobre a classificaccedilatildeo dos lsquoelementos (da palavra)rsquo lsquoletrasrsquo a partir de sect100 cf sect 121 Cavero 1997 usa ldquoelementos del lenguajerdquo

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21 Cf Contra os Geocircmetras M 3 7-17 22 Cf Contra os Muacutesicos M 552-7 61-7 23 Ou seja de modo amplo acerca da transmissatildeo e aquisiccedilatildeo de conhecimento Aleacutem de abranger questotildees pontuais sobre os itens mencionados por Sexto que compotildeem o lsquoensinorsquo essa discussatildeo diz respeito em muitos casos agrave questatildeo ampla da transmissatildeoaquisiccedilatildeo de conhecimento Fez parte deste toacutepico a discussatildeo sobre quais lsquohabilidadesrsquo poderiam ser ensinadas (seriam objeto de ensino dar-se-iam pelo ensino) e se sua transmissatildeoaquisiccedilatildeo efetuar-se-ia (somente) pelo ensino Discussatildeo que em certos ciacuterculos filosoacuteficos envolveu postular eou defender a existecircncia de itens que natildeo eram passiacuteveis de ensino (ou habilidades que natildeo eram transmitidasadquiridas (somente) pelo ensino) ou seja itens cujo conhecimento seria ou inato ou fruto de vivecircncia particular Com base neste conhecimento natildeo-ensinaacutevel dar-se-ia o lsquoensinorsquo de forma que certos conhecimentos preacutevios seriam necessaacuterios para a aquisiccedilatildeo de outros conhecimentoshabilidades O panorama amplo dessa discussatildeo estaacute relacionado ao movimento sofista e sua suposta reivindicaccedilatildeo da possibilidade do ensino de lsquotodas as coisasrsquo e principalmente agrave questatildeo do ensino transmissatildeo da excelecircncia (lsquovirtudersquo) (arete) Bem como agrave proliferaccedilatildeo desde o seacuteculo V a C de conhecimento especializado inclusive exposto em manuais vinculado a diversas aacutereas do saber Como menciona Blank (p 86) o debate que Sexto potildee deliberadamente de lado para ater-se agrave refutaccedilatildeo pontual dos elementos que seriam prerrequisitos do lsquoestudo especializadorsquo poderia incluir portanto as controveacutersias epistemoloacutegicas do periacutedo claacutessico e heleniacutestico ou dizer respeito apenas agrave paradoxos como os que aparecem no Menon (80de) e Eutidemo (275d277c) de Platatildeo paradoxos estes cujo reflexo eacute visiacutevel em alguns dos argumentos sextianos e que provavelmente jaacute estavam bastante gastos agrave eacutepoca Como apontou Bett (2007 p 226) tais argumentos datildeo no entanto a impressatildeo de terem sido institucionalizados dentro da proacutepria tradiccedilatildeo ceacutetica devido ao caraacuteter rotineiro e quase mecacircnico com que satildeo expostos Em algumas passagens sextianas essa discussatildeo se daacute em torno ao termo didaskalia lsquoinstruccedilatildeorsquo que substitui mathesis Para a tradutora francesa (Dalimier p 73) Sexto deixa de lado justamente tal discussatildeo sobre a ldquoaquisiccedilatildeo do saberrdquo para concentrar-se na possibilidade de existecircncia do lsquoestudorsquo ou seja do lsquoestudo especializadorsquo das lsquodisciplinasrsquo como resultado do processo de ensino Sua traduccedilatildeo da passagem eacute ldquoIl suffira drsquoindiquer que srsquoil existe quelque eacutetude acheveacutee qui en reacutesulte pour lrsquohomme [] [] et par conseacutequent el nrsquoest rien qui soit eacutetuderdquo De qualquer forma os elementos discutidos por Sexto o objeto de ensino quem ensina quem aprende e o modo de transmitir conhecimento estavam frequentemente relacionados agrave discussatildeo filosoacutefica ampla sobre ser possiacutevel ensinar Eacute difiacutecil dizer se estes elementos do ponto de vista sextiano qualificam apenas estudos especializados em oposiccedilatildeo a estudos baseados na experiecircncia e se haveria entatildeo o argumento impliacutecito de que a necessidade de se estabelecer tanto o que se transmiteadquire pelo ensino quanto o modo como isso poderia efetuar-se desqualifica apenas estes estudos mas preserva o estudo baseado na observaccedilatildeo e repeticcedilatildeo Considerando que Sexto apresenta em PH 1 23-4 o lsquoensino das artesrsquo ou lsquoinstruccedilatildeo nas artesrsquo (didaskalia tekhnon) como uma das quatro praacuteticas que regulam a vida comum e portanto a vida do ceacutetico tal como

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discutimos na Introduccedilatildeo eacute necessaacuterio admitir que a instruccedilatildeo (didaskalia) de alguma forma eacute natildeo soacute admitida na conduta ceacutetica mas eacute parte constituinte dela A possibilidade de podermos traccedilar uma distinccedilatildeo entre dois tipos de ensino um aceito e o outro rejeitado pelo ceacutetico ou seja o uacuteltimo como o ensino que comunica conjuntos de conhecimentos teoreacuteticos tais como os dogmaacuteticos afirmam possuir e o anterior relativo ao ensino que transmite habilidades ou conjuntos sistemaacuteticos de atividades atraveacutes de uma praacutetica supervisionada tal possibilidade ainda que adequada ao posicionamento sextiano expresso em M 1-6 e PH como expomos na ldquoIntroduccedilatildeordquo eacute vetada por Bett em sua anaacutelise de M 11 Em M 1 e PH 3 o ensino que eacute considerado impossiacutevel eacute aquele relativo a um ldquoobjeto de ensinordquo (ou como prefere Bett ldquothe subject being taughtrdquo) (to didaskomenon pragma) o que parece significar algum objeto ou conjunto de objetos sobre os quais se comparte alguma informaccedilatildeo com o aluno (ou algumas vezes a proacutepria informaccedilatildeo) ao inveacutes de alguma atividade na qual o aluno eacute treinado Mas o fato eacute que tambeacutem em M 11 ainda segundo Bett os usos do verbo ensinar (didaskein) (M 11 216) e de ensinoinstruccedilatildeo (didaskalia) claramente referem-se a proposiccedilotildees mas nesse caso a proposiccedilotildees ceacuteticas e ao processo de transmitir o pensamento ceacutetico de forma efetiva ou seja de forma a ser aceito pelo aluno Este eacute o reconhecido paradoxo educacional da posiccedilatildeo sextiana de que tratamos em alguns momentos da ldquoIntroduccedilatildeordquo exposto partindo de outro ponto de vista por Heyting e Mulder (1999 p 360) desta forma ldquoum ceacutetico no sentido sextiano natildeo pode ensinar seu ceticismo sem o apelo a algum tipo de princiacutepio e eacute exatamente acerca de princiacutepios que este ceticismo suspende o julgamento Ou seja parece haver um paradoxo educacional no coraccedilatildeo mesmo do ensino do ceticismordquo O problema apareceria quando aquele que estaacute no processo de tornar-se um ceacutetico natildeo se conforma a etapas dessa orientaccedilatildeo como por exemplo natildeo sentir-se tranquilo apoacutes suspender o julgamento ou natildeo concordar que sentenccedilas opostas sejam equipolentes Como explicitam os estudiosos Heyting e Mulder (1999 p 377) o ceacutetico pareceria natildeo ter outra alternativa nestes casos a natildeo ser ensinar dogmatizando ou seja imprimir o seu ponto de vista como uma proposiccedilatildeo verdadeira Parece natildeo haver resoluccedilatildeo deste conflito na obra sextiana e tal como apontou Bett (p 228) Sexto parece natildeo ter se confrontado diretamente com o problema talvez porque este problema sobrevenha do fato de ele ter usado de fontes diacutespares em que tais questotildees aparecessem desconectadas Esta eacute a opiniatildeo de Bett em sua anaacutelise do Contra os Eacuteticos para ele esta obra compotildee-se de duas partes claramente redigidas com base em duas fontes diferentes natildeo harmonizadas que sugerem orientaccedilotildees distintas do ceticismo antigo Permanecem as divergecircncias e surgem daiacute conflitos como este que envolve o ensino do ceticismo x a destruiccedilatildeo do ensino Resta-nos apontar a soluccedilatildeo transversal de Heyting e Mulder (ibidem) considerar que as lsquoproposiccedilotildeesrsquo selecionadas por Sexto quando se trata de instruccedilatildeo ceacutetica natildeo serviriam para lsquotratarrsquo um dogmaacutetico com vistas agrave sua lsquoconversatildeorsquo mas sim ldquopara curar por assim dizer seu proacuteprio dogmatismordquo ou seja as tendecircncias dogmaacuteticas em um ceacutetico Tal soluccedilatildeo parece concordar com a interpretaccedilatildeo que Heyting e Mulder conferem ao ceticismo uma atividade incompleta constante sempre em processo 24 lsquoO que se ensinarsquo (to didaskomenon (pragma)) lsquoeacute ensinadorsquo (didasketai) os termos permitem inversatildeo como no paralelo com as frases lsquoEnsina-se aacutelgebrarsquo e lsquoAacutelgebra eacute

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ensinadarsquo As opccedilotildees de outros tradutores para o primeiro caso incluem ldquola materia ensentildeadardquo (Cavero 1997) ldquothe thing taughtrdquo (Blank) ldquolrsquoobjet drsquoenseignementrdquo (Dalimier) 25 Paralelo com as foacutermulas de existecircncia 1) condiccedilatildeo ei(per) eacutestin (ti) X ei(per) didasketai (ti) = se existe (algo como) X se (algo alguma coisa) eacute ensinado 2) conclusatildeo ouk ara eacutestin ti X ouk ara didasketai ti = logo natildeo existe (algo como) X logo natildeo eacute ensinado (algo coisa alguma) variante (M 1 19) ou dunatai uparxein Y(s) ouk ara eacutestin ti X(s) = natildeo eacute possiacutevel existir(em) Y(s) logo natildeo existe(m) (coisa)(s) X(s) lsquoNada eacute ensinadorsquo (ouden didasketai) aparece somente em sect 29 26 Esta eacute uma das inuacutemeras ocorrecircncias do lsquoneutro pluralrsquo uma peculiaridade da liacutengua grega cuja traduccedilatildeo fica aqueacutem da elegacircncia do original A partir da substantivaccedilatildeo de uma qualidade por exemplo a substantivaccedilatildeo do adjetivo kaloseon temos no masculino singular uma expressatildeo que parece sugerir a elipse do lsquosubstantivorsquo ndash ho kalos lsquoaquele (o homem) que eacute belorsquo no feminino ndash he kale lsquoaquela (a mulher) que eacute belarsquo mas no neutro ndash to kalon lsquoaquilo que eacute belorsquo (lsquoa coisa belarsquo) assim o lsquoneutro substantivadorsquo singular pode alccedilar a abstraccedilatildeo da qualidade e resultar em algo como lsquoo belorsquo Como pode ser percebido na traduccedilatildeo dos termos desta seccedilatildeo procuramos para o singular aquilo que nos pareceu um grau intermediaacuterio to on ndash lsquoo que existersquo (intermediaacuterio entre lsquoa coisa que existersquo e o lsquoexistenteentersquo) Para o plural usamos a traduccedilatildeo canhestra lsquoas coisas que existemrsquo o mesmo em vaacuterias outras passagens Assim lsquocoisa(s)rsquo eacute recorrente no texto e geralmente natildeo eacute a traduccedilatildeo de um item lexical explicitamente presente no grego Poreacutem remete ao que poderia estar aiacute latente pragma(ta) de que tratamos em nota acima e cuja ambiguidade pode ser suposta nesses contextos tambeacutem 27Oukhi de ge dunaton esti to auto kai on te kai me on huparkhein comparar com o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo expresso por Aristoacuteteles lsquopois natildeo eacute possiacutevel que uma mesma coisa seja e natildeo seja [atributo] do mesmo [sujeito] ao mesmo tempo e no mesmo sentidorsquo (to gar auto hama huparkhein te kai me huparkhein adunaton toi autoi kai kata to auto) (Metafiacutesica IV 3 1005b19-20) Aristoacuteteles diz mais a frente que lsquonatildeo eacute possiacutevel supor que uma mesma coisa eacute e natildeo eacutersquo (adunaton gar ontinoun tauton hupolambanein einai kai me einai) (1005b24 29-30) 28 Fica impliacutecito que conforme a teoria em questatildeo para ter algum atributo eacute preciso ser alguma coisa que eacute Aristoacuteteles afirma que todos os acidentes demandam um sujeito ao qual pertencem (aei to sumbebekos kathrsquohupokeimenou tinos) (Metafiacutesica IV 4 1007a33ss) da mesma forma que os estoicos falaram em lsquosubstrato natildeo-qualificadorsquo preexistente agrave atribuiccedilatildeo de uma qualidade que o transforma em objeto lsquoqualificadorsquo (cf Blank p 90 e LS 28 sobre lsquoqualidadesrsquo e lsquocoisas qualificadasrsquo) Os estoicos poreacutem teriam diferenciado sumbebekos (lsquoatributorsquo) de kategorema (lsquopredicadorsquo) 29 Phantasian kinoun Aristoacuteteles (De Anima III 3 429a1) define phantasia como lsquomovimento resultante do uso efetivo de um sentidorsquo (kinesis hypo tes aistheseos tes katrsquoenergeian gignomene) Criacutesipo (SVF ii 54) a definiu como lsquouma experiecircncia (pathos) que

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ocorre na alma e que tambeacutem revela em si mesma do que eacute feita por exemplo quando vemos atraveacutes da visatildeo algo branco atraveacutes da visatildeo daacute-se em nossa alma uma experiecircncia e em respeito a essa experiecircncia podemos dizer que conteacutem (hypokeitai) algo branco que nos move (kinein)rsquo (cf SVF ii 55ss) ldquoEm tais descriccedilotildees causais da representaccedilatildeo (phantasia) eacute difiacutecil ver como poderiacuteamos formar uma representaccedilatildeo de um objeto natildeo-existente e Sexto tira vantagem desta dificuldade Mecanismos como analogia transiccedilatildeo e combinaccedilatildeo no entanto foram utilizados para explicar nossas representaccedilotildees de por exemplo centaurosrsquo (cf DL 7 49ss DL 10 32)rdquo (BLANK p 91) 30 Conforme salientou Blank p 91 os estoicos (M 7 38ss) diferenciaram lsquoverdadeirorsquo (to alethes) de lsquoverdadersquo (he aletheia) lsquoverdadeirorsquo eacute um julgamento (aksioma) e portanto um lekton ou seja incorpoacutereo enquanto lsquoverdadersquo eacute conhecimento (episteme) e corpoacuterea O lsquoverdadeirorsquo eacute simples a lsquoverdadersquo eacute composta Igualar o verdadeiro com algo que existe eacute um posicionamento de que Platatildeo decisivamente se distancia no Teeteto e no Sofista onde verdade e falsidade referem-se agrave sentenccedilas e natildeo coisas Mesmo assim desde Parmecircnides foi comum a associaccedilatildeo do ser com o verdadeiro e do natildeo-ser com o falso (por exemplo em Aristoacuteteles Metafiacutesica VI 4 1027b18ss Analiacuteticos Primeiros I 46 52a32 em que ser verdadeiro eacute o mesmo que existir) Sexto mesmo tende a classificar o que cada escola conta como verdadeiro pelo que esta escola considera existir ldquoPlatatildeo e Demoacutecrito pensaram que somente inteliacutegiveis fossem verdadeiros Enesidemo e Epicuro pensaram que sensiacuteveis fossem verdadeiros para o primeiro os sensiacuteveis verdadeiros satildeo os que aparecem para todos igualmente jaacute o uacuteltimo disse que todos os sensiacuteveis satildeo verdadeiros e existentes os estoicos pensaram que alguns sensiacuteveis e alguns inteliacutegiveis fossem verdadeirosrdquo (M 8 6-10) 31 Didakton eacute um adjetivo verbal pode exprimir tanto uma coisa feita quanto uma coisa realizaacutevel portanto lsquoestar ensinadorsquo ou lsquoser ensinaacutevelrsquo (lsquopoder ser ensinadorsquo) E ainda por ser neutro pode ter sido substantivado lsquouma coisa (um item) ensinada(o)-ensinaacutevelrsquo Tentamos uniformizar a escolha para todos os momentos em que Sexto utiliza este termo e procuramos diferenciar seu uso de lsquoeacute ensinadorsquo(didasketai) Ao menos sect 14 16 17 e 18 tecircm seu argumento diretamente vinculado acreditamos agrave ambiguidade desta expressatildeo Este termo e portanto sua ambiguidade estaacute presente tambeacutem na discussatildeo do Menon de Platatildeo Day (1994 p 18) que traduziu este diaacutelogo justificou assim sua escolha (mantemos o original) ldquodidakton is poised in meaning between what is taught and what can be taught and lsquocomes from teachingrsquo seems to me the translation which captures this best while also reflecting the presuposition within Menorsquos question that virtue arises in only one wayrdquo Nestes termos o argumento de Sexto apenas expotildee a contradiccedilatildeo a partir da inversatildeo anterior (o existente eacute ensinado = tudo que existe eacute objeto de ensino) se tudo deve lsquopassar pelo ensinorsquo natildeo haveria lsquoponto de partidarsquo ou seja natildeo haveria nem ensino nem seu objeto cf PH 3 257 Procuramos traduzir lsquoX (estin) adidaktonrsquo por lsquoX eacute natildeo-ensinaacutevelrsquo e lsquoou(k) didakton (estin) Xrsquo por lsquoX natildeo eacute ensinaacutevelrsquo Acerca do argumento em M 1 14 (semelhante a 16) M 11 222 e PH 3 257 (o texto desta passagem encontra-se corrompido e recebe emendas) sobre ser preciso existir algo lsquoque natildeo estaacute ensinadorsquo ou lsquonatildeo-ensinaacutevelrsquo para ocorrer o ensino haacute a passagem dos Analiacuteticos Posteriores (I 1 71a1) de Aristoacuteteles em que

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este afirma que ldquotodo ensino depende de um conhecimento preexistenterdquo (pasa didaskalia kai pasa mathesis dianoetike ek prouparkhouses ginetai gnoseos) na Metafiacutesica (II 992b30) ele diz que ldquotodo conhecimento se daacute atraveacutes de lsquopremissasrsquo que satildeo todas ou algumas preacute-conhecidasrdquo (pasa mathesis dia progignoskomenon e panton e tinon esti) Para Aristoacuteteles estes satildeo os axiomas itens do conhecimento que satildeo baacutesicos e preexistem ao ensino ou seja itens cujo conhecimento natildeo se daacute atraveacutes do ensino seriam portanto na termilogia sextiana natildeo-ensinaacuteveis Eacute em paralelo agrave passagem no Contra os Eacuteticos (M 11 222ss) que interpretamos M 114 e deletamos lsquoaparentes para todos de maneira igualrsquo (pasi phainomenon eprsquoises) por considerarmos que esta expressatildeo eacute uma foacutermula recorrente em Sexto (cf entre outras passagens PH 1 8) e parece-nos sem sentido reter apenas eprsquoises neste contexto logo ou permanece a expressatildeo como um todo ou elimina-se como um todo Se se mantivesse esta inserccedilatildeo teriacuteamos como consequecircncia que M 1 14 conteria o argumento sobressalente natildeo mencionado nem em PH 3257 nem em M 11 222 de que o que eacute aparente natildeo demanda ensino ou porque lsquoestaacute ensinadorsquo ou porque eacute lsquonatildeo-ensinaacutevelrsquo ou seja lsquonatildeo pode ser ensinadorsquo ou lsquonatildeo se daacute pelo ensinorsquo) - argumento que ocorre no entanto em PH 3 254 e 266 em M 136ss e M 8 280 Mas tambeacutem o que eacute mais relevante ficariacuteamos com o argumento de que lsquoo que existe eacute aparente para todos de maneira igualrsquo que natildeo encontramos em nenhum outro lugar em Sexto mas que corresponde no entanto ao argumento em DL 9 100 Normalmente a expressatildeo lsquoser aparentersquo ou lsquoaparecer para todos de maneira igualrsquo estaacute relacionada agrave discussatildeo sobre ser lsquoaparentersquo (phainomenos) x ser lsquonatildeo-evidentersquo (adelos) e qualifica o que eacute lsquoaparentersquo o que eacute lsquoaparentersquo eacute lsquoaparente (evidente) de maneira igual para todosrsquo Aceitar esta intrusatildeo levaria ao que Blank chama de lsquointerpretaccedilatildeo fracarsquo - fraca por ldquonatildeo haver uma boa razatildeo em particular de porque o que existe deveria ser qualificado como sendo evidente de maneira igual para todosrdquo (Procuramos manter uma traduccedilatildeo uniforme para os seguintes termos phainomenon lsquoaparentersquo adelon lsquonatildeo-evidentersquo enargeia ndash lsquoevidecircncia enarges ndash lsquoevidentersquo) O argumento seria tal como interpretamos e traduzimos lsquose eacute ensinado simplesmente porque existe tudo que existe eacute ensinaacutevel logo natildeo haveraacute nada natildeo-ensinaacutevel mas o ensino precisa partir de algo natildeo-ensinaacutevelrsquo Haveria a possibilidade de interpretar e traduzir diferentemente este argumento lsquose eacute ensinado simplesmente porque existe natildeo haveraacute nada que natildeo esteja jaacute ensinado portanto natildeo haveria nada a ensinarrsquo Tal interpretaccedilatildeo diluiria a ligaccedilatildeo com o argumento aristoteacutelico que de qualquer forma natildeo podemos afirmar seguramente que fosse o alvo Vale lembrar que todas as passagens conclusivas de que lsquoX natildeo eacute ensinaacutevelrsquo (ouk didakton) ou lsquoX eacute natildeo-ensinaacutevel (adidakton)rsquo equivalem agrave lsquoX eacute um item que natildeo pode ser ensinadorsquo ou lsquoX natildeo se daacute pelo ensinorsquo ou seja lsquoX natildeo eacute objeto de ensinorsquo Considerando a ambiguidade do termo permanecem possiacuteveis diferentes leituras do argumento Supomos portanto que o argumento sextiano vale-se das ambiguidades de possiacuteveis associaccedilotildees e sugestotildees sem apoiar-se sobre uma tese que poderia conferir (falsa) estabilidade teoacuterica para sua argumentaccedilatildeo 32 Esta aporia que natildeo estaacute presente nem em M 11 nem em PH 3 visa especificamente aos estoicos para os quais a primeira divisatildeo natildeo se daacute entre o que existe (to on) e o que natildeo existe (to me on) mas entre algo (ti) e nada (outina) (cf SVF ii278) Incorpoacutereos e corpoacutereos satildeo classificados como lsquoalgorsquo incorpoacutereo eacute lsquoalgorsquo (oposto a lsquonadarsquo) que lsquonatildeo existersquo poreacutem

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pode lsquoser o casorsquo (huparkhei) Ou seja todos os incorpoacutereos tais como os lsquodiziacuteveisrsquo (lekta) (bem como o verdadeiro mencionado em sect12 e o vazio e o tempo) devem ser considerados se natildeo como lsquoexistentesrsquo como lsquosubsistindorsquo (huphestosin) (cf Galeno Meth med 10 155 1-8 Plutarco Adv Colot I I 16 B-C) Uma das possiacuteveis razotildees pela qual os estoicos teriam edificado esta ontologia seria por rejeitarem a identificaccedilatildeo platocircnica do ser (being) com ser algo (being something) (cf CASTON 1999 p 151) ldquoUma coisa sobre a qual haacute acordo eacute que os estoicos consideram lsquoalgorsquo (ti) como o mais alto gecircnero da realidade o qual inclui lsquocorposrsquo (somata) lsquoo que existersquo (einai) bem como entidades classificadas como incorpoacutereas (asomata) das quais se diz lsquosubsistiremrsquo (huphistanai) mas natildeo existirem Nada mais acerca da ontologia estoica escapa agrave controveacutersia incluindo (ou melhor especialmente) o que estes termos significam Embora haja um cacircnone geralmente aceito de incorpoacutereos nomeadamente espaccedilo vazio tempo e o que eacute diziacutevel (lekton ndash ou grosseiramente o significado de nossas palavras) natildeo estaacute estabelecido se seriam estes os uacutenicos quatro Aleacutem disso e mais importante natildeo estaacute claro o que estas entidades tecircm em comum aleacutem de serem incorpoacutereas ou o que precisamente significa dizer que subsistem De fato eacute um lugar-comum assumir que os estoicos introduziram a categoria de lsquoalgorsquo como um artifiacutecio ad hoc para lidar com as recalcitrantes entidades incorpoacutereas que realmente natildeo se adaptam aos moldes corpoacutereos mas tatildeo pouco satildeo dispensaacuteveisrdquo (HARVEN 2012 p 3-4) O trabalho de Harven contudo defende que a ontologia estoica do ldquotudo eacute lsquoalgorsquo e lsquonadarsquo natildeo eacuterdquo eacute coerente (p 92) Sobre huparkhein e huphistanai na ontologia estoica ver Goldschmidt 1972 e Harven 2012 Para o presente propoacutesito o importante eacute perceber que a ontologia estoica diferencia einai huparkhein e huphistanai e que a terminologia sextiana eacute amplamente dependente da estoica pois aleacutem de Sexto refutaacute-los em seus termos a sistematizaccedilatildeo ontoloacutegica estoica eacute o procedimento dogmaacutetico mais discutido do periacuteodo que interessa a Sexto A objeccedilatildeo de Sexto se desenvolve de forma similar a anterior tal como ele havia prevenido mas ele adiciona uma nova possibilidade (sect17-18) a de que o ensino possa se dar por meio de lsquoalgorsquo ou lsquonadarsquo 33 A anairesis eacute a destruiccedilatildeo indica o resultado da argumentaccedilatildeo ceacuteticaaporeacutetica em que uma noccedilatildeo se revela inexistenteirreal (anuparktos) insubsistente (anupostatos) inconsistente (asustatos) ou se diz que natildeo eacute nada (ouden estin) ou que natildeo existe (ouk eacutestin) Vale ressaltar que esta noccedilatildeo natildeo aparece em PH para descrever o procedimento ceacutetico ao contraacuterio parece justamente referir-se ao que o ceacutetico natildeo faz (cf PH 1 196-7) Cf Bett 2005 p xxix Este eacute um dos argumentos utilizados por Bett para sugerir que PH seja mais tardio que M 7-11 34 Haacute paralelos entre esta argumentaccedilatildeo aquela contra a noccedilatildeo de corpo dos fiacutesicos (PH 3 38-55) e a discussatildeo das aporias resultantes das definiccedilotildees geomeacutetricas de entidades fiacutesicas atraveacutes de entidades matemaacuteticas (M 319 37-50 60-4 77-91) Sexto parece embaralhar os niacuteveis e o escopo das definiccedilotildees estoicas mas com isso deixa entrever problemaacuteticas relativas aos limites da ontologia estoica limites estes que foram frequentemente explorados pelos adversaacuterios dos estoicos na antiguidade e continuam a intrigar os estudiosos modernosVer tambeacutem M 9 359-439 M 11 228ss

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35 Os estoicos consideraram ta lekta incorpoacutereos Portanto se o que eacute ensinado deve ser algo exprimiacuteveldiziacutevel entatildeo eacute incorpoacutereo e natildeo corpo Ao dizer que lsquodiziacuteveisrsquo satildeo lsquoo que se ensinarsquo Sexto aponta para o conteuacutedo do ensino na sequecircncia no entanto parece ter em mente os objetos sobre os quais ocorre o ensino (cf Bett p 234) 36 lsquoSensiacuteveisrsquo objetos dos sentidos da percepccedilatildeo sensiacutevel lsquointeliacutegiveisrsquo objetos do intelecto Ver DL 7 51 ldquoEles [os estoicos] dividem as representaccedilotildees entre aquelas que satildeo sensoacuterias (aisthetikai) e aquelas que natildeo satildeo As sensoacuterias satildeo obtidas atraveacutes de um ou mais oacutergatildeos do sentido as natildeo-sensoacuterias satildeo aquelas obtidas atraveacutes do pensamento (dianoia) tais como os incorpoacutereos e outras coisas adquiridas pela razatildeo (logoi)rdquo A divisatildeo entre o que eacute percebido pelos sentidos e o que eacute percebido pelo intelecto eacute atribuiacuteda por Sexto aos peripateacuteticos em M 7 217-26 concluindo ldquoa partir do que foi dito percepccedilatildeo sensoacuteria (aisthesis) e intelecto (nous) satildeo o primeiro criteacuterio para o conhecimento (gnosis) das coisas aquela a modo de ferramenta e este como um artesatildeo (tekhnites)rdquo Ver a discussatildeo no Teeteto de Platatildeo (184ss) para distinguir entre percepccedilatildeo e conhecimento ldquoSoacutec Entatildeo haacute coisas que todas as criaturas homens e animais igualmente satildeo naturalmente capazes de perceber assim que nascem ou seja experiecircncias que chegam agrave alma atraveacutes do corpo Mas consideraccedilotildees sobre existecircncia e coisas uacuteteis quando surgem satildeo como o resultado de um longo e aacuterduo desenvolvimento envolvendo uma consideraacutevel quantidade de eventos tempo e instruccedilatildeordquo (186c) 37 Em PH 3 47 Sexto afirma que os sentidos satildeo lsquode sensaccedilatildeo simplesuacutenicarsquo (haplopathes) argumento que remete agrave discussatildeo no Teeteto de Platatildeo (184ss) mas tambeacutem a Criacutesipo (ldquoos objetos da sensaccedilatildeo como corpos satildeo compostos e os sentidos individuais percebem uma coisa definida este a cor outro o som e em todos os casos do presente nenhum sentido lembra o que eacute passado ou prevecirc o futuro Eacute funccedilatildeo de reflexatildeo interna e raciociacutenio entender a experiecircncia de cada sentido e inferir qual eacute o objeto e aceitaacute-lo no presente lembraacute-lo quando ausente e projetaacute-lo no futurordquo (cf SVF ii 879 - com base na interpretaccedilatildeo de Blank p 97)) Ver a qualificaccedilatildeo dada por Sexto sentido simples (haple) e natildeo-racional (alogos) Em M 9 437 a argumentaccedilatildeo eacute algo distinta Sexto diz aiacute que lsquouma qualidade complexa percebida por combinaccedilatildeo natildeo eacute um sensiacutevelrsquo O argumento de que os sensiacuteveis natildeo satildeo ensinaacuteveis parece relacionar-se tambeacutem ao argumento de que cada sentido percebe seu proacuteprio objeto sem instruccedilatildeo o que difere do argumento em PH 3254 de que tudo que eacute evidente natildeo eacute ensinado (Ver Blank p 98) 38 Aparentemente deriva da noccedilatildeo de lsquodar de encontro comrsquo (peripiptein) foi usado por Galeno para referir-se a uma das principais formas de obter evidecircncia dentro da escola empiacuterica de medicina uso atestado por Filodemo (cf Blank p 99) Blank traduz por ldquosensationrdquo Dalimier opta normalmente por ldquoexpeacuterience sensoriellerdquo mas nesta passagem usa ldquoaffection accidentellerdquo Periptosis e metabasis satildeo discutidos por Sexto em M 8 58-60 ldquoExperiecircncia sensoacuteria direta (he dia tes aistheseos periptosis) deve preceder toda concepccedilatildeo e por esta razatildeo se se anulam os sensiacuteveis (ta aistheta) necessariamente anula-se toda concepccedilatildeordquo e em M 9 390-402 M 11 250-6 e M 3 39-50 ldquoEm geral toda concepccedilatildeo se daacute de duas formas atraveacutes de evidecircncia perceptiva direta (kata periptosin enarge) ou atraveacutes de

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transferecircncia a partir de uma evidecircncia (kata ten apo ton enargon metabasin) esta uacuteltima apresenta trecircs modalidades semelhanccedila composiccedilatildeo e analogiardquo Tais termos satildeo usualmente estoicos bem como grande parte daqueles implicados nas aporias de sect 1-40 cf DL 7 53 39 Cf PH 3 49 e Contra os Fiacutesicos M 9 286 40 Usado aqui como sinocircnimo aparentemente de periptosis experiecircncia direta 41 Sobre contato fiacutesico ver Contra os Fiacutesicos M 9 258 42 Cf M 339-50 Sexto explica o processo (estoico) de conhecimento por transferecircncia a) por semelhanccedila (conceber Soacutecrates a partir de seu retrato ou seja pela experiecircncia direta de seu retrato concebe-se em transferecircncia a proacutepria pessoa de Soacutecrates) b) por composiccedilatildeo (quando se concebe um centauro a partir do homem e do cavalo pois haacute mistura de elementos dos quais se tem experiecircncia direta em algo que imaginamos) e c) por analogia de duas formas por aumentarmos ou diminuirmos qualidades conhecidas Assim concebemos os pigmeus um povo miacutetico para os gregos por diminuiccedilatildeo de algo que se oferece a nossa percepccedilatildeo o homem E por aumentarmos o que conhecemos do homem concebemos os Ciclopes Sexto insiste que estes processos soacute ocorrem se houver algo que se experienciou diretamente e que seja portanto jaacute conhecido A noccedilatildeo de transferecircncia aparece no contexto da filosofia epicurista e entre os meacutedicos empiacutericos Para os epicuristas a transferecircncia eacute uma relaccedilatildeo que pode adquirir inuacutemeras formas a) os epicuristas pensavam que a ideacuteia de que os deuses satildeo imortais e felizes adveacutem aos homens lsquopor transferecircncia a partir da condiccedilatildeo humanarsquo da mesma forma que a noccedilatildeo de Ciacuteclope eacute concebida por extrapolarmos a imagem do homem ordinaacuterio (M 9 45) b) a transferecircncia indica um modo de formaccedilatildeo de conceitos a partir da comparaccedilatildeo de imagens semelhantes c) a partir do II aC os epicuristas teriam utilizado a transferecircncia naquilo que Filodemo chama de ldquomeacutetodo de similaridaderdquo se A e B satildeo tais que natildeo se pode conceber que uma propriedade essencial de A natildeo esteja tambeacutem presente em B pode-se proceder ao seguinte raciociacutenio ldquose A eacute X B eacute Xrdquo no qual X eacute uma outra propriedade essencial de A O exemplo de Filodemo eacute ldquoSe Platatildeo eacute um homem entatildeo Soacutecrates tambeacutem eacute um homemrdquo (De signis col 17 De Lacy) Na medicina empiacuterica o conhecimento dos fenocircmenos se daacute fundamentalmente por constataccedilatildeo direta (autopsia) mas admite-se tambeacutem a historia ou seja o recurso agrave observaccedilotildees de outros quando estatildeo expostas e documentadas devidamente sem aparato lsquoracionalistarsquo Outro procedimento aceito eacute a metabasis a transferecircncia passar de um domiacutenio a outro sem justificaccedilatildeo teoacuterica (por associaccedilatildeo supomos epilogismos e natildeo analogismos como explicamos na primeira parte desta tese) e quando as circunstacircncias permitem Conveacutem atentar para o fato de que se para Sexto natildeo se apreende o corpo por transferecircncia eacute porque natildeo haacute uma experiecircncia sensoacuteria a partir da qual possa ocorrer a transferecircncia e natildeo porque a transferecircncia ela mesma fosse um modo ilegiacutetimo Conforme Pellegrin 2002 p 462-463

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43 Esta referecircncia que repete a passagem de M 11 226 provavelmente refere-se a M 9 359ss e natildeo a PH 3 38ss pelo uso de lsquomais detidamentecom mais precisatildeorsquo que Sexto em geral usa para qualificar M 7-11 Haacute referecircncias a esta mesma obra presume-se em M 129 33 e 282 M 2 106 e M 6 58 44 A precipitaccedilatildeo eacute uma caracteriacutestica dogmaacutetica repetidamente enfatizada por Sexto PH 3 281 PH 120 entre outras passagens Para o estoico a lsquoprecipitaccedilatildeorsquo (propeteia) era considerada um empecilho no caminho do conhecimento e definida como um viacutecio de pensamento que faz assentir a representaccedilotildees natildeo compreensivas (cf SVF iii 548) Sexto denuncia com este termo a propensatildeo ao julgamento Tal inclinaccedilatildeo eacute um traccedilo comum a todas as escolas filosoacuteficas classificadas como dogmaacuteticas 45 A foacutermula corresponde ao segundo verso do epitaacutefio de Midas rei da Friacutegia Eacute citada por Soacutecrates no Fedro (264d) e por Dioacutegenes Laeacutercio na Vida de Cleoacutebulo (1 89-90) 46 ldquoO mesmo tipo de referecircncia eacute feita pouco acima sect 29 e no Contra os Retores sect 106 com o substantivo (hupomnemata) correspondente ao verbo aqui utilizado (hupomnesamen) Trata-se sem duacutevida da longa demonstraccedilatildeo do tratado Contra os Fiacutesicos I [M 9] e natildeo da breve passagem de PH 1259rdquo DALIMIER ad loc Para Blank no entanto esta referecircncia remete agrave discussatildeo sobre o criteacuterio de verdade no Contra os Loacutegicos M 7 29-446 47 Como comenta Bett (2007 p 240) em sua traduccedilatildeo do Contra os Eacuteticos provavelmente Sexto tem em mente que a verdade seja aporeacutetica no sentido de que devido agrave falta de criteacuterio claro natildeo haacute como estabelecer sem controveacutersia o que eacute verdadeiro e o que natildeo eacute e como ele expocircs anteriormente natildeo haacute ensino do que estaacute sob disputa em sect 28 e em M 11 231 O argumento sobre ensinar-se o verdadeiro ou o falso eacute o primeiro da discussatildeo em PH 3 253 48 Este argumento parece uma versatildeo talvez mal colocada da distinccedilatildeo entre aparente x natildeo-evidente As distinccedilotildees entre tekhnikos x atekhnos satildeo no entanto relevantes a seguir o que se ensina eacute parte de uma arte (um preceito supomos) ou natildeo Se natildeo eacute parte de uma arte eacute porque eacute algo que natildeo demanda ensino (M 2 233) Se eacute parte de uma arte estaacute sujeito agrave divisatildeo habitual entre aparente por si proacuteprio x natildeo-evidente o aparente natildeo demanda ensino (portanto eacute atekhnos) e o natildeo-evidente como foi dito antes natildeo se ensina Bett (2007 p 240-1) comenta o trecho equivalente a este em M 11 233 considerando que Sexto refere-se a lsquoartersquo como um corpo consistente de conhecimentos ao inveacutes de implicar simplesmente um conjunto de atividades pois satildeo verdades ou seja proposiccedilotildees e natildeo comportamentos que satildeo ditos serem ou lsquoaparentesrsquo ou lsquonatildeo-evidentesrsquo Para os estoicos arte (tekhne) eacute um lsquosistema composto de apreensotildees (representaccedilotildees verdadeiras) organizadas em conjunto (ou co-exercitadas) (sustema ek katalepseon suggegumnasmenon) direcionadas a uma finalidade uacutetil ([Galeno] Def med XIX 350 SVF ii 94) ou alternativamente um lsquosistema composto de teoremas (theoremata) organizados em conjuntorsquo (Anecd gr Paris i 171) A lsquoarte de viverrsquo objeto dessa discussatildeo em Contra os Eacuteticos eacute pois um corpo de conhecimentos sistemaacutetico e articulaacutevel que eacute voltado para o viver adequada ou efetivamente a vida em geral

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Neste sentido ao afirmar que algo que natildeo faz parte de uma arte natildeo eacute ensinaacutevel Sexto poderia indicar a interpretaccedilatildeo de lsquoobjeto de ensinorsquo (to didaskomenon pragma) natildeo como entidades sobre as quais se ensina mas conjunto de proposiccedilotildees relativas a estas entidades No capiacutetulo IV da obra Sobre as escolas de medicina de Galeno os meacutedicos dogmaacuteticos censuram aos empiacutericos sua indefiniccedilatildeo vagueza e falta de meacutetodo pelo fato da lsquoexperiecircnciarsquo que eles advogam como base de sua arte ser precisamente atekhnon lsquosem artersquo (Manzano 2002 p 98 cf 112ss) Se considerarmos que to didaskomenon pragma refira-se a um lsquoconjunto de conhecimentos teoacutericosrsquo o entendimento das passagens em que Sexto conclui pela natildeo-existecircncia de to didaskomenon pragma teria obviamente uma interpretaccedilatildeo mais especiacutefica 49 ta tekhnika ton theorematon o termo theorema pode ter em grego o sentido especializado que possui em portuguecircs a palavra lsquoteoremarsquo ldquoproposiccedilatildeo que pode ser demonstrada por meio de um processo loacutegicordquo (HOUAISS) ou seja uma proposiccedilatildeo demonstrada a partir de princiacutepios anteriormente dados que tenham sido ou natildeo eles proacuteprios demonstrados Neste caso seu uso estaacute de certa forma limitado agraves ciecircncias matemaacuteticas ou altamente formalizadas Mas este estaacute longe de ser seu sentido principal Seus usos ainda que numerosos guardam em comum o referir-se ao sentido do verbo originaacuterio lsquoverrsquo lsquoolharrsquo lsquocontemplarrsquo como os demais vocaacutebulos etimologicamente relacionados De forma que estaria primeiramente indicando algo que haacute sido lsquoconsideradorsquo lsquoobjeto de reflexatildeo eou especulaccedilatildeorsquo Poreacutem de fato Sexto o usa geralmente natildeo para referir-se a uma simples observaccedilatildeo ou reflexatildeo mas a uma proposiccedilatildeo ou um conjunto de proposiccedilotildees que desempenham um papel de preceitos ou princiacutepios De forma que os theoremata de uma arte satildeo ao mesmo tempo seus elementos essenciais e suas regras de funcionamento Quando Sexto pretende atacar os theoremata da gramaacutetica ldquoaqueles sobre os quais ela fundamenta sua subsistecircnciardquo (90) ele comeccedila por se ater ao problema da divisatildeo da gramaacutetica em partes com a interessante comparaccedilatildeo com a medicina (95) Para os estoicos pelo menos depois de Criacutesipo toda arte possui theoremata que satildeo as proposiccedilotildees que formam seu quadro Eacute esta posiccedilatildeo estoica que o proacuteprio Sexto parece expor quando escreve que ldquose natildeo haacute theorema proacuteprio a uma arte natildeo se pode distinguir a ausecircncia de arte da arterdquo (M 8 280) Portanto toda arte depende de seus theoremata proacuteprios Crisipo teria escrito um tratado Sobre os theoremata com vistas a produccedilatildeo de silogismos Em Do destino Ciacutecero chama theoremata (percepta) da arte divinatoacuteria proposiccedilotildees como esta ldquose algueacutem nasce durante a Caniacutecula natildeo morreraacute no marrdquo Por fim se a virtude eacute uma tekhne como pensam os estoicos devem existir teoremas eacuteticos e Dioacutegenes Laeacutercio explica que se as virtudes acompanham umas agraves outras de forma que natildeo se pode possuir uma sem que se possua tambeacutem as outras isso se deve ao fato de que seus teoremas satildeo comuns O emprego do termo theorema pelos meacutedicos empiacutericos eacute ainda mais interessante Combina a definiccedilatildeo estoica do teorema e as exigecircncias epistemoloacutegicas dos empiacutericos Para os empiacutericos com efeito natildeo haacute conhecimento meacutedico ndash e conhecimento em geral ndash a natildeo ser o que estaacute diretamente baseado em observaccedilatildeo Mas esta observaccedilatildeo repetindo-se adquire um valor gnosioloacutegico superior Ela tambeacutem pode ser fortalecida pelo recurso agrave observaccedilotildees dos outros ndash o que eacute chamado lsquohistoriarsquo Galeno atribui a um meacutedico empiacuterico que expotildee os princiacutepios de sua doutrina tais palavras ldquodizemos que um teorema eacute o

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conhecimento de uma coisa que se viu um certo nuacutemero de vezes ao mesmo tempo que envolve o conhecimento claro dos resultados em contraacuteriordquo (Subf Emp apud Frede 1985 p 25) Da mesma forma um dos outros grandes princiacutepios da medicina empiacuterica eacute a transferecircncia (metabasis) de um resultado para fora de seu domiacutenio de origem Assim os meacutedicos empiacutericos aplicam na perna enferma um unguento que curou a mesma afecccedilatildeo no braccedilo Esta experiecircncia eacute dita lsquoimitativarsquo Galeno em seu tratado De sectis (apud Frede 1985 p 4) assim explica o que eacute um teorema para os empiacutericos ldquoeacute esta espeacutecie de experiecircncia [a saber a experiecircncia imitativa] que mais contribuiu para sua arte Pois tendo eles imitado natildeo apenas duas ou trecircs vezes mas um grande nuacutemero de vezes o que revelou-se beneacutefico em ocasiotildees preacutevias e descoberto que em condiccediloes anaacutelogas apresenta basicamente o mesmo efeito eles chamam tal memoacuteria de teorema acreditando que seja portanto confiaacutevel e faccedila parte da arterdquo Nota escrita com base em Pellegrin 2002 p 460-462 50 O argumento sextiano implica conceber o lsquoentendidorsquo como algueacutem que possui um conhecimento fechado natildeo compartilhado e ao qual natildeo se acrescenta nada Tal concepccedilatildeo teria como pano de fundo a definiccedilatildeo estoica de tekhne ldquosistema de apreensotildeescogniccedilotildees co-exercitado em direccedilatildeo a algum fim uacutetil para a vida (SVF i 73 ii 93-7 M 2 10 I 75 7 373 11 182 PH 3 188 241 251 261) com o acreacutescimo de que cada cogniccedilatildeo dentro deste lsquosistemarsquo teria que estar simultaneamente presente nele para que fosse dito de algueacutem que domina determinada lsquoartersquo Portanto natildeo haveria parte da lsquoartersquo fora do sistema ou seja que fosse desconhecida para o lsquoentendidorsquo Esta abordagem desconsidera a distinccedilatildeo estoica entre tekhne e episteme observa Blank (1998 p 103) pois eacute a esta uacuteltima que se referem como um todo autocircnomo um sistema em que as cogniccedilotildees satildeo mutuamente dependentes Sexto por exemplo afirma que os estoicos consideraram virtudes como tekhnai (PH 3188) quando na verdade elas seriam mais propriamente epistemai (SVF iii 104) E assim ele justifica dispensar a toda tekhne o tratamento que os estoicos deram agrave virtude se vocecirc a tem entatildeo todas suas partes estatildeo simultaneamente presentes e mutuamente vinculadas mas se vocecirc natildeo a possui entatildeo nenhuma das cogniccedilotildees individuais que vocecirc possa ter adquirido possuem na verdade qualquer caracteriacutestica de tekhne nem foram percebidas enquanto tekhnike Desse entendimento proviria a comparaccedilatildeo com o cego de nascimento que natildeo possui qualquer noccedilatildeo das cores o leigo por sua vez natildeo possuiria qualquer noccedilatildeo das proposiccedilotildees de uma lsquoartersquo (Blank p 104) Por outro lado a proacutepria flutuaccedilatildeo terminoloacutegica e opiniotildees distintas sustentadas por diferentes estoicos em eacutepocas tambeacutem distintas eacute motivo suficiente para Sexto consideraacute-las incoerentes 51 Contra os Eacuteticos M 11 168-215 argumentos contra a lsquoarte de viverrsquo atraveacutes da demoliccedilatildeo de seus teoremas Cf PH 3 259 52 O argumento aparece melhor exposto em PH 3 260-5 fazendo uso de paradoxos como os mencionados acima (sect 30-35) e aproximando-se do paradoxo de sorites com a conclusatildeo de que natildeo existem nem o que ensina nem o que eacute ensinado

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53 A discussatildeo sobre mudanccedila e passividade desenvolve-se em M 9 195-329 na passagem lsquoSobre causa e o passivorsquo o vir-a-ser e o perecer foram abordados em M 10 310-50 54 Enargeia (lsquoclaridadersquo aqui lsquoevidecircncia sensoacuteriarsquo) foi comumente utilizado para definir um estilo de escrita lsquovivazrsquo Como termo filosoacutefico eacute um sinocircnimo epicurista para a lsquorepresentaccedilatildeorsquo (phantasia) ou seja a evidecircncia dos sentidos que eacute sempre verdadeira oposta a uma opiniatildeo faliacutevel (M 7 210) Seguimos a leitura de Blank (p 106-7) que identificou a interposiccedilatildeo sextiana de to deikton lsquoo que pode ser apontadorsquo entre os termos epicuristas sinocircnimos enargeia e phainomenon como uma tentativa de evitar que a discussatildeo fosse considerada especificamente epicurista chamando a atenccedilatildeo para a contraposiccedilatildeo com o discurso (logos) 55 Esta primeira opccedilatildeo eacute sempre descartada por Sexto com referecircncia agrave muacutetua ininteligibilidade das liacutenguas (cf M 1 145 e PH 2 214) com a implicaccedilatildeo de que a lsquonaturezarsquo eacute a mesma para todos em qualquer parte Cf Bett 1997 p xiv ss acerca do que chama de lsquoa exigecircncia de universalidadersquo ser F por natureza em Sexto implica ser intrinsecamente F e por isso invariaacutevel 56 Cf a passagem de PH 3268-269 damos a traduccedilatildeo em inglecircs ldquo[] But if you need to learn the things which you do not already know and if you have not got knowledge of the things to which the words are assigned then you will not get a grasp of anything Hence the method of learning cannot subsistrdquo E na sequecircncia o argumento baseado na impossibilidade da apreensatildeo que natildeo estaacute presente nem em M 1 nem em M 11 ldquoAgain the teacher ought to instil in the learner an apprehension of the theorems of the expertise being taught so that the learner will in this way apprehend the compound of these and become expert But as we suggested above [PH 3 241] there is no such thing as apprehension This method of teaching then cannot subsist eitherrdquo Trad Annas Barnes 2000 Que o discurso signifique por convenccedilatildeo ou seja por terem sido lsquoconvencionadosrsquo os nomes natildeo eacute algo que Sexto diretamente rejeite a objeccedilatildeo que levanta faz uso da ambiguidade que Blank (1998 p 106) compara agravequela da passagem do Eutidemo de Platatildeo (277a) entre conhecer (compreender) o meio de comunicaccedilatildeo versus compreender seu conteuacutedo A terminologia de que Sexto se apropria nesta passagem seria epicurista informa-nos Blank (ibidem) remetendo agrave ligaccedilatildeo epistemoloacutegica estabelecida por Epicuro entre experiecircncia direta das coisas (enargeia) rarr preconcepccedilatildeo (prolepsis) rarr palavra Ou seja se os nomes natildeo significam por natureza natildeo satildeo imediatamente relacionados agrave coisa que designam portanto a experiecircncia direta com as coisas eacute imprescindiacutevel para associaacute-la ao nome porque eacute ela que gera a lsquopreconcepccedilatildeorsquo O argumento epicurista parece servir ao propoacutesito sextiano por ter imposto esta etapa 57 O foco recairaacute sobre o que cada disciplina propotildee seu epaggelma (39) (termo usado por Platatildeo (Protaacutegoras 319a Eutidemo 274a) para referir-se ao que os sofistas prometiam ser possiacutevel alcanccedilar atraveacutes de seus ensinamentos) Para atingir tais disciplinas de maneira efetiva Sexto dispotildee-se a demolir princiacutepios (arkhai) meacutetodos gerais (hai katholikai methodoi) ou finalidades (ta tele) Destruir a estrutura dos sistemas dogmaacuteticos eacute como Sexto

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normalmente caracteriza o ataque ceacutetico em oposiccedilatildeo agrave argumentaccedilatildeo em moldes dogmaacuteticos cf M 9 1-3 M 5 e M 6 No entanto poderia ser dito que a refutaccedilatildeo aqui subsequente percorre as duas vias fazendo uso de argumentos epicuristas 58 Comparar a partir de sect 9 com a introduccedilatildeo agrave parte final do Contra os Eacuteticos ldquoJunto com o fato de que natildeo existe a lsquoarte de viverrsquo (he peri ton bion tekhne) ficou tambeacutem demonstrado que natildeo eacute ensinaacutevel [] Mesmo assim vamos supor que exista e ensinar (didaskomen) que eacute natildeo-ensinaacutevel Haacute uma longa e variada discussatildeo entre os filoacutesofos a respeito do ensino mas noacutes de nossa parte vamos selecionar e expor os pontos principais dentre os quais o mais geral eacute usado pelos ceacuteticos para mostrar que natildeo existe o ensino e os demais satildeo ditos especiacuteficos contra a sabedoria praacutetica (phronesis) Primeiro por ordem trataremos das objeccedilotildees mais gerais (M 11 216-17)rdquo E na sequecircncia (M 11 217-56) expotildeem-se argumentos contra a possibilidade do ensino tais como os encontrados em M 1 9-38 Assim a argumentaccedilatildeo presente na Introduccedilatildeo do Contra os Professores (M 1 9-38) compotildee-se de um conjunto de elementos recorrentes na argumentaccedilatildeo ceacutetica usados em outros dois momentos por Sexto contra a lsquoarte de viverrsquo (he peri ton bion tekhne) na passagem de que tiramos o excerto citado M 11 168-256 e em PH 3 250-270 ldquoEste eacute o uacutenico caso nos escritos de Sexto em que suas trecircs obras conteacutem longas passagens cobrindo o mesmo assuntordquo (BETT p 225) A versatildeo da argumentaccedilatildeo ceacutetica contra o lsquoensinorsquo relatada por Dioacutegenes Laeacutercio (9 100) restringe-se agrave destruiccedilatildeo de lsquoo que se ensinarsquo ldquoEles costumavam tambeacutem negar a possibilidade do ensino (mathesis) Se algo eacute ensinado eles dizem ou o que existe eacute ensinado por existir ou o que natildeo existe por natildeo existir Mas nem o que existe eacute ensinado por existir ndash pois a natureza das coisas que existem aparece para todos e eacute conhecida (gignosketai) nem o que natildeo existe natildeo eacute ensinado por natildeo existir pois ao que natildeo existe nada se atribui assim tampouco o ser ensinadordquo Para possibilitar uma anaacutelise contextualizada da argumentaccedilatildeo de Sexto apresentaremos um resumo das outras duas passagens em que desenvolve seu ataque contra o lsquoque se ensinarsquo tal como mencionamos acima ao final do livro 3 das Hipotiposes Pirrocircnicas e na parte final do Contra os Eacuteticos Nosso resumo estaacute baseado na anaacutelise de Blank (1998 p 87-90) mas traduzimos os termos e acrescentamos elementos conforme nossa proacutepria anaacutelise geral PH 3 253-8 A) (253) O que se ensina (to didaskomenon) ou eacute verdadeiro ou eacute falso

a) o falso eacute inexistente (anuparktos) e natildeo haveria instruccedilatildeo (didaskalia) do que natildeo tem existecircncia

b) o verdadeiro tambeacutem eacute inexistente como foi demonstrado com referecircncia ao criteacuterio de verdade

logo nada eacute ensinado (ouden didasketai) B) (254) A coisa que se ensina ou eacute aparente (phainomenos) ou eacute natildeo-evidente (adelos)

a) o que eacute aparente para todos natildeo precisa ser ensinado b) o que eacute natildeo-evidente eacute objeto de permanente desacordo e assim natildeo pode ser

ensinado (didakton) jaacute que o que natildeo pode ser compreendido (katalambanei) natildeo pode ser ensinado (didaskein) nem aprendido (manthanein)

logo nada eacute ensinado

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C) (255) O que se ensina ou eacute corpoacutereo ou eacute incorpoacutereo ambos estatildeo sujeitos agrave divisatildeo

anterior entre aparente e invisiacutevel logo natildeo eacute ensinado nada (ouk ara didasketai ti) D) (256-8) Ou eacute ensinado o que existe ou o que natildeo existe

a) os ensinos (hai didaskaliai) satildeo proacuteprios das coisas verdadeiras assim se algo que natildeo existe eacute ensinado torna-se verdadeiro e teraacute existecircncia (huparksei) pois lsquoelesrsquo dizem que esta eacute a definiccedilatildeo de verdadeiro mas eacute absurdo dizer que o que natildeo existe tem existecircncia (huparkhei)

logo natildeo eacute ensinado o que natildeo existe b) O que existe tem que ser ensinado ou porque eacute algo que existe (katho on estin) ou

porque eacute outra coisa (katrsquoallo ti) b1) se eacute ensinado porque eacute algo que existe entatildeo de tudo que existe nada eacute natildeo-ensinaacutevel (allrsquoei men katho on esti didakton ton onton eacutestai ouden adidakton) e por isso tambeacutem natildeo seraacute ensinaacutevel (dia de touto oude didakton) porque o ensino tem iniacutecio com base no que haacute acordo e eacute natildeo-ensinaacutevel (tas gar didaskalias ek tinon homologoumenon kai adidakton ginesthai prosekei) (texto grego conforme as correccedilotildees de Blank 1998 p 92) logo o que existe natildeo eacute ensinado porque eacute algo que existe b2) o que existe natildeo possui qualquer atributo (sumbebekos) que seja algo que natildeo existe assim se natildeo eacute ensinado porque eacute algo que existe natildeo seraacute ensinado porque eacute outra coisa

c) Aleacutem disso jaacute que o que existe e o que natildeo existe devem ser ou aparentes ou natildeo-evidentes voltamos agrave aporia mencionada em B e natildeo satildeo ensinados nem um nem outro

logo nada eacute o que se ensina (ouden estin to didaskomenon)

M 9 219-33 I) Se alguma coisa eacute ensinada (ei didasketai ti pragma) ou eacute ensinado o que existe ou o

que natildeo existe A)

i) (219) o que natildeo existe natildeo possui qualquer atributo (symbebeke) portanto nem o de ser ensinado

ii) se o que natildeo existe eacute ensinado seraacute verdadeiro pois o ensino eacute proacuteprio das coisas verdadeiras mas se for verdadeiro teraacute existecircncia jaacute que esta eacute a definiccedilatildeo estoica de verdade (cf M 5III 6-10 e abaixo) mas eacute absurdo que o que natildeo existe exista

logo natildeo eacute ensinado o que natildeo existe iii) O que se ensina (to didaskomenon) eacute ensinado atraveacutes da representaccedilatildeo

mental que nos provoca (kinoun phantasian) e o que natildeo existe natildeo pode provocar uma representaccedilatildeo mental

logo o que natildeo existe natildeo eacute ensinaacutevel (didakton) iv) (221) se o que natildeo existe eacute ensinado nada verdadeiro eacute ensinado pois a

verdade eacute proacutepria das coisas que satildeo e existem (ton onton kai huparkhonton) e entatildeo tudo que se ensina eacute falso o que eacute absurdo

logo o que natildeo existe natildeo eacute ensinado

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v) se o que natildeo existe eacute ensinado ou eacute ensinado porque eacute algo que natildeo existe

(katho me on esti) ou porque eacute alguma outra coisa mas se eacute ensinado porque eacute algo que natildeo existe estaraacute sendo ensinado como sendo nada (ouden on didakhthesetai) o que eacute absurdo E natildeo eacute ensinado porque eacute alguma outra coisa pois alguma coisa eacute algo mas o que natildeo existe natildeo eacute

B) (222) Se o que existe eacute ensinado entatildeo ou eacute ensinado porque eacute algo que existe ou porque eacute alguma outra coisa

i) se eacute ensinado porque eacute algo que existe entatildeo natildeo existiraacute nada natildeo-ensinaacutevel (ouden eacutestai adidakton) tampouco existiraacute algo a ensinar (oude ge eacutestai ti didaskomenon) porque eacute preciso que exista algo natildeo ensinaacutevel para com base nisso ocorrer o ensino (dei gar adidakton ti einai hina ek toutou mathesis genetai)

logo natildeo seria ensinado o que existe porque eacute algo que existe ii) (223) E qualquer atributo do que existe eacute algo que existe assim se natildeo eacute

ensinado porque eacute algo que existe tampouco seraacute ensinado por ser alguma outra coisa

Logo nenhuma coisa das que existem eacute ensinada (ouden ton onton didasketai) Assim a versatildeo de M 1 aproxima-se de M 11 por comeccedilar com a divisatildeo entre o que existe e o que natildeo existe por incluir o argumento o que natildeo existe natildeo pode provocar uma representaccedilatildeo e por dar a divisatildeo entre corpoacutereo e incorpoacutereo apoacutes aquela primeira Por outro lado a expressatildeo lsquoporque eacute algo que existersquo (kata ou katho) presente tanto em M 11 222 quanto em PH 3 257 eacute substituiacuteda em M 1 10 (e em Dioacutegenes Laeacutercio (9100)) por um dativo de causa (toi einai) lsquopor existirrsquo Resulta pois difiacutecil estabelecer qual a relaccedilatildeo precisa entre estas passagens Blank (p 89-90) acredita que Sexto modificou seus argumentos anteriores para remover a referecircncia direta agrave teoria estoica (M 11 219) e assim tornaacute-los aplicaacuteveis a qualquer divisatildeo filosoacutefica entre o que existe e o que natildeo existe De fato esta eacute a divisatildeo fundamental para platocircnicos peripateacuteticos e epicuristas Contudo tal movimento teria prejudicado a argumentaccedilatildeo de M 1 pois sem a referecircncia agrave teoria estoica e de fato sem qualquer referecircncia anterior agrave verdade primeiriacutessimo argumento em PH 3 o argumento de Sexto em M 1 12 e 13 parece mal formulado e um tanto breve Assim pois Blank considera interpolaccedilotildees as passagens que buscam consertar o argumento 59 Kaster (1997 p 42ss 447ss passim) mostrou que as ocorrecircncias mais antigas de grammatikos indicam exclusivamente algueacutem que aprendeu as letras ou seja que pode ler e escrever em oposiccedilatildeo a um lsquoiletradorsquo ou analfabeto (agrammatos) A partir do final do seacuteculo IV aC o termo grammatistes foi utilizado para o professor de leitura e escrita E em algum momento a partir do seacuteculo III aC e jaacute regularmente no seacuteculo II aC grammatikos passou a descrever o professor de lsquoliteraturarsquo tambeacutem como um tiacutetulo profissional embora o sentido original tenha persistido em uso O uso teacutecnico de grammatikos como o que se dedica agrave grammatike ou seja agrave criacutetica textual e literaacuteria estaacute evidentemente relacionado ao surgimento desta arte no fim do seacuteculo III aC no ambiente histoacuterico da Alexandria de Ptolomeu

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60 Que a gramaacutetica seja a primeira e ponto de partida para o ensino das outras disciplinas parece relacionar-se evidentemente ao letramento No entanto como Sexto expotildee adiante a parte da gramaacutetica que trata apenas da alfabetizaccedilatildeo natildeo seraacute alvo de seu ataque Satildeo alvo de seu ataque as reivindicaccedilotildees que defendem o conhecimento da gramaacutetica em termos abertamente pretensiosos vinculando diversas habilidades intelectuais ao seu estudo Entre estas por exemplo as de Fiacutelon de Alexandria (De Cong) que apresenta a proacutepria deusa lsquoSabedoriarsquo a recomendar o estudo das artes lsquoliberaisrsquo como preparaccedilatildeo para os que desejam associarem-se a ela e menciona primeiro a gramaacutetica o que eacute comum nestas listas mas acrescenta a gramaacutetica ensina o conhecimento compartilhado (historia) em poetas e prosadores nos daacute inteligecircncia e polimatia e nos ensina a desprezar ideacuteias tolas ao revelar os infortuacutenios de semi-deuses e heroacuteis celebrados na literatura Tambeacutem houve declaraccedilotildees que vincularam a gramaacutetica agrave capacidade de reconhecer e consequentemente discernir termos ambiacuteguos ou polissecircmicos Cf Blank p 109-110 61 Aulo Geacutelio (16815-17) refere-se ao estudo da dialeacutetica como sendo tatildeo encantador quanto as Sereias 62 ldquoO que geralmente se entende por gramaacutetica alexandrina eacute um conjunto de expedientes doutrinaacuterios aplicados na anaacutelise na fixaccedilatildeo e na ediccedilatildeo de textos literaacuterios claacutessicos O trabalho dessa gramaacutetica eacute fundamentalmente o de criacutetica textual []rdquo (Chapanski 2003 p 3) Neste sentido criacutetica textual refere-se tanto ao conjunto das lsquoliccedilotildeesrsquo ou lsquoleiturasrsquo (anagnoseis) propostas pelos gramaacuteticos em suas ediccedilotildees dos textos quanto ao lsquoreconhecimentorsquo de caracteriacutesticas dos textos implicadas em sua lsquoleitura em voz altarsquo ldquoO gramaacutetico antigo entende que para ler bem eacute necessaacuterio conhecer a demanda de cada gecircnero do texto o tipo de vocalizaccedilatildeo que lhe eacute adequada a entonaccedilatildeo caracterizadora de cada tipo de poema [] aleacutem de tudo era necessaacuterio resgatar a suposta pronuacutencia claacutessica e com ela o ritmo dos poemas oriundo da alteraccedilatildeo quantitativa das siacutelabasrdquo (Chapanski op cit p 80-81) 63 Contra os Astroacutelogos (M 5) e Contra os Muacutesicos (M 6) tambeacutem apresentam distinccedilotildees similares apontando as caracteriacutesticas das disciplinas que seratildeo atacadas e aquelas que satildeo consideradas uacuteteis Para a astronomia satildeo apresentados trecircs sentidos (M 5 1-2) astronomia matemaacutetica que Sexto teria destruiacutedo ao atacar a aritmeacutetica e a geometria astronomia de observaccedilatildeo de fenocircmenos que pode ser uacutetil por prever pragas e cataacutestrofes naturais e aquela que lida com horoacutescopos praticada pelos caldeus essa sim um lsquoatraso de vidarsquo Tambeacutem a muacutesica pode ser entendida em trecircs sentidos o estudo de melodias notas e ritmos como praticado por Aristoacutexeno (alvo de Sexto) a habilidade praacutetica de tocar um instrumento e tambeacutem no sentido lsquoimproacutepriorsquo de algo que esteja harmoniosamente disposto (cf Blank p 116-7) Interessante comparar a distinccedilatildeo de Sexto com a descriccedilatildeo que Proclo (c 411-85) apresenta dos inimigos dos matemaacuteticos ldquoHaacute natildeo obstante aqueles indiviacuteduos combativos que se empenham em eliminar o valor desta ciecircncia alguns negando sua beleza e excelecircncia pelo fato de seus discursos natildeo tratarem destes temas [filosofia e outras artes e ciecircncias]

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outros afirmando que as ciecircncias empiacutericas que se voltam aos objetos sensiacuteveis satildeo mais uacuteteis que os teoremas gerais da matemaacutetica A mensuraccedilatildeo da terra eles dizem eacute mais uacutetil que a geometria a aritmeacutetica popular mais uacutetil que a teoria dos nuacutemeros e a navegaccedilatildeo mais uacutetil que astronomia geral Pois natildeo nos tornamos ricos por saber o que eacute a riqueza mas por nos apropriarmos dela nem somos mais felizes por saber o que eacute a felicidade mas por viver uma vida feliz Deveriacuteamos pois concordar dizem eles que as ciecircncias empiacutericas e natildeo as teorias dos matemaacuteticos contribuem mais para a vida humana Aqueles que ignoram os princiacutepios mas praticaram resolvendo problemas particulares satildeo muito superiores em satisfazer as necessidades humanas que aqueles que gastaram seu tempo nas escolas estudando teoria apenasrdquo (Comentaacuterios ao Primeiro Livro dos Elementos de Euclides 25-26) (MORROW 1970 p 22) 64 Aqui tal como em sect 132-140 optamos pela traduccedilatildeo lsquopartes da sentenccedilarsquo pois o ataque de Sexto se constroacutei com base na relaccedilatildeo parte-todo ele natildeo discutiraacute propriamente o conceito de lsquopartes da oraccedilatildeorsquo no sentido de classes de palavras ainda que discuta o que se fala sobre o lsquonomersquo certamente tendo-o considerado de fato neste sentido 65 Comparar com as outras passagens no Contra os Professores em que Sexto isola o alvo de seus ataques M 3 6 5 1 6 3 Conveacutem enfatizar que a gramatiacutestica natildeo deixa de ser dita uma tekhne 66 Esta passagem parece importante para caracterizar a visatildeo do proacuteprio Sexto Acima ele afirma ser favoraacutevel ao estudo das letras para aprender a ler e escrever Portanto a gramatiacutestica natildeo seria um estudo especializado no sentido que quisemos imprimir a este termo apenas a gramaacutetica completa o seria Aqui ele afirma que o telos (lsquopropoacutesitorsquo lsquofimrsquo lsquoobjetivorsquo lsquofinalidadersquo) de toda tekhne (arte) eacute uacutetil A gramatiacutestica portanto eacute uma arte Bem como a medicina e a navegaccedilatildeo a seguir Sexto introduz o termo tekhne em um sentido lsquoteacutecnicorsquo somente quando separa a gramaacutetica uacutetil da inuacutetil Mais agrave frente sect 54 ele carateriza a gramatiacutestica como a que transmite os elementos por observaccedilatildeo elementos que satildeo uacuteteis para a conduccedilatildeo da vida As coisas da gramaacutetica completa eacute que satildeo inuacuteteis 67 A introduccedilatildeo do alfabeto feniacutecio na Greacutecia era tradicionalmente atribuiacuteda a Cadmo heroacutei fundador de Tebas casado com Harmonia Cf Sch DThr GG I 3 p 33-35 68 As definiccedilotildees de Gramaacutetica na Antiguidade ateacute o seacutec II aC satildeo analisadas no trabalho de Seppaumlnen 2013 69 A lsquoinconsistecircnciarsquo eacute normalmente o resultado da argumentaccedilatildeo aporeacutetica acerca de itens que ou satildeo constituiacutedos de partes ou fazem parte de um sistema estruturado tal como qualquer tekhne racionalista A lsquoconsistecircnciarsquo (lsquocoerecircnciarsquo ou lsquoconstituiccedilatildeorsquo) (sustasis) de uma tekhne deriva de seus teoremas e a consistecircncia de cada teorema resulta de uma formulaccedilatildeo clara e natildeo-contraditoacuteria cuja prova se daacute por meio de outros teoremas e por meio dos princiacutepios da tekhne (cf M 3 21 4 3-4 5 49 6 61) Cf Blank p 128

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70 Sexto parece referir-se ao texto de Dioniacutesio Traacutecio pelo tiacutetulo de Paraggelmata (Preceitos) Ao tratado atribuiacutedo a Dioniacutesio Traacutecio tal como o possuiacutemos daacute-se tradicionalmente o tiacutetulo de Tekhne Grammatike (Arte Gramatical) De nossa parte nos referimos a ele como DThr 71 Comparar com a passagem na DThr ldquoGramaacutetica eacute o conhecimento empiacuterico do comumente dito ltnas obrasgt dos poetas e prosadoresrdquo (Trad Chapanski 2003 p 21) Grammatike estin empeiria ton para poietais te kai suggrapheusin hos epi to polu legomenon Tentamos reter a ambiguidade da expressatildeo utilizada por Sexto hos epi to pleiston lsquona maior partersquo pois pode referir-se tanto agrave gramaacutetica lsquoa gramaacutetica eacute em sua maior parte rsquoquanto ao objeto da gramaacutetica lsquoa maior parte do que dizem poetas e escritoresrsquo Estas duas interpretaccedilotildees faratildeo parte da argumentaccedilatildeo sextiana agrave frente O uso de pleiston (lsquoa maior partersquo) como superlativo de polu (lsquogrande partersquo) poderia sugerir uma tendecircncia universalista agrave formulaccedilatildeo de Sexto No entanto no escoacutelio de DThr quando os comentadores discutem a questatildeo da universalidade ou particularidade da gramaacutetica as duas expressotildees satildeo intercambiaacuteveis cf Blank p 129 Haacute certa polecircmica acerca de qual seria a versatildeo lsquooriginalrsquo de Dioniacutesio Sluiter (2011 p 310) no entanto acredita que as duas versotildees de DThr e Sexto satildeo simplesmente sinocircnimas 72 Nas discussotildees sobre as tekhnai uma das exigecircncias correntes eacute a de terem uma tarefa que lhes seja proacutepria especializada natildeo compartilhada com outras tekhnai 73 ἤδη pode ter um sentido temporal e significar lsquoagorarsquo implicando que comentaacuterios a obras filosoacuteficas tivessem aparecido mais tardiamente Cf Dalimier ad loc Talvez a fonte epicurista tenha pretendido apontar esta distinccedilatildeo mas de qualquer forma aqui natildeo parece haver ecircnfase nesta possiacutevel oposiccedilatildeo 74 Tuciacutedides VI 4-5 75 Devido a ausecircncia deste termo no corpus conhecido da obra de Tuciacutedides e nos lexicoacutegrafos da Antiguidade a tradutora francesa propotildee a seguinte interpretaccedilatildeo ldquoO verbo torneuo lsquotornearrsquo aparece em Platatildeo (Timeu 33b 69c 73e Criacutetias 113d) e aplica-se a uma criaccedilatildeo perfeita conforme agrave regra e agrave medida (analoga kai summetra) e que remove as irregularidades (anomalotes) Aristoacuteteles recupera a imagem no Tratado sobre o Ceacuteu 287b15 (o mundo eacute entornos lsquobem torneadorsquo) Pode-se portanto compreender a frase deste modo lsquoespera-se deles que ao torneaacute-las digam o que significam de maneira regularrsquo Torneuontes neste caso natildeo seria uma palavra usada como exemplo mas aplicar-se-ia ao comentaacuterio dos gramaacuteticos assimilada por forccedila da metaacutefora com a criaccedilatildeo analoacutegica divinardquo Dalimier ad loc 76 Demoacutestenes Sobre a coroa 122 o termo eacute usado como alusatildeo agraves injuacuterias que se lanccedilam durante um desfile ritualizado

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77 A escrita tradicional natildeo continha nenhuma marcaccedilatildeo diacriacutetica de acentos ou aspiraccedilotildees e tampouco se separavam as palavras Providenciar as marcaccedilotildees adequadas agrave leitura oral era trabalho do gramaacutetico ΗΔΟΣ como uma soacute palavra eacute um termo homeacuterico eoacutelico que significa lsquoprazerrsquo (edos) Em Platatildeo eacute uma foacutermula fixa constituiacuteda de trecircs palavras (verbo-partiacutecula-pronome ἦ δ ὅς (e drsquohos) equivalente a lsquodisse elersquo que permite introduzir a reacuteplica de um personagem Cf Dalimier ad loc 78 Personagem mal identificado Muitos gramaacuteticos alexandrinos chamaram-se Ptolomeu Provavelmente teria atuado pouco depois do proacuteprio Dioniacutesio Pagani 2011 p 19 A mesma criacutetica aparece no Sch DThr sem autoria especificada (Sch DThr 165 16-166 12) 79 Tratado desconhecido pode ser o mesmo a que Sexto se refere como Tratados Meacutedicos em Contra os Loacutegicos M 7 262 80 ho bios literalmente lsquoa vidarsquo expressatildeo frequentemente utilizada ao longo do texto neste sentido de lsquoliacutengua vivarsquo lsquolinguagem correntersquo 81 Metrodoro de Lacircmpsaco amigo e disciacutepulo de Epicuro 82 A tradutora francesa aponta para o uso teacutecnico de kathistemi lsquoencontrar regularmentersquo entre os gramaacuteticos por exemplo em Apolocircnio Diacutescolo Sobre as conjunccedilotildees 232 12-20 Cf Dalimier ad loc 83 Objeccedilatildeo que se apoia na primeira interpretaccedilatildeo da foacutermula hos epi to pleiston aplicada agrave gramaacutetica 84 To hellenikon ho hellenismos o helenismo aplicado agrave liacutengua eacute o criteacuterio ideal pelo qual se julga sua pureza e correccedilatildeo Como termo teacutecnico parece estar vinculado ao trabalho de ediccedilatildeo dos textos antigos durante o periacuteodo heleniacutestico Parte importante deste trabalho era lsquojulgarrsquo a qualidade do material disponiacutevel e apontar correccedilotildees Os lsquoeditoresrsquo deveriam seguir portanto uma norma pela qual identificavam as corrupccedilotildees do texto Este lsquopadratildeorsquo no entanto natildeo era uacutenico consideravam-se as variedades dialetais lsquoliteraacuteriasrsquo do grego O helenismo foi mesmo definido como o uso correto de todos os dialetos (Ps ndashHerodiano De barb et sol 311 9) Esta atividade acaba integrada agrave dinacircmica da variaccedilatildeo linguiacutestica entre cultos e iletrados no mundo antigo Expressar-se bem eacute uma das virtudes mais louvaacuteveis desde Homero e fator de sucesso social extremamente relevante durante a democracia grega As habilidades linguiacutesticas combinavam-se ao estudo da muacutesica e da ginaacutestica e parecem ter sido vistas como resultado de uma educaccedilatildeo moralizante Contudo rapidamente ocorre um processo de conscientizaccedilatildeo acerca da maleabilidade do discurso e da manipulaccedilatildeo de seu efeito pela manipulaccedilatildeo de sua lsquocomposiccedilatildeorsquo Ou seja a partir da aquisiccedilatildeo de habilidades especiacuteficas natildeo mais necessariamente vinculadas agrave formaccedilatildeo do caraacuteter do sujeito como um todo A retoacuterica aponte-se jaacute eacute um tema de longa tradiccedilatildeo no periacuteodo heleniacutestico Parece ter havido no entanto uma confluecircncia destas tendecircncias moralizantes especiacuteficas e retoacutericas com o

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trabalho erudito dos lsquoeditoresrsquo e os criteacuterios que valoravam as obras literaacuterias teriam passado a exercer uma autoridade coerciva sobre a expressatildeo do homem comum e uma autoridade mediadora do contato do lsquohomem livrersquo com a lsquoaltarsquo cultura Na traduccedilatildeo para este termo aparecem as expressotildees lsquofalar grego corretamentersquo lsquousar a liacutengua grega corretamentersquo lsquoo grego corretorsquo ou apenas o adjetivo lsquocorreto(a)rsquo Ver nota na seccedilatildeo sobre a correccedilatildeo (lsquohelenismorsquo) sect 176-247 mais agrave frente 85 Aqui ao inveacutes de retomar a expressatildeo hos epi to pleiston na sua segunda interpretaccedilatildeo Sexto utiliza kata to pleiston aplicada agrave expressatildeo participial lsquoo que dizem poetas e escritoresrsquo 86 poieomai ton horon lsquodar uma definiccedilatildeorsquo ou lsquoestabelecer limitesrsquo 87 Ou seja ars longa vita brevis A versatildeo hipocraacutetica continua lsquoa vida eacute curta a arte eacute longa a oportunidade eacute fugaz o experimento eacute incerto e o julgamento difiacutecilrsquo (ho bios brakhus he de tekhne makre ho de kairos oksus he de peira sphalere he de krisis khalepe) (Aph 11) 88 Caacuteres provavelmente deve ser identificado com Cairis (Khairis) ativo no seacutec I aC e citado pelo Sch DThr (118 9-10) como autor desta mesma definiccedilatildeo Cf Blank p 137-138 Dalimier ad loc Pagani 2011 p 19 89 Tambeacutem Eratoacutestenes (276 aC-194 aC) um dos mais renomados eruditos alexandrinos teria definido a gramaacutetica como uma heksis lsquoa gramaacutetica eacute uma habilidade [ou mestria] completa nas letras em que letras se refere a composiccedilotildeesrsquo (grammatike estin heksis panteles en grammasi grammata kalon ta suggramata) (Sch DThr 160 10-11) Aliaacutes fora a definiccedilatildeo presente no texto hipocraacutetico esta parece ser a mais antiga definiccedilatildeo de gramaacutetica que possuiacutemos Sobre a definiccedilatildeo de Eratoacutestenes e sobre heksis ver o valioso artigo de Matthaios 2010 ldquoCom sua definiccedilatildeo de lsquogramaacuteticarsquo Eratoacutestenes marcou a passagem do periacuteodo preacute-teoacuterico para o periacuteodo cientiacutefico da disciplina filoloacutegica Como a erudiccedilatildeo estava se afastando da responsabilidade do filoacutesofo e da profissatildeo dos poetas Eratoacutestenes um filoacutesofo erudito emprestou-lhe suas roupas epistemoloacutegicas definindo sua terminologia e conteuacutedosrdquo (ibidem p 85) 90 mathematike cf Contra os Astroacutelogos 1 91 Forma eoacutelica atestada em numerosas passagens homeacutericas 92 Cf Iliacuteada 22 190 93 Desconhecido talvez segunda metade do seacutec I aC Ver Seppaumlnen 2013 p 87ss 94 Blank (1998 p 147) nos informa que nos comentaacuterios a DThr encontram-se principalmente divisotildees quadripartites Usener (editor dos fragmentos epicuristas) teria

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apontado como origem delas a divisatildeo de Tiracircnio gramaacutetico grego ativo em Roma por volta do seacutec I aC leitura oral interpretaccedilatildeo criacutetica textual julgamento Os comentaacuterios indicam ainda que esta divisatildeo refletia o desenvolvimento de uma aula ldquoo estudante leria a passagem escolhida oralmente entatildeo o professor ofereceria uma explicaccedilatildeo de cada palavra no texto e logo da passagem toda seguida por correccedilotildees ao texto que eram entatildeo coroadas pelo julgamento ou criacutetica da passagemrdquo Blank ibidem 95 Historia aqui tem o sentido que originado na filosofia jocircnica do seacutec VI aC remete agrave investigaccedilatildeo inquiriccedilatildeo busca de informaccedilotildees No periacuteodo heleniacutestico referia-se principalmente agrave busca realizada em livros ou seja agrave pesquisa Usa-se tanto para a atividade de investigaccedilatildeo quanto para o produto desta investigaccedilatildeo ie para os dados levantados e dispostos em coletacircneas Na medicina designava um dos modos de obter conhecimento admitidos pelos empiacutericos a historia era a consulta agraves lsquoanotaccedilotildeesrsquo de outros meacutedicos relativas a um caso semelhante Portanto pode carregar tambeacutem o sentido de lsquoconhecimento compartilhadorsquo 96 Apesar de entre os romanos ter se tornado mais comum uma divisatildeo dupla remetendo a regras da liacutengua e anaacutelise de obras literaacuterias por exemplo lsquoa arte de falar corretamente e a explicaccedilatildeo de poetasrsquo (Quintiliano I 4 2) em Secircneca (Ep 88) encontramos uma divisatildeo muito parecida agrave de Sexto ldquoO gramaacutetico se encarrega do cuidado com a liacutengua e se ele quer ir aleacutem com histoacuterias (historiae) e finalmente se ele deseja demarcar um territoacuterio amplo com a poesiardquo 97 Cf Quintiliano I 4 3 ldquotanto as regras da escrita se combinam com as do falar como uma leitura correta precede a explicaccedilatildeo e um juiacutezo criacutetico permeia a ambasrdquo (Trad Pereira 2000) 98 Se Sexto houvesse continuado o argumento anterior e calculado para as cinco vogais breves as cinco marcas prosoacutedicas e o mesmo com as cinco vogais longas calculando suas seis variaccedilotildees ele teria chegado ao nuacutemero cinquenta e cinco no total 99 Esses caacutelculos satildeo ainda mais irocircnicos se considerarmos que houve uma tendecircncia a oferecer explicaccedilotildees racionais acerca do nuacutemero e ordem de quaisquer elementos Sobre tais discussotildees haacute uma anedota em Plutarco (Moralia ndash Quaest Conv 738c ss) citada por Blank (ibidem) apoacutes ouvir os outros convivas exporem analogias e numerologias para explicar o nuacutemero das letras o grammatistes Zopyrus rindo muito afirmou que o nuacutemero das letras eacute aleatoacuterio uma questatildeo de coincidecircncia e natildeo razatildeo 100 Isso foi dito por Criacutesipo 11422-6 (LS 50A) 101 Este termo parece ser uma invenccedilatildeo estoica e eacute mencionado por Sexto em PH 3 108 em relaccedilatildeo agrave mudanccedila em M 10176 sobre o tempo em M 10 64 sobre o movimento em M 7 279 acerca do lsquohomemrsquo conceitual e na aporia da parte versus o todo em M 9 352 Na uacuteltima passagem ele argumenta que se lsquopartersquo existe apenas na mente de algueacutem por lsquomemoacuteria

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conjuntarsquo entatildeo o homem pode existir externamente mas se lsquopartersquo do homem tal como seu pescoccedilo estaacute na nossa mente ndash o que seria desconfortaacutevel (sic) ndash ou se ambos parte e todo estatildeo em nossa mente permanece o problema sobre o todo ser (concebido como) algo aleacutem de suas partes 102 Argumento que parece envolver as dificuldades enfrentadas pelos estoicos acerca da incorporalidade do tempo e o status de passado presente e futuro em sua ontologia cf Plutarco (Comm not 1081C-1082A (LS 51C)) que expotildee os paradoxos das opiniotildees de Criacutesipo sobre o assunto 103 As afirmaccedilotildees de filoacutesofos gramaacuteticos e retoacutericos referindo-se agrave partes da sentenccedila (logou) e partes da expressatildeo (lexeos) satildeo antecedentes das listas de classes de palavras Mas em geral estas partes parecem ter sido entendidas como elementos lsquoloacutegicosrsquo necessariamente ou potencialmente relacionados agraves outras partes A traduccedilatildeo por lsquopartes da sentenccedilarsquo nos pareceu algo mais neutra e adequada agrave discussatildeo sextiana que ataca as partes da sentenccedila apenas pela relaccedilatildeo partes-todo 104 Criacutesipo e Dioacutegenes da Babilocircnia teriam distinguido cinco partes ou elementos da sentenccedila nome proacuteprio nome geneacuterico (prosegoria) verbo conjunccedilatildeo e artigo Antiacutepater de Tarso teria adicionado o lsquomeiorsquo (mesotes talvez o adveacuterbio) (DL 7 57) Os gramaacuteticos iriam distinguir em geral oito partes nome verbo particiacutepio artigo pronome preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo Seu tratamento destas partes evolui para o tratamento efetivamente como classes de palavra conforme o trabalho com o criteacuterio analoacutegico e a construccedilatildeo de paradigmas ou kanones Parecem ter havido no entanto diversas listas de partes da oraccedilatildeo em circulaccedilatildeo na antiguidade Inclusive Apolocircnio Diacutescolo afirma que Dioniacutesio usou a divisatildeo estoica entre nome e nome geneacuterico e natildeo aquela que temos em DThr e o proacuteprio Sexto usa esta terminologia 105 Cf Fiacutelon de Alexandria (Congress Erud Grat 146-148) ldquoQuando eles [os gramaacuteticos] explicam as partes do discurso por acaso natildeo roubam as descobertas da filosofia e fazem-nas trabalhar para eles Pois eacute tarefa da filosofia investigar o que eacute uma conjunccedilatildeo ou um nome ou um verbo ou o nome comum e o nome proacuteprio ou o que eacute inadequado ou satisfatoacuterio no discurso o que eacute declarativo o que eacute uma pergunta uma questatildeo ou uma expressatildeo compreensiva um pedido ou um impropeacuteriordquo 106 Para este paraacutegrafo e os seguintes sobre o todo e suas partes bastante confusos ver a argumentaccedilatildeo muito mais completa e contextualizada do Contra os Fiacutesicos M 9331-358 Nela Sexto repassa as opiniotildees sobre os termos vinculados agraves discussotildees cosmoloacutegicas do periacuteodo heleniacutestico o universo como o todo o status de suas partes e a relaccedilatildeo entre todo-partes partes-partes Apoacutes levantar as aporias concernentes a tais conceitos Sexto afirma que qualquer coisa chamada todo-partes estaraacute sujeita agraves mesmas aporias tal como as partes da sentenccedila e o demonstra com o mesmo exemplo de Iliacuteada I 1 (350-351) Portanto toda a argumentaccedilatildeo desta parte dos Contra os Gramaacuteticos pode ter sido extraiacuteda e adaptada a partir do contexto do Contra os Fiacutesicos As ambiguidades em jogo satildeo semelhantes mas naquele

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contexto a argumentaccedilatildeo aporeacutetica eacute mais detalhada e o argumento de Sexto aqui parece fazer uso do artifiacutecio de ora considerar o todo como a sentenccedila ora como o verso 107 Este seria um exemplo de que cada parte tem seu proacuteprio lugar em separado satildeo todas partes de algo mas natildeo partes umas das outras 108 lsquoAnomaliarsquo no sentido usado por Criacutesipo portanto 109 Cf DL 7 57 acerca da opiniatildeo dos estoicos ldquoVoz (phone) e dicccedilatildeo (lexis) diferem pois voz eacute som (echos) mas somente a dicccedilatildeo eacute articulada (enarthron) E a dicccedilatildeo difere da linguagem (logos) porque a linguagem eacute sempre significante (semantikos) mas a dicccedilatildeo pode natildeo ter significado (asemos) por exemplo blituri mas a linguagem nunca (oudamos) Aleacutem disso falar (to legein) difere de proferir (propheresthai) pois sons vocais (phonai) satildeo proferidos mas coisas (pragmata) satildeo ditas (legetai) satildeo entatildeo de fato diziacuteveis (lekta)rdquo E o proacuteprio Sexto em M 8 11-12 ldquoo que significa eacute a voz por exemplo lsquoDionrsquo o que eacute significado eacute a coisa ela mesma (auto to pragma) revelada (deloumenon) por ela [a voz] que noacutes apreendemos (antilambanometha) subsistindo agrave parte (parhuphistamenou) de nosso pensamento (dianoia) mas estrangeiros natildeo entendem (epaiousi) embora eles ouccedilam a voz e o lsquoreferentersquo eacute o objeto externo (to ektos hupokeimenon) por exemplo lsquoDionrsquo ele mesmo Destes dois satildeo corpoacutereos a voz e o lsquoreferentersquo e um eacute incorpoacutereo a coisa (pragma) significada ie o que eacute dito (lekton) que eacute verdadeiro ou falsordquo No entanto provavelmente o exemplo estoico seria algo como lsquoDion caminharsquo Pragma geralmente supotildee uma lsquointeraccedilatildeorsquo para os estoicos um lsquofeitorsquo natildeo um objeto simples objeto que natildeo pode ser um diziacutevel tampouco verdadeiro ou falso 110 As polecircmicas sobre lsquocorporsquo e lsquovaziorsquo envolveram atomistas como Leucipo e Demoacutecrito Epicuro (ver sect 23) e Lucreacutecio e os estoicos e mesmo Enesidemo Ver Harven 2012 p 23ss para uma discussatildeo acerca do lsquovaziorsquo ser na teoria estoica inteiramente dependente do lsquocorporsquo como uma condiccedilatildeo sine qua non (p 32) Nessa passagem Sexto parece supor que um diziacutevel sendo incorpoacutereo deveria ser lsquovaziorsquo Sobre a polecircmica atual acerca da coerecircncia da concepccedilatildeo de lekton como incorpoacutereo ver Harven 2012 p 51 ss e bibliografia citada 111 Merismos eacute um termo que aparece com distintas conotaccedilotildees teacutecnicas em vaacuterios contextos geralmente eacute traduzido por lsquodivisatildeorsquo Pareceu-nos que o termo lsquoanaacutelisersquo pudesse ser mais amplo jaacute que estatildeo envolvidos no processo diferentes tipos de lsquodivisatildeorsquo Devemos visualizar as tarefas descritas por Sexto em relaccedilatildeo ao verso em escrita contiacutenua e sem sinais diacriacuteticos e apenas em maiuacutesculas por exemplo ΜΗΝΙΝΑΕΙΔΕΘΕΑΠΗΛΗΙΑΔΕΩΣΑΧΙΛΗΟΣ 112 Diairesis e merismos satildeo meacutetodos distintos de lsquodefiniccedilatildeorsquo para a loacutegica estoica Sexto os discute mas natildeo parece diferenciaacute-los em PH 2 213 ss

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113 A divisatildeo usual seria em uma cesura proacutexima ao meio do verso haveria portanto muito mais proporcionalidade entre os dois hemistiacutequios menin aeide thea e Peleiadeo Akhileos As aporias aqui concernem nuacutemeros quantidades e proporccedilotildees 114 As aporias sobre a parte e o todo aparecem em PH 3 98-101 e M 9331-358 aquelas sobre adiccedilatildeo e subtraccedilatildeo em PH 3 85-96 e M 9 277-328 e reaparecem em M 4 24-6 115 Como comentamos na primeira parte deste trabalho conforme chamou a atenccedilatildeo Blank a noccedilatildeo de lsquoutilidadersquo ausente desde sect 56 volta a ser usada e aparece onze vezes no tratamento da ortografia e do helenismo 116 Ou seja com mais ou menos letras Natildeo se pronunciava mais o iota subscrito desde ao menos a segunda metade do seacutec II aC A grafia do i longo como ει difundiu-se a partir do seacuteculo I aC Em geral os tratados ortograacuteficos versavam sobre distinccedilotildees que jaacute haviam se perdido na liacutengua falada Cf Blank p 197-198 117 Assim como a quantidade discute lsquoquantas letrasrsquo qualidade versa sobre lsquoquais letrasrsquo 118 Esta organizaccedilatildeo lembra o De Lingua Latina de Varratildeo que aborda o conflito os argumentos a favor e contra a lsquodisciplinarsquo em questatildeo e entatildeo a anaacutelise de suas lsquoaplicaccedilotildeesrsquo seus resultados 119 Optamos por traduzir hellenismos (lsquohelenismorsquo) por lsquocorreccedilatildeorsquo e acreditamos que este termo pode mesmo assumir os diferentes vieses que o termo grego teria menos obviamente a de referir-se especificamente agrave(s) liacutengua(s) grega(s) Junto com a ortografia a correccedilatildeo foi a parte da gramaacutetica antiga que mais se aproximou do caraacuteter normativo ou prescritivo Dos relatos antigos podem ser apontadas em geral duas tarefas principais da correccedilatildeo correspondecircncia entre a forma da palavra e o que ela nomeia no mundo e restauraccedilatildeo da forma lsquooriginalrsquo das palavras Para guiar estas tarefas alguns criteacuterios satildeo constantes comparaccedilatildeo com outras palavras (analogia) etimologia e adequaccedilatildeo ao uso comum ou lsquoexemplarrsquo (tradiccedilatildeo literaacuteria a partir da autoridade dos grandes escritores) A produccedilatildeo de tratados nesta aacuterea provavelmente foi consideraacutevel contudo restam apenas fragmentos deles Acerca do helenismo as uacutenicas contribuiccedilotildees que possuiacutemos completas satildeo passagens em obras com assuntos mais gerais esta passagem de Sexto Quintiliano I 6 e uma passagem do Sch DThr (4466-44728) - onde satildeo tratadas sobre a forma da palavra questotildees de ortografia prosoacutedia (quantidade aspiraccedilatildeo e acentos) foneacutetica flexatildeo distribuiccedilatildeo dialetal e derivaccedilatildeo e sobre o significado mudanccedilas no tempo e parasinocircnimos Em sua Retoacuterica (1407a 19-20) Aristoacuteteles diz que o helenismo eacute o princiacutepio da lsquoexpressatildeorsquo (leksis) e aponta sua virtude (1404b 1-2) clareza Seu pupilo Teofrasto teria distinguido o helenismo como uma das quatro virtudes helenismo clareza propriedade e ornamento A mais antiga definiccedilatildeo de lsquohelenismorsquo eacute a do estoico Diogenes da Babilocircnia que lista as cinco lsquovirtudes do discursorsquo como lsquohelenismorsquo clareza concisatildeo propriedade e ornamento definindo lsquohelenismorsquo como lsquofraseado sem erro de acordo com [um uso] teacutecnico e natildeo algum uso

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aleatoacuteriorsquo Tal lsquouso teacutecnicorsquo que natildeo estaacute definido em parte alguma do sistema estoico provavelmente referir-se-ia a criteacuterios tais como os que apontamos antes e talvez marque a posiccedilatildeo estoica em defesa da necessidade da lsquocorreccedilatildeorsquo teacutecnica Ver Frede 1987 p 310 ss Por outro lado parece que os estoicos atribuiacuteram uma grande importacircncia ao uso comum na determinaccedilatildeo da correccedilatildeo Ver agora Pagani 2014 p 360 120 A expressatildeo de Sexto eacute tas dialektous que a par de significar os lsquodialetosrsquo do grego tambeacutem pode significar lsquoliacutenguasrsquo em geral (cf Aristoacuteteles Retoacuterica 3 2 1404b24) Por isso entendemos como qualquer que seja a liacutengua que se fale eacute preciso algum cuidado com a correccedilatildeo 121 Sexto daacute imunidade agrave correccedilatildeo com base na observaccedilatildeo natildeo-teacutecnica do uso comum ou seja o criteacuterio praacutetico E descreve como procedimentos teacutecnicos os criteacuterios da analogia da etimologia e da autoridade Em Quintiliano (I 6 1) os criteacuterios satildeo razatildeo antiquidade autoridade e uso ao qual se denomina lsquoum mestre confiaacutevelrsquo 122 Provavelmente a partir da retoacuterica supomos Phrazein aparece somente aqui 123 Os futuros irregulares correspondentes deveriam ser ferooiso (lsquotrazerrsquo) blepoblepsomai (lsquoverrsquo) 124 Tal como apontou Dalimier (ad loc) essa frase eacute provavelmente uma conclusatildeo irocircnica de Sexto ou de sua fonte e natildeo parte da citaccedilatildeo de Pindaacuterio jaacute que Sexto afirma mais agrave frente em sect 206 que Pindaacuterio natildeo disse nada sobre qual uso deveriacuteamos seguir Aleacutem disso como afirmou Blank (1998 p 228) Pindaacuterio parece ter proposto a poesia homeacuterica como corpus de referecircncia para o trabalho do gramaacutetico o que faz muito mais sentido que a proposta de lsquoreviverrsquo o grego homeacuterico como liacutengua falada 125 No aacutetico as terminaccedilotildees seriam em -thasi 126 Os editores costumam corrigir o τράπεζα (lsquotrapezarsquo) dos MSS por τράπεσα (lsquotrapesarsquo) pois aquela natildeo eacute uma forma verbal Contudo tampouco esta sugestatildeo parece resolver a questatildeo pois aleacutem de natildeo ser atestada eacute bastante improvaacutevel que fosse uma variante ou erro de qualquer forma de aoristo do verbo τρέπω Cf Blank p 238 A tradutora francesa sugere a possibilidade de ser um desvio relacionado ao verbo trapezao derivado do nome trapeza (lsquomesarsquo) O verbo trapezoo (lsquopocircr sobre a mesarsquo lsquofazer uma oferendarsquo) estaacute atestado Cf Dalimier ad loc 127 O particiacutepio estaacute mal empregado na frase grega concorda com o sujeito loacutegico (lsquoeursquo) e natildeo com o sujeito gramatical ou com o genitivo possessivo Blank (1998 p 238) afirma que deveria concordar com o genitivo Casos semelhantes a estes e aos da seccedilatildeo seguinte satildeo tratados como peculiaridades sintaacuteticas sob o nome de idiomata ou skhemata (lit lsquoposesrsquo) ou

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seja figuras divididas em gramaticais e retoacutericas na tradiccedilatildeo retoacuterica por exemplo por Quintiliano Inst 9114 Cf Lausberg 1998 p 233ss 128 Formas de futuro inexistentes ver acima sect 195 129 Cf acima sect 49 e 55 a gramaacutetica completa investiga a natureza de seus objetos 130 Aqui sim anomalia estaacute para irregularidade gramatical 131 Etimologia natildeo deve obviamente ser tomada em seu sentido moderno Embora de modo geral os dois processos possam ser descritos como a busca pela origem da palavra eles satildeo distintos A etimologia grega foi descrita no Sch DThr (ver GG I III p 14-15 20-29 169) como uma lsquoaberturarsquo (anaptuksis) da palavra que desvenda o lsquoverdadeirorsquo As descriccedilotildees no entanto natildeo parecem captar muito bem a diferenccedila entre a lsquoexpectativarsquo moderna e a antiga poreacutem os exemplos em sect 243 e 244 deixam entrever o abismo A etimologia tal como Sexto a apresenta aqui teria sido considerada um dos modos de autenticar vocaacutebulos como legiacutetimas expressotildees do grego correto atraveacutes da prova de sua ligaccedilatildeo lsquoverdadeirarsquo com a coisa nomeada A autenticidade deste vocaacutebulo eacute explicitada frequentemente na descoberta de um sintagma que contendo elementos sonoros ou graacuteficos semelhantes expressa no entanto o conteuacutedo conceitual relacionado agrave palavra portanto tal sintagma lsquoexplicariarsquo lsquodesvendariarsquo a palavra Tal explicaccedilatildeo conteacutem frequentemente um verbo que desenvolve a relaccedilatildeo Ver a diferenccedila com a lsquopalavra pronunciada espontaneamentersquo ie sem ligaccedilatildeo lsquoatestadarsquo com a coisa que nomeia A etimologia parece ter sido usada natildeo soacute como um argumento de autoridade vinculado agrave erudiccedilatildeo pois descobrir uma etimologia adequada poderia demandar grandes piruetas intelectuais (que do nosso ponto de vista satildeo inclusive bastante curiosas) mas tambeacutem como um processo de aquisiccedilatildeo e memorizaccedilatildeo de vocabulaacuterio e por extensatildeo de conhecimento Em relaccedilatildeo ao papel na aquisiccedilatildeo de conhecimento (um toacutepico muito caro aos gregos) eacute que foi defendida por alguns pensadores e desprezada por outros Por outro lado eacute preciso ter em mente que conferir um determinado conteuacutedo para os nomes envolve necessariamente uma interpretaccedilatildeo de sua relaccedilatildeo com o que ele nomeia e revela portanto uma visatildeo de mundo Assim pois a etimologia parece jaacute conter o pressuposto de uma ligaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria entre nome e coisa aliaacutes o contraacuterio disso uma ligaccedilatildeo em que o nome eacute como um pressaacutegio da verdadeira natureza da coisa um pressaacutegio ligado agrave sabedoria dos primeiros homens e agrave natureza do real demandando interpretaccedilatildeo e revelaccedilatildeo Contudo o criteacuterio de admissatildeo das modificaccedilotildees e associaccedilotildees possiacuteveis para aleacutem de ser aparentemente obrigatoacuterio guardar alguma semelhanccedila foneacutetica parece ser apenas a relaccedilatildeo entre a criatividade do inteacuterprete e o gosto de seu puacuteblico Mesmo assim entre um e outro muito poderia ainda ser dito acerca do pensamento antigo sobre a linguagem e sobre a percepccedilatildeo que tinham de sua proacutepria liacutengua tambeacutem no niacutevel foneacuteticoVer a discussatildeo da origem da linguagem no Craacutetilo de Platatildeo em que os exemplos de etimologia antiga abundam e satildeo alvos da ironia socraacutetica Os estoicos no entanto parecem ter compreendido que Platatildeo defendia a etimologia A etimologia parece ter sido vista como uma importante ferramenta da investigaccedilatildeo filosoacutefica pelos estoicos foi mesmo considerada caracteriacutestica desta escola (cf

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Cicero ND III 62ss De off I 23) Criacutesipo (SVF ii896) por exemplo teria derivado kardia (lsquocoraccedilatildeorsquo) de kratesis (lsquopoderrsquo) e kuria (lsquoautoridadersquo) assim o coraccedilatildeo compreendido como lsquosede da parte dominante da almarsquo foi nomeado a partir daquelas duas palavras cuja transformaccedilatildeo resultou em sua forma atual portanto a etimologia revelou um fato acerca da lsquoentidadersquo em questatildeo a partir da lsquoreversatildeorsquo do processo de formaccedilatildeo (corrupccedilatildeo) da linguagem Supostamente isso estaacute relacionado agrave conexatildeo que os estoicos estabeleceram entre racionalidade e linguagem Havia mesmo uma tentativa de colocar em paralelo processos de formaccedilatildeo de conceitos e formaccedilatildeo de palavras como anaacutelogos Eles teriam tentado portanto explicar e definir os processos transformativos das palavras Ver Tieleman 1996 p 196ss Na argumentaccedilatildeo de Sexto percebe-se uma tensatildeo entre as palavras cuja etimologia se descobre e as que foram naturalmente (phusikos) pronunciadas para os estoicos as primeiras palavras estariam todas naturalmente adequadas ao que nomeam elas seriam assim lsquocorretas por naturezarsquo lembrando que existe neste estaacutegio primordial aquele que sabiamente nomea as coisas conforme sua natureza O processo da etimologia tenta chegar a estas palavras primordiais Mas para os estoicos a lsquocorreccedilatildeorsquo estaacute relacionada agrave digamos harmonia do mundo e natildeo confinada ao padratildeo do helenismo A funccedilatildeo da etimologia no estoicismo portanto natildeo eacute a de lsquoautenticarrsquo que um vocaacutebulo eacute grego Para os gramaacuteticos no entanto para carimbar uma expressatildeo como grego correto natildeo deveria poder bastar como parece ser o argumento de Sexto que se apontasse apenas a correccedilatildeo da expressatildeo analisada mas seria necessaacuterio tambeacutem que o fizessem com todas aquelas que compotildeem a explicaccedilatildeo desta pois todas deveriam ser julgadas pelo criteacuterio do grego correto o etimoloacutegico Natildeo pode haver o a priori estoico de que satildeo lsquocorretasrsquo por natureza Assim ou haacute o regresso ao infinito ou o processo aponta algumas palavras naturalmente pronunciadas e as aceita sem fazer sua etimologia mas entatildeo teriam admitido a correccedilatildeo pelo criteacuterio do uso e natildeo da etimologia provando sua inutilidade 132 ldquoProthesis eacute usado para referir-se agrave lsquoprefixaccedilatildeorsquo somente por Apolocircnio Diacutescolo (Pron 58 16 Synt 3111) enquanto em Dioniacutesio Traacutecio (DThr 18) e Dioniacutesio de Halicarnasso significa lsquopreposiccedilatildeorsquordquo Janko 1995 p 226 133 Este exemplo eacute interessante a origem da palavra composta de pros e kephale eacute um sintagma que explica o que eacute o objeto nomeado no desdobramento o verbo eacute o elemento agregador principal Contudo Sexto afirma natildeo se descobriu nem a etimologia de pros nem de kephale 134 Semelhante a proskephalaion provavelmente seria algo como tou podiou hupotithesthai (lsquopocircr embaixo do peacutersquo) 135 A etimologia eacute a uacuteltima parte da parte teacutecnica da gramaacutetica analisada por Sexto Acerca dos artifiacutecios retoacutericos tipicamente ceacuteticos que tornam possiacuteveis as conclusotildees sextianas haveria muito o que dizer mas acredito que a maior parte deles fale por si Algumas consideraccedilotildees ao final desta parte parecem ser interessantes o ataque agraves fundaccedilotildees da gramaacutetica por um lado por mirar nas partes lsquomal edificadasrsquo de sua estrutura poderia sugerir

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que se melhor construiacuteda poderia ser mais resistente ndash no entanto por outro lado por fazer uma escolha dos pontos que quer atacar entendendo o papel de cada um na estrutura a seu modo natildeo eacute como se os gramaacuteticos tivessem uma chance Seu ataque portanto eacute geneacuterico nestes dois sentidos ele visa agrave totalidade da gramaacutetica lsquocompletarsquo mas ele natildeo lhe concede o benefiacutecio da exatidatildeo Portanto acabamos por almejar um argumento tambeacutem geneacuterico que desse conta da clareza com que Sexto Empiacuterico parece ter visto seu empreendimento Por isso eacute digno de nota que uma proposiccedilatildeo positiva tenha acompanhado reiteradamente sua trajetoacuteria a de que na linguagem basta seguir o uso comum E esta natildeo eacute uma proposta aparentemente apenas para que o homem comum continue simplesmente sendo comum mas para convencer o filoacutesofo a voltar sua atenccedilatildeo e praacutetica agrave observaccedilatildeo da vida comum 136 O termo historia tem uma longa tradiccedilatildeo na antiguidade desde o uso como lsquoinvestigaccedilatildeorsquo da natureza no contexto do movimento intelectual jocircnico ateacute sua concepccedilatildeo como lsquogecircnero textualrsquo no periacuteodo heleniacutestico Com relaccedilatildeo ao termo moderno derivado lsquohistoacuteriarsquo o ponto de contato seria aquele das lsquohistoacuteriasrsquo Traccedilou-se inclusive para enfatizar a natildeo-convergecircncia entre os conceitos a distinccedilatildeo entre a concepccedilatildeo antiga do tempo como circular e aquela moderna que lhe imputa um objetivo cf Press 1982 Nos interessa no momento que o leitor tenha em mente a peculiaridade do uso do termo no contexto da gramaacutetica A parte lsquohistoacutericarsquo da gramaacutetica eacute onde se lsquohistoriamrsquo as histoacuterias em que historiar tem o duplo sentido da atividade e do produto dela assim ela tanto lsquopesquisarsquo quanto lsquocompilarsquo os lsquodadosrsquo relativos a personagens lugares e datas (fictiacutecios ou reais) presentes nas obras literaacuterias bem como em algumas definiccedilotildees provecirc dados que possibilitem o entendimento de termos insoacutelitos Aleacutem disso neste sentido tambeacutem se chamam lsquohistoacuteriasrsquo agraves compilaccedilotildees destes dados publicadas em livros que seratildeo entatildeo novo material para a lsquohistoacuteriarsquo Esta produccedilatildeo resultou em vastas coleccedilotildees produzidas principalmente por Alexandrinos dedicadas agrave tipos particulares de informaccedilotildees bem como comentaacuterios agrave obras literaacuterias individuais (cf Blank p 257-259) Por isso pode ser dito que historia no periacuteodo heleniacutestico configura-se um gecircnero textual Importante ter em mente que natildeo se trata necessariamente do conhecimento do material produzido pelos lsquohistoriadoresrsquo mas de qualquer material que fornecesse informaccedilatildeo acerca do conteuacutedo da obra literaacuteria (cf Press 1982 p 38) lsquoRetomar as tradiccedilotildeesrsquo foi como traduzimos paradidomi em sect 93 em referecircncia agrave tarefa da parte lsquohistoacutericarsquo Essa atividade implica portanto erudiccedilatildeo A traduccedilatildeo manteve entre aspas simples as ocorrecircncias do termo neste sentido explicitado e onde se tratam de estoacuterias como lsquorelatosrsquo em geral o termo natildeo conteacutem aspas Sexto em sua argumentaccedilatildeo foca principalmente a falta de meacutetodo propositivo da atividade a partir da caracteriacutestica assistemaacutetica de seu objeto A historia foi objeto da criacutetica de Aristoacuteteles na Poeacutetica e foi exaltada por Poliacutebio em suas Historiae Historia aparece tambeacutem em Sexto com um sentido semelhante ao de lsquoconhecimento compartilhadorsquo o levantamento das opiniotildees anteriores sobre algum assunto proacuteximo ao uso de historia no contexto da medicina empiacuterica os relatos de outros meacutedicos Mais informaccedilotildees em Press 1982 e Fornara 1983 137 Plasma e kharakter satildeo normalmente encontrados como sinocircnimos para a teoria dos lsquotipos de discursorsquo - lsquotipos de estilorsquo (genera dicendi) cf bibliografia em Blank p 260ss

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138 O material desorganizado que foi lsquoorganizadorsquo pelo poetaescritor ou seja o lsquoconteuacutedorsquo da obra literaacuteria em seu formato preexistente agrave obra isto eacute tal como teria sido dado pela tradiccedilatildeo Portanto a parte lsquohistoacutericarsquo procede ao lsquolevantamentorsquo das informaccedilotildees agraves quais a obra faz referecircncia tais como mitos estoacuterias pessoas lugares coisas e fatos Por isto eacute dito deste material que eacute assistemaacutetico ou desorganizado (amethodos) 139 Como afirmou Blank (1998 p 261) parece estranho que Taurisco tenha atribuiacutedo o estudo da dicccedilatildeo e figuras gramaticais agrave parte racional (logikon) enquanto o de dialetos e estilos agrave praacutetica (tribikon) Estes termos aparecem na tradiccedilatildeo de discussatildeo das escolas empiacuterica e racionalista O primeiro relativo ao meacutetodo racionalista obviamente e o segundo referindo-se ao lsquoexerciacutecio praacutetico da experiecircnciarsquo conforme Galeno (Subf Emp 48 25 Deichgraumlber apud Blank ibidem) Talvez ele estivesse diferenciando a parte relativa agraves regras ou definiccedilotildees dispostas racionalmente da parte que aplicava estas regras na praacutetica agrave textos particulares 140 Nosso texto de DThr difere apenas na terceira parte onde se lecirc lsquopronta (prokheiros) explicaccedilatildeo de palavras inusuais (glossai) e histoacuteriasrsquo Mas tambeacutem conteacutem um adendo agrave uacuteltima parte a criacutetica dos poemas lsquoa mais bela de todas as partes da artersquo (ho de kalliston esti panton ton en tei tekhnei) Cf Chapanski 2003 141 Essencialmente a mesma divisatildeo adotada por Sexto em sect 91-5 com a sugestatildeo semelhante de que estatildeo em lsquocontatorsquo enfatizando a posiccedilatildeo lsquoagregadorarsquo da parte lsquogramaticalrsquo tal como fez em sect 95 142 Considerando que tal como Sexto nos informa em sect 47-48 Asclepiacuteades deriva lsquogramaacuteticarsquo de gramma no sentido das lsquocomposiccedilotildeesrsquo ie das lsquoobrasrsquo faz sentido que ele possa usar o termo livremente para a parte antes mencionada como lsquoespeciacuteficarsquo ldquoSua parte lsquogramaticalrsquo bate de frente com a kritike superior de Taurisco como se dissesse que a ciecircncia da literatura tal como se prova etimologicametne eacute a gramaacutetica e a parte da gramaacutetica que julga criticamente a literatura eacute sua parte especificamente gramatical Sua teacutecnica de divisatildeo eacute digna de nota o gecircnero da gramaacutetica tekhne aparece em sua primeira parte presumivelmente como a parte cuja tecnicidade garante a tecnicidade do todo o termo da lsquoespeacuteciersquo ndash lsquogramaacuteticarsquo aparece na terceira parte Assim as partes que estudam a linguagem e as coisas agraves quais se refere contribuem para o estudo do que as obras significam e todas as trecircs combinadas formam o estudo das obras ie a gramaacuteticardquo BLANK p 265 143 Reparar em como se qualificam as histoacuterias ditas lsquoverdadeirasrsquo Talvez este exame pudesse acrescentar agrave anaacutelise desenvolvida por Cassin 1990 acerca do uso do adveacuterbio historikos por Sexto em PH 1 4 para qualificar o modo como o ceacutetico fala 144 Kreguon eacute um hapax homeacuterico (Iliacuteada 1 106) que natildeo estaacute claro no contexto

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145 Todos foram apontados acima sect 253 como lsquoconteuacutedosrsquo da parte da lsquohistoacuteriarsquo que trata do relato verdadeiro 146 Entendemos historoumenoi (lsquorelatosrsquo) tal como em sect 256 como o material de base da parte lsquohistoacutericarsquo aquele que esta sendo lsquohistoriadorsquo desta forma verdadeiro falso ou verossimilhante satildeo caracteriacutesticas aplicadas propriamente a esses lsquorelatosrsquo e natildeo agrave pesquisa 147 Neste caso supomos que o sentido seja algo como lsquoo relato propriamente ditorsquo e assim na sequecircncia teriacuteamos lsquoo relato propriamente ditorsquo eacute a exposiccedilatildeo de acontecimentos verdadeiros 148 De acordo com Heliodoro (Sch DThr (Lond) 449 11-14 apud Blank p 266) lsquoHistoacuteria eacute o relato claro de coisas que aconteceram ou que satildeo possiacuteveis Mito eacute a narraccedilatildeo de coisas estranhas ou arcaicas ou a introduccedilatildeo de coisas impossiacuteveis Ficccedilatildeo eacute o que pode acontecer mas natildeo acontecersquo 149 Sexto ataca a existecircncia de uma histoacuteria verdadeira pela inexistecircncia do criteacuterio de verdade logo a frente em sect 267 150 Ou seja seria tarefa da parte lsquohistoacutericarsquo o julgamento das informaccedilotildees levantadas 151 Sexto igualou com este argumento a parte lsquoverdadeirarsquo agraves partes acerca de mitos e ficccedilotildees logo tambeacutem aqui o objeto eacute falso e inexistente 152 Os argumentos gerais da lsquoparte da gramaacutetica que trata de poetas e escritoresrsquo analisados por Sexto na sequecircncia natildeo estatildeo relacionados agraves praacuteticas anteriormente vinculadas a esta parte leitura exegese e julgamento de poemas (sect251) em que julgamento de poemas referia-se agrave interpretaccedilatildeo das passagens obscuras julgamento do que estaacute correto e do que natildeo e distinccedilatildeo do genuiacuteno e do espuacuterio (sect 93) Antes voltam-se agrave reinvidicaccedilatildeo da gramaacutetica quanto ao seu papel central na educaccedilatildeo do homem atraveacutes da literatura Blank p 281-287 tal como discutimos na primeira parte deste trabalho vincula toda esta passagem exposiccedilatildeo dos argumentos dos oponentes (sect 270ndash276) e refutaccedilatildeo (sect 277ndash298) a uma provaacutevel fonte epicurista e traccedila diversos paralelos principalmente com os escritos de Filodemo Embora as raiacutezes dessas questotildees retrocedam no miacutenimo a discussotildees platocircnicas no Protaacutegoras Eutiacutefron Ion e Repuacuteblica Blank reconhece um ataque epicurista contra Asclepiacuteades e o pensamento gramatical representado por ele que parece ter defendido a primazia da poesia sobre a filosofia Contudo o alvo dos epicuristas seria os estoicos e sua sabedoria calcada em citaccedilotildees poeacuteticas Sexto afirma em sect 299 que os argumentos contra a poesia foram tomados principalmente dos epicuristas e em sect278 faz um adendo para apontar que o argumento natildeo eacute contra a poesia e coincide com seu ponto de vista provavelmente um argumento de origem pirrocircnica como o que aparece em sect319 cf nota ad loc O ataque propriamente sextiano visa agrave gramaacutetica e natildeo agrave poesia

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153 Fragmento de um peccedila desconhecida de Euriacutepides Aulo Geacutelio (Noc Att VI 16) diz que Criacutesipo costumava citaacute-la 154 A justaposiccedilatildeo de acusaccedilotildees contra Epicuro e PirroTiacutemon aconteceu tambeacutem em sect 49-55 Note que natildeo se fazem acusaccedilotildees a Pirro acerca do roubo de lsquodoutrinasrsquo aos poetas 155 Epicarmo eacute um poeta cocircmico siciliano do seacutec V aC Dioacutegenes Laeacutercio (3 9) diz que Platatildeo utilizou muitas expressotildees que eram na verdade de Epicarmo 156 A mesma passagem eacute atribuiacuteda a Soacutefron (autor de mimos posterior a Epicarmo) em sect 284 157 cf Epicuro Carta a Meneceu 124 ldquoa morte eacute a ausecircncia de sensaccedilatildeordquo 158 A passagem eacute citada mais agrave frente sect287 com uma pequena modificaccedilatildeo touphemeron por kathrsquohemeran (lsquodia apoacutes diarsquo) 159 Este argumento parece ter sido um lugar-comum nos discursos de exaltaccedilatildeo agraves artes Cf M 2 26 160 Caso este seja propriamente um argumento sextiano pode haver um julgamento de valor entre a poesia uacutetil clara e direta e a inuacutetil enigmaacutetica e estranha 161 Mataioteti ver o uso do adjetivo mataios (lsquofuacutetilrsquo) em sect 170 e 174 162 Um argumento semelhante aparece em sect 157 e 188 acima mas naquele ponto tanto a prova quanto a asserccedilatildeo levam a consequecircncias inaceitaacuteveis Nesta passagem a recomendaccedilatildeo expliacutecita de que a filosofia forneccedila as provas da correccedilatildeo da poesia gnocircmica dificilmente seria um argumento pirrocircnico lembraria mais a posiccedilatildeo epicurista ver Filodemo De Rhetorica 5 A distinccedilatildeo entre prova e asserccedilatildeo agrave maneira epicurista aparece novamente em sect 284 e 280 Ver Blank p 297-298 163 Como aponta Blank p 305 a fonte epicurista aqui poderia atingir os sofistas mas seu alvo principal eram os proacuteprios estoicos ceacutelebres por exagerarem em citaccedilotildees poeacuteticas 164 Os epicuristas aprovavam a utilidade da poesia para o entretenimento (cf Filodemo De Mus 4 De Poem) 165 Obra perdida Cf Contra os Muacutesicos M 3 58 166 Ver a citaccedilatildeo homeacuterica em sect 289 167 Em sect 273 ele havia mencionado Epicarmo como autor deste pensamento

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168 Cf Carta a Meneceu 124 169 Os exemplos contradizem a ausecircncia de sensaccedilotildees apoacutes a morte a alma alimenta-se e sofre Comparar estas passagens e tambeacutem M 9 67-8 com a argumentaccedilatildeo de Lucreacutecio em 3 894ss 170 Haacute uma paacuterafrase deste proveacuterbio em Plutarco De sera num vind 549d 171 Triacutemetros iacircmbicos e hexacircmetro dactiacutelico respectivamente 172 Denominaccedilatildeo comum de Euriacutepides aparece por exemplo em Ateneu e Clemente de Alexandria 173 Cf Platatildeo Eutiacutefron 5e-6a onde Eutiacutefron aponta a inconsistecircncia entre estas histoacuterias e os sentimentos populares em relaccedilatildeo por exemplo agrave justiccedila divina Filodemo (1609 4 8 e 1088 8 22) tambeacutem tratou de desarmar o conceito de que a vida fosse feliz no tempo de Crono 174 A mesma anedota aparece em Libacircnio Discurso LXIV (Pro saltatoribus) 119 contudo sem o nome do bailarino Ainda que a danccedila seja a moeda de troca do bailarino natildeo foi ela propriamente que salvou a cidade mas sua presenccedila de espiacuterito e eloquecircncia isto portanto poderia ser dito acerca de qualquer arte mesmo uma considerada inferior agrave gramaacutetica como a danccedila 175 DL (4 9) conta a mesma anedota em relaccedilatildeo a Xenoacutecrates 176 Sexto abandona portanto o ataque agrave poesia e volta-se para o ataque agrave gramaacutetica como tekhne fechando a discussatildeo com um argumento mais afim a sua orientaccedilatildeo filosoacutefica Os argumentos epicuristas visavam principalmente mostrar que a poesia era menos uacutetil que a filosofia e que a poesia para natildeo causar prejuiacutezos precisaria passar pelo crivo do filoacutesofo A possibilidade de que os gramaacuteticos pudessem preparar o terreno para o filoacutesofo arcando com o trabalho preliminar sobre a linguagem e outros problemas de forma a apresentar ao filoacutesofo as maacuteximas que ele deveria julgar natildeo foi afetada por estes argumentos Tambeacutem havia ficado em aberto a questatildeo a respeito da prosa Portanto Sexto deve mostrar a inutilidade plena da gramaacutetica de forma a minar tambeacutem estas possibilidades (BLANK p 327) 177 O lsquoconhecimento de todas as coisasrsquo foi um dos toacutepicos discutidos em relaccedilatildeo agraves competecircncias linguiacutesticas principalmente acerca da retoacuterica mas estendendo-se tambeacutem agrave gramaacutetica e mesmo a arquitetura Ver por exemplo Vitruacutevio De Architectura I 3 Quintiliano I 4 4 Ciacutecero De Oratore 2 2 Aristoacuteteles De Rhetorica I 2 1355b26-35 Eacute toacutepico recorrente portanto nas divergecircncias que implicavam o movimento sofista ver Prezotto 2009

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178 A obscuridade dos escritos de Heraacuteclito foi ceacutelebre DL 9 15 apresenta uma lista dos inteacuterpretes de sua obra 179 Esta passagem e a sentenccedila seguinte satildeo comentadas por Plutarco em seu tratado De animae procreatione in Timaeo 180 Sexto cita Empeacutedocles tambeacutem em M 7 115-25 181 O fragmento 112 4-5 foi tambeacutem citado pelo historiador Timeu de Tauromenion (DL 8 66) para exemplificar sua declaraccedilatildeo de que o modo de vida de Empeacutedocles contradizia sua poesia jaacute que ele parece ter levado uma vida moderada e respeitaacutevel enquanto em seu poema soa como um egoiacutesta pretensioso Este eacute exatamente o tipo de interpretaccedilatildeo que Sexto diz que um lsquogramaacutetico ou homem comumrsquo iriam supor Ver Blank p 335 182 Sobre a purificaccedilatildeo da alma no intuito de tornaacute-la como lsquodeusrsquo e apta a apreender as lsquoFormasrsquo ver por exemplo o Feacutedon 79dss e Teeteto 176ss de Platatildeo 183 Sexto omite o verso seguinte lsquochama-se ciacuterculo zodiacalrsquo Hiparco (I 1004A Mass) afirma que a interpretaccedilatildeo de Arato eacute simples mas natildeo o entendimento das questotildees astronocircmicas que conveacutem a um astrocircnomo O escoacutelio ao poema astronocircmico de Arato cita alteraccedilotildees equivocadas propostas por lsquogramaacuteticosrsquo opondo-as agraves corretas explicaccedilotildees dos lsquomatemaacuteticosrsquo ie astrocircnomos Cf Blank p 330-331 184 A lsquoprovarsquo estaacute em Euclides Elementa 4 15 cada lado de um hexaacutegono regular inscrito em um ciacuterculo eacute igual ao raio do ciacuterculo 185 Dalimier seguindo Bekker propotildee ἑλῶν (lsquohelonrsquo lsquotendo tomado agrave forccedilarsquo ndash lsquotendo em seu poderrsquo) ao inveacutes de ἐλῶν (lsquoelonrsquo conduzindo) na segunda linha do verso 186 Estes dois adjetivos satildeo aplicados por Agamecircmnon ao vale do rio Esopo Natildeo foi encontrada nenhuma passagem antiga que explique a relaccedilatildeo pretendida por Sexto a partir da semente do junco Cf Blank p 339-340 e Dalimier ad loc 187 O poeta Caliacutemaco (c 305-240 aC) foi tambeacutem gramaacutetico em Alexandria Segundo DL 2111 Diodoro Crono frequentou a corte de Ptolomeu Soacuteter que se declarou rei do Egito em 304 aC 188 Diodoro Crono um filoacutesofo jocircnico que ensinou primeiro em Atenas onde influenciou os fundadores das principais escolas heleniacutesticas de filosofia como Arcesilau Zenatildeo e seus contemporacircneos e depois foi para Alexandria parece ter morrido ao redor de 285-282 aC Ver Sedley 1977 e 2013

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189 Lit lsquoconexatildeorsquo (to sunemmenon) uma lsquoproposiccedilatildeo conectadarsquo (lsquoseentatildeorsquo) faz parte dos enunciados complexos da loacutegica estoacuteica Considerando a exposiccedilatildeo de Sexto acerca da controveacutersia entre Diodoro e Fiacutelon de Megara em PH 2110 M 8112ss fica claro que discutem acerca da validade de proposiccedilotildees que chamamos lsquocondicionaisrsquo O criteacuterio de Diodoro para uma condicional vaacutelida eacute ela natildeo admite nem nunca admitiu a possibilidade de ter um antecedente verdadeiro e um consequente falso (Cf Ciacutecero De Fato 917) Ver Manetti 1993 p 104 ss 190 Cf PH 2 110 242 M 7 112ss 191 Paradoxos acerca do movimento satildeo utilizados por Sexto em outras passagens em PH 2 242 e PH 1 312 estatildeo conectados agraves aporias sobre causa ativa e passiva e ao argumento contra a morte E de maneira detalhada em relaccedilatildeo a Diodoro Crono e seus opositores em PH 3 71ss M 10 85ss Ver Kneale e Kneale 1962 p 128-138 Frede 1974 p 73 Sorabji 1980 p 70ss 104ss Acerca do lsquonasceremos de novorsquo Blank (p 344) conecta a teoria atomista de Diodoro implicada nos paradoxos do movimento com a possiacutevel consequecircncia de que algo em movimento desaparece em um tempo e reaparece em outro De forma que nossa existecircncia poderia ser interpretada como uma sequecircncia contiacutenua de desaparecimentos em um tempo e lsquo(re)nascimentosrsquo em outros Ver Denyer 1981 (sobre o chamado argumento lsquodominadorrsquo) e Sorabji 1983 p 19 347 192 Assim como se descobre o significado de palavras estrangeiras por lsquoperguntarrsquo agrave pessoa certa tambeacutem as palavras inusuais satildeo explicadas a partir de uma busca adequada neste caso provavelmente em livros natildeo existe teacutecnica em nenhum dos dois procedimentos tal como o lsquolevantamento histoacutericorsquo natildeo pressupotildee teacutecnica ou seja natildeo pressupotildee um sistema de proposiccedilotildees teoacutericas 193 Este exemplo pretende fazer uso da figura retoacuterica da metalepsis (lsquosubstituiccedilatildeorsquo) ie usar pela palavra pretendida o sinocircnimo de seu homocircnimo siringe (um tipo de flauta) tem como homocircnimo siringe (um tipo de ferimento) cujo sinocircnimo (ferida) eacute usado no lugar da primeira Nos outros casos no entanto Sexto usa lsquohomocircnimosrsquo cujas caracteriacutesticas prosoacutedicas satildeo distintas Cf Blank p 347-348 194 Alguns dos termos mais lsquofamososrsquo da filosofia ateacute hoje 195 Cf PH 1 188-191 Sexto explica que alguns ceacuteticos usam a expressatildeo no sentido interrogativo (lsquoPor que isto mais que aquilorsquo) e que eacute normal usar interrogativas por declaratoacuterias e vice-versa e ainda que a expressatildeo indica o sentimento (pathos) ou modo de sentir (em oposiccedilatildeo ao objeto externo (cf PH 115)) 196 Admitimos que tal poema composto com termos tais realmente apoacutes vasculhado muitas vezes natildeo foi mesmo compreendido

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197 Kurios eacute o que qualifica um nome proacuteprio e tambeacutem a expressatildeo lsquocomumrsquo lsquocorrentersquo em oposiccedilatildeo a uma rara (glossa) estrangeira ou usada metaforicamente Poderia portanto por extensatildeo de sentido referir-se a palavras usadas em um contexto familiar considerando a argumentaccedilatildeo anterior no contexto de uma determinada aacuterea do conhecimento Blank (p 349-350) sugere seguindo a leitura de Blomqvist p 13-18 que o proacuteprio Sexto tenha composto estes diacutesticos elegiacuteacos com termos do seu domiacutenio ou seja da medicina a traduccedilatildeo que ele propotildee em nota e que mantemos em inglecircs eacute esta ldquoWould that both your small toes beneath your metacarpals Might wither away and put that part in lowest place The bones which move in the capped joint of the knee-hollow Become crooked up to the highest process of the femur While the dark psoas-muscles from their bottom up to their loose Insertion at the spinal canal are contractedrdquo 198 Que o objeto de uma arte seja algo lsquoruimrsquo portanto inuacutetil compromete imediatamente a utilidade dessa arte Compare-se no entanto com o argumento em sect 278 cuja afinidade com o pirronismo Sexto faz questatildeo de ressaltar O argumento envolve entatildeo provavelmente o paralelo entre claro = evidente obscuro = natildeo-evidente conectado desta forma ao argumento seguinte do lsquodesacordorsquo Ver tambeacutem a argumentaccedilatildeo contra a utilidade da arte ortograacutefica em sect 170-4

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