Ensino de LE Através de Literatura

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Ensino de Língua Inglesa através de Literatura no ensino básico

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  • * Professora de Ingls do CAp/UFRGS. Mestre em Letras, na rea de Lingustica, pela PUCRS. E-mail: [email protected].

    ** Professora de Espanhol do CAp/UFRGS. Mestre em Letras, na rea de Literatura Infanto-Juvenil, pela PUCRS. E-mail: [email protected].

    O ensino da Lngua Estrangeira atravs da literatura

    Ivana Ktia de Souza Ferreira*

    Laura Nelly Mansur Serres**

    Resumo: A partir dos documentos que orientam o ensino de lnguas estrangeiras (LE) na escola, somados aos aportes tericos oriundos das reas de cognio humana e da literatura, este arti-go tenta contribuir com o estudo e a refl exo acerca de como o trabalho com a literatura pode ser um recurso pedaggico efi caz que possibilite contextos mais signifi cativos de aprendizagem. Analisa tambm que, alm do ensino especfi co da sua rea de conhecimento, o professor de LE tem a responsabilidade de contribuir com a escola na formao de leitores. A criatividade e o jogo, aliados literatura, so elementos dos quais o professor pode dispor como estratgia nas aulas de LE. A partir desses con-ceitos, na tentativa de corrobor-los, este artigo ainda relata uma experincia bilngue (espanhol e ingls) de ensino-aprendizagem em LE com literatura nas aulas do Projeto Amora, no Colgio de Aplicao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    Palavras-chave: Escola; Lngua Estrangeira; Literatura; Criati-vidade; Jogo.

    Abstract: Based on the documents related to the foreign language teaching at Elementary School and the theoretical approaches from the human cognition and the literature fi elds, this paper tries to contribute to study and refl ection about how

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    the work with literature can be an effi cient pedagogic resource able to offer more signifi cant learning contexts to students. It analyses that, besides the specifi c teaching of his knowledge fi eld, the foreign language teacher also has the responsibility to contribute to the formation of readers at school. Creativity and games, as well as literature, are elements that can be explored by the teacher as strategy for his foreign language classes. With those concepts, as an attempt at corroborating them, this paper also presents a Spanish-English bilingual experience of foreign language teaching-learning with literature in Projeto Amora (Amora Project), at Colgio de Aplicao (Aplicao School) of Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Federal University of Rio Grande do Sul/Brazil).

    Keywords: Elementary School; Foreign Language; Literature; Creativity; Game.

    Introduo

    Nas diversas reas do Ensino Fundamental, a escola brasi-leira vem demonstrando interesse na aplicao de novos recursos pedaggicos, capazes de possibilitar contextos mais signifi cativos de aprendizagem, buscando uma maior participao e um maior interesse por parte dos alunos nas atividades escolares (BRASIL, 2001).

    Com o intuito de qualifi car a educao, os documentos que orientam o ensino de Lngua Estrangeira, doravante LE, no Ensino Fundamental alertam sobre a necessidade de selecionar textos adequados para trabalhar com os alunos a oralidade e a produo textual. Sobre isso, os Parmetros Curriculares Na-cionais para o Ensino Fundamental salientam que, na hora de escolher materiais para desenvolver a produo textual e oral dos alunos, o professor de LE deve priorizar os textos com os quais os estudantes tenham familiaridade como usurios de sua lngua materna. O referido documento afi rma que [...] uma maneira de facilitar a aprendizagem do conhecimento sistmico e colaborar

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    para o engajamento discursivo da parte do aluno [...] faz-lo se apoiar em textos orais e escritos que tratam de conhecimento de mundo com o qual j esteja familiarizado (BRASIL, 2001, p. 33) e complementa:

    Assim, para ensinar um aluno a se envolver no discurso em uma lngua estrangeira, aquilo do que trata a interao deve ser algo com o qual j esteja familiarizado. Isso pode ajudar a compensar a ausncia de conhecimento sistmico da parte do aluno, alm de faz-lo sentir-se mais seguro para comear a arriscar-se na lngua estrangeira. O conheci-mento de mundo referido nos textos pode ser ampliado com o passar do tempo e incluir questes novas para o aluno de modo a alargar seus horizontes conceptuais, o que, alis uma das grandes contribuies da aprendizagem da Lngua Estrangeira (BRASIL, 2001, p. 33).

    O professor de LE, engajado na proposta transformadora da educao atual, que reconhece o compromisso com a forma-o do leitor, poder buscar, nos diversos materiais literrios, recursos favorveis ao processo de ensino-aprendizagem de sua rea de conhecimento. Tal ao corrobora a ideia de que o livro didtico no deve constituir-se em material exclusivo nas aulas de lnguas. Ao contrrio, cabe tambm ao professor de LE delinear estratgias que levem a resgatar o papel da literatura na escola, valorando a experincia de vida do aluno reconhecida nas obras literrias.

    Este artigo pretende, ento, motivado pelas orientaes/concepes do processo ensino-aprendizagem atual, valorizar a literatura na aula de LE como mais um meio disponvel no espao educativo. Com esse intuito, fazemos uma aproximao entre diversos tericos, tanto da rea da cognio humana quanto da rea da literatura, bem como apresentamos uma experincia bilngue (espanhol e ingls) realizada na turma Amora I/2011, correspondente 5 srie do Ensino Fundamental, do Projeto Amora, do Colgio de Aplicao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), composta de 37 alunos.

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    O material literrio utilizado na aula de LE

    A tarefa de seleo dos materiais por parte do professor pode e deve incluir textos literrios adequados faixa etria dos alunos, o que se constitui num recurso til, no sentido de auxi-liar na consecuo de resultados positivos no processo ensino-aprendizagem de LE. Considerando que esse tipo de texto faz parte do mundo da criana, possvel pensar que apropriado para trabalhar na aula de LE, principalmente quando rico de elementos maravilhosos, como o so os contos de fada, por exemplo. Como afi rma Bettelheim, [...] os contos de fadas dei-xam fantasia da criana o modo de aplicar a ela mesma o que a estria revela sobre a vida e a natureza humana (1978, p. 59).

    Alm disso, esses textos merecem ser trabalhados na escola porque colaboram com o equilbrio emocional das crianas. Para Bettelheim, a simbologia dos contos maravilhosos fornece respostas a questes mobilizadoras e [...] oferece fi guras atravs das quais as crianas podem externalizar o que se passa na sua mente de modo controlvel (1978, p. 82). Assim, quando todos os pensamentos mgicos da criana esto personifi cados num bom conto de fadas seus desejos destrutivos, numa bruxa malvada; seus medos, num lobo feroz; [...] , ento a criana pode fi nalmente comear a ordenar essas tendncias contradit-rias (BETTELHEIM, 1978, p. 82). O autor salienta que esses contos [...] mostram criana de que modo ela pode personifi car seus desejos destrutivos numa fi gura, [...] identifi car-se com uma terceira, [...] e da para diante, como requeiram suas necessidades momentneas (1978, p. 82).

    Desse modo, Bettelheim (1978) faz ver que a adequabi-lidade das histrias maravilhosas decorre do carter simblico do gnero, vinculando esses benefcios noo de que a hist-ria traduz os confl itos interiores da criana, assim como suas possveis solues. A leitura do texto pode, com efeito, levar ao reconhecimento e superao do problema. Salienta-se que o mesmo autor reconhece a importncia de, depois da leitura,

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    a criana meditar sobre os contos que l ou que lhe so lidos, com o propsito de que no seja diluda a impresso suscitada por essas histrias.

    Por essas razes, fundamental delinear estratgias na aula de LE que permitam ao aluno continuar pensando na histria, refl etindo sobre ela e falando sobre o assunto. Nessa perspectiva, as ideias de Gardner (1994) tambm corroboram a importncia de que os textos disponibilizados criana se relacionem com a sua realidade e levantem questes signifi cativas para ela:

    As compreenses infantis da mente e da matria afetam fortemente seus roteiros sobre os objetos e eventos mais universalmente encontrados no mundo a pedra caindo, o amigo triste.Mas a criana tambm tem registrado conhecimento de muitos outros conjuntos de eventos geralmente encontrados e, talvez, mais idiossin-crticos. Seus roteiros incluem no apenas a festa de aniversrio, [...] mas tambm as frias da famlia, a ida ao estdio, a excurso loja de brinquedos, o passeio de carro, [...]; no apenas eventos que elas testemunharam com seus prprios olhos, mas tambm enredos e per-sonagens que elas viram na televiso ou no cinema, ou sobre os quais aprenderam nos livros.As crianas esperam ler e ouvir sobre exemplos destes roteiros ou variaes deles no seu currculo escolar (GARDNER, 1994a, p. 88).

    Desse modo, o autor conclui que,

    [...] na medida em que o que lhes ensinado [s crianas] compatvel aos conjuntos de eventos cannicos, tais matrias sero prontamente assimiladas, mas na medida em que tais sequencias de eventos recente-mente encontradas confl itam com roteiros muito arraigados, as crianas podem distorc-las ou ter difi culdade em assimil-las (GARDNER, 1994a, p. 88).

    Essa linha terica justifi ca a escolha por trabalhar com histrias maravilhosas na aula de LE, j que tratam de assuntos prximos realidade infantil e podem desencadear resultados positivos no mbito emocional dos alunos, redundando numa boa disposio para aprender e participar.

    As ideias de Bordini e de Aguiar (1993, p. 13) tambm sustentam o trabalho com histrias. Afi rmam que

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    a linguagem literria extrai dos processos histrico-poltico-sociais nela representados uma viso tpica da existncia humana. O que importa no apenas o fato sobre o qual se escreve, mas as formas de o homem pensar e sentir esse fato, que o identifi cam com outros homens de tempos e lugares diversos.A obra literria pode ser entendida como uma tomada de conscincia do mundo concreto que se caracteriza pelo sentido humano dado a esse mundo pelo autor (BORDINI; AGUIAR, 1993, p. 14).

    Assim, todos os livros favorecem a descoberta de sentidos, mas so os literrios que o fazem de modo mais abrangente. Enquanto os textos informativos atm-se aos fatos particulares, a literatura d conta da totalidade do real, pois, representando o particular, logra atingir uma signifi cao mais ampla. Nessa tarefa, a imaginao ser o meio de lhe permitir vivenciar experincias alheias s suas, ampliando a sua viso de mundo.

    A mente infantil e a escola

    Segundo Gardner (1994a, p. 76), atravs da explorao regular e ativa do ambiente, a criana adquire compreenses in-tuitivas sobre o mundo, que a leva a pensar de maneira coerente sobre os objetos, os eventos e as pessoas ao seu redor. Na idade de cinco ou seis anos, a criana j desenvolveu de modo relevante sentidos vigorosos de trs dimenses: a) no mundo dos objetos fsicos, desenvolveram uma teoria da matria; b) no mundo dos organismos vivos, desenvolveram uma teoria da vida; e c) no mundo dos seres humanos, desenvolveram uma teoria da mente, que incorpora uma teoria do self.

    O autor afi rma que existem [...] teorias feitas em casa [...] (GARDNER, 1994b) que denotam as compreenses emergentes do mundo da criana e so complementadas por habilidades em diferentes tipos de desempenho, de domnio de amplo conjunto de roteiros, de valores e de inteligncias mais individualizadas. A criana leva consigo para a escola esse conjunto de teorias feitas em casa, capacidades, compreenses, propenses, que infl uen-

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    ciam a maneira como o novo estudante aprende as matrias recentemente encontradas. A criana utiliza essas teorias regular e criativamente e delineia inferncias a partir delas. Tais teorias ou vises do mundo so teis e poderosas e lhe permitem dar sentido, ao menos de modo provisrio, maior parte do que ela encontra no mundo. O problema que tendem a ser ignoradas pela escola quando ela inicia a escolarizao formal.

    Gardner (1994a, p. 77) explica que as teorias intuitivas permanecem como formas de conhecimento potentes e, pro-vavelmente, ressurgem quando o indivduo sai do meio esco-lar. Ele destaca que, somente se essas teorias intuitivas forem reconhecidas e integradas, ser possvel para a criana e seus professores determinarem em que circunstncias elas deveriam ainda ser usadas.

    Salienta ainda que a criana, aos dois anos de idade, j adquiriu sentido funcional do mundo fsico. Ela considera que os objetos existem no tempo e no espao e continuam a existir, mesmo que sejam removidos de sua vista. Nutre expectativas claras sobre os comportamentos de objetos especfi cos, e sobre as compreenses sensrio-motoras que so construdas as teorias iniciais da criana sobre a matria, a vida e a mente. Apresenta, assim, as Teorias Intuitivas da Criana ou teorias feitas em casa e diz que essas so as Teorias Ontolgicas, as Teorias do Nmero, as Teorias da Mecnica, as Teorias sobre o Mundo dos Seres Vivos, as Teorias da Mente.

    Com relao s Teorias Ontolgicas, Gardner (1994a, p. 78) explica que, depois dos dois anos de idade, o conhecimento inicial da criana sobre o mundo fsico sofre diferenciaes mais fi nas. Primeiro, as distines so totalmente grosseiras, e a criana distingue entre objetos tangveis e no tangveis. Depois, estabe-lece distines delineadas dentro de categorias: a) objetos que se movem por seu prprio mpeto (vivos), entre eles (animados) alguns sentem, e uma quantidade menor pensa; b) objetos que precisam ser movidos (geralmente no esto vivos), e c) objetos que no se movem (incapazes de sentir, e pensar e de desejar). O

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    terico afi rma que a ontologia emergente da criana importante porque os modos como ela pensa sobre classes de entes infl ui nos tipos de teorias que ela desenvolve sobre essas classes e nos tipos de inferncias que est preparada para esboar.

    Com respeito s Teorias do Nmero, pode-se dizer que h uma forte e uma precoce tendncia da criana para reconhecer o domnio numrico, alm da preparao adequada para a enu-merao. Assim, ela conta com essa capacidade para lidar com os tipos de seres de uma maneira numrica, para conceb-los como parte de conjuntos de diferentes tamanhos. Pode-se obser-var como a criana de quatro anos enumera todas as coisas. As compreenses numricas parecem surgir naturalmente nos anos pr-escolares. difcil imaginar como a criana poderia lidar com o ambiente na ausncia de capacidades numricas incipientes como, por exemplo, o controle de jogos, de livros, de alimentos.

    No que se refere Teoria da Mecnica, a criana tem certas concepes bsicas sobre o comportamento da matria e prontamente a divide entre objetos rgidos, por um lado, e geis, por outro. Nesse sentido, explica que ela, desde pequena, tem a certeza de que o aumento no impulso sempre levar ao aumento nos resultados observveis e de que o aumento na resistncia lograr resultados menos potentes. Isso a induz convico de que os objetos iro dirigir-se para onde estavam anteriormente orientados. Para a maioria dos propsitos cotidianos, essas su-posies sobre os comportamentos dos objetos so sufi cientes e se revelam teis. Desse modo, a criana, desde cerca de trs anos de idade, distingue entre objetos: a) que parecem mover-se por vontade prpria; b) que no podem mover-se por vontade prpria; c) que podem mover-se apenas quando impelidos por foras externas.

    Quanto s Teorias sobre o Mundo dos Seres Vivos, a criana, desde pequena, discrimina as classes de entes: a) os que se movem por si prprios (vivos); b) os que so incapazes de se mover sem impulso externo (mortos ou no vivos); c) os que tm uma existncia natural no mundo (plantas, animais,

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    minerais), e d) os que foram feitos pelos seres humanos (arte-fatos como mquinas, brinquedos ou edifcios). Para a criana pequena, o organismo prototpico o ser humano. Quanto mais um organismo lembre um humano (particularmente na aparncia fsica), mais suposto que possua os atributos e comportamen-tos dos seres humanos. Essas distines levam a uma biologia intuitiva ou popular, com caractersticas discrepantes da biologia apresentada na escola.

    De acordo com Gardner (1994a, p. 82), seria educacio-nalmente efi caz confrontar os estudantes diretamente com as discrepncias entre suas teorias intuitivas e aquelas que foram desenvolvidas pelos especialistas nas disciplinas. A menos que ocorra tal confrontao, provvel que as teorias intuitivas con-tinuaro a existir, uma vez que as teorias especialistas no sejam mais sustentadas pelas circunstncias da escola.

    Sobre as Teorias da Mente, a criana desenvolve teorias para pensar a respeito da mente humana. Com elas, o ser humano tem a capacidade de considerar a existncia daquele ente, chamado por ele de mente, em outros seres humanos. Assim, a criana de dois anos j est consciente de si mesma como um ente separado e, tambm, dos outros como indivduos. Chama a ateno para o fato de que nem a criana de um ano nem a maioria dos animais mostraro essa capacidade. Pelo terceiro ano de vida, a criana j est falando sobre vontades, sobre desejos e sobre medos, os quais so sinais leves de que est consciente de que tem men-te e de que pode provocar alguns tipos de estados mentais nos outros. Pela idade de quatro anos, a criana mostrar estar apta a representar, para si mesma, o contedo de uma outra mente.

    A criana de cinco ou de seis anos j sabe que melhor em alguns esforos que outras, que tem certas vontades e medos, que capaz de obedincia e desobedincia, de egosmo e de altrusmo. A habilidade da criana de observar outra pessoa que tenha um conjunto de crenas diferentes das suas representa um avano considervel. Referente aos estgios de desenvolvimento de uma Teoria da Mente, a criana se torna capaz, ao longo da

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    primeira infncia, de diversos nveis ordenados de sofi sticao simblica: a) no fi m do perodo infantil, revela uma capacidade simblica mundana; b) torna-se capaz de empregar conjuntos de smbolos dentro de um sistema nico e pode compreender e produzir sentenas simples que se referem a sequncias de eventos ou s aes de um agente no mundo; c) torna-se capaz de avaliar que smbolos representam um ponto de vista; d) reconhece que o ponto de vista de um indivduo pode ser contrrio ao efetivo estado de coisas; e) passa a considerar que algum pode afi rmar deliberadamente alguma coisa que contrria realidade, por exemplo, para enganar algum ou para obter sua solidariedade.

    Ressalta que os seres humanos jovens desenvolvem vigo-rosas teorias sobre si mesmos, sobre os outros, sobre a matria, sobre o nmero, sobre a vida, sobre a mente e sobre outras coisas que lhes permitam lidar com o mundo do dia-a-dia. Tais teorias parecem surgir espontaneamente ao longo da primeira infncia e desempenham um importante papel, s vezes facilitador, mas, s vezes, contraprodutivo, conforme os estudantes tentem dominar tipos de conhecimentos acadmicos e disciplinares mais formais. Essas teorias envolvem correntes de inferncias, desenvolvidas a partir de premissas bsicas da teoria ou das teorias nas quais a criana est se baseando.

    Considerando o exposto anteriormente, e conservando a linha de pensamento do mesmo terico da cognio humana, h condies de se afi rmar que as compreenses iniciais da mente e da matria representam um aspecto crucial do aparato mental que a criana leva para a escola, expressando as formas como a criana pensa sobre temas acadmicos, a menos que seja instruda deliberadamente a conceb-los de um modo diferente.

    As potencialidades da criana parecem ser pouco consi-deradas pelos educadores da pr-escola e, ao serem negadas, a educao tende a homogeneizar e a massifi car o processo ensino-aprendizagem. Essa maneira de proceder leva equivo-cadamente a supor que a criana constitui tabula rasa e que, consequentemente, cabe instituio escolar oferecer subsdios

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    para o desenvolvimento cognitivo da criana, desconsiderando o que ela traz de casa, equvocos e esteretipos, na primeira d-cada de vida no mundo. A educao deveria, ento, dar espao s produes da mente infantil, valorando sua experincia de vida, sua criatividade, sua riqueza de recursos e seus momentos de versatilidade e de originalidade.

    A literatura e os mltiplos sentidos no espao escolar

    Segundo Ketzer (2001), s possvel ensinar literatura e formar leitores no mbito da escola se estabelecidos os mtodos capazes de orientar o professor. Pode-se dizer que a obra literria se materializa no texto constitudo pelo cdigo verbal escrito. Tal condio explica, embora no justifi que, a tendncia de alguns professores usarem o texto para ensinarem regras gramaticais, ou ainda apenas para identifi carem e confi rmarem esquematicamente traos e caractersticas pertencentes a determinado perodo lite-rrio. Perde-se, com tal conduta, a possibilidade de apreciao do valor esttico da obra, condio indispensvel e essencial formao de leitores.

    No possvel conceber a construo de um nico sentido para um texto, por mais referencial e denotativo que seja. Assim, os processos de produo e de recepo de um texto no podem ser concebidos num sentido nico e previsvel. A referida autora se pergunta como conformar os sentidos de um texto fi ccional apenas leitura feita pelo professor, ou mesmo pelo que pro-posto nos livros didticos. A obra literria uma pea artstica cuja natureza aponta para a ambiguidade e para a plurissigni-fi cao, com vistas ao estranhamento do leitor. Por isso, no adequado limitar o ensino da literatura regularidade prevista por grande parte das escolas, que costumam exigir normalizao nos proce dimentos metodolgicos, quando a norma do liter-rio justamente o fora da norma, o possvel e o imprevisvel.

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    Desse modo, ensinar literatura ou estabelecer mtodos para tal implicam a reverso dos paradigmas da escola tradi-cional, assumindo as difi culdades, os riscos, os desconfortos e as desacomodaes, prprios das mudanas. O professor no deve perder de vista que tal tarefa nunca ser igual e, portanto, nunca ser transfervel de grupo para grupo, de ano letivo para ano letivo. Dever, sim, considerar e aceitar que o imaginrio de seus alunos no pode ser controlado, por mais efi cientes que sejam as metodologias a sua disposio.

    Zilberman (2000, p. 95) mostra que a escola, sendo a entidade que recebe a incumbncia de ensinar a ler, tem, muitas vezes, interpretado essa tarefa como algo mecnico e esttico, disponibilizando s crianas o instrumental necessrio e automa-tizando seu uso, por meio de exerccios que ocupam os primeiros anos do Ensino Fundamental. A criana, ao aprender a ler, no se converte necessariamente num leitor, j que este se defi ne, em princpio, pela assiduidade a uma instituio determinada: a literatura. nesse ponto que o professor deve intervir, desenvol-vendo estratgias que fomentem o gosto pela leitura no seu aluno.

    A escola pode tomar dois caminhos diferentes. O primeiro seria quando oferece oportunidade para que sua tarefa se cumpra de modo integral, transformando o indivduo habilitado leitura em um leitor. O outro caminho seria quando nega essa oportu-nidade ao aluno, afastando-o de qualquer leitura, sobretudo dos livros, seja por ter sido alfabetizado de maneira insatisfatria, seja por rever na literatura experincias didticas que deseja esquecer.

    Para a referida autora, a proposta de que a leitura seja reintroduzida na sala de aula signifi ca o resgate de sua funo primordial de recriar imaginariamente a realidade, buscando, so-bretudo, a recuperao do contrato do aluno com a obra de fi co. Desse intercmbio, respeitando-se o convvio individualizado que se estabelece entre o texto e o leitor, emerge a possibilidade de um conhecimento do real, ampliando os limites. O recurso literatura pode desencadear com efi cincia um novo pacto entre a criana e o texto, assim como entre o aluno e o professor.

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    A leitura uma descoberta do mundo, realizada segundo a imaginao e a experincia individual. A possibilidade de ml-tiplas interpretaes impede a fi xao de uma verdade anterior acabada, o que ratifi ca a expresso do aluno e desautoriza a certeza do professor. Com isso, desaparece a hierarquia rgida sobre a qual se apoia o sistema educativo tradicional, o que repercute em uma nova aliana, mais democrtica e mais fl exvel, para o dilogo, entre o aluno e o professor.

    Bordini e Aguiar (1993, p. 14), por seu turno, pensam que a obra literria pode ser entendida como uma tomada de consci-ncia do mundo concreto, que se caracteriza pelo sentido humano dado a esse mundo pelo autor. O texto produzido permite o es-tabelecimento de trocas comunicativas dentro dos grupos sociais, pondo em circulao esse sentido humano. Constri-se, na obra literria, um mundo possvel, no qual os objetos e processos nem sempre aparecem totalmente delineados. Esse mundo, portanto, envolve lacunas que so automaticamente preenchidas pelo leitor de acordo com sua experincia. Em consequncia, a literatura se torna uma reserva de vida paralela, em que o leitor encontra o que no pode ou no sabe experimentar na realidade. A obra literria captura, assim, o seu leitor e o prende a si mesmo, por ampliar suas fronteiras sem oferecer os riscos da aventura real.

    A aprendizagem formal e as inteligncias mltiplas

    Gardner (1994b, p. 7) esboa uma nova teoria das com-petncias intelectuais humanas, a qual desafi a a viso clssica da inteligncia que valorizava a aplicao dos testes de inteligncia. H evidncias persuasivas para a existncia de diversas com-petncias intelectuais humanas relativamente autnomas (as inteligncias humanas). Estas so as estruturas da mente. A exata natureza e a extenso de cada estrutura individual no foram at o momento satisfatoriamente determinadas, nem o

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    nmero preciso de inteligncias foi estabelecido. Mas Gardner est convencido de que h, pelo menos, algumas inteligncias, sendo relativamente independentes umas das outras e podendo ser modeladas e combinadas numa multiplicidade de maneiras adaptativas por indivduos e culturas. Na vida comum, essas inte-ligncias trabalham em harmonia; ento, sua autonomia pode ser invisvel. Quando observada adequadamente, a natureza peculiar de cada inteligncia emerge com sufi ciente clareza.

    Na rea da educao, considera que deveria ser possvel identifi car o perfi l ou as inclinaes intelectuais de um indivduo numa idade precoce e, ento, utilizar esse conhecimento para aumentar as oportunidades e as opes educacionais dessa pes-soa. Pensa que seria possvel canalizar indivduos com talentos incomuns para programas de aprimoramento, bem como estru-turar programas especiais de melhoramento para indivduos que apresentem um perfi l atpico ou disfuncional de competncias intelectuais.

    Desse modo, o autor desenvolve uma estrutura baseada na teoria das inteligncias mltiplas, que pode ser aplicada a qual-quer situao educacional, e considera o seu esforo como uma contribuio para a emergente cincia da cognio. So essas as teorias das inteligncias s quais Gardner se refere: lingustica, lgico-matemtica, musical, espacial, corporal-cinestsica, inter-pessoal e intrapessoal. A teoria das inteligncias mltiplas postula que existe um conjunto de potenciais humanos compartilhado por todos os indivduos em virtude de sua fi liao espcie hu-mana. Devido hereditariedade, ao treinamento precoce ou interao constante entre esses fatores, alguns indivduos desen-volvero determinadas inteligncias muito mais do que outros. Todo indivduo normal capaz de desenvolver cada inteligncia at certa extenso, se tiver a oportunidade de faz-lo.

    Afi rma que as inteligncias interagem entre si e se baseiam umas nas outras desde o incio da vida. Mesmo assim cr que, no centro de cada inteligncia, h uma capacidade computacional ou um mecanismo de processamento de informaes que so singulares quela inteligncia particular. Na interao humana

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    normal, encontram-se complexos de inteligncias funcionando juntos, interruptamente, para executarem atividades humanas in-trincadas. As capacidades intelectuais so um conjunto de blocos construtores, a partir dos quais linhas produtivas de pensamento e de ao so construdas. A teoria das inteligncias mltiplas busca determinar a insero de atividades intelectuais em reas nas quais, at agora, foram frequentemente excludas e defende a ideia de que as diferentes capacidades envolvem formas altamente desenvolvidas de cognio.

    Defende a concepo de que os indivduos possuem alguns domnios de competncia intelectual potencial que podero ser desenvolvidos quando existirem fatores estimulantes adequados. Postula levar a srio a natureza das tendncias intelectuais ina-tas, os processos heterogneos do desenvolvimento na criana e os meios pelos quais esses so formados e transformados pelas prticas e valores particulares da cultura. Considera que, at mesmo quando os mecanismos cognitivos da pessoa esto em ordem, o progresso educacional no necessariamente acontecer. A maioria das anlises psicolgicas contemporneas supe um individuo vido para aprender; porm, de fato, fatores como uma motivao adequada, um estado afetivo condutor da aprendiza-gem, um conjunto de valores que favorea um tipo especfi co de aprendizagem e um contexto cultural apoiador so fatores indispensveis no processo educacional.

    Gardner observa que os responsveis pelo planejamento educacional devem decidir que estratgias podem mais bem uti-lizadas para ajudar o indivduo a atingir a competncia, a habili-dade ou o papel desejados. Para obter um quadro razoavelmente preciso do perfi l intelectual de um indivduo, necessrio um ms aproximadamente, enquanto est envolvido em atividades regulares de sala de aula. Tal perfi l indicaria que linhas j foram iniciadas em um indivduo, quais as que revelam um potencial evidente para desenvolvimento e que linhas so inefi cazes ou apresentam alguns obstculos. Esse tipo de avaliao difere da empregada na testagem da inteligncia tradicional, ocasio em

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    que a criana era confrontada por um adulto que lhe dirigia uma srie rpida de perguntas, esperando que ela lhe fornecesse uma nica resposta. Esses testes se restringiam a valorizar as habili-dades lingusticas e as capacidades lgico-matemticas, sem per-mitirem a obteno de um quadro mais verdico das capacidades intelectuais em vigor da criana no momento, como a musical, a corporal-cinestsica ou a espacial, e de seu potencial intelectual.

    oportuno refl etir sobre a necessidade de mudana de paradigma nos mbitos social, cultural, familiar e escolar, bem como revisar os contedos programticos da escola que, s ve-zes, so conduzidos de maneira linear e sequencial, produto do modelo consagrado socialmente.

    A literatura como desencadeadora do jogo na sala de aula

    Os jogos ajudam a criana a reelaborar criativamente as experincias vividas. Magalhes (apud ZILBERMAN; MAGA-LHES, 1982, p. 25) afi rma que uma das aes mais ligadas caracterizao da infncia jogar como um modo e uma condio de explorar o mundo sem obrigatoriedade, apenas pela neces-sidade de se adaptar e de equilibrar a tenso. Com frequncia, o jogo reconhecido por desempenhar uma funo importante na vida infantil, embora se espere que, ao longo do processo de desenvolvimento, a criana se afaste do jogo e o substitua por atividades teis, s retornando ao comportamento ldico de forma ocasional, como uma pausa recreativa. Defende a ideia de que o jogo uma atividade gratuita, mas, apesar da gratuidade, no incontrolada. No resulta de uma determinao coerciti-va ou pragmtica; porm, deixa-se orientar por regras. uma atividade espontnea, mas no desinteressada, pois a nenhum jogador indiferente o resultado do seu jogo. Pode ser individual ou social, pode requerer concentrao ou manifestar extroverso, pode ser um simples movimento de mo ou estar disciplinado

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    por um complexo sistema de regras. Apesar disso, cada jogo um momento nico, que no se repete em todos os detalhes.

    A referida autora salienta que h, porm, uma caracterstica que, apesar da ausncia de uniformidade, distingue qualquer tipo de jogo, enquadrando-o num determinado comportamento. Afi rma que o jogo no simplesmente satisfao de desejos iso-lados. Encenando o que no pode ser realizado fora do mundo ldico, a fantasia ganha uma instncia afetiva. A criana joga sem pensar por que joga. Jogando, ela atinge uma generalizao do afeto, uma vez que os desejos e os confl itos, manifestaes de sentimentos e de reaes, so refl etidos nos jogos.

    A criana explora seus sentimentos e suas emoes atra-vs do jogo, assim como faz com o mundo exterior atravs de percepes. As situaes do mundo real nem sempre favorecem a explorao dos sentimentos e o exame das reaes da mesma forma que faz a fantasia de uma situao ldica. O perigo fi ngido possibilita um ensaio de comportamento e uma aferio de sen-timento que a situao de risco real no oportuniza. medida que a criana vai-se tornando marcada pela ideologia vigente, recebida atravs da escola e da famlia, instituies voltadas para a conservao e a propagao dos valores do status quo, ocorre uma alterao no papel da fantasia no mundo infantil. A fantasia no desaparece, no perde a densidade emocional e afetiva. O que desaparece a manifestao franca da fantasia em atos no privados.

    Outrossim, ressalta que, com o desaparecimento do faz-de-conta, ocorre o retraimento de um contedo fundamentalmente ligado ao interesse da criana. O afastamento do jogo passa a ser exigido no momento em que a criana ingressa na escola. O estudo uma atividade consagrada pelos valores adultos. Em decorrncia disso, observada a subtrao das horas de jogo em benefcio das atividades escolares tradicionais, substituio que provoca uma ruptura na experincia infantil.

    Ainda para Magalhes (1982, p. 28), a nova etapa em que a criana ingressa, a da escolarizao, no se caracteriza pela

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    preocupao com as necessidades da criana em um sentido mais amplo. Na escola, o desenvolvimento da criana consi-derado apenas como crescimento intelectual, e as mudanas de estgio, traduzidas pelo processo de aprovao ou reprovao, segundo a captao intelectual dos contedos ministrados, so representativas disso. O retraimento do espao ldico instaura um desequilbrio, porque o jogo uma forma peculiar de explo-rao do mundo pela fantasia que, restringida, cede lugar a um tipo de informao intelectual limitada sobre o mundo. O papel que o jogo desempenha na infncia equivale a pensar no lugar que ele ocupa numa sociedade que valoriza o pragmatismo e a adaptao. Para relacion-lo com a experincia literria, preciso transcender esse mesmo lugar. Isso leva a crer que a promoo de momentos ldicos bem-vinda ao espao ensino-aprendizagem.

    Perroti (1982, p. 20), por sua vez, diz que a racionalidade do sistema produtivo torna o ldico invivel, pois o tempo do ldico no regulvel, no mensurvel, no objetivvel. Por isso, banido da vida cotidiana do adulto, sendo apenas permitido nas esferas discriminadas dos improdutivos e negado dentro do mecanismo do sistema. Em seu lugar, permite-se o lazer, o no-trabalho, o que totalmente diferente do ldico, que o jogo, a brincadeira, a criao contnua e ininterrupta, intrnseca produo.

    Bordini e Aguiar (1993, p. 26) referem-se a esse respeito afi rmando que as atividades ldicas vo ao encontro dos interesses da criana e do jovem, que tm no jogo o exerccio simblico das prticas sociais e dos sentimentos humanos. Suscitadas a partir de textos, essas atividades so importantes na formao e na continuidade do gosto pela leitura. Quebrando-se o sentido de obrigatoriedade, a leitura perde o carter de disciplina escolar, para se converter em ato espontneo e estimulante, desencade-ador de momentos aprazveis. Apontam que os textos devem agradar ao leitor e que as atividades de explorao dos mesmos devem estar comprometidas com o fortalecimento dessa recipro-cidade, e no com o seu esvaziamento.

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    A partir das ideias desenvolvidas at este momento, apre-sentaremos, a seguir, uma experincia (em andamento) realizada em sala de aula com os alunos da turma Amora I, do Projeto Amora do Colgio de Aplicao da UFRGS.

    Literatura e LE em sala de aula: uma experincia bilngue

    Baseadas nas ideias tericas desenvolvidas anteriormente, aplicamos uma atividade com literatura dentro das nossas aulas de LE. Como o prprio Projeto Amora1 incentiva, decidimos desenvolver tal atividade nas duas lnguas estrangeiras estudadas pelos alunos da turma Amora I (5 srie do Ensino Fundamental), quais sejam, o espanhol e o ingls, na mesma aula.

    Com o objetivo de motivar os alunos a utilizarem as referi-das lnguas a partir da literatura, trabalhamos a poesia Manuelita, la tortuga2, escrita e interpretada musicalmente em espanhol pela argentina Mara Elena Walsh, sendo que o projeto tambm prev trabalhar com a mesma obra traduzida para o ingls. Dentre as inmeras obras possveis de serem trabalhadas com os alunos em sala de aula, escolhemos Manuelita, la tortuga. Abaixo, apresenta-mos a referida poesia, em espanhol (lngua original) e em ingls.

    1 Para mais informaes, ver http://www.amora.cap.ufrgs.br/. 2 A obra Manuelita la tortuga foi considerada pelas autoras deste artigo como uma

    narrativa maravilhosa no sentido de que,

    [...] sem a presena de fadas, via de regra [os contos maravilhosos] se desenvolvem no cotidiano mgico, (animais falantes, tempo e espao reconhecveis ou familiares, objetos mgicos, [...], etc.) e tem como eixo gerador uma problemtica social) ou ligada vida prtica, concreta). Ou melhor, trata-se sempre do desejo de autorrealizao do heri (ou anti-heri) no mbito socioeconmico, atravs da conquista de bens, riquezas, poder material, etc. Geralmente, a misria ou a necessidade de sobrevivncia fsica ponto de partida para as aventuras da busca (NOVAES COELHO, 1987, p. 14).

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    Manuelita, la tortuga

    Manuelita viva en Pehuaj pero un da se march. Nadie supo bien por qu a Pars ella se fue un poquito caminando y otro poquitito a pie.

    Manuelita, Manuelita, Manuelita dnde vas con tu traje de malaquita y tu paso tan audaz?

    Manuelita una vez se enamor de un tortugo que pas. Dijo: Qu podr yo hacer? Vieja no me va a querer, en Europa y con paciencia me podrn embellecer.

    En la tintorera de Pars la pintaron con barniz. La plancharon en francs del derecho y del revs. Le pusieron peluquita y botines en los pies.

    Tantos aos tard en cruzar el mar que all se volvi a arrugar y por eso regres vieja como se march a buscar a su tortugo que la espera en Pehuaj.

    Manuelita, the turtle

    Manuelita used to live in Pehuaj But one day, she went away.Nobody knew very well why She went away to Paris A little bit by walking And another tiny bit on foot.

    Manuelita, Manuelita, Where are you going With your malachite suit And your bold step?

    Manuelita once fell in love With a he-turtle who passed by. She said, What can I do? He wont love me being old. In Europe, with some patience They will make me beautiful.

    At the cleaners in Paris They painted her with varnish.They ironed her in French Right side and wrong side. They put a wig on her head And ankle boots on her feet.

    So many years she delayed crossing the sea

    That, there again, she wrinkledSo she went back,As old as shed gone,To meet her he-turtleWhos waiting for her in Pehuaj.

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    A seguir, descrevemos, passo a passo, as aes propostas aos alunos.

    1 passoNuma folha, entregamos as estrofes desordenadas da poe-

    sia, a fi m de que os alunos as ordenassem de acordo com a msica da Manuelita que ouviam. Para orden-las, os alunos recortavam as estrofes e as colavam em seus cadernos na ordem correspon-dente. Trabalhamos a pronncia e alguns aspectos gramaticais.

    2 passo Com a ajuda do dicionrio bilngue (espanhol-portugus-

    espanhol), os alunos, individualmente, puderam dirimir suas dvidas quanto s palavras desconhecidas. O signifi cado de algumas palavras era, algumas vezes, deduzido do prprio con-texto literrio.

    3 passoNo grande grupo, os alunos produziram frases referentes

    histria de Manuelita, narrada atravs da poesia. Essas frases, que permitiram a reconstruo da histria, foram escritas no quadro e lidas pelos prprios alunos, aprimorando a escrita, bem como a pronncia.

    4 passoProjetamos o fi lme de Garca Ferr3, em DVD, intitulado

    Manuelita4. Depois, fi zemos a reconstruo oral e coletiva do fi lme.

    3 O argentino Manuel Garca Ferr considerado o mestre dos desenhos animados em seu pas.

    4 Manuelita uma tartaruga que nasceu em Pehuaj, Argentina. Foi trazida por uma cegonha e recebida com muito amor pelo seu papai, pela sua mame e pelo seu vov. Na infncia, ela encanta a todos com o seu carisma e com a sua alegria. Vive muito feliz na companhia de seus amigos Bartolito e Topy. Decidida e inocente, Manuelita entra dentro de um balo, localizado em um parque de diverses, que se desprende do solo. deriva, e depois de alguns incidentes, chega a Paris. A tartaruga entra para o mundo da alta costura, no qual exitosa trabalhando como modelo. Ganha muito dinheiro atravs de seu trabalho; entretanto, explorada pelo seu empresrio. Sem dinheiro e decepcionada, ela fi ca vagando pela Cidade Luz. Os seus amigos, preocupados por no receberem notcias de Manuelita, viajam para a Europa a sua

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    5 passoMostramos, com a ajuda da web, imagens do monumento

    a Manuelita, localizado na cidade de Pehuaj na provncia de Buenos Aires, Argentina. Comentamos a repercusso que teve a histria da tartaruga tem no somente no pas vizinho mas, tambm, em vrios pases do mundo (Figura 1).

    6 passoOs alunos reproduziram, atravs de desenho, a parte do

    fi lme considerada por eles a mais signifi cativa. Feito isso, solici-tamos a eles que escrevessem (ainda na lngua portuguesa) uma frase sintetizando o seu desenho (Figura 2).

    7 passoDando continuidade proposta, mostramos o clipe da

    msica da Manuelita, para que os alunos a cantassem com a ajuda do karaok. Alcanadas a motivao por parte dos alunos e a sua familiaridade com a histria, comea, neste momento, o trabalho bilngue (ingls e espanhol). Com essa ideia, pro-pusemos um jogo, o Bingo de Manuelita, criado por ns. A turma foi dividida em grupos de quatro integrantes, sendo que um grupo foi constitudo de cinco integrantes. Cada aluno do grupo recebeu um carto diferente para o jogo, ou seja, em cada grupo havia quatro cartes diferentes, cada um deles acompa-nhado de trs fi chas contendo frases em espanhol. Os cartes se constituam de trs imagens relativas histria, sendo que cada imagem estava acompanhada de uma frase em ingls e de um espao a ser completado com o equivalente em espanhol, presente nas fi chas. Os cartes eram de quatro cores diferentes. Com isso, aproveitamos para repassar o vocabulrio relativo s cores, em ingls e em espanhol, usando o quadro e o caderno. As frases em espanhol foram confeccionadas em tamanho visvel e anunciadas por ns, a fi m de que os alunos reconhecessem as frases, buscando-as dentre as fi chas recebidas, para completar as

    procura. Eles a reencontram e juntos retornam a Pehuaj, vivenciando divertidas situaes. Em sua cidade natal, Manuelita se casa com Bartolito, formando uma famlia feliz.

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    lacunas dos cartes. O primeiro aluno a completar o seu carto deveria dizer BINGO. Todas as imagens e as frases utilizadas foram previamente exploradas nas duas lnguas estrangeiras. Por essa razo, os alunos foram exitosos na compreenso do contedo lingustico oriundo da histria (Figuras 3 e 4).

    O nosso trabalho com a Manuelita no se encerra aqui. Pretendemos continu-lo com os passos 8, 9 e 10, abaixo listados, que, at a escrita do presente artigo, ainda no foram desenvolvidos.

    8 passoConfeco de fantoches que representem as personagens

    da histria de Manuelita.9 passoNuma folha, sero entregues as estrofes desordenadas da

    poesia Manuelita, la tortuga em ingls (Manuelita, the turtle), a fi m de que os alunos as ordenem de acordo com a msica (em ingls) da Manuelita que ouviro. Eles tero de recortar as estrofes e de coloc-las em seus cadernos na ordem correspondente. Sero trabalhados a pronncia e alguns aspectos gramaticais.

    10 passoOs alunos faro a encenao da histria, com os fanto-

    ches j produzidos por eles, ao som da msica cantada nas duas lnguas (ingls e espanhol). Para isso, os alunos trabalharo em pequenos grupos, a fi m de facilitar a concretizao da tarefa. A obra produzida pelos alunos ser apresentada s turmas de alunos dos anos iniciais do Colgio de Aplicao da UFRGS.

    Consideraes finais

    Com este trabalho, cujos resultados ainda so parciais, permitimo-nos vislumbrar um vasto campo de possibilidades a serem exploradas envolvendo literatura e lnguas estrangeiras no espao escolar. Tal experincia nos propiciou, principalmente, pensar na prtica as estratgias a partir das teorias, oportunizando

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    aos nossos alunos continuarem pensando na histria narrada e refl etindo sobre ela. As estratgias aplicadas contriburam para que nos convencssemos de que ir alm da simples leitura traz benefcios ao processo de ensino e de aprendizagem. A resposta, o entusiasmo, a produo dos alunos demonstram que a poesia tra-balhada levantou questes signifi cativas para os prprios alunos.

    Esperamos que este breve estudo tenha podido incentivar outros professores a continuarem pesquisando sobre o assunto, a fi m de contriburem com outras estratgias que ajudem a resgatar o lugar da literatura na sala de aula de LE, inclusive. A partir da nossa experincia anteriormente relatada, foi possvel perceber que no se trata de uma tarefa simples, tendo em vista as inmeras prvias aes com as quais tivemos de nos envolver. Dentre essas, a escolha da obra, que foi feita levando em considerao o grupo de alunos, sua faixa etria, seus interesses, suas necessidades. O fato de ter sido uma atividade bilngue demandou dilogo entre ns, as professoras envolvidas, bem como estudo, tempo para o planejamento das aulas e, principalmente, vontade de que a atividade se concretizasse.

    Toda essa trajetria, tanto terica quanto prtica, nos pos-sibilitou inferir que o professor de LE, tendo em vista contribuir para a ampliao da viso de mundo do aluno, ao escolher uma obra literria e dela fazer uso, pode ir muito alm das questes lingusticas, oriundas da sua rea de conhecimento. Questes como, por exemplo, valores que, vindas a tona, podem fomen-tar dilogos e refl exes, relacionando essa experincia a novas aprendizagens, tanto de lngua quanto de desenvolvimento pessoal e coletivo.

    A avaliao considerada um processo integrado e cont-nuo, baseada na observao como seu principal instrumento e envolvendo diretamente o aluno, levou em conta no apenas a correo lingustica mas, tambm, as interaes sociais, de modo a propiciar um clima emocional favorvel a uma aprendizagem efetiva.

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    Figura 1 Monumento de Manuelita em Peguaj/Argentina

    Fonte: http://kelluweng4.blogspot.com/

    Figura 2 Desenhos produzidos pelos alunos da turma Amora I/2011

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    Figura 3 Alunos da turma Amora 1/2011 em diferentes momentos da atividade com Manuelita

    Figura 4 Minicartazes com as frases utililizadas no bingo

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