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www.lusosofia.net CONCEITOS SOCIOLÓGICOS FUNDAMENTAIS Max Weber Tradutor: Artur Morão

Weber Max Conceitos Sociologicos Fundamentais

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    CONCEITOS SOCIOLGICOSFUNDAMENTAIS

    Max Weber

    Tradutor: Artur Moro

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    Covilh, 2010

    FICHA TCNICA

    Ttulo: Conceitos Sociolgicos FundamentaisAutor: Max WeberTradutor: Artur MoroColeco: Textos Clssicos de FilosofiaDireco da Coleco: Jos Rosa & Artur MoroDesign da Capa: Antnio Rodrigues TomComposio & Paginao: Jos M.S. RosaUniversidade da Beira InteriorCovilh, 2010

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    [Nota do tradutor]

    Este grande, denso e poderoso texto de Max Weber, cu-ja primeira verso portuguesa se fez e editou em 1997,oferece-se agora aos visitantes do LUSOSOFIA. Sofreu al-gumas alteraes mnimas e, para melhor orientao do lei-tor, recebeu ttulos nos diversos pargrafos (1-17) emque o Autor vai desdobrando o seu pensamento sobre aaco social, o seu enquadramento, o seu contexto na socie-dade e nas diversas formas de comunidade e, ainda, sobrea sociologia e o seu respectivo estatuto de cincia.

    A traduo fez-se com base no original alemo, Wirt-schaft und Gesellschaft, Tubinga, J. C. M. Mohr (Paul Sie-beck), 19855.

    Uma seleco das principais obras de Max Weber encon-tra-se disponvel neste electro-stio: Zeno.org Meine Bi-bliothek.

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    Max Weber

    [Economia e sociedade]

    Cap. I

    OBSERVAO PRVIA. O mtodo destas definies in-trodutrias de conceitos, de que se no pode com facili-dade prescindir, mas inelutavelmente abstractas e de efeitoestranho realidade, no aspira de modo algum a ser novo.Pelo contrrio, deseja apenas formular como se espera da forma mais conveniente e, porventura, mais correcta (epor isso talvez com algum pedantismo) o que toda a socio-logia emprica intenta de facto, ao falar de coisas semelhan-tes. Isto tambm onde se usam expresses aparentementeno habituais ou novas. Em contraste com o ensaio em Lo-gos (IV, 1913, p. 253 ss), a terminologia foi, sempre quepossvel, simplificada e, por isso, muitas vezes modificadapara facilitar a sua compreenso na maior medida possvel.A exigncia de uma vulgarizao incondicionada nem sem-

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    pre , decerto, compatvel com a de uma mxima precisoconceptual e deve, se necessrio, retroceder perante esta.

    Sobre a compreenso (Verstehen) cf. a Allgemeine Psy-chopathologie de K. Jaspers [tambm algumas observaesde Rickert na segunda edio de Grenzen der naturwissen-schaftlichen Begriffsbildung (Limites da formao concep-tual das cincias naturais] e, sobretudo, de Simmel em Pro-bleme der Geschichtsphilosophie [Problemas de filosofiada histria( aqui se incluem]. Quanto metodologia, re-meto tambm aqui, como j muitas vezes aconteceu, pa-ra o antecedente de F. Gottl, na obra Die Herrschaft desWorts (O domnio da palavra), escrita num estilo difcile que talvez no chegue plena forma do seu pensamen-to. Quanto ao contedo, aponto a bela obra de F. Tnnies,Gemeinschaft und Gesellschaft [Comunidade e Sociedade].Alm disso, remeto para o livro fortemente equvoco de R.Stammler, Wirtschaft und Recht nach der materialistischenGeschichtsauffassung [Economia e direito segundo a con-cepo materialista da histria], e para a minha crtica a seurespeito no Archiv f. Sozialwissensch. (XXIV, 1907), que jcontinha em grande medida os fundamentos do que a se-guir se vai expor. Do mtodo de Simmel [na Soziologie eem Philosophie des Geldes (Filosofia do Dinheiro)] divir-jo na separao exequvel entre sentido intentado e sentidoobjectivamente vlido, que Simmel nem sempre distinguemas, com frequncia, permite at intencionalmente a suamescla recproca.

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    1. Conceito de sociologia e do sentido de aco social

    Sociologia (na acepo, aqui aceite, desta palavra empreguecom to diversos significados) designar: uma cincia quevisa compreender, interpretando-a, a aco social e, destemodo, explic-la causalmente no seu decurso e nos seusefeitos. Por aco entender-se- um comportamento hu-mano (consista ele num fazer externo ou interno, num omi-tir ou permitir), sempre que o agente ou os agentes lhe asso-ciem um sentido subjectivo. Mas designar-se- como acosocial aquela em que o sentido intentado pelo agente oupelos agentes est referido ao comportamento de outros epor ele se orienta no seu curso.

    I. Fundamentos metodolgicos

    1. Sentido aqui ou a) o sentido subjectivamente inten-tado de modo efectivo a) por um agente, num caso histo-ricamente dado, ou b) por agentes, como mdia e de ummodo aproximado numa determinada massa de casos, oub) num tipo puro construdo conceptualmente pelo agen-te ou pelos agentes pensados como tipo. Nunca se trata dequalquer sentido objectivamente justo ou de um sentidoverdadeiro metafisicamente fundado. Aqui radica a dife-rena entre as cincias empricas da aco, a Sociologia ea Histria, em face de todas as cincias dogmticas Ju-

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    risprudncia, Lgica, tica e Esttica que pretendem in-vestigar nos seus objectos o sentido justo e vlido.

    2. As fronteiras entre uma aco significativa e um modode conduta simplesmente reactivo (como aqui o denomina-remos), no ligado a um sentido subjectivamente intentado,so de todo fluidas. Uma parte muito importante de todaa conduta prpria, sociologicamente relevante, sobretudo aaco puramente tradicional (v. infra), encontra-se nos con-fins de ambas. Uma aco significativa, isto , compreens-vel, no se d em muitos casos de processos psicofsicos,e noutros s existe para os peritos; os processos msticose, por isso, no adequadamente comunicveis por meio depalavras no so de todo compreensveis para os que noesto abertos a semelhantes vivncias. Em contrapartida, acapacidade de produzir por si mesmo um agir anlogo no pressuposto da inteligibilidade: No necessrio ser Csarpara compreender Csar. A plena possibilidade de revi-vncia importante para a evidncia da compreenso, masno condio absoluta da interpretao do sentido. Ele-mentos compreensveis e no compreensveis de um pro-cesso esto, muitas vezes, mesclados e conexos.

    3. Toda a interpretao, como toda a cincia em geral,aspira evidncia. A evidncia da compreenso pode ser:a) ou racional (e ento lgica ou matemtica); b) ou decarcter empaticamente revivente (emocional, receptivo-ar-tstica). No domnio da aco, racionalmente evidente

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    sobretudo o que, na sua conexo significativa intentada,se compreende intelectualmente de um modo exaustivo edifano. Evidente de um modo emptico na aco o plen-amente revivido na sua conexo emocional que foi objectode vivncia. Racionalmente compreensveis, ou seja, aqui,intelectualmente apreensveis no seu sentido de um mo-do imediato e unvoco, so sobretudo, e em grau mximo,as conexes significativas, reciprocamente referidas, con-tidas nas proposies matemticas ou lgicas. Compreen-demos de uma maneira inteiramente unvoca o que se d aentender quando algum, pensando ou argumentando, em-prega a proposio 2 x 2 = 4 ou o teorema de Pitgoras,ou leva a cabo correctamente de acordo com os nos-sos hbitos mentais uma cadeia ilativa lgica. De igualmodo, quando algum, a partir de factos da experinciatidos por conhecidos e de fins dados, deduz no seu agiras consequncias claramente inferveis (segundo as nossasexperincias) acerca da classe de meios a utilizar. Todaa interpretao de um agir teleolgico racionalmente ori-entado possui para a compreenso dos meios empregues o grau mximo de evidncia. Com no idntica evidn-cia, mas suficiente para a nossa necessidade de explicao,compreendemos tambm os erros (inclusive confusesde problemas) em que ns prprios podemos incorrer oude cuja origem poderamos ter uma vivncia emptica. Pelocontrrio, muitos fins e valores ltimos, pelos quais sepode orientar, quanto experincia, o agir de um homem,

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    no os podemos amide compreender com plena evidn-cia mas, em certas circunstncias, s apreend-los intelec-tualmente e, por outro lado, torn-los compreensveis narevivncia por meio da fantasia emptica, com tanto maisdificuldade quanto eles mais radicalmente se afastam dosnossos prprios valores derradeiros. Temos ento de noscontentar, segundo o caso, com a sua interpretao exclusi-vamente intelectual ou, em determinadas circunstncias se tal tambm nos falhar , com aceitar esses fins ou valo-res apenas como dados e tornar para ns compreensvel odecurso da aco por eles motivada a partir da melhor in-terpretao intelectual possvel ou mediante uma revivn-cia aproximativa e o mais emptica possvel dos seus pon-tos de orientao. Aqui se integram, por exemplo, muitasaces virtuosas, religiosas e caritativas, para quem a elas insensvel. De igual modo fanatismos extremamente ra-cionalistas (direitos do homem) para aquele que, da suaparte, radicalmente os aborrece. Afectos reais (angstia,clera, ambio, inveja, cimes, amor, entusiasmo, orgul-ho, vingana, piedade, devoo e apetncias de toda a n-dole) e as reaces irracionais (do ponto de vista do agir te-leolgico racional) deles derivadas conseguimos reviv-losemocionalmente de um modo tanto mais evidente quantomais a eles ns prprios tivermos acesso; em todo o ca-so, porm, ainda que excedam em absoluto, quanto ao seugrau, as nossas possibilidades, podemos compreend-los

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    empaticamente no seu sentido e calcular intelectualmenteo seu efeito sobre a orientao e os meios da aco.

    A considerao cientfica constitutiva de tipos indaga eexpe, muito de relance, todas as conexes significativas ir-racionais, afectivamente condicionadas, do comportamentoque influenciam o agir enquanto desvios de um seu de-curso construdo como puramente racional e teleolgico.Por exemplo, na explicao de um pnico bolsista, serconveniente estabelecer primeiro como se desenvolveria aaco sem a influncia de afectos irracionais e, em segui-da, introduzir como perturbaes as componentes irra-cionais. Numa aco poltica ou militar, estabelece-se tam-bm primeiro, de modo apropriado, como teria decorrido aaco com o conhecimento de todas as circunstncias e detodos os propsitos dos protagonistas e numa escolha dosmeios rigorosamente racional quanto aos fins e orientadapela experincia que se nos afigura vlida. S assim seriapossvel a imputao causal dos desvios s irracionalidadesque a condicionaram. A construo de um agir estritamenteracional quanto aos fins , pois, til nestes casos sociolo-gia em virtude da sua evidente inteligibilidade e da suaunivocidade afixa racionalidade como tipo (e tipo ide-al) para compreender a aco real, influenciada por irra-cionalidades de toda a espcie (afectos, erros), como des-vio do decurso esperado num comportamento puramenteracional. Desta sorte, e s por fora do fundamento de ade-quao metodolgico, que o mtodo da sociologia com-

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    preensiva racionalista. Este procedimento, porm, nodeve, naturalmente, interpretar-se como um preconceito ra-cionalista da sociologia, mas s como recurso metdico e,portanto, no em prol da crena na predominncia efectivado racional sobre a vida. Com efeito, no dir minimamenteat que ponto consideraes racionais de fins determinam,ou no, na realidade, o agir efectivo. (No h que negar as-sim a ocorrncia do perigo de interpretaes racionalistasem lugares inadequados. Infelizmente, toda a experinciaconfirma a sua existncia.)

    4. Os processos e os objectos estranhos ao sentido soconsiderados no mbito das cincias da aco como oca-sio, resultado, estmulo ou obstculo da aco humana.Estranho ao sentido no idntico a inanimado ou no-humano. Todo o artefacto, por exemplo, uma mquina,s interpretvel e compreensvel a partir do sentido quea aco humana (com metas possivelmente muito diver-sas) conferiu (ou quis conferir) produo e ao uso desteartefacto); sem o recurso a tal sentido permanece de todoincompreensvel. O que nele h de compreensvel , pois,a referncia ao agir humano, quer como meio quer co-mo fim, imaginado pelo agente ou pelos agentes e queorientou a sua aco. S nestas categorias tem lugar umacompreenso de semelhantes objectos. Em contrapartida,permanecem alheios ao sentido todos os processos ou esta-dos animados, inanimados, extra-humanos, humanos

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    sem contedo significativo intentado, enquanto no ent-ram na relao de meio e fim para o agir, mas repre-sentam somente uma sua ocasio, estmulo ou obstculo.A ruptura do Dollart, no final do sculo XIII [1277], tem(talvez!) significado histrico como desencadeamento decertos processos de restabelecimento de considervel al-cance histrico. O sistema da morte e o ciclo orgnico davida em geral desde a impotncia da criana at do an-cio tm, naturalmente, um alcance sociolgico de pri-meira classe, graas aos diferentes modos como a aco hu-mana se orientou e orienta por tal estado de coisas. Por seuturno, uma outra categoria constituem-na proposies daexperincia no compreensveis sobre o decurso de fen-menos psquicos ou psicofisiolgicos (cansao, exerccio,memria, etc.), mas tambm, por exemplo, euforias tpicasem determinadas formas de mortificao, diferenas tpicasdos modos de reaco segundo o ritmo, a ndole, a clarida-de, etc. Finalmente, porm, o estado de coisas o mesmoque noutros factos oclusos compreenso: a consideraocompreensiva, tal como o agente prtico, aceita-os comodados com que importa contar.

    Existe agora a possibilidade de que a investigao fu-tura encontre tambm regularidades no passveis de com-preenso para um comportamento significativo particular,por pouco que tal tenha at agora acontecido. Diferenas nahereditariedade biolgica (das raas), por exemplo se ena medida em que se fornecesse a prova estatisticamente

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    conclusiva da influncia no modo de conduta sociologica-mente relevante, por conseguinte, sobretudo na aco soci-al quanto ndole da sua referncia ao sentido deveriamaceitar-se para a sociologia como dados, tal como se aceit-am os factos fisiolgicos do tipo da necessidade de alimen-tao ou do efeito da senescncia sobre o agir. E o reconhe-cimento da sua significao causal em nada alteraria, natu-ralmente, as tarefas da sociologia (e das cincias da acoem geral): compreender interpretativamente as aces ori-entadas por um sentido. Haveria de inserir em certos pon-tos, nas suas conexes motivacionais, compreensveis e in-terpretveis, apenas factos no compreensveis (por exem-plo, conexes tpicas da frequncia de determinadas fina-lidades da aco ou do grau da sua racionalidade tpica,com o ndice craniano, a cor da pele ou quaisquer outrasqualidades fisiolgicas hereditrias), com que hoje j a sedepara.

    5. Compreenso pode querer dizer: 1. a compreensoactual do sentido intentado de uma aco (inclusive de umamanifestao). Compreendemos, por exemplo, de um mo-do actual o sentido da proposio 2 x 2 = 4, que ouvimos oulemos (compreenso racional actual de pensamentos), ouuma exploso de clera que se manifesta na expresso faci-al, em interjeies e movimentos irracionais (compreensoirracional actual de afectos) ou o comportamento de umlenhador ou de algum que pega no trinco para fechar a por-

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    ta ou que dispara sobre um animal (compreenso racionalactual de aces). Mas compreenso pode tambm que-rer dizer: 2. compreenso explicativa. Compreendemos,quanto motivao, que sentido a tal associa quem expres-sou ou escreveu a proposio 2 x 2 = 4, para que o fezjustamente agora e neste contexto, quando o vemos ocupa-do num cmputo comercial, numa demonstrao cientfica,num clculo tcnico ou noutra aco em cujo contexto seinscreve aquela proposio, segundo o seu sentido aces-svel nossa compreenso; ou seja, [tal] proposio ob-tm uma conexo de sentido a ns inteligvel (compreensoracional da motivao). Compreendemos o lenhador ou oapontar de uma arma no s de um modo actual, mas tam-bm segundo a sua motivao, ao sabermos que o lenhadorexecuta essa aco por um salrio ou para cobrir as suas ne-cessidades, ou para sua recreao (racional) ou, porventu-ra, porque reagiu a uma excitao (irracional), ou quandoaquele que dispara o faz por uma ordem com o fim de exe-cutar algum ou de combater os inimigos (racional) ou porvingana (afectiva e, nesse sentido, irracional). Compreen-demos, finalmente, a clera quanto sua motivao ao sa-bermos que lhe est subjacente o cime, a vaidade doentiaou a honra lesada (afectivamente condicionada, por conse-guinte, compreenso irracional da motivao). Em tudo istose trata de nexos de sentido compreensveis; olhamos a suacompreenso como uma explicao do decurso efectivo daaco. Explicar significa, pois, para uma cincia que se

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    ocupa do sentido do agir, tanto como: apreenso do contex-to significativo em que se inscreve, segundo o seu sentidosubjectivamente intentado, uma aco j actualmente com-preendida. (Sobre a significao causal deste explicar, cf.no 6). Em todos estes casos, tambm nos processos afecti-vos, queremos designar o sentido subjectivo do acontecer,inclusive do contexto significativo, como o sentido inten-tado (indo, pois, alm do uso lingustico habitual que co-stuma falar de intentar, nesta acepo, s no agir racionale intencionalmente referido a fins).

    6. Compreenso, em todos estes casos, quer dizer:apreenso interpretativa do sentido ou da conexo de senti-do: a) realmente intentado no caso particular (na consi-derao histrica); ou b) intentado na mdia e de modoaproximativo (na considerao sociolgica de massas); ouc) do sentido (tpico-ideal) ou do contexto significativo aconstruir cientificamente para o tipo puro (tipo ideal) de umfenmeno frequente. Semelhantes construes tpico-ideaisso, por exemplo, os conceitos e leis estabelecidos pelateoria pura da doutrina da economia poltica. Expem comodecorreria uma forma especfica de aco humana, se fosseracional e estritamente teleolgica, sem ser perturbada peloerro e pelos afectos; e se, alm disso, estivesse orientadade um modo inteiramente unvoco apenas por um s fim(economia). Mas a aco real s em casos raros (Bolsa),e ento apenas de modo aproximado, transcorre tal como

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    foi construda no tipo ideal. (Acerca do fim de semelhan-tes construes, cf. o meu ensaio in Archiv f. Sozialwiss., einfra no 11).

    Toda a interpretao aspira decerto evidncia [no. 3.].Mas nenhuma interpretao de sentido, por evidente queseja, pode pretender como tal, e por mor desse carcterde evidncia, ser tambm a interpretao causal vlida. em si sempre apenas uma hiptese causal particularmen-te evidente. a) Bastantes vezes, motivos pretextados erepresses (isto , motivos no aceites) encobrem de talmodo, justamente ao prprio autor, o nexo real da orien-tao da sua aco que autotestemunhos subjectivamentesinceros tm apenas um valor relativo. Neste caso, a so-ciologia encontra-se perante a tarefa de indagar e estabe-lecer interpretativamente esta conexo, embora no tenhasido elevada conscincia ou, na maior parte das vezes,no o tenha sido com a plenitude com que foi intenta-da in concreto: um caso limite da interpretao de senti-do. b)Processos externos do agir, que se nos afiguram comoiguais ou semelhantes, podem fundar-se em nexos si-gnificativos muitssimo diversos no agente ou nos agentes,e compreendemos tambm um agir fortemente diverso,amide de sentido cabalmente oposto, em face de situaesque divisamos como entre si similares. (Exemplos emSimmel, Probl. der Geschichtsphil.). c) Em situaes da-das, os homens agentes encontram-se expostos a impul-sos, muitas vezes opostos e antagnicos, que compreen-

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    demos no seu conjunto. Qual seja, porm, a intensidaderelativa com que se costumam expressar na aco as dife-rentes referncias de sentido que residem na luta de mo-tivos, para ns igualmente compreensveis, coisa que,segundo toda a experincia, em muitssimos casos nuncase pode apreciar com toda a segurana, nem sequer de ummodo aproximado. O resultado efectivo da luta de motivoss por si no fornece a tal respeito qualquer elucidao. Co-mo em toda a hiptese, indispensvel o controlo da inter-pretao compreensiva do sentido pelo efeito: o resultadono decurso efectivo. S nos casos, infelizmente escassos emuitssimo peculiares, do experimento psicolgico se po-de alcanar um controlo com relativa preciso. Por meioda estatstica, e numa aproximao imensamente diversa,s nos casos (tambm limitados) de fenmenos em mas-sa computveis e inequvocos na sua atribuio. De resto,existe apenas a possibilidade de comparar o maior nmeropossvel de processos da vida histrica ou quotidiana que,anlogos entre si, diferem apenas num ponto decisivo: nummotivo ou numa ocasio que, justamente pelo seu si-gnificado prtico, indagamos: eis uma importante tarefa dasociologia comparada. Muitas vezes, s resta infelizmen-te o meio inseguro da experincia mental, isto , pensarcomo no presentes componentes singulares da cadeia mo-tivacional e construir em seguida o decurso provvel, paraalcanar uma imputao causal.

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    A chamada lei de Gresham, por exemplo, uma in-terpretao racional evidente da aco humana em deter-minadas condies e sob o pressuposto tpico-ideal de umaaco puramente teleolgico-racional. At que ponto se ageefectivamente de um modo a ela correspondente coisaque ensinar nos pode s a experincia (ao fim e ao cabo,expressvel, em princpio, em qualquer forma estatsti-ca) relativa ao desaparecimento efectivo, no trfico, dostipos de moeda de valor demasiado baixo na estrutura mo-netria: ensina-nos, de facto, sobre a sua ampla validade.Em boa verdade, a marcha do conhecimento foi esta: pri-meiro, houve as observaes da experincia e, em seguida,formulou-se a interpretao. Sem a consecuo desta inter-pretao, ficaria manifestamente insatisfeita a nossa neces-sidade causal. Por outro lado, sem a prova de que o decurso como uma vez quisemos supor mentalmente desfralda-do da conduta ocorre tambm em alguma medida na reali-dade, semelhante lei, em si ainda to evidente, seria umaconstruo sem valor para o conhecimento da aco efecti-va. Neste exemplo concludente a concordncia entre ade-quao de sentido e prova emprica, e os casos so assaznumerosos para considerar a prova como assaz segura. Ahiptese de Ed. Meyer sobre a significao causal das batal-has de Maratona, Salamina e Plateias para a peculiaridadedo desenvolvimento da cultura helnica (e assim da ociden-tal) hiptese inferida pela adequao de sentido e apoiadaengenhosamente em processos sintomticos (conduta dos

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    orculos e profetas helnicos para com os Persas) s po-de corroborar-se mediante a prova que se pode obter dosexemplos do comportamento dos Persas no caso da vitria(Jerusalm, Egipto, sia Menor) e, em muitos aspectos,permanecer necessariamente incompleta. A evidncia ra-cional sugestiva da hiptese deve aqui servir forosamen-te de apoio. Em muitssimos casos de imputao histrica,aparentemente de grande evidncia, falta at toda a possi-bilidade de uma prova como a que ainda era possvel nestecaso. Por conseguinte, a imputao permanece definitiva-mente como hiptese.

    7. Motivo quer dizer uma conexo de sentido que sur-ge ao prprio agente ou ao observador como fundamen-to significativo de um comportamento. Dir-se- adequa-do quanto ao sentido um comportamento que decorre demodo coerente na medida em que afirmamos que a relaodas suas componentes constitui um nexo significativo tpico(costumamos dizer, correcto), de harmonia com os h-bitos mentais e afectivos mdios. Em contrapartida, devedesignar-se causalmente adequada uma sucesso de pro-cessos na medida em que, segundo as regras da experincia,existe uma probabilidade de ela transcorrer sempre e efecti-vamente de modo igual. (Adequada quanto ao sentido nestaacepo , por exemplo, a soluo correcta de um problemaaritmtico, de acordo com as normas habituais do clculoou do pensamento. Causalmente adequada no mbito do

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    acontecer estatstico a probabilidade existente, segun-do as regras comprovadas da experincia, de uma soluocorrecta ou falsa do ponto de vista das normas quehoje nos so correntes por conseguinte, tambm de umerro de clculo tpico ou de uma confuso de proble-mas tambm tpica). A explicao causal significa, pois, aassero de que, de harmonia com uma regra de probabi-lidade avalivel seja de que modo for e numericamenteespecificvel s num raro caso ideal a um processo deter-minado (interno ou externo) observado um outro processodeterminado se segue (ou com ele juntamente aparece).

    Uma correcta interpretao causal de uma aco con-creta significa que o decurso externo e o motivo so conhe-cidos de um modo justo e, simultaneamente, compreendi-dos quanto ao sentido na sua conexo. Uma interpretaocausal correcta de aco tpica (o tipo de aco compreens-vel) significa que o acontecer considerado tpico surge comadequao de sentido (em algum grau) e se pode estabele-cer como causalmente adequado (em algum grau). Se faltaa adequao de sentido, depara-se-nos ento apenas umaprobabilidade estatstica incompreensvel (ou s imperfeit-amente compreensvel), mesmo se conhecermos a regula-ridade mxima e especificvel com preciso numrica nasua probabilidade do decurso (tanto interno como psqui-co). Por outro lado, at a mais evidente adequao de senti-do significa uma correcta proposio causal para o alcancedos conhecimentos sociolgicos s na medida em que se

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    fornece a prova da existncia de uma probabilidade (deter-minvel de qualquer modo) de que a aco costuma efec-tivamente tomar o decurso, que se afigura dotado de senti-do, com determinvel frequncia ou aproximao (por m-dia ou no caso puro). Somente regularidades estatsticasque correspondem ao sentido intentado compreensvel deuma aco social so tipos de aco susceptveis de com-preenso (na acepo aqui usada), por conseguinte, regrassociolgicas. Somente tais construes racionais de umaaco compreensvel pelo sentido so tipos sociolgicos doacontecer real e que se podem observar na realidade, pelomenos numa aproximao qualquer. Est-se muito longe depoder afirmar que, paralelamente desvendvel adequaode sentido, cresa tambm sempre a probabilidade efecti-va da frequncia do decurso que lhe corresponde. S a ex-perincia externa pode, em cada caso, mostrar que assimacontece. H estatstica tanto de processos estranhos aosentido (estatstica da mortalidade, da fadiga, do rendimen-to das mquinas, da quantidade de chuva) como de proces-sos com sentido. Mas a estatstica sociolgica (estatsticacriminal, de profisses, de preos, de cultivo) s a dos l-timos. (Casos que incluem ambas: estatsticas de colheitas,por exemplo, so naturalmente frequentes).

    8. Processos e regularidades que, por serem incompreens-veis na acepo aqui utilizada do termo, no podem designar-se como factos sociolgicos ou regras sociolgicas, no

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    so por isso menos importantes. Nem sequer para a so-ciologia, na acepo aqui adoptada do termo (que implicauma limitao sociologia compreensiva, a qual no de-ve nem pode impor-se a ningum). Deslocam-se apenas, etal metodologicamente inevitvel, para um lugar diversodo da aco compreensvel: para o das suas condies,ocasies, obstculos e estmulos.

    9. A aco, na acepo de orientao significativamentecompreensvel do comportamento prprio, existe para nssempre apenas como comportamento de uma ou vrias pes-soas singulares.

    Para outros fins de conhecimento pode ser til ou ne-cessrio conceber o indivduo singular, por exemplo, comouma associao de clulas ou como um complexo de re-aces bioqumicas, ou a sua vida psquica como con-stituda por elementos individuais (seja qual for o modocomo se qualifiquem). Obtm-se assim, sem dvida, con-hecimentos valiosos (regras causais). Mas no compreen-demos o comportamento destes elementos expresso em re-gras. Nem sequer em elementos psquicos e, claro est, tan-to menos quanto mais exactamente se conceberem de ummodo cientfico-natural: nunca este o caminho para umainterpretao derivada do sentido intentado. Mas para a so-ciologia (na acepo aqui usada do termo, e igualmente pa-ra a histria), a conexo de sentido da aco o objecto daapreenso. Podemos observar (pelo menos em princpio) o

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    comportamento das unidades fisiolgicas, por exemplo, dasclulas ou de quaisquer elementos psquicos, ou tentar in-ferir a partir de observaes, obter para eles regras (leis)e explicar causalmente com a sua ajuda processos parti-culares, isto , inclu-los sob regras. No entanto, a interpre-tao da aco s se interessa por estes factos e regras en-quanto e no sentido em que o faz relativamente a quaisqueroutros factos (por exemplo, fsicos, astronmicos, geol-gicos, meteorolgicos, geogrficos, botnicos, geolgicos,fisiolgicos, atmicos, psicopatolgicos alheios ao sentido,ou condies cientfico-naturais dos factos tcnicos).

    Por seu turno, para outros fins de conhecimento (por ex-emplo, jurdicos) ou para metas prticas pode, por outrolado, ser conveniente e at inevitvel tratar determinadasformaes sociais (Estado, cooperativa, sociedade an-nima, fundao) como indivduos singulares (por exem-plo, como sujeitos de direitos e deveres, ou como autoresde aces juridicamente relevantes). Pelo contrrio, para ainterpretao compreensiva da aco mediante a sociolo-gia, essas formaes so simplesmente decursos e entrosa-mentos do agir especfico de homens singulares, j que sestes so para ns portadores compreensveis de um agirorientado segundo o sentido. Apesar de tudo, a sociologiano pode ignorar, mesmo para os seus fins, as formaesconceptuais colectivas de outros modos de considerao.Com efeito, a interpretao da aco tem com esses concei-tos colectivos as seguintes trs relaes: a) , muitas vezes,

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    forada a trabalhar com conceitos colectivos de todo semel-hantes (designados amide com os mesmos nomes) a fimde obter em geral uma terminologia inteligvel. A lingua-gem jurdica e a quotidiana designam, por exemplo, comoEstado tanto o conceito jurdico como aquele estado decoisas da aco social, para o qual as regras jurdicas pre-tendem vigorar. Para a sociologia, a realidade Estado noconsta necessariamente s ou justamente das componentesjuridicamente relevantes. Em todo o caso, no existe pa-ra ela uma personalidade colectiva como agente. Quandofala de Estado ou de nao, de sociedade annima oude famlia, de corpo militar ou de formaes semel-hantes, refere-se antes apenas ao decurso, de ndole deter-minada, da aco social, efectiva ou construda como pos-svel, dos indivduos; introduz, por isso, no conceito jurdi-co, que emprega por causa da sua preciso e aclimatizao,um sentido inteiramente diverso. b) A interpretao daaco deve tomar nota do facto de que as entidades colecti-vas pertencentes ao pensar quotidiano ou ao jurdico (ou aoutro ramo) so representaes de algo que em parte existee, em parte, surge como um dever-ser nas cabeas de ho-mens reais (no s de juzes e funcionrios, mas tambmdo pblico), pelas quais se orienta a sua aco; e devetambm tomar nota de que, enquanto tais, elas tm umasignificao causal poderosa, muitas vezes at dominante,no decurso do agir dos homens concretos. Sobretudo, co-mo representaes de algo que deve ser (ou tambm que

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    no deve ser). (Um Estado moderno como complexode uma conjunta aco especfica de homens subsiste emparte muito considervel desta forma, porque determinadoshomens orientam a sua aco pela representao de queele deve existir ou existir assim ou assado; por conseguin-te, de que vigoram ordenamentos de ndole juridicamenteorientada. A tal respeito, mais frente.) Ainda que fossepossvel, se bem que de um modo extremamente pedantee prolixo, eliminar de todo da terminologia prpria da so-ciologia (Litt. a) estes conceitos da linguagem usual, quese empregam no s para o dever-ser jurdico, mas tam-bm para o acontecer real, substituindo-os por palavras decunho inteiramente novo, tal ficaria naturalmente excludo,pelo menos para este importante estado de coisas. c) Omtodo da chamada sociologia orgnica (tipo clssico: oengenhoso livro de Schffle, Bau und Leben des sozialenKrpers) procura explicar, partindo de um todo (por ex-emplo, uma economia poltica) a aco social conjunta;em seguida, no seu seio, interpreta-se o indivduo e o seucomportamento tal como, analogamente, a fisiologia trata aposio de um orgo na economia do organismo (isto, do ponto de vista da sua conservao). (Cf. o famo-so mote de um fisilogo: x: O Bao: do bao nada sabe-mos, meus senhores, do bao enquanto tal! Na realidade, oimplicado sabia naturalmente bastantes coisas acerca dobao: posio, volume, forma, etc. apenas no conseguiaespecificar a funo, e a tal incapacidade chamava nada

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    saber). No pode aqui discutir-se at que ponto, noutrasdisciplinas, deve ser definitiva (necessariamente) esta esp-cie de considerao funcional das partes de um todo:sabe-se que a abordagem bioqumica e biomecnica nogostaria fundamentalmente de com tal se contentar. Parauma sociologia interpretativa, semelhante modo de expres-so: 1) pode servir para fins de ilustrao prtica e de orien-tao provisria (e ser nesta funo altamente til e neces-sria mas tambm desvantajosa, na sobrevalorizao doseu valor cognoscitivo e de um falso realismo conceptual).2) E em determinadas circunstncias, s ela nos pode aju-dar a descobrir a aco social cuja compreenso interpreta-tiva importante para a explicao de uma conexo. Mass neste ponto que comea o trabalho da sociologia (talcomo aqui se entende a acepo do termo). Nas formaessociais (em contraste com os organismos) encontramo-nos, para l da simples determinao das suas conexes eregras funcionais (leis), na situao de cumprir algo deeternamente inacessvel (no sentido da especificao de re-gras causais para fenmenos e formaes e da explicaomediante elas dos acontecimentos singulares): justamentea compreenso da conduta dos indivduos partcipes, aopasso que, pelo contrrio, no podemos compreender ocomportamento, por exemplo das clulas, mas apreend-los funcionalmente e, em seguida, determin-lo segundo asregras do seu decurso. Esta maior prestao da explicaointerpretativa em face da observadora tem, sem dvida, co-

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    mo preo o carcter essencialmente mais hipottico e frag-mentrio dos resultados a alcanar por meio da interpre-tao. Mas ela , no entanto, o especfico para o conhecersociolgico.

    At que ponto nos pode tambm ser compreensvelpelo sentido o comportamento dos animais e, inversamen-te ambas as coisas num sentido altamente impreciso enum mbito problemtico , at que ponto pode, pois, exi-stir uma sociologia das relaes do homem com os animais(animais domsticos, animais de caa) fica aqui inteiramen-te por explicar (muitos animais entendem ordens, clera,amor, inteno agressiva e reagem-lhes claramente e, mui-tas vezes, no s de modo instintivo e mecnico, mas decerta maneira tambm com conscincia de sentido e ori-entao pela experincia). Em si a medida da nossa sensi-bilidade, no comportamento dos homens primitivos, no essencialmente superior. Mas, em parte no temos, emparte s de um modo muito insuficiente possumos mei-os seguros para estabelecer no animal os factos subjecti-vos: os problemas da psicologia animal so, como se sa-be, to interessantes quanto espinhosos. Existem e so par-ticularmente conhecidas associaes animais do tipo maisdiverso: famlias monogmicas e poligmicas, rebanhos,enxames e, finalmente, Estados com divises funcionais.(O grau de diferenciao funcional destas associaes ani-mais no corre de modo algum paralelamente ao grau da di-ferenciao evolutiva, organolgica e morfolgica da esp-

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    cie animal em questo. Assim a diferenciao funcional nastrmitas e, por conseguinte, a dos seus artefactos muitomaior do que entre as formigas e as abelhas. evidente queaqui a indagao se deve contentar, aceitando-a pelo menospor agora como definitiva, com a considerao puramentefuncional, a saber, com a descoberta das funes decisi-vas que tm os tipos singulares de indivduos (reis, rain-has, operrios, soldados, zangos, rainhas substitu-tas, etc.) na conservao da sociedade animal, isto , naalimentao, defesa, propagao e renovao dessas socie-dades. Tudo o que foi mais alm no passou, durante muitotempo, das simples especulaes ou investigaes sobre ograu em que a hereditariedade, por um lado, e o meio, poroutro, poderiam participar no desdobramento dessas dis-posies sociais. (Assim, em particular, as controvrsiasentre Weismann e Gtte, em que o primeiro elaborou forte-mente no seu fundamento a sua omnipotncia da criaoda natureza com dedues inteiramente extra-empricas.)Mas, na mais sria investigao, existe naturalmente umacordo completo a respeito de que, na restrio ao conhe-cimento funcional, se trata apenas de uma satisfao fora-da e, como se espera, apenas provisria. (Cf., por exem-plo, para o estado da investigao das trmitas, o escrito deEscherich, 1909). Seria desejar justamente no s discer-nir a importncia para a conservao das funes de cadaum daqueles tipos diferenciados coisa relativamente f-cil e especificar o modo como se explica aquela diferen-

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    ciao, sem suposio da hereditariedade das propriedadesadquiridas ou, inversamente, no caso de tal suposio (e,ento, seja qual for o modo de interpretao dessa supo-sio), mas saber tambm: 1. o que que decide o comeoda diferenciao a partir do indivduo originrio ainda neu-tro e indiferenciado, e 2. o que que induz o individuo dife-renciado a comportar-se (na mdia) na forma que, de facto, til ao interesse de conservao do grupo diferenciado.Sempre que o trabalho avanou nesta direco, tal acon-teceu mediante a demonstrao, por via experimental (oususpeita) de estmulos qumicos ou factos fisiolgicos (pro-cessos digestivos, castrao parasitria, etc.) nos indivduossingulares. At que ponto subsiste a esperana problemti-ca de tornar verosmil, por meios experimentais, tambma existncia de uma orientao psicolgica e dotada desentido, coisa que nem sequer o especialista o poderiahoje dizer. Uma descrio controlvel da psique desses ani-mais sociais com base na compreenso de sentido surgecomo meta ideal alcanvel s em limites extremos. Emtodo o caso, no h que esperar da a compreenso daaco social humana, mas ao invs: trabalha-se e deve alitrabalhar-se com analogias humanas. Pode talvez esperar-se que essas analogias nos sejam alguma vez teis na for-mulao da questo seguinte: como apreciar nos estdiosprimitivos da diferenciao social humana o domnio da di-ferenciao puramente mecnico-instintiva na relao como que individual e significativamente compreensvel e, em

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    seguida, com o que foi criado de um modo conscientementeracional. A sociologia compreensiva deve, evidentemente,dar-se conta de que nas pocas primitivas predomina purae simplesmente nos homens a primeira componente, e deveigualmente permanecer consciente da sua contnua coope-rao (e, claro est, cooperao decisivamente importante)nos estdios ulteriores da evoluo. Toda a aco tradi-cional (2) e amplos estratos do carisma (Cap. III)1 en-quanto germe do contgio psquico e, deste modo, por-tador de estmulos evolutivos sociolgicos, esto muitoprximos, com transies insensveis, daqueles processosque s biologicamente se podem apreender e que no so,ou s de um modo fragmentrio, interpretveis compreensi-vamente e explicveis segundo a sua motivao. Mas tudoisto no dispensa a sociologia compreensiva da tarefa de,na conscincia dos estreitos limites em que se encontra ba-nida, realizar o que justamente, por seu turno, s ela podelevar a cabo.

    Os distintos trabalhos de Othmar Spann, muitas vezesricos de boas ideias ao lado de equvocos, sem dvida oca-sionais, e sobretudo de argumentaes baseadas em purosjuzos de valor que no pertencem na investigao empri-ca, so, sem dvida, correctos quanto acentuao do si-gnificado, decerto por ningum seriamente contestado, daquesto preliminar funcional (chama ele a isto: mtodouniversalista) para toda a sociologia. Devemos, com certe-

    1 Da obra Wirtschaft und Gesellschaft, a que pertence o captulo presente. (N.T.)

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    za, saber primeiro que aco funcionalmente importante,do ponto de vista da conservao (mas, alm disso e so-bretudo, tambm da peculiaridade cultural!) e de uma pros-secuo, numa direco determinada, de um tipo de acosocial para, em seguida, podermos perguntar: como quetal aco tem lugar? Que motivos a determinam? Impor-ta primeiro saber que servios presta um rei, um fun-cionrio, um empresrio, um rufia, um mago: - queaco tpica (aquilo que somente o insere numa destas ca-tegorias) importante, pois, para anlise e se considera an-tes de se poder abordar tal anlise (referncia ao valor, nosentido de H. Rickert). Mas, por outro lado, s esta anliseproporciona o que a compreenso sociolgica da aco doshomens singulares tipicamente diferenciados (e s entre oshomens) pode e, por conseguinte, deve facultar. Em todoo caso, h que excluir tanto o enorme mal-entendido depensar que um mtodo individualista significa uma va-lorao individualista (em qualquer sentido possvel), co-mo tambm a opinio de que uma construo conceptualde carcter inevitavelmente (em termos relativos) raciona-lista significa a crena no predomnio dos motivos racio-nais ou at uma valorao positiva do racionalismo. Umaeconomia socialista pode tambm, no plano sociolgico,compreender-se to individualisticamente, isto , a partirda aco dos indivduos os tipos de funcionrios quenela aparecem como, por exemplo, os processos de trocamediante a doutrina da utilidade marginal (ou um mtodo

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    melhor a encontrar ainda mas, neste ponto, semelhante).Com efeito, tambm a o trabalho emprico-sociolgico de-cisivo comea sempre com a questo: que motivos deter-minaram e determinam os funcionrios e membros singu-lares desta comunidade a comportar-se de maneira a elater surgido e subsistir? Toda a construo conceptual fun-cional (partindo de um todo) proporciona para tal apenasum trabalho prvio, cuja utilidade e indispensabilidade quando se leva a cabo de modo correcto , naturalmente,incontestvel.

    10. As leis, como hbito designar muitas propo-sies da sociologia compreensiva por exemplo, a leide Gresham so probabilidades tpicas, corroboradas pe-la observao, de um transcurso, esperado na ocorrncia decertos estados de coisas, das aces sociais que so com-preensveis a partir de motivos tpicos e do sentido tipica-mente intentado do agente. So compreensveis e claras noseu mais alto grau quando motivos puramente racionais re-lativos a fins esto subjacentes ao decurso tipicamente ob-servado (ou que foram postos como fundamento ao tipometodicamente construdo a partir de motivos teleolgicos)e, por isso, a relao entre meio e fim , de acordo comas proposies da experincia, unvoca (no meio inevit-vel). Neste caso, admissvel a afirmao de que, quandose agir de um modo estritamente racional e teleolgico, seteve de actuar assim e no de outro modo (porque por ra-

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    zes tcnicas, os participantes, no servio dos seus fins claramente aduzveis , s dispunham de estes e no deoutros meios). Este caso mostra precisamente, ao mesmotempo, como errado ver qualquer psicologia como ofundamento derradeiro da sociologia compreensiva. Ca-da qual entende hoje por psicologia coisas distintas. Ob-jectivos metdicos de todo determinados justificam, parauma abordagem cientfico-natural de certos processos, aseparao do fsico e do psquico, que, neste sentido, estranha s disciplinas da aco. Os resultados de umacincia psicolgica que apenas investigue o psquico naacepo da metodologia cientfico-natural com os meios dacincia da natureza e, por conseguinte, no o que al-go de inteiramente distinto no interprete, por seu turno,o comportamento humano pelo seu sentido intentado, sejaqual for a ndole metodolgica dessa psicologia, podem na-turalmente, como para qualquer das outras cincias, ganharimportncia, no caso singular, para uma indagao sociol-gica e, muitas vezes, possuem-na em alta medida. Mas asociologia no tem com ela nenhumas relaes em geralmais estreitas do que com todas as outras disciplinas. O er-ro reside no conceito de psquico: o que no fsico psquico. Mas o sentido de um exemplo aritmtico, quealgum intenta, no psquico A reflexo racional de umhomem sobre se determinada aco ou no exigida parainteresses definidos quanto s consequncias a esperar, e adeciso tomada em harmonia com o resultado, so coisas

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    que no se tornam minimamente compreensveis medianteconsideraes psicolgicas. Mas justamente sobre taispressupostos racionais que a sociologia (incluindo a eco-nomia poltica) constri a maior parte das suas leis. Pelocontrrio, na explicao sociolgica das irracionalidadesda aco, a psicologia compreensiva pode, sem dvida, pre-star na realidade um servio decisivo e importante. Mas talem nada altera a situao metodolgica fundamental.

    11. A sociologia como j repetidamente se pressupecomo evidente constri conceitos tpicos e demanda re-gras gerais do acontecer, em contraste com a histria queaspira anlise e imputao causais das aces, estruturase personalidades individuais, culturalmente importantes. Aconstruo conceptual da sociologia vai buscar o seu ma-terial, como paradigmas, muito essencialmente se bem queno de modo exclusivo, s realidades da aco, igualmenterelevantes sob o ponto de vista da histria. Constri os seusconceitos e busca as suas regras sobretudo tambm a partirdo ngulo de se elas podem prestar um servio imputaocausal histrica dos fenmenos culturalmente importantes.Como em toda a cincia generalizadora, condio da pe-culiaridade das suas abstraces o facto de os seus concei-tos serem por fora relativamente vazios de contedo face realidade concreta do histrico. O que ela tem a oferecercomo contrapartida a univocidade intensificada dos seusconceitos. Esta univocidade acrescentada obtida em virtu-

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    de da possibilidade de um ptimo de adequao de sentido,como intentado pela conceptualizao sociolgica. Esta e de tal se tratou sobretudo at agora pode alcanar-se de um modo particularmente completo em conceitos eregras racionais (quanto a valores ou fins). Mas a sociolo-gia procura tambm apreender em conceitos teorticos e,claro est, adequados pelo seu sentido, fenmenos irracio-nais (msticos, profticos, pneumticos, afectivos). Em to-dos os casos, racionais e irracionais, ela afasta-se da rea-lidade e contribui para o seu conhecimento na medida emque, mediante a indicao do grau de aproximao de umfenmeno histrico de um ou vrios destes conceitos, estarealidade se pode ordenar. O mesmo fenmeno histricopode, por exemplo, especificar-se, por exemplo, numa partedas suas componentes, como feudal, noutra como patri-monial, noutra ainda como burocrtico e, de novo, nou-tra como carismtico. Para que com estas palavras se ex-presse algo de unvoco, a sociologia deve, por sua vez, pro-jectar tipos puros (ideais) dessas estruturas que mo-stram em si a unidade consequente de uma adequao desentido o mais completa possvel, mas, justamente por isso,emergem talvez to pouco na realidade, nesta forma puraabsolutamente ideal, como uma reaco fsica que calcu-lada sob o pressuposto de um espao absolutamente vazio.Ora a casustica sociolgica s possvel a partir do tipopuro (ideal). Mas de per si evidente que a sociologiaemprega, alm disso, ocasionalmente tambm o tipo mdio

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    do gnero dos tipos emprico-estatsticos: uma construoque no carece particularmente da elucidao metodolgi-ca. Mas, ao falar de casos tpicos, refere-se sempre, nadvida, ao tipo ideal que, por seu lado, pode ser racionalou irracional, embora na maioria das vezes (por exemplo,na teoria econmico-poltica sempre) seja racional e se con-strua incessantemente com adequao de sentido.

    Importa ficar claro que, no domnio sociolgico, s po-dem construir-se com alguma univocidade mdias e, tam-bm, tipos mdios, quando se trata unicamente de dife-renas graduais de comportamento determinado pelo senti-do e qualitativamente anlogo. Isto acontece. Mas, na maio-ria dos casos, a aco histrica ou sociologicamente rele-vante influenciada por motivos qualitativamente hetero-gneos, entre os quais no se pode obter uma mdia emsentido genuno. As construes tpico-ideais da aco so-cial, como as que, por exemplo, a teoria econmica prefere,so, pois, estranhas realidade no sentido de que ne-ste caso indagam sem excepo: como se procederia nocaso ideal de uma pura racionalidade econmica relativaa fins de modo a 1. poder compreender a aco real co-determinada, pelo menos, por obstculos tradicionais, afec-tos e erros, pela introduo de finalidades ou consideraesno econmicas, na medida em que foi, de facto, no ca-so concreto, co-determinada por uma considerao racionaleconmica relativa a fins ou - numa considerao mdia -o costuma ser; mas tambm 2. para facilitar o conhecimen-

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    to dos seus motivos reais mediante a distncia entre o seutranscurso real e o tpico-ideal. De um modo completamen-te anlogo teria de proceder uma construo tpico-ideal deuma atitude consequente acsmica face vida (por exem-plo, face poltica e economia) misticamente condiciona-da. Quanto mais precisa e mais unvoca a construo dostipos ideais, por conseguinte, quanto mais estranhos elesso, nesse sentido, ao mundo, tanto melhor o servio queprestam, quer no plano terminolgico e classificatrio quertambm no heurstico. A imputao causal concreta dosacontecimentos singulares graas ao trabalho da histriano procede, na realidade, de outro modo quando, para ex-plicar, por exemplo, o decurso da batalha de 1866, investiga(como ela pura e simplesmente deve fazer) primeiro (ideal-mente), para Moltke e tambm para Benedek, como cadaum deles, no pleno conhecimento da situao prpria e dado adversrio, teria actuado no caso de ideal racionalidadeteleolgica, para estabelecer uma comparao com a ac-tuao real e, em seguida, explicar causalmente a distnciaobservada (condicionada quer pela informao falsa, porerros efectivos, por equvocos, pelo temperamento pessoalou por consideraes extra-estratgicas). Tambm aqui seaplica (de modo latente) uma construo racional teleol-gica tpico-ideal.

    Mas os conceitos construtivos da sociologia so no sextrnseca, mas tambm intrinsecamente tpico-ideais. Aaco real decorre, na grande massa dos seus casos, em

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    obscura semi-conscincia ou na inconscincia do seu senti-do intentado. O agente sente-o mais indeterminado emais indeterminadamente do que o conhece ou dele temuma clara ideia, actua na maior parte dos casos de um modoimpulsivo ou por hbito. S ocasionalmente, e numa acocopiosamente anloga, muitas vezes, apenas de indivdu-os, se eleva conscincia um sentido (quer racional, querirracional) da aco. Uma aco significativa efectivamen-te tal, isto , plenamente consciente e clara, na realidadesempre apenas um caso limite. Toda a considerao histri-ca e sociolgica, na anlise da realidade, tem de ter sempreem conta este facto. Mas tal no deve impedir que a socio-logia construa os seus conceitos por meio de uma classi-ficao do possvel sentido intentado, portanto, como sea aco transcorresse de facto conscientemente orientadapelo sentido. Deve sempre ter em conta e fixar, quanto medida e ao modo, a distncia perante a realidade, quandose trata da considerao desta na sua concreo.

    Muitssimas vezes, do ponto de vista metodolgico, hapenas que escolher entre termos obscuros ou claros, masento irreais e tpico-ideais. Neste caso, porm, devempreferir-se cientificamente os ltimos. (Cf. sobretudo istoArch. f. Sozialwiss., XIX, loc. cit.).

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    II. Conceito da aco social

    1. A aco social (inclusive a omisso ou tolerncia) podeorientar-se pelo comportamento passado, presente ou espe-rado como futuro dos outros (vingana por prvios ataques,defesa do ataque presente, regras de defesa contra ataquesfuturos). Os outros podem ser indivduos e conhecidosou indeterminadamente muitos e de todo desconhecidos (odinheiro, por exemplo, significa um bem de troca que oagente admite no trfico porque orienta a sua aco pelaexpectativa de que muitos outros, mas desconhecidos e in-determinados, estaro tambm, por seu turno, dispostos aaceit-lo numa troca futura).

    2. Nem toda a classe de aco inclusive de aco ex-terna social, na acepo aqui estabelecida. No o aaco exterior quando se orienta simplesmente pelas expec-taes da conduta de objectos materiais. O comportamentontimo aco social s quando se orienta pelo comporta-mento de outros. No o , por exemplo, a conduta religiosaquando permanece contemplao, orao solitria, etc. Aactividade econmica (de um indivduo) s o na medidaem que toma em considerao o comportamento de tercei-ros. De um modo inteiramente geral e formal, pois, quandotem em conta o respeito por terceiros do seu prprio poderefectivo de disposio sobre bens econmicos. Do pontode vista material, quando, por exemplo, no consumo entra

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    a considerao das futuras necessidades de terceiros e porelas se orienta o modo da poupana prpria. Ou quandona produo se pe como fundamento da sua orientao anecessidade futura de terceiros, etc.

    3. Nem toda a classe de contacto entre os homens decarcter social, mas apenas um comportamento prprio ori-entado, quanto ao sentido, pelo comportamento de outros.Um choque de dois ciclistas, por exemplo, um simplesacontecimento, como uma ocorrncia natural. Mas a suatentativa de se esquivar ao outro e os insultos, a rixa ou a ex-plicao amistosa subsequentes ao choque, seriam acosocial.

    4. A aco social no idntica a) nem a uma aco ho-mognea de muitos, b) nem aco influenciada pelo com-portamento de outros. a) Quando na rua, no incio de umachuvada, uma quantidade de homens abre ao mesmo tem-po o guarda-chuva, a aco de um (normalmente) no estorientada pela aco dos outros, mas sim a de todos homo-geneamente pela necessidade de proteco contra a humi-dade. - b) Sabe-se que a aco do indivduo fortemente in-fluenciada pelo simples facto de ele se encontrar no meio deuma massa apinhada num lugar (objecto da investigaoda psicologia das massas, por exemplo, maneira dos tra-balhos de Le Bon): aco condicionada pela massa. E mas-sas dispersas podem tambm condicionar o comportamentodos indivduos mediante uma conduta que actua simult-

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    nea ou sucessivamente sobre os indivduos (por exemplo,por meio da imprensa) e enquanto tal percebida como demuitos. Determinadas formas de reaco so possibilitadas,outras dificultadas pelo simples facto de que o indivduose sente como parte de uma massa. Consequentemente,um determinado evento ou comportamento humano podemsuscitar sensaes da natureza mais dspar: regozijo, furor,entusiasmo, desespero e paixes de toda a ndole, que noocorreriam (ou no com tanta facilidade) no isolamento sem que exista, no entanto (pelo menos, em muitos casos)uma relao significativa entre o comportamento do indi-vduo e o facto de se encontrar numa situao de massa.Uma aco assim originada ou co-determinada s reacti-vamente no seu decurso pela influncia do simples factoda massa como tal e sem qualquer referncia ao sentido,no se conceberia como aco social, na acepo aquiestabelecida. De resto, a distino , naturalmente, muits-simo fluida. Com efeito, no s, por exemplo, no demago-go, mas muitas vezes tambm no pblico numeroso podeexistir uma medida, de diferente grandeza e diversamenteinterpretvel, da referncia de sentido ao facto da mas-sa. Alm disso, a simples imitao do comportamentoalheio (em cuja importncia insiste justamente D. Tarde)no seria, do ponto de vista conceptual, uma aco soci-al especfica, quando ocorre de um modo simplesmentereactivo, sem orientao significativa da aco prpria pelaalheia. A fronteira de tal modo fluida que, muitas vezes,

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    dificilmente parece possvel uma distino. Mas o simplesfacto de que algum aceite para si uma disposio que lheparece adequada a um fim, mas que aprendeu de outros, no uma aco social na nossa acepo. No se orientou pe-lo comportamento do outro, mas, por meio da observaode tal conduta, o agente deu-se conta de determinadas pro-babilidades objectivas e por estas se orienta. A sua acofoi determinada causalmente, mas no pelo sentido, atra-vs do agir alheio. Quando, pelo contrrio, se imita a acoalheia, porque moda, enquanto vigora como tradicio-nal, exemplar ou distinta como prpria de uma classe, oupor motivos semelhantes, temos ento a relao de senti-do ou com o comportamento de quem imitado, ou comterceiros ou com ambos. Naturalmente, h entre eles tran-sies. Ambos os casos - condicionamento pela massa e aimitao - so fluidos e casos-limite da aco social, co-mo ainda muitas vezes se nos deparam, por exemplo, naaco tradicional (2.). O fundamento da fluidez, nestes enoutros casos, estriba-se em que a orientao pela condutaestranha e o sentido da aco prpria de nenhum modo sepode sempre inequivocamente precisar, nem sempre con-sciente e ainda menos plenamente consciente. J por issonem sempre seguro separar a simples influenciao e aorientao pelo sentido. Mas devem separar-se concep-tualmente embora, como evidente, a imitao puramentereactiva tenha, pelo menos, o mesmo alcance sociolgi-co que a aco social apresenta em sentido genuno. A

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    sociologia no tem de modo algum s a ver com a acosocial, mas esta constitui unicamente (para o tipo de so-ciologia aqui desenvolvida) o seu dado central, aquele quepara ela enquanto cincia , por assim dizer, constitutivo.Mas com isto nada se afirma acerca da importncia deste[dado] na sua relao com outros dados.

    2. Motivos determinantes da aco social

    Como toda a aco, tambm a aco social pode ser: 1)racional em ordem a fins, determinada por expectaes docomportamento de objectos do mundo exterior e dos outroshomens, utilizando estas expectaes como condies oumeios para fins prprios racionalmente intentados e pon-derados como resultado; 2) racional quanto a valores, de-terminada pela crena consciente no valor tico, esttico,religioso ou de qualquer outra forma que se interprete especfico e incondicionado de uma determinada condutapuramente como tal e independentemente do resultado; 3)afectiva, sobretudo emocional, determinada por afectos eestados sentimentais actuais; 4) tradicional, determinadacomo um hbito vital.

    1. O comportamento estritamente tradicional tal comoa imitao puramente reactiva (ver anterior) encontra-se inteiramente na fronteira e, muitas vezes, alm do que

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    em geral se pode chamar uma aco orientada pelo senti-do. Com efeito, muitssimas vezes, apenas uma obscurareaco a estmulos habituais, que decorre na direco daatitude inscrita na vida. A massa de todo o agir quotidia-no e habitual aproxima-se deste tipo, o qual no s comocaso limite se inclui na sistemtica, mas tambm porque avinculao ao habitual (de tal se falar mais tarde) se po-de manter consciente em diversos graus e sentidos: e entoeste tipo aproxima-se do No 2 (supra).

    2. O comportamento estritamente afectivo encontra-sede igual modo na fronteira e, muitas vezes, para alm doque conscientemente orientado pelo sentido; pode serum reagir irrestrito a um estmulo fora do quotidiano; uma sublimao, quando a aco afectivamente condicio-nada surge como descarga consciente do estado sentimen-tal: encontra-se ento, na maior parte dos casos (no sem-pre), j no caminho para a racionalizao axiolgica oupara a aco teleolgica ou para ambas.

    3. A orientao afectiva e a orientao axiolgica racio-nal da aco distinguem-se entre si pela elaborao con-sciente, na ltima, das miras derradeiras da aco e pelaconsequente orientao de todo planificada. Por outro la-do, tm em comum o facto de que, para elas, o sentido daaco no reside no resultado que fica para alm dela, masna prpria aco especificada de modo determinado. Ageafectivamente quem satisfaz a sua necessidade actual de

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    vingana, de gozo, de entrega, de beatitude contemplativaou de abreaco de emoes actuais (quer de natureza toscaou sublime). Age estritamente de um modo racional axiol-gico quem, sem considerao pelas consequncias previs-veis, actua ao servio da sua convico sobre o que o de-ver, a dignidade, a beleza, a sapincia religiosa, a piedadeou a importncia de uma causa, seja qual for a sua n-dole, lhe parecem ordenar. Uma aco racional e axiolgi-ca sempre (no sentido da nossa terminologia) uma acosegundo mandamentos ou de acordo com exigncias,que o agente julga a si dirigidas. S na medida em que aaco humana se orienta por tais exigncias o que sempreacontece s numa fraco maior ou menor, e quase semprebastante modesta falaremos de racionalidade axiolgica.Como se mostrar, advm-lhe significado bastante para arealar como tipo particular, embora aqui, de resto, no sepretenda facultar qualquer classificao exaustiva dos tiposde aco.

    4. Age racionalmente em ordem a fins quem orienta asua aco por uma meta, meios e consequncias laterais epondera racionalmente, para tal, os meios com os fins, osfins com as consequncias secundrias como, finalmente,tambm os diferentes fins possveis entre si: em todo o ca-so, pois, quem no actua nem afectivamente (e, sobretudo,de modo no emotivo), nem tradicionalmente. Por seu la-do, a deciso entre fins e consequncias concorrentes e em

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    conflito pode orientar-se de modo racional e axiolgico: aaco ento apenas teleologicamente racional nos seusmeios. Ou o agente, sem orientao axiolgico-racional pormandamentos e exigncias, pode integrar os fins con-correntes e conflitivos simplesmente como moes dadasda necessidade subjectiva numa escala de urgncia cons-cientemente ponderada e orientar assim por ela a sua acode modo que se satisfaam, quanto possvel, nesta sua esca-la (princpio da utilidade marginal). A orientao axiolgico-racional da aco pode, pois, encontrar-se em relaes mui-to diversas com a teleolgico-racional. Do ponto de vista daracionalidade teleolgica, porm, a racionalidade axiolgi-ca sempre irracional e, claro est, tanto mais quanto ovalor que orienta o agir se eleva a valor absoluto, porquea reflexo sobre as consequncias da aco tanto menorquanto mais incondicionada , para ela, a ateno concedi-da ao seu valor especfico (por disposio de nimo, bele-za, vontade absoluta, absoluta obrigatoriedade). A raciona-lidade teleolgica absoluta da aco , porm, somente umcaso-limite essencialmente construtivo.

    5. A aco, sobretudo a aco social, s rarissimamenteest orientada por um ou outro destes tipos. Estas formas deorientao tambm no podem, naturalmente, considerar-se de modo algum como classificaes exaustivas dos tiposde orientao da aco, mas como puros tipos conceptuaispara fins sociolgicos, dos quais a aco real se aproxima

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    mais ou menos ou deles o que ainda mais frequente est mesclada. A sua convenincia s no-la pode dar oresultado.

    3. A relao social

    Denominar-se- relao social um comportamento de vri-os que, quanto ao seu contedo de sentido, se apresenta co-mo reciprocamente referido e, deste modo, orientado. A re-lao social consiste, pois, plena e exclusivamente na pro-babilidade de que se actuar socialmente numa forma (comsentido) indicvel, no interessando agora em que se fundaesta probabilidade.

    1. Um mnimo de recproca bilateralidade na aco ser,portanto, uma caracterstica conceptual. O contedo po-de ser o mais diverso: conflito, inimizade, amor sexual,amizade, piedade, troca mercantil, cumprimento ou no-cumprimento ou rotura de um pacto, concorrnciaeconmica, ertica ou outra, comunidade de ordens, nacio-nal ou de classes (se, nestes ltimos casos, se produzemaces sociais para alm das simples situaes comuns- de que mais tarde se falar). Por conseguinte, o conceitonada diz sobre se existe solidariedade entre os actores,ou justamente o contrrio.

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    2. Trata-se sempre de um contedo significativo empri-co, intentado pelos participantes - ou no caso singular con-creto ou numa mdia ou no tipo puro construdo -, e nun-ca num sentido normativamente justo ou metafisicamenteverdadeiro. A relao social consiste s e exclusivamen-te ainda que se trate de formaes sociais como Esta-do, Igreja, Corporao, Matrimnio, etc. - na pro-babilidade de que tenha existido, exista ou venha a existiruma aco de carcter recproco quanto ao seu contedo desentido. Tal sempre de ter em conta para evitar uma con-cepo substancial destes conceitos. Um Estado deixa,pois, de existir sociologicamente logo que se desvane-ce a probabilidade de ocorrerem determinadas espcies deaco social orientada por um sentido. Esta probabilidadepode ser uma muito grande ou outra que se desvanece atao mnimo. No sentido e na medida em que ela subsistiuou subsiste efectivamente (segundo a estimativa), subsistiuou subsiste tambm a concernente relao social. Nenhumoutro sentido mais claro se pode pura e simplesmente as-sociar afirmao de que, por exemplo, um determinadoEstado ainda existe ou j deixou de existir.

    3. De nenhum modo se diz que, num caso singular, osparticipantes na aco reciprocamente referida ponham omesmo contedo significativo na relao social ou que secomportem de um modo significativo e correspondente atitude do parceiro oposto, que, portanto, exista recipro-

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    cidade neste sentido. A amizade, o amor, a pieda-de, a fidelidade contratual, o sentimento da comuni-dade nacional de um lado pode, no outro, embater numaatitude de todo diversa. Os participantes associam ento sua aco um sentido diferente: a relao social assim, deambos os lados, objectivamente unilateral. Mas ela estento tambm reciprocamente orientada na medida em queo agente pressupe uma determinada atitude do parceiro(talvez de um modo errneo no todo ou em parte) peranteele (o agente) e por estas expectaes orienta a sua acoprpria, o que pode ter e, na maior parte dos casos, terconsequncias para o decurso da aco e a configuraoda relao. Naturalmente, s objectivamente bilateralquando o contedo significativo corresponde em ambos- segundo as expectaes mdias de cada um dos partici-pantes por conseguinte, por exemplo, a atitude do filhose contrape, pelo menos aproximadamente, atitude dopai, como este (no caso singular, na mdia ou tipicamente)espera. Uma relao social de todo apoiada e sem resqu-cios numa atitude recproca e de sentido correspondente, na realidade, apenas um caso-limite. Mas a ausncia demutualidade s excluir, segundo a nossa terminologia, aexistncia de uma relao social quando tem a seguinteconsequncia: falta efectivamente a referncia recproca daaco de ambos os lados. Na realidade, todas as espcies detransies so aqui, como sempre, a regra.

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    4. Uma relao social pode ter um carcter inteiramen-te transitrio ou implicar uma permanncia tal que existea probabilidade do retorno contnuo de uma conduta desentido correspondente (ou seja, tida por tal e, por con-seguinte, esperada). Unicamente a presena de tal plausi-bilidade da maior ou menor probabilidade de que tenhalugar uma aco de sentido correspondente, e nada mais- que assinala a existncia da relao social o queimporta ter sempre presente para evitar ideias falsas. Queuma amizade ou um Estado exista ou existisse signifi-ca, pois, pura e exclusivamente: ns (os observadores) jul-gamos que existe ou existiu uma probabilidade de que, combase numa certa atitude de homens determinados, se agenum sentido medianamente intentado e nada mais (cf. No

    2 a. E.). A alternativa inevitvel na considerao jurdicade que uma mxima de direito de determinado sentido temou no validade (em sentido jurdico), de que exista ou nouma relao jurdica, no vale, pois para a consideraosociolgica.

    5. O contedo significativo de uma relao social po-de variar: - por exemplo, uma relao poltica de solida-riedade pode transformar-se numa coliso de interesses. ento apenas uma questo de convenincia terminolgicae do grau de continuidade na transformao se, em semel-hantes casos, se diz que foi criada uma nova relao, ouque a que persiste recebeu um novo contedo de sentido.

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    Tambm o contedo significativo pode ser, em parte, per-manente e, em parte, varivel.

    6. O contedo de significado que constitui perenemen-te uma relao social pode ser formulado em mximas,cuja observncia mdia ou significativamente aproximadaos participantes esperam do ou dos parceiros e pelas quaiseles, por seu turno (na mdia e aproximadamente), orien-tam a sua aco. Quanto mais racionalmente do pontode vista teleolgico ou axiolgico orientada a acoconcernente, quanto ao seu carcter geral, tanto mais istoacontece. Naturalmente, numa relao ertica ou, em ge-ral, afectiva (por exemplo, de piedade), a possibilidade deuma formulao racional do contedo intentado de sentido,por exemplo, muito menor do que numa relao contra-tual de negcios.

    7. O contedo significativo de uma relao social podeser estipulado mediante um acordo recproco. Tal signifi-ca que os que nele participam fazem promessas relativas sua conduta futura (quer entre si, quer de outro modo). Ca-da um dos participantes na medida em que racionalmentedelibera conta normalmente (com distinta segurana) queo outro orientar a sua aco por um sentido da estipulao,por ele prprio (o agente) entendido. Orienta a sua aco,em parte, de um modo teleologicamente racional (com mai-or ou menor lealdade ao sentido) por esta expectao, emparte, de um modo racionalmente axiolgico, pelo dever

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    de, por seu turno, tambm se ater estipulao aceite, deacordo com o sentido por ele intentado. Quanto ao mais,cfr. 9 e 13.

    4. Tipos de aco social: uso, costume

    No interior da aco social, podem observar-se regulari-dades efectivas, isto , decursos da aco que, num senti-do intentado de modo tipicamente homogneo, se repetemno mesmo agente ou se encontra difundido (eventualmentetambm ao mesmo tempo) em numerosos agentes. A socio-logia ocupa-se destes tipos do decurso da aco, em opo-sio histria, interessada nas conexes singulares, maisimportantes para a imputao causal, isto , mais carrega-das de destino.

    A probabilidade realmente existente de uma regularida-de da instaurao da aco social chamar-se- uso, quan-do e na medida em que a probabilidade da sua persistn-cia, dentro de um crculo de homens, simplesmente dadapelo exerccio efectivo. O uso chamar-se- costume, quan-do o exerccio efectivo se apoia numa aclimatao longa.Em contrapartida, deve designar-se como condicionadopor uma situao de interesses (condicionado pelo in-teresse), quando e na medida em que a probabilidade dasua existncia emprica depende s da orientao puramen-

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    te teleolgico-racional da aco dos indivduos por expec-taes similares.

    1. Ao uso pertence tambm a moda. O uso deve deno-minar-se moda, em contraposio ao costume, quando(justamente ao invs do que acontece no costume) o factoda novidade da conduta em questo se torna a fonte da ori-entao da aco. Tem o seu lugar na vizinhana da con-veno, j que como esta brota (quase sempre) dos inter-esses prestigiantes de uma classe social. Aqui, nada maisacerca dela se dir em pormenor.

    2. Por oposio conveno e ao direito, o costu-me significar para ns uma regra no externamente ga-rantida, a que o agente de facto se atm livremente, querapenas de modo inconsiderado, quer por comodidadeou por quaisquer outros motivos, e cuja observncia pro-vvel pode, em virtude de tais motivos, esperar de outroshomens que pertencem ao mesmo crculo. Nesta acepo, ocostume nada seria, pois, de vlido: a ningum se exigeque o siga. Naturalmente, a transio da para a convenovlida e para o direito absolutamente fluida. Em toda aparte o que de facto se fez foi o pai do que tem validade. hoje costume tomarmos de manh um pequeno-almoode carcter mais ou menos especificvel; mas no existepara tal qualquer obrigao (excepto para os hspedes deum hotel); e nem sempre foi costume. Em contrapartida, omodo de vestir, ainda que tenha nascido do costume, j

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    no hoje, num mbito vasto, apenas costume, mas con-veno. Sobre uso e costume podem ainda ler-se com pro-veito as seces atinentes do livro de Jhering, Zweck imRecht (Vol. II). Cfr. tambm P. Oertmann, Rechstsordnungund Verkehrssitte (1914) e, mais recentemente, E. Weige-lin, Sitte, Recht und Moral, 1919 (em concordncia comigocontra Stammler).

    3. Numerosas regularidades muito visveis do decursoda aco social, sobretudo (mas no s) da aco econmi-ca, de nenhum modo se fundam na orientao por qualquernorma considerada como vlida, nem tambm no costu-me, mas simplesmente no facto de que a ndole da acosocial dos participantes corresponde, segundo a naturezada coisa, na mdia e da melhor maneira aos seus interes-ses normais subjectivamente apreciados, e de que eles ori-entam a sua aco por esta opinio e conhecimento sub-jectivos: assim, por exemplo, as regularidades da formaode preos no mercado livre. Os interessados no mercadoorientam justamente a sua conduta, enquanto meio, porpeculiares interesses econmicos tpicos e subjectivos co-mo fim, e por determinadas expectaes tpicas que elesacalentam, a partir do comportamento previsvel dos ou-tros, como condies para alcanar aquele fim. Na me-dida em que mais estrito o carcter racional teleolgicoda sua aco e tanto mais semelhante o modo como elesreagem a situaes dadas surgem homogeneidades, regula-

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    ridades e continuidades na atitude e na aco que, muitssi-mas vezes, so muito mais estveis do que quando a acose orienta por normas e deveres, tidos efectivamente porobrigatrios num crculo de homens. Este fenmeno deorientao por uma situao de meros interesses, prpriose alheios, produzir efeitos semelhantes aos que se tenta ex-torquir por normas prescritas e, muitas vezes, em vo -suscitou uma grande ateno sobretudo no mbito econ-mico: foi justamente uma das fontes da origem da econo-mia poltica como cincia. Mas vale igualmente para todosos domnios da aco. Constitui na sua deliberao e nti-ma liberdade, a oposio polar a toda a espcie de vincu-lao interna por meio do ajustamento ao mero costumearreigado e tambm, por outro lado, dedicao a normasque so objecto de uma crena axiologicamente racional.Uma componente essencial da racionalizao da aco a substituio do ajustamento ntimo no costume arrei-gado pela adaptao planificada a situaes de interesses.Sem dvida, este processo no esgota o conceito de ra-cionalizao da aco. Com efeito, ela pode, alm disso,decorrer positivamente na direco da consciente raciona-lizao de valores, mas, negativamente, custa do costumee tambm da aco afectiva e, por ltimo, custa de umaaco racional ligada a valores, se bem que em prol de umaaxiologicamente incrdula e puramente racional em ordema fins. Ocupar-nos-emos ainda muitas vezes desta ambigui-

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    dade do conceito de racionalizao da aco. (Aspectosconceptuais a tal respeito na concluso!).

    4. A estabilidade do (simples) costume baseia-se essen-cialmente no facto de que quem por ele no orienta a suaaco age de um modo no ajustado, isto , deve aceitarde antemo pequenas e grandes incomodidades e inconve-nincias, enquanto a aco da maioria pertencente ao seumeio ambiente contar com a subsistncia do costume e a elese ajustar. A estabilidade da situao de interesses funda-se, analogamente, no facto de que quem no orienta a suaaco pelo interesse dos outros no conta com estes -provoca a sua resistncia ou tem um resultado por ele noquerido e no previsto e, por conseguinte, corre o perigo deprejudicar o seu interesse prprio.

    5. Conceito de ordem legtima

    A aco, em especial a aco social e, por seu turno, so-bretudo a relao social pode, por parte dos participantes,orientar-se pela representao da existncia de uma ordemlegtima. A probabilidade de que tal efectivamente aconte-ce chamar-se- validade da ordem em questo.

    1. Validade de uma ordem significar, pois, para nsmais do que uma simples regularidade condicionada pelocostume ou por uma situao de interesses, do decurso da

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    aco social. Quando as sociedades de transporte de modosinserem regularmente clusulas relativas ao tempo da mu-dana, tal regularidade condicionada por uma situaode interesses. Quando um bufarinheiro visita uma deter-minada clientela em determinados dias do ms ou da sema-na trata-se ou de um costume arreigado ou do resultado deuma situao de interesses (rotao da sua zona comerci-al). Mas quando um funcionrio se apresenta diariamenteem hora fixa no escritrio, tal no condicionado apenaspor um hbito arreigado (costume) e (tambm) no somentepor uma situao de interesses a que ele, por seu bel-prazer,se poderia ou no conformar, mas (regra geral tambm) emvirtude da validade da ordem (regulamento de servio)como mandamento, cuja transgresso no s traria desvan-tagens, mas normalmente - causaria tambm horror, doponto de vista racional e axiolgico (embora efectivamenteem graus muitssimo diversos), ao seu sentimento de de-ver.

    2. Ao contedo significativo de uma relao social que-remos a) chamar somente uma ordem, quando a acose orienta (na mdia e aproximadamente) por mximasque se podem assinalar. Falaremos b) de uma validadedesta ordem quando a orientao efectiva por estas mxi-mas tem, pelo menos, lugar tambm (ou seja, num grau quetem peso prtico) unicamente porque elas se divisam comode algum modo vlidas, para a aco, como obrigatrias ou

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    exemplares. De facto, a orientao da aco por uma ordemocorre, naturalmente, nos participantes por motivos muitodiferentes. Mas a circunstncia de, ao lado dos outros moti-vos, pelo menos para uma parte dos actores, a ordem pairartambm como exemplar ou obrigatria e, por conseguinte,como algo que deve ser intensifica, naturalmente, a proba-bilidade de a aco por ela se orientar e, claro est, muitasvezes em medida muito considervel. Uma ordem obser-vada apenas por motivos teleolgico-racionais em geralmuito mais lbil do que outra derivada de uma orientaopara ela, apenas por fora do costume e em virtude do ar-reigamento de uma conduta: esta de todas a espcie maisfrequente de atitude ntima. Mas ainda incomparavelmen-te mais lbil do que a que surge com o prestgio da exem-plaridade ou da obrigao, queremos dizer, da legitimida-de. As transies da orientao por uma ordem, motivadade modo simplesmente tradicional ou apenas teleolgico-racional, para a crena na legitimidade so, naturalmente,de todo fluidas na realidade.

    3. No s mediante a adeso ao seu sentido (entendidonuma certa mdia) que se pode orientar a sua aco pelavalidade de uma ordem. Tambm no caso da evaso outransgresso do seu sentido (entendido numa certa m-dia) pode actuar a probabilidade da sua validez (como nor-ma obrigatria) num mbito qualquer. Em primeiro lugar,de um modo puramente teleolgico-racional. O ladro ori-

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    enta a sua aco pela validade da lei penal, porquanto aoculta. Que a ordem vlida para um crculo de homensmanifesta-se justamente no caso de ter de ocultar a trans-gresso. Mas, prescindindo deste caso-limite, a transgres-so da ordem restringe-se, com muita frequncia, a contra-venes parciais mais ou menos numerosas, ou pretende-se, com diferente grau de boa f, apresent-la como legti-ma. Ou existem de facto, lado a lado, diversas concepesdo sentido da ordem as quais, em seguida para a so-ciologia valem todas no mbito em que determinamo comportamento efectivo. Para a sociologia no constituidificuldade alguma a vigncia paralela de diversos orden-amentos entre si contraditrios dentro do mesmo crculode homens. Com efeito, at o indivduo pode orientar asua aco por ordenamentos que entre si se contradizem.No s de modo sucessivo, como quotidianamente aconte-ce, mas tambm na mesma aco. Quem leva a cabo umduelo orienta a sua aco pelo cdigo de honra, mas, aoocultar esta aco ou, inversamente, ao apresentar-se ao tri-bunal, orienta-se pelo cdigo penal. Quando a evaso ou atransgresso do sentido (professado na mdia) de uma or-dem se converte em regra, ento a validade de tal ordem apenas limitada ou, por fim, j nem sequer existe. Entre avalidade e a no validade de um determinado ordenamentono existe, pois, para a sociologia, como para a jurisprudn-cia (segundo o seu fim inevitvel), uma alternativa absoluta.Mas existem transies fluidas entre ambos os casos e po-

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    dem vigorar, como se indicou, lado a lado ordenamentosentre si contraditrios, cada qual no mbito em que existe aprobabilidade de a aco se orientar efectivamente por eles.

    Os conhecedores da bibliografia lembrar-se-o do pa-pel que o conceito de ordem desempenha no livro (citadona nota preliminar) de R. Stammler, escrito decerto co-mo todos os seus trabalhos com brio, mas profundamenteequivocado e confundindo de modo funesto os problemas.(Cf. a tal respeito a minha crtica a citada infelizmen-te na forma bastante dura, no desgosto que me produziu aconfuso aludida). Em Stammler, no s no se distingueentre a validade emprica e a normativa, mas desconhece-se, alm disso, que a aco social no se orienta apenas porordenamentos; transformou-se sobretudo, de um modologicamente de todo errado, o ordenamento em forma daaco social e, em seguida, atribui-se-lhe um papel quantoao contedo semelhante ao que a forma desempenhano sentido terico-cognoscitivo (prescindindo inteiramentede outros erros). De facto, por exemplo, a aco (prima-riamente) econmica orienta-se pela representao da es-cassez de determinados meios disponveis para a satisfaodas necessidades em relao com a carncia representadae pela aco presente e futuramente previsvel de tercei-ros que reflectem sobre os mesmos meios; mas, alm disso,orienta-se na eleio das suas medidas econmicas poraqueles ordenamentos que o agente conhece como lei econvenes vigentes, isto , sabe a seu respeito que sur-

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    giria uma determinada reaco de terceiros, no caso da suatransgresso. Stammler confundiu do modo mais irreme-divel este estado de coisas emprico extremamente simp-les e afirmou, em particular, que conceptualmente impos-svel uma relao causal entre ordenamento e aco real.Entre a validade dogmtico-jurdica e normativa do orden-amento e um processo emprico no h, de facto, nenhumarelao causal, mas surge apenas a questo: ser o proces-so emprico juridicamente apreendido pelo ordenamentocorrectamente interpretado)? Deve este, pois, valer (norma-tivamente) para ele? E, no caso afirmativo, que diz ele en-quanto deve, para o primeiro, ser normativamente vlido?Mas entre a probabilidade de a aco se orientar pela re-presentao da validade de um ordenamento entendido namdia assim e assado e a aco econmica, existe eviden-temente (no seu caso) uma relao causal, no sentido detodo habitual da palavra. Mas, para a sociologia, a proba-bilidade de orientao por esta representao justa esimplesmente o ordenamento vlido.

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    Conceitos Sociolgicos Fundamentais 63

    6. Espcies de ordem legtima: conveno edireito

    A legitimidade de uma ordem pode ser garantida:

    I. De modo puramente ntimo e, claro est,

    1. puramente afectivo: por devotamento sentimental;2. axiolgico-racional: pela crena na sua validade abso-

    luta enquanto expresso de valores supremos vinculatrios(morais, estticos ou quaisquer outros);

    3. religioso: pela f que se tem na dependncia que hentre a posse de um bem salvfico e a sua observncia;

    II. Tambm (ou apenas) por meio das expectaes deconsequncias externas especficas, por conseguinte, poruma situao de interesses; mas por expectaes de ndoleparticular.

    Uma ordem deve chamar-se:

    a) Conveno, quando a sua validade est externamente ga-rantida pela probabilidade de que, no interior de um de-terminado crculo de homens, uma deflexo [na conduta]ir embater numa reprovao relativamente geral e pratica-mente sensvel.

    b) Direito, quando est externamente garantida pela proba-bilidade de coaco fsica ou psquica mediante a aco deum corpo de homens expressamente dirigida a forar a sua

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    observncia ou a castigar a sua transgresso. Sobre a con-veno, cf., alm de Jhering, op. cit., e Weigelin, op. cit., eF. Tnnies, Die Sitte (1909).

    1. Conveno chamar-se- ao costume que, dentro deum crculo de homens, se considera como vlido e ga-rantido pela reprovao contra os desvios. Contrariamenteao direito (no sentido aqui usado da palavra), falta o cor-po de homens especialmente dedicado coaco. QuandoStammler pretende distinguir a conveno do direito peloabsoluto carcter voluntrio da sujeio, tal no est emconsonncia com o habitual uso lingustico e nem sequer correcto para os seus prprios exemplos. A observncia daconveno (na acepo habitual do termo) - por exemplo,da saudao habitual, do vesturio tido por decente, dos li-mites de forma e contedo no trato humano torna-se pa-ra o indivduo uma exigncia muito sria enquanto obri-gatria ou modelar, e no se lhe deixa - como, por ventura,o simples costume de preparar de determinada maneiraos seus alimentos qualquer espao livre. Uma infracoda conveno (costume de uma classe) muitas vezessancionada com mais fora pelas consequncias altamenteeficazes e sensveis do boicote social dos correligionriosdo que o conseguiria qualquer coaco jurdica. O que falta unicamente o corpo particular de homens institudo pa-ra uma aco especfica que garante a observncia (entrens: juzes, fiscais, funcionrios administrativos, executi-

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    Conceit