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Risco aviário e resíduo sólido urbano:
a evolução, a realidade nacional e a
responsabilidade do poder público na prevenção
de acidentes aeronáuticos
Henrique Rubens Balta de Oliveira
Instituto Tecnológico de Aeronáutica
Palavras Chave: resíduos sólidos urbanos, responsabilidade civil, risco aviário.
BIOGRAFIA
Henrique Rubens Balta de Oliveira. Oficial Aviador da Força
Aérea Brasileira. Instrutor de voo em aviões. Investigador
Júnior de Acidentes Aeronáuticos. Oficial de Segurança de
Voo. Revisor Científico da Revista Conexão SIPAER, do
Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes
Aeronáuticos – CENIPA. Atualmente é aluno do curso de
Mestrado em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade
Continuada, do Instituo Tecnológico de Aeronáutica – ITA.
RESUMO
Este estudo apresenta a relação de dependência entre o risco
aviário e a oferta de material orgânico nas cidades brasileiras.
No início, o risco aviário é definido e caracterizado como um
fator de preocupação para a aviação mundial. Em seguida, o
estudo mostra a evolução no gerenciamento dos resíduos
sólidos urbanos no país, a avaliação de um empreendimento
de deposição final, realizada por pesquisadores da
Universidade Católica de Goiás, e a condição encontrada
atualmente no Município de São José dos Campos. À
continuação, é abordada, por breve revisão bibliográfica, a
responsabilidade civil existente na relação lixo exposto –
aviação, concretizando a interdependência à primeira vista
inexistente, bem como é mostrado que com ações
coordenadas a indústria aeronáutica nacional criará a
demanda para as mudanças necessárias que os municípios
devem realizar no sentido de cumprirem sua função social,
contribuindo para mitigar o risco aviário nos aeródromos
públicos brasileiros.
INTRODUÇÃO
A população brasileira dobrou nos últimos quarenta anos
(IBGE, 2004), criando um déficit habitacional de oito
milhões de moradias e o crescimento desordenado de
assentamentos informais em locais de risco, sem garantia de
qualidade de vida aos moradores (QUINTO, 2007).
Nesse período, a maioria dos grandes aeroportos brasileiros
já havia sido construída em locais distantes dos centros
urbanos (INFRAERO, 2011). Esses ‘novos’ assentamentos
acabaram sendo atraídos pela infraestrutura básica requerida
pelos aeródromos, principalmente, a facilidade de conexão
aos centros urbanos. Isto é, transporte dos moradores para
seus locais de trabalho.
Todavia essa situação gera diversos problemas tanto aos
aeródromos como aos moradores. Dentre eles, a ausência da
infraestrutura de saneamento básico e de coleta regular de
resíduos domiciliares, que atraindo aves acaba representando
risco à aviação. Com o aumento da probabilidade de colisões
com aves, que podem derrubar as mesmas aeronaves sobre as
áreas habitadas, causando acidentes com múltiplas vítimas.
Isso sem mencionar o ruído aeronáutico, que acaba causando
transtornos à população que não deveria habitar áreas tão
próximas dos aeroportos. Como dito por Jatene (2007, p. 83)
“[...] se promoveu uma urbanização rápida e completamente
equivocada, colocando grandes massas de população a morar
em áreas onde os serviços essenciais e a infraestrutura não
existiam, criando problemas futuros”.
Diversos textos relevantes ratificam a importância desse
assunto, desde a Constituição Federal (CF), que desde 1988
obriga os municípios, através do plano diretor que é
obrigatório para todos os municípios com mais de vinte mil
habitantes, a planejar e controlar o uso e a ocupação do solo
urbano, para ordenar o desenvolvimento das funções sociais
das cidades, garantindo assim o bem-estar dos habitantes
(BRASIL, 1988).
Outras leis e dispositivos infralegais, como a Lei 11.445, que
estabeleceu as diretrizes da Política Nacional de Saneamento
Básico (PNSB); a Lei 12.305, que ratificou a validade das
Normas do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e
Qualidade Industrial (Sinmetro), e, por conseguinte, das
normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT); a Resolução n° 4/95 do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama), que criou a área de segurança
aeroportuária, com 20 quilômetros de raio em torno dos
aeródromos públicos nacionais; e o recente Plano Básico de
Gerenciamento do Risco Aviário (PBGRA), que ratificou e
renomeou essa área para fins aeronáuticos, além de ter
pontuado os aeródromos prioritários ao gerenciamento do
risco aviário e ter introduzido outros conceitos básicos
inexistentes até então. No entanto, a ineficiente fiscalização
no setor de resíduos sólidos urbanos (RSU) ainda permite
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distorções, como será mostrado adiante, através do trabalho
dos pesquisadores da Universidade Católica de Goiás (UCG).
Nos últimos anos, o Brasil vem experimentando um
período de estabilidade econômica, que tem tornado o
transporte aéreo mais acessível, observando-se um acréscimo
nos voos comerciais da ordem de 50% nos últimos cinco
anos (INFRAERO, 2012). Combinado a isso, vários
aeródromos brasileiros estão circundados por cidades em
crescimento espontâneo, onde a oferta de lixo atrai grande
quantidade de aves, e ainda estimula o seu crescimento
populacional, aumentando a exposição de ambas às colisões,
contribuindo para o aumento do tipo de incidente mais
repetitivo na aviação – a colisão com aves ou outros animais.
Essa situação, traduzida em termos de probabilidade e de
severidade cria o risco aviário. Isto é, o risco decorrente do
uso concomitante do mesmo espaço, no ar e no solo, por
aeronaves e aves ou outros animais (BRASIL, 2011a).
O RISCO AVIÁRIO
A primeira colisão fatal de aeronave com ave completou há
poucos meses o primeiro século, mas a solução definitiva e
única para esse tipo de evento, que já causou a morte de pelo
menos 276 somente na aviação civil internacional (THORPE,
2012), ainda está longe de ser descoberta. Na verdade, a
convivência tem sido cada vez mais dificultada por aeronaves
bimotoras, mais rápidas, silenciosas e eficientes (BEGIER
ET AL., 2012), que reduzem drasticamente o tempo de
reação de tripulações e de aves para evitar as colisões. O
senso comum internacional aponta para o gerenciamento
coletivo através da interação de vários setores.
No Brasil, há dois acidentes registrados com vítimas fatais,
em 1962, no Rio de Janeiro e em Guaratinguetá, em
consequência de colisões de aeronaves militares com aves
atraídas por material orgânico (BRASIL, 2011b). Há ainda
um acidente com vítima fatal, que apresenta fortes indícios
de ter sido provocado pela colisão de uma aeronave civil com
um urubu-de-cabeça-preta (BRASIL, 2009).
Como ainda não existe ferramenta disponível aos
investigadores para escrutinar tal possibilidade, durante a
ação inicial de acidentes aeronáuticos, torna-se difícil afirmar
que esse evento seja realmente consequência de uma colisão.
Do mesmo modo, é impossível afirmar que não tenham
ocorrido outros acidentes devido à colisão com aves e outros
animais, mas não há modo de recuperar tais informações,
após a ação inicial ter sido realizada.
De acordo com o que foi dito, até a emissão do PBGRA em
09 de maio de 2011, ainda não havia várias definições
básicas, como por exemplo, a do evento ‘colisão com ave’.
Essa condição produzia interpretações diversas e,
consequentemente, contribuía para que diversos eventos
fossem simplesmente ignorados por falta de conhecimento.
O PBGRA tem o objetivo estimular o desenvolvimento de
planos locais nos aeródromos brasileiros, permitindo o
gerenciamento sistêmico do risco aviário, através da divisão
de tarefas na coleta, análise, registro e publicidade dos dados
de colisões, quase colisões e avistamentos, bem como na
interação entre as autoridades aeronáuticas e ambientais
brasileiras e o poder público municipal no estabelecimento e
na operação de atividades atrativas, ou com potencial de
atração de aves, dentro da área de gerenciamento do risco
aviário (AGRA), também definida naquele plano como a
“área circular com centro no ponto médio da pista do
aeródromo e raio de 20 km” (BRASIL, 2011a, p. 7).
Isso se deve basicamente à distribuição das colisões com
aeronaves civis, que ocorrem em 94% das vezes dentro da
AGRA do aeródromo de origem ou de destino (OLIVEIRA,
2009). Portanto, as aeronaves passam a ocupar o mesmo
espaço que a maioria das aves utiliza regularmente, tornando-
se fundamental monitorar essa área, que é responsabilidade
dos municípios, em busca de condições que estejam levando
as aves a cruzar as trajetórias das aeronaves.
Atualmente, o Comando da Aeronáutica (COMAER) é
responsável por esse levantamento, mas, devido à falta de
pessoal e, em especial, de pessoal especializado, somente os
focos atrativos localizados até nove quilômetros de distância
dos aeródromos estão sendo identificados. A condição ideal é
monitorar os focos dentro da AGRA, no mínimo
mensalmente, mas isso só poderá ser alcançado se cada
operador aeroportuário assumir essa atribuição. Assim, o
operador terá ciência exata da presença de aves no entorno e
poderá conduzir apropriadamente o seu plano de
gerenciamento no aeródromo.
O COMAER está coletando as informações dos focos
atrativos, através dos Serviços Regionais de Investigação e
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SERIPA), que as
compila no Relatório Descritivo (RD) de cada aeródromo da
Lista de Aeródromos Prioritários para o Gerenciamento do
Risco Aviário (LAPGRA).
Ao se observarem alguns desses RD, verificam-se fotografias
de vários locais denominados como aterros, onde existe
grande acúmulo de resíduos sólidos a céu aberto, tornando
impossível a realização de procedimentos mandatórios que
serão descritos posteriormente, além da deficiência dos
serviços de coleta de RSU, que deixa grande quantidade de
material exposto nas áreas próximas dos aeródromos
pesquisados.
No PBGRA, consta ainda que os Comandos Aéreos
Regionais (COMAR) são os responsáveis pela emissão da
decisão final do COMAER sobre a implantação ou a
renovação da licença de operação de empreendimentos que
se configurem como atividades atrativas ou com potencial de
atração de aves no interior da AGRA, cabendo ao
responsável pelo empreendimento consultar oficialmente o
respectivo COMAR (BRASIL, 2011a).
Em 2011, foram registradas quase 1500 colisões de
aeronaves com aves e outros animais no país (BRASIL,
2012), um aumento da ordem de 50% em relação a 2010. Isso
não se traduz exclusivamente no aumento do movimento das
aeronaves e das colisões em si, mas também ao aumento de
conhecimento e da conscientização da comunidade
aeronáutica de que eventos dessa natureza devem ser
reportados, pela definição concreta do que sejam esses
eventos, bem como pela disponibilidade da nova ferramenta
de reporte via internet, o Sistema de Gerenciamento de Risco
Aviário (SIGRA).
É fundamental considerar a necessidade de disponibilizar
várias ferramentas que possibilitem o envio de informações
de interesse. O SIGRA facilita esse processo, proporcionando
também a consulta ao banco de dados nacional, através do
website do Cenipa. Nesse ponto, cabe reafirmar a
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importância de utilizar as instruções de preenchimento, para
que cada reporte seja mais preciso, facilitando a revisão, a
correção e a aprovação deles, trabalho incansável que requer
pessoal treinado e dedicado na Seção de Gerenciamento de
Risco Aviário do Cenipa.
Com a introdução do Safety Management System pela
International Civil Aviation Organization (ICAO),
denominado no Brasil como Sistema de Gerenciamento da
Segurança Operacional (SGSO), surgiu a necessidade de
definir indicadores de desempenho e objetivos mensuráveis.
Portanto, coletar dados se tornou ainda mais necessário para
orientar ações de prevenção reativas, proativas e preditivas.
Segundo Dolbeer e Wright (2009), a utilidade dos bancos de
dados deve ser maximizada pela melhoria da qualidade de
cada reporte, mas isso requer treinamento e divulgação das
ferramentas de reporte disponíveis, bem como seriedade e
dedicação na revisão e na aprovação de cada reporte, não
sendo aceita a simples inserção dos dados brutos recebidos
pelas fichas de reporte.
Dolbeer e Wright (2009) analisaram dados de 1990-2007 e
ranquearam as espécies mais perigosas para a aviação nos
EUA, através da severidade das colisões, expressa pela
existência de danos, pela quantidade de colisões envolvendo
múltiplos indivíduos e pelos efeitos negativos no voo (EOF),
como: abortiva de decolagem, perda de empuxo e corte de
motor, pouso de precaução. Dentre os objetivos desse
ranking está o seu uso pelos operadores aeroportuários,
reduzindo o tempo de reação, após a detecção das espécies
em vistorias na área operacional, até a aplicação de medidas
ativas diretas sobre os indivíduos encontrados, reduzindo o
risco total às operações aéreas de forma proativa, sem utilizar
desnecessariamente medidas de dispersão inadequadas às
espécies encontradas.
Na Tabela 1, pode-se concluir que é fundamental a exclusão
de animais terrestres da área operacional, tendo em vista a
severidade dos danos produzidos em colisões com essas
espécies. Também se observa que, no Brasil, existem duas
espécies de aves mais perigosas que o ganso canadense,
envolvido na amerissagem, em 15 de janeiro de 2009, em
Nova Iorque (SIGRIST, 2009). As demais linhas sombreadas
destacam outras espécies presentes no país.
Tabela 1 – Ranking de espécies por porcentagem de colisões com danos,
de 1990-2007, nos EUA (Adaptado de DOLBEER, WRIGHT, 2009)
Posição Espécie
(nome comum) Quantidade
de reportes
Porcentagem de colisões (com)
Danos EOF Múltiplos
indivíduos
1 Veado-mula 36 86 56 8
2 Veado-de-
cauda-branca 712 82 49 9
5
Urubu-de-
cabeça-
vermelha 289 52 34 4
6 Urubu-de-
cabeça-preta 37 51 46 14
7 Ganso-
canadense 1109 51 27 43
13 Cachorro
doméstico 27 30 56 0
18 Águia-
pescadora 135 22 14 2
22 Garça-branca-
grande 36 19 17 17
23 Jacurutu 68 18 9 1
27 Pombo-
doméstico 1459 12 11 36
30 Garça-
vaqueira 150 11 15 27
Observa-se também que não somente o peso das espécies
deve ser considerado, mas também sua tendência ao voo em
grupo, já que mesmo pequenas aves podem oferecer risco à
segurança de voo. Mais importante que a massa de cada
indivíduo é a massa total que atinge a aeronave,
especialmente quando isso envolve a ingestão pelo motor
durante as fases de decolagem e subida, quando a velocidade
rotacional do motor estará elevada, produzindo maiores
danos às palhetas (blades). A energia desse impacto pode ser
calculada, de forma aproximada, pela equação newtoniana de
energia cinética (ESCHENFELDER, 2005).
Fórmula 1 – Energia Cinética e de impacto em colisões de aeronaves
com aves
Para exemplificar, uma aeronave voando a 130 nós (66,87
m/s), ao colidir com um urubu-de-cabeça-preta (Coragyps
atratus) mediano adulto, pesando 1,6 kg, sofrerá um impacto
próximo a 3600 quilogramas-força-metro. Isso significa, na
prática, o mesmo que 3,6 toneladas caindo de 1 metro de
altura. Caso a colisão ocorra após a decolagem, com a
aeronave voando a 250 nós, o impacto seria de mais de 13
toneladas (BRASIL, 2011b).
Após terem sido observados esses aspectos, torna-se
perceptível a necessidade de gerenciar o risco aviário além
dos limites dos aeroportos, criando sinergia junto aos
responsáveis pelas áreas circunvizinhas, a fim de minimizar
os fatores de atração de aves em toda a AGRA.
Portanto, a gestão dos RSU deve fazer parte desse processo,
já que cada vez mais as cidades crescem e a ocupação
desordenada é fator limitante até mesmo para a abrangência e
a eficácia dos sistemas de coleta, transporte, separação e
destinação final de resíduos, o que acaba por prejudicar o
bem estar da população, a conservação do meio ambiente e a
segurança da aviação brasileira.
OS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS NO
BRASIL
Segundo Jardim e Wells (1995), em média, a matéria
orgânica constitui 65% dos resíduos sólidos domiciliares. Isto
é, alimento em abundância que estimula o crescimento
populacional das aves e sua concentração na região. Para
entender como tem evoluído o gerenciamento dos RSU nos
últimos anos, será feita rápida análise dos dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Associação
Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos
Especiais (ABRELPE).
Na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do ano 2000
(PNSB 2000) se constata clara “volubilidade operacional no
setor”. A pesquisa fornece dados que permitem conhecimento
detalhado [...], mas não assegura que a qualidade [...] esteja
consolidada, mesmo em curto prazo. [...] os sistemas de
limpeza urbana são constituídos essencialmente de
serviços, os quais necessitam, para sua operação, do pleno
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engajamento da administração municipal [...]. Isto gera
fragilidade do setor, especialmente em épocas de mudanças de administração e renovações contratuais. Um aterro
sanitário pode se transformar em um lixão em questão de
dias, bastando que os equipamentos ali alocados não estejam disponíveis (IBGE, 2002, p. 49).
Foi ainda relatado que a origem das informações em 88% dos
casos foi o próprio executor do serviço, isto é, a prefeitura
municipal, e prosseguiu afirmando que “alguns informantes
podem ter sido demasiadamente otimistas de modo a evitar a
exposição de deficiências do sistema” (IBGE, 2002, p. 49). À
época, consta que mais de 69% de todo o lixo coletado estava
tendo destino correto, seja em aterros controlados (22,3%) ou
em aterros sanitários (47,1%). Evolução extraordinária para
um tipo de obra de engenharia que requer recursos
consideráveis para construção e manutenção das atividades,
já que, em 1989 somente 10,7% dos municípios vazavam
seus resíduos de forma adequada. Adiante ficará claro que os
aterros controlados não são uma forma adequada de
deposição de resíduos, constituindo-se apenas em um
paliativo. Essas informações denotam o baixo controle
existente no setor de resíduos sólidos pelos administradores
públicos, aparentando irrelevante preocupação nas três
esferas de poder público, em total desacordo com a carta
magna de1988, naquela época válida há mais de dez anos.
É de conhecimento geral que o lixo, incorretamente
manejado, é um grande problema de saúde pública e
ambiental, causando inúmeras doenças e facilitando o
crescimento da população de vetores transmissores de outras
tantas, através de animais e insetos contaminados. O
tratamento e a deposição final devem ser cercados de
cuidados para evitar contaminação de pessoas, do solo e da
água, podendo causar enfermidades como: esquistossomose,
verminose, amebíase, shigueloses, febre tifoide, cisticercose,
cólera, disenteria, filariose, giardíase, leishmaniose,
leptospirose, peste bubônica, salmonelose, toxoplasmose,
tracoma, triquinose e pelo menos mais outras nove doenças
(DESTINO..., 2003?).
Na leitura da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do
ano 2008 (PNSB 2008), causa certa estranheza a definição de
que o município “[...] tinha serviço de manejo de resíduos
sólidos quando este existisse em pelo menos um distrito, ou
parte dele, independentemente da cobertura e frequência [...]”
(IBGE, 2010, p. 25). Ora, não parece sensato definir tal
parâmetro como válido, uma vez que o serviço de manejo
para surtir efeito de proteção ambiental, da saúde da
população e da segurança da aviação precisa ter abrangência,
regularidade e confiabilidade. Isso seria o mesmo que afirmar
que existe tratamento de água em uma cidade, com tal
serviço atingindo uma residência, durante um dia por mês.
Cabe esclarecer que o serviço de manejo compreende: a
coleta, a limpeza pública e a destinação de resíduos sólidos.
De acordo com a Tabela 103, da PNSB 2008, dos 5.564
municípios brasileiros, 5.562 tem serviço de manejo de
resíduos sólidos (IBGE, 2010), índice invejável até mesmo
para países de primeiro mundo.
A partir de 2008, os dados indicam que a geração de RSU
tem aumentado 7,25% a cada ano, em média, no Brasil,
enquanto a coleta aumentou 7,85% no mesmo período,
indicando discreta melhora na abrangência dos serviços
(ABRELPE, 2011). Cabe ressalva que a coleta regular é
fundamental para reduzir o tempo dos RSU nas ruas,
reduzindo o espalhamento por animais e a possibilidade de
serem arrastados pelas chuvas, contribuindo para
alagamentos.
A população tem papel fundamental ao acondicionar
adequadamente seus RSU, evitando colocá-los nas ruas
demasiadamente antes do horário da coleta, bem como
exercendo pressão sobre o poder público para a manutenção
da qualidade dos serviços de saneamento básico. Todavia,
segundo Turci (2012), apesar de 68% de a população saber
quem é o responsável por esses serviços, 75% desse público
não exerce seu direito de cobrar por melhorias, que
contribuiriam para evitar a proliferação de doenças na
comunidade. Já o poder público, deve cumprir seu papel
constitucional, através de campanhas educacionais e da
regularidade nos serviços de coleta e de destinação final de
RSU.
A seguir, será dada atenção a essa parte do processo de
gerenciamento, sendo indispensável à introdução de algumas
definições para a compreensão do vindouro. Aterro sanitário de resíduos sólidos urbanos é a técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar
dano à saúde pública e à sua segurança, minimizando os impactos ambientais, método este que utiliza princípios de
engenharia para confinar os resíduos sólidos à menor área
possível e reduzi-los ao menor volume permissível,
cobrindo-os com uma camada de terra na conclusão de
cada jornada de trabalho, ou a intervalos menores, se
necessário (ABNT, 1992, p. 1, grifo nosso).
Essa definição foi ratificada na norma 15849:2010 da ABNT.
Devido ao elevado montante de recursos necessários à
construção de um aterro sanitário, solução paliativa é a
seguir definida. Aterro controlado de resíduos sólidos urbanos é a técnica
de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos ou riscos à saúde pública e à segurança,
minimizando os impactos ambientais, método este que
utiliza princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos, cobrindo-os com uma camada de material
inerte na conclusão de cada jornada de trabalho (ABNT, 1985, p. 2, grifo nosso).
Com o objetivo de deixar claras as diferenças apresentadas
nas duas definições anteriores, a seguir são mostradas as
definições extraídas do glossário da PNSB 2008. Aterro controlado é o local utilizado para despejo do lixo
coletado, em bruto, com cuidado de, diariamente, após a jornada de trabalho, cobrir os resíduos com uma camada de
terra, de modo a não causar danos ou riscos à saúde pública
e à segurança, bem como minimizar os impactos
ambientais (IBGE, 2010, p. 185, grifo nosso).
Aterro sanitário é a instalação de destinação final dos
resíduos sólidos urbanos através de sua adequada
disposição no solo, sob controles técnico e operacional permanentes, de modo a que nem os resíduos, nem seus
efluentes líquidos e gasosos, venham a causar danos à
saúde pública e/ou ao meio ambiente. Para tanto, o aterro sanitário deverá ser localizado, projetado, instalado,
operado e monitorado em conformidade com a legislação
ambiental vigente e com as normas técnicas oficiais que regem essa matéria (IBGE, 2010, p. 185, grifo nosso).
Abaixo são ressaltados os níveis de impacto ambiental nos
empreendimentos, os dois tipos são adequados à prevenção
do risco aviário, já que é previsto em todos os casos que seja
feita efetivamente a cobertura dos RSU com material inerte.
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Figura 1 – Perfil longitudinal de aterro sanitário (LIXÃO..., 2008?)
Figura 2 – Perfil longitudinal de aterro controlado (LIXÃO..., 2008?)
De acordo com Oliveira e Pontes (2012), é fundamental à
prevenção do risco aviário que na operação dos aterros
sanitários, localizados até 20 quilômetros dos aeródromos
públicos brasileiros, seja efetivamente realizada a cobertura
dos RSU com material inerte ao término de cada jornada de
trabalho, ou em intervalos menores se necessário, a fim de
evitar a oferta de alimento às aves. Para viabilizar tal ação,
Monteiro et al. (2001) afirmam que os procedimentos
operacionais devem ser feitos por células minimamente
dimensionadas para a entrada, descarga e manobra dos
caminhões que transportam os resíduos.
Existem ainda critérios técnicos para a seleção da área de
instalação de aterros sanitários, dentre esses, observa-se que
“as áreas não podem se situar próximas a aeroportos ou
aeródromos e devem respeitar a legislação em vigor”
(MONTEIRO et al., 2001, p. 154). A prioridade dada a esse
critério lhe atribui peso dez no cômputo geral, qual seja o
mais alto nível de pontuação. Como observado até o
momento, o risco de colisões entre aeronaves e aves
realmente exige tal procedimento.
Observou-se até aqui a existência de conflito entre a
destinação final dos RSU atual e a segurança de voo, a
respeito da atração de aves para a proximidade dos
aeroportos, não havendo dúvida que esse conflito pode levar
a acidentes aeronáuticos com grande número de vítimas, na
aeronave e no solo. Percebeu-se ainda a existência de
diversas normas legais que aplicadas corretamente
contribuiriam para minimizar o risco aviário.
A seguir serão vistos dois empreendimentos, o primeiro, de
acordo com as observações de campo coletadas por Bretas
Netto (2008) e o segundo, somente por fotografias aéreas
tomadas no mês de junho de 2012. Após terem sido vistas
algumas definições se torna claro que em ambos os
empreendimentos há oportunidade de serem inseridas
melhorias, tanto na operação da frente de trabalho quanto nas
áreas adjacentes, a fim de evitar a atratividade de aves no
local. Essa situação se torna ainda mais importante no
segundo caso, devido à sua distância para o aeroporto local,
que recebeu 17.000 movimentos de aeronaves civis no último
ano (INFRAERO, 2012).
Destinação final de RSU no Município de Catalão/GO
Bretas Netto (2008) realizaram a avaliação do aterro sanitário
do Município de Catalão, em Goiás. Trata-se do sexto
município mais rico da Região Centro Oeste. Portanto,
supõe-se que existam recursos disponíveis à correta operação
do empreendimento.
Durante a avaliação, no entanto, foram constadas diversas
discrepâncias que impediam a classificação do
empreendimento como aterro sanitário ou controlado,
segundo as normas da ABNT.
Dentre as discrepâncias detectadas, destacam-se :
a) a inexistência do controle de acesso de pessoas, que
descarregam todo tipo de resíduo no local ou os coletam para
utilização ou venda;
b) os trabalhadores não utilizam os equipamentos de proteção
individual (EPI) adequados, expondo-se a doenças;
c) a inexistência de recobrimento rotineiro de RSU,
proliferando todo tipo de vetores transmissores de doenças,
incluindo urubus que podem ser colididos por aeronaves em
aproximação para o aeródromo municipal;
d) a inexistência de sistemas de coleta de gases de águas
pluviais e líquido percolado em uso, causando danos
irreparáveis tanto à qualidade do ar quanto ao do lençol
freático;
e) a queima de lixo, inclusive hospitalar, que ocorre sem
controle; e
f) a inexistência de procedimentos organizacionais de
limpeza, permitindo a desorganização e a sujeira no local.
O aeródromo local não apresenta elevado número de
movimentos aéreos. Portanto, não está incluso na LAPGRA,
mas o empreendimento em questão se localiza dentro de sua
AGRA, como pode ser observado na Fig. 3.
Figura 3 – Posição do empreendimento de destinação final de RSU em
relação ao Aeródromo do Município (Adaptado de Google Earth, 2012)
As Fig. 4 a 13, a seguir, mostram algumas discrepâncias que
impossibilitam a classificação do empreendimento como
aterro sanitário ou controlado.
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Figura 4 – Local de descarga de RSU para a triagem (Bretas Netto,
2008)
Figura 5 – Caçamba de entrada de RSU na esteira de triagem (Bretas
Netto, 2008)
Figura 6 – Esteira de triagem (Bretas Netto, 2008)
Figura 7 – Trabalhador sem EPI adequado (Bretas Netto, 2008)
Figura 8 – RSU orgânico a céu aberto – material rejeitado na triagem
(Bretas Netto, 2008)
Figura 9 – Trincheira de destinação final de RSU a céu aberto (Bretas
Netto, 2008)
Figura 10 – Local de drenagem de líquido percolado (Bretas Netto,
2008)
Figura 11 – Cemitério de animais domésticos a céu aberto (Bretas Netto,
2008)
- - - - - - - - - - Anais do 5º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2012) – Direitos Reservados - Página 1101 de 1112 - - - - - - - - - -
Figura 12 – Presença de macro vetores – urubus (Bretas Netto, 2008)
Figura 13 – Disposição irregular de pneus (Bretas Netto, 2008)
Diante da necessidade de mostrar que a correlação dos
procedimentos incorretos no setor de RSU na segurança da
aviação, fica clara a inadequação do empreendimento em
questão, denominado como aterro sanitário. Ao se ampliar tal
condição ao nível nacional, depara-se com a situação
atualmente encontrada em diversas cidades, onde apesar de
os locais de destinação final de RSU serem denominados
aterros sanitários, na verdade são empreendimentos que
efetivamente contribuem para o risco aviário, assim como
outras questões afetas à saúde pública e à preservação
ambiental. Essa realidade requer a conscientização
institucional do poder público municipal para sanar
definitivamente o problema, independente da afiliação
partidária, pois no final do processo os maiores prejudicados
são a população e a nação brasileira.
Destinação final de RSU no Município de São José dos
Campos/SP
A posição relativa demasiadamente próxima da pista do
Aeroporto de São José dos Campos (Fig. 14) cria a
necessidade de constante monitoramento do aterro sanitário,
atividade que está sendo realizada regularmente pelo ar,
através das aeronaves militares que regularmente realizam
sobrevoo do local, bem como em voos dedicados ao
levantamento das condições macro operacionais do mesmo
(Fig. 15 e 16).
Ao utilizar o termo macro operacional o autor tem o objetivo
de afirmar que, através de fotografias aéreas, é viável a
observação de algumas das condições descritas nas
definições anteriormente observadas, em especial aquelas que
mais afetam o risco aviário, como o recobrimento diário com
material inerte. Essa afirmativa pode facilitar a realização da ação determinada ao COMAER no âmbito do PBGRA, no
levantamento de focos dessa natureza – destinação final
oficial de RSU, mas não exclui a necessidade de
monitoramento de focos de atração ou de focos com
potencial de atração de aves, através de vistorias periódicas
in loco. Especialmente porque o acesso a aterros sanitários,
controlados e vazadouros de RSU utilizados pelo Poder
Público Municipal, em teoria, deve ser controlado, dando ao
operador a oportunidade de negar o acesso do pessoal do
COMAER ao empreendimento que, sabidamente, não está de
acordo com as regras da ABNT.
Figura 14 – Posição do empreendimento de destinação final de RSU em
relação ao Aeródromo do Município (Adaptado de Google Earth, 2012)
Figura 15 – Visão geral da frente de trabalho em atividade em 19 de
junho de 2012 (Foto do autor)
Figura 16 – Frente de trabalho encerrada com detritos expostos em 19
de junho de 2012 (Foto do autor)
- - - - - - - - - - Anais do 5º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2012) – Direitos Reservados - Página 1102 de 1112 - - - - - - - - - -
Na Fig. 15, apesar de só existir uma frente de trabalho em
atividade, fica visível que o tamanho total da mesma é
significativo, dificultando o recobrimento diário estabelecido
nas normas da ABNT. Bretas Neto e Santos (2008) se
referem à dimensão da frente de trabalho como a menor
possível que possibilite a entrada, a descarga e a saída do
caminhão de transporte de RSU, portanto, inferior à existente
no local quando do voo.
Já na Fig. 16, observa-se que na área inativa a cobertura com
material inerte apresenta baixa espessura e deficiente
recobrimento, estando em desacordo com as normas da
ABNT, já que é possível visualizar resíduos a céu aberto.
Esse aterro sanitário iniciou suas atividades em 1986,
portanto antes do estabelecimento dos critérios descritos por
Monteiro (2001). No momento, está havendo ampliação da
capacidade de recepção de RSU, no sentido da pista do
aeródromo, procedimento que deve requerer a emissão de
parecer pelo IV Comar, que segundo as instruções contidas
no PBGRA, deverá ser contrário à continuidade do mesmo.
Nesse caso, também deverão ser notificados a Advocacia
Geral da União e o Ministério Público Federal, para
conhecimento e adoção das providências cabíveis (BRASIL,
2011a).
Ressalta-se que, apesar de não haver aves no local, quando o
voo foi realizado, o mesmo é foco potencial de atração
localizado em área crítica do aeródromo. Portanto, devem ser
tomados constantemente todos os cuidados para evitar o uso
da área pelas aves, ainda que somente para descanso.
RESPONSABILIDADE LEGAL NA GESTÃO
DE RSU E DO RISCO AVIÁRIO
É ponto pacífico que o transportador tem o dever de zelar
pela integridade global do passageiro, abarcando aspectos
materiais e morais, até sua chegada ao destino
(HONORATO, 2010). Afinal, todos pretendem chegar em
segurança ao destino, quando realizam qualquer tipo de
deslocamento, exercendo seu direito de ir e vir livremente.
Segundo Begier et al. (2012) a maior parte das colisões
acontece dentro dos limites do aeródromo. Portanto, o
operador aeroportuário tem sua parcela de responsabilidade
claramente definida, tendo inclusive sido obrigado a ressarcir
o operador da aeronave após acidentes envolvendo aves,
como se pode observar a seguir.
Tabela 2 – Exemplos de regressão da responsabilidade civil em
acidentes por colisão com aves (Adaptado de DOLBEER, 2006)
Data País Tipo de ave Fase de voo
(aeronave)
12/12/1973 Reino Unido Gaivota Decolagem
20/01/1995 França Quero-quero Decolagem
03/06/1995 Estados Unidos Ganso canadense Pouso
22/03/1998 França Gaivota Decolagem
Acima o operador aeroportuário foi responsabilizado por ter
permitido a permanência das aves dentro do sítio
aeroportuário. No caso das aves atraídas por RSU, ocorrendo
colisões nas trajetórias de aproximação e de decolagem, a
regressão da responsabilidade se daria, como foi visto, na
direção do responsável pelo gerenciamento do fator de
atração, o Poder Público Municipal.
Em ICAO (2012) são claramente definidas as
responsabilidades do operador aeroportuário, sendo a
principal delas: Desenvolver, por em prática, e mostrar publicamente programa eficiente de controle de colisões com aves e
animais selvagens, adequado ao tamanho e à complexidade
do aeroporto, levando em consideração a identificação do
risco aviário e sua avaliação (ICAO, 2012, p.3-1,
tradução e grifo nossos).
No entanto a mesma organização reconhece que esse
operador tem limitada eficiência, uma vez que as aves
transitam facilmente pelas trajetórias de aproximação e de
decolagem, onde outras autoridades deverão colaborar para a
prevenção do risco aviário. Esse fato a fez considerar como
colisões ‘dentro do aeródromo’ somente aquelas que
ocorrerem a 200 pés de altura, ou abaixo, na aproximação
final e até 500 pés de altura na decolagem ICAO (1991). E,
ainda, citar no Anexo 14 – Aeródromos que: A autoridade apropriada deverá agir para eliminar ou para
prevenir o estabelecimento de locais de deposição de
resíduos sólidos ou qualquer outra fonte que possa atrair animais selvagens para o aeródromo ou sua vizinhança, a
não ser que avaliação apropriada indique que esses locais
tem improvável capacidade de criar condições que conduzam a problemas com animais selvagens. Onde a
eliminação dos locais existentes não for possível, a autoridade apropriada deverá garantir que os riscos
causados à aviação por esses locais foram avaliados e
reduzidos à menor condição de risco praticável (ICAO, 2009, p. 9-10, tradução nossa).
Como a AGRA tem área de 1.256 quilômetros quadrados é
mostrada a seguir a relação entre a área de responsabilidade
de operador aeroportuário – sítio aeroportuário – e a área de
responsabilidade do poder público municipal – entorno
aeroportuário – em 7 (sete) dos principais aeródromos
brasileiros.
Tabela 3 – Proporção entre a área patrimonial de sete aeródromos
brasileiros e a AGRA (OLIVEIRA, 2009)
Aeroporto Patrimonial
(op. aeroportuário)
Entorno
(poder público)
Manaus 1,11 % 98,89 %
Belém 0,50 % 99,50 %
Recife 0,30 % 99,70 %
Brasília 2,30 % 97,70%
Rio de Janeiro (SBGL) 1,42 % 98,58 %
Guarulhos 1,09 % 98,91 %
Porto Alegre 0,30 % 99,70 %
A AGRA de todos os aeródromos acima foi calculada
considerando-se uma pista por aeródromo. Caso tivessem
sido consideradas ambas as pistas, a área proporcional de
responsabilidade do operador aeroportuário seria ainda
menor.
Percebe-se que a área do sítio é infinitamente menor que o
restante da AGRA (entorno). Portanto, não há nenhum
sentido em considerar que o operador do aeroporto seja o
único responsável pelo controle dos focos atrativos em toda a
AGRA.
Colisões dentro da área patrimonial têm maior tendência a
serem comunicadas, pois os colaboradores devem receber
treinamento periodicamente a respeito dessa necessidade.
Enquanto isso àquelas ocorridas fora só são reportadas se
forem visualizadas de alguma maneira pela tripulação da
aeronave, que também recebem tal treinamento para o
reporte.
Essas últimas, por outro lado, têm maior propensão a
causarem danos, pois a velocidade das aeronaves é mais
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elevada, bem como aves mais pesadas voam, normalmente,
em maiores alturas.
Mas, então, até que ponto o Estado é responsável por um
incidente ou acidente aeronáutico decorrente da colisão de
aeronaves com aves? Afinal, ele é o responsável maior tanto
pelo meio ambiente e pelos serviços de transporte aéreo
(HONORATO, 2010), quanto pela “[...] política de desenvolvimento urbano, que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”
(BRASIL, 1988).
Ora, sendo o gerenciamento dos RSU uma função de suma
importância à saúde da população, e exercendo forte atração
sobre as aves, quando inadequadamente executado, conclui-
se desse modo que o Estado tem clara e direta
responsabilidade no gerenciamento do risco aviário, quando
as aves colididas são dos tipos atraídos pelo RSU.
Todavia, para que ocorra a reparação do dano, em primeiro
lugar, a vítima deverá requerê-la. E, ainda, deverá ser
determinado o nexo de causalidade. Isto é, as aves que
colidiram com a aeronave foram atraídas pelo RSU mal
manejado pelo Poder Público. Neste cenário, observa-se que
a segunda tarefa seria um tanto quanto difícil de ser
concretizada, não fosse a abordagem muito bem feita por
Honorato (2010, p. 178) ao afirma que: [...] em ultima ratio, trata-se de responsabilidade civil do
Estado, ora na modalidade de responsabilidade por ato ilícito (como na instalação de lixões dentro da ASA), ora
na feição de responsabilidade civil por omissão (na
constante ausência de fiscalização de empreendimentos poluidores instalados dentro da ASA).
Ora, sendo de amplo conhecimento no ramo da Biologia
quais são aquelas espécies de aves que são efetivamente
atraídas pela matéria orgânica contida nos RSU, basta que
seja feita a identificação de que a colisão ocorreu com uma
dessas espécies e que exista, na prática, vazadouro de lixo no
interior da AGRA para concluir da responsabilidade do poder
público pelo ocorrido. Compreende-se então que aterros
sanitários e controlados, dentro da AGRA, operando em
desacordo com as nas normas em vigor devem ser
considerados vazadouros de lixo.
Como ratifica Honorato (2010, p. 178) ao afirmar que
“imediata se torna a aplicação do artigo 735 do Código Civil
e do Enunciado 187 da Súmula do STF, quando então o
transportador aéreo poderá exercer o seu direito de regresso
contra o verdadeiro causador do dano, [...] [levando] o dever
de indenizar ao autêntico responsável pelo dano”. E continua,
comparando tal situação a outras já solucionadas no âmbito
do judiciário, ao mencionar que: No aspecto jurisprudencial, demonstrou-se, por analogia, que a responsabilização do Estado, quando de sua omissão
no dever de fiscalização, originando uma colisão de
aeronave com pássaros, é semelhante aos reiterados e pacíficos julgados, que impõem a responsabilização do
Estado quando da colisão de veículos com animais, em
estradas nacionais, bem como na deficiente manutenção dessas mesmas vias de deslocamento, quando buracos
causem idêntico acidente de trânsito. Quanto aos danos
indenizáveis, enfatizou-se que os mesmos não se restringem tão somente ao ressarcimento dos valores
despendidos na indenização dos passageiros, entre danos
materiais e morais; mas os danos também envolvem a
indenização do transportador aéreo, que adquire sérios
prejuízos materiais em função de danos à sua aeronave,
despesas operacionais e, porque não, também abarcando os danos morais à pessoa jurídica, em razão da certeza do
descrédito que a empresa aérea absorve perante a
sociedade civil, como consequência natural, quando se envolve num incidente aeronáutico (HONORATO, 2010,
p. 178, grifo nosso).
Dessa forma, conclui-se que existe direito concreto do
transportador aéreo no sentido de reaver os prejuízos a que
foi submetido, em decorrência de colisões com aves atraídas
por RSU, naquelas localidades em que exista vazadouro de
lixo exercendo tal atração. Confrontando esse fato com as
informações anteriores, conclui-se pela necessidade de
garantir que aterros, controlados e sanitários, localizados
dentro da AGRA de algum aeroporto público realmente
sejam operacionalizados como tal, uma vez que rapidamente
esses podem se tornar vazadouros de lixo, contribuindo para
que ocorram colisões com aeronaves. A comprovação
permanente do padrão de operação que caracteriza um aterro
pode ser observada facilmente, bastando para isso verificar se
existe RSU exposto. Afinal, a cobertura com material inerte
deve ser realizada, no mínimo, diariamente, como observado
anteriormente.
Segundo Jatene (2007), em seu texto “Direito do cidadão,
dever do Estado”, a deposição de RSU, com tratamento
adequado, implica em um volume de recursos não disponível
em curto ou médio prazo. De acordo com as PNSB 2000 e
2008, essa evolução ocorreu de modo bastante acelerado,
levando a crer que muitos empreendimentos têm
simplesmente modificado sua denominação, já que, em
diversos empreendimentos, não se identificam os
procedimentos previstos nas normas técnicas.
Pode-se atribuir essa impropriedade à omissão involuntária
(desconhecimento) ou voluntária (negligência ou imperícia),
já que condições técnicas básicas não são cumpridas. No
entanto, o importante é a certeza de que se caracteriza a
imprudência com a continuidade do erro na operação. Tal
condição abre a possibilidade para ações de regressão de
responsabilidade, já que a atração de aves dentro da AGRA
eleva o risco aviário, podendo causar acidentes aeronáuticos
com múltiplas vítimas,
Assim sendo, a mitigação do risco aviário deve ser feita em
dois momentos: antes da colisão – identificando os focos
atrativos e comunicando-os oficialmente às autoridades
públicas responsáveis por sua correção ou fiscalização, o que
tem que ser feito, de acordo com o PBGRA; e, após a colisão
– na ação indenizatória dos custos decorrentes do evento em
favor do transportador aéreo, que arcou inicialmente com os
custos diretos e as possíveis indenizações requeridas pelos
passageiros.
CONCLUSÃO
Após verificar brevemente a evolução da aviação e do
gerenciamento de resíduos sólidos, identificou-se a relação
entre essas duas atividades humanas e o impacto na
segurança de voo das aeronaves, percebendo como o risco
aviário é influenciado pela incorreta destinação de RSU no
país.
Os registros oficiais sobre a destinação final de RSU
mostram acelerada redução na quantidade de material
orgânico disposta em vazadouros. Porém, em um dos
empreendimentos aqui observados foi identificado o uso
indevido do termo ‘aterro’, sem o cumprimento das normas
brasileiras obrigatórias para esse tipo de atividade.
- - - - - - - - - - Anais do 5º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2012) – Direitos Reservados - Página 1104 de 1112 - - - - - - - - - -
Constatando-se, portanto, a fragilidade na fiscalização do
poder público sobre essa atividade.
No segundo exemplo utilizado, apesar de poucas não
conformidades, observa-se que a proximidade do aeródromo
inspira cuidados adicionais para evitar que seja estimulado o
fluxo de aves cruzando as trajetórias de voo das aeronaves.
Finalmente, através da observação de ações regressivas de
responsabilidade em colisões de aeronaves com aves fora do
país e de sua correlação com sentenças já pacificadas no
judiciário brasileiro, concluiu-se que o operador da aeronave,
para reaver os custos sofridos por colisões com aves atraídas
pelo RSU, deve ingressar contra o responsável pelo
empreendimento de destinação final de RSU localizado
dentro da AGRA, levando o poder público municipal a
cumprir sua missão constitucional na redução de diversas
mazelas que afligem a população, sendo o risco aviário
somente um desses problemas.
AGRADECIMENTO
À Kylie Patrick, consultora principal da Avisure, por sua
crítica fundamentada.
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