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Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação lato sensu da Faculdade WDIREITO/Universidade Cândido Mendes, como requisito para a obtenção do grau de Especialista em Língua Portuguesa.
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WDIREITO/UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDESPRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA
JOSÉ ARNALDO DA SILVA
MONOGRAFIA
A OBSESSIVA PREOCUPAÇÃO DOS PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL COM OS “ERROS” ORTOGRÁFICOS
Bom Jardim-MA 2011
JOSÉ ARNALDO DA SILVA
A OBSESSIVA PREOCUPAÇÃO DOS PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL COM OS “ERROS” ORTOGRÁFICOS
Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação lato sensu da Faculdade WDIREITO/UCAM, como requisito para a obtenção do grau de Especialista em Língua Portuguesa.
Aprovada em / /
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________João Francisco Sinott Lopes (Orientador)
___________________________________________________(1º Examinador)
___________________________________________________(2º Examinador)
AGRADECIMENTOS
À minha esposa e aos meus filhos pelo companheirismo caloroso de estarem ao meu
lado sempre, até mesmo nos momentos de estudo.
Ao professor e mestre João Francisco Sinott Lopes, por sua orientação, paciência,
apoio, credibilidade e compreensão com que divide com seus orientados, mesmo distante.
A todos aqueles que, direto ou indiretamente, doaram de si um pouquinho do seu tempo
em prol da conclusão deste trabalho.
.
Ao meu avô Antonio Cândido, in memory, e a
todos aqueles que possam se beneficiar deste
trabalho.
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…
Olavo Bilac
RESUMO
Este trabalho objetiva analisar os “erros” ortográficos mais frequentes, contidos nos textos dos
alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, diante da obsessiva preocupação dos
professores de erradicar esses “erros”, mostrando como as crianças, ao se iniciarem na escrita,
dedicam nessa tarefa um trabalho reflexivo enorme e se agarram a regras que evidenciam usos
possíveis do sistema de escrita da língua portuguesa, onde todos os enganos revelam que essas
crianças não cometem “erros” aleatórios ou irrefletidos, mas um mero desvio da ortografia
oficial que tem uma explicação lógica e científica perfeitamente demonstrável. Objetiva
também, no processo ensino-aprendizagem de língua portuguesa, colaborar na concepção da
complexidade da relação entre as letras e os sons da fala, assim como subsidiar os professores
na concepção dos “erros” ortográficos contidos nos textos de seus alunos.
Palavras-chave: erros ortográficos – ensino fundamental – ensino-aprendizagem – ortografia
oficial – sistema de escrita
ABSTRACT
This work aims at to analyze the " more frequent orthographic mistakes ", contained in the
students' of the final years of the Fundamental Teaching texts, due to the teachers' obsessive
concern of eradicating those " mistakes ", showing as the children, to the if they begin in the
writing, they dedicate in that task an enormous reflexive work and they hold on to rules that
evidence possible uses of the system of writing of the Portuguese language, where all the
mistakes reveal that those children don't make " mistakes " aleatory or thoughtless, but a mere
deviation of the official spelling that has a logical and scientific explanation perfectly
demonstrable. He/she/you also aims at, in the process teaching-learning of Portuguese
language, to collaborate in the conception of the complexity of the relationship between the
letters and the sounds of the speech, as well as subsidizing the teachers in the conception of
the " orthographic mistakes " contained in your students' texts.
Word-key: orthographic mistakes - I teach fundamental - teaching-learning - official spelling
- writing system
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................9
2 SISTEMA DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA.................................................10
3 COMO AS CRIANÇAS PRODUZEM SEUS TEXTOS 11
4 A QUESTÃO DOS ERROS...............................................................................................14
5 OBSESSÃO ORTOGRÁFICA ..........................................................................................16
6 ANÁLISE DE “ERROS” ORTOGRÁFICOS....................................................................18
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS. ...........................................................................................26
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................27
ANEXOS ..........................................................................................................................28
1 INTRODUÇÃO
A partir da década 80, o ensino de língua portuguesa na instituição escolar passou
a ser o centro da discussão acerca de necessidade do melhoramento de qualidade educacional
brasileira. O ponto principal da discussão, no ensino fundamental, no que diz respeito ao
fracasso escolar, tem sido o problema da leitura e da escrita. Segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCN: língua portuguesa, primeiro e segundo ciclos do ensino
fundamental (BRASIL, 1997), o domínio da língua, oral e escrita, é essencial para a
participação social efetiva, produz conhecimentos, tem acesso à informação, partilha ou
constrói visões de mundo. Por isso, ao ensiná-la, é responsabilidade da escola a garantia de
que todos os seus alunos tenham acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício
da cidadania, direito inalienável de todos.
Entretanto, alguns procedimentos da escola tem sido desastrosos com relação à
produção de textos. E um desses procedimentos é a excessiva preocupação com os erros
ortográficos nos anos iniciais nessa modalidade de ensino. A escola tem dado mais atenção
aos “erros” do que aos acertos, mantendo um rígido controle de formas ortográficas sem
apostar na competência da criança de escrever e se autocorrigir.
Pretende-se, então, com este trabalho fazer uma possível análise dos “erros” ortográficos
mais frequentes nos textos, produzidos espontaneamente, dos alunos da 4º ano do Ensino
Fundamental da Escola Municipal de Educação Básica Ney Braga, neste município,
mostrando como e porque as crianças os cometem e também tentar oferecer aos colegas
professores subsídios que lhes possam ser úteis na análise dos “erros” contidos nos textos de
seus alunos, para futura intervenção nos desvios da ortografia oficial.
Para o desenvolvimento do presente trabalho foram investigados, registrados e
analisados fenômenos que trabalha a concepção dos “erros” ortográficos presentes nos textos
dos alunos já referidos. Para tanto, buscou-se referências que versam acerca do assunto em
questão.
9
2 SISTEMA DE ESCRITA DA LÍNGUA PORTUGUESA
O sistema de escrita da língua portuguesa utiliza vários tipos de alfabeto. Apesar disso
não é totalmente alfabético, por usar, além das letras, outros caracteres de natureza
ideográfica, como os números e os sinais gráficos que conferem um valor sonoro especial a
letras ou a grupos de letras chamados sinais diacríticos.
É muito comum, ainda, uma utilização morfológica de letras, de conjunto de letras,
formando siglas ou abreviaturas. Para Cagliari (1999), a relação se estabelece entre grupos de
letras ou letras e morfemas ou palavras: Sr., Dr., INSS, MA, qq (qualquer), cça (criança),
atual / (atualmente) etc. É bom notar que Sr. se lê “senhor”, nunca [sr]; Av. se lê “avenida” e
não [av] etc. Quanto às letras, essas têm um uso alfabético, ou seja, uma letra corresponde a
um segmento fonético, como em lata [lata], mata [mata], vaca [vaka], etc.; onde, nos
exemplos, l, a, t, m v, c, são letras e o sistema de escrita é o alfabético, propriamente dito.
Todavia, explica Cagliari (1999) que a relação um a um entre símbolo e som pode ser
perdida pelas letras, deixando de ter um uso exclusivamente alfabético, no sentido segmental,
e obtendo às vezes um valor silábico. Ocorre, assim, uma relação entre letra e sílaba. Como
nos exemplos: afta [afita], apto [apitu], técnica [tekinika], etc., em que o f é [fi], o p é [pi] e o
c é [ki]. É necessário observar que o nome da letra é pê, porém em apto seu valor é [pi].
Para o autor, “o valor silábico não provém só do nome das letras. Essa extensão do valor
de uma letra pode ir além de uma sílaba. Escreve-se fixe e fique-se diferentemente, mas em
algumas circunstâncias, são pronunciadas da mesma maneira [fi-ki-se]” (CAGLIARI, 1999,
p.177).
De acordo com Callou e Leite (2001, p.45), isso acontece porque “não há uma
correspondência exata entre o número de grafemas e o de fonemas da língua”, ou seja, dois
grafemas (dígrafos) podem fazer representação de um fonema como é o caso de ch, gu, qu,
etc.
Exemplos: ch em chave, gu em guerra, qu em queda
Usa-se ainda no sistema de escrita da língua portuguesa:
Letras que não têm nenhum som na fala, mas que na escrita estão presentes: h em hino
[ino], i em lápis [laps]
Uma mesma letra para relacionar com diferentes segmentos fonéticos: x em táxi,
examinar, sexta, m em maca, sem, campo.
7
10
3 COMO AS CRIANÇAS PRODUZEM SEUS TEXTOS
Inicialmente, a criança pequena, ao tentar produzir um texto, faz rabiscos, geralmente
pequenos, confundindo linhas curvas e retas. Nem sempre o rabisco é interpretado por ela que
procura às vezes escrever alguma coisa que imaginou. A conclusão, portanto, é uma escrita
enigmática cujo significado somente o autor conhece. No esforço de escrever, a criança busca
representar o que ela pensa que seja a escrita, e não copiar. Essa etapa é superada por algumas
crianças antes de entrarem para a escola, mas é ao ingressarem na 1ª série do Ensino
Fundamental que muitas adquirem a possibilidade de vivenciá-la.
Por isso é relevante deixar que o aluno experimente como escrever as letras; dar tempo
para que isso possa acontecer; como também perguntar a ele o que quer dizer o seu escrito e
anotar as respostas, para que o seu desenvolvimento possa ser acompanhado.
Entretanto, na maioria das escolas, a criança não tem permissão para fazer o seu
aprendizado da escrita como fez o da fala. Isto é, “ela não tem liberdade para tentar,
perguntar, errar, comparar, corrigir; tudo deve ser feito ‘certinho’, desde o primeiro dia de
aula” (CAGLIARI, 1999, p. 121). Às vezes a instituição escolar supõe que os exercícios
preparatórios sejam o melhor caminho de desenvolvimento de habilidades de escrita e de
leitura para o aluno. Alguns métodos são tão rigorosos em suas atividades, e tão longos em
particularidades preparatórias, que não sobra tempo nem espaço para os alunos
desenvolverem suas hipóteses sobre a escrita (CAGLIARI, 1999).
O ensino de Gramática não é necessário para as crianças que estão começando a
escrever, pois elas já dominam a língua portuguesa na sua modalidade oral. Depois dos
primeiros contatos com o alfabeto, a dificuldade das crianças consiste simplesmente no fato
de desconhecerem a forma ortográfica das palavras. No entanto, se tiver que ensinar a forma
ortográfica para depois permitir que os alunos escrevam, usando somente as palavras
aprendidas, isso ocasionará um bloqueio do uso da linguagem do aluno, com consequências
sérias para suas atividades. Na continuidade esse método faz com que esse aluno se sinta
impedido de escrever o que pensa que deve e o que gostaria, colocando-o em situações
complicadas na produção de textos escritos.
Nesse sentido, algumas atitudes da escola com relação à produção de textos têm sido um
desastre. As crianças não podem escrever o que quiserem nem como quiserem.
Evidentemente, o professor deve orientar o aluno quanto à forma do que vai escrever, mas
deve mostrar também a diferença entre a escrita e a fala aos alunos. Tendo sempre o cuidado
11
de explicar que não existe um jeito certo de se expressar, e que a escrita é uma convenção,
com regras definidas.
Portanto, a melhor forma de valorizar as atividades dos alunos é deixá-los produzirem
textos espontâneos não dando muita atenção aos erros ortográficos e apostar na capacidade
deles de escrever e se autocorrigir com relação à ortografia. Isso é de fato uma motivação
verdadeira para a escrita, um incentivo e um desafio que o aluno sente na sua tarefa.
O guia Educar é uma tarefa de todo nós, elaborado pelas professoras Ana Rosa Abreu,
Eliane Mingues e Renata Violante, da Assessoria Nacional de Programas Parâmetros em
Ação – Secretaria de Educação Fundamental/Ministério da Educação, referindo-se aos erros
ortográficos, afirma que “no início, todo mundo erra” (BRASIL, 2010, p. 9). E acrescenta
ainda:
Quando as crianças estiverem começando aprender e escrever, não corrija seus erros de ortografia ou sua “letra feia”. O importante é que ela escreva com liberdade e imaginação. Aos poucos, os erros vão diminuir e a letra melhorar. É muito mais importante que você dê parabéns do que ficar corrigindo (BRASIL, 2010, p. 9).
Para Cagliari (1999), o controle das formas ortográficas é um desastre para ensinar
alguém a escrever o que pensa, só é conveniente para fazer avaliações de massa nas classes.
Observa ainda Cagliari (1999, p. 124) que:
O excesso de preocupação com a ortografia desvia a atenção do aluno, destruindo o discurso linguístico, o texto, para se concentrar no aspecto mais secundário e menos interessante da atividade de escrita. Além disso, o controle ortográfico destrói o estímulo que a produção de um texto desperta numa criança.
Contudo, isso não significa que as crianças não necessitem aprender a ortografia. É claro
que sim, mas no tempo conveniente e na medida certa. E quando chegar esse momento é
importante assinalar que, segundo Marcozzi et al. (1985, p. 177), a correção feita apenas pelo
professor não terá maior valor para o aperfeiçoamento do aluno que, na maioria das vezes,
não se detém à verificação de seus erros ou não entendem o motivo das falhas assinaladas.
Caso o professor não possa, por qualquer razão, corrigir a composição juntamente com o
aluno, deverá comentar com ele os erros cometidos, mostrando o melhor modo de retificá-los.
O aluno precisa entender claramente o que errou, porque errou, e, ele mesmo, buscar a
maneira de corrigir a sua falha.
12
Um mesmo segmento fonético para representar letras diferentes: [∫] em chama, enxada,
[k] em cama, queijo, [s] em sábado, cebola, passagem.
Apesar de possuir números, siglas, símbolos ideográficos etc., sistema de escrita da
língua portuguesa é essencialmente alfabético, tendo como base a letra. Isso precisa ficar bem
explicado, porque é comum praticar nas classes de alfabetização o uso da sílaba como base,
confundindo e ampliando a dificuldade na aprendizagem da criança. Ou seja, pedir às crianças
que separem sílabas na escrita é uma prática que pode ser mais complexa do que aparenta. As
crianças não usam, para essa tarefa, as regras gramaticais, mas a maneira como a palavra é
pronunciada, provocando dúvidas, já que a pronúncia é variável quanto ao número de sílabas.
Assim: [di-si-pli-na], [dsi-pli-na] disciplina; [ta-ki-si], [ta-kis], [ta-ks] táxi
O português, como se sabe, não é uma língua de ritmo silábico, mas acentual. Então,
“forçar os alunos a aprender o português como se fosse uma língua de ritmo silábico é induzi-
los a modificar sua fala natural, produzindo aqueles leitores que leem ‘tudo explicadinho’,
como se diz na escola, silabando as palavras, em vez de pronunciá-las com o ritmo normal”
(CAGLIARI, 1999, p. 72).
Desse modo, Mori (2001) observa-se que os sistemas de escrita não acompanham o
desenvolvimento dinâmico da língua oral, por isso acontece essa diferença entre a fala e a sua
representação gráfica, tendo como resultado os problemas ortográficos no momento de se
escrever. Nesse caso, o professor deveria conhecer o sistema fonológico da língua para poder
explicar sobre os problemas de ortografia.
13
4 A QUESTÃO DOS ERROS
Uma das tarefas do ensino da língua na escola deve ser a discussão dos valores sociais
atribuídos a cada variedade linguística, tornando notável a carga de discriminação que pesa
sobre determinados usos da língua, de maneira a conscientizar os alunos de que sua produção
linguística, tanto oral quanto escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação social positiva ou
negativa. Como se sabe, a língua é utilizada com frequência na prática da discriminação, da
exclusão social. O preconceito linguístico atuante e vivo é uma realidade incontestável no
Brasil (BAGNO, apud BRENO et al., 2002, p.70). Por isso, uma das tarefas incontornáveis da
educação linguística é explicar, explicitar e combater esse preconceito. E para que isso se
torne realidade é preciso que a noção de erro seja reavaliada.
Desse modo, tudo aquilo que, pela tradição, é classificado de “erro” ou mero desvio da
ortografia oficial tem uma explicação lógica e científica perfeitamente demonstrável. Para a
noção de erro em língua é inadmissível dentro de uma abordagem científica dos fenômenos da
linguagem. Nenhuma ciência, afinal, pode considerar a existência de erros em seu objeto de
estudo (BAGNO et al,2002 ).
No entanto, é necessário lembrar que, do ponto de vista sociológico, o “erro” existe e
sua menor ou maior “gravidade” necessariamente depende da distribuição dos falantes dentro
da pirâmide das classes sociais, que também não deixa de ser uma pirâmide de variedades
linguísticas. Quanto mais baixo se encontrar um falante na escala social, as camadas mais
elevadas atribuirão à sua variedade linguística maior número de “erros” e, também, a
diferentes outras características sociais dele.
Portanto, o “erro” linguístico, do ponto de vista sociológico e antropológico, se baseia
numa avaliação negativa que nada tem de linguística: é uma avaliação estritamente baseada no valor social atribuído ao falante, ao seu poder aquisitivo, em seu grau de escolarização, em sua renda mensal, em sua origem geográfica, nos postos de comando que lhe são permitidos ou proibidos, na cor de sua pele, em seu sexo e outros critérios e preconceitos estritamente socioeconômicos e culturais (BAGNO et al., 2002, p. 73).
Em relação à escrita, corrobora Bagno (2003, p. 126) que “seria pedagogicamente
proveitoso substituir a noção de erro pela tentativa de acerto”. Afinal, a língua escrita é uma
tentativa de analisar a língua pelo usuário da escrita na hora de escrever sua mensagem,
conforme seu perfil sociolinguístico.
Uma pessoa pouca escolarizada, pouca habituada à prática da escrita e da leitura,
possuindo como quadro referencial apenas uma suposta equivalência unívoca entre letra e
14
som, fará uma análise dotada de reduzido instrumental teórico, aplicando a analogia como
ferramenta básica. Assim, quem escreveu chicara em vez de xícara, fez isso porque quis
acertar e não porque quis errar. Se existe chicote, chinela, chique, chiclete, por analogia se
chega à possibilidade de também haver chicara. É importante saber que é constante os “erros”
de ortografia, como, por exemplo, a troca de j por g, de s por z, de ch por x.
Portanto, são casos em que é necessário fazer uma análise da relação fala/escrita
ultrapassando os limites teóricos da suposta equivalência som-letra. Dificilmente uma pessoa
tentará escrever xícara usando um j, um g, um s no lugar do x oficial, porque há ausência de
dados de experiências para uma analogia razoável. Por outro lado, uma pessoa que frequentou
a escola por muitos anos, que seja assídua em ler e escrever, familiarizada com o uso do
dicionário, que foi despertada para a existência das regularidades e irregularidades da língua
escrita, entenderá que a simples analogia será insuficiente como guia na hora de escrever.
Nesse caso, será preciso acessar outros quadros de referência, tais como a cultura erudita, a
etimologia das palavras, os critérios da normatização da ortografia, as reformas ortográficas
etc.
Em síntese, segundo Lima (2002, p.115), no início da aprendizagem da língua escrita,
nem todos os “erros” têm os mesmos significados, requerendo o tratamento pedagógico
diferenciado, por exemplo, se a criança escreve omem (homem), canssado (cansado), tera
(terra), sinco (cinco). Esses erros têm sentidos diferentes e exigem atividades didáticas
diferentes, ou seja:
Nos erros de “omem” e “sinco” não há regras para escrever essas palavras pois na grafia de “homem” justifica-se o “h” pela origem latina e em “cinco” pela tradição do uso. Desse modo, como não há regras para a escrita correta, a aprendizagem depende de memorização, [...]. Nos erros “tera” e “canssado” é possível compreender e explicar a escrita correta com uma regra que se explica a várias palavras com as mesmas dificuldades (LIMA, 2002, p.115)
Para os “erros” omem e sinco, a autora aconselha que o professor deva progressivamente
fazer atividades de discriminação auditivo-visual da escrita de palavras, de maior frequência
no uso social e nos textos e quanto aos “erros” tera e canssado, atividades didáticas que
provoquem a reflexão a respeito da regra (LIMA, 2002, p.115). Nessa concepção de avaliação
de aprendizagem, o “erro” torna-se, portanto, um instrumento construtivo de aprendizagem,
devendo trazer informações importantes na reorientação do planejamento didático.
15
5 OBSESSÃO ORTOGRÁFICA
Ao receber um texto produzido por um aluno, o professor de língua portuguesa vai logo
procurando os “erros”, direcionando toda sua atenção para o lugar e erradicação do que está
“errado”. É uma preocupação, quase exclusiva com a forma, demonstrando assim pouco
interesse pelo conteúdo que ali possa haver. É uma atitude tradicional e, sobretudo, aquilo que
Bagno (2003, p. 131) chama de “paranoia ortográfica”. Ou seja:
Uma obsessão neurótica para que todas as palavras tragam o acento gráfico, todos os C tenham sua cedilha, que todos os J e G estejam nos lugares certos... e assim por diante. Aliás, uma porcentagem enorme do que todo mundo chama de “erro de português” diz respeito a meras incorreções ortográficas (BAGNO, 2003, p.131).
As dúvidas de ortografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental, como se sabe, são
comuns e o grande problema é saber justamente como resolvê-las, e igualmente importante é
também delimitar o que corrigir. Como diz Nóbrega (apud MEDEIROS, 2003, p.30): “apenas
apontar erros ortográficos e gramaticais não é o bastante”. Isso porque “quando a criança
recebe um trabalho corrigido, olha a nota e não dá a devida atenção aos erros” (apud
MEDEIROS, 2003, p.30).
Para Bagno (2003, p.131), saber ortografia não é a mesma coisa que saber a língua. São
duas categorias diferentes de conhecimentos. O sistema ortográfico não faz parte das normas
de funcionamento da língua. A ortografia oficializada é produto de um decreto, de um ato
institucional por parte do governo, e, muitas vezes, permanece subordinada aos deleites
pessoais ou interpretações dos fenômenos linguísticos por parte dos filólogos que ajudam a
determiná-la. Por isso na passagem do século XIX para o século XX se escrevia elle; na
primeira metade do século XX se escrevia êle e agora à luz do século XXI, se escreve ele.
A lei também ordena que estrangeiros e estranhos sejam grafados com s, mesmo sendo
palavras formadas com base no prefixo extra-, presente em extrapolar, extraterreno,
extraordinário etc., mas em espanhol se escreve extranjero e extráneo. O verbo estender se
escreve com s, entretanto o adjetivo extenso e o substantivo extensão, com x e a palavra
maciço se escreve com c embora seja derivada de massa, com ss.
A lei ora em questão é a de 1943, com alterações determinadas pela lei n° 5.765 de 18
de dezembro de 1971. No entanto, já estar em vigor o Novo Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa, que no Brasil, padroniza o uso do hífen e traz mudanças na acentuação. Antes se
escrevia extra-escolar, microondas, linguüstica, idéia, heróico, feiúra. Agora se escreve
16
extraescolar, micro-ondas, linguística, ideia, heroico, feiura. Segundo o Ministério da
Educação estima que 0,5% do vocabulário brasileiro será alterado.
Esse acordo é resultado de negociações iniciadas em 1980 entre a Academia de Ciências
de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras. Mesmo com dez anos de negociações, estudos,
pesquisas e troca de informações o texto final do acordo, como era esperado, não obteve
consenso. Porém partir de 1º de janeiro de 2009 passou a vigorar no Brasil e em todos os
países da CLP (Comunidade de países de Língua Portuguesa).
A confusão gerada na explanação acima é esclarecida da seguinte maneira: “Se os
legisladores da língua podem ser tão incoerentes no momento de definir a ortografia oficial,
não há porque estranhar (ou extranhar) que as pessoas em geral também se confundam”
(BAGNO, 2003, p.132). No entanto, Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante não pensam
assim, porque na página 33 de sua Gramática da Língua Portuguesa escreveram: “não é
admissível que um alfabeto tão restrito (apenas 23 letras!) se cometam tantos erros
ortográficos pelo Brasil” (CIPRO Neto, Apud BAGNO, 2003, p. 133).
Bagno (2003) posiciona-se contra a declaração de Pasquale Neto e Infante dizendo que
são mesmo poucas as letras do alfabeto, mas elas podem se juntar em centenas (senão
milhares) de combinações diferentes, criando a riqueza inumerável das palavras da língua
portuguesa. E essas combinações possíveis nada têm de coerentes. Isso porque nosso sistema
ortográfico, como explica Lemle (2009), é, ao mesmo tempo, um sistema de representação
fonêmica, um sistema de representação morfofonêmica, um sistema com memória
etimológica e um sistema que privilegia uma variedade dialetal em detrimento de outra.
Imagine agora pelo Novo Acordo Ortográfico o alfabeto com 26 letras! Ora, achar
“inadmissível” o número de erros ortográficos “pelo Brasil afora” não passa de um raciocínio
simplista e ingênuo desses senhores.
Portanto, a preocupação do professor dos anos iniciais do ensino fundamental deve estar
voltada em acabar com a ideia preconceituosa de que quem escreve “tudo errado” é um
“ignorante” da língua e não voltada aos “erros” ortográficos de seus alunos. É, pois, pelo
contato íntimo e frequente com textos bem redigidos que se faz o ensino da ortografia, e não
com normas mal organizadas ou com exercícios que não esclarecem quase nada. O professor
deve procurar, antes de qualquer coisa, ao receber um texto escrito por um aluno (ou ouvi-lo
falar), o que ele deseja comunicar, para posteriormente preocupar-se com as particularidades
de como ele está se comunicando.
17
6 ANÁLISE DOS “ERROS” ORTOGRÁFICOS
A apresentação dos textos a seguir é uma produção escrita pelas crianças do 4º ano do
ensino fundamental, da EMEB Ney Braga, nesta cidade. A produção escrita foi iniciada por
meio de textos espontâneos, que, além dos “erros” ortográficos contidos neles, apresentam
pequenos problemas mais sérios de estrutura textual. Neles, os alunos formam frases com
palavras conhecidas, com poucos erros de ortografia, mas não se pode dizer que sejam bons
enquanto textos.
Os textos abaixo foram digitados literalmente para que se aproximasse o mais fiel
possível de sua forma original.
TEXTO 1 omenino e o cachorroEra uma vez omenino io cachorro
9 anos que omenino gostava muitodo cachorroaté que um dia ele sumil de casai ningue sabia Já muitos diassentiram fauta dele todo mundo procurando sem saber onde ele estavapasol 1 meses pasol 2 meses pasol 3 mesespassol 3 ano sem aparecér todomundoa parecéu itodomundo pensava que eletia morio mas não i asi todumundo fiquaram feliz.
TEXTO 2 Era uma vezuma boneca de zageitaba que queria
9 anos cer uma umana para cer modeloum dia ela estava domido na patileravei uma luiz e pediu que viraci umaumana e virou uma mulhe i caiu docuato a maiecel e foi atrais de emprego e a xoul um emprego pacoltreis anos era famosa era cazada i tinha um filho tinha uma casa. i jóia forãofelis para cipre
TEXTO 3 Era uma vez uma manção assonbrada6 meninas e meninos e 10 anão queviraram bichos e uma velha india
9 anos que virou uma tal de capeloba e umdia minha ermã que mora em manaus um dia 3 gange e minha ermã iacompra um pedaco de bolo de trigoquando ela centio quando ela deu o
18
primeiro paço quando as 3 gangeapontou a arma para ela e elagritou socorro e os policiais ouveramo grito da minha ermã eles correramate a gange estavam ai as 3 gangeatiraram no policial chamadopaulinho e o tiro foi bem nopeito e a sim foi que aconteceua história a história já acabou
TEXTO 4 Três anosO garoto Pedro hoje completou três ano e hoje ele já
8 anos dise três vezes legal legal legal ele não pençava queera, uma supreza mamãe meu anivercario Pedro não vai terque istranho?Mais Pedro você vai paro o vologico hoba, vou logome arruma para e com o papai vamos.Papai ver a árvore giganti.
TEXTO 5 o patinho feioEra uma vez uma mãe pata que pôs
9 anos quatro lindos patinhos e o último era umpatinho muito feio e todos os seus irmãos riamdele e os mais velhos ficavam com mui-ta pena dele e sua mãe sempre esperanço-sa dele ficar mais bonito e ele ia semprecrescendo e ele ficava dos mesmo jeito nin-guém queria brincar com ele ninguém queriaficar perto dele. um dia ele fugiu e encon-trou uma Amiga ele fez muitos Amigos eele ficou muito feliz. fim!
TEXTO 6 O gatoEm 1612 em uma cidade Bela Branca; Andava
9 anos um gatinho triste e solitário, ele morava com umaSenhora que se chamava de Maria, Ela tinha 70 anosquase para morrer e ela tinha um homem que essechamava João. tinha a mesma idade que a mulher.Entam o velho e a velha morreram e o gatinholindo ficou sozinho então chegou um subrinho da velha que se chamava José então ele era mauentam o gatinho andou e andou ante jeaga numacidade que se chamava Barreirinha então eleencontrou os seus irmão. que eram bom e alegri: então viveram felizes para sempre.
TEXTO 7 Ana e a lagartixaum dia Ana pasou cola na
9 anos parede junto au armario na esperança
19
de poder segurar a bichinha para fazeramizade com ela, mas que nada, quan-do a largatixa sentiu que tinhacoisa deferente deu uma rabanada,bateu novamente a língua para forae desapareceu.Um dia dessi Ana eu aindavou pegar a quela lagartixa...- nova mente Ana tentava pegara quela lagartixa danada e espertaMas não conseguile pegar a queladanada.
TEXTO 8 ciderela e cel sapatinho de cristalera uma vez uma moça chamada
9 anos anos ciderela ela estava com o seu vestido brancocheio de luis e seu sapatinho de cristalmas ela foi para a festa do pricipe látia muitas comidas mas ela não podiacomer porque esprodia detro da gente elaera uma moça muito bonita
A partir dos textos apresentados, pretende-se mostrar como as crianças, ao produzirem
textos espontâneos, põem em prática, nessa tarefa, um trabalho de reflexão enorme e se
apegam a regras reveladoras de usos possíveis do sistema de escrita da língua portuguesa.
Regras essas tiradas dos usos ortográficos do próprio sistema de escrita ou de realidades
fonéticas, onde o aluno esforça em aplicar uma relação entre letra e som, que nem é previsível
e nem unívoca, mas que também não é aleatória. Esse conjunto de possibilidades de uso se
limita aos da produção da fala e aos usos da língua.
A criança do Texto 1, por exemplo, grafou “todomundo” (“todo mundo”), que é uma
forma de escrever não ortográfica, porém não muito “maluca” que alguém não entenda que
reflete os critérios que a criança usa para analisar a fala.
O aluno do Texto 2 escreveu forão (foram), o fato de ele escrever ão em vez de am
mostra que sabe que em português se escreve palavras terminadas em am, cuja pronúncia é
ão; assim, passa a achar que ão também pode ser representado por am, já que são valores
relacionados no sistema. Acontece que o aluno ainda não aprendeu que esse relacionamento
opera num sentido único: am para sílabas átonas e ão para sílabas tônicas. E não em ambos,
por isso ele escreveu assim.
O aluno também do Texto 2 escreveu cazada é porque, segundo o sistema de escrita do
português, há formas ortográficas que usam a letra s ou a letra z para representar o som [z]
intervocálico, como em casar e fazer. O aluno, preferindo pelo uso da letra z, fez assim uma
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escolha errada, mas, de acordo com as possibilidades, de uso do sistema de escrita, perfeito.
Se ele estivesse escrito adquar em vez de cazada seria algo certamente “maluco”, caso o
restante da redação estivesse bastante correta; se escrevesse dedo em vez de cazada também
seria estranho, mas os alunos não cometem essa espécie de erro. As crianças mesmo
brincando, encaram com muita seriedade a tarefa de aprender a escrever e, quando
incentivadas a se autodesenvolverem, elas aplicam também nessa tarefa um grande trabalho
reflexivo e não simplesmente um trabalho mecânico repetitivo.
Portanto, pretende-se analisar todas as palavras com “erros” ortográficos dos textos dos
alunos supracitados, classificando-as como transcrição da fala, uso inadequado de letras,
hipercorreção, mudanças da forma de estrutura segmental das palavras, juntura
intervocabular, hipersegmentação e acentos gráficos. Será feito, finalmente, um pequeno
comentário sobre os acertos.
Transcrição da fala
É caracterizado por uma transcrição fonética da própria fala, isto é, ocorre quando o
aluno escreve como fala.
Analisando os erros dos textos apresentados, enquadrados nessa categoria, encontram-
se os casos seguintes relacionados.
O aluno escreve i em vez de e, porque fala [i] e não [e]; por exemplo: io (e o), i
(e), patilera (prateleira), pidiu (pediu), viraci (virasse), dessi (disse), cipre (sempre), istranho
(estranho), giganti (gigante), alegri (alegre).
O aluno escreve uma vogal em vez de duas, porque usa na sua pronúncia um
monotongo; por exemplo: patilera (prateleira), vologico (zoológico).
Duas vogais em vez de uma, por usar na sua pronúncia um ditongo; por exemplo:
luiz (luz), luis (luz), mais (mas), atrais (atrás), treis (três).
Escrever u em vez de o, pois fala [u] e não [o]; por exemplo: todu (todo), subrinho
(sobrinho), au (ao)
Não escreve o r, por não haver som correspondente na sua fala; por exemplo:
mulhe (mulher), compra (comprar), arruma (arrumar), jega (chegar), e (ir).
Escreve r em vez de l, pois efetua essa troca quando fala; por exemplo: esprodia
(explodia).
O aluno não escreve s, por não haver som correspondente na sua fala; por
exemplo: ante (antes), gange (gangues), anão (anões), feliz (felizes), ano (anos), irmão
(irmãos), bom (bons), alegri (alegres).
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Transcreve sua pronúncia da juntura intervocabular; por exemplo: omenino (o
menino), io (e o), muitodo (muito do), todomundo (todo mundo), itodomundo
(e todo mundo).
Escreve u em vez de l, por exemplo: fauta (falta).
O aluno usa somente a vogal para indicar o som nasalizado, omitindo a consoante
m e n, pois não pronuncia; por exemplo: setiram (sentiram), ningue (ninguém), domido
(dormindo), cipre (sempre), ciderela (Cinderela), pricipe (príncipe), detro (dentro).
Em algumas variações da língua portuguesa não acontece [ ] nh, em oposição
intervocálica seguindo-se à vogal i, ficando somente a nasalização da vogal; por exemplo: tia
(tinha).
Não escreve o r, porque pronuncia a vogal que o antecede de maneira mais
alongada, envolvendo o som do r; por exemplo: domido (dormindo), cuato (quarto), supresa
(surpresa), anivecario (aniversário).
Escreve ão em vez de am, e vice-versa, porque sabe que em português se escreve
palavra terminada em am cuja pronúncia é ão; por exemplo: forão (foram), entam (então).
Uso inadequado das letras
Esse uso é caracterizado pelo fato de o aluno, por não conhecer as regras ligadas à
posição ou a vizinhança da letra na palavra, opta por uma letra possível para a representação
de um som de uma palavra quando outra forma é usada pela ortografia. O som [s], por
exemplo, pode ser representado por s (sala), por ss (pássaro), por z (luz), por c (cebola) etc.
Quando o aluno do Texto 4 escreveu dise (disse) cometeu um uso inadequado de letra,
entretanto, esse uso é sempre possível dentro do sistema, ocorrendo em muitas palavras.
Portanto, uso inadequado das letras ocorre, de preferência, para certas letras.
O aluno opta por um só s em vez de ss; por exemplo: pasol (passou), pasou
(passou), asi (assim), a sim (assim), dise (disse).
O aluno escolhe c em vez de s; por exemplo: anivecario (aniversário), cer (ser),
caiu (saiu), cipre (sempre), centio (sentiu), cel (seu).
Escolhe ç em vez de s; por exemplo: pençava (pensava), mancao (mansão).
O aluno opta por z em vez de s, e vice-versa; por exemplo: famoza (famosa),
cazada (casada), supreza (surpresa), felis (feliz).
Escolhe c ou ç em vez de ss; por exemplo: viraci (virasse), pacol (passou), paço
(passo).
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Aqui o aluno escolhe q em vez de c, e vice-versa; por exemplo: fiquaram
(ficaram), cuato (quarto).
Outros casos: morio (morrido), pedaco (pedaço), a xoul (achou), gange (gangue),
esprodia (explodia), umana (humana), hoba (oba), de zageitaba (desajeitada).
Hipercorreção
É muito comum a hipercorreção quando o aluno já conhece a forma ortográfica de
determinadas palavras e sabe que a pronúncia destas é diferente. Então passa a generalizar
esta forma de grafar; por exemplo, como muitas palavras terminadas em e são pronunciadas
com i, grafa todas as palavras com o som de i no final com a letra e. Veja, por exemplo, a
escrita Lopes (nome) e a escrita lapes, em vez de lápis.
Exemplos: sumil (sumiu), pasol (passou), passol (passou), pacol (passou), a maiecel
(amanheceu), a xoul (achou), cel (seu), ermã ( irmã ), ouveram (ouviram), dessi (disse),
deferente (diferente), centio (sentiu).
Mudanças da forma da estrutura segmental das palavras
Alguns erros ortográficos são erros de troca, acréscimo, supressão e inversão de letras,
ou seja, é uma modificação da estrutura segmental das palavras. Esses erros não refletem uma
transcrição fonética, nem de fato faz relação direta com a fala e nem tem apoio nas
possibilidades de uso das letras no sistema de escrita. Representam, às vezes, modos de
escrever de que a criança lança mão porque ainda não tem domínio bem do uso de certas
letras, como a distribuição de m e n, v e f nas palavras.
Troca de letras: de zageitaba (desajeitada), a maiecel (amanheceu), vologico
(zoológico), jega (chegar), assonbrada (assombrada).
Acréscimo e supressão de letras: a xoul (achou), Predro (Pedro), morio
(morrido), patilera (prateleira)
Juntura intervocabular
Ao começar a escrever textos espontâneos verifica-se que o aluno costuma juntar todas
as palavras, formando assim uma hipossegmentação. Esta juntura reflete os critérios que a
criança usa para analisar a fala. Como se sabe, é inexistente a separação de palavras na fala, a
não ser quando marcada pela entonação da pessoa que fala, isto é, do falante.
Exemplos: io (e o), muitodo (muito do), todomundo (todo mundo), itodumundo (e todo
mundo), omenino (o menino).
hipersegmentação
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Os conjuntos de sons ditos em determinadas alturas, ou os grupos tonais do falante é um
dos critérios usado pelo aluno para dividir a sua escrita. Às vezes, por causa da acentuação
tônica das palavras, pode ocorrer uma segmentação indevida, ou seja, uma separação na
escrita considerada incorreta pela ortografia.
Exemplos: a sim (assim), nova mente (novamente), a quela (aquela), a parecéu
(apareceu), de zageitaba (desajeitada), a maiecel (amanheceu), a xoul (achou).
Acentos gráficos
Geralmente no começo da aprendizagem da escrita não se ensina a marcação de acentos
gráficos e, portanto, esses sinais diacríticos estão em menor parte presente nos textos
espontâneos. Algumas crianças ficam sabendo que determinadas palavras, de uso muito
frequente, são acentuadas. Alguns erros de uso de acentos contidos em quase todos os textos
apresentados ocorrem da semelhança ortográfica que os alunos fazem entre formas com e sem
acento, como é o caso característico de se escrever e com acento e é sem acento e também da
falta de conhecimento de regras de acentuação. O til também passa a ser um problema nesse
tipo de produção de texto.
Exemplos: aparecér (aparecer), a parecéu (apareceu), ate (até), forão (foram), entam
(então), lingua (língua), india (índia), historia (história), armario (armário), anivecario
(aniversário), jóia (joia), vologico (zoológico), pricipe (príncipe), treis (três), móça (moça).
Em síntese, nos oito textos analisados constam 645 palavras escritas, destas, 133
apresentam um ou mais “erros” de ortografia, como é o caso da palavra a sim (assim) que
apresenta dois “erros”: um de uso inadequado das letras e outro de hipersegmentação.
Os erros mais comuns dos alunos, com 40.6%, foram caracterizados pela transcrição da
fala (transcrição fonética da própria fala), isto é, ocorre quando o aluno escreve como fala. No
entanto, tiveram poucas dificuldades com a juntura intervocabular, com 3,75% dos “erros”,
que são dificuldades que, ao começar a escrever textos espontâneos, a criança costuma juntar
todas as palavras, formando uma hipossegmentação. Esta juntura reflete os critérios usados
pelo o aluno para analisar a fala, pois nela não há separação de palavras, a não ser quando
marcada pela entonação do falante.
Quanto ao número de acertos nos textos analisados foi muito superior aos de erros.
Desta comparação evidencia-se que os erros não são dificuldades insuperáveis ou
incapacidade. Tudo faz parte de um método de aprendizagem da escrita e demonstra a
reflexão posta pelo aluno na sua tarefa e na interpretação do fenômeno que estuda.
Em geral, o que incomoda o professor realmente é o tipo de erro; ele não admite que se
escrevam coisas como pacol em vez de passou. Os erros ainda pesam “toneladas” nas
avaliações, enquanto que os acertos, em sua totalidade, não são levados em conta, são
admitidos como absolutamente previsíveis.
Bortoni-Ricardo, referindo-se aos estudos linguísticos em sala de aula, comenta que, nas
últimas décadas, os educadores brasileiros – especialmente os linguistas – têm feito um
trabalho importante, mostrando que “é pedagogicamente incorreto usar a incidência do erro
do educando como uma oportunidade para humilhá-lo” (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 38).
Portanto, esses erros não se dão ao acaso. Seria uma injustiça atribuir zero a qualquer um dos
autores dos textos apresentados, reprovando-o. Por isso, essa atitude implacável da escola
contra os alunos, em relação à ortografia, deve ser removida radical e urgentemente.
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É preciso sim ensinar ortografia sem abrir mão da leitura e produção de textos como
eixo orientador do trabalho com a língua. Só que a escola, frequentemente, exige do aluno que
ele escreva certo, mas cria poucas oportunidades para refletir juntos sobre as dificuldades
ortográficas. Em vez de se preocupar em avaliar, em verificar o conhecimento ortográfico dos
alunos, a escola precisa investir mais em ensinar, de fato, a ortografia. O conhecimento
ortográfico é algo que a criança não pode descobrir sozinha, sem ajuda.
Quando a criança compreende a escrita alfabética e consegue ler e escrever seus
primeiros textos, já aprendeu o funcionamento do sistema de escrita, mas ainda desconhece a
norma ortográfica. Esta é uma distinção importante para o professor entender por que os
alunos nos anos iniciais cometem tantos erros ao escrever seus textos e por que precisam ser
ajudados na tarefa de aprender a escrever segundo a ortografia oficial.
Assim, o trabalho com a normatização da ortografia deve estar contextualizado
basicamente em situações em que os alunos tenham motivos para escrever corretamente, em
que a legibilidade seja fundamental porque existem leitores de fato para a escrita que
produzem. Esse trabalho deve estar também direcionado para o desenvolvimento de uma
atitude crítica em relação à própria escrita na preocupação com a adequação e correção dos
próprios textos.
Porém é bom sempre lembrar que, no início da alfabetização e dos anos iniciais, os
alunos cometem bastantes erros nas atividades de escrita, porque ainda não entendem as
convenções do sistema alfabético. Esses erros são muitas vezes punidos e servem para
discriminar na escola e fora dela, incitando insegurança e medo de errar.
Portanto, os erros indicam o pensamento construído pelo aluno sobre a língua escrita,
merecendo uma análise rígida de seus significados. Esse conhecimento construído pode ser
reformulado a partir de novos desafios e atividades didáticas planejadas pelo professor.
Desse modo, não é recomendado que o professor corrija de imediato, inibindo novas
práticas de escrita e criando diminuição da autoestima e insegurança. Deve-se também evitar
corrigir as produções escritas na ausência dos alunos e depois pedir que copie várias vezes as
palavras corrigidas, ou façam ditados ou treinem a escrita. No entanto, deve, diante do erro,
investigar, analisar e interpretar os conhecimentos construídos pela criança e planejar desafios
para que sejam ultrapassadas as dificuldades de aprendizagem da escrita, estimulando assim,
no aluno, a construção de novos conhecimentos sobre a língua escrita.
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REFERÊNCIAS
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2002.
_______, Marcos. Preconceito linguístico. 22 ed. - São Paulo: Edições Loyola, 2003.
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CALLOU, Dinah.; LEITE, Yonne. Iniciação à fonética e à fonologia. 8 ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.LEDUR, Paulo Flávio. Guia prático da nova ortografia: as mudanças do Acordo Ortográfico. 3. ed. Porto Alegre: AGE, 2009.
LEMLE, Miriam. Guia teórico do alfabetizador. São Paulo: Ática, 2009.
LIMA, Lucinete Marques. O problema dos erros. Vamos ler: educação de jovens e adultos. São Luis: GDH, 2002.MARCOZZI, Alaíde Madeira et al. Ensinando a Criança: Um guia para o professor. 3 ed. – Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico S/A, 1985.
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ANEXOS
Nos oito textos analisados constam 645 palavras escritas, destas, 133 apresentam um ou
mais “erros” de ortografia, como é o caso da palavra a sim (assim) que apresenta dois “erros”:
um de uso inadequado das letras e outro de hipersegmentação.
Na figura abaixo pode ser visualizado toda a tabulação da pesquisa.
RELAÇÃO DOS TEXTOS ORIGINAIS
Os textos abaixo selecionados foram colhidos por mim mesmo, in loco, no Colégio
Municipal Ney Braga (hoje EMEB Ney Braga), dos alunos da 3ª série (4º ano) do ensino
fundamental no dia 20 de setembro de 2004, em Bom Jardim (MA). Foram analisados em
minha Monografia para obtenção do grau em Licenciatura em Letras. Achei-os tão
interessantes que reutilizei nesse trabalho por tratar do mesmo assunto: “erros” ortográficos.
TEXTO 1
omenino e o cachorro
Era uma vez omenino io cachorroque omenino gostava muitodo cachorroaté que um dia ele sumil de casai ningue sabia Já muitos diassentiram fauta dele todo mundo procurando sem saber onde ele estavapasol 1 meses pasol 2 meses pasol 3 mesespassol 3 ano sem aparecér todomundoa parecéu itodomundo pensava que eletia morio mas não i asi todumundo fiquaram feliz.
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TEXTO 2
Era uma vezuma boneca de zageitaba que queriacer uma umana para cer modeloum dia ela estava domido na patileravei uma luiz e pediu que viraci umaumana e virou uma mulhe i caiu docuato a maiecel e foi atrais de emprego e a xoul um emprego pacoltreis anos era famosa era cazada i tinha um filho tinha uma casa. i jóia forãofelis para cipre,
TEXTO 3
Era uma vez uma manção assonbrada6 meninas e meninos e 10 anão queviraram bichos e uma velha indiaque virou uma tal de capeloba e umdia minha ermã que mora em manaus um dia 3 gange e minha ermã iacompra um pedaco de bolo de trigoquando ela centio quando ela deu oprimeiro paço quando as 3 gangeapontou a arma para ela e elagritou socorro e os policiais ouveramo grito da minha ermã eles correramate a gange estavam ai as 3 gangeatiraram no policial chamadopaulinho e o tiro foi bem nopeito e a sim foi que aconteceua história a história já acabou
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TEXTO 4
O garoto Pedro hoje completou três ano e hoje ele jádise três vezes legal legal legal ele não pençava queera, uma supreza mamãe meu anivercario Pedro não vai ter que istranho?Mais Pedro você vai paro o vologico hoba, vou logome arruma para e com o papai vamos.Papai ver a árvore giganti.
TEXTO 5
o patinho feio
Era uma vez uma mãe pata que pôsquatro lindos patinhos e o último era umpatinho muito feio e todos os seus irmãos riamdele e os mais velhos ficavam com mui-ta pena dele e sua mãe sempre esperanço-sa dele ficar mais bonito e ele ia semprecrescendo e ele ficava dos mesmo jeito nin-guém queria brincar com ele ninguém queriaficar perto dele. um dia ele fugiu e encon-trou uma Amiga ele fez muitos Amigos eele ficou muito feliz. fim!
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TEXTO 6
O gato
Em 1612 em uma cidade Bela Branca; Andavaum gatinho triste e solitário, ele morava com umaSenhora que se chamava de Maria, Ela tinha 70 anosquase para morrer e ela tinha um homem que essechamava João. tinha a mesma idade que a mulher.Entam o velho e a velha morreram e o gatinholindo ficou sozinho então chegou um subrinho da velha que se chamava José então ele era mauentam o gatinho andou e andou ante jeaga numacidade que se chamava Barreirinha então eleencontrou os seus irmão. que eram bom e alegri: então viveram felizes para sempre.
TEXTO 7
Ana e a lagartixaum dia Ana pasou cola naparede junto au armario na esperançade poder segurar a bichinha para fazeramizade com ela, mas que nada, quan-do a largatixa sentiu que tinhacoisa deferente deu uma rabanada,bateu novamente a língua para forae desapareceu.Um dia dessi Ana eu aindavou pegar a quela lagartixa...- nova mente Ana tentava pegara quela lagartixa danada e espertaMas não conseguile pegar a queladanada.
TEXTO 8
ciderela e cel sapatinho de cristal
era uma vez uma moça chamadaanos ciderela ela estava com o seu vestido brancocheio de luis e seu sapatinho de cristalmas ela foi para a festa do pricipe látia muitas comidas mas ela não podiacomer porque esprodia detro da gente ela era uma moça muito bonita
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