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Lisbela e o Prisioneiro LISBELA: Muito longe... Termina distraindo. Perto demais! Tem que ficar bulindo os olhos pra ver a cena. A gente tem que sentar numa distância certa da tela. DOUGLAS: Aqui tá beleza? LISBELA: Não, um tiquinho mais pro meio. Aqui! DOUGLAS: Mas por que aqui? LISBELA: Porque aqui na frente tem dois casais, e no meio deles um lugar vazio.Pouca gente vem ao cinema sozinho. Aí vai ficar essa brecha na minha frente. DOUGLAS: Mas na minha frente ficou o maior cabeção, aí! LISBELA: Quando começar ela vai arreando na cadeira, você vai ver. DOUGLAS: Lisbela, tu é descolada pra assistir filme, hein? (pensar neste miolo a participação de outros personagens) LISBELA: Shiiii! DOUGLAS: Pô, mas nem começou ainda! LISBELA: Mesmo assim. Antes do filme se fala baixinho. DOUGLAS: Parece que a gente tá rezando. LISBELA: Eu adoro essa parte.A luz vai apagando devagarzinho.O mundo lá fora vai se apagando devagarzinho.Os olhos da gente vão se abrindo.Daqui a pouco a gente não vai nem mais lembrar que tá aqui. DOUGLAS: Pô, é preto e branco! LISBELA: Eu acho bonito. DOUGLAS: Atrasado de montão, aí! Lá no Rio de Janeiro só passa filme colorido. Que tipo de história vai ser? LISBELA: Comédia romântica com aventura. Tem um mocinho namorador, que nunca se apaixonou por ninguém até conhecer a mocinha. Tem uma mocinha que vai sofrer bem muito, porque o amor do mocinho é cheio de problemas. Tem um bandido que só quer saber de matar o mocinho, ou de ficar com a mocinha, ou as duas coisas. Tem uma mulher que também quer o mocinho,mas ele não quer nada com ela. E tem também mais uma ruma de personagens que vão ficar fazendo graça para animar a história. Uns vão terminar quase tão bem quanto o mocinho e a mocinha.E outros quase tão mal quanto o bandido, conforme eles ajudem ou atrapalhem o romance. (persar aqui participação de outros personagens spoilers) quero ir embora a mocinha ali já contou toda a história... DOUGLAS: Você já viu? LISBELA: Não, mas é sempre assim. DOUGLAS: E qual é a graça? LISBELA: A graça não é saber o que acontece.É saber como acontece.E quando acontece.

Lisbela e o Prisioneiro

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Lisbela e o Prisioneiro

LISBELA: Muito longe... Termina distraindo.Perto demais! Tem que ficar bulindo os olhos pra ver a cena.A gente tem que sentar numa distância certa da tela.DOUGLAS: Aqui tá beleza?LISBELA: Não, um tiquinho mais pro meio. Aqui!DOUGLAS: Mas por que aqui?LISBELA: Porque aqui na frente tem dois casais, e no meio deles um lugar vazio.Pouca gente vem ao cinema sozinho. Aí vai ficar essa brecha na minha frente.DOUGLAS: Mas na minha frente ficou o maior cabeção, aí!LISBELA: Quando começar ela vai arreando na cadeira, você vai ver.DOUGLAS: Lisbela, tu é descolada pra assistir filme, hein? (pensar neste miolo a participação de outros personagens)LISBELA: Shiiii!DOUGLAS: Pô, mas nem começou ainda!LISBELA: Mesmo assim. Antes do filme se fala baixinho.DOUGLAS: Parece que a gente tá rezando.LISBELA: Eu adoro essa parte.A luz vai apagando devagarzinho.O mundo lá fora vai se apagando devagarzinho.Os olhos da gente vão se abrindo.Daqui a pouco a gente não vai nem mais lembrar que tá aqui.DOUGLAS: Pô, é preto e branco!LISBELA: Eu acho bonito.DOUGLAS: Atrasado de montão, aí! Lá no Rio de Janeiro só passa filme colorido. Que tipo de história vai ser?LISBELA: Comédia romântica com aventura.Tem um mocinho namorador, que nunca se apaixonou por ninguém até conhecer a mocinha.Tem uma mocinha que vai sofrer bem muito, porque o amor do mocinho é cheio de problemas.Tem um bandido que só quer saber de matar o mocinho, ou de ficar com a mocinha, ou as duas coisas.Tem uma mulher que também quer o mocinho,mas ele não quer nada com ela.E tem também mais uma ruma de personagens que vão ficar fazendo graça para animar a história. Uns vão terminar quase tão bem quanto o mocinho e a mocinha.E outros quase tão mal quanto o bandido, conforme eles ajudem ou atrapalhem o romance. (persar aqui participação de outros personagens spoilers) quero ir embora a mocinha ali já contou toda a história...DOUGLAS: Você já viu?LISBELA: Não, mas é sempre assim.DOUGLAS: E qual é a graça?LISBELA: A graça não é saber o que acontece.É saber como acontece.E quando acontece.A gente vai conhecer um monte de pessoas novas... Um monte de problemas que a gente não pode resolver, que só eles podem.Vamos ver como. E quando.Está começando. - Transição de cena

LELÉU: Povo de Paudalho,onde há vida há esperança.E o que eu trago aqui dentro desse carro não é milagre, não é macumba, não é catimbó.Não vacina contra sogra,não combate praga de madrinha.Ele não dá cabelo a careca,braço a cotó...Nem vergonha a quem não tem.A mercadoria que tenho para oferecer não cura todos os males, mas só um: o mal de amor.Não dá jeito em todas as doenças, mas apenas em uma:a fraqueza do homem.Não alivia todas as dores, mas acaba com a pior delas,que é a dor de corno.Sim, meus amigos.Os senhores sabem como é isso.O cidadão trabalhou o dia a pulso, e quando chega em casa à noite,não resolve mais o tereré.Quando a esposa passa a mão por cima dele, ele diz assim:"Chegue pra lá, Maria, chegue pra lá. Depois!Vamosresolver essa história mais tarde".Mas, em compensação, mais tarde, dá uma, dá duas, dá 3 horas da manhã... E ele conversando... (risos)Pense numa pessoa incapacitada! Aquilo é os nervos relaxados, é o reumatismo crônico.A bateria colou as placas uma na outra... (risos) E o ponteiro velho do relógioenferrujou às 6 e meia...e não dá meio-dia de jeito nenhum! (risos)Mas se tomaro

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remédio que eu apresento a vocês,vai ficar igual a um galo de raça, de riscar a espora pelo calçamentoe ver o lapito de fogo voar.Agora eu vou botar à venda, por uma módica quantia, a mais nova invençãoda ciência farmacêutica, terapêutica e laboratórica.

LISBELA: Ai, que cinema é uma agonia danada!Nem adianta rezar por personagem de filme!DOUGLAS: Calma, broto. Amanhã você vê como é que fica o lance.LISBELA: Aí é que está o ruim! Ter que esperar até amanhã.DOUGLAS: Eu sei como termina, porque esse filmejá passou há muito tempo lá no Rio de Janeiro. O carinha agora...LISBELA: Não, não, não! Não fala não, Douglas, que esse ruinzinho é que é o bom do negócio.Assim a gente fica bolandoque lance vai ser esse. (cria outra intervenção aqui, talvez lanterninha)

PRAZERES: Você tem diploma de salafrário, não é? (mudar a estrutura desta conversa tirar a conotação sexual TRANSFORMAR PRARES EM TRÊS O ELIXIR PARA SOLTEIRONAS)LELÉU: Tenho, mas é falsificado.PRAZERES: Gaiato! Sua garrafada não serviu de nada, viu?Dei o frasco todinho e meu marido continua lá derrubado, todo mole, acabado.LELÉU: É que pra marido tem que ser mais concentrado.E o seu remédio eu misturei com água pra ter o gosto de lhe ver de novo.PRAZERES: E como é que fica meu prejuízo?LELÉU: A senhora quer o dinheiro de volta?Ou a satisfação garantida?PRAZERES: Olhe aqui, eu não lhe dou ousadia!E eu lá lhe conheço?!LELÉU: Manoel Felício, mais conhecidocomo Mané Gostoso.E olhe que eu não ganhei esse apelido de graça.PRAZERES: Por que é que todo propagandista é mentiroso?LELÉU: É nada.PRAZERES: É, sim.LELÉU: Sou não. Eu prometo lhe indenizarpelo tempo desperdiçado, pelo dinheiro gastoe pelas esperanças perdidas.PRAZERES: Se depender do seu xarope...LELÉU: Eu lá preciso disso?! O elixir melhor que tem é a senhora...Dona...PRAZERES: Prazeres.(Toinha.Marilda.Doralice.Selma.Das Dores. )PRAZERES: Prazeres.LELÉU: De novo?PRAZERES: E então?!Por isso que meu nome é no plural.LELÉU: E isso lá é nome?lsso é um reclame do seu produto.

LISBELA: Eu não disse que eles se beijavam no final?DOUGLAS: lsso é mole.Cinema sempre acaba em beijo.LISBELA: Não, senhor! Quando é comédia, acaba em briga.DOUGLAS: Maior forçação de barra.Seguinte: como é que ela sabia que o monstro era o galã?LISBELA: Não sabia. Mas ela percebeu que o coração dele era bom. Pelos olhos dele.DOUGLAS: Quando?LISBELA: Quando ela gritou. (grito) Aí apareceu os olhos dele,com medo.E aí apareceu os olhos dela,já com menos medo.Aí apareceu os olhos dele bem de perto,agora tristes.Aí apareceu os olhos dela,trlstes também.Aí ele balxou os olhos,e a música ficou triste.Ela sorriu e a música ficou mais alegre.Ela passou a mão no rosto dele,ele ergueu os olhos.Ela riu.Ah, aí tocou a música romântica,e ela entendeu que podia beijar o monstro.

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DOUGLAS: Um instante: foi o beijo que transformou ele?LISBELA: Foi o beijo e o "antidote".DOUGLAS: "Antidote"?LISBELA: É, Douglas, é antídoto, em inglês.O amor e o "antidote" transformaram ele.DOUGLAS: E quando acabaro efeito do "antidote"?LISBELA: Ainda vai sobrar o efeito do amor.

PRAZERES: Já vai embora, meu nego?LELÉU: Viver é que nem andar de bicicleta, dona.Se parar, cai.PRAZERES: Por que você não me leva contigo?LELÉU: Eu já te carrego aqui dentro do meu coração!

LISBELA: O próximo seriado vai ser de aventura.DOUGLAS: Chocante.LISBELA: Por que será que na América é todo mundo mais bonito, mais valente?DOUGLAS: Aí, fiquei carente.LISBELA: Você é um pão, Douglas! Parece até o Gary Cooper.DOUGLAS: E você a Audrey Hepburn. Impressionante.Saca que casal atraente: vamos ter filhos lindos.LISBELA: É, mas não tá na hora ainda não.O casamento é só no mês que vem.DOUGLAS: Então, broto...Falta tão pouquinho...LISBELA: Tá querendo o jantar na hora do almoço, é?DOUGLAS: É que quanto mais a hora vai chegando, mais fome vai dando...LISBELA: Tenha modos. Eu quero me casar de branco, e passar a lua-de-mel noRio de Janeiro. Tudo direitinho.DOUGLAS: Você vai se amarrar no Rio de Janeiro.Eu vou te levar para conhecerum monte de lugar bacana. De Niterói a Copacabana...PAI: Hora de recolher, dona Lisbela. (Será Mãe e possibilidade de ter uma AVÓ)Filha minha dorme antes das 9, pra não secar o gás do candeeiro./O~;; (PALCO)

LELÉU: Povo de Boa Vista,essa vida é um vale de lágrimas. (PLATEIA)Mas o remédio que apresento a vocês traz a esperança de uma vida eterna.O que tenho aquipara lhes oferecernão alivia as dores do corpo,e sim as aflições do espírito.Não serve para limpar o seu sangue,mas para purificar sua alma.Não promove a cura,mas oferece a salvação.Hoje à noite vocês alcançarão a graça divina assistindo ao magnífico espetáculo: "A Paixão de Cristo",com o afamado artista Patrick Mendel no papel de Jesus.Sim, meus amigos e minhas amigas!

LELÉU: Acabaram as roupas, abestados,eu não posso fazer milagre. (Esta Cena com Inaura construir de forma que seja uma venda de algum produto enganoso)INAURA: Ei!Ainda tem vaga aí nesse teatro?LELÉU: Ô beleza...Ai, meu pai, assim não há Cristo que aguente...INAURA: Estou lhe achando gaiato demais pra fazer Jesus.LELÉU: Mas já você dá certinho pra Maria Madalena.INAURA: Que nada! Eu quero mesmo é fazer Nossa Senhora.LELÉU: Todo mundo quer, mas é besteira.Nossa Senhora era a melhor pessoa do mundo, mas personagem com defeito é que é bom de representar.Nossa Senhora era santa toda vida.Já Maria Madalena eramulher da vida e virou santa.

INAURA: Senhor Deus dos desgraçados, salvai-me desta alcateia!

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LELÉU: Fariseus da Galileia, que fez esta mulher de errado? (Inaura, você está um pecado)INAURA: Foi um amor desmesurado que irritou esta assembleiaLELÉU: Atire a pedra!Erga o braço aquele que nunca pecou! (Eu estou perto de erguer a mão)INAURA: O meu destino, Senhor, agora é seguir os seus passosLELÉU: A minha estrada é de dor. De sangue e suor, meu caminho. (Preciso de seu carinho)INAURA: Pois não estarás sozinho, que onde tu fores eu vouLELÉU: Já não preciso sofrer. Eis que o meu fim é chegado (Eita servicinho pesado)INAURA: Tudo está consumado. Que mais falta acontecer?LELÉU: Pior mesmo é se chover (trovoadas)

LELÉU: Ressuscitei!INAURA: Ave Maria, que susto!LELÉU: Assustou, foi?INAURA: Pensei que fosse um ladrão.LELÉU: Ladrão fica na cruz das pontas,menina. A minha era a do meio.INAURA: Pois a minha cruz é você, que não me deixa em paz.LELÉU: Pronto, empatou!Que a senhoratambém roubou o meu sossego.Desde que lhe vi não penso em outra coisa, a não ser nessas coxas grossase nessas tetas cheias.A senhora é toda equipada.INAURA: É? Mas eu não caio na sua conversa não.Vi bem o senhor agarradocom meia dúzia de pernas magras, durante os ensaios.LELÉU: É que eu estava treinandopra não fazer feioquando chegasse na frentede uma belezura com o seu encanto,Dona Inaura.INAURA: Você deu sorte que o meu maridofoi pro serviço. Talvez da venda do produto vir para esta parteLELÉU: A senhora não me disseque era casada!INAURA: Não conhece ele não, é?Ele é tão famoso.LELÉU: Já sei, ele é artista.INAURA: Não. Ele é matador. Frederico Evandro.LELÉU: É um nome muito bonito.INAURA: Mas ele é mais conhecido como "Vela de Libra".LELÉU: E por que esse diabo de nome,todo esquisito?INAURA: Toda vez que ele arrancaa moela de um cristão, vai na primeira igreja que encontra,acende uma vela de libra e reza um padre-nossopela alma do defunto.LELÉU: Mas sacar a moela, por quê? Que negócio é... hummmmINAURA: Por encomenda.Se depender de Frederico,o céu vai ficar é lotado.

FREDERICO: Essa vela é para um pobre coitadoque não dou meia hora e tô mandando pra conversar com o Senhor.É ruim porque vai morrer com saúde.Mas também é bom porque não vai gastar com doutor nem remédio.

VÍTIMA: Mas, meu senhor, o que é que eu fiz pra terminar nessa desgraça?FREDERICO: Aí, eu não sei dizer.Saber o motivo da pendengaamolece o coração do profissional.VÍTIMA: Eu tenho duas mulhere uma penca de filho para criar.FREDERICO: Tenha nervo, homem.Suspenda a bateção de dente.Quer chegar no céu com a dentadura frouxa?VÍTIMA: Por Nossa Senhora, homem.Eu não quero morrer de morte matada.Eu prometo durar pouco.Deixe eu viver o bocadinho que falta pra eu morrer de morte morrida.FREDERICO: Olhe, moço, não é do meu feitio, mas como ando com a alma sobrecarregada, vou lhe dar uns anos mais de vida. Quem sabe na contabilidade dos meus pecados Deus não considera essa boa ação?VÍTIMA: Muito obrigado, muito agradecido...FREDERICO: Vá logo! Que a bondade é que nem chuva no Sertão:demora pra vir, mas quando chega não molha muito.VÍTIMA: O senhor é um homem bom!FREDERICO: Dos piores, eu sou o melhor que tem. (tiro)Não gosto de ver ninguém morrer triste.

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LISBELA: Bandido eles sempre mostram bem pertinho, que é para a gente se assustar com aquele carão espragatado na tela.(filme)É um grande prazer encontrá-lo novamente, Sr. David.LISBELA: Viu só?Bandido que é bandido mesmofala como se fosse o mocinho, bem-educado, calmo.(filme) Doutor Klaus!Eu devia saber...LISBELA: Já o mocinho xinga o tempo todo.(filme) Desgraçado, maníaco!Seu miserável!LISBELA: Ai, meu Deus, que danação! Ainda bemque o mocinho sempre escapa no final.

INAURA: Que pressa é essa, meu bem?LELÉU: Só posso morrer uma vez por dia. É a ordem do médico.INAURA: Pois eu, se morresse hoje, morria feliz.LELÉU: Vamos parar com assunto de morte.INAURA: Que tal a gente voltar pra esseoutro assunto?LELÉU: É que esse assunto leva ao outro.INAURA: Frederico viajou, homem! Volta hoje mais não. Deixe de medo.LELÉU: Medo?!E eu lá sou homemde ter medo de homem?FREDERICO: INAURA!INAURA: Meu marido!LELÉU: Valha-me Deus!FREDERICO: Quem está aí?INAURA: Aí? Aí aonde?FREDERICO: Aí onde você tá!INAURA: Ah,"aqui", você falou "aí"...FREDERICO: Mas tu tá lesa, é?INAURA: Aqui, onde eu estou,estou eu, Frederico.LISBELA: 0 Mas tinha uma voz de homemaqui dentro!LELÉU: (imitando rádio) Esta é a rádio Esperança.7OO megahertz. A última que morre.INAURA: É o rádio.LELÉU: Agora vamos ouvir na voz de Maísa,digo, de Roberto Carlos, "Se Acaso Você Chegasse".Se acaso você chegassee no meu chatô encontrasse...INAURA: Por que é que você tá aumentandoo volume, Frederico?LELÉU: Eu falo porque essa dona...INAURA: Tá mudando de estação, meu bem?LELÉU: "A mais barata da cidade..." "Pare de sintonizar que você já achou sua estação."INAURA: Larga de bulir nesse rádio, homem.FREDERICO: Mas não tem uma música que preste!LELÉU: "Aqui você só ouve música boa,muito boa!Trabalhando em ondas curtas, médias,compridas e redondas, é só sucesso."Sei que aí dentro ainda mora...FREDERICO: Olha!LELÉU: ...um pedaço de mim...FREDERICO: O quê?LELÉU: ...um grande amor...FREDERICO: No rádio.LELÉU: ...não se acaba assim... (música)FREDERICO: Lembra? Quando eu lhe conheci nocabarétava tocando essa música...INAURA: Isso faz é tempo, Frederico!FREDERICO: Mas você tá cada vezmais apetitosa.

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INAURA: É que tu estava fora.A fome é o melhor tempero.FREDERICO: Então?! Vamos usufruir.INAURA: Ai, de novo?!FREDERICO: De novo como,se eu acabei de chegar?!INAURA: Ah, é que tu vive saindo echegando toda hora, meu bem.Chega eu me confundo.FREDERICO: E esse rádio?INAURA: Que é que tem?FREDERICO: Parou por quê?INAURA: Eu tô ouvindo bem baixinho.LELÉU: “Ela deu o rádio e não me disse nadaEla deu o rádioO rádio que eu lhe deiQue lhe presenteei...FREDERICO: Mas o que é que deu nesse rádio queeu desliguei e ele continua falando?LELÉU: É que a pilha é nova...FREDERICO: Tem um homem aqui dentro!(tiros)( filme)Peguem- no!( filme) Será que o nosso heroivai partir pro beleléu?Ou ele consegue dar conta desse angu-de-caroço?Não perca no próximo episódio:"As Aventuras de um SabidoContra o Corno Matador".

LISBELA: Ai... Amanhã vai começar a melhor parte,quando o mocinho encontra a mocinha.DOUGLAS: Como é que você sabe?LISBELA: Porque já mostrou o mocinho,já mostrou a mocinha, chegou a hora de mostraros dois juntos.

LELÉU: Povo de Rosarinho, o futuro a Deus pertence, mas as ciências ocultaspodem desvendá- lo.Faça sua consulta com o Professor Zokhan, através da grafologia, da telepatia,da cartomancia e da numerologia,que são ciências baseadas emsua própria psicometria individual.O Professor Zohkan revelao segredo do subconsciente.Ele dlz o que vai,o que foi e o que está.Estudei a vida de Alan Kardec,que é o fundador do espiritismo.

FREDERICO: Homem, conhece este cabra?? Conheço não.LELÉU: O livro homeopático, astrologia judiciária, psicologia planetáriaFREDERICO: Merda!

LELÉU: Povo de Nazaré da Mata, tristezas não pagam dívidas.Venham se divertir comRamón Gonzales, o trapezista cego.Um número de nível internacional, apenas hoje, na cidade de Nazaré da Mata.

LELÉU: Povo de Vitória de Santo Antão, a vida é um mistério para o homem,e o homem é um milagre de Deus.Mas no espetáculo que eu apresento agora, vocês verão este milagree conhecerão este mistério.Monga, a mulher gorila.Capturada no coração da África.A partir de hoje à noite, no Tivoli Parque.Quem veio primeiro ao mundo:o ovo ou a galinha?Hoje a ciência dá a resposta:foi o macaco.Todos nós somos descendentesda raça dos gorilas.É exatamente o que os senhorespodem constatarassistindo à transformação desta linda mulher, a deslumbrante Sumara,em um desses nossos ancestrais.DOUGLAS: Tudo armação!No Rio de Janeiro isso é proibido.LISBELA: Vamos, Douglas! Deve ser igual àquele filme "Metamorfoses da Alma",que o Dr. Steve vira monstro.DOUGLAS: Pra essa paraíba virar macacofalta tão poucoque a entrada devia ser franca.

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LISBELA: Douglas!LELÉU: Pra moça bonita e desacompanhadaa entrada é franca.DOUGLAS: Quanto é que é mesmo, hein?LELÉU: É quatro cruzeiros.DOUGLAS: Quatro cruzeiros?!LELÉU: Muito obrigado.DOUGLAS: Por um ingresso?Ô, mas isso é um roubo, aí!LELÉU: E mais dois cruzeirospela entrada da moça.DOUGLAS: Tu pirou, cara? Tu não falouque a entrada dela era franca?LELÉU: Justamente, chefe, desacompanhada.Mas se o senhor entrar ela passa automaticamente a fazer parte da qualidade de moça acompanhada,portanto, pagante.DOUGLAS: Eu quero meu dinheiro de volta! Vou- me embora!LELÉU: Pronto, isso é de graça.DOUGLAS: Vou pegar meu broto imediatamente.LELÉU: Pra entrar é quatro cruzeiros.DOUGLAS: Mas eu não vou ficar.LELÉU: Mas o preço é pra entrar,não é para ficar.DOUGLAS: Isso é um absurdo!Eu vou chamar a polícia!LELÉU: Pronto, pra polícia é de graça.Neste momento começa a maisextraordinária transformaçãode um ser em outro, chamada pelosantigos gregos de metamorfose.Se você é desses que têm medo da própria sombra;se escutam um calango chiarno mato e acham que é uma cobra;se vão tomar uma xícara de café e batem um baião na beira do pires, tomem cuidado!Que o espetáculoque eu apresentopode abalar o seu sistema nervoso.Calma, Sumara, calma, Sumara...Atenção bilheteria,estamos tendo um problema. Calma, Sumara...Atenção... Cuidado!Calma, Sumara!Bilheteria, estamos tendo...Sumara...LISBELA: Eu sabia que era truque!LELÉU: E a melhor partefoi sumir com todo mundo.LISBELA: E como é que faz a transformação?LELÉU: Eu vou lhe mostrar.A gente monta essa caixa preta em forma de L, com esse vidro aqui no meio. Agora a senhora fique bem paradinhaaí do seu lado, que eu voupro meu aqui, vestido de macaco.Se eu apago a luz da senhora e deixo só a minha aqui acesa, o povo só vê o macacorefletido ali no vidro.Agora, quando é o contrário,só se vê a senhora.Conforme eu vou apagando a luz do seu lado e aumentando aqui o meu, a minha imagem vai refletindo por cima da suaque agora já vai sumindo assim,bem devagarzinho.É como se a senhorase transformasse em gorila.LISBELA: É como uma máquina do tempo, fazendo a gente virar o que foihá milhares de anos atrás.LELÉU: Mas pode funcionar tambémcomo uma máquina do amor.LISBELA: E existe lá máquina pra isso?LELÉU: Quando a gente ama uma pessoa, o que é que a gentemais quer nesse mundo?LISBELA: Ah, ficar bem juntinho dela.LELÉU: Pronto.Tão juntinho, tão juntinho que, como diz o poeta:"Transforma- se o amadorna coisa amadaPor virtude do muito imaginarNão tenho logo mais que desejarPois já tenho em mim a parte desejada"LISBELA: Achei mais bonita aindaessa máquina do amor.LELÉU: Pois então fique bem quietinhae feche os olhos.Eu vou lhe mostrar como é quefunciona a máquina do desejo.Eita, cadê?LISBELA: É que eu liguei a máquina da ilusão.

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LELÉU: Nesse momento começa a maisextraordinária transformaçãode um ser em outro, chamada pelosantigos gregos de metamorfose.DOUGLAS: Mais conhecida como picaretagem.PAI: Eu vou lhe ensinar a respeitarminha filha, ouviu?LELÉU: Sumara!PAI: O estabelecimento está fechadoaté segunda ordem.E o senhor trate de passar segunda-feira na delegaciapra tirar a licença municipal.LELÉU: Meu chefe, tenha paciência, o senhor é humano, nós somos brasileiros. Só estou arrumando o meu pão.PAI: Da próxima vez lhe meto na cadeia.DOUGLAS: Quero ver você quebraras grades de lá...

CITONHO: É besteira, mulher. Nessas horasa gente não pode ter escrúpulo não.FRANCISQUINHA:Peraí, peraí...PAI: Cabo Citonho! Que pouca-vergonha é essadentro da delegacia, homem?CITONHO: Vergonha aqui é o que não falta,que eu to quase morrendo com tanta.PAI: E quem é essa mulher que vocêbotou aqui dentro da delegacia?CITONHO: É Francisquinha do Antão, que eramulher daquele moço, o Raimundinho...PAI: Mas por que é que se chama tudode Raimundinho, Francisquinha?Pra que tanto diminutivo,pra que tanto "inho"?CITONHO: É um denguinho, chefe.FRANCISQUINHA: Eu mais Raimundinho,a gente tem um sítio no Cajá.E Citonho vivia lápra pegar passarinho.CITONHO: Aí nesse vai, nesse vem, eu conheci Francisquinha, e Francisquinha também me conheceu.PAI: E o que é que a senhora estáfazendo aqui dentro?FRANCISQUINHA: É porque deu-se o caso que a gentese simpatizou, não é?Aí um dia a gente tava nós dois numabaixa de capim, e Raimundinho pegou.CITONHO: Foi chato, foi justamente na horaque a gente estava fazendo cafuné, né?PAI: Mas tem jeito uma coisa dessas?FRANCISQUINHA: Ôxente!Foi isso mesmo que Raimundinho falou: "E tem jeito uma coisa dessas?"CITONHO: Eu digo: "Não".CITONHO e FRANCISQUINHA: E tinha? Não tinha.CITONHO: O jeito que teve foi ela deixaro marido e vir viver comigo aqui.E já que eu dou plantão noturnona delegacia, eu trouxe ela pra cá.PAI: E está tudo bem? Não está lhe faltando nada?FRANCISQUINHA: Pra falar a verdade está:eu vim pra cá somente coma roupa do couro, repare.Vestido, chinelo, camisola...Ficou tudo lá na casa de Raimundinho.CITONHO: Quando é ontem, eu fui lá buscar aroupa e ele, com licença da palavra, me jogou um penico cheio.Saí de lá todo ensopado e com o cheiro mais horroroso do mundo.FRANCISQUINHA: Foi mesmo.E ainda disse que se ele voltar lá,vai ser muito pior.CITONHO: Aí eu queria pedir uma providência, que como autoridade não posso ficar desmoralizado, tenente.PAI: Quer dizer, você enfeita o cabra, leva a mulher dele e ainda vemme registrar uma queixa.Mas é muito boa, essa!Você quer que eu lhe diga?Quer que eu lhe diga mesmo?Mas o homem fez pouco!Se fosse eu, que Deus me defenda, eu lhe enfiava uma baladeste tamanho na cara.FRANCISQUINHA: Ave Maria! Mas, seu tenente,veja se isso está direito.Um tem a mulher,o outro tem a roupa. Ôxe!Pra que é que servea roupa sem a mulher?CITONHO: Mas a mulher só serve mesmo é sem roupa, né!PAI: Silêncio! E você, cabo,trate de levar a moça de volta!CITONHO: Mas eu acho que o homem não vaiaceitar devolução, não.PAI: Olha a insubordinação!Olha a falta de respeito!Você agora quer ter duas mulheres, é?FRANCISQUINHA: Ôxen, e você já vive com outra, é?CITONHO: Só um pouquinho.

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FRANCISQUINHA: É? Pois vai apanhar bem muito.CITONHO: Tenente! Aparte aqui. Eu estoufardado, não posso bater em mulher!PAI: Pois eu acho que é bem feito!Sabe que cabra metido a conquistadorcomigo não arranja é nada.Sou capaz até de apagar a vela,pra ver o cabra morrer no escuro.

FREDERICO: O cabra que vai subirdaqui a pouco, meu pai, vai chegar aí bem machucado, que não é caso profissional.Estou fazendo de graça.Desse eu tôcom um ódio arretado.

FREDERICO: Você mora nessa cidade?DOUGLAS: Infelizmente.FREDERICO: Conhece esse sujeito aqui?DOUGLAS: Não seria Jesus Cristo?FREDERICO: Tá me achando com cara de crente, é?O nome dele é Patrick Mendel.DOUGLAS: Não conheço, não senhor.FREDERICO: Não conhece?DOUGLAS: Mas teria muito prazerem ser apresentado.FREDERICO: E pra que você quer conhecerum cabra safado, Iscariotes, e traidor dessa qualidade?DOUGLAS: Pra sentar uma bolacha nesse mané.FREDERICO: Não lhe ofereci parceria!Eu venho desde Boa Vistano rastro desse um, atrás de beber o sangue dele.DOUGLAS: Ah, brother. O senhor é de Boa Vista...FREDERICO: Boa Vista. É um lugar muito macho.Nem todo mundo se agrada. Bastadizer que lá só se usa gravata preta.DOUGLAS: E por quê?FREDERICO: Todo mundo sempre tá de luto de algum parente que morreu na faca.E o senhor, é de onde?DOUGLAS: Sou daqui mesmo.FREDERICO: E por que que não fala que nem homem?DOUGLAS: É que eu estudei muitos anoslá no Rio de Janeiro.FREDERICO: Isso é terra de frouxo. Sei de umcamarada que criava lá uma onça.A onça ficou tão avacalhada quebebia leite num pires, feito gato.DOUGLAS: Lá o povo é mansopor causa da praia.FREDERICO: Lugar desse eu não queropassar nem na redondeza.Aqui em Vitória já achomeio desmoralizado.DOUGLAS: O senhor está de passagem?FREDERICO: Tô nada.Vou ficar na tocaia daquele miserável,que ele deve estar por perto.

CITONHO: Quem é o senhor pradesacatar a autoridade?!FREDERICO: Vou lhe avisandouma coisa, sujeito! Não gosto de poesia pro meu lado.Comigo é na inhanha.CITONHO: Ah, sim, senhor.Agora fiquei bem informado.FREDERICO: Fique sabendo também que eu tenho maisraiva de polícia do que de cachorro doido.CITONHO: Está no seu direito.FREDERICO: E meu nome é Frederico Evandro, apelidado Vela de Libra. Quer saber por quê?CITONHO: Faço questão não, senhor.FREDERICO: E vamos soltando esse passarinhoque não gosto de ver ninguém preso.CITONHO: Agora!É pra prestar serviço à populaçãoque eu uso essa farda.FREDERICO: Isso é farda, é?Pensei que fosse roupa de palhaço.

LISBELA: Agora vai se danar tudo.DOUGLAS: Deixa de ser negativa, broto. Tá tudo azulzinho:o carinha apaixonadão, a gatinha contente. Vai começar o maior love.LISBELA: Quando está tudo bom demais dessejeito, e ainda falta metade da sessão, é sinal de que vai piorar de vez.

Vixe Maria! (vem o touro)

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LELÉU: Boi e corno a gente derruba é pelo chifre, ahn?FREDERICO: Venha cá, rapaz!Eu quero falar com você.LELÉU: E você lá é meu paipra me dar ordem?FREDERICO: Sou não.Mas sou alagoano e macho.Pronto.

(filme) Será que nosso heroi aguenta o tranco da besta-fera das Alagoas?Ou ele agora se estupora e termina batendo a caçoleta?Não perca, no próximo episódio:"As Pelejas de um CrlstãoContra o Secretário do Diabo".

LELÉU: Que que o senhor quer comigo, hein?Diga logo que eu tô com pressa.FREDERICO: Peraí, rapaz!Você salvou a minha vida.Porque eu morria,mas não corria daquele boi.Por Nossa Senhora da Conceição,que eu não corria.LELÉU: E eu não vi?!FREDERICO: Escute aqui, você é muito homem! Você viu esse pau-de-fogo na mão?LELÉU: Se vi!FREDERICO: Pois foi coragem muita.Você se meteuentre a cruz e a caldeirinha.De um lado, os chifres do boi.Do outro, o meu 38. Você podia morrer de duas mortes.LELÉU: Isso é que não, chefe.A morte é um cobradormuito sério, viu?Não dá documento,mas só recebe uma vez.FREDERICO: Você me pareceque é corajoso e sabido.É bom dever favora um homem de coragem, porque quem tem coragemnão gosta de viver pedindo ajuda.Mas dever favor a um sabido é o mesmo que dormir de porta aberta. O que você quer em pagamento?LELÉU: É muita bondade sua.FREDERICO: Deixe de dengo, rapaz.Manda o serviçoque eu posso lhe livrarde um inimigo seu. (tiro)LELÉU: Que diabo de favor é esseque o senhor quer me fazer? O senhor quer matar um homem?FREDERICO: Cada um dá o que tem.Se eu tivesse aprendido a fazerrenda, eu trazia uma peça de bico pra você.Diga um nome, rapaz, aproveite a liquidação. (tiro)LELÉU: Nossa Senhora!E você teria mesmo coragemde matar um filho de Deussem motivo nenhum?FREDERICO: Coragem, não tenho não.Eu tenho é costume.Vamos falar claro.O senhor não tem inimigos?E qual é o maior? Pinte e diga o nome,estabeleça o lugare deixe comigo.LELÉU: Mas deixe disso! Siga seu caminho. Não me deve favor, coisa nenhuma.FREDERICO: Peça o que quiser, rapaz. Besteira! Pode ser o juiz. O promotor.Você me dá o nome, o jeito, queeu mando ele conversar com Jesus.Você não tem inimigos?LELÉU: Tenho, mas eu quero todos vivos.Um homem deve ter inimigos.Por que houvera de querer matá-los?Se fosse assim, eu tambémmatava a morte, a covardia, delegado safado, a velhice, a doença.Deixe meus inimigos vivos, viu?Não bula com eles não.

CITONHO: Um boi brabo soltou-se naRua do Comércio, tenente!PAI: Feriu alguém, homem?CITONHO: Não, mas fez um furdunço da bobônica!LISBELA: Eita, que eu perdi essa!CITONHO: O boi largou-se pra cima dum sujeito!PAI: Que sujeito?CITONHO: O nome dele é Frederico Evandro.Depois do ocorrido eu procedia uma investigação completa.LISBELA: E o boi?CITONHO: Chamava Furacão.LISBELA: Não, homem. O boi pegou o tal sujeito?CITONHO: Aí que vem a melhor parte.Parecia uma cena de cinema.O boi desembestado vinhabem na direção do homem.No que sentiu a desgraça,Frederico Evandro puxou o revólver, mas ficou sem saberonde que atirava.De repente apareceu um homem pra tirá-lo dessa derrota.

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O cabra se meteu entre ele e o boi,escorou o bicho nos peitos, agarroupelos chifres, se embolou com a fera, e foram pro chão.LISBELA: E o que aconteceu depois?CITONHO: E acha pouco?O que é que a senhoraqueria que acontecesse mais?!LISBELA: Ah, sei lá.Muita coisa...

(filme)Pobre animal. Acho quebati um pouco forte demais.Danou- se!Avalie se isso pega numa pessoa!Vai sentir o que eu que sinto quando você me olha dessa maneira!

LELÉU: Com licença, sargento!CITONHO: Cabo.Cabo Citonho às suas ordens.LELÉU: Eita. Mas que o senhortem toda a pinta de sargento.CITONHO: Conversa!LELÉU: Eita, mas esse mundo é danado!O cabra nunca é o que nasceu pra ser.Você é cabo, mas nasceupara ser sargento.CITONHO: Quem sou eu...Mas diga lá, em que posso servi-lo?LELÉU: Vim dar entrada nos documentospra uma licença municipal.CITONHO: Chama- se "está arranjado".O delegado só faz o que eu digo.LELÉU: Quanto é que você quernesse galinho-de-campina?CITONHO: O de baixo eu vendo por setenta.Mas só se levar o de cima.LELÉU: Ah, é? E quanto é o de cima?CITONHO: É cem.LELÉU: Ôxen. Quem canta é o de baixo!CITONHO: O de baixo canta, mas o de cima é o compositor.LELÉU: Eu também já vendi passarinho.Mas o meu negócio mesmo era com canário de briga.CITONHO: Esse aqui é um peruzinho. Sabe qual é, não sabe?LELÉU: Esse eu conheço! Esse canário, quando bate fogo, levanta o rabomais alto do que as asas.CITONHO: Já me rendeu pra maisde cinco contos.LELÉU: Estou vendo que você gostaum bocado de passarinho.CITONHO: Eu sou arriado. Mas eu tenhoum fraco mesmo é por mulher.LELÉU: Ôxe, rapaz!E quem é que não tem?!Se Deus fez alguma coisa melhorque mulher, guardou só pra Ele.Foi a última coisa que Ele fez... Ele já estava prático.CITONHO: Deus fez, mas não tirou patente.Eu tenho pra mim que tem umas aí quesó podem ter sido feitas pelo diabo.E é logo com essasque a gente casa.LELÉU: Mas rapaz, que tristeza! Olhe, eufazia de você um homem bem casado!CITONHO: Ora, bem casado. Minha mulherparece mais um papagaio.LELÉU: Como é isso? Ela é verde, é?CITONHO: Não, mas fala sem parar.É de manhã à noite,parece um rádio.Depois come que só a gota, é um prejuízo arretado!Eu nunca vi comer galinhadaquele jeito.Daqui a pouco vaise metamorfosear em raposa.LELÉU: Mas deixe de donzelice,conte essa história direito, homem!Você está querendo é arrumaroutra mulher fora de casa.CITONHO: Ah, homem danado.E num já arrumei!?LELÉU: Ela é bonitona, é?CITONHO: Se é...Mulher feia e urubucomigo é na pedrada, menino.Mas infelizmente não estoupodendo usufruir.LELÉU: Pois eu tenho um elixir que vocêfica igualmente um galinho garnisé.CITONHO: Que é isso, rapaz!O negócio não é isso não, muito pelo contrário.Eu tenho o santo,o que me falta é o feriado.É o delegado, não quer queeu traga amante pra delegacia.LELÉU: Pois então leve ela pra sua casa.CITONHO: Tu é doido, macho?!E minha mulher?

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LELÉU: Justamente, chefe!Ela lhe expulsa de casa, você fica com uma mulher só, eo tenente deixa vocês ficarem aqui.CITONHO: Rapaz, é mesmo. É melhor umana mão do que duas voando.LELÉU: Pronto!E é sobre esse assuntode mulher que eu estou querendolhe falar, sargento.CITONHO: Estou às ordens.LELÉU: Você conhece a filha do delegado?CITONHO: Dona Lisbela?LELÉU: Ssabia que ela tinha bela no nome.CITONHO: Não se anime não que alivocê não apanha nada.LELÉU: Você pode levar um recado pra ela?CITONHO: Isso eu não posso fazer.O delegado é uma fera!E a menina é de família, ainda por cima noiva.LELÉU: Mas tá!Um noivo daquele é até castigo.CITONHO: E o sujeitinho é metido a carioca.O cabra nasceu em Cabrobó, menino,mas só porque passou assim um mêsno Rio de Janeiro,só fala cantando, entende?Mas é montado na grana,enche a bola do tenente.Não enfie seu carro alinão que você atola.LELÉU: Tem mais jeito não.Já estou enganchado.Desde a hora em que olhei pra ela, de vestidinho branco e um lacinho rosa no cabelo.Ô coisa linda... Eu fico pensandoque eu nasci pra isso:pra viver uma coisabem grande como essa.E eu sei que ela também sentiu.Eu conheço aquele sangue, aquele jeito de olhar.O negócio é eu conseguir falar comela de novo e aí tudo vai dar certo.Chego bem de mansinho e me apresento: Leléu Antônio da Anunciação, seu criado.LISBELA: Muito prazer, Lisbela.LELÉU: Eu vim devolver esse lacinhoque a senhora perdeu lá no parque.LISBELA: Ah, obrigada.LELÉU: Agora a senhora já me conhecee eu conheço a senhora.Mas a gente aindanão se conhece junto. Então eu pensei: vamos dar umavolta pra gente ficar se conhecendo?LISBELA: Me desculpe, mas eu sou noiva.LELÉU: A senhora tem vontade de serartista de cinema, é?LISBELA: Hum, meu filho, eu não sou nemamericana para ser artista.LELÉU: Hum, minha filha, nunca ouviu falar em artista nacional, não, é?LISBELA: É, mas história de amor bonitamesmo, só nesses filmes.LELÉU: Mas quando a mocinha é nacionalé bom que o beijo já vem traduzido.LISBELA: Deixe de ser besta que eunão lhe dei essa ousadia.LELÉU: A senhora é doce como as chuvas de caju que caem de repente no calormais duro de novembro.Linda como um ventonum pasto bem grande.Dona Lisbela, a senhora para mim é a bandeira brasileira.Uma bandeira bem grande.E Leléu Antônio da Anunciaçãoé o mastro para a senhora.LISBELA: Parece que eu estou ficando doida!LELÉU: Parece até que eu estou sonhando.LISBELA: Mas chegou a hora de acordar.LELÉU: Acordar pra quê?Vamos ver o fim do filme.Aposto que ele tem um final feliz.LISBELA: Melhor não, Leléu. Histórias comoa nossa costumam acabar mal.LELÉU: A nossa não acaba é nunca.Quanto mais amor eu sinto,mais falta pra sentir.LISBELA: Um dia termina.Vai dizer que nunca gostoude outra mulher antes?LELÉU: Eu sempre gostavade todas de uma vez só.Mas é a primeira vez queeu gosto só de uma para sempre.Minha vida se encaixa na sua,Dona Lisbela, e tudo se encaixa na minha vida.LISBELA: Eu não devia lhe dizer, mas eutô me derretendo toda por você.O coração mole, as pernas bambas,a mão molhada. Chega a fazer medo.LELÉU: Eu tenho medo também.Mas não tenho medo de ter medo.LISBELA: O que vai ser de minha vida, Leléu?LELÉU: O que a senhora quiser fazer dela.LISBELA: Eu não sei direito. Quer dizer,eu sei, mas não é direito.

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LELÉU: Mas eu tenho o direito de saber.Eu posso voltar aqui pra lhe ver?(filme) Um rio de lágrimas!LISBELA: Mas você não sabe que eu sou noiva?(filme) Um incêndio de paixões!LELÉU: E a senhora ainda vai ter coragemde casar com ele?(filme) Um alvoroço de sentimentos!LISBELA: E o que é que você quer que eu faça?(filme) Não perca, no próximo episódiode "Um Coração Despedaçado".

CITONHO: Mandei o delegado assinar a licença.O senhor está liberadopra continuar seu negócio.LELÉU: Minha vida está virando, cabo. E eu quero aproveitar minha sorte.CITONHO: Já jogou na loteria?LELÉU: Joguei, mas foi na loteria do amor.E o resultado sai ainda hoje.

DOUGLAS: Bora, broto.Depois você reclamaque perdeu o início do filme.LISBELA: Se você não se incomodasseeu preferia ir sozinha.LELÉU: É claro que eu me incomodo.Você marcou comigo.LISBELA: Eu passei a noite todatentando decidir o meu destino,e eu sabia que ele estava traçado.Era como sacudiruma moeda pra cima e ver ela caindosempre do mesmo lado.Como apostarnuma roleta viciada, que toda vezpara no mesmo número. Como um baralho de cartas marcadas.DOUGLAS: Que papo é esse? Que baralho, que roleta?LISBELA: É a roleta do amor. E você perdeu, Douglas.DOUGLAS: Perdi o que, se eu nem joguei?LISBELA: Pois é.Você nem jogou.E Leléu apostou todas as fichas.DOUGLAS: E o casamento?LISBELA: Cancela.DOUGLAS: E os presentes?LISBELA: Devolve.DOUGLAS: E o meu terno?LISBELA: Reforma.DOUGLAS: Você tá me trocandopor aquele macaco?LISBELA: A minha vida se encaixa na dele.

LELÉU: Nesse momento, cabo, minha sorteestá correndo na roda do destino.CITONHO: Cuidado, seu Leléu, com dona Lisbela, o primeiro prêmio é a cadeia.LELÉU: Prisão maior que temé viver longe dela. Eita!Parece que o prêmiochegou antes da hora.E aposto que veio como lacinho rosa no cabelo.INAURA: Que lacinho rosa é esse?!LELÉU: Não recebeu não, foi?!INAURA: Não!LELÉU: O lacinho rosa com o coisinho queeu tinha lhe mandado de presente.INAURA: Tava com saudade de mim?LELÉU: Não tava me aguentando, Glória.INAURA: Quem é Glória aqui? Eu sou Inaura,seu conquistador de meia tigela!LELÉU: E eu não sei? É que você é a glória de minha vida.Eu sou doido por ti, Inaura.Não lhe troco por uma carretaScania Vabe carregada.INAURA: Eu também, eu sou doida por ti.Arriada dos quatro pneus.LELÉU: Pronto, me diz onde está morando queeu passo outra hora pra lhe visitar.INAURA: Eu vim morar com tu, rapaz!LELÉU: Ah, foi, é?!

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INAURA: E então, olhe, foi um custopra lhe encontrar, Ave Maria. Agora não largo mais.LELÉU: Não está sendo meio precipitada?INAURA: O amor é um precipício.A gente se joga nelee reza pro chão nunca chegar.LELÉU: Inaura, pense direito, depois você se arrepende.INAURA: Ôxe! Você quer que eu vá pra onde?Eu larguei tudo pra ficar contigo. Sevoltar pra casa, meu marido me mata.LELÉU: Mas se ele me pegar contigo,ele me mata também!INAURA: Besteira! Iisso ele já ia fazer de todo jeito.

DOUGLAS: Tenente!Eu tava precisandolevar um papo com o senhor.É sobre uma parada aí que aconteceu comigo, com um amigo meu que acha que foi corno.PAI: Às suas ordens, Douglas.Salientando bem que eu tenho apenasum conhecimento teórico do assunto.CITONHO: Nessa matériaeu prefiro ser ignorante.PAI: E eu pra corno sou vacinado.DOUGLAS: O senhor acha que um homempode ser corno antes de casar?PAI: Pode acontecer.É o chamado corno precoce.Tem corno até depois de enviuvar. É o corno tardio.DOUGLAS: É.Dor de cotovelo é a pior coisaque existe... dizem.CITONHO: Pior que ser cornoé ouvir os comentários.DOUGLAS: Mas e se ninguém ficar sabendo,tem problema assim mesmo?PAI: Geralmente é o contrarioque acontece:todo mundo sabe; o interessado é sempre o último a saber.DOUGLAS: E quando o cara descobre,que é que ele tem que fazer?PAI: Depende da categoria de cornoem que ele se enquadra.Tem o corno ateu, que é aqueleque sabe, mas não acredita.Tem o manso, que sabe,mas não reage.Tem até o corno convencido, que é o cabra que tem orgulho de ser.CITONHO: Danou- se. Tem mais tipo de cornodo que santo no calendário. (risos)DOUGLAS: Mas o que é que o senhor achaque um homem deve fazerquando descobre que foi corneado?PAI: Tem que matar o cabraque o enfeitou.DOUGLAS: E se o mané não tivercoragem de matar?PAI: Ah, essa é a piorqualidade de corno que tem.É o corno frouxo.Aí o sujeito tem que contratar umcabra macho para executar o serviço.

FREDERICO: Bote a saideira,faça as minhas contase arredonde pra baixo,que eu estou arribando.Vou no rumo do Recifeatrás daquele miserável.DOUGLAS: Eu podia falar com o senhorum instante?FREDERICO: Não lhe aconselhava não, moço.Hoje estou com o fígado azedo.DOUGLAS: É que tem uma parada aí,vai rolar uma bufunfa...FREDERICO: Estou de férias, tratandode um assunto particular.DOUGLAS: Eu posso pagar muito bem.FREDERICO: Para me tirar das minhas fériasia ter que pagar acima da tabela.DOUGLAS: Dinheiro não é problema.Eu tenho bastante. Manda aí: quanto?FREDERICO: O preço é de acordo com o sofrimento. É caso de surra ou é caso de morte?DOUGLAS: Os dois.Primeiro tu embolacha,depois trucida.FREDERICO: Vai lhe sair muito caro.DOUGLAS: Já lhe disse, dinheiro não é problema.FREDERICO: E essa surra, como é que é?Faz questão que fure os olhos, arranque as tripas,quebre os ossos, ou é só o castigo tradicional,com o cacete de quixaba?Porque quixaba é o melhor cháque existe no mundo para pancada.Assim, pra ganhar tempo,a gente dá logo a pisa com quixaba, porque está dando o castigoe o remédio ao mesmo tempo.DOUGLAS: Eu quero a surra mais caraque o senhor tiver.FREDERICO: E essa morte, como quer?É morte lenta, doídaou é morte ligeira, de susto?DOUGLAS: A mais cara.

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FREDERICO: Morte lenta é a mais cara, que pra sair bem feitatoma quase o dia inteiro.DOUGLAS: Tu manda ver, amizade!FREDERICO: Diga o nome do finado, que é praeu mandar o telegrama da viúva.DOUGLAS: Leléu Antônio da Anunciação.Trabalha no parque de diversão.FREDERICO: Esse tipo de gente gosta muitoda vida, demora muito a morrer. Vou ter que cobrar um adicional.DOUGLAS: Mas isso é um roubo, aí!FREDERICO: Está me chamando de ladrão?DOUGLAS: Absolutamente!Foi só um jeito de falar.FREDERICO: Vai lhe custar mais dez por centopela ofensa que me fez.DOUGLAS: Eu pago.Pode ser à prestação?FREDERICO: Essa parte que você me deu agoraserviu de entrada.O resto em duas vezes:uma no enterro, outra na missa de sétimo dia.

INAURA: Você não tinha me faladode mulher nenhuma.LELÉU: Foi depois de eu lhe conhecer.INAURA: Tinha me esquecido da rapidezque você se apaixona.LELÉU: Dessa vez foi de verdade.INAURA: Comigo então foi de mentira.LELÉU: Eu não sabia aindacomo era de verdade.INAURA: Com você eu sempre soubeque era de verdade.E ela?LELÉU: Também quer ficar comigo.INAURA: Mas eu te amo mais do que ela, porque eu quero ficar com vocêsabendo que não quer ficar comigo.Por isso foge comigo, Leléu. Frederico estávindo atrás de nos matar.LELÉU: Por mim eu ficava e morria.INAURA: Mas por mim você vai ter que fugire viver, senão eu morro junto!LELÉU: Desistir de um amor verdadeiro,Inaura, é igual à morte.INAURA: Morte não é igual não, é só uma.Amor pode nascer outro.LELÉU: Meu amor por ela é um só.Não existe outro.INAURA: Mas você vai ter que esquecer essa moça.LELÉU: Como é que eu possome esquecer de Lisbela?!INAURA: Frederico!LELÉU: Não vamos incomodar Frederico...INAURA: Frederico está vindo aí fora,homem! Ele descobriu a gente!FREDERICO: Ôxe, é a primeira vez que eu vejo macaco mal-assombrado.

CITONHO: Delegado, peço autorização para ir ao cinema. (TIRAR TUDO ISSO)PAI: Autorização negada. O senhor tem que executar o toque de recolher.CITONHO: Mas tem que ser bem na hora do seriado, tenente?PAI: É o regulamento, e quanto a isso eu sou opinioso.O senhor pode encontrarhomem persistente igual a mim; mais, é impossível.Eu já lhe contei a história com o Elixir de Nogueira?CITONHO: Umas cem vezes.PAI: Não faz mal, subalterno serve é pra ouvir história repetida.Eu, com quatro anos de casado, minha patroa - que Deus a tenha no reino de Sua glória - não tinha filhos. Aí me disseram:"Guedes Lima, isso é sífilis.O negócio é você tratar da sífilis."Sabe o que foi que eu fiz?CITONHO: Sei não, senhor.PAI: Tomei oitenta e quatro vidrosde Elixir de Nogueira,até minha mulher emprenhar.CITONHO: Remédio bom, hein!PAI: Ótimo.Você acha que eu tenho"de Nogueira" na família?CITONHO: Não tem não, doutor?

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PAI: Tenho nada, rapaz!Mas botei o nome de minha filha Lisbela de Nogueira e Lima,em homenagem ao Elixir de Nogueira.Comigo é assim.

LELÉU: Espera, espera!INAURA: Vamos embora, homem!LELÉU: Está na hora do seriado.INAURA: Isso lá é hora de assistir a filme?!LELÉU: Lisbela está me esperando no cinema.Deixa eu pelo menos me despedir dela.

LISBELA: Chegou bem no finzinho.LELÉU: Muito suspense?LISBELA: Muito. Eu fiquei só pensando se você ia chegar.LELÉU: Eu tive um compromisso de última hora. E o seu noivo?LISBELA: Eu pedi pra ele não vir,porque eu pensei que você vinha.LELÉU: E eu não vim?LISBELA: Veio.Mas tá com cara de quem não vem mais.LELÉU: Pense bem, Lisbela.Você vai largar tudo que tem só pra gente ficar junto?LISBELA: Eu vou largar tudo que tenho.Agora, se é pra gente ficar junto,você é que tem que dizer.LELÉU: A gente não deve se precipitar.O amor é um precipício:quando a pessoa acha que está voando, talvez já esteja caindo.LISBELA: Agora é tarde.Eu já pulei, Leléu.Eu já sei: veio dizerque vai embora.LELÉU: Quem lhe disse?LISBELA: É igualzinho no cinema: a mocinha está ansiosa, esperando o mocinho, e finalmente eles se encontram.Ele vem se aproximando e ela acha que é pra dar um beijo, mas aí ela vê que o rosto dele está preocupado demais pra isso.Ela é bestinha, coitada,e ainda tenta dizer que ama ele.Mas o mocinho vai puxandoo assunto pro outro lado, o que é sinal que já ensaiou alguma coisa pra dizer, e nem está ouvindo o que ela diz.LELÉU: Lisbela.LISBELA: Mas nem precisa dizer mais nada, porque todo mundo já entendeu que a mocinha vai ser largada.LELÉU: Lisbela, olha...LISBELA: Ah, é, tem também essa parte:ele vai dizendo que não é por querer, é obrigado a cuidar da mãe doente, ou que tem que partir pra guerra, ou algum motivo de força maior, que deixa a gente com bem muita pena dele e que agora eu prefiro nem saber. Porque ou é mentira ou eu vou ficar gostando ainda mais de você.INAURA: Está na hora, Leléu.LISBELA: Viu? Era mentira.LELÉU: Desculpa, Lisbela, eu vou ter que fugir com essa moça.LISBELA: Motivo de força maior.LELÉU: É questão de vida ou morte.LISBELA: Eu entendo.É a vida dela e a minha morte.LELÉU: Olha aí, vai ficar achando que eu não gosto dela.INAURA: E eu, que você gosta de mim.Melhor deixar nós duas na ilusão.LELÉU: Por que será que Deus vive entortando meu destino?INAURA: Pro seu destino se juntarcom o meu, ó. Ele escreve certo por linhas tortas.LELÉU: Ah, mas quem é bom Deus ajuda.INAURA: Ah, ajuda muito, botando o homem mais brabo do Nordestepra te pegar.LELÉU: E se eu enfrentasse Frederico?Salvava a sua vida,a minha e a de Lisbela.INAURA: É mais fácil você topar com um boi desembestado.LELÉU: Eita, com esse boi eu já topei, olhe.INAURA: Tás doido, é, Leléu?LELÉU: Eu lembrei de um amigo valenteque eu salvei de um boi brabo, e que jurou me livrar de um inimigo meu em pagamento.

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INAURA: Mesmo se o inimigo for Frederico,você acha que ele cumpre?LELÉU: Na hora. Aquilo mata e morre por mim.

DOUGLAS: Está chorando por causa do filme?LISBELA: Tô chorando por causa de minha vida.DOUGLAS: Ah, tá chorando por causa do macaco.DOUGLAS: O filme de minha vida foi um fracasso. Leléu morreu pra mim.DOUGLAS: E vai morrer pra ele mesmo também.LISBELA: O que que você vai fazer, Douglas?DOUGLAS: O que todo homem deve fazer.LISBELA: Esquece isso, Douglas. Lembrar do passado é sofrer duas vezes.DOUGLAS: Não dá, gatinha.Se fosse no Rio de Janeiro, tudo bem.Eu enchia os cornos, te dava uns catiripapos e tava tudo certo.Mas aqui no Nordesteeu vou ter que dar uma de macho.LISBELA: E se em vez dele morre você?DOUGLAS: Fica tranquila.Não vai acontecer nada comigo não...LISBELA: Olha, Leléu está indo embora,ninguém sabe do que aconteceu.Foi um filme ruim, pronto.A gente sai no meio.DOUGLAS: É isso aí, gatinha. Vamos voltar pra nossa historinha de amor.LISBELA: Promete que não vai fazer nada?DOUGLAS: Prometo. Pode ficar tranquila. Quem vai matar é Frederico Evandro.O cara tem mais de trinta mortes nas costas.

LELÉU: Seu moço!Olhe, eu não sou caranguejo não, viu?Mas eu andei pra trás naquela vingança que o senhor me prometeu.FREDERICO: E o senhor me dizendo que não matava inimigo.LELÉU: É que nesse caso ou eu mato ou eu morro.Quer dizer, o senhor mata, eu corro.FREDERICO: Chegou em boa hora.Acabo de adiar um serviçoe ando seco por uma ocupação.LELÉU: Justamente, chefe, e eu acabode escapar do homem, por isso que eu vim pedir sua ajuda.FREDERICO: Agora!Aponte o nome do cristão,que ele passou a ter dois inimigos.LELÉU: Eu só vi assim, meio de longe,mas eu sei que é um corno manso, que fica por aí se fingindo de brabo,e tem um nome ridículo de cantor de rádio:Frederico Evandro. O senhor conhece?FREDERICO: Já ouvi falar.Diz que tem coragem de mamar em onça.LELÉU: Só se for em onça morta. Você acha que se o cabra fosse brabo mesmo, eu estaria aqui agora, vivinho, depois de bulir na mobília da mulher dele, chefe?FREDERICO: Acho que não.LELÉU: Pois então?!Alguém aqui já ouviu falar em algum valente corno? Ainda por cima é de Boa Vista!FREDERICO: É um lugar de macho.LELÉU: É nada, homem! Os cabras de lá podem até não ser baitola ainda, mas já estão como alvará de funcionamento.Ôxe! Diz que pegaram uma pombinha e disseram pra ela:"Vai voando por cima de Boa Vista, e quando você encontrar um cabra que não é corno, você pare".A bichinha morreu voando.FREDERICO: Pode deixar o serviço por minha conta.LELÉU: Eu já tô doido pra vero sujeito estirado.FREDERICO: Só não garanto é você poder ver o corpo.LELÉU: Não carece não,eu confio no senhor.FREDERICO: E o senhor tem preferência por, vamos dizer assim...por algum tipo de morte?LELÉU: Do jeito que aquilo é frouxo, não carece nem de gastar bala.Quando souber que vão matar ele,ele morre antes, de susto.

LISBELA: Leléu...INAURA: O que é que você quer com ele?LISBELA: Olhe, eu sei que ele gosta mesmo é de você, e eu até tenho raiva disso, mas por nada nesse mundo, muito menos por minha causa, eu quero que ele morra.Por isso acredite:o meu noivo mandou matar Leléu.

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INAURA: Você está é querendo descobrir onde ele está.LISBELA: Você pode ir sozinha pra avisar.Diga que Douglas está querendo acabarcom ele, e contratou um matador chamado Frederico Evandro.INAURA: Ôxe, jogou dinheiro fora, porque Frederico Evandro é meu marido, e já faz tempo que ele tinha jurado Leléu de morte.LISBELA: Pior, então ele vai matarLeléu duas vezes!INAURA: Vai não, porque Leléu foi pedir ajuda a um valente que ele livrou de um boi brabo, e que jurou matar um inimigo dele em pagamento.LISBELA: Peraí, menina. Essa história o cabo Citonho me contou, e esse valente que foi salvo de um boi é Frederico Evandro.INAURA: Tá com a molesta! Então ele vai matar Leléu três vezes!

FREDERICO: Se o cabra é esse que você pinta, é o serviço mais fácil do mundo.LELÉU: Vai ser ligeiro...FREDERICO: E você tem algum recado para mandar pro moribundo?LELÉU: Até tenho, viu? Diz pra ele ficar descansado, que não vai faltar nada pra viúva dele. E quem garante é Leléu Antônio da Anunciação.FREDERICO: Pois é como se o recado já tivesse sido dado. E quem garante é Frederico Evandro, mais conhecido como Vela de Libra.LELÉU: Frederico Evandro... É o senhor?FREDERICO: Desde pequenininho.E pode ir encomendando a sua alma ao diabo, cabra safado.LELÉU: Tanta coisa boa na vida,tanta mulher bonita no mundo, e eu aqui morto.FREDERICO: Se aperreie não.Não vai dar nem tempo de doer.O serviço comigo é a jato.LELÉU: Não tem pressa não, moço.PAI: Alto, em nome da lei!Aponte o gabiru excomungado, o estupor tabica que tentou lhe seduzir,minha filha!LISBELA: Foi esse aqui, meu pai.LELÉU: Dona Lisbela!PAI: Isso é que ser um cabra safado!O senhor está presopor sedução de menores.LELÉU: Só se for agora!Vamos!

CITONHO: Francisquinha!FRANCISQUINHA: Oi!CITONHO: Tô chegando!Prepare- se para um combate amoroso, pra aproveitar um momento de desatenção do inimigo.PAI: Mas a vergonha agora acabou-se de vez!FRANCISQUINHA: Acabou, sim, senhor,que Citonho largou da outra mulher.CITONHO: Nós agora estamos sem vergonha nenhuma.PAI: Estou vendo!Pois tomem vergonha na cara, e vão fazer sem-vergonhicena casa de vocês.CITONHO: Mas eu larguei minha casapra gente morar aqui.PAI: Aqui, não.Pra ficar na delegacia,só se casar.FRANCISQUINHA: Ôxente, que besteira,a gente casa, não é não?CITONHO: Posso não, neguinha,que eu já sou casado.FRANCISQUINHA: De papel passado?!CITONHO: É... mas já está até meio amarelado.FRANCISQUINHA: É? Que nem você,seu amarelo safado.CITONHO: Calma, meu bem, eu vou dar um jeito de me casar com você.FRANCISQUINHA: Vai? Acho bom, porque senão eu dou um jeito de ser sua viúva.PAI: Cabo Citonho!CITONHO: Oi!

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PAI: Meta esse homem na cela.LELÉU: E eu vou andar a cavalo pra precisar de cela?CITONHO: A cela que ele está falando é com cê-cedilha.

FREDERICO: Por isso que eu tenho entojo de polícia.Agora deram pra acoitar marginal.DOUGLAS: Calma, cumpadi.O carinha não tem como correr.E se ficar o bicho pega.FREDERICO: Pego como,se eu não tenho como entrar?DOUGLAS: No dia do meu casamento vai ficar mais fácil.Vai ser o seu presente pro noivo.

CITONHO: Agora o senhor veja só,seu Leléu, nem mel nem cabaça!Larguei duma mulhere fiquei interditado da outra.LELÉU: Não tem mais jeito com a primeira?CITONHO: E eu aguento aquilo, mais nada.É Cicinho pra lá, Cicinho pra cá.LELÉU: E quem danado é Cicinho?CITONHO: E não sou eu? Duns tempos pra cá, pegou uma mania arretadade só falar coisas pela metade.Ela diz assim: ""Acho que vou deixar de comer carne de charque, Cicinho.Pergunte “por quê?” E eu tenho deperguntar: "Por quê?" Aí, ela diz.Há quem aguente, seu Leléu? Por isso que eu estou doido pra trocar.Mas onde é que eu arrumo um padreque me case se eu já sou casado?LELÉU: Cicinho, você pode perder aí uns três contos de reis nesse negócio.Agora me pergunte “por quê?”.CITONHO: Por quê?LELÉU: Porque eu sou praticante de uma igreja muito mais moderna que a católica.É a Igreja dos Adventistas pela Fé no Corpo Glorioso.Agora me pergunte “e daí?”.CITONHO: E daí?LELÉU: Daí que nessa igreja não tem padre.Quer dizer, todo mundo que tem fé nessa crença é padre. Agora pergunte: “e eu com isso?”CITONHO: E eu com isso?LELÉU: É que, você se convertendo à minha igreja, eu posso lhe casar.E agora me pergunte “pra que o dinheiro?”CITONHO: E pra que o dinheiro?LELÉU: Pra pagar o padre.CITONHO: O dinheiro eu arrumo, me pergunte “como?”LELÉU: Como?CITONHO: Francisquinha é mulher de muito pensar.Fez um pezinho de meia de quatro contos de réis.LELÉU: Essa Francisquinha é uma meninade ouro. Se derreter, dá um anel!CITONHO: Se dá. E ainda sobra pra um par de brincos.Tá vendo, seu Leléu. Bem que eu lhe avisei pra você não bulir com a moça.LELÉU: Nem carecia mandar me prender.Dona Lisbela já me condenou a viver sem ela.

PAI: Minha filha, que encantamento!Se a sua mãe fosse viva, ela ia botar pra chorar lhe vendo assim!DOUGLAS: Licença, tenente...LISBELA: Douglas!O noivo não pode ver a noivavestida antes do casamento.DOUGLAS: E só pode ver despida depois...É brincadeira.Tenente, vim lhe propor uma ideia pra barbarizar na festa do casamento.

PAI: Soldados, eu tive uma ideia arretada,que vai abrilhantar ainda mais o casamento de minha filha:nós vamos organizaruma guarda de honra.Hoje nosso batalhão formará na entrada da igreja para saudar os noivos com uma salva de tiros.CITONHO: Delegado, que mal lhe pergunte, e se o alagoano resolve fazeruma visita à cadeia logo hoje?PAI: Muito bem lembrado, cabo.Já que você tem que tocar corneta,aproveite pra ficar montando guarda.CITONHO: E eu vou enfrentar sozinho uma onça daquela? Aquilo é o cão do DOUGLAS: ° livro.PAI: Que rebelião é essa, cabo?!Está esquecido do seu posicionamento na hierarquia militar?Não sabe que eu estou aqui para mandar? Você está aqui pra obedecer! Feto rato!

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LELÉU: Dona Lisbela, a senhoratá tão linda de noiva.Se bem que eu preferia lhe ver de viúva.LISBELA: Como é que você ainda pode brincar numa hora dessas?LELÉU: Eu tenho a goela dura.Eu engulo a vida com as pedras.Mas eu quase morri de desgosto quando fui traído pela senhora.LISBELA: Eu só fiz o meu pai lhe prender para salvar a sua vida.Douglas contou que mandou matar você...LELÉU: Não precisa falar mais nada. Isso é que é prova de amor.LISBELA: Amor, não, piedade.Eu tive pena de lhe ver morto,e dei um jeito de você ser preso.Agora, o melhor mesmo era você ter fugido com aquela moça!LELÉU: "O amor é um estranho passarinho:canta sem ter pena,nasce sem ter ninho".Eu também ia fugir com ela,mas de pena, sem amor.Mas viver sem a senhora é o mesmo que viver morto.LISBELA: Por que que você é assim?Por que tem sempre que ficar vagando pelo mundo sem ficar com mulher nenhuma?LELÉU: Minha sina.Eu nasci num lugar chamadoSão José da Coroa Grande.Um dia, eu ouvi dizer queo Zepelim ia passar por lá.Foi um alvoroço!Eu devia ter uns oito anos.Quando eu vi aquela beleza atravessando o céu, eu me esqueci de tudo e fui andando atrás da claridade.Andando,andando, até me perder. E assim tem sido a minha vida, sempre me perdendo atrás do que é bonito.LISBELA: E vai terminar trancado numa prisão.LELÉU: Hoje eu tô vendo o sol quadrado, mas a vida é minha mãe.Mas vou dar um jeito desair daqui, vai ser logo.A Sra. vai ouvir falar.Vai dar uma complicação doida!LISBELA: Não posso fugir do meu casamento.A gente nunca mais vai se encontrar.LELÉU: A senhora não é noiva no coração.Só é noiva na mão e na palavra.LISBELA: Pois é, mas eu dei a minha palavra.E a minha mão.LELÉU: Fique mais um pouco, dona Lisbela.A senhora é a minha paz.Quando eu estou sozinho, o tempo demora demais a passar!LISBELA: Eu não posso, Leléu, está chegandoa hora do casamento.LELÉU: Já?Como o tempo passa ligeiro quando eu estou com a senhora!LISBELA: Por isso que tenho que me apressar.LELÉU: Fique mais um pouco.Eu juro que a senhora não vai perder seu tempo.LISBELA: Pra quê?Uma hora vai ter que acabar.LELÉU: Vai não.A gente vai viver esse minuto de um jeito que eu vou passar a vida inteirame lembrando.Esse beijo é o nosso casamento.LISBELA: Não, Leléu.Esse beijo foi a nossa despedida. LELÉU: Não.E a senhora não sabe que todo filme de amor se acaba em beijo?LISBELA: Eu sei.Mas já acendeu a luz do cinema.E agora vai começar minha vida.

DOUGLAS: Ôxente!Danou- se!

INAURA: Leléu, vai acontecer um desmantelo.Meu marido está vindo lhe pegaraqui na cadeia.LELÉU: Diabo de susto, Inaura!Fique descansada que eu estou sob a proteção do LELÉU: LELÉU: ° tiro de guerra.INAURA: Mas não tem nenhum guarda lá fora!LELÉU: Valha- me Deus!INAURA: Ai, e agora?LELÉU: Só se eu me fizer de morto.INAURA: Pense numa agonia!Ave Maria!É todo mundo querendo lhe matar.LELÉU: Todo mundo, não, minha filha.Seu marido!INAURA: Ah! Leléu, eu não sei como é que eu vou conseguir viver sem você.LELÉU: Ai, nem eu.Vou sentir uma falta danada de mim.INAURA: Também, quem mandou se oferecer praquela moça? Agora nem eu nem ela.LELÉU: Dona Lisbela não quer mais saber de nada comigo mesmo.Agora, você bem que podiame ajudar.

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INAURA: Só não sei se você merece.LELÉU: Adeus, Inaura.INAURA: Tá bom, tá bom, tá bom.E o que é que eu faço?LELÉU: Vá chamar o cabo Citonho.INAURA: Ôxen!E você acha que aquele tamborete vai aguentar o rojão do Frederico?LELÉU: O guarda é pra eu fugir, mulher!INAURA: Peraí. Guarda é pra prender ou pra soltar?LELÉU: É pra gente fazer ele de besta.INAURA: Ôxen!E besta ele não já é?Eita, diacho, quebrou...Fiz ontem.Gastei meu dinheiro todinho.LELÉU: Não tem pressa não, Inaura!Por que eu não deixei o boi enterrar os chifres naquele desgraçado?!Cabo Citonho!CITONHO: Qual é a emergência, prisioneiro?LELÉU: Já está tudo preparado para a lua-de-mel com sua nova esposa, cabo.CITONHO: Mas eu ainda não me casei.LELÉU: Mas eu posso casar o senhor mais ela é agora, sargento.CITONHO: Ah, mas eu ainda não pegueios três contos de réis.LELÉU: Deixe disso, Capitão.Agora é de graça.É só o senhor se converter à minhaigreja que eu posso lhe casar.CITONHO: Então me converta, ora!LELÉU: Já está convertido.CITONHO: Mas já?LELÉU: Pense numa igreja muito simples...CITONHO: E o casamento, como é que é?LELÉU: O casamento já foi!Vocês dois já estão casados perante a Igreja dos Adventistas pela Fé no Corpo Glorioso.CITONHO: E quando foi isso, que eu nem vi?LELÉU: Na mesma hora que eu lhe convertieu já lhe casei.CITONHO: O que eu mais gostei nessa igreja foi a praticidade.LELÉU: Agora venha pra cá e fique à vontadecom sua noiva, general Citonho.CITONHO: Desculpe, seu Leléu.É que eu não consigo ficar à vontade pra namorar na frente de um padre.LELÉU: Eu posso esperar lá fora, brigadeiro.CITONHO: Obrigado, viu, seu padre?LELÉU: O que é isso, presidente!CITONHO: Olhe...já devolvo sua cela. Que a coisa vai ser rápida que eu estou de facho aceso há muito tempo.FRANCISQUINHA: Que é isso?!CITONHO: Francisquinha, tá tudo resolvido!FRANCISQUINHA: Tudo o que, estrupício?CITONHO: Já fomos convertidos, abençoados, benzidos e casados.FRANCISQUINHA: Ôxente! Então agora só falta pecar.

FREDERICO: Que pouca-vergonha é essa aqui dentro da delegacia?!CITONHO: Não atire que eu tô desarmado!FREDERICO: Tá se vendo.O que você tem entre as pernas não mata nem passarinho.FRANCISQUINHA: Estava bem engatilhada,desarmou foi no susto.FREDERICO: Quem é essa mulher aí?CITONHO: Minha esposa, sim, senhor.FREDERICO: Mas é alimentar pinto com pão-de-ló.Um cabra frouxo que nem você arranjar uma mulher desse calibre.Deve ter ganho numa rifa.CITONHO: A gente faz o possível, chefe.FREDERICO: Cadê o moleque quetava preso aqui dentro?CITONHO: E não tá aqui fora não?Se não tá, fugiu.

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FREDERICO: Fugiu?! Fugiu pra onde?CITONHO: E eu sei lá.Se fugiu, não se sabe pra onde.Está implícito.FREDERICO: Mas esse Leléu escapa mais que sabão de barba!Vou é arrancar um dedo delepra cada contratempo desse.Sai pra lá!

FRANCISQUINHA: Bora, Citonho.Tu só quer saber de conversar.CITONHO: Ah, Francisquinha, pode recostar um pouco, que eu vou precisar, pelo menos, assim, de uns dez minutos pra retomar a linha do raciocínio.FRANCISQUINHA: É dose, né?!

PAI: Calma, minha filha,num instantinho acaba.LISBELA: É por isso, meu pai: é pouco tempo pra vida da gente mudar tanto.

INAURA: Finalmente vamos viver em paz.LELÉU: Só viver, pra mim já tá ótimo.Danou-se! Botaram o exército todo pra me pegar.INAURA: É não, homem. É a festa!LELÉU: Festa?INAURA: Pro casamento! Já já vai começar.Ave Maria!Com você, meu coraçãovive disparando, olhe só!Quando não é paixão é alvoroço.LELÉU: O meu é de paixão e de alvoroço.INAURA: Você tem razão: querer bem e se aventurar.É assim que a vida merece ser vivida.LELÉU: É, mas mesmo pra um homem mulherengo assim que nem eu, tem uma hora que o coraçãoquer é sossegar com alguém.INAURA: É que a paixão estávirando amor, meu bem.Eu sinto a mesma coisa...LELÉU: Eu estou falando de outra coisa.Quer dizer, a coisa é a mesma, mas é outro alguém.INAURA: Alguém que se chama Lisbela.LELÉU: Tava difícil dizer.Ainda bem que você disse.INAURA: Preferi dizer eu mesma, pra não morrer ouvindo da sua boca.LELÉU: Dona Lisbela é até menos carnuda, menos mulherão que você, mas é nela que eu tô enganchado.INAURA: E o que que você tem para oferecera ela? A mim você já desgraçou.Mas a ela não.Está casando agora.Vai ser mãe, dona de casa,tem um futuro inteiro pela frente.Fique comigo por amor a ela.LELÉU: Ninguém ama por tabela, Inaura.Essas coisas não têm explicação.Inaura, pegue esse ônibus pra São Paulo.Pegue!Lá Frederico não lhe encontra.Assim eu cumpro minha parte salvando a sua vida. Agora vou dar um jeito de cuidar da minha, ou morrer sozinho.INAURA: Não, peraí, então deixe eu ir também.Ela não vai nem ficar sabendo!LELÉU: E você acha que isso presta?INAURA: E você acha que está prestando do outro jeito?Você não vive sem ela e eu não vivo sem você.LELÉU: Posso não, Inaura.Mesmo que eu pudesse, você ia terminar com raiva de mim.E dizem que para cada mulher que odeia um homem é um ano a menos que ele vive.INAURA: Pois então você tá já se acabando.

LELÉU: ...magister sanctificaresacrus vox populis...Menininha, me ajudaris.Dominis, Dominis.Ainda bem que cheguei a tempum.Ficaris quietus,num falaris nominis.Dê um fim nesse casamentumet Espírito Santi. Amém... Tá bem.Largaris esse alesaduse me encontraris atrás da igrejas...

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...et Espírito Santis... Amém...DOUGLAS: Essa fumaça tá me deixando tonto.LISBELA: É mesmo. Que eu tô em tempo de ter uma bilora.

INAURA: Veja essa cachaça de amansar corno e bote uma lapada pra esse cabra aqui que ele está precisando.FREDERICO: Você quer o seu caixão com seis ou com quatro alças?INAURA: Tanto faz.Já o seu vai ter que ser bem comprido, que é pra caber os chifres.Se juntar suas galhas, um macaco,em uma semana, não dava vencimento.FREDERICO: Onde você esteve esse tempo todo?INAURA: Eu saí atrás de Leléu, ora pinóia! Não entendeu ainda não?FREDERICO: Ainda não.Mas vou lhe sangrar bem devagarinhoenquanto você me explica.INAURA: Explicar o quê?! Paixão não se explica.Morrer ligeiro ou devagar para mim dá no mesmo.FREDERICO: Se você veio aqui querendo aumentar minha raiva, tá jogando fósforo em fogueira acesa.INAURA: Só vim lhe dizer que o Leléu foi pro casamento, atrás de um rabo-de-saiade uma tal de Lisbela.E a não ser que tu seja muito frouxo, ela vai passar de noiva pra viúva sem sair da igreja.Eu quero morrer sabendo que ele vai me seguir bem depressa.Viver sem ele é pior do que morrer.FREDERICO: Se é isso que você quer, eu vou fazer o contrário.Te deixo viva sem ele, e faço duas viúvas pelo preço de uma.

PAI: Minha filha, foi a pressão que baixou.LISBELA: Já passou, meu pai.DOUGLAS: Isso é muita paixão, meu amor.LISBELA: Já passou, Douglas.PAI: Não se preocupem, está tudo bem.A cerimônia vai prosseguir normalmente.DOUGLAS: São tantas emoções.PAI: Eu gostaria de aproveitar o ensejo e agradecer, em nome dos noivos, evidentemente, os belíssimos presentes recebidos: um magnífico faqueiro com...INAURA: O peças banhado de prata, e acondicionado num estojinho lindo de veludo...brinde da família Souza Leão.

FREDERICO: O gavião está rondando o terreiro,cuidado com a ninhada.DOUGLAS: Hein?!FREDERICO: O amigo urso estápreparando outro abraço.DOUGLAS: Num tô entendendo xongas.FREDERICO: Vigie sua mulher, que aquele Leléu está vindo roubar ela!PAI: O prisioneiro fugiu?FREDERICO: Mas eu vou pegar.Nem que tenha que ir buscar no inferno!

CITONHO: Cabo Citonho às suas ordens.FRANCISQUINHA: Aleluia. Achei que ia terque esperar até sete de setembro pra ver você apresentar as armas.PAI: Que pouca-vergonha é essa aqui dentro da delegacia, homem?!CITONHO: Mas será o impossível! Essa mulher deve estar com o corpo fechado!FRANCISQUINHA: Você é que é muito demoroso, homem.PAI: Cadê o corpo de delito?CITONHO: Está lá fora esperando.PAI: Esperando o que, infeliz?CITONHO: Que terminasse essa pouca-vergonhaaqui dentro da delegacia.PAI: Mas eu estou muito bem arranjado com você!FRANCISQUINHA: Somos dois, tenente.Olha aí.Só vive na rua, essa marmota.

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CITONHO: Tenho que honrar meu posto,morena. Sou cabo do exército.FRANCISQUINHA: Oxe! De "cabo" tu só tem mesmo a patente.

PAI: Não se preocupem,está tudo sob controle.A cerimônia vai prosseguir normalmente.DOUGLAS: Tenente, Lisbela também fugiu.PAI: Fugiu?!Então eles fugiram juntos.DOUGLAS: Juntos?!E agora, tenente?Vai ser o maior vexame.PAI: Vá enrolando o povo.DOUGLAS: Felizmente está tudo na mais perfeita.Sem problemas, tranquilinho.

LISBELA: Vocês prenderam Leléu de novo, foi?CITONHO: Não, senhora.PAI: Vai me dizer que tu ia fugir com ele?LISBELA: Eu ia com ele, com nome,corpo, coração e tudo.Mas ele não apareceu.PAI: Onde é que foi que vocês marcaram encontro, minha filha?LISBELA: Eu não vou ajudar o senhora capturar ele!PAI: Aquele safado enganou você.Lhe deixou esperando na estrada feito um cachorro.

DOUGLAS: Tudo totalmente azulcom bolinhas brancas...Amor!PAI: Está tudo bem, está tudo calmo.Fiquem calmos, a cerimônia vai prosseguir normalmente.LISBELA: Vocês todos me perdoem,mas eu desisti do casamento.PAI: Minha filha tá doida varrida.DOUGLAS: Tu tá muito louca,Lisbela, muito louca.LISBELA: O amor me chamou pra um outro lado,e eu fui atrás dele.Eu pensei que se eu não fosse, a minha vida inteira ia ser assim,vida de tristeza, vida de quem quis de corpo e alma,e mesmo assim não fez.Aí, eu fui.Eu fui e vou toda vez que o amor me chame,vocês me entendem?Como um cachorrinho,mas coroada como uma rainha!Vou feito um andor,na frente da procissão.Leléu!PAI: Soldados, metam uma bala no homem,antes que ele fuja.LISBELA: Não!LELÉU: Calma, minha gente, nada de alvoroço. Eu vim me entregar.LISBELA: O que é que houve, Leléu?Você não pôde ir ao nosso encontro?LELÉU: Eu pude.É que eu pensei melhor, e vi que era grosseria eu fazer isso com a senhora.A senhora não merecea incerteza da minha vida.Eu não tenho eira nem beira.LISBELA: Não precisa continuarme chamando de senhora.LELÉU: Pois é o que a senhorahá de ser pra mim sempre.Chamar de "você" é um exagero.Eu não mereço tanto.DOUGLAS: Por que que tu não foi embora,hein, cara? Qual é a tua de voltar?Não se toca não, não se toca não?!LELÉU: Eu vim pra morrer, chefe.Pra morrer à bala.LISBELA: Não!LELÉU: Pra Dona Lisbela saber pro resto da vida que eu morri por causa dela.LISBELA: É a última vez que lhe faço um pedido, meu pai.Deixe eu ir embora com Leléu.PAI: Se me pedir isso mais uma vez, dou-lhe uma chibatadana frente de todo mundo.DOUGLAS: Tu pirou legal, Lisbela? Legal, aí!LISBELA: Minha Nossa Senhora!Pela derradeira vez,meu pai, me deixe ir com ele.PAI: Insolente!FREDERICO: Vamos entrando, pessoal.Sejam bem-vindos. Sintam-se como se estivessem em casa.PAI: O que é que você quer?FREDERICO: "Você" não, que eu não sou seu parceiro,não lhe dei intimidade.DOUGLAS: Estou contigo pro queder e vier, meu chapa.

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FREDERICO: Fale feito homem!DOUGLAS: Estou com o senhor e não abro nem com a molesta.FREDERICO: Acho bom. Que pra eu dar um tiro num é como quem vai ali e já volta.PAI: Se o seu negócio é com esse homem,resolva logo e nos deixe em paz.LISBELA: Pai, não deixe ele matar o homem da minha vida!LELÉU: Você não disse que ia matar o meu maior inimigo?FREDERICO: Promessa feita.Vou matar o tenente primeiro.LISBELA: Não, Leléu, não deixe ele matar o meu pai!LELÉU: Mas o meu maior inimigo não é ele não! Meu maior inimigo é você, que está querendo me matar.FREDERICO: Você é um tagarela esperto, rapaz.LELÉU: Agora pra cumprir a sua palavra você vai ter que se matar.FREDERICO: Vou fazer o que você falou porque sou um homem honrado.Mas, nesse caso, a ordem das coisas altera o resultado.Te mato primeiro, porque primeirojurei acabar com a tua raça;depois me mato, porque foi só depoisque fiquei lhe devendo a vida.LISBELA: Não!FREDERICO: Sai pra lá, que mulher quando chora o cabra demora mais a morrer.LELÉU: Mas você vai me matar logo aqui, Frederico Evandro?FREDERICO: Pra você não dizer que sou mal-agradecido, primeiro vou tirar você desse chiqueiro, depois lhe mato.Jurei lavar minha honra, mas você não vai morrer numa cela.LELÉU: Tanta coisa boa na vida, tanta mulher bonita no mundo, e eu aqui morrendo de novo.FREDERICO: Nos vemos daqui a pouco lá em cima.

(filme)No episódio anterior, o famigerado Frederico Evandrose preparava para atirar em Leléu...LELÉU: Tanta coisa boa na vida, tanta mulher bonita no mundo, e eu aqui morrendo de novo.FREDERICO: Nos vemos daqui a poucolá em cima.(filme) ...mas antes que o matador puxe o gatilho, surge Lisbela, e atira em Frederico, que cai mortalmente ferido.LELÉU: Ôxente!Eu tô feito super -homem, é?A bala bateu e voltou, foi?PAI: Minha filha, você matou um homem! LELÉU: Dona Lisbela,minha bandeira brasileira.DOUGLAS: Mas por que que tu fez isso?CITONHO: Mas ele já ia se matar mesmo.LELÉU: Nosso destino está resolvido.Agora só tem um jeito.Doutor delegado, deixe ela ir embora comigo! Agora sou eu que quero ir.DOUGLAS: Ela não vai com tu não, cara. Ela é minha noiva!LELÉU: Ela tem que desaparecer.Sabe essa gente como é.Sempre tem um da família que aparece para vingar a morte deles.Ela vai embora comigo.Não me custa nada mudar outra vez de nome, de profissão.DOUGLAS: E de mulher!PAI: Acabem com essa discussão idiota.Preciso salvar minha filha da cadeia,e também desse nome de assassina. Esse é um nome horroroso.LELÉU: Então, tenente, ela pode ir?CITONHO: Ela tem que ir.Se a moça não desaparece, mais diamenos dia chega alguém aquipara vingar o finadoFrederico Evandro.LELÉU: Se ela não for comigo,tenente, morre.LISBELA: Mesmo sem isso, eu vou.Debaixo ou em cima da terra,sem ele eu estou morta.DOUGLAS: Ele vai lhe abandonar, Lisbela,como fez com as outras.LISBELA: Não importa.Eu quero queimar minha vida de uma vez só, num fogo muito forte.Eu quero ir, meu pai.

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PAI: Vá, minha filha. Vá.Vá!E seja feliz... Se puder.Que história é essa?! O revólver de Lisbela tá com todas as balas dentro!CITONHO: Ôxente!E o valente morreu foi de susto, é?(filme)No episódio anterior, o famigerado Frederico Evandro se preparava para atirarem Leléu...LELÉU: De novo?!FREDERICO: Nos vemos daqui a pouco lá em cima.(filme)...nesse exato momento, surge Lisbela, pronta para defender seu amado. Mas antes que ela puxasse o gatilho, aparece Inaura, e atira em Frederico, que cai mortalmente ferido.LELÉU: Ôxente!Tô feito super-homem?!Dona Inaura, minha bandeira... pernambucana!Eu nem sei como lhe agradecer.INAURA: Nem precisa.O amor que eu lhe tenho é de graça.Da outra vez que você salvou Leléu de Frederico, eu tive bem muita invejado seu amor por ele.E foi por invejado seu amor por ela que eu mandei Frederico acabar com você.Mas eu senti uma dor tão grande, que entendi que meu amor é maior do que qualquer inveja.LISBELA: Você matou seu marido pra salvar o meu.INAURA: Frederico se casou comigo,mas era amante da morte.Vivia agarrado com ela.E eu acabei jogando meu marido nos braços da amante dele.Só eu podia te matar, Frederico.E só tem eu pra chorar tua morte.Agora que aprendi a matar me aproximei mais de ti.Matar foi o ofício que me legaste de herança.

FRANCISQUINHA: Deus na frente, paz na guia, lhe acompanhe Jesus e a Virgem Maria.PAI: Graças a Deus... consegui livrar minha filha da cadeia e desse nome de assassina. Isso é um nome horroroso.DOUGLAS: Tenente, agora que a gente já sabe que Lisbela não deu o teco na fera, ela não precisa mais fugir.LISBELA: Mesmo sem isso, eu vou.Debaixo ou em cima da terra,sem ele eu estou morta.DOUGLAS: Ele vai lhe abandonar,Lisbela, como fez com as outras.LISBELA: Não importa.Eu quero queimar minha vidade uma vez só, num fogo muito forte.Eu quero ir, meu pai.PAI: Vá, minha filha.Vá!E seja feliz... Se puder.DOUGLAS: Pô, é revoltante!Aí, esse carinha vai terminar se dando bem?!CITONHO: Não adianta, meu filho. Quem nasceu pra cangalha nunca bota cela.PAI: Você não tem sentimento não, é?Depois de tudo isso que aconteceu aqui você ainda tem coragem de achar graça?(risos)PAI: Eu não quero ninguém achando graça aqui!DOUGLAS: Sim, senhor!PAI: Fiquem tristes!DOUGLAS: Tenente, sabe de uma coisa?As passagens já estão compradas,o hotel reservado... Eu vou é me mandar pro Rio de Janeiro.PAI: Muito bem, quem sabe o senhor não arranja uma esposa por lá, hein?DOUGLAS: É isso aí!As garotas daqui são muito atrasadas.PAI: Mas da próxima vez tome cuidadopra não ver a noiva vestida antes do casamento, que dá um azar arretado.

INAURA: O cabra que está subindo aí,meu Pai, era meu marido.Se é verdade que a morte iguala a todos, então ele igualou muita gente.E agora que ele se igualou com todo mundo, receba Frederico com carinho.Afinal, se o Senhor quis que a morte fosse certa, ele foi só o Seu ajudante.

LISBELA: Quem que te deu esse nome de Leléu?LELÉU: Ninguém me deu não.Eu mesmo que inventei.LISBELA: Você já teve muitos nomes, é?LELÉU: Mané Gostoso.Professor Zokhan.Patrick Mendel.Ramon Gonzales.Um pra cada profissão,um pra cada cantinho do mundo.LISBELA: Eu também, eu já tive muitos nomes, meu filho.LELÉU: lh, meu filho.

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LISBELA: Ava Gardner, Veronica Lake, Rita Hayworth, Lauren Bacall.Mas agora com você eu me sinto num filme de verdade.LELÉU: É! Lisbela e o Prisioneiro.O nosso filme nunca vai ter fim.LISBELA: Espere um pouquinho!LELÉU: Ôxe! Que foi?!LISBELA: É que o melhor do cinema é o jeito que termina.LELÉU: E como é isso, hein?LISBELA: Adivinha.LELÉU: Com todo mundo olhando?LISBELA: É só no começo,depois o filme acaba.LELÉU: Então tá bom da gente se apressar, porque o povo já entendeu que tá acabando e é capaz de começar a sair sem prestar mais atenção na gente.LISBELA: É.Mas talvez nessa sala tenha pelo menos um casal apaixonado que vai assistir até o finalzinho.E mesmo depois do filme acabar, eles ainda vão ficar parados um tempão, até o cinema esvaziar todinho.E aí vão se mexendo devagar, como se estivessem acordando, depois de sonhar com a história da gente.LELÉU: Tomara que eles tenham gostado.