Carta Magna

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Magna Carta: no compromisso com os sditos, a verdadeira fora do rei A desintegrao do Imprio Romano, entre os sculos III e V, resultante de uma confluncia de fatores relacionados crise geral do escravismo, permitiu o deslocamento dos povos ditos brbaros (grupos que, por no estarem circunscritos s regies de influncia de Roma, no falavam o latim), em direo s privilegiadas reas civilizadas pela fora blica romana, onde antes eram impedidos de viver. O colapso da Caput Mundi (Roma, capital do mundo), ofereceu a oportunidade de migraes, no princpio pacficas e avassaladoras um pouco depois, mas sobretudo definidas por necessidades de reao, ora escassez vivida nas inspitas reas em que eram obrigados a adaptar-se, ora ao perigo de ataque iminente de algum dos seis grandes grupos brbaros, com destaque, no sculo IV, terrvel presso dos hunos, uma tribo trtaro-mongol.

A entrada dos hunos nas fronteiras romanas acelerou as ondas migratrias e deflagrou a chamada Grande Invaso, onde se destacaram as germnicas. Antes das migraes, os germanos ocupavam a atual Alemanha, entre os limites do Reno, do Vstula, do Danbio, do Oder e do Mar Bltico. Dentre os deslocamentos das inmeras tribos germnicas dois destacaram-se pela extenso das conseqncias: o dos jutos, anglos e saxes, em direo ao leste da Gr-Bretanha, entre 440 e 450, e o dos francos em direo Glia Transalpina (referncia romana Glia alm dos alpes, para diferenci-la da Glia Cisalpina, mais prxima Roma). O adjetivo Angles a origem remota da palavra Inglaterra, como equivocadamente designado o Reino Unido (Inglaterra, Pas de Gales, Esccia e Irlanda do Norte), que tambm denominava os anglo-saxes ou saxes. Ao chegarem Gr-Bretanha passaram a ser chamados pelos bretes, os celtas latinizados (esse territrio era a provncia romana da Britnia), como anglus. Quando a nobreza normanda tomou a Gr-Bretanha em 1066, passou a designar o conjunto inteiro desses novos sditos como engleis ou anglais, a partir do sculo XII. Os francos, primeiro grupo a aliar-se Igreja, constituram o reino mais consistente desse perodo conturbado e inseguro, marcado por seqncias caticas de eventos. Em fases assim, somos surpreendidos por tesouros culturais que precisam ser garimpados cuidadosamente sob tica de um incessante e renovado olhar. sob as guas turvas onde se encontram as prolas mais brilhantes, diz-nos a sabedoria popular.

Ao preservar a memria embrulhada nos livros, a instituio da Igreja, talvez o maior legado romano posteridade junto ao Direito, permitiu a partir do territrio ocupado pelos francos, da Francia (Frana), elementos de continuidade indispensveis comunho da Antiguidade Clssica e os tempos subsequentes. A Igreja forneceu o sustentculo ideolgico do insipiente sistema feudal. Nesse momento crtico, os francos conseguiram agregar variados assentamentos tribais que desconheciam noes mais sofisticadas de realeza, e assim criaram dinastias poderosas, como a dos Merovngios (481 - 751) e a dos Carolngios (751 - 987). O ainda brutificado Clvis foi o grande arquiteto do que viria a ser o que hoje chamamos de Frana. Graas unificao de tribos que sequer compreendiam a noo abstrata de Estado e s campanhas militares vitoriosas, Clvis uniu e definiu o Reino Franco, cristalizando noes mais robustas da concepo do rei como mais que um mero koenig, guerreiro reconhecido como chefe em tempos de guerra, na convencional viso germnica de lder. Aps um pouco mais de um sculo de cismas e reunificaes, comportamento prprio do carter guerreiro da cultura germnica, em meados do sculo VIII, a dinastia carolngia reunificaria os francos. O mais importante rei carolngio, Carlos Magno, durante os 46 anos de seu reinado (768 814), uniu a maior parte da Europa Ocidental sob o peso de cinquenta e quatro campanhas militares.

Ao constituir um imprio cujos limites incluam reas que correspondiam ao que hoje entendemos como Frana, Alemanha de (onde so originrios), Sua, ustria, Blgica, Pases Baixos (Holanda) e grande parte da Itlia, Carlos Magno precisou garantir laos de dependncia entre si (poder que comanda e concede terras) e seus principais guerreiros (nobreza que recebe e protege). Este comportamento tradicionalmente germnico, pautado na lealdade e na honra, foi a base dos acordos de proteo mtua, que originaram o sistema de suserania e vassalagem, relaes fundamentais do feudalismo. A doao de terras, em troca do suporte administrativomilitar jurado nas sesses de investidura e homenagem, dividiu o Imprio carolngio em cerca de 200 condados. Muitos brases ostentados nas paredes do mundo ocidental hoje e tambm a forma como originaram-se parte dos nossos sobrenomes, possuem razes nos ttulos definidos por tais comportamentos e seus desdobramentos. Esta descentralizao do poder cristalizou-se a partir dos netos de Carlos Magno. O poder compartilhado ento com os que ficaram nas reas fixadas como marcas fronteirias do Imprio ou da possesso real, os marqueses, e com os duques e condes, todos poderosos, por serem diretamente nomeados pelo prprio imperador, contava ainda com a fora militar dos bares, estabelecidos em fortalezas estrategicamente posicionadas. Na base de toda essa rede de compromissos, destacava-se a palavra dada. O juramento. A confiana. A partida de um desses vassalos do rei da Frana em direo

conquista da Inglaterra vai originar um sistema feudal diferenciado. Quando o duque da poderosa Normandia venceu o rei ingls na Batalha de Hastings, em 1066, assumindo o trono logo depois, firmou um evento na histria inglesa de propores to significativas que, prximo a completar um milnio, os britnicos celebram festivamente Hastings, representando-a no campo de batalha original. Compreender a nova dimenso outorgada pelo povo ingls cruel tomada de poder da Inglaterra por um duque francs, que deflagrou pelo menos um sculo e meio de opresso populao anglo-saxnica, requer releituras apropriadas, aquelas s possveis pela linha de raciocnio que associa (...) realidade (...) panoramas e pontos de vista articulados a um todo integrado (...) (Robin Hood, pe360graus.com, 2 de outubro de 2010).Como celebrar o advento de uma corte estrangeira que ocupou as terras da antiga elite nacional, desprezou a lngua e os costumes e implantou uma opresso fiscal asfixiante e injusta? No h reposta a curto prazo em Histria. Sobretudo fora de contexto. A vitria de William (Guilherme) da Normandia, agora Guilherme, o Conquistador, como passou a ser chamado, destituiu o ltimo rei anglo-saxo e iniciou a Dinastia Normanda da Inglaterra. Sob a influncia dos francos carolngios, Guilherme I adotou a subdiviso do territrio conquistado em condados (shires, em ingls), supervisionados por xerifes (sheriffes). Na Frana e na Europa feudal continental, muitos condes, duques e bispos, entre outros membros da nobreza agraciada

pelos benefcios reais, no poucas vezes, pela extenso de suas possesses e poderes correlatos, eram de fato senhores mais poderosos que seus senhores. Na Inglaterra a concesso dos beneficiuns foi reorientada estrategicamente por Guilherme, como forma de no permitir nova monarquia o esvaziamento do poder real. Expropriando as terras da nobreza anglo-saxnica para distribu-las aos seus vassalos normandos, Guilherme estabeleceu concesses feudais limitadas em tamanho e implantadas de forma esparsa ao longo das terras ento declaradas propriedade real, o que anulou a possibilidade do rei no ser o maior senhor feudal. Assim, enquanto no continente o feudalismo era politicamente descentralizado, com o poder dividido nas mos dos poderosos vassalos, na Inglaterra marcou-se pelo controle da nobreza por parte dos reis da dinastia normanda. Se por um lado o ato de solidificar e conservar o poder real orientou a unificao nacional inglesa sob o pulso forte da monarquia, por outro, ao longo das sucesses, ofereceu a monarcas despreparados a historicamente recorrente embriagus de poder, inclinao to comum de alguns poderosos quanto a reao a tal tipo de desequilbrio poltico. sob o fulgor desses instantes, impregnados de foras em duelo e essencialmente frteis, que a histria ganha impulso a maiores dimenses. Observamos que na Inglaterra o modelo poltico adotado instigou a reao dos bares e do alto clero o que abriu

espao constituio da noo de liberdade inglesa e mais tarde do sistema parlamentar. Cerca de 150 anos aps a conquista de Guilherme, o caos poltico a partir do qual germinou esta reao desastrosa administrao do despreparado Joo Sem-Terra, na verdade fruto das sequelas do doentio reinado do seu irmo, o lendrio Ricardo Corao de Leo, como ficou conhecido. Ausente do reino, Ricardo notabilizou-se como heri idealizado atravs do canto forte dos poetas, dos bardos, dos menestris, e sobretudo dos trovadores que, hbeis com as palavras cantadas, destruram a reputao de Joo SemTerra, sobretudo depois que ele usurpou o poder por ocasio da partida de Ricardo para a terceira Cruzada. Nas gestas sobre Robin Hood e Ivanho, Joo o vilo. Essas importantes baladas, documentos histricos importantes, no obstante o carter subjetivo de algumas afirmaes impregnadas de licenas poticas e metforas, denunciam a alma fraturada da nao inglesa, extorquida pelos impostos de Joo, chamado Sem-Terra (Sans-Terre, Sans-Avoir) por, sendo caula dos 5 filhos de Henrique de Anjou (Henrique II), no possuir direito a herdades. Essas lendas, entretanto, outorgaram fama positiva a Ricardo por omitirem os detalhes do comportamento psicopata desse rei que vivia na Frana como violento chefe militar, desconhecia a lngua inglesa, detestava morar na Inglaterra e arruinava o reino atravs de perdulrias campanhas militares pelo controle dos ducados e condados que havia herdado no continente. Nas cruzadas, tronou-se

um criminoso de guerra ao executar 2.700 prisioneiros mulumanos, aps a tomada de Acre, de onde partiu para a fracassada tentativa de conquistar Jerusalm. Os custos inimaginveis desses empreendimentos insanos arruinaram o trono que seria ocupado pelo incompetente irmo que, de sem terras, chegou a ser o senhor da Irlanda, duque da Aquitnia, duque da Normandia, conde de Anjou e rei da Inglaterra. Despreparado, o rei Joo logo perdeu a Irlanda, e depois a Normandia, Anjou e pela opresso fiscal lanada ao povo e aos prprios pares, clero incluso, quase perdeu a coroa. Foi a partir desse conjunto de sucessivos desastres administrativos que a Inglaterra recebeu, um tesouro jurdico que seria estendido, paulatinamente, a muitos: a Magna Charta Libertatum (Grande Carta das Liberdades). Escrita em latim e imposta ao rei Joo pelos bares do reino e alto clero, em 1215, a Carta Magna foi inicialmente um instrumento utilizado pela nobreza para impedir o rei do exerccio autoritrio do poder em relao aos compromissos para com os seus vassalos. Assim, no foi imposta com a compreenso dos desdobramentos possveis para definir-se como carta de direitos ou de liberdades para com o homem comum. No deve, no entanto, ser entendida apenas como uma reao dos nobres s arbitrariedades, sobretudo fiscais, de um rei desnorteado em relao ao que fazer com o poder que julgava possuir. A Magna Carta sedimenta em bases jurdicas escritas

lembre-se que estamos na Idade Mdia um ponto de encontro e referncia atemporal busca do indivduo, enquanto animal poltico, por antdotos contra o abuso e a hipertrofia do poder. Este documento que assinala os primeiros passos em direo s limitaes do poder real criticado pelo carter aristocrtico de sua origem, entretanto, a Magna Carta forou o rei ao compromisso, assinado, de respeitar as liberdades fundamentais do reino, configurando o princpio de governo limitado e a sofisticada idia de que o soberano est submisso lei. Assim, no importa tanto de qual estamento originou-se. Mesmo sendo um documento basicamente feudal, elaborado para a redefinio dos compromissos pertinentes s relaes de suserania e vassalagem, com nfase na defesa dos direitos tradicionais dos vassalos, a Carta Magna enunciou, por escrito, dois princpios importantes: a coroa no podia levantar grandes somas de dinheiro sem o consentimento dos bares em um conselho comum; e nenhum homem livre poderia ser punido pela coroa sem julgamento por seus pares e segundo a lei da terra. (BURNS, Eduard McNall. Histria da Civilizao Ociental). Por fim, semelhana de tantos outros contextos, foi sob a presso das turbulncias, conflitos e crises e longos interregnos hiatos entre reinados estendidos at o sculo XV que triunfou na Inglaterra o advento definitivo da lngua inglesa moderna e a desistncia britnica de reconquistar suas ex-possesses em territrio francs. Precisou atravessar a mediocridade de reis, a catstrofe da peste e de 116 anos de guerras (a Guerra dos 100 Anos) para,

desfigurada pelos tempos adversos, armar o salto em direo condio de nao mais desenvolvida da Europa. Ao curvar o rei ante o compromisso com seus sditos, a Magna Carta preparou a Inglaterra para a sua clebre monarquia. No poucas vezes, as perdas so os verdadeiros ganhos.

Outorgada pelo Rei Joo Sem Terra, em Runnymede, perto de Windsor, no ano de 1215 1. Temos resolvido e prometido ante Deus, confirmando a presente Carta perpetuamente, e para nossos sucessores, que a Igreja da Inglaterra seja livre e goze de seus direitos em toda sua integridade, permanecendo ilesas suas liberdades, de modo que resulte a liberdade nas eleies como a mais indispensvel e necessria para a sobredita Igreja da Inglaterra. Por esta razo, assim o temos concedido e confirmado por nossas simples e espontnea vontade, antes de nossas discrdias com nossos Bares, e obtivemos a devida confirmao do Sumo Pontfice Inocncio III, obrigando-nos sua observncia, e desejando que nossos herdeiros a guardem e cumpram perpetuamente e com boa f. 2. Tambm concedemos perpetuamente, em nosso nome e no de nossos sucessores, para todos os homens livres do reino de Inglaterra, todas as liberdades, cuja continuao se expressam, transmissveis a seus descendentes.

3. Se algum de nossos Condes ou Bares, ou outro que tenha recebido de ns terras em paga do servio militar ( "tenentium de nobis in capite" ), morrer desejando que seu herdeiro de maior idade entre na posse de seu feudo, esse herdeiro ou herdeira de um condado, por todo seu feudo, pagar cem marcos; o herdeiro ou herdeira de uma baronia por todo seu feudo cem xelins, rebaixandose aos demais em proporo, segundo o antigo direito habitual dos feudos. 4. Entretanto, se o herdeiro mencionado for de menoridade e se achar sob tutoria, a pessoa de quem dependa seu feudo no ser seu tutor, nem administrar suas terras antes que lhe renda homenagem, e, uma vez que o herdeiro tutelado chegue maioridade, quer dizer, tenha completado 21 anos, receber sua herana sem abonar nada ao posseiro; e se em sua menoridade for armado cavaleiro, nem por isso perder seu tutor o cuidado de seus bens at o termo sobredito. 5. O que administrar terras de um menor no tomar delas seno o ajustado, conforme costumes, eqidade e bom servio, sem prejuzo nem detrimento para as pessoas ou coisas. E, no caso de que confiemos a administrao das ditas terras ao Visconde ( "viccecomiti" ) ou outro qualquer empregado, sujeito responsabilidade at ns, se causar qualquer dano ou prejuzo, tomamos o compromisso de obrig-lo sua reparao ou indenizao, confiando ento a guarda da herana a dois homens honrados e inteligentes, que sero responsveis perante ns, do mesmo modo. 6. Todo administrador de um feudo manter em bom estado, tanto as casas, parques, vveres, tanques,

moinhos e bens anlogos, como as rendas, restituindo-as ao herdeiro, quando este haja chegado sua maioridade, cuidando que as terras destinadas ao cultivo estejam providas de arados e demais instrumentos da lavoura, ou, ao menos, com os mesmos que tinham quando tomou o seu encargo. Estas disposies so aplicveis administrao dos bispados, abadias, priorados, igrejas e dignidades vagas; mas este direito de administrao no poder ser alienado por meio de venda. 7. Os herdeiros contrairo matrimnio sem desproporo, isto , conforme a sua respectiva condio e estado. No obstante, antes de contrair o matrimnio, se dar notcia do mesmo aos parentes consangineos do referido herdeiro. 8. Logo que uma mulher fique viva, receber imediatamente sem dificuldade alguma, seu dote e herana, no ficando obrigada a satisfazer quantia alguma por esta restituio, nem pela penso de viuvez, de que for credora, no tocante aos bens possudos pelo casal, at morte do marido; poder permanecer na casa principal deste por espao de quarenta dias, contados desde o do falecimento; e se lhe consignar, entretanto, dote, caso no o tenha sido antecipadamente. Estas disposies sero executadas, se a sobredita casa principal no for uma fortaleza; mas, se o for, ato contnuo, ser oferecida viva outra casa mais conveniente, onde possa viver com decncia at que se designe o seu dote, segundo aviso prvio, percebendo dos bens comuns de ambos os cnjuges o necessrio para sua honesta subsistncia. A penso ser

conforme a tera parte das terras possudas pelo marido, a no ser que lhe corresponda menor quantidade em virtude de um contrato celebrado ao p dos altares ( " ad ostium Ecclesiae" ). 9. Nenhuma viva poder ser compelida, por meio do embargo de seus bens mveis, a casar-se de novo, se prefere continuar em seu estado; ficar, porm, obrigada a prestar cauo de no contrair matrimnio sem nosso consentimento, se estiver debaixo de nossa dependncia, ou do senhor de quem dependa diretamente. 10. Nem Ns, nem nossos empregados embargaro as terras ou rendas por dvida de qualquer espcie, quando os bens mveis do devedor sejam suficientes para solver a dvida e o devedor se mostre disposto a pagar ao seu credor. Muito menos se proceder contra os fiadores, quando o devedor se ache em condies de pagar. 11. Se o devedor no pagar, seja por falta de meios, seja por m vontade, exigir-se- o pagamento dos fiadores, que podero gravar com hipotecas ou bens e rendas do devedor, at importncia que eles tiverem satisfeito, a no ser que ele prove haver entregue a seus abonadores a importncia das fianas. 12. Se algum celebrar com judeus o contrato denominado " mtuo" e falecer antes de o haver satisfeito, o herdeiro de menoridade no pagar os interesses, enquanto permanecer em tal estado. Se a dvida for a nosso favor observaremos as disposies contidas nesta "Carta".

13. Se algum morrer devendo qualquer quantia a um judeu, sua mulher perceber o dote integral, sem que a dita dvida a afete de qualquer modo. E se o defunto tiver deixado filhos menores, se lhes adjudicar o necessrio conforme os bens pertencentes ao defunto, e com o restante se pagar a dvida, sem prejuzo da contribuio ou tributos correspondentes ao senhor. Estas disposies so aplicveis, completamente, s demais dvidas contradas com os que no sejam judeus. 14. No se estabelecer em nosso Reino auxlio nem contribuio alguma, contra os posseiros de terras enfeudadas, sem o consentimento do nosso comum Conselho do Reino, a no ser que se destinem ao resgate de nossa pessoa, ou para armar cavaleiros a nosso filho primognito, consignao para casar uma s vez a nossa filha primognita; e, mesmo nestes casos, o imposto ou auxlio ter de ser moderado ( " et ad hoc non fiet nisi rationabile auxilium " ). 15. A mesma disposio se observar a respeito dos auxlios fornecidos pela cidade de Londres, a qual continuar em posse de suas liberdades, foros e costumes por mar e terra. 16. Concedemos, alm disto, a todas as cidades, distritos e aldeias, aos Bares dos cinco portos e a todos os demais o gozo dos seus privilgios, foros e costumes, e a faculdade de enviar Deputados ao Conselho comum para convir nos subsdios correspondentes a cada um, salvo nos trs casos sobreditos. (Veja-se o nmero 14.) 17. Quando se tratar da fixao de pagamentos correspondentes a cada um, no tocante contribuio dos posseiros, convocaremos privadamente, por meios de

nossas cartas, os Arcebispos, Bispos, Abades, Condes, e principais Bares do Reino. 18. Do mesmo modo, convocaremos em geral, por meio de nossos Viscondes ou "sheriffs" e "bailios", a todos que tenham recebido, diretamente, de ns, a posse de suas terras, com quarenta dias de antecipao, para que concorram ao stio designado; e nas convocatrias expressaremos a causa ou causas que nos tenham decidido a convocar a Assemblia. 19. Uma vez expedida a convocao, proceder-se-, imediatamente, deciso dos negcios, segundo o acordo dos presentes, ainda que no concorram todos os que foram convocados. 20. Prometemos no conceder a nenhum senhor, seja quem for, permisso para tomar dinheiro aos homens livres, a no ser que se destine ao resgate de sua pessoa, ou para armar cavaleiro a seu filho primognito, ou constitua peclio para casar uma vez a sua filha primognita; e, mesmo nestes casos, o imposto ou auxlio ter de ser moderado. 21. No podero ser embargados os mveis de qualquer pessoa para obrig-la, por causa do seu feudo, a prestar mais servios que os devidos por natureza. 22. O Tribunal de Queixas ou pleitos comuns ( "Plaids Communs") no acompanhar por todas as partes a nossa pessoa, devendo permanecer fixo em um ponto dado. Os assuntos jurdicos que versem sobre interditos de reter ou recobrar, a morte de um antecessor ou apresentao de benefcios, ventilar-se-o na provncia onde se ache situado o domiclio dos litigantes; assim, pois, Ns, ou, em caso de estarmos

ausentes do Reino, Nosso primeiro magistrado, enviaremos anualmente a cada condado juzes que, com os cavaleiros respectivos, estabeleam seus tribunais na mesma provncia. 23. Os assuntos jurdicos que no possam terminar em uma s sesso, no podero ser julgados em outro lugar correspondente ao distrito dos mesmos juzes; e os que, por suas dificuldades no possam ser decididos pelos mesmos, sero remetidos ao Tribunal do Rei. 24. Esta ltima disposio aplicvel, em seu todo, aos assuntos concernentes ltima apresentao s igrejas, sendo comeados, continuados e decididos, exclusivamente, pelo Tribunal do Rei. 25. Um possuidor de bens livres no poder ser condenado a penas pecunirias por faltas leves, mas pelas graves, e, no obstante isso, a multa guardar proporo com o delito, sem que, em nenhum caso, o prive dos meios de subsistncia. Esta disposio aplicvel, por completo, aos mercadores, aos quais se reservar alguma parte de seus bens para continuar seu comrcio. 26. Do mesmo modo um aldeo ou qualquer vassalo nosso no poder ser condenado a pena pecuniria seno debaixo de idnticas condies, quer dizer, que se lhe no poder privar dos instrumentos necessrios a seu trabalho. No se impor nenhuma multa se o delito no estiver comprovado com prvio juramento de doze vizinhos honrados e cuja boa reputao seja notria. 27. Os Condes e Bares s podero ser condenados a penas pecunirias por seus Pares, e segundo a qualidade da ofensa.

28. Nenhum eclesistico ser condenado a pena pecuniria, guardando proporo com as rendas de seu benefcio, que no incida, exclusivamente, nos bens puramente patrimoniais que possua, e segundo a natureza de sua falta. 29. Nenhuma pessoa ou populao poder ser compelida, por meio de embargo de seus bens mveis, a construir pontes sobre os rios, a no ser que haja contrado previamente essa obrigao. 30. No se por nenhum dique nos rios que os no tenham tido desde o tempo de nosso ascendente o Rei Henrique. 31. Nenhum " sheriff " (corregedor), condestvel, chefe ou bailio nosso sustentar os litgios da Coroa. 32. Os condados, povoado de cem habitantes (" hundred " ) e demais distritos ajustar-se-o a seus antigos limites, salvo as terras de nosso domnio particular. 33. No caso de falecer um possuidor de bens patrimoniais, submetidos diretamente nossa dependncia, e o " sheriff " ou bailio exibir provas de que o defunto era devedor nosso, ser permitido selar e registrar os bens mveis encontrados no sobredito feudo, correspondente dvida; porm esta diligncia no se praticar seno com a inspeo de homens honrados, para que nada se desperdice de seu devido objeto, at o pagamento definitivo da dvida. O resto entregar-se- aos testamenteiros do defunto. Mas, se este no era nosso devedor, tudo ser transmitido ao herdeiro, tendo-se em conta os direitos da viva e filhos.

34. Se o possuidor morrer " ab intestato " , repartiro seus bens mveis entre seus parentes mais prximos e amigos, com a inspeo e consentimento da Igreja, salvo somente o que corresponder aos credores do defunto, se os houver deixado. 35. Nenhum " sheriff " , condestvel ou funcionrio tomar colheitas nem bens mveis de uma pessoa que no se ache debaixo de sua jurisdio, a no ser que satisfaa, vista, seu importe ou tenha convencionado, de antemo, com o vendedor a fixao da poca do pagamento. Se o vendedor estiver sujeito jurisdio do funcionrio, o pagamento ser feito no prazo de quarenta dias. 36. No poder ser embargados os bens mveis de qualquer cavaleiro, sob o pretexto de pagar gente para guarnecer as fortalezas, se o sobredito cavaleiro se oferecer a desempenhar por si prprio este servio, ou delegar algum em seu lugar, alegando escusa legtima para desempenho desta obrigao. 37. Se um cavaleiro for servir na guerra, ficar dispensado de guardar os castelos e praas fortes, enquanto se achar em servio ativo por causa do seu feudo. 38. Nenhum " sheriff " ou " bailio " poder tomar fora carroas nem cavalos para nossas bagagens, salvo se abonar o preo estipulado nos antigos regulamentos, a saber 10 dinheiros, por dia de uma carroa de dois cavalos, e 14 pela de trs. 39. Prometemos que no se tomaro as carroas ou outras carruagens dos eclesisticos, dos cavaleiros e das senhoras de distino, nem a lenha para o consumo em

nossas situaes, sem o consentimento expresso dos proprietrios. 40. No conservaremos em nosso poder as terras dos rus convictos de deslealdade ou traio seno pelo prazo de um ano e um dia, transcorridos os quais as restituiremos aos senhores dos feudos respectivos. 41. No se permitiro redes para colher salmes ou outros peixes em Midway, Tmisa e demais rios de Inglaterra, excetuando-se as costas desta proibio. 42. No se conceder para o futuro nenhum " writ " ou ordem chamada " proecipe " , em virtude da qual um proprietrio tenha de perder seu pleito. 43. Haver em todo o Reino uma mesma medida para o vinho e a cerveja, assim como para os cereais (gros). Esta medida ser a que atualmente se emprega em Londres. Todos os panos se ajustaro a uma mesma medida em largura, que ser de duas varas. Os pesos sero, tambm, os mesmos para todo o Reino. 44. No se cobrar nada para o futuro pelos " writs " ou cdulas de inspeo a favor de quem queira uma informao, por haver perdido a vida ou algum dos seus membros qualquer indivduo, pelo contrrio, sero dadas grtis e nunca sero negadas. 45. Se algum tiver recebido de Ns em feudo uma posse de qualquer gnero que seja, ou terras pertencentes a uma pessoa com obrigao de servio militar, no invocaremos esta circunstncia como direito para obter a tutela do herdeiro de menoridade, ou a administrao das terras pertencentes a outro feudo, nem, tambm, aspiraremos administrao das

posses submetidas nossa dependncia, seno forem garantia anexa do servio militar. 46. No desejaremos tutela de um menor, nem a administrao da terra que possua com dependncia de outro e com a obrigao do servio militar, sob o pretexto de que nos deve alguma pequena servido, como a subministrao de adagas, flechas e coisas semelhantes. 47. Nenhum bailio ou outro funcionrio poder obrigar a quem quer que seja a defender-se por meio de juramento ante sua simples acusao ou testemunho, se no for confirmado por pessoas dignas de crdito. 48. Ningum poder ser detido, preso ou despojado dos seus bens, costumes e liberdades, seno em virtude de julgamento de seus Pares segundo as leis do pas. 49. No venderemos, nem recusaremos, nem dilataremos a quem quer que seja, a administrao da justia. 50. Nossos comerciantes, se no esto publicamente inabilitados, podero transitar livremente pelo Reino, entrar, sair, permanecer nele, viajar por mar e por terra, comprar e vender conforme os antigos costumes, sem que se lhes imponha qualquer empecilho no exerccio de seu trfico, exceto em tempo de guerra ou quando pertenam a um pas que se ache em guerra conosco. 51. - Os estrangeiros, mercadores que se encontrarem no Reino ao princpio de uma guerra, sero postos em segurana, sem que se faa o menor dano a suas pessoas ou coisas e continuaro em tal estado at que Ns ou nossos magistrados principais se informem de que modo

tratam os inimigos ou nossos mercadores: se estes so bem tratados, aqueles o sero igualmente por Ns. 52. - Para o futuro podero todos entrar e sair do Reino com toda a garantia, salvante a fidelidade devida, exceto, todavia, em tempo de guerra, e quanto seja, estritamente necessrio para o bem comum de nosso Reino; excetuando-se, alm disto, os prisioneiros e proscritos segundo as leis do pas, os povos que se achem em guerra conosco e os comerciantes de uma Nao inimiga, conforme o que deixamos dito. 53. Se algum proceder de uma terra que se agregue, em seguida, s nossas possesses por confisco ou qualquer outra coisa, como Wallingford Bolnia, Nottingham e Lancaster, que se acham em nosso poder, e o dito indivduo falecer, seu herdeiro nada dever, nem ser obrigado a prestar mais servios que o que prestava, quando a baronia estava em posse do antigo dono, e no era nossa. Possuiremos dita baronia debaixo das mesmas condies que os antigos donos, sem que, por causa disso, pretendamos o servio militar dos vassalos, a no ser que algum possuidor de um feudo pertencente dita baronia depende de Ns por outro feudo, com a obrigao do servio militar. 54. Os que tm suas habitaes fora de nossos bosques no sero obrigados a comparecer ante nossos juzes de ditos lugares por prvia citao, a no ser que se achem complicados na causa, ou que sejam fiadores dos presos ou processados por delitos cometidos em nossas florestas. 55. Todas as selvas convertidas em stio pelo Rei Ricardo, nosso irmo, sero restabelecidas sua

primitiva situao; excetuando-se os bosques pertencentes a nossos domnios. 56. Ningum poder vender ou alienar sua terra ou parte dela, com prejuzo de seu senhorio, a no ser que lhe deixe o suficiente para desempenhar o servio a que se achar obrigado. 57. Todos os patronos de abadia que tenham em seu poder cartas dos Reis de Inglaterra, contendo direito de patronato, ou que o possuam desde tempo imemorial, administrao as ditas abadias, quando estiveram vagas, nas mesmas condies em que deviam administr-las, segundo o declarado anteriormente. 58. Ningum ser encarcerado a pedido de uma mulher pela morte de um homem, a no ser que este tenha sido seu marido. 59. No se reunir o " Shire Gemot " ou tribunal do condado, seno uma vez por ms, exceto nos lugares em que se costuma empregar maior intervalo, em cujo caso continuaro as prticas estabelecidas. 60. Nenhum " sheriff " ou outro funcionrio reunir seu Tribunal seno duas vezes por ano e no lugar devido e acostumado, uma vez depois da Pscoa de Ressurreio, outra depois do dia de So Miguel. A inspeo ou exame das finanas, que, mutuamente, se prestam os homens livres de nosso Reino, se verificar no mencionado tempo de So Miguel, sem obstculo nem vexao de qualquer espcie; em maneira que cada um conserve suas liberdades, tanto as que teve e se acostumou a Ter em tempo de nosso ascendente o Rei Henrique, como as que adquiridas posteriormente.

61. A dita Inspeo se verificar de modo que no se altere a paz, e a dzima ( " tithe " ) se conserve ntegra, como de costume. 62. Ficar proibido ao "sheriff " oprimir e vexar a quem quer que seja, contentando-se com os direitos que os " sheriffs " costumavam exercer em tempo de nosso ascendente o Rei Henrique. 63. No se permitir a ningum para o futuro ceder suas terras a uma comunidade religiosa para possu-las, depois, como feudatrio da dita comunidade. 64. No se permitir s comunidades religiosas receber terras de modo sobredito para restitu-las, imediatamente, aos donos como feudatrios das mencionadas comunidades. Se para o futuro intentar algum dar suas terras a um mosteiro, e resultar a convico desta tentativa, a doao ser nula, e a terra dada reverter em benefcio do senhorio. 65. Para o futuro se perceber o direito de " scutage " (contribuio do posseiro) como rea costume perceber-se no tempo de nosso ascendente o Rei Henrique. Os " sheriffs" evitaro molestar a quem quer que seja e se contentaro em exercer seus direitos de costume. 66. Todas as liberdades e privilgios concedidos pela presente Carta, em relao ao que se nos deve por parte de nossos vassalos, compreendem s eclesisticos e seculares, diz respeito aos senhores que possuam diretamente os bens cujo domnio til lhes pertena. Continuam subsistentes os direitos dos Arcebispos, Bispos, Abades, Priores, Templrios, Hospitaleiros, Condes, Bares,

cavaleiros e outros tantos eclesisticos como seculares, e exercidos antes da promulgao da presente Carta.