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ISSN 2176-1396

O ENSINO DA MATEMÁTICA E O ATENDIMENTO EDUCACIONAL

ESPECIALIZADO: UM ESTUDO DE CASO

Maria Fernanda Villena Castro1 - IFC

Katia Hardt Siewert2 - IFC

Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O presente relato aborda o estudo de caso de um estudante com necessidade específica -

Síndrome de Klinefelter - e os encaminhamentos organizados a fim de possíveis intervenções,

o que pressupõe a natureza do número e a aplicação desses conhecimentos à prática

pedagógica do professor de matemática. As reflexões e análises compõem um quadro que

sugere um repensar e um diálogo com muitas vozes, uma vez que se trata de valorizar a

diferença e promover a qualidade no ensino da matemática. A finalidade é compartilhar a

importância de redimensionar questões fundamentais sobre a aquisição do conceito de

quantidade e suas múltiplas aplicações na vida deste estudante, bem como ressaltar o quanto é

relevante a ação integrada do Atendimento Educacional Especializado – AEE e as demais

áreas do conhecimento. Em contrapartida, tem-se o papel do professor com formação

tradicional ao lidar com a necessidade específica, a linha de trabalho adotada, os desafios,

avanços e frustrações. Aliado a isso, pode-se citar também a pouca oferta de cursos de

capacitação para lidar com questões desse tipo, cada vez mais presentes nas Instituições de

Ensino. Cada encontro com o estudante é de muito aprendizado, embora não seja possível

mensurar o efetivo aprendizado por conta da descalculia severa que apresenta e as retomadas

devem ser constantes. Diante do exposto, o tema abordado é instigante e possível de extensão,

pois se acredita que essa iniciativa contribuirá para o trabalho de todos os que estão

empenhados numa educação que faça jus à inteligência, capacidade e direito de nossos

estudantes.

Palavras-chave: Ensino de Matemática. Atendimento Educacional Especializado. Práticas

Pedagógicas.

1 Mestre em Educação pela UNIVALI. Professora no Atendimento Educacional Especializado – AEE do IFC –

Câmpus Araquari. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Computação Aplicada pela UNISINOS. Professora de matemática do IFC – Câmpus Araquari. E-

mail: [email protected].

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Introdução

Para contribuir com a construção de um ensino médio inclusivo é necessário mudar o

fazer pedagógico, centrando-o em uma aprendizagem contextualizada que potencialize o

trabalho e as produções dos estudantes. Entende-se que a construção de práticas pedagógicas

inclusivas, que promovam o acesso aos serviços e recursos pedagógicos e de acessibilidade,

viabilizam a superação da discriminação e da segregação no contexto das Instituições de

Ensino.

O contexto deste segundo relato de experiência pressupõe um estudo de caso em que

se parte da premissa da mobilização do saber com o saber-fazer nas áreas de conhecimento da

Matemática e da Psicopedagogia. Com o desejo de assegurar um atendimento e um

acompanhamento individualizado a um aluno com diagnóstico de Síndrome de Klinefelter,

optou-se por uma abordagem sistemática semanal, de duas horas aula, colocada em prática

por uma professora de Matemática e uma Psicopedagoga, esta responsável pelo Atendimento

Educacional Especializado – AEE no IFC - Câmpus Araquari. No primeiro relato, em fase de

edição em livro, foram situadas as experiências de adaptação do material e da abordagem

usadas com o aluno. Neste segundo relato, são apresentadas as situações que se mantiveram e

as ações organizadas para atender às necessidades do aluno, mantendo-se o referencial teórico

de base.

Compreende-se a Matemática como uma área de conhecimento específica, mas que se

articula com as demais quando se tem uma postura interdisciplinar. Essa integração entre

áreas do conhecimento está tão presente e se faz tão necessária que D'Ambrosio (1999) já

denunciava sobre “[...] o risco do desaparecimento da Matemática como disciplina autônoma

dos sistemas escolares [...]” frente às condições de ser ensinada da maneira inútil e

desinteressante, com testes padronizados, listas de exercícios descontextualizadas em seu

desenvolvimento histórico e da realidade social do aluno. No entanto, a citação vai além da

interdisciplinaridade e do desinteresse dos alunos pela matemática. Aliada a essa realidade,

outra situação aparece gradativamente nas escolas regulares: a inclusão de alunos que

necessitam de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Com o processo de inclusão,

como fica o ensino das áreas do conhecimento? É proposta aos professores formação

continuada para essa realidade? Como são as relações entre alunos e professor e entre alunos?

O que isso modifica e contribui na educação de uma sociedade?

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No estudo de caso proposto, a Educação Matemática como área de investigação

constitui-se em um importante campo a ser explorado, no qual se caracteriza um processo

educativo como os demais, cuja finalidade, naquilo que dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDB, Nº 9.394 de 1996 – em seu Artigo 2º, é “[...] o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação

para o trabalho”.

No tocante à psicopedagogia, esta é uma área que busca pelo processo de

aprendizagem significativa, e acima de tudo pelo sujeito desse processo que é aprendente (o

ser cognoscente). De acordo com Bersch (apud MANTOAN, 2009, p. 132), “a Educação

Especial sai de uma prática substitutiva, à parte, e se transforma em uma prática

complementar e interligada à escolaridade comum e a todos os desafios que a inclusão impõe

ao aluno com deficiência”.

O Núcleo de Atendimento à Pessoas com Necessidades Específicas – NAPNE do IFC

– Câmpus Araquari objetiva criar estratégias para derrubar barreiras que se interpõem entre

professor/aluno e aluno/conhecimento institucionalizado face às limitações inerentes ao

diagnóstico de uma deficiência física ou cognitiva. O objetivo é a plena participação dos

estudantes e acadêmicos na instituição e o desenvolvimento de sua aprendizagem.

O NAPNE pressupõe o Atendimento Educacional Especializado que se efetiva por

meio de ações promotoras de acesso, da permanência e da participação dos estudantes e

acadêmicos no processo de ensino e de aprendizagem, conforme disposto na Resolução nº 04,

de 02 de outubro de 2009, em seu Artigo 3º, quando afirma que a Educação Especial se

realiza em todos os níveis, etapas e modalidades, tendo o AEE como parte integrante do

processo educacional.

Essas ações envolvem o planejamento e a organização de recursos e serviços para a

promoção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, nos sistemas de informação, nos

materiais didáticos e pedagógicos, que devem ser disponibilizados nos processos seletivos e

no desenvolvimento de todas as atividades que envolvem o ensino e a aprendizagem como um

processo contínuo.

A professora responsável pelo AEE do IFC - Câmpus Araquari faz atendimento e

acompanhamento aos estudantes do Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio, bem como

aos acadêmicos dos cursos superiores ofertados pelo Câmpus, sendo que seu âmbito de

atuação contempla todos os níveis e modalidades disponibilizados na Instituição.

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Implantação do AEE no IFC – Câmpus Araquari

A proposta da implantação do AEE - Atendimento Educacional Especializado - no IFC

Câmpus Araquari encontra-se amparada legalmente e em princípios teóricos fundamentados,

bem como em ideais democráticos de igualdade, equidade e diversidade. De acordo com

Mantoan (2009), muitas vezes as práticas inclusivas se distanciam das proposições teóricas e

legais.

O AEE caracteriza-se pela maneira particular de vivenciar o saber - passo inicial para

se trabalhar o processo do outro. Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver,

aprender a ser (DELORS, 1999) se conjugam com os propósitos da ação inclusiva, bem como

da ação psicopedagógica. No entanto, os pilares educacionais que há muito vêm sendo

cogitados pela política educacional, quase nunca são levados a contento de uma educação

politicamente qualitativa e igualitária para todos, daí a necessidade de projetos que levem

essas premissas em consideração no processo educacional.

A implantação e consolidação do AEE no IFC - Câmpus Araquari demonstra a

percepção da Instituição que observa o futuro educacional, tendo em vista que já estão

sinalizadas as metas e estratégias para a Educação. Lembra-se que essas metas estão previstas

no Plano Nacional da Educação – PNE 2014-2024, dentre as quais se destacam a expansão

das matrículas gratuitas de ensino médio integrado à educação profissional, observando as

peculiaridades das pessoas com deficiência, além de expandir essa oferta às pessoas com

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

Contexto e encaminhamentos do AEE para o estudante do Curso Técnico em

Informática

No ano de 2013, ingressou por meio do processo seletivo o adolescente que será

tratado pelo nome de Paulo (16 anos), obtendo aprovação para cursar o Técnico em

Informática Integrado ao Ensino Médio. Logo após a matrícula, a mãe do estudante entregou

à Instituição laudo médico indicando Síndrome de Klinefelter.

Esta síndrome é um distúrbio genético cromossômico, ou seja, está relacionada com

alterações numéricas no conjunto de cromossomos de um indivíduo. Nesse caso, o indivíduo

portador apresenta no seu cariótipo (conjunto cromossômico) um cromossomo X a mais. Este

cromossomo sexual extra (X) causa uma mudança nos aspectos genotípicos e nos aspectos

fenotípicos característica nos meninos. É importante ressaltar que todos os homens

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normalmente possuem um cromossomo X e um Y, mas ocasionalmente uma variação irá

resultar em um homem com um X a mais (ARAÚJO, 2002).

Foi entregue a cada professor da turma na qual o estudante Paulo estava matriculado,

nos anos de 2013 e 2014, um relatório com a descrição da Síndrome de Klinefelter, abordando

os aspectos genotípicos e aspectos fenotípicos, entre outras características. Além desses,

disponibilizou-se uma avaliação neuropsicológica do adolescente, questões sobre bullying,

sugestões de estímulo para o estudante com recomendações para a escola e docentes.

No final do ano letivo de 2014, em Conselho de Classe Final, foram levantadas

diferentes questões acerca do aprendizado do aluno Paulo e de que forma será certificada sua

aprovação para o mercado de trabalho ao final do curso. Deliberou-se pela organização de um

currículo diferenciado. O estudante participa regularmente das disciplinas ofertadas no curso

técnico em Informática e tem dois acompanhamentos específicos, sendo um com foco na área

de Matemática e outro centrado nos encaminhamentos profissionais da área da Informática. A

motivação para o acompanhamento na área da matemática e o direcionamento para a

elaboração dos atendimentos surgiram após conversa com a mãe do aluno ao relatar algumas

dificuldades com a disciplina, principalmente com o manuseio do dinheiro no dia a dia.

Paralelo a esses encaminhamentos, foi realizado com os colegas de turma alguns

encontros nos quais sinalizou-se que o estudante apresenta uma diferença entre a idade

cronológica e a mental de aproximadamente cinco anos, bem como apresenta um

comprometimento no nível de aprendizagem. O intuito desses encontros com a turma foi de

pontuar a necessidade de um Atendimento Educacional Especializado para o estudante Paulo.

Na relação estudante professor e entre estudantes, Paulo tem um bom relacionamento

com todos, foi bem aceito pela turma na qual está matriculado e todas as suas ações –

principalmente quando atípicas – são colocadas para as professoras que o acompanham para

averiguação e, se necessário, providências.

Para melhor compreensão do acompanhamento proposto na área da matemática,

seguem os tópicos:

Decidiu-se em conjunto com o estudante e responsável duas horas-aula semanais

para realização do acompanhamento específico na área de Matemática;

Esse momento de acompanhamento específico na área de Matemática deve ser

compreendido como estudo dirigido/assistido, garantindo o acompanhamento

específico de:

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Um docente com formação em Matemática do próprio IFC – Câmpus Araquari,

tendo sua carga horária de aulas ampliada em duas horas-aula na turma AEE;

Uma adaptação curricular, considerando as sugestões do Núcleo Docente Básico –

NDB – ou colegiado, a partir da análise do Plano de Ensino da Disciplina de

Matemática, contemplando os conceitos e conteúdos do Ensino Fundamental I e

II;

Um registro dos procedimentos adotados por meio de relato apoiado ao Plano de

Ensino adaptado ao AEE.

Vale destacar a importância e necessidade de se viabilizar esses atendimentos, os

quais se caracterizarão como AEE realizado por professores das áreas,

concomitante ao acompanhamento da professora responsável pelo setor, formada

na área de pedagogia, com especialização em psicopedagogia.

Nesse sentido, o Atendimento Educacional Especializado adota uma abordagem

contextualizada e significativa, a qual tem como pressuposto gerar um ambiente que desperte

o interesse do estudante, motivando-o a explorar, pesquisar, descrever, refletir e organizar suas

ideias. A função do professor, nessas circunstâncias, deve ser a de possibilitar essa maneira de

construir o conhecimento, ressignificando sua função e transformando-se em mediador.

Estudo de caso no acompanhamento na área de matemática

Optou-se pela metodologia de Estudo de Caso, tipo de pesquisa caracterizada por

apresentar por objeto uma unidade que se possa analisar de forma mais aprofundada. Visa,

assim, ao exame detalhado de um ambiente, de um local, de uma situação específica, de um

determinado objeto ou de um sujeito. Segundo Gil (1991), o Estudo de Caso pode ser

conceituado como um modo de coletar informação específica e detalhada, frequentemente de

natureza pessoal, envolvendo o pesquisador, sobre o comportamento de um indivíduo ou

grupo de indivíduos em uma determinada situação e durante um período dado de tempo. De

forma geral, o Estudo de Caso visa proporcionar certa vivência da realidade, tendo por base a

discussão, a análise e a busca de solução de um determinado problema extraído da vida real.

Os atendimentos de duas horas-aula semanais começaram em março de 2015, de

acordo com Plano de Ensino elaborado pela professora de Matemática e a Psicopedagoga. A

partir das informações da mãe do aluno, resolveu-se trabalhar conceitos que remetem ao uso

do dinheiro. Até o início dos atendimentos, não se sabia o grau da descalculia que o aluno

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apresentava. Vale ressaltar que a matemática abordada nos anos que certificam o ensino

médio tem conteúdos bem diferentes dos propostos ao AEE e o acompanhamento em sala pela

professora não é o mesmo quando se tem à frente uma turma de 36 estudantes. Mesmo que

esse tratamento não seja o mesmo, o estudante já tem no ensino médio técnico atividades

diferenciadas quanto à avaliação em muitas áreas do conhecimento e Paulo corresponde com

comprometimento e assiduidade.

Antes de tratar dos encontros propriamente dito, é importante sinalizar algumas

concepções no campo da matemática. Segundo Kamii (1993), a natureza do número

compreende três tipos de conhecimento: conhecimento físico, conhecimento lógico-

matemático e conhecimento social (convencional). O conhecimento físico refere-se aos

objetos da realidade externa; o lógico-matemático consiste na coordenação de relações e o

social é estabelecido pelo contexto e pela cultura na qual o estudante está inserido.

De acordo com Kamii (1993), os conceitos numéricos não podem ser ensinados

somente pela transmissão social, como conhecimento social (convencional), mas sim por

meio das relações estabelecidas entre o conhecimento físico, o lógico-matemático e o social.

Há, dessa forma, certas coisas que um professor pode fazer para encorajar o aluno a pensar

ativamente - colocar coisas em relações -, estimulando o desenvolvimento da estrutura lógico-

matemática.

Para o primeiro encontro, pensou-se em fazer um levantamento de conceitos básicos

do tipo números pares e impares. Utilizou-se como referência e incentivo o livro de Zaslavsky

(2009), de onde se tirou a ideia dos números pares e ímpares estudados no calendário dos

anos de 1999 e 2000. Cada encontro – atendimento – tem uma ficha de acompanhamento

elaborada pela professora de matemática, alternando teoria e exercícios, preocupando-se com

contextualização da matemática. No fim desta, exercícios complementares para resolução em

casa são propostos e, na aula seguinte, retomados. Identifica-se que Paulo apresenta

dificuldades quanto à apreensão da matemática via fórmulas, mas associa de imediato um

número citado pela professora de Matemática à altura de um prédio e que este pode ser o mais

alto do mundo, por exemplo. Associar situações de pesquisa faz com que o trabalho proposto

no AEE seja, para o Paulo, mais atrativo e o aprendizado mais significativo.

Ainda nesse encontro, as professoras perceberam que Paulo estava ansioso, inquieto e

pouco falava. As proponentes do acompanhamento verificaram que estava preocupado com a

forma de avaliação – nota –, sendo logo tranquilizado que seria um acompanhamento que

visava o aprendizado e não a nota para aprovação.

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À medida que o material avançava, percebeu-se a dificuldade na diferenciação de um

número, se é par ou ímpar. A professora de matemática precisou, de forma imediata, utilizar

de outros artifícios que pudessem remetê-lo à formação dos pares – por exemplo, a formação

dos pares numa caixa de ovos ou, então, juntando polegar com polegar, indicador com

indicador. Paulo fez todas as atividades e muitas vezes essa formação foi retomada para ver se

o entendimento havia se concretizado.

Os atendimentos a partir desse primeiro têm que ser ministrados de maneira lenta e

com poucas mudanças de um para outro. Quanto mais variadas as formas de associação para

apropriar-se do conteúdo, melhor parece ser o rendimento do aluno. A cada encontro,

justificando a formação da professora de Matemática não estar voltada para trabalhar essas

inclusões e até mesmo a ausência desse tipo de formação, alterações são necessárias ao longo

da explanação e algumas considerações colocadas na ficha de acompanhamento nem são

abordadas.

A partir do primeiro encontro, as primeiras impressões e a importância da

comunicação e estudo semanal da professora de Matemática e da Psicopedagoga são de que

os encontros com Paulo têm avançado no que trata do trabalho com números pares e ímpares

e noção de maior e menor, mediante o uso de materiais disponíveis em sites (Escola Games),

em livros (ZASLAVSKY, 2009) e também pelo retorno dado pelo aluno.

Dentre as atividades que apresentam resultados significativos estão o trabalho com

encartes de supermercados para ajudar o aluno a diferenciar, em maior e menor, os valores

decimais dos produtos impressos (Figura 01). Fazer a leitura de um número decimal e

compará-lo com outro demandou mais tempo, dado que a apreensão do conteúdo por parte do

estudante não foi verificada. Passou-se então para atividades que remetem à soma e subtração

desses valores decimais. Fez-se nesse momento a inserção das cédulas de dinheiro. Mesmo

desenvolvendo muitas atividades, Paulo tem dificuldade em analisar e verificar que uma nota

de R$20,00 não é suficiente para realizar uma compra no valor de R$22,50 (Figura 02).

No retorno do recesso escolar de julho, todas as atividades já desenvolvidas foram

retomadas. Mais uma vez ficou evidente a percepção mais segura quanto ao maior e menor de

números naturais, mas ao entrar na questão “dinheiro”, as dificuldades reapareceram. Paulo

inclusive comentou que ao ir ao mercado com sua mãe pede ajuda para desenvolver algumas

questões trabalhadas nos encontros.

Pretende-se em um próximo momento adotar as moedas, mas as professoras

responsáveis pelo trabalho sabem que é necessário buscar outra forma que permita a

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concretização desse aprendizado. Que material é o mais adequado para tal? Não se sabe, mas

se tem a certeza de que alguma coisa já foi feita por esse estudante.

Figura 01 – Paulo desenvolvendo atividades com itens impressos no encarte de um supermercado

Fonte: As autoras (2015)

Este estudo dirigido para a disciplina de matemática muito tem a contribuir na

educação de uma sociedade nova, na qual integrantes com características especiais se inserem

diariamente. O ensino da matemática está sendo um desafio a cada encontro, porque não se

sabe o quanto foi apreendido pelo aluno Paulo no encontro anterior. Isso também não

significa que a atividade, se aplicada novamente na outra semana, terá o mesmo retorno ou

compreensão.

Figura 02 – Cédulas de dinheiro, itens de mercado, colagem e questões do cotidiano: associar qual(is) cédula(s)

é(são) suficiente(s) para realizar o pagamento do(s) item(s) a ser adquirido(s)

Fonte: As autoras (2015)

À medida que os encontros vão acontecendo, outros fatores contribuem para uma boa

aula ou não. Um deles é a ansiedade, sentimento difícil de lidar, pois Paulo está na reta final

do ensino médio e seu objetivo é a formatura com a turma. Outro fator é quando outros

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professores ofertam oficinas diversificadas (por exemplo, oficinas de física, onde puderam

construir o relógio de sol e também construir um foguete). Paulo sempre manifesta interesse

em participar e muitas vezes esses encaminhamentos coincidem com o horário dos encontros

para o acompanhamento em matemática. Há, então, que se reorganizar as atividades como

tarefas, porque Paulo mostra-se comprometido e interessado nas atividades extraclasse. O

trabalho não está sendo fácil. Faz-se necessário persistência diante da nova situação à qual as

professoras e o aluno foram submetidos e requer muito estudo por parte das professoras.

Esquecer a frustração de uma atividade não muito bem-sucedida, aceitar e buscar outras

formas de explanação fazem parte do processo.

Considerações Finais

Aprender e ensinar em uma escola que seja para todos constitui um grande desafio que

se coloca aos educadores contemporâneos. Mudanças culturais e legais estão fazendo com que

alunos provenientes de diferentes contextos, com necessidades e deficiências variadas,

cheguem ao ensino médio, situação que lhes é de direito. Isso requer dos professores

capacitação e uso de estratégias adequadas para incluir e acolher a todos, promovendo uma

educação de qualidade e inclusiva. Nesse sentido, o professor deve priorizar o ato de

estimular o estudante a pensar ativa e autonomamente em todos os tipos de situações. Um

estudante que pensa ativamente, à sua maneira, incluindo quantidades, inevitavelmente

constrói o número – o conhecimento lógico-matemático.

Os desafios são muitos e exigem diálogo com as diversas áreas do conhecimento. A

proposição mais desafiadora talvez seja a necessidade de se adotar paradigmas de avaliação e

acompanhamento para que a inclusão tenha sucesso e os alunos aprendam. Para Mantoan

(2009), a educação básica deve adotar outros indicadores para reconhecer o mérito de cada

estudante diante da aprendizagem dos conteúdos programáticos das disciplinas de todas as

áreas do conhecimento.

Há tempos sabe-se que a matemática, se não proposta em consonância com outras

áreas do conhecimento e promovendo a associação com questões atuais, torna-se

desinteressante e inútil na percepção dos alunos. Mesmo que sejam obedecidas as diretrizes

estabelecidas para cada ano escolar nos PCNs (1997 e 1998), e mesmo citando isto

constantemente à frente de uma turma de alunos, fatores externos e que não dizem respeito ao

ensino propriamente dito da matemática estão mudando o que os professores viram nos cursos

de licenciatura e sua explanação em sala de aula também se modifica.

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Fatores como a inclusão de alunos que necessitam de AEE estão presentes nas escolas

de ensino regular, com as mais diversas síndromes, e raramente se faz algo para promover a

integração desses alunos com os demais colegas e também ao sistema tradicional de ensino.

Poucas Instituições como o IFC – Câmpus Araquari têm a proposta incentivada pela direção

do Câmpus com o diferencial referente à institucionalização do AEE articulado às ações do

NAPNE. A finalidade é atender e acompanhar os estudantes com necessidades específicas,

bem como subsidiar ferramentas para o professor implementar sua prática pedagógica. Fazer

com que esses alunos se sintam bem e adaptados à realidade da Instituição é fator primordial

no acompanhamento dessas situações. Promover a capacitação de seus professores, mesmo

que através de pesquisa autônoma, como no caso do trabalho com Paulo, vem em

contrapartida aos poucos cursos de formação continuada na área da educação especial.

No trabalho proposto, relata-se um caso específico de um estudante com Síndrome de

Klinefelter, o qual possui descalculia acentuada, cursando o ensino médio integrado ao Curso

Técnico em Informática. Foi proposto um trabalho de acompanhamento diferenciado que

deveria oportunizar atividades que o fizessem apropriar-se de conceitos e conteúdos

abordados no Ensino Fundamental referentes à especificidade de Matemática. No caso

estudado, pode-se dizer que os avanços ainda são observados de forma insípida, ou seja, não

se sabe o real aprendizado de Paulo e sua efetiva internalização dos conceitos e conteúdos

para que se possa fazer um relato sobre resultados. No entanto, estão sendo ofertadas

condições e recursos que possam provocar no aluno a liberdade de pensar, realizar, perceber e

dar sentido ao mundo e a sua participação como sujeito atuante dessas mudanças, bem como

ter uma comunicação dialógica, na qual inventar, compartilhar e questionar se fazem

presentes.

Nesse cenário de desafios, faz-se necessário aprofundar e repensar em que medida se

compreende a forma de aprender do aluno com necessidade específica, se as aprendizagens

são funcionais e significativas, se o docente dispõe de suportes e assessorias necessárias para

gerar alternativas de comunicação, ferramentas adequadas para o ensino e formatos de

avaliação suficientemente flexíveis e dinâmicos, se a escola mantém uma relação fluente e

construtiva com a família, entre outras proposições. Tudo isso supõe recontextualizar as

práticas, privilegiando seu caráter interativo e social. Cabe ressaltar ainda que desenvolver

culturas inclusivas parte da premissa da criação de uma comunidade escolar segura,

acolhedora, colaborativa e estimulante. A escola é heterogeneidade, diversidade, e essa

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diversidade há de ser fonte de enriquecimento e de aprendizagem mútua. O IFC – Câmpus

Araquari está fazendo sua parte, e você?

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, M. P. M. A Síndrome de Klinefelter: caracterização e pressupostos inclusivos.

2002. Disponível em: <http://www.facevv.edu.br/Revista/Especial%2002/artigo11.pdf>. Acesso em: 12 mai. 2015.

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