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UNIVERSIDADE METODISTA DE ANGOLA FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE TEOLOGIA FASCÍCULO DE TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA Dispensado pelo Docente, Tomás Nsunda Lelo Contactos: 929809366 / 912187091 [email protected]

Tomás Nsunda Lelo, Fasciculo de teologia contemporanea

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UNIVERSIDADE METODISTA DE ANGOLA

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE TEOLOGIA

FASCÍCULO

DE

TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Dispensado pelo Docente,

Tomás Nsunda Lelo

Contactos: 929809366 / 912187091

[email protected]

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Dispensado pelo Docente,

Tomás Nsunda Lelo

Contactos: 929809366 / 912187091

[email protected]

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I. OBJECTIVOS DA DISCIPLINA E SUA DESCRIÇÃO

Esta disciplina, de Teologia Contemporânea, tem como objectivo dedicar-se ao

estudo do pensamento dos teólogos que impactaram através das suas obras a teologia

moderna e actual. A disciplina interessa-se ao estudo da origem dos diferentes correntes

teológicos actuais, a descrição das suas evoluções assim como as reacções que elas

suscitam e ela toma em conta o conjunto de correntes teológicos modernos.

Neste contexto, realça-se que a disciplina tem como conceito a visão de Deus no

contexto que estamos inseridos tornando inteligíveis os pilares da nossa fé. Ela serve de

bússola para nos orientar no exercício da verdadeira fé cristã. Ajuda nos a visualizar a

essência da nossa fé a luz dos movimentos teológicos contemporâneos.

II. EXIGENCIAS E MODALIDADES DE AVALIAÇÃO

Nesta cadeira requer a participação activa dos estudantes nas aulas, ler o

fasciculo ao menos 20 minutos por dia com objectivo de compreender o

pensamento teológico dos movimentos teológicos em estudo e seus personagens

Entre os teólogos da T. contemporânea, o estudante deverá dissertar sobre um

deles.

No entanto, o estudante deve constantemente preparar-se para as provas de

frequência.

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INTRODUÇÃO

Sendo a Teologia, “o estudo da existência de Deus, das questões referentes ao

conhecimento da sua divindade, assim como de sua relação com o mundo e com os

homens”1, a Teologia Contemporânea é considerada como Teologia dos tempos atuais,

é o estudo de Deus no contexto actual e a evolução dos dogmas e dos pensamentos

formados a respeito das doutrinas bíblicas no contexto que estamos inseridos. Ela

origina-se no contexto da Reforma, no séc. XVI.

Esta Teologia, recebeu influência de diversas tendências teológicas, entre elas: a

Teologia Bíblica, a Teologia Católica, a Teologia Protestante, a Teologia Natural e a

Teologia Especulativa. Conforme as direcções que vão tomando, a Teologia

Contemporânea recebe várias designações, entre elas: Teologia Modernista, Teologia

Neomodernista, Teologia da Esperança e Teologia do Evangelho Social. Nisto reside a

pertinência do seu estudo na formação teológica dos estudantes da Bíblia. Desta feita,

nos praz articular o presente fasciculo em quatro capítulos sucessivos.

1Conf. http://www.significados.com.br/teologia/, pag. Consultada, 25/08/2015

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I-CAPITULO: TEOLOGIA PRÉ-CONTEMPORÂNEA

1.1. Factores influentes na existência da teologia Contemporânea

A actual teologia contemporânea recebeu a influência de inúmeras

manifestações teológicas e filosóficas do passado. Para uma melhor compreensão desta

Teologia, é imprescindível conhecer as principais correntes ou tendências teológicas,

desde os dias apostólicos que a influenciam:

A) A Teologia Bíblica, procura conhecer a Deus, seus atributos e sua vontade,

através de uma reflexão a respeito dos temas presentes tanto no Antigo como no Novo

Testamento, considerados como infalível Palavra de Deus

B) A Teologia Católica, por sua vez, que corresponde às teologias moral

(orienta o comportamento humano em relação aos princípios religiosos), dogmática

(estuda os elementos da fé, ou seja, as doutrinas), bíblica (estuda o carácter de Deus,

seus atributos e sua vontade a nosso respeito, com base na Bíblia) e patrística (estuda a

religião de acordo com a interpretação dos pais da Igreja, da tradição e do magistério);

C) A Teologia Protestante, enfatiza o retorno às origens e à reinterpretação das

Escrituras, tendo Cristo como única perspectiva. Seus temas principais são: somente a

Escritura, somente Cristo, somente a fé, somente a graça;

D) A Teologia Natural ou Teodiceia, busca o conhecimento de Deus baseando-

se na razão humana;

E) A Teologia Especulativa, tem por fundamento o estudo sintético dos textos

sagrados, apoiado nos conhecimentos filosóficos do homem. Nesta categoria pode ser

classificada a teologia tomás de Aquino.

F) A Teologia Mística, fundamenta-se na experiência religiosa que permite ao

iniciado supor-se imediatamente relacionado com a divindade, sendo sinais dessa união

as visões, os êxtases, as profecias e os estigmas. Esta teologia tem as seguintes

características :

A teologia mística não tem carácter reflexivo.

Não da prioridade ao uso da razão.

Evidência as experiências.

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Da maior importância a sentimentos, emoções, do que ao uso do intelecto.

Portanto, a Teologia Contemporânea origina-se directamente do método

especulativo, e desde a Reforma Protestante tem tomado várias direcções, conforme as

designações recebidas: Teologia modernista, teologia Neomodernista, teologia da

esperança, teologia do evangelho social, teologia do cristianismo sem religião, teologia

da morte de Deus etc, conforme veremos no decorrer desse estudo;

1.1.1. Filosofia Tomista e a sua influente nos conceitos da teologia

Contemporânea

A filosofia grega ameaçou toda a estrutura do Cristianismo, tentando helenizar as

doutrinas apostólicas, ou seja, contextualizá-las à luz da cultura grega. As doutrinas

passaram a ser examinadas a luz da razão e da lógica.

A influência da teologia filosófica de Tomas de Aquino: Com Tomás de Aquino,

no século XII, ressurge a teologia especulativa, mas com outras vestes. Esse famoso

doutor do catolicismo procurou explicar racionalmente os dogmas cristãos, e acabou

invertendo o princípio bíblico de que "pela fé entendemos", ao afirmar que “o

conhecimento conduz à fé ”. É o pai não apenas da teologia tomística, mas também da

filosofia tomística, como já vimos.

1.1.2. A influência da reforma e contra reforma na teologia

Contemporânea

Com o advento da Reforma Religiosa no século XVI, a tradição católica foi

desafiada pelos reformadores.

Os reformadores apegaram-se às Escrituras Sagradas e trouxeram à lume os

grandes fundamentos da fé cristã, como: a autoridade suprema da Bíblia, a justificação

pela fé, o verdadeiro significado dos sacramentos, o sacerdócio universal dos crentes,

etc. As divisas protestantes tornaram-se célebres: Solus Cristus, Sola Scriptura, Sola

fide, Sola gratia.

1.2. Reacção católica a Reforma

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A Igreja Católica, ao ver-se ameaçada, organizou a sua contra reforma

principalmente através da convocação do concilio de Trento, que se reuniu durante 18

anos, de 1545 a 1563. O que aconteceu neste concílio?

Nesse célebre concílio ficaram confirmados pela Igreja Católica todos os

dogmas anteriormente aceitos. A tradição foi considerada de valor igual ao da Bíblia, e

ainda juntaram-se ao cânon do Antigo Testamento os livros e aditamentos apócrifos.

1.2.1. Galileu e a inquisição em Roma

Constatamos uma clara incapacidade da teologia católica de acompanhar e

explicar os inúmeros avanços científicos que estavam acontecendo naquele período.

Caso do Galileu, o grande físico, já com 70 anos, foi citado a comparecer perante o

Tribunal da Inquisição, em Roma, por perjurar contra os dogmas do catolicismo e

considerado herético pelos clericalistas, onde na manhã do dia 22 de Junho de 1633,

ajoelhado ante seus inimigos, Galileu abjura seus "erros e heresias" e "renega" todas as

suas pertinentes descobertas para salvar a vida, dizendo “declaramos que a afirmação

de que a terra não é o centro do mundo e de que ela se desloca com um movimento

diurno é coisa absurda, filosoficamente falsa; e errónea, quanto à fé”.

Mediante esta suposta declaração, o papa Urbano VIII, pontífice de 1632 à 1644,

assinou o seu infalível (!!!) decreto nos seguintes termos: “Em nome e pela autoridade

de Jesus Cristo, cuja plenitude reside em seu vigário, “declaramos que a afirmação de

que a terra não é o centro do mundo e de que ela se desloca com um movimento diurno

é coisa absurda, filosoficamente falsa; e errónea, quanto à fé”.

1.2.2. A Bíblia e os confrontos entre a Igreja e as novas

ideias

A Bíblia foi a grande vítima de todos os conflitos entre a Igreja e as novas ideias.

A posição medievalista da Igreja Católica nos primeiros séculos da Idade Moderna, em

relação ao desenvolvimento da cultura, trouxe males sem conta a ela mesma, Porque à

medida que a ciência começou a provar os "absurdos" condenados pela religião, esta

começou a ser contestada por eminentes escritores, secularistas e irreverentes, a cujos

olhos o romanismo não passava de um mal social e um entrave ao progresso dos povos.

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1.3. O que é alta crítica da Bíblia?

Em exegese, a Alta crítica é o nome dado aos estudos críticos da Bíblia. Sua

abordagem trata a Bíblia como literatura, utilizando-se do aparato crítico normalmente

aplicado a textos literários semelhantes. Caracteriza-se, de uma forma geral, por não

partir do dogma da inerrância bíblica para efectuar suas análises. Em contraste com a

Baixa crítica, seu foco está no estudo dos autores dos textos bíblicos, seu processo de

formação editorial, sua transmissão histórica e o contexto de formação, denominado

Sitz im Leben na teologia liberal.

1.3.1. Exemplo de actuação da alta Crítica

Os fundamentos históricos dessa tendência remontam, de acordo com a maioria

dos autores, ao ano de 1753, quando Jean Astruc (1684-1766), francês incrédulo e

professor de medicina em Paris, publicou anonimamente, em Bruxelas, em francês, o

livro Conjecturas Sobre as Memórias Originais que Parece Terem Sido Usadas por

Moisés na Composição do Gênesis. Nesse livro Astruc, que foi médico do rei da

Polônia e de Luís XV, da França, dúvida da origem mosaica dos cinco primeiros livros

do Antigo Testamento e aventa a hipótese de existirem duas fontes literárias Jeovista e

Eloísta partindo-se dos nomes usados para se referirem a Deus. Antes dessa data, muito

raramente alguém ousava criticar assim a Palavra de Deus, lançando dúvidas sobre a sua

historicidade tradicionalmente aceita.

Os mesmos métodos de desintegração aplicados ao Antigo Testamento foram

também aplicados, de maneira violenta, ao Novo, lançando descrédito sobre o seu valor

histórico e resultando, em alguns casos, no completo desaparecimento da pessoa divina

de Jesus Cristo, para instalar em seu lugar apenas um profeta destituído de todos os seus

atributos sobrenaturais.

1.4. A Teologia Social de João Calvino

O pensamento teológico social de Calvino, é despercebido para muitos, pelo facto

dos modernos manuais de teologia não fazerem tanta referência a tudo o que o

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reformador produziu especificamente nesta área. Faremos uma síntese de tudo que

Calvino produziu nesta área. A Reforma Protestante ocorrida no século XVI não foi

somente um movimento espiritual e eclesiástico. Teve também aspectos e dimensões

políticas e sociais.

Calvino, bem como os outros reformadores, deu atenção aos problemas sociais de

sua época. Talvez pelo facto de ser da segunda geração de reformadores, Calvino podia

ter uma visão mais ampla e amadurecida sobre o assunto. Ele esforçou-se para entender

qual deveria ser o papel da Igreja cristã na reconstrução de uma sociedade justa que

reflectisse a vontade de Deus em termos de justiça social. Essa questão era

extremamente aguda para os reformadores, particularmente pelo facto de viverem numa

época e numa situação de grandes problemas sociais.

Não é de se admirar que em suas Institutas da Religião Cristã, bem como em seus

comentários, Calvino frequentemente trata de questões relacionadas com a

responsabilidade social da Igreja e do Estado. Duas considerações importantes:

Primeiro, Não devemos dissociar o pensamento social de Calvino da sua teologia.

Calvino era acima de tudo um teólogo, um homem da Igreja. Ele não era um

político, nem activista social, mas essencialmente um pastor e um estudioso das

Escrituras. Seu pensamento social desenvolveu-se dentro da estrutura de seus

pressupostos teológicos e bíblicos.

Calvino construiu a sua teologia social a partir da sua convicção de que Cristo é

Senhor de todos os aspectos da vida humana, e de que a Palavra de Deus deve regular

todas as áreas da vida.

A segunda consideração, Não devemos dissociar o pensamento social de Calvino

da época em que ele viveu. Embora sua teologia social brotasse de princípios bíblicos

válidos e atuais para todas as épocas, Calvino só poderia dar-lhes expressão dentro das

circunstâncias históricas em que viveu e labutou. Naquela época, a Igreja Católica

Romana era o grande poder económico e político. Prevalecia naquela época o sistema

económico e social medieval e a monarquia como sistema de governo.

1.4.1. Genebra na Época de Calvino

A cidade de Genebra foi o local onde Calvino passou a maior parte de sua vida,

pregando, pastoreando e ensinando. Ali passou momentos de grande popularidade e

também de rejeição. Foi ali que sua teologia social amadureceu, à medida em que

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enfrentava os males sociais que oprimiam Genebra bem como as demais cidades da

Europa medieval.

O Governo de Genebra, antes da Reforma e da chegada de Calvino, era um

bispado, uma importante cidade. Seu comando estava nas mãos de três autoridades:

O bispo, que era não somente o chefe espiritual da Igreja, o "príncipe de

Genebra", como teoricamente, era o soberano da cidade, com poderes para

cunhar moedas, comandar a cidade em tempo de guerra, julgar apelações, e

perdoar crimes.

Depois vinha o magistrado, incumbido da defesa da cidade, da guarda, e

da execução de prisioneiros.

E por fim, o Conselho de Genebra, composto de Conselheiros de entre os

moradores da cidade, que julgavam as questões criminais concernentes aos

leigos (os pecados dos sacerdotes era competência do bispo), cuidavam do

abastecimento da cidade, das finanças da cidade, e mantinham a boa ordem

durante a noite através da polícia. Este era o sistema adoptado pela maioria

das cidades europeias católicas. Quando Genebra adoptou oficialmente a

Reforma (1536), o bispo foi despojado do seu poder, e os Conselheiros

assumiram suas funções. Durante o período de bispado em Genebra, a Igreja

Católica representada pelo bispo estivera acima do Estado. Com a expulsão

do bispo, o Conselho assumiu suas funções, e agora o Estado estava acima da

Igreja (agora Reformada).

A Igreja permanecia ligada ao Estado, e estava debaixo do poder do Conselho de

Genebra (cujos Conselheiros agora eram protestantes), que tinha em suas mãos o poder

de disciplinar, designar os pastores, bem como a função de sustentá-los financeiramente.

Havia pobreza extrema, agravada por impostos pesados. Os trabalhadores eram

oprimidos por baixos salários e jornadas extensas de trabalho. Campeava o

analfabetismo, e a ignorância; havia aguda falta de assistência social por parte do

Estado; Prevalecia a embriagues e a prostituição. Destacava-se o vício do jogo de cartas,

que levava o pouco dinheiro do povo.

As trevas espirituais eram características da Idade Média e reflectiam-se

nas condições morais e sociais das massas. Essa era a situação que prevalecia em

Genebra antes da chegada da Reforma espiritual, a qual deu lugar, em seguida, a

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reformas sociais, económicas e políticas, mesmo antes de Calvino chegar à

Genebra.

As Mudanças Introduzidas por Farel em Genebra Guilherme Farel foi o

grande líder destas mudanças em Genebra. Sob sua influência, o Conselho da

cidade cria o Hospital Geral no antigo Convento de Santa Clara, para dar

atendimento médico aos pobres. O Conselho também passou a regulamentar a

vida dos seus cidadãos:

Proíbem-se as danças de ruas, a polícia é mobilizada para manter a ordem

nas ruas, são promulgadas leis que regulamentam o uso dos bares, que proíbem

jogo de cartas, blasfemar o nome de Deus, e servir bebidas durante o horário do

sermão.

Torna-se proibido vender pão e vinho a preços acima dos estipulados; são

proibidos todos os dias santos, à excepção do domingo. Passa a ser obrigatório a

todos os cidadãos de Genebra irem ouvir o sermão de domingo, sob pena de

pesadas multas. E a instrução pública se torna obrigatória, pela primeira vez na

Europa.

As reacções as mudanças trazidas por Farel Evidentemente, nem todos

em Genebra estavam satisfeitos com as pesadas proibições impostas pelos

Conselheiros, que por sua vez, seguiam a Farel. As leis, por demais severas, que

excedem os limites do razoável, provocam insatisfação, mesmo entre crentes

verdadeiros.

É neste momento de mudanças que Calvino chega a Genebra Foi a esta altura

que Calvino chegou a Genebra. Ele estava apenas de passagem pela cidade. Seus planos

eram de prosseguir em frente e achar um local tranqüilo onde pudesse estudar e

escrever. Tinha na época 27 anos de idade, e havia acabado de publicar a primeira

edição das Institutas. Quando Farel soube que Calvino estava na cidade foi visitá-lo, e

instou com o jovem teólogo a que ficasse ali em Genebra, para ajudá-lo no trabalho de

reforma. É conhecida a história de como Calvino, após ter apresentado toda sorte de

desculpas, finalmente rendeu-se, aterrorizado pela maldição que o velho reformador

invocou sobre ele, em caso de recusa. Assim, ele ficou, para ajudar Farel a solidificar as

reformas eclesiásticas e sociais em Genebra. Em breve, Genebra iria tornar-se o centro

espiritual e social da Reforma protestante na Europa. Foi ali em Genebra, trabalhando

como pregador, mestre e pastor na Igreja de Genebra, e lidando com as questões sociais

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mencionadas acima, que Calvino desenvolveu sua teologia social. No que se segue,

procuraremos sintetizar seus pontos principais, concentrando-nos no que Calvino

ensinou como sendo a responsabilidade social da Igreja de Cristo.

1.4.2. O Ensino de João Calvino

A causa dos males sociais Fundamental para entendermos o pensamento de

Calvino nesta área é termos em mente que para ele as causas da pobreza, miséria e a

opressão, bem como da perversão e da corrupção da sociedade humana, estavam

enraizadas na natureza decaída do homem, que por sua vez, remonta-se à Queda no

Éden. Este princípio é crucial no entendimento de Calvino.

Para ele, o pecado do homem havia trazido toda sorte de transtorno à ordem

social: Pela queda do homem foi demolida toda ordem social, e em Adão tudo foi

amaldiçoado por Deus, como está escrito em Romanos 8.20-23, onde Paulo afirma que

a criação de Deus está em cativeiro imposto pelo pecado do homem. A queda do

homem introduziu perturbações profundas na sociedade humana, incluindo distúrbios

na vida conjugal e familiar.

Para Calvino, o caos económico é causado pela ganância dos homens, e pela

incredulidade de que Deus haverá de nos suprir as necessidades básicas, conforme

Cristo nos promete em Mateus 6. Calvino denuncia neste contexto, pecados sociais

como: Estocagem de alimentos (trigo), monopólios, e a especulação financeira, como

tendo origem no egoísmo e na avareza do homem. Ele denunciava aqueles que

preferiam deixar deteriorar-se o trigo em seus celeiros, para que ali fosse devorado por

bichos, e apodrecesse, ao invés de ser vendido, quando a necessidade do povo se fazia

sentir. Por identificar biblicamente a raiz dos transtornos sociais, Calvino estava em

posição de elaborar uma solução que atingisse o problema em seus fundamentos.

O Senhorio de Cristo é um segundo princípio que norteava a teologia social de

Calvino era que o Cristo vivo e exaltado é Senhor de todo o universo. Os milagres que

Ele exerceu sobre a ordem natural (acalmar a tempestade, por exemplo; ou tirar uma

moeda da boca do peixe) demonstram esta realidade, diz Calvino. Portanto, a obra de

restauração realizada por Cristo não se limita apenas à nova vida dada ao indivíduo, mas

abrange a restauração de todo o universo o que inclui a ordem social e económica. Desta

forma, a atenção de Calvino como pastor e mestre, se estendeu para além das questões

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individuais e "espirituais". Se Cristo era o Senhor de toda a existência humana, era

dever da Igreja dar atenção às questões sociais e políticas.

A Restauração da Sociedade Para Calvino, a restauração inaugurada por Cristo

ocorre inicialmente no seio da Igreja. É na Igreja que a ordem primitiva da sociedade,

tal qual Deus havia estabelecido, tende a ser restaurada. Na Igreja, as diferenças

exacerbadas entre as classes sociais, económicas e raciais, bem como os preconceitos

delas procedentes, desaparecem, pois Cristo de todos faz um único povo (Gl 3.28; Ef

2.14). Calvino não concebia a total abolição das classes sociais. Ele concebia a

coexistência harmónica entre a Igreja e instituições como o Estado, a sociedade e a

família, com as suas respectivas estruturas e funcionamento.

É na Igreja, porém, que as relações sociais de trabalho sofrem profundas

alterações, ensina o reformador. Os patrões continuam patrões, mas aprendem a exercer

sua autoridade sem opressão, ao passo que os empregados (que continuam empregados)

aprendem a serem subordinados sem recriminação.

Na Igreja, diz Calvino, Jesus Cristo estabelece entre os cristãos a justa

redistribuição dos bens destinados a todos. Isto se dava através da actividade diaconal,

trazendo alívio para as necessidades dos pobres e oprimidos, com recursos vindos dos

ricos e abastados. Quando Calvino falava em restauração social, ele tinha em mente

uma sociedade civil governada por cristãos reformados, que aplicassem os princípios

bíblicos às questões sociais, políticas e económicas. Ou seja, um Estado que fosse

orientado pela Igreja no exercício de suas funções.

Para Calvino a reforma social não é perfeita, pois os efeitos do pecado não são

todos eliminados. É também importante notar que para Calvino a reforma da sociedade

não é completa nem perfeita, visto que os efeitos do pecado não são de todo eliminados

na presente época. É uma restauração parcial, portanto. Ela não consegue estabelecer

plenamente a justiça no mundo presente. Ao mesmo tempo, ela não abole determinados

aspectos da ordem social: permanece a hierarquia determinada por Deus entre o homem

e a mulher, o patrão e o empregado, os pais e seus filhos.

Quando ocorrerá então a completa reforma da sociedade? A plena abolição dos

distúrbios agora presentes da ordem social (as injustiças, a opressão, a corrupção, por

exemplo) só se efectuará plenamente no Reino de Deus, no fim dos tempos, para o qual

marcha toda a história dos homens e do universo. Sua vinda será precedida por

convulsões cósmicas. Então, Jesus Cristo regressará em glória, e o príncipe deste mundo

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será aniquilado. Assim, será então estabelecido o novo céu e a nova terra, onde habitam

plenamente a justiça (2 Pe 3.13; cf. Is 65.17; 66.22; Ap 21.1). Portanto, para Calvino, a

Igreja é uma antecipação do reino de justiça a ser introduzido por Cristo em sua vinda.

Como tal, ela funciona no presente como uma sociedade provisória, governada pelas

leis de Cristo. Embora já foram reflectidos estes ideais, a Igreja ainda não o faz de

forma perfeita, o que ocorrerá apenas no fim dos tempos.

A Responsabilidade Social da Igreja Quais as responsabilidades da Igreja nesta

restauração provisória da sociedade? Podemos resumir o ensino de Calvino em três

aspectos fundamentais. Segundo ele, a Igreja tinha um ministério didáctico, um político,

e um social.

Ministério Didáctico Esse ministério da Igreja era para ser exercido através dos

seus pastores e mestres. Consistia na instrução pública e particular, através de sermões e

orientação individual, quanto ao ensino bíblico sobre a administração dos bens

outorgados por Deus ao Estado e ao indivíduo. Em outras palavras, Mordomia Cristã.

A ênfase do ministério didáctico: a questão do trabalho e do descanso. Tomemos

como exemplo a questão do trabalho e descanso. De acordo com Calvino, a Igreja

deveria através do ministério regular de seus pastores, instruir seus membros no ensino

das Escrituras sobre o assunto.

Em suas Institutas Calvino escreveu o que possivelmente foi o seu ensino em

Genebra sobre o trabalho: só Deus alimenta o homem dele vem as forças e as condições

para que o homem trabalhe, e com seu suor, compre seu pão.

O trabalho, portanto, é algo eminentemente digno pois é a realização da vontade

de Deus para o homem. Assim, o homem não se realiza plenamente, senão no trabalho,

pois foi para isto que foi criado e vocacionado, conforme está escrito em Génesis 1 e 2.

O pecado tirou a alegria e a graça que acompanhava o trabalho no início.

A queda introduziu no mundo e na sociedade humana os distúrbios sociais

relacionados com o trabalho (Génesis 3). Mas, em Cristo o homem reencontra a alegria

e o gosto do labor. Quanto ao descanso, Calvino insistia que era necessário proporcionar

aos trabalhadores um dia de descanso, o sábado cristão, que é o domingo, conforme sua

interpretação do quarto mandamento (Êxodo 20.8-11). O descanso físico, porém, está

intimamente ligado ao espiritual sem Cristo, não há descanso verdadeiro no domingo.

Assim, Calvino via a profanação do domingo como a origem da corrupção do

trabalho. Segundo ele, é necessário cessarmos dos nossos labores, como Deus cessou

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dos dele (Heb. 4.3). O que fez o conselho de genebra? Assim, conforme Farel já havia

orientado, o Conselho de Genebra, debaixo da influência de Calvino, aboliu todos os

feriados católicos e determinou que no domingo cessasse todo labor em Genebra. A

função do púlpito no ministério didáctico? Através do púlpito, exercendo o seu

ministério didáctico, a Igreja então levantava o ânimo moral do trabalhador

assegurando-lhe que mesmo os trabalhos mais humildes são honrados por Deus, e que

Deus assim determinou que pelo trabalho o homem encontrasse sua vocação na vida. E

que em Cristo, o trabalhador encontraria a alegria e a satisfação que deveriam

acompanhar o labor diário.

Havia um outro aspecto do ministério didáctico da Igreja que consistia em

repreender, através das pregações, os membros que estivessem incorrendo em pecados

sociais:

Assim, os pastores de Genebra, orientados por Calvino, denunciavam do púlpito a

prática da cobrança de juros excessivos por parte dos agiotas. Da mesma forma

denunciavam a vadiagem. Vadiagem e parasitagem é pecado, ensinava Calvino. Para

ele, quando Deus criou o homem e o ordenou cultivar a terra, condenou com este gesto

a ociosidade e a indolência. Não há nada mais oposto à ordem da própria natureza do

que consagrar a vida à beber, comer, e dormir, sem indagar sobre o que fazer (Sl 128.3;

2 Ts. 3.10-12).

Calvino também falava contra o desemprego causado pela ganância dos ricos.

Privar um homem do seu trabalho é pecado contra Deus pois trabalho é dom de Deus, e

o dever que ordenou ao homem, ensinava Calvino. É tirar-lhe a vida pois os

trabalhadores pobres dependem dia a dia do seu labor para o pão com se sustentam e às

suas famílias ao contrário dos ricos, que têm propriedades, reservas, etc. Assim,

promover o desemprego, na opinião de Calvino, seria um atentado à vida do pobre, e

portanto, um pecado contra o mandamento "Não matarás". Esse era o primeiro aspecto

da responsabilidade social da Igreja no pensamento de Calvino, ou seja, instruir seus

membros, pela pregação da Palavra, acerca dos princípios bíblicos sobre o trabalho e o

descanso.

Ministério Político Ao lado do Estado, a Igreja tinha um outro ministério, na

teologia social do reformador, a saber, o ministério político. Para entendermos melhor o

que Calvino tem a dizer sobre isto, vamos primeiro entender seu pensamento sobre a

relação entre a Igreja e o Estado. A relação entre a Igreja e o estado. Podemos resumi-lo

no que Calvino tem a dizer sobre Romanos 13.1-7, uma passagem onde o apóstolo

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Paulo menciona as autoridades e nossos deveres para com elas. Para Calvino, a Igreja e

o Estado são duas instituições procedentes de Deus (Rm 13.1-2); são instrumentos de

Deus para a vinda do Seu Reino na terra. A Igreja constitui-se como as primícias deste

Reino vindouro, como já vimos; o Estado, por sua vez, deve manter a ordem provisória

na sociedade humana. Portanto, existem entre as duas instituições laços duráveis e

essenciais, e não simples relações ocasionais.

Qual a missão do Estado no pensamento de Calvino? Ainda com base em

Romanos 13, Calvino sustenta que 1)o Estado deveria manter a ordem na sociedade

(conforme sua interpretação de 1 Tm 2.1-2), 2)prover o sustento da Igreja, 3) e

promover os meios necessários para que haja a pregação fiel da Palavra de Deus entre

os cidadãos. Ou seja, usando o poder civil dado por Deus, as autoridades deveriam

envidar todos os esforços para que a religião verdadeira prevalecesse na terra. O estado

não devia gerenciar os negócios da igreja. Porém, para Calvino isto não implica

qualquer ingerência do Estado nos negócios da Igreja. O Estado faz estas coisas através

de uma boa legislação que garanta a livre pregação da Palavra de Deus. A edificação da

Igreja se faz apenas pela pregação da Palavra no poder do Espírito, e não pela

interferência do poder do Estado. E aqui Calvino critica os demais reformadores que

desejavam uma união entre Igreja e Estado, e que o Estado tomasse conta dos negócios

da Igreja (como ocorreu parcialmente na Alemanha).

Qual seria então a missão política da Igreja? Em primeiro lugar, orar pelas

autoridades constituídas (1 Tm 3.1-2). E isto, em qualquer país em que os cristãos se

encontrassem, independente da forma de governo daquele pais, por mais hostis que as

autoridades fossem, para que se convertam e venham ao bom senso, assim como

Jeremias exortou os cativos a que orassem pela Babilónia (Jr 29.7). Em segundo lugar, a

Igreja deveria, quando necessário, advertir as autoridades, quando estas esquecessem o

senso divino do seu ofício, quando abusassem do poder, quando cometessem injustiça,

quando tolerassem injustiças contra os pobres, os fracos e os oprimidos. Se a Igreja

cessar de vigiar o Estado, diz Calvino, ela se torna cúmplice da injustiça social,

cessando de cumprir sua missão política. Em terceiro lugar, a Igreja também deveria,

como parte de sua tarefa, tomar a defesa dos pobres e fracos contra os ricos e poderosos.

Ela deveria consistentemente alertar o Estado a que proteja os fracos, os oprimidos e

explorados pelos ricos, os que não possuem poder político ou económico, e não têm

protecção social. Neste sentido, a Igreja deve sempre denunciar ao Estado, os ricos que

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exploram a miséria alheia em tempo de calamidade, os que tiram partido da sua situação

social ou oficial para se enriquecerem e se porem a coberto. Calvino entendia que estas

atitudes eram apropriadas para a Igreja pois reflectiam o ensino da lei de Moisés e do

ministério dos profetas, ao denunciarem a opressão social em Israel. Em quarto lugar, a

Igreja deveria recorrer à autoridade do Estado na aplicação de sanções disciplinares, e

solicitar do Estado as medidas necessárias para a manutenção da ordem e da justiça

social. Em resumo, o ideal reformado era este:

Uma Igreja politicamente livre, inteiramente dependente da Palavra de

Deus, em um Estado que lhe respeite e lhe favoreça o ministério.

Ministério Social o outro aspecto da responsabilidade social da Igreja era

a assistência social. A Igreja, segundo a teologia social de Calvino, deveria

envolver-se ela mesma no cuidado dos pobres, dos órfãos e das viúvas enfim, dos

necessitados. E isto sem fazer distinção entre os da igreja e os de fora. Ou seja, a

assistência social da Igreja deveria contemplar inclusive os estrangeiros e

refugiados que chegavam a Genebra.

Qual o órgão responsável pelo ministério social da igreja? O órgão encarregado

do ministério social da Igreja, diz Calvino, é o diaconato. Foi Calvino quem primeiro

resgatou esta função bíblica do ofício diaconal.

Ele ensinou que os diáconos eram ministros eclesiásticos, encarregados de toda a

assistência social da Igreja (Atos 6.1-7), e como tal, deveriam ser eleitos conforme as

regras estabelecidas por Paulo em 1 Timóteo 3.8-13. Até hoje em algumas igrejas

Reformadas a administração financeira da Igreja e o uso dos recursos para a assistência

aos pobres e necessitados é atribuição da junta diaconal.

As acções diaconais básicas na teologia social de calvino O diaconato, como

braço do ministério social da Igreja, se desenvolve em três acções básicas, segundo

Calvino:

1) Administração dos bens destinados à comunidade. A igreja recebia recursos

para a assistência social de duas fontes: a generosidade dos fiéis nas colectas levantadas

para este fim aos domingos, e o tesouro do Estado, através do Conselho de Genebra,

que votava verbas para este fim. Estes recursos eram recebidos e administrados pelos

diáconos.

18

2) Distribuição de forma justa e igual entre os necessitados. Os diáconos

cuidavam que todos os genuinamente carentes tivessem participação igual nos bens

destinados aos pobres. Num ambiente marcado pela opressão social e pelas

desigualdades, os diáconos certamente tinham muito trabalho a ser feito, e necessitavam

de muita sabedoria para faze-lo.

3) Visitação e cuidado dos doentes. As guerras, a falta de saneamento público, as

epidemias, a falta de assistência médica do Estado, e a pobreza, deixavam um saldo

enorme de pessoas doentes. O ministério dos diáconos incluía o cuidado para com estas

pessoas, utilizando-se quando necessário dos recursos da Igreja. Uma observação

importante. É necessário observar que no pensamento de Calvino o ministério social da

Igreja era de apoio ao Estado. Cabia ao governo civil cuidar dos pobres, doentes e

necessitados. Mas, como se tratava de uma tarefa de enormes proporções, a Igreja vinha

como apoio e auxílio, dando ela mesma assistência social onde necessário.

A Prática Social de Calvino em Genebra Persuadido por Farel, Calvino se deixa

ficar em Genebra para auxiliar nas reformas necessárias. Logo ficou claro que, para ele,

isto incluía ir além das reformas eclesiásticas. Debaixo de sua influência, a Igreja passa

a agir de forma marcante na vida social e política da cidade. Aquilo que ele expõe em

suas Institutas procurou aplicar de forma prática às necessidades de Genebra. O

diaconato é organizado e entra imediatamente em ação. O Hospital Geral, fundado por

Farel, dá assistência médica gratuita aos pobres, órfãos e viúvas, com médicos de

plantão pagos pelo Estado. É criada a primeira escola primária obrigatória da Europa.

Os refugiados chegados a Genebra recebem treinamento profissional e assistência

médica e alimentar, enquanto se preparam para exercer uma profissão. Os pastores

intercedem continuamente diante do Conselho de Genebra em favor dos pobres e dos

operários.

O próprio Calvino intercedeu várias vezes por aumentos de salários para os

trabalhadores. Os pastores pregavam contra a especulação financeira, e fiscalizavam

parcialmente os preços contra a alta provocada pelos monopólios. Debaixo da influência

dos pastores, o Conselho limita a jornada de trabalho dos operários. A vadiagem é

proibida por leis: vagabundos estrangeiros que não tem meios de trabalhar, devem

deixar Genebra dentro de três dias após a sua chegada. E os vagabundos da cidade

devem aprender um ofício e trabalhar, sob pena de prisão.

19

O Conselho institui cursos profissionalizantes para os vadios e os jovens, para que

eles possam entrar no mercado de trabalho. E finalmente é digno de nota que havia uma

vigilância da parte de Calvino e demais pastores de Genebra contra a má administração

pública. Houve inclusive o caso de um funcionário corrupto que foi despedido por

influência de Calvino. O próprio Calvino levava uma vida modesta, apesar de todo o

seu prestígio e influência. Na prática, procurou viver intensamente os princípios que

defendera em sua teologia social. A sua influência estendeu-se além do seu tempo.

A influência da teologia social de Calvino sobre os puritanos e as confissões de fé.

Os Puritanos, autores da Confissão de Fé de Westminster e dos dois Catecismos, foram

profundamente influenciados pelo ensino de Calvino, e sua teologia social não foi

excepção. No capítulo sobre o Magistrado Civil (Cap. XXIII) a Confissão de Fé

reflecte:

a) o ensino de Calvino sobre a vocação social e política dos cristãos (par. 2),

b) a independência da Igreja do Estado, para gerir seus próprios interesses,

c) e o dever do Estado de proteger a Igreja cristã (par. 3), d)o dever do Estado de

assistir e proteger os necessitados independentemente das convicções religiosas dos

mesmos (par. 3), e)bem como o dever dos cristãos de honrar e de submeterem-se ao

Estado (par. 4). Um outro exemplo são as contínuas referências à questões sociais e

económicas nestes símbolos da fé reformada. A exposição no Catecismo Maior do sexto

mandamento, "Não matarás", inclui como deveres exigidos "... a justa defesa da vida

contra a violência... o uso sóbrio do trabalho e recreios ... Confortando e socorrendo os

aflitos, e protegendo e defendendo o inocente". Como pecado, são incluídos "... a

negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida ... o

uso imoderado do trabalho .... a opressão .... e tudo que tende à destruição da vida de

alguém".

Conclusões

Augusto Nicodemos conclui esta discussão com duas observações sobre o ensino

social de Calvino. O Primeiro, a teologia social calvinista estava profundamente

enraizado em sua teologia e em sua interpretação das Escrituras. Era fruto de suas

convicções teológicas. Portanto, é impossível entender a reforma social que empreendeu

em Genebra sem os pressupostos da sua teologia.

20

Segundo, o pensamento social de Calvino tem produzido abundante fruto na

história da humanidade, após a Reforma. Muitas das universidades, escolas, e asilos de

que temos notícia foram fundados por calvinistas.

Boa parte das críticas feitas contra os calvinistas, de que são levados à inércia e

paralisia social por causa de sua ênfase na soberania de Deus em detrimento da

responsabilidade humana, simplesmente revela um desconhecimento (proposital?) dos

fatos e uma ignorância do que seja o Calvinismo.

E finalmente, cabe-nos perguntar em que sentido uma teologia social calvinista

poderia nos ajudar hoje, aqui e agora, a Sociedade Angolana? Evidentemente existem

profundas diferenças culturais, políticas e religiosas entre a Suíça do século XVI e o

Brasil do século XXI. Mas existem muitas semelhanças também, particularmente no

que se refere aos problemas sociais.

Além do mais, os princípios elaborados por Calvino para atender às questões

sociais e económicas são válidos para nós hoje, pois são bíblicos. Quer na Suíça

medieval, quer na sociedade angolana moderna, permanece como verdade imutável o

facto de que a raiz da opressão social é espiritual e moral, como Calvino apregoou. Bem

como o facto de que Jesus Cristo é o Senhor de todas as coisas, em todos os lugares, e

em todas as épocas, e que seu Reino se estende à política, à sociedade e à economia

tanto de genebrinos quanto de Angolanos. Assim, creio que a Igreja Protestante,

Evangélica, Metodista, Pentecostal, Aliancista e cristã em Angola (especialmente os

reformados) deveria envolver-se em todos estes aspectos, usando os meios apropriados,

lícitos e legais para protestar, advertir e resistir à injustiça social, usando a pregação da

Palavra para chamar ao arrependimento os governantes corruptos, os ricos opressores e

os pobres preguiçosos, e exercitando obras de misericórdia e assistência social através

de uma diaconia treinada e motivada.

Todo este envolvimento social deve acontecer sem perder de vista que a missão

primordial da Igreja é promover a reforma (parcial e provisória) da sociedade através da

proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, aguardando os novos céus e a nova terra

onde habita a plena justiça de Deus.

Fonte: Calvino e a responsabilidade social da Igreja, Editora PES, 24 p,

10,5x18cm, A. N. Lopes.

II-CAPITULO: O LIBERALISMO TEOLOGICO E O NOVO

ORTODOXISMO DE KARL BARTH

21

2.1. O Liberalismo Teológico neste período

O que o liberalismo teológico não é? O liberalismo teológico não é uma religião

ou uma organização ideológica possuidora de templos, funcionários ou sociedades.

Porém, o que o liberalismo Teológico é? Ele é, simplesmente, uma tendência de ajustar

o Cristianismo aos conceitos da *Alta Crítica da Bíblia, da ciência e das filosofias

modernas. Esta tendência apresenta-se hoje sob diversos outros títulos, como

modernismo, racionalismo, nova teologia, etc.

2.1.1. O nascimento da Teologia Liberal

No centro dessa gama de teorias nasceu o movimento liberalista, hoje presente

nas artes, na música, nos costumes sociais e, como vimos, na própria Teologia. É ele o

principal responsável pelo relaxamento dos padrões éticos, em virtude da sua atitude

irreverente em relação à Divindade e das dúvidas acerca da inspiração das Escrituras,

que lança nos corações.

Sem a poderosa influência moralizadora da Palavra de Deus, os homens se

estupidificam, como descreve o apóstolo Paulo no capítulo 2 da sua Carta aos Romanos.

Em 1780, o hebraísta alemão Eichrodt aceitou a hipótese de Astruc e afirmou que os

referidos documentos tinham características, estilos e expressões distintas um do outro.

Igen, em 1798, também alemão, julgou ter descoberto, dentro do documento Eloísta do

Gênesis, diversas características de estilo e expressões. Por isso foi ele considerado o

descobridor do segundo documento Eloísta. Na Escócia, o padre católico romano,

Alexander Gaddas, anunciou ter encontrado no Pentateuco diversos documentos (1798-

1800).

2.1.2. Principais Teólogos da Teologia Liberal

Vejamos agora alguns nomes implicados no liberalismo teológico, responsáveis

pelos novos rumos tomados pelo protestantismo:

A. Friedrich Schleiermacher (1768-1834)

1. Teólogo e filósofo alemão, embora anti-racionalista, ensinou que não há

religiões falsas e verdadeiras. Todas elas, com maior ou menor grau de eficiência, têm

por objectivo ligar o homem finito com o Deus infinito, sendo o cristianismo a melhor

delas.

22

2. Ao harmonizar as concepções protestantes com as convicções de burguesia

culta e liberal, Schleiermacher foi considerado radical pelos ortodoxos, e visionário

pelos racionalistas. Na verdade, o seu pensamento filosófico-teológico, embora

considerado liberal, está mais perto do transcendentalismo de Karl Barth.

B. Johann David Michalis (1717-1791)

Teólogo protestante alemão, foi o primeiro a abandonar o conceito da inspiração

literal das Escrituras Sagradas.

C. Adoff Von Harnack (1851-1930)

Teólogo protestante alemão, defende em sua obra principal História dos

Dogmas: a evolução dos dogmas do cristianismo pela helenização progressiva da fé

cristã primitiva. Em outra obra, A essência do cristianismo, reduziu a religião cristã a

uma espécie de confiança em Deus, sem dogma algum e sem cristologia.

D. Albrecht Ritschl (1822-1889)

Ritschl ressaltou o conteúdo ético da teologia cristã e afirmou que esta deve

basear-se principalmente na apreciação da vida interior de Cristo.

E. David Friedrich Strauss (1808-1874)

Foi o teólogo alemão que maior influência exerceu no século XIX sobre os não-

teólogos e não-eclesiásticos. Tornou-se professor da Universidade de Tubingen com

apenas 24 anos. Quatro anos mais tarde, em 1836, foi furiosamente afastado do cargo

em virtude de sua obra, denominada Vida de Jesus, criticamente estudada.

2. No ano de 1841 lançou, em dois volumes, sua Fé Cristã - Seu Desenvolvimento

Histórico e seu Conflito com a Ciência Moderna. Nesta obra está negando

completamente a Bíblia, a Igreja e a Dogmática. Em 1864 publicou uma segunda Vida

de Jesus, quando procurou então distinguir o Jesus histórico do Cristo ideal segundo a

maneira típica dos liberais do século XIX. Em sua A Antiga e a Nova Fé, publicada em

1872, adopta a evolução darwiniana em contraste com a fé bíblica.

3. Para Strauss, Jesus é mero homem. Insiste em que é necessário escolher entre

uma observação imparcial e o Cristo da fé. Ensinou que é preciso julgar o que os

Evangelhos dizem de Jesus pela lei lógica, histórica e filosófica, que governa todos os

23

eventos em todos os tempos. Não achou e não procurou um âmago histórico, mas

interessou-se apenas em mostrar a presença e a origem do mito nos evangelhos.

4. Seu conceito do mundo é o de matérias subindo para formas cada vez mais

altas. À pergunta: "Como ordenamos nossas vidas?" - Responde: autodeterminação,

seguindo a espécie.

5. Nas obras de Strauss não há lugar para o sobrenatural. Os milagres são mitos,

contados para confirmar o papel necessário de Jesus, daí as referências ao Velho

Testamento. Em resumo, Jesus é uma figura histórica. Da vida de Jesus nada sabemos,

sendo tudo mito e lenda.

6. Considerado o mais erudito entre os biógrafos infiéis de Jesus, Strauss encerra

o último capítulo da sua segunda Vida de Jesus com estas palavras:

"...aparentemente aniquilaram a maior e mais importante parte daquilo que o cristão se

acostumou a crer concernente a Jesus; desarraigaram todos os encorajamentos que ele

tem tirado de sua fé e privaram-no de todas as suas consolações.

Parece que se acham irremediavelmente solapados os inesgotáveis depósitos de

verdade e vida que por dezoito séculos têm sido o alimento da humanidade; o mais

sublime atirado ao pó, Deus despido de sua graça, o homem despojado de sua

dignidade, e o laço entre o céu e a terra rompido. Recua a piedade em horror diante de

um ato tão temeroso de profanação, e, forte como é na impregnável evidência própria de

sua fé, ousadamente conclui que - não importa se um criticismo audaz tentar o que lhe

aprouver tudo o que as Escrituras declaram e a Igreja crê acerca de Cristo subsistirá

como verdade eterna; nem sequer um jota ou um til será removido."

7. Philip Schaff comenta que Strauss professa admitir a verdade abstracta da

cristologia ortodoxa, "a união do divino e humano, mas perverte-a, emprestando-lhe um

sentido puramente intelectual, ou panteísta. Ele nega atributos e honras divinas à

gloriosa Cabeça da raça, mas aplica os mesmos atributos a uma humanidade acéfala.

Destarte, ele substitui, partindo de preconceitos panteístas, uma viva realidade por

uma abstracção metafísica; um fato histórico por uma mera noção; a vitória moral sobre

o pecado e a morte por um mero passo na filosofia e em artes mecânicas; o culto do

único vivo e verdadeiro Deus por um culto panteísta de heróis, ou própria adoração de

24

uma raça decaída; o pão nutriente por uma pedra; o Evangelho de esperança e vida

eterna por um evangelho de desespero e de final aniquilamento."

F. Sorem Kierkegaard (1813-1855)

1. Teólogo e filósofo dinamarquês. Filho de um homem rico torturado por dúvidas

religiosas e sentimentos de culpa, Kierkegaard adquiriu complexos de natureza

psicopatológica e possíveis deficiências somáticas. Estudou teologia na universidade de

Copenhague, licenciando-se em 1841.

2. Atacou a filosofia de Hegel e afastou-se mais e mais da Igreja Luterana, por

julgá-la muito pouco cristã. Para o teólogo dinamarquês, entre as atitudes (fases)

estética, ética e religiosa da vida, não há mediação, como na dialéctica de Hegel, e não

há entre elas transição, no sentido de evolução. Para chegar da fase estética à fase ética

ou desta à religiosa é preciso dar um salto (ser iluminado, converter-se

instantaneamente) que transforme inteiramente a vida da pessoa.

3. Para Kierkegaard, só o cristianismo é capaz de vencer heroicamente o mundo,

sendo o panteísmo cultural de Hegel impotente contra a consciência do pecado e contra

o medo e temor. Criticou o hegelianismo em sua acomodação ao mundo profano, por

não ser capaz de eliminar a angústia e admitir a existência de contradições irresolúveis

entre o cristianismo e o mundo, cabendo ao homem escolher existencialmente entre esta

e aquela alternativa: ser cristão ou ser não-cristão.

4. São profundos os conceitos de Kierkegaard sobre os estágios da vida, a

diferença entre ser e existir, o subjectivo e o objectivo, o desespero, os critérios

positivos para a verdadeira existência, etc.

Eis alguns deles:

a. No estágio estético, o homem leva uma existência imediata e não reflectiva,

faltando a diferenciação entre ele e o seu mundo; No estágio ético, o homem assume a

responsabilidade pelo seu próprio ser, procura alcançar-se a si - o que não pode fazer;

No estágio religioso, reconhece a impossibilidade de viver conforme gostaria e descobre

que o pecado é não ser o que Deus deseja que seja, e que só se alcança este estado

proposto por Deus através de algo que vem de fora - o próprio Deus;

b. O tempo (e espaço) trata do que o homem é, da sua existência; a eternidade

significa que, embora o homem viva no tempo e no espaço, ele não está totalmente

determinado por estes elementos; a existência fala de liberdade, possibilidade, do ideal,

da obrigação; o momento de decisão é quando a eternidade intercepta o tempo;

25

c. O objectivo cultural é aquilo que é, enquanto o homem fica entre o que é e o

que ele pode e deve ser. A ciência limita-se ao estudo do que é, ao que ela chama "a

verdade"; mas os fatos claramente aceitos jamais encerram a verdade;

d. A essência do ser humano aparece quando traz a eternidade para dentro do

tempo. Cada homem há de sofrer porque vive numa realidade muito física: liberdade

versus tempo;

e. O único que realmente resolveu o paradoxo do tempo e da eternidade foi Jesus

Cristo. Ele mesmo foi um paradoxo: Deus e homem; limitado e ilimitado; ignorante e

conhecedor de tudo.

5. S. Kierkegaard, redescoberto na Alemanha por volta de 1910, é considerado o

precursor da teologia transcendental, de que Karl Barth, no século XX, é o principal

representante.

2.2. Principais Doutrinas Liberais, Exame Crítico

1. Foi a partir de meados do século XIX, como consequência da grande vitalidade

intelectual e reorientação do pensamento, que nasceu a teologia liberal. Foi esta uma

época de renascimento religioso em geral e, em particular, de expansão do

protestantismo, institucional e geográfica mente, caracterizada pelas missões e

surgimento das sociedades bíblicas.

2. O liberalismo teológico, em sua essência, procura libertar as consciências

cristãs das suas amarras escolásticas, apontando-lhes as exigências da razão. Realça a

pessoa de Deus como a fonte de toda a verdade e enfatiza a necessidade de uma certeza

sincera na busca da verdade, embora reconheça a impossibilidade do ser humano

alcançar um conhecimento pleno da verdade absoluta.

3. A maioria dos teólogos da actualidade considera hoje insustentável essa

premissa liberalista de que o espírito humano não possa mover-se em regiões para além

do alcance dos sentidos, além do raciocínio meramente racional. Para Platão, o intelecto

tem ideias supersensíveis, inexplicáveis à luz da razão, sendo que é neste reino que

residem os característicos principais e distintivos da alma humana. Modernamente, é

cada vez maior o número dos que conhecem uma área essencialmente metafísica,

portanto fora do alcance dos meios físicos, na qual o espírito obedece às leis de sua

própria natureza.

4. Segundo os teólogos liberais, o protestantismo precisa "incorporar à sua

teologia os valores básicos, as aspirações e as atitudes características da cultura

26

moderna, ressaltando, dentre outros, o imperativo ético do Evangelho." (Enciclopédia

Mirador). Dessa pregação nasceu o evangelho social, onde a mensagem de Cristo deixa

de ser o poder de Deus para a salvação e regeneração do homem, para tornar-se apenas

uma fórmula social, impotente. "A Igreja transcende os métodos e as fórmulas humanas.

Ela produz aquela vida plena de riqueza, que é o espírito livre e nobre em acção; pensa

os melhores pensamentos; aceita os mais elevados ideais e os reveste de uma linguagem

irresistível.

Assim ela infunde um poder criador na sociedade de espíritos humanos... Não há

fórmula suficiente boa para tornar boa uma sociedade, se não for executada por homens

bons. O cristianismo não elabora fórmulas, mas cria os homens capazes de insuflar

força moral em qualquer fórmula" (Lynn Harold Hough).

5. O movimento liberalista não reivindicou apenas amplas liberdades para o

exercício da razão, mas pregou a tolerância entre as denominações protestantes,

aproximando-as, através da minimização das diferenças doutrinárias.

6. O ressurgimento da intolerância religiosa no seio do catolicismo romano, nas

primeiras décadas do século passado, o que resultou na prisão e morte de protestantes

em diversos países, especialmente na Estónia, Lituânia, Letónia, Turquia, Pérsia,

Portugal e Espanha, contribuiu também para aproximar entre si as denominações

evangélicas. A organização, em 1846, da Aliança Mundial Evangélica, em Londres, foi

uma resposta ao estado de insegurança em que se achavam várias correntes do

protestantismo. Essa Aliança muito fez pela liberdade de culto em todo o mundo.

7. Mas o espírito liberal reclama ainda respeito pela ciência e pelos métodos

científicos de pesquisas, o que implica na aceitação franca do estudo, tanto do mundo

material como da crítica bíblica e da história da Igreja. Foi, valendo-se desse estado de

espírito favorável, que Darwin publicou a sua célebre obra As Origens das Espécies

através de meios de selecção natural, em 24 de Novembro de 1859, que provocou

violentas e intermináveis polémicas.

8. O liberalismo teológico aceita também o princípio da continuidade, ou seja,

considera mais importantes as semelhanças do que os contrastes, admitindo-se a ideia

da evolução para superar os abismos existentes entre o natural e espiritual, entre o

homem e seu Criador, enfatizando mais a imanência do que a transcendência de Deus; o

liberalismo prega ainda a confiança do homem no futuro, gerada pelas grandes

conquistas em todos os campos da ciência.

27

9. Não há dúvida de que o sonho liberalista do século passado mostra a cada dia

mais impossibilidade de materializar-se. A teoria da evolução está hoje negada pelos

principais cientistas, e as conquistas da ciência moderna têm trazido, ao lado do seu

inegável progresso, resultados catastróficos. A confiança do homem no futuro

desvanece-se hoje à luz dos factos actuais e a exemplo de amargas experiências

recentes.

Quanto à imanência de Deus, sugere esta ênfase que a Divindade está identificada

com a totalidade das existências, afirmando, panteisticamente, que tudo é Deus e Deus é

o tudo. Elimina-se, destarte, toda a concepção da personalidade divina e, em

consequência, considera-se o homem um irresponsável. Quando se nega o conceito de

Deus, como o Criador omnipotente que está acima de todas as coisas que criou, corre-se

o risco de cair no fatalismo, característico dos cultos orientais e, infelizmente, em

expansão no Ocidente. Sinais da presença do fatalismo em nossos dias são os

horóscopos, o fetichismo e até mesmo os biorritmos, rejeitados como anticientíficos por

grande número de médicos renomados.

10. Ainda em relação à ênfase dada pelo liberalismo à imanência de Deus em

tudo, há uma implicação séria, quando se trata do problema do pecado.

Despersonalizando a divindade, é o homem colocado no centro de tudo, como a medida

de tudo. Isso significa que o fim do homem é estar satisfeito consigo mesmo, com seus

horizontes etc. O Dr. John A. Mackay afirma que o pecado, como factor na existência

humana, é terrivelmente real, e é coisa que os filósofos balconizados sempre trataram de

fazer desaparecer por meio de argumentos arrazoados. Com a expressão balconizados

fazia ele referência a Aristóteles e Renan, como símbolos daqueles para quem "a vida e

o universo são objectos permanentes de estudo e contemplação".

2.2.1. Outras Doutrinas Liberais

Nessas doutrinas afirma-se que:

1. Os credos primitivos são arcaicos e sem realidade para o mundo moderno.

2. A mente do homem é capaz de raciocinar segundo os pensamentos de Deus.

3. A mente deve estar aberta à verdade independentemente da fonte.

4. As doutrinas cristãs são símbolos de verdades racionais conhecidas pela razão

humana.

5. A divindade de Jesus era uma declaração simbólica do fato de que todos os

homens possuem um aspecto divino.

28

6. 0 conceito bíblico da revelação de Deus na história era ingênuo e pré-filosófico.

7. Os itens "4', "5" e "6" do parágrafo anterior sofreram influência do idealismo

absoluto de Hegel e Letze. Os demais itens justificam plenamente alguns dos títulos do

liberalismo: modernismo e racionalismo.

8. Como vimos, para o liberalismo Deus está presente em todas as fases da vida e

não apenas em alguns eventos espectaculares. Assim, o método de Deus é o caminho da

mudança progressiva e da lei natural, e o nascimento virginal de Cristo não condiz com

a realidade, pois Deus está presente em todos os nascimentos.

9. Defendendo assim a imanência de Deus, o liberalismo podia aceitar a teoria da

evolução, não negando a Deus, todavia, um ato criador, ou seja: Ele teria criado a

primeira célula viva, da qual vieram todos os seres viventes, inclusive o homem.

10. O liberalismo reage contra um evangelho individualista, capaz de salvar o

homem do inferno e não da sociedade corrompida, e insiste em que o reino de Deus não

é além-túmulo e nem milénio, mas sim a sociedade ideal edificada pelo homem com o

auxílio de Deus.

11. Na busca duma "sociedade ideal" muitos teólogos se têm inclinado para uma

espécie de socialismo cristão, envolvendo-se em movimentos subversivos por

acreditarem que as doutrinas de Marx e Engels, se destituídas de seu ateísmo, estariam

em melhores condições de atender aos reclamos dos povos pela justiça social de que a

própria mensagem evangélica.

2.3. O Novo Ortodoxismo de Karl Barth

Esta teologia é comumente conhecida por barthianismo, por ter como seu

principal autor Karl Barth (1886-1968), considerado o maior teólogo do século XX.

Este sistema possui ainda vários outros nomes: teologia dogmática, teologia da crise,

neo-ortodoxia, teologia transcendental, modernismo-negativista e teologia de Lund.

2.3.1. Alguns dados sobre Karl Barth

Karl Barth nasceu na Suíça, leccionou teologia nas universidades de Gottingen,

Munique e Bonn, mas foi demitido deste último posto pelo governo hitlerista, em 1935.

E, por resistir às tentativas do ditador de nazificar a Igreja Reformada da Alemanha,

teve seus diplomas de teologia anulados. Com a derrota do nazi-fascismo, recupera sua

29

cátedra em Bonn, de onde mais tarde se transfere para Basiléia. Aposentou-se em 1961

e iniciou a elaboração da sua teologia.

2.3.2. O pragmatismo e a teologia dialéctica de Karl Barth

Barth abandonou o terreno firme da lógica e ingressou no mundo fabuloso do

pragmatismo, doutrina que considera a acção superior ao pensamento e aceita o valor

prático como critério da verdade. Hegel passou a aceitar que a presença da verdade está

na verdade na síntese, que corresponde ao grau intermediário entre a tese e a antítese.

Barth, ao aplicar esta fórmula ao cristianismo histórico, considerou-o como a tese, o

modernismo como a antítese e o novo modernismo como a síntese.

Dentro de um esquema teológico dialéctico coexistem pacificamente doutrinas

antagônicas: o certo e o errado, a verdade e a mentira. Daí a teologia de Barth pode ser

também denominada de teologia dialéctica ou da crise. Violando dessa maneira as

regras pelas quais se estabelece se uma tese é verdadeira ou não, o barthianismo acabou

negando o carácter absoluto da verdade.

2.3.3. A teologia de Karl Barth manteve alguns pontos de

vista ortodoxos

Não se pode deixar de reconhecer que, sob vários aspectos, a teologia de Barth

foi um retorno, embora aparentemente, às várias doutrinas bíblicas desprezadas pelo

liberalismo, como a Trindade, o nascimento virginal de Cristo, as duas naturezas de

Cristo unidas numa só pessoa, conforme aceita pelo Concilio de Calcedônia (ano 451) e

pela Reforma Protestante, a salvação somente pela graça e a justificação unicamente

pela fé.

Em virtude destes pontos de vista, foi o barthianismo chamado também de

neomodernismo e neo-ortodoxia. A respeito da pessoa de Jesus, é interessante ler o que

Barth escreveu em 1960, em um tempo de revisão da sua própria teologia: e de forma

consequente, em todos os seus enunciados, directa ou indirectamente, doutrina de Jesus

Cristo como da palavra viva de Deus dita a nós. Portanto, observamos que na teologia

de Karl Barth, procurou-se preservar a cristologia.

30

2.3.4. Algumas Falhas Da Teologia De Barth

Mas a teologia de Barth possui falhas seríssimas: a Bíblia não é a Palavra de

Deus, apenas a contém. Por isso pode ela ser criticada à vontade. Estabelece um falso

contraste entre a autoridade espiritual da Igreja, por ele aceita, e a sua autoridade legal,

que rejeita. Assim, deixou a porta aberta à discussão acerca de doutrinas.

Segundo esta teologia transcendental, o mundo está cheio de contradições,

inclusive na religião. Por isso os seguidores desta escola admitem sistemas que se

excluem mutuamente. Um dos seus líderes declarou: Em face do modernismo e da fé

histórica, não se deve dizer um ou outro, mas um e outro. Isto equivale a aceitar a

doutrina de que Jesus é o único mediador entre Deus e o homem e ao mesmo tempo

admitir a mediação de Maria.

Um transcendentalista, portanto, assemelha-se a um balconista que vende

exactamente o produto que o freguês deseja, seja este freguês cristão histórico ou

liberal.

2.4. O desabafo de Francis A. Schaeffer

Francis A. Schaeffer narra o desabafo de um ateu sueco, Dr. Hedeinus, professor

de Filosofia da Universidade de Uppsala, que chamou os teólogos transcendentalistas de

"ateus, disfarçados em bispos e pastores: o cristianismo, não o quero; os seus conceitos

não são nem claramente definidos, nem mesmo definíveis; a posição dos seus

defensores é mais vacilante do que a minha."

2.5. Emil Brunner - Cristo Absoluto ou relativo?

Emil Brunner (1889-1966). Teólogo suíço; exerceu grande influência no

protestantismo dos Estados Unidos, país onde proferiu diversas preleções. Suas obras

foram traduzidas para o inglês antes mesmo que as de Barth. Sintese do pensamento

teológico de Brunner A teologia de Brunner, também conhecida por "dialética" e "da

crise", descreve a busca da verdade por meio de debates entre as posições contrárias.

Brunner acha que há alguma revelação fora da Bíblia, embora não acredite que a

teologia natural inclua a teologia revelada, discordando nesse ponto do liberalismo de

Barth. Entende que a Bíblia é o único critério pelo qual podemos julgar a verdade e a

31

suficiência do conhecimento acerca de Deus, que se encontra em outros lugares.

Diferentemente de Barth, Brunner admite que se pode achar verdade no filósofo, no

ateu ou no adepto de seitas não cristãs, assim estabelecendo diálogo com eles, mas

reconhecendo que eles não podem possuir suficiente e completo conhecimento

verdadeiro de Deus. A teologia Brunniana e Jesus Na teologia brunniana, o dogma de

Jesus sem pecado é acto de fé e não base de fé. "Cremos que ele é sem pecado por

crermos nele. Não é que cremos nele por causa de Ele ser sem pecado." Brunner nega,

além de outros, o nascimento virginal de Cristo, os 40 dias pós-ressurreição, e a

ascensão física do Senhor. As questões acima apresentam implicações seríssimas: ao

admitir que Jesus Cristo pode ser conhecido historicamente, Brunner faz perder tudo.

Na teologia de Brunner, A relação do homem com Deus não pode ser expressa em

termos racionais e lógicos, mas apenas em termos de mitos; Qualquer tentativa para

provar a revelação está errada;

Acerca do pecado, nega a herança de culpa de Adão, aceitando apenas a queda

individual; O cristão deve ser um eterno revolucionário, não se conformando com as

reformas sociais, sempre imperfeitas; O amor de Cristo revela o amor humano, que é

possibilidade impossível; A queda não modificou a natureza e estrutura essenciais do

homem, assim como a cegueira não retira o olho do corpo; No momento em que a

pessoa se transcende, surge a memória da perfeição original.

III- CAPITULO: NOVAS CORRENTES TEOLOGICAS

3.1. A Teologia Do Mito

A teologia do mito tem como um de seus principais criadores o teólogo alemão

Rudolf Bultmann (1884-1976), que em 1941, numa conferência intitulada "O Novo

Testamento e a Mitologia", disse que esta parte das Escrituras está cheia de mitos à luz

dos quais se deveriam examinar a pessoa de Cristo e o comportamento da Igreja

apostólica.

3.1.1. A visão do Bultimann dos escritores do NT

Para Bultmann, todos os escritores do Novo Testamento pensavam e escreviam

tendo em vista uma visão global do mundo antigo, no qual havia três divisões: a

32

superior ou invisível, habitada pelos anjos, o mundo sobrenatural de Deus; o mundo

inferior, escuro, habitado pelos demónios; e o nosso mundo, que fica entre os outros

dois. Segue-se, portanto, que a revelação vem em símbolos que devem ser

decodificados. Para usar o termo de Bultmann, devem ser desmitologizados.

Numa de suas conferências, afirmou Bultmann que hoje "não se pode utilizar a luz

eléctrica e os aparelhos de rádio, apelar para medicamentos e clínicas modernas quando

se está enfermo, e ao mesmo tempo crer nos milagres do Novo Testamento."

De acordo com essa visão, pode-se crer em Jesus Cristo e aceitá-lo como Deus e

Salvador sem a necessidade de acreditar no nascimento virginal, na encarnação, no

túmulo vazio, na Ressurreição e na segunda vinda. Todos estes elementos seriam

derivados da mitologia judaica e do gnosticismo helenístico.

Segundo Bultmann, a desmitificação dos evangelhos não significa a eliminação

do mito, como procurou fazer a teologia liberal, mas a sua interpretação através de uma

hermenêutica particular, sendo eles necessários por oferecerem ao homem condições de

perceber o enigmatismo do mundo. Assim, através da sua reinterpretação, o mito seria

utilizado como instrumento auxiliar na compreensão da existência humana.

O que é a desmitologização que Bultmann propõe? Em seu questionamento sobre

as escrituras, há a necessidade de extrair todo o elemento mitológico, que segundo ele,

encobre o entendimento das sagradas escrituras para o homem moderno.

Vê na desmitologização, um instrumental importante para a actualização da

mensagem bíblica tornando-a compatível com o mundo tecnológico e cientifico que

vivemos hoje.

O homem/mulher moderno, embora seja um ser que viva em uma sociedade de

muitos símbolos e sinais, precisa descodificar o significado desta vasta simbologia.

Carece de um tradutor ou seja, necessita de uma ferramenta que actualize a linguagem

mitológica das Sagradas Escrituras, vigentes à época, para o código de linguagem e a

cultura dos nossos dias.

Segundo Bultmann, o uso do processo da desmitologização das Escrituras elucida,

esclarece e traz nitidez ao leitor, acerca do que realmente a mensagem bíblica quer nos

dizer hoje em dia.

Pois para o homem/mulher secularizado os elementos mitológicos das escrituras,

fruto de uma cultura passada há quase dois mil e quinhentos anos não fazem nenhum

sentido. Devem ser extraídos, sem a perda do conteúdo original, pois sem uma

33

decodificação e uma actualização do sentido, a mensagem não nos diz o porquê, ou pior

ainda, pode levar a uma interpretação dúbia e incompreensível.

A Escritura não explica a si mesma, conforme ensina a hermenêutica da Reforma

Protestante, mas está sujeita aos métodos modernos da ciência autónoma e às

pressuposições filosóficas;

3.1.2. Exame Crítico Da Teologia De Bultmann

Bultmann rejeita, por considerá-los mitológicos:

1) Os conceitos neotestamentários de que o reino escatológico está prestes a

irromper na história;

2) de que o mundo actual está governado por elementos demoníacos

3) e de que o sobrenatural intervém no mundo, manifestando-se através de

milagres. Na sua reinterpretação do evangelho, elimina o sentido original dos termos

encontrados no NT e os recria adoptando uma nova significação.

Ex. Segundo a visão tradicional, o problema do homem é o seu pecado, segundo o

Evangelho, e a solução é o sacrifício de Cristo. Para Bultmann, tal problema é a sua

finitude. O uso da filosofia contemporânea para formular a fé cristã pode distorcer o

ensino cristão, introduzindo ideias estranhas ao Cristianismo através da reinterpretação

da terminologia tradicional, e acomodar a fé cristã à filosofia tradicional; Ao ensinar

que a teologia existencialista é antropocêntrica, concorda com Fenerbach de que a

teologia tornou-se antropologia; Depois do programa de desmistificação dos

evangelhos, o Jesus que sobra é tão débil que jamais chamaria a atenção de alguém, e

muito menos motivaria a sua lealdade.

Um Jesus assim insignificante tem sido o tema de peças teatrais profanas e

irreverentes, como a "Jesus Cristo Superstar", na qual Judas Iscariotes é o verdadeiro

herói e Cristo não passa de uma figura covarde, que duvida a todo momento da sua

missão; Bultmann ignora por completo o papel do Antigo Testamento na formação do

Novo, ao considerar este eivado de mitos e influenciado pelo gnosticismo ou helenismo;

A "Sola fide" de Bultmann nada tem de semelhante à de Lutero, que se baseava no

testemunho bíblico.

34

3.2. A Teologia da Esperança2

A teologia da esperança tem sido articulada nos Estados Unidos por dois teólogos

luteranos, Carl Braaten e Robert Jenson, as suas obras tem como objectivo popularizar o

novo movimento.

Jürgen Moltmann nasceu em 18 de abril de 1926 em Hamburgo.

Iniciou seus estudos de teologia numa situação inusitada. Com dezesseis (1943) foi reira

Após seis meses na guerra, foi feito prisioneiro no campo de concentração de Northon-

Camp, na Inglaterra. Ali se encontravam também alguns professores de teologia que

ministravam lições aos seus companheiros; dentre eles, Jürgen Moltmann.

Em 1948 retornou para Alemanha onde deu continuidade nos seus estudos na

Universidade de Göttingen até 1952. De 1953 a 1958 exerceu actividades pastorais em

Bremen.

Suas especialidades foram: História dos Dogmas e Teologia Sistemática, iniciou sua

docência em 1958 passando pela Escola Kirchliche Hochschule de Wuppertal, pela

Universidade de Bonn, Universidade de Tübingen, Due University - EUA (no carácter

de professor visitante). Depois de Karl Barth, Jurgen Moltomann é considerado o mais

conhecido e influente teólogo reformado do século XX" (LEITH, 1997, p.234).

No Brasil, Rubem A. Alves, com umas poucas revisões dele mesmo, muita coisa

fez para converter a teologia da esperança em programa de acção. Às vezes essa

teologia era chamada de futurologia...

Porque? Por ser um modo de encarar a teologia e as preocupações teológicas da

perspectiva do futuro e não do passado ou do presente.

O passado e o presente somente têm valor com referência ao futuro. A realidade

ainda não é; está orientada para o futuro.

A questão da existência de Deus pode ser respondida somente no futuro, pois

Deus está sujeito ao tempo enquanto este se esforça em direcção ao futuro.

A teologia da esperança é caracterizada... como uma reacção ao desespero

existencialista, pela fé no futuro e pelo optimismo, a esperança baseia-se na promessa

divina e o cristão suporta as contradições do presente porque vive na expectativa do

futuro. Não enxergar uma solução para seus dilemas presentes. Assim, a teologia da

esperança acha que não podemos encontrar respostas para as nossas questões atuais na

2 https://teologiacontemporanea.wordpress.com/2009/10/07/teologia-da-esperanca-jurgen-moltmann-e-a-

analise-escatologica-existencial/, pag. Consultada aos 02/05/2014

35

sociedade de hoje. Abrange mais do que geralmente se reconhece tradicionalmente

como sendo teologia, falando a rigor. Sua orientação secular permite que seja

combinada com qualquer número de matérias, inclusive a política e a biologia. A

teologia da esperança vê um esboço para sua exposição nas temáticas escatológicas. Ela

entende a realidade a partir de uma perspectiva escatológica.

O movimento também é chamado de teologia futurista. A teologia da esperança

reage contra o subjectivismo da neo-ordoxia, visto que sua abrangência vai além do

universo pessoal e interior de individuo. Esta teologia se dirige ao mundo como mundo.

A teologia da esperança foi a resposta do público a teorias como a que Deus está morto,

ideia que foi criada na década 60. Os teólogos futuristas deixaram para trás o sepulcro

criado para Deus. O humanismo dos teólogos de Deus-está-morto veio a ser a

sementeira em que a teologia da esperança deitaria raízes.

3.2.1. Entendendo a teologia futurista de Moltmann.

A chave central para entender a teologia futurista de Moltmann é a sua ideia de

que Deus está sujeito ao processo temporal. Neste processo, Deus não é plenamente

Deus, porque ele é parte do tempo que avança para o futuro. No cristianismo

tradicional, Deus e Jesus Cristo aparecem fora do tempo, no atempo. Na teologia de

Moltmann, a eternidade se perde no tempo.

Para Moltmann, o futuro é a natureza essencial de Deus. Deus não revela quem

ele é, e sim quem ele será no futuro. Desta forma, Deus está presente apenas em suas

promessas. Deus está presente na esperança. Todas as afirmações que fazemos sobre

Deus, são produto da esperança. Nosso Deus será Deus quando cumprir suas promessas

e com isso estabelecer o seu reino. Deus não é absoluto; ele está determinado pelo

futuro.

Segundo Moltmann, toda teologia cristã deve modelar-se através da escatologia.

Acontece que a escatologia para ele não significa a previsão tradicional da segunda

vinda de Jesus. Moltmann interpreta como aberta ao futuro, aberta à liberdade do futuro.

Deus entrou no tempo, e consequentemente o futuro se tornou algo desconhecido tanto

para o homem como para Deus.

36

O cristianismo evangélico relaciona intimamente a ressurreição de Cristo com a

escatologia. O Cristo ressuscitado é “as primícias” da ressurreição (1Coríntios 15.23;

Act. 4.2). A morte e ressurreição de Cristo são a garantia que Deus dá de que haverá

Ressurreição futura, e por isso, o começo da Ressurreição final. A Ressurreição de

Cristo é um facto histórico que atribui pleno significado ao nosso futuro. Porém, para

Moltmann, a questão da historicidade da Ressurreição corporal de Jesus não é válida.

Jesus ressuscitou dentre os mortos há quase dois mil anos com seu corpo físico? Para

Moltmann essa é uma questão sem importância. Não devemos olhar desde o Calvário

para a Nova Jerusalém, e sim olhar o nosso futuro ilimitado para o Calvário. Afirma-se

tradicionalmente que a Ressurreição de Cristo é a base histórica da Ressurreição final.

Moltmann porém diria que a ressurreição final é a base da ressurreição de Jesus.

Ainda quanto ao futuro, Moltmann diz que o homem não deve olhá-lo

passivamente; ele deve participar activamente na sociedade. A tarefa da Igreja não é

apenas de se informar sobre o passado para mudar o futuro. É também “pregar o

Evangelho de tal forma que o futuro se apodere do indivíduo e lhe impulsione a agir de

modo concreto para mudar o seu próprio futuro. O presente em si mesmo não é

importante. O importante é que o futuro se apodere da pessoa no presente”.

Para que o futuro se realize na sociedade, as categorias do passado devem ser

descartadas, pois não existem formas ou categorias fixas no mundo. O futuro significa

liberdade e liberdade é relatividade.

O principal propósito da Igreja é ser o instrumento por meio do qual Deus trará a

“reconciliação universal e social”. A participação da Igreja na sociedade poderá utilizar

a revolução como meio apropriado, mesmo que ela não seja necessariamente o único

meio. Neste avanço para o futuro, o problema da violência versus não-violência recebe

o nome de “problema ilusório”. A questão não é a violência em si, mas sim se o uso da

violência foi justificado ou injustificado. Essa tendência pragmática em que os fins

justificam os meios é uma tendência muito forte dentro da Teologia da Esperança.

Assim como na “Teologia Secular”, aqui também pode ser vista uma profunda

consciência para com o mundo. A ideia de Moltmann de considerar a Bíblia desde o

começo como um livro escatológico pode parecer um atractivo para o cristão ortodoxo.

Realmente um assunto tão importante quanto a escatologia não deveria ocupar as

37

últimas páginas em nossos livros de teologia sistemática. Porém, qualquer conservador

certamente saberá reconhecer os erros patentes de Moltmann, bem como os horrores

que trariam a sua visão ética.

3.2.2. Objecções à Teologia da Esperança.

Moltmann critica muitos conceitos neo-ortodoxos, mas ele acaba levando os

conceitos barthianos muito mais longe. Barth havia transcedentalisado a escatologia por

meio do emprego da distinção entre Historie e Geschichte, mas Moltmann foi ainda

mais além, e rejeitou todo o conceito objectivo da história. Se por um lado a dialéctica

de Barth acabou com a possibilidade da relação entre história e fé, a teologia de

Moltmann destruiu até mesmo a possibilidade de haver história.

Ainda que Moltmann revista sua escatologia de conceitos bíblicos, seu sistema

está mais fundamentado no marxismo do que em Cristo. O primeiro livro de Moltmann,

“Teologia da Esperança” nasceu de um diálogo com o ateu alemão Ernst Bloch, e

quando lemos o seu segundo livro, vemos que nesse intercâmbio, Moltmann assimilou

muitas ideias de Bloch.

A ideia que Moltmann tem da escatologia é destituída de base bíblica. Apesar de

todo esforço de Moltmann para produzir uma teologia bíblica, no final, seu sistema nada

mais é do que uma teologia centralizada no homem, em um homem que observa o

futuro e age na sociedade. A meta do futuro de Moltmann não é a plena manifestação da

glória de Cristo; ela é a edificação da utopia na terra. Para ele, o Reino de Deus se

introduz na terra por meio da política e da revolução. Para o apóstolo Paulo, no entanto,

o Reino de Deus é, e será introduzido por meio da proclamação do poder salvador de

Jesus Cristo (Actos 28.30-31). Para Moltmann, esse reino é também uma realidade

terrena e tangível; o Reino de Deus, no entanto, é descrito na Bíblia como celestial. Para

Moltmann, o Reino de Deus é trazido por meio da revolução; no entanto, segundo a

Bíblia, o Reino de Deus traz a paz, e não a guerra (Romanos 14.7).

Quanto ao conceito de Deus, ele não admitia nenhum Deus eterno ou infinito. Ao

entrar no tempo, segundo ele, Deus se tornou finito e aberto a um futuro desconhecido.

O Deus da Bíblia existe de eternidade a eternidade; o de Moltmann, porém, só existe no

futuro, pois no presente ele sequer é Deus. Como observou certo escritor: “No monte

38

sinai, Deus disse a Moisés: Eu sou o que sou, mas Moltmann não permitua que Deus lhe

dissesse o mesmo.

A teologia de Moltmann tem maior dívida com Nietzche, com Overback e com

Feurbach do que com Paulo, Pedro ou João. Ela é mais marxista que bíblica, e mais

filosófica que teológica. Em seu afã de refutar as teologias não-ortoxas do seu tempo,

Moltmann ultrapassou o limite do bom senso e acabou por propor uma teologia quase

tão nociva quanto aquela a que ele se dedicou a refutar. Essa teologia do Deus finito e

temporal, e que ainda incita a rebeldia e a revolução, não pode ser teologia bíblica. Ela é

antes, um tropeço, um escândalo e uma nociva ameaça à sã doutrina.

IV- CAPITULO: AS TEOLOGIAS SOCIAIS

Na teologia social é ressaltado do conteúdo ético e social da Igreja. Portanto, nas

teologias sociais, analisamos as seguintes questões:

Qual é a realidade social na qual está inserida a igreja?

Qual o papel da igreja junto aos problemas encontrados na sociedade?

Como a Igreja pode ser um instrumento de transformação social?

4.1. É boa a aproximação entre teologia e ciências sociais?

Alguns teólogos, de perfil, fundamentalista, rejeitam por completo tal

aproximação. Na prática, ocorre o contrário, pois qualquer teologia é feita num

ambiente cultural e que a influência.

Ao estabelecer um diálogo com as Ciências Sociais, o teólogo cristão terá, por sua

vez, de renunciar sua posição cómoda de considerar sua religião um santuário protegido

de críticas.

4.2. Personagens do Evangelho Social

O evangelho social teve como o seu maior intérprete o pastor Batista Walter

Rauschembusch (1861-1918), professor no seminário baptista de Rochester, de 1897 até

o seu falecimento. Um outro grande nome a lembrar é o do Pastor Martin Luther King,

que lutou nos Estados Unidos contra o preconceito racial e a injustiça social contra os

negros. Ele foi o responsável por disseminar a prática do protesto não violento,

semelhantemente a Gandi.

39

Há uma frase de Martin Luter King: "Eu não me preocupo tanto com as palavras

dos desonestos e as atitudes dos corruptos. Eu me preocupo muito mais, quando os bons

fazem silêncio."

4.3. O Evangelho Social na América do Sul

O evangelho social na América do sul Na América do Sul, esse movimento

pode também ser identificado como a "teologia da libertação", com o propósito comum

de estabelecer-se a "justiça social", até mesmo por meio de uma revolução. O sucesso

da teologia da libertação na América do sul deve-se aos seguintes factores:

Grandes índices de desemprego.

Diferenças sociais alarmantes.

Pobreza.

Diferenças Extremas entre classes sociais.

A ausência de uma teologia relevante ao contexto da América latina, que

nascesse no berço dos países subdesenvolvidos.

A teologia do evangelho social alcançou maior sucesso nos anos seguintes à

Primeira Guerra Mundial, pelo fato de se atribuir às injustiças sociais as causas da

grande conflagração internacional que ceifou milhões de vidas. Precisamos entender

que no evangelho social, a Igreja é o instrumento de libertação para uma sociedade que

está inserida numa estrutura social injusta e corrupta.

O movimento do evangelho social teve o seu lado positivo: Procurou levar a

Igreja a empenhar-se em actividades mais amplas em favor dos menos favorecidos da

sorte, Criticou os governos corruptos e os sistemas ideológicos injustos. Foi uma

resposta nova da ética cristã em uma nova situação histórica, pois, particularmente nos

Estados Unidos, era grande o número de problemas decorrentes do rápido crescimento

industrial. A consciência cristã, assim desafiada, converteu-se numa "consciência

social".

40

V- CAPITULO: TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO, UMA RESPOSTA

À CRISE ECONÓMICA, SOCIAL LATINO-

AMERICANA E AFRICANA

Até aqui a nossa abordagem tem sido principalmente teórica, passando pelas

principais escolas teológicas da era contemporânea. Temos analisado as doutrinas

dessas escolas e em nenhum momento fugimos da responsabilidade de apresentar o

nosso parecer. A análise que fazemos dessas propostas teológicas encontra seus

pressupostos na ortodoxia bíblica, conforme já foi dito no capítulo primeiro. Apesar da

relevância dos problemas até aqui levantados, a influência dessas escolas teológicas na

nossa teologia e em nossas denominações é pequena, ou quase nula. Muitos dos

programas teológicos até aqui apresentados foram postos em carácter de informação, e

talvez o leitor nunca se depare com os problemas aqui levantados, salvo nas esferas

seculares, onde o liberalismo teológico e o naturalismo têm estado activo e presente.

Nas comunidades eclesiásticas brasileiras, quase não se vê a influência desses

movimentos, a não ser um ou outro incidente recente de pastores que abraçaram a

teologia relacional ou social, apresentada anteriormente. Porém, à partir desse capítulo,

abordaremos três correntes teológicas cuja presença é marcante no Brasil, e em alguns

países Africanos, cujos pressupostos tem de alguma maneira modelado a forma de fazer

teologia. A primeira dessas três escolas, de origem Latina, é a Teologia da Libertação.

5.1. Contextualizando a teologia da libertação na América

Latina.

Nas décadas de 60 e 70, o ambiente teológico da América Latina passou por sérias

transformações. O ambiente no Brasil e na Argentina era de ditadura. Os teólogos que

viveram esse período foram levados a formular uma teologia que fosse menos

académica e teórica, e mais laica e prática, que pudesse sanar os problemas sociais e

económicos de então. Em meio a uma estrutura social em que um homem velho morre

aos vinte e oito anos, onde quinhentos em cada mil crianças morrem antes de completar

um ano de idade, onde os estudantes que protestam são torturados, e oitenta por cento

da população vive com uma renda de oitenta dólares por ano, a voz revolucionária

começou a clamar em favor das massas.

41

Católicos romanos como Juan Luís Segundo, Hugo Assman e Gustavo Gutiérrez

Merino, animados pela política mais aberta do Vaticano II; protestantes como Rubem

Alves, Emílio Castro, José Míguez Bonino e o então missionário no Brasil, Richard

Shaull, se empenharam em buscar uma teologia que pudesse resolver os conflitos

sociais da América Ibero Hispana.

As palavras-chaves para entender essa teologia social são “revolução”,

“libertação”, “exploração”, “dominação estrangeira”, “capitalismo” e “proletariado”.

Qualquer semelhança com os conhecidos jargões do comunismo não é mera

coincidência. Ele foi a maior fonte de inspiração e o impulso motor dessa nova

tendência teológica.

Sob a palavra “libertação”, não está subentendida a obra de Cristo por nós, e sim

os ideais do marxismo. A palavra, dentro desse movimento teológico significa:

a) Libertação política, das pessoas e sectores socialmente oprimidas.

b) Libertação social, para melhores condições de vida, uma mudança radical nas

estruturas, resultante da criação contínua de uma nova maneira de ser e de uma

revolução permanente.

c) Libertação pedagógica, para uma consciência crítica através do que o pedagogo

brasileiro Paulo Freire chamou de “conscientização”, sendo o cerne dessa

conscientização o despertar da consciência das massas miseráveis que vivem a

cultura do silêncio, para se inteirarem da dominação social, política e económica

que lhes é imposta.

5.1.1. A teologia da libertação e a revolução social.

Os teólogos da libertação se declararam várias vezes favoráveis a luta armada, ao

ponto de alguns considerarem Camilo Torres, sacerdote colombiano que morreu em um

tiroteio como membro da guerrilha de Che Guevara, como o santo patrono da causa. O

padre Camilo costumava dizer que “cada católico que não é revolucionário e não está do

lado da revolução comete pecado mortal”.

Na questão da violência, como se pode deduzir dessas linhas, os teólogos da

libertação são bem pragmáticos. Para eles, o problema da violência e da não-violência é

42

um problema ilusório. Apenas existe a questão do uso justificado ou injustificado da

força, e se o fim é nobre, os meios se fazem necessário. Essa atitude violenta foi de fato

uma proposta aberta aos religiosos para que tomem lugar nas barricadas e lutem em prol

do desenvolvimento social e económico da América Latina. No Brasil, Dom Hélder

Câmara, então arcebispo do Recife, promove uma revolução pacífica, por não se

contentar com as reformas triviais.

5.2. Leonardo Boff e a sua Teologia de Libertação, a principal

voz do movimento no Brasil.

Embora Hugo Assman e Dom Hélder Câmara sejam dos nomes que representam o

pensamento da teologia da libertação no Brasil, actualmente é o Dr. Leonardo Boff que

está no centro do debate sobre a teologia da libertação. Como membro do conselho

editorial da Editora Vozes entre 1970 e 1985, Boff participou da coordenação e

publicação da colecção “Teologia da Libertação”. Em 1984, em razão de suas teses

ligadas à teologia da libertação, apresentadas no livro “Igreja: Carisma e Poder”, foi

submetido a um processo no Vaticano. Em 1985, foi interrogado pelo cardeal Joseph

Ratzinger (o actual papa Bento XVI), então prefeito da Congregação da Doutrina e da

Fé, órgão herdeiro da Inquisição, e condenado a um ano de “silêncio obsequioso”,

sendo também deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo

religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986,

podendo retomar algumas de suas actividades.

Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades

de Roma, “apostatou” de sua condição de padre e da própria Igreja Católica para se unir

com uma mulher. “Mudou de trincheira para continuar a mesma luta”: continua como

teólogo da libertação, escritor, professor e conferencista nos mais diferentes auditórios

do Brasil e do exterior, assessor de movimentos sociais de cunho popular libertador,

como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e as Comunidades Eclesiais de

Base (CEB’s), entre outros.

Curiosamente a cúpula da CNBB parece continuar com boas relações com Boff,

apesar de sua “apostasia” e de seu marxismo. Os três passos básicos da teologia da

libertação de Leonardo Boff:

43

Ver: Aqui observamos os problemas sociais existentes e nos tornamos

conscientes de sua existência.

Pensar: Neste passo, teorizamos teologicamente as questões sociais que

serão abordadas pela Igreja na sociedade.

Agir: este é o passo da práxis, da acção, onde os fiéis são convocados para

promover mudanças e transformações nas estruturas sociais.

5.2.1. Os pressupostos da Teologia da Libertação e as

objecções à doutrina.

O ponto de partida para a elaboração da teologia da libertação, segundo o peruano

Gutiérrez, “é o esforço do ser humano para ser parte do processo através do qual o

mundo será transformado”, o que faz da teologia da libertação mais um movimento

político que um movimento exactamente teológico.

Tal ponto de partida deve ser contextual, com raízes na dimensão humana e

política, e a teologia deve ser elaborada à partir de elucubrações sociopolíticas. Como

movimento político, ela tem sido um brado a favor da dignidade humana, de uma

sociedade mais justa e fraterna. Porém, o que eles admitem na teoria, foi negado por

eles mesmos muitas vezes na prática.

A salvação, dentro da cosmovisão libertária, se resume em “um processo que

abarca o homem e a história”, e o evangelho, em nossa época, deve ter uma transcrição

e aplicação política. O encontro com Deus é descrito como “o compromisso com o

processo histórico da humanidade”. Essa concepção de salvação talvez corresponda à

ideia judaica de messianismo na época de Cristo, mas pouco tem a ver com o conceito

tal como utilizado por Jesus e por Paulo. A responsabilidade social é um dever do

cristão, mas a salvação não se restringe a essa responsabilidade: salvação significa

perdão e cancelamento dos pecados cometidos contra Deus (Hebreus 9.28, 1João 3.5).

Nesse processo de teologia libertária, a missão da igreja acaba por confundir-se com

confrontamento político e adesão e exposição de ideias sociais, mas a missão do cristão,

segundo a Bíblia, é proclamar que o filho de Deus ressuscitou e tem poder de perdoar

pecados.

44

É preciso ressaltar que as afirmações de violência não são de nenhum modo

característica de todos os teólogos da libertação. Toda rotulação é pobre, e nesse

sentido, há de se admitir a classificação do movimento da teologia da libertação como

um movimento violento é falha. Ainda assim, não podemos deixar de aludir que, ainda

que não totalmente, a teologia da libertação é fortemente um movimento violento.

Como disse, Rubem Alves, também teólogo libertário, “a violência se converte na força

que move a história no caminho para conduzir à sociedade perfeita”. Em outras

palavras, é justo empregar a violência contra a violência, pois neste caso, os fins

justificam os meios. Ele também afirma que o “amor para os oprimidos significa cólera

contra os opressores”. Como é difícil associar todo esse discurso com as palavras de

Jesus no Sermão da Montanha!

Como o evangelicalismo deve responder a essa “revolução teológica”? É óbvio

que o cristão não deve viver alienado de qualquer ideia política ou deva se conformar a

uma mentalidade status quo. O problema é que, conforme temos exposto em tese, a

tendência da teologia cristã é polarizar: Ou a experiência, ou a razão; ou a história, ou a

fé; e no caso da Teologia da Libertação, ou o marxismo, ou não somos cristãos. Não é

preciso polarizar para ter responsabilidade social, nem é preciso forçar a exegese ou

fazer exegese para defender pressupostos sociais.

Devido à repressão ao movimento, hoje não há muitos grupos ou indivíduos que

mantém a Teologia da Libertação. Actualmente o movimento se reduz a algumas

“comunidades de base”, que tentam colocar em prática as ideias sociais da mesma, mas

a influência nas faculdades ainda é grande.

A teologia da libertação está fundamentada em uma postura na qual a presente

práxis histórica se transforma em norma canónica para descobrir a vontade de Deus. Ao

reflectir algo parecido com a ética situacional, a teologia da libertação não pode escapar

das mesmas acusações levantadas contra ela: moralidade relativista e pragmática. Ela

foge totalmente a ortodoxia reformada, e não há nenhuma possibilidade de um crente

evangélico sustentá-la sem cair em contradição, isso porque a “Sola Scriptura” não

admite nenhum “somado a”, ou “junto com”.

Nascimento da TDL no Brasil A Teologia da Libertação nasceu da influência de

três frentes de pensamento:

45

O Evangelho Social das Igrejas norte-americanas, trazido ao Brasil pelo

missionário e teólogo presbiteriano Richard Shaull;

A Teologia da Esperança, do teólogo reformado Jürgen Moltmann;

A teologia política que tinha como seus grandes expoentes o teólogo

católico Johann Baptist Metz, na Europa, e o teólogo baptista Harvey Cox,

nos EUA.

Eventos que precederam o nascimento da TDL no Brasil Há uma série de eventos

que precederam o nascimento da Teologia da Libertação:

1952: O missionário presbiteriano Richard Shaull chega ao Brasil

trazendo o Evangelho Social e cria uma estreita relação com os pastores

presbiterianos Rubem Alves e Jaime Wright;

1964: O teólogo reformado Jürgen Moltmann publica sua obra Teologia

da Esperança;

1965: O teólogo batista Harvey Cox publica A Cidade Secular;

1967: O teólogo católico Johann Baptist Metz pronuncia a conferência

5.2.2. Obras sobre a Teologia de Libertação no Mundo

O marco do nascimento da Teologia da Libertação no Brasil, está na publicação

de uma obra de Rubem Alves, criticando a teologia metafísica de uma forma geral e

propondo o nascimento de novas comunidades de cristãos animados por uma visão e

por uma paixão pela libertação humana e cuja linguagem teológica se tornava histórica.

A primeira participação católica no lançamento da Teologia da Libertação foi a

publicação da Teologia da Revolução, em 1970, pelo teólogo belga radicado no Brasil

José Comblin.

Em 1971, Gustavo Gutiérrez publicou Teologia da Libertação. Somente em 1972,

Leonardo Boff surge no cenário teológico com a publicação de Jesus Cristo Libertador.

Como Rubem Alves estava asilado nos EUA neste período, Boff passou a ser o mais

conhecido representante desta corrente teológica que vivia no Brasil, devido à protecção

recebida pela ordem dos franciscanos, à qual ele pertencia.

46

5.3. Teologia de Libertação no contexto Africano

A Teologia Africana se enquadra num paradigma pluralista, onde caracterizamos

a Teologia de Libertação como uma das mais destacadas. O número de livros e artigos

sobre a teologia africana chegou a tais proporções que não mais se pode dizer com confiança

que se conheçam todos os seus aspectos ou desenvolvimentos. Mesmo assim, esperamos, com o

presente mostrar que a teologia africana tem um paradigma específico, o qual não é nem aquele

da teologia ocidental nem o de outras teologias da libertação.

Em primeiro lugar temos de realçar algo sobre a relação entre a teologia Africana e outras

teologias da libertação. Depois mostrarmos concretamente a espécie de paradigma que a

Teologia Africana de facto tem. Por fim, essa intuição será exemplificada por meio de algumas

reflexões sobre a cristologia africana.

5.3.1. Teologia Africana e Teologia da Libertação3

Tòmou-se comum, hoje em dia, falar sobre teologias da libertação no plural. As

diversas teologias da libertação incluirão a teologia sul-americana da libertação, a

teologia negra norte-americana, a teologia sul-africana, a teologia feminista e a teologia

africana (possivelmente ainda outras, como a teologia rastafariana das Antilhas, teologia

índia norte-americana, teologia minjung, teologia waterbuffalo, etc.).

A teologia da libertação sul-americana caracteriza-se por sua forte ênfase nos

pobres e nas precárias condições económicas do povo. A teologia negra se caracteriza

pela predominância da questão racial e da desigualdade social, ao passo que a teologia

feminista se preocupa primariamente com o sexismo e a desigualdade entre homens e

mulheres.

Será que a teologia africana pertence a esse grupo? Não automaticamente. Pode-se

falar da libertação do imperialismo cultural ocidental. Entretanto, vários teólogos

africanos alegam que a teologia africana abrange um campo muito mais amplo. O

fundamento da teologia africana não é uma crítica negativa da cultura e filosofia

ocidentais, mas uma avaliação positiva de sua própria cultura e filosofia africanas. Isto

levou à crítica da teologia negra por parte de John S. Mbiti. Segundo ele, “a teologia

negra é demasiadamente negativa, limitada em seu foco e carente de fundamento

bíblico adequado”

3 Thor H. Hovland, O Novo Paradigma da Teologia Africana, s/l., s/d., p.213.

47

5.3.2. Características da Teologia de Libertação em América

Latina e em Africa

O quadro de degradação apresentado na América Latina é o fundamento gerador

do conceito de libertação. A libertação, então, é toda "acção que visa criar espaço para a

liberdade." (BOFF, 1980, p. 87).

Ser livre, neste sentido, é não estar sob o jugo da lei alheia; é poder construir-se

autonomamente. O processo histórico da América Latina foi e é dominado por diversas

leis e conceitos teológicos estranhas a ela. A América do Norte, em especial os EUA, e

os países europeus, sempre impuseram aos latino-americanos seus valores, suas

políticas e sua cultura, etc.

Neste sentido, a libertação no seio da América Latina, é a luta pela liberdade da

cultura, dos valores, da economia, da política latino-americana, como dos Africanos,

frente às diversas opressões advindas de um modelo imperialista que rege a práxis do

hemisfério norte em suas relações com o hemisfério sul, especialmente como o povo

latino-americano. Devido à pobreza e à nefasta degradação do povo latino-americano, a

libertação deve ser entendida como superação de um processo de exclusão; já que esta é

a consequência directa da relação norte-sul, onde milhões de homens e mulheres

empobrecem e se deterioram porque ficam à margem (excluídos) do processo

económico e político norteado pelo capitalismo imposto pelos EUA e Europa.

Compete à teologia da libertação a tarefa de discursar sobre Deus a partir da

óptica de um processo excludente e a partir da realidade concreta dos excluídos. O

teólogo da libertação, portanto, deve ter este duplo olhar: olhar para Deus e olhar para o

excluído. Olhar para Deus é a fonte de toda libertação possível e o olhar para o excluído

identifica onde há necessidade de libertação.

A teologia da libertação deve começar por se debruçar sobre as condições reais

em Após a leitura sócio-analítica, o teólogo da libertação deve-se deparar com a Bíblia

Sagrada.

A Bíblia deve fornecer subsídios para que se possa identificar a face de Deus e

sua acção libertadora, nos diversos momentos históricos, sob as quais vive o teólogo e

seu povo.

Há, então, no processo de elaboração da teologia da libertação, um factor

necessário na análise na reflexão do caso sócio-analítico da realidade e a Bíblia Sagrada.

Esta última fornece o sentido teológico da práxis libertadora proposta pela teologia da

48

libertação. A teologia da libertação pretende mostrar que Deus não está em uma esfera

trans-histórica; mas, ela quer mostrar que Deus encarna-se na história, gera libertação de

um povo humilhado, gera vida e esperança a um povo crucificado e sem sonhos.

5.3.3. Objectivos, Revelação e a causa última da Teologia

de Libertação

Especificamente, a Teologia de Libertação tem como a causa última e

objectivos, agir como agente dignificador dos humilhados da terra, conceituar que Deus

não é mais um conjunto de doutrinas e especulações, mas é a fonte de toda a luta pela

justiça e igualdade. Por isso, Deus se manifesta nas lutas históricas pela justiça, pela

inclusão e pela superação de toda opressão Eis a face de Deus anunciada pela teologia

da libertação: Deus que tira o povo da opressão, da servidão. A teologia da libertação

surge para homens e mulheres que devem se relacionar como irmãos e irmãs, sem haver

exclusão, sem haver opressão ou sem qualquer tipo de violação da dignidade humana.

Lutar pela libertação é valorizar a paternidade universal de Deus, que se manifesta nas

relações justas e fraternas entre todos os seres humanos.

Porque a teologia da libertação não produziu resultados tão positivos na

américa latina? A grande discussão com os teólogos sociais gira em torno do que o

homem mais precisa: Alimento para o corpo ou para a alma? Eles acham há uma falta

mais da alimentação do corpo do que da alma, ou acha que as pessoas só estão sendo

alimentadas bem espiritualmente.

Os teólogos sociais ensinaram que não adianta a Igreja alimentar espiritualmente

sem dar o pão. O problema é que muitos preocuparam-se mais com o pão. As teologias

sociais deram muita ênfase aos aspectos materialistas da existência humana. Sabemos

que o materialismo sempre teve a tendência de favorecer as bases do ateísmo filosófico,

e por isso foi rejeitado por muitas pessoas.

No entanto, sugere-se uma leitura crítica do contexto da teologia de libertação,

detectando quais são as compatibilidades e incompatibilidades entre as ideias expostas

pelo autor e a nossa visão evangélica.

O encontro do homem com Deus chamado pela teologia da GRAÇA passou a ser

pensado como realidade histórica: Deus se manifesta ao homem situando-se histórica e

culturalmente, ou seja, o encontro de Deus com o homem difere-se na história em suas

diversas épocas, e difere-se na pluralidade cultural que se dá no seio da humanidade.

49

Obviamente, isto gerou uma certa relativização no discurso sobre Deus; porém,

valorizou a historicidade como característica essencial do ser humano, além de valorizar

a multiplicidade de formas de Deus se apresentar ao homem, superando, assim, o

anacronismo clássico metafísico que norteava o pensamento teológico no entendimento

da relação homem DEUS.

O nascimento da teologia da libertação e seu contexto histórico.

A chamada Teologia da Libertação está inserida nesta última fase do pensamento

ocidental que destacamos acima: a fase da valorização da história, da cultura e da

diversidade de formas de manifestação do encontro do homem com Deus. Ela é uma

teologia propriamente cristã; por isso, utiliza a Bíblia como pressuposto necessário de

seus discursos.

A expressão "teologia da libertação", já mostra o sentido norteador deste

discurso teológico. O genitivo que aparece na expressão citada DA LIBERTAÇÃO -,

mostra-nos que a libertação é o horizonte regulador do discurso acerca de Deus, e, ao

mesmo tempo, mostra-nos que o Deus do discurso é fonte de libertação. Esta se

manifesta concretamente nos diversos momentos do processo histórico de um povo.

Consequentemente, a teologia da libertação torna-se força geradora de acções que

viabilizam uma práxis libertadora, segundo as necessidades advindas das diversas

circunstâncias sob as quais um povo está submetido.

A teologia da libertação é um movimento teológico que quer mostrar aos cristãos

que a fé deve ser vivida numa práxis libertadora e que ela pode contribuir para tornar

esta prá sentido, o cristão é impelido a viver a práxis libertadora nas diversas épocas da

história.

O termo libertação foi cunhado a partir da realidade cultural, social, económica e

política sob a qual se encontrava a América Latina, a partir das décadas de 60/70 do

último século. Os teólogos deste período, católicos e protestantes, assumiram a

libertação como paradigma de todo fazer teológico.

Vejamos o quadro social da América Latina no período originário da teologia da

libertação:

O ambiente politico é geralmente caracterizado pela presença de governos que

administram o poder arbitrariamente em vantagem dos ricos e dos poderosos, fazendo

amplo uso da força e da violência. (...)

50

O ambiente económico e social está marcado pela miséria e pela marginalização

da maior parte da população.

Os recursos económicos são controlados por um pequeno grupo de privilegiados.

(...) No ambiente cultural se verifica ainda uma notável dependência da Europa e dos

Estados Unidos.

Na ciência como na filosofia, na arte como na literatura, quase nada é concedido à

originalidade das populações latinas.

O quadro de degradação apresentado na América Latina é o fundamento gerador

do Ser livre, neste sentido, é não estar sob o jugo da lei alheia; é poder construir-se

autonomamente.

América Latina sempre foi influenciada por ideologias externas. O processo

histórico da América Latina foi e é dominado por diversas leis estranhas a ela. A

América do Norte, em especial os EUA, e os países europeus, sempre impuseram aos

latino-americanos seus valores, suas políticas, sua cultura, etc.

Neste sentido, a libertação no seio da América Latina, é a luta pela liberdade da

cultura, dos valores, da economia, da política latino-americanos, frente às diversas

opressões advindas de um modelo imperialista que rege a práxis do hemisfério norte em

suas relações com o hemisfério sul, especialmente como o povo latino americano. Tal

relação impõe ao hemisfério sul a cultura do hemisfério norte.

Devido à pobreza e à nefasta degradação do povo latino-americano, a libertação

deve ser entendida como superação de um processo de exclusão; já que esta é a

consequência directa da relação norte-sul, onde milhões de homens e mulheres

empobrecem e se deterioram porque ficam à margem (excluídos) do processo

económico e político norteado pelo capitalismo imposto pelos EUA e Europa.

A teologia da libertação discursa sobre Deus a partir da ótica da realidade dos

excluídos.

Desta forma compete à teologia da libertação a tarefa de discursar sobre Deus a

partir da ótica de um processo excludente e a partir da realidade concreta dos excluídos.

O teólogo da libertação, portanto, deve ter este duplo olhar: olhar para Deus e

olhar para o excluído.

Olhar para Deus é a fonte de toda libertação possível e o olhar para o excluído

identifica onde há necessidade de libertação.

51

Olhando para Deus ou Cristo, a teologia da libertação diferencia-se de todo

movimento libertador laico, já que a libertação apresentada pela teologia enxerga nos

processos históricos a possibilidade de presentificação da nova ordem escatológica

anunciada por Cristo, ou seja, o Reino de Deus ordem de justiça e da superação de toda

opressão possível, na sociedade e no cosmos.

Ao pretender olhar para o excluído e para o sistema gerador de opressão, como

pressuposto de todo fazer teológico, a teologia da libertação difere-se radicalmente das

teologias clássicas, pois supera o anacronismo destas, circunscrevendo a experiência de

Deus no âmbito do engajamento do fiel na luta contra todo o sofrimento humano

historicamente situado.

Necessário é compreender o fenómeno da opressão e da exclusão social e para que

haja elaboração da teologia da libertação é mister que se compreenda os fenómenos da

opressão e da exclusão. Estes devem ser compreendidos através de uma mediação sócio

Por isso, a teologia da libertação deve começar por se debruçar sobre as condições

(1996, p. 40).

O método utilizado para elucidar sócio analiticamente o fenómeno da opressão e

da exclusão pela teologia da libertação, é o método histórico- dialéctico.

A teologia da libertação pretende mostrar que Deus não está em uma esfera trans-

histórica; mas, ela quer mostrar que Deus encarna-se na história, gera libertação de um

povo humilhado, gera vida e esperança a um povo crucificado e sem sonhos. -o como

agente dignificador dos humilhados da terra.

Deus não é mais um conjunto de doutrinas e especulações, mas é a fonte de toda a

luta pela justiça e igualdade. Por isso, Deus se manifesta nas lutas históricas pela justiça,

pela inclusão e pela superação de toda opressão vigente na humanidade. "Eu sou o

Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egipto, da casa da servidão." (Ex. 20.2) Eis a

face de Deus anunciada pela teologia da libertação: Deus que tira o povo da opressão,

da servidão.

O céu almejado pela humanidade, não é pensado como realidade post mortem.

Este céu que fora pensado pela teologia clássica como realidade distante que se

manifestaria no porvir, encarna-dignidade humana: cada conquista popular, no que

tange a uma relação mais justa entre os homens, presentifica o céu no seio da

humanidade.

52

A teologia da libertação surge para mostrar que Deus é "Pai-Nosso", portanto

os homens e as mulheres devem se relacionar como irmãos e irmãs, sem haver exclusão,

sem haver opressão ou sem qualquer tipo de violação da dignidade humana. Lutar pela

libertação é valorizar a paternidade universal de Deus, que se manifesta nas relações

justas e fraternas entre todos os seres humanos.

VI- CAPITULO: A TEOLOGIA EVOLUCIONISTA E RELACIONAL

Considerada por seus fundadores e críticos como uma nova interpretação do

Génesis, a teologia evolucionista aceita o darwinismo como verdadeira ciência. Quanto

à nossa origem, acreditam os teólogos evolucionistas que Deus realmente nos criou, não

da maneira narrada pelo Gênesis, mas na forma primitiva de uma simples célula viva, e

isso há algumas centenas de bilhões de anos.

Argumentam que dessa primitiva e única célula originou-se todo o reino vegetal e

animal. Daí para cá aceitam integralmente o evolucionismo.

6.1. A Igreja Católica Romana e a Teologia Evolucionista

Essa corrente teológica prosperou muito mais no seio do catolicismo romano do

que no protestantismo. Até o papa, no caso Paulo VI, em declaração através do

L'Observatore, afirmou que os teólogos dentro da Igreja Católica Romana deveriam ter

a permissão de admitir que o homem evoluiu gradualmente de algum organismo

primitivo. Sugere o órgão do Vaticano que os primeiros capítulos da Bíblia não devem

ser interpretados do ponto de vista histórico e natural. Não é difícil descobrir as bases da

teologia evolucionista.

A Bíblia ensina que duas coisas, entre outras, deveriam acontecer em nossa época:

progresso da ciência e diminuição da fé: "Tu, porém, Daniel, encerra as palavras e sela

o livro, até ao tempo do fim; muitos o esquadrinharão, e o saber se multiplicará" (Dan.

12.4). "Digo-vos que depressa lhes fará justiça. Contudo, quando vier o Filho do

homem, achará porventura fé na terra?" (Lc 18.8)

"E, por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos" (Mt 24.12).

A cada novo sucesso, a ciência, se propõe a ir um pouco mais além, e realmente tem

ido. A ciência moderna planeja criar vida em laboratório, realizar clonagens humanas e

53

seleccionar e congelar genes humanos para futuras procriações em condições

artificialmente preparadas. Qual o papel da fé num contexto como este?

O que foi publicado na revista isto é no dia 27 de Dezembro de 1999, a revista

Época publicou um artigo intitulado “Rastros de Deus”. Nesse artigo, Martha San Juan

França teve o objectivo de demonstrar que há lugar para a fé na ciência moderna.

Em todo o artigo seu maior objectivo foi mostrar as duvidosas possibilidades de

se crer somente na Teoria Evolucionista de Darwin, ou, no relato bíblico de Gênesis a

respeito das origens (sobretudo, do homem). Sendo assim, Martha tentou evidenciar a

coerência e possibilidade de se crer numa teologia evolucionista. Segunda Martha, na

era da interdisciplinaridade, teólogos que abraçaram a ciência e cientistas que buscam

algo mais do que os cálculos matemáticos, discutem também a integração entre os dois

campos.

6.2. Teologia Relacional

Esta teologia parece ser um novo deus no mercado da fé. As ondas gigantes que

provocaram a tremenda catástrofe na Ásia no final de Dezembro de 2004 afectaram

também os arraiais evangélicos, levantando perguntas acerca de Deus, seu carácter, seu

poder, seu conhecimento, seus sentimentos e seu relacionamento com o mundo e as

pessoas diante de tragédias como aquela.

Dentre as diferentes respostas a essas perguntas, uma chama de atenção pela

ousadia de suas afirmações: Deus sofreu muito com a tragédia e certamente não a havia

determinado ou previsto; ele simplesmente não pôde evitá-la, pois Deus não conhece o

futuro, não controla ou guia a História, e não tem poder para fazer aquilo que gostaria.

Esta é a concepção de Deus defendida por um movimento teológico conhecido como

teologia relacional, ou ainda, teísmo aberto ou teologia da abertura de Deus.

A teologia relacional, como movimento, teve início em décadas recentes,

embora seus conceitos sejam bem antigos. Ela ganhou popularidade por meio de

escritores norte-americanos como Greg Boyd, John Sanders e Clark Pinnock. No Brasil,

estas ideias têm sido assimiladas e difundidas por alguns líderes evangélicos, às vezes

de forma aberta e explícita.

54

6.2.1. O que que essa Teologia considera e quais são os seus

pontos principais?

A teologia relacional considera a concepção tradicional de Deus como

inadequada, ultrapassada e insuficiente para explicar a realidade, especialmente

catástrofes como o tsunami de Dezembro de 2004, e se apresenta como uma nova visão

sobre Deus e sua maneira de se relacionar com a criação. Seus pontos principais podem

ser resumidos desta forma:

1. O atributo mais importante de Deus é o amor. Todos os demais estão

subordinados a este. Isto significa que Deus é sensível e se comove com os dramas de

suas criaturas.

2. Deus não é soberano. Só pode haver real relacionamento entre Deus e suas

criaturas se estas tiverem, de fato, capacidade e liberdade para cooperarem ou

contrariarem os desígnios últimos de Deus. Deus abriu mão de sua soberania para que

isto ocorresse. Portanto, ele é incapaz de realizar tudo o que deseja, como impedir

tragédias e erradicar o mal. Contudo, ele acaba se adequando às decisões humanas e, ao

final, vai obter seus objectivos eternos, pois redesenha a história de acordo com estas

decisões.

3. Deus ignora o futuro, pois ele vive no tempo, e não fora dele. Ele aprende com

o passar do tempo. O futuro é determinado pela combinação do que Deus e suas

criaturas decidem fazer. Neste sentido, o futuro inexiste, pois os seres humanos são

absolutamente livres para decidir o que quiserem e Deus não sabe antecipadamente que

decisão uma determinada pessoa haverá de tomar num determinado momento.

4. Deus se arrisca. Ao criar seres racionais livres, Deus estava se arriscando, pois

não sabia qual seria a decisão dos anjos e de Adão e Eva. E continua a se arriscar

diariamente. Deus corre riscos porque ama suas criaturas, respeita a liberdade delas e

deseja relacionar-se com elas de forma significativa.

5. Deus é vulnerável. Ele é passível de sofrimento e de erros em seus conselhos e

orientações. Em seu relacionamento com o homem, seus planos podem ser frustrados.

55

Ele se frustra e expressa esta frustração quando os seres humanos não fazem o que

ele gostaria.

6. Deus muda. Ele é imutável apenas em sua essência, mas muda de planos e até

mesmo se arrepende de decisões tomadas. Ele muda de acordo com as decisões de suas

criaturas, ao reagir a suas próprias decisões. Os textos bíblicos que falam do

arrependimento de Deus não devem ser interpretados de forma figurada. Eles expressam

o que realmente acontece com Deus.

Estes conceitos sobre Deus decorrem da lógica adoptada pela teologia relacional

quanto ao conceito da liberdade plena do homem, que é o ponto doutrinário central da

sua estrutura, a sua "menina dos olhos".

De acordo com a teologia relacional, para que o homem tenha realmente pleno

livre arbítrio, suas decisões não podem sofrer qualquer tipo de influência externa ou

interna. Portanto, Deus não pode ter decretado estas decisões e nem mesmo tê-las

conhecido antecipadamente. Desta forma, a teologia relacional rejeita não somente o

conceito de que Deus preordenou todas as coisas (calvinismo) como também o conceito

de que Deus sabe todas as coisas antecipadamente (arminianismo tradicional).

Neste sentido, o assunto deve ser entendido, não como uma discussão entre

calvinistas e arminianos, mas destes dois contra a teologia relacional. Vários líderes

calvinistas e arminianos no âmbito mundial têm considerado esta visão da teologia

relacional como alheia ao Cristianismo.

A teologia relacional traz um forte apelo a alguns evangélicos, pois diz que Deus

está mais próximo de nós e se relaciona mais significativamente connosco do que tem

sido apresentado pela teologia tradicional.

Segundo os teólogos relacionais, o Cristianismo histórico tem apresentado um

Deus impassível, que não se sensibiliza com os dramas de suas criaturas. A teologia

relacional, por sua vez, pretende apresentar um Deus mais humano, que constrói o

futuro mediante o relacionamento com suas criaturas. Os seres humanos são, dessa

forma, co-participantes com Deus na construção do futuro, podendo, na verdade,

determiná-lo por suas atitudes.

Contudo, a teologia relacional não é novidade. Ela tem raízes em conceitos

antigos de filósofos gregos, no socinianismo (que negava exactamente que Deus

conhecia o futuro, pois actos livres não podem ser preditos) e especialmente em

56

ideologias modernas, como a teologia do processo. O que ela tem de novo é que virou

um movimento teológico composto de escritores e teólogos que se uniram em torno dos

pontos comuns e estão dispostos a persuadir a igreja cristã a abandonar seu conceito

tradicional de Deus e a convencê-la que esta "nova" visão de Deus é evangélica e

bíblica.

Mesmo tendo surgido como uma reacção a uma possível ênfase exagerada na

impassividade e transcendência de Deus, a teologia relacional acaba sendo um problema

para a Igreja Evangélica, especialmente em seu conceito sobre Deus.

Embora os evangélicos tenham divergências profundas em algumas questões,

reformados, arminianos, wesleyanos, pentecostais, tradicionais, neopentecostais e

outros, todos concordam, no mínimo, que Deus conhece todas as coisas, que é

omnipotente e soberano. Entretanto, o Deus da teologia relacional é totalmente diferente

daquele da teologia cristã. Não se pode afirmar que os adeptos da teologia relacional

não são cristãos, mas que o conceito que eles têm de Deus é, no mínimo, estranho ao

Cristianismo histórico.

Ao declarar que o atributo mais importante de Deus é o amor, a teologia relacional

perde o equilíbrio entre as qualidades de Deus apresentadas na Bíblia, dentre as quais o

amor é apenas uma delas. Ao dizer que Deus ignora o futuro, é vulnerável e mutável,

deixa sem explicação adequada dezenas de passagens bíblicas que falam da soberania,

do senhorio, da omnipotência e da omnisciência de Deus (Isaías 46.10a; Jó 28; Jó 42.2;

Salmo 90; Salmo 139; Romanos 8.29; Efésios 1; Tiago 1.17; Malaquias 3.6; Gn 17.1

etc.). Ao dizer que Deus não sabia qual a decisão de Adão e Eva no Éden, e que mesmo

assim arriscou-se em criá-los com livre arbítrio, a teologia relacional o transforma num

ser irresponsável. Ao falar do homem como co-construtor de Deus de um futuro que

inexiste, a teologia relacional esquece tudo o que a Bíblia ensina sobre a queda e a

corrupção do homem. Ao fim, parece-nos que na tentativa extrema de resguardar a

plena liberdade do arbítrio humano, a teologia relacional está disposta a sacrificar a

divindade de Deus. Ao limitar sua soberania e seu pleno conhecimento, entroniza o

homem livre, todo-poderoso, no trono do universo, e desta forma, deixa-nos o desespero

como única alternativa diante das tragédias e catástrofes deste mundo e o cepticismo

como única atitude diante da realidade do mal no universo, roubando-nos o final feliz

prometido na Bíblia. Pois, afinal, poderá este Deus ignorante, fraco, mutável, vulnerável

e limitado cumprir tudo o que prometeu?

57

Com certeza a visão tradicional de Deus adoptada pelo cristianismo histórico por

séculos não é capaz de responder exaustivamente a todos os questionamentos sobre o

ser e os planos de Deus. Ela própria é a primeira a admitir este ponto. Contudo, é

preferível permanecer com perguntas não respondidas a aceitar respostas que contrariem

conceitos claros das Escrituras. Como já havia declarado Jó há milénios (42.2,3): "Bem

sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado.

Quem é aquele, como disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na

verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu

não conhecia."

VII - CAPITULO: A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

A teologia da prosperidade busca a interpretação de uma série de textos bíblicos

para fazer com que os fiéis entendam que Deus tem saúde e bênçãos materiais para

entregar ao seu povo.

Esta teologia é também conhecida de “Evangelho da prosperidade”4, uma doutrina

religiosa cristã que defende que a bênção financeira é o desejo de Deus para os cristãos

e que a fé, o discurso positivo e as doações para os ministérios cristãos irão sempre

aumentar a riqueza material do fiel.

Um dos pioneiros desse movimento foi o pastor Essek William Kenyon5 (nascido em

24 de Abril de 1867, falecido em 19 de Março de 1948) foi um pastor norte Americano da Igreja

Batista Nova Aliança.

7.1. Os Fundamentos Da Teologia Da Prosperidade

O Evangelho da Prosperidade baseada se em interpretações não-tradicionais da

Bíblia, geralmente com ênfase no Livro de Malaquias, a doutrina interpreta a Bíblia

como um contrato entre Deus e os humanos; se os humanos tiverem fé em Deus, Ele irá

cumprir suas promessas de segurança e prosperidade. Reconhecer tais promessas como

verdadeiras é percebido como um acto de fé, o que Deus irá honrar.

4 Prosperity Gospel Is Hindering Church Revival The Christian Post. Visitado em 21 de Novembro de

2011. 5 COLEMAN, Simon. The Globalisation of Charismatic Christianity: Spreading the Gospel of Prosperity.

[S.l.]: Cambridge University Press, 2000

58

O movimento tem ganhado muitos adeptos nas últimas décadas e atrai multidões.

Na década de 80, o movimento atraiu e ainda atrai milhares de pessoas para as Igrejas

evangélicas (especialmente na Universal e Pentecostal)6. Mas, pouca gente conhece a

fundo a história da teologia da prosperidade.

Essa é uma das doutrinas principais pregada por todos esses movimentos. Trata-se

de uma substituição do Evangelho da Graça, Oral Roberts, um dos principais

pregadores dessa heresia, chegou a escrever um livro que é comum em relação os

conceitos desta teologia. Um dos pregadores da prosperidade dizia coisas do tipo:

Uma frase dessas pode até pode parecer ortodoxa. Mas, o que muitos talvez, ser

pobre, ter dificuldades financeiras, ficar doente etc. não é coisa de Deus. O T.L Osborn,

ensina em seu livro Curai Enfermos e Expulsai Demónios, que Paulo jamais esteve

doente contradizendo o seguinte texto: enfermidade física. E, posto que a minha

enfermidade na carne vos foi uma tentação, contudo, não me revelastes desprezo nem

desgosto; antes, me É interessante saber que Osborn no começo de seu ministério se

apoiou em líderes heréticos como William Marrion Branham.

T. L. Osborn, no folheto intitulado Um Homem Chamado William Branham,

escreveu o seguinte: "Esta geração está incumbida: uma geração na qual Deus tem

caminhado em carne humana na forma de um Profeta. Deus tem visitado seu povo.

Porque Um grande Profeta Tem-se Levantado entre Nós" Osborn trata a pessoa de

Branham como se fosse o próprio Deus. Em outro lugar no mesmo folheto, diz: "Deus

tem enviado o irmão Branham no século 20 e tem feito a mesma coisa. Deus em carne,

novamente passando por nossos caminhos, e muitos não o conheceram. Eles tampouco

o teriam conhecido se tivessem vivido no tempo em que Deus cruzou seus caminhos no

corpo chamado Jesus, o Cristo."

A teologia da prosperidade une o fútil ao desagradável, ou seja, é uma mistura de

ganância e comodismo. Os adeptos da teologia da prosperidade acham que nós temos

direito de reivindicarmos o que quisermos de Deus, esquecendo da soberania divina.

Cito abaixo alguns textos bíblicos, que refutam esse evangelho falso, que promete ao

homem uma vida de prosperidade material, atiçando-lhe a ganância.

6 Igreja Universal perde adeptos, e Poder de Deus ganha". O Globo. 29 de junho de 2012. Página visitada

em 21 de Março de 2013.

59

Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem

corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu,

onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem

roubam;(Mat.6.19,20) de que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas

malignas, altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da

verdade, supondo que a piedade é fonte de lucro.

De facto, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada

temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e

com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os que querem ficar ricos caem em

tentação, e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais

afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os

males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com

muitas dores. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a justiça, a

piedade, a fé, o amor, a constância, a mansidão.(1Tim.6.4-11)

Com o intuito de entender como a aspiração por bens materiais se relaciona com a

cosmovisão política dos neopentecostais, tentaremos num primeiro momento esclarecer,

ainda que de forma muito breve, o desenvolvimento da Teologia da Prosperidade e,

num segundo momento, ilustrar, a partir do exemplo da Igreja

7.1.1. A base doutrinária da T. da Prosperidade e a

Universal do Reino de Deus IURD

A IURD, é uma das denominações de mais rápido crescimento na América

Latina e em Angola nas duas últimas décadas, como esta doutrina foi apropriada e

difundida neste subcontinente, para então discorrermos sobre sua Participação na

política.

A Teologia da Prosperidade pode ser considerada como um desdobramento do

fundamentalismo norte-americano, o qual, após a crise de 29, reorienta sua ética em

favor de uma maior participação na esfera pública, devido, em boa medida, ao aumento

de seus contingentes e, por via de consequência, de seu peso eleitoral; para orientar suas

práticas, sob a égide da Guerra Fria, desenvolvem inicialmente a doutrina do

Milenarismo, calcada na perspectiva escatológica. Foi desenvolvida de duas maneiras: a

primeira, compreendida como pós-milenarista, consiste na crença de que se os fiéis

adoptarem uma ética solidária durante mil anos, Jesus voltará para julgá-los e premiá-

60

los. Daí sua ênfase na ajuda mútua, na devoção, na filantropia. Desta convicção

compartilham os assim chamados Evangelicals, como Billy Graham e Jimmy Carter.

Esta compreensão foi pouco a pouco sendo considerada utópica, donde uma

segunda corrente interpretativa, a do pré-milenarismo. Nesta versão, não cabe aos

crentes tentar melhorar a situação do mundo, pois a decadência faz parte dos planos de

Deus.

A ruína precede a segunda vinda de Cristo, que virá para conduzir os eleitos até os

céus, e depois retornará para com eles dominar a Terra, para julgar os descrentes e

premiar os fiéis. Isto explica sua recusa às políticas sociais ou a qualquer sorte de

filantropia, pois os males sociais são vistos como castigo divino aos infiéis; portanto, a

pobreza dos hispânicos e dos negros (cujo atendimento era financiado pelos "laboriosos

brancos") só seria superada pela sua conversão (born again). É neste contexto que se

organiza a Maioria Moral, cujo objectivo era influenciar a política tendo em vista a

recristianização da América. Esta influência é perseguida através da evangelização em

massa, com uso intenso dos meios de comunicação.

É desta corrente que surge uma outra variante, segundo nossa compreensão, mais

radical ainda, qual seja, a Teologia do Domínio, que pretende transformar o mundo

através de suas elites dirigentes. Para tanto, deve-se conquistar o poder através das suas

instituições oficiais, mas, fundamentalmente, formar as elites de amanhã. É por isto que,

além de investirem na Igreja Electrónica, criam universidades e escolas para educar os

"seus" jovens. A Liberty University é o exemplo paradigmático desta tendência:

ministra-se ali um ensino rigorosamente científico, com disciplinas e conteúdos

seculares. São jovens que, em regime de internato, preparam-se para, quando

profissionais, resistirem à sedução da modernidade, o que lhes garantirá uma vitória

cultural nos Estados Unidos e depois, em todo o planeta.

Segundo Stoll, a convicção de ter a elite norte-americana um papel especial no

plano de Deus, levou a que muitos crentes aderissem, de forma ainda mais entusiástica,

à pregação da doutrina em todo o mundo, mensagem acompanhada por um

anticomunismo virulento, visto como representante de Satanás na Terra. Contra ele, a

principal virtude do capitalismo deveria ser difundida, ou seja, a prosperidade e o

espírito de iniciativa. Dentre as três, é esta última a mais difundida na América Latina, e

quiçá, em todos os demais continentes.

61

A Teologia da Prosperidade ou Confissão Positiva teve sua origem na década de

40 nos Estados Unidos, sendo reconhecida como doutrina na década de 70, quando se

difundiu pelo meio evangélico.

Possuía um forte cunho de auto-ajuda e valorização do indivíduo, agregando

crenças sobre cura, prosperidade e poder da fé através da confissão da "Palavra" em voz

alta e "No Nome de Jesus" para recebimento das bênçãos almejadas; por meio da

Confissão Positiva, o cristão compreende que tem direito a tudo de bom e de melhor

que a vida pode oferecer: saúde perfeita, riqueza material, poder para subjugar Satanás,

uma vida plena de felicidade e sem problemas. Em contrapartida, dele é esperado que

não duvide minimamente do recebimento da bênção, pois isto acarretaria em sua perda,

bem como o triunfo do Diabo. A relação entre o fiel e Deus ocorre pela reciprocidade, o

cristão semeando através de dízimos e ofertas e Deus cumprindo suas promessas.

7.1.2. Uma Teologia de ricos para os Pobres: o caso da

IURD

Esta estrutura de pensamento pode ser encontrada nos livros do bispo Edir

Macedo, fundador e principal líder da IURD, nas décadas de 80, 90 e ano de 2001.

Nesta denominação, os pastores afirmam que só não é abastado quem não quer: as

bênçãos estão ao alcance de todos mediante a fé, inclusive com a alteração radical de

realidades miseráveis em vidas prósperas; porém, se alguém tiver qualquer

envolvimento directo ou indirecto com o Diabo ou não estiver disposto a "sacrificar"

para a obra de Deus, não será agraciado. Este mecanismo permite explicar porque

muitos fiéis não alcançam a Graça.

Segundo Gomes, o termo "Graça" pode ser traduzido pela posse de bens em vista

de sua fruição, sinal da natureza bondosa de Deus. Contra a sua vontade, antepõe-se um

elemento perturbador, o Diabo, o qual, embora inferior em seu poder, interfere nesta

relação, para confundir os fiéis e impedi-los de usufruir dos bens. Não é portanto

primordialmente o pecado (individual ou social) que impede a posse dos bens, mas o

Diabo, que age segundo seu próprio arbítrio, contra quem o crente deve lutar. Uma vez

62

que a responsabilidade fica por conta do fiel e do Diabo, cria-se uma linha de tensão

entre a posse da bênção e a actuação diabólica.

Por estas razões de ordem doutrinária, a dinâmica Bênção, Diabo, Posse, e, em

outro extremo, a vontade de Deus, é que a Teologia da Prosperidade corrobora com o

anseio de acomodação ao mundo de certas lideranças, com a possibilidade de

mobilidade social para alguns fiéis e com a manutenção de um status já adquirido para

outros, sem o sentimento de culpa. Em vez de ouvir num sermão que "é mais fácil um

camelo atravessar um buraco de agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus"

(Mateus 19,24 e Marcos 10,25), agora a novidade reside na possibilidade de desfrutar de

bens e riquezas, sem constrangimento e com a aquiescência de Deus.

Para os afortunados, esta abordagem traz alívio; para os pobres, o direito de

possuir como filho de Deus. Segundo Edir Macedo, Jesus veio pregar aos pobres para

que estes se tornassem ricos. Arrependimento e redenção, tema central no Cristianismo,

e as dificuldades nesta vida para o justo de Deus são temas raramente tratados. Por isso,

na busca da bênção, o fiel deve determinar, decretar, reivindicar e exigir de Deus que

Ele cumpra sua parte no acordo; ao fiel compete dar dízimos e ofertas. A Deus cabe

abençoar.

7.1.3. Macedo ensina como proceder na IURD

Comece hoje, agora mesmo, a cobrar d'Ele tudo aquilo que Ele tem prometido (...)

O ditado popular de que 'promessa é divida' se aplica também para Deus. Tudo aquilo

que Ele promete na sua palavra é uma dívida que tem para com você (...) Dar dízimos é

candidatar-se a receber bênçãos sem medida, de acordo com o que diz a Bíblia (...)

Quando pagamos o dízimo a Deus, Ele fica na obrigação (porque prometeu) de

cumprir a Sua Palavra, repreendendo os espíritos devoradores (...) Quem é que tem o

direito de provar a Deus, de cobrar d'Ele aquilo que prometeu? O dizimista! (...)

Conhecemos muitos homens famosos que provaram a Deus no respeito ao dízimo e se

transformaram em grandes milionários, como o sr. Colgate, o sr. Ford e o sr. Caterpilar.

(MACEDO, Vida com Abundância, p. 36)

63

E prossegue:

Ele (Jesus) desfez as barreiras que havia entre você e Deus e agora diz volte para

Casa, para o jardim da Abundância para o qual você foi criado e viva a Vida Abundante

que Deus amorosamente deseja para você (...). Deus deseja ser nosso sócio (...). As

bases da nossa sociedade com Deus são as seguintes: o que nos pertence (nossa vida,

nossa força, nosso dinheiro) passa a pertencer a Deus; e o que é d'Ele (as bênçãos, a paz,

a felicidade, a alegria, e tudo de bom) passa a nos pertencer. (MACEDO, Vida com

Abundância, pp. 25,85-86)

Ao estabelecer esta relação de reciprocidade com Deus, o que ocorre é que Ele,

Deus, fica na obrigação de cumprir todas as promessas contidas na Bíblia na vida do

fiel. Por isso ele Torna-se cativo de sua própria Palavra.

Devido a essa abordagem, a Teologia da Prosperidade é alvo de muitas críticas

entre os pastores evangélicos, que alegam ser tal mensagem dirigida propositadamente a

um contingente pobre que busca alívio para suas aflições. Ainda, que esta doutrina

busca confrontar Deus e diminuir sua soberania, pois é o fiel quem define qual seja a

vontade de Deus e não o contrário.

Nas palavras do pastor baptista Isaltino Coelho:

Há poucos meses, ocorreu em Brasília um congresso que mostrava os princípios

para enriquecer. Um dos temas foi "Como se apossar das riquezas dos incrédulos" (...).

A teologia da prosperidade quer tirar a cruz do crente (...). Não se trata de masoquismo

espiritual. Isto é uma lei da vida. No mundo há sofrimentos (...). A teologia da

prosperidade é alienante, parcial, injusta, sectorial e elitista. A idéia de que riquezas

pessoais são resultado de nossa espiritualidade agrada muito a quem tem bens. (Isaltino

Gomes Coelho, pastor baptista, Raio de Luz n. 91, 1993)

Ao entender a Teologia da Prosperidade como injusta, cremos que o pastor citado

está considerando os muitos pobres, que durante longo tempo de suas vidas buscarão

compreender porque as bênçãos exigidas de Deus não ocorreram. Eles terão de lidar

com a angústia por terem falhado ou permitido que o Diabo roubasse sua graça. Ou

seguir os conselhos de Edir Macedo: Nós ensinamos as pessoas a cobrar de Deus aquilo

que está escrito. Se Ele não responder, a pessoa tem de exigir, bater o pé, dizer 'tô aqui,

tô precisando'. (MACEDO, Folha de S. Paulo, 20/6/1991).

64

O tema da prosperidade faz-se bastante presente também nos cultos da IURD e

programas de TV. Uma das técnicas utilizadas pela Igreja é a da repetição das

mensagens nas pregações: normalmente, versam sobre prosperidade financeira versus

acção diabólica. Acção que passou a ser denominada ao longo do ano de 2001 de

encosto: termo bastante genérico para classificar diversos males espirituais e que

também possui conotações pejorativas para as religiões afro-brasileiras. Isto pode ser

entendido como uma mudança de estratégia na abordagem acerca das artimanhas

satânicas: o universo religioso a ser atacado continua sendo o mesmo, porém, sem

agredir frontalmente aqueles que participam de cultos espíritas, de umbanda ou

candomblé.

Numa programação diária, a Rede Record exibe o programa "Ponto de Luz

Sessão Espiritual De Descarrego", em que o pastor e apresentador exorta os que

assistem sobre os perigos de acabar se tornando vítima de um encosto, sujeição muito

comum, e ter a vida comprometida por estes espíritos. A ênfase recai sobre uma vida

anterior e sem prosperidade financeira, e a experiência actual, após tornar-se membro da

Universal, em que o entrevistado declara ter havido melhora em seu padrão de

consumo. Subjaz no discurso um deslocamento que relega os factores sociais como

consequências históricas, em favor da disputa, por Satanás, do Reino de Deus. Os

problemas sociais são bastante enfocados, porém, sem assumir ares de mudanças

conquistadas pelos próprios homens, porque as "desgraças" ocorridas no dia a dia ou até

mesmo os valores sociais dominantes são fruto de uma atuação maléfica. Para explicar e

enfrentar tal atuação, estão os homens escolhidos por Deus. Segundo Kepel, são homens

com capacidade de inscrever os fatos acontecidos no mundo numa sucessão de

causalidades obedientes a um plano de Deus do qual eles seriam os intérpretes por

excelência (...).

No discurso da IURD e em suas mensagens, autorizadas pelos fiéis porque

reconhecidas pelos mesmos como provenientes de Deus, é visível esta tendência de

mergulhar-se em um mundo somente espiritualista que reforça a figura do Diabo no

inconsciente da coletividade; coletividade esta que luta todo o tempo contra o que não

vê, mas que está à sua volta: o Diabo; e purifica-se através do exorcismo: uma expulsão

pública do Mal que habitava o corpo do fiel.

65

A este propósito devemos lembrar, mais uma vez, que segundo a doutrina da

IURD, o indivíduo não é exactamente a sede do pecado, o que exigiria dele o

arrependimento, mas uma vítima da acção maligna: o ato de pecar não deriva de sua

escolha, mas o Mal é fruto do encosto que atrapalha a sua vida, em especial a financeira,

sinal de bênção.

Essas práticas remontam a uma tradição de demonologia da época medieval,

contudo, a perseguição empreendida contra Satanás se dá, hoje, numa expulsão pública

e violenta que expõe o possesso como a vítima canalizadora do Mal, e não

necessariamente um indivíduo que fez um pacto com o Diabo. Num mundo que agoniza

mediante as constantes lutas entre o Bem e o Mal, todos somos vítimas em potencial,

sem responsabilidade pelos nossos actos, uma vez que vivemos à mercê de um conflito

espiritual. Segundo Macedo, o mero contacto ou aproximação com espíritas, por

exemplo, pode acarretar em possessão demoníaca. Novamente é enfatizada a figura do

Diabo, cuidadosamente construída através da Pedagogia do Medo.

Medo, porque a satanização dos acontecimentos desenvolve estruturas emocionais

no fiel que em tudo vê não a mão de Deus, ou a responsabilidade de seus actos sobre o

curso da sua história, mas do Diabo, que acaba por tornar-se um referencial de

comportamentos socioculturais. Para a cura das doenças, solução para o casamento,

prosperidade financeira e tantos outros problemas é necessário o exorcismo, que trará o

milagre e a libertação. O próprio Macedo admite que, pelo menos na hora em que

ocorre o exorcismo, a pessoa fica curada. Ser curado ou adquirir livramento pela

expulsão de Satanás é um ritual necessário, pois, conforme Macedo, a mera recusa em

aceitar a actuação de um demônio pessoal é um indício de possessão.

Desta feita, Deus, na IURD, é um instrumento nas mãos do fiel. Ironicamente,

Ele, Deus, deve ser obediente e cumprir todas as exigências feitas pelo fiel,

principalmente daquele que paga o dízimo: Tudo que fazemos, seja correntes ou

campanhas, é com espírito de luta, exigindo de Deus (grifo nosso) aquilo que Ele nos

prometeu. (MACEDO, Mensagens, p. 22)

A relação que se estabelece agrega um forte simbolismo ao dinheiro: o fiel propõe

trocas com Deus para conseguir a bênção desejada. Cabe ao fiel demonstrar revolta

diante de Deus e "de dedo em riste" exigir que as promessas bíblicas se cumpram. A

66

Terceira Onda ou Neo-pentecostalismo se caracteriza exactamente por este tipo de

relacionamento do fiel com Deus, inspirada na Teologia da Prosperidade: o cristão tem

direito a tudo de bom e de melhor neste mundo. Nas palavras de Macedo: A Bíblia tem

mais de 640 vezes escrita a palavra oferta. Oferta é uma expressão de fé. Se Deus não

honrar o que falou há três ou quatro mil anos, eu é que vou ficar mal. (MACEDO, O

Globo, 29/4/1990).

Neste discurso, a soberania de Deus é compartilhada pelo fiel na relação de troca.

É incentivado que o fiel se acomode ao mundo das novas tecnologias, acumule riquezas,

more melhor, possua carro e não tenha sentimento de culpa por não negar o mundo;

pelo contrário, a conduta ascética tem diminuído entre os pentecostais desde a década de

70.

Na relação de troca o fiel dá o dízimo, ofertas, participa das campanhas: É

necessário dar o que não se pode dar. O dinheiro que se guarda na poupança para um

sonho futuro, esse dinheiro é que tem importância, porque o que é dado por não fazer

falta não tem valor para o fiel e muito menos para Deus. (MACEDO, Isto É Senhor,

22/11/1989).

E tem a garantia dos pastores de que Deus cumprirá sua parte: Ele ficará na

obrigação de cumprir Sua Palavra. (MACEDO, Mensagens, p. 23). E ainda, O ditado

popular de que 'promessa é dívida' se aplica também a Deus. (CRIVELLA, 501

Pensamentos do Bispo Macedo, p. 103)

A ênfase na necessidade de dízimos e ofertas é explicada pelos líderes da IURD:

caso o fiel não alcance o sucesso almejado, a responsabilidade e a falha são suas: É

certo que muitas pessoas neste mundo são ricas, mesmo sem possuírem Deus no

coração. Vencem, entretanto, porque confiam na força do seu trabalho, e por isso, são

possuidoras de uma riqueza honesta e digna. (...) Reafirmo que nossa vida depende de

nós mesmos. (MACEDO, Mensagens, pp. 27, 22).

Algumas das características do discurso denotam a recomendação de

autoconfiança; o fiel deve crer nele mesmo, em sua capacidade individual. A estratégia

oferecida pela IURD, baseada na Teologia da Prosperidade, estimula o membro da

Igreja a ser participativo nos cultos em relação a ofertas e dízimos e reivindicar perante

Deus aquilo que lhe pertence por direito. Se todo o discurso sobre espiritualidade vem

atrelado à intervenção do Diabo, quando se trata de dinheiro, o fiel tem de ir à luta e

buscar a Deus com revolta, que neste caso, assume um sentido de inconformidade com a

67

própria situação: doença, pouco dinheiro, ser empregado assalariado, etc., e é Deus

quem tem que assumir Sua posição diante do fiel: a IURD assim o exige. Porque Deus é

obrigado como em um contrato a fazer sua parte; Ele é pago para isto!

Depende apenas de você o que será feito de sua vida, pois quem decide nosso

destino somos nós mesmos. Não são as outras pessoas; não é Deus, nem o Diabo. (...)

Não adianta ficar só jejuando ou orando. É preciso buscar o que você quer; fazer a sua

parte, e então falar ousadamente com Deus, revoltado com a situação. Você deve dar o

primeiro passo, pois Deus não o fará por você. (MACEDO, Mensagens, p. 28) As

doações em dinheiro ou bens são presentes colocados no altar de Deus, logo, para uma

grande bênção, um valioso presente! A fé é um instrumento de troca; uma mercadoria, e

nesta relação "toma lá, dá cá", a imagem de Deus torna-se mais próxima e trivializada,

em oposição à doutrina difundida pelo protestantismo histórico e pelo catolicismo

tradicional, a partir da qual reverência e submissão são enfatizadas.

Dependendo do grau de interesse do ofertante, o presente, por mais caro que seja,

ainda assim se torna barato diante daquilo que está proporcionando ao presenteado.

Quando há um profundo laço de afecto, ternura e amor entre o que presenteia e o que

recebe, o presente nunca deve ser inferior ao melhor que a pessoa tem condições de dar.

(MACEDO, O Perfeito Sacrifício: o significado espiritual do dízimo e ofertas, p. 12)

O fiel deve sacrificar o "seu tudo". A IURD tem uma campanha em que estimula

o fiel a doar o máximo que puder na espera da bênção. Muitas pessoas dão tudo o que

têm naquele momento de sua vida: uma caderneta de poupança, o dinheiro para comprar

comida, o dinheiro para o ônibus, e assim por diante.

Aqueles que vêem as doações das ofertas com maus olhos, ou seja, do ponto de

vista meramente mercadológico, principalmente do lado da Igreja, também têm

dificuldades para compreender a razão da vinda do Filho de Deus ao mundo. (...) haja

vista que a oferta está intimamente relacionada com a salvação eterna em Cristo Jesus.

(MACEDO, O Perfeito Sacrifício: o significado espiritual do dízimo e ofertas, p. 14)

O adepto é conclamado a concorrer por melhores condições num mundo de

extrema desigualdade social. E ainda tem de assumir uma responsabilidade a mais: a de

ter sucesso, senão sua vida pode estar comprometida com as forças malignas ou com

sua própria incapacidade de gerenciar suas possibilidades. Há muitas oportunidades

para aqueles que vivem nos bolsões de pobreza? É onde se encontram muitas igrejas da

Universal. Mas, mesmo assim, é preciso "sacrificar" diante de Deus e, de preferência,

em dinheiro: Aqueles que examinam o custo do sacrifício jamais sacrificarão uma

68

grande oferta, e aqueles que não sacrificam para a obra de Deus jamais conquistarão

qualquer vitória. (CRIVELLA, 501 Pensamentos do Bispo Macedo, p. 21).

Colocado nestes termos, é o fiel quem decide: Tudo depende de você. Se

perseverar, automaticamente conquistará as bênçãos de Deus. E assim, entrará na terra

prometida. (MACEDO, Mensagens, p. 21).

E a igreja administra a sua doação: A árvore proibida, no paraíso, representava o

dízimo, isto é, a parte de Deus na qual o homem não podia sequer tocar, embora

pudesse regá-la e fazê-la crescer. (CRIVELLA, 501 Pensamentos do Bispo Macedo, pp.

99-100). Já ao fiel cabe expulsar Satanás, participar das correntes de prosperidade, ler

sobre como muitos irmãos conseguiram resultados exigindo de Deus o que têm direito.

De resto, aquele que não alcançar uma bênção, não dará testemunho nem será citado nos

livros.

7.1.4. A Visão Bíblica E Teológica

Encontramos no Antigo Testamento pelo menos dez diferentes palavras da língua

hebraica que pertencem ao mesmo campo de significado, a saber: prosperar, ter êxito e

sucesso, sair-se bem, fazer crescer, fortalecer, pacificar, ser frutífero, fartar-se e riqueza.

Portanto, a Bíblia tem seu próprio conceito de prosperidade. Como este conceito é

tão diferente da maioria dos atuais, é necessário que estejamos atentos e abertos à

antiga, porém sempre correta, proposta bíblica.

O que é prosperar? Como a prosperidade, prioritariamente, não é obter vantagens

pessoais ou ganhar dinheiro, como a Bíblia trata este assunto? Vejamos alguns

exemplos:

1. O profeta Ezequiel relaciona prosperidade para a casa de Israel com a videira

que dá frutos (Ez. 17.1-10; cf.Sl. 1.3);

2. Quando Josué assumiu a liderança do povo, em lugar de Moisés, Deus lhe fez

algumas instruções decisivas que definem a prosperidade: ser forte e corajoso, não

temer e andar nos seus caminhos (Js. 1.1-9);

3. Na oração de Neemias encontramos uma outra definição de prosperidade:

praticar a misericórdia, isto é, ser bondoso e leal para com Deus e os seus semelhantes

(Ne. 1.11);

69

4. Muitos textos bíblicos definem o êxito e sucesso na vida com a conduta sábia, o

discernimento e a perspicácia no trato com a instrução de Deus (Dt. 29.9; 1 Rs. 2.3; Ec.

10.10; 11.6);

5. Trazer paz ao mundo também pode ser considerada uma atitude de sucesso (Sl.

122.6-7);

6. O povo de Deus entendia que fazer o bem e agir correctamente na vida era ser

próspero (Jó 21.13; Sl. 106.5);

7. Uma definição bíblica que resume todas as demais é a seguinte: o próspero é

uma pessoa que imita o agir de Deus. O Salmo 1 encontra esta pessoa. É o justo.

Evidentemente, toda a Bíblia proclama que Deus é a causa directa da prosperidade

dos justos (Gn. 39.3,23; Is. 48.15; Ez. 17.9-10; Ne. 2.20). Entretanto, Deus usa uma

pedagogia, isto é, um jeito correto e instrutivo para nos dar a sua ajuda e sua graça.

Assim, a Bíblia mostra que a prosperidade do povo de Deus vem:

Pelo sofrimento e pela graça de Deus (Is. 53.10), que ensina que o começo de

todo bem-sucedido empreendimento humano reside na capacidade da pessoa para

sofrer;

Pela fidelidade e lealdade a Deus e ao povo de Deus (Jr. 13.7-10; Dn. 6.9);

Pela busca do temor do Senhor (I Cr. 26.5);

Pela prática da justiça (Sl. 1.3);

Pela posse (descida) do Espírito de Deus (Jz. 14.6; 19; 15.14).

É possível que estejamos repetindo conceitos e definições, porém a Bíblia é uma

testemunha instrutiva. Ela, através de suas reportagens, nos oferece pistas para obtermos

sucesso na vida. Nela aprendemos que, em primeiro lugar, a obtenção de prosperidade é

precedida de pedido, apelo, por parte da pessoa interessada (Sl. 118.25); segundo,

através de uma vida de piedade e fidelidade à instrução de Deus (Js. 1.7-8; Dt. 29.9; I

Cr.31.21); terceiro, através da insistente busca de sabedoria (Ec. 2.21; 11.6).

Também encontramos na Bíblia alguns textos que tratam a prosperidade de forma

bastante negativa. Para os autores bíblicos, a prosperidade como ganho, sucesso e êxito

nos empreendimentos da vida conflitua com os princípios básicos da fé.

Dois textos ilustram estes princípios:

70

1. Porque prosperam os malvados? (Jr. 12.1-6) Ao lermos este texto, percebemos

que ele é um corpo constituído de duas partes: na primeira, o profeta faz. Em tom de

queixa, uma tremenda acusação contra Deus (vv. 1-4); na Segunda parte, temos uma

dura resposta de Deus (vv. 5-6). Este tipo de diálogo apimentado, entre o profeta e

Deus, nós o encontramos em Habacuque (1.2; 2.4) e constitui a preocupação central do

livro de Jó.

A questão geradora da queixa de Jeremias é: Porque os ímpios prosperam? Diante

disso, o profeta abre um processo jurídico contra Deus: Eu vou abrir um processo contra

Ti (v. 1 a). O surpreendente, aqui é que ele acusa Deus de ter permitido, com seu

silêncio, o Domínio dos malfeitores sobre os justos (comparar Ha. 1.2-4; 12-17).

Sua justificativa tem dois tipos de argumento: O primeiro é directo: Apesar de

serem desleais (v. 1b), usarem dos feitos de Deus para encobrirem suas más acções,

(v.2), provocarem a destruição dos animais e aves (v.4 a) e propagarem mentiras sobre

Deus (v. 4b), esses malvados (como lobos vestidos de cordeiros) prosperam e gozam de

tranquilidade (v. 1b) e o segundo é indirecto: O profeta justifica sua acusação,

mencionando algumas consequências danosas e provocadas pelos prósperos ímpios:

primeiro, a gula de prosperidade alimenta e multiplica a deslealdade (v. 1b); segundo, a

ansiedade pelo lucro fácil não tem limites, agredindo e destruindo a natureza a flora e a

fauna (v. 4 a) a ponto de justificar seus actos com uma mentira, Deus não vê o nosso

futuro (v. 4b).

O pequeno diálogo se encerra de modo surpreendente para o profeta: o pior estava

por vir. Aqui, o profeta não recebe uma resposta satisfatória e tranquilizadora para o

problema do mal e do sofrimento, provocado pelas pessoas prósperas, que ele

experimentava na própria carne.

A prosperidade dos ímpios incomoda os crentes (Sl. 37.1-40). Este Salmo mostra

outro exemplo da crise de fé causada pela prosperidade das pessoas más, egoístas,

violentas, opressoras e descrentes. A maior parte do Salmo é admoestação (vv. 1-11 e

22-40). O restante trata das descrições do inimigo (vv.12-15), do justo e do ímpio

(vv.16-26).

O salmista busca orientar, animar e sustentar a esperança do crente fiel para que

este se mantenha firme diante de toda provocação causada pela prosperidade dos ímpios

(vv. 10.39-40).

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Diante do sucesso dos malvados, o salmista recomenda:

Não te exasperes, não invejes (v.1);

Confia no Senhor e faze o bem, habita a terra e cultiva a fidelidade, põe tuas

delícias no Senhor, confia teu caminho ao Senhor e nele espera, descansa no Senhor e

espera nele, não te exasperes, acalma a ira, reprime o furor (vv. 2-8);

Evita o mal e faze o bem (v.27); espera no Senhor e segue o caminho (v.34);

Observa o homem íntegro e atenta no que é reto (v. 37)

Todas estas recomendações são justificadas pela fé na atuação de Deus.

Ele satisfará os desejos de teu coração; fará surgir tua justiça como a aurora e o

teu juízo como o meio-dia; Ele realizará os desejos de teu coração e atuará (vv. 4-6);

Os malfeitores serão exterminados e os que esperam no Senhor possuirão a terra

(v.9);

O Senhor se ri do ímpio, porque vê chegando seu dia (v. 13);

O Senhor firma os passos do homem... porque ele o sustenta pela mão (v. 24);

Ele ama o que é justo e não sustém os justos (v. 17);

Ele conhece os dias dos íntegros (v. 18);

O Senhor não abandona os que lhe são fiéis (v. 28);

O Senhor não entrega o justo nas mãos dos ímpios, nem permite que o condenem

no tribunal;

Ele te dará posse da terra (vv. 33-34);

O Senhor socorre e livra os justos (v. 40).

A extensa lista de justificativas tem sua razão, pois, certamente, a prosperidade

crescia entre o ímpio. Em consequência disso, o salmista (bastante perturbado!) escreve

esse manual de instrução para os crentes, que poderíamos intitular: COMO

ENFRENTAR A SOBERBA DOS ÍMPIOS.

Como enfrentar a soberba dos ímpios. Diante de nós estão duas experiências, mas

um só problema: a tentadora idéia de ser financeira ou artisticamente próspero. A difícil

experiência de Jeremias e a crise de fé vivida pela comunidade do salmista podem nos

levar a estabelecer uma cartilha orientadora para os crentes.

A Bíblia conhece a prosperidade como uma atitude sábia de enfrentar e responder

às agressões da vida com bondade, lealdade, fé, acção justa, solidariedade (Sl. 37.6). A

idéia de prosperidade, espúria à Bíblia, é a mesma oferecida a Jesus por satanás (Mt.

4.1-11; cf. Mc.1.12-13; Lc. 4.1-13). É uma prosperidade relacionada a dinheiro, lucro,

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êxito na vida e sucesso nos empreendimentos pessoais. Na denúncia de Jeremias (12.1-

6), os prósperos são inimigos do servo de Deus, cometem perversidade contra as

pessoas, contra a natureza, promovem a descrença.

No caso do salmista, o perfil dos homens prósperos é mais amplo, e a repercussão

de seus actos é, aparentemente, maior. O gesto dessa gente má provoca sentimentos de

indignação e inveja (v.1), irritação (v.7), ira, furor e impaciência (v. 8), entre outras

reacções. Por todas essas razões, a Bíblia distingue dois tipos de prosperidade:

a) A forma de prosperidade, denunciada por Jeremias e pelo salmista, é

extremamente perigosa para a estabilidade e o bem-estar da vida humana. É uma

prosperidade que gera pobreza, desnível social, descrença, sacrifício dos mais fracos,

falta de sensibilidade para com a natureza, soberba de uns e humilhação de outros,

complexos de inferioridade, medo. Tudo isso ocorre porque o valor maior é o dinheiro,

b) A promoção pessoal, o êxito empresarial. Quando a dignidade humana estiver

sujeita ao dinheiro, o mundo ficará perigoso para se viver. É por essa razão que o

salmista grita: O sistema de vida que a teoria da prosperidade defende está cheio de

competições: patrão/empregado; nação rica/nação pobre. Quem é mais forte explora ou

elimina o mais fraco.

O texto de Jeremias e o de Salmos ensinam o crente como enfrentar o sistema de

vida dos prósperos. Ambos sugerem formas para confrontar esse inimigo. O salmista é

mais objectivo e sugere formas de enfrentar essa praga que está apagando da memória

do povo o conhecimento de Deus. O texto de Jeremias (12.1-6) reflecte toda a

perplexidade do crente diante do crescimento de prosperidade e poder dos ímpios.

Enquanto isso, o Salmo 37 tenta instruir os crentes fiéis para enfrentar o

problema. Quando a Bíblia fala da justiça divina, ela não quer dizer que Deus castiga os

pecadores e premia os justos. Se isso ocorresse, os templos estariam abarrotados de

pessoas. Acontece que o ensino bíblico acerca da justiça divina não é utilitarista. O

princípio, é dando que se recebe, não retracta bem o ensino da justificação.

A solução do problema em torno da prosperidade dos ímpios e do sofrimento dos

justos não é imediata, isto é, a transferência directa dos bens dos ímpios para os crentes.

A Bíblia ensina que a superação desse problema não tem data marcada, mas está na

fidelidade do justo (cf. Hab. 2.4). Tanto Jeremias como o salmista não orientam os

perplexos crentes a fugirem para longe dos ímpios, mas a se manterem firmes na fé.

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Por isso o grande apelo do salmista é: confiar em Deus (vv. 3,5,7,34) e esperar

que um dia a justiça divina possa restabelecer a paz na terra.

Considerações Finais

1. O estudo sobre o tema da prosperidade deve levar em consideração todos os

textos bíblicos e não apenas alguns em particular, como os teólogos da prosperidade

costumam fazer para sustentar suas ideias;

2. O estudo deve levar em conta o contexto no qual surge o tema da prosperidade

e, portanto, seguir rigorosamente os princípios de interpretação bíblica;

3. O conceito bíblico de prosperidade contrapõe, como vimos anteriormente, o

conceito difundido hoje em dia nos meios evangélicos. Na abordagem do tema é

necessário que esta diferenciação seja considerada.

4. Deve ficar sempre claro que Deus é o autor da vida, consequentemente, Ele é o

responsável pelo sucesso, pelo êxito ou prosperidade do Seu povo;

5. Vivemos numa sociedade que busca a prosperidade a qualquer custo,

renunciando a solidariedade, a justiça, o bem-estar dos outros, atitudes estas

compatíveis à cidadania do Reino de Deus.

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CONCLUSÃO

É claro que nessa abordagem, alguns nomes inevitavelmente ficaram de fora, e

outros, como Emil Brunner, não puderam ser apresentados em um capítulo próprio. Não

tivemos com isso nenhuma intenção de reduzir a importância Brunner ou qualquer outro

teólogo contemporâneo, apenas tentamos apresentar os nomes associados às respectivas

escolas, e nesse aspecto, o nome de Brunner está bem associado ao de Karl Barth e à

teologia dialéctica.

Embora seja muito difícil escapar do nosso invólucro cultural, não devemos

sujeitar a nossa teologia às novas tendências, correntes filosóficas e modismos pós-

modernistas, a fim de agradar as mentes contemporâneas. Essa tentativa foi feita no

século passado por neo-ortodoxos e liberais, e fracassou. No entanto, aquelas igrejas

que permaneceram fiéis à tradição reformada e ao cristianismo histórico, permanecem

até hoje. A razão disso é que o homem não está simplesmente buscando uma doutrina

para concordar; ele está em busca de uma fé para viver. A necessidade do homem ainda

é a salvação. É por isso que um evangelho sem cruz, sem salvação, ressurreição ou

imposições morais, ainda que pareça agradável aos ouvidos no início, logo será

abandonado: Ele fatalmente fracassa por não pode satisfazer às exigências da alma

humana.

Diante de tudo o que temos exposto, ainda permanece uma pergunta: Até que

ponto nós somos ortodoxos? Muitos teólogos do século passado se perderam nas ideias

do seu tempo de tal forma que as suas abordagens dificilmente podem ser consideradas

cristãs. E a nossa teologia? Ela ainda pode ser considerada cristã? Ora, hoje estamos

analisando a teologia do século vinte, mas amanhã serão analisados os pressupostos

teológicos do século vinte e um. O que dirão da nossa teologia? Ou será que nós não

temos pressupostos? Sim, os temos. E na verdade, nós analisamos e julgamos a teologia

contemporânea à luz das nossas pressuposições, isso porque, como bem afirmou o

controverso Rudolf Bultmann, “é impossível exegese sem pressupostos”. Portanto,

nesse início de século, faz-se necessária a avaliação dos nossos paradigmas e não apenas

a simples adequação dos mesmos à interpretação bíblica. Precisamos olhar para os erros

do passado e com muita cautela construir a teologia do futuro. Devemos nos esforçar ao

máximo para fazer da Bíblia o nosso pressuposto básico, se quisermos construir um

edifício teológico bem alicerçado para o futuro.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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