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CONTRAPONTO Um novo O&M Um novo O&M para recuperar

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CONTRAPONTO

Um novo O&M

Um novo O&M para recuperar

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para recuperarpor José Ernesto Lima Gonçalves

É duro dizer e mais difícil aindaacreditar, mas a verdade é que o

pessoal de O&M deixou a peteca cair:exatamente como na história do sapo

escaldado, a transformação do seumercado de trabalho ocorreu com a

lentidão necessária para que não fossepercebida. O resultado é que a profissãopraticamente se extinguiu. As empresasnão têm mais uma área de O&M, comose não mais precisassem dela nem deseus profissionais. Como técnicos de

reparos em rádio à válvula num mundoonde todos estes aparelhos funcionam

com circuitos integrados, osprofissionais de O&M se descobriramcompletamente deslocados, sem ter

para onde ir.É verdade que o O&M ainda

sobrevive, mas atualmente não sãomuitos os lugares onde vamos encontrar

suas atividades típicas, especialmentecom esse nome. Apenas nos bancos,

em repartições públicas -especialmente as federais - e em

algumas empresas grandes etradicionais, ainda encontramos equipes

de O&M bem vivas. Nas demaisorganizações, a sigla é usada de forma

jocosa ou, até mesmo, pejorativa.

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CONTRAPONTO

o "sobe e desce" do O&M

A história do O&M nas empresas écheia de altos e baixos. Na virada doséculo XX, surgiu o estudo do traba-lho industrial, descendente direto daspesquisas de Taylor, que envolveuos Galbraith e tantos outros pionei-ros do estudo e medida do trabalho.Em seguida, as técnicas de raciona-lização do trabalho e de busca deprodutividade passaram a ser aplica-das ao trabalho no escritório, especial-mente nos órgãos públicos dos Esta-dos Unidos' e do governo britânico",dando origem à disciplina de organi-zação e métodos. Nunca é demaislembrar que, no início, ela se referiaao estudo da organização da empre-sa e aos métodos de trabalho utiliza-dos nas atividades burocráticas eadmlnlstrativas". O surgimento da in-formática (então chamada de proces-samento de dados) nos anos 50 e asua expansão nas décadas seguin-tes veio exatamente mexer nessesdois assuntos de forma cada vezmais radical. Em meados da décadade 60, os assuntos de processamen-to de dados eram apresentados noslivros de O&M, passando a ser cha-mados de sistemas administrativos".

A seguir, durante praticamente todaa década de 70, há um período deconvivência "dolorida" com o pessoalde sistemas, e, depois, já nos anos80, as funções de organização emétodos são absorvidas pelo pes-soal da área de sistemas, ocorren-do a virtual extinção da carreira deO&M. No primeiro momento aindahouve discussão sobre se a área deprocessamento de dados absorve-ria a de O&M ou se ambas continua-riam a ter vida independente, maslogo depois a força e o charme danova tecnologia garantiram que aoutra não só fosse absorvida comotambém extinta. A formação do pes-

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soai de O&M nada tem a ver com aformação daquele de informática, e,por isso, agregar interesses tão di-versos exigiu intenso esforço detreinamentos.

É dificif

-acre",ditarque

a nossa

carreira

profissional

possa

um cfia

dei~alde

existi,.

No início da década de 80, as áreasde O&M, então chamadas também deDesenvolvimento Organizacional, es-tavam utilizando técnicas e métodosdas ciências do comportamento paraajustar a organização das empresas,de modo a acompanhar o ritmo dasmudanças do ambiente. De acordocom a opinião do diretor de uma em-presa na época, "a área de desenvol-vimento organizacional visualiza a or-ganização como um sistema integra-

do e se compromete com a melhoriae a eficácia mediante intervençõesna estrutura organizacional de umaemprese'".

Em meados da mesma década, aárea de O&M, que já havia tido lugarde destaque no organograma, geral-mente no nível de assessoria da pre-sidência ou do principal diretor, per-deu lugar para Sistemas, que evoluiuaté ter o status de diretoria em mui-tas orçanlzações".

Mas, por quê?

Evidentemente, atribuir à evoluçãodos analistas de sistemas toda a res-ponsabilidade pelo desaparecimentodo O&M é injusto e irreal. Outros fa-tores participaram desse processo,entre os quais encontramos, comodetalhados a seguir, a própria justifi-cativa de atuação do O&M, a evolu-ção dos profissionais das outras áreas,a metodologia do O&M, o relaciona-mento com os profissionais de outrasáreas, os valores de avaliação dasatividades e procedimentos e as no-vas tecnologias.

Uma das razões do enfraqueci-mento da posição do O&M nas em-presas foi a própria justificativa doO&M dentro das organizações. Deuma justificativa forte, relacionadacom a própria sobrevivência da em-presa, em termos de produtividade ecustos, o motivo da existência doO&M foi-se restringindo à normatiza-ção dos procedimentos de trabalhoburocrático. E, como quem diz ''láque o que nos resta é fazer normas,vamos fazer normas sem parar paraque não nos considerem descartá-veis", em muitas empresas a equipede O&M esperou O fim de seus diasescrevendo normas nem sempremuito importantes.

A evolução do nível dos profissio-nais das outras áreas da empresa,

Maio/Junho de 1995

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ao longo das últimas décadas, dimi-nuiu muito a importância dos "espe-cialistas" em assuntos como organi-zação do trabalho, análise de proce-dimentos e outras disciplinas que,durante tanto tempo, constituíram aessência da atividade dos técnicosde O&M.

As últimas décadas também têmassistido a uma mudança notávelnos valores utilizados para a avalia-ção das atividades e procedimentosda empresa. Da absoluta importânciaque se dava à produtividade nosanos 40, 50 e 60, passamos, nasduas década seguintes, a valorizar aredução de custos, e, mais recente-mente, decidimos que a qualidade doserviço e o atendimento ao clienteeram os reais valores a serem perse-guidos. De um enfoque interno e limi-tado aos interesses internos, passa-mos para uma abordagem voltadapara fora da empresa e dirigida a in-teresses externos. Ora, absorver es-ses novos valores, no ritmo e com aintensidade com que eles surgiamnão era tarefa fácil para o pessoal deO&M. Todo o instrumental de O&Mteria que ser revisto, atualizado ousimplesmente abandonado.

Podemos notar que a abordagemtípica do O&M praticamente foi obli-terada das referências bibliográficas,das escolas de administração e daprática profissional. Na década de80, surgiu - e se consolidou - aabordagem de aperfeiçoamento deprocessos, vinda no bojo da buscada qualidade e dos projetos de aper-feiçoamento contínuos. Assim, sehavia alguma brecha para a aborda-gem de O&M, foi definitivamente fe-chada com a chegada do enfoquedos processos de negócio, que nãose restringem aos processos de pro-dução, sendo, mesmo, mais impor-tantes que estes últimos".

Outro fator relevante na modifica-

ção radical da importância do O&Msão as novas tecnologias de apoio aotrabalho do escritório, em especial asque interligam as pessoas, mesmo agrandes distâncias. Se o telefone jáhavia provocado transformações no-táveis na estrutura e na operaçãodas empresas, nas décadas que seseguiram à sua disseminação, agoraa junção da informática com a trans-missão de dados é que tem passadoa redefinir, de forma radical, a manei-ra como as pessoas devem trabalharnas áreas não-fabris das empresas.

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reprojetar a forma de realizar o traba-lho 10. Em particular, a tecnologia deinformação (TI) pode alterar de formadramática o projeto dos cargos, dosprocessos de trabalho, as estruturasorganizacionais, a cultura da empre-sa e as habilidades individuais ".

O melhor exemplo, talvez aindanão completamente desenvolvido eapreciado, é o do correio eletrônico.O correio eletrônico transforma a na-tureza da interação humana, dando abase e fortalecendo o trabalho emgrupo (workgroup) nas ernpresas ".Ele armazena e transmite comunica-ção eletrônica, escrita e em voz,substituindo o telefone, encontrospessoais e, muitas vezes, o fax, o te-lex e a comunicação escrita entre aspessoas. Para que a introdução des-sa tecnologia no ambiente de traba-lho tenha sucesso, pressupõe-se umprojeto de preparação das pessoas edas tarefas, mas o perfil do analistade O&M tradicional não é o mais ade-quado para isso.

A evolução da tecnologia de escri-tório e a aquisição desta pela empre-sa não levam automaticamente à suautilização produtlva ". Ganhos con-cretos nas atividades e processossurgirão apenas se forem feitas mu-danças na organização dos recursose na realização do processo, para,assim, se tirar vantagem das possibi-lidades do equlpamento". O assuntovai se tornando tão abrangente ecomplexo, que surgiram empresasespecializadas em planejar e acom-panhar a implantação de novas tec-nologias junto aos seus clientes ". Asmudanças importantes nas empre-sas passaram a ser planejadas eacompanhadas também por equipesexternas - empresas de consultoria- e não mais só pelo pessoal inter-no, abandonando-se o modelo daárea interna, permanente e exclusi-vamente dedicada ao O&M.

E, se a tecnologia é capaz de provo-car no trabalho mudanças tão profun-das e abrangentes, é indispensável

Suplemento da AAE 25RAE Light

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CONTRAPONTO

o

As mudanças fatais

o objetivo do profissional de O&Mera projetar o modo de trabalhar daspessoas envolvidas nas atividadesnão-fabris da empresa. Com o tem-po, esse objetivo passou a se resu-mir ao layout das instalações e aoprojeto dos formulários internos. Ainformática acabou com os formulá-rios, substituindo-os por telas decomputador, o layoutdeixou de exigira presença constante do homem deO&M. O projeto do trabalho (e, por-tanto, da forma como as pessoas rea-lizam suas tarefas na empresa) pas-sou a ser atribuição do pessoal desistemas, que não obrigatoriamentetem o preparo, a preocupação e acompetência para essa .atividade. Asnovas tecnologias exigem novos pro-cedimentos de trabalho, relações detrabalho diferentes das que existiam

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anteriormente, novos fluxos de ativi-dades, cargos com outros conteúdose outras diferentes descrições e es-truturas organizacionais 16,

Para a maioria das pessoas é difí-cil acreditar que a nossa carreira pro-fissional possa um dia deixar de exis-tir. Mas, ao longo do tempo, famíliasinteiras de carreiras e profissões dei-xaram de existir, algumas vezessubstituídas, outras vezes não. Osfabricantes de carruagens e seusempregados foram substituídos pe-los de automóveis e seus emprega-dos, mas os cocheiros deixaram deexistir. Aliás, até existiram certo tem-po como chauffeurs, mas logo forameliminados, sem muito rodeios, Mes-mo dentro das profissões, a tecnolo-gia tem obrigado a mais do que sim-ples brush ups: o técnico de rádioque trabalha com equipamentos comcircuitos integrados não é o mesmo

que trabalhava competentementecom rádios à válvula. Isto quer dizer:quem não aprendeu a "nova eletrôni-ca" dos circuitos integrados saiu domercado.

Aliás, a quase totalidade das profis-sões ligadas à informática e à análi-se de sistemas não existia na primei-ra metade deste século e algumas,surgidas desde então, já deixaram deexistir, como, por exemplo, a dos di-gitadores. Hoje os digitadores exis-tem apenas marginalmente, como astelefonistas, ainda necessárias paraalguns casos específicos.

Ao contrário das profissões que dei-xaram de ter sentido, o projeto do tra-balho continua sendo necessário, Mui-tas das transformações proporciona-das e exigidas pela utilização de novastecnologias nas empresas são com-plexas demais para receberem solu-ções intuitivas ou para serem deixadas

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sob a responsabilidade de chefiasdesassistidas. As empresas preci-sam de profissionais que possamajudar na definição do novo ambien-te e no delineamento da maneira deincorporar, no trabalho das pessoas,as novas tecnologias.

• a recuperação do espaço profis-sional perdido e do tempo desper-diçado no projeto inadequado desistemas de trabalho sofisticados.

Uma saída?

Para atender às necessidades deformar grupos de trabalho eficientes,projetar esquemas de trabalho que ti-rem máximo proveito das novas tec-nologias e promover o aperfeiçoa-mento geral dos processos de traba-lho, as empresas precisam patrocinar:

• o desenvolvimento de pessoal"anfíbio", com formação e expe-riência balanceadas tanto nocampo da organização e do pro-jeto do trabalho como na área detecnologia de informação e suasaplicações;

• o desenvolvimento das metodolo-gias modernas de estudo e deprojeto do trabalho, agora em ba-ses diferentes das já utilizadas,visando ao melhor resultado paraa empresa;

• o desenvolvimento de novas ma-neiras de envolver chefias e ge-rências na implementação efetivados novos modelos de trabalho;

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1. MILLER, Henry. Organização e métodos. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1955 (e edições pos-teriores, até 1985).

2. JAMESON, Samuel H. Organização e métodos. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1963.3. MENDONÇA JÚNIOR, Luiz. Curso de organização racional do trabalho. São Paulo: Ed. Clássico-cien-

tífica, 1941.4. McDONOUGH, Adrian, GARRETT, Leonard. Sistemas administrativos. São Paulo: Zahar Editores, 1974

(edição orig inal americana de 1965).5. LEMOS, Salete. A organização e os métodos estão mudando. Dafanews, 25 novo 1986, p. 54-5.6. Idem, ibidem.7. Idem, ibidem.8. HARRINGTON, H.J. The improvement processo New York: McGraw-Hill, 1987.9. Idem, ibidem.

10. GONÇALVES, José Ernesto 1.. et alii. Reengenharia das empresas: passando a limpo. São Paulo: Atlas,1995.

11. TAPSCOTT, Don, CASTON, Art. Paradigmshift, NewYork: McGraw-Hill, 1993.12. Idem, ibidem.13. ACKOFF, Russel L. Management misinformation systems. Management Science, v.14, nA, p.147-56.14. PAVA, Calvin. Managing new office technology. New York: The Free Press, 1983.15. GONÇALVES, José Ernesto L. et alii. A tecnologia e a realização do trabalho. Revista de Administra-

ção de Empresas, V. 33, n. 1, jan.-fev.1993.16. TAPSCOTT, Don, CASTON, Art. Op. at.

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Ainda é cedo para dizer se o analis-ta de O&M será substituído por outroprofissional, como o cocheiro das dili-gências o foi pelo motorista de ônibus,ou se seu lugar não terá outro ocupan-te, como aconteceu com os foguistasdas locomotivas. A história está reple-ta de exemplos de profissões que, sur-gidas de repente, evoluíram, atingiramum apogeu e deixaram de existir por-que uma nova tecnologia ou o surgi-mento de outra profissão inviabilizou asua continuidade. Mas nós continua-mos estranhando quando o raio caimuito perto de onde estarnos.s

José Ernesto Lima Gonçalves éProfessor do Departamento de

Administração Geral e RecursosHumanos da EAESP/FGV e

Consultor de Empresas.

Este artigo teve a colaboração de Vera Lúcia

Oliveira, Consultora da Origin, com formação

em Engenharia de Produção.