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Resumo para a P2 de Constitucional
Para fins de dúvidas quanto ao que foi resumido:
1) Conflito de normas constitucionais no espaço e teoria geral dos direitos fundamentais
do fim da aula 9 até a aula 16 (Ingrid Gouvêa) e aula 18 (Marina Weikid)
2) Direitos fundamentais em espécie Aulas 17,19,20,21,22 (Fernanda Szyska)
Conflito de Normas Constitucionais no Espaço:
Direito Constitucional e Internacional: entre cooperação e conflito. Trata-se do choque
entre normas que derivam de diferentes soberanias. Neste caso específico, estudaremos a
relação entre a constituição estatal, e determinadas normas de Direito Internacional.
Obs.: Regras de conexão O próprio direito interno tenta solucionar a questão de qual
norma se aplicará em caso de conflito, através das regras de conexão.
Ex.: Herança – As regras de conexão preveem que o inventário será processado de
acordo com as leis do local em que o falecido tiver domicílio.
É possível, além disso, que convenções e tratados firmados pelo Brasil tragam uma
nova possibilidade de choque com a ordem interna, como, por exemplo, um tratado que
preveja um direito não garantido pela ordem constitucional interna. É preciso, então, entender
algumas hipóteses de cooperação (em casos de sinergia), e conflito que surgem desta ordem
“multinível”, criada, sobretudo, com o advento da globalização. Há questões que um país
sozinho não consegue resolver.
Ex.: Crise econômica na Europa, que, por motivos de economia globalizada, afeta todo
o mundo.
Sinergia Normas internacionais trazem muitos direitos fundamentais relevantes para a
ordem interna – por exemplo, o Pacto São José da Costa Rica –, muitos, até, inspiram cartas de
Direito. A nossa Constituição, por exemplo, trouxe o catálogo principal de direitos humanos
que já estavam previstos em tratados internacionais. Além disso, há que se falar na própria
interpretação Constitucional Cosmopolita, segundo a qual o direito Constitucional interno
deve ser interpretado levando em consideração as normas internacionais e as decisões dos
tribunais internacionais, sobretudo o que se refere à proteção dos direitos fundamentais e de
direitos humanos.
Tensões Surgem porque tanto o direito Constitucional interno quando o direito
Internacional têm uma pretensão de primazia. O direito Constitucional diz que suas normas
são soberanas, e o direito Internacional afirma a superioridade das suas normas em relação às
normas de direito interno (ex.: A Convenção de Viena sobre diz que é vedada qualquer
invocação do direito interno como escusa ao cumprimento das normas internacionais
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previstas em tratados internacionais). Além disso, surgem tensões pelo fato de haver muitas
questões que interessam, simultaneamente, à ordem Constitucional e ao Direito internacional
(ex.: caso da lei da anistia, aceita no STF e recusada na Corte Interamericana de Direitos
Humanos).
Há uma disputa muito antiga entre os internacionalistas, controvérsia que hoje é
totalmente irrelevante:
1) Teoria monista Há uma única ordem jurídica que engloba a ordem constitucional e
o direito internacional.
2) Teoria dualista Há duas ordens jurídicas distintas: a ordem constitucional e o direito
internacional.
Hoje, mais importante é entender e refletir sobre como se dão estas relações e como
podem ser equacionadas, sobretudo num contexto de globalização, de pluralização das
instâncias internacionais.
A crise da soberania estatal e o possível advento de um constitucionalismo
supranacional
O constitucionalismo moderno foi erigido com base em um pressuposto fático que não é
tão verdadeiro assim: a ideia de um Estado Nacional Soberano, que faz suas próprias leis, único
que tem jurisdição, e único que pode dispor legitimamente da força no âmbito seu território,
sem reconhecer nenhum poder que seja superior ao seu. Hoje, os Estados continuam sendo os
principais atores políticos na ordem internacional, mas a globalização traz algumas dificuldades
a isto. Entende-se que Estados Nacionais sozinhos não podem enfrentar diversos problemas,
precisando abrir mão de alguma parcela de sua soberania em prol desta atuação concentrada.
E, que questões direitos humanos não podem ser confiadas ao crivo de um Estado, ao passo
que nem sempre um Estado atua na promoção dos Direitos Fundamentais previstos na sua
ordem constitucional, como foi o caso da Alemanha nazista. Além disso, há novas entidades
internacionais com poderes crescentes, como a ONU, FMI, que criam limitações à soberania
“incontestável” dos Estados. Ou seja, surgem fontes normativas e instâncias de poder
internacionais que não se subordinam ao direito estatal, e que, muitas vezes, são fontes de
conflitos. Alguns fenômenos demonstram esta situação de maneira clara:
1) Emergência do Direito comunitário Observa-se, sobretudo, no contexto europeu.
Embora não haja uma constituição formalmente estabelecida, é possível falar em uma
“constituição em progresso”, no sentido de que a comunidade europeia tem, hoje,
uma produção normativa altamente complexa. É muito comum, por exemplo, que as
cortes façam um controle de convencionalidade de suas leis, ou seja, verifiquem a
compatibilidade das leis internas com a convenção europeia de direitos humanos. Há,
então, um processo jurídico, político, certamente ainda inconcluso, no sentido dessa
comunidade europeia se dotar de uma constituição.
Obs.: O constitucionalismo europeu é diferente, se comparado ao
conceito tradicional de constitucionalismo, visto que ele não surge de uma
ruptura com uma ordem anterior, mas é um processo lento de interação e
integração. Além disso, seria um constitucionalismo sem povo, na medida em
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que, não há, na Europa, homogeneidade que permita dizer que existe um povo
europeu. Seria, então, uma constituição sem um poder constituinte “povo”.
2) Fortalecimento do direito internacional sobre Direitos Humanos Origem: 2ª GM,
depois das atrocidades do holocausto. Até então, a lógica da “paz de Westfália”,
segundo a qual os Estados não poderiam se submeter a organismos estrangeiros,
porque isso significaria uma violação à sua soberania interna. Com a 2ª GM, passou a
se entender que não se devem deixar questões de direitos humanos apenas para os
Estados, já que é possível que estes venham a violar as suas próprias normas internas.
Entende-se, então, que há determinados direitos básicos que devem ser preservados,
ainda que ao preço da relativização da noção de soberania estatal. Marco
normativo inicial: Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU em 1948. Logo
depois, foram aprovados inúmeros tratados internacionais versando sobre direitos
humanos: Foi criada a corte europeia de direitos humanos, a corte interamericana de
direitos humanos, e o Tribunal Penal Internacional. Há alguma convergência entre
essas normas de direitos humanos previstas nesses tratados e direitos fundamentais
previstos na nossa constituição.
Obs1: Discussão sobre se estes direitos seriam universais ou relativos,
diante de culturas.
Obs.: Nossa constituição, no artigo 5°, § 2º e 3°, prevê uma abertura ao
direito internacional, dizendo que “o catálogo de direitos fundamentais
previstos na Constituição não exclui outros direitos fundamentais decorrentes
de tratados internacionais”. Ex.: prisão do depositário infiel.
3) Difusão da Lex Mercatoria Uniformiza as práticas comerciais entre os países, dando
maior dinamicidade e segurança aos negócios realizados entre fronteiras. Vem da ideia
de que o Direito Internacional exige práticas comerciais homogêneas, já que seria
muito ruim que cada direito interno submetesse o negócio de uma empresa
multinacional a regras diferentes.
CUIDADO! Ultimamente tem havido um emprego inflacionado da noção de Constituição:
diversas normas e tratados, que não são constitucionais, às vezes são chamados assim. Isto
envolve um problema fundamental: estas ordens transnacionais ainda não têm o monopólio
do uso da força. Ex.: Temos a Declaração de Direitos Humanos, mas ninguém pode invadir o
Guantánamo e dizer que os EUA estão violando os direitos humanos. Além disso, há o
problema de que falta a soberania popular de que necessitamos para legitimar uma ordem
constitucional, visto que ainda não se pode dizer que existe um povo universal. Soma-se a isto
a dificuldade de autogoverno no plano internacional.
Hierarquia dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos
O primeiro conceito que precisamos entender para tratar desta questão é o conceito de
“bloco de constitucionalidade”. A constituição tem normas de hierarquia constitucional, mas
há algumas outras normas que não estão no texto da Constituição, ou princípios implícitos, ou
tratados, que podem vir a serem considerados como integrantes desse bloco constitucional.
Trata-se, então, de um conjunto de normas dotados de hierarquia constitucional. Este conceito
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surgiu em 1971, na França, quando o conselho constitucional francês deu uma decisão em um
caso de liberdade de associação:
CASO: A constituição francesa, diferentemente das demais após o pós-guerra, não tinha
um catálogo de direitos fundamentais. Em 1971, o Sartre e a Simone de Beauvoir queriam criar
a Associação pela Causa dos Amigos do Povo, e o Senado entendeu que era a recriação do
Partido Comunista. O Congresso, então, criou uma lei que impedia a liberdade de associação.
O Conselho Constitucional disse que havia um bloco de constitucionalidade, que englobava
não só as normas da Constituição Francesa, mas também os tratados internacionais, e as
outras normas que estavam no preâmbulo. Neste caso, o preâmbulo passou de uma norma
que não poderia sequer ser invocada para uma origem de integração dos direitos
fundamentais à Constituição da França.
Esta ideia foi transplantada para vários ordenamentos jurídicos, até mesmo para o
nosso (CF, art 5º §2º - cláusula “materialmente aberta”, traz uma abertura da Constituição
para outros direitos fundamentais que decorram da lógica dos direitos e garantias já expressos
ou de tratados internacionais):
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”.
Controvérsia:
Tratados internacionais de DH têm caráter supraconstitucional Celso de Melo. Esta
concepção não prevaleceu no STF.
Tratados internacionais de DH têm estatura constitucional Defendido por uma parte
importante da doutrina, como Flavia Piovezan e Cançado Trindade. Segundo estes, os tratados
internacionais fariam parte deste bloco de constitucionalidade. Eles trazem esta interpretação
a partir da redação do texto já que ao dizer que os direitos e garantias ali expressos não
excluem outros decorrentes de tratado internacional, entende-se que se não exclui, poderia
incluir. Outro argumento é que o art 5º § 2º foi incluído na constituição para gerar maior
proteção aos direitos humanos garantidos pelos tratados internacionais lato sensu. Esta
interpretação não prevaleceu no STF
Tratados internacionais de DH têm hierarquia de lei. Primeira posição do STF: Houve um
conflito entre a constituição, que previa possibilidade de prisão para depositário infiel, e um
tratado internacional (o pacto de São José da Costa Rica), que apenas previa prisão por dívida
para o caso de não pagamento de pensão alimentícia. Mediante este conflito, o STF entendeu
que estes tratados teriam hierarquia legal, ou seja, estariam abaixo da Constituição, e, além
disso, qualquer outra lei posterior, pelo critério cronológico, poderia revoga-lo. Isto tornava os
Tratados sobre DH totalmente vulneráveis. O argumento do STF foi de que no processo de
internalização do tratado, o CN tem que editar um decreto legislativo, aprovado por quórum
de maioria simples. Logo, dizer que um tratado sobre DH teria hierarquia constitucional,
significaria tornar a constituição flexível com relação aos tratados. O Congresso, todavia, para
superar este entendimento, editou a EC 45/2004: art. 5º, §3º.
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“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”
Logo, pela própria redação do dispositivo, todo tratado internacional sobre DH editado
de acordo com o procedimento previsto pelo parágrafo terceiro, integra o bloco de
constitucionalidade. Isto é pacífico.
PROBLEMA: O que acontece com os tratados sobre Direitos Humanos que já tinham
sido internalizados? Em 2004, quando foi editada essa emenda constitucional , a
maioria dos tratados internacionais já tinham sido celebrados, e internalizados pelo
Brasil, então, a dúvida é: o que aconteceria?
Depois da Emenda Constitucional 45, chegou ao Supremo um caso idêntico ao primeiro
(prisão civil do depositário infiel), e o Supremo, que estava com uma composição renovada,
voltou a se pronunciar sobre hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos humanos.
Nesse novo julgamento, formaram-se duas posições:
1) a do Celso de Melo, que reviu sua posição anterior pra dizer que esses tratados teriam
hierarquia constitucional;
2) de outro lado, a do ministro Gilmar Mendes, que defendia a hierarquia supralegal
(abaixo da Constituição, mas acima de todas as leis infraconstitucionais). Esta posição
prevaleceu no STF. Motivos:
a) Nossa constituição é muito extensa, e, se todos os direitos inclusos em
convenções e tratados de que o Brasil faz parte constassem como
constitucionais, isto geraria uma “inflação” de direitos, além da dificuldade
adicional de não saber ao certo o que faz parte da Constituição (quadro de
insegurança jurídica).
b) Esta posição hierárquica já protege robustamente os direitos humanos na
medida em que o legislador ordinário não pode simplesmente revogar um
tratado de direitos humanos. Além disso, qualquer juiz ou Tribunal pode fazer o
que se chama de Controle de Convencionalidade, ou seja, o juiz, no caso
concreto, pode afastar a aplicação de uma determinada lei porque não se
coaduna com determinado tratado ou convenção de que o Brasil seja parte.
Posição final do STF:
Os tratados podem desfrutar de três posições hierárquicas diferentes:
1) Legal, quando não tratarem de direitos humanos;
2) Supralegal e infraconstitucional, quando versarem sobre direitos humanos, mas não
forem incorporados seguindo o procedimento ditado pelo art. 5º § 3º da CF;
3) Constitucional (com força de emenda constitucional), quando cuidarem de direitos
humanos e forem internalizados de acordo com o referido procedimento. Vale de
acordo com o que for mais favorável ao homem.
Assim, com relação ao citado caso, entendeu-se que a Constituição criou um patamar
mínimo, mas isso não impede que normas internacionais, ou a própria lei, confiram uma
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proteção mais robusta permitindo que o depositário infiel não seja preso por dívida civil.
TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Terminologia
Direitos Fundamentais Vs. Direitos Humanos Direitos humanos e direitos fundamentais
se referem a esferas distintas de positivação. Os direitos fundamentais são reconhecidos e
positivados na esfera constitucional de cada Estado; já os direitos humanos são
reconhecidos na ordem internacional, pelos diversos documentos internacionais. Então,
estes têm tanto um caráter supranacional, como pretensão de ser universais ou regionais,
ou seja, mais amplos que a esfera estatal. Apesar das terminologias diversas, eles se
relacionam intimamente, sobretudo porque o próprio catálogo de direitos fundamentais
da nossa constituição foi inspirado em documentos internacionais editados no segundo
pós-guerra.
Às vezes se fala em liberdades fundamentais, direitos fundamentais, ou garantias
fundamentais. A constituição de 88 fala em direitos e garantias fundamentais como um
gênero, que engloba diversas espécies: direitos individuais e coletivos, direitos sociais,
direitos de nacionalidade, de trabalho. Então direitos e garantias fundamentais seria o
“gênero” e todos esses seriam espécies.
Direitos Fundamentais em perspectiva histórico-evolutiva
Em termos de direitos fundamentais, é interessante falar que a ideia de direitos
inerentes à condição humana é antiga. As religiões de livro – cristianismo, islamismo – já
traziam a concepção de dignidade humana. Por exemplo, segundo a bíblia cristã, o homem foi
feito à semelhança de deus, o que traz uma ideia de dignidade. Pode, talvez, ser considerada
uma raiz dos direitos fundamentais.
Outra ideia é a de Direitos naturais. A tragédia de Sófocles (a Antígona) é a história dos
filhos de Édipo. Um deles, Polinices, é morto, e Creonte edita uma lei impedindo que os
traidores fossem sepultados. A irmã dele questionou dizendo que esta lei seria inferior às leis
de deus. Já havia, então, uma ideia de um direito superior – leis de deus, ou leis naturais –, que
teriam maior importância frente às leis do homem. Estes direitos seriam da própria natureza
das coisas, viriam “de cima e pairariam sobre a realidade”.
Essa concepção foi desenvolvida pelos pensadores contratualistas e iluministas, no
século XVI. Segundo estes, os indivíduos abririam mão de parte de parte de sua soberania, em
função da criação de um Estado. Mas manteriam alguns direitos ínsitos a eles, os quais o
Estado deveria respeitar. Então, há a ideia de direitos naturais como direitos que se imporiam,
também, contra o Estado.
Reconhecimento dos direitos fundamentais no direito positivo o período pré-
constitucional: Magna Carta (1215, Inglaterra)
As dimensões/gerações dos Direitos Fundamentais
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Uma nova geração não substitui os direitos anteriores, mas, de certa forma, os acumula.
Por isso alguns autores preferem falar em dimensão. O critério utilizado para definir uma
geração ou outra é histórico, ou seja, é o momento histórico que define se um direito é de 1ª,
2ª, ou 3ª geração. Este momento histórico é importante para entendermos a natureza destes
direitos, e como eles interagem.
1) PRIMEIRA DIMENSÃO Foi criada no estado liberal burguês, é a ideia de que os
homens deveriam ter determinados direitos, liberdades, protegidos da intervenção
estatal, ou seja, pretendia garantir um núcleo de exercício da liberdade individual.
Viam o Estado como um inimigo de seus direitos: limitar o poder do Estado em prol do
indivíduo (dimensão negativa). A ideia era de instituir um Estado de Direito (estado da
lei e não do homem). Representava, então, o “medo do absolutismo”. São, em regra,
direitos de defesa, que exigem abstenções por parte do Estado.
Ex.: Direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade formal, perante a lei,
que engloba: liberdade de expressão (expressão, imprensa, manifestação, reunião,
associação), direito de participação política (voto, garantias processuais como o devido
processo legal, e o habeas corpus).
2) SEGUNDA DIMENSÃO Estado social, século XX. Surge a partir da crítica socialista
sobre a igualdade formal, que, na prática, era insuficiente: era desigualadora, na
medida em que as condições sociais eram desiguais. Essa geração é movida pelas
várias crises econômicas e sociais da época da industrialização. As pessoas passaram,
então, a exigir do Estado, não apenas o comportamento negativo, mas uma atuação
positiva na promoção dos direitos e na realização da justiça social. Dentro desta
perspectiva, o valor principal desta geração é a igualdade material, e o objetivo
fundamental é garantir condições de vida dignas, sobretudo aos que não têm
condições materiais para tanto. São direitos prestacionais:
Ex.: Direito à saúde, à educação, providência, assistência social, moradia, e
algumas liberdades típicas do período industrial: direito de greve, liberdade sindical.
Obs.: dizer que um direito é de primeira ou segunda geração, não significa o
mesmo que dizer que direito de defesa ou prestacional, resp. A classificação quanto à
geração se refere ao período histórico, enquanto a classificação quanto a ser de defesa
ou prestacional é em relação ao conteúdo. Pode ser que um direito de 1ª geração não
necessariamente seja um direito de defesa, e vice-versa. Exs.: o direito de greve é um
direito de segunda geração (vem depois das ondas de industrialização), mas é
fundamentalmente um direito de abstenção. O direito de voto é de primeira geração,
mas exige também uma prestação por parte do Estado, de organizar as eleições, etc.
3) TERCEIRA DIMENSÃO São os direitos de solidariedade, surgidos no segundo pós-
guerra. Estes direitos são chamados “transindividuais”, ou seja, não têm como titular o
indivíduo considerado como pessoa, mas como coletividade: são direitos difusos,
coletivos, e de caráter indivisível (não dá para garantir para um indivíduo e não
garantir para outro).
Ex.: direitos ao meio ambiente, à paz, à utilização do patrimônio histórico, à
autodeterminação dos povos.
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Alguns autores defendem a existência de direitos de quarta e quinta gerações. Segundo
Paulo Bonavides, os direitos de quarta geração seriam direitos à democracia participativa,
como se os meios tradicionais de democracia indireta não fossem suficientes. Seria, então,
necessário incluir mecanismos de democracia direta e semidireta. A Maria Celina Bodin de
Moraes, Gustavo Tepedino e José Alcebíades, por sua vez, falam de uma quarta geração como
direitos relacionados à bioética e biotecnologia, como uma resposta do direito à evolução da
ciência. A quinta geração, por sua vez, é dita pelo Paulo Bonavides como direito à paz. O José
Alcebíades fala em direitos que surgem a partir da cibernética, da tecnologia da informação,
do uso da internet. A doutrina majoritária, todavia, entende que estes direitos seriam
apenas desdobramentos de direitos anteriores. Eu não preciso, por exemplo, de uma nova lei
para garantir minha privacidade no caso dos embriões ou da internet: eu aplico as que estão
positivadas, por uma nova lógica.
A nossa Constituição incorpora direitos de todas as três gerações e não as hierarquiza.
Ou seja, não há uma preferência na Constituição por direitos que venham do
constitucionalismo liberal, social, ou direitos coletivos.
TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O conceito de direitos fundamentais:
- Qual é o critério que me leva a dizer que determinado direito é fundamental?
A dupla fundamentalidade em sentido formal e material:
1) Fundamentalidade formal “Posições jurídicas da pessoa que, por decisão expressa
do legislador constituinte, foram consagradas no catálogo de direitos fundamentais da
Constituição.” (art. 5º ao 17º). Ou seja, para ser fundamental, um direito tem que estar
previsto na Constituição como tal.
- CONSEQUÊNCIA: Garantia de proteção reforçada. Os Direitos Fundamentais são
cláusulas pétreas, ou seja, um legislador ordinário e mesmo um qualificado (que
aprove uma emenda constitucional) não poderá excluir o afetar ou conteúdo essencial
de um Direito Fundamental.
2) Fundamentalidade material “Posições jurídicas da pessoa que, apesar de se
encontrarem fora do catálogo de direitos fundamentais da Constituição, por seu
conteúdo e importância, podem ser equiparados aos direitos formalmente
fundamentais.” Implica análise do conteúdo dos direitos. Por exemplo, avaliar se este
direito decorre do princípio da dignidade humana. O Ingo Sarlet, quando começa a
discutir sobre esse critério, fala que é preciso verificar a relevância desse bem jurídico
tutelado, não apenas isoladamente, mas, também, no próprio ordenamento jurídico.
Alguns direitos fundamentais são implícitos na Constituição, ou seja, eles decorrem de
alguns outros direitos positivados.
Obs.: Outras características dos DF: São diretamente aplicáveis às relações, vinculam o poder
público e os particulares, gozam de supremacia hierárquica que decorre do fato de serem
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formalmente constitucionais e de terem uma hierarquia material pelo seu próprio conteúdo
axiológico.
Definição de direito fundamental: “Todas as posições jurídicas concernentes às
pessoas – naturais ou jurídicas, consideradas na perspectiva individual ou transidividual –
que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, expressa ou
implicitamente, integradas às constituições e retiradas da esfera de disponibilidade dos
poderes constituídos, vem como todas as posições jurídicas que, por seu conteúdo e
significado, possam lhe ser equiparadas, tendo, ou não, assento na constituição formal.
Obs.: Há certa discussão filosófica, pois um comunista, por exemplo, vai dizer que o direito à
propriedade privada não é um DF. Por outro lado, um libertário vai dizer que os direitos sociais
não são DF. Há, assim, uma disputa de significado. Ainda assim, entende-se que o que está
positivado na Constituição (o que está elencado no catálogo, e outros que estão positivados ao
longo da Constituição, mas o STF já reconheceu como DF) tem esta garantia de proteção
reforçada peculiar.
A abertura (expansividade) do catálogo constitucional dos direitos fundamentais: significado
e alcance da norma contida no art 5º §2º, da CF:
- Ideia de que alguns direitos fundamentais são implícitos na Constituição, ou seja, eles
decorrem de alguns outros direitos positivados.
Inspiração: IX Emenda da Constituição dos EUA: “A enumeração de certos direitos na
Constituição não poderá ser interpretada como negando ou coibindo outros direitos
inerentes ao povo”.
Isto vem desde a Constituição de 1891: “Art 78 – A especificação das garantias e
direitos expressos na constituição não exclui outras garantias e direitos não
enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios
que consigna”.
Constituição de 1988: “Art. 5º §2º”.
Classificação dos direitos fundamentais com base no critério da abertura material do
catálogo constitucional (Ingo Sarlet):
Direitos expressamente positivados:
1. Direitos previstos no Título II da CF Explicitamente designados na CF como
direitos fundamentais.
Todos os direitos do título II devem ser, ou são, de fato, direitos fundamentais?
A maior parte da doutrina (incluindo Ingo Sarlet) e da jurisprudência entende que sim,
porque quando o constituinte disse que esses direitos são direitos fundamentais, ele
fez uma opção política, que faz com que eles tenham uma presunção muito forte de
são direitos axiologicamente fundamentais, e essa decisão não poderia ser
desconsiderada pelos poderes constituídos. Entende-se que deixar a cargo dos
intérpretes a decisão de definir se tudo é ou não DF poderia ocasionar um problema,
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então, núcleo do Título II deveria ser fechado, ainda que, além destes, admita-se
outros.
Outros autores (como Ricardo Lobo Torres e Daniel Sarmento) discordam desta
posição, entendendo que há alguns direitos previstos neste título II que não são
fundamentais. O Ricardo Lobo Torres fala, por exemplo, que nem todos os direitos dos
trabalhadores são direitos fundamentais, serão fundamentais apenas aqueles que
decorrerem diretamente do princípio da pessoa humana. O Sarmento, por sua vez, diz
que quando eu digo que um direito é fundamental, ele passa a ser cláusula pétrea,
com proteção reforçada, ou seja, é tirado da esfera de disponibilidade do legislador.
Isto ocasiona um problema de democracia: ao inflacionar demais o conteúdo de
direitos fundamentais, impede-se que maiorias possam alterar esses direitos. Ou seja,
cria-se certa banalização, que restringe excessivamente as deliberações democráticas.
Ele traz como exemplo o direito de julgamento pelo tribunal do júri (em algumas
circunstâncias, o júri vai ser mais rigoroso do que o próprio juiz), e o direito a um terço
adicional nas férias. Então, a nota de fundamentalidade de um direito estaria mais
ligada ao seu conteúdo do que ao seu posicionamento topológico na Constituição.
2. Direitos Fundamentais dispersos no texto constitucional
Desafio: identificar tais direitos – carga argumentativa para dizer se são ou
não direitos materiais;
Critérios: substância e relevância Estes direitos devem, por seu
conteúdo, poderem ser equiparados a Direitos Fundamentais previstos no
título II. Devem, portanto, guardar relação com os princípios fundamentais
que orientam a ordem constitucional.
Ex.: direito de associação sindical e greve dos servidores públicos
(art.37, VI e VII), fundamentação das decisões judiciais (art.93 IX),
limitações constitucionais ao poder de tributar (150 I a IV), exercício de
direitos culturais (215), proteção ao meio ambiente (225).
3. Direitos sediados nos tratados internacionais de direitos humanos. Se forem
incorporados pelo quórum previsto no parágrafo 3º eles terão força de emenda
a Constituição e estarão incluídos nesse catálogo de direitos constitucionais e
no bloco de constitucionalidade.
Direitos implicitamente positivados:
- São direitos subintendidos pela ordem de valor da constituição.
Exemplos: direito de resistência, direito à desobediência civil, direito à
identidade genética, direito à identidade pessoal, garantias do sigilo fiscal e bancário
(subintendido a partir do direito à privacidade), direito à boa administração pública.
Tipos de Prestação dos Direitos Fundamentais:
1) Negativa (direitos de defesa, exigência de abstenção estatal).
2) Positiva (direitos prestacionais, prestações positivas por parte do Estado. Há um dever não
só de proteção, como um direito de promoção, ou seja, que o estado atue concretamente
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para que estes direitos sejam garantidos. Ex.: proporcionalidade como vedação de
proteção deficiente),
3) Participativa (são os direitos políticos, por excelência. O direito de voto, por exemplo,
garante que as pessoas possam participar da vida pública. Pode, todavia, esta dimensão
aparecer em outros direitos, como saúde, e educação. É muito comum, por exemplo, que
os indivíduos tenham direito à participação em políticas públicas de saúde, ou
educacionais).
Multifuncionalidade dos DF na ordem constitucional: uma medida que venha a
afetar a saúde de alguém, por exemplo, ela é proibida porque o direito da saúde
atua como uma prestação negativa. Por outro lado, quando um indivíduo vai pedir
medicamento, esse direito assume um conteúdo prestacional, no sentido que ele
passa a reivindicar um direito pra uma prestação positiva por parte do Estado.
Dupla dimensão dos Direitos Fundamentais:
1) Dimensão subjetiva dos direitos fundamentais “Direitos exigíveis perante o Estado; ao
titular de um DF é aberta a possibilidade de impor judicialmente seus interesses
juridicamente tutelados perante o destinatário”. É a dimensão tradicional dos DF, na
medida em que vem do constitucionalismo liberal, com os direitos negativos: exigir
abstenção do Estado.
2) Dimensão objetiva dos direitos fundamentais “Representam decisões valorativas de
natureza objetiva, um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da atuação do
Poder Público que se projetam em todo o ordenamento jurídico”. Esta ideia é oriunda do
direito constitucional alemão, no caso “Lüth”. Decorre da ideia de que os DF são os valores
mais importantes do ordenamento jurídico, valores, sobretudo, morais, que, por isso,
devem ser irradiados pelo ordenamento jurídico, trazendo deveres objetivos de proteção
do Estado. O Estado, então, passa a ter não apenas o direito de não violar, como o dever
de atuar positivamente para protegê-los. Assim, passa a não ser mais visto como um
inimigo, mas como um ator fundamental para a proteção e garantia desses direitos.
Obs1: Entra aqui a ideia de “princípio da proporcionalidade como vedação à proteção
deficiente” Os DF irradiam por todo o ordenamento jurídico e o Estado tem que agir de
modo a garanti-los. Logo, se o Estado deixa de proteger, ou protege de forma deficiente, é
possível cobrar dele uma atuação positiva.
Obs2: Isso significa que eu não posso olhar simplesmente numa perspectiva individual,
como no constitucionalismo liberal, é possível que os direitos fundamentais, por exemplo,
sejam limitados em função da proteção da comunidade. Então, não é só uma missão do
estado proteger e promover os direitos fundamentais, mas também de toda a
comunidade, porque essa ordem de valores é universal.
Obs3: Falar da dimensão objetiva não significa limitar a dimensão subjetiva, mas
apenas traz para ela uma “mais-valia”.
*Alexy Tríplice abstração – Ex.: direito fundamental ao exercício de liberdade de
opinião. O titular é o indivíduo, o destinatário é o Estado, e a prestação é uma abstenção
por parte do Estado. Se eu abstrair o titular, o destinatário, e a prestação, sobre o bem
jurídico, que é um valor objetivo, fundamental na ordem jurídica, que deve ser promovido
por todos.
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Efeitos práticos da dimensão objetiva dos DF:
A) Eficácia irradiante Compara-se a quando alguém joga uma pedra em um lago, e ao
redor dela formam círculos que vão se expandindo. Os DF são, nesta lógica, tão
fundamentais para a ordem constitucional, que eles devem irradiar e penetrar por todo o
ordenamento jurídico (eficácia irradiante). Toda interpretação constitucional deve ser
filtrada pelas lentes dos DF (núcleo da CF). Nas palavras do Sarmento, os DF ensejam a
humanização do direito, a partir do momento em que o operador deve reinterpretar o
direito com novas lentes, com as cores da dignidade humana da igualdade substancial e da
justiça social.
Ex1: O devedor solteiro e solitário também não pode ter sua casa penhorada,
porque o objetivo do bem de família ser impenhorável é de proteção da dignidade da
pessoa humana. Ou seja, os DF passam a produzir efeitos em relações em que
tipicamente não há uma relação de prestação.
Ex2: arremesso de anões entendeu-se que violava a ordem pública. Para ele
inserir o lançamento de anões no conceito de ordem pública, que é um conceito
jurídico indeterminado, os direitos fundamentais tiveram que irradiar sobre esse
conceito, porque você só pode dizer que ele viola a ordem publica porque viola a
dignidade dos anões. Ou seja, na interpretação de cláusulas gerais, essa irradiação
deve produzir efeitos inclusive sobre a própria definição de qual é o significado desses
conceitos.
Obs.: Um dos instrumentos mais importantes dessa irradiação é a própria
interpretação conforme a constituição (afastar o sentido mais óbvio da norma que
viola a constituição, mantendo outro sentido menos óbvio, compatível com a
constituição. Prestando, assim, “reverência” ao legislador, ao não retirar a norma do
ordenamento jurídico).
B) Teoria dos deveres de proteção Origem: Alemanha. No Brasil, apesar de não ter
nenhuma norma expressa neste sentido, entende-se que os órgãos estatais devem criar
níveis de proteção adequados aos direitos fundamentais. O Estado não pode conferir uma
proteção insuficiente, porque isso significaria violar a dimensão objetiva. A partir do
momento que se reconhece que o estado tem um dever de proteção adequada dos
direitos fundamentais, cria-se um direito subjetivo à proteção. Leva, então, o Estado a
adotar medidas eficazes para esta proteção.
Ex1: Financiamento de campanhas o Estado protege insuficientemente o direito à
democracia, a republica, quando ele permite que empresas doem milhões e que os
candidatos fiquem totalmente dependentes dessas empresas.
Ex2: Lei Maria da Penha Havia uma regra que condicionava à atuação do
Ministério Público a representação da mulher agredida. Isto chegou ao Supremo, e ele
entendeu que essa regra não protegia suficientemente os direitos das mulheres, e que o
MP poderia atuar sem a representação da vítima. O dispositivo foi invalidado, porque
esses deveres de proteção não foram cumpridos adequadamente pelo Estado.
13
C) Função organizatória e procedimental Decorre da ideia de que, muitas vezes, para
serem efetivados, os direitos dependem de procedimentos. No caso do acesso à justiça de
pessoas que não tem condição de pagar um advogado, por exemplo, de nada adiantaria a
constituição dizer que todos tem acesso à justiça se não houvesse uma defensoria ou
alguma outra instituição capaz de efetivar esse direito fundamental. Logo, a ideia de uma
dimensão objetiva dos direitos fundamentais decorre a necessidade de que o Estado
institua procedimentos, organizações, instituições, que sejam responsáveis por efetivar
esses direitos. Um exemplo factível se dá com relação à lei de informação: ela possibilita
amplamente o acesso ao direito à informação ao permitir que você possa pedir dados a
instituições públicas.
Características dos Direitos Fundamentais
a) Multifuncionalidade dos Direitos fundamentais Tipo de prestação: negativa, positiva, e
participativa (pág. 10 e 11).
b) Universalidade Os DF têm um núcleo que se aplica a todos enquanto pessoas. É
importante ressaltar que há variações com relações às diferentes culturas, porque alguns
direitos em umas, e não fazem sentido em outras. A gente tem que reconhecer, por
exemplo, com base numa perspectiva multiculturalista algumas práticas dos indígenas que
são totalmente contrárias às nossas práticas.
c) Historicidade Entende-se que há uma evolução na concepção dos direitos
fundamentais, fruto da própria luta pelos direitos. Ou seja, os direitos não vieram em um
dado momento, juntos. Eles fazem parte de uma conquista que vem de alguns períodos
históricos específicos do constante liberal, e depois do constitucionalismo social, que se
agregam.
d) Relatividade Oposição à ideia de DF serem absolutos. Os DF podem entrar em conflito
em determinado caso concreto. Entende-se, então, que um DF pode ser restringido,
respeitado seu núcleo fundamental, e o princípio da proporcionalidade: Em um
determinado caso, eu posso afastar a aplicação de um direito fundamental ou de um
princípio fundamental, para que outro seja aplicado, ou tentar criar uma concordância
prática na aplicação de determinados direitos fundamentais.
Obs.: a relatividade dos direitos fundamentais é uma regra geral, mas que não
se aplica indistintamente a todos os direitos fundamentais. Ex.: tortura, escravidão. –
A professora traz um questionamento sobre se de fato não há tortura, tendo em vista
as condições absurdas existentes nos presídios.
e) Atipicidade ou não exaustividade (art.5º,§2º) Os DF não são só aqueles presentes no
elenco da CF. É possível falar em outros direitos fundamentais, desde que levemos sempre
em conta que a interpretação constitucional é uma interpretação aberta, e permite que,
muitas vezes, o sentido destes direitos evolua.
Obs.: Não se pode haver uma banalização dos DF, mas em alguns casos, se
justifica ampliar este roll, sobretudo quando está em jogo a dignidade da pessoa
humana.
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f) Constitucionalização Os DF estão, explícita ou implicitamente consagrados no texto
constitucional.
g) Proteção reforçada Há uma série de mecanismos que conferem uma proteção
reforçada aos direitos fundamentais, como é o caso de serem cláusulas pétreas e de terem
essa dimensão subjetiva que permite que sejam direitos subjetivos exigíveis do Estado e,
consequentemente, que sejam tutelados judicialmente (art. 5º, inciso XXXV - o controle
judicial é inafastável, ou seja, podemos propor ação e nos fazer valer dos direitos
fundamentais em situações de violação ou proteção deficiente aos mesmos e, assim,
fazendo com que o judiciário intervenha para protegê-los.)
h) Indisponibilidade São impossíveis de abdicação. Apesar disso, há casos em que
podemos abdicar de um deles, como, por exemplo, os participantes do BBB abdicam do
seu direito à privacidade. Podemos, então, admitir que se abdique de alguma faceta de um
DF. No entanto, essa análise deve ser casuística. Nesta característica, podemos também
discutir o caso dos anões e do sadomasoquismo. Os primeiros desejam abrir mão de sua
dignidade por conta de constrangimentos econômicos, por isso, o Estado não permitiu,
eles não estão ali porque realmente querem. No segundo caso, abre-se mão da
integridade física por uma questão individual de concepção de prazer sexual, o que é
permitido, já que é sem nenhum constrangimento, por uma opção totalmente voluntária.
i) Imprescritibilidade Não se deixa de ser titular destes direitos por não exercê-los. Dessa
forma, se alguém se submeteu a vida toda a uma prática degradante, isso não significa que
vai ser privado da sua dignidade ou que não vai poder nunca mais insurgir contra essa
prática. Isto não significa, todavia, que a prescrição não vai operar. Se houve um caso de
injúria ou se há danos morais em determinado caso, você tem um período para fazer valer
esse direito judicialmente e, se não fizer, a prescrição vai operar normalmente.
j) Vinculação dos Poderes Públicos Os atos do poder público devem conformidade aos
direitos fundamentais, ou seja, todos os poderes (executivo, judiciário e legislativo) têm
sua atuação vinculada pelos direitos fundamentais. Hoje, todavia, diz-se que esta
característica não é apenas de vinculação aos poderes públicos, mas sim uma eficácia erga
omnes. Isto, porque além de vincular os poderes públicos, os direitos fundamentais
vinculam também as relações privadas (eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais). É
importante ressaltar, porém, que a eficácia horizontal não vale para todos os tipos de
relações privadas, se não, teríamos um totalitarismo dos direitos fundamentais, o que não
é desejado em um Estado democrático de Direito.
k) Aplicabilidade imediata (Art. 5º §1º) Veio a partir do reconhecimento da força
normativa da constituição. Antes, os dispositivos constitucionais eram vistos como
princípios que dependeriam da regulamentação do legislador para serem aplicados, ou
seja, não eram autoaplicáveis. A consequência disto é que os direitos fundamentais não
tinham efetividade social, não valiam na prática. O objetivo do constituinte, na CF88,
então, foi impedir que não se extraísse nenhum efeito prático da constituição, sobre tudo
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dos DF. Toda vez que eu estiver aplicando direito fundamental, tenho que interpretar essa
norma de modo a conferir uma interpretação que aumente ao máximo a eficácia social
desse direito. Além disso, tem-se que na medida do possível, verificar qual a parcela do
direito que não depende de uma concretização legislativa, devendo esta ser aplicada
diretamente.
Ex.: Nepotismo
Obs.: Nem todos os DF são autoaplicáveis direito à moradia: está na Constituição,
mas não é auto aplicável, qualquer pessoa pode invocar um direito subjetivo e postular em
juizado para que se conceda uma casa? Não.
DISCUSSÃO: Direito à terra das comunidades quilombolas remanescentes. Surge a partir
do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais transitórias (ADCT):
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitirlhes os títulos respectivos.
- Este preceito é autoaplicável? Você pode extrair dele efeitos imediatos? Entendemos que
sim. O objetivo da CF ao colocar este direito fundamental no artigo 68 era justamente que eles
pudessem usufruir das terras ocupadas. A ideia de se conseguir extrair a máxima efetividade
desse dispositivo constitucional é garantindo o Direito à terra, mesmo com a ausência de uma
lei. Muitas vezes, todavia, é necessário criar procedimentos para tanto, como ocorreu neste
caso (desapropriação prevista por decreto), de modo a efetivar estes direitos, impedindo os
conflitos fundiários que naturalmente decorriam deste artigo. Neste caso, então, para as
próprias comunidades remanescentes de Quilombos era interessante que houvesse um
processo regulamentado feito pelo legislador (que, no final, foi feito pelo Executivo), criando
um procedimento de desapropriação mediante prévia e justa indenização ao proprietário da
terra, e garantia de que eles teriam este título.
Essa preocupação com a aplicabilidade imediata fica clara quando a CF prevê
dois instrumentos: Mandado de injunção e Ação declaratória de constitucionalidade por
omissão. São dois instrumentos usados quando o legislador não houver concretizado um
Direito Fundamental. A ideia é não deixar, de forma alguma, a cidadania à mercê do legislador
e conferir instrumentos úteis para que seja sanada a omissão.
Obs1: Os recursos estatais são limitados, e, por isso, nem sempre é fácil conferir
máxima extensão a todos os direitos fundamentais. Ex.: fornecimento de um remédio
no valor de 68 milhões para uma pessoa, ou doação de casas aos necessitados.
Obs2: não prejudica a ideia de uma aplicabilidade imediata ou de conferir efeitos
plenos a uma determinada norma de Direito Fundamental o fato de haver uma colisão
de princípios de normas constitucionais.
* Ingo Sarlet o parágrafo primeiro é uma norma essencialmente principiológica, no sentido
de um mandado de otimização. No máximo que for possível é preciso extrair os efeitos e
aplicabilidade imediata, mas isso será graduado a depender do direito fundamental.
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Titularidade dos Direitos e Garantias Fundamentais
1ª Hipótese: Pessoa humana (sujeito clássico dos DF). Os direitos fundamentais são
aplicados a todas as pessoas humanas.
* Há uma discussão sobre a aplicação dos direitos fundamentais com relação aos
estrangeiros.
Artigo 5°, caput, CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)”.
A CF faz uma diferenciação entre brasileiros e estrangeiros não-residentes. Todavia, os
direitos fundamentais são uma emanação da dignidade humana. E, os estrangeiros, enquanto
homens, têm a mesma dignidade que os brasileiros. Isto não significa que os estrangeiros têm
todas as garantias de direitos fundamentais dos brasileiros (por exemplo, não podem votar, o
que configura em um direito fundamental político). Por outro lado, um estrangeiro não pode
ser preso no Brasil sem as mesmas garantias que um brasileiro.
*Universalidade É entendida como uma das características dos DF, mas, atualmente,
entende-se que determinados direitos fundamentais não são universalmente aplicáveis.
Atualmente, há a tendência de alguns direitos fundamentais serem de alguns grupos
específicos, como o próprio direito fundamental das comunidades remanescentes de
quilombos às terras ocupadas. Logo, a universalidade varia de acordo com a natureza do
direito fundamental em questão. Mas dizer que aos estrangeiros são negados os direitos
fundamentais viola a ideia de universalidade.
2ª Hipótese: Titularidade dos Direitos Fundamentais por entes coletivos.
Há determinados direitos que são titularizados por um grupo (direito a terras pelas
comunidades remanescentes nos quilombos). Pessoas jurídicas são titulares de direitos
fundamentais, mas como estes estão fortemente ligados à dignidade da pessoa humana, não
partilhada (obviamente) por pessoas jurídicas, quando se trata destas, estes direitos têm
sempre aplicabilidade limitada. Além disso, nem todos os direitos fundamentais podem ser
aplicados às PJ: Eu não tenho como sustentar que uma pessoa jurídica tenha direito à
educação, direito à moradia, mas tem, por exemplo, ao sigilo das correspondências, sigilo
fiscal.
Ex.: Caso do financiamento de campanhas nos EUA é muito comum que lá as
empresas “financiem” campanhas através dos gastos independentes (uma empresa
grande faz um comercial contra determinada política plataforma de um candidato). A
Suprema Corte entendeu que, no caso de doações diretas, havia um risco de Quid pro
quo (troca de favores, as empresas darem o dinheiro esperando receber algo em
troca); e falou que esse risco não estaria presente nos gastos independentes, neles,
por outro lado, estaria imbricada a liberdade de expressão das pessoas jurídicas, que
deveria ser protegida.
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- Pessoa jurídica pode pleitear danos morais? A professora entende que não, visto que, para
ela, dano moral está muito ligado à dignidade da pessoa humana. O STJ, todavia, tem uma
súmula dizendo que pessoa jurídica pode pleitear danos morais. Pensando que pessoa jurídica
é uma forma de você viabilizar os fins privados, dos seus membros, pode refletir sobre isso.
- Órgãos públicos são titulares de Direitos Fundamentais? Em princípio, não. Eles são
devedores, ou destinatários. Mas, esta é uma discussão que está em aberto.
É possível falar em direitos fundamentais para quem ainda não nasceu. Os direitos ao meio
ambiente, por exemplo, são titularizados em gerações futuras na nossa constituição. Ou seja,
mesmo uma coletividade não nascida pode ser titular de direitos fundamentais.
Polêmica: Os animais podem ser titulares de direitos fundamentais? – O critério usado para
distinguir a pessoa humana dos animais é a racionalidade. A professora questiona que
partindo deste princípio, pessoas em estado vegetativo não teriam direitos fundamentais. Ela
entende, assim, que os animais deveriam ter alguma titularidade de direitos fundamentais,
mas, atualmente, eles não têm (não há nenhum instrumento nacional ou internacional que
diga isto). Para tratar os animais como titulares de direitos fundamentais, teríamos que mudar
a concepção inteira da sociedade: comemos carne de animais que são submetidos a situações
de imenso sofrimento. Como a história dos direitos fundamentais é de alargamento, há a
possibilidade de que um dia eles atinjam os animais. Pode-se citar o exemplo da farra do boi,
em Santa Catarina, e da briga de galo no RJ, que foram proibidos pelo judiciário, em defesa dos
animais.
Destinatários de Direitos Fundamentais
- São os devedores, quem deve garantir os direitos fundamentais.
O devedor originário sempre foi o Estado. Nesta perspectiva, a constituição trazia a ideia de
Estado como inimigo desses direitos, e, por isso, a necessidade de coloca-los a salvo do
legislador ordinário, constitucionalizando. O problema é que, na prática, a opressão não vem
só do Estado. Há uma série de relações com organismos, que trazem opressão, e não garantir
nenhuma aplicabilidade dos direitos fundamentais em face desses entes privados poderia
significar uma abertura a opressões e iniquidades. Logo:
Eficácia vertical dos direitos fundamentais O Estado, que subordina a todos os
indivíduos, tem que sempre respeitar estes direitos fundamentais, individuais, em sua
atuação.
Eficácia horizontal dos direitos fundamentais Há uma série de relações privadas,
como relações de trabalho, que podem gerar opressões, e, nesta esfera, deve ser
mantido o respeito aos direitos individuais. A questão dá eficácia horizontal traz uma
complexidade ínsita a ela: identificar em quais relações se pode aplicar os direitos
fundamentais. Por exemplo, o Estado tem que respeitar o direito à isonomia, mas nem
sempre em relações privadas este direito deverá necessariamente ter que ser
respeitado. Um casal chama todo mundo do roll de amigos pra ser padrinho de
casamento, menos um. Esta não pode recorrer ao judiciário pleiteando isso. Seria
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diferente, por exemplo, se uma escola comum não aceitasse pessoas negras, o que se
configuraria em uma violação à igualdade.
RISCO: Fundamentalismo dos direitos fundamentais Impor uma “ditadura do politicamente
correto”, “perfeccionismo moral”, “ditadura do politicamente correto”. Não se pode exigir que
se siga estritamente todos os direitos fundamentais nas relações privadas, sobretudo naquelas
que são marcadas por certa intimidade, o que levaria a uma anulação da autonomia individual.
Não é pacífico, no direito comparado, que os direitos fundamentais podem se aplicar
às relações privadas. Há algumas teorias versando sobre isto:
1) State Action (teoria da ação estatal – EUA) a constituição vincula tão somente o Estado.
Há a ideia de garantia do indivíduo contra o Estado: garantir os direitos básicos, as
liberdades básicas contra uma possível ação estatal. Logo, nos EUA não é possível invocar
os direitos fundamentais em relações privadas, exceto em casos muito excepcionais: Uma
cidadezinha era gerida por uma empresa (era uma pequena cidade privada) que proibiu a
pregação das testemunhas de Jeová nessa cidade. Isto foi parar no judiciário, e se decidiu
que a partir do momento que essa empresa gere uma cidade, ela tem uma atuação
equiparada ao Estado. Logo, os direitos fundamentais devem ser garantidos nessa
hipótese, devendo a empresa assegurar a liberdade religiosa neste caso.
*Caso Boys Scouts of America O chefe do escotismo se assumiu publicamente como gay e
foi expulso desta associação, por conta disto. Ele, então, foi ao judiciário pleitear a garantia de
seu direito à opção sexual nesta relação privada, e a Suprema Corte entendeu que não
procedia, que os direitos fundamentais não deveriam ser aplicados em relações privadas. Esta
jurisprudência é seguida até hoje.
2) Teoria da Aplicabilidade indireta ou mediata (Alemanha) A partir do momento em que a
legislação infraconstitucional é inspirada na Constituição, ela densifica os preceitos
constitucionais, e, então, quando se aplica o direito privado, estaria se aplicando
indiretamente a Constituição. Além disso, quando os operadores do direito forem
interpretar as normas – por exemplo, cláusulas gerais, ou conceitos jurídicos
indeterminados – os direitos fundamentais devem conduzir esta interpretação. Ou seja,
você não vai aplicar diretamente os DF em uma relação privada, mas vai mediar, através
da definição de sentidos de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, usando
direitos fundamentais.
*Caso Luht (1958) Havia um cineasta muito famoso, que na época do nazismo fazia filmes
antissemitas e de veneração a Hitler. Após o fim do nazismo, este resolveu se reabilitar
fazendo um filme neutro. Lüht, um ativista político, resolveu fazer um boicote ao filme,
dizendo que quem fosse assisti-lo estaria apoiando o nazismo, o que acabou por gerar
prejuízos para a produtora. Esta, por sua vez, recorreu ao Tribunal de Hamburgo, dizendo que
este boicote violaria os bons costumes (art. 826 do CC Alemão: “não serão toleradas
manifestações contrárias aos bons costumes”). Isto chegou ao Tribunal Constitucional Federal
Alemão, que entendeu que se trataria de um litígio privado, mas ao interpretar a cláusula geral
“bons costumes” deveria se aplicar a liberdade de expressão. Houve, então, uma aplicação
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mediata ou indireta dos direitos fundamentais em relações privadas. O Tribunal mencionou
essas duas formas de penetração dos Direitos Fundamentais nas relações privadas: De um
lado, por meio da legislação, ao disciplinar as relações privadas. Por exemplo, no Código Civil,
todos os preceitos são, por natureza, aplicáveis às relações privadas. Ou pelo judiciário,
mediante a interpretação das cláusulas gerais e outros conceitos jurídicos indeterminados.
Por que não projetar os direitos fundamentais diretamente nas relações privadas?
i. Insegurança jurídica pode-se aplicar direitos fundamentais com um sentido mais
amplo, com conteúdo menos definido na prática.
ii. Asfixia da autonomia privada;
iii. Absorção das funções legislativas pelo poder judiciário (problema de democracia) A
partir do momento em que se aplicam os direitos fundamentais, que são normalmente
cláusulas mais abertas, a gente acaba por levar tudo para o campo da ponderação. Isto
ocasiona uma situação na qual os juízes acabam por decidir o que vai acontecer na
prática, e isso traz um problema de democracia: a partir do momento em que se deixa
tudo para os juízes ponderarem, interpretarem, você tá deixando que pessoas não
eleitas definam o que prevalece na prática.
iv. Colonização do direito privado pelo direito constitucional.
3) Teoria da aplicabilidade direita ou imediata (Brasil) na nossa dogmática os Direitos
Fundamentais se projetam sobre as relações privadas. Esta teoria não é pacífica, mas é
majoritária, muito preponderante na nossa doutrina (adotada por autores como Ingo
Sarlet, Barroso, Daniel Sarmento). É possível pegar um Direito Fundamental previsto na
Constituição e aplicá-lo na relação privada, sem a intermediação do legislador. Mas, esta
ideia não nega a eficácia indireta ou mediata dos direitos fundamentais, uma coisa não
exclui a outra. O risco disto é de asfixia da autonomia privada. A forma de resolver este
problema é a ponderação: Sempre que se pretender aplicar um direito fundamental na
relação privada de forma direta, é preciso que se proceda a uma ponderação com a
autonomia privada para que se verifique qual dos direitos fundamentais deve prevalecer
no caso concreto.
Obs1: Em regra, se eu tenho uma norma expressa infraconstitucional sobre
determinado tema, eu não posso aplicar direto os direitos fundamentais a despeito desta
norma. Para que eu possa afastar esta regra, eu tenho um ônus argumentativo para dizer
que esta norma viola a constituição. Se não houver uma regra expressa sobre
determinado tema ou regendo determinada relação, aí sim há espaço para a aplicabilidade
direta do direito fundamental, sempre se recorrendo à ponderação com a autonomia
privada.
Obs2: a teoria da ação estatal não é uma boa saída para o Brasil, porque não temos
essa cultura antiestatal, marca do ordenamento jurídico americano. Logo, não seria
adequado às nossas condições institucionais e societárias.
A teoria da aplicação direta, embora tenha alguns problemas, como os explicitados pela
doutrina alemã, é a mais coerente com o constitucionalismo brasileiro, visto que a sociedade
brasileira é marcada por muitas desigualdades. Neste sentido, a Constituição Brasileira
consagra vários direitos fundamentais que são, por essência, aplicados nas relações privadas,
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como os próprios direitos trabalhistas. Fica muito claro em vários dispositivos, que ela tem
uma vocação pra aplicação direta em relações privadas, em relações horizontais. Esta
aplicação, todavia, se dá com nuances, com temperamentos que não podem ser ignorados.
Jurisprudência:
a) Caso Air France A Air France tinha empregados brasileiros e franceses, e
respeitava perfeitamente a nossa legislação trabalhista. Todavia, ela
concedia mais benefícios aos empregados franceses, e os empregados
brasileiros disseram que isso era um tratamento anti-isonômico. A empresa
alegou que estava cumprindo a legislação brasileira, e que conferia mais
direitos aos empregados franceses porque a legislação deles é mais rigorosa.
O STF entendeu que, nesse caso, se o empregado francês e o brasileiro
desempenhavam a mesma função, tinham as mesmas obrigações, a mesma
carga de trabalho, a diferenciação era dada por um único critério, o de
nacionalidade. Então seria uma discriminação odiosa e, logo, o STF impôs
que a Air France concedesse o mesmo tratamento aos empregados
brasileiros e franceses.
b) Outro caso decidido foi o caso de uma cooperativa que excluiu um dos seus
membros, por ter praticado um ato ilícito, sem nenhum tipo de defesa. Isto
chegou ao STF, que invalidou a exclusão, entendendo que, mesmo no
âmbito privado de uma cooperativa, era necessário respeitar o devido
processo legal, garantir a ampla defesa.
Parâmetros para balizar a aplicação direta da Constituição:
1) Grau de assimetria das partes da relação Um contrato privado entre duas
grandes multinacionais é muito diferente de uma relação de trabalho.
2) Aferição de um significado subjacente à aferição de um direito fundamental
Por exemplo, no carnaval de Salvador há um bloco que só aceita negros. O
objetivo desse bloco é criar uma ode à cultura negra. Seria diferente se
houvesse um camarote no qual não se aceita negros, apenas brancos, sem
nenhuma justificativa plausível. É a teoria do impacto desproporcional: Esse
parâmetro consiste na verificação da violação de direitos fundamentais numa
relação privada, em refletir antes sobre qual o significado dessa violação (ele é
inclusivo ou discriminatório?). Outra linha de pensamento é sobre qual o grau
que essa restrição atinge na dignidade das pessoas.
3) Tipos de autonomia do particular Um vendedor não querer vender, em sua
loja, um sabonete para um pai de santo, por questões religiosas, é diferente de
este mesmo vendedor não querer receber o pai de santo em sua casa (envolve
muito mais as liberdades existenciais deste).
4) Exercícios de funções públicas delegadas Algumas instituições privadas, às
vezes, têm uma relação especial com o Estado, têm o poder delegado do Estado,
e nesses casos, se justifica uma maior incidência dos direitos fundamentais
nessas relações privadas (caso das testemunhas de Jeová, nos EUA, acima
citados).
21
5) Prevalência da solução que fomente o pluralismo evite o paternalismo do Estado
Um exemplo ocorreu nas eleições, teve uma proibição de pesquisas de
pesquisas eleitorais por 15 dias, antes das eleições. Tem uma conotação
paternalista, que é muito comum na legislação eleitoral, de que as pessoas não
sabem ler as pesquisas, interpretar os resultados e decidir por elas mesmas, por
isso, o Estado deveria intervir. Essa ideia tem que ser afastada, sobretudo, nos
casos de direitos fundamentais nas relações privadas.
Caso da Revista de Moda Vogue Kids:
- Houve um ensaio de moda polêmico com as crianças em posições
sexualizadas/ sensualizadas, que foi denunciado à justiça.
- O que Justiça do Trabalho fez:
1) mandou retirar de circulação a revista e proibir a venda da mesma.
2) determinou que todas as vinculações de imagens de crianças (em qualquer
revista da Editora Globo) tivessem que se submeter anteriormente à
autorização do juiz do trabalho. Todo o conteúdo que será publicado na
matéria deverá ser previamente apresentado ao juiz.
- Se a Vogue Kids só tem foto de criança, isso quer dizer que a revista inteira
estará dependendo de uma autorização judicial para ser colocada em
circulação.
- A Clínica de Direitos Fundamentais da UERJ interpretou o caso como censura
total, e decidiu fazer uma reclamação com o Supremo Tribunal Federal por
violação à superioridade da decisão do próprio Supremo.
As decisões violadas em questão são:
1) A ADPF 130, que julgou inconstitucional a lei de imprensa; e que declarou
a total impossibilidade de censuras prévias no Brasil.
2) A ADIN 869, que trata exatamente de direito de menores. Diz que, se um
erro pontual do passado, em determinada veiculação da TV, houve
violação de um direito de menores, isso não justifica que no futuro você
crie outras sanções. Quer dizer: um problema no passado não pode
justificar uma censura posterior em matérias que não estejam relacionadas
a essa matéria anterior que violou os direitos de menores.
- Não se está discutindo o fato de o juiz mandar ser feita a retirada dessa edição
problemática, que realmente violou os direitos das crianças. O que se está
questionando é o fato de a decisão criar uma necessidade de autorização
prévia para um veículo impresso de jornalismo. Pois jornalismo de moda é sim
um segmento de jornalismo, e como tal, tem garantidas todas as liberdades
constitucionais. Não se pode justificar uma censura em caráter genérico e
abstrato, pois o juiz do trabalho não vai ter nenhum parâmetro a não ser suas
subjetividades próprias para autorizar ou não veiculação da imagem da
criança.
I. Núcleo Essencial dos Direitos Fundamentais.
1. Teoria Externa (majoritária): defendida por Geane Reis, é a ideia
de que em cada direito fundamental existe um núcleo essencial,
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que não pode ser atingido ou restringido – caso aconteça, este direito estará
sendo violado. Em volta do núcleo, porém, há uma zona que pode ser
restringida, ou seja, o direito fundamental pode ser relativizado em
detrimento de outro, dependendo do caso, quando há necessidade de
ponderação entre duas regras constitucionais conflitantes.Existe, então, um
âmbito de proteção e incidência bastante grande ao redor do núcleo, que vai
se restringindo de acordo com o caso concreto, de acordo com as colisões e os
direitos em questão.
Ex.: O direito a liberdade de imprensa inclui o exercício de liberdade de
expressão, que viola outros direitos. Sendo assim, a restrição se daria de
acordo com as colisões em casos concretos, utilizando a ponderação e o
princípio da proporcionalidade. O campo de incidência vai se reduzindo
no caso concreto.
Obs.: O Daniel Sarmento defende uma teoria externa mitigada, ou seja,
discorda de que o âmbito de proteção do direito deve ser o mais amplo
possível, acredita que esse âmbito deve ser analisado a partir de uma
leitura sistemática da Constituição e dos Direitos Fundamentais.
Crítica: existe o medo da discricionariedade democrática do juiz, pois nem sempre ela
leva ao mesmo resultado. Quando o juiz está ponderando, é como se ele fosse duas
pessoas diferentes ponderando os mesmos princípios, chegam a resultados opostos.
2. Teoria Interna (minoritária): É como se o direito fosse só fosse o núcleo,
aquilo que sobra depois das colisões, depois dos limites das ponderações em
jogo. Essa teoria inclusive nega a possibilidade de ponderação, pois chega a
conclusão de que, se o direito for bem interpretado, entenderemos que não
existe de fato colisão – simplesmente existirá sempre uma superior a outra.
Ex1.: A pornografia infantil, que viola os direitos da criança
e do adolescente, diante da teoria interna, já estaria fora
do âmbito de proteção do direito à liberdade de expressão,
não haveria o que ponderar.
Ex2.: Um pintor que deseja parar para pintar no meio de
um cruzamento de ruas muito movimentadas. Quais são os
direitos em colisão? Liberdade de manifestação artística e a
ordem pública. Seu direito à liberdade artística por si não incluiria o
direito de pintar naquele local, isto já estaria fora do campo de incidência
do direito à liberdade artística.
Crítica: a teoria interna pressupõe que o jurista já tenha um âmbito limitado pela
incidência dos outros direitos, para que não necessite ponderação. Só que a verdade é
que não há nenhum critério definido para você dizer qual é o âmbito de incidência, e
quais são os limites inerentes ou imanentes a ele. Sem criar um ônus argumentativo
de dizer qual direito prevalece, qual medida da restrição, fica difícil do juiz
fundamentar sua decisão. E a fundamentação é muito importante para esclarecer por
que um direito prevalece sobre o outro, trazendo a linha de raciocínio do juiz.
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Exemplo: direito ao esquecimento –idéia de que alguém pode pleitear a
exclusão das suas informações dos meios de comunicação. Contraste: direito
da personalidade e, do outro lado, a liberdade de expressão.
Pela teoria interna, já haveria um campo de incidência próprio e bem claro de
cada direito. Porém isso ocorre apenas na teoria, pois na prática não há
qualquer parâmetro para isso.
Pela teoria externa, ocorre a ponderação: de acordo com cada caso concreto,
há uma zona de incidência maior ou menor de cada direito, e isso será
restringido e julgado por cada juiz.
II. Restrições aos Direitos Fundamentais – normas constitucionais podem sofrer
restrições legais, que se dão de 2 maneiras:
1. Restrições pela Lei
a. Restrição Legal Direta: quando a própria constituição detalha a restrição.
Ex.: Art.5º, XI – “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial;”
b. Restrição Legal Indireta: ocorre por meio de uma lei ordinária
promulgada com fundamento imediato na constituição.
- Reserva de Lei Simples: quando a constituição prevê genericamente
que uma lei restritiva seja feita, sem exigências quanto ao seu
conteúdo/ finalidade/ procedimento.
Ex1.: Art. 5º, XXIV – “a lei estabelecerá o procedimento para
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse
social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os
casos previstos nesta Constituição;”
Ex2.: Art. 5º, XVIII – “a criação de associações e, na forma da lei, a de
cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência
estatal em seu funcionamento;”
- Reserva de Lei Qualificada: quando a constituição define o requisito/
finalidade que deve ser atendida na criação daquela lei restritiva.
Ex1.: Art. 5º, LX – “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos
processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o
exigirem;”
Ex2.: Art. 5º, XIII – “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer;” -> A Constituição diz que é possível que essa lei restrinja
o direito à liberdade do exercício da profissão para estabelecimento de
qualificações. É o caso dos advogados que tem a liberdade profissional
restringida pelo exame da OAB.
2. Restrição sem previsão Legal: é possível restringir um direito constitucional
sem que essa restrição esteja prevista legalmente, apenas baseando-se em
valores constitucionais superiores. Em outras palavras, você tem na
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Constituição algumas normas que garantem Direitos Fundamentais e elas não
prevêem nenhuma hipótese de restrição - mas, ainda assim, pode ser
promulgada uma lei para restringir os Direitos Fundamentais.
Ex.: o caso do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Ele traz uma
restrição falando: os meios de comunicação em massa não podem divulgar os
nomes dos menores infratores. O ECA restringiu a liberdade de imprensa,
prevista constitucionalmente, em nome do direito das crianças.
Obs.: este tipo de restrição tem uma conseqüência prática: se a Constituição
não autorizou expressamente uma restrição, cria-se um ônus argumentativo
maior para que o legislador faça essa restrição de forma legítima.
Limites das Limitações: O que seria preciso para que uma norma restrinja um
direito fundamental?
Obs.: Sempre que quisermos saber se uma lei restringe ou não os Direitos
Fundamentais, precisamos submetê-la a esse teste dos limites dos limites, para
verificar se atinge ou não um núcleo essencial.
i. Exige-se que seja uma lei em sentido formal e material.
Formal, no sentido de ser uma lei aprovada pelo Congresso de acordo com
os trâmites legais (não é uma resolução, não é um regulamento), de
acordo com as regras do processo legislativo previsto na Constituição.
Material, no sentido de ser uma lei dotada de generalidade e abstração.
Isto é, não se pode criar uma lei de restrição a um Direito Fundamental
que seja especial, específica para um único indivíduo.
Ex1.: Não se poderia criar uma lei proibindo uma pessoa de ir à Choppada,
pois esta lei, que estaria restringindo direitos fundamentais, seria uma lei
de efeitos concretos.
Ex2: decisão da Boate Kiss, na qual o Tribunal sujeitou à autorização da
Justiça do Trabalho para qualquer veiculação de imagem da boate.
Quando se cria uma lei que restringe amplamente um Direito Fundamental
sem qualquer parâmetro, isso não será lei em sentido material.
ii. Satisfazer o Princípio da Proporcionalidade em suas três dimensões:
1) Adequação
2) Necessidade
3) Proporcionalidade em sentido estrito, que subdivide-se em:
a) Peso abstrato
b) Peso concreto
c) Confiabilidade das premissas empíricas
Ex.: Exigência de diploma de jornalismo para exercer a profissão de jornalista.
A medida pode passar pelos 2 primeiros pontos (pode ser adequada e
necessária) , porém quando analisamos a proporcionalidade em sentido estrito
– ou seja, se os benefícios dessa medida se sobrepõem aos prejuízos por ela
gerados - é possível entender que essa medida não é uma boa opção, visto que
coloca em xeque a liberdade de expressão de um país. Porque o jornalismo faz
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parte de um exercício fundamental da liberdade de expressão. Então, se eu
disser que só pode expor suas opiniões nos jornais/revistas/televisão quem tem
diploma, você cria uma restrição muito grande à liberdade de expressão.
4) Teoria do núcleo essencial dos Direitos Fundamentais.
Afirma que as restrições para os direitos fundamentais possuem limites/
margens, necessárias para evitar que se afetem os núcleos essenciais dos
direitos fundamentais. A ultrapassagem desse núcleo por uma lei restritiva
acarretaria sua inconstitucionalidade.
No Brasil, não temos a previsão constitucional dos núcleos essenciais dos
direitos fundamentais. Mas nos países em que ela existe (Alemanha,
Espanha), iniciou-se uma discussão sobre o que seria o núcleo essencial.
Daí surgiram teorias:
a. Teoria Absoluta x Teoria Relativa - discussão quanto à natureza da
proteção do núcleo essencial.
- Na Teoria Absoluta (preponderante no Brasil), há um núcleo
intangível de cada Direito Fundamental. É a imagem do ovo frito:
há o Direito Fundamental com um âmbito de proteção maior, e há
um núcleo intangível que é definido de forma abstrata nessas
zonas de proteção, não sendo necessário se utilizar do Princípio
Proporcionalidade, pois se algo atingir o núcleo desse direito já
caracteriza uma inconstitucionalidade. Antes mesmo da gente
dizer se determinada norma violou ou não o princípio da
relatividade, você já pode dizer “pera aí, tocou no núcleo essencial,
logo já é inconstitucional, não preciso nem dizer se é adequado,
necessário ou proporcional no sentindo strictu”.
Ex1.: Princípio da Livre Iniciativa.
Ex2.: Vogue Kids
- Já a Teoria Relativa diz que na verdade não há como, em abstrato,
prever um núcleo intangível. Ela vai dizer, de certa forma, que o
núcleo essencial e a proporcionalidade são basicamente a mesma
coisa, por quê? Porque ela diz que só é possível definir que é o
núcleo essencial depois de um exame de proporcionalidade, então
pragmaticamente a ideia dessa própria exigência de um núcleo
essencial como limite do limite perde um pouco o sentido, não
tem razão de ser, se confunde com a proporcionalidade.
! Essas teorias não são iguais às teorias externa e interna? Na verdade, quando a gente
está falando de teoria externa e interna, a gente está falando do direto como um todo.
Agora, estamos falando de um núcleo que não pode ser restringindo sob pena natural
do próprio direito.
b. Teoria Objetiva x Teoria Relativa – é a ideia do objeto da proteção
- A Teoria Objetiva vai pensar nessa restrição do direito em
abstrato, vai pensar em uma restrição do direito tal como está no
ordenamento.
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- Já a Teoria Subjetiva (mais adequada) vai pensar pelo próprio
ponto de vista do indivíduo que está sendo alvo dessa restrição. A
própria ideia dos Direitos Fundamentais exige uma dimensão
subjetiva. O que está no núcleo essencial pode variar. Por isso o
professor Sarmento é adepto da teoria subjetiva, entendendo
justamente que é mais adequada a proteção dos Direitos
Fundamentais. Porém no Brasil nós temos a ideia de um núcleo
essencial absoluto e intangível.
Ex1.: Caso da Hustler, uma revista pornográfica dos EUA. Proibiram-na de
circular.
1) Se eu pensar do ponto de vista objetivo, a pornografia não está no
núcleo essencial do direito à liberdade de expressão.
2) Mas se eu fizer um exame subjetivo para conhecer o caso concreto, ele
pode estar, como está no caso do Larry Flynt. O que o dono da revista
faz da vida dele é produzir pornografia! Por isso, do ponto de vista
subjetivo, a possibilidade de produzir uma revista pornográfica pode
estar sim no núcleo essencial da liberdade de expressão.
Ex2.: Caso de estupro de uma menina de 13 anos com um maior de idade.
Há em nosso direito uma presunção absoluta de estupro muito forte. Mas
hoje em dia, uma menor de 13 anos com namorado de 18, dentro de uma
relação consensual? Será que essa proteção à integridade física da mulher,
nesse caso, do ponto de vista subjetivo, está no núcleo essencial?
São basicamente essas três possibilidades da lei:
1) Uma lei regulamenta dando condições de fruição, caso da lei de greve
2) Uma lei configura o próprio direito, como é o caso do devido processo legal
3) Uma lei pode restringir os Direitos Fundamentais.