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Comunicação e Expressão Profª. Dra. Débora Mallet Pezarim De Angelo Subjetividade e autoria

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Comunicação e Expressão Profª. Dra. Débora Mallet Pezarim De Angelo

Subjetividade e autoria

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Subjetividade e autoria�

Introdução

Noções como sujeito, autor e leitor são importantes para a construção ou compreensão

de qualquer obra. Elas auxiliam, também, na forma como entendemos e nos relacionamos com a linguagem.

Universidade Potiguar

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Algumas considerações sonre o conceito de subjetividade

Depoimento de André

Eu penso que a situação foi a seguinte: começou a correr a história dentro da empresa

de que o Luis estava querendo “ pedir a cabeça” do Anselmo. E aí, sabe como é, aquela

especulação toda, o Anselmo se sentido sem autoridade, sem autonomia pra trabalhar.

Até que tudo chegou no andar de cima e resolveram colocar o Luis na parede. Parece até

que havia alguma coisa escrita, não teve como negar.

Depoimento de Patrícia

Essa história do Luis com o Anselmo, eu acho que foi só uma gota d’água. Nunca fui com

a cara do Luis; ele era inconveniente, veio com umas gracinhas pro meu lado, mais de

uma vez, até por escrito. Ouvi dizer que, no dia da reunião, essa história até veio à tona.

No fundo, dizem que foi isso que levou o diretor a mandar o Luis embora. Achou que a

coisa estava grande demais e ia dar processo.

Comparando as duas situações, pode-se perceber que foram construídas por duas

pessoas diferentes. Retomando o conceito de estilo, André fez suas escolhas signícas e

descreveu a situação de acordo com seu ponto de vista. Patrícia fez o mesmo, construin-

do uma outra visão sobre o acontecimento. Um outro ponto que deve ser destacado: foi

a linguagem que permitiu essa individualização. De um ponto de vista linguístico, o “eu”

que fala é o mesmo termo nos dois textos. Portanto, ele só torna-se pessoal, só é atribuí-

do a um ser específico, em uma situação de comunicação qualquer quando um

indivíduo produz um texto ou discurso.

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Estudando a subjetividade na linguagem, Nagamine Brandão afirma (partindo de Ben-

veniste): “a subjetividade é a capacidade de o locutor se propor como sujeito do seu dis-

curso e ela se funda no exercício da língua. Esse locutor enuncia sua posição no discurso

através de determinados índices formais dos quais os pronomes pessoais constituem o

primeiro ponto de apoio na revelação da subjetividade na linguagem.”

A noção de sujeito, e, portanto, de subjetividade, nesse sentido, é linguística. Assim,

qualquer indivíduo só constrói sua indentidade, sua noção de ser único, na e pela linguagem.

Em nosso exemplo, André e Patrícia expressaram de forma diferente um mesmo fato.

Por outro lado, para a mesma autora, essa noção de subjetividade “incorpora o Outro

como constitutivo do sujeito. Disso decorre uma concepção de linguagem também não

mais assentada na noção de homogeneidade. A linguagem, não é mais evidência,

transparência de sentido produzida por um uno, homogêneo, todo-poderoso. É um su-

jeito que divide o espaço discursivo com o outro.”

Se observarmos os textos de André e Patrícia, observamos

partir de outras vozes, mais ou menos explícitas. André não

(“começou a correr a história”, “aquela especulação toda”, “

autoridade” etc.), da mesma forma que Patrícia.

Pela junção dos dois aspectos destacados até aqui, temos:

- o sujeito entende-se como individualidade na e pela linguagem;

- essa individualidade, de um ponto de vista linguístico, é constituída pela combinação

de muitas outras vozes.

que eles foram construídos a

cita fontes, mas as insinua

o Anselmo se sentido sem

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Heretogeneidade mostrada e constitutiva

Nas palavras de Nagamine Brandão, “há uma heterogeneidade que é constitutiva do

próprio discurso e que é produzida pela dispersão do sujeito. Essa heterogeneidade,

entretanto, é trabalhada pelo locutor de tal forma que, impulsionado por uma “vocação

totalizante” faz que o texto adquira, na forma de um concerto polifônico, uma unida-

de, uma coerência, quer harmonizando as diferentes vozes, quer “apagando” as vozes

discordantes.”

Nas falas de André e Patrícia, bem como qualquer outro texto ou discurso que obser-

varmos, há outras vozes ecoando, de forma mais ou menos explícita. A esse fenômeno,

dá-se o nome de “heterogeneidade”. Toda forma de linguagem está marcada por essa

característica.

Há dois tipos de heterogeneidade: a mostrada e a constitutiva. Para Platão e Fiorin, “há

diversos mecanismos linguísticos que servem para mostrar diferentes vozes no interior de

um texto, demarcando nitidamente esses distintos pontos de vista.” Essas são as marcas da

heterogene"idade" marcada.

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São exemplos desses mecanismos usos de negações, os discursos direto e indireto (tra-

vessão, dois pontos, aspas, verbos de dizer, etc.), alguns usos de marcas gráficas (negri-

to, itálico, sublinhado, tamanho de fonte etc.), oposição de imagens, entre outros.

Todos esses casos são exemplos de heterogeneidade mostrada, ou seja, situações em

que as diferentes vozes que compõem um texto ou discurso aparecem mais nítidas, por

meio de marcas da presença do Outro. Observe o texto:

Negociadores climáticos de mais de 150 países se reuniram na segunda-feira em Viena

com apelos por um novo acordo global a partir de 2012, em substituição ao Protocolo

de Kyoto, que inclua grandes poluidores atualmente excluídos, como EUA e China. “A

mudança climática já é uma realidade dura, um enorme obstáculo ao desenvolvimento”,

disse o ministro austríaco do Meio Ambiente, Josef Proell, na cerimônia de abertura do

evento, do qual participam mais de mil autoridades, ativistas e especialistas.

http://cienciaesaude.uol.com.br/ultnot/reuters/2007/08/27/

Nesse fragmento de notícia, podemos ver marcas da heterogeneidade, tais como:

“Protocolo de Kyoto” (um tratado internacional com compromissos mais rígidos para a

redução da emissão dos gases que provocam o efeito estufa); as aspas na fala de Jo-

sef Proell, bem como o verbo “disse”, introduzindo sua voz no texto. Além desse tipo de

heterogeneidade mostrada, há outra, denominada constitutiva.

Foto: Josef Proell

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Mesmo quando um texto ou discurso não apresenta marcas nítidas de outras vozes

nele presentes, elas estão ali. Quando, por exemplo, alguém defende uma posição

sobre um tema, mesmo que as outras perspectivas não estejam explicitamente na fala

de quem enuncia, elas estarão latentes. Aí temos a hetrogeneidade constitutiva.

Segundo Platão e Fiorin: “quando lemos um texto a favor da abolição da escravatura,

percebemos que ele só pode ter surgido numa formação social em que há discursos a

favor da escravatura; um discurso racista só pode constituir-se numa sociedade em que

existe um discurso racista; um discurso feminista só pode ser gerado num tempo em que

existe um discurso machista.”

“Um discurso sobre traição só pode ser concebido em uma sociedade quediscute os valores da fidelidade”

Sintetizando

A heretogeneidade é uma característica da linguagem e pode ser entendida como a pluralidade

de vozes que organizam qualquer texto ou discurso, mesmo sendo ele atribuído a um único

indivíduo.

Ela pode ser mostrada ou constitutiva. No primeiro caso, é quando há marcas explícitas da pre-

sença do Outro nos usos de linguagem de um sujeito qualquer.

Já a heretogeneidade constitutiva é quando a presença de outras vozes dá-se pelo próprio con-

texto social de uma dada produção. Assim, só podemos entender um ponto de vista sobre um

dado assunto, se pensarmos nele em oposição a outras perspectivas existentes sobre o mesmo

tema.

“Discussões sobre vida extraterrestre só são possíveis em um contexto em que há muitos discursos sobre a exclusividade de vida inteligente na terra”

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Para o filosófoso Michel Foucault, “um

de um discurso (...); ele exerce relati

função classificativa; um tal nome

delimitá-los, selecioná-los, opô-los a ou

que os textos se relacionem entre si.”

Foucault ainda complementa: “poderíamos dizer, por conseguinte, que, numa civilização

como a nossa, uma certa quantidade de discursos são providos da função ‘autor’, ao

passo que outros são dela desprovidos. Uma carta privada pode bem ter um signatário,

mas não tem um autor; um contrato pode bem ter um fiador, mas não tem um autor

(...). A função autor é, assim, característica do modo de existência, de circulação e de

funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade.”

Michel Foucault

DDDDDDdDefinindo um autor

nome de autor não é simplesmente um elemento

vamente aos discursos um certo papel: assegura uma

permite reagrupar um certo número de textos, tros textos. Além disso, o nome de autor faz com

Nessa perspectiva, o autor é entendido como uma função em torno da qual

alguns discursos existem no interior de uma sociedade e são reconhecidos por um certo

modo de existência.

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Características da função autoral

Tentando entender melhor as especificidades do conceito de “autor”, Michel Foucault

pergunta-se: “como é que se caracteriza, na nossa cultura, um discurso portador da fun-

ção autor? Em que é que se opõe aos outros discursos?”. Para responder a essas ques-

tões, ele atribui quatro características para a função autoral:

1. Trata de objetos de apropriação: historicamente, nem sempre atribuiu se um autor

a uma dada obra. Esse processo começa no final do século XVIII e só a partir daí

fala-se em “autor”.

2. Não é exercida de forma universal e constante sobre todos os discursos: alguns

autores, como os científicos, por exemplo, são menos ligados, pela sociedade, à

materialidade de seus discursos e textos. Nesse sentido, lê-se muito menos os textos

de Charles Darwin do que os textos literários de Shakespeare.

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3. É uma construção coletiva denominada “autor”: é a sociedade que estabelece

como é o conjunto de obras associadas a um certo autor. Ela aproxima, seleciona,

descarta e cria um corpo de características para o conjunto de uma obra.

4. É complexa e variada quanto à presença textual do autor: o “eu” inscrito em uma

obra é múltiplo, podendo ser ocupado por diversas figuras, tais como o narrador,

um indivíduo indeterminado, um plano que um leitor pode ocupar etc.

Nesse sentido, são os leitores, a sociedade, seus valores, crenças que constituem a

função “autoral”. Reitera-se, portanto, a visão do texto como “zona de interação”. Os

produtores, pela materialidade textual e discursiva que constroem, tornam-se autores se

forem reconhecidos enquanto tal pela sociedade.

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Fique Atento!

Um aspecto importante da discussão sobre os conceitos de “sujeito” e “autor” diz respeito à no-

ção de criatividade. Em geral, muitas pessoas associam o conceito de “ser criativo” apenas com

elementos psicológicos, como a inspiração, o talento, a genialidade de alguns seres. Procurando

limitar essa discussão a um âmbito meramente linguístico, podemos afirmar que a “criativida-

de”, nesse sentido, parece estar baseada na capacidade humana de reorganizar elementos

já conhecidos, dando-lhes novos sentidos. Assim, o ser humano reinventa conceitos, objetos,

teorias etc. Tendo por base esse pressuposto, o ato criativo não precisa ser visto como o resulta-

do de uma capacidade psíquica de um pequeno grupo de seres previlegiados; mas, sim, como

diz Sírio Possenti (2004), o ato de “um sujeito que intervém ativamente e produz algo novo – e,

ouso dizer, que sabe o que está fazendo.” Além disso, esse sujeito só possuirá o status de autor

dentro da própria materialidade de suas produções; se for capaz de produzir textos e discursos a

partir de um certo horizonte social e histórico de expectativas e se suas produções forem reco-

nhecidas enquanto tal pela sociedade.

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Bibliografia

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BENVENISTE, Émile. Problemas de Línguística geral I. Campinas: Pontes, 1995.

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editora da UNICAMP, 2004.

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POSSENTI, Sírio. Os limites do discurso. Curitiba: Criar Editora, 2004.

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Contexto, 2004.

POSSENTI, Sírio. Discurso, estilo e subjetividade. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Materiais Complementares

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