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Jorge Solano Página 1 17/03/2013 ECLESIOLOGIA APRESENTAÇÃO Esta apostila foi preparada como material de apoio ao curso de Eclesiologia para catequistas, promovido pelo Instituto de Pastoral Catequética (IPAC da Arquidiocese de Vitória, ES. Consiste, pois, num roteiro sobre os temas tratados, com algumas citações e referências mais detalhadas. Sua compreensão completa depende dos debates e esclarecimentos que acontecem nas aulas. A base central dessa apostila é a Constituição Dogmática sobre a Igreja, do Vaticano II, Lumen Gentium, da qual transcrevemos muitos parágrafos, para facilitar seu uso durante os encontros e possibilitar o acesso de alunos que não tenham condições de adquirir o documento. Chamo a atenção, contudo, para o fato de que copiamos os trechos do site: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_ const_19641121_lumen-gentium_po.html. Como a tradução é feita em português de Portugal, serão observadas algumas diferenças de escrita em relação ao uso ortográfico brasileiro. Embora, eu tenha tentado adaptá-lo à nova ortografia, alguns detalhes podem ter escapado. Grande parte da estrutura desta apostila baseia-se no livro A Igreja, de Hans Küng, que continua sendo um dos mais completos, profundos e instigantes sobre o assunto. Além desse, apoiei-me sobre as obras de Bruno Forte A Igreja - ícone da Trindade e Salvador Pié-Ninot Introdução à eclesiologia. Ora resumimos, ora transcrevemos trechos dessas obras. A referência bibliográfica será feita, quando houver citação literal dos livros.

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Jorge Solano Página 1 17/03/2013

ECLESIOLOGIA

APRESENTAÇÃO

Esta apostila foi preparada como material de apoio ao curso de Eclesiologia para catequistas, promovido pelo Instituto de Pastoral Catequética (IPAC da Arquidiocese de Vitória, ES.

Consiste, pois, num roteiro sobre os temas tratados, com algumas citações e referências mais detalhadas. Sua compreensão completa depende dos debates e esclarecimentos que acontecem nas aulas.

A base central dessa apostila é a Constituição Dogmática sobre a Igreja, do Vaticano II, Lumen Gentium, da qual transcrevemos muitos parágrafos, para facilitar seu uso durante os encontros e possibilitar o acesso de alunos que não tenham condições de adquirir o documento.

Chamo a atenção, contudo, para o fato de que copiamos os trechos do site: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_ const_19641121_lumen-gentium_po.html. Como a tradução é feita em português de Portugal, serão observadas algumas

diferenças de escrita em relação ao uso ortográfico brasileiro. Embora, eu tenha tentado adaptá-lo à nova ortografia, alguns detalhes podem ter escapado.

Grande parte da estrutura desta apostila baseia-se no livro A Igreja, de Hans Küng, que continua sendo um dos mais completos, profundos e instigantes sobre o assunto. Além desse, apoiei-me sobre as obras de Bruno Forte – A Igreja - ícone da Trindade – e Salvador Pié-Ninot – Introdução à eclesiologia. Ora resumimos, ora transcrevemos trechos dessas obras. A referência bibliográfica será feita, quando houver citação literal dos livros.

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Questões introdutórias 1. O que é a Igreja? Diga todos os conceitos que conhece. 2. Para que serve a Igreja? 3. Como surgiu a Igreja? Quando? 4. Apresente imagens negativas da Igreja. 5. Apresente imagens positivas da Igreja. 6. Que aspectos você gostaria de estudar?

1 ECLESIOLOGIA: A TEOLOGIA SOBRE A IGREJA

1.1 O que é crer na Igreja?

A Eclesiologia, como reflexão teológica sobre a Igreja, levanta para nós a questão: o que significa crer na Igreja? A fé é um ato de compromisso, de entrega e de confiança plena naquilo em que acreditamos. Ora, tal atitude só é possível perante Deus. Por isso dizemos que cremos no Pai, no Filho e no Espírito Santo.

A Igreja não é objeto de fé da mesma forma que Deus. Um registro histórico: no início do século III, o celebrante perguntava ao

catecúmeno na hora do Batismo: “Crês no Espírito Santo dentro da santa Igreja para a ressurreição da carne?” Essa fórmula, talvez, indique melhor o que significa crer na Igreja.

Entretanto, a Eclesiologia, enquanto esforço para o entendimento da Igreja, só pode ser feito com os olhos da fé.

Em síntese, pode-se dizer que NÃO CREMOS NA IGREJA, porque ela não é Deus e porque nós é que somos a

Igreja. CREMOS na IGREJA porque pela Graça de Deus, a Igreja se constrói através

da fé e porque a fé vem da Graça através da Igreja.

Enfim, cremos na IGREJA VISÍVEL E INVISÍVEL, pois ela é simultaneamente visível e invisível.

“A Igreja real é a Igreja acreditada dentro do visível e, como tal, uma Igreja invisível no visível. Este seu caráter visível é, portanto, muito particular: tem o seu interior e essencial invisível. O importante permanece encoberto dentro do que foi descoberto. O visível da Igreja vive do invisível; é marcado, formado, dominado pelo invisível. A Igreja é, portanto, na sua essência, mais do que aquilo que visivelmente aparece: não apenas um povo ou população, mas um povo eleito; não só um corpo, mas um corpo misterioso; não um edifício qualquer, mas um edifício espiritual.” (Hans Küng, p. 59).

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1.2 Origens da Eclesiologia Embora a Eclesiologia, como reflexão específica sobre a Igreja, tenha surgido bem

mais tarde, desde o começo os cristãos pensavam a Igreja. Vejamos algumas dessas reflexões. Na Patrística, destaca-se a ideia da Igreja como comunhão; igreja como mãe; portadora

da salvação; geradora do homem novo pelo Batismo. O principal era “sentir a Igreja”.

No século XII, surge a “ciência canônica” com Graciano, acentuando as dimensões visíveis e práticas da Igreja como os sacramentos, poderes e prerrogativas da Igreja. Igreja é vista como corporação (corpus) com cabeça e membros.

Na Idade Média (São Boaventura, Alberto Magno, Tomás de Aquino) não se desenvolve tratado sobre Igreja. Há uma tese de S. Tomás que se firmou no Concílio de Trento: “Professamos crer a santa Igreja e não na Santa Igreja. Com esse modo de falar distinguimos Deus – autor de todas as coisas – de todas as criaturas e de todos os bens inestimáveis que ele deu à Igreja; recebendo-os, nós os relacionamos com sua divina bondade”.

Em 1301-1302, surge o texto chamado “De regimine christiano”, de Tiago Viterbo, que é considerado o Tratado que inaugura a Eclesiologia.

Do século XVI em diante, surgem os estudos sobre Igreja para defender que a Igreja católica é a verdadeira Igreja. Os argumentos vão, geralmente, por três caminhos (vias):

1) via histórica: a Igreja Católica é a única que surge na história continuamente como sociedade una, visível, hierárquica e seu chefe é o único sucessor de Pedro.

2) via das notas (características): só a Igreja Católica possui as quatro notas dadas por Cristo: unidade, catolicidade, santidade e apostolicidade.

3) via empírica: a própria sobrevivência da Igreja é como um milagre, pois, apesar de todos os seus erros subsistiu na história, o que prova sua sustentação divina (Vaticano I - Cardeal Dechamps)

No Concílio Vaticano I (1870), foram definidos o primado e infalibilidade do Papa e unidade do episcopado.

A partir daqui, se fortalece a Eclesiologia. O Concílio Vaticano II é chamado de “O Concílio da Igreja”.

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2 IMAGEM DA IGREJA ATRAVÉS DA HISTÓRIA

Ao longo da história, a própria Igreja construiu visões de si mesma que sempre estiveram referenciadas à forma com que ela se apresentou na realidade. Ao mesmo tempo, o modo de a Igreja existir na realidade sempre correspondeu ao tipo de sociedade em que estava inserida.

A Eclesiologia, ou seja, a reflexão teológica sobre a Igreja, não é feita de maneira puramente teórica, mas a partir da forma concreta que assume em cada momento histórico, com seus desafios e condições específicas. Assim, a visão de Igreja que os próprios cristãos desenvolveram durante a história dependeu da relação que a comunidade cristã teve com o Estado, dependeu do tipo de sociedade política em que ela se encontrava, do ambiente cultural, das condições econômicas (da sociedade e da própria Igreja) etc..

Portanto, a busca por uma definição da essência da Igreja esteve sempre ligada à forma histórica real que a Igreja teve em determinado período.

Assim, na época das perseguições, durante o Império Romano, a oposição entre a Igreja e o Estado determinava a visão de uma comunidade que precisava ser testemunha contra o mundo hostil, a Igreja é uma comunidade de eleitos que precisam ser fiéis. Ler Ap 2,8-11.

Depois que o cristianismo se torna religião oficial do Império, a Igreja vai sendo vista como um sustentáculo da própria ordem social e o Estado como aliado, não mais como inimigo.

Vejamos alguns exemplos de visões da Igreja (quadro baseado em Hans Küng):

Pais apostólicos: meio para os líderes edificarem os fiéis;

Irineu, Agostinho, Cipriano: arma contra heresias;

Neoplatonismo grego: escola da verdade e comunidade do ministério, principalmente

voltada para a contemplação pura, o ensino da doutrina e para as atividades

sacras;

Estoicismo romano: comunidade disciplinada, priorizando a santidade e obediência

dos membros;

Alexandrinos (Orígenes): sacerdócio de todos os fiéis, distinguindo entre cristãos

bem-educados na fé e cristãos ignorantes, principal ofício da Igreja era ensinar

as doutrinas;

Roma (séc. III): instituição de caráter legal governada pelos bispos;

Idade Média: Debate entre os que priorizam a estrutura legalista da Igreja (Tomás

de Aquino) e os que não a consideram tão importante (Joaquim de Fiore);

Dionísio Areopagita (séc. V): bispo tem poderes místicos e a comunidade se liga a ele

nos mistérios do culto;

Isidoro de Sevilha: bispo com todos os poderes legais, comunidade se liga a ele pelo

poder das chaves;

Concílio de Trento: Grupo galicano: ênfase ao episcopado nacional e sínodos locais.

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Grupo ultramontano: ênfase na autoridade papal;

Iluminismo: “sociedade” e mediadora da espiritualidade;

Século XIX: De Maistre: “monarquia”. Möhler: comunidade de fiéis reunida em amor

pelo Espírito Santo;

Vaticano I: corpo místico de Cristo;

Vaticano II: povo de Deus

Ao que parece, acabou predominando uma concepção da Igreja de tipo mais hierárquico, em que os líderes têm uma importância muito maior que o restante dos membros. A essa concepção é que se denomina de visão piramidal de Igreja, que pode ser expressa assim:

Texto de Roberto Belarmino, escrito em 1601)1 “... é a comunidade dos homens reunidos mediante a profissão da verdadeira fé, a comunhão dos mesmos sacramentos, sob o governo dos legítimos pastores e, principalmente, do único vigário de Cristo sobre a terra, o romano pontífice (...) Para que alguém possa ser declarado membro dessa Igreja verdadeira, da qual falam as Escrituras, não pensamos que dele se peça nenhuma virtude interior. Basta a profissão de fé exterior e da comunhão dos sacramentos, coisa que o próprio senso pode constatar (...) A igreja é uma comunidade (coetus) de homens tão visíveis e palpáveis quanto a comunidade do povo romano, ou o reino de França, ou a república de Veneza”.

Pio X, em 1906: “A mediação hierárquica era posta em evidência: só na hierarquia residem o direito e a autoridade necessários para promover e dirigir todos os membros para o fim da sociedade. Quanto à multidão, não possui outro direito senão o de deixar-se conduzir e, docilmente, seguir os seus pastores” .

Entretanto, a diversidade de imagens da Igreja já se encontra dentro do Novo

Testamento. O evangelho segundo Mateus tem uma visão eclesiológica diferente do evangelho segundo Lucas. O evangelho segundo João difere das epístolas aos Efésios e aos Colossenses. As epístolas aos Romanos, aos Coríntios e aos Gálatas diferem das epístolas pastorais.

1 Apud Bruno Forte, pp. 11/12

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3 A IGREJA NO NOVO TESTAMENTO

3.1 O uso da palavra Igreja (= ecclesía) na Bíblia

Os seguidores de Jesus Ressuscitado chamam-se ECCLESÍA DE DEUS. No uso profano, ecclesia significava assembleia dos cidadãos, convocado pelo

arauto para se reunirem na praça. Ecclesia é, pois, uma reunião política. No uso comum, a ecclesia é um acontecimento específico, quer dizer, a reunião enquanto está acontecendo.

IGREJA É REUNIÃO

O povo da Nova Aliança passa a se chamar IGREJA exatamente porque é um

povo que sempre se reúne a convite de Jesus e em torno de Jesus. Ou seja, seu traço distintivo não é habitar uma determinada região geográfica, um país, nem pela sua raça, nem pela sua cor, nem por alguma cultura particular. É apenas isso: pessoas que se reúnem em nome de Jesus. Não é, portanto, uma reunião política no sentido estrito do termo; não é uma reunião de ajuda mútua; não é uma reunião filantrópica ou assistencial; não é uma reunião de estudos; não é uma reunião de festa de aniversário.

É uma reunião de fé-compromisso em que estão presentes essas características: partilha fraterna, compromisso transformador, refeição festiva. Por isso, houve um momento na história da Igreja em que essa reunião era chamada de Ágape1, a ceia do amor. (extraído de “Todo cristão têm direito à Ceia dominical”)

No Antigo Testamento:

A palavra hebraica “qahal” é traduzida mais de 100 vezes, pela LXX, pela palavra grega “ecclesía”. Por exemplo, em: Dt 4,10; Dt 9,10; Dt 18,9-22 (instruções diversas para o povo), indicando a reunião do povo. Contudo, trata-se sempre de uma reunião convocada por Deus: qahal de Yahweh.

Na tradução dos LXX, ecclesía vai adquirindo um sentido escatológico. Portanto, temos dois sentidos gerais:

Sentido ativo: aviso de convocação

Sentido passivo: assembléia reunida.

Por outro lado, para indicar a “comunidade de culto ou legal”, o hebraico usa “eda” que a LXX traduz por “synagogê”.

No Novo Testamento:

Nos Evangelhos: ecclesía só aparece em Mt 16,18 e em Mt 18,17

Nos demais escritos: aparece 144 vezes. Alguns textos em que ecclesía refere-se a diferentes dimensões:

At 5,11 – Igreja em Jerusalém; At 7,38 – Assembléia de Israel no deserto;

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At 9,31 – As igrejas em paz na Judéia, Samaria, Galiléia; At 20, 28 – A Igreja de Deus;

Em Paulo, encontramos essa palavra nas seguintes formas:

Usa “igreja” ou “igrejas” (no singular ou no plural) indiferentemente;

Refere-se ao lugar onde a igreja se encontra: + uma cidade: Tessalonica (1 Tes 1,1), Corinto (1 Cor 1,2) etc. + uma região: Ásia (1 Cor 16,19), Galácia (Gl 1,2); Macedônia (2 Cor

8,1).

Usa para falar da igreja doméstica: Rom 16,5; Flm 2; Col 4,15, 1 Cor 16,19.

Indica a razão da reunião: 1 Cor 11, 17ss.

ECCLESIA: REUNIÃO CONVOCADA POR DEUS, EM CRISTO: 1 Tes 2,14.

A Igreja é Congregação: a reunião concreta de pessoas Comunidade: grupo local constante Igreja: o conjunto dos crentes. Comunidade escatológica.

Portanto, as comunidades locais – igrejas particulares – não são seções, departamentos da Igreja. A Igreja está completa em qualquer lugar. Por outro lado, a Igreja particular não é a Igreja total.

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4 ORIGEM DA IGREJA

A IGREJA É O REINO DE DEUS SOBRE A TERRA? A IGREJA EDIFICA O REINO DE DEUS? A IGREJA EXPANDE O REINO DE DEUS NA TERRA? A IGREJA REALIZA O REINO NA TERRA?

4.1 A Igreja: o Reino sem Parusia ou uma seita do Judaísmo?

O padre jesuíta Alfred Loisy levantou a seguinte questão: “Jesus anunciava o Reino, mas o que veio foi a Igreja”. De fato, ele destacou que Jesus veio anunciar o Reino de Deus e que a comunidade cristã que se formou logo após a morte e ressurreição de Jesus vivia na expectativa iminente da Parusia – a Segunda Vinda de Cristo. Contudo, como a Parusia não ocorreu, aquela comunidade foi se estruturando e formando o que chamamos de Igreja.

Interpretando essa afirmação de forma negativa, ela pode significar que a Igreja surge como uma alternativa humana e fraca ao Reinado de Deus que não se efetivou.

Contudo, contrariamente, podemos entendê-la de forma positiva, no sentido de que os primeiros cristãos se organizaram e chamaram a essa organização simplesmente de “Igreja” (reunião, assembléia), exatamente para prosseguir no anúncio e na preparação do Reino de Deus, cuja realização definitiva só se daria na Parusia.

Por outro lado, uma outra questão também se levantou logo no início do cristianismo: não seria a Igreja mais que uma seita do Judaísmo?

Encontramos isso em At 24, 5-16, quando Paulo é acusado perante o governador Félix de perturbar a ordem, por pertencer à seita dos nazareus. Paulo não aceita essa identificação do cristianismo como “seita”, mas o chama de “O Caminho”.

Em At 28,22, Paulo, preso em Roma, vai até os principais dos judeus de Roma pedindo para ser ouvido, eles aceitam e marcam uma data, dizendo: “porque, relativamente a esta seita, é de nosso conhecimento que ela encontra em toda parte contradição”.

Entretanto, desde as suas origens os cristãos, que se identificavam como aqueles que aceitavam O Caminho, têm algumas práticas que mostram claramente a consciência de sua autonomia frente ao Judaísmo. Essas práticas eram:

Batismo Oração comunitária Refeição escatológica Existência de uma coordenação da comunidade Comunidade de fraternidade e partilha

4.2 Jesus quis fundar a Igreja? Essa pergunta tem sido levantado com freqüência. A pergunta do Pe. Loisy, citada

acima, aponta também nessa direção: se Jesus queria implantar o Reino de Deus, será que a Igreja não seria um desvio de caminho, que Jesus não tinha previsto e não queria?

Primeiramente, vamos ver a citação a seguir:

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A comunidade pós-pascal não esquecera o Reino de Deus. Mas tinha dele uma nova compreensão: o Reino de Deus tornou-se decididamente eficaz no poder do Jesus glorificado. No seu poder anuncia-se já a plenitude do Reino de Deus que está para vir (Küng, p 129). Os cristãos anunciam o Reino de Deus e o nome de Jesus: At 8,12

Precisamos ter em vista os seguintes aspectos da pregação de Jesus:

1 – Em sua vida, Jesus não fundou uma Igreja:

seu ministério é público;

não aceita afastamento do mundo;

é contrário a separatismo;

quer salvar todos e não só os “justos”;

os Doze são a representação de todo o povo (as doze tribos).

2 – Jesus coloca fundamentos que possibilitam uma Igreja;

desde o início congrega em torno de si discípulos;

pregou um Reino futuro, mas já atual;

sua pregação dividia as pessoas: discípulos e não-discípulos;

agrupou discípulos à sua volta além dos Doze;

falou de um povo messiânico;

sabia de um tempo entre sua morte e a parusia; Ratzinger (p. 77) escreve:

“O fato de Cristo procurar os doze teve sempre em vista o objetivo de implantar a Igreja. Os doze, por sua vez, seriam os pais espirituais deste novo povo de Deus. Observou-se que o título Filho do Homem, que Jesus atribuiu a si mesmo, incluía também o momento da fundação da Igreja, pois encontrada em Dan 7, esta expressão era ligada ao povo de Deus”.

3 – Igreja nasce a partir da fé na ressurreição: 1 Cor 15,14-20

a partir da Páscoa o cristãos falam em “igreja”;

não existiu um período inicial sem igreja, de puro entusiasmo;

desde o princípio, a Igreja foi entendida como estabelecida por Deus.

4 – Origem da Igreja: CONJUNTO DO ACONTECIMENTO CRISTOLÓGICO. Toda ação de Deus em Jesus desde o nascimento – a vida pública, a pregação, a morte, a ressurreição, a vinda do Espírito Santo – deve ser considerada como a origem da Igreja.

A Constituição Dogmática Lumen Gentium diz:

“O mistério da santa Igreja manifesta-se na sua fundação. O Senhor Jesus deu início à Sua Igreja pregando a boa nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras: «cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo» (Mc. 1,15; cf. Mt. 4,17). Este Reino manifesta-se na palavra, nas obras e na presença de Cristo. A palavra do Senhor compara-se à semente lançada ao campo (Mc. 4,14): aqueles que a ouvem com fé e entram a fazer parte do pequeno rebanho de Cristo

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(Luc. 12,32), já receberam o Reino; depois, por força própria, a semente germina e cresce até ao tempo da messe (cfr. Mc. 4, 26-29). Também os milagres de Jesus comprovam que já chegou à terra o Reino: «Se lanço fora os demônios com o poder de Deus, é que chegou a vós o Reino de Deus» (Luc. 11,20; cfr. Mt. 12,28). Mas este Reino manifesta-se sobretudo na própria pessoa de Cristo, Filho de Deus e Filho do homem, que veio «para servir e dar a sua vida em redenção por muitos» (Mt. 10,45).

E quando Jesus, tendo sofrido pelos homens a morte da cruz, ressuscitou, apareceu como Senhor e Cristo e sacerdote eterno (cf. At. 2,36; Hebr. 5,6; 7, 17-21) e derramou sobre os discípulos o Espírito prometido pelo Pai (cf. At. 2,33). Pelo que a Igreja, enriquecida com os dons do seu fundador e guardando fielmente os seus preceitos de caridade, de humildade e de abnegação, recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os povos e constitui o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra. Enquanto vai crescendo, suspira pela consumação do Reino e espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória.” (LG nº 5)

4.3 A Igreja e o Reino de Deus

Jesus anunciou o Reino de Deus. E, segundo sua pregação, havia uma evidente noção de urgência, pois o Reino se realizaria brevemente. Em Mc 9,1, temos essa palavra de Jesus que, para nós hoje, é até desconcertante:

“Em verdade vos digo que estão aqui presentes alguns que não provarão a morte até que vejam o Reino de Deus chegando com poder”.

Ou mesmo esta outra, em Mt 10,23: “Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. E se vos perseguirem nesta, tornai a fugir para uma terceira. Em verdade vos digo que não acabareis de percorrer as cidades de Israel até que venha o Filho do Homem.”

Enfim, Jesus parece pensar, como muitos judeus de seu tempo, que o Reino seria algo que aconteceria ainda na sua geração. Apesar disso, como vimos no item anterior, Jesus preparou seus seguidores para continuarem sua missão de anunciar e testemunhar o Reino.

E aqui cabe recordar as características básicas do Reino conforme anunciado por Jesus.

Havia no tempo de Jesus a esperança de que Deus ia agir na história e salvar seu povo de toda opressão. Os vários grupos existentes – fariseus, zelotes, essênios – tinham uma concepção própria de como isso aconteceria, mas para todos o Reino de Deus implicaria na exclusão ou punição de muitas pessoas. O Reino anunciado por Jesus é diferente:

O Reino é salvação e perdão: ao invés de condenação, o Reino de Deus vem para transformar o homem, dando uma nova chance a todos os homens. Por isso, Jesus insiste tanto em que ele vem, primeiramente, para os pecadores. O Reino é gratuito: Jesus anuncia que o Reino é um dom do Pai, é um presente, que não é conquistado pelos méritos de cada um (como pensavam os fariseus). O que devemos e podemos fazer é nos abrir humildemente ao Reino. O Reino é uma ação soberana de Deus: Deus é quem faz o Reino acontecer por seu próprio poder, não está ao alcance do homem fazer o Reino acontecer. Ao homem compete colaborar com ação de Deus. O Reino já começou: Jesus ensina que o Reino de Deus já começou, já está no meio de nós, ainda em forma embrionária, como uma semente, mas já é uma realidade presente. O Reino é um acontecimento escatológico: Jesus deixa claro que o Reino acontecerá em plenitude no fim dos tempos, de uma forma que só o Pai conhece. Ou seja, o Reino já está no meio de nós, mas ainda não plenamente.

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E QUANTO À RELAÇÃO ENTRE IGREJA E REINO DE DEUS, CONCLUI-SE QUE: A Igreja não é o Reino:

A Igreja reza sempre: “venha o vosso Reino”

Oração da Didaquê (Instrução dos Doze Apóstolos – documento do final do século 1 ou começo do século 2 que é atribuído aos apóstolos e que reflete a prática da Igreja daquela época): Lembra-te, Senhor, da tua Igreja, salvando-a de todo mal e levando-a à perfeição no teu amor. E reúne-a dos quatro ventos, a ela, a santificada, no teu Reino, que Tu lhe preparaste.

Igreja não se tornará Reino Igreja anuncia algo que ainda não se realizou Igreja é provisória. O Reino é definitivo.

Igreja sinaliza para o Reino:

Dirige-se para o Reino

Pertence ao Reino

Igreja é um sinal do Reino.

A Constituição Dogmática Lúmen Gentium diz: [...] Por isso, Cristo, a fim de cumprir a vontade do Pai, deu começo na terra ao Reino dos Céus e revelou-nos o seu mistério, realizando, com a própria obediência, a redenção. A Igreja, ou seja, o Reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus [...].(LG nº 3)

IGREJA DEVE ANUNCIAR O REINO, COMO JESUS.

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5 O CORPO DE CRISTO

5.1 O Corpo Místico de Cristo

A Igreja é entendida como o corpo de Cristo desde os seus primórdios. As cartas de Paulo atestam isso de modo claro. Basta ler Rom 12,3-8 e 1 Cor 12,12-22.

É preciso destacar que não se trata apenas de uma metáfora, mas que Paulo quer dizer que realmente todos os batizados formam uma unidade efetiva com Cristo como os membros de um corpo se ligam entre si e são comandados pelo cérebro.

Esse mistério é atualmente designado na Teologia como “corpo místico de Cristo”. Veja o quadro a seguir para entender a origem dessa expressão.

Quanto à expressão CORPO MÍSTICO DE CRISTO

Durante a época da patrística: como em S. Paulo, usa-se apenas a expressão corpo de Cristo, entendendo a Igreja como o verdadeiro corpo de Cristo (= corpus verum). O corpus mysticum é o sacramento. Na Idade Média: falava-se em corpo místico da Igreja (corpus ecclesiae mysticum), entendendo não a dimensão do mistério, mas como uma corporação dos cristãos (influência do Direito romano). Na época moderna: fala-se que a Igreja é corpo místico de Cristo a fim de distinguir do corpo eucarístico. Místico, aqui, significa “misterioso”, não tem aquele sentido em que usamos a palavra mística atualmente (Conferir Ratzinger, p. 82, 83, 97 e 221,222).

A Constituição Dogmática Lumen Gentium diz:

A Igreja, Corpo místico de Cristo

“O filho de Deus, vencendo, na natureza humana a Si unida, a morte, com a Sua morte e ressurreição, remiu o homem e transformou-o em nova criatura (cf. Gal. 6,15; 2 Cor. 5,17). Pois, comunicando o Seu Espírito, fez misteriosamente de todos os Seus irmãos, chamados de entre todos os povos, como que o Seu Corpo.

É nesse corpo que a vida de Cristo se difunde nos que creem, unidos de modo misterioso e real, por meio dos sacramentos, a Cristo padecente e glorioso. Com efeito, pelo Batismo somos assimilados a Cristo; «todos nós fomos batizados no mesmo Espírito, para formarmos um só corpo» (1 Cor. 12,13). Por este rito sagrado é representada e realizada a união com a morte e ressurreição de Cristo: ; «fomos sepultados, pois, com Ele, por meio do Batismo, na morte»; se, porém, ; «nos tornamos com Ele um mesmo ser orgânico por morte semelhante à Sua, por semelhante ressurreição o seremos também (Rom. 6, 4-5). Ao participar realmente do corpo do Senhor, na fração do pão eucarístico, somos elevados à comunhão com Ele e entre nós. «Porque há um só pão, nós, que somos muitos, formamos um só corpo, visto participarmos todos do único pão» (1 Cor. 10,17). E deste modo nos tornamos todos membros desse corpo (cf. 1 Cor. 12,27), sendo individualmente membros uns dos outros» (Rom. 12,5).” (LG nº 7)

A constituição do mistério da Igreja como corpo de Cristo reside na vivência da

comunhão que se efetua sacramentalmente pelo Batismo e pela Eucaristia, que pressupõem a comunhão na mesma fé e na prática do amor fraterno.

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Santo Agostinho, em uma percepção genial desse mistério, comparou o nascimento da Igreja com a criação de Eva.

Lembramos que, no Livro do Gênese, capítulo 2, a Mulher, Eva, é criada de uma costela de Adão enquanto este dormia.

Na cena da morte de Jesus, o evangelista João escreve: “...um dos soldados traspassou-lhe o lado com a lança e imediatamente saiu sangue e água.”

Da vinculação dessas cenas, Agostinho, escreve: “Quando o Senhor dormia na cruz, a lança atravessou seu lado e dele brotaram os

sacramentos com os quais a Igreja foi criada. E é assim que a Igreja foi criada da costela de Adão” (BF, p. 59) (De Civ. 1,22 c. 17)

Em outras palavras: a Igreja, a esposa de Cristo, nasce da costela partida desse novo Adão, e nasce dos elementos água, o Batismo, e sangue, a Eucaristia.

Esses sacramentos são, na verdade, o sustentáculo da Igreja.

5.2 O Batismo

Apesar do mandado de Jesus em Mt 28,19 e de Mc 16,16, alguns exegetas discutem se Jesus teria mesmo ordenado aos discípulos batizar. Entretanto, uma coisa é certa: NUNCA HOUVE IGREJA SEM BATISMO. A Igreja sempre praticou o Batismo com esse significado que conhecemos e que é essencialmente: SER INCORPORADO A CRISTO.

Paulo registra isso ao recordar aos coríntios que “fomos batizados num só Espírito para ser um só corpo” (1 Cor 12,12).

O Batismo consiste em morrer e ressuscitar com Cristo. Assim, ao mergulharmos nas águas em que seremos batizados estamos sendo sepultados com Cristo; quando a pessoa se ergue do mergulho é como estivesse ressuscitando. (Lembrem-se do Batismo por imersão, que é o que a Igreja Católica indica como a melhor forma). Assim, neste momento, o batizado entrou em Cristo e Cristo entrou no batizado. Por isso, o cristão pertence à raça do novo Adão. O capítulo 6 da Epístola aos Romanos trata disso. Cito o versículo 4:

“Portanto, pelo Batismo nós fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova.”

Dessa forma, todos os batizados formam um só corpo em Cristo.

Como fica claro em diversos momentos, o batismo de João Batista é diferente do

Batismo cristão, mas ele já continha os elementos do Batismo da Igreja, diferentemente de outros batismos, como os dos essênios.

No Batismo de João e no cristão temos:

caráter escatológico;

necessidade de conversão;

realizado por um batista (não a própria pessoa se batiza);

é para todo o povo (não para iniciados)

A diferença é que, na Igreja, o Batismo é feito “em nome de Jesus” que com sua morte e ressurreição inaugurou a era escatológica.

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O Batismo, na Igreja, tem a força de um ato definitivo e indelével. Na Teologia do

Batismo, diz-se que o Batismo imprime um caráter na pessoa que é batizada, como se fosse um selo, um timbre divino que marca o cristão para toda a eternidade. De fato, sendo o Batismo nosso mergulho, nossa participação e nossa adesão à morte e ressurreição de Jesus, ele tem que ser uma só vez, pois só se morre e ressuscita uma vez. Isso tudo transborda da teologia paulina.

Enquanto os judeus praticavam diversos batismos purificadores, a Igreja, desde o princípio, entende que o Batismo é uma vez só e é definitivo, pois implica a In-Corpo-ração a Cristo e isso só pode ser feito uma vez. E não pode ser desfeito. Aliás, é por essa razão que a Igreja Católica aceita o Batismo das outras denominações cristãs, desde que celebrado conforme o mandado de Jesus.

Na Carta aos Efésios (4,4-5), Paulo formula de modo lapidar, apotegmático, essa unicidade que marca a vida cristã:

“Há um só Corpo e um só Espírito, assim como uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos.”

É preciso também não esquecer que o Batismo exige da pessoa conversão e fé, no sentido não apenas de crença em dogmas, mas de compromisso com o Evangelho de Jesus. Isso implica que a evangelização, o “ensinai” ordenado por Jesus é um pressuposto indispensável do Batismo.

Finalmente, destaque-se, por tudo que já se disse acima, que o Batismo é sempre um acontecimento comunitário, ou seja, não é algo que se refere apenas ao indivíduo, mas a toda a Igreja. Por isso, deve normalmente ser celebrado na comunidade, de preferência, em solenidades especiais.

IGREJA E BATISMO: NÃO HÁ UM SEM O OUTRO.

5.3 Ceia do Senhor Desde o princípio, os discípulos de Jesus se reuniam para cear, ou seja, para

compartilhar o pão, que eles chamavam de “fração do pão” (Ver At 2,42). A fração do pão era uma refeição judaica com a bênção e a partilha do pão, que os cristãos adotaram conforme Jesus tinha feito e ensinado a eles.

Aliás, conhecemos o relato da Última Ceia como se fosse um fato único. Contudo, essa prática estava tão arraigado nos discípulos de Jesus que, com certeza, Jesus deve ter feito esse tipo de refeição muitas vezes, referindo seu sentido profundo na Última Ceia, pouco antes de sua morte.

Em 1 Cor 11,17-23, encontramos o mais antigo relato da Ceia. Essa prática é tão antiga que Paulo, que não conheceu Jesus pessoalmente em vida e não estava na Última Ceia, diz: “Com efeito, eu mesmo recebi do Senhor...” Ou seja, como ele mesmo teria recebido do Senhor? Talvez alguns imaginem que Jesus apareceu pessoalmente a ele para ensinar isso. Mas, como já dissemos, esse ritual existiu desde o começo da Igreja, muito antes de Paulo se converter. Portanto, Paulo recebeu isso da Igreja mesma, que é o corpo do Senhor.

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Em 1 Cor 10,16-17, fica claro que o “cálice da bênção” e “pão que partimos” é comunhão com Cristo e, portanto, torna a todos um só corpo:

“Já que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão.”

A Ceia do Senhor integra três perspectivas:

Perspectiva do passado: Refeição de lembrança e gratidão;

Perspectiva do presente: Refeição de fraternidade e aliança;

Perspectiva do futuro: Refeição que antecipa o Banquete escatológico. No quadro a seguir, veja a evolução da nomenclatura da Ceia

IGREJA E CEIA: NÃO HÁ UM SEM OUTRO. No Batismo constitui-se a Igreja, na Eucaristia a Igreja permanece Igreja. No Batismo forma-se, constrói-se o Corpo de Cristo, na Eucaristia sustenta-

se o Corpo de Cristo.

5.3 Conclusão O “SER CORPO DE CRISTO” não é algo abstrato ou genérico. Paulo diz com

toda clareza que é a comunidade concreta, a comunidade local que é o Corpo de Cristo. Assim em 1 Cor 12,27, ele escreve:

“Ora, vós sois o corpo de Cristo, sois os seus membros, cada um por sua parte.” Em Rom 12,5, em lugar de “vós”, ele usa “nós”: “... nós somos muitos e formamos um só corpo Cristo, sendo membros uns dos

outros.” Entretanto, a Igreja é também Corpo de Cristo como comunidade universal. Esse

conceito aparece de forma mais clara nas cartas aos Colossenses e aos Efésios. É nesse contexto que ele chama, de forma explícita, Cristo como Cabeça da Igreja.

Em Col 1,18: “Ele é a cabeça da Igreja, que é o seu corpo”

Em Ef 1,22:

Fração do pão – no começo.

Ceia – desde o começo. Várias igrejas cristãs ainda adotam esse termo.

Ágape (“refeição do amor”) – 55 DC a 100 DC.

Refeição/pão/vinho – até metade do séc. II.

Eucaristia (oração da gratidão que terminava com o memorial da

instituição) – séc. II.

Missa (de “missio, “dismissio”) – século V.

Eucaristia – recuperado após Vaticano II.

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“Ele (o Pai) pôs tudo debaixo dos seus (de Jesus) pés, e o pôs acima de tudo, como Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo.”

Um dos textos mais poderosos é o da Carta aos Efésios (cap. 5,25s). Aqui a Igreja

aparece como a esposa de Cristo. Então o que encontramos no texto: a. Cristo se entregou pela Igreja; b. purificou-a com um banho (não esqueçam = batismo); c. santificou-a pela Palavra; d. e a alimenta como qualquer alimenta a sua própria carne.

E o texto cita Gen 2,34: “... deixará o homem seu pai e sua mãe e se ligará à sua

mulher, e serão ambos uma só carne”. Então Paulo comenta: “É grande este mistério: refiro-me à relação entre Cristo e sua Igreja.”

Evidentemente, não há nenhum mistério na frase “o homem deixará...” no sentido em que a empregamos normalmente. O que acontece é que Paulo capta o MISTÉRIO da relação entre Cristo e a Igreja, ou seja:

Cristo, por amor à Igreja, deixou o Pai e veio se entregar por ela, tornando-a SEU CORPO (assim como homem e mulher se tornam um só corpo pela união conjugal).

Assim com a imagem conjugal, completa-se a compreensão desse mistério que chamamos de Corpo Místico de Cristo. A Igreja é o Corpo de Cristo enquanto integrada como uma estrutura articulada e conduzida por uma cabeça que é o próprio Cristo. Mas, ao mesmo tempo, é como uma esposa que mantém sua identidade, mas se torna uma só carne, um só ser, com o Esposo que se entregou por ela.

Em resumo, pode-se formular assim:

Concluindo, devemos afirmar que:

Cristo não se confunde com a Igreja;

Cristo está presente na Igreja como ressuscitado;

Cristo é maior que a Igreja, é a Cabeça da Igreja;

Igreja caminha e cresce na obediência a Cristo.

Ser o Corpo de Cristo não significa identidade com

Cristo, ou seja, a Igreja não é Cristo.

Ser o Corpo de Cristo é viver numa relação de

COMUNHÃO que implica nas dimensões de unidade

e de amor.

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6 COMUNIDADE DO ESPÍRITO SANTO

6.1 A Igreja é dom do Espírito Santo

Espírito é a ação e presença do Cristo Ressuscitado no processo histórico que a Igreja deve enfrentar, pois é o outro Paráclito, defensor que o próprio Cristo enviará.

Assim é que, em Jo 14,14-17, Jesus diz: “Se me pedirdes, algo em meu nome, eu o farei. Se me amais, observareis meus mandamentos, e rogarei ao Pai e ele vos dará outro Paráclito para que convosco permaneça para sempre. Vós o conheceis porque permanece convosco”.

Mas também, o Espírito é o dom escatológico, ou seja, aquela força e carisma que

Deus havia prometido a seu povo quando implantasse seu Reino. Era isso que o profeta Joel havia anunciado (Joel 3,1-2). E é exatamente essa profecia de Joel que Pedro refere para explicar o fato de os discípulos estarem falando em diversas línguas, por ocasião de Pentecostes (At 2,1-20).

A partir de Cristo, entramos no Fim dos Tempos, pois Cristo inaugurou o Reino de Deus que já está presente entre nós. Então, a Igreja, movida pelo Espírito que havia sido prometido por Jesus, continua a missão de evangelizar o mundo. Em vários textos do Novo Testamento, encontramos afirmações sobre essa natureza espiritual da Igreja. E aqui, quando se fala em “natureza espiritual” queremos dizer exatamente isso: que o Espírito Santo é o sustentáculo da Igreja, mas que é preciso que a Igreja, enquanto comunidade de homens, se esforce para viver segundo o Espírito.

Vemos então que a Igreja é:

Cada igreja concreta é templo do Espírito Santo: 1 Cor 3,16, falando da comunidade local;

A Igreja toda é uma edificação espiritual: Ef 2,17-22;

Os cristãos constroem o edifício espiritual: 1 Pd 2,4-7; É preciso, pois, não esquecer que a Igreja está subordinada ao Espírito Santo e só

enquanto tem essa consciência é que poderemos perseverar na fidelidade ao anúncio do Evangelho. Conscientes de que a Igreja não é “dona” do Espírito Santo, pois é ele que age antes da Igreja, como em Pentecostes: a Igreja se manifesta, inicia sua missão impulsionada pelo Espírito Santo.

Outra dimensão importante é recordar sempre que o Espírito Santo é maior que a Igreja. Ele age e sopra onde e quando quer. Assim, não é de estranhar que até mesmo em situações e pessoas fora da Igreja se perceba a ação do Espírito Santo inspirando e apontando novos caminhos para que a humanidade descubra a vontade do Pai.

Enfim, podemos afirmar que, em sua totalidade:

A Igreja é essencialmente e permanentemente carismática.

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6.2 Os carismas

A palavra “carisma” vem do grego e significa dom. Como na comunidade de Corinto ocorriam muitos problemas por causa dos muitos

dons que se manifestavam e que, ao que parece, causava disputas e desordem, Paulo escreveu uma carta em que abordou, de modo particular, essa questão. Mais tarde, abordou esse mesmo assunto em outras.

Encontramos a palavra “carisma” num sentido mais geral de “dom” em textos como Rom 1,11 (“... para comunicar-vos algum dom espiritual); Rom 5,15 (“não acontece com o dom, o mesmo que acontece com a falta”).

Entretanto, é no sentido estrito, ou seja, no sentido de “dons que manifestam nas reuniões e encontros da comunidade”, que nos interessam aqui.

A fim de entendermos bem os problemas que Paulo quer resolver, convém fazer uma rápida apresentação do contexto histórica dessa discussão.

A Igreja de Corinto era uma comunidade muito viva, muito dinâmica. Reuniam-se sempre, mantendo-se firmes na vida comunitária. As reuniões eram na casa de algum cristão e, geralmente, eram presididas pelo dono da casa ou por algum ancião (a não ser quando o apóstolo estivesse presente). Durante as reuniões, em que eles celebravam a Ceia, eles oravam, cantavam, liam trechos do Antigo Testamento (se tivessem acesso às Escrituras), que alguns certamente explicavam aplicando ao anúncio e ao mistério de Cristo. Havia entre eles profetas que eram pessoas que denunciavam os erros da comunidade, os “doutores” que seriam uma espécie de catequistas ou explicadores dos mistérios da fé cristã, os que presidiam as reuniões, pessoas que tinham capacidade de dar conselho etc.. Nos momentos de oração, havia pessoas que, empolgadas pelo ambiente de fraternidade, realizavam orações em uma linguagem desconhecida. Isso causava muita admiração da parte de alguns que começaram a achar que aquilo era o máximo, que era falar a língua dos anjos, e começaram a ter essa ambição de “orar em línguas” (glossolalia). Começou também a surgir uma espécie de competição sobre que dom era mais importante que os outros – a velha vaidade humana!

É por isso que Paulo escreve esses textos. Eis alguns deles: Rm 12, 1-8; 1 Cor 12,1-11 e 27-31; 1 Cor 14,1-40. E temos também esse texto em 1 Pd 4,7-11, que, em certo sentido, resume o que está exposto nas cartas de Paulo.

Resumindo, podemos apresentar os esquemas a seguir. Primeiramente, Paulo deixa claro que há carismas mais importantes sim. São os

apóstolos, os profetas e os doutores. Quanto aos demais, ele faz uma lista que não parece muito conclusiva sobre qual seria mais importante que os outros. Porém, o mais importante é que ele define alguns critérios que servem para ver a validade do carisma, que são os seguintes:

1º - Proclamar que Jesus é o Senhor – Isso pode parecer estranho para nós, mas Paulo coloca esse em primeiro lugar porque havia fenômenos semelhantes à glossolalia também nas religiões pagãs.

2º - Edificar a comunidade: o carisma deve ser útil para ajudar os irmãos a crescer na fé, não apenas para edificar a si mesmo. Por isso, ele aconselha a quem ora em línguas para preferir ter o dom da profecia.

3º - Não causar desordem na reunião: os carismas podem se manifestar, mas sem causar confusão, devem ser usados de forma ordenada, o que supõe que

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haja um coordenador na comunidade que tenha autoridade para organizar a assembleia.

Enfim, podemos sintetizar com as seguintes características do autêntico carisma: 1 – liga-se com o reconhecimento de Jesus como Senhor; 2 – é conforme as necessidades da comunidade (não do sentimento ou

“prazer” individual); 3 – é sempre um serviço; 4 – todos os membros do Povo de Deus são carismáticos; 5 – ninguém tem o monopólio dos carismas.

Vários autores têm tentado classificar os carismas por tipos. Aqui estão algumas

dessas tentativas de classificação: Carismas circunstanciais: exortação, consolação, ciência, etc. Carismas regulares comunitários (de função pública): apóstolos, profetas,

doutores, evangelistas, diáconos. Mais tarde: anciãos, epíscopos Hans Küng propõe a seguinte classificação:

Proclamação: apóstolos, profetas, ensino, evangelizadores, os que exortam; Prestação de serviços: diáconos e diaconisas, os que dão esmolas, os que

cuidam dos doentes, as viúvas que se encontram a serviço da comunidade;

Governo: primeiros, presidentes, bispos, pastores (p. 263/264) Por outro lado, nas chamadas cartas pastorais que foram, durante muito tempo

atribuídas a São Paulo, já encontramos uma Igreja em que Bispo/Epíscopo absorve outros carismas e recebe, de forma institucional, pela imposição das mãos seu carisma.

Em 1 Tm 4,12-14, o autor dá uma série de conselhos a Timóteo e fala do “dom da graça” (= carisma) que lhe foi dada pela imposição da mãos pelo presbitério: “Não descuides do dom da graça que há em ti, que te foi conferido mediante profecia, junto com a imposição das mãos do presbitério.” (vers. 140)

Em 2 Tm 1,6, há a mesma ideia do “dom/carisma” pela imposição das mãos, só que aqui não feita pelo presbitério, mas pelo autor da carta: “... eu te exorto a reavivar o dom de Deus que há em ti pela imposição das minhas mãos.”

6.3 Os carismas hoje É preciso não perdermos de vista o que foi dito do Espírito Santo acima, conforme

Jesus mesmo havia prometido e como o próprio Espírito tem agido ao longo da história da Igreja.

É o Espírito Santo que orienta e inspira a Igreja. É ele que a cada momento e em cada situação vai nos ensinar o que dizer e como agir.

Portanto, quando e como quiser o Espírito Santo suscitará os carismas que forem necessários para a Igreja cumprir a sua missão de evangelização e de ser sinal do Reino de Deus no mundo.

O problema é que muitos cristãos continuam achando que os carismas hoje têm que ser exatamente iguais aos que apareceram na comunidade de Corinto, esquecendo que o mundo mudou e a Igreja também não vive mais naquela realidade do século I.

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Por isso, devemos nos questionar, conforme os critérios indicados pelo apóstolo Paulo, sobre que carismas são úteis para a evangelização no mundo de hoje e quais servem realmente para edificar a Igreja.

Às vezes, parece que continuamos com o mesmo problema que Paulo criticou nos cristãos de Corinto: queremos nossos carismas para edificar a nós mesmos e não para servir aos nossos irmãos. Isso sem falar na vaidade, quando achamos que nossos dons são os melhores que existem e que a comunidade tem que aceitá-los de qualquer jeito.

Como bem observou Leonardo Boff: “Há os ministérios que vêm de Cristo com seus apóstolos, mas há também novos ministérios que vêm do Espírito como respostas concretas a problemas concretos da comunidade inserida na sociedade...” “Nas CEBs percebemos essa aparição do Espírito Santo nos serviços e ministérios, junto com aqueles cristológicos, ligados ao sacramento da Ordem.” “Continuamente, a Igreja é construída por essa segunda coluna que sustenta a comunidade: o Espírito Santo. No dizer de Santo Irineu, é por suas duas mãos – a direita, o Filho, e a esquerda, o Espírito Santo – que o Pai nos alcança e nos salva bem concretamente.” (Boff, 2008, p. 94)

A Constituição Dogmática Lumen Gentium diz:

Além disso, este mesmo Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes, mas «distribuindo a cada um os seus dons como lhe apraz» (1 Cor. 12,11), distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja, segundo aquelas palavras: «a cada qual se concede a manifestação do Espírito em ordem ao bem comum» (1 Cor. 12,7). Estes carismas, quer sejam os mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com ação de graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis às necessidades da Igreja. Não se devem, porém, pedir temerariamente os dons extraordinários nem deles se devem esperar com presunção os frutos das obras apostólicas; e o juízo acerca da sua autenticidade, e reto uso, pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e conservar o que é bom (cf. 1 Tess. 5, 12. 19-21). (LG nº 12)

Acrescento, no quadro abaixo, uma observação sobre a questão de alguns

“carismas especiais”, que é importante a gente sempre levar em consideração.

A questão dos carismas extraordinários (visões, revelações, glossolalia, profecias, operar maravilhas, etc.)

“Nenhum profeta tem significado absoluto: os profetas seguem-se uns aos outros, um depois do outro. A Jesus, porém, não se segue nenhuma nova revelação: n’Ele foi dada ao mundo, de uma vez por todas, a revelação de Deus”. (Hans Küng, p. 290, a respeito dos visionários).

”Portanto, o Espírito não oferecerá nova revelação, mas limitar-se-á a deixar brilhar, numa luz sempre nova, tudo o que Jesus disse e fez, manifestando-o através da proclamação das suas testemunhas.” (Ib., p. 290)

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7 O NOVO POVO DE DEUS

7.1 A importância dessa visão de Igreja

Talvez a principal contribuição do Concílio Vaticano II à Eclesiologia tenha sido exatamente resgatar essa ideia de POVO DE DEUS. Anteriormente, o que era mais acentuado era “o aspecto hierárquico e piramidal da realidade eclesial (Forte, p. 29).

Isso revigorou a Igreja e deu novo ânimo a que os cristãos, chamados de leigos ou “fiéis”, começassem a assumir de forma mais ativa seu papel dentro da Igreja.

Não se pode negar que, após o Concílio, houve um importante recuo, tentando-se voltar a um tipo de Igreja mais hierárquica e clerical. Sobretudo, percebeu-se o quanto ainda se manteve uma estrutura centralizada nos poderes hierárquicos.

O importante dessa recuperação da consciência da Igreja como Povo de Deus é que se passa a valorizar a ação de todos os membros da Igreja como corresponsáveis pelo anúncio da mensagem cristã; o leigo é visto não apenas como um braço do clero no mundo, mas como verdadeiro evangelizador; resgata-se a consciência do sacerdócio comum do Povo de Deus; recupera-se a dimensão carismática de toda a Igreja e dos carismas que se encontram distribuídos em todos os membros da Igreja.

Essa consciência de que a Igreja é o Povo de Deus tem sua base na concepção original da Igreja como COMUNHÃO (koinonia) que estava presente no Novo Testamento e nos primeiros séculos da Igreja.

Vamos, então, olhar um pouco para o conceito de povo na Bíblia.

7.2 Povo de Deus na Bíblia

No Antigo Testamento A Aliança vincula Deus e Israel. Javé é o Deus de Israel. Israel é o povo de Javé.

Javé escolheu para si um povo e o adquiriu entre todos os povos da terra POVO = “LAÓS”, no grego bíblico do AT significa povo no sentido de raça, tribo. A

LXX usa “laós” (em hebraico: “am”) para se referir quase sempre a Israel. Os outros povos eram “étnos” (em hebraico: “goi”).

“ISRAEL” = Deus domina ou reina. Gn 32,23-31. Por sua infidelidade, Israel é punido. A partir da decadência de Israel, os profetas

anunciam um povo escatológico. Ler Jer 31,31-34. Esse povo escatológico terá uma missão universal: Zac 2,12-17. Esse povo será inaugurado com a vinda do Messias. Mas a maioria do povo de Israel não reconheceu Jesus como Messias. Portanto, os que o reconheceram assumem que constituem o novo Povo de Deus,

enquanto comunidade escatológica de salvação. LAÓS – No NT, além dos sentidos do AT, passa a ser aplicado para a comunidade

dos discípulos.

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No Novo Testamento Os primeiros cristãos veem a si mesmos como o Povo de Deus da Nova Aliança,

um povo que não se define mais pela descendência genética, mas pela fé em Jesus Cristo.

Aliás, a própria decisão de Jesus em escolher doze apóstolos - em paralelismo aos doze patriarcas – demonstra sua intenção de sinalizar que estava a se constituir um novo povo.

“A noção de Povo de Deus é o mais antigo e decisivo conceito que descreve o que a Igreja entende de si mesma.” (Hans Küng, p. 170).

Em At 15, 13-18, vemos o discurso de Tiago no Concílio de Jerusalém em que ele diz que “Deus se dignou, primeiro, escolher dentre os gentios um povo dedicado ao seu Nome”. Nesse texto ele usa aqueles termos que citamos acima:“ex étnon‟‟ constituiu um “laón”).

Em 2 Cor 6,16, Paulo emprega as palavras do Sinai referindo-se à Igreja: “Ora, nós é que somos o templo do Deus vivo, como disse o próprio Deus: 'Em meio a eles habitarei e caminharei, serei o seu Deus, e eles serão o meu povo' (Lev 26,12)”.

É muito rica a reflexão que Paulo faz a partir do capítulo 9 da carta aos Romanos em que ele fala da situação de Israel, o antigo povo de Deus, e da ação de Deus que através de Jesus, constitui um novo povo, incluindo os pagãos, mas não rejeitando os israelitas.

Finalmente, em 1 Pd 2,9s, temos explícita essa consciência: “Vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, o povo de sua particular propriedade, a fim de que proclameis as excelências daquele que vos chamou das trevas para sua luz maravilhosa. Vós que outrora não éreis um povo, mas agora sois o Povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora, alcançastes misericórdia.”

E em Ef 2,11-22, é desenvolvida a ideia de que de dois povos – os israelitas e os

pagãos – o sangue de Cristo tornou um só povo: “Ele é a nossa paz: de ambos os povos fez um só, tendo derrubado o muro da separação e suprimido em sua carne a inimizade – a Lei dos mandamentos expressa em preceitos – a fim de criar em si mesmo um só Homem Novo, estabelecendo a paz, de reconciliar a ambos com Deus em um só Corpo, por meio da cruz na qual ele matou a inimizade. Assim, ele veio e anunciou paz a vós que estáveis longe e paz aos que estavam perto, pois, por meio dele, nós, judeus e gentios, num só Espírito, temos acesso junto ao Pai.”

7.3 A visão da Lumen Gentium A Constituição Dogmática Lumen Gentium fala assim (sublinhei algumas frases)

A Nova Aliança com o novo Povo de Deus

9. Em todos os tempos e em todas as nações foi agradável a Deus aquele que O teme e obra justamente (cf. At. 10,35). Contudo, aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas

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constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente. Escolheu, por isso, a nação israelita para Seu povo. Com ele estabeleceu uma aliança; a ele instruiu gradualmente, manifestando-Se a Si mesmo e ao desígnio da própria vontade na sua história, e santificando-o para Si. Mas todas estas coisas aconteceram como preparação e figura da nova e perfeita Aliança que em Cristo havia de ser estabelecida e da revelação mais completa que seria transmitida pelo próprio Verbo de Deus feito carne. Eis que virão dias, diz o Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança... Porei a minha lei nas suas entranhas e a escreverei nos seus corações e serei o seu Deus e eles serão o meu povo... Todos me conhecerão desde o mais pequeno ao maior, diz o Senhor (Jer. 31, 31-34). Esta nova aliança instituiu-a Cristo, o novo testamento no Seu sangue (cf. 1 Cor. 11,25), chamando o Seu povo de entre os judeus e os gentios, para formar um todo, não segundo a carne mas no Espírito e tornar-se o Povo de Deus. Com efeito, os que creem em Cristo, regenerados não pela força de germe corruptível mas incorruptível por meio da Palavra de Deus vivo (cf. 1 Ped. 1,23), não pela virtude da carne, mas pela água e pelo Espírito Santo (cf. Jo. 3, 5-6), são finalmente constituídos em «raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo conquistado... que outrora não era povo, mas agora é povo de Deus» (1 Ped. 2, 9-10).

Este povo messiânico tem por cabeça Cristo, «o qual foi entregue por causa das nossas faltas e ressuscitado por causa da nossa justificação» (Rom. 4,25) e, tendo agora alcançado um nome superior a todo o nome, reina glorioso nos céus. E condição deste povo a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações o Espírito Santo habita como num templo. A sua lei é o novo mandamento, o de amar assim como o próprio Cristo nos amou (cf. Jo. 13,34). Por último, tem por fim o Reino de Deus, o qual, começado na terra pelo próprio Deus, se deve desenvolver até ser também por ele consumado no fim dos séculos, quando Cristo, nossa vida, aparecer (cfr. Col. 3,4) e «a própria criação for liberta do domínio da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus» (Rom. 8,21). Por isso é que este povo messiânico, ainda que não abranja de facto todos os homens, e não poucas vezes apareça como um pequeno rebanho, é, contudo, para todo o gênero humano o mais firme germe de unidade, de esperança e de salvação. Estabelecido por Cristo como comunhão de vida, de caridade e de verdade, é também por Ele assumido como instrumento de redenção universal e enviado a toda a parte como luz do mundo e sal da terra (cfr. Mt. 5, 13-16).

Mas, assim como Israel segundo a carne, que peregrinava no deserto, é já chamado Igreja de Deus (cf. 2 Esd. 13,1; Num. 20,4; Deut. 23,1 ss.), assim o novo Israel, que ainda caminha no tempo presente e se dirige para a futura e perene cidade (cfr. Hebr. 13-14), se chama também Igreja de Cristo (cf. Mt. 16,18), pois que Ele a adquiriu com o Seu próprio sangue (cf. At. 20,28), encheu-a com o Seu espírito e dotou-a dos meios convenientes para a unidade visível e social. Aos que se voltam com fé para Cristo, autor de salvação e princípio de unidade e de paz, Deus chamou-os e constituiu-os em Igreja, a fim de que ela seja para todos e cada um sacramento visível desta unidade salutar. Destinada a estender-se a todas as regiões, ela entra na história dos homens, ao mesmo tempo que transcende os tempos e as fronteiras dos povos. Caminhando por meio de tentações e tribulações, a Igreja é confortada pela força da graça de Deus que lhe foi prometida pelo Senhor para que não se afaste da perfeita fidelidade por causa da fraqueza da carne, mas permaneça digna esposa do seu Senhor, e, sob a ação do Espírito Santo, não cesse de se renovar até, pela cruz, chegar à luz que não conhece ocaso. (LG, nº 9)

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De modo mais prático, a Lumen Gentium fala da necessidade concreta do

compromisso do cristão com a Igreja:

São plenamente incorporados à sociedade que é a Igreja aqueles que, tendo o Espírito de Cristo, aceitam toda a sua organização e os meios de salvação nela instituídos, e que, pelos laços da profissão da fé, dos sacramentos, do governo eclesiástico e da comunhão, se unem, na sua estrutura visível, com Cristo, que a governa por meio do Sumo Pontífice e dos Bispos. Não se salva, porém, embora incorporado à Igreja, quem não persevera na caridade: permanecendo na Igreja pelo «corpo», não está nela com o coração (26). Lembrem-se, porém, todos os filhos da Igreja que a sua sublime condição não é devida aos méritos pessoais, mas sim à especial graça de Cristo; se a ela não corresponderem com os pensamentos, palavras e ações, bem longe de se salvarem, serão antes mais severamente julgados (LG, nº 14B)

7.4 O povo da liberdade

O povo de Deus, desde sua origem, na vocação de Abraão - “sai da tua terra” - é um povo chamado à liberdade. Com Moisés, na experiência da travessia do deserto, essa consciência de sua vocação essencial à liberdade se consolida.

Apesar de todas as tribulações e quedas que o povo sofreu em sua história, a vocação da liberdade permaneceu em sua consciência como algo intrinsecamente ligado ao fato de ser O POVO DE DEUS.

A Igreja, como Novo Povo de Deus, sempre teve consciência de que era um povo vocacionado à liberdade, pois Cristo nos libertou, pelo fato mesmo de que essa era missão messiânica.

No evangelho de João (8,36), isso está dito de forma bem simples: “Se o Filho vos libertar, sereis realmente livres.”

Não vamos entrar aqui na discussão dos conceitos de liberdade que circulam em nosso mundo de hoje. Estejamos atentos, porém, ao fato de que a ideia cristã de liberdade ultrapassa o conceito de liberdade do mundo. Por outro lado, devemos evitar uma ideia de liberdade muito abstrata ou espiritualizada, pois a ação libertadora de Cristo visa o homem integral e não apenas um aspecto ou dimensão da realidade humana.

A liberdade cristã significa uma superação que o homem tem sobre o próprio egoísmo (que, nos textos bíblicos, é chamado de “carne”) e sua capacidade de se colocar a serviço. Assim, lemos em Gal 5,13:

“Vós fostes chamados à liberdade, irmãos, Entretanto, que a liberdade não sirva de pretexto para a carne, mas, pela caridade, colocai-vos a serviço uns dos outros.”

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Aliás, a liberdade cristã consiste primeiramente na capacidade de abertura que temos para Deus e para o próximo. Por isso, o amor/caridade/ágape é a pré-condição da verdadeira liberdade.

Nos capítulos 7 e 8 da Epístola aos Romanos, Paulo desenvolve uma reflexão sobre a relação do cristão com a Lei, ou seja, com a Lei de Moisés (Pentateuco, Torá), que era tão essencial para os judeus, cujo cumprimento muitos cristãos judeus consideravam indispensável. Em Rom 8,14-17, temos o ponto alto dessa reflexão:

“Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Com efeito, não recebestes um espírito de escravos, para recair no temor, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos: Abba! Pai! O próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus. E se somos filhos, somos herdeiros; herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo, pois sofremos com ele para também com ele sermos glorificados.”

Afinal, Jesus, o Messias, veio para nos libertar e nos libertou definitivamente do

jugo do pecado e da morte, que constituem a essência da escravidão humana. Vencidos esses opressores, cabe-nos derrotar os demais.

7.5 Povo sacerdotal

Como já observamos acima, o Concílio Vaticano II resgatou a ideia de que a Igreja é um povo sacerdotal.

O que diz a Lumen Gentium:

O sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial

“Cristo Nosso Senhor, Pontífice escolhido de entre os homens (cf. Hebr. 5, 1-5), fez do novo povo um «reino sacerdotal para seu Deus e Pai» (Ap. 1,6; cf. 5, 9-10). Na verdade, os batizados, pela regeneração e pela unção do Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual, sacerdócio santo, para que, por meio de todas as obras próprias do cristão, ofereçam oblações espirituais e anunciem os louvores daquele que das trevas os chamou à sua admirável luz (cf. 1 Ped. 2, 4-10). Por isso, todos os discípulos de Cristo, perseverando na oração e louvando a Deus (cf. At., 2, 42-47), ofereçam-se a si mesmos como hóstias vivas, santas, agradáveis a Deus (cf. Rom 12,1), dêem testemunho de Cristo em toda a parte e àqueles que lha pedirem dêem razão da esperança da vida eterna que neles habita (cfr. 1 Ped. 3,15).” (LG, 10)

A palavra “SACERDOTE” vem do latim “sacerdos” (em grego: “hieréus”). No NT só se refere aos sacerdotes do Antigo Testamento. De fato, na Igreja primitiva, entende-se que Cristo é o único sacerdote, não por

herança sanguínea (pois não era descendente de Levi), mas “segundo a ordem de Melquisedeque”. É sacerdote para sempre. E só ele é mediador – nós somos embaixadores do único Mediador. Isso encontramos desenvolvido em Hb 4,14-5,10 e Hb 7,15-8,7.

Como corpo de Cristo, é que a Igreja se torna povo sacerdotal, pois:

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tem acesso direto a Deus; Oferece sacrifícios espirituais; Prega a palavra; Batiza, celebra, perdoa.

7.6 Sacerdócio ministerial

Antes de abordar o documento do Concílio sobre os ministros sacerdotais, convém

ter uma visão geral sobre como foi evoluindo o sacerdócio ministerial. 1º) Jesus foi sacerdote naquele sentido abordado na Carta ao Hebreus, não

pertencia à classe sacerdotal. 2º) No início da Igreja, não havia hierarquia, mas os serviços-carismas. 3º) Com o tempo, foi construída uma hierarquia, que, em grande parte, aconteceu

pela presidência na celebração da Eucaristia. Quanto à distinção entre “epíscopos/bispos” e “presbíteros”, esclarecia São

Jerônimo no seu tempo: “O apóstolo ensina claramente que são a mesma coisa os presbíteros e os bispos... O que mais tarde se escolheu a um para colocá-lo à frente dos demais foi como remédio para as brigas e para evitar que, cada qual puxando para o seu lado, desagregassem a Igreja”. [...] Portanto, o presbítero é o mesmo que o bispo, e as igrejas foram governadas por um conselho presbiteral até que, por inspiração do demônio, apareceram as paixões na religião e começaram a dizer: eu sou de Paulo, eu de Apolo, eu de Cefas (1 Cor 1,12). Pois quando cada um pensava que eram seus os que batizava, e não de Cristo, decidiu-se em todo o mundo que um dos bispos fosse posto à frente dos restantes e que lhe tocasse o cuidado de toda a Igreja, para erradicar os germes do cisma”.

Diaconisas – 1 Tim 3,11. Está se falando dos diáconos, e no versículo 11, diz:

“Também as mulheres devem ser respeitáveis ...”. Refere-se a diaconisas, não a esposas dos diáconos, conforme interpretação da Bíblia de Jerusalém.

Concílio de Laodicéia (343), cânon 11 da Collectio Hispana: “Não convém que as chamadas presbíteras pelos gregos e, entre nós, viúvas anciãs ou presidentas, sejam constituídas como ordenadas na Igreja”. Essa preocupação revela que havia mulheres que exerciam função de presbítera e, inclusive, presidiam a Eucaristia. Por alguma razão, o Concílio de Laodiceia, proibiu que elas fizessem isso.

São Cipriano: “A eucaristia não pode ser celebrada à margem da comunidade eclesial” (Epístola 45)

Tertuliano (160-230): “Mas onde não existe um colégio de servidores incorporados ao ministério, tu, leigo, deves celebrar a Eucaristia e batizar; nesse caso, tu és o próprio sacerdote, pois onde se encontram dois ou três ali se encontra a Igreja, no caso de serem três leigos” (De exhort. Cast. 7,3). Portanto, na ausência dos ministros ordenados, um leigo deve (repare: DEVE) celebrar a Eucaristia, pois a comunidade não pode ficar sem a Eucaristia.

Clemente: Quem preside a eucaristia é o bispo ou presbítero “ou também outras pessoas determinadas com a aprovação de toda comunidade” (I Clem 44,4-5). Indica, portanto, que, embora a responsabilidade pela presidência da Eucaristia seja dos ministros ordenados, podem outras pessoas fazê-lo desde com aprovação da comunidade. Supõe-se que em situações emergenciais.

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Concílio de Arnes (314): proíbe que diáconos celebrem a Eucaristia. Essa proibição indica que, até aquele momento, isso era comum.

É bom lembrar ainda a origem da palavra “ordem” e “ordenação”. Ela vem do Latim “ordo” que indicava a entrada de uma pessoa num determinado grupo ou classe. Assim, havia a Ordem do Cavaleiros (Ordo Aequitatum), a Ordem dos Senadores Ordo Senatorum) e assim por diante. E havia também ao “Ordem dos Sacerdotes”. A Igreja adotou essa nomenclatura para se referir à classe sacerdotal, chamando a cerimônia de consagração de “ordenação”.

A teoria de que Ordem imprime caráter, começa nos Concílios II (1139) e IV de Latrão (1215). O Concílio de Trento define: “no sacramento da ordem, como no do batismo e da confirmação, se imprime o caráter que não se pode apagar nem tirar”.

Portanto, como se vê, a organização da Igreja nessa forma hierárquica não vem do Novo Testamento. Essa estrutura foi sendo construída ao longo da história da Igreja, conforme as necessidades de cada momento histórico.

Agora, vejamos o que o Concílio Vaticano II fala do sacerdócio ministerial. Primeiramente, esse parágrafo que distingue o sacerdócio comum dos fiéis do

sacerdócio ministerial.

O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo. Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-o a Deus em nome de todo o povo; os fiéis, por sua parte, concorrem para a oblação da Eucaristia em virtude do seu sacerdócio real, que eles exercem na recepção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade operosa (LG 10).

A seguir, alguns trechos da Constituição Dogmática Lumen Gentium a respeito dos ministros ordenados:

BISPOS Os Bispos, sucessores dos Apóstolos “A missão divina confiada por Cristo aos Apóstolos durará até ao fim dos tempos (cfr. Mt. 28,20), uma vez que o Evangelho que eles devem anunciar é em todo o tempo o princípio de toda a vida na Igreja. Pelo que os Apóstolos trataram de estabelecer sucessores, nesta sociedade hierarquicamente constituída” (LG 20).

Também define as três funções (múnus) ou responsabilidades dos bispos, ou seja, docente, santificadora e governativa.

Múnus docente

O ministério episcopal de ensinar Entre os principais encargos dos Bispos ocupa lugar preeminente a pregação do Evangelho (75). Os Bispos são os arautos da fé que para Deus conduzem novos discípulos. Dotados da autoridade de Cristo, são doutores autênticos, que pregam ao povo a eles confiado a fé que se deve crer e aplicar na vida prática; ilustrando-a sob a luz do Espírito Santo e tirando do tesoiro da revelação coisas novas e antigas (cfr. Mt. 13,52), fazem-no frutificar e solicitamente afastam os erros que ameaçam o seu rebanho (cfr. 2 Tim. 4, 1-4). Ensinando em comunhão com o Romano Pontífice, devem por todos ser venerados como testemunhas da

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verdade divina e católica. E os fiéis devem conformar-se ao parecer que o seu Bispo emite em nome de Cristo sobre matéria de fé ou costumes, aderindo a ele com religioso acatamento (LG 25).

Múnus santificador

O ministério episcopal de santificar Revestido da plenitude do sacramento da Ordem, o Bispo é o «administrador da graça do supremo sacerdócio» (84), principalmente na Eucaristia, que ele mesmo oferece ou providencia para que seja oferecida, e pela qual vive e cresce a Igreja. Esta Igreja de Cristo está verdadeiramente presente em todas as legítimas comunidades locais de fiéis, as quais aderindo aos seus pastores, são elas mesmas chamadas igrejas no Novo Testamento. Pois elas são, no local em que se encontram, o novo Povo chamado por Deus, no Espírito Santo e com plena segurança (cf. 1 Tess. 1, 5). Nelas se congregam os fiéis pela pregação do Evangelho de Cristo e se celebra o mistério da Ceia do Senhor «para que o corpo da inteira fraternidade seja unido por meio da carne e sangue do Senhor». Em qualquer comunidade que participa do altar sob o ministério sagrado do Bispo, é manifestado o símbolo do amor e da unidade do Corpo místico, sem o que não pode haver salvação (LG 26).

Múnus Governativo

Os Bispos governam as igrejas particulares que lhes foram confiadas como vigários e legados de Cristo, por meio de conselhos, persuasões, exemplos, mas também com autoridade e poder sagrado, que exercem unicamente para edificar o próprio rebanho na verdade e na santidade, lembrados de que aquele que é maior se deve fazer como o menor, e o que preside como aquele que serve (cf. Luc. 22,26-27). Este poder que exercem pessoalmente em nome de Cristo, é próprio, ordinário e imediato, embora o seu exercício seja superiormente regulado pela suprema autoridade da Igreja e possa ser circunscrito dentro de certos limites para utilidade da Igreja ou dos fiéis. Por virtude deste poder, têm os Bispos o sagrado direito e o dever, perante o Senhor, de promulgar leis para os seus súbditos, de julgar e de orientar todas as coisas que pertencem à ordenação do culto e do apostolado (LG 27)

No quadro abaixo, apresento uma alerta do teólogo Bruno Forte sobre o papel dos bispos e presbíteros. Esse ministério é chamado de “ministério da síntese” porque o serviço típico a eles é a coordenação, a condução dos diversos carismas e serviços. O que o autor quer destacar é o cuidado para que não venham absorver em si todos os demais carismas e serviços (ministérios).

Ministério da síntese, ele não se deve tornar síntese dos ministérios (concepção “clericalizante”), mas serviço de discernimento e coordenação dos carismas e dos ministérios, com vistas à comunhão e ao crescimento. Deve ser exercitado mediante a tríplice função profética, sacerdotal e pastoral, pelo bispo, para toda a Igreja local; pelo presbítero e pelos diáconos nos campos de ação a eles confiados pelos bispos. (Bruno Forte, p. 34)

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PRESBÍTEROS

Os presbíteros, como esclarecidos cooperadores da ordem episcopal e a sua ajuda e instrumento, chamados para o serviço do Povo de Deus, constituem com o seu Bispo um presbitério com diversas funções. Em cada uma das comunidades de fiéis, tornam de algum modo presente o Bispo, ao qual estão associados com ânimo fiel e generoso e cujos encargos e solicitude assumem, segundo a própria medida, e exercem com cuidado quotidiano. Sob a autoridade do Bispo, santificam e governam a porção do rebanho a si confiada, tornam visível, no lugar em que estão, a Igreja universal e prestam uma grande ajuda para a edificação de todo o corpo de Cristo (cf. Ef. 4, 12). Sempre atentos ao bem dos filhos de Deus, procurem dar a sua ajuda ao trabalho de toda a diocese, melhor, de toda a Igreja (LG 28)

DIÁCONOS

Em grau inferior da hierarquia estão os diáconos, aos quais foram impostas as mãos «não em ordem ao sacerdócio, mas ao ministério». Pois que, fortalecidos com a graça sacramental, servem o Povo de Deus em união com o Bispo e o seu presbitério, no ministério da Liturgia, da palavra e da caridade. É próprio do diácono, segundo for cometido pela competente autoridade, administrar solenemente o Batismo, guardar e distribuir a Eucaristia, assistir e abençoar o Matrimônio em nome da Igreja, levar o viático aos moribundos, ler aos fiéis a Sagrada Escritura, instruir e exortar o povo, presidir ao culto e à oração dos fiéis, administrar os sacramentais, dirigir os ritos do funeral e da sepultura. Consagrados aos ofícios da caridade e da administração, lembrem-se os diáconos da recomendação de S. Policarpo: «misericordiosos, diligentes, caminhando na verdade do Senhor, que se fez servo de todos» (LG 29)

LEIGOS

O Concílio mantém a distinção entre clero e leigos, embora não se encontre tal distinção no Novo Testamento. Vejamos a definição de leigos, conforme a Lumen Gentium.

Conceito e vocação do leigo na Igreja Por leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do estado religioso reconhecido pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Batismo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja se no mundo (LG 31)

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8 DIMENSÕES DA IGREJA

Dimensões: sinais ? notas? Concílio de Constantinopla (381): Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica. Primeiro uso: S. Cirilo de Jerusalém. O Catecismo da Igreja Católica, nº 811, diz:

Esses atributos, inseparavelmente ligados entre si, indicam traços essenciais da Igreja e de sua missão. A Igreja não os tem de si mesma; é Cristo que, pelo Espírito Santo, dá a sua Igreja o ser uma, santa, católica e apostólica, e é também ele que a convida a realizar cada uma dessas qualidades.

Diz a Lumen Gentium:

“Esta é a única Igreja de Cristo, que no Credo confessamos ser una, santa, católica e apostólica; depois da ressurreição, o nosso Salvador entregou-a a Pedro para que a apascentasse (Jo. 21,17), confiando também a ele e aos demais Apóstolos a sua difusão e governo (cfr. Mt. 28,18 ss.), e erigindo-a para sempre em «coluna e fundamento da verdade» (I Tim. 3,5). Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como sociedade, é na Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em união com ele, que se encontra, embora, fora da sua comunidade, se encontrem muitos elementos de santificação e de verdade, os quais, por serem dons pertencentes à Igreja de Cristo, impelem para a unidade católica”. (LG 8)

8.1 UNA

IGREJA É ÍCONE DA TRINDADE (Jo: que eles sejam um) Unidade não é de membros entre si, mas de Deus: Deus é que reúne, a Igreja

deve convergir para a unidade. A Igreja uma se manifesta na multiplicidade das Igrejas locais.

“A Igreja é primeiramente uma porque ela participa da mesma palavra e se alimenta do mesmo pão, isto é, ela está unida no corpo e no logos do Senhor. Graças à união eucarística, cada uma das comunidades realiza-se inteiramente como Igreja, com a condição de que ela esteja em comunhão com as outras comunidades, comunhão essa que de forma alguma pode prescindir da palavra que é a mesma para todos. Essa comunhão formada por diversas comunidades, tem seus pontos de apoio nos bispos. A esses, por serem o prolongamento do collegium apostolorum, cabe a responsabilidade de conservar a autenticidade da palavra e a

integridade da comunhão“(Ratzinger, p. 114).

Não é sinal de unidade: a uniformidade de culto, de hierarquia ou de concepção teológica.

Catecismo da Igreja Católica, nº 813: A Igreja é uma por sua fonte: „Deste mistério, o modelo supremo e o princípio é a unidade de um só Deus na Trindade das Pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo‟(UR 2).

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A Igreja é uma por seu Fundador: „Pois o próprio Filho encarnado, príncipe da paz, por sua cruz reconciliou todos os homens com Deus, restabelecendo a união de todos em um só Povo, em um só Corpo‟ (GS 78,3). A Igreja é una por sua „alma‟: „O Espírito Santo que habita nos crentes, que plenifica e rege toda a Igreja, realiza esta admirável comunhão dos fiéis e os une tão intimamente em Cristo, que ele é o princípio de Unidade da Igreja‟ (UR 2).

A Igreja una se manifesta na multiplicidade das Igrejas locais.

“A Igreja é primeiramente uma porque ela participa da mesma palavra e se alimenta do mesmo pão, isto é, ela está unida no corpo e no logos do Senhor. Graças à união eucarística, cada uma das comunidades realiza-se inteiramente como Igreja, com a condição de que ela esteja em comunhão com as outras comunidades, comunhão essa que de forma alguma pode prescindir da palavra que é a mesma para todos. Essa comunhão formada por diversas comunidades, tem seus pontos de apoio nos bispos. A esses, por serem o prolongamento do collegium apostolorum, cabe a responsabilidade de conservar a autenticidade da palavra e a integridade da comunhão” (Ratzinger, p. 114).

Não é sinal de unidade: a uniformidade de culto, de hierarquia ou de concepção

teológica. A diversidade que há na Igreja de povos, de culturas, de dons, de tarefas, de ritos

não quebra a unidade essencial. Ef 4,3: “é... preciso conservar a unidade do Espírito Santo pelo vínculo da paz” Col 3,14: “sobre tudo isso está a caridade, que é o vínculo da perfeição ”.

CREIO NA COMUNHÃO DOS SANTOS

IGREJA É COMUNHÃO COMUNHÃO: (communio, latim; koinonia, grego)

Comunhão com O Santo – O Espírito Santo. Comunhão das realidades santas: Palavra de Deus e Sacramentos.

Comunhão entre os cristãos. Comunhão das Igrejas locais

8.2 SANTA

Igreja santa e pecadora – visões erradas:

querer uma Igreja só de santos (gnósticos, donatistas, etc.)

Igreja santa x membros pecadores. Não há Igreja sem membros.

Dividir aspectos pecadores e aspectos santos dos cristãos.

Igreja é pecadora porque seus membros são pecadores. E não vejamos esse pecado só pelo lado individual, o pecado pessoal dos membros da Igreja. Mais que isso, a Igreja, enquanto instituição, enquanto comunidade visível na história, tem cometido graves pecados. Lembre alguns casos.

Igreja é santa não pela santidade de seus membros, nem por suas atitudes morais.

SANTO (“kadad “, em hebraico; “hagios”, em grego; “sanctus”, em latim) aquilo que é separado por Deus.

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Assim, a Igreja é santa significa: a Igreja é o povo separado por Deus, em Cristo, para ser a comunidade dos fiéis, o povo que é sinal da santidade divina no mundo.

Deus é que santifica a Igreja. 1 Pd 2,9. Daí, o ministério do perdão: a comunidade é mediadora do perdão de Deus. Mas

também a Igreja precisa de perdão. A Igreja precisa tomar a forma de Cristo, não a do mundo: Rm 12,12; Ef 4,20-24; Col 3,10. A Igreja deve sempre se renovar para tornar-se santa, não para ficar “moderna”, não por medo, não para se tornar mais simpática, não para conseguir mais adeptos. A renovação da Igreja é uma exigência do Evangelho.

1 Pd 2,9-10: raça eleita, sacerdócio real, nação santa. Daí, o ministério do perdão: a comunidade é mediadora do perdão de Deus. Mas também a Igreja precisa de perdão. A Igreja precisa tomar a forma de Cristo, não a do mundo: Rm 12,2ss: “Não vos com-formeis com este mundo, mas trans-formai-vos...” Ef 4,20-24: trans-formação espiritual da mente: HOMEM NOVO. Col 3,9-10: “Cristo é tudo em todos”.

LUMEN GENTIUM, nº 8

Enquanto Cristo «santo, inocente, imaculado» (Hebr. 7,26), não conheceu o pecado (cfr. 2 Cor. 5,21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (Hebr. 2,17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre

necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação.

8.3 CATÓLICA A palavra aparece uma vez At 4,18 significando “completamente”. Foi usada, pela primeira vez, indicando a Igreja por Inácio de Antioquia em 110

DC. Católico não se refere a geografia, estatística, sociologia ou história. O fundamento da catolicidade é a permanência da Igreja fiel à sua própria

identidade, em qualquer tempo e lugar. Cada Igreja local só Igreja enquanto é manifestação da Igreja plena.

CATÓLICO = EM TODA TERRA = UNIVERSAL CATOLICIDADE É UMA QUESTÃO DE TOTALIDADE.

A catolicidade da Igreja é um atributo indispensável de sua natureza, de modo que

qualquer comunidade autenticamente cristã, em qualquer lugar que esteja, deve ser

considerada católica. A Igreja é católica em duplo sentido. Ela é católica porque nela Cristo está presente. “Onde está Cristo Jesus, está a Igreja Católica” (S. Inácio de Antioquia). Nela subsiste a plenitude do Corpo de Cristo unido à sua cabeça (Ef 1,22-23), o que implica que ela recebe dele “a plenitude dos meios de salvação” (AG 6) que ele quis: confissão de fé correta e completa, vida sacramental integral e ministério ordenado na sucessão apostólica. Neste sentido fundamental, a Igreja era católica no dia de Pentecostes (AG 4) e o será sempre, até o dia da Parusia.

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Ela é católica porque é enviada em missão por Cristo à universalidade do gênero humano. (Mt 28,19).

LUMEN GENTIUM, Nº 13

E assim, o Povo de Deus encontra-se entre todos os povos da terra, já que de todos recebe os cidadãos, que o são dum reino não terrestre mas celeste. Pois todos os fiéis espalhados pelo orbe comunicam com os restantes por meio do Espírito Santo, de maneira que «aquele que vive em Roma, sabe que os indianos são membros seus». Mas porque o reino de Cristo não é deste mundo (cf. Jo. 18,36), a Igreja, ou seja o Povo de Deus, ao implantar este reino, não subtrai coisa alguma ao bem temporal de nenhum povo, mas, pelo contrário, fomenta e assume as qualidades, as riquezas, os costumes e o modo de ser dos povos, na medida em que são bons; e assumindo-os, purifica-os, fortalece-os e eleva-os. Pois lembra-se que lhe cumpre ajuntar-se com aquele rei a quem os povos foram dados em herança (cfr. Salm. 2,8), e para a cidade à qual levam dons e ofertas (cfr. Salm. 71 [72], 10; Is. 60, 47; Apoc. 21,24). Este caráter de universalidade que distingue o Povo de Deus é dom do Senhor; por Ele a Igreja católica tende eficaz e constantemente à recapitulação total da humanidade com todos os seus bens sob a cabeça, Cristo, na unidade do Seu Espírito.

8.4 APOSTÓLICA

Só pode ser una, católica, santa, se for apostólica. APÓSTOLO = MISSIONÁRIO, EMBAIXADOR

Testemunho dos apóstolos: único, insubstituível, sem sucessão, definitivo: Cristo

ressuscitou = TRADIÇÃO APOSTÓLICA Aspectos da apostolicidade:

Doutrinal: perseverança na fé transmitida pelos apóstolos;

Missionário: ação da Igreja;

Existencial: busca de identificação com a forma de ser da igreja apostólica;

Ministerial: ministérios como garantia visível da apostolicidade.

Salvador Pié-Ninot afirma que: Em sentido rigoroso, mais do que sucessores dos apóstolos como tais, os bispos são os primeiros ministros designados pelos apóstolos, ou por “um” deles, para dirigir as igrejas por eles fundadas. Tanto o apostolado como o episcopado têm uma missão comum: a de realizar a presença ativa do Senhor ausente. Trata-se de um vicariato, do exercício de uma mesma autoridade, de uma mesma ação, de uma mesma missão, mas por meio de outras pessoas.(p. 89)

A Igreja inteira é sucessora dos apóstolos, não apenas os bispos, porque se funda

sobre o alicerce dos apóstolos e porque prossegue o ministério dos apóstolos. A sucessão especial: Apóstolos > Doutores > Bispos (?)

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O papel de Pedro e sua sucessão: Mt 16,16-19

Natureza da Igreja: iniciativa de Cristo

Fundamento: Pedro, enquanto confessa a fé em Cristo

Condição: sujeita às circunstâncias da história.

LUMEN GENTIUM, Nº 20

A missão divina confiada por Cristo aos Apóstolos durará até ao fim dos tempos (cf. Mt. 28,20), uma vez que o Evangelho que eles devem anunciar é em todo o tempo o princípio de toda a vida na Igreja. Pelo que os Apóstolos trataram de estabelecer sucessores, nesta sociedade hierarquicamente constituída. Assim, não só tiveram vários auxiliares no ministério, mas, para que a missão que lhes fora entregue se continuasse após a sua morte, confiaram a seus imediatos colaboradores, como em testamento, o encargo de completarem e confirmarem a obra começada por eles, recomendando-lhes que velassem por todo o rebanho, sobre o qual o Espírito Santo os restabelecera para apascentarem a Igreja de Deus (cf. At. 20, 28). Estabeleceram assim homens com esta finalidade e ordenaram também que após a sua morte fosse o seu ministério assumido por outros homens experimentados. Entre os vários ministérios que na Igreja se exercem desde os primeiros tempos, consta da tradição que o principal é o daqueles que, constituídos no episcopado em sucessão ininterrupta são transmissores do múnus apostólico. E assim, como testemunha santo Ireneu, a tradição apostólica é manifestada em todo o mundo e guardada por aqueles que pelos Apóstolos foram constituídos Bispos e seus sucessores.

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Paulo: Edições Loyola. 1987 KÜNG, Hans. A Igreja Católica. RJ: Objetiva, 2002. KÜNG, Hans. A igreja. Lisboa: Moraes Editores. 1970. KÜNG, Hans. O que deve permanecer na Igreja. Petrópolis: E. Vozes. 1976. MOSCONI, Luís. Atos dos apóstolos: como ser Igreja no início do terceiro milênio? 3

ed. São Paulo: Paulinas. 2001 PIÉ-NINOT, Salvador. Introdução à Eclesiologia. São Paulo: Edições Loyola. 1998. RATZINGER, Joseph. O novo povo de Deus. São Paulo: Ed. Paulinas. 1974. VÁRIOS. A missão da Igreja no Brasil. São Paulo: Edições Loyola. 1973. REVISTA CONCILIUM: Editora Vozes.

N.º. 117 – 1976/7 : Crer por imposição? Problemática de fé e magistério. N.º. 129 – 1977/8 : Os carismas. N.º. 134 – 1978/4 : Evangelização no mundo de hoje. N.º. 138 – 1978/8 : Um credo ecumênico. N.º. 157 – 1980/7 : Participação da Igreja local na escolha dos bispos. N.º. 159 – 1980/9 : Obediência e liberdade na Igreja. N.º. 167 – 1981/7 : A revisão do Direito Canônico. N.º. 168 – 1981/8 : Quem tem a palavra na Igreja? N.º. 177 – 1982/7 : O papel político da Igreja.

REB/42 – REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA, Igreja: carisma e poder. Petrópolis: Ed. Vozes. junho de 1986.

DOCUMENTOS DA IGREJA LUMEN GENTIUM – Vaticano II GAUDIUM ET SPES – Vaticano II EVANGELII NUNTIANDI - 1975 REDEMPTORIS MISSIO - 1990