Vladimir Lenin - Que Fazer

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Que fazer

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    QUE FAZER? As Questes Palpitantes do Nosso Movimento

    V.I. LNIN

    Editora Hucitec - So Paulo, 1979

    A luta interior d fora e vitalidade ao partido; a melhor prova da fraqueza

    de um partido sua posio difusa e a extino de fronteiras nitidamente traadas; o Partido refora-se depurando-se...

    (trecho de uma carta de Lassalle a Marx, de 24 de junho de 1852)

    APRESENTAO A publicao de Que Fazer? no Brasil constitui um acontecimento de grande significao poltica, malgrado as presentes condies nas quais vivemos e a debilidade crnica do nosso movimento socialista. Est fora de dvida que essa no a maior obra de Lnin. Contudo, ela caracteriza o momento no qual o leninismo se revela em seus componentes essenciais: em nove anos de experincia, de lutas constantes, de perseguies e de enorme fermentao criadora, um jovem publicista da ala esquerda da social-democracia russa punha-se frente da vanguarda terica desse partido. Apenas nove anos? O que se pode realizar quando a histria se move para a frente e o pensamento revolucionrio exposto a todas as tenses de foras contrrias, da mais odiosa opresso de um regime autocrtico cruel e de sua terrvel represso policial s inquietaes da intelligentsia, dos estudantes, dos radicais de uma burguesia impotente e, em particular, das presses crescentes das massas populares, do campo e da cidade! Em suma, quando o pensamento revolucionrio aceita suas tarefas, as enfrenta com tenacidade, esclarecimento e coragem, procurando avanar sempre para a frente, relacionando meios e fins que podem transformar a oportunidade histrica" em histria real. Haveria muito que debater sobre este pequeno livro e seu significado no movimento socialista revolucionrio. No obstante, seria fora de propsito ornamentar Que Fazer? com qualquer pretenso comentrio erudito. Os seus leitores podem ressentir-se da preciso de Marx, por exemplo, nos comentrios rigorosos Crtica do Programa de Gotha. No entanto, Que Fazer? introduz no marxismo uma nova dimenso poltica. Na verdade, ele uma resultante de um acidentado, herico e construtivo labor coletivo: o que vrias tendncias do populismo, do radicalismo e do socialismo criaram na Rssia dos meados do sculo XIX sua ltima dcada. Uma experincia filtrada por Lnin e amadurecida por sua penetrante acuidade contribuio do movimento socialista europeu, especialmente na Alemanha, Frana e Inglaterra. No se pode ignorar figuras como Plekhnov, Axerold e Zasultich (alm de outros companheiros do ISKRA e da ala esquerda do RO.S.D.R.), cuja produo terica e viso dos problemas prticos do marxismo na Rssia alimentaram a aprendizagem e os primeiros tirocnios de Lnin. Todavia, ele os suplanta com uma rapidez incrvel. Que Fazer? marca uma nova etapa, que

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    deixa tudo para trs. De sua edio em diante, a Rssia no seria o cenrio da transmutao pura e simples do marxismo em movimento revolucionrio triunfante. Nascia o marxismo-leninismo como teoria revolucionria e como prtica revolucionria organizada. A prpria Europa ficava para trs, apesar da importncia da II Internacional e dos seus grandes tericos, e da densidade do movimento operrio europeu. Neste breve comentrio, gostaria de concentrar-me em trs questes mais importantes para os leitores brasileiros no momento atual. A primeira, diz respeito ao prprio Lnin: porque ele j estava politicamente qualificado para escrever uma obra to simples mas de conseqncias to profundas e permanentes? A segunda, impe-se como decorrncia: o que representa a concepo do marxismo que Que Fazer? prope? A terceira, vincula-se ao aqui e ao agora: o que um livro como esse testemunha quanto nossa prpria imaturidade e impotncia polticas no Brasil e na Amrica Latina? Quanto ao primeiro tema, se Lnin era um "crebro poltico" privilegiado (descrito por Trotsky como o nico estrategista da revoluo bolchevique), ele tambm recebe uma herana poltica privilegiada e viveu em um momento histrico privilegiado. No penso em simplificar as coisas, para chegar a uma reduo determinista do papel do heri na Histria. Isso seria indigno de qualquer comentrio mais ou menos lcido do significado de Que Fazer?; e, em particular, entraria em conflito com o modo pelo qual Lnin se via como um "publicista de partido". Um livro escrito entre o outono de 1901 e fevereiro de 1902, publicado em maro de 1902 - mas que se propunha os problemas centrais da teoria e da prtica revolucionrias na Rssia e na Europa - transcende a uma datao localizada. Ele responde a muitas questes contraditrias e a grandeza criadora de Lnin aparece na propriedade das perguntas, que formula, e na qualidade das respostas (ou das solues), que apresenta (numa linguagem que sempre simples, direta, embora marcadamente irnica e mordaz: Lnin no se propunha uma "leitura" de Marx - o que ele queria era descobrir os meios mais eficazes de converter uma, revoluo potencial, bastante forte para deixar a vanguarda terica deslocada pelas exigncias e alguns avanos das massas populares, no ponto de partida da desagregao do regime tzarista e de uma revoluo permanente na qual o marxismo se impusesse como uma cunha irremovvel, capaz de suplantar o liberalismo e o radicalismo burgueses, o populismo, o socialismo moderado ou reformista, o terrorismo etc., e de gerar uma revoluo proletria vitoriosa).Quantos revolucionrios afirmaram (ou afirmam) que precisam sonhar e exigem a liberdade de sonhar? 0 importante que o sonho, no estava longe da realidade. Ao contrrio, respondia diretamente ao que era preciso fazer para passar-se de um "sonho sua concretizao. Ora, a temos uma complexa situao histrica. A simplificao e o reducionismo determinista existiram se se ignorasse a convergncia de vrias condies e de diversos fatores, imediatos ou remotos, e a funo catalisadora de uma personalidade invulgar. Ao iniciar a redao desse livro, Lnin j era uma figura de relevo no marxismo russo. Ainda no rompera com os principais tericos contemporneos e mal comeara a experimentar suas limitaes no campo da ao revolucionria. De outro lado, atravs da II Internacional, de sua participao interna e externa na reelaborao da teoria socialista e na crtica do reformismo ou do oportunismo, infundira sua prpria posio uma

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    intransigncia marcante, um radicalismo maduro e um esprito prtico toda a prova. No era um publicista", apenas, era um poltico experiente e um revolucionrio que sonhava com a revoluo procurando como encrav-la no seio de um regime odiado e destrutivo. Como ativista, j tinha demonstrado seu potencial como agitador e sua firmeza diante da represso (uma, represso desconhecida na Europa, mesmo nas piores circunstncias). Como terico, j havia comprovado que ultrapassara o perodo da aprendizagem: O Desenvolvimento do Capitalismo na Rssia (publicado em 1899) dissocia a teoria da anlise, mas atesta, por isso mesmo, o quanto Lnin dominava as doutrinas econmicas de Marx e o quanto, por sua vez, era capaz de interpretar segundo critrios marxistas rigorosos uma realidade histrica diferente, de modo original, independente e construtivo. Na verdade, ele irradiara o seu talento crtico na direo dos mltiplos temas do debate poltico socialista, imperante dentro da Rssia, e evidenciara um avano terico relativo comparvel ao nvel que prevalecia no Exterior, no movimento socialista mundial. No sentido em que os franceses usam a expresso, ele era uma "personalidade poltica" reconhecida e impunha-se como uma influncia pessoal com a qual se devia contar - e que deveria crescer. A criao da revista Iskra, destinada discusso poltica e cientfica, e do jornal operrio Zaria, que se voltava para toda a Rssia, sugere que essa personalidade marcante encontrara um quadro histrico e outros companheiros - em suma, que o movimento socialista na Rssia, apesar das aparncias, estava saltando acima do movimento socialista na Europa, especialmente na esfera da ao poltica direta, de levar a revoluo socialista do plano das idias e das aspiraes para o plano prtico. As reflexes contidas em Que Fazer? correspondiam s, "exigncias da situao histrica", no eram fruto de uma especulao genial" e tampouco uma ousadia "isolada". Lnin abordara antes os mesmos temas, em especial ao elaborar uma verso do programa da social-democracia russa, ao redigir o projeto de declarao da Iskra e do Zaria, e de maneira mais concentrada no artigo "Por onde comear?" (de maio de 1901). Naquele projeto j se colocara contra "o praticismo estreito", a disperso e o carter artesanal do movimento socialista, batendo-se por uma forma superior, mais unificada e, melhor organizada de luta poltica. No artigo, por sua vez, antecipa a substncia do livro. Pretende um sistema e um plano de atividade prtica, o que o coloca contra o economismo (o sindicalismo reformista: estreito), que desemboca na impotncia poltica, e contra o terror, que, no condena em princpio, mas caracteriza como uma arma inoportuna, inoperante, que afasta os combatentes mais ativos de sua verdadeira tarefa" e que "desorganiza no as foras governamentais, mas as foras revolucionrias". Temos a toda uma equao poltica revolucionria, que no foi inventada por Lnin. Ela nascia de uma situao histrica "madura", na qual os. problemas de agitao, propaganda e organizao impunham a reestruturao do movimento socialista. O fato de Lnin se defrontar sem nenhuma timidez com essa equao e soltar suas pontas, decifrando o caminho a seguir, diz por si mesmo o quanto ele era a personalidade para desempenhar tal papel. Um "produto da histria" que era, tambm, um fator humano de sua transformao. Quanto ao segundo tema, est na moda uma viso crtica negativista do leninismo". O leitor ver que uma boa parte desse ataque grosseiro (como certa parte das condenaes refinadas), eclodiu contemporaneamente: Que

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    Fazer? aparece como uma necessidade de desvencilhar o socialismo revolucionrio desse terrvel cipoal, continuamente reconstitudo por tantas foras contraditrias. No pretendo travar um combate de cavaleiro andante contra a falta de imaginao. Contudo, convm que o leitor fique atento e compare: como Lnin ridiculariza seus crticos (e os crticos do marxismo); e como ele refuta ou afasta tantas suspeitas com referncia "profissionalizao" da atividade revolucionria e organizao do movimento socialista revolucionrio. De um lado, temos foras contra-revolucionrias ou conservadoras no s organizadas econmica e, socialmente - contando tambm com a centralizao poltica, proveniente da existncia e do controle do Estado. De outro, a "anti-ordem" desordenada, fiel a frmulas ideais e abstratas que no so, bastante fortes, por si mesmas, para levar de vencida o tzarismo. Se avanarmos diretamente na linha profunda do pensamento de Lnin: ele prope nada mais nada menos que a alternativa do anti-Estado, a organizao de um Estado dentro de outro Estado, ou seja, a organizao da revoluo. De um golpe, ele supera as vrias solues do radicalismo burgus e do socialismo reformista e os imponderveis do terrorismo. Para muitos, a no haveria novidade. A novidade, estaria apenas na russificao do marxismo, na "bolchevizao", que eliminaria do marxismo a sua vinculao espontnea com as massas e seu teor democrtico. Ora, chegar a essas concluses por efeito da propaganda conservadora e contra-revolucionria explicvel. Mant-las, depois de ler Que Fazer?, significa uma obliterao da razo socialista (se esta existe, de fato). O que Lnin faz com o marxismo s pode ser definido de uma maneira: ele converte o marxismo em processo revolucionrio real. Se o faz tendo em vista as condies polticas do tzarismo e da sociedade russa, disso ele no se poderia livrar... Portanto, Lnin inaugura uma concepo do marxismo: a que rompe frontalmente com o elemento burgus em todos os sentidos, ainda dentro e contra a sociedade capitalista. Os grande tericos do socialismo revolucionrio europeu esperavam a vitria da revoluo para extirpar a condio burguesa que impregnasse a todos os revolucionrios, dos militantes de base ao tope da vanguarda, o que significa que a massa de seguidores poderia oscilar livremente, das opes socialistas s opes democrtico-burguesas. O combate dos "mtodos artesanais significa acabar com isso na medida do possvel. O que fica de entranhadamente burgus em um militante submetido a um treinamento profissional e para atuar clandestinamente? Depois que um partido revolucionrio aceita tal evoluo, ele tem condies para dar uma volta atrs, procedendo como os socialistas alemes, franceses ou ingleses que traram o socialismo para no trarem seus governos nacionais? De outro lado, um partido revolucionrio que organiza a revoluo deixa de vincular-se oscilao das, massas populares, de aproveitar produtivamente sua espontaneidade? Ele perde, por isso, seu carter democrtico? De onde vem a estrutura revolucionria e democrtica de um partido socialista e da revoluo socialista: da ordem que ambos combatem e devem destruir ou dos princpios fundamentais do socialismo? Por a se verifica que Lnin converteu o marxismo em uma realidade poltica antes mesmo que o regime tzarista se desagregasse e ocorresse a revoluo proletria. Os que se apegaram demais s condies "democrticas" da ordem existente e pretendiam avanar suavemente, cultivando o oportunismo, o reformismo, o gradualismo, o obreirismo, o populismo ou, no outro extremo, a violncia episdica sem uma

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    estrutura e continuidade polticas no podiam entender a sua linguagem. Pareciam-lhes que a passagem para o socialismo perdia, desse modo, todo o encanto pequeno-burgus e toda a atrao herica. Uma revoluo que se organiza politicamente, que centraliza suas foras, surge, como um anti-Estado, sob a aparncia de uma "militarizao", de um despotismo dissimulado sob o centralismo democrtico. Essa "leitura" d Lnin a de todos os que se identificam com o socialismo como uma fonte de compensao psicolgica ou moral. Depois que a burguesia se converteu em classe dominante reacionria ou contra-revolucionria, na Europa e nos Estados Unidos, que utilizou exemplarmente o que Engels descreveu como o "terrorismo burgus", no existia outro caminho para chegar no ao poder", mas construo de uma sociedade socialista. O que dizer da Rssia? Lnin aponta com sagacidade as diferenas: o que um regime ultra-opressivo deixa como espao poltico "democrtico" para as reivindicaes do Povo, das classes trabalhadoras, dos movimentos radical-democrticos ou socialistas. Um espao zero. O terico socialista se defronta com a necessidade de partir desse espao zero: criar a revoluo a partir de dentro da contra-revoluo. Ou seja, o combate organizado contra-revoluo institucionalizada e estabilizada politicamente deve ser, desde o inicio, um processo revolucionrio. Da as frases famosas deste livro: Sem teoria revolucionria, no existe movimento revolucionrio; "toda a vida poltica uma cadeia sem fim composta de um nmero infinito de elos; preciso sonhar" etc. A contraparte dessas frases famosas: sem organizao no se mede a fora de um movimento revolucionrio e sem movimento revolucionrio no se testa a teoria revolucionria. Lnin completa o marxismo. Introduz a dialtica na esfera da ao poltica direta e do movimento de massas pelo socialismo. Quanto ao terceiro ponto, Que Fazer? um divisor de guas. Escrito e publicado no alvor do sculo XX, ele sintetiza os avanos do socialismo e do marxismo na Rssia no sculo anterior e assinala as promessas revolucionrias realmente fundadas. O livro todo constitui uma polmica com o passado, com os contemporneos, com os que se voltavam para a construo de uma Rssia democrtica ou socialista. Onde se escreve um livro como esse, no momento em que um livro como esse pode ser publicado, a partir do combate ou da aceitao das idias contidas em um livro como esse, pode-se constatar a existncia de um movimento revolucionrio denso, inquieto, maduro e indomvel. A vitalidade do movimento socialista no nasce de si mesmo, apenas,. nasce da sociedade em que se constitui e na qual se expande. O requisito histrico e o patamar de um movimento dessa envergadura a existncia de uma sociedade que caminha inexoravelmente, pelas presses de baixo para cima, pela insatisfao das massas e pelo inconformismo das classes trabalhadoras, na direo da desagregao da ordem existente e da revoluo social. Nesses quadros histricos h um socialismo potencial (diria, mesmo, um socialismo revolucionrio potencial). O marxismo como teoria e como praxis pode ser facilmente irradiado nas vrias direes da sociedade: as tarefas dos militantes, dos "tericos" e "publicistas" nem por isso mais fcil. Porque essa potencialidade traz consigo uma represso feroz, uma autodefesa cega e impiedosa. Contudo, a violncia institucional da contra-revoluo no consolida a si prpria. Ela fortalece as foras antagnicas, os inimigos da opresso e da contra- revoluo, ou seja,

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    em um primeiro momento, a revoluo democrtica de base popular, em outro momento seguinte, o controle do Estado pelas foras da revoluo democrtica, e a transio para o socialismo. Em resumo, se no existissem peixes nos rios e no mar seria impossvel pescar. O movimento socialista exige um mnimo de condies objetivas" e subjetivas" (e o mesmo se pode dizer da revoluo socialista). Dadas certas dessas condies, o que depende dos prprios socialistas para que o seu movimento se consolide, se irradie e, atravs das massas populares e das classes trabalhadoras, se converta em fora poltica revolucionria? Excluindo-se Cuba, a experincia chilena e algumas manifestaes verdadeiramente polticas da guerrilha, a Amrica Latina foi o paraso da contra-revoluo (da contra-revoluo mais elementar e odiosa, a que impede at a implantao de uma democracia-burguesa autntica). Hoje, mais do que nunca, ela continua a ser o paraso da contra-revoluo, s que, agora, conjugando o "terrorismo burgus interno" com o "terrorismo burgus externo, Os partidos que deveriam ser revolucionrios (anarquistas, socialistas ou comunistas), devotaram-se causa da consolidao da ordem, na esperana de que, dado o primeiro passo democrtico, ter-se-ia uma situao histrica distinta. Em suma, bateram-se pela democracia-burguesa, como se fossem os campees da liberdade. Trata-se de uma avaliao dura? Quanto tempo as burguesias nacionais ter-se-iam agentado no poder se fossem atacadas de modo direto, organizado e eficiente? Ou estamos sujeitos a uma "fatalidade histrica", que prolonga o perodo colonial e a tirania colonizadora depois da independncia e da expanso do Estado nacional? O diagnstico correto, embora terrvel para todos ns, que nunca fizemos o que deveramos ter feito. Os revolucionrios" quiseram manter seus privilgios, ou os seus meio-privilgios, sintonizando-se com as elites no poder e com as classes dominantes. Formaram a sua ala radical, sempre pronta a esclarecer os donos do poder sobre o que certas reformas implicariam, para evitar uma acelerao da desagregao da ordem e os seus efeitos imprevisveis... No estou inventando. Voltamos as costas organizao da revoluo e auxiliamos a contra-revoluo, uns mais outros menos, uns conscientemente, outros sem ter conscincia disso. E a "massa" da esquerda tem os olhos fitos no desfrute das vantagens do status de classe mdia. O que ameaa esse status entra em conflito com o socialismo democrtico... Todas essas reflexes pungentes precisam ser feitas e refeitas. Que Fazer? desvenda essa realidade incmoda. No fomos fascinados pelo espontanesmo" das massas: estas exerceram pouca atrao sobre o pensamento poltico propriamente revolucionrio, sempre preso a frmulas importadas de fora, com freqncia frmulas com alta infeo burguesa (para usar outra expresso de Lnin). Fomos paralisados pela idia do gradualismo democrtico-burgus e pelo poder de coao da ordem. O que quer dizer que, na era da polivalncia no "campo socialista", ainda no sabemos quais so os caminhos que nos levaro desagregao do nosso capitalismo selvagem e a solues socialistas apropriadas presente situao histrica. Um atraso monumental. O que Lnin fez, por exemplo, em O Desenvolvimento do Capitalismo na Rssia s tentamos no plano da erudio. Por conseguinte, fora de Cuba no se criou um pensamento socialista revolucionrio original. A principal tarefa, terica foi negligenciada at hoje, porque lderes, vanguardas e partidos da esquerda ou vivem a sua integridade socialista com extremo

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    purismo asctico - e bem longe da atividade prtica concreta - ou se concentram no "economismo" e, pior que isso, em tticas imediatistas, de composio dentro da ordem, como se o socialismo pudesse ser o ltimo estgio, a Quinta essncia da "democracia" burguesa. O reformismo pequeno-burgus como estilo de prtica poltica. Ora, tudo isso est ocorrendo numa poca em que a transio para o socialismo ficou mais difcil. Depois das grandes revolues - da Rssia, da China, do Vietn da Iugoslvia e de Cuba - o cerco capitalista ao socialismo se aperta a partir de dentro e a partir de fora. A contra-revoluo deixa de ser o produto de uma autocracia secular: a autocracia organizada deliberadamente, como a barreira, o bastio de defesa e a base poltica de contra-ataque militar e policial do chamado "capitalismo tardio". De outro lado, essa contra-revoluo corrompe tudo, pelos meios de educao, comunicao de massa, consumo de massa, cooptao etc. Depois de setenta e seis anos, Que Fazer? Continua vlido. Todavia, a teoria revolucionria e a organizao do movimento revolucionrio precisam ser adaptadas a uma situao poltica muito diversa. Os que esperam que o "campo socialista" resolver todos os problemas e dificuldades cometem um equvoco. A cooperao e o auxlio efetivo s podero amparar os movimentos revolucionrios viveis, que comprovarem sua vitalidade e a sua eficcia. Em outras palavras, urgente superar a nossa circularidade e a nossa fraqueza inventiva. Os que so socialistas precisam devotar-se tarefa de construir a teoria revolucionria exigida pela situao atual da Amrica Latina. Essas ponderaes podem parecer exageradas. A partir do Brasil? O pas que ficou no maior atraso dentro do movimento sindical, socialista e revolucionrio na Amrica Latina? Na poca em que Lnin escreveu e publicou Que Fazer? quem pensaria que a Rssia, e no alguma nao avanada da Europa, se colocaria na vanguarda da histria? No penso que poderemos "queimar etapas". O avano real s pode ser conquistado graas e atravs das massas populares e das classes trabalhadoras. A nossa tarefa urgente consiste em propagar o socialismo revolucionrio nesses setores da sociedade e, com o amadurecimento da sua experincia poltica, tentar-se o equacionamento de "por onde comear,?" Nem uma coisa nem outra ser possvel se se mantiver a ttica economista", o falso obreirismo e o populismo das classes dominantes, a submisso a burguesias pr-imperialistas e entranhadamente antidemocrticas e contra-revolucionrias. Parece claro que voltamos, no momento que corre, a erros crnicos do passado, lanando as foras vivas de uma revoluo democrtica na maior confuso, abandono e impotncia. Oitenta e nove anos de "regime republicano" j nos ensinaram o bastante. No sero as classes possuidoras, especialmente os seus setores privilegiados nacionais e estrangeiros, que iro favorecer e levar a cabo a revoluo democrtica. E esta no pode ser pensada, por um socialista, como um desdobramento de etapas. Onde as massas populares e as classes trabalhadoras se afirmam como as nicas alavancas da revoluo democrtica, esta s poder conter uma transio burguesa extremamente curta. Cabe aos socialistas dinamizar a "revoluo dentro da revoluo". Hoje, mais que no passado, a civilizao de consumo de massas constitui um pio do Povo. As massas populares e as classes trabalhadoras s podem ser educadas para o socialismo atravs de um forte movimento socialista, dentro do qual elas forneam as bases, os quadros e as vanguardas, e atravs do qual elas disputem o poder das classes dominantes, deslocando-as do controle

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    do Estado e do sistema de opresso institucional "democrtico. O que assinala que, se os caminhos so diversos, vrias lies de Que Fazer? preservam toda a atualidade, sob a condio de que a opo pelo socialismo seja tomada para valer. So Paulo, 19-20 de maro de 1978 Florestan Fernandes PREFCIO De acordo com a inteno original do autor, este trabalho que apresentamos ao leitor devia ser dedicado ao desenvolvimento detalhado das idias expostas no artigo "Por Onde Comear?" (Iskra, n. 4, maio de 1901). Antes de tudo, devemos desculpar-nos perante o leitor pelo atraso verificado no cumprimento da promessa feita nesse artigo (e repetida em resposta a numerosas perguntas e cartas particulares). Uma das razes desse atraso foi a tentativa de unificao de todas as organizaes sociais-democratas no estrangeiro, empreendida em junho do ano passado (1901). Seria natural que se aguardasse os resultados dessa tentativa, pois, se tivesse xito, talvez fosse preciso expor sob um ngulo um pouco diferente os pontos de vista do Iskra em matria de organizao; em todo o caso, o xito de tal tentativa teria permitido pr termo, de modo bastante rpido, existncia de duas tendncias na social-democracia russa. Como o leitor no ignora, essa tentativa fracassou e, como procuraremos demonstrar mais adiante, no poderia ter outro fim aps a mudana inesperada do Rabtcheie Dielo, em seu nmero 10, em direo ao economismo. Tornou-se absolutamente necessrio empreender uma luta decisiva contra esta tendncia vaga e pouco determinada, porm tanto mais persistente e suscetvel de renascer sob as mais variadas formas. Desse modo, o plano inicial deste trabalho foi modificado e consideravelmente ampliado. O tema principal deveria abranger as trs questes propostas no artigo "Por Onde Comear?", ou seja: o carter e o contedo essencial de nossa agitao poltica; nossas tarefas de organizao, o plano para a construo de uma organizao de combate para toda a Rssia dirigido simultaneamente para diversos fins. Desde h muito tais problemas vm interessando ao autor, que j procurou abord-los na Rabtchaia Gazeta, em uma das tentativas malogradas de se renovar essa publicao (ver cap. V). Contudo, minha inteno inicial de me limitar, neste trabalho, somente anlise dessas trs questes e de expor meus pontos de vista, sempre que possvel, de forma positiva evitando recorrer polmica, tornou-se completamente impraticvel por duas razes. Por um lado, o "economismo" revelou-se muito mais forte do que os supnhamos (empregamos o termo "economismo em sentido amplo, como foi explicado no artigo do, Iskra, n.. 12, dezembro de 1901: Uma Conversa com os Defensores do Economismo, artigo que traa por assim dizer, o esboo do trabalho que apresentamos ao leitor). Hoje inegvel que as diferentes opinies a respeito desses trs problemas explicam-se muito mais pela

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    oposio radical das duas tendncias na social-democracia russa, do, que pelas divergncias quanto a detalhes. Por outro lado, a perplexidade suscitada entre os economistas" pela exposio metdica de nossos pontos de vista no Iskra evidenciou que, freqentemente, falamos lnguas literalmente diferentes: que, por conseguinte, no podemos chegar a qualquer acordo se no comearmos ab ovo; que necessrio tentar .Uma explicao metdica to popular quanto possvel, ilustrada com exemplos concretos muito numerosos, com todos os "economistas", sobre todos os pontos capitais de nossas divergncias. E resolvi tentar tal "explicao, compreendendo perfeitamente que ela aumentaria consideravelmente as dimenses deste trabalho e retardaria seu aparecimento, mas no encontrei outro meio de cumprir a promessa feita no artigo Por Onde Comear?". As desculpas por esse atraso, necessrio acrescentar outras quanto extrema insuficincia da forma literria deste trabalho: tive de trabalhar com a maior das pressas e, ademais, foi interrompido freqentemente por toda a sorte de outros trabalhos. A anlise das trs questes indicadas anteriormente continua a ser o objeto deste trabalho, mas tive de comear por duas outras questes de ordem mais geral: por que uma palavra de ordem to "inofensiva" e natural" como "liberdade de crtica constitui para ns um verdadeiro grito de guerra? Por que, no podemos chegar a um acordo nem sequer sobre a questo fundamental do papel da social-democracia, em relao ao movimento espontneo das massas? Alm disso, a exposio dos meus pontos de vista sobre o carter e o contedo da agitao poltica visa a explicar a diferena entre a poltica sindical e a poltica social-democrata, e a exposio dos meus pontos de vista sobre as tarefas de organizao visa a explicar a diferena entre os mtodos artesanais de trabalho, que satisfazem os "economistas", e a organizao dos revolucionrios que consideramos indispensvel. Em seguida, insisto mais uma vez sobre o "plano" de um jornal poltico para toda a Rssia, pois as objees que tm sido feitas a esse respeito so inconsistentes e no respondem natureza da questo proposta no artigo "Por Onde Comear?": como poderemos empreender, simultaneamente e por todos os lados, a formao da organizao de que necessitamos? Enfim, na ltima parte do trabalho espero demonstrar que fizemos tudo o que dependia de ns para evitar a ruptura definitiva com os "economistas", ruptura que, entretanto, tornou-se inevitvel; que o Robtcheie Dielo adquiriu uma importncia especial, "histrica", se quiserem, porque exprimiu da maneira mais completa e com maior relevo, no o "economismo" conseqente,. mas a disperso e as incertezas que constituram o trao peculiar de todo um perodo da histria da social-democracia russa; que, por conseguinte, apesar de parecer bastante desenvolvida primeira vista, a polmica com o Rabtcheie Dielo tem sua razo de ser, pois no podemos seguir adiante sem, liquidar definitivamente esse perodo. fevereiro de 1902. N. Lnin I - DOGMTISMO E LIBERDADE DE CRTICA

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    a) QUE SIGNIFICA A LIBERDADE DE CRTICA? "Liberdade de crtica , sem dvida alguma, a palavra de ordem, mais em voga atualmente, aquela que aparece com mais freqncia nas discusses entre socialistas e democratas de todos os pases. A primeira vista, nada parece mais estranho do que ver um dos contraditores exigir solenemente a liberdade de crtica. Acaso nos partidos avanados ergueram-se vozes contra a lei constitucional que. na maioria dos pases europeus, garante a liberdade da cincia e da investigao cientfica? H algo escondido dir necessariamente todo homem imparcial que ouviu essa palavra de ordem em moda, repetida em todos os cantos, porm ainda no aprendeu o sentido do desacordo. Essa palavra de ordem , evidentemente. uma daquelas pequenas palavras convencionais que, como os apelidos so consagrados pelo uso e tornam-se quase nomes comuns. De fato, no constitui mistrio para ningum que, na social-democracia internacional de hoje, se tenham formado duas tendncias, cuja luta ora se anima e se inflama, ora se extingue sob as cinzas das grandiosas resolues de trguas. Em que consiste a nova tendncia que "critica o "velho marxismo "dogmtico", disse-o Bernstein, e demonstrou-o Millerand com suficiente clareza. A social-democracia deve transformar-se de partido da revoluo social em partido democrtico de reformas sociais. Essa reivindicao poltica, foi cercada por Bernstein com toda uma bateria de "novos" argumentos e consideraes muito harmoniosamente orquestrados. Nega ele a possibilidade de se conferir fundamento cientfico ao socialismo e de se provar, do ponto de vista da concepo materialista da histria, sua necessidade e sua inevitabilidade, nega a misria crescente, a proletarizao e o agravamento das contradies capitalistas; declara inconsistente a prpria concepo do "objetivo final", e rejeita categoricamente a idia da ditadura do proletariado; nega a oposio de princpios entre o liberalismo e o socialismo, nega a teoria da luta de classes, considerando-a inaplicvel a uma sociedade estritamente democrtica, administrada segundo a vontade da maioria etc. Assim, a exigncia de uma mudana decisiva - da social-democracia revolucionria para o reformismo social burgus - foi acompanhada de reviravolta no menos decisiva em direo crtica burguesa de todas as idias fundamentais do marxismo. E como essa crtica, de h muito, era dirigida contra o marxismo do alto da tribuna poltica e da ctedra universitria, em uma quantidade de publicaes e em uma srie de tratados cientficos: como, h dezenas de anos, era inculcada sistematicamente jovem gerao das classes instrudas, no de se surpreender que a "nova tendncia "crtica na social-democracia tenha surgido repentinamente sob sua forma definitiva, tal como Minerva da cabea de Jpiter. Em seu contedo, essa tendncia no teve de se desenvolver e de se formar; foi transplantada diretamente da literatura burguesa para a literatura socialista. Prossigamos. Se a crtica terica de Bernstein e suas ambies polticas permaneciam ainda obscuras para alguns, os franceses tiveram o cuidado de fazer uma demonstrao prtica, do "novo mtodo". Ainda desta vez a Frana justificou sua velha reputao de "pas em cuja histria a luta de classes, mais do que em qualquer outro, foi resolutamente conduzida at o fim" (Engels, trecho do prefcio ao Der 18 Brumaire de Marx). Ao invs de teorizar, os socialistas franceses agiram deliberadamente; as condies polticas da

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    Frana, mais desenvolvidas no sentido democrtico, permitiram-lhes passar imediatamente ao "bernsteinismo prtico com todas as suas conseqncias. Millerand deu um exemplo brilhante desse bernsteinismo prtico; tambm, com que empenho Bernstein e Volimar apressaram-se em defender e louvar Millerand! De fato, se a social-democracia no constitui, no fundo, seno um partido de reformas e deve ter a coragem de reconhec-lo abertamente, o socialismo no somente tem o direito de entrar em um ministrio burgus, como tambm deve mesmo aspirar sempre a isso. Se a democracia significa, no fundo, a supresso da dominao de classe, por que um ministro socialista no seduziria o mundo burgus com discursos sobre a colaborao das classes? Por que no conservaria ele sua pasta, mesmo aps os assassnios de operrios por policiais terem demonstrado pela centsima e pela milsima vez o verdadeiro carter da colaborao democrtica das classes? Por que no facilitaria pessoalmente o czar a quem os socialistas franceses no chamavam seno de knouteur, pendeur et dportateur? E para contrabalanar esse interminvel aviltamento e autoflagelao do socialismo perante o mundo inteiro, essa perverso da conscincia socialista das massas operrias - nica base que nos pode assegurar a vitria -, so nos oferecidos os projetos grandiloqentes de reformas insignificantes, insignificantes ao ponto de se poder ter obtido mais dos governos burgueses! Aqueles que no fecham os olhos, deliberadamente, no podem deixar de ver que a nova tendncia crtica no socialismo nada mais que uma nova variedade do oportunismo. E se tais pessoas forem julgadas, no a partir do brilhante uniforme que vestiram, nem tampouco do ttulo pomposo que se atriburam, mas a partir de sua maneira de agir e das idias que realmente divulgam, tornar-se- claro que a liberdade de crtica" a liberdade da tendncia oportunista na social-democracia, a liberdade de transformar esta em um partido democrtico de reformas, a liberdade de implantar no socialismo as idias burguesas e os elementos burgueses. A liberdade uma grande palavra, mas foi sob a bandeira da liberdade da indstria que foram empreendidas as piores guerras de pilhagem, foi sob a bandeira da liberdade do trabalho, que os trabalhadores foram espoliados. A expresso liberdade de crtica, tal como se emprega hoje, encerra a mesma falsidade. As pessoas verdadeiramente convencidas de terem feito progredir a cincia no reclamariam, para as novas concepes, a liberdade de existir ao lado das antigas, mas a substituio destas por aquelas. Portanto, os gritos atuais de "Viva a liberdade de crtica! lembram muito a fbula do tonel vazio. Pequeno grupo compacto, seguimos por uma estrada escarpada e difcil, segurando-nos fortemente pela mo. De todos os lados, estamos cercados de inimigos, e preciso marchar quase constantemente debaixo de fogo. Estamos unidos por uma deciso livremente tomada, precisamente a fim de combater o inimigo e no cair no pntano ao lado, cujos habitantes desde o incio nos culpam de termos formado um grupo parte, e preferido o caminho da luta ao caminho da conciliao. Alguns dos nossos gritam: Vamos para o pntano! E quando lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam: Como vocs so atrasados! No se envergonham de nos negar a liberdade de convid-los a seguir um caminho melhor! Sim, senhores, so livres no somente para convidar, mas de ir para onde bem lhes aprouver, at para o pntano; achamos, inclusive, que seu lugar verdadeiro precisamente no pntano, e, na medida de nossas foras, estamos prontos a ajud-los a

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    transportar para l os seus lares. Porm, nesse caso, larguem-nos a mo, no nos agarrem e no manchem a grande palavra liberdade, porque tambm ns somos livres para ir aonde nos aprouver, livres para combater no s o pntano, como tambm aqueles que para l se dirigem! ______________________ * A propsito. um fato quase nico na histria do socialismo moderno e extremamente consolador no seu gnero; pela primeira vez uma disputa entre tendncias diferentes no seio do socialismo ultrapassa o quadro nacional para se tornar internacional. Anteriormente, as discusses entre lassalianos e eisenachianos, entre guesdistas e possibilistas, entre fabianos e sociais-democratas, entre norodovoltsy e sociais-democratas eram puramente nacionais, refletiam particularidades puramente nacionais, desenrolavam-se, por assim dizer, em planos diferentes. Atualmente (isto aparece, hoje, claramente) os fabianos ingleses, os ministerialistas franceses, os bernsteinianos alemes, os crticos russos formam todos uma nica famlia, elogiam-se mutuamente, aprendem uns com os outros, e conduzem campanha comum contra o marxismo dogmtico. Ser que nessa primeira amlgama verdadeiramente internacional com o oportunismo socialista. a social-democracia revolucionria internacional fortalecer-se- suficientemente para acabar com a reao poltica que h tanto tempo prejudica a Europa? b) OS NOVOS DEFENSORES DA "LIBERDADE DE CRTICA" esta palavra de ordem (liberdade de crtica) que o Rabtcheie Dielo (n. 10), rgo da "Unio dos Sociais-Democratas Russos" no estrangeiro, formulou solenemente nesses ltimos tempos, no como postulado terico, mas como reivindicao poltica, corno resposta questo: possvel a unio das organizaes sociais-democratas funcionando no estrangeiro?" - "Para uma unio slida, a liberdade de crtica indispensvel" (p. 36). Daqui, duas concluses bastante precisas so extradas: 1) o Rabtcheie Dielo assume a defesa da tendncia oportunista na social-democracia internacional, em geral; 2) o Rabtcheie Dielo reclama a liberdade de oportunismo na social-dernocracia russa. Examinemos estas concluses. O que desagrada "acima de tudo ao Rabtcheie Dielo, a "tendncia que tm o Iskra e a Zaria de prognosticar a ruptura entre a Montanha e a Gironda da social-democracia internacional.*1 Falar de uma Montanha e de uma Gironda nos escales da social-democracia, escreve o redator-chefe do Rabtcheie Dielo, B. Kritchvski, parece-nos uma analogia histrica superficial, singular na pena de um marxista: a Montanha e a Gironda no representavam temperamentos ou correntes intelectuais diversas como poder parecer aos historiadores idelogos, mas classes ou camadas diversas: de um lado, a mdia burguesia, de outro, a pequeno-burguesia e o proletariado. Ora, no movimento socialista contemporneo, no existe coalizo de interesses de classe; em todas (sublinhado por Kritchvski) as suas variedades, a compreendidos os bernsteinianos mais declarados, o movimento coloca-se inteiramente no campo dos interesses da classe do proletariado, da luta de classe do proletariado para sua emancipao poltica e econmica(p. 32-33).

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    Afirmao ousada! Ignora B. Kritchvski o fato, h muito observado, de que foi precisamente a grande participao da camada de "acadmicos", no movimento socialista dos ltimos anos, que assegurou a rpida difuso do bernsteinismo? E, ainda mais, em que fundamenta o autor sua opinio para declarar que os "bernsteinianos mais declarados colocam-se, tambm eles, no campo da luta de classe para a emancipao poltica e econmica do proletariado? No seria possvel diz-lo. Esta defesa resoluta dos bernsteinianos mais declarados no encontra nenhum argumento, nenhuma razo para apoi-la. Mas, o que de mais "superficial pode haver do que esta maneira de julgar toda uma tendncia, a partir das prprias convices daqueles que a representam? O que h de mais superficial do que a moral que acompanha esses dois tipos ou caminhos diferentes, e mesmo diametralmente opostos, do desenvolvimento do Partido (p. 34-35 do Rabtcheie Dielo)? Observem que os sociais-democratas alemes admitem a completa liberdade de crtica; os franceses, ao contrrio, no o fazem, e o seu exemplo que demonstra todo o mal da intolerncia". Respondemos que precisamente o exemplo de B. Kritchvski aquele que mostra haver pessoas que, intitulando-se, por vezes marxistas, consideram a histria exatamente maneira de Iloviski". Para explicar a unidade do partido alemo e a disperso do partido socialista francs, no h nenhuma necessidade de se buscar as particularidades da histria de um ou outro pas, de se fazer comparaes entre as condies do semi-absolutismo militar e do parlamentarismo republicano, de se examinar as conseqncias da Comuna e da lei de exceo contra os socialistas, de se comparar a situao e o desenvolvimento econmicos, de se levar em conta o fato de que o crescimento mpar da social-democracia alem foi acompanhado de uma luta de vigor sem precedentes na histria do socialismo, no somente contra os erros tericos (Mhlberger, Dhring,*2 os socialistas da Ctedra), mas tambm contra os erros tticos (Lassalle) etc. etc. Tudo isto suprfluo! Os franceses discutem entre si, porque so intolerantes; os alemes so unidos, porque so bons rapazes. E, note-se bem, atravs dessa incomparvel profundidade de pensamento, "recusa-se" um fato que arruina completamente a defesa dos bernsteinianos. Colocam-se estes ltimos no campo da luta de classe do proletariado? Tal questo no pode ser definitivamente resolvida, e sem se voltar atrs, seno pela experincia histrica. Por conseguinte, o mais importante aqui o exemplo da Frana, o nico pas onde os bernsteinianos tentaram voar com suas prprias asas, com a calorosa aprovao de seus colegas alemes (e em parte, dos oportunistas russos: cf. Rab, Dielo, n.. 2-3, p., 83-84). Alegar a intransigncia" dos franceses, alm do valor "histrico de tal alegao ( maneira de Nozdrev, simplesmente dissimular, sob palavras acrimoniosas, fatos extremamente desagradveis. Alis, no temos nenhuma inteno de abandonar os a emes a B. Kritchvski e a outros inmeros defensores da "liberdade de crtica". Se os "bernsteinianos mais declarados" ainda so tolerados no partido alemo, unicamente na medida em que se submetem resoluo de Hanver, que rejeita deliberadamente as "emendas de Bernstein, e a de Lbeck, a qual (apesar de toda a diplomacia) contm uma advertncia formal dirigida a Bernstein. Do ponto de vista dos interesses do partido alemo, pode-se discutir a oportunidade desta diplomacia e perguntar se, neste caso, um mau acordo

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    vale mais do que uma boa discusso; em uma palavra, pode-se discordar sobre este ou aquele meio de rejeitar o bernsteinismo. mas no seria possvel ignorar o fato de o partido alemo t-lo repudiado por duas vezes, portanto, aceitar que o exemplo dos alemes confirma a tese de que "os bernsteinianos mais declarados colocam-se no campo da luta de classe do proletariado para sua emancipao econmica e poltica", significa que no se compreende absolutamente nada do que se passa sob os olhos de todos.*3 E ainda mais. O Rabtcheie Dielo, como j mostramos, apresenta social-democracia russa a reivindicao da liberdade de crtica" e defende o bernsteinismo. Aparentemente, deve ter-se convencido de que nossos "crticos" e nossos bernsteinianos eram injustamente maltratados. Mas, quais? Por quem, onde e quando? Por que injustamente? A esse respeito, o Rabtcheie Dielo cala-se; nem uma s vez menciona um crtico ou um bernsteiniano russo! S nos resta escolher entre as duas hipteses possveis. Ou a parte injustamente ofendida no seno o prprio Rabtcheie Dielo (o que confirmado pelo fato de os dois artigos do n.. 10 falarem unicamente das ofensas infligidas pela Zaria e pelo Iskra ao Rabtcheie Dielo). Mas, da, como explicar o estranho fato de o Rabtcheie Dielo, que sempre negou obstinadamente qualquer solidariedade com o bernsteinismo, no ter podido se defender seno em favor dos bernsteinianos mais declarados e da liberdade de crtica? Ou, ento, foram terceiros os injustamente ofendidos. Neste caso, quais seriam, pois, os motivos para no serem mencionados? Assim, vemos que o Rabtcheie Dielo continua o jogo de esconde-esconde, ao qual se dedica (como demonstraremos mais adiante) desde que existe. Ademais, note-se esta primeira aplicao prtica da famosa liberdade de crtica". De fato, esta liberdade logo reconduziu no somente ausncia de toda crtica, mas tambm ausncia de todo julgamento independente em geral. O mesmo Rabtcheie Dielo que oculta, como uma doena secreta (segundo a feliz expresso de Satrover), a existncia de um bernsteinismo russo, prope para curar essa doena copiar pura e simplesmente a ltima receita alem para o tratamento da forma alem de tal doena! Ao invs de liberdade de crtica, imitao servil... pior ainda: simiesca! As manifestaes do atual oportunismo internacional, em toda a parte idntico em seu contedo social e poltico, variam segundo as particularidades nacionais. Em um pas, as oportunidades h muito agrupam-se sob uma bandeira distinta; em outro, desdenhando a teoria, seguem praticamente a poltica dos socialistas radicais; em um terceiro, alguns membros do partido revolucionrio, que se passaram para o campo do oportunismo, desejam atingir os seus fins, no atravs de luta aberta por princpios e tticas novas, mas atravs de corrupo gradual, imperceptvel e, se que se pode dizer, no passvel de punio pelo seu partido; enfim, em outro lugar, esses desertores empregam os mesmos procedimentos nas trevas da escravatura poltica, onde a relao entre a atividade "legal" e a atividade "ilegal" etc., completamente original. Fazer da liberdade de crtica e da liberdade do bernsteinismo a condio da unio dos sociais democratas russos, sem uma anlise das manifestaes concretas e dos resultados particulares do bernsteinismo russo, falar sem nada dizer. Portanto, tentemos ns prprios dizer, ao menos em poucas palavras, o que no quis dizer (ou talvez no tenha sabido compreender) o Rabtcheie Dielo.

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    _______________ *1 A comparao entre as duas tendncias do proletariado revolucionrio (tendncia revolucionria e tendncia oportunista) e as duas tendncias da burguesia revolucionria do sculo XVIII (a tendncia jacobina - a "Montanha" - e a tendncia girondina) foi feita no editorial do nmero 2 do Iskra (fevereiro de 1901). Plekhnov o autor deste artigo. Falar do jacobinismo na social-dernocracia russa ainda hoje o tema favorito dos "cadets". Dos bezzaglavtsy, e dos mencheviques. Mas, como Pleknov utilizou esta noo, pela primeira vez, contra a ala direita da social-democracia, hoje em dia prefere-se esquecer ou silenciar sobre o fato. (Nota do autor edio russa de 1907. N. R.). *2 Quando Engels atacou Dhring, para quem se inclinavam muitos representantes da social-democracia alem, as acusaes de violncia, de intolerncia, de falta de camaradagem na polmica ergueram-se contra ele, at mesmo em pblico, no congresso do partido. Most e seus companheiros propuseram (no congresso de 1877) de no mais publicar no Vorwrts os artigos de Engels por no apresentarem interesse para a grande maioria dos leitores; Vahlteich declarou, de sua parte, que a incluso desses artigos prejudicara muito o Partido; que Dhring tambm prestara servios social-democracia: "Devemos utilizar todo o mundo no interesse do Partido. e se os professores discutem, o Vowrts no arena para tais disputas. (Vorwrts n.. 65, 6 de junho de 1877). Como se v, tambm esse um exemplo de defesa da liberdade de crtica", exemplo sobre o qual fariam bem em refletir os nossos crticos legais e oportunistas ilegais, que tanto gostam de se referir aos alemes! *3 preciso notar que, sobre a questo do bernsteinismo no Partido alemo, o Rabtcheie Dielo sempre se contentou em relatar pura e simplesmente os fatos, "abstendo-se" totalmente de uma apreciao prpria. Ver, por exemplo, o nmero 2-3, p. 66, sobre o congresso de Stuttgart: todas as divergncias se dirigem para a "ttica" e se constata apenas que a grande maioria permanece fiel ttica revolucionria anterior. Ou o nmero 4-5, p. 25 e seguintes, simples repetio dos discursos no congresso de Hanver, reproduzindo a resoluo de Bebel a exposio e a crtica de Bernstein so novamente remetidas a um artigo especial. 0 curioso que na pgina 33, no nmero 4-5, l-se: ... Acepes, expostas por Bebel, contam com o apoio da grande maioria do congresso, e um pouco mais adiante: ... David defendia as concepes de Bernstein... Em primeiro lugar, procurava mostrar que... Bernstein e seus amigos colocavam-se, apesar de tudo (sic) no campo da luta de classes... Isto foi escrito em dezembro de 1899, e, em setembro de 1901,o Rabtcheie Dieto sem dvida j perdeu a confiana na exatido das afirmaes de Bebel e retoma o ponto de vista de David como o seu prprio! c) A CRTICA NA RSSIA No que concerne nossa anlise, a particularidade essencial da Rssia consiste em que o prprio comeo do movimento operrio espontneo, de um lado, e a evoluo da opinio pblica avanada em direo ao marxismo, de outro, foram marcados pela combinao de elementos notadamente heterogneos sob uma mesma bandeira para a luta contra o inimigo comum

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    (contra uma filosofia poltica e social obsoletas). Referimo-nos lua-de-mel do marxismo legal", um .fenmeno de extrema originalidade, em cuja possibilidade ningum teria acreditado na dcada de 1880, ou no incio da dcada de 1890. Em um pas autocrtico, onde a imprensa completamente subjugada, em uma poca de terrvel reao poltica que reprimia as menores manifestaes de descontentamento e de protesto poltico, a teoria do marxismo revolucionrio abre repentinamente o caminho em uma literatura submissa censura, e esta teoria foi exposta na linguagem de Esopo, compreensvel. porm, a todos aqueles que se interessavam. O governo tinha se habituado a no considerar como perigosa seno a teoria da Norodnaia Volia (revolucionria); e no notava, como comum, a sua evoluo interna regozijando-se com toda crtica dirigida contra ela. Antes de o governo se aperceber, antes de o pesado exrcito de censores e policiais descobrir o novo inimigo e atirar-se sobre ele, muito tempo se passou (muito tempo para ns, russos). Ora, durante esse tempo, as obras marxistas foram editadas sucessivamente, foram fundados jornais e revistas marxistas; todo o mundo literalmente tornou-se marxista; os marxistas eram elogiados, adulados, os editores estavam entusiasmados com a venda extremamente rpida das obras marxistas. compreensvel que entre os marxistas principiantes, mergulhados na embriaguez do sucesso, tenha havido mais de um escritor envaidecido-... Hoje, pode-se falar desse perodo tranqilamente, como se fala do passado. Ningum ignora que a efmera emergncia do marxismo superfcie de nossa literatura provm da aliana com elementos bastante moderados. No fundo, esses ltimos eram democratas burgueses, e esta concluso (evidenciada por sua evoluo "crtica" ulterior) j se impunha a alguns poca em que a "aliana" ainda estava intacta.*1 Mas, assim sendo, a quem pertence a maior responsabilidade pelo "problema" ulterior, seno aos sociais-democratas revolucionrios que concluram esta aliana com os futuros "crticos"? Esta a questo, seguida de uma resposta afirmativa, que se ouve, por vezes, das pessoas que vem as coisas de maneira demasiado linear. Tais pessoas, porm, no tm razo alguma. S podem temer as alianas temporrias, mesmo com elementos inseguros, os que no possuem confiana em si prprios. Nenhum partido poltico poderia existir sem essas alianas. Ora, a unio com os marxistas legais foi, de qualquer modo, a primeira aliana, poltica verdadeira realizada pela social-democracia russa. Esta aliana permitiu alcanar uma vitria surpreendentemente rpida sobre o populismo, e assegurou a prodigiosa difuso das idias marxistas ( verdade que vulgarizadas). Alm disso, esta aliana no foi concluda completamente sem condies" . Testemunha-o a compilao marxista, Documentos Sobre o Desenvolvimento Econmico da Rssia, queimada em 1895 pela censura. Se se pode comparar o acordo literrio com os marxistas legais a uma aliana poltica, pode-se comparar tal obra a um contrato poltico. Evidentemente, a ruptura no se deve ao fato de os "aliados se terem declarado democratas burgueses. Ao contrrio, os representantes dessa ltima tendncia constituem, para a social-democracia, aliados naturais e desejveis, sempre que se trate de tarefas democrticas que a situao atual da Rssia coloca em primeiro plano. Mas, a condio necessria para tal aliana, que os socialistas tenham a plena possibilidade de revelar classe operria a

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    oposio hostil entre os seus interesses e os da burguesia. Ora, o bernsteinismo e a tendncia "crtica" a que aderiram, em geral, os marxistas legais, em sua maioria, removiam essa possibilidade e pervertiam a conscincia socialista, aviltando o marxismo, pregando a teoria da atenuao dos antagonismos sociais, proclamando absurda a idia da revoluo social e da ditadura do proletariado, reconduzindo o movimento operrio e a luta de classes a um sindicalismo estreito e luta "realista por reformas pequenas e graduais. Isso eqivalia perfeitamente negao, para a democracia burguesa, do direito do socialismo independncia e, por conseguinte, de seu direito existncia; e, na prtica, tendia a transformar o movimento operrio, ento em seus primrdios, em apndice do movimento liberal. evidente que, nessas condies, impunha-se a ruptura. Porm, pela particularidade original da Rssia, essa ruptura de novo consistiu em simplesmente eliminar os sociais-democratas da literatura "legal" , a mais acessvel ao pblico e a mais amplamente difundida. Os ex-marxistas", que se agruparam "sob o signo da crtica" e obtiveram quase o monoplio da "execuo" do marxismo, a se entrincheiraram. Os slogans, "contra a ortodoxia" e "viva a liberdade de crtica" (retomados agora pelo Rabtcheie Dielo) tornaram-se imediatamente palavras em moda. Nem mesmo os censores e os policiais puderam resistir a essa moda, como o mostram as trs edies russas do livro famoso (famoso maneira de Erstrato) Bernstein, ou a recomendao de Zoubatov das obras de Bernstein, de M. Prokopovitch etc. (Iskra n.. 10). Aos sociais-democratas impunha-se, ento, a tarefa j em si difcil, e ainda mais incrivelmente dificultada pelos obstculos puramente exteriores, de combater a nova corrente. Ora, tal corrente no se limitava literatura. A evoluo em direo crtica" encontrou-se com o entusiasmo dos sociais-democratas prticos pelo economismo".*2 O nascimento e o desenvolvimento da ligao e da dependncia recproca, entre a crtica legal e o "economismo" ilegal, constituem questo interessante, que poderia servir de objeto de um artigo especial. Aqui, basta-ns assinalar a existncia incontestvel dessa ligao. O famoso Credo adquiriu to merecida celebridade por ter formulado abertamente essa ligao, e divulgado incidentalmente a tendncia poltica fundamental do "economismo": para os operrios, a luta econmica (ou, mais exatamente, a luta sindical, que abrange tambm a poltica especificamente operria); para os intelectuais marxistas, a fuso com os liberais para a luta" poltica. A atividade sindical no povo" foi a realizao da primeira metade da tarefa; a crtica legal, da segunda. Essa declarao era uma arma to preciosa contra o economismo" que se o Credo no tivesse existido, teria sido necessrio invent-lo. O Credo no foi inventado, mas publicado sem o consentimento e talvez mesmo contra a vontade de seus autores. Em todo o caso, o autor destas linhas, que contribuiu para trazer luz o novo "programa",*3 teve ocasio de ouvir lamentaes e censuras pelo fato de o resumo dos pontos de vista dos oradores, por eles esboado, ter sido divulgado em cpias, rotulado com o nome de Credo, e mesmo publicado na imprensa com o protesto! Se recordamos esse episdio, porque ele revela um trao muito curioso de nosso "economismo": o temor publicidade. Este um trao do "economismo em geral, e no somente dos autores do Credo: Manifesta-se na Robtchaia Mysl o mais franco e honesto adepto do "economismo", e no Rabtcheie Dielo (que se ergueu contra a publicao de documentos economistas no

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    Vademecum, e. no Comit de Kiev, h cerca de dois anos, no quis autorizar que se publicasse sua "Profisso de F" em conjunto com a refutao*4 desta ltima; e manifesta-se, tambm. em muitos e muitos representantes do economismo. Esse temor da crtica, que demonstram os adeptos da liberdade de crtica, no poderia ser explicado unicamente pela astcia (ainda que a astcia, por vezes, desempenhe o seu papel: no vantajoso expor ao ataque do adversrio as tentativas ainda frgeis de uma nova tendncia!). No, a maioria dos economistas com uma sinceridade absoluta v (e pela prpria essncia do "economismo tem de faz-lo) sem benevolncia todas as discusses tericas, divergncias de faco, grandes problemas polticos, projetos de organizao dos revolucionrios etc. "Seria melhor deixar tudo isto aos estrangeiros. disse-me um dia um dos economistas bastante conseqentes, exprimindo, assim, esta opinio extremamente difundida (puramente sindical, mais uma vez), de que nossa incumbncia o movimento operrio, as organizaes operrias internas de nosso pas, e que todo o resto inveno dos doutrinrios, uma sobrestimao da ideologia, segundo a expresso dos autores da carta publicada no nmero 12 do Iskra, em unssono ao nmero 10 do Rabtcheie Dielo. Agora, a questo que se coloca : dadas essas particularidades da crtica e do bernsteinismo russos, qual devia ser a tarefa daqueles que, realmente e no apenas em palavras. desejam ser adversrios do oportunismo? Em primeiro lugar, era necessrio retomar o trabalho terico que, apenas comeado poca do marxismo legal, voltara ento a recair sobre os militantes ilegais, sem esse trabalho, o crescimento normal do movimento seria impossvel. Em seguida, era necessrio empreender uma luta ativa contra a crtica legal que corrompia profundamente os espritos. Enfim, era preciso combater vigorosamente a disperso e as flutuaes do movimento prtico, denunciando e refutando toda tentativa de rebaixar, consciente ou inconscientemente, nosso programa e nossa ttica. Sabe-se que o Rabtcheie Dielo no cumpriu nenhuma dessas tarefas, e mais adiante analisaremos detalhadamente essa verdade bem conhecida, sob os mais diversos ngulos. No movimento, desejamos simplesmente mostrar a contradio flagrante que existe entre a reivindicao da liberdade de crtica" e as particularidades de nossa crtica nacional e o "economismo" russo. Olhem a resoluo pela qual a Unio dos Sociais-Democratas Russos no Estrangeiro" confirmou o ponto de vista do Rabtcheie Dielo: No interesse do desenvolvimento ideolgico ulterior da social-democracia, reconhecemos que a liberdade de criticar a teoria social-democrata absolutamente necessria na literatura do partido, na medida em que esta crtica no contradiga o carter de classe e o carter revolucionrio desta teoria." (Dois Congressos, p. 10). E os motivos que se apresentam so: a resoluo "em sua primeira parte, coincide com a resoluo do congresso do Partido em Lbeck", a propsito de Bernstein... Na sua simplicidade, os (membros) da Unio" nem sequer notam o testimonium paupertatis (certificado de indigncia) que passam a si prprias!... "mas...., em sua segunda parte, restringe a liberdade de crtica de forma mais estrita do que no congresso de Lbeck".

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    Assim, a resoluo da "Unio ser dirigida contra os bernsteinianos russos? Seno, seria completamente absurdo referir-se a Lbeck!. Mas, falso que "restringe de forma mais estrita a liberdade de crtica". Pela sua resoluo de Hanver, os alemes rejeitaram, ponto por ponto, exatamente as emendas de Bernstein, e na resoluo de Lbeck, enderearam uma advertncia pessoal a Bernstein mencionando-o na resoluo. Entretanto, nossos imitadores "livres" no fazem a menor aluso a uma nica das manifestaes da crtica" e do "economismo" especificamente russos. Dada esta reticncia, a aluso pura e simples ao carter de classe e do carter revolucionrio da teoria deixa muito mais margem a falsas interpretaes, sobretudo se a "Unio" recusa-se a classificar no oportunismo a "tendncia dita economista" (Dois Congressos, p. 8 1). Mas, dizemos isso de passagem. O importante que as posies dos oportunistas, em relao aos sociais-democratas revolucionrios, so diametralmente opostas na Alemanha e na Rssia. Na Alemanha, os sociais- democratas revolucionrios, como se sabe, so favorveis manuteno do que existe: ao antigo programa e antiga ttica conhecidos de todos e explicados em todos os seus detalhes pela experincia de dezenas e dezenas de anos. Ora, os crticos" desejam fazer modificaes e, como esto em nfima maioria e suas tendncias revisionistas so demasiado tmidas, compreende-se os motivos por que a maioria limita-se a rejeitar friamente sua "inovao". Na Rssia, ao contrrio, crticos e economistas so favorveis manuteno do que existe: os crticos desejam que se continue a consider-los marxistas e que se lhes assegure "liberdade de crtica", da qual se beneficiam sob todos os aspectos (pois, no fundo, nunca reconheceram qualquer coeso dentro do Partido;*5 alm disso, no tnhamos um rgo do Partido universalmente reconhecido e capaz de "limitar" a liberdade de crtica, nem sequer por um conselho); os "economistas" desejam que os revolucionrios reconheam "os plenos direitos do movimento no momento atual" (Rab. Dielo n.. 10, p. 25), isto , a "legitimidade da existncia do que existe; que os idelogos no procurem desviar o movimento do caminho "determinado pela interao recproca dos elementos materiais e do meio material" ("carta" do nmero 12 do Iskra); que se reconhea como desejvel a luta, "a mesma luta que os operrios podem conduzir nas circunstncias atuais", e como possvel aquela "que eles conduzem. na realidade, no momento presente" ("Suplemento especial da Rabtchaia Mysl, p. 14). Porm, para ns, sociais-democratas revolucionrios, este culto do espontneo, isto do que existe "no momento presente", no nos diz nada. Exigimos que seja modificada a ttica que tem prevalecido nesses ltimos anos; declaramos que "antes de nos unir, e para nos unir, devemos comear por nos demarcar ntida e resolutamente" (anncio da publicao do Iskra). Em uma palavra, os alemes conformam-se ao estado atual das coisas e rejeitam as modificaes; quanto a ns, rejeitando a submisso e a resignao ao estado atual das coisas, exigimos a modificao. esta a pequena" diferena que nossos "livres" copiadores das resolues alems no notaram! ______________ *1 Aluso ao artigo de K. Touline contra Struve, artigo redigido com base na conferncia intitulada: Influencia do Marxismo Sobre a Literatura Burguesa.

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    *2 0 termo economismo foi utilizado entre aspas, da mesma forma que na traduo francesa, tendo em vista a inteno do Autor de ressaltar seu sentido irnico. (Nota da traduo brasileira). *3 Trata-se do Protesto dos 17 contra o Credo. 0 autor dessas linhas participou da redao desse protesto (fins de 1899). 0 protesto e o Credo foram impressos no exterior, na primavera de 1900. Sabe-se, agora, por um artigo da Senhora Kuskova (publicado no Byloie, creio eu) que foi ela a autora do Credo. E entre os "economistas dessa poca, no exterior, um papel marcante foi desempenhado por M. Prokopovitch. *4 Pelo que sabemos, a composio do Comit de Kiev foi modificada posteriormente. *5 Esta ausncia de coeso verdadeira no partido e de tradio de partido constitui, por si s, uma diferena fundamental entre a Rssia e a Alemanha, que deveria ter posto qualquer socialista de esprito sensato em guarda contra qualquer imitao cega. Aqui est uma amostra daquilo a que chegou a liberdade de crtica" na Rssia. O critico russo, M. Bulgkov, faz esta observao ao crtico austraco, Hertz: Apesar de toda a independncia de suas concluses, Hertz, quanto a esse ponto (a cooperao), permanece aparentemente bastante ligado opinio de seu partido e, embora em desacordo quanto aos detalhes, no se revolve a abandonar o princpio geral (0 Capitalismo e a Agricultura. t. 11, p. 287). Um sdito de um Estado politicamente escravizado, no qual 999/1000 da populao esto corrompidos at a medula dos ossos pelo servilismo poltico e no tm qualquer idia sobre a honra e a coeso do partido, repreende altura um cidado de um Estado constitucional, por estar demasiado ligado opinio do partido! Nada mais resta s nossas organizaes ilegais do que pe-se a redigir resolues sobre a liberdade de crtica.... D) ENGELS E A IMPORTNCIA DA LUTA TERICA "O dogmatismo, o doutrinarismo", a fossilizao do Partido, castigo inevitvel do estrangulamento forado do pensamento", tais so os inimigos contra os quais entram na arena os campees da "liberdade de crtica" do Rabtcheie Dielo. Apreciamos que esta questo tenha sido colocada na ordem do dia; apenas proporamos complet-la com esta outra questo: Mas, quem so os juizes? Temos diante de ns dois prospectos de edies literrias. O primeiro o "programa do Rabtcheie Dielo, rgo peridico da 'Unio dos Sociais-Democratas Russos (separata do nmero 1 do Rab. Dielo). O segundo o "anncio da retomada das edies do grupo 'Liberao do Trabalho. Todos os dois so datados de 1899, poca em que a "crise do marxismo" estava, h muito, na ordem do dia. Portanto, em vo procuraramos na primeira obra as indicaes sobre esta questo e uma exposio precisa da posio que pensa tomar, a esse respeito, perante o novo rgo. Quanto ao trabalho terico e suas tarefas essenciais hora presente, esse programa e seus complementos adotados; pelo Terceiro Congresso da "Unio"(em 1901) nada mencionam (Dois Congressos, p. 15-18). Durante todo esse tempo, a redao do Rabtcheie Dielo deixou de lado as questes de teoria, apesar de essas preocuparem os sociais-democratas do mundo inteiro.

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    O outro prospecto, ao contrrio, assinala logo de incio o descuramento do interesse pela teoria, no decurso desses ltimos anos; reclama, insistentemente, uma ateno vigilante para o aspecto terico do movimento revolucionrio do proletariado, e exorta a urna crtica implacvel das tendncias anti-revolucionrias, bernsteinianas, e outras", em nosso movimento. Os nmeros publicados da Zaria mostram como este programa foi aplicado. V-se assim, portanto, que as grandes frases contra a fossilizao do pensamento etc. dissimulam o desinteresse e a impotncia para fazer progredir o pensamento terico. O exemplo dos sociais democratas russos ilustra, de uma forma particularmente notvel, esse fenmeno comum Europa (e de h muito assinalado pelos marxistas alemes), de que a famosa liberdade de crtica no significa a substituio de uma teoria por outra, mas a liberdade com respeito a todo sistema coerente e refletido; significa o ecletismo e a ausncia de princpios. Quem conhece, por pouco que seja, a situao de fato de nosso movimento no pode deixar de ver que a grande difuso do marxismo foi acompanhada de certo abaixamento do nvel terico. Muitas pessoas, cujo preparo era nfimo ou nulo, aderiram ao movimento pelos seus sucessos prticos e importncia efetiva. Pode-se julgar a falta de tato demostrada pelo Rabtcheie Dielo, pela definio de Marx, que lanou de forma triunfante: "Cada passo avante, cada progresso real valem mais que uma dzia de programas". Repetir tais palavras nessa poca de dissenso terica eqivale a dizer vista de um cortejo fnebre: "Tomara que sempre tenham algo para levar!" Alm disso, essas palavras so extradas da carta sobre o programa de Gotha, na qual Marx condena categoricamente o ecletismo no enunciado dos princpios. Se a unio verdadeiramente necessria, escrevia Marx aos dirigentes do partido, faam acordos para realizar os objetivos prticos do movimento, mas no cheguem, ao ponto de fazer comrcio dos princpios, nem faam "concesses" tericas. Tal era o pensamento de Marx, e eis que h entre ns pessoas que, em seu nome, procuram diminuir a importncia da teoria! Sem teoria revolucionria, no h movimento revolucionrio. No seria demasiado insistir sobre essa idia em uma poca, onde o entusiasmo pelas formas mais limitadas da ao prtica aparece acompanhado pela propaganda em voga do oportunismo. Para a social-democracia russa em particular, a teoria assume importncia ainda maior por trs razes esquecidas com muita freqncia, a saber: primeiro, nosso partido apenas comeou a se constituir. a elaborar sua fisionomia, e est longe de ter acabado com as outras tendncias do pensamento revolucionrio que ameaam desviar o movimento do caminho certo. Ao contrrio, assistimos justamente nesses ltimos tempos (como Axelrod j h muito havia predito aos "economistas) ao recrudescimento das tendncias revolucionrias no sociais-democratas. Nessas condies, um erro "sem importncia" primeira vista pode acarretar as mais deplorveis conseqncias, e preciso ser mope para considerar inoportunas ou suprfluas as controvrsias de faco e a estrita delimitao dos matizes. Da consolidao deste ou daquele matiz pode depender o futuro da social-democracia russa por muitos e longos anos. Segundo, o movimento social-dernocrata , pela sua prpria essncia, internacional. Isso no significa somente que devemos combater o chauvinismo nacional. Significa, tambm que um movimento iniciado em um

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    pas jovem s pode ter xito se assimilar a experincia dos outros pases. Ora, para tanto no suficiente apenas conhecer essa experincia, ou limitar-se a copiar as ltimas resolues. preciso saber proceder anlise crtica dessa experincia e control-la por si prprio. Somente quando se constata o quanto se desenvolveu e se ramificou o movimento operrio contemporneo, pode-se compreender a reserva de foras tericas e de experincia poltica (e revolucionria) necessrias para se realizar essa tarefa. Terceiro, a social-democracia russa tem tarefas nacionais como nenhum outro partido socialista do mundo jamais o teve. Mais adiante, falaremos das obrigaes polticas e da organizao que nos impe essa tarefa: liberar todo um povo do jugo da autocracia. No momento, apenas indicaremos que s um partido guiado por uma teoria de vanguarda capaz de preencher o papel de combatente de vanguarda E para se fazer uma idia mais concreta do que isso significa, lembre-se o leitor dos predecessores da social-democracia russa, tais como Herzen, Bielnski, Tchernichvski e a brilhante pleiade de revolucionrios de 1870-1880; pense na importncia mundial de que a literatura, russa atualmente se reveste; e. mas, basta! Citaremos as observaes, feitas por Engels em 1874, sobre a importncia da teoria no movimento social-democrata. Engels; reconhecia na grande luta da social-democracia no apenas duas formas (poltica e econmica) - como se faz entre ns - mas trs, colocando a luta terica no mesmo plano. Suas recomendaes ao movimento operrio alemo, j vigorosa prtica e politicamente, so to instrutivas do ponto de vista dos problemas e discusses atuais, que o leitor, esperamo-lo, no se importar que transcrevamos o longo trecho do prefcio ao livro Der deutsche Bauernkrieg, que h muito j se tornou uma raridade bibliogrfica: "Os operrios alemes apresentam duas vantagens essenciais sobre os demais operrios da Europa. Primeiramente, pertencem, ao povo mais terico da Europa; alm disso, conservaram o senso terico j quase completamente desaparecido nas classes por assim dizer cultivadas" da Alemanha. Sem a filosofia alem que o precedeu, notadamente a de Hegel, o socialismo. alemo - o nico socialismo cientfico que j existiu - no teria sido estabelecido. Sem o sentido terico dos operrios, estes no teriam jamais assimilado esse socialismo cientfico, como o fizeram. E o que prova esta imensa vantagem , de um lado, a indiferena com respeito a toda teoria, uma das causas principais do pouco progresso do movimento operrio ingls, apesar da excelente organizao dos diferentes ofcios, e, de outro lado, a perturbao e a confuso provocadas pelo proudhonismo, em sua forma inicial, entre os franceses e os belgas, e, na sua forma caricaturada, que lhe deu Bakunin, entre os espanhis e os italianos. A segunda vantagem que os alemes integraram tardiamente o movimento operrio, tendo sido quase os ltimos. Do mesmo modo que o socialismo alemo jamais se esquecer de que foi erigido sobre os ombros de Saint-Simon, de Fourier de Owen, trs homens que, apesar de toda a fantasia e a utopia de suas doutrinas, encontram-se entre os maiores crebros de todos os tempos e se anteciparam genialmente a inumerveis idias, cuja exatido presentemente demonstramos de maneira cientfica, tambm o movimento operrio prtico alemo jamais deve esquecer-se que desenvolveu sobre os ombros dos movimentos ingls e francs, que pde simplesmente beneficiar-se de suas experincias adquiridas penosamente e evitar, no presente, seus

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    erros, ento na maioria inevitveis. Sem o passado dos sindicatos ingleses e das lutas polticas dos franceses, sem o impulso gigantesco dado especialmente pela Comuna de Paris, onde estaramos ns, hoje? preciso reconhecer que os operrios alemes souberam aproveitar as vantagens de sua situao, com rara inteligncia. Pela primeira vez, desde que existe um movimento operrio, a luta conduzida em suas trs direes - terica, poltica e econmico-prtica (resistncia contra os capitalistas) - com tanto mtodo e coeso. neste ataque concntrico, por assim dizer, que reside a fora invencvel do movimento alemo. De um lado, em ramo de sua posio vantajosa; de outro, em decorrncia das particularidades insulares do movimento ingls e da violenta represso do movimento francs, os operrios alemes, no momento, colocam-se na vanguarda da luta proletria. No possvel prever durante quanto tempo os acontecimentos, lhes permitiro ocupar esse posto de honra.. Mas, enquanto o ocuparem, de se esperar que cumpriro seu dever, como convm. Para tanto, devero redobrar os esforos, em todos os domnios da luta e da agitao. Os dirigentes, em particular, devero instruir-se cada vez mais sobre todas as questes tericas, libertar-se cada vez mais da influncia das frases tradicionais, pertencentes s concepes obsoletas do mundo, e jamais se esquecer que o socialismo, desde que se tornou uma cincia, exige ser tratado, isto , estudado, como uma cincia. A tarefa consistir, a seguir, em difundir com zelo cada vez maior entre as classes operrias, as concepes sempre mais claras, assim adquiridas, e em consolidar de forma cada vez mais poderosa a organizao do partido e dos sindicatos... ... Se os operrios alemes continuarem a agir assim, no digo que marcharo frente do movimento - no de interesse do movimento que os operrios de uma nica nao, em particular, marchem frente -, mas ocuparo um lugar de honra na linha de combate; e estaro armados e prontos se provas difceis e inesperadas, ou ainda grandes acontecimentos exigirem deles maior coragem, deciso e ao. As palavras de Engels revelaram-se profticas. Alguns anos mais tarde, os operrios alemes foram inesperadamente submetidos dura provao da lei de exceo contra os socialistas. E os operrios alemes encontram-se de fato suficientemente preparados para sair vitoriosos. O proletariado russo ter de sofrer provas ainda infinitamente mais duras, ter de combater um monstro perto do qual o da lei de exceo, em um pas constitucional, parece um pigmeu. A histria nos atribui, agora, uma tarefa imediata, a mais revolucionria de todas as tarefas imediatas do proletariado de qualquer pas. A realizao dessa tarefa, a destruio do baluarte mais poderoso, no somente da reao europia, mas tambm (podemos agora dize-lo) da reao asitica, far do proletariado russo a vanguarda do proletariado revolucionrio internacional. E temos o direito de esperar que obteremos este ttulo honorrio merecido j pelos nossos predecessores, os revolucionrios de 1870-1880, se soubermos animar com o mesmo esprito de deciso e a mesma energia irredutvel. nosso movimento, mil vezes mais amplo e mais profundo. II - A ESPONTANEIDADE DAS MASSAS E 0

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    ESPRITO DA CONSCINCIA DA SOCIAI-DEMOCRACIA Dissemos que era necessrio animar nosso movimento, infinitamente maior e mais profundo que aquele de 1870-1880, com o mesmo esprito de deciso e a mesma energia sem limites. De fato, at o presente parece que ningum ainda duvidara de que a fora do movimento contemporneo estivesse no despertar das massas (e principalmente do proletariado industrial), e sua fraqueza residisse na falta de conscincia e de esprito de iniciativa dos dirigentes revolucionrios. Nesses ltimos tempos, contudo, foi feita uma descoberta espantosa, que ameaa subverter todas as idias adquiridas sobre este ponto. Esta descoberta obra do Rabtcheie Dielo que, em sua polmica com o Iskra e a Zaria, no se ateve a objees particulares e tentou reconduzir o "desacordo geral sua raiz mais profunda: a uma "apreciao diferente da importncia relativa do elemento espontneo e do elemento conscientemente metdico"'. A tese de acusao do Rabtcheie Dielo expressa o seguinte: subestimao da importncia do elemento objetivo ou espontneo do desenvolvimento". *1 Ao que respondemos: se a polmica do Iskra e da Zaria no tivesse outro resultado seno o de levar o Rabtcheie Dielo a descobrir esse "desacordo geral", este resultado, por si s, dar-nos-ia grande satisfao, a tal ponto esta tese significativa, e esclarece nitidamente o fundo das divergncias tericas e polticas que separam, hoje, os sociais democratas russos. Alm disso, a questo das relaes entre a conscincia e a espontaneidade oferece um imenso interesse geral, e exige um estudo detalhado. A) INCI0 DO IMPULSO ESPONTNEO No captulo anterior assinalamos o entusiasmo generalizado da juventude russa instruda pela teoria marxista, por volta de 1895. Foi tambm nessa mesma poca, que as greves operrias, aps a famosa guerra industrial de 1896 em Petersburgo, revestiram-se de um carter geral. Sua extenso por toda a Rssia atestava claramente a profundidade do movimento popular que de novo surgia, e se falamos do "elemento espontneo, certamente nesse movimento de greves que devemos consider-lo, antes de tudo. Mas, h espontaneidade e espontaneidade. Houve, na Rssia, greves nas dcadas de 1870 e 1880 (e mesmo na primeira metade do sculo XIX), que foram acompanhadas da destruio espontnea de mquinas etc. Comparadas a esses "tumultos, as greves aps 1890 poderiam mesmo ser qualificadas de "conscientes, tal foi o progresso do movimento operrio nesse intervalo. Isto nos mostra que o elemento espontneo", no fundo, no seno a forma embrionria do consciente. Os tumultos primitivos j traduziam certo despertar da conscincia: os operrios, perdiam sua crena costumeira na perenidade do regime que os oprimia; comeavam... no direi a compreender, mas a sentir a necessidade de uma resistncia coletiva, e rompiam deliberadamente com a submisso servil s autoridades. Era, portanto. mais uma manifestao de desespero e de vingana que de luta. As greves aps 1890 mostram-nos melhor os lampejos de conscincia: formulam-se reivindicaes precisas, procura-se prever o momento favorvel, discutem-se certos casos e exemplos

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    de outras localidades etc. Se os tumultos constituam simplesmente a revolta dos oprimidos, as greves sistemticas j eram o embrio mas, nada alm do embrio - da luta de classe. Tomadas em si mesmas, essas greves constituam uma luta sindical, mas no ainda social-democrata; marcavam o despertar do antagonismo entre operrios e patres; porm, os operrios no tinham, e no podiam ter, conscincia da oposio irredutvel e de seus interesses com toda a ordem poltica e social existente, isto , a conscincia social-democrata. Nesse sentido, as greves aps 1890, apesar do imenso progresso que representaram em relao aos "tumultos, continuavam a ser um movimento essencialmente espontneo. Os operrios, j dissemos, no podiam ter ainda a conscincia social-democrata. Esta s podia chegar at eles a partir de fora. A histria de todos os pases atesta que, pela prprias foras, a classe operria no pode chegar seno conscincia sindical, isto , convico de que preciso unir-se em sindicatos, conduzir a luta contra os patres, exigir do governo essas ou aquelas leis necessrias aos operrios etc.*2 Quanto doutrina socialista, nasceu das teorias filosficas, histricas, econmicas elaboradas pelos representantes instrudos das classes proprietrias, pelos intelectuais. Os fundadores do socialismo cientfico contemporneo, Marx e Engels, pertenciam eles prprios, pela sua situao social, aos intelectuais burgueses. Da mesma forma, na Rssia, a doutrina terica da social-democracia surgiu de maneira completamente independente do crescimento espontneo do movimento operrio; foi o resultado natural, inevitvel do desenvolvimento do pensamento entre os intelectuais revolucionrios socialistas. A poca de que falamos, isto , por volta de 1895, essa doutrina constitua no apenas o programa perfeitamente estabelecido do grupo Liberao do Trabalho, mas tambm conquistara para si a maioria da juventude revolucionria da Rssia. Assim, pois, houve ao mesmo tempo um despertar espontneo das massas operrias, despertar para a vida consciente e para a luta consciente, e uma juventude revolucionria que, armada da teoria social-democrata, buscava aproximar-se dos operrios. Quanto a isso, particularmente importante estabelecer este fato esquecido com freqncia (e relativamente pouco conhecido), de que os primeiros sociais-democratas desse perodo, que se dedicavam com ardor agitao econmica (contando, para isso, com as indicaes verdadeiramente teis do folheto Sobre a Agitao, poca ainda manuscrito) longe de considerar essa agitao como sua tarefa nica, atribuam desde o comeo social-democracia russa as grandes tarefas histricas, em geral, e a tarefa da derrubada da autocracia, em particular. Assim, o grupo dos sociais-democratas de Petersburgo, que fundou a Unio de Luta para Liberao de Classe Operria redigiu, j em fins de 1895, o primeiro nmero de um jornal intitulado Rabtcheie Dielo. Pronto para ser impresso, esse nmero foi apreendido pelos policiais numa busca efetuada na noite de 8 para 9 de dezembro de 1895, em casa de um dos membros, do grupo, Anat. Alex. Vaneiev,*3 de forma que o Rabtcheie Dielo do primeiro perodo no pde ver a luz do dia. O editorial desse jornal (que, talvez, em trinta anos uma revista como a Russkaia Starina exumar dos arquivos do departamento de polcia) expunha as tarefas histricas da classe operria na Rssia, entre as quais colocava-se em primeiro plano a conquista da liberdade poltica. Seguiam-se um artigo, Em que Pensam Nossos Ministros?" sobre o saque dos Comits de instruo elementar pela polcia, bem como uma srie

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    de artigos de correspondentes, no s de Petersburgo, como de outras localidades da Rssia (por exemplo, sobre um massacre de operrios na provncia de Iaroslavl. Assim, se no me engano, esse "primeiro ensaio" dos sociais-democratas russos de 1890-1900 no era um jornal estritamente local, e ainda menos de carter econmico, visava a unir a luta grevista ao movimento revolucionrio dirigido contra a autocracia e levar todos os oprimidos, vtimas da poltica do obscurantismo reacionrio, a apoiar a social-democracia. E para quem quer que conhea um pouco o estado do movimento nessa poca, est fora de dvida que um jornal como esse encontrou toda a simpatia dos operrios da capital e dos intelectuais revolucionrios, e teve a maior difuso. O fracasso do empreendimento provou simplesmente que os sociais-democratas de ento eram incapazes de corresponder s exigncias do momento, por falta de experincia revolucionria e de preparao prtica. O mesmo se deve dizer do Rabtchaia Listok de So Petersburgo, e sobretudo da Rabtchaia Gazeta e do Manifesto do Partido Operrio Social-Democrata da Rssia, fundado na primavera de 1898. Subentenda-se que no nos passa pela cabea a idia de censurar os militantes da poca pela sua falta de preparao. Mas, para aproveitar a experincia do movimento e da extrair lies prticas, preciso considerar extensivamente as causas e a importncia desse ou daquele defeito. Por isso, extremamente importante estabelecer que uma parte (talvez mesmo a maioria) dos sociais-democratas militantes de 1895-1898 considerava com justa razo possvel, aquela poca, no comeo mesmo do movimento espontneo, preconizar um programa e uma ttica de combate mais extensos.*4 Ora, a falta de preparao entre a maior parte dos revolucionrios, sendo um fenmeno perfeitamente natural, no podia dar lugar a qualquer apreenso particular. A partir do momento em que as tarefas eram bem definidas; a partir do momento em que se possua bastante energia para tentar de novo realiz-las, os fracassos momentneos constituam apenas meio mal. A experincia revolucionria e a habilidade de organizao so coisas que se adquirem. preciso apenas desenvolver em ns mesmos as qualidades necessrias! preciso que tenhamos conscincia de nossos defeitos, o que, no trabalho revolucionrio, j mais de meio caminho para os corrigir. Mas, o que era meio mal tornou-se um mal verdadeiro, quando esta conscincia comeou a se obscurecer (porm, ela era bastante viva entre os militantes dos. grupos acima mencionados), quando surgiram pessoas - e mesmo rgos sociais-democratas - prontas a erigir os defeitos em virtudes, e tentando mesmo justificar teoricamente sua idolatria, seu culto do espontneo. tempo de fazer o balano dessa tendncia, caracterizada de maneira muito inexata pelo termo economismo, demasiado estreito para exprimir o contedo. _____________ *1 Rabtcheie Dielo n.. 10, setembro de 1901, p, 17 e 18. *2 O sindicalismo no exclui absolutamente toda poltica, como por vezes se pensa. Os sindicatos sempre conduziram certo tipo de propaganda e certas lutas polticas (porm, no sociais-democratas). No captulo seguinte, exporemos a diferena entre a poltica sindical e a poltica social-democrata. *3 A. Vaneiev morreu em 1899, na Sibria Oriental, de tuberculose contrada durante sua priso preventiva. Por isso, julgamos possvel publicar

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    as informaes no texto: respondemos por sua autenticidade, pois provm de pessoas que conheceram pessoal e intimamente A. Vaneiev. *4 Criticando a atividade dos sociais-democratas dos ltimos anos de sculo XIX, o Iskra no leva em conta a ausncia, essa poca, de condies para um trabalho, que no a luta em favor de pequenas reivindicaes." Assim falam os economistas em sua Carta aos rgos Sociais-Democratas Russos (Iskra, n.. 12). Os fatos citados no texto provam que essa afirmao sobre a ausncia de condies diametralmente oposta verdade. No apenas por volta de 1900, mas tambm em 1895, todas as condies foram reunidas para permitir outro trabalho alm da luta por pequenas reivindicaes, salvo uma preparao suficiente dos dirigentes. E eis que em lugar de reconhecer abertamente esta falta de preparao entre ns, idelogos, dirigentes, os "economistas querem rejeitar toda a culpa quanto ausncia de condies, influncia do meio material determinando o caminho, do qual nenhum idelogo conseguir desviar o movimento. O que isto seno submisso servil ao espontneo, a admirao dos idelogos pelos seus prprios defeitos? B) O CULTO DO ESPONTNEO. A RABTCHAIA MYSL Antes de passar s manifestaes literrias desse culto, assinalaremos o seguinte fato caracterstico (cuja fonte foi acima mencionada), que lana certa luz sobre o nascimento e o crescimento entre os camaradas militantes de Petersburgo, de um desacordo entre as duas futuras tendncias da social-democracia russa. No incio de 1897, A. Vaneiev e alguns de seus camaradas tiveram ocasio de participar, antes de sua partida para o exlio, de uma reunio privada, onde se encontraram os "velhos e os "jovens membros da "Unio de Luta para a Liberao da Classe Operria. A conversa girou principalmente sobre a organizao e, em particular, sobre os "estatutos das caixas operrias", publicados sob sua forma definitiva no nmero 9-10 do Listok "Rabtnika" (p. 46). Entre os "velhos (os "dezembristas", como eram chamados em tom de gracejo pelos sociais-democratas de Petersburgo) e alguns dos jovens (que mais tarde colaboraram ativamente na Rabtchaia Mys1) manifestou-se logo uma divergncia muito ntida, e se estabeleceu ardente polmica. Os "jovens defendiam os princpios essenciais dos estatutos, tais como tinham sido publicados. Os "velhos diziam que no era isto o que se colocava em primeiro lugar; que era preciso, inicialmente, consolidar a Unio de Luta para dela fazer uma organizao de revolucionrios, qual estariam subordinadas as diversas caixas operrias, os crculos de propaganda entre a juventude das escolas etc. Bem entendido, as duas partes estavam longe de ver nessa divergncia o germe de um desacordo; ao contrrio, consideravam-na isolada e acidental. Esse fato, porm, mostra que o nascimento e a difuso do "economismo na Rssia no se fizeram igualmente sem luta contra os "velhos sociais-democratas (o que os economistas de hoje freqentemente esquecem). E se essa luta no deixou, na maior parte dos casos, traos "documentais, unicamente porque a composio dos crculos em

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