39
PRÁTICAS CURRICULARES EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: REFLEXÕES E ANÁLISES DE PROPOSTAS O painel articula pesquisas que dialogam sobre diferentes práticas curriculares na área de Matemática, em diversos espaços e modalidades de ensino, na busca de ampliarmos a qualidade do processo de ensino/aprendizagem. Destaca-se a concepção de currículo como produção cultural em constante recontextualização e ressignificação nas práticas educacionais. Nestas análises são destacadas reflexões envolvendo aspectos indissociáveis para atingirmos os objetivos de melhoria educacional, tais como a formação docente, propostas de ação pedagógica e políticas públicas que influenciam diretamente as formações e ações. Sob este foco central, “Políticas e práticas curriculares em Matemática para EJA no Estado do Rio de Janeiro” analisa as necessárias adaptações curriculares às especificidades e objetivos dos estudantes da Educação de Jovens e Adultos, e a implementação no Rio de Janeiro de recente proposta curricular denominada Programa Nova EJA. A produção “A interdisciplinaridade no contexto de uma escola pública de ensino integral: percepções e práxis de professores” analisa resultados de pesquisas desenvolvidas em uma escola pública paulista de ensino integral, destacando perspectivas interdisciplinares presentes na práxis de professores de Ciências da Natureza e Matemática. E a produção “O ensino da Matemática: oportunidades e perspectivas de mudança para a formação humana” defende o reconhecimento do papel social da escola como incentivadora de projetos de vida de seus alunos problematizando práticas docentes que envolvam a criação de oportunidades e perspectivas na formação dos estudantes de uma escola pública fluminense. Dessa forma oferecemos no painel um retrato de produções provenientes de Grupos de Pesquisa das seguintes universidades: Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO); assim contribuímos em nossos debates com as pesquisas no campo das práticas curriculares em Matemática. Palavras-chave: Educação Matemática. Práticas Curriculares, Formação Docente. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3525 ISSN 2177-336X

PRÁTICAS CURRICULARES EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10160_37379.pdf · 3 prof. Dr. Harryson Júnio Lessa Gonçalves, desenvolvido na Universidade

Embed Size (px)

Citation preview

PRÁTICAS CURRICULARES EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: REFLEXÕES

E ANÁLISES DE PROPOSTAS

O painel articula pesquisas que dialogam sobre diferentes práticas curriculares na área

de Matemática, em diversos espaços e modalidades de ensino, na busca de ampliarmos

a qualidade do processo de ensino/aprendizagem. Destaca-se a concepção de currículo

como produção cultural em constante recontextualização e ressignificação nas práticas

educacionais. Nestas análises são destacadas reflexões envolvendo aspectos

indissociáveis para atingirmos os objetivos de melhoria educacional, tais como a

formação docente, propostas de ação pedagógica e políticas públicas que influenciam

diretamente as formações e ações. Sob este foco central, “Políticas e práticas

curriculares em Matemática para EJA no Estado do Rio de Janeiro” analisa as

necessárias adaptações curriculares às especificidades e objetivos dos estudantes da

Educação de Jovens e Adultos, e a implementação no Rio de Janeiro de recente

proposta curricular denominada Programa Nova EJA. A produção “A

interdisciplinaridade no contexto de uma escola pública de ensino integral: percepções e

práxis de professores” analisa resultados de pesquisas desenvolvidas em uma escola

pública paulista de ensino integral, destacando perspectivas interdisciplinares presentes

na práxis de professores de Ciências da Natureza e Matemática. E a produção “O ensino

da Matemática: oportunidades e perspectivas de mudança para a formação humana”

defende o reconhecimento do papel social da escola como incentivadora de projetos de

vida de seus alunos problematizando práticas docentes que envolvam a criação de

oportunidades e perspectivas na formação dos estudantes de uma escola pública

fluminense. Dessa forma oferecemos no painel um retrato de produções provenientes de

Grupos de Pesquisa das seguintes universidades: Universidade Federal Fluminense

(UFF), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Estadual

Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e Universidade do Grande Rio

(UNIGRANRIO); assim contribuímos em nossos debates com as pesquisas no campo

das práticas curriculares em Matemática.

Palavras-chave: Educação Matemática. Práticas Curriculares, Formação Docente.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3525ISSN 2177-336X

2

A INTERDISCIPLINARIDADE NO CONTEXTO DE UMA ESCOLA PÚBLICA

DE ENSINO INTEGRAL: PERCEPÇÕES E PRÁXIS DE PROFESSORES

Harryson Júnio Lessa Gonçalves

Bianca Rafaela Boni

Deise Aparecida Peralta

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)

Resumo:

O trabalho apresenta resultados do projeto de pesquisa “Interdisciplinaridade na Escola:

Currículo, Concepções e Práticas”, desenvolvido na Universidade Estadual Paulista

“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) no âmbito de uma escola pública paulista de ensino

integral. O Programa Paulista de Ensino Integral tem como princípios básicos a

permanência dos educandos e educadores na escola, a interdisciplinaridade e o

protagonismo juvenil por meio do desenvolvimento de um currículo integralizado para

rede pública. Neste contexto, concebemos o presente artigo que visa reconhecer

perspectivas interdisciplinares presentes na práxis de professores de Ciências da

Natureza e Matemática no contexto de uma escola pública paulista de ensino integral.

Para tanto, a pesquisa se caracteriza como qualitativa, de natureza etnográfica crítica, e

se desenvolverá a partir de duas etapas complementares: [1º] Análises curriculares - (a)

análise documental de currículos oficiais e de livros/materiais didáticos; (b) análise do

Projeto Político-Pedagógico da escola investigada. [2º] Análises da Práxis - (a)

observação participante da ação docente (professores de Ciências da Natureza e

Matemática) em reuniões pedagógicas e em aulas e/ou atividade pedagógica; (b)

entrevistas semiestruturadas com professores e equipe pedagógica para compreender

diversas dimensões de sua prática (currículo praticado). A interdisciplinaridade,

portanto, é vista pelos professores como essencial no trabalho pedagógico para que a

aprendizagem dos alunos seja efetiva e se torne mais contextualizada. Os professores

ainda possuem diferentes perspectivas do que é a interdisciplinaridade desde a simples

junção de disciplinas, a utilização de elementos de uma disciplina utilizados em outra,

até uma articulação e ajuda mútua entre elas. Com isso percebe-se que a

interdisciplinaridade se torna um instrumento que promove a uma superação de um

conhecimento fragmentado em prol de uma formação mais global.

Palavras-chave: Ensino Integral, Escola de Tempo Integral, Interdisciplinaridade.

1. Introdução

O texto apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa

“Interdisciplinaridade na Escola: Currículo, Concepções e Práticas”1, coordenador pelo

1 Projeto de pesquisa financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) via Chamada Universal MCTI/CNPq nº 14/2014. Atrelado ao projeto, encontra-se em

desenvolvimento um projeto de iniciação científica, intitulado por “Interdisciplinaridade na Escola:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3526ISSN 2177-336X

3

prof. Dr. Harryson Júnio Lessa Gonçalves, desenvolvido na Universidade Estadual

Paulista “Júlio de Mesquita Filho” no âmbito de uma escola pública paulista de tempo

integral.

O referido projeto de pesquisa tem como objetivo analisar currículos e práticas

de professores de Ensino Médio sobre a interdisciplinaridade no ensino de Ciências da

Natureza e Matemática no contexto de uma escola pública paulista, que se encontra em

processo de implementação do Programa de Ensino Integral, visando a constituir

diretrizes formativas que possibilite uma ação crítica docente transcendendo práticas

centradas em uma racionalidade técnica. Para tanto, a pesquisa se caracteriza como

qualitativa, de natureza etnográfica, e se desenvolverá a partir de duas etapas

complementares: [1º] Análises curriculares - (a) análise documental de currículos

oficiais e de livros/materiais didáticos; (b) análise do Projeto Político-Pedagógico da

escola investigada. [2º] Análises da Práxis - (a) observação participante da ação docente

(professores de Ciências da Natureza e Matemática) em reuniões pedagógicas e em

aulas e/ou atividade pedagógica; (b) entrevistas semiestruturadas com professores e

equipe pedagógica para compreender diversas dimensões de sua prática (currículo

praticado).

Assim, o presente artigo visa a reconhecer perspectivas interdisciplinares

presentes na práxis de professores de Ciências da Natureza e Matemática no contexto de

uma escola pública de tempo integral.

2. Interdisciplinaridade: Aproximação Conceitual do Tema e Qualificação do

Problema

Muito se tem dito sobre a interdisciplinaridade, termo que se torna presente

constantemente em textos científicos, em documentos oficiais, livros didáticos,

guias/orientações para professores e, principalmente, na fala de docentes ao

caracterizarem sua prática pedagógica. Nota-se a possibilidade de se haver certo

modismo relativo ao termo, questão que tem despertado atenção diante da

multirreferencialidade conceitual que pode gerar o termo. Até certo ponto, acredita-se

que tal situação pode não ser tão salutar no campo didático-pedagógico, pois pode

Currículos e Práticas no Contexto de uma Escola Paulista de Tempo Integral”, financiado com bolsa pela

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) – bolsista Bianca Rafaela Boni.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3527ISSN 2177-336X

4

possibilitar práticas pedagógicas frágeis frente ao processo de construção conceitual do

aluno e ao papel da escola de formação para a cidadania.

Por conseguinte, observa-se que a interdisciplinaridade tem assumido posição

central nas discussões da Pedagogia, sendo vista como palavra de ordem para uma ação

pedagógica efetiva da escola. Uma perspectiva interdisciplinar do conhecimento, a

partir de uma apreensão ampla da realidade, proporcionará a inocorrência de um

currículo de turista, em que, segundo Santomé (1998), a informação sobre comunidades

silenciadas, marginalizadas, oprimidas e sem poder é apresentada de maneira

deformada, com grande superficialidade, centrada em episódios descontextualizados, e

passa a ser contemplada de uma perspectiva distante, como algo que não tem a ver com

cada uma das pessoas que se encontram na sala de aula.

A interdisciplinaridade é palavra-chave para a organização do trabalho

pedagógico visto seu papel articulador entre as diversas disciplinas do currículo,

enriquecendo e potencializado ações emancipadoras do sujeito. Para Machado (2000),

na interdisciplinaridade “almeja-se, no limite, a composição de um objeto comum, por

meio dos objetos particulares de cada uma das disciplinas componentes” (p. 135). Tal

perspectiva só é possível a partir de uma construção dialógica que congregue as diversas

disciplinas do currículo a partir das peculiaridades de cada área do conhecimento

(método/objeto), visando promover uma aprendizagem efetiva para estudantes diante

sua realidade problematizada – tendo como norte uma ressignificação dos saberes

escolares em que se proporcione uma formação ampla e totalitária do conhecimento que

lhe possibilite transformar sua realidade.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio2 (DCNEM) apontam

a interdisciplinaridade e a contextualização como elementos essenciais para construção

de uma “pedagogia de qualidade”.

Fazenda (2002, p. 32) considera a importância da articulação da

interdisciplinaridade nos universos epistemológico e pedagógico como: (a) meio de

conseguir uma melhor formação geral, pois somente um enfoque interdisciplinar pode

possibilitar certa identificação entre o vivido e o estudado, desde que o vivido resulte da

inter-relação de múltiplas e variadas experiências; (b) meio de atingir uma formação

profissional, já que permite a abertura de novos campos do conhecimento e a novas

descobertas; (c) incentivo à formação de pesquisadores e de pesquisas, pois o sentido

2 Parecer CEB/CNE n° 15/1998.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3528ISSN 2177-336X

5

das investigações interdisciplinares é reconstruir a unidade dos objetos que a

fragmentação dos métodos separou e, com isto, permitir a análise das situações globais,

dos limites de seu próprio sistema conceitual e o diálogo entre as disciplinas; (d)

condição para uma educação permanente, posto que através da intersubjetividade,

característica essencial da interdisciplinaridade, será possível a troca contínua de

experiências; (e) forma de compreender e modificar o mundo, pois sendo o homem

agente e paciente da realidade do mundo torna-se necessário um conhecimento efetivo

dessa realidade em seus múltiplos aspectos; (f) superação da dicotomia ensino-pesquisa,

pois, nesse novo enfoque pedagógico, a pesquisa se constitui na única forma possível de

aprendizagem.

Não há definição unívoca do conceito; ou seja, a palavra interdisciplinaridade é

fruto de significativas flutuações desde “a simples cooperação de disciplinas ao

intercâmbio mútuo e integração recíproca ou, ainda, a uma integração capaz de romper

a estrutura de cada disciplina e alcançar uma axiomática comum” (POMBO, 1994, p.

10). Paviani (2004) destaca que ocorre um uso indiscriminado do termo (ensino,

pesquisa, exercício profissional, meio de comunicação etc), apontando múltiplos

significados e nenhum significado aceito pela comunidade de professores e

pesquisadores.

Não se pressupõe acreditar em um conceito unívoco da interdisciplinaridade,

haja vista que sua compreensão parte da perspectiva da realidade e do sujeito. Contudo,

ressalta-se aqui uma possível banalização impregnada nas narrativas de profissionais

das diversas áreas, incluindo educadores, para caracterizar sua prática como

interdisciplinar – como uma chancela de qualidade para seu trabalho. Termo em voga

que se condiciona a uma simplificação conceitual, que todos acreditam compreender e

saber usar.

Fazenda (1996), na busca pela definição do conceito de interdisciplinaridade,

preconiza que a interdisciplinaridade:

é uma atitude de abertura, não preconceituosa, onde todo o conhecimento é

igualmente importante. Pressupõe o anonimato, pois, o conhecimento pessoal

anula-se frente ao saber universal. É uma atitude coerente, que supõe uma

postura única frente aos fatos, é na opinião crítica do outro que fundamenta-

se a opinião particular. Somente na intersubjetividade, num regime de co-

propriedade, de interação, é possível o diálogo, única condição de

possibilidade da interdisciplinaridade. Assim sendo, pressupõe uma atitude

engajada, um comprometimento pessoal. (FAZENDA, 1996, p. 8)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3529ISSN 2177-336X

6

Ou seja, a partir de uma atitude do sujeito de humildade e ousadia no desejo de

inovar, criar e ir além é que se pode constituir uma ação pedagógica interdisciplinar, a

partir de uma filosofia do sujeito.

Para Fazenda (2008), pensar a interdisciplinaridade como junção de disciplinas é

pensar o currículo apenas na formação de sua grade, porém, ao se definir

interdisciplinaridade como atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento, cabe

pensar aspectos que envolvem a cultura do lugar onde os professores se formam. Desse

modo, somente torna-se possível falar sobre o professor e sua formação quando

ampliamos a análise do campo conceitual da interdisciplinaridade, surgindo, aí, a

possibilidade de explicitação de seu espectro: Epistemológico - Para que quero formar

este ser? Ontológico - Que ser queremos formar? Praxeológico - Quais os valores

implícitos quero formar neste ser?

A transposição de certas barreiras, que se apresentam como obstáculos, permitirá

o surgimento de um ensino interdisciplinar, por meio de novos métodos, novos

objetivos e de uma nova pedagogia, cuja formulação primeira é a supressão do

monólogo e a instauração de uma nova dialógica. Para tanto, faz-se necessária a

eliminação das barreiras entre as disciplinas e entre as pessoas que pretendem

desenvolvê-las (FAZENDA, 2002).

Para Santomé (1998), a interdisciplinaridade pode ser compreendida como uma

tentativa para corrigir os erros e as infecundidades geradas pela ciência excessivamente

compartimentada. Ou seja, como uma proposta progressista e desafiadora, visto que o

avanço do conhecimento sempre teve relação com novos questionamentos e

reformulação de antigos conceitos em novas perspectivas. O olhar interdisciplinar pode

induzir especialistas a se sensibilizarem por perspectivas nunca levantadas nos seus

domínios e a se sentirem desafiados a rever seus conceitos, tendo como referência de

análise novos conhecimentos adquiridos no intercâmbio com outras disciplinas.

Para o autor, repensar o currículo e sua ressignificação em uma sociedade

pedagógica representa analisar alguns pressupostos que norteiam a sociedade atual.

Assim, conseguintemente, impõe-se superar uma concepção de currículo isolado,

descontextualizado e fragmentado e partir para uma compreensão de nexos que

possibilitam a sua construção com base na realidade.

Um reposicionamento do currículo escolar diante de uma postura interdisciplinar

propicia uma intervenção educativa dialógica, aberta e ampla, que possibilita o

protagonismo como exercício na prática pedagógica, uma maior abertura do canal de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3530ISSN 2177-336X

7

comunicação entre os atores sociais que constroem o currículo, maior possibilidade de

trabalho, análise e interpretação dos saberes/conhecimentos culturais.

Assim, um currículo integrado pode ser entendido como uma compreensão

global do conhecimento e como a promoção de maiores parcelas de

interdisciplinaridade na sua construção. Esta integração ressaltaria a unidade que deve

existir entre as diferentes disciplinas e formas de conhecimento nas instituições

escolares.

3. O Programa Paulista de Ensino Integral

As matrículas nas escolas de ensino integral têm crescido consideravelmente, de

acordo com o Censo Escolar, de 2010 a 2013 o crescimento do número de matrículas

foi de 147%, o que corresponde a 3,3 milhões. Já em São Paulo, o número chegou a

301,9 mil matrículas em escolas de ensino integral em 2013, mostrando que tem

aumentado o investimento na educação, proporcionando mais escolas e,

consequentemente, mais vagas no Ensino Integral – justificando assim tal política como

foco de estudos e investigações.

Ressalta-se que a Educação de Tempo Integral encontra-se como a quarta meta

do Plano Nacional de Educação (PNE) dispondo que a oferta de educação de tempo

integral deverá se estabelecer em, no mínimo 50% das escolas públicas de forma a

atender, pelo menos, 25% dos alunos da Educação Básica.

Instituído pelo Governador do Estado de São Paulo por meio da Lei

Complementar n° 1.164, de 4 janeiro de 2012, alterada pela Lei Complementar n°

1.191, de 28 de dezembro de 2012, o Programa de Ensino Integral (PEI) foi iniciado em

2012, em 16 escolas de Ensino Médio, tendo sua primeira expansão em 2013 quando

passa a atender também os anos finais do Ensino Fundamental, havendo um aumento

progressivo do número de escolas atendidas pelo programa – 22 escolas dos anos finais

do Ensino Fundamental, 29 escolas de Ensino Médio e duas escolas com os dois

segmentos (Ensino Médio e Fundamental). Em 2014, o Programa se expande

novamente atendendo 39 escolas dos anos finais do Ensino Fundamental, 26 escolas de

Ensino Médio e 48 escolas com os dois segmentos.

O PEI tem como princípios básicos a permanência dos educandos e educadores

na escola, a interdisciplinaridade e o protagonismo juvenil por meio do

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3531ISSN 2177-336X

8

desenvolvimento de um currículo integralizado para rede pública de Ensino

Fundamental e Ensino Médio.

O Programa visa a oferecer educação de qualidade para adolescentes e a

valorização de seus profissionais, considerando a necessidade de políticas educacionais

voltadas à continuidade dos processos de melhoria da educação pública paulista.

Segundo o segundo artigo da Lei Complementar n° 1.191/2012, o Ensino Integral tem

como objetivo a formação de indivíduos autônomos, solidários e competentes, com

conhecimentos, valores e habilidades dirigidas ao pleno desenvolvimento da pessoa

humana e seu preparo para o exercício da cidadania. Para a Secretaria de Educação do

Estado de São Paulo (SEE/SP), a missão das escolas de Ensino Integral é “ser um

núcleo formador de jovens primando pela excelência na formação acadêmica; no apoio

integral aos seus projetos de vida; seu aprimoramento como pessoa humana; formação

ética; o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (SÃO

PAULO, 2012? p.35).

Em 1996, as escolas de ensino integral têm previsão na Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9394/1996: (i) no segundo parágrafo do artigo 34

– “o ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério

dos sistemas de ensino”; (ii) quinto parágrafo do artigo 87 – “serão conjugados todos os

esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino

fundamental para o regime de escolas de tempo integral”.

Ao tomar a interdisciplinaridade como basilar do PEI, o currículo paulista se

subsidia, dentre outras normativas nacionais, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para

o Ensino Médio (DCNEM) apontando a interdisciplinaridade como um dos princípios

pedagógicos necessários à estruturação dos currículos escolares (BRASIL, 1998). No

documento a interdisciplinaridade é entendida nas suas mais diversas formas, partindo

do princípio de que todo conhecimento mantém diálogo permanente com outros

conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de complementação, de

ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos. Deste modo, o ensino deve ir

além da descrição e procurar constituir nos alunos a capacidade de analisar, explicar,

prever e intervir; objetivos que são facilmente alcançáveis se as disciplinas, integradas

em áreas de conhecimento, puderem contribuir cada uma com sua especificidade, para o

estudo comum de problemas concretos, ou para o desenvolvimento de projetos de

investigação ou de ação.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3532ISSN 2177-336X

9

Segundo as Diretrizes do PEI (SÃO PAULO, 2012?), a escola possibilitará

vivências direcionadas à qualidade de vida, ao exercício da convivência solidária e à

leitura e interpretação do mundo em sua constante transformação, por meio de

conteúdos acadêmicos e socioculturais, tendo o protagonismo juvenil como matriz. O

PEI considera a interdisciplinaridade enquanto eixo metodológico para buscar a relação

entre os temas explorados, respeitando as especificidades das distintas áreas do

conhecimento, assim, o aluno será capaz de relacionar os conteúdos curriculares com

seu dia-a-dia, sendo protagonista de sua aprendizagem. (SÃO PAULO, 2012?)

O documento (SÃO PAULO, 2012?) traz à tona, na concepção de Educação

Integral a exigência, a pressão e a luta constante pela democratização da educação, por

uma escola universal de qualidade, considerando o acesso aos recursos culturais, às

mais diversificadas metodologias do processo educativo e, também, à utilização de

novas tecnologias como respeito à condição humana e sua dignidade. Assim, percebe-se

que a interdisciplinaridade tem um papel fundamental no Ensino Integral, já que

pressupomos uma concepção reduzida de ciência fragmentada que reflete em ações

educativas frágeis no processo de formação do estudante da Educação Básica, com

ações docentes isoladas, dificultando a construção de uma aprendizagem mais

significativa.

Deste modo, investigar a organização e desenvolvimento curricular de uma

escola que adotou o PEI possibilitará uma compreensão de como a interdisciplinaridade

permeia em tal proposta visando a aprendizagem efetiva dos alunos. Pressupõe-se que a

interdisciplinaridade contribui com uma formação votada para a cidadania, pois

viabiliza uma aprendizagem mais significativa e articulada do mundo contemporâneo

podendo, ainda, apontar percepções críticas diante de problemas diversos presentes na

sociedade.

As diretrizes do PEI ressaltam ainda que as disciplinas escolares são recortes das

áreas de conhecimentos que representam, carregam sempre um grau de arbitrariedade e

não esgotam isoladamente a realidade dos fatos físicos e sociais, devendo buscar entre si

interações que permitam aos alunos a compreensão mais ampla da realidade.

O Ensino Integral tem como aspectos a jornada integral dos alunos, com

currículo integralizado, matriz flexível e diversificada; escola alinhada com a realidade

do jovem, preparando os alunos para realizar seu Projeto de Vida3 e ser protagonista de

3 Segundo as diretrizes do programa, o Ensino Integral tem como foco de suas ações educacionais a motivação dos

alunos a fazerem bom uso das oportunidades educativas, sendo construído um documento pelos próprios alunos no

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3533ISSN 2177-336X

10

sua formação; infraestrutura com salas temáticas, sala de leitura, laboratórios de

ciências e informática; professores e demais educadores em regime de dedicação plena

e integral à unidade escolar. A essência do PEI é formar cidadãos que se protagonizem,

assim, a sua construção curricular se viabiliza a partir de seus projetos de vida, que traz

como exigência uma perspectiva de um currículo mais contextualizado com a realidade

e o protagonismo desses alunos, portanto, a interdisciplinaridade se materializa para

viabilizar tal lógica curricular.

4. Algumas Percepções dos Professores sobre a Interdisciplinaridade

O reconhecimento das perspectivas interdisciplinares presentes nas práxis dos

professores foi realizado a partir de observações participantes e entrevistas

semiestruturadas com os professores, coordenadora da área e diretora da escola.

Durante a análise foi possível perceber que os professores entendem a

importância da interdisciplinaridade no ensino e como ela pode contribuir para a

formação dos alunos. Nair acredita que a interdisciplinaridade permite que os alunos

percebam a relação entre os conhecimentos e que essa relação se ocorre em qualquer

área do conhecimento.

É um trabalho muito interessante, os alunos percebem e veem, aprendem

mais, eles conseguem perceber que as coisas estão interligadas e que nada é

estanque. (Nair4 – Diretora – entrevista realizada em 19/11/2015)

Eliza corrobora com essa perspectiva ao afirmar que o ensino interdisciplinar

possibilita um trabalho pedagógico que auxilia o aluno a ter uma visão mais global de

sua realidade

Então, eu acredito que... as atividades que a gente desenvolve, que envolve

outra disciplina ou outras disciplinas, faz com que o aluno tenha uma visão

global. (Eliza - professora de Biologia - entrevista realizada em 21/10/2015)

Para os professores, o ensino interdisciplinar precisa se mostrar presente no dia a

dia como sendo um instrumento para uma boa aprendizagem. Essa perspectiva foi

percebida nas reuniões pedagógicas da área, especificamente na observação do dia 23

de fevereiro de 2015, quando os professores juntamente com a coordenadora, listaram o

que eles acreditam ser essenciais para uma boa aula; ou seja, instrumentos que precisam

utilizar no seu trabalho pedagógico para atingir uma aprendizagem eficaz de seus

início do ano letivo, chamado de Projeto de Vida. Dessa forma, o Modelo Pedagógico é construído para assegurar a

construção do Projeto de Vida (SÃO PAULO, 2012?). 4 Utilizaremos nomes fictícios por questões éticas.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3534ISSN 2177-336X

11

alunos. Um dos itens listados foi a “interdisciplinaridade”, com o argumento de que esse

seria um instrumento importante para os alunos relacionarem os conteúdos das

diferentes disciplinas e conseguir transpor esse conhecimento para o seu dia a dia,

atingindo, assim, uma aprendizagem que se torne mais efetiva e contextualizada.

Porém, segundo Sebastião (professor de Física), os professores sentem certa

dificuldade em desenvolver atividades interdisciplinares com os alunos, pois não são

habituados a essa perspectiva. Isso pode corroborar com Fazenda (1996) ao citar o

obstáculo cultural como uma barreira que dificulta o trabalho interdisciplinar. Segundo

a autora, há um certo preconceito em relação a interdisciplinaridade, pois é entendida

como uma aventura e, aderir a ela seria como rejeitar a especialização, supondo que o

estabelecimento de uma unidade global exclua a unidade particular, podendo este

pensamento estar ligado a uma formação inicial fragilizada no que diz respeito a

práticas pedagógicas pautadas na interdisciplinaridade. Tal atitude pode ser observada

durante uma aula de Sebastião no dia 22 de setembro de 2014, pois quando o professor

trabalhou com os alunos equações de aceleração em física, comentou que tem medo de

entrar na área de outro professor (se referindo a Matemática) e este se incomodar com

essa atitude e, por isso, comenta o mínimo possível de conceitos matemáticos.

Interdisciplinaridade é buscar trabalhar um conteúdo dentro de várias

disciplinas. Isso é muito difícil de ser feito... nós não estamos adaptados a

isso. Mas a ideia é essa. Nós procuramos, aos poucos nos adaptarmos a isso.

Não é fácil. Nós não estamos na verdade habituados a isso. (Sebastião –

entrevista realizada em 21/10/2015)

Apesar disso, os professores entendem a interdisciplinaridade a partir de

diferentes perspectivas. Amanda acredita que a interdisciplinaridade parte do princípio

de junção de disciplinas:

Interdisciplinaridade é quando você... minha aula é química né... quando eu

consigo trabalhar uma matéria junto com outras né. (Amanda – professora de

Química – entrevista realizada em 11/11/2015)

Cristina acredita que interdisciplinaridade é quando se traz elementos de outras

disciplinas para sua própria disciplina, podendo trabalhar os conteúdos de maneira

relacionada:

Eu entendo que é você trabalhar seu conteúdo, mas de que maneira eu posso

dizer... é, incluindo questões que envolvam as outras disciplinas também ou

matéria que dá para você falar de um conteúdo que está ligado a outra

disciplina também. (Cristina – professora de Matemática – entrevista

realizada em 23/10/2015)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3535ISSN 2177-336X

12

Há ainda uma visão de que a interdisciplinaridade seria uma articulação entre as

disciplinas, em que uma ajuda a outra partindo de um tema em comum, como coloca

Nair ao ser entrevistada

Porque se a gente considerar que a aprendizagem de se dá em forma espiral,

né, aí você vai vendo o que a Biologia colabora para esse assunto, o que a

Geografia colabora com esse assunto, o que a Matemática colabora com esse

assunto. (Nair – Diretora – entrevista realizada em 19/11/2015)

Essa perspectiva pode ser percebida também em um projeto que foi realizado no

primeiro semestre de 2014 com as professoras de Biologia e Química; em tal projeto as

professoras trabalharam o ciclo do carbono com os alunos do primeiro ano, onde cada

uma em sua disciplina, trabalhou os conceitos deste tema. Contudo, não se percebeu

uma inter-relação do tema de uma disciplina com a outra.

A interdisciplinaridade, portanto, é vista pelos professores como essencial no

trabalho pedagógico para que a aprendizagem dos alunos seja efetiva e se torne mais

contextualizada. Os professores ainda possuem diferentes perspectivas do que é a

interdisciplinaridade desde a simples junção de disciplinas, a utilização de elementos de

uma disciplina utilizados em outra, até uma articulação e ajuda mútua entre elas. Com

isso percebe-se que a interdisciplinaridade se torna um instrumento que promove a uma

superação de um conhecimento fragmentado em prol de uma formação mais global.

5. Considerações Finais

A interdisciplinaridade vislumbra uma exigência dada por uma sociedade repleta

de saberes/conhecimentos que foram fragmentados em nome da ciência moderna para o

entendimento da realidade antropossocial e natural. Para tanto, na busca de uma

reaproximação destes saberes/conhecimentos diante do necessário e urgente de

entendimento da realidade a partir de uma ótica de superação de um paradigma

cartesiano, é que o quebra-cabeça precisa ser remontado para uma visão, sempre

multirreferencial, do mundo complexo.

A reconstrução da realidade dar-se-á a partir de redescobrimento de outros

saberes que vão além daqueles instituídos como verdadeiros e mais importantes pela

Ciência na modernidade, mas que coexistem na percepção da interação cognoscível do

ser humano nos mundos sociocultural e natural. Com isso, não há uma negação da

necessidade de especialização ou fragmentação do conhecimento em vários momentos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3536ISSN 2177-336X

13

para seu processo de evolução, mas há uma necessidade de não se perder o foco do todo

que dá sentido àquele fragmento.

Estes argumentos nos remetem a reflexões didático-pedagógicas no contexto do

currículo escolar visto que há uma necessidade de se tratar, em momentos do processo

educativo os alguns conteúdos escolares disciplinarmente, contudo atentando-se para

uma reconstrução do todo.

Para que ocorra de fato uma abordagem interdisciplinar no ensino de Ciências da

Natureza e Matemática, faz-se necessária conhecer as perspectivas e dificuldades de

professores diante do trabalho pedagógico interdisciplinar para que de fato possamos

consolidar uma ação educativa coletiva, participativa e democrática. Para que, deste

modo, professores possam vislumbrar, com a comunidade escolar, diversas perspectivas

de tratamento dos conceitos e conteúdos curriculares, além das fronteiras das

disciplinas.

6. Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 03 nov. 2014.

BRASIL. Parecer CNE/CEB nº 15/1998: diretrizes curriculares nacionais para o

Ensino Médio. Brasília: CNE/CEB, 1998.

BRASIL. Lei nº 13.005 de 25 junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação

(PNE) e dá outras providências. Disponível em: <http://pne.mec.gov.br/>. Acesso em:

03 nov. 2014.

BRASIL. Censo escolar revela aumento de matrículas em tempo integral. Portal do

Ministério da Educação (MEC). Disponível em: <http://goo.gl/b5twIH>. Acesso em: 03

nov. 2014.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Integração e interdisciplinaridade no ensino

brasileiro: efetividade ou ideologia? São Paulo: Edições Loyola, 1996 (1979).

_____. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. São Paulo: Edições Loyola,

2002 (1991)

_____. Interdisciplinaridade-transdisciplinaridade: visões culturais e

epistemológicas. In: FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Org.). O que é

interdisciplinaridade? São Paulo: Editora Cortez, 2008, p. 17-28.

MACHADO, Nilson José. Educação: projeto e valores. São Paulo: Escrituras Editora,

2000.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3537ISSN 2177-336X

14

PAVIANI, Jayme. Disciplinaridade e interdisciplinaridade. In: PIMENTA, Carlos.

Interdisciplinaridade, humanismo, Universidade. Porto (Portugal): Campo das Letras,

pp. 15-57, 2004.

POMBO, Olga. Contribuições para um vocabulário sobre interdisciplinaridade. In:

POMBO, Olga; LEVY, Teresa e GUIMARÃES, Henrique. A interdisciplinaridade:

reflexão e experiência. Lisboa: Editora Texto, pp.92-97, 1994.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo

integrado. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1998.

SÃO PAULO. Diretrizes do programa ensino integral. 2012?. Disponível em:

<http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/342.pdf>. Acesso em:

03 nov. 2014.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3538ISSN 2177-336X

15

O ENSINO DA MATEMÁTICA: OPORTUNIDADES E PERSPECTIVAS DE

MUDANÇA PARA A FORMAÇÃO HUMANA

Jurema Rosa Lopes

Eline das Flores Victer

Resumo:

A presente reflexão problematiza a prática docente e o comprometimento da escola na

criação de oportunidades e perspectivas na formação da juventude na

contemporaneidade. Nos indagamos como um projeto de ensino pode despertar, através

da matemática, novas perspectivas de futuro e ser reconhecido como instrumento da

formação humana e profissional. A reflexão é um recorte da pesquisa intitulada “O

ensino da matemática: construindo oportunidades e perspectivas de mudança para a

formação profissional e humana” desenvolvida no Programa de Pós Graduação em

Ensino das Ciências da Unigranrio/RJ. Voltamos então o nosso olhar para uma outra

maneira de ensinar matemática através do projeto “A relação entre o ensino da

matemática e a perspectiva profissional para os alunos do CIEP 377 Carmen da Silva”

desenvolvido na escola citada junto aos trinta e cinco alunos do 9º ano. As

oportunidades e perspectivas de mudanças são evidenciadas nas falas dos alunos, de três

profissionais da escola e no desenvolvimento do projeto a partir de palestras com três

profissionais oriundos da mesma comunidade e que hoje estão no mercado de trabalho

em diferentes profissões. Do ponto de vista metodológico, o estudo é de natureza

qualitativa e destacamos que os alunos envolvidos no trabalho sinalizaram o quanto a

matemática está relacionada com diversas profissões e perceberam a importância de

estudar e se profissionalizar, ampliando suas perspectivas e oportunidades. Em relação a

escola, houve mudança na rotina da escola expressa na relação mais equilibrada entre

professores de matemática ou não e alunos, bem como o reconhecimento da papel

social da escola como incentivadora de projetos de vida de seus alunos.

Palavras chave: Ensino de Matemática. Oportunidades. Formação Humana.

Introdução

Não obstante o rico debate que se formou em torno da problematização da prática

docente e o comprometimento da escola na criação de oportunidades e perspectivas na formação

da juventude na contemporaneidade, para a inserção no mercado de trabalho, o que se tem

observado nas comunidades próximas ao CIEP377 Carmen da Silva, seja porque a

família também não teve acesso ao conhecimento socialmente valorizado, seja porque a

escola não tem conseguido atingir seu tão anunciado objetivo com sucesso, é que a falta

de informação dos alunos sobre as possibilidades profissionais existentes e sobre como

a matemática, dentre outras disciplinas, contribui para sua inserção, tem gerado ou

intensificado seu alijamento social.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3539ISSN 2177-336X

16

A presente reflexão é parte de uma pesquisa mais ampla intitulada “O ensino da

matemática: construindo oportunidades e perspectivas de mudança para a formação

profissional e humana” desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Ensino das

Ciências da Unigranrio/RJ. O estudo foi desenvolvido no CIEP 377 – Carmem da

Silva, localizado no bairro Recantus, em Belford Roxo. Essa região faz parte da

Baixada Fluminense emblematicamente caracterizada por um histórico processo de

abandono e precarização das condições de vida, de trabalho e de acesso a serviços

públicos básicos.

O universo dos sujeitos do estudo é formado por trinta e cinco alunos do nono

ano do Ensino Fundamental da escola mencionada. A média de idade é de 13 (treze)

anos. A grande maioria, em torno de 90%, é formada por alunos pardos ou negros e tem

dificuldade na aprendizagem da Matemática, assim como em outras áreas também, o

que não os diferem de forma significativa da realidade dos alunos de outras unidades

escolares estaduais da região. Poucos trabalham para compor a renda do lar, embora

muitos, principalmente as meninas, ajudem nas tarefas domésticas.

Como recorte da pesquisa mencionada nos indagamos como um projeto de ensino

pode despertar, através da matemática, novas perspectivas de futuro e ser reconhecido como

instrumento da formação humana e profissional. Objetivamos, portanto, promover uma

reflexão sobre uma outra maneira de ensinar matemática que pode, em algum momento,

despertar nos alunos do ensino fundamental o reconhecimento da necessidade de maior

envolvimento com a educação formal, especificamente com a matemática, com vistas a

terem melhores perspectivas profissionais e de vida.

1. Ensejando perspectivas e oportunidades através do projeto de ensino “A relação

entre o ensino da matemática e a perspectiva profissional para os alunos do CIEP

377 Carmen da Silva”

O termo oportunidade, que etimologicamente surgiu para designar os ventos

favoráveis, foi suscitado nessa pesquisa em seu sentido de possibilidades de mudança,

de busca de ser mais. O projeto de ensino surgiu nesse intento, o de suscitar novos

modos de provocar maior interesse dos educandos na aprendizagem da matemática, a

partir da percepção das oportunidades e possiblidades que são descortinadas a partir da

educação.

Um claro sentido da oportunidade histórica, oportunidade que não existe fora

de nós próprios, num certo compartimento do tempo, à espera de que vamos

a seu encalço, mas nas relações entre nós e o tempo mesmo, na intimidade

dos acontecimentos, no jogo das contradições. Oportunidade que vamos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3540ISSN 2177-336X

17

criando, fazendo na própria história. História que nos castiga quando não

aproveitamos a oportunidade ou quando simplesmente a inventamos na nossa

cabeça, sem nenhuma fundação nas tramas sociais. (FREIRE, 2005, p. 87)

Devemos ressaltar que o termo oportunidade aqui se relaciona com a

possibilidade de vir a ser dos alunos coletivamente construída, mediatizada por um

contato mais dialógico com o mundo, permitindo reconhecerem sua identidade, na

diferença com o outro, e terem esperança de ser mais no futuro, porque compreendem

criticamente seu passado. (FREIRE, 2002, 2005)

Foi sempre como prática de gente que entendi o que-fazer docente. De gente

inacabada, de gente curiosa inteligente, de gente que pode saber, que pode

por isso ignorar […].Mas se nunca idealizei a prática educativa, jamais foi

fraca em mim a certeza de que vale a pena lutar contra os descaminhos que

nos obstaculizam de ser mais. Naturalmente, o que de maneira permanente

me ajudou a manter esta certeza foi a compreensão da História como

possibilidade e não como determinismo, de que decorre necessariamente a

importância do papel da subjetividade na História, a capacidade de comparar,

de analisar, de avaliar, de decidir, de romper e por isso tudo, a importância da

ética e da política. (FREIRE, 2002, p. 53)

A palavra “projeto” significa o que lança à frente ideias a serem transformadas

em ações, quando falamos em projeto de ensino, estamos nos referindo a uma proposta

de ação didática conforme destaca Caldeira (2002, p. 14), “o ser humano age em

função de construir resultados (...) Agir de modo consciente significa estabelecer fins e

alcançá-los por meio de uma ação intencional.”

Nesse sentido foi elaborado e desenvolvido o projeto de ensino “A relação entre

o ensino da matemática e a perspectiva profissional para os alunos do CIEP 377 Carmen

da Silva”, objetivando relacionar o Ensino da Matemática com formação profissional e

ampliar os horizontes social e profissional dos jovens. Nesse projeto, três profissionais

de diferentes áreas, presentes no CIEP 377, fizeram palestras sobre a importância e a

superação das dificuldades em apreender os conteúdos da Matemática em suas

trajetórias escolar e o reconhecimento dessa aprendizagem na sua vida profissional.

Pressupomos que uma das possibilidades dos alunos terem maior envolvimento com a

disciplina está no fato de estreitarmos o contato entre os alunos e profissionais oriundos

da mesma região, e que fazem ou fizeram uso da matemática na sua formação

profissional, além disso, têm ocupação no mercado de trabalho, em função, dentre

outros fatores, de terem conseguido um bom aproveitamento na disciplina.

Ainda como princípio orientador da elaboração do projeto de ensino, o

conhecimento crítico da realidade em que os alunos vivem e convivem é fundamental.

Os jovens do CIEP 377 vivem numa região na qual a exploração e a violência fazem

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3541ISSN 2177-336X

18

parte do seu dia a dia. Essa região faz parte da Baixada Fluminense emblematicamente

caracterizada por um histórico processo de abandono e precarização das condições de

vida, de trabalho e de acesso a serviços públicos básicos.

Sabemos que a educação é fundamental para a cidadania e acreditamos que os

alunos do nono ano do Ensino Fundamental do CIEP 377, uma vez mais conscientes da

aplicabilidade da Matemática em diversas áreas e também da sua relevância no mercado

de trabalho, poderão envolver-se mais intensamente com o ensino, da Matemática e por

extensão de outras disciplinas.

A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B,

mas de A com B, mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e

desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele.

Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças

que implicitam temas significativos, à base dos quais se constituirá o

conteúdo programático da educação. (FREIRE, 2005, p. 97)

Pensamos que não faz sentido trabalhar com concepções que não questionem a

realidade dos alunos, somente impondo-lhes um modelo de bom homem, ou

entregando-lhes conhecimentos. A concepção de realidade mediatizadora do

conhecimento pressupõe que os conteúdos formais, tradicionais só alcançam sentido se

partem dos próprios objetos e das vivências do mundo daquelas pessoas envolvidas no

processo.

2. O Ensino da matemática no contexto da formação humana e profissional

No decorrer desse estudo a grande questão que se interpôs foi de que,

especificamente no grupo estudado, as informações sobre inserção profissional e a

disponibilização de um panorama dentro do qual os alunos pudessem projetar suas

aspirações, seriam recursos que poderiam favorecer novas relações com o mundo e

com a matemática.

Pressupomos ainda que o projeto de ensino, que incluiu palestras de três

profissionais, poderia, em algum momento, despertar nos alunos do ensino

fundamental o reconhecimento da necessidade de maior envolvimento com a educação

formal, especificamente com a matemática, com vistas a atingirem suas reais

perspectivas profissionais e de vida.

Consideramos o quadro social com o qual lidamos quando nos referimos aos

alunos do 9º ano do CIEP 377 – Carmem da Silva, destacamos três aspectos que

consideramos extremamente relevantes para obtenção de mais sucesso no ensino da

matemática, que são: 1) maior aproximação entre pesquisa e prática docente; 2)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3542ISSN 2177-336X

19

participação efetiva de toda a comunidade escolar, incluindo direção, pais, alunos,

docentes, apoio pedagógico, apoio administrativo e 3) problematização da relação

entre escola e juventude na contemporaneidade.

Perpassando esses aspectos, destacamos, ainda, a concepção essencial de

educação para a vida, compreendendo ensino contextualizado, respeito às diversidades,

a dialogicidade e a politicidade da educação, nas palavras de Freire (2002) “a

qualidade de ser política inerente a sua própria natureza”, especificada pela

impossibilidade da neutralidade e pelo reconhecimento de que seu modo de agir no

mundo estará sempre a serviço de alguma ideologia, mesmo que o professor não tenha

clareza, entretanto, um educador deve ter consciência crítica da ideologia defendida

pelas suas práticas e discursos (FREIRE, 2002, 2005; GENTILI, 2001; PARO;

KUENZER, 2002, 2004; KUENZER E GRABOWSKI, 2006).

Neste sentido, apesar das condições desfavoráveis, acreditamos ser possível a

obtenção de melhores resultados nas salas de aula. Retomando os três aspectos

elencados anteriormente, vale lembrar que o primeiro deles: abarca as dimensões da

prática pedagógica e da importância do professor, nos referimos à distância que se

observa entre a produção acadêmica, visando melhorar os resultados da educação, e a

sua efetiva apropriação pelos cursos, principalmente o de formação de professores.

(D'AMBROSIO, 2008; FREIRE, 2002; FIORENTINI, 2008).

O segundo aspecto que consideramos muito pertinente à realidade da

comunidade estudada: a necessidade da implementação de uma gestão

verdadeiramente democrática nas escolas. Acreditamos que tendo uma comunidade

local mais integrada e envolvida com os objetivos da educação, isso certamente reflete

num melhor desempenho dos alunos em classe.

O terceiro aspecto considera a prática docente e juventudes na

contemporaneidade, destacando a problematização da relação entre escola e juventude,

lembramos que em nossa prática e em contato com outros professores, percebemo-nos,

muitas vezes, fragilizados pela falta de amparo da família, direção e equipe pedagógica

da escola, principalmente, em razão de crescentes indisciplina e desinteresse observado

por parte dos alunos diante do atual modelo educacional.

Assim, com intuito de proporcionar uma experiência de abertura que

promovesse melhor conhecimento do mundo e, consequentemente de si mesmo, como

forma de entrar em contato com as possibilidades de 'ser mais', planejamos as atividades

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3543ISSN 2177-336X

20

de acesso a informações sobre o mercado de trabalho, através das palestras com

profissionais oriundos também do município de Belford Roxo.

Testemunhar a abertura aos outros, a disponibilidade curiosa à vida, a seus

desafios, são saberes necessários à prática educativa. Viver a abertura

respeitosa aos outros e, de vez em quando, de acordo com o momento, tomar

a própria prática de abertura ao outro como objeto de reflexão crítica deveria

fazer parte da aventura docente. A razão ética da abertura, seu fundamento

político, sua referencia pedagógica, a boniteza que há nela como viabilidade

do diálogo. A experiência da abertura como experiência fundante do ser

inacabado que terminou por se saber inacabado. Seria impossível saber-se

inacabado e não se abrir ao mundo e aos outros à procura de explicação, de

respostas a múltiplas perguntas (FREIRE, 2002, p. 51)

Os alunos assistiram a três palestras proferidas por profissionais colocados no

mercado de trabalho, em diferentes áreas de atuação, os quais foram escolhidos pelo

fato de terem estudado em escolas publicas, residirem no município de Belford Roxo e

ainda hoje, ocuparem funções em que a matemática foi ou é usada em suas atividades

profissionais.

2.1.A matemática na perspectiva de três profissionais

As palestras foram realizadas em dias diferentes. Todos os três palestrantes,

E.R., Técnica em Enfermagem do Hospital Estadual Eduardo Rabelo, M. A., Militar do

Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e M.T. Técnico da Petrobrás, em dias diferentes,

falaram sobre as suas dificuldades ou talento na Matemática na sua vida escolar e

também o quanto esse talento ou a superação dessas dificuldades fez diferença para eles

pudessem alcançar sua qualificação profissional. Falaram também sobre o uso da

Matemática durante o seu trabalho. A seguir, transcrevemos, na íntegra, as respectivas

respostas.

Quadro 1 : Abordagens dos Palestrantes

Palestrante 1 Palestrante 2 Palestrante 3

Profissão

TÉCNICA EM ENFERMAGEM, MILITAR DO CORPO DE

BOMBEIROS-RJ

TÉCNICO EM

ELETROTÉCNICA /

PETROBRÁS

Obstáculos que enfrentou no aprendizado da matemática e de como eles foram superados

Os maiores obstáculos foram que,

na época em que eu estudei, fiz o

ensino fundamental, tinha muitas

greves e depois das greves os

professores voltavam às aulas e

tentavam colocar todos os

conteúdos de uma forma rápida

pra terminar o ano. Como eu

Eu sempre me considerei uma

aluna mediana, não tinha tanta

dificuldade como o restante dos

alunos, mas enfrentei algumas

dificuldades principalmente na

terceira série e na sexta série,

Na sexta série, com equações

A relação foi normal. Porém

com essa disciplina eu sempre

tive bastante curiosidade

justamente por saber que ela era

muito usada no dia a dia das

pessoas, e hoje realmente

acredito que tinha muito mais

intimidade com a matemática

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3544ISSN 2177-336X

21

sempre tive uma certa

dificuldade em matemática isso

atrapalhou muito e no ensino

médio quando eu fiz à noite,

faltava professores durante

alguns bimestres, não tinha

professor de matemática e de

outras matérias também, mas

sempre me prejudiquei muito

mais, compliquei muito mais em

matemática por conta dessa

dificuldade que eu já tinha na

matéria.

e inequações, eu tive muita

dificuldade. Enfim, mediana.

Mas entendia que era

importante ser boa aluna.

do que a maioria esmagadora

dos alunos.

Sobre de que maneira a Matemática contribuiu para sua carreira

Foi fundamental,

principalmente quando eu

comecei a me preparar, assim

que eu terminei o curso técnico e

comecei a me preparar pros

concursos públicos e eu tive que

aprender a fazer os cálculos

relacionados a minha área. E

como a gente sabe que em

concurso público um ponto faz

muita diferença na classificação,

eu tive que me aprofundar nesses

cálculos e por isso que eu

consegui, logo assim que eu

terminei, passar no meu primeiro

concurso.

Com relação aos concursos, não

é o primeiro concurso que eu

faço, esse dos bombeiros que

caiu Matemática na prova e

mesmo eu não sendo excelente

aluna e me esforçando e lendo o

programa e estudando eu

consegui fazer uma excelente

prova e me ajudou muito nesse

sentido.

Eu sou formado como técnico

em eletrotécnica, e estou nessa

atividade há uns 25 anos, na

verdade, é impossível imaginar

aí o conhecimento tecnológico

sem a Matemática, porque ela,

junto com a Física, são os

pilares desse segmento. Onde

está a tecnologia, está a

Matemática.

Quanto ao uso da matemática no desempenho do seu ofício

Utilizo pouco, porque eu

trabalho diretamente em

clínica médica e só quando eu

estou nos plantões em CTI,

geralmente, quando não tem o

equipamento que a gente chama

de bomba ifusora, que faz o

cálculo automaticamente pra

diluição do medicamento e

alguns pacientes ficam sem essa

bomba ifusora, e eu tenho que

realizar esses cálculos de

medicamento para estar

administrando esses

medicamentos.

Hoje eu utilizo menos, porque

eu trabalho escrevendo muito,

num serviço mais burocrático.

Quase não utilizo, só quando

eu sou deslocada pros cursos

internos, cursos militares.

Bom, é claro. Nos cálculos

relacionados a alguns sistemas,

como elétricos, hidráulicos, de

refrigeração e obviamente suas

respectivas grandezas, tais como

corrente elétrica, vazão

hidráulica, pressão

manométrica, toneladas de

refrigeração, entre outras

grandezas.

Fonte: O ensino da matemática: construindo oportunidades e perspectivas de mudança para a formação

profissional e humana. Dissertação de Mestrado. UNIGRANRIO (ANDRADE, 2014)

Quanto aos obstáculos enfrentados no aprendizado da matemática e de como

eles foram superados destacamos na fala do Palestrante 1: falta de professores, greves e

dificuldades em matemática, observamos que os obstáculos não se restringem a

dificuldade da matemática, já que questões inerentes como falta de professor e greve

contribuem para o índice insatisfatório da educação como um todo. Neste sentido,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3545ISSN 2177-336X

22

conforme questiona Andrade (2014) “só o ensino de matemática é que vai mal? O

ensino da matemática está numa classificação pior que as outras disciplinas?”

Pensando sobre de que maneira a Matemática contribuiu para sua carreira, todos

afirmam que a matemática foi fundamental para alcançar os objetivos profissionais.

Quanto ao uso da matemática no desempenho do seu ofício, o Palestrante 1 e 2 pouco

utilizam a matemática, entretanto para o palestrante 3 afirma, a matemática é utilizada

diariamente em seus cálculos.

Mesmo não usando a matemática em sua atividade profissional cotidiana, os

palestrantes afirmam que ela foi de alguma forma importante no seu desenvolvimento

pessoal e profissional. A despeito da ampla difusão do papel da escola na formação da

juventude para a inserção profissional, tal concepção dever ser sempre contextualizada e

questionada para que não seja instrumento de perpetuação de discursos de justificação

do fracasso.

2.2.A percepção dos profissionais da escola a partir do projeto

Entrevistamos três profissionais que atuam na Escola e estão em contato com

os alunos em diferentes contextos. Uma delas é a Diretora Geral da Unidade, a outra

Professora de Artes e a terceira Agente de Leitura. A seguir, transcrevemos, na íntegra,

as respectivas respostas.

Quadro 2: A percepção do Projeto na escola

Profissional 1 da Escola Profissional 2 da Escola Profissional 3 da Escola

Função

Diretora Geral da Unidade Professora de Artes Agente de leitura

O que achou da iniciativa do projeto “A relação entre o ensino da matemática e a perspectiva

profissional para os alunos do CIEP 377 Carmen da Silva”?

Eu achei que o projeto foi muito

bom. O projeto repercutiu bem

aqui na escola e o mais

interessante, que eu pude

vivenciar com os alunos foi que

eles mostraram maior

interesse em estar aprendendo,

adquirindo conhecimento, pela

condição de melhorar o

profissional.

Foi de grande relevância, pois os

alunos de nossa escola, pelo fato

da escola ser localizada num

ambiente humilde, num local

distante de tudo, as crianças

ficam com um foco muito

pequeno, muito retraído e o

projeto acabou ampliando a

visão do nosso aluno, pois ele

percebeu que através das

palestras ele tem possibilidade

de fazer um ensino médio mais

consistente, mais importante pra

carreira deles, tanto pessoal

quanto profissional

Uma inciativa excelente. Os

professores deveriam ser

incentivados cada vez mais a

buscar ferramentas para alcançar

os alunos e fazer com que eles

adquiram mais conteúdos e

repassem seus conhecimentos.

Qual foi a importância desse projeto na escola?

A Matemática é sempre o “bicho

papão” dos alunos e com esse

Durante o projeto sim, porque a

escola ganhou um novo

Contribuição para o

desenvolvimento

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3546ISSN 2177-336X

23

projeto, o professor teve a

oportunidade de estar mostrando

como é bom aprender a

Matemática, que não é esse

tabu que já se traz de longo

tempo, que é difícil, impossível,

uma coisa chata e sem

perspectiva. Os alunos

conseguiram ter uma outra

visão da Matemática.

Conversando com eles depois, a

gente pode observar que eles

mostraram mais interesse em

estar estudando e aprendendo

mais a Matemática.

movimento, através da

animação dos alunos, do

interesse dos alunos em

conhecer o que eles nem

pensaram que poderia existir.

Foi realmente durante o projeto,

foi bem importante a escola

ganhou uma nova forma e os

alunos também.

intelectual/pessoal do aluno.

Interação aluno x escola, aluno x

professor, aluno x aluno.

Mudança de “visão” por parte

dos outros docentes para

buscar aprimoramento na sua

graduação. Criou-se um vínculo

de descobertas, pois os alunos

não tinham muitos incentivos

para profissionalismo; não

tinham visão de melhoras para

o futuro.

Acredita que esse projeto pode ter sido importante pra vida dos alunos?

Acredito. Sim. Acho de uma relevância

grandiosa. Foi uma inciativa

perfeita. Porque como já falei

anteriormente, o aluno de nono

ano, ele é um aluno imaturo.

Sendo que é um aluno que tem a

possibilidade, que tem nas mãos

a possibilidade de resolver o

lado profissional dele. E esse

aluno de nono ano já pode ir

para o ensino médio, se formar,

ter uma profissão, ter um curso

técnico, e que na maioria das

vezes ele não tem nem noção,

nem o conhecimento, que isso

pode ser de grande valor na sua

vida. E esse projeto acabou

ampliando esse horizonte do

nosso e eu acho que esse projeto

deveria até ser lançado quase

que obrigatoriamente em todas

as escolas

Com certeza. Foi muito

importante pois muitos deles

viveram uma experiência

diferenciada, que para eles

parecia utopia; contribuiu para o

desenvolvimento do aluno, para

o uso da Matemática e

crescimento pessoal “do que

posso ser no futuro”.

Fonte: O ensino da matemática: construindo oportunidades e perspectivas de mudança para a formação

profissional e humana. Dissertação de Mestrado. UNIGRANRIO. (ANDRADE, 2014)

Perguntamos aos profissionais o que eles acharam sobre a iniciativa, a importância para

a escola e para o aluno do projeto “A relação entre o ensino da matemática e a perspectiva

profissional para os alunos do CIEP 377 Carmen da Silva”. Todos avaliaram positivamente a

inciativa destacando a perspectiva de futuro e ampliação de visão de mundo dos alunos,

considerando-se as características do local onde a escola está inserida.

Sobre a importância do projeto para a escola, destacaram a nova maneira de lecionar

matemática tornando o aprendizado mais prazeroso. Duas entrevistadas ressaltaram o “novo

movimento” da escola a partir dos alunos. Uma das entrevistadas relatou ter percebido uma

movimentação por parte de outros docentes por busca de aprimoramento em sua formação.

Acreditam na relevância do projeto para a vida dos alunos destacando que ele passaram a

acreditar mais nos seus sonhos e a almejar novos projetos de vida.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3547ISSN 2177-336X

24

2.3. A percepção dos alunos a partir do projeto

A partir da culminância do Projeto de Ensino, um questionário foi entregue aos

alunos, também em sala com o objetivo de coletar a impressão dos alunos sobre a

importância do ensino da Matemática para o seu futuro profissional e também a opinião

deles em relação ao projeto de ensino. Perguntamos ainda se os alunos acreditavam que

depois da intervenção passariam a se dedicar mais aos estudos, principalmente a

Matemática e todos responderam que sim. As justificativas foram as seguintes :

Quadro 3 – Justificativas dos alunos

Respostas dos alunos %

Porque a Matemática é importante para o nosso futuro profissional 56%

Porque a Matemática está presente em tudo na vida 41%

Não justificaram 3%

Fonte: O ensino da matemática: construindo oportunidades e perspectivas de mudança para a formação

profissional e humana. Dissertação de Mestrado. UNIGRANRIO. (ANDRADE, 2014)

O projeto proporcionou uma maior consciência dos alunos sobre a importância

da matemática no dia a dia. A aluna D parece nos contar, com surpresa, a sua descoberta,

ao dizer que “eu achava que a matemática só existisse nas profissões de conta” (Figura 1).

Entretanto o projeto ajudou a aluna a perceber o valor da Matemática, fato destacado ao

mencionar “que ela é importante até demais”.

Figura 1 – Resposta da aluna D.

A matemática nas “profissões de conta” nos remete a refletir sobre a importância

de compreender o ensino contextualizado, e que o professor precisa de alguma forma

estar sensível a esses aspectos de modo que se perceba e se assuma enquanto professor

da sua função social. Acreditamos que entre os obstáculos enfrentados pelos alunos no

cotidiano escolar estão associados a uma formação restrita do professor ligada as

condições de trabalho ou a interpretações equivocadas de concepções pedagógicas.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3548ISSN 2177-336X

25

Figura 2 – Respostas da aluna B

Destacamos na fala da Aluna B a mudança de perspectiva e percepção quanto as

oportunidades que podem surgir além do que eles almejavam. A possibilidade de

relações equilibradas entre professor e aluno, o que não significa ausência de conflito,

favorecem boas intervenções e mostra a preocupação da escola com novas

aprendizagens e portando com a possibilidade de novas escolhas. Nos parece que o

professor conseguiu conciliar a necessidade de um ensino contextualizado ao caráter

político inerente à própria atividade do professor

Através do diálogo, esse projeto oportunizou uma aproximação dos alunos, não

só com o professor de matemática como também com os demais profissionais da escola.

Como destaca Freire (2005) envolver educadores e educando no processo de exercitar a

pronuncia do mundo, a palavra verdadeira, que é a práxis, não é privilégio de alguns

homens, mas direito de alguns homens.

3.Considerações Finais

Podemos afirmar que iniciativas como as empreendidas no projeto de ensino

contribuem para o tipo de socialização que buscamos, ou seja, para o sentimento de

implicação e responsabilidade do aluno diante do processo de aquisição do

conhecimento. Na convivência na escola, por se sentirem mais compreendidos e

respeitados, os alunos demonstraram a vontade de retribuir a confiança, colaborando e

tornando a dinâmica da sala de aula muito mais leve e fluida, embora nunca isenta de

conflito que é decorrente do próprio processo de construção e aprendizagem.

No decorrer do estudo, percebemos outros ganhos significativos no que se refere

ao sentimento de maior responsabilidade do aluno diante das suas escolhas, além do

contato com o novo, do aumento do repertório com perspectivas e possibilidades de ser

mais, para a renovação da esperança.

A gestão democrática é um caminho para um processo educacional que envolva

diretamente os principais agentes (professores, direção, apoio administrativo, pais e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3549ISSN 2177-336X

26

alunos) dando-lhes voz e possibilitando buscar soluções – adequadas à cada

comunidade escolar, com suas peculiaridades – para enfrentar as limitações percebidas

por eles.

O projeto também se revelou muito positivo para a escola, observando-se

algumas mudanças tanto por parte dos demais docentes, na busca por aprimoramento,

quanto por parte dos alunos. No sentido de relevância do projeto para a vida dos alunos,

tanto estes quanto os profissionais palestrantes, a diretora, a professora e a agente de

leitura da escola mencionaram, em algum momento que a experiência amplia os

horizontes dos alunos. Podemos dizer que desse modo, alimentamos sua fé no futuro e a

esperança de ser mais.

Construir o senso de responsabilidade. Tornar o cidadão participante, crítico,

responsável e comprometido com a mudança das práticas e condições da sociedade que

violam ou negam os direitos humanos é fundamental para um país democrático e justo.

Devemos educar para e pela cidadania e democracia, devemos oferecer à população

espaços de exercício da cidadania, dentre os quais o mercado de trabalho.

Referências

ANDRADE, A. S. R. O ensino da Matemática: Construindo Oportunidades e

Perspectiva de Mudança para a Formação Profissional e Humana. Dissertação de

Mestrado. Mestrado Profissional em Ensino das Ciências na Educação Básica. Duque

de Caxias, 2014

CALDEIRA, A. M. S. Elaboração de um projeto de ensino. Presença Pedagógica. Belo

Horizonte, v. 8, n. 44, pp. 14-23, mar/abr, 2002. 395

D’AMBROSIO, U. Educação para uma sociedade em transição. Campinas, SP:

Papirus, 1999.

D’AMBROSIO, U. Educação matemática: da teoria à prática. 16 ed. Campinas, SP:

Papirus, 2008.

FIORENTINI, D. A Pesquisa e as práticas de formação de professores de matemática

em face das políticas públicas no Brasil. Boletim de Educação Matemática, Rio Claro

(SP), ano 21, nº 29, 2008, p. 43-70. Disponível em:

http://www.redalyc.org/pdf/2912/291221870004.pdf. Acesso em 19 Jan. 2014.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 41. ed. Rio de janeiro: Paz e Terra, 2005.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.25. ed.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

GENTILI, A. A. P. Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo em educação.9 ed.

Petrópolis: Vozes, 2001.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3550ISSN 2177-336X

27

KUENZER, A. Z. Conhecimento e competências no trabalho e na escola. Boletim

Técnico do SENAC , Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, maio/ago. 2002. p. 1-18. Disponível

em http://www.senac.br/BTS/282/boltec282a.htm. Acesso em 15 Jan. 2014.

KUENZER, A. Z. Exclusão excludente e inclusão excludente: a nova forma de

dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre Educação e Trabalho. In:

LOMBARDI, J. C. et al. (org.) Capitalismo, Trabalho e Educação. Campinas: Autores

Associados, HISTEDBR, 2004.

KUENZER, A. Z., GRABOWSKI, G. História e perspectivas do ensino médio e

técnico. A gestão democrática da Educação Profissional: desafios para sua construção.

In Caderno MEC – Ensino médio e formação profissional. Bol 07, mai/jun. 2006. p. 16-

28. Disponível em http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf2/boletim_salto07.pdf.

Acesso em 12 Jan. 2014.

PARO, V. H. Parem de preparar para o trabalho: Reflexões acerca dos efeitos do

neoliberalismo sobre a gestão e o papel da escola básica. In: FERRETTI, Celso João et

alii; (orgs.). Trabalho, formação e currículo: para onde vai a escola. São Paulo, Xamã,

1999. p. 101-120.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3551ISSN 2177-336X

28

POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES EM MATEMÁTICA PARA EJA

NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Adriano Vargas Freitas -UFF

Agnaldo da C. Esquincalha - UERJ Resumo:

O artigo apresenta recortes de estudos desenvolvidos em parceria institucional entre a

UFF e a UERJ sobre práticas curriculares na Educação de Jovens e Adultos (EJA), com

foco sobre a área de matemática. Para isso optou-se pela metodologia qualitativa, de

caráter exploratório envolvendo levantamento bibliográfico e documental. Destaca

análises sobre currículos voltados para a EJA, assim como indicações em pesquisas da

área da Educação Matemática em relação às necessárias adaptações desses currículos às

especificidades e objetivos dos estudantes da EJA. Analisa que esses currículos devem

proporcionar espaços dialógicos que potencializem a descoberta de soluções próprias,

por parte dos estudantes, face às situações imprevistas. Assim como o incentivo à

iniciativa e a autonomia, numa lógica construtivista de valorização de sua participação e

reflexão. Analisa em seguida a recente proposta curricular para o Ensino Médio das

escolas de EJA estaduais do Rio de Janeiro, o Programa Nova EJA, com destaque para

o curso formativo ofertado aos professores para a melhor utilização de materiais

didáticos desse projeto. Dentre os resultados, a maior valorização, por parte dos

docentes, de formações específicas para atuar nesta modalidade educacional, e a

percepção de seus propósitos, inclusive como política pública.

Palavras-chave: Educação Matemática, Educação de Jovens e Adultos, Práticas curriculares, Programa Nova EJA. Considerações iniciais O presente artigo apresenta recortes de estudos desenvolvidos em projeto de

pesquisa interinstitucional envolvendo a Universidade Federal Fluminense e

a Universidade do Estado do Rio de Janeiro com foco sobre práticas curriculares em

matemática na Educação de Jovens e Adultos (EJA) em escolas públicas pertencentes à

rede estadual de ensino do Rio de Janeiro. A pesquisa, moldada em perspectivas

qualitativas, possui caráter exploratório, e tem por principal finalidade o melhor

conhecimento a respeito de um determinado tema, assim como “desenvolver, esclarecer

e modificar conceitos e ideias” (GIL, 2008, p.27) a respeito desse tema, por meio de

levantamento bibliográfico e documental. Nestas perspectivas, visa proporcionar visão

geral sobre a modalidade da EJA, e suas práticas curriculares. Tópicos que ainda têm

sido pouco explorados e que, por isso, muitas vezes dificulta formular hipóteses

precisas e operacionalizáveis que possibilitem a ampliação da qualidade do processo de

seu ensino e aprendizagem.

Neste trabalho, consideramos como práticas curriculares o “exercício

característico da escola na organização e desenvolvimento do currículo, ou seja, as

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3552ISSN 2177-336X

29

ações envolvidas na elaboração e implementação do currículo” (LUNARDI, NUNES,

CORREA e RECH, 2006, p.2). Para Sacristán (2000), essas práticas não costumam ser

atividades instantâneas, desordenadas e desarticuladas, elas apresentam organização,

ordenação, finalidade e coerência, pois se “ocupam de um conteúdo preciso” (p.209).

Na primeira parte destacamos análises sobre currículos voltados para a EJA,

principais indicações encontradas em pesquisas da área da Educação Matemática em

relação às necessárias adaptações desses currículos às especificidades dessa modalidade

educacional, e os objetivos de seus estudantes. Em seguida, abrimos espaço para uma

breve narrativa e análises iniciais sobre o Programa Nova EJA, política curricular para o

Ensino Médio oferecido nessa modalidade, implementada nas escolas da rede estadual

fluminense a partir de 2013.

Questões curriculares que envolvem a EJA

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) ao destacar a

necessidade de ofertar educação básica a jovens, adultos e idosos, atentando-se para

características e práticas curriculares adequadas às necessidades, objetivos e

disponibilidade desse público, instigou a comunidade acadêmica a desenvolver

investigações sobre a EJA. Em seguida, a publicação das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a EJA (BRASIL, 2000) e das Orientações Curriculares para o seu

primeiro e segundo segmento (BRASIL, 2002a, 2002b), trouxeram contribuições às

discussões e à reflexão sobre o ensino de matemática, e de outras áreas do

conhecimento, destinado a esses estudantes. Destacam que esse processo educacional

precisa ser concebido como um modelo pedagógico próprio, criando ambientes

propícios à promoção de situações de ensino e aprendizagem que venham ao encontro

dos objetivos e das necessidades desse alunado. Além disso, destacam que os

profissionais que atuam na EJA devam receber formação adequada para esta função

pedagógica, envolvendo atenção para as peculiaridades dessa modalidade de ensino.

Diante deste contexto, em que as questões das especificidades da EJA se

confrontam com objetivos comuns que ela precisa ter em relação à educação chamada

regular, emergem diversas questões a serem respondidas por pesquisadores, tais como

as relacionadas às práticas curriculares de matemática prescritas e implementadas nos

ambientes educacionais dessa modalidade de ensino. Tais questões nortearam nossa

pesquisa qualitativa exploratória (GIL, 2008), com foco em projetos envolvendo

práticas curriculares para escolas da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3553ISSN 2177-336X

30

A escolha pela área de matemática na EJA deve-se ao fato de ter sido esta a

área destacada por diversos docentes, em pesquisa realizada pelo MEC (BRASIL,

2000), como a que se sentem menos preparados para desenvolver atividades nas

propostas educacionais nesta modalidade. Dentre os mais de 5000 professores

representantes de todas as regiões brasileiras que foram consultados, cerca de 60%

indicaram a disciplina de matemática como a mais difícil de lecionar, e a que se sentem

menos à vontade para desenvolver práticas curriculares mais voltadas às especificidades

de seus estudantes. Desta mesma pesquisa, destacamos a indicação de que tais práticas

envolvam “especificidades marcantes que precisam ser identificadas, particularmente

quando a tarefa é construir uma proposta curricular” (p.87). Para isso torna-se

fundamental a determinação de forma clara da identidade do curso de EJA, devendo

significar a promoção e a formulação de propostas flexíveis e adaptáveis às diferentes

realidades de seus estudantes, contemplando temas como inclusão, cultura e sua

diversidade, relações sociais, necessidades dos alunos e da comunidade, meio ambiente,

cidadania, trabalho e busca pelo exercício da maior autonomia.

Analisando estes pontos, Freitas (2013) nos apresenta uma panorâmica geral das

produções envolvendo questões curriculares da área da Educação Matemática na EJA,

da qual destacamos três delas: i) a indicação da necessidade da quebra de antigos

paradigmas que visavam uniformizar o processo de ensino/aprendizagem, em

desconsideração da rica diversidade presente nas salas de aula de matemática da EJA;

ii) a denúncia de que as seleções de conteúdos curriculares, e práticas curriculares, não

são neutras, e sempre pressupõe a utilização de algum filtro, o que explicaria a ausência

de alguns conhecimentos desenvolvidos no currículo (e nas práticas) e a validação

hegemônica de outros, e iii) críticas relacionadas às prescrições prévias de currículos

para a EJA, por considerar que esta interferência externa ao ambiente escolar acabaria

por desconsiderar as singularidades, as experiências de vida, os saberes anteriores e as

conexões que cada estudante estabelece entre os conhecimentos. Sob a perspectiva das

especificidades da EJA, não faria sentido pressupor um trajeto obrigatório e único para

todos esses estudantes, em desrespeito aos seus diferentes processos e progressos de

aprendizagem.

Sobre o segundo e o terceiro pontos descritos acima, Silva (2010), argumenta

que, ao analisar as relações entre trabalho e educação, podemos verificar a ocorrência de

certa banalização dos saberes oriundos das experiências laborais, causada pelo

desconhecimento dos educadores, e também por uma naturalização pelos próprios

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3554ISSN 2177-336X

31

trabalhadores, ao ponto de considerarem esses saberes menores. Considerando a seleção

de conteúdos que irão compor os currículos, este mesmo autor analisa que o docente

atua no embate “entre saberes da experiência laboral e conhecimentos prescritos”

(p.151), definindo e efetivando em sua ação pedagógica o que constituirá realmente o

corpus de conhecimentos a serem desenvolvidos durante o processo de ensino-

aprendizagem.

Essa dinâmica nos revela uma cadeia de ações autônomas dos sujeitos

envolvidos nas práticas curriculares. Autonomia esta, que se faz perceptível na

passagem do currículo prescrito para o currículo em ação no ambiente educacional,

desde o momento em que o currículo é apresentado ao docente e a forma que ele o

compreende e o apresenta aos estudantes, até o momento em que, nessa apresentação,

ocorra a assimilação por parte desses aprendentes.

A concepção da impossibilidade da neutralidade do currículo, prescrito ou

praticado, permeia as análises de Muenchen e Auler (2007), para quem os currículos

moldados nestas perspectivas formariam os estudantes para simplesmente observar o

mundo à sua volta, sem julgá-lo. Dessa forma, chamam a atenção para o que seria um

grande descompasso entre desejar uma educação voltada para as especificidades da

EJA, realizada sob um projeto educacional próprio da comunidade escolar na qual a

escola esteja inserida e a pretensão de se estabelecer um currículo único que poderia

acabar por engessar as discussões que o envolvesse.

Para Ciavatta e Rumert (2010), a proposta de currículo único, sem espaços para

flexibilizações, acabaria por revestir a EJA em lógica Fordista, ou seja, “estruturada

para ensinar a muitos alunos, como se fossem apenas um, os mesmos conteúdos de

forma previsível e igual” (p.468).

Entretanto, destacamos que não podemos ignorar as grandes diferenças, de

diversas ordens que podemos encontrar nas escolas, especialmente nas pertencentes às

redes públicas de ensino, nas formações de professores, assim como nos materiais da

EJA. Tais diferenças e desigualdades encontradas nas diferentes regiões do país

poderiam ocasionar a não garantia de uma formação básica para, inclusive proporcionar

que seus estudantes possam prosseguir seus estudos.

Diante destas constatações e reflexões, julgamos fundamental destacar pontos

elencados em pesquisas da área que indicariam formas de se assegurar que a educação

ofertada à EJA seja de fato inclusiva e integre as diferentes dimensões humanas: social,

profissional, cultural e política. Além disso, que envolva os conhecimentos em

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3555ISSN 2177-336X

32

significados sociais como forma de facilitar sua aprendizagem. Por exemplo, ao

considerarmos a organização curricular na área de matemática, é possível percebermos

dificuldades apresentadas por indivíduos que passam a vida toda contando dinheiro para

se alimentar, vestir e criar filhos e netos, e não conseguem aprender a fazer contas. Essa

constatação reitera a denúncia da desvinculação do ensino da aritmética de seu rico

significado em nossos contextos de vida cotidiana.

Além disso, de acordo com pesquisas de Di Pierro, Joia e Ribeiro (2001) e

Kooro e Lopes (2007), é imprescindível que assegurem a não reprodução simplesmente

dos mesmos currículos, métodos e materiais da educação infanto-juvenil, mas que

integrem as dimensões de educação geral e profissional, reconhecendo processos de

aprendizagem informais e formais, de modo a que estes estudantes possam obter novas

aprendizagens e autodeterminem suas biografias educativas.

Dessa forma, analisamos que estes currículos devem proporcionar espaços para

intervenções formativas que potencializem a descoberta de soluções próprias, por parte

dos estudantes, face às situações imprevistas. Incentivo à iniciativa e a autonomia, numa

lógica construtivista de valorização de sua participação, interação e reflexão.

Oliveira (2007) defende que os conteúdos da EJA devem constar em um

currículo que proporcione formas do estudante desenvolver-se física, afetiva, intelectual

e moralmente para seu pleno desempenho autônomo no âmbito político, econômico e

social no seu contexto de vida. Dessa forma, defende que alguns conteúdos formais

clássicos devem ser substituídos por outros que possam melhor contribuir para estes

objetivos, e que o distanciamento do “saber enciclopédico” (p.98) não deve significar

uma minimização ou facilitação de conteúdos, mas sim uma adequação consistente de

conteúdos vinculados ao mundo do estudante.

Sobre o formato básico de um currículo em matemática direcionado para as

especificidades da EJA, Kooro e Lopes (2007) analisam que deve contemplar os

conceitos essenciais dessa área, como as ideias das operações, propriedades

geométricas, raciocínio combinatório, medidas estatísticas, etc. Ressaltam que “em

relação às abordagens didáticas, é preciso considerar a resolução de problemas, jogos,

história da matemática, uso da calculadora e outras tecnologias, aulas investigativas,

trabalho com projetos e leitura em matemática”. (p.108).

Mas, além dessas e outras indicações que poderiam ser aqui citadas, destacamos a

necessidade real de adaptações das práticas curriculares aos ambientes educacionais da

EJA, ao ponto inclusive de obtermos mudanças de paradigmas. Tais como a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3556ISSN 2177-336X

33

considerações, por parte do docente, de que erro do aluno pode ser um certo

conhecimento (por vezes cristalizado), que mostrou-se inadequado na situação avaliada

(ARAÚJO e SANTOS, 2009).

Tendo por base estas e outras perspectivas e motivações, nos movemos à análise

dos currículos desenvolvidos em escolas pertencentes à rede estadual de ensino do Rio

de Janeiro, sobre as quais passamos a relatar no tópico a seguir.

Políticas recentes para Educação de Jovens e Adultos no Rio de Janeiro

Há cerca de três anos a Rede Estadual do Rio de Janeiro conta com duas novas

frentes para a formação escolar de jovens e adultos, o CEJA e a Nova EJA. O CEJA –

Centro de Educação de Jovens e Adultos é integrante do SEJA – Sistema de Educação

de Jovens e Adultos, que oferece, ainda, cursos de qualificação profissional em nível

técnico.

O CEJA é uma versão atualizada do que era conhecido como CES – Centro de

Estudos Supletivos, que existia em algumas escolas estaduais. Nessa modalidade os

alunos retiravam o material didático desenvolvido por professores dos polos, ou mesmo

listas de conteúdos, estudavam por conta própria, podendo tirar dúvidas com esses

professores em horários pré-determinados e, agendavam suas provas e poderiam fazê-

las até obter aprovação em cada módulo. Desta forma, quando fossem completadas

todas as provas de todas as disciplinas, o aluno teria acesso ao certificado de conclusão

dos estudos de determinado segmento.

A reformulação começou pela própria estrutura da rede CEJA, que foi ampliada

em relação à rede CES e passou a ser administrada por uma Fundação do Governo

Estadual, que gere as políticas de Educação a Distância, e não mais pela Secretaria de

Educação. Além disso, os alunos passaram a contar, além do apoio presencial dos

professores lotados nos polos, com uma plataforma elaborada e mantida por uma equipe

de professores da rede, selecionados e formados atuar virtualmente. Neste ambiente,

além de ter acesso a todo o material do aluno do CEJA, o estudante pode ainda tirar

dúvidas a distância, em qualquer tempo e lugar.

Segundo, Pinto e Esquincalha (2013), os materiais didáticos do aluno do CEJA

foram organizados e planejados de modo que fosse possível o estudo individual e

autônomo, fora dos ambientes escolares tradicionais. Os textos são dialógicos e a

metodologia adotada é o da resolução de problemas, onde o aluno é motivado logo no

início, nos módulos de Matemática, por alguma situação problema que será discutida e

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3557ISSN 2177-336X

34

solucionada ao longo da unidade, propiciando a formação de um conceito novo e de

forma que faça sentido para as diversas realidades de jovens e adultos.

Já a Nova EJA, é um programa presencial, com currículo diferenciado,

desenvolvido ao longo de quatro módulos semestrais, em que o primeiro resgata pré-

requisitos importantes do Ensino Fundamental, na área de Matemática, e os três

restantes equivalem, cada um, a uma série do Ensino Médio. Nesse programa o

currículo é diferenciado, a abordagem acontece por áreas: Ciências da Natureza,

Ciências Humanas, Linguagens e Matemática, sendo as duas últimas presentes nos

quatro módulos e as duas primeiras em revezamento.

Os professores do CEJA e da Nova EJA receberam formação oferecida em

parceria por centros de formação de professores do Governo Estadual, referente ao

trabalho com cada módulo. Essa formação acontecia de forma presencial, em encontros

mensais ou bimestrais, e virtualmente, na mesma temporalidade do módulo em

implementação. Nos próximos parágrafos focaremos em algumas pesquisas que têm

acompanhado a implementação do Programa Nova EJA, chamado apenas de EJA a

partir de 2016, uma vez que o ciclo de implementação dos quatro módulos já se

completou ao fim de 2015.

Esquincalha et al. (2015) descrevem o processo de elaboração e revisão do

material didático, que é essencialmente o mesmo para a Rede CEJA e para o Nova EJA,

e utiliza metodologia e currículos específicos para jovens e adultos, material didático do

aluno e do professor próprios, além de recursos multimídia. Comentam ainda sobre a

formação dos professores do Nova EJA, feita em cinco módulos, um referente a cada

módulo de conteúdos específicos por área do conhecimento, e um para discutir questões

curriculares para EJA. Ao fim dos cinco módulos o professor recebia um certificado de

aperfeiçoamento, com carga horária de 180h.

Segundo esses autores, o material didático foi escrito por professores experientes

na modalidade, selecionados por editais públicos, e uma primeira versão de cada

módulo foi discutida em grupos focais presenciais com os professores da rede em

diversas cidades do Estado e, também foi realizada uma consulta pública virtual. A

partir dos resultados, os materiais foram revistos e novas versões foram distribuídas

para professores e alunos. Esquincalha et al (2015) apontam como principais sugestões

de reformulação a mudança de dez para seis unidades de implementação obrigatória em

cada módulo, ou seja, a reformulação do que se entende como conhecimento

matemático essencial para um jovem ou adulto que vive nesse tempo e nas diferentes

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3558ISSN 2177-336X

35

regiões do Estado, respeitando a autonomia do professor que está em sala de aula e

conhece melhor a realidade em que está inserido.

Acompanhamento da implementação curricular do Programa Nova EJA

Ao fim do primeiro ano do Programa, foram realizados grupos focais em três

regiões do Estado (Serrana, Norte e Baixada Fluminense), a fim de verificar as

impressões dos professores sobre seu processo de formação continuada para

implementação do Nova EJA. Os grupos focais versaram sobre o ensino de Matemática

de maneira contextualiza, com atividades específicas para o público da EJA, e sobre a

importância das experiências compartilhadas que podem ocorrer por meio dos fóruns de

discussão durante a formação a distância. Dessa forma, três atividades focais foram

construídas a partir de situações reais da Formação Continuada para Nova EJA, sejam

planos de aula propostos pelos cursistas, sejam por sequências de comentários em

fóruns de discussão. Sendo assim, nesse momento de análise objetivamos observar mais

traços do aprendizado dos docentes na formação continuada da NEJA.

Como estratégia de formação e pesquisa os grupos focais são importantes porque

permitem evidenciar opiniões, relevâncias, valores, crenças e percepções dos sujeitos;

possibilitam focalizar a investigação em questões mais precisas; e enriquecem a coleta

de dados (BERG, 2006).

Com a anuência dos professores, todos os grupos focais foram videogravados e

tiveram cerca de 1h30min de duração. Segundo Esquincalha et al. (2015) “os vídeos

foram assistidos repetidas vezes pelos pesquisadores, que transcreveram algumas falas

dos professores em formação e as organizaram em quatro categorias emergentes:

Educação de Jovens e Adultos, indícios de aprendizado do professor, material didático e

sugestões”. As subcategorias que emergiram das análises foram:

1. Educação de Jovens e Adultos

1.1. percepção sobre a necessidade de uma formação específica para a EJA;

1.2. concepções e aparente clareza sobre o propósito da EJA;

1.3. a EJA como uma política pública;

1.4. atenção dos docentes para a avaliação do aprendizado na EJA;

1.5. a importância de dar voz ao conhecimento do aluno.

2. Indícios de aprendizado do professor

2.1. exemplos de falas, olhares, sinais de concordância;

2.2. medos, inseguranças e dúvidas;

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3559ISSN 2177-336X

36

2.3.aprendizado de ordem tecnológica;

2.4. desenvolvimento da autonomia mediante estratégias didáticas criadas,

inspiradas etc. 3. Material didático

3.1. algo significativo/novo, algo que o professor tem vontade de

aprimorar/estudar mais;

3.2. inspiração em atividades dos módulos;

3.3. fator tempo como limitação para implementar tudo

3.4. conteúdos críticos.

Sugestões

A análise realizada identificou que o curso de formação continuada mostrou-se

frutífero para os docentes dos três polos visitados. Particularmente, observou-se que os

professores valorizaram a formação e mostraram perceber a necessidade de uma

formação específica para a EJA. Suas concepções revelaram uma aparente clareza sobre

o propósito e a especificidade da EJA, inclusive, como uma política pública. Suas

reflexões também revelaram a atenção dos docentes para a avaliação do aprendizado na

EJA e para a importância de valorizar os conhecimentos prévios dos estudantes.

Embora o tempo seja sempre um limitador para a implementação de práticas

curriculares inovadoras, os docentes reconheceram que o material didático lhes

propiciou aprender e a usar atividades e recursos presentes no material didático. Os

docentes, inclusive, ressaltaram que o material foi inspirador para o Ensino Regular e

eles mostraram interesse em conhecer mais sobre o trabalho – de forma presencial –

com o software GeoGebra.

Xavier (2016) realizou o acompanhamento da formação dos professores no

ambiente virtual, fazendo uma análise das interações docentes em fóruns de discussão.

A pesquisadora identificou tipologias discursivas (BAIRRAL, 2007) que apontam para

as especificidades da formação continuada em que a troca de experiências entre os

professores era o elemento norteador das discussões, uma vez que todos estavam em

sala de aula implementando àquela política curricular de forma simultânea. Apesar dos

professores acompanhados serem de Matemática e da modalidade ser a de jovens e

adultos, as tipologias mais recorrentes não enfatizavam esses domínios diretamente,

mas é importante lembrar que as especificidades da EJA estavam presentes na

abordagem utilizada no material didático e nas formações específicas sobre a

modalidade, segundo a autora.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3560ISSN 2177-336X

37

Considerações finais

Trouxemos, neste texto, uma reflexão sobre questões curriculares para a

Educação de Jovens e Adultos a luz de pesquisas e políticas públicas relativamente

recentes, que, respectivamente, denunciam a não neutralidade das seleções e práticas

curriculares, e dão encaminhamentos para uma educação articulada com as demandas

reais dos alunos dessa modalidade educacional. Em particular, no caso da Matemática,

os percursos curriculares precisam ser conduzidos de forma com que a sala de aula

dialogue com a vida dos estudantes jovens ou adultos, motivando a aprendizagem a

partir de situações que lhes façam sentido. A Matemática não é e não precisa ser

trabalhada de forma neutra, podendo ser compreendida como uma construção humana

em contextos socioculturais específicos.

Nesse sentido, a implementação de uma política curricular que se anuncie com

essas preocupações a merece nossa atenção, e precisa ser avaliada com cautela e após

repetidos ciclos de implementação, pois trata-se de um sistema complexo envolvendo

alunos, professores, material didático específico, avaliação interna e externa, dentre

outras questões. Dessa forma, é cedo para apontar se a Nova EJA atinge de forma

satisfatória seus objetivos, apesar das pesquisas iniciais referentes a implementação do

primeiro ciclo completo, a partir da avaliação do material didático e da formação de

professores, por meio de grupos focais e análise das tipologias discursivas presentes nos

fóruns de discussão virtuais, indicam uma satisfação dos professores em relação aos

propósitos da EJA.

Referências Bibliográficas ARAÚJO, A. J. e SANTOS, M. C. Avaliação externa do Projovem: o caso de áreas e

volume. Bolema, v. 22, n. 33, 2009.

BAIRRAL, M. A. Discurso, interação e aprendizagem matemática em ambientes

virtuais a distância. Rio de Janeiro: Edur, 2007.

BERG, B. L. Qualitative research methods for the social sciences. Boston: Pearson:

Allyn and Bacon, 2006.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei 9.394. Diário Oficial da União.

Brasília, DF, 1996.

BRASIL. Parecer n. 011/2000 do CNE/CEB. Aprovado em 10/05/2000. Assunto:

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.

Parecerista: Cury, Carlos Roberto Jamil. Brasília, DF, 2000.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3561ISSN 2177-336X

38

BRASIL. Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos: Segundo

Segmento do Ensino Fundamental: 5a a 8a série: Introdução. Vol.1. Secretaria de

Educação Fundamental, Brasília: MEC, 2002a. BRASIL. Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos: Segundo

Segmento do Ensino Fundamental: 5a a 8a série. Matemática, Ciências, Arte e

Educação Física. Vol.3. Secretaria de Educação Fundamental, Brasília: MEC, 2002b.

CIAVATTA, M., e RUMMERT, S. M. As implicações políticas e pedagógicas do

currículo na Educação de Jovens e Adultos integrada à formação profissional.

Educação & Sociedade, v. 31, n. 111, 2010.

DI PIERRO, M. C.; JOIA, O. e RIBEIRO, V. M. Visões da Educação de Jovens e

Adultos no Brasil. Cadernos CEDES, ano XXI, n. 55, 2001.

ESQUINCALHA, A. C.; PINTO, G. M. F.; BAIRRAL, M. A.; XAVIER, G. P. O.

Desenvolvimento e avaliação de material didático de matemática: uma análise focada na

reflexão dos professores. Revista de Educação, Ciências e Matemática, v. 5, n. 2,

2015.

FREITAS, A. V. Educação Matemática e Educação de Jovens e Adultos: estado da

arte de publicações em periódicos (2000 a 2010). Tese de Doutorado (Educação

Matemática), PUC-SP, São Paulo, 2013.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

KOORO, M. B., e LOPES, C. E. As perspectivas curriculares do conhecimento

matemático na educação de jovens e adultos. Horizontes (EDUSF), v.25, n.1, 2007.

LUNARDI, G. M., NUNES, C., CORRÊA, A. A., e RECH, K. Trajetórias curriculares

no ensino fundamental de escolas que “dão certo”. Anais da 58ª da Reunião Anual da

SBPC. Florianópolis, SC, junho, 2006. <Disponível em

http://www.sbpcnet.org.br/livro/58ra/SENIOR/RESUMOS/resumo_3317.html>. Acesso

em 18.02.2016.

MUENCHEN, C., e AULER, D. Configurações curriculares mediante o enfoque CTS:

desafios a serem enfrentados na educação de jovens e adultos. Ciência e Educação

(UNESP), v.13, n.3, 2007.

OLIVEIRA, I. B. Reflexões acerca da organização curricular e das práticas pedagógicas

na EJA. Educar em Revista, n.29, 2007.

PINTO, G. M. F. e ESQUINCALHA, A. C. Políticas públicas recentes e práticas de

formação de professores de Matemática no Estado do Rio de Janeiro. Anais do XI

Encontro Nacional de Educação Matemática. Curitiba, PR, julho, 2013.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3562ISSN 2177-336X

39

SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre, Artmed,

2000.

SILVA, M. A. da Trabalho e Educação, e Currículo: interpelações mútuas. Trabalho &

Educação, Belo Horizonte, v.19, n.3, 2010.

XAVIER, G. P. O. Formação Continuada para a EJA: análise de interações docentes em

matemática em um fórum de discussão. Dissertação de Mestrado (Educação, Contextos

Contemporâneos e Demandas Populares), UFRRJ, Nova Iguaçu, 2016.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

3563ISSN 2177-336X