Upload
usp-br
View
0
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
PASSADO, PRESENTE E FUTURO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
João Carlos Areosa
Mestrando em Direito Processual Civil na PUC-SP. Pós-
Graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio
Vargas – RJ. Especialista em Direito Societário e Mercado
de Capitais pela Fundação Getúlio Vargas – RJ. Graduado
pela PUC-RJ. Membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem, da
AASP e do IASP. Advogado.
RESUMO: O artigo objetiva analisar o panorama
histórico dos embargos de divergência no Brasil,
apresentando suas principais características,
procedimento e controvérsias. Diante da importância
dada ao tema da uniformização da jurisprudência e
previsibilidade das decisões judiciais, pelos
autores do Projeto do Novo Código de Processo
Civil, este estudo perpassa pelos termos do texto
proposto para regular essa espécie recursal.
PALAVRAS-CHAVE: Embargos de Divergência –
Divergência jurisprudencial – Recurso Especial –
Recurso Extraordinário – Projeto do Novo Código de
Processo Civil.
PAST, PRESENT AND FUTURE OF THE APPEAL FOR
RESOLUTION OF CONFLICT IN PREVIOUS CASE LAW
1
ABSTRACT: The article aims to analyze the
historical of the appeal for resolution of conflict
in previous case law in Brazil, presenting its main
features, procedure and controversies. Given the
importance attached to the issue of uniformity of
law and predictability of judicial decisions, by
the authors of the Project of the New Code of Civil
Procedure, this study permeates the terms of the
proposed text to regulate this sort appeal.
KEYWORDS: Appeal for resolution of conflict in
previous case law – Jurisprudence Divergence –
Especial Appeal – Extraordinary Appeal – Project of
the New Code of Civil Procedure.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Função, distinção e
cabimento dos embargos de divergência – 2.1 O
objetivo – 2.2. Distinções entre os Embargos de
Divergência, os Embargos infringentes, o Recurso
Especial (105, III, “c”), o incidente de
uniformização e o artigo 555, §1º, do Código de
Processo Civil – 2.2.1. Embargos de Divergência vs.
Recurso Especial (artigo 105, inciso III, alínea
“c”) – 2.2.2. Embargos de Divergência vs. Incidente
de uniformização de jurisprudência – 2.2.3.
Embargos de Divergência vs. Embargos Infringentes –
2.3. Características indispensáveis ao acórdão
embargado – 2.4. Características indispensáveis ao
2
acórdão paradigma – 3. Comprovação da divergência –
4. Efeitos da interposição dos embargos de
divergência – 5. Procedimento e julgamento – 6. O
projeto do novo código de processo civil e a
análise acerca da necessidade de manutenção dessa
espécie recursal – 7. Conclusões – 8. Bibliografia.
1. Introdução
Historicamente1, o ordenamento processual civil
brasileiro cuidou de solucionar eventuais divergências
quanto à interpretação e aplicação da lei no âmbito dos
Tribunais2. Ainda na década de 30 do século passado foram
editados dois diplomas legislativos (a Lei nº. 319/373 e,
em seguida, o artigo 8534, do Código de Processo Civil de1 Para uma visão mais abrangente: ASSIS, Araken de. Manual dosRecursos. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012, p. 877-881.2 Helena Najjar Abdo ressalta que os embargos de divergência, “na exataconfiguração prevista no art. 546 do CPC, não parecem ter paradigmanas legislações processuais estrangeiras. A despeito disso, é comumaos vários sistemas processuais dos demais países a previsão derecursos que comunguem da mesma finalidade, qual seja, a de garantir auniformidade da jurisprudência.” ABDO, Helena Najjar. Embargos deDivergência: aspectos históricos, procedimentais, polêmicos e dedireito comparado. In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa ArrudaAlvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Vol.9. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 242.3 Lei n°. 319 de 15.11.1937.4 Art. 853. Conceder-se-á recurso de revista para as Câmaras Civisreunidas, nos casos em que divergirem, em suas decisões finais, duas(2) ou mais Câmaras, ou turmas, entre si, quanto ao modo deinterpretar o direito em tese. Nos mesmos casos, será o recursoextensivo à decisão final de qualquer das Câmaras, ou turmas, quecontrariar outro julgado, também final, das Câmaras reunidas.Parágrafo único. Não será lícito alegar que uma interpretação divergede outra, quando, depois desta, a mesma Câmara, ou turma, que aadotou, ou as Câmaras reunidas, hajam firmado jurisprudência uniformeno sentido da interpretação contra a qual se pretende reclamar.(Redação Original)
3
1939) responsáveis pela implantação do recurso de revista
como meio hábil para sanar eventual disparidade entre
acórdãos da mesma Corte.
De acordo com o artigo 853 do Código de Processo
Civil de 1939, buscava-se a uniformização intra muros da
jurisprudência do respectivo Tribunal por meio do efetivo
julgamento das teses jurídicas alegadamente conflitantes.
Não obstante o objetivo preconizado pelo recurso de
revista, nos parece correto afirmar que a origem dos
embargos de divergência está mesmo atrelada ao Decreto-lei
Art. 853 - Conceder-se-á recursos de revista nos casos em quedivergirem, em suas decisões finais, duas ou mais câmaras, turmas ougrupos de câmaras, entre si, quanto ao modo de interpretar o direitoem tese. Nos mesmos casos, será o recurso extensivo à decisão final dequalquer das câmaras, turmas ou grupos de câmaras, que contrariaroutro julgado, também final, das câmaras cíveis reunidas. (Redaçãodada pela Lei nº 1.661, de 1952).§ 1º - Não será lícito alegar que uma interpretação diverge de outra,quando, depois desta, a mesma câmara, turma ou grupo de câmaras, que aadotou, ou as câmaras cíveis reunidas, hajam firmado jurisprudênciauniforme no sentido da interpretação contra a qual se pretendereclamar. (Incluído pela Lei nº 1.661, de 1952).§ 2º - A competência para o julgamento de recurso, em cada caso, seráregulada pela Lei. (Incluído pela Lei nº 1.661, de 1952).§ 3º Do acórdão que julgar o recurso de revista não é admissívelinterpor nova revista. (Incluído pela Lei nº 4.333, de 1964).
4
n°. 6, de 16.11.1937, em especial ao seu artigo 6°, inciso
II, b. 5 6
À luz desses instrumentos de resolução de
divergências intra muros – leia-se recurso de revista e os
embargos do supracitado Decreto-lei –, cumpre mencionar,
com esteio em Carvalho Santos7, que, na sessão de
04.09.1940, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao
analisar Questão de Ordem suscitada no bojo de recurso de
revista (artigo 853, Código de Processo Civil 1939)
5 “Art. 6 Admitem-se embargos para o tribunal pleno dos julgamentos dasturmas:I, quando o acórdão embargado não confirmar por unanimidade a decisãorecorrida;II, quando, embora não se verifique unanimidade no julgamento, oacórdão embargado: a) deixar de aplicar, por inconstitucional, lei ou ato do Presidenteda República (Constituição, art. 96);b) estiver em manifesta divergência com a jurisprudência do TribunalPleno ou da outra turmaIII, nos casos de recurso extraordinário, sempre que o Tribunalresolva entrar no conhecimento da questão federal, que deu lugar àinterposição do recurso.”6 Em sentido contrário: “Todavia, o STF, ao interpretar de formaliteral o mencionado artigo, entendeu que ele não se aplicava aorecurso extraordinário, na medida em que naquele órgão não existiriamas "câmaras reunidas".De modo a impor a revisão do entendimento do STF, foi promulgada a Lei623/1949 que introduziu o parágrafo único ao art. 833, nos seguintestermos: ‘Parágrafo único. Além de outros casos admitidos em lei, sãoembargáveis, no STF, as decisões das Turmas, quando divirjam entre si,ou de decisão tomada pelo Tribunal Pleno.’ Esse pode ser considerado omarco criador dos embargos de divergência na legislação processualcivil brasileira, sendo certo que, a partir daí, havia uma dualidaderecursal: se a divergência ocorresse no âmbito dos tribunaisestaduais, cabível o recurso de revista, no STF, embargos dedivergência.” LASPRO, Oreste Nestor de Souza. O objeto dos embargos dedivergência, Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais,vol. 186, p. 9, ago. 2010.7 SANTOS, J. M. de Carvalho. Código de Processo Civil interpretado. Rio deJaneiro: Freitas Bastos, V. 9, 1947, p. 377-381.
5
interposto com o fito de sanar alegada divergência acerca
da interpretação das turmas daquela Corte, considerou tão
somente os embargos previstos no Decreto-lei n°. 6 como o
recurso cabível para saná-las, assentando, em última
análise, que a aplicação do recurso de revista deveria
ficar restrito às câmaras reunidas dos tribunais
intermediários.8
Embora bastante criticado à época9, tal
entendimento veio a prevalecer no Pretório Excelso, razão
pela qual o legislador entendeu por bem inserir,
posteriormente, no Código de Processo Civil de 1939, a
seguinte previsão no bojo do artigo 833: “Além de outros
casos admitidos em lei, serão embargáveis, no Supremo
Tribunal Federal, as decisões das Turmas, quando divirjam
entre si, ou de decisão tomada pelo Tribunal Pleno.”10
Nos dias atuais, releva mencionar a critica de
Barbosa Moreira11, no sentido de ter sido injustificável a
relutância do Supremo Tribunal Federal em conhecer do recurso
de revista tão somente pelo fato do artigo 833, caput, do
Código de Processo Civil de 1939 fazer referência expressa
às Câmaras Cíveis Reunidas.
8 Esse posicionamento foi bastante criticado à época. Cf. Hamilton deMoraes e Barros, A revista no sistema do código de processo civil, n.30, p. 30. apud ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 2012, p. 880.9 MONIZ DE ARAGÃO, E. D. Embargos Infringentes. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,1974, p. 129/130.10 Lei nº. 623, de 19 de fevereiro de 1949.11 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio deJaneiro: Forense, 2006, p. 633.
6
Fato é que, em razão de justificativas nem sempre
bem fundamentadas, bem como à vista de o recurso
extraordinário (interponível, à época, contra violação à
legislação infraconstitucional e constitucional) já possuir
a divergência como hipótese de cabimento, nos termos do
artigo 114, III, “d”, da Constituição Federal de 196712, o
recurso de revista fora alijado do anteprojeto do Código de
Processo Civil de 1973, porquanto se dizia não ser oportuna
a existência de diversos instrumentos com o mesmo
desiderato13.
Parte da doutrina rememora que os autores do
anteprojeto do Código de Processo Civil de 1973 sequer
elencaram os embargos de divergência no texto elaborado, o
que apenas ocorreu em emenda quando o Projeto do Código já
tramitava no Senado Federal.14
12 Art. 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal: (...)III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas, emúnica ou última instância, por outros Tribunais, quando a decisãorecorrida: (Redação dada pelo Ato Institucional nº. 6, de 1969) (...)d) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dadooutro Tribunal ou o próprio Supremo Tribunal Federal.13 “A função do recurso é idêntica à da revista, e bem diferente dosembargos de declaração e dos embargos infringentes, porque propicia auniformidade da interpretação.” ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos.4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012, p. 880. “O recursoprevisto no atual art. 546 (e no respectivo parágrafo único doprimitivo texto do Código) nada tem a ver, na substância, com osembargos infringentes (Capítulo IV) nem como os embargos de declaração(Capítulo V). Sua finalidade é análoga à do recurso de revista dodireito anterior: propiciar a uniformização da jurisprudência interna dotribunal quanto à interpretação do direito em tese.” BARBOSA MOREIRA,José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,2006, p. 632.14 No Senado Federal, o artigo 546 recebeu a seguinte redação:Art. 546. O processo e o julgamento do recurso extraordinário, noSupremo Tribunal Federal, obedecerão ao que dispuser o respectivoregimento interno. (Revogado pela Lei nº 8.038, de 1990)
7
Assim, o texto original do artigo 546, parágrafo
único, do Código de Processo Civil, cujo teor autorizava a
apresentação de embargos de divergência no âmbito do
Supremo Tribunal Federal, vigorou até a edição da Lei n°.
8.038, de 28.05.1990, que sem mais nem menos o ab-rogou, ao
mesmo tempo em que o recriou, restringindo a disciplina e a
possibilidade de utilização dessa via (artigo 29)15 à
decisão de turma do recém-criado Superior Tribunal de
Justiça em sede de recurso especial.
Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal, com base
em seu regimento interno, continuou a receber os embargos
de divergência apresentados. Isso porque os Ministros do
Supremo Tribunal Federal entenderam que suas normas
regimentais possuem força de lei à luz do que se lê do
artigo 119, §3º, “c” da Constituição Federal de 196916. Se
se considerar válido tal raciocínio, não há que se falar em
Parágrafo único. Além dos casos admitidos em lei, é embargável, noSupremo Tribunal Federal, a decisão da turma que, em recursoextraordinário, ou agravo de instrumento, divergir do julgamento deoutra turma ou do plenário.15 “Art. 29. É embargável, no prazo de 15 (quinze) dias, a decisão daturma que, em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma,da seção ou do órgão especial, observando-se o procedimentoestabelecido no regimento interno.”16 “O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) e as normasde direito processual dele constantes - Preceitos materialmentelegislativos - Regras processuais (como a do art. 317 do RISTF)editadas pelo STF, com fundamento em poder normativo primárioatribuído a esta Suprema Corte pela Carta Política de 1969 (art. 119,§ 3º, "c") - Recepção - Precedentes (RTJ 147/1010 - RTJ 151/278-282 -RTJ 190/1084-1088) - Doutrina.” (RE-Edv-Agr 382.939-PR, j. 15.02.2006,Relator Ministro Celso de Mello).
8
violação ao artigo 22, inciso I, da Constituição Federal
vigente.17
Todavia, essa discussão perdeu objeto diante da Lei
n°. 8.950, de 13.12.1994. Tal iniciativa legislativa teve o
condão de adicionar os embargos de divergência no rol
taxativo do artigo 496, do Código de Processo Civil, bem
como inserir as respectivas hipóteses de cabimento, nos
termos dos incisos I e II, do artigo 546, do Caderno
Processual Civil. O parágrafo único, por sua vez, franqueou
ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (“RISTF”)
e do Superior Tribunal de Justiça (“RISTJ”) a
regulamentação do procedimento dos embargos de divergência.
2. Função, distinção e cabimento dos Embargos de
Divergência
2.1. O objetivo
Os embargos de divergência são regulados pelo
Código de Processo Civil, notadamente os artigos 496,
inciso VIII, e artigo 546. Além disso, e por força do
parágrafo único, do artigo 546, o RISTF (artigo 330 a 336)
e o RISTJ (artigo 266 e 267) regulamentam o procedimento
17 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
9
dessa espécie recursal no seio daqueles Tribunais
Superiores.18
A doutrina não duvida que a função institucional
dos embargos de divergência seja a de uniformização de
teses jurídicas em casos concretos que possuam a mesma
premissa fática no âmbito dos Tribunais Superiores, mesmo
porque estes tribunais já têm como dever constitucional
fixar a correta interpretação à legislação federal, seja
infraconstitucional, seja constitucional, ao apreciar os
recursos excepcionais que lhe são dirigidos, de acordo com
a competência positivada na Carta Magna.19
A despeito do interesse público de uniformização do
entendimento dos Tribunais Superiores, como observa Cândido
Rangel Dinamarco, na esteira das lições de Calamandrei,
Carnelutti e Celso Agrícola Barbi, o recurso posto à
disposição da parte vencida e que depende da iniciativa
desta para ser conhecido por órgão jurisdicional desempenha
também função inerente à busca por uma solução que sirva
aos seus interesses particulares, ainda que para alcançar
18 Embora não seja objeto deste trabalho, é sempre bom lembrar que háprevisão dos embargos de divergência no âmbito do Tribunal Superior doTrabalho, sendo certo que há súmulas de grande valia para a aplicaçãodesse recurso no âmbito do STF e STJ.19 “O fim a que visam os embargos de divergência é o de provocar aextinção da divergência intestina que eventualmente grassar no STF eno STJ. A Constituição outorgou a tais tribunais superiores, aoprimeiro em matéria constitucional, ao segundo no tocante ao direitofederal, funções uniformizadoras. Instituiu, para atender a essafinalidade, respectivamente, o recurso extraordinário e o recursoespecial, limitada a análise do quadro recursal.” ASSIS, Araken de.Manual dos Recursos. p. 881/882.
10
esse objetivo seja necessário perpassar pela missão
institucional20.
Nos embargos de divergência não poderia ser
diferente, uma vez que os recursos extraordinários e
especiais – plano de cabimento dessa espécie –, é certo
dizer, visam a “propiciar a autoridade, a efetividade e a
uniformidade interpretativa das normas de direito federal
em todo o território do país”21, embora num segundo plano
decorra da escorreita aplicação dessas funções
institucionais a defesa do direito subjetivo das partes.
2.2. Distinções entre os Embargos de Divergência, os
Embargos infringentes, o Recurso Especial (105, III, “c”),
o incidente de uniformização e o artigo 555, §1º, do Código
de Processo Civil
Em sua essência, os embargos infringentes, o
recurso especial com base no dissídio jurisprudencial, o
incidente de uniformização e o instituto do art. 555, §1º,
Código de Processo Civil, têm como pedra de toque a função
de uniformizar, alinhar, pacificar a interpretação de teses
de direito de acordo com as balizas previstas na legislação
de regência.
20 DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo Civil Empresarial. São Paulo:Malheiros, 2011, p. 100/101.21 Idem, p. 101.
11
Por isso, conquanto detenham funções semelhantes
não há que se confundir ou mesmo imaginar que em dada
situação possa haver dúvida acerca do cabimento de um ou de
outro.
2.2.1. Embargos de Divergência vs. Recurso Especial (artigo
105, inciso III, alínea “c”)
Há duas distinções significativas entre os embargos
de divergência e o recurso especial, notadamente com base
em dissídio jurisprudencial. A primeira delas é com relação
ao âmbito de uniformização de cada um deles, isto é,
enquanto o recurso especial com fulcro na alínea “c” do
inciso III, do artigo 105, da Constituição Federal, busca a
pacificação da jurisprudência entre Tribunais
intermediários, bem como desses com o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, os embargos de divergência
têm como missão a uniformização das posições adotadas
dentro do mesmo Tribunal Superior (Supremo Tribunal Federal
ou Superior Tribunal de Justiça).
Aliás, daí decorre a segunda diferença: os embargos
de divergência podem ser utilizados tanto no Supremo
Tribunal Federal quanto no Superior Tribunal de Justiça, em
outras palavras, podem veicular questão infraconstitucional
ou constitucional, dependendo de onde for identificada a
divergência. Diferentemente, o Recurso Especial cinge-se à
12
matéria infraconstitucional e, portanto, apenas pode ser
apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça.
2.2.2. Embargos de Divergência vs. Incidente de
uniformização de jurisprudência
Patente, no particular, as diferentes naturezas
desses instrumentos. Os embargos de divergência são espécie
recursal (artigo 496, VIII, Código de Processo Civil), o
que não ocorre com o segundo, incidente propriamente dito.
Logo, o primeiro tem caráter corretivo enquanto que
o segundo busca estritamente prevenir a divergência
(atuação retrospectiva e prospectiva, respectivamente), por
isso deve ser utilizado antes do julgamento caso concreto e
prolação do acórdão que se acredita implicará em resultado
distinto de posicionamento anteriormente adotado no âmbito
de determinado Tribunal.
O incidente de uniformização de jurisprudência pode
ser empregado em reexame necessário, ação rescisória e
demais recursos, enquanto que os embargos de divergência
estão restritos aos acórdãos proferidos em recurso
extraordinário e recurso especial, ou seja, são lançados
apenas no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal
de Justiça ao passo que o incidente de uniformização pode
ser manejado em todos os tribunais intermediários e no
Superior Tribunal de Justiça. No Supremo Tribunal Federal
13
não se admite a utilização desse instrumento de
uniformização em função de não haver previsão expressa em
seu Regimento Interno22, ao contrário do Superior Tribunal
de Justiça.
Por último, e por ser instituto correlato, “a
relevante questão de direito” contida no artigo 555, §1º,
Código de Processo Civil, também visa, mediante a
identificação do relator do recurso, prevenir divergências
entre câmaras ou turmas do mesmo Tribunal, de forma que não
há qualquer semelhança com o procedimento dos embargos de
divergência.
2.2.3. Embargos de Divergência vs. Embargos Infringentes
A disparidade entre esses instrumentos também pode
ser facilmente identificada, na medida em que os embargos
infringentes, nos termos do artigo 530, do Código de
Processo Civil, têm lugar em casos de julgamento não
unânime de mérito – condição inafastável – em apelação ou
em ação rescisória, podendo ser utilizados nos tribunais
intermediários ou superiores. Na verdade, segundo o artigo
333, inciso IV, do RISTF, também podem ser manejados contra
a decisão não unânime que julgar a representação de
22 “A violação de literal disposição de lei (art. 485, III, do C.P.C.)pressupõe violação frontal e direta à lei. Os arts. 478 e 479 doC.P.C. inseridos na uniformização de jurisprudência, não foramcogitados na decisão do Tribunal Federal de Recursos. Além disso, esseincidente não existe no âmbito do jurisprudencial do Supremo TribunalFederal.” STF, Pleno, Ação Rescisória n°. 1.198 – 8 – DF, MinistroRelator Djaci Falcão, j. 23.08.1988.
14
inconstitucionalidade. Os embargos infringentes têm como
finalidade extirpar a divergência entre magistrados de um
mesmo órgão colegiado.
Visto isso, os embargos de divergência, bem
diferentemente, estão limitados ao Supremo Tribunal Federal
e ao Superior Tribunal de Justiça, e são cabíveis
independentemente do acórdão embargado ter sido unânime ou
por maioria de votos, tendo como objetivo precípuo a
uniformização da jurisprudência entre os órgãos colegiados
desses Tribunais Superiores.
Por fim, os embargos de divergência apenas podem
vergastar acórdãos proferidos por Turma do Supremo Tribunal
Federal ou Superior Tribunal de Justiça, enquanto que os
embargos infringentes não possuem tal limitação, podendo
ser lançados no bojo de qualquer órgão colegiado cuja
decisão contenha, ao final, voto vencido, nos termos do
artigo 530 e ss, do Código de Processo Civil.
2.3. Características indispensáveis ao acórdão embargado
Como preceitua o artigo 546, do Código de Processo
Civil, as decisões de Turma do Supremo Tribunal Federal e
do Superior Tribunal de Justiça – e de Turma somente23 –
podem ser objeto de embargos de divergência.
23 Não são cabíveis embargos de divergência contra acórdãos tomados emSeção, Órgão Especial ou Plenário, bem como de decisões monocráticas.
15
No Superior Tribunal de Justiça, a decisão será
embargável se o resultado encontrado por uma Turma divergir
do de outra Turma, Seção ou do Órgão Especial.
Na hipótese de a divergência ser entre Turmas da
mesma Seção, esta será a competente para pôr termo à
eventual disparidade. Mas, se a divergência for instaurada
entre Turmas de Seções distintas os embargos de divergência
serão submetidos ao Órgão Especial, A mesma competência do
Órgão Especial será observada caso a divergência seja
verificada entre decisão colegiada tomada por Seção –
distinta em relação a que pertença a Turma julgadora do
acórdão embargado – ou se o julgado paradigma for emanado
do próprio Órgão Especial.
No Supremo Tribunal Federal, os embargos de
divergência podem ser apresentados no caso do julgado
proferido pelo colegiado de uma das Turmas esteja em
conflito com o da outra ou do Plenário. Em qualquer das
hipóteses, o órgão máximo desse Tribunal Superior deverá
processar e julgar eventual conflito entre julgados
comprovadamente análogos.
A divergência apenas pode dizer respeito a acórdãos
de recursos especiais ou extraordinários que tenham o mesmo
grau de cognição. Isto é, firmou-se a compreensão de que,
para a admissibilidade dos embargos de divergência, faz-se
necessário que tanto o acórdão embargado quanto o paradigma
16
guardem, no que se prende à profundidade, o mesmo grau de
cognição em torno do objeto da controvérsia24. Não
interessa, para tais fins, se a decisão colegiada restou
unânime ou por maioria.
Não são poucas as críticas a essa posição. Aliás,
colhem-se apontamentos didáticos de perspicaz voto-vista do
Ministro Sálvio de Figueiredo, nos autos do EREsp
244.525/SP, acerca da irrelevância do grau de cognição dos
julgados para fins de interposição dos embargos de
divergência – posição esta da qual comungamos inteiramente
–, não obstante a posição dos Tribunais Superiores, no
particular, permaneça pacífica.25
“Aduza-se que em nenhum momento restou sufragada no
mencionado julgado a restrição dos embargos de divergência aos
casos em que fosse analisado, monocraticamente, o mérito do
recurso especial. Sem dúvida, seria uma incongruência assim
decidir, já que, nos termos da jurisprudência deste Tribunal e das
lições transcritas pelo em. Ministro Franciulli os embargos de
divergência têm cabimento para dirimir dissídio a respeito de
qualquer matéria, tanto preliminar como de mérito, processual ou
de direito material, mostrando-se irrelevante, igualmente, o
conhecimento ou não do apelo especial.”24 STJ, Terceira Seção, EREsp 1.053.323 – SP, Ministro Relator GeraldoOg Fernandes, j. 13.05.2009. STJ, Corte Especial, AgRg nos ERESP1.212.191 – MG, Ministro Relator Arnaldo Esteves Lima, j. 12.05.2011.STJ, Segunda Seção, Ministra Relatora Nancy Andrighi, AgRg nos EAg1.396.876 – BA, j. 10.10.2012.25 STJ, Órgão Especial, EREsp 571.642 – PR, Ministra Relatora ElianaCalmon, j. 01.08.2008. STJ, Órgão Especial, EREsp 260.691 – SP,Ministro Relator João Otávio Noronha, j. 19.12.2007.
17
Barbosa Moreira, Araken de Assis, Eduardo Arruda
Alvim e Cassio Scarpinella Bueno também criticam o fato de
os Tribunais Superiores vedarem o uso de embargos de
divergência quando um os julgados não tenha o mesmo grau de
cognição, muito em razão do Código de Processo Civil não
ter feito tal restrição e, não raro, haver acórdão que
perpasse todas as alegações de mérito para, ao final,
deixar de conhecer o recurso em apreço.26
Na realidade, para a doutrina majoritária, o
importante é que a questão objeto da divergência esteja
suficientemente clara e delineada no julgado, a fim de que
possa ser cotejada em sede de embargos de divergência.
Paralelamente, cumpre frisar que a Corte Especial
do Superior Tribunal de Justiça entende que não cabem
embargos de divergência com a finalidade de discutir
eventual equívoco quanto ao exame dos requisitos de
admissibilidade de recurso especial, tais como a
deficiência de fundamentação, a ausência de
prequestionamento, o reexame de provas, ou mesmo a
necessidade de interpretação de cláusulas contratuais.27
26 “A questão é tanto mais interessante porque é bastante comum que oacórdão do recurso extraordinário ou especial não conheça do recursopor razões que são, substancialmente, de mérito, por terem, aquelesrecursos, ‘fundamentação vinculada’”. BUENO, Cassio Scarpinella. CursoSistematizado de Direito Processual Civil. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, Vol.5. p. 352.27 STJ, Órgão Especial, AgRg nos EREsp 1191545 – RJ, Ministro RelatorArnaldo Esteves Lima, j. 29.08.2012.
18
Com relação aos acórdãos provenientes de julgamento
de embargos de declaração, não pairam dúvidas acerca da
impossibilidade de se interpor embargos de divergência
diretamente. O acertado é concluir-se pela possibilidade de
apresentar embargos de divergência do acórdão do recurso
especial ou extraordinário se os embargos de declaração
tiverem integrado ou modificado a sorte da decisão
primitiva.
Também cumpre pontuar que não cabem embargos de
divergência de acórdãos proferidos no julgamento de ações
de competência originária dos Tribunais Superiores, Habeas
Corpus, Mandado de Segurança, Recurso Ordinário e Ação
Cautelar.28 A interpretação restritiva do artigo 546,
incisos I e II é feita de forma implacável pelos Tribunais
Superiores.
28 “PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.PARADIGMA PROFERIDO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.INADMISSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. 1. A jurisprudência desta Corte não admite embargos de divergênciaquando o julgado paradigma foi proferido em Recurso Ordinário emMandado de Segurança, pois os requisitos de admissibilidade desserecurso com o recurso especial possuem circunstâncias quedescaracterizam o dissídio.2. Precedentes: AgRg nos EREsp 1187845/ES, Rel. Min. BeneditoGonçalves, Primeira Seção, DJe 1.6.2011; AgRg nos EREsp 793.405/RJ,Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJe9.5.2011; AgRg nos EREsp 726.200/AP, Rel. Min. Eliana Calmon,Primeira Seção, DJe 4.8.2010; AgRg na Pet 5.543/BA, Rel. Min. AldirPassarinho Junior, Corte Especial, DJ 3.9.2007; AgRg nos EREsp693.716/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJ 1.08.2006.Agravo regimental improvido.” STJ, Primeira Seção, AgRg nos EREsp 1.179.978 – RJ, Ministro RelatorHumberto Martins, j. 28.04.2012.
19
Seguindo nessa toada, por meio dos embargos de
divergência não é possível impugnar decisão monocrática
proferida pelo Ministro Relator em sede de recurso
extraordinário ou recurso especial seja pela necessidade de
esgotamento das vias impugnativas, seja pela manifesta
escolha do legislador, restringindo o cabimento apenas
contra a “decisão da turma”.29 30
Frise-se que é de suma importância discernir as
hipóteses de cabimento de embargos de divergência a ser
eventualmente interposto em face do acórdão que julga
agravo interno contra decisão monocrática. Isso porque a
sistemática dos agravos alterou-se de forma relevante,
impondo a adaptação de súmulas e até mesmo do artigo 330 do
RISTF, senão vejamos.
Nos termos do artigo 544, caput, pela redação da
Lei n°. 12.322/2010, contra as decisões de
inadmissibilidade de recurso especial ou extraordinário
caberá agravo nos próprios autos, o qual será apreciado
pelo Ministro Relator designado no Supremo Tribunal Federal
ou Superior Tribunal de Justiça (artigo 544, §4º, Código de
Processo Civil).
Caso sobrevenha decisão monocrática, deixando de
conhecer o recurso ou a ele negando provimento, caberá
29 STJ, Órgão Especial, EREsp 275.039 – SP, Ministro Relator Ruy Rosadode Aguiar, j. 16.06.2003.30 STF, Pleno, AgRg nos ERE 432918 – SP, Ministro Relator Dias Toffoli,j. 23.04.2011.
20
agravo interno, nos termos do artigo 545, Código de
Processo Civil, no prazo de 5 (cinco) dias. Contra esse
acórdão não caberão embargos de divergência, pois não se
estará apreciando o recurso excepcional propriamente dito,
mas sim os termos da decisão de admissibilidade. Essa é a
ratio da Súmula STJ 315.31
Por outro lado, se o recurso especial ou
extraordinário vier a ser julgado monocraticamente pelo
Ministro Relator do Tribunal Superior competente, com base
nas faculdades conferidas pelo artigo 557, caput e §1º-A, o
acórdão do agravo interno que vier a ser interposto poderá
ser objeto de embargos de divergência. Idêntica conclusão
se chega ao se analisar a hipótese de o Ministro relator
julgar o agravo nos próprios autos (art. 544 §4º, Código de
Processo Civil), dando-lhe provimento, e na mesma ocasião
julgar o mérito do recurso extraordinário ou especial. Se
for interposto agravo interno, a decisão da Turma poderá
dar ensejo à interposição de embargos de divergência. Essa
é a inteligência da Súmula STJ 316.32
Em razão dessa breve explanação, o Supremo Tribunal
Federal, na sessão plenária de 26.04.2007, cancelou
definitivamente a Súmula STF 599, por flagrante
incompatibilidade à sistemática atual do agravo.33 31 Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumentoque não admite recurso especial.32 Cabem embargos de divergência contra acórdão que, em agravoregimental, decide recurso especial.33 Defendendo o cancelamento da Súmula STF 599, o professor ArrudaAlvim afirmou em artigo sobre a questão que “Por tudo isso é que
21
Para Eduardo Arruda Alvim, está correto o
entendimento da jurisprudência34 em autorizar a
interposição de embargos de divergência tão somente do
acórdão que vier a julgar o agravo interno interposto
contra a respectiva decisão monocrática – cujo conteúdo
diga respeito ao mérito do recurso especial ou
extraordinário, frise-se – em atenção ao princípio da
unirrecorribilidade das decisões. 35 36
Para mais da divergência não poder ser identificada
em outras espécies recursais ou ações de competência
uma interpretação literal da Súm. 599 do STF há de ser afastada - porque não se amolda ounão se coaduna com o sistema de direito positivo da atualidade e à crescente ampliação dospoderes do relator pelas leis mais recentes -, merecendo, a Súm. 599 do STF, uma releitura euma interpretação sistemática, de molde a se admitir, portanto, o cabimento dos embargos dedivergência contra acórdão (decisão de mérito) de uma das Turmas do Supremo TribunalFederal que julga o agravo regimental interposto em face de decisão monocrática (de mérito)de relator de recurso extraordinário - desde que, naturalmente, ocorrentes os seuspressupostos.” Cabimento de embargos de divergência contra acórdão (demérito) de Turma, proferido em agravo regimental, tirado de decisão derelator de recurso extraordinário – Imprescindibilidade de umareleitura da Súmula 599/STF.” Revista de Processo, Vol. 144, p. 9, SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2007.34 STJ, Primeira Seção, ERESP 747.064 – PR, Ministra Relatora DeniseArruda, j. 26.09.2007.35 “Por tudo, é possível concluir em prol do cabimento dos embargos dedivergência contra acórdão proferido em agravo interno ou regimental,no qual houve efetivo julgamento dos recursos especial ou extraordinário, aindaque de forma indireta, mediata. Se, ao contrário o acórdão prolatadono agravo interno versar apenas sobre o agravo nos próprios autos emsi, não cabem embargos de divergência.” SOUZA, Bernardo Pimentel.Introdução aos Recursos Cíveis. 2011, p. 554.36 “Vem em abono desse entendimento o princípio da unirrecorribilidadedas decisões. Se a decisão monocrática eventualmente proferida comsupedâneo no art. 557 ainda pode ser objeto de agravo interno (§1º, doart. 557), quer nos parecer que não se pode admitir possa serimpugnada, também, por embargos de divergência. Primeiro, há de serinterposto o agravo interno; sucessivamente, então, será possívelcogitar da interposição dos embargos de divergência.” ALVIM, EduardoPellegrini de Arruda. Curso de Direito Processual Civil. 2010, p. 960/961.
22
originária, o embate objeto dos embargos de divergência
deve respeitar a competência do Tribunal Superior
respectivo. Em outras palavras, os embargos de divergência
interpostos perante o Superior Tribunal de Justiça não
podem veicular questão constitucional, da mesma forma que
aqueles protocolizados perante o Supremo Tribunal Federal
não podem buscar a uniformização em matéria
infraconstitucional.37
Arremate diverso pode ser obtido por um leitor
menos atento ao analisar a letra do artigo 330, do RISTF38,
cuja redação original é anterior à constituição Federal de
1988, ou seja, antes da criação do Superior Tribunal de
Justiça e a conseguinte repartição de competências.
Na espécie, concordamos com a conclusão de Cândido
Rangel Dinamarco acerca dessa incompatibilidade sistemática.
Assenta o renomado professor que “são inadmissíveis os
embargos de divergência opostos pelo adversário do ora
consulente mediante invocação de possíveis divergências
implantadas no plano exclusivamente infraconstitucional,
sem passar ao da Constituição Federal. (...) Ora, sabendo-
se que esse tema se reporta à disciplina dos embargos
declaratórios no nível infraconstitucional do Código de
37 STJ, Órgão Especial, AgRg nos EAg 1345775 – PI, Ministro RelatorJoão Otávio de Noronha, j. 07.11.2012.38 Art. 330. Cabem embargos de divergência à decisão de Turma que, emrecurso extraordinário ou em agravo de instrumento, divergir dejulgado de outra Turma ou do Plenário na interpretação do direitofederal. (Atual competência do STJ: art. 105, III e c, da CF/1988.CF/1988: art. 102, III, a, b e c.)
23
Processo Civil, segue-se que o Supremo Tribunal Federal não
tem competência para julgar os embargos de divergência
assim opostos, dada a sua institucional destinação a
preservar a efetividade das normas residentes na
Constituição Federal e unificar a interpretação dessas
normas.”39
Não há dúvidas de que a divergência apontada deva
ser atual. Isso quer significar que não serão cabíveis
embargos de divergência em hipóteses que a jurisprudência
do respectivo tribunal já tenha debatido acerca da tese
jurídica agitada e firmado sua posição. Nesse sentido:
Súmula STJ 16840, Súmula STF 24741 e artigo 332, do RISTF.42
Todavia, qualquer alteração jurídica, política,
social ou econômica no país que justifique mudança de
direção deve ser levada em consideração pelo Ministro
relator, o qual, em tese, poderá propor a sua revisão, nos
termos do artigo 103 c/c 332 do RISTF. Tal assertiva
justifica-se para que a jurisprudência dos Tribunais
Superiores não fique engessada, devendo evoluir em
consonância com a sociedade civil.
39 DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo Civil Empresarial. p. 102/103.40 Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência dotribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado.41 O relator não admitirá os embargos da lei 623, de 19/2/1949, nemdeles conhecerá o Supremo Tribunal Federal, quando houverjurisprudência firme do plenário no mesmo sentido da decisãoembargada.42 Art. 332. Não cabem embargos, se a jurisprudência do Plenário ou deambas as Turmas estiver firmada no sentido da decisão embargada, salvoo disposto no art. 103.
24
Demais disso, no âmbito do Supremo Tribunal
Federal, há firme entendimento, com base no art. 331 do
RISTF43, de que se o recurso extraordinário tiver sido
interposto com base em jurisprudência alegadamente
divergente sobre a mesma quaestio iuris e, na ocasião do
julgamento, o órgão julgador entender por bem desprovê-lo,
desconsiderando, em última análise, a divergência apontada,
não poderá o recorrente interpor ulteriores embargos de
divergência, repisando a divergência já rechaçada. Essa
posição está estampada nas Súmulas STF 247 e 598.44
Nada obstante o referido dispositivo seja anterior
à Constituição de 1988, que confinou divergência pretoriana
como hipótese de cabimento apenas do recurso especial, o
mesmo raciocínio se aplica na esfera do Superior Tribunal
de Justiça, especialmente, em caso de recurso especial
interposto com base no artigo 105, incido III, alínea “c”,
da Constituição Federal. Para Cassio Scarpinella Bueno,
“[o] entendimento é correto e deve ser prestigiado porque
os embargos de divergência não podem ser utilizados como
mero recurso interposto com vista à modificação do quanto
43 Art. 331. A divergência será comprovada mediante certidão, cópiaautenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficialou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sidopublicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgadodisponível na internet, com indicação da respectiva fonte,mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ouassemelhem os casos confrontados.44 Nos embargos de divergência não servem como padrão de discordânciaos mesmos paradigmas invocados para demonstrá-la, mas repelidos comonão dissidentes no julgamento do recurso extraordinário.
25
decidido em sede de recurso extraordinário e, por
identidade de motivos, em sede de recurso especial.”45
2.4. Características indispensáveis ao acórdão paradigma
No que tange ao acórdão paradigma, as exigências
não diferem muito daquelas apresentadas no âmbito do
acórdão embargado.
O acórdão paradigma, segundo firme jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça,
deve ter sido conhecido e tirado necessariamente de
julgamento de recurso extraordinário e especial,
respectivamente. Essa posição recebe crítica ferrenha da
doutrina, uma vez não haver razão para se limitar a
indicação da divergência, dado que a lei não prevê tal
restrição.
Não obstante, há vozes no Superior Tribunal de
Justiça em sentido contrário, como se depreende do voto
proferido pelo Ministro Luiz Fux no bojo do EREsp 341.655:
“Os embargos foram admitidos com ressalvas.
Nesse particular, acrescento que os recebo sem ressalvas. É que em
meu sentir, concessa venia a) os embargos de divergência visam a
que o Superior Tribunal de Justiça como órgão máximo da
uniformização jurisprudencial nacional não revele antinomias na
45 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 3ªEd. São Paulo: Saraiva, 2011, Vol. 5. p. 351.
26
apreciação das questões submetidas ao seu crivo, máxime teses de
mérito, de regra aventadas em recurso especial, mercê de as
mesmas poderem estar eclipsadas em causas de competência
originária ou recursal, por isso que essa forma de impugnação
uniformizante pode abarcar agravos regimentais de mérito,
liquidações de sentenças, recursos ordinários constitucionais ou
ações rescisórias com teses contrastantes; b) in casu, há divergência
entre arestos proferidos em ações rescisórias e entre agravos
regimentais de mérito e recurso especial, por isso que conhecidos os
embargos de divergência.”
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o mesmo
posicionamento restou encampado pelos Ministros Marco
Aurélio de Mello46 e Sepulveda Pertence47, apesar de terem
ficado vencidos no julgamento do ERE 247.416.
Somando-se a isso, não se mostra possível a
utilização de decisão monocrática como paradigma para fins46 “Senhor Presidente, continuo convencido de que, no artigo 546 doCódigo de Processo Civil, não se impõe limitação em se tratando doaresto paradigma. Dispõe este artigo sobre a decisão impugnávelmediante embargos de divergência e, aí sim, há de ter sido essadecisão prolatada por força de recurso extraordinário ou, sob a minhaóptica, recurso ordinário em mandado de segurança. Já sustentei aquiponto de vista que leva a essa conclusão, a partir de umainterpretação teleológica da norma do artigo 546 e considerada adualidade recursal – recurso extraordinário se concedida a ordem, eordinário, se denegada. Então, se fosse este o único obstáculo àadmissibilidade dos embargos, pediria vênia ao nobre Relator paradivergir, mas Sua Excelência aponta que o acórdão cotejado – e mesmoassim não deixa de ser um acórdão porque decorreu do julgamento deagravo regimental – não é específico, que dizer, não se esteia nasmesmas premissas fáticas da decisão impugnada mediante os embargos dedivergência.”47 “Ainda continuo inconformado com a invenção dos acórdãos de ‘segundaclasse’ do Supremo Tribunal Federal – os acórdãos, parece, nos quais oSupremo não acredita.”
27
de interposição de embargos de divergência, sob os mesmos
argumentos lançados linhas acima.
Além do mais, é indiferente que o resultado do
julgamento tenha ou não sido unânime, porquanto, não custa
lembrar, a divergência nunca será baseada em voto vencido,
justamente por não representar a posição final do julgado
e, por conseguinte, a do órgão colegiado.
Sobre a escolha do paradigma, a Súmula STF 353 é
clara no sentido de que “[s]ão incabíveis os embargos da
Lei 623, de 19.02.1949, com fundamento em divergência entre
decisões da mesma Turma do Supremo Tribunal Federal”. Sem
prejuízo, no Supremo Tribunal Federal há julgados
recentes48 inadmitindo a adoção do acórdão paradigma pela
mesma turma julgadora da decisão embargada, salvo quando se
detectar grande mudança na composição da Turma.49
48 STF, Pleno, AI 707478 AgR-EDv-AgR – RS, Ministra Relatora CarmenLucia, j. 03.08.2011.49 “Os embargos de divergência estão sujeitos, dentre os váriospressupostos que lhe condicionam a interposição, à observância dorequisito da diversidade orgânica. Esse requisito impõe que o padrãode divergência - para ser validamente invocado como expressão dodissídio interpretativo - resulte de acórdão emanado, ou do Plenárioou de outra Turma do Supremo Tribunal Federal, pois não se reveste deidoneidade processual, para efeito de demonstração do conflitopretoriano, a indicação de acórdão proferido pela própria Turma de queproveio a decisão contra a qual foram opostos os embargos dedivergência (Súmula 353/STF), ressalvada a hipótese excepcional de aTurma haver sofrido substancial modificação em sua composição.Precedentes. - Inocorrência, na espécie, dessa hipótese excepcional,pois os acórdãos em confronto emanaram da mesma Turma cuja composiçãomajoritária - quatro (4) Ministros, no caso - manteve-sesubstancialmente inalterada.” STF, Pleno, RE 318.469 EDv-QO – DF,Ministro Relator Celso de Mello, j. 03.10.2002.
28
No Superior Tribunal de Justiça, ao avesso, a
jurisprudência encontra-se sedimentada pela impossibilidade
de se colher decisão paradigma do mesmo órgão colegiado50.
Eduardo Ribeiro discorda desse posicionamento, reiterando a
importância da uniformização e que, na prática, a Turma
será apenas formalmente a mesma.51
O cabimento dos embargos de divergência também fica
prejudicado quando lastreado em julgado proveniente de
órgão colegiado que não mais detenha a competência para
julgar a matéria ventilada. Essa posição encontra-se
sedimentada pela Súmula STJ 158. Em consonância, não se
pode admitir embargos de divergência com base em julgado de
outro Tribunal Superior (ou do extinto Tribunal Federal de
Recursos).
O acórdão paradigma não necessita estar acobertado
pelo manto da coisa julgada52. O importante é que no
50 “1. Por falta de amparo legal, não é possível o exame de embargos dedivergência fundados em Acórdãos proferidos por uma mesma Turma, mesmoque a sua composição tenha sido alterada substancialmente.Precedentes.” STJ, Órgão Especial, EREsp 240.054 – SC, MinistroRelator Edson Vidigal, j. 29.08.2002.51 “Pedimos vênia para considerar melhor o entendimento mais liberal,acolhido nos acórdãos em primeiro lugar citados, pois mais consentâneocom a finalidade do recurso em exame. Seu objetivo é propiciar auniformização da jurisprudência. Em princípio, tratando-se da mesmaturma, a divergência há de ser por ela mesma harmonizada. Se,entretanto, ocorreu mudança em sua composição, só formalmente é amesma e a uniformização dependerá do pronunciamento do órgão próprio.”OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro. Embargos de Divergência. In: NERY JUNIOR,Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos eatuais dos recursos cíveis. Vol. 9. São Paulo: Revista dos Tribunais,2006, p. 150.52 STJ, Terceira Seção, EREsp 585.392 – SP, Ministro Relator HamiltonCarvalhido, j. 08.10.2008.
29
momento da interposição haja decisão divergente nos termos
e pressupostos exigidos pela lei e jurisprudência do
respectivo Tribunal.
Importante esclarecer, igualmente, que o acórdão
paradigma deve ter argumentos suficientes e equivalentes
àqueles postos no acórdão embargado. De outro modo, quando
houver mais de um fundamento suficiente no acórdão
paradigmático e apenas um deles efetivamente divergir da
decisão recorrida, não caberá embargos de divergência, pois
não se saberá qual fundamento foi determinante para a
prolação do acórdão paradigma.
Tal raciocínio resulta da aplicação analógica da
Súmula STF 283 e Súmula STJ 128, conforme se depreende de
trecho do EREsp 193.896 – RJ: “Não se conhece dos embargos
de divergência se os paradigmas colacionados divergem de
apenas um dos fundamentos do Aresto embargado, sendo o
outro fundamento, não objeto do dissídio suficiente, por si
só, para mantê-lo.”
3. COMPROVAÇÃO DA DIVERGÊNCIA
As exigências feitas pelo artigo 331, caput, do
RISTF e pelo §1º do art. 266 do RISTJ são legítimas à luz
do parágrafo único do artigo 541, Código de Processo Civil.
O Superior Tribunal de Justiça também entende que esse
30
dispositivo – próprio dos recursos extraordinários e
especiais – é aplicável aos embargos de divergência.
Assim, há necessidade inarredável de se comprovar,
de modo analítico, a divergência com o apontamento das
circunstâncias que assemelhem ou identifiquem os casos
confrontados, a exemplo do que ocorre com o recurso
especial interposto com base em dissídio jurisprudencial;
ou seja, não basta a transcrição das ementas, salvo se
todos os elementos suficientes para a compreensão da
divergência estiverem presentes.53
Isso quer significar que, para mais da efetiva
demonstração de que o entendimento constante no acórdão
paradigma é o adotado pelo respectivo Tribunal, a parte que
interpuser os embargos de divergência deverá,
obrigatoriamente, expor o contraste entre o acórdão
embargado e o seu paradigma. Nesse sentido, cumpre ao
recorrente trazer à baila o julgado paradigma onde haja
entendimento diverso, proferido por ocasião de julgamento
de recurso excepcional.54
Logo, essa demonstração deve ser feita analiticamente, ou
seja, comparando lado a lado trechos dos julgados ditos
divergentes, objetivando esclarecer a um só tempo a
identidade ou semelhança fático-jurídica dos casos
53 STJ, Primeira Seção, EREsp 296.431 – SP, Ministra Relatora DeniseArruda, j. 25.08.2004.54 GRANADO, Daniel Willian, O recurso especial e a orientação do Superior Tribunal deJustiça. Dissertação de Mestrado PUC-SP, 2011, p. 397.
31
concretos, bem como a razão pela qual a tese contida no
acórdão embargado deverá prevalecer.
Neste ponto, ante o interesse não apenas das
partes, mas, em primeiro lugar, do próprio Tribunal em
sanar divergências internas – função institucional do
recurso –, é assente o entendimento de que em hipóteses de
flagrante divergência o órgão competente para julgar o
recurso deve abrandar os requisitos de admissibilidade.55
Por derradeiro, a comprovação física da divergência
deverá ser feita por meio de certidões, cópias autenticadas
dos acórdãos paradigmas, citação de repositórios oficiais
ou reprodução de julgados disponíveis na internet, com
indicação da respectiva fonte (parágrafo único, art. 541,
Código de Processo Civil), sendo certo que, em se tratando
de cópias, o patrono da parte recorrente dos autos poderá
declará-las verdadeiras.
4. EFEITOS DA INTERPOSIÇÃO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
Naturalmente, os embargos de divergência terão
efeito devolutivo (estrito) – efeito natural dos recursos56
–, na exata medida da divergência apresentada pela parte
recorrente. É que os embargos de divergência são recurso de
fundamentação vinculada, notadamente às questões
55 STJ, Primeira Seção, EREsp 719.121 – RS, Ministro Relator JoãoOtávio Noronha, j. 24.10.2007. Há diversos outros no mesmo sentido.56 “Todo recurso exibe efeito devolutivo”. ASSIS, Araken de. Manual dosRecursos. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 244.
32
anteriormente decididas e discutidas nos próprios autos do
recurso especial ou extraordinário.
Por essa mesma razão, a exemplo dos recursos
excepcionais, recursos de fundamentação vinculada por
excelência, também se torna impositivo nos embargos de
divergência o prequestionamento das teses jurídicas ditas
divergentes. Contudo, isso não quer significar que, uma vez
conhecidos os embargos de divergência, o órgão julgador
deva ficar restrito aos argumentos e teses ventiladas até o
momento do julgamento.
Visto isso, o efeito substitutivo dos recursos, nos
termos do artigo 512, Código de Processo Civil, será
sentido em caso de conhecimento dos embargos e julgamento
da divergência apontada. De mais a mais, e como decorrência
correspondente, os embargos de divergência também impedirão
a formação da coisa julgada, nos termos dos artigos 301,
§3º, e 467, ambos do Código de Processo Civil.
Como consequência do que se expôs acerca do
prequestionamento, não nos parece razoável defender a
existência de efeito translativo no julgamento dos embargos
de divergência, uma vez que as matérias de ordem pública e
outras apreciáveis de ofício não poderão ser objeto do
julgamento, salvo se fizerem parte das matérias cuja
divergência restou apontada. Esse já é o entendimento do
33
Órgão Especial do Superior Tribunal de Justiça em sede de
recurso especial.57
Em contraponto, Fredie Didier Jr.58, com lastro na
doutrina de Bernardo Pimentel Souza59, entende que o efeito
translativo está presente tanto no julgamento dos recursos
excepcionais, quanto no âmbito dos embargos de divergência,
porquanto o tribunal deverá julgar a causa, aplicando o
direito à espécie (art. 336 do RISTF).
57 “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOSDE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO POR MORTE.VIOLAÇÃO DO ARTIGO 47 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MATÉRIA DE ORDEMPÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. EFEITOTRANSLATIVO. INAPLICABILIDADE. 1. A Corte a quo não manifestou, emsuas razões de decidir, nenhum pronunciamento sobre o tema inserto noartigo 47 do Código de Processo Civil, o que não satisfaz oprequestionamento da matéria suscitada, qual seja, a necessidade deinclusão do INSS no polo passivo da demanda. Incidência da Súmula211/STJ.2. O entendimento de que é possível conhecer das questões de ordempública de ofício, ainda que não prequestionadas ou suscitadas, naexcepcional hipótese de o recurso especial ter sido conhecido poroutros fundamentos, em razão do efeito translativo, foi superado emnova análise pela Corte Especial, que concluiu pela necessidade dorequisito do prequestionamento na instância extraordinária.Precedente: AgRg nos EREsp 999.342/SP, Rel. Ministro Castro Meira,Corte Especial, DJe 1/2/2012; EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp32.420/PB, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe28/6/2012.3. Agravo regimental não provido.” STJ, Primeira Turma, AgRg nos EDclno REsp 1.252.991 – RJ, Ministro Benedito Gonçalves, j. 20.09.2012.58 Curso de Direito Processual Civil, 6ª Ed., V. 3. Salvador: Juspodvm, 2008, p.350.59 “[s]egundo autorizada doutrina, os embargos de divergência nãoproduzem efeito translativo. Todavia, o parágrafo único do artigo 336do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal conduz à conclusão deque o Pleno indica a interpretação correta, aplicando o direito àespécie. (...) Sendo assim, tudo indica que as questões de ordempública devem ser apreciadas após o conhecimento dos embargos dedivergência.” SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis. 2011,p. 566.
34
A nosso ver, essa posição não deve ser encampada,
seja pela patente exigência de prequestionamento, seja pela
devida interpretação dos artigos 335 e 336, do RISTF.
É que, quando o parágrafo único do artigo 336 diz
“julgará a matéria restante”, não está a afirmar que as
questões apreciáveis de ofício poderão ser analisadas, mas
se refere apenas ao mérito do recurso propriamente dito –
cujas questões, portanto, devem ter sido devidamente
prequestionadas.
Dessa maneira, na esteira do entendimento do
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça,
o efeito translativo não é adequado à sistemática dos
embargos de divergência. Apenas para concluir esse ponto,
seria de todo incongruente que a cúpula desses Tribunais
Superiores aplicasse a esta espécie recursal o efeito
translativo dos recursos, e não o fizesse em relação aos
recursos extraordinários e especiais.60
Por fim, os embargos de divergência não possuem
efeito suspensivo automático, nos termos do artigo 266, §2º
60 “O entendimento de que é possível conhecer das questões de ordempública de ofício, ainda que não prequestionadas ou suscitadas, naexcepcional hipótese de o recurso especial ter sido conhecido poroutros fundamentos, em razão do efeito translativo, foi superado emnova análise pela Corte Especial, que concluiu pela necessidade dorequisito do prequestionamento na instância extraordinária.Precedente: AgRg nos EREsp 999.342/SP, Rel. Ministro Castro Meira,Corte Especial, DJe 1/2/2012; EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp32.420/PB, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe28/6/2012.” STJ, Órgão Especial, AgRg nos EDcl no REsp 1.252.991 – RJ,Ministro Relator Benedito Gonçalves, j. 20.09.2012.
35
do RISTJ.61 Para Nelson Nery Jr., no entanto, se os
embargos de divergência forem interpostos de decisão de
Turma que dera provimento ao recurso extraordinário ou
especial, serão recebidos em ambos os efeitos (devolutivo e
suspensivo).62
Independente da respeitável opinião do supracitado
jurista, os Tribunais Superiores são uníssonos em admitir o
ajuizamento de ação cautelar incidental com o fito de
atribuir aos embargos de divergência o efeito suspensivo.63
5. PROCEDIMENTO E JULGAMENTO
Sendo o cabível à luz dos requisitos legais,
regimentais e jurisprudenciais, a parte que possuir
interesse recursal deverá interpor os embargos de
divergência em até 15 (quinze) dias após a publicação do
acórdão recorrido.
61 Art. 266. Das decisões da Turma, em recurso especial, poderão, emquinze dias, ser interpostos embargos de divergência, que serãojulgados pela Seção competente, quando as Turmas divergirem entre siou de decisão da mesma Seção. Se a divergência for entre Turmas deSeções diversas, ou entre Turma e outra Seção ou com a Corte Especial,competirá a esta o julgamento dos embargos.§ 1º A divergência indicada deverá ser comprovada na forma do dispostono art. 255, §§ 1º e 2º, deste Regimento. (Redação dada pela EmendaRegimental n. 1, de 1991)§ 2º Os embargos serão juntados aos autos independentemente dedespacho e não terão efeito suspensivo.(Redação dada pela EmendaRegimental n. 2, de 1992)62 JUNIOR, Nelson Nery. Teoria Geral dos Recursos, 6ª ed., São Paulo: Revistados Tribunais, 2004, p. 451.63 STJ, Órgão Especial, AgRg na MC 11732 – RS, Ministro José Delgado,j. 04.10.2006.
36
A análise do acórdão embargado é de suma
importância. Como observado alhures, se por ventura houver
dois ou mais fundamentos necessários para o acolhimento da
tese jurídica agitada, sendo um objeto de embargos de
divergência no Superior Tribunal de Justiça e outro de
índole Constitucional, por exemplo, o recorrente deverá
primeiramente interpor os embargos de divergência e, caso
este venha a ser conhecido e provido, posteriormente deverá
o embargante apresentar o recurso extraordinário.64 65
Com a distribuição desse recurso, os autos seguirão
para o novo Ministro relator, a fim de que seja feito o
juízo de admissibilidade prévio, o qual não vincula o órgão
colegiado. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, de
acordo com o artigo 266, §1º, RISTJ, o relator poderá
indeferir os embargos de divergência, liminarmente, quando
o recurso for intempestivo, se estiver contrastando com
64 PROCESSUAL CIVIL. INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE EMBARGOS DE DIVERGÊNCIAE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE.PRECLUSÃO CONSUMATIVA.1. O princípio da unirrecorribilidade, vigente no sistema processualcivil brasileiro, veda, em regra, a interposição simultânea de váriosrecursos contra a mesma decisão judicial.2. Assim, a interposição simultânea, contra o acórdão que julgou orecurso especial, de embargos de divergência e recurso extraordinário,acarreta a inadmissibilidade do recurso que foi protocolado porúltimo, ante a preclusão consumativa.3. Agravo regimental a que se nega provimento.STJ, Órgão Especial, EREsp 511.234 – DF, Ministro Relator Luiz Fux, j.04.08.2004.65 “Tem entendido o STJ que o princípio da unicidade impede que olegitimado avie, simultaneamente, embargos de divergência e recursoextraordinário contra o mesmo acórdão, fato que torna inadmissível orecurso que veio em segundo lugar.” ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos.4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012, p. 888.
37
Súmula do Tribunal, ou se não restar configurada a
divergência jurisprudencial.
Se os embargos de divergência vierem a ser
admitidos, a parte embargada será intimada para apresentar
contrarrazões em 15 (quinze) dias, e não em 10 (dez) como
preceitua o artigo 335, §1º, do RISTF. Abra-se parêntese
para dizer que é criticável o procedimento adotado,
porquanto seria desejável que, antes de se admitir o
recurso, o Ministro Relator tivesse a oportunidade de
analisar a resposta da parte recorrida, pois podem apontar
vícios que auxiliariam a análise do relator.
Apresentada a resposta, portanto, pode o Ministro
relator com supedâneo nas faculdades atribuídas pelo artigo
557, do Código de Processo Civil, desde logo, julgar
monocraticamente o recurso, cuja decisão pode ser esgrimada
por agravo interno.
Se não for a hipótese de decisão monocrática, o
Ministro relator remeterá o recurso ao colegiado. Em
seguida, e ante a ausência de Ministro revisor, o
julgamento dos embargos de divergência deverá ser incluído
na pauta da sessão de julgamento do órgão competente,
ocasião em que os procuradores das partes poderão realizar
sustentação oral.
38
Caso necessário, o Ministério Público poderá ser
ouvido, sendo-lhe franqueada vista dos autos por 20 (vinte)
dias, nos termos do artigo 266, §4º, do RISTJ.
Não há dúvidas acerca do cabimento de embargos de
declaração contra o acórdão que julgar definitivamente os
embargos de divergência. Se o julgamento se der âmbito do
Superior Tribunal de Justiça, além dos aclaratórios, o
acórdão, dependendo da matéria e da presença dos
pressupostos e requisitos constitucionais, poderá, ainda,
ser objeto de recurso extraordinário. Se assim o for, o
recurso interposto será analisado pela presidência daquela
Corte Superior e, caso admitido, seguirá ao Pretório
Excelso.
6. O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A ANÁLISE
ACERCA DA NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DESSA ESPÉCIE RECURSAL
A preocupação com a função nomofilácica, isto é,
com a uniformização e estabilização da interpretação do
direito pelos Tribunais66, deve ocupar lugar de destaque na
agenda dos estudiosos do processo civil.
66 “Como se sabe a função nomifilácica se desenvolve por meio de ummétodo comparativo das decisões postas em confronto, a reclamar acongruência dos contornos fáticos e a semelhança dos elementosjurídicos da causa, de modo a exigir do tribunal de revisão, noexercício de sua alta tarefa, um pronunciamento que se preste parauniformizar a aplicação do direito quando surgir divergência nainterpretação do direito.” (OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Asemelhança no dissídio jurisprudencial para efeitos de recursoespecial e embargos de divergência e a lógica in Meios de Impugnação aojulgado civil: estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira, FABRÍCIO, AdroaldoFurtado (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 130/131)
39
Tal assertiva é verdadeira na medida em que a
divergência jurisprudencial é prejudicial não apenas aos
jurisdicionados (violação à segurança jurídica, isonomia,
etc.), mas ao próprio o ordenamento processual civil.
Por exemplo, acredita-se que um dos maiores vilões
da morosidade do Poder Judiciário é o volume de novas
demandas, o qual é alimentado pelo alto grau de
litigiosidade (“animus litigandi”) decorrente, principalmente,
da instabilidade dos posicionamentos dos Tribunais.67
De outra forma, as partes sempre buscarão
judicializar as suas pretensões resistidas, enquanto
vislumbrarem a possibilidade de um ou outro julgador
albergar a sua tese jurídica, ainda que isso signifique
divergir do entendimento majoritário do respectivo Tribunal
ou dos Tribunais Superiores. O resultado é uma verdadeira
avalanche de trabalho em todos os graus de jurisdição.
Nesse desiderato, assevera o festejado professor da
Universidade de Turim, Sergio Chiarloni, em artigo sobre os67 “(...) a melhor compreensão da matéria e a indicação de pressupostosclaros, assim como uma maior uniformidade da jurisprudência, evitam ouminimizam a deslegitimação do Poder Judiciário perante a sociedadecivil – fator fundamental em épocas de crise, tal como a queatravessamos –, por sua íntima conexão com o princípio da igualdade,um dos mais significativos da ordem constitucional brasileira.”(OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. A semelhança no dissídiojurisprudencial para efeitos de recurso especial e embargos dedivergência e a lógica in Meios de Impugnação ao julgado civil: estudos emhomenagem a José Carlos Barbosa Moreira, FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.).Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 133)
40
precedentes judiciais, que o número de recursos na Corte de
Cassação italiana não para de aumentar diante divergência
gerada pelos seus próprios membros68, sendo certo que tal
situação gera “un deprecabile circolo vizioso. Quanto più aumentano i
ricorsi, tanto più aumentano i contrasti”.69 70
Merece aplausos, então, a louvável preocupação dos
autores do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, no
particular. A exposição de motivos é enfática acerca da
necessidade de pacificação dos posicionamentos dos
Tribunais, a começar pelos Tribunais Superiores, in verbis:
“Por outro lado, haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes
e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica,
leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas,
tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por
decisões judiciais emanadas de tribunais diversos.
68 No mesmo sentido: “Raramente la storia della giustizia civile havisto verificarsi un caso più clamoroso di eterogenesi dei fini di unanorma processuale. Pensata per assicurare la parità di trattamento deicittadini coinvolti in un procedimento giudiziario, la garanziauniversale del ricorso in cassazione si è ritorta contro il suo scopo.La ragione è semplice. L’enorme numero dei ricorsi in cassazione, oggiarrivati a superare i trentamila l’anno, ha comportato la conseguenzadi veder fiorire in moltissimi settori del diritto privato i contrastiinterpretativi dovuti sia all’elefantiasi della corte e al suo internodisordine organizzativo, sai alle incomprimibili divergenze sui valorisottesi all’interpretazione giuridica, che si verificano nellevalutazioni dei differenti collegi che ruotano entro Le sezioni”.(CHIARLONI, Sergio. Funzione Nomofilattica e Valore Del Precedente.In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito Jurisprudencial.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 229.)69 Idem.70 “um círculo vicioso condenável. À medida que aumentam os recursos, aumentam tambémas divergências.” (tradução livre)
41
Esse fenômeno fragmenta o sistema, gera intranqüilidade e, por
vezes, verdadeira perplexidade na sociedade.
Prestigiou-se, seguindo-se direção já abertamente seguida pelo
ordenamento jurídico brasileiro, expressado na criação da Súmula
Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) e do regime de
julgamento conjunto de recursos especiais e extraordinários
repetitivos (que foi mantido e aperfeiçoado) tendência a criar
estímulos para que a jurisprudência se uniformize, à luz do que
venham a decidir tribunais superiores e até de segundo grau, e se
estabilize.
Essa é a função e a razão de ser dos tribunais superiores: proferir
decisões que moldem o ordenamento jurídico, objetivamente
considerado. A função paradigmática que devem desempenhar é
inerente ao sistema.
Por isso é que esses princípios foram expressamente formulados.
Veja-se, por exemplo, o que diz o novo Código, no Livro IV: “A
jurisprudência do STF e dos Tribunais Superiores deve nortear as
decisões de todos os Tribunais e Juízos singulares do país, de modo a
concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia.
Evidentemente, porém, para que tenha eficácia a recomendação no
sentido de que seja a jurisprudência do STF e dos Tribunais
superiores, efetivamente, norte para os demais órgãos integrantes
do Poder Judiciário, é necessário que aqueles Tribunais mantenham
jurisprudência razoavelmente estável.
A segurança jurídica fica comprometida com a brusca e integral
alteração do entendimento dos tribunais sobre questões de direito.”
42
O texto do artigo 882 (versão Senado) e os artigos
483 e 484 (versão consolidada na Câmara – antes da
votação)71, do projeto do novo Código de Processo Civil
traduzem a atenção dada ao tema. Vê-se que apesar da
alteração da redação durante o trâmite legislativo,
permanecem com a mesma premissa fundamental, qual seja:
71 Art. 882. Os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização epela estabilidade da jurisprudência:I - sempre que possível, na forma e segundo as condições fixadas noregimento interno, deverão editar enunciados correspondentes à súmulada jurisprudência dominante;II - os órgãos fracionários seguirão a orientação do plenário, doórgão especial ou dos órgãos fracionários superiores aos quaisestiverem vinculados, nesta ordem;III - a jurisprudência pacificada de qualquer tribunal deve orientaras decisões de todos os órgãos a ele vinculados;IV - a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunaissuperiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízossingulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios dalegalidade e da isonomia;V - na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do SupremoTribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda dejulgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos daalteração no interesse social e no da segurança jurídica.§ 1º A mudança de entendimento sedimentado observará a necessidade defundamentação adequada e específica, considerando o imperativo deestabilidade das relações jurídicas.§ 2º Os regimentos internos preverão formas de revisão dajurisprudência em procedimento autônomo, franqueando-se inclusive arealização de audiências públicas e a participação de pessoas, órgãosou entidades que possam contribuir para a elucidação da matéria.Da eficácia do precedente judicial Art. 483. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-laestável. Art. 484. Para dar efetividade ao disposto no artigo anterior e aosprincípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoáveldo processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposiçõesseguintes devem ser observadas: I – na forma e segundo as condições fixadas no regimento interno, ostribunais deverão editar enunciados correspondentes à súmula dajurisprudência dominante; II – os juízes e os tribunais seguirão a súmula vinculante, asdecisões proferidas em assunção de competência, em incidente deresolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursosextraordinário e especial repetitivos;
43
velar pela uniformização e pela estabilidade da
jurisprudência.
A modernização dos métodos de uniformização e
estabilização da jurisprudência, ou melhor, dos
instrumentos para a realização efetiva do princípio da
III – os juízes e os tribunais seguirão os enunciados das súmulas doSupremo Tribunal Federal em matéria constitucional, do SuperiorTribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e dos tribunais aosquais estiverem vinculados, nesta ordem; IV – não havendo enunciado de súmula da jurisprudência dominante, osjuízes e tribunais seguirão os precedentes do plenário do tribunal, ouórgão especial, onde houver, e a dos órgãos fracionários superiores,nesta ordem; V – a jurisprudência dominante de qualquer tribunal, ainda que nãoconsolidada em súmula, deve orientar as decisões de todos os órgãosjurisdicionais a ele vinculados; VI – na hipótese de alteração da sua jurisprudência dominante,sumulada ou não, os tribunais devem modular os efeitos da decisão quesupera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lheatribuindo efeitos prospectivos. § 1º. A mudança de entendimento sedimentado, que tenha ou não sidosumulado, observará a necessidade de fundamentação adequada eespecífica, considerando os princípios da segurança jurídica,confiança e isonomia. § 2º. Nas hipóteses dos incisos III, IV e V do caput deste artigo, amudança de entendimento sedimentado poderá realizar-seincidentalmente, no processo de julgamento de recurso ou de causa decompetência originária do tribunal, observado, sempre, o disposto noinciso VI do caput deste artigo. § 3º. O efeito previsto nos incisos II, III, IV e V do caput desteartigo decorre dos fundamentos determinantes dos acórdãos adotadospela maioria dos membros do colegiado, cujo entendimento tenha ou nãosido sumulado. § 4o. Não possuem o efeito previsto nos incisos II, III, IV e V docaput deste artigo: I – os fundamentos, ainda que presentes no acórdão, que não foremimprescindíveis para que se alcance o resultado fixado em seudispositivo; II – os fundamentos, ainda que relevantes e contidos no acórdão, quenão tiverem sido adotados pela maioria dos membros do órgão julgador. § 5o. O precedente dotado do efeito previsto nos incisos II, III, IV eV do caput deste artigo pode não ser seguido, quando o órgãojurisdicional distinguir o caso sob julgamento, demonstrando, medianteargumentação racional e justificativa convincente, tratar-se de casoparticularizado por situação fática distinta ou questão jurídica não
44
isonomia, é objeto de primeira necessidade em qualquer
(nova) regulamentação processual civil.
À luz dessa preocupação é que o objeto deste ensaio
ganha relevo. É inegável a importância dos embargos de
divergência para se evitar a chamada jurisprudência lotérica72
perante os Tribunais Superiores, sendo certo que os autores
do anteprojeto entenderam por bem fulminar a grande maioria
das discussões acerca dos pressupostos de cabimento por
meio do próprio texto da lei:
Art. 997. É embargável a decisão de turma que:
I – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do
julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo as
decisões, embargada e paradigma, de mérito;
II – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do
julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo as
decisões, embargada e paradigma, relativas ao juízo de admissibilidade;
III – em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do
julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo uma
examinada, a impor outra solução jurídica. § 6o. Os tribunais deverão sistematizar seus precedentes e dar-lhespublicidade, organizando-os por questão jurídica decidida edivulgando-os preferencialmente por meio da rede mundial decomputadores.72 Segundo Eduardo Cambi, “A idéia da jurisprudência lotérica se inserejustamente nesse contexto; isto é, quando a mesma questão jurídica éjulgada por duas ou mais maneiras diferentes. Assim, se a parte tivera sorte de a causa ser distribuída a determinado Juiz, que tenhaentendimento favorável da matéria jurídica envolvida, obtém a tutelajurisdicional; caso contrário, a decisão não lhe reconhece o direitopleiteado.” CAMBI, Eduardo. Jurisprudência Lotérica, Revista dosTribunais, São Paulo: RT, ano 90, v. 786, abr. 2001, p. 111.
45
decisão de mérito e outra que não tenha conhecido do recurso, embora
tenha apreciado a controvérsia;
IV – nas causas de competência originária, divergir do julgamento de
qualquer outro órgão do mesmo tribunal.
§ 1º. Poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos
de recursos e de ações de competência originária;
§ 2º. A divergência que autoriza a interposição de embargos de
divergência pode verificar-se na aplicação do direito material ou do
direito processual.
§ 3º Cabem embargos de divergência quando o acórdão paradigma é da
mesma turma que proferiu a decisão embargada, desde que a sua
composição tenha sofrido alteração em mais da metade de seus
membros.
Como se depreende do texto projetado, a (eventual)
nova redação do artigo que regerá os embargos de
divergência traduz o ideal de afastar a maioria dos
empecilhos que nos dias atuais bloqueiam o conhecimento e
até mesmo a possibilidade de interposição desse recurso.
Segundo os incisos I, II e III, do mencionado
dispositivo, não será mais necessário buscar um acórdão
paradigma que tenha o mesmo grau de cognição do julgado
embargado, bastando que a matéria relativa ao juízo de
admissibilidade ou de mérito esteja veiculada.
Somando-se a isso, o foco será direcionado à
divergência propriamente dita, independente do meio em que
46
fora identificada. Dessa maneira, poderão ser interpostos
embargos de divergência contra as decisões lançadas em
ações de competência originária, bem como estas poderão ser
utilizá-las como paradigma em acórdãos proferidos em
recurso extraordinário e especial.
A questão acerca da utilização de acórdão paradigma
proveniente da mesma Turma julgadora do acórdão embargado
também teve a atenção devida. Nessa conjectura, será
possível a utilização do julgado se mais da metade da
composição da Turma tiver sido alterada.
Fica visível, reiterando o entendimento de Cândido
Rangel Dinamarco, a elevação da função institucional
atribuída aos embargos de divergência, seguindo a patente
preocupação com a uniformidade e estabilização da
jurisprudência dos Tribunais, seja qual for a discussão
envolvida (juízo de admissibilidade, juízo de mérito,
direito processual ou direito material).
Outra questão que não pode ficar esquecida é que se
retirou a referência existente hoje no Código de Processo
Civil quanto aos Regimentos Internos do Supremo Tribunal
Federal e Superior Tribunal de Justiça. Por conseguinte,
seus termos apenas deverão prevalecer quando não colidentes
com a (eventual) nova redação do Estatuto Processual Civil.
47
Em apertada síntese, o que se quer dizer com toda
essa analise é que os embargos de divergência são espécie
recursal deveras útil ao sistema processual civil
brasileiro, razão pela qual os Tribunais Superiores não
devem perder tempo tentando afastar o cabimento desse
recurso, aplicando a monótona jurisprudência defensiva.
Muito ao avesso, o que se espera – se assim se mantiver a
redação do projeto – é que independente do veículo que se
utilize, a divergência seja efetivamente analisada e
extirpada, a fim de assegurar a uniformidade das decisões
judiciais, bem como maior segurança jurídica aos
jurisdicionados.
7. CONCLUSÕES
Independente do nome dado aos meios postos para
erradicar as divergências intra muros, o fato é que, antes
mesmo do Código de Processo Civil de 1939, a legislação
brasileira já adotava instrumentos para sanar eventuais
decisões contrastantes no bojo dos nossos Tribunais.
Ao longo do tempo, todavia, diversas modificações
legislativas tiveram o condão de alterar as espécies
recursais, as respectivas hipóteses de cabimento, bem como
aspectos procedimentais dos instrumentos com tal desiderato
uniformizador. No que tange aos embargos de divergência,
atualmente, estes são regidos pelo Código de Processo Civil
e pelos regimentos internos do Supremo Tribunal Federal e
48
Superior Tribunal de Justiça, âmbito próprio de sua
aplicação.
Além dos embargos de divergência, cumpre frisar que
o sistema processual civil pátrio dispõe de diversos
instrumentos semelhantes, mas que com este não devem ser
confundidos, seja pelo domínio de aplicação, seja pelas
hipóteses de incidência, ou mesmo pelas funções que
exercem, isto é, de prevenir a ocorrência da divergência ou
simplesmente fulminá-la após a sua verificação.
Com efeito, os Tribunais Superiores vêm criando
inúmeras restrições ao cabimento e conhecimento dos
embargos de divergência, que, como visto, extrapolam os
limites da legislação ordinária, sendo, a rigor,
manifestamente ilegítimas. Há também incontáveis súmulas,
tanto do Supremo Tribunal Federal, quanto do Superior
Tribunal de Justiça, tratando dos mais diversos aspectos
inerentes aos embargos de divergência, tanto diretamente,
quanto por analogia, algumas inclusive que sequer traduzem
as posições atuais desses Tribunais Superiores.
Por meio de tais constatações se pretende concluir
que esse verdadeiro emaranhado de entendimentos
jurisprudenciais (por vezes divergentes sobre a aplicação
dos embargos de divergência), súmulas, regras de regimentos
internos, etc., fazem com que os Tribunais Superiores
restrinjam em demasia a aplicação dos embargos de
49
divergência, instrumento este que tem como finalidade
primordial justamente a de manter uniforme e estável a
aplicação do direito em prol dos jurisdicionados e, porque
não, dos próprios Ministros do Supremo Tribunal Federal e
do Superior Tribunal de Justiça.
Repisando o entendimento de Sergio Chiarloni,
quanto maior for o número de recursos, maior será a
divergência dentro do mesmo Tribunal, se a preocupação com
a uniformização das decisões não estiver em primeiro lugar.
Se se considerar a quantidade de recursos represados no
Pretório Excelso e no Superior Tribunal de Justiça, chega-
se à conclusão de que ao invés de repulsar, os membros
desses Tribunais Superiores deveriam aproveitar ao extremo
a interposição dos embargos de divergência como forma de
afastar as teses jurídicas divergentes.
Justamente nesse sentido é a exposição de motivos
do projeto de novo Código de Processo Civil. Os autores do
anteprojeto consignaram expressamente a importância da
uniformização e estabilidade da jurisprudência em todos os
graus de jurisdição, com o claro intuito de gerar a
almejada previsibilidade nas decisões proferidas pelas
Cortes pátrias.
O Código de Processo Civil projetado, segundo o
texto aprovado pelo Senado Federal, portanto, visa
manifestamente a extirpar as discussões atuais acerca dos
50
embargos de divergência, em especial as hipóteses de
cabimento e as características dos acórdãos contrastados,
de forma que os Ministros dos Tribunais Superiores percam
menos tempo tentando repelir os recursos interpostos,
concentrando maior energia na efetiva resolução das
divergências identificadas.
Diante deste breve ensaio acerca da evolução dos
embargos de divergência – e não obstante a existência de
vozes que defendam a sua extinção –, nos parece correto
dizer que esta espécie recursal se mostra evidentemente
relevante e proveitosa para garantir estabilidade,
uniformidade e solidez na aplicação do direito, condições
inarredáveis para se atingir a previsibilidade das decisões
e, por conseguinte, a segurança jurídica e o tratamento
isonômico dos jurisdicionados.73
8. BIBLIOGRAFIA
ABDO, Helena Najjar. Embargos de Divergência: aspectos
históricos, procedimentais, polêmicos e de direito
comparado. In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos
cíveis. Vol. 9. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda. Curso de Direito Processual
Civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2010.
73 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade comoobjetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo, SãoPaulo, vol. 172, p. 121, jun. 2009.
51
ALVIM NETTO, José Manuel de Arruda. Cabimento de embargos
de divergência contra acórdão (de mérito) de Turma,
proferido em agravo regimental, tirado de decisão de
relator de recurso extraordinário – Imprescindibilidade de
uma releitura da Súmula 599/STF.” Revista de Processo, São
Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 144, p. 9, 2007.
ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 4ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais. 2012.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo
Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual
Civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011.
CAMBI, Eduardo. Jurisprudência Lotérica, Revista dos
Tribunais, São Paulo: RT, ano 90, v. 786, p. 108-128, abr.
2001.
CHIARLONI, Sergio. Funzione Nomofilattica e Valore Del
Precedente. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.).
Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012. p. 229.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Processo Civil Empresarial. São Paulo:
Malheiros, 2011.
GRANADO, Daniel Willian, O recurso especial e a orientação do Superior
Tribunal de Justiça. Dissertação de Mestrado PUC-SP. 2011.
JUNIOR, Nelson Nery. Teoria Geral dos Recursos, 6ª ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
LASPRO, Oreste Nestor de Souza. O objeto dos embargos de
divergência, Revista de Processo, São Paulo: Revista dos
Tribunais, vol. 186, p. 9, ago. 2010.
52
MONIZ DE ARAGÃO, E. D. Embargos Infringentes. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva. 1974.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. A semelhança no
dissídio jurisprudencial para efeitos de recurso especial e
embargos de divergência e a lógica. In: Meios de Impugnação
ao julgado civil: estudos em homenagem a José Carlos
Barbosa Moreira, FABRÍCIO, Adroaldo Furtado (Coord.). Rio
de Janeiro: Forense. 2008.
OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro. Embargos de Divergência. In:
NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.).
Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Vol. 9.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
SANTOS, J.M. de Carvalho. Código de Processo Civil interpretado. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, V. 9, 1947.
SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos Recursos Cíveis. 8ª ed.
São Paulo: Saraiva. 2011.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade
como objetivos do direito: civil law e common law, Revista
de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 172, p.
121, jun. 2009.
53