Lev Vigotski e os desafios da educação socialista

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  • 7/25/2019 Lev Vigotski e os desafios da educao socialista

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    Marx e o Marxismo 2013: Marx hoje, 130 anos depoisUniversidade Federal Fluminense Niteri RJ de 30/09/2013 a 04/10/2013

    TTULO DO TRABALHO

    Lev Vigotski e os desafios da educao socialista

    AUTOR INSTITUIO (POR EXTENSO) Sigla Vnculo

    Zoia Prestes Universidade Federal Fluminense UFF Efetivo

    RESUMO (AT 20LINHAS)

    A Revoluo Socialista Russa imps transformaes polticas, econmicas e sociais em um pas que mantinha90% de sua populao analfabeta. Ao assumir a responsabilidade pela definio das bases ideolgicas etericas da pedagogia sovitica, o Comissariado do Povo para Instruo, liderado por A. Lunatcharski,anunciou os desafios para a educao do novo homem. Neste cenrio, iniciou sua trajetria profissional, orecm-formado Lev Vigotski, mergulhando de corpo e alma no fluxo das transformaes vertiginosas trazidaspela Revoluo. Entre 1925 e 1930, seus estudos, juntamente com A. Leontiev e A. Luria, provocam tambmuma espcie de revoluo na interpretao da conscincia. O desafio era criar uma nova abordagem dosprocessos psicolgicos estritamente humanos e pr a psicologia em bases materialista-marxistas. E nessatarefa os estudos de Marx, Engels e Pavlov foram fundamentais, mas no excluam a importncia dascontribuies de autores ocidentais. As ideias pedaggicas de Vigotski, apresentadas em seu primeiro livroPsicologia pedaggica(1926), at hoje se conservam atuais. Nele, o autor apresenta ideias em defesa de umaeducao libertria, afirmando a vida como criao e diz: o processo pedaggico a vida social ativa, atroca de vivncias combativas, e uma tensa luta em que o professor, no melhor dos casos, personifica uma

    pequena parte da classe com frequncia, ele est totalmente s (VIGOTSKI, 2003, p. 303). No presentetexto discutido como os desafios da educao socialista, apresentados pelo regime sovitico logo aps aRevoluo Socialista de 1917, contriburam para que Lev Vigotski criasse a teoria histrico-cultural.

    PALAVRAS-CHAVE (AT TRS)

    Revoluo socialista russa; educao do novo homem; psicologia histrico-cultural

    ABSTRACT

    The Russian Socialist Revolution imposed political, economic and social development in a country that had90% of its population illiterate. By taking responsibility for defining the theoretical and ideologicalfoundations of Soviet pedagogy, the People's Commissariat for Education, led by A. Lunacharsky, announcedthe challenges for the education of the new man. In this scenario, began his professional career, the newlyformed Lev Vygotsky, plunging body and soul in the flow of the dizzying changes brought about by theRevolution. Between 1925 and 1930, his studies, together with A. Leontiev and A. Luria, also cause a sort ofrevolution in the interpretation of consciousness. The challenge was to create a new approach to humanpsychological processes strictly and put psychology on Marxist-materialist bases. And in doing studies ofMarx, Engels and Pavlov were fundamental, but did not exclude the importance of the contributions ofWestern authors. Vygotsky's pedagogical ideas presented in his first book pedagogical psychology (1926), areconserved current today. In it, the author presents ideas in defense of a libertarian education, affirming life as

    creation and says: "The educational process is the active social life, is to exchange experiences combative, anda tense struggle in which the teacher, at best cases, personifies a small part of the class - often, he is all alone"(Vygotsky, 2003, p. 303). In this paper we discuss how the challenges of socialist education, presented by theSoviet regime soon after the Socialist Revolution of 1917 contributed to Lev Vygotsky created the cultural-historical theory.

    KEYWORDS

    Russian socialist revolution; education of the new man; cultural-historical psychology

    EIXO TEMTICO

    Marx e a formao humana

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    Lev Vigotski e os desafios da educao socialista

    Na cidade do futuro, provavelmente, no haver nenhum prdio com o letreiro escola,

    porque a escola, que significa cio no sentido mais preciso e que destacava pessoas especiais e

    um prdio especial para as atividades do cio, estar presente, por inteiro, no trabalho e navida, estar na fbrica, na praa, no museu, no hospital, no cemitrio.

    Lev Semionovitch Vigotski

    As palavras apresentadas na epgrafe despertam certa inquietao e esto no livro Psicologia

    pedaggica (2003) de Lev Semionovitch Vigotski. Elas parecem afirmar que a vida est fora da

    escola, isolada da vida que flui do lado de fora dos muros escolares. Quando Vigotski publicou o

    referido livro, a Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS), um pas que surgiu com a

    vitria da Revoluo Socialista na Rssia e em pases adjacentes que aderiram ao processo

    revolucionrio, celebrava seu segundo ano de existncia, mas os desafios, principalmente na rea

    educacional, permaneciam. Por isso, para Vigotski, a velha escola tsarista no tinha condies de

    enfrentar as tarefas da nova escola, pois vivia numa redoma e alheia s necessidades do povo russo

    que precisava ser instrudo, j que a deteno do poder no podia se limitar apenas ao

    destronamento da monarquia perversa e secular que mantinha 90% da populao no mais absoluto

    analfabetismo.Ao assumir a responsabilidade pela definio das bases ideolgicas e tericas da pedagogia

    sovitica, o Comissariado do Povo para Instruo, liderado por Anatoli Vassilievitch Lunatcharski,

    anunciou os desafios para a educao do novo homem. A trajetria profissional do recm-formado

    Lev Vigotski tem incio junto com a mudana radical ocorrida na Rssia que se dedica

    integralmente s novas tarefas, elaborando estudos que provocaram uma espcie de revoluo na

    interpretao da conscincia, pois para ele, ao contrrio da velha psicologia, era exatamente a

    conscincia que deveria ser o objeto de estudo da psicologia. Alm disso, o desafio era pr apsicologia em bases materialista-marxistas e criar uma nova abordagem dos processos psicolgicos

    estritamente humanos. Ento, passam a ocupar o primeiro plano, nessa tarefa, os estudos de Marx,

    Engels e Pavlov, assim como, as contribuies de autores ocidentais.

    Mas, mesmo mais de 90 anos depois, algumas ideias pedaggicas de Vigotski, apresentadas

    em seu primeiro livro Psicologia pedaggica(1926), se conservam atuais. Neste livro, o autor se

    destaca pelas ideias em defesa de uma educao libertria, afirmando a vida como criao e diz:

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    (...) O processo pedaggico a vida social ativa, a troca devivncias combativas, e uma tensa luta em que o professor, no melhordos casos, personifica uma pequena parte da classe com frequncia,ele est totalmente s (VIGOTSKI, 2003, p. 303).

    O marxismo, como ideologia do proletariado e como expresso cientfica de seus interesses,

    surgiu no final dos anos 40 do sculo XIX, quando o capitalismo, na Europa Ocidental, agravou as

    contradies entre a burguesia e o proletariado e quando o proletariado comeou a aparecer na

    arena de luta como uma fora independente. O surgimento do marxismo provocou uma reviravolta

    na filosofia e em outras cincias e desempenhou papel importante no desenvolvimento da

    pedagogia como cincia.

    A genialidade de Marx que ele apresentou respostas s questes que

    o pensamento progressista da humanidade j havia destacado. Seuensinamento surgiu como uma continuao direta e natural dosensinamentos dos grandes representantes da filosofia, da polticaeconmica e do socialismo (Lenin, 1978, p.29).

    O ponto de vista marxista e o mtodo dialtico marxista abriram diante da cincia

    pedaggica a possibilidade de oferecer base cientfica s questes pedaggicas mais importantes e

    comprovaram que a origem do surgimento das ideias e teorias sociais deve ser buscada no nas

    prprias ideias e teorias, mas nas condies materiais da vida da sociedade. Ao estabelecer que a

    conscincia social condicionada existncia social, Marx e Engels revelaram a natureza social da

    educao e seu carter histrico de classe. Apontaram a importncia de se oferecer classe

    trabalhadora os conhecimentos e uma educao socialista, baseada nas qualidades morais e

    libertrias que lhe garantam o cumprimento da grande misso que derrotar o capitalismo e

    construir a sociedade socialista: Os trabalhadores de vanguarda tm a conscincia de que o futuro

    de sua classe e, consequentemente, de toda humanidade depende totalmente da educao das futuras

    geraes de trabalhadores (Marx, Engels, 1980, p.85).

    O Manifesto do Partido Comunistadestaca que a educao determinada pelas relaes

    sociais da sociedade e que os objetivos e os problemas da educao, seu contedo e mtodos

    mudam em diferentes pocas, mas so conhecidos de diferentes formas por diferentes classes

    sociais na mesma poca. Em sua profunda crtica educao burguesa, os autores do Manifesto

    acrescentam que as classes dominantes transformam a educao em arma de opresso dos

    trabalhadores, reforando seus poderes e afirmam que se a burguesia preocupa-se com a existncia

    dos trabalhadores somente porque ela precisa de sua fora de trabalho. Ento, no estranho que a

    formao oferecida se resuma quela que corresponde a seus interesses.

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    Marx e Engels afirmam que numa sociedade de classe a educao tambm possui um

    carter de classe, que expressa os interesses da classe dominante. Aquela classe que representa a

    fora material dominante da sociedade tambm representa sua fora intelectual (espiritual)

    dominante (Marx, Engels, 1980, p.39). Entre as inmeras ideias apresentadas pelos dois

    pensadores alemes nas reas de educao e formao, est o fundamento cientfico sobre anecessidade do desenvolvimento multilateral (integral e harmonioso) da personalidade: o princpio

    politcnico do ensino e a relao entre o ensino e o trabalho produtivo; a educao pblica gratuita

    (assim que a criana no necessita mais dos cuidados da me); importncia elevada da educao

    fsica.

    Os materialistas franceses e, posteriormente, os socialistas utpicos afirmavam que o

    homem (sua viso de mundo, seu carter e seus costumes) produto do meio. Essa afirmao

    levava ideia de que para mudar o homem deve-se mudar o meio. Mas, ao mesmo tempo,supunham que o prprio meio depende da opinio das pessoas e com isso concluam que para

    mudar o meio preciso, por meio de uma educao racional, mudar as pessoas. Na verdade era um

    crculo vicioso.

    Em sua terceira tese sobre Feuerbach, Marx analisa as ideias dos materialistas franceses e

    socialistas utpicos sobre as pessoas como produtos passivos das circunstncias e da educao:

    As teses materialistas, que dizem que as pessoas so produtos dascircunstncias e da educao e que, consequentemente, as pessoas sotransformadas em produtos de outras circunstncias e da educaotransformada; esta tese esquece que as circunstncias so mudadasexatamente pelas pessoas e que o educador tambm deve ser educado.Por isso, estas teses levam, inevitavelmente, diviso da sociedade emduas partes, uma das quais fica acima da sociedade (por exemplo, emRobert Owen) (Marx, 1980, p. 2).

    Assim, Marx e Engels desmascaram o carter unilateral e mecnico das teses metafsicas do

    materialismo que afirmam que as pessoas so produtos passivos das circunstncias e da educao, e

    afirmam que as pessoas so as produtoras de seus conceitos e ideias j que as circunstncias criam

    as pessoas na mesma proporo em que as pessoas criam as circunstncias (Marx, Engels, 1980,

    p.33) e acrescentam que as pessoas, no processo de sua ao ativa sobre a natureza e a sociedade,

    alteram ao mesmo tempo sua prpria natureza.

    As ideias de Lenin so parte integrante da teoria marxista na construo de uma nova

    sociedade. Tomando as teses de Marx e Engels como fundamentais para a construo da sociedade

    socialista, Lenin analisa as questes da educao e fala de sua importncia aps a Revoluo de

    1917 na Rssia. Lenin no apenas defendia as ideias de Marx como base para pensar a educao

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    socialista, mas dizia que era preciso estudar e compreender a filosofia marxista e apresentou uma

    crtica severa aos bolcheviques, afirmando que eles nada haviam entendido em Marx, pois para isso

    era necessrio estudar Hegel, Kant e conhecer a histria da cultura europeia (KRAVTSOV, 2013).

    Uma de suas principais teses defendida por Lenin logo aps a Revoluo Russa foi a da

    Revoluo Cultural, na qual afirma que a conquista do poder poltico pela classe trabalhadora umacondio necessria para a revoluo cultural. Refutou o ponto de vista dos oportunistas que diziam

    da necessidade de inicialmente preparar pessoas cultas nas condies da velha sociedade para

    depois o proletariado tomar o poder poltico, j que, na concepo de alguns, preciso antes atingir

    um determinado nvel cultural para depois construir o socialismo.

    Se para a construo do socialismo exige-se um determinado nvelcultural (apesar de ningum poder determinar precisamente este nvel

    cultural, pois ele diferente em cada pas da Europa Ocidental),ento porque no podemos primeiro conquistar por viasrevolucionrias as premissas para este determinado nvel e depois, jcom o poder dos trabalhadores e camponeses e do regime sovitico,alcanar os outros povos (Lenin, 1978, p.403).

    A Revoluo Cultural para Lenin era parte integrante da revoluo socialista. Ele dizia que

    uma das principais tarefas da revoluo cultural era a educao de pessoas ativas e participantes na

    construo da sociedade socialista, a formao da viso dialtico-materialista de mundo e da moral

    comunista e acrescentou que, para isso, era necessrio liquidar o analfabetismo, decretar a educao

    pblica, reforar a escola, oferecer uma educao dentro dos princpios comunistas. A tarefa da

    nova pedagogia era juntar a atividade do magistrio com os objetivos da organizao da sociedade

    socialista.

    Uma questo que se apresentava em primeiro plano era a mudana do papel da mulher na

    sociedade que emergia. Em inmeros trabalhos, Lenin trata o assunto como um dos mais

    importantes para a construo de uma sociedade mais justa. interessante destacar que a condio

    da mulher na sociedade era atrelada ampliao da rede de instituies educacionais para crianas

    pequenas. Ao declarar que, na nova sociedade socialista, a mulher adquire sua liberdade e abandona

    seu papel de submisso famlia e ao homem, pois a igualdade j havia sido conquistada pelo

    menos na legislao, alerta-se que ela realmente s poder tornar-se um ativo membro da

    construo da nova sociedade se puder contar com os instrumentos de sua libertao: os jardins de

    infncia, as lavanderias e os refeitrios pblicos.

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    (...) No concernente s relaes familiares, Vladimir Ilitch [Lenin]salientava com a grande clarividncia: demos a igualdade mulher,mas no a libertmos do trabalho domstico. Naturalmente que omarido pode ajudar a mulher, e a que as relaes de camaradagem

    podem fazer muito. Mas a soluo radical do problema reside nareforma completa da nossas vida quotidiana. por isso que devemos

    dar mais ateno construo de novas casas de habitao, alimentao pblica; preciso criar lavanderias coletivas, suprimir oque, com a preocupao nas crianas, exige enormes esforos(LUNATCHARSKI, 1988, p. 218).

    Durante a elaborao das bases do novo sistema educacional e pensando no importante

    papel que a mulher teria que desempenhar no movimento revolucionrio em curso, expande-se a

    rede de creches e pr-escolas. Na busca por bases tericas que dessem sustentao ao trabalho

    pedaggico, as obras e a experincia de Frebel foram bastante divulgadas. Diferentes livros sobre a

    histria da pedagogia trazem comentrios sobre seu trabalho e tambm algumas crticas.

    Provavelmente, um dos motivos de Frebel ter sido estudado no pas que pretendia a construo de

    um pas socialista tenham sido suas ideias de que a criana, no jardim de infncia, deve ter um

    desenvolvimento integral, ter atividades diversificadas, desenvolver sua capacidade fsica, exercitar

    suas emoes e ter contato com a natureza. Estes elementos eram parte integrante do trabalho nas

    instituies infantis na URSS. curioso que V.I Lenin, em um de seus trabalhos, chama as

    instituies para crianas pequenas de brotos do comunismo. No nenhuma referncia a Frebel

    que afirmava que a atividade e o comportamento da criana esto determinados pelos instintos

    inatos. Lenin justifica sua expresso dizendo que so estas instituies que iro libertar a mulher

    que:

    (...) continua sendo escrava do lar, apesar das leis libertrias, pois pressionada, sufocada, imbecilizada e humilhada pela administraodomstica que a acorrenta cozinha, ao quarto das crianas, roubandoseu esforo com um trabalho selvagem e improdutivo, mesquinho,

    enervante, imbecilizante e paralisador. O comunismo iniciar aautntica libertao da mulher somente quando tiver incio a lutamacia (orientada pelo poder estatal do proletariado) contra esta

    pequena administrao domstica, ou melhor, quando iniciar areconstruo (perestroika) macia para a grande administraosocialista (Lenin, 1978, p. 294) .

    Nos primeiros dias aps a revoluo Russa, o governo dos trabalhadores e camponeses

    aprovou os princpios socialistas de organizao da sociedade. Foi decretada a expropriao da

    propriedade privada, o fim da propriedade sobre a terra, o fim dos ttulos de nobreza e instituda

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    denominao comum cidados da repblica Russa, foi declarada a liberdade de crena, a

    separao da igreja do estado e da escola da igreja, assim como declarada a igualdade entre

    mulheres e homens. NaDeclarao dos direitos dos povos russos, de 2 de novembro de 1917, foi

    anunciado o livre desenvolvimento e total igualdade de todas as nacionalidades. So tambm

    abolidos os poderes do governo provisrio e criados os Comissariados do Povo. O SegundoCongresso dos Sovietes aprova, em 26 de outubro de 1917, o decreto Sobre a criao do governo

    dos trabalhadores e camponesese nomeia A. V. Lunatcharski Comissrio do Povo para a Instruo

    Pblica. No dia 9 de novembro de 1917, instituda a Comisso Governamental de Educao e, no

    dia 30 de maio de 1918, decreta-se a transferncia das instituies de ensino e formao para a

    gesto do Comissariado do Povo para a Educao. O pas ainda vivia o estado de guerra civil, fome

    extrema e destruio. As medidas mais urgentes estavam ligadas ao trabalho de garantia de

    sobrevivncia e sade das crianas. Entra em pauta tambm a questo da ampliao da rede deinstituies educacionais e a formao de professores.

    Tomando como ponto de partida as ideias educacionais progressistas do passado e o

    pensamento de Marx, Engels e Lenin sobre a educao, a pedagogia sovitica se transforma numa

    nova cincia, pois diante dela se apresentam questes novas e especficas que so inerentes ao novo

    regime instalado. Os problemas de educao e formao tornaram-se objeto de luta ideolgica que

    se agravou nos anos 20. Esta luta travava-se principalmente a respeito das questes importantes da

    educao: a essncia do processo educacional, suas principais tendncias; os objetivos da escola

    sovitica e o contedo do ensino e seus mtodos.

    No debate da dcada de 1920, a educao tica que ainda estava associada educao

    religiosa da velha escola apresentava-se como uma questo a ser debatida. Muitos pedagogos

    acreditavam ser desnecessria a educao tica, pois a prpria organizao da nova escola, diziam

    eles, resolveria tambm as questes da educao tica. O amplo debate da questo revelou que, na

    base da tica comunista, est a luta por uma sociedade mais justa e que nesta sociedade no haveria

    lugar para os egostas e pequenos proprietrios e a luta deveria ser contra a psicologia e costumes

    que dizem: eu garanto o meu lucro, no me importam os outros (Lenin, 1978, p. 369).

    Nesse sentido, a Revoluo de Outubro apresentou aos meios acadmicos na Rssia as

    exigncias do novo tempo, buscando estabelecer uma relao entre a produo cientfica e o regime

    social estabelecido. So feitas as primeiras tentativas em direo elaborao de teorias baseadas

    nos princpios socialistas de formao do novo homem. Durante os primeiros anos aps a

    revoluo, foram formulados os objetivos da educao que deveriam corresponder aos princpios da

    revoluo proletria. Refletindo os interesses das massas trabalhadoras e as necessidades da nova

    sociedade, a pedagogia e a psicologia soviticas punham em xeque os princpios da educao

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    burguesa e ganhavam destaque no cenrio internacional ideias de vanguarda da humanidade,

    valores como humanismo, coletivismo, internacionalismo, democracia, respeito

    personalidade do indivduo, a ao conjunta da educao com o trabalho produtivo e

    desenvolvimento integral das crianas e dos adolescentes como membros da sociedade. Na luta

    por uma nova escola que formaria o novo homem, o trabalho educacional sovitico, mesmo dandoainda seus primeiro passos, j despontava como exemplo para muitos pases.

    Quanto modesta exposio pedaggica que enviamos Dinamarca,est-nos a ser pedida pelos pases um aps outro, e colhe na Europaum grande xito, maior do que o que ns espervamos. V-se que asnossas escolas-pilotos, que o nosso mtodo complexo e a aplicaodos principais dados do programa do Conselho Cientfico de Estadoatingiram tal nvel que, dada a crise existente no Ocidente na instruo

    pblica, representam um valor com o qual no pode deixar de contar-se (LUNATCHARSKI, 1988, p. 200).

    Contribuies importantes para a formao das bases da pedagogia e da psicologia

    soviticas, fundamentadas terica e ideologicamente em ideias de Marx, Engels e Lenin, so feitas

    por Anatoli Vassilievitch Lunatcharski (1875-1933), Nadejda Konstantinovna Krupskaia (1869-

    1939), Anton Semionovitch Makarenko (1888-1939), Stanislav Teofilovitch Chatski (1878-1934),

    Piotr Pavlovitch Blonski (1884-1941) e muitos outros.

    Ainda nos anos 20, a mulher de Lnin, Nadezhda Konstantinovna Krupskaia, gozava demuita autoridade. No cargo de presidente da seo pedaggica e cientfica do Conselho Estatal de

    Cincias, Krupskaia era tambm redatora da revista Rumos da nova escola, dirigia o Conselho de

    Educao e organizou dezenas de Congressos e conferncias com temas pedaggicos.

    Os artigos e os discursos de Krupskaia no apresentam subsdios suficientes para dizer que

    se tratava de uma terica sria, mas o que ela escrevia era acessvel e gozava de popularidade.

    Muitas vezes, defendeu com coragem alguns personagens que fazem parte da histria da pedagogia

    sovitica (Blonski, Iordanski, Chatski), acusados de posturas pequeno-burguesas. Conhecida sualuta contra o ceticismo no meio pedaggico, assim como contra a expulso da escola de filhos de

    kulak e de padres.

    Muitos artigos escritos por Krupskaia foram dedicados importncia da literatura infantil. Sabe-se

    que com a Revoluo Socialista surgiu uma nova tendncia na cultura denominada de realismo

    socialista. Influenciada por esta tendncia, em 1926, Krupskaia afirma no artigo Sobre a questo

    do livro infantil que o realismo socialista deve estar presente tambm nos livros para crianas:

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    Aquele que escreve para crianas pequenas deve ajuda-las noconhecimento do mundo e no desorienta-las. Por isso, os livros paraas crianas em idade pr-escolar devem ser realistas ao extremo. Masao mesmo tempo no devem ser estreitos (no devem falar somente degatinhos e cachorrinhos) tem que ser a vida como ela . Nosdesenhos devem estar representados o trabalho, a vida dos adultos,

    pessoas de diferentes situaes e ttulos, a cidade e o campo, etc. Tudoisso amplia o horizonte da criana e to interessante quanto as fadas,sereias e outra bobagens inventadas (KRUPSKAIA, 1959, p. 35).

    Naquela poca ps-revolucionria, travava-se tambm a luta ideolgica. Como sempre

    acontece em tempos conturbados, as crianas eram o alvo das polticas pblicas em defesa de suas

    vidas, mas no entanto eram tambm vtimas de distores srias que prejudicaram muitos escritores

    bem-intencionados.

    Kornei Ivanovitch Tchukovski foi um deles. Sua produo para crianas foi torepresentativa que at hoje se conserva na Rssia a expresso crianas da idade de Tchukovski,

    para se referir s crianas de 2 a 5 anos. A respeito de livros escritos por ele, Krupskaia critica, em

    vrios artigos sobre a literatura infantil, as histrias de Tchukovski, assim como estabelece censura

    para muitas obras que, segunda ela, eram puro misticismo:

    O mais importante o contedo do livro infantil. Estecontedo deve ser substantivo. Temos muitos livros ocos. Muitos

    escritores no sabem como atribuir ao livro infantil um novo contedoe por isso retiram dele todo contedo.

    O contedo do livro infantil deve ser comunista, mas isso nosignifica que os livros para as crianas devam falar do programa do

    partido e das resolues dos congressos, mas tm de oferecer ascrianas conceitos e personagens vivos que lhes ajudem a se tornaremcomunistas conscientes (KRUPSKAIA, 1959, p. 51).

    A partir de 1928, comea a guerra com a chamada tchukovchina (livros escritos no estilo

    de Tchukovski). Para um leitor brasileiro necessria uma contextualizao. K. I. Tchukovski foi

    um dos mais destacados escritores infantis da poca sovitica. Suas historias em versos curtos e

    dinmicos fascinavam e, at hoje encantam, o leitor infantil. Um dos de seus livros, contra o qual

    Krupskaia se rebelou, contava a histria de um crocodilo que andava pelas ruas de Petrogrado e

    falava turco. Bastava algum contrari-lo para que no mesmo instante fosse engolido por ele. a

    que surge o menino Vnia Vasiltchikov e enfrenta o crocodilo, fazendo-o devolver tudo que havia

    engolido. Logo depois o crocodilo enviado num aeroplano de volta para a frica. Chegando l,

    os animais querem saber de sua viagem. Ento, o crocodilo conta que em Petrogrado os irmos

    vivem presos em celas e que prometeu ao hipoptamo que vingaria seus irmos conclamando os

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    bichos da frica para libert-los. Assim, os bichos vo para Petrogrado, tomam como refm a

    boneca de uma menina e exigem que Vnia Vasiltchikov liberte os bichos do zoolgico.

    Ilustrao de um dos livros de Tchukovski

    (fontehttp://ratmania.narod.ru/suteev/mouse-suteev-07.html,acesso em 25/09/2013)

    Uma histria simples, mas que provocou a censura de vrios livros de Tchukovski. E a

    incentivadora da censura no era somente Krupskaia, mas quase todas as mulheres do primeiro

    escalo do governo, pois elas ocupavam altos postos no Narcompros1. Delas dependia a publicao

    e edio daquele ou de outro escritor. Quem defendeu Tchukovski foi Gorki, que enviou da Itlia,

    1Comissariado do Povo para Instruo Pblica

    http://ratmania.narod.ru/suteev/mouse-suteev-07.htmlhttp://ratmania.narod.ru/suteev/mouse-suteev-07.html
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    onde residia na poca, um artigo no qual lembrava como Lnin valorizava o ponto de vista de

    Tchukovski e seus trabalhos sobre a literatura russa (especificamente sobre o poeta Nekrassov).

    Pelo visto, Gorki no quis usar outros argumentos para discutir com Krupskaia.

    Apesar de tudo, Tchukovski deixou um material precioso em forma de mandamentos para

    aqueles que pretendiam ou pretendem ser poetas infantis. Suas obras so muito prximas de contospopulares, cativam a imaginao com o dinamismo do desenrolar dos acontecimentos ou com a

    fantasia dos fatos. Tchukovski consegue com encantamento falar da bondade, da coragem, e outras

    caractersticas humanas positivas; consegue tambm de maneira engraada zombar dos defeitos,

    desnudar traos negativos como covardia, indiferena e passividade. claro que seu subtexto

    profundo, muitas vezes, pode ser compreendido somente pelos adultos. No entanto, exatamente por

    isso, necessrio refletir sobre o mais simples conto para, com entonao e mmica, levar as

    crianas a compreenderem o sentido da narrativa.Ser que no foi exatamente deste ponto que Krupskaia no gostou? Ser que queria que

    falasse das mazelas do ser humano e da sociedade com toda realidade?

    Como um fio condutor perpassa a pedagogia sovitica a questo da educao no e pelo

    trabalho, da relao entre o trabalho e a formao de um ser ativo na sociedade. Entre os tericos

    que apresentaram suas concepes a respeito deste assunto esto S. T. Chatski e A. S. Makarenko.

    A. S. Makarenko desempenhou um papel significativo na elaborao das concepes

    socialistas de educao e apresentou os princpios de criao e de liderana pedaggica do coletivo

    infantil, os mtodos da educao pelo trabalho e a educao no esprito de uma disciplina

    consciente. As ideias pedaggicas de Makarenko e os princpios da educao, realizados na prtica

    em instituies educacionais, receberam ampla divulgao em seus livros Poema pedaggico

    (1935) eBandeiras nas torres(1938), assim como em muitos artigos e palestras. Makarenko no se

    dedicou muito aos problemas didticos, mas isso no significa que ele subestimava o papel do

    ensino no processo educacional. Pelo contrrio, em seus pontos de vistas e na sua prtica

    pedaggica ele atribui instruo (ensino) um dos papeis mais importantes. As questes tericas e

    metodolgicas no o preocupavam, pois achava que estavam muito mais elaboradas em comparao

    com os problemas de educao. No podemos esquecer sua enorme contribuio com as questes

    pedaggicas em geral, assim como a unio entre a educao e o ensino com o trabalho produtivo, a

    combinao do ensino geral com o ensino diferenciado, o desenvolvimento de postulado

    fundamental sobre o papel educativo e instrutivo do trabalho, sobre a autogesto, o coletivo e a

    liberdade de desenvolvimento da personalidade.

    Posteriormente, em 1936, Makarenko revela: Chegou a hora de lanar o `Livro para os

    pais. J h muito material e muitas leis para a pedagogia sovitica, temos que escrever sobre isso

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    (Makarenko, 1969, p. 7). So muitas as ideias, recomendaes, caractersticas e muitos conselhos

    interessantes para os pais neste livro, principalmente quando Makarenko fala dos mtodos e dos

    recursos da educao, tais como horrios, conversas, aprovao, incentivo, reprovao e o

    sentimento dos pais. E o mais notvel que cada mtodo e cada recurso educacional, para ele, no

    existem isoladamente, mas em complexas interdependncias e em determinadas condies.Assim como Makarenko, Stanislav Teofilovitch Chatski foi um importante colaborador

    tanto no campo terico, como no plano prtico, antes e depois da revoluo. Ainda em 1908, sob

    sua liderana foi organizada a sociedade O trabalho infantil e o lazer que desenvolvia aes

    pedaggicas em oficinas, clubes e jardins de infncias criados por ele com o objetivo de tirar as

    crianas dos trabalhadores da rua, educando nelas o amor pelo trabalho e pela arte. Alm de

    defender a educao pelo trabalho, Chatski achava importante a satisfao dos mais diversos

    interesses das crianas.Aps a Revoluo de Outubro, apesar de pertencer nobreza, Chatski, este homem de

    formao brilhante (formado em cincia naturais pela Universidade de Moscou, formado pelo

    Conservatrio de Moscou e pelo Instituto Agrrio) no se tornou engenheiro, nem msico e nem

    agrnomo. Ficou famoso como pedagogo. Voltou-se para o povo e dedicou-se, desde jovem,

    educao de crianas, colaborou na elaborao dos primeiros programas de educao. Ele fundou a

    primeira estao experimental de educao popular, onde se organizavam exposies, seminrios e

    cursos para os professores. Posteriormente, transformado em Escola Tcnica de Formao de

    Professores.

    Muitas pesquisas foram realizadas sob o comando de Chatski. As questes que o

    preocupavam estavam intimamente ligadas construo da nova sociedade organizao, contedo

    e mtodos da nova escola socialista. Um dos princpios apresentados por ele foi a devoluo da

    infncia s crianas.

    A instabilidade uma lei para as crianas e uma deficincia para os adultos.

    Temos duas psicologias do organismo que cresce e daquele que para emseu crescimento. Por isso, para ns difcil de entender as crianas. Da,ocorrem os nossos erros. Da, vem tudo o que falso a que nos agarramos nossas organizaes de educao, nossos programas, nossas escolas e asconcepes pedaggicas (CHATSKI, 1980, p. 87).

    impossvel falar da pedagogia e da psicologia soviticas sem falar da pedologia. Um de

    seus representantes foi Pavel Petrovitch Blonski. O objetivo principal da pedologia era criar uma

    cincia especfica sobre a criana para orientar os professores e o projeto previa a relao natural

    dos pedlogos com a prtica escolar e o estudo dirio da criana atravs de mtodos cientficos (por

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    exemplo: testes de diagnsticos psquicos para definio do nvel do desenvolvimento intelectual

    das crianas) e apresentavam recomendaes sobre as perspectivas para a aprendizagem. A questo

    sobre o desenvolvimento psquico era central nos estudos da pedologia. Mas para Blonski o

    princpio de desenvolvimento era aplicvel ao homem como o princpio histrico, destacando como

    determinante das formas psquicas do comportamento humano os fatores da histria cultural. Issopode aproximar Blonski de Vigotski, seu contemporneo.

    Nos anos 20 surgem tambm os primeiros livros de pedagogia sovitica. Muitos autores

    tentam rever sob uma nova tica a herana pedaggica e apresentam algumas propostas para as

    questes de educao e formao. Uma das questes levantadas a definio do conceito

    educao. Ao afirmar que educao uma ao predeterminada e organizada, os autores,

    infelizmente, no questionam o carter bilateral do processo de educao como um processo de

    cooperao ativa entre o educador e o educando. No entanto, os dois autores falam da importnciade perceber a criana como um ser ativo do processo educacional e tambm do papel fundamental

    que exerce o professor.

    muito comum, em pocas conturbadas, ter que escolher de que lado lutar. Assim foi para

    muita gente durante a revoluo russa. A literatura e a cincia sempre formam as alas de resistncia

    e crtica dos rumos adotados pelos governos. Assim em qualquer pas, no foi diferente na Rssia

    aps 1917.

    Mas, aps a publicao do artigo de Krupskaia Sobre as deturpaes no trabalho pr-

    escolar(1936), o Comissariado do Povo para a Educao aprova a Resoluo Sobre as deturpaes

    pedolgicas no sistema do Comissariado do Povo para a Educao e probe a pedologia, assim

    como os testes psicolgicos. As justificativas so vrias, mas a principal que objeto de estudo da

    pedologia no estava bem definido, assim como os limites entre a psicologia, a pedagogia e a

    pedologia. Baseando-se em testes, muitas vezes, a negligncia pedaggica era vista como retardo

    mental. Este artigo serviu de pretexto para a no publicao de muitos trabalhos importantes e

    divulgados somente nos anos 70-80.

    Nesse contexto histrico, ganham impulso as trajetrias cientficas de L. S. Vigotski, A. N.

    Leontiev e A. R. Luria. Companheiros de trabalho no Instituto de Psicologia de Moscou, a troika

    comea a escrever uma das mais importantes pginas da psicologia e da pedagogia soviticas,

    dando incio elaborao de uma teoria que entrar para a histria com o nome histrico-cultural.

    Fundamentada filosoficamente nos princpios marxistas a teoria histrico-cultural traz para o centro

    do debate a condio social da gnese da conscincia do indivduo. So realizadas pesquisas

    tericas e experimentais que levam a um novo entendimento sobre a origem e a estrutura das

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    funes psquicas superiores. Ao afirmarem que estas funes tm origem social, divergem

    radicalmente da psicologia idealista dominante poca.

    As pesquisas mostraram que as funes psquicas especificamente humanas,como o pensamento lgico, a memria consciente e a vontade (desejo), nose apresentam prontas ao nascer, mas se formam durante a vida comoresultado de apreenso da experincia social acumulada pelas geraesprecedentes e ao dominarem os recursos de comunicao e de produointelectual (antes de tudo, por meio da fala), que so elaborados e cultivadospela sociedade. Estes recursos inicialmente so utilizados pelas pessoas noprocesso de uma ao externa conjunta e na relao com o outro. Somentedepois, em determinadas condies, so interiorizados, transformados emrecursos interiores efetivos da ao psquica interna do indivduo, graas aosquais cresce ilimitadamente a fora do intelecto humano e da vontadehumana (Leontiev, 1981, p. 7).

    As ideias apresentadas por Leontiev esto na origem da nova educao sovitica e tem por

    base uma das afirmaes mais importantes do marxismo que levantada como lema: a educao

    determinada pela sociedade e pelas relaes sociais e que: Os comunistas no inventam as

    influncias da sociedade sobre a educao; eles somente mudam o carter da educao e a arrancam

    das influncias da classe dominante (Marx, Engels, 1980, p. 123).

    Em 1996, saiu na Rssia a biografia de Vigotski escrita por sua filha. O livro traz muitos

    detalhes desconhecidos, at ento, sobre a trajetria do pensador. Sua filha conta que, ao elaborar a

    bibliografia dos trabalhos de Vigotski (no incio dos anos 70), encontrou diversos nmeros de

    revistas que publicaram artigos de Vigotski sem as pginas correspondentes e, onde deveria estar o

    artigo, havia um carimbo com os seguintes dizeres: Retiradas de acordo com a Resoluo sobre as

    deturpaes pedolgicas no sistema do Comissariado do povo para a Educao. Mesmo no incio

    dos anos 70, a leitura destas pginas era permitida somente com uma autorizao especial do

    governo.

    Apesar de at hoje o mundo ocidental posicionar Lev Semionovitch Vigotski no campo da

    psicologia, chegando a afirmar que ele era psiclogo, pode-se discordar integralmente dessa opinioe dizer que ele mergulha nos estudos do comportamento humano em funo de assumir de corpo e

    alma o compromisso com a educao do novo homem. Alm disso, no se pode perder de vista que

    suas contribuies tericas so valiosssimas para a arte e a filosofia, embora sejam bem conhecidas

    no Brasil muito mais entre os que se dedicam aos estudos nas reas da pedagogia e da psicologia.

    No seu primeiro livro Psicologia pedaggica, ele vai afirmar a necessidade de pensar o

    problema pedaggico situado no centro da nova psicologia e apresenta sua contribuio para pensar

    a educao na Rssia ps-revolucionria (VIGOTSKI, 2003). A cada leitura dessa obra, escrita h

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    quase um sculo, nos surpreende a atualidade de muitas ideias que esto na base de um projeto

    terico que at hoje permanece vlido, instigante e sequer foi realizado.

    Neste livro ainda no esto os conceitos pelos quais Vigotski vai ficar famoso no Ocidente,

    mas so apresentadas questes que ele considerava fundamentais para pensar a educao na

    sociedade socialista. As transformaes ocorridas no campo poltico ecoaram nas decises tomadasno mbito da organizao do sistema educacional. Ocorreram mudanas radicais na estrutura da

    escola com a proposta do mtodo de conjunto, introduzido a partir de 1923. Esse mtodo consistia

    em apresentar o conhecimento aos estudantes de uma forma global e tinham por base trs temas:

    natureza, trabalho e sociedade. Os defensores desse mtodo tinham por princpio a educao guiada

    pelos interesses da criana e do adolescente e afirmavam que essa forma de organizao do trabalho

    na escola poderia contribuir para que a vida escolar no fosse isolada da vida vivida fora dela, assim

    como, superar a fragmentao do conhecimento disciplinarizado, fornecendo a possiblidade deformar pessoas com uma base slida do saber (LUNATCHARSKI, 1988).

    Sem dvida alguma, Vigotski fortemente influenciado por essas inovaes no campo

    escolar. No referido livro, defende um novo campo cientfico a psicologia pedaggica que

    deveria ser a cincia sobre leis de modificao do comportamento humano e sobre os meios de

    dominar essas leis (VIGOTSKI, 2003, p. 43). Com base nisso, ele apresenta quais so as tarefas da

    educao socialista, os desafios da organizao da nova escola e o papel do professor. Por ser um

    homem que acredita nas infinitas possibilidades do desenvolvimento humano e que destaca o papel

    da educao como um processo de rupturas e transformaes qualitativas, Vigotski no pode ser

    julgado por ter mudado sua viso em relao educao anos depois. Se no livro Psicologia

    pedaggica ele defendia uma viso de educao mais libertria, em que o professor deve ser o

    organizador do ambiente social de desenvolvimento que, nas palavras dele o nico fator

    educativo, no final da vida, Vigotski apresenta o conceito de zona de desenvolvimento iminente,

    delegando atividade colaborativa um papel de primeira importncia para o desenvolvimento

    humano. Vigotski diz que a escola estar na vida, o processo pedaggico a vida social ativa, a

    troca de vivncias combativas e o professor tem que ter por princpio as possibilidades de criao.

    Por isso, para ele, no futuro, nenhum prdio teria o letreiro escola, e a educao emerge como um

    problema da vida como criao, em que o artista o pedagogo-educador (VIGOTSKI, 2003).

    Sem dvida alguma, nessa mudana, ele tambm se revela como um homem do seu tempo,

    pois exatamente no incio da dcada de 1930 que o marxismo passa a ser algo que substitui a

    forma religiosa de conscincia no estado ateu, transformando-se num dogma ideolgico muito

    distante da verdadeira filosofia marxista (KRAVTSOV, 2013).

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    L. S. Vigotski no era um heri solitrio na mitologia de Nietsche ebolchevista; muito menos um messias que surgiu sabe-se l de ondepara salvar a psicologia e que logo encontrou nela os postuladoscorretos. Era um homem da cultura, um intelectual que agia no fluxo

    principal das ideias estticas, filosficas, polticas e simplesmentevitais de sua poca. No foi o fundador de novos princpios, tomados

    das profundezas de seu dom, mas um dos representantes das correntesmais modernas que dominava as mentes de sua gerao. No era ummenino prodgio que nasceu marxista, mas um crtico literrio dapoca ps-simbolista e que chegou psicologia e ao marxismo porvias caractersticas e complexas. No era Mozart da psicologia, masum homem do seu tempo que com sucesso aplicou sua experinciacultural num campo novo e inesperado. (ETKIND, 2013, disponvelem http://hr-portal.ru/article/eshche-o-l-s-vygotskom acessado em25/09/2013).

    http://hr-portal.ru/article/eshche-o-l-s-vygotskomhttp://hr-portal.ru/article/eshche-o-l-s-vygotskom
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    LENIN, Vladimir Ilitch. Trs origens e trs partes integrantes do marxismo. IN: Coletnea deobras de V.I.Lenin. Moscou: Isdatelstvo Polititcheskoi Literaturi, 1978.

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