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Sociological Paradigms - Burell e Morgan Índice 1. Pressupostos sobre a natureza das ciências sociais.......................02 1.1As formas do debate.........................................................................05 1.1.1 Nominalismo/Realismo: o debate ontológico.............................05 1.1.2 Anti-positivismo/Positivismo: o debate epistemológico..............06 1.1.3 Voluntarismo/Determinismo: o debate sobre a natureza...........07 1.1.4 Teorias Ideográficas/Nomotéticas: o debate metodológico.......07 2. A análise dos pressupostos sobre a natureza das ciências sociais.08 3.1 Pressupostos sobre a natureza da sociedade...........................10 3.1.1 O debate sobre ordem/conflito............................................10 2.2 Regulação e mudança radical............................................17 3.2 Duas dimensões: quatro paradigmas........................................20 3.3 A natureza e os usos dos quatro paradigmas...........................22 2.3 O paradigma funcionalista...................................................25 3.3.2 O paradigma interpretativo..................................................29 3.3.3 O paradigma humanista radical...........................................31 3.3.4 O paradigma estruturalista radical.......................................33 Sociological Paradigms and Organizational Analysis London, Heinemann, 1979. Burrel, G and Morgan, G. PRESSUPOSTOS SOBRE A NATUREZA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Um aspecto central de nossa tese é a idéia de que todas as teorias sobre as organizações estão embasadas em uma filosofia das ciências e uma teoria sobre a sociedade. Neste capítulo, abordaremos o primeiro aspecto desta tese e examinaremos as diferentes abordagens sobre as ciências sociais.

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Sociological Paradigms - Burell e Morgan

Índice

1. Pressupostos sobre a natureza das ciências sociais.......................021.1As formas do debate.........................................................................05 1.1.1 Nominalismo/Realismo: o debate ontológico.............................05 1.1.2 Anti-positivismo/Positivismo: o debate epistemológico..............06 1.1.3 Voluntarismo/Determinismo: o debate sobre a natureza...........07 1.1.4 Teorias Ideográficas/Nomotéticas: o debate metodológico.......072. A análise dos pressupostos sobre a natureza das ciências sociais.08 3.1 Pressupostos sobre a natureza da sociedade...........................10 3.1.1 O debate sobre ordem/conflito............................................102.2 Regulação e mudança radical............................................17 3.2 Duas dimensões: quatro paradigmas........................................20 3.3 A natureza e os usos dos quatro paradigmas...........................222.3 O paradigma funcionalista...................................................25 3.3.2 O paradigma interpretativo..................................................29 3.3.3 O paradigma humanista radical...........................................31 3.3.4 O paradigma estruturalista radical.......................................33

Sociological Paradigms and Organizational AnalysisLondon, Heinemann, 1979.Burrel, G and Morgan, G.

PRESSUPOSTOS SOBRE A NATUREZA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Um aspecto central de nossa tese é a idéia de que todas as teorias sobre

as organizações estão embasadas em uma filosofia das ciências e uma teoria

sobre a sociedade. Neste capítulo, abordaremos o primeiro aspecto desta tese e

examinaremos as diferentes abordagens sobre as ciências sociais.

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Argumentaremos que é conveniente conceber as ciências sociais em termos de

quatro conjuntos de pressupostos referentes à ontologia, à epistemologia, à

natureza humana e à metodologia.

Todo cientista social aborda sua disciplina através de pressupostos

explícitos ou implícitos sobre a natureza do mundo social e a maneira como este

pode ser investigado. Primeiramente temos pressupostos de natureza

ONTOLÓGICA, pressupostos que concernem a própria essência do fenômeno

sob investigação. Por exemplo, os cientistas sociais terão que enfrentar a

questão ontológica básica: se a “realidade” é algo externo ao individuo –

impondo-se a consciência “de fora” – ou se é um produto da própria consciência;

se a “realidade” tem uma natureza objetiva ou se é produto de cognição

individual; se a “realidade” é um dado externo ou se é um produto da nossa

mente.

Associado a essa questão ontológica, há um segundo conjunto de

pressupostos de natureza EPISTEMOLÓGICA. São pressupostos que

concernem as bases do conhecimento: como podemos compreender o mundo e

comunicar este conhecimento aos outros. Tais pressupostos estão embasados

em noções tais como as formas possíveis de conhecimento ou a possibilidade de

distinção entre o falso e o verdadeiro. Na verdade, a própria distinção entre o

falso e o verdadeiro em si já pressupõem uma determinada postura

epistemológica. Está embasada em uma visão específica sobre a natureza do

conhecimento: por exemplo, se é possível conceber o conhecimento como um

dado “hard”, real e capaz de ser transmitido de forma tangível ou se o

conhecimento tem um caráter mais “soft”, subjetivo, espiritual e até mesmo

transcendental, decorrente da experiência do insight de uma individualidade

única e essencialmente pessoal. Os pressupostos epistemológicos nestas duas

posturas determinam posturas extremadas sobre a questão da possibilidade do

conhecimento, de um lado, ou, de outro lado, do conhecimento como experiência

puramente subjetiva.

Associado às questões ontológicas e epistemológicas – mas

conceitualmente distinto – surge um terceiro conjunto de pressupostos referentes

à NATUREZA HUMANA e, mais especificamente, sobre a relação entre o

homem e o ambiente. É óbvio que as ciências sociais como um todo tem que

estar embasadas em tais pressupostos, uma vez que o Homem é o sujeito e o

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objeto da sua indagação. Podemos identificar perspectivas em ciências sociais

que estão embasadas em uma visão de homem que implica em uma resposta

mecanicista, ou mesmo determinista, às situações encontradas no mundo

externo. Nesta visão, os homens e suas experiências são produtos do ambiente,

condicionados pelas circunstancias externas. Tal perspectiva extrema pode ser

contrastada com outra que atribue aos seres humanos um papel mais criativo;

perspectiva esta onde a vontade (free will) ocupa, o centro do palco; onde o

homem é visto como sendo criador de seu ambiente; senhor em oposição a

marionete. Nestas duas visões opostas esta embutido um importante debate

filosófico entre os partidários do determinismo, de um lado, e do voluntarismo, de

outro. Embora existam posições extremadas, grande parte das teorias sociais,

como veremos a seguir, adotam posturas situadas mais ao meio do campo deste

debate.

Os três conjuntos de pressupostos até agora mencionados tem implicações

de natureza METODOLOGICA. Cada um deles tem importantes conseqüências

quanto à forma de investigação e obtenção de conhecimento sobre o mundo

social. Ou seja, os diferentes pressupostos sobre ontologia, epistemologia ou

natureza humana levam a adoção de metodologias também diferenciadas entre

si. As possibilidades de escolha são, de fato, tão numerosas que o que é

considerado como CIÊNCIA pelos cientistas tradicionais cobre apenas uma

parcela restrita das opções possíveis. Por exemplo, podemos identificar

metodologias nas ciências sociais que tratam dos fenômenos sociais como se

fossem fenômenos do mundo da natureza: como dados “hard”, reais, externos; e

outras metodologias que atribuem a estes fenômenos qualidades “soft”, pessoais

e mais subjetivas.

Se subscrevermos à postura onde o mundo social é visto como uma

realidade externa e objetiva, o empreendimento cientifico resultante

provavelmente focalizará a analise das relações e regularidades entre os seus

elementos constitutivos. A preocupação central será então de identificar e definir

tais elementos e descobrir formas de expressar estas relações. As questões

metodológicas estarão centradas na definição dos conceitos, sua medida e

identificação dos temas subjacentes. Tal perspectiva se expressa

primordialmente na busca de leis universais que expliquem e governem a

realidade sob observação.

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Se subscrevermos à postura alternativa, com sua ênfase na importância da

experiência subjetiva para a criação do mundo social, a busca de compreensão

estará centrada em outras questões e as abordará de forma distinta. A

preocupação central será a compreensão das formas em que o individuo cria,

modifica e interpreta seu mundo. Em casos extremos, a ênfase será na

explicação e compreensão do que é único e particular e não no geral e universal.

Uma tal abordagem questionaria a própria existência de uma realidade externa.

Em termos metodológicos, esta seria uma abordagem que enfatizaria a natureza

relativística do mundo social podendo mesmo ser considerada anti-científica

quando referida às regras básicas em uso comum nas ciências sociais.

Figura 1

Nominalismo Ontologia Realismo

Anti-positivismo Epistemologia Positivismo

VoluntarismoNatureza humana

Determinismo

Ideográfico Metodologia Nomotético

Abordagem subjetivista às ciências sociais

A abordagem objetiva às ciências sociais

A dimensão subjetivo-objetivo

Nesta rápida esquematização das diversas posturas ontológicas,

epistemológicas, humanas e metodológicas que caracterizam as abordagens em

ciências sociais, procuramos ilustrar duas perspectivas amplas e de certa forma

polarizadas. A FIGURA 1 procura retratar estas posturas de forma mais rigorosa

em termos do que se convencionou chamar aqui da dimensão subjetiva-objetiva.

Nela são identificados os quatro conjuntos de pressupostos relevantes para a

compreensão das ciências sociais, cada um dos quais sendo caracterizado pelo

rótulo descritivo sob o qual tem sido objeto de debate na filosofia social. A seguir,

faremos uma revisão dos quatro debates de forma breve, porém sistemática.

1.1. AS FORMAS DO DEBATE

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1.1.1. Nominalismo/Realismo: o debate ontológico

Estes termos tem sido alvo de muita discussão na literatura

especializada e estão cercados de controvérsias. A posição nominalista gira

em torno de pressupostos que o mundo social externo à cognição individual é

meramente constituído de nomes, conceitos e rótulos usados para estruturar a

realidade. Os nominalistas não aceitam a existência de uma estrutura neste

mundo descrito através destes conceitos. Os “nomes” são considerados como

criações artificiais cuja utilidade está baseada na sua conveniência como

instrumentos (tools) para a descrição, o “dar sentido” e a negociação do mundo

externo. O nominalismo frequentemente é equacionado com o

convencionalismo, e nós, aqui, não faremos distinção entre eles.

O realismo, de outro lado, postula que o mundo, externo a cognição

individual, é um mundo real composto por estruturas “hard”, tangíveis e

relativamente imutáveis. Tais estruturas, dizem os realistas, existem como

entidade empíricas independentemente de serem por nós rotuladas ou

percebidas. Podemos, mesmo, não estar cientes da existência de certas

estruturas cruciais e, consequentemente, não ter “nomes” ou conceitos com os

quais articulá-las. Para o realista, o mundo social existe independentemente da

consciência individual. O individuo, desta forma, nasce e vivencia um mundo

social que tem uma realidade própria. Não é algo criado pelo indivíduo – existe

“lá fora”; do ponto de vista ontológico é anterior a existência e consciência de

qualquer ser humano tomado individualmente. Para o realista o mundo social

tem uma existência tão “hard” e concreta quanto o mundo da natureza.

1.1.2.Anti-positivismo/positivismo: o debate epistemológico

Muitos sustentam que o termo “positivista”, tal como aconteceu com

“burgueses” tornou-se mais um epíteto depreciador do que um conceito

descritivo útil. Entretanto, é nossa intenção aqui usá-lo como conceito

descritivo para caracterizar um determinado tipo de epistemologia. A maioria

das descrições correntes do positivismo referem-se a uma ou mais dimensões

do nosso esquema para a análise dos pressupostos sobre as ciências sociais.

O positivismo é, também, erroneamente equacionado ao empirismo. Tal

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mistura obscurece as questões básicas e contribue para o uso do termo de

forma depreciativa.

Usaremos “positivismo” aqui para caracterizar epistemologias que

procuram explicar e predizer o que acontece no mundo social através da busca

de regularidades e de relações causais entre seus elementos constitutivos. A

epistemologia positivista está essencialmente ambasada nas abordagens

tradicionais predominantes nas ciências naturais. Os positivistas poderão diferir

no que diz respeito aos detalhes de sua abordagem. Por exemplo, alguns

reinvidicam que as regularidades hipotéticas podem ser verificadas através de

um programa experimental adequado. Outros contestam que as hipóteses

podem somente ser falsificadas, mas jamais demonstradas verdadeiras.

Entretanto, ambos, os verificacionistas e os falsificacionistas aceitam que o

crescimento do conhecimento é essencialmente um processo cumulativo no

qual novos insights são somados ao estoque de conhecimento já existente

sendo as hipóteses falsas eliminadas.

A epistemologia do anti-positivismo poderá assumir formas variadas mas

contestará, sempre, a utilidade da busca de leis ou de regularidades

subjacentes no mundo social. Para o anti-positivista o mundo social é

essencialmente relativístico e só pode ser compreendido a partir da

perspectivas dos indivíduos que estão diretamente envolvidos nas atividades

sob estudo. Os anti- positivistas rejeitam que o ponto de vista do “observador”,

característico da epistemologia positivista, seja uma posição vantajosa para a

compreensão das atividades humanas. Eles sustentam que a compreensão só

é possível quando se ocupa o quadro de referência do participante na ação. É

preciso compreender “de dentro’ e não de “fora”. Do ponto de vista das ciências

sociais este é um empreendimento essencialmente subjetivo e não objetivo. Os

anti-positivistas tendem a rejeitar a noção de ciência que gera conhecimentos

objetivos.

1.1. 3.Voluntarismo/determinismo: o debate sobre a natureza

humana

Este debate gira em torno da questão do modelo de homem imbricado

em uma determinada teoria social científica. Podemos identificar, em um dos

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extremos, a visão determinista que considera o homem e suas atividades como

sendo totalmente determinadas pela situação ou “ambiente” em que está

situado. No outro extremo podemos identificar a visão voluntarista segundo a

qual o homem é completamente autônomo e sujeito ao seu livre arbítrio. Na

medida em que as ciências sociais preocupam-se em entender as atividades

humanas, elas deverão inclinar-se, implícita ou explicitamente, para um destes

pontos de vista, ou adotar uma postura intermediaria que permita a influência

de ambos, fatores situacionais e voluntários, ao dar conta das atividades dos

seres humanos. Tais pressupostos são elementos essenciais das teorias

sociais cientificas, dado que eles definem em termos gerais a natureza das

relações entre o homem e a sociedade em que ele vive.

1.1.4.Teorias ideográficas/nomotéticas:o debate

metodológico

A abordagem ideográfica em ciências sociais está embasada na visão

segundo a qual só é possível compreender o mundo social através do

conhecimento de primeira mão do sujeito sob investigação. Desta forma,

enfatiza a necessidade de aproximação com o sujeito e de explorar

detalhadamente o seu background e sua história de vida. A abordagem

ideográfica enfatiza a análise dos relatos subjetivos gerados através de um

“entrar dentro” das situações e do envolvimento pessoal no curso do cotidiano

da vida – em suma, a análise detalhada dos insights gerados por tais encontros

com nossos sujeitos e os insights obtidos a partir dos relatos impressionistas

encontrados em biografias e fontes jornalísticas. O método ideográfico enfatiza

a importância de permitir que nossos sujeitos expressem suas naturezas e

características durante o processo de investigação.

A abordagem nomotética em ciências sociais enfatiza a importância de

embasar a pesquisa em protocolos e técnicas sistemáticas. Seu paradigma é a

abordagem e os métodos das ciências sociais naturais, que focalizam o

processo de teste de hipóteses a partir dos cânones do rigor cientifico. Sua

preocupação central é com a elaboração de testes científicos e de técnicas

quantitativas para a análise dos dados assim gerados. Dentre o instrumental

utilizado nas metodologias nomotéticas encontram-se os surveys, os

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questionários, os testes de personalidade e instrumentos padronizados os mais

variados.

2. ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS SOBRE A NATUREZA DAS

CIÊNCIAS SOCIAIS

Estes quatro conjuntos de pressupostos constituem um instrumento

valioso para a análise da teoria social. De forma geral há, na literatura, uma

tendência a fundir as questões ai envolvidas. Desejamos propor, aqui, que há

consideráveis vantagens em manter estes quatro elementos do debate social-

científico analiticamente distintos. Embora na prática tenda a haver uma forte

inter-relação entre as posições adotadas em cada um destes quatro elementos,

os pressupostos sobre cada um podem variar consideravelmente. Vale a pena

examinar esta questão mais detalhadamente.

As posições extremas em cada um dos quatro elementos considerados

estão refletidas nas duas tradições intelectuais que predominaram nos últimos

duzentos anos. A primeira destas tende a ser denominada de “positivismo

sociológico”. Trata-se da tentativa de aplicação dos modelos e métodos

próprios das ciências da natureza ao estudo dos afazeres humanos. Pensa-se

o mundo social como se fosse o mundo natural, adotando-se uma abordagem

ontológica “realista”. Isto é reforçado pelo uso de uma epistemologia

“positivista”, por visões relativamente deterministas sobre a natureza humana e

pelo uso de metodologias “nomotéticas”.

A segunda tradição dominante remete ao Idealismo alemão e constitue-

se em total oposição a primeira. Está embasada na premissa de que a

realidade última do universo é o “espírito” ou a “idéia” e não os dados da

percepção sensorial. Adota uma postura essencialmente “nominalista” em sua

abordagem da realidade social. Em contraste com as ciências da natureza,

enfatiza o caráter essencialmente subjetivo dos afazeres humanos, negando,

pois, a utilidade ou relevância dos métodos das ciências naturais para o estudo

dos fenômenos nesta esfera. Metodologicamente é “anti-positivista”, e

voluntarista no que diz respeito a natureza humana e favorece os métodos

ideográficos como fundamento das ciências sociais. Desta forma, o positivismo

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sociológico e o idealismo alemão caracterizam os extremos objetivo e subjetivo

do modelo proposto.

Muitos sociólogos e teóricos das organizações foram formados dentro da

tradição do positivismo sociológico não tendo sido expostos aos dogmas do

idealismo alemão. As ciências sociais, para eles, são congruentes com a

constelação de pressupostos que caracterizam o extremo objetivista de nosso

modelo. Entretanto, nos últimos setenta anos tem havido uma crescente

interação entre estas duas tradições, especialmente ao nível sócio-filosófico.

Como resultado surgiram posições intermediárias, cada uma das quais tem sua

configuração especifica de pressupostos sobre a natureza das ciências sociais.

Todas estas posturas têm gerado teorias, idéias e abordagens características

de suas posições intermediarias. Como argüiremos mais tarde, os

desenvolvimentos na fenomenologia sociológica, etnometodologia e na teoria

da ação, precisam ser entendidos a partir desta perspectiva. Estas novas

abordagens, além dos insights específicos, tem sido frequentemente usadas

como trampolim para a crítica ao positivismo sociológico gerando um intenso

debate entre escolas rivais. A natureza destes debates só pode ser

compreendida pela análise dos pressupostos subjacentes aos diferentes

pontos de vista.

Alegamos que o esquema analítico aqui apresentado permite fazer

justamente isto. Não se trata de um artifício de classificação, mas de um

instrumento importante de negociação na teoria social. Ele chama a atenção

para pressupostos chaves. Ele permite focalizar as questões especificas que

diferenciam as diferentes abordagens sócio-científicas. Ele permite analisar o

grau de consistência entre os quatro conjuntos de pressupostos sobre as

ciências sociais que caracterizam o ponto de vista de qualquer teoria. Esta é,

pois, a primeira das dimensões de nosso esquema para a análise das teorias

em geral e das teorias organizacionais em específico. Por conveniência, nos

referimos a ela como dimensão “subjetiva-objetiva”, dois rótulos que parecem

capturar bem os pontos em comum entre os quatro conjuntos de pressupostos.

2.1Pressupostos sobre a natureza da sociedade

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Todas as abordagens utilizadas no estudo da sociedade estão localizadas

em um determinado quadro de referência. Diferentes teorias tendem a refletir

perspectivas diferentes, eleger questões e problemas para estudo, e estar

embasadas em um conjunto de pressupostos que refletem uma visão particular

sobre a natureza do fenômeno sob investigação. Os últimos vinte anos têm

sido marcados por tentativas variadas por parte dos sociólogos de separar as

diversas escolas de pensamento e os pressupostos meta-teóricos por elas

refletidos.

2.1.1 O debate sobre ordem/conflito

Dahrendorf (1959) e Lockwood (1956), por exemplo, procuraram

distinguir as abordagens sociológicas que procuraram centrar-se na explicação

da natureza da ordem e do equilíbrio social daquelas que se preocuparam mais

com os problemas da mudança, conflito e coerção nas estruturas sociais. Tal

distinção tem sido o centro das atenções naquilo que se convencionou chamar

de debate sobre a ordem/conflito.

Os teóricos da “ordem” ultrapassam em número os teóricos do “conflito”,

e, como observou Dawe, “a tese de que a sociologia tem como preocupação

central o problema da ordem social tornou-se uma das poucas ortodoxias desta

disciplina. Constitui a premissa básica de muitos balanços sobra teorias

sociológicas que, em outros aspectos, diferem consideravelmente quanto aos

objetos e perspectivas (Dawe, 1970, p. 207).

Muitos sociólogos atualmente consideram este um debate morto ou até

mesmo um não-debate (Cohen, 1986; Silverman, 1970; Van der Berghe, 1969).

Influenciados pelo trabalho doa autores como Coser (1956), que apontaram

para os aspectos funcionais do conflito social, os sociólogos tem sido capazes

de incorporar o conflito como uma das variáveis no âmbito de teorias

orientadas primordialmente à explicação da ordem social. A abordagem

proposta por Cohen, por exemplo, ilustra este fato claramente. Ele toma o

trabalho de Dahrendorf como ponto de partida e elabora algumas das idéias

centrais do debate sobre ordem/conflito de forma a construir dois modelos de

sociedade caracterizados por conjuntos rivais de pressupostos, um atribuindo

aos sistemas sociais às características de compromisso, coesão, solidariedade,

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consenso, reciprocidade, co-operação, integração, estabilidade e persistência;

e o outro, as características de coerção, divisão, hostilidade, dissenção,

conflito, má-integração e mudança (Cohen, 1968, pp 166-7).

A critica principal de Cohen é que Dahrendorf estaria equivocado ao

tratar os modelos de ordem e conflito como modelos totalmente separados. Ele

considera que é possível para as teorias incorporarem elementos de ambos os

modelos e que não é necessário que optemos por um ou por outro modelo.

Deste ponto de vista, a questão da ordem ou conflito passa a ser meramente

lados de uma mesma moeda; não sendo mutuamente exclusivos, não há

necessidade de harmonizá-los. A força do argumento é tal que foi instrumental

em desviar a atenção do debate sobre ordem/conflito. Na esteira do chamado

movimento de contra-cultura dos anos sessenta e do insucesso da revolução

de 1968 na França, os sociólogos ortodoxos se tornaram muito mais

interessados e preocupados com os problemas do “individuo” em

contraposição aos problemas da “estrutura” social. Os movimentos subjetivistas

tais como a fenomenologia, a etnometodologia e a teoria da ação, aos quais no

referimos no capitulo anterior, tornaram-se mais atraentes e merecedores de

atenção. Consequentemente, sob o impacto das questões emergentes sobre a

filosofia e o método das ciências sociais, o debate sobre ordem/conflito perdeu

seu interesse.

Nossa alegação, aqui, é de que se formos rever as origens intelectuais e

fundamentos deste debate, seremos obrigados a concluir que ele morreu uma

morte prematura. Dahrendorf e Lockwood procuraram revitalizar a obra de

Marx através de seus escritos e devolve-la ao papel central que lhe cabe na

teoria sociológica. De modo geral Marx tem sido relativamente ignorado pelos

sociólogos ficando a influencia principal por conta de Durkheim, Weber e

Pareto. É importante notar, neste contexto, que estes três sociólogos foram

todos eles preocupados com a questão da ordem social; é justamente Marx

que se preocupa com o papel do conflito como força motriz na mudança social.

Colocando desta forma o debate sobre ordem/conflito está perpassado pelas

diferenças entre as perspectivas e preocupações dos principais teóricos sociais

do século dezenove e começo do século vinte. A sociologia moderna limitou-se

a articular e desenvolver os temas introduzidos por estes pioneiros da analise

social. Dizer que o debate sobre ordem/conflito está morto, ou é um não-

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debate, é menosprezar, se não ignorar, as diferenças substantivas entre a obra

de Marx e, por exemplo, de Durkheim, Weber e Pareto. QAualquer pessoa que

esteja familiarizado com o trabalho destes autores e esteja ciente da profunda

divergência entre marxismo e a sociologia, terá que admitir que há, ai,

diferenças substantivas que estão longe de estarem reconciliadas.

Neste capitulo, portanto, procuraremos reavaliar a questão da

ordem/conflito com o objetivo de definir uma dimensão crucial que possibilite a

analise dos pressupostos sobre a natureza da sociedade subjacentes às

diferentes teorias sociais. Para tal, retornaremos a obra de Dahrendorf, que

busca caracterizar as oposições no seguintes termos: “a teoria integrativa da

sociedade , exemplificada pela obra de Parsons e outros estruturalistas-

funcionalistas, está fundamentada em alguns pressupostos tais como:

1. toda sociedade é uma estrutura de elementos, relativamente persistente

e estável;

2. toda sociedade é uma estrutura integrada de elementos;

3. todo o elemento em uma sociedade tem uma função, isto é, tem sua

contribuição para sua manutenção como sistema;

4. toda estrutura social operante embasada no consenso de seus membros

sobre os valores.

O que denominei de teoria de coerção da sociedade também pode ser reduzida

a alguns princípios básicos, embora também aqui estes pressupostos

representem uma simplificação e um exagero:

1. toda sociedade está a todo o momento sujeita a processos de mudança; a

mudança sócia é onipresente;

2. toda sociedade exibe, a todo o momento, dissenso e conflito o conflito social

é onipresente;

3. todo elemento em uma sociedade contribui para sua desintegração e

mudança;

4. toda sociedade está embasada na coerção de alguns membros sobre os

demais”. (Dahrendorf, 1959, pp 160-2)

Os adjetivos opostos sugeridos pelo esquema de Dahrendorf para

distinguir entre as abordagens para o estudo da sociedade podem ser

agrupados em forma de uma tabela:

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Tabela 2.1

Duas teorias sobre a sociedade: ordem e conflitoA visão de ordem ou visão a visão de conflito ouIntegrativa enfatiza coerção enfatizaEstabilidade Mudança Integração ConflitoCoordenação funcional Desintegração Consenso Coerção

Esta conceitualização, como o próprio Dahrendorf admite, é uma

simplificação e, embora forneça um instrumental útil para entender as

diferenças entre as duas perspectivas, permite interpretações errôneas dado

que os diferentes adjetivos têm significados diferentes para diferentes pessoas.

Isto fica evidente ao considerarmos o tratamento dispensado à noção de

conflito na literatura sociológica. Por exemplo, após a demonstração das

funções do conflito social por Coser, o papel do conflito como mecanismo de

integração passou a ser alvo de atenções, e a própria noção de “conflito”

passou a ser incorporada a noção de integração. Ou seja, a dimensão de

ordem/conflito proposta por Dahrendorf foi convencionalmente enxugada a tal

ponto que foi absorvida pela questão central da sociologia tradicional – a

preocupação com a explicação da ordem. A falácia desta postura fica

evidenciada quando se consideram formas extremas de conflito, como conflitos

de classe, revolução e guerra, que só podem ser incorporadas pelo modelo

integracionalista através de um vôo da imaginação. Tais exemplos sugerem

que é ilusório procurar equiparar este tipo de conflito macroestrutural com o

conflito funcional descrito por Coser. Há aqui, uma questão importante de grau,

que evidencia os perigos da dicotomização da integração e conflito; na

verdade, a distinção entre os dois está mais próxima a um continuum do que é

reconhecido pela maioria dos sociólogos.

Outro elemento problemático do esquema de Dahrendorf é a distinção

entre consenso e coerção. Num primeiro momento a distinção parece obvia e

clara, focalizando os valores compartilhados de uma lado, e a imposição de

algum tipo de força (poder) de outro. Uma analise mais cuidadosa, entretanto,

revela certa ambigüidade. De onde vêm estes valores compartilhados? Eles

são desenvolvidos autonomamente ou são imposições de certos membros da

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sociedade sobre os demais? Ou seja, abre-se a possibilidade de que o

consenso seja o produto do uso de algum tipo de força coercitiva.

Por exemplo, como aponta C. Wright Mills, “o que Parsons e outros

grandes teóricos denominaram “orientações de valor” e “estruturas normativas”

nada mais são que símbolos centrais de legitimação” (1959, p. 46).

A estrutura normativa, neste sentido – aquilo que Dahrendorf chama de

consenso – torna-se um sistema de legitimação da estrutura de poder. Para

Mills ele reflete a realidade da dominação. Em outras palavras, os valores

compartilhados podem ser visualizados tanto como um indicador do grau de

integração de uma sociedade determinada, quanto como uma medida de

sucesso das forças de dominação em uma sociedade propensa à

desintegração. Assim, de um ponto de vista, as idéias compartilhadas, valores

e normas existentes são algo a ser preservado; de outros ponto de vista, eles

representam modos de dominação dos quais o homem deve ser liberado,

Desta forma, vê-se que a dimensão de consenso/coerção focaliza, de fato, à

questão do controle social. No esquema de Dahrendorf, o consenso –

independentemente de como é alcançado – é visto como sendo independente

da coerção. A nosso ver esta postura é errônea uma vez que, como sugerido

anteriormente, ela ignora a possibilidade de formas de coerção que emergem

através do controle do sistema de valores.

Ao distinguir entre estabilidade e mudança como aspectos dos modelos

de ordem e conflito, Dahrendorf, mais uma vez, abre a possibilidade de

interpretações errôneas, mesmo quando ele declara explicitamente que não

está propondo que a teoria da ordem implique na premissa de que as

sociedades são estáticas. O que ele procura fazer é demonstrar como as

teorias funcionalistas estão fundamentalmente centradas nos processos que

possibilitam a manutenção do sistema. Ou seja, as teorias funcionalistas são

consideradas estáticas por centrarem-se na explicação do status quo.

Neste sentido, as teorias do conflito são substancialmente diferentes;

elas estão comprometidas com, e procuram explicar, o processo e a natureza

das mudanças estruturais profundas na sociedade ao invés de focalizar

mudanças mais superficiais e efêmeras. A categorização de Dahrendorf no que

diz respeito à estabilidade e mudança perde a força na medida em que todas

as teorias funcionalistas reconhecem mudança e visualizam-na como um dado

14

Page 15: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

empírico obvio da vida cotidiana. Poderia ser argumentado que seria

necessário buscar novos rótulos para expressar as dimensões sugeridas por

Dahrendorf: em primeiro lugar, que a perspectiva da ordem é primordialmente

orientada para o status quo; em segundo lugar, que esta perspectiva acessa

uma ‘mudança’ substancialmente diferente da mudança em que estão

centradas as teorias do conflito.

As noções de coordenação funcional e desintegração, proposta por

Dahrendorf, constituem poderosos elementos para a diferenciação das

perspectivas de ordem e conflito. Entretanto, aqui também há margem para

interpretações errôneas. O conceito de integração, tal como utilizado por

Dahrendorf, é derivado da preocupação dos funcionalistas como a contribuição

dos elementos de um dado sistema ao sistema como um todo. Isto representa,

em vários sentidos, uma simplificação exagerada. Merton (1984) por exemplo,

introduziu a noção de função manifesta e latente, algumas das quais podem

ser disfuncionais do ponto de vista do sistema. Também Gouldner (1959),

escrevendo pouco depois da publicação da edição alemã da obra de

Dahrendorf, sugere que partes variadas dos sistemas poderão ter um alto grau

de autonomia contribuindo pouco para a integração do sistema como um todo.

Desta forma o termo “coordenação funcional” é uma simplificação e, tendo em

vista a experiência de pontos de vista tais como apontados anteriormente, no

seio das escolas funcionalistas, não é nada surpreendente que o conceito de

desintegração tenha sido encampado pela perspectiva funcionalista. A

“desintegração” pode, portanto, ser considerada como um conceito

integracionalista e, tal como aconteceu com outros aspectos do esquema de

Dahrendorf, esta dimensão tem sido frequentemente enxugada de seus

significados mais amplos e trazida para o seio das teorias da ordem. Por estas

razoes, teria sido mais esclarecedor se a posição assumida pelas teorias do

conflito tivesse sido expressa em termos mais radicais e mais característicos.

Empregar, por exemplo, a noção de contradição e de incompatibilidades

básicas entre os diferentes elementos da estrutura social, implícitos na teoria

marxista. A contradição implica em heterogeneidade, desequilíbrio e em forças

sociais essencialmente antagonisticas e divergentes. Localiza-se, portanto, no

pólo oposto do conceito de “coordenação funcional”, que necessariamente

pressupõem a compatibilidade básica entre os elementos de um dado sistema.

15

Page 16: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

Argumentar que o conceito de contradição pode ser subsumido pela análise

funcionalista requer um ato de fé ou, minimamente, um vôo da imaginação.

A obra de Dahrendorf foi extremamente útil no sentido de ter identificado

importantes elementos constitutivos que diferenciam os teóricos da ordem dos

teóricos do conflito. Entretanto, como demonstrado aqui, as distinções feitas

entre as duas meta-teorias não são suficientes. Mais especificamente, os

debates realizados nestes últimos vinte anos indicam que a caracterização da

perspectiva do conflito não foi suficientemente radical a ponto de evitar a

confusão desta com a perspectiva da ordem. Isto possibilitou que os teóricos

da ordem enfrentassem o desafio para o seu quadro de referência

representado pelo esquema de Dahrendorf. Isto pode ser melhor visualizado

referindo-nos ao trabalho de Cohen (1968) mencionado anteriormente.

Ao defender seu ponto de vista, Cohen parece ter interpretado

erroneamente a distinção entre os dois modelos. Sua interpretação dos

conceitos aproxima as diferentes variáveis de forma tal que elas podem ser

consideradas como sendo compatíveis. Na verdade a sua análise reflete antes

de mais nada a tentativa de incorporar o modelo de conflito às teorias

contemporâneas da ordem. Desta forma ele perde de vista o radicalismo

essencial da perspectiva do conflito podendo, assim, concluir que os dois

modelos não são mutuamente exclusivos e, portanto não precisam ser

reconciliados. Ele argumenta que os dois modelos não constituem alternativas

reais e efetivamente acaba por sugerir que um é apenas recíproco do outro.

Ele consegue, portanto, deixar o tema central do livro de Dahrendorf – o

problema da ordem – intocado. A incorporação do conflito nos limites do

modelo da ordem des-enfatiza sua relevância.

Coerente com análise feita anteriormente, argumentamos que a tentativa

de redução dos dois modelos a denominadores comuns leva a ignorar suas

diferenças fundamentais. Uma teoria do conflito embasada no conflito estrutural

profundo e centrada na transformação radical da sociedade não pode ser

compatível com uma perspectiva funcionalista. As diferenças entre estas

perspectivas são consequentemente importantes e merecedoras de serem

enfatizadas em qualquer análise das teorias sociais.

Retroativamente, é possível perceber que muitas das interpretações

errôneas surgiram pelo fato de que os modelos na analise de Dahrendorf não

16

Page 17: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

foram suficientemente diferenciadores. O que propomos, portanto, é a

introdução de modificadores que permitam articular as diferenças de forma

mais explicita e radical. Dado que grande parte da confusão deve-se a

ambigüidade dos termos descritivos gostaríamos de sugerir o uso de uma

terminologia diferente.

2.1. 2.Regulação e mudança radical

A análise realizada sugere que a distinção entre ordem e conflito é a

mais problemática. Sugerimos, portanto, sua substituição por “regulação” e

“mudança radical”.

Introduziremos o termo “sociologia da regulação”para caracterizar as

teorias primordialmente centradas na explicação da sociedade através de

termos que enfatizam sua unidade subjacente e sua coesão. É uma sociologia

voltada à questão da necessidade de regulação dos afazeres humanos: as

questões que coloca focalizam a necessidade de compreensão do porque a

sociedade se mantém como entidade: por que se mantém como unidade ao

invés de se esfacelar.

Interessa-se pela compreensão das forças sociais que impedem que a

visão Hobbesiana de “guerra de todos contra todos” se torne uma realidade. A

obra de Durkheim, com sua ênfase na natureza da coesão e solidariedade

sociais, é um exemplo claro e compreensivo da preocupação com uma

sociologia da regulação.

A “sociologia da mudança radical” contrapõem-se a da regulação em

função de sua preocupação central em explicar mudança radical, conflitos

estruturais subjacentes, modos de dominação e contradições estruturais

considerados característicos da sociedade moderna. É uma sociologia voltada

a emancipação do homem das estruturas que limitam e impedem seu potencial

para o desenvolvimento. Suas questões básicas centram-se nas privações,

materiais e psíquicas (simbólicas), do homem. É frequentemente visionaria e

utópica dado que se volta tanto ao potencial quanto ao real (actuality); focaliza-

se o que é possível e não o que é; nas alternativas e não no status quo. Neste

sentido está tão distanciada da sociologia da regulação quanto a sociologia de

Marx da sociologia de Durkheim.

17

Page 18: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

A distancia entre estas duas sociologias pode ser melhor visualizada em

forma diagramática onde pontos de vista extremos são contrapostos de forma a

enfatizar suas diferenças essenciais. A tabela 2.2 sintetiza a situação.

Propomos a regulação/mudança radical como a segunda dimensão crucial do

nosso esquema para a análise das teorias sociais. Lado a lado coma dimensão

subjetiva/objetiva discutida no capitulo anterior serve como um meio poderoso

de identificação e analise dos pressupostos subjacentes às teorias sociais de

forma geral.

As noções de regulação e mudança radical foram aqui apresentadas de

forma rudimentar e extrema. Os dois modelos ilustrados na tabela 2.2 devem,

pois ser vistos como formulações do tipo-ideal. Os sete elementos identificados

caracem de uma análise mais rigorosa e sistemática através da qual sua forma

e natureza pudessem ser detalhadas. Deixaremos este detalhamento para ser

feito em capítulos posteriores. Aqui serão consideradas apenas as

interrelacoes mais gerais entre as sociologias da regulação e mudança radical.

Consideramos que eles representem pontos de vista fundamentalmente

distintos sobre a natureza da sociedade; que refletem quadros de referencia

essencialmente distintos; que representam, portanto, modelos alternativos para

a análise dos processos sociais.

Apresentar os modelos desta forma é ficar aberto ao tipo de criticas

feitas ao trabalho de Dahrendorf. Por exemplo, poderia ser sugerido que os

dois modelos são recíprocos – apenas dois lados de uma mesma moeda – e

que a interrelação dos sub-elementos de cada modelo não necessita ser

congruente, ou seja, a analise poderia focalizar elementos de ambos os

modelos.

A resposta a estas críticas segue as linhas de nossa defesa do trabalho

de Dahrendorf. A junção dos dois modelos ao seu tratamento como se fossem

variações sobre um mesmo tema é uma forma de ignorar, ou pelo menos

diminuir, suas diferenças fundamentais. Embora seja possível diluir os dois

modelos num meio de campo qualquer, eles deverão permanecer

essencialmente separados dado estarem embasados em pressupostos que se

opõe. Desta forma, discutir as funções do conflito social é comprometer-se com

uma sociologia da regulação em oposição a uma sociologia da mudança

radical. Não importa o quanto nossa postura se aproxime do meio do campo,

18

Page 19: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

ainda assim será necessário um comprometimento com um ou outro lado da

questão. As diferenças fundamentais entre os dois modelos ficarão mais claras

à medida que nos reportemos às suas origens intelectuais e escolas

representativas em capítulos posteriores. Concebemos estas duas

perspectivas sociológicas como dimensões polares, reconhecendo, assim, que

a despeito das variações possíveis no contexto de cada modelo, as duas

perspectivas são essencialmente distintas e separadas uma da outra.

Tabela 2.2

A dimensão da regulação-mudança radical Preocupações da sociologia Preocupações da sociologia da regulação da mudança radicalo status quo mudança radicalordem social conflito estruturalconsenso modos de dominaçãointegração e coesão social contradição solidariedade emancipaçãosatisfação das necessidades privação realidade potencialidade

Notas:

Consenso: concordância voluntária e espontânea

Satisfação das necessidades: usado para referir-se à ênfase na satisfação das

necessidades do individuo ou do sistema. A sociologia da regulação pressupõe

que diversas características da sociedade podem ser explicadas em função

destas necessidades. Pressupõem, ainda, que é possível identificar e

satisfazer as necessidades humanas no contexto do sistema social existente e

que a sociedade reflete estas necessidades. O conceito de privação, de outro

lado, está enraizado na noção de que o sistema social impede a realização dos

desejos, a privação em si sendo decorrente do status quo. O sistema social,

portanto, não satisfaz as necessidades, destruindo a possibilidade de

realização. Está enraizado, em ultima análise, na noção de que a sociedade é

o resultado de privações e não de ganhos.

3.Duas dimensões: quatro paradigmas

Nos dois capítulos anteriores focalizamos alguns dos pressupostos que

caracterizam as diferentes abordagens em teoria social. Argumentamos ser

19

Page 20: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

possível analisar tais abordagens à luz de duas dimensões chaves, cada qual

subsumindo, por sua vez, uma serie de temas correlatos. Sugerimos que os

pressupostos sobre a natureza das ciências sociais podem ser pensados em

termos da dimensão subjetivo/objetivo, e os pressupostos sobre a natureza das

ciências sociais em termos da dimensão regulação/mudança radical. Neste

capitulo, pretendemos discutir as inter-relações entre estas duas dimensões, e

desenvolver um esquema coerente para a análise das teorias sociais.

Já apontamos para o fato de que o debate sociológico, desde o fim da

década de sessenta, tendeu a ignorar a distinção entre estas duas dimensões

e mais especificamente, focalizar a dimensão subjetivo/objetivo, ignorando a

dimensão regulação/mudança radical. É interessante observar que este

privilegiamento ocorreu tanto nas correntes sociológicas com a questão da

regulação quanto nas associadas à questão da mudança radical. O debate

objetividade/subjetividade foi, portanto, conduzido independentemente da

dimensão social de ambos os campos.

Na sociologia da regulação o debate centrou-se entre a sociologia

interpretativa e o funcionalismo. Na esteira do livro de Berger e Luckman

(1966) sobre a sociologia do conhecimento, do trabalho de Garfinkel (1967)

sobre etnometodologia e do renascimento do interesse pela fenomelogia, os

pressupostos ontológicos e epistemológicos da perspectiva funcionalista

ficaram cada vez mais sujeitos ao questionamento. Este debate tem levado a

uma polarização crescente entre estas duas escolas de pensamento.

Na sociologia da mudança radical, de forma semelhante, ocorreu também

uma divisão entre os teóricos que subscreviam a visões objetivas ou subjetivas

da sociedade. Em vários sentidos, o debate teve como precursor a publicação

do livro de Louis Althusser “Por Marx”, na França, em 1966, e na Grã Bretanha,

em 1969. Este livro introduziu a noção de uma “ruptura epistemológica” na obra

de Marx polarizando os teóricos marxistas em dois campos distintos: os que

enfatizam os aspectos subjetivos do marxismo (por exemplo, Lukacs e a

Escola de Frankfurt) e os que advogam uma visão mais objetivista, entre eles

os seguidores do estruturalismo althusseriano.

Observou-se, assim, no contexto das sociologias da mudança radical, de

meados ao fim dos anos sessenta, uma mudança de ênfase. O debate entre as

duas sociologias, característico do inicio da década, cedeu lugar a um dialogo

20

Page 21: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

introvertido, no interior de cada corrente de pensamento. Em vez de um diálogo

inter-escolas houve uma volta para dentro de si mesmo, sendo os comentários

voltados para si próprios. A preocupação em resolver o posicionamento face a

dimensão subjetivo/objetivo – um processo complexo dada à multiplicidade de

questões interrelacionadas – levou a negligenciar a dimensão

regulação/mudança radical.

O debate recente, consequentemente, tem sido frequentemente confuso. O

pensamento sociológico passou a ser caracterizado pelo sectarismo, com a

ausência conspícua de uma perspectiva mais abrangente e da compreensão

das questões fundamentais. As condições atuais são propicias para a reflexão

sobre os caminhos futuros e, neste sentido, propomos que as duas dimensões

aqui apresentadas definem parâmetros críticos para tal reflexão. São

propostas, aqui, como dimensões independentes que permitem a retomada de

questões relevantes no inicio da década de sessenta, colocando-as lado a lado

com questões relevantes no final da década e inicio dos anos setenta. As duas

dimensões, em conjunto, definem quatro paradigmas sociológicos possíveis de

serem usados na analise de um extenso conjunto de teorias sociais. A relação

entre os quatro paradigmas, aqui denominados de humanismo radical,

estruturalismo radical, interpretativo e funcionalista, é ilustrada na Figura 3.1

FIGURA 3.1

Humanismo radical

Estruturalismo radical

Interpretativo Funcionalismo

Sociologia da mudança radical

Sociologia da regulação

ObjetivoSubjetivo

21

Page 22: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

A figura mostra claramente que os quatro paradigmas têm aspectos

comuns com seus vizinhos nos eixos vertical ou horizontal em função da

adesão a uma ou outra de suas dimensões, mas diferencia-se em função de

outra dimensão. Desta forma, devem ser considerados como contínuos mas,

ao mesmo tempo, distintos: contínuos porque compartilham características,

mas distintos porque as diferenças existentes – como será demonstrado a

seguir – são suficientemente importantes a ponto de justificar o tratamento dos

paradigmas como quatro entidades distintas. Os quatro paradigmas definem,

pois, perspectivas fundamentalmente distinta de analise dos fenômenos

sociais. Eles abordam esta tarefa a partir de perspectivas contrastantes e

geram, consequentemente, conceitos e instrumentos de analise também

diferenciados.

3.1 A natureza e os usos dos quatro paradigmas

Antes de discutir a natureza substantiva de cada um destes paradigmas

vale a pena pontuar o sentido que aqui é dada a noção de paradigma.

Consideramos que os quatro paradigmas remetem a pressupostos meta-

teóricos que embasam o quadro de referencia, o modo de teorizar e o modus

operandi das respectivas teorias. O termo paradigma visa assim enfatizar o que

há de comum nas diferentes perspectivas; aquilo que dá unidade ao trabalho

de um determinado grupo de teóricos; que permite afirmar que o grupo aborda

a teoria social a partir dos limites definidos por uma problemática comum.

Isto não implica em homogeneidade de pensamento e até permite que,

no contexto de um dado paradigma, haja debate entre teóricos com pontos de

vista diferenciados. O paradigma pressupõe, entretanto, uma uniformidade

subjacente em função dos pressupostos compartilhados, embora

frequentemente não explicitados, que diferenciam fundamentalmente o grupo

de teóricos que trabalham no seio de outros paradigmas. A homogeneidade

intra paradigmática é, portanto, derivada das visões de realidade que lhes são

próprias, embora nem sempre sendo reconhecidas como tal.

Ao identificar quatro paradigmas na teoria social estamos sugerindo

essencialmente que é importante analisar a produção de uma determinada

área em função dos quatro conjuntos básicos de pressupostos. Cada conjunto

22

Page 23: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

se remete a realidades sócio-cientificas distintas. Estar localizado em um

determinado paradigma implica, pois, em ver o mundo a partir de uma ótica

especifica. Os quatro paradigmas definem, portanto, quatro visões de mundo,

embasadas, cada uma delas, em pressupostos meta-teóricos sobre a natureza

da ciência e da sociedade.

Afirmamos, aqui, que qualquer teórico da sociedade pode ser localizado

em um dos quatro paradigmas, em função dos pressupostos teóricos refletidos

em seu trabalho. Os quatro paradigmas, em seu conjunto, fornecem um mapa

para a negociação da área temática, um meio conveniente de identificar as

semelhanças e diferenças básicas entre as varias teorias e, mais

especificamente, um meio de identificar o quadro de referencias por elas

adotadas. É, também, uma forma conveniente de localizar o nosso quadro de

referencias e entender, desta forma, porque determinadas teorias e

perspectivas exercem maior atração sobre nós. Como qualquer mapa, fornece

um instrumento que permite estabelecer onde estamos, onde estivemos, e para

onde podemos avançar no futuro. É um meio de traçar as nossas trajetórias

intelectuais e de outros teóricos que contribuíram para esta área temática.

Pretendemos neste livro, fazer intenso uso das qualidades de mapa

destes quatro paradigmas. Cada um deles define a extensão de um território

intelectual. Entretanto, considerando os pressupostos meta-teóricos globais

que os diferenciam entre si, há muito lugar para variações intra-paradigamas.

Assim, por exemplo, no contexto do paradigma funcionalista há teóricos que

adotam posições mais extremadas em uma outra das duas dimensões

consideradas. Tais diferenças implicam o debate interno entre os cientistas

engajados nas atividades de “ciência normal” no contexto de um determinado

paradigma. Os capítulos seguintes examinarão detalhadamente cada um dos

quatro paradigmas procurando localizar, em cada um, suas teorias mais

representativas.

Nossa pesquisa sugere que em contrate com o acirrado debate no

interior de cada paradigma, as jornadas entre-paradigmas tendem a ser raras.

Esta observação é compatível com a noção de Kuhn (1970) de ciência

revolucionária. Para que um cientista mude de paradigma é necessário que

mude seus pressupostos meta-teóricos, algo que, embora possível, na pratica

não ocorre com muita freqüência.

23

Page 24: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

Como observaram Keat e Urrl “a mudança de lealdade de paradigma

para outro, para o cientista individual, é frequentemente uma experiência de

conversão semelhante a uma mudança de Gestalt ou de fé religiosa” (1975, p.

55). Quando ocorre tal mudança ela se configura como uma ruptura e é

discutida como tal na literatura técnica, ou seja, o teórico é bem vindo pelo

novo grupo, e é, concomitantemente, deserdado pelos colegas do antigo

paradigma. Foi o que ocorreu na “ruptura epistemológica” na obra do jovem

Marx e do Marx maduro, que seria por nós considerada como uma mudança do

paradigma humanista radical para o estruturalista radical. Na perspectiva da

analise organizacional poderíamos usar como exemplo a obra de Silverman e a

mudança do paradigma funcionalista para o interpretativo. Estas trajetórias

intelectuais serão analisadas em maior detalhe em capítulos subseqüentes.

Antes de perseguir com a analise dos paradigmas vale enfatizar, ainda,

mais uma questão: ou seja, o fato de quatro paradigmas são mutuamente

exclusivos. Sendo visões alternativas da realidade social, remetem a quatro

visões distintas da realidade. São diferentes formas de ver (o mundo). A

síntese, portanto, não é possível, pois que em suas formas puras são

contraditórios dado estarem embasados em pelo menos um conjunto oposto de

pressupostos meta-teóricos. Eles constituem alternativas no sentido de que é

possível operar sequencialmente em diferentes paradigmas; mas são

mutuamente exclusivos visto que não podemos operar concomitantemente em

mais de um paradigma, pois ao acatarmos os pressupostos de um estamos

contestando os pressupostos dos demais.

Desta forma, apresentaremos os quatro paradigmas como instrumentos

de analise na esperança que o conhecimento dos pontos de vista competitivos

nos faça, minimamente, cientes dos limites dentre os quais podemos abordar

nossa disciplina.

3.2.1 O paradigma funcionalista

Este paradigma tem sido o referencial dominante na sociologia

acadêmica assim como no estudo das organizações. É uma perspectiva

firmemente enraizada na sociologia da regulação e que aborda seu objeto de

estudo de um ponto de vista objetivista. Os teóricos funcionalistas têm estado

24

Page 25: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

na testa do debate sobre ordem/conflito e os conceitos que utilizamos para a

categorização da sociologia da regulação podem ser aplicados, em maior ou

menor grau, a todas as suas escolas de pensamento. Caracterizam-se, pois,

pela preocupação com a explicação do status quo, ordem social, consenso,

integração social, solidariedade, satisfação das necessidades e realidade.

Abordam estas arenas da problemática sociológica de um ponto de vista

realista, determinista e nomotético.

O paradigma funcionalista tende a gerar sociologia regulativa na sua

forma mais completa. Em termos gerais, esta abordagem busca,

essencialmente, a explicação racional da atividade social. É uma perspectiva

altamente pragmática, preocupada em compreender a sociedade de forma tal a

gerar conhecimento que possa ser utilizado. É frequentemente uma sociologia

orientada a problemas, orientada à busca de soluções praticas para problemas

práticos. É, de modo geral, comprometida com uma filosofia que propõe a

engenharia social como base para a mudança social e enfatiza a necessidade

de compreender os mecanismos da ordem, equilíbrio e estabilidade na

sociedade e as formas de sua manutenção. Está preocupada, portanto, com a

regulação e controle efetivos da atividade social.

Como fica claro a partir da discussão efetuada no capitulo 1, a

abordagem de ciência social característica deste paradigma esta enraizada na

tradição do positivismo sociológico. Reflete, assim, a tentativa de aplicar

modelos e métodos das ciências naturais às ciências humanas. Tendo origem

na França, nas primeiras décadas do século 19, esta perspectiva exerce sua

influência através da obra de Augusto Conte, Herbert Spencer, Emile Durkheim

e Vilfredo Pareto. A abordagem funcionalista em ciências sociais tem de a

pressupor que o mundo social é composto de artefatos empíricos relativamente

concretos cujas inter-relações podem ser identificadas, estudadas e medidas

através de instrumentais derivados das ciências naturais. Frequentemente as

abordagens funcionalistas privilegiam analogias mecânicas e biológicas como

formas de criar modelos para a compreensão do mundo social. Por exemplo,

no caso de Durkhein, a existência de fatos sociais externos à consciência do

homem e que o restringem em suas atividades cotidianas é uma noção central

em sua teoria. A tarefa, portanto, era compreender as inter-relações entre os

fatos sociais objetivos e articular uma sociologia capaz de explicar os tipos de

25

Page 26: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

solidariedade que formam o cimento social que mantém a sociedade coesa. A

estabilidade e a natureza ordenada do mundo da natureza foram apropriadas

para a arena das atividades humanas. Para Durkheim, portanto, a tarefa da

sociologia era a compreensão da natureza desta ordem regulada.

Desde as primeiras décadas do século 20, entretanto, o paradigma

funcionalista vem sendo influenciado por aspectos derivados da teoria social

enraizada no idealismo alemão. Esta abordagem, como foi visto no capitulo 1,

reflete alguns pressupostos sobre a natureza das ciências sociais que são

diretamente opostos aos pressupostos do positivismo sociológico. Entretanto,

alguns de seus elementos, em função do trabalho de teóricos tais como Max

Weber, George Simmel e George Herbert Mead, vem sendo utilizados no

contexto das teorias que buscam uma aproximação entre as duas tradições

teóricas. Este esforço gerou perspectivas teóricas que são características das

regiões menos objetivistas do paradigma funcionalista, próximas, portanto, às

fronteiras do paradigma interpretativo. Estas teorias tendem a rejeitar as

analogias mecânicas e biológicas aplicadas ao mundo social e introduziram

idéias que enfatizavam a necessidade de se compreender a sociedade a partir

do ponto de vista dos atores engajados nas atividades sociais.

Desde os anos 40 tem havido, também, uma infusão de idéias marxistas

próprias a uma sociologia da mudança radical. Estas vêm sendo incorporadas

ao paradigma na tentativa de radicalizar a teoria funcionalista e rebater as

acusações de que estas são essencialmente conservadoras e incapazes de

explicar a mudança social. Estas tentativas refletem os temas do debate

examinado no capítulo anterior, especialmente a possibilidade de incorporação

do conflito no âmbito das teorias sobre a ordem, de modo a explicar mais

adequadamente as atividades sociais.

Colocando cruamente, a formação do paradigma funcionalista pode ser

entendida como uma interação de três conjuntos de forças intelectuais, tal

como ilustrado na Figura 3.2

26

Page 27: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

FIGURA 3.2

Teoria Marxista

Idealismo Alemão

Sociologia da Regulação

Positivismo Sociológico

Sociologia da mudança radical

Subjetivo Objetivo

Das três a mais influente foi o positivismo sociológico. Desta forma,

tradições competitivas têm sido sugadas para o interior deste paradigma e

usadas no contexto da problemática funcionalista com suas ênfase na natureza

essencialmente objetiva do mundo social e sua preocupação na formulação de

explicações voltadas a regulação das atividades sociais. Estas correntes

cruzadas dentro do paradigma determinaram o aparecimento de escolas de

pensamento altamente diferenciadas entre si, gerando teorias variadas e um

intenso debate intra paradigma. As Figuras 3.3 e 3.4 embora também elas

rudimentares, possibilitam visualizar as principais correntes teóricas

sociológicas e organizacionais dos quatro paradigmas, em capítulos

subseqüentes. Fica logo aparente, entretanto, que a maioria dos teóricos das

organizações, sociólogos industriais, psicólogos e teóricos de relações

humanas abordam seu objeto de estudo a partir da perspectiva do paradigma

funcionalista.

27

Page 28: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

FIGURA 3.3

Os quatro paradigmas sociológicos

Anarquismo

ExistencialismoMarxismo

contemporêneo mediterrâneo

Teoria social Russa

Teoria crítica

Teoria do conflito

Fenomenologia HermeneuticaTeoria

integrativa

Teoria dos sistemas

Objetivismo

Sociologia fenomenológica

Interacionismo e Teoria da ação

Sociologia da regulação

Sociologia da mudança radical

Solipcismo

Subjetivo Objetivo

FIGURA 3.4

As principais correntes de análise organizacional

Teoria anti-organizacio

nal

Teoria organizacional radical

Sociologia da regulação

Pluralismo

Quadro de referência da ação

Teorias da disfunção

burocrática

Teoria dos sistemas

Objetivismo

Subjetivo Objetivo

Sociologia da mudança radical

3.2.2 O Paradigma interpretativo

As teorias localizadas no paradigma interpretativo adotam abordagens

coerentes com os princípios do que aqui denominamos sociologia da

regulação, embora o tratamento subjetivista adotado na análise do mundo

social faça com que estes vínculos sejam frequentemente implícitos. O

paradigma interpretativo se orienta pela tentativa de compreender o mundo tal

28

Page 29: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

como ele é; compreender, portanto, a natureza fundamental do mundo social,

ao nível, da experiência subjetiva. Procura explicações no terreno da

consciência individual e da subjetividade, na perspectiva dos participantes e

não na dos observadores da ação.

Suas abordagens em ciências sociais tende a ser nominalista, anti-

positivista e ideográfica. Concebe o mundo social como um processo

emergente, fruto da atividade dos indivíduos envolvidos. A realidade social, na

medida em que reconhece sua existência fora da consciência individual, é vista

como uma rede de pressupostos e significados compartilhados

intersubjetivamente. O status ontológico do mundo social é considerado

problemático. O cotidiano tem sabor de um acontecimento milagroso. Os

filósofos e sociólogos interpretativos buscam entender a própria base e a fonte

da realidade social. Assim, frequentemente procuram penetrar as profundezas

da consciência e da subjetividade humana em busca destes significados

fundamentais subjacentes a vida social.

Dada esta visão da realidade, não é surpreendente que a convivência

dos sociólogos interpretativos com a sociologia da regulação seja implícita e

não explicita. Seus pressupostos ontológicos impedem um interesse direto

pelas questões subjacentes ao debate ordem/conflito enquanto tal. Entretanto,

suas visões são permeadas pelo pressuposto de que a atividade humana é

coesa, ordenada e integrada. Os problemas do conflito, dominação,

contradição, potencialidade e mudança não encontram lugar em seus quadros

de referencia. Eles estão orientados mais para a compreensão de um mundo

social subjetivamente criado tal como este se apresenta em termos de um

processo continuado.

A sociologia interpretativa centra-se, pois, na compreensão da essência

da vida cotidiana. Em termos do esquema analítico por anos adotado, ela está

permeada de questões relacionadas à natureza do staus quo, consenso,

coesão social, solidariedade e realidade.

O paradigma interpretativo é fruto direto da tradição de pensamento

social embasada no idealismo alemão. Seus fundamentos estão na obra de

Kant e refletem uma filosofia que enfatiza a natureza essencialmente espiritual

do mundo social. A tradição idealista dominou o pensamento alemão do século

18 em diante, estando fortemente relacionado com o movimento romântico na

29

Page 30: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

literatura e nas artes. Fora deste domínio, entretanto, teve impacto limitado até

ser revitalizado, no fim de 1890 e começo do século atual por influencia dos

movimentos neo-idealistas. Autores como Dilthey, Husserl e Shultz

contribuíram para estabelecê-lo como quadro de referencia para a análise

social, embora comprometidos em diferentes graus com a problemática

subjacente do idealismo alemão.

As Figuras 3.3 e 3.4 ilustram a forma como este paradigma vem se

desenvolvendo no que se refere a teoria social e organizacional. Aliás, uma vez

que tem sido poucas as tentativas de enfocar conceitos e situações

organizacionais a partir desta perspectiva, o paradigma gerou poucas teorias

organizacionais propriamente ditas. E, como se verá em capítulos seguintes,

há boas razoes para isto. Afinal, as premissas do paradigma interpretativo

questionam a existência concreta das organizações. Face a este

questionamento, tem importância fundamental para o estudo das organizações

pois questiona os pressupostos ontológicos subjacentes as abordagens

funcionalistas na sociologia em geral e no estudo das organizações em

particular.

3.2.3 O Paradigma humanista radical

O paradigma humanista radical distingui-se por sua preocupação em

desenvolver uma sociologia da mudança radical a partir de uma perspectiva

subjetivista. Sua postura face às ciências sociais tem muito em comum com o

paradigma interpretativo dado que vê o mundo social a partir de uma

perspectiva nominalista, voluntarista e ideográfica. Difere, entretanto, porque

seu referencial está comprometido com uma visão de sociedade que enfatiza a

necessidade de superar ou transcender as limitações impostas pelos “arranjos”

sociais atuais.

Uma das noções básicas que permeiam o paradigma é de que a

consciência humana é dominada pelas superestruturas ideológicas com as

quais interage e que determinam uma ruptura cognitiva entre o homem e sua

verdadeira consciência. Tal “ruptura” é a alienação ou a falsa consciência que

inibe ou impede a verdadeira realização do homem. A preocupação central dos

teóricos que abordam a condição humana a partir desta perspectiva é a

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Page 31: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

superação dos obstáculos que as configurações sociais existentes colocam

para o desenvolvimento do homem. É uma teoria social desenvolvida para a

critica ao status quo. Tende a visualizar a sociedade como anti-humana e se

preocupa em articular formas que permitam aos seres humanos transcenderem

os vínculos e grilhões espirituais que os amarram à ordem social atual e, desta

forma, desenvolver seu pleno potencial.

Em relação aos elementos utilizados para conceitualizar a sociologia da

mudança radical, o humanismo radical coloca maior ênfase na mudança

radical, nos modos de dominação, na emancipação, privação e

potencialidades. Os conceitos de conflito estrutural e contradição não

aparecem, nesta perspectiva, de forma proeminente, dado serem conceitos

mais característicos de visões mais objetivistas do social tais como

apresentadas no contexto do paradigma estruturalista radical.

Coerente com a abordagem subjetivista em ciências sociais, a

perspectiva do humanismo radical enfatiza a consciência humana. Seus

fundamentos intelectuais remetem às mesmas raízes do paradigma

interpretativo. Deriva da tradição do idealismo especialmente na forma como é

expresso na obra de Kant e Hegel (embora este reinterpretado pelo jovem

Marx). Foi através de Marx que a tradição idealista foi inicialmente utilizada

como base para uma filosofia social radical, e vários humanistas radicais

tiveram esta fonte por inspiração. Marx, em essência, inverteu o quadro

referencial do idealismo hegeliano, gerando, desta forma, as bases para o

humanismo radical. O paradigma foi também influenciado pela infusão da

perspectiva fenomenológica derivada da obra de Husserl.

Como será discutido mais detalhadamente em capítulos posteriores,

afora a obra do jovem do Marx, o interesse por este paradigma permaneceu

adormecido (dormant) até os anos 20 quando Lukacs e Gramsci revitalizaram o

interesse pelas interpretações subjetivistas da teoria marxista. Este interesse

foi desenvolvido pelos membros da Escola de Frankfurt que geraram um

intenso debate, especialmente em função da obra de Habermas e Marcuse. A

filosofia existencialista de Sartre também pertence a este paradigma, assim

como a produção de teóricos sociais tão diversos quanto Illich, Castanedas e

Laing. Todos eles, cada qual a sua maneira, compartilham a preocupação com

a liberação da consciência e da experiência da dominação ideológica das

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Page 32: Paradigmas Sociologicos e Analise Organizacional Burrel e Morgan

superestruturas do mundo social no qual os homens vivem suas vidas. Buscam

mudar este mundo social através da mudança nas formas de cognição e

consciência.

Mais uma vez, as figuras 3.3 e 3.4 fornecem um resumo grosseiro da

forma em que este paradigma vem sendo desenvolvido nas teorias sociais e no

estudo das organizações. Como procuraremos demonstrar no capitulo 9, os

autores que se manifestaram a respeito das organizações a partir desta

perspectiva sedimentaram as bases para a emergência de uma teoria anti-

organizacional. O paradigma do humanismo radical está essencialmente

embasado em uma inversão dos pressupostos do paradigma funcionalista.

Portanto, não é de se surpreender que a teoria anti-organizacional faça uma

inversão da problemática que define a teoria organizacional e quase todos seus

aspectos.

3.2.4 O paradigma estruturalista radical

As teorias localizadas neste paradigma advogam uma sociologia da

mudança radical a partir de uma perspectiva objetivista. Embora

compartilhando uma abordagem de ciência que tem varias semelhanças com a

teoria funcionalista, seus objetivos são fundamentalmente diferentes. O

estruturalismo radical está comprometido com a mudança radical,

emancipação, modos de dominação, contradição e privação. Aborda essas

questões a partir de uma perspectiva realista, positivista, determinista e

nomotética.

Enquanto os humanistas radicais constroem sua perspectiva focalizando

a consciência como elemento chave da critica radical a sociedade, os

estruturalistas radicais concentram-se nas relações estruturais existentes em

um mundo social realista. Enfatizam que a mudança radical faz parte da própria

natureza e estrutura da sociedade contemporânea, e buscam explicar as inter-

relações básicas no contexto das formações sociais totais. Há, no interior deste

paradigma, um intenso debate, diferentes teóricos enfatizando o papel de

diferentes forças sociais como forças motrizes na explicação da mudança

social. Uns focalizam as contradições internas mais profundas, enquanto outros

focalizam a estrutura e a análise das relações de poder. É comum a todos,

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entretanto, a visão de que a sociedade contemporânea se caracteriza por

conflitos fundamentais que geram mudança radical através de crises políticas e

econômicas. É o conflito e a mudança que possibilita a emancipação dos

homens das estruturas sociais em que vivem.

Este paradigma tem por raízes intelectuais a obra do Marx maduro –

após a chamada “ruptura epistemológica”. Foi o paradigma adotado por Marx

após uma década de envolvimento político ativo e em função de um crescente

interesse pela teoria Darwiniana da evolução e pela economia política. As

idéias centrais de Marx sofreram interpretações variadas nas mãos de teóricos

que se postulavam como seguidores fieis. Entre estes foram particularmente

influentes: Engels, Plekanov, Lenin e Bukharin. Entre os principais exponentes

da posição estruturalista radical, fora da arena de influencia da teoria social

russa, destacam-se: Althusser, Poulantzas, Colletti e vários sociólogos

marxistas da New Left. Embora a influência de Marx no paradigma

estruturalista radical tenha sido deveras dominante podemos identificar,

também, uma forte influencia Weberiana. Como veremos em capítulos

subseqüentes, há um pequeno grupo de teóricos da sociedade que, em anos

recentes, vem procurando explorar as interfaces entre o pensamento de Marx e

Weber, gerando uma perspectiva bastante diferenciada por nos descrita como

“teoria do conflito”. Insere-se aqui o trabalho de Dahrendorf assim como de

teóricos tais como Rex e Miliband.

Mais uma vez, as Figuras 3.3 e 3.4 fornecem uma visão de conjunto das

correntes de pensamento localizadas neste paradigma, correntes estas que

serão examinadas em maior detalhe nos capítulos 10 e 11. Exeptuando-se a

teoria do conflito, a visão estruturalista radical tem recebido pouca atenção por

parte da sociologia inglesa e americana. Este paradigma, estando localizado na

visão realista de mundo social, tem implicações relevantes para o estudo das

organizações, mas estas implicações foram apenas minimamente

desenvolvidas. No capítulo 11 faremos uma revisão dos trabalhos pertinentes e

discutiremos a ainda embrionária teoria radical das organizações.

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