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INVESTIGANDO E FORMANDO: TÉCNICAS DE PESQUISA POTENCIALIZADORAS DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE O objeto de estudo deste trabalho são as técnicas de pesquisa utilizadas na perspectiva da investigação-formação docente. Este painel apresenta resultados de pesquisas realizadas em nível de doutorado nos Programas de Pós-Graduação em Educação das Universidades Federais do Piauí e de São Carlos (SP) cujos protagonistas foram os professores do Ensino Fundamental e do Ensino Superior. O objetivo geral deste painel é analisar o potencial investigativo-formativo de três diferentes técnicas, narrativas autobiográficas, sessões reflexivas e observação colaborativa, em pesquisas de cunho colaborativo-narrativo realizadas com professores dos Ensinos Fundamental e Superior. O primeiro artigo discute as narrativas autobiográficas de professores iniciantes acerca de suas aprendizagens docentes no curso de Letras-Inglês da UESPI, analisadas à luz dos princípios teórico-metodológicos de Chené (1988), Josso (2004, 2010), Dominicé (2008, 2010a, 2010b), entre outros. O segundo artigo discute diálogos estabelecidos em sessões reflexivas entre professores de uma faculdade privada em Parnaíba-PI, acerca da unidade teoria-prática, analisados à luz da Abordagem Sócio-Histórica (ASH) e do Materialismo Histórico Dialético (MHD), de acordo com Afanasiev (1968), Vasquez (2007), Magalhães (2009, 2011), entre outros. O terceiro artigo discute os dados da pesquisa realizada com um professor de Matemática do Ensino Fundamental, acerca da criatividade no ensino da disciplina, obtidos por meio da observação colaborativa e analisados à luz da ASH e do MHD, de acordo com Ibiapina (2008), Liberali (2010), Marx e Engels (2002), entre outros. Os resultados obtidos com as pesquisas, realizadas na cidade de Parnaíba-PI (2012-2014), revelaram que as três diferentes técnicas de investigação configuram-se como estratégias formativo-investigativas poderosas, não apenas por oportunizarem aos colaboradores a (re)significação e reconfiguração das experiências vivenciadas no decorrer dos estudos, mas também por possibilitar-lhes a assunção do protagonismo de seus processos formativo profissional, reconhecendo-se como parte integrante e basilar de uma história que não é apenas sua, mas de toda sociedade. Palavras-chave: Formação Docente. Técnicas de Pesquisa. Possibilidades Formativas. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 7676 ISSN 2177-336X

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INVESTIGANDO E FORMANDO: TÉCNICAS DE PESQUISA

POTENCIALIZADORAS DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL

DOCENTE

O objeto de estudo deste trabalho são as técnicas de pesquisa utilizadas na perspectiva

da investigação-formação docente. Este painel apresenta resultados de pesquisas

realizadas em nível de doutorado nos Programas de Pós-Graduação em Educação das

Universidades Federais do Piauí e de São Carlos (SP) cujos protagonistas foram os

professores do Ensino Fundamental e do Ensino Superior. O objetivo geral deste painel

é analisar o potencial investigativo-formativo de três diferentes técnicas, narrativas

autobiográficas, sessões reflexivas e observação colaborativa, em pesquisas de cunho

colaborativo-narrativo realizadas com professores dos Ensinos Fundamental e Superior.

O primeiro artigo discute as narrativas autobiográficas de professores iniciantes acerca

de suas aprendizagens docentes no curso de Letras-Inglês da UESPI, analisadas à luz

dos princípios teórico-metodológicos de Chené (1988), Josso (2004, 2010), Dominicé

(2008, 2010a, 2010b), entre outros. O segundo artigo discute diálogos estabelecidos em

sessões reflexivas entre professores de uma faculdade privada em Parnaíba-PI, acerca da

unidade teoria-prática, analisados à luz da Abordagem Sócio-Histórica (ASH) e do

Materialismo Histórico Dialético (MHD), de acordo com Afanasiev (1968), Vasquez

(2007), Magalhães (2009, 2011), entre outros. O terceiro artigo discute os dados da

pesquisa realizada com um professor de Matemática do Ensino Fundamental, acerca da

criatividade no ensino da disciplina, obtidos por meio da observação colaborativa e

analisados à luz da ASH e do MHD, de acordo com Ibiapina (2008), Liberali (2010),

Marx e Engels (2002), entre outros. Os resultados obtidos com as pesquisas, realizadas

na cidade de Parnaíba-PI (2012-2014), revelaram que as três diferentes técnicas de

investigação configuram-se como estratégias formativo-investigativas poderosas, não

apenas por oportunizarem aos colaboradores a (re)significação e reconfiguração das

experiências vivenciadas no decorrer dos estudos, mas também por possibilitar-lhes a

assunção do protagonismo de seus processos formativo profissional, reconhecendo-se

como parte integrante e basilar de uma história que não é apenas sua, mas de toda

sociedade.

Palavras-chave: Formação Docente. Técnicas de Pesquisa. Possibilidades Formativas.

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POSSIBILIDADES FORMATIVAS DAS NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS:

UM ESTUDO COM PROFESSORES INICIANTES DO CURSO DE LETRAS-

INGLÊS DA UESPI

Renata Cristina da Cunha – IFPI, campus Parnaíba

RESUMO

Este artigo é parte de uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em

Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no curso de Doutorado em

Educação, concluído em janeiro de 2014. Especificamente, o objeto de estudo deste

painel são as possibilidades formativas das narrativas autobiográficas escritas de

professores em início de carreira, motivada pela seguinte questão-norteadora: De que

forma as narrativas escritas produzidas por professores do curso de Letras-Inglês em

início da carreira configuram-se como possibilidades formativas ao dialogarem em

encontros colaborativo-interativos? Para responder a questão-norteadora, o objetivo

deste estudo é analisar de que forma a produção de narrativas escritas autobiográficas

contribuiu para a aprendizagem profissional crítico-reflexiva dos professores do curso

de Letras-Inglês da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), com até três anos de

experiência no Ensino Superior, ou seja, profissionais iniciantes neste nível de ensino.

Para tanto, foi realizada uma pesquisa teórico-metodológica de cunho biográfico-

narrativo da qual participaram três professores principiantes na docência universitária.

Para a produção das narrativas autobiográficas escritas, foram utilizados os seguintes

materiais biográficos: os memoriais de formação e as cartas pessoais, socializadas em

encontros interativo-colaborativos durante o ano de 2012. Para a análise dos dados, o

diálogo foi estabelecido com autores como Chené (1988), Josso (2004, 2010), Dominicé

(2008, 2010a, 2010b), entre outros. Os encontros colaborativo-interativos

oportunizaram aos professores, entre outros, o compartilhamento de experiências,

saberes e reflexões, abrindo, além de um novo campo de possibilidades e

problematizações, um novo espaço para a (re)significação de experiências,

(re)elaboração de outras práticas e compreensão da própria prática docente.

Palavras-chave: Narrativas escritas. Diálogos autobiográficos. Possibilidade formativa.

PORQUE INICIAR É PRECISO

Reviver memórias, falando sobre elas, demanda muito zelo e cautela, pois

implica em relembrar e reviver não apenas fatos bons e felizes de nossas vidas, mas

também acontecimentos ruins e tristes. É como reabrir janelas há tempos fechadas, sem

a intenção de realmente abri-las. Se falar sobre nossas lembranças não é tarefa fácil, o

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que dizer sobre registrá-las por escrito? Há quem diga que pode ser ainda pior, pois

escrever é uma habilidade ainda mais elaborada do que falar. Há quem diga que é ainda

melhor, pois permite a elaboração prévia e articulação consciente das narrativas. Seja

qual for, é sempre um desafio produzir memórias, sejam elas de que natureza forem.

Nessa perspectiva, como parte da pesquisa de doutorado (CUNHA, 2014), a

questão-norteadora deste trabalho é: Em que medida a produção de narrativas escritas

autobiográficas contribuiu para a aprendizagem profissional dos professores do curso de

Letras-Inglês da UESPI no início da carreira docente? Para a realização dessa pesquisa

autobiográfica de cunho quantitativo, realizada durante o ano de 2012 com memoriais

de formação, cartas pessoais e conversas interativas, colaboraram três professores de

Língua Inglesa, iniciantes1 na carreira no Ensino Superior na Universidade Estadual do

Piauí (UESPI), campus de Parnaíba (PI), aos quais foram atribuídos os seguintes

pseudônimos: Coelho Branco, Rainha Vermelha e Rainha Branca, em virtude da

proposta da tese sobre Alice no País do Ensino Superior.

Os personagens dessa história são:

O Coelho Branco é natural de Parnaíba – PI, nascido em 1980. Estudou em escolas públicas e

privadas da cidade. Concluído o Ensino Médio, passou a trabalhar no comércio. Em 2004,

decidiu inscrever-se no vestibular para o curso de Letras-Inglês da UESPI. Durante a graduação

foi monitor de quatro disciplinas. Concluída a graduação, fez pós-graduação em Metodologia do

Ensino Superior. Em 2011 ingressou no curso de Letras-Inglês da UESPI como professor

substituto, ministrando disciplinas na área de Literatura, além de orientar alunos em seus

trabalhos de conclusão de curso.

A Rainha Vermelha nasceu em Parnaíba- PI em 1986. Sempre estudou em escolas particulares.

Ao final do 3º ano, foi aprovada no vestibular para Letras-Inglês, iniciando a graduação em

2004. No ano de 2007, um ano antes da conclusão do curso, matriculei-me no curso de

especialização em Língua Inglesa. Em 2011, foi aprovada no processo seletivo como professora

substituta do curso de Letras-Inglês da UESPI, ministrando disciplinas relacionadas à Língua

Inglesa, além de orientar monografias.

A Rainha Branca nasceu em Parnaíba, Piauí, em 1985. Estudou em escolas públicas e privadas.

Em 2004, um ano após a conclusão do Ensino Médio, fui aprovada no curso de Letras Inglês na

UESPI. Ainda no último ano da faculdade, inscreveu-se na especialização em Letras-Inglês. No

ano de 2011, ingressou como professora substituta do curso de Letras-Inglês da UESPI,

ministrando aulas, orientando alunos em monografias e participando de bancas examinadoras de

conclusão de curso e de seleção de professores.

Delineados os perfis dos três colaboradores deste estudo, enfatizo que a minha

opção por esse estudo de cunho qualitativo-autobiográfico, enquanto procedimento

metodológico, enfoca não apenas as narrativas autobiográficas acerca de fatos da vida

1Apoiando-me em Huberman (1992), considero iniciantes os professores com até três anos de experiência

profissional no magistério.

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pessoal e profissional dos professores iniciantes, mas também a possibilidade da

(re)estruturação de suas experiências formadoras, contribuindo assim com seu processo

de aprendizagem docente.

Os excertos desta seção revelaram as experiências formadoras vivenciadas pelos

colaboradores no período de realização da pesquisa e potencializadas não apenas pelo

engajamento no grupo e produção/socialização das narrativas escritas nas ocasiões dos

encontros interativos, mas também pela oportunidade ímpar de produção individual e

coletiva de novos saberes, sobretudo os autobiográficos, por meio do caminhar para si,

possibilitando assim o (re)conhecimento de si enquanto ser ativo, autônomo e

responsável pela própria aprendizagem e desenvolvimento profissional.

ESCRITAS DE SI: os memoriais de formação e as cartas narrativas

Na perspectiva biográfico-narrativa, escrever sobre si também se configura

como um espaço de aprendizagem e desenvolvimento profissional docente. De acordo

com Souza (2006), produzir narrativas escritas demanda do professor a capacidade de

manusear sua língua materna para escolher e ordenar as palavras de modo que essas

possam expressar da forma mais adequada e aproximada seus modos de pensar, sentir e

agir.

Nas palavras escritas, os professores podem, portanto, vislumbrar o reflexo das

experiências vivenciadas ao longo de sua trajetória formativa, pois para registrar por

escritos essas experiências formadoras eles precisam, além de encontrar as palavras

certas, refletir sobre sua trajetória de vida, repleta de alegrias, certezas e possibilidades,

mas também de tristezas, incertezas e limitações. Com essa intenção, os colaboradores

foram convidados a escrever, além de cartas narrativas, seus memoriais de formação.

Sobre as aprendizagens adquiridas e os sentimentos vivenciados ao produzir

esses instrumentos, o Coelho Branco escreveu e falou:

Chego ao final da escrita destas memórias com uma sensação muito grande de

felicidade. Depois de relembrar tantos fatos que estão guardados na memória, foi

possível perceber minha evolução e felizmente, de forma positiva. O processo de

escrita destas memórias serviu para reviver muitas experiências do passado e

refletir na forma como foram conduzidas e me fizeram pensar na minha atuação,

levantando hipóteses que me fizeram indagar se que poderia ter feito diferente ou

deixado de fazer. [...] Confesso que algumas histórias ficaram de fora, procurei

selecionar as mais marcantes para colocá-las aqui para vocês. Espero que estas

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lembranças possam ajudar ou até mesmo inspirar a quem possa interessar,

principalmente jovens professores em início de carreira, que como eu, almejam

uma educação melhor e mais igualitária para nosso país. (Memorial do Coelho

Branco) [...]. Depois de ler o memorial, Elaine relatou que esta atividade a ajudou

muito a pensar no que já foi, no que é e no que ela quer ser. O memorial ajuda a

eternizar o passado e segundo ela foi maravilhoso escrever. Eu compartilho deste

sentimento com ela e posso afirmar que é muito bom mesmo. Passei alguns meses

para escrever o meu. Fiz devagarzinho, selecionando o que poderia ser interessante

de ser falado e agora chegou o momento de compartilhar com vocês. Vamos lá

então. Espero que tenham gostado de ler sobre minha história e estou pronto para

ouvir suas impressões. (Quinta carta do Coelho Branco) Logo no inicio Renata

chamou atenção para uma parte do que foi lido: “[...] e até mesmo enxergar em

minhas vivências coisas que não havia visto no momento em que vivenciei a

situação” (SOARES, 1991). Esta colocação reflete bem todo o processo da escrita

de nossos memoriais, que nos permite voltar ao passado e até mesmo entender o

porquê de algumas consequências de decisões tomadas e esta reflexão nos ajuda

hoje, quando estamos mais maduros, mas ainda nos deparamos com decisões a

serem tomadas e consequências a serem enfrentadas. (Oitava carta do Coelho

Branco) Agora em relação à carta, o pensamento principal que eu tive foi um

entusiasmo em colocar todas essas experiências no papel porque iam ficar perdidas

no ar, pois a memória da gente não é tão poderosa. (Fala do Coelho Branco no

primeiro encontro).

O fragmento acima confirma que narrar transcende informar, implica, acima de

tudo, em compreender quem somos e como nos tornamos o que somos no presente. A

produção dessas narrativas escritas possibilitou ao colaborador empreender uma viagem

no tempo cujo ponto de partida foram as seguintes questões: Que professor eu fui/era?

Que professor eu sou? Que professor eu serei? As escritas de si, portanto, auxiliaram o

colaborador a ampliar sua capacidade de pensar, avaliar e analisar o que não apenas o

que fez e faz, mas também fazer projeções para o futuro, remetendo-o, na perspectiva de

Souza (2004, p. 75) a uma dimensão de "auto escuta de si mesmo, como se estivesse

contando para si próprio suas experiências e aprendizagens que construiu ao longo da

vida, através do conhecimento de si".

A reflexividade biográfica emergiu como um dispositivo indispensável para o

processo, sem o qual o Coelho Branco não teria sido bem sucedido em sua viagem.

Zeichner (1993) enfatiza que refletir sobre a própria prática não é um processo

espontâneo do professor. Deve ser, além de uma ação intencional, potencializada

também por um (ou mais de um) dispositivo(s) externo(s), como no caso da pesquisa: a

produção de narrativas autobiográficas.

As narrativas indicaram também que o Coelho Branco tinha consciência das

implicações da exposição de suas histórias e memórias escritas, e que, em virtude disso,

optou deliberadamente por expô-las de forma cautelosa e planejada, revelando um

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sentimento de prudência. Lima (2006, p. 128) esclarece que "[...] a prudência está

orientada pelo medo de errar, pela vontade e responsabilidade por acertar”. Os

depoimentos do colaborador revelaram, portanto, a tênue relação entre prudência e

memória, pois ser prudente no campo autobiográfico implica na seleção e até mesmo

censura de das histórias a serem compartilhadas. Revisitar o passado, portanto, ofereceu

subsídios, por meio de experiências prévias, para encaminhar comportamentos e

condutas do colaborador no futuro.

A exemplo da Rainha Branca, o Coelho Branco demonstrou grande interesse e

alegria em socializar seus escritos não apenas com o grupo, mas com outros professores,

interessados em conhecer suas histórias e memórias e também dispostos a aprender com

elas. Com essa intenção, o colaborador demonstrou não apenas valorizar, mas também

querer dar maior visibilidade à sua produção intelectual, atitude bastante louvável e

admirável que deve ser seguida por todos os profissionais da educação vez que,

“infelizmente, ao longo da história, o magistério foi tão desqualificado que, [...] a

grande maioria dos educadores considera que suas experiências não têm importância

suficiente para serem documentadas e se tornarem públicas” (PRADO; FERREIRA;

FERNANDES, 2011, p. 146).

No excerto retirado da oitava carta, o Coelho Branco utilizou a seguinte citação

de Soares (1991, p. 72) “[...] e até mesmo enxergar em minhas vivências, coisas que não

havia visto no momento em que vivenciei a situação”, trazendo para dentro de sua

narrativa uma voz de autoridade2. É possível inferir que o colaborador tenha recorrido a

essa voz externa tanto para legitimar e validar as reflexões que apresentou na sequência

quanto para isentar-se qualquer responsabilidade sobre o que escreveu.

No trecho final da narrativa, o Coelho Branco reportou-se especificamente à

escrita das cartas narrativas, gênero autobiográfico utilizado com a intenção de, durante

a escrita, provocar nos colaboradores momentos de retrospecção e reflexão sobre as

recordações-referências que marcaram sua trajetória formativa, não apenas no que tange

à escrita do memorial e das cartas, mas de todo processo vivenciado no grupo de

pesquisa (CHENÉ, 1988; JOSSO, 2004, 2010; DOMINICÉ, 2008). É possível inferir,

portanto, que escrever as cartas, registrando suas recordações e reflexões por escrito,

2 Termo cunhado por Prado, Ferreira e Fernandes (2011), a partir da categoria “enunciado investido de

autoridade” de Bakhtin (1997).

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possibilitou-lhe não apenas revisitar suas histórias e memórias, mas também

compreender por que foram internalizadas a sua forma de pensar, sentir e agir.

Sobre as possibilidades das narrativas escritas, a Rainha Vermelha escreveu:

E como é possível aprender com as experiências dos outros, é através deste

memorial, dividindo momentos com meus colegas que viso me tornar alguém

melhor e até mesmo enxergar em minhas vivências coisas que não havia visto no

momento em que vivenciei a situação. [...] Escrever estas memórias me fizeram

refletir muito sobre meus saberes docentes e do quanto eu ainda tenho que

melhorar. Sei que este memorial ainda não está encerrado, pois todas as vezes que

eu o olho incluo algo novo, mas ao final dele tenho a completa certeza de que estou

na profissão certa e de que nem uma outra me faria um ser humano tão feliz quanto

eu sou. (Memorial da Rainha Vermelha). Voltando ao memorial da Rainha Branca

me identifiquei com ele por diversas vezes, temos muita coisa parecida. A leitura

dele me fez lembrar coisas minhas para colocar no memorial sem fim, como eu

chamo o meu! [...] Essa minha carta é bem mais curta porque tudo que tinha na

cabeça escrevi no memorial! Eu preciso dizer que exercício maravilhoso foi

escrever este memorial, me fez refletir e pensar, além de que revendo o que

aconteceu pude enxergar pontos que antes não tinha visto. (Quarta carta da Rainha

Vermelha)

A exemplo do Coelho Branco, a narrativa da Rainha Vermelha destacou a

possibilidade de compartilhar experiências e de aprender com os demais como interface

importante das escritas de si para si, corroborando as palavras de Souza (2004, p. 412),

pois “o ato de lembrar/narrar possibilita ao ator reconstruir experiências, refletir sobre

dispositivos formativos e criar espaço para um a compreensão da sua própria prática”.

As narrativas da colaboradora revelaram, portanto, não apenas os conhecimentos

construídos ao longo de sua vida e do exercício da docência, mas também suas próprias

reflexões e percepções sobre o percurso, fundamentais para sua (auto)formação pessoal

e profissional.

A consciência de sua incompletude também emergiu dos escritos da

colaboradora, coadunando-se com a visão freireana de que “onde há vida, há

inacabamento. Mas só entre homens e mulheres o inacabamento se tornou consciente”

(FREIRE, 1996, p.55). É perceptível que a Rainha Vermelha reconhecia-se como

inconclusa, em constante processo de formação, “fazendo-se e refazendo-se no processo

de fazer a história, como sujeito” (ibidem, p. 91), a partir das experiências vivenciadas

nos mais diversos contextos formativos, como, por exemplo, em casa, na escola, no

trabalho, entre outros.

É possível inferir que sentimento de inconclusão tenha sido ocasionado, ou

quem sabe até mesmo acentuado, por sua visível insatisfação consigo mesma,

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demonstrada por sua necessidade de sempre buscar a perfeição, alinhando-se a Freire

(1996, p. 135), vez que “[...] é possível saber melhor o que já sabe, e reconhecer o que

ainda é necessário aprender”. As narrativas indicaram, portanto, que Rainha Vermelha,

ao mesmo tempo em que tem consciência que é possuidora de diferentes saberes e

conhecimentos, reconhece suas limitações, pois sabe que ainda há muito a ser

aprendido.

Os depoimentos da colaboradora confirmaram que escrever as memórias em

contexto investigativo configura-se como uma possibilidade formativa, posto que

oportunizou aos professores “[...] evidenciar emoções, experiências ou pequenos fatos

marcantes, dos quais antes não nos tínhamos apercebido” (FREITAS; GALVÃO, 2007,

p. 220). Não apenas o processo de rememoração das recordações-referência para a

escrita do memorial e das cartas, mas também o compartilhamento desses escritos em

grupo possibilitou-lhe reconstruir, de forma crítico-reflexiva e com os olhos do

presente, sua trajetória formativa pessoal e profissional, transformando-os em poderosos

dispositivos de formação docente.

A exemplo do Coelho Branco, a socialização dos memoriais e das cartas como

espaços e momentos para a socialização não apenas de conquistas e alegrias, mas

também de pensamentos, dúvidas e sentimentos também emergiu dos fragmentos da

Rainha Vermelha. É perceptível uma aproximação dessas reflexões da colaboradora

com os escritos acerca do compartilhamento de configurar-se com dispositivo

privilegiado para a construção de si mesmo a partir das relações com os outros, pois nas

palavras de Nóvoa (1992, p. 9) “formar é sempre formar-se”. A autoformação

materializa-se, portanto, na interação com os outros, conforme salientou a colaboradora.

Acerca da temática, a Rainha Branca relatou:

Finalmente, fiquei feliz em dividir com vocês, um pouco da minha história. Pensei

e pensei inúmeras vezes para tentar não deixar passar as melhores e mais

significativas lembranças de minha vida. Espero que este memorial sirva para

todos como modelo a ser seguido, ou uma fonte de inspiração, afinal, para quem

não tem experiência, ler e observar são fatores imprescindíveis para começar uma

carreira. (Memorial da Rainha Branca). Depois da minha leitura, vi que precisava

corrigir algumas coisas e acrescentar muitas outras, que acabaram passando

despercebidas e que me lembrei de posteriormente. Tenho certeza que quando eu

ler os memoriais do Coelho Branco e da Rainha Vermelha irei ainda lembrar

muitas outras coisas. Isto é o que mais me deixou feliz, pois acredito que ao longo

da minha vida não iria me recordar de tantas coisas boas e de outras nem tanto

(Quinta carta da Rainha Branca). [...] Hoje escrevo de forma bem diferente das

anteriores, porque tive um problema com meu computador e não tive tempo de

para mandar formatá-lo, porém, relembrei das inúmeras cartas que escrevia a mão,

antes da explosão e acesso aos computadores e confesso que bateu saudades de

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alguns amigos que eu me comunicava com cartas com essa, bons tempos aqueles!

(Sexta carta da Rainha Branca). [...] Acho que a gente tem essa questão da troca de

experiências e também essa questão do melhorar, eu acho que aqui nós vamos

melhorando e com a ansiedade a gente vai querendo acrescentar coisas, até porque

quando você vive alguma coisa você sempre quer acrescentar, por exemplo, se eu

ler o memorial de novo eu vou querer acrescentar coisas novas, através daquilo que

a gente já escreveu a gente vai lembrando pequenas coisas e vai tentando melhorar.

(Fala da Rainha Branca no oitavo encontro).

Antes de se dedicar ao processo de escrita, é preciso que o professor-autor seja

estimulado a enveredar-se pelos meandros de suas recordações e lembranças para

depois, deliberadamente narrar suas histórias e memórias. Para a Rainha Branca, a mola

propulsora para a escrita de seu memorial foi a alegria e o contentamento em poder

socializá-lo com os membros do grupo e o desejo latente de compartilhá-lo com outros

professores iniciantes na carreira universitária, corroborando as ideias defendidas por

Goodson (1992) sobre a relevância da voz do professor ser ouvida, especialmente

quando falam do seu trabalho, de que modo que o narrador assuma o protagonismo de

suas memórias e histórias.

As reflexões iniciais acerca das escritas de si da colaboradora alinham-se as

ideias de Souza (2008) quando ressalta que escrever sobre si não é nem uma atividade

mecânica nem técnica; é, além de uma forma de conhecimento de si, um meio de

transformação de si, potencializado pela valorização da subjetividade e das experiências

formadoras. É possível inferir, portanto, que as escritas de si para si mesma

oportunizaram à Rainha Branca escutar a si própria para refletir sobre as suas

recordações-referências antes/durante/depois de registrá-las em seu memorial.

Na sequência de sua narrativa, a colaboradora evidenciou outra interface basilar

das escritas de si: a assunção de papéis duplos e simultâneos, narradora e leitora. Antes

de compartilhar seus escritos com o grupo, ela foi a primeira leitora de suas memórias,

“[...] assum[indo] o papel de analista do já escrito [permitindo-se], por assim dizer, o

controle de qualidade, do ponto de vista do conteúdo da forma. Aquele que escreve tem

de ser, quase ao mesmo tempo, autor, leitor e revisor” (PRADO; SOLIGO, 2007, p. 34).

Tornar-se autora e escritora de suas histórias e memórias demandou uma releitura

cuidadosa do mundo, exigindo da Rainha Branca um compromisso com seu próprio

texto, refinado não apenas durante sua escrita, mas, sobretudo durante sua leitura

seletiva.

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Na sequência da narrativa, a colaboradora ateve-se a um momento específico do

processo formativo-investigativo em que, por razões técnicas, precisou escrever uma de

suas cartas de forma tradicional, ou seja, manuscrita. O depoimento revelou seu

saudosismo do tempo em que a comunicação não era tão fortemente mediada pela

tecnologia eletrônica como hoje em dia, corroborando os estudos de Galvão e Gotlib

(2000) acerca do desuso ou quase extinção desse gênero textual.

Muito embora as cartas sejam sempre redigidas para um destinatário, contribuem

para a formação do remetente porque, a exemplo dos memoriais, escrever demanda do

autor não apenas o registro escrito, mas também ler e pensar sobre o que foi escrito. A

escrita de si demanda, assim, a reflexão do próprio autor, o pensar sobre si mesmo,

revelando-se como uma estratégia autoformativa, conforme destacado pela

colaboradora.

Alinhando-se à perspectiva de Souto Maior (2001), Cunha (2002), Silva (2002),

entre outros, o depoimento da Rainha Branca confirmou que escrever cartas possibilitou

uma maior aproximação com sua própria história e com as histórias dos demais

membros do grupo, pois fomentou o intercâmbio de informação e aproximou autora e

leitores ao compartilharem suas histórias e memórias, abrindo espaço para a

imaginação, empatia, cumplicidade, alteridade e solidariedade.

PORQUE CONCLUIR É (IM)PRECISO

Escritas de si, escritos autobiográficos, escrita autorreferencial, narrativas

autobiográficas escritas; enfim são múltiplas as expressões que congregam o gênero de

escrita em que o professor-autor escreve sobre si mesmo a fim de potencializar seu

desenvolvimento pessoal e profissional, vez que, por meio da escrita. Nessa perspectiva,

escrever sobre si para si mesmo fomenta o autoconhecimento, potencializando assim o

caminhar para si.

Ao olharem para si e também para o outro quando escreveram suas histórias e

memórias estimulou os colaboradores a refletirem não apenas sobre sua trajetória

formativa, mas também a (re)conhecerem os momentos-charneira que os encaminharam

para novas direções, especialmente na universidade como acadêmicos e depois como

professores iniciantes, evidenciando assim o potencial formativo das narrativas

autobiográficas escritas.

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A socialização dos memoriais de formação e das cartas narrativas nas conversas

interativas promoveu identificação entre os colaboradores, pois muitas das memórias

narradas por cada um deles se aproximavam de situações vivenciadas pelos demais

configurando-se assim como potentes “gatilhos de memória” que, entre outros,

(re)encaminharam tanto os escritos que já haviam sido produzidos até aquela ocasião

quanto os que seriam produzidos a posteriore.

As narrativas escritas compartilhadas no grupo oportunizaram, portanto, o

encontro dos colaboradores para compartilharem experiências, saberes e reflexões,

abrindo, além de um novo campo de possibilidades e problematizações, um novo

espaço para a ressignificação de experiências, reelaboração de outras práticas e

compreensão da própria prática docente. Isso porque, foram estimulados a desenvolver

uma atitude critico-reflexiva, assumindo-se como professores críticos diante da

retrospectiva de sua trajetória de vida e participação no grupo de pesquisa.

Os colaboradores também (re)conheceram a importância de registrar por escrito

suas narrativas autobiográficas eternizando assim suas histórias e memórias tornando-as

leituras privilegiadas não apenas para si mesmos e os demais membros do grupo, mas

também para outros professores iniciantes, porque “a escrita é uma arma poderosa,

senão por outra razão, porque seu destino é a leitura. A escrita documenta. Comunica.

Organiza. Eterniza. Subverte. Faz pensar. A nós mesmos e aos leitores” (SOLIGO;

PRADO, 2007, p. 35).

Em suas narrativas, os colaboradores escreveram também sobre as mudanças

pelas quais passaram ao longo de suas trajetórias ilustrando-as, especialmente com

exemplos sobre o início da docência universitária, reportando-se ao que fizeram e a

como pensavam nesse período e como essas ações e pensamentos foram revisitados e

refletidos no contexto formativo-investigativo da pesquisa.

Ao escreverem sobre si, para si e para o outro, cada colaborador narrou em seus

textos autobiográficos não apenas acontecimentos pessoais, mas também aqueles

relacionados à escolha da docência, à vida acadêmica, e, sobretudo, ao exercício da

docência universitária e à participação do grupo, conforme foram solicitados. Para tanto,

cada professor precisou revisitar, avaliar e (re)organizar suas histórias e memórias,

revelando, assim, seus olhares sobre si mesmos, seus desejos, expectativas e dúvidas,

construídas, desconstruídas e reconstruídas até então.

Em síntese, o corpus analisado corroborou o referencial teórico adotado acerca

das potencialidades formativas das narrativas autobiográficas orais e escritas,

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7686ISSN 2177-336X

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fomentando novas formas de pensar, sentir e agir dos colaboradores da pesquisa. Os

diálogos autobiográficos tornaram-se formativos quando os professores assumiram o

papel de colaboradores de sua própria formação conscientizando–se não apenas da

necessidade de auto avaliarem-se, mas, sobretudo da necessidade de desenvolverem-se

enquanto pessoa e profissional.

As narrativas autobiográficas configuraram-se, portanto, como estratégias

formativo-investigativas poderosas, não apenas por oportunizarem aos colaboradores da

pesquisa a (re)significação e reconfiguração dos espaços, dos tempos e das experiências

vivenciadas, mas também por possibilitar-lhes reconhecerem-se como parte integrante e

basilar de uma história que não é apenas sua, mas de toda sociedade.

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O VOO COLABORATIVO DOS DOCENTES DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: AS

SESSÕES REFLEXIVAS COMO PROCEDIMENTOS FORMATIVOS

Maria Ozita de Araújo Albuquerque

RESUMO

Este artigo tem como objetivo compreender a sessão reflexiva como propiciadora da

reflexão crítica sobre a prática pedagógica que os professores da Educação Superior

realizam no exercício da docência universitária. O estudo é um recorte da Tese de

Doutorado desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade

Federal do Piauí, defendida em 2015. Participaram da pesquisa seis professores, sendo

cinco do curso de Pedagogia e um do curso de Bacharelado em Direito, que atuam na

Educação Superior de uma instituição privada em Parnaíba-PI, realizada durante o ano

de 2013. O referencial teórico metodológico está embasado na Abordagem Sócio-

Histórica e no Materialismo Histórico Dialético. Para o desenvolvimento da

investigação optamos pela pesquisa colaborativa, que trabalha pesquisa e formação.

Está fundamentado em Afanasiev (1968), Candau e Lelis (1995), Bakhtin (2002), Marx

e Engels (2002), Vasquez (2007), Magalhães (2009, 2011) entre outros. Os

procedimentos para produção dos dados foram: observação da aula das partícipes,

observação colaborativa e sessão reflexiva com o apoio da videogravação. Neste artigo

apresentamos um episódio da reflexão interpessoal da prática pedagógica da professora

Renata. O conceito de interação verbal bakhtiniano serviu de base para a análise do

movimento dialógico dos enunciados e enunciações que ocorre na interação verbal das

partícipes. O processo investigativo possibilitou a compreensão de que a reflexão crítica

é dispositivo que possibilita importantes transformações na prática pedagógica dos

professores da Educação Superior. No caso deste estudo, a reflexão crítica realizada nas

sessões reflexivas possibilitou aos partícipes compreenderem com elevado nível de

consciência a prática pedagógica que realizam no exercício da docência.

Palavras-chave: Educação Superior. Sessão reflexiva. Reflexão crítica. Colaboração.

INTRODUÇÃO

Este artigo resulta da pesquisa colaborativa desenvolvida no Programa de Pós-

graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí em nível de doutorado,

intitulada “UM VOO EMANCIPATÓRIO DE FORMAÇÃO: o processo colaborativo

crítico-reflexivo e a prática pedagógica dos docentes da Educação Superior”, sob a

orientação da professora Drª Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina.

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A opção pela pesquisa colaborativa justifica-se por compreendermos que esta

modalidade de investigação, que trabalha com pesquisa e formação, possibilita o

desenvolvimento pessoal e profissional do grupo de professores partícipes da

investigação, assim como possibilita a “[...] compreensão, interpretação e transformação

de processos educativos”. (IBIAPINA; MAGALHÃES, 2009, p. 73).

No contexto desta Pesquisa Colaborativa, os partícipes tiveram oportunidade de

expor suas experiências, analisando, refletindo e colaborando uns com os outros, visto

que esse processo criou oportunidade para refletirmos criticamente com o outro sobre a

prática pedagógica, a fim de torná-la mais crítica e criativa. Ressaltamos que este tipo

de pesquisa valoriza o caráter da participação, mediação e reflexão crítica, no processo

de produção do conhecimento.

A pesquisa colaborativa está voltada para a produção do conhecimento

científico, o que exige rigor metodológico e organizacional; é compreendida por

Ferreira e Ibiapina (2011) como prática que engaja professores na coprodução de

conhecimentos e cria condições para refletirem criticamente sobre a prática pedagógica

a partir de seu próprio agir, possibilitando transformações e o desenvolvimento pessoal

e profissional.

Dessa forma, a referida pesquisa criou condições para que o processo crítico-

reflexivo dos partícipes envolvidos na investigação ocorresse, pois ensejou a expansão

da compreensão da unidade teoria-prática, por meio de práticas colaborativas, reflexivas

e críticas desenvolvidas no processo de investigação.

Nesse sentido, para promover transformações na ação pedagógica, é necessário

que a prática seja apoiada na reflexão crítica (OLIVEIRA; MAGALHÃES, 2011).

Assim, criamos condições para que os partícipes deste estudo questionassem suas ações,

por meio da utilização dos seguintes instrumentos: observação, observação colaborativa,

sessões reflexivas, tendo como apoio a videogravação, a fim de que tivéssemos

oportunidade de realizar a reflexão crítica da prática pedagógica de forma colaborativa,

possibilitando-nos produzir conhecimento e desenvolvermo-nos profissionalmente. No

presente trabalho estamos apresentando a análise de um episódio da sessão reflexiva da

aula de Renata, uma das partícipes da pesquisa.

Não compreendemos a colaboração desencadeada pela reflexão crítica como

atividade estática, tampouco como ação que acontece de forma harmoniosa. Como

processo dialético, a colaboração envolve o “[...] co-pensar e agir de forma a ouvir e

compreender o outro, mas também [...] questionar com base em argumentos concretos”

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(MAGALHÃES, 2011, p. 18). No caso dos partícipes do presente estudo, os confrontos

contribuíram para que os professores da Educação Superior partilhassem conhecimentos

e experiências, expandindo a compreensão da prática pedagógica que realizam.

No desenvolvimento da Pesquisa Colaborativa, todos os partícipes têm

envolvimento nas atividades, são considerados produtores de conhecimento, pois a

colaboração envolve a participação dinâmica de todos, o que contribui para a produção

do conhecimento e para o desenvolvimento da pesquisa. Ou seja, pesquisadores e

colaboradores negociam crenças e valores e produzem teorias sobre a prática de forma

interativa.

Colaborar é, portanto, processo intencional que requer confiança entre os

participantes do grupo, de forma que todos se sintam à vontade para externar

contribuições e receber críticas sobre elas. Nessa perspectiva, a possibilidade de refletir

junto exige que a colaboração seja fundamentada no princípio que elegemos para

orientar esta pesquisa, definido como a relação entre pesquisa e formação, conforme

propõe Desgagné (1997). Na investigação colaborativa, pesquisa e formação ocorrem de

forma simultânea.

A compreensão simultânea da atividade de pesquisa e de formação dos

professores é um ponto relevante na Pesquisa Colaborativa. Para Ninin (2011, p. 102),

os participantes não são “[...] recipientes para depósitos dos saberes de seus

pesquisadores, mas parceiros responsáveis na apresentação de argumentos, interpretação

e reconstrução dos saberes em discussão”. Nesse sentido, a formação, via pesquisa,

surge como orientação nuclear de formação profissional, em que os professores não são

vistos como executores e reprodutores de teorias e práticas elaboradas por outros, mas

como elaboradores da unidade teoria-prática.

A Pesquisa Colaborativa associada à reflexão crítica possibilitou aos professores

compreenderem suas ações, socializarem informações e reelaborarem conhecimentos

relacionados com a prática, de forma contextualizada. Nesta pesquisa, teoria e prática

foram trabalhadas como unidade, pois entendemos que não existe prática sem teoria e

que a teoria se expressa por meio das práticas, sendo influenciada pela prática. Nesse

processo, a reflexão crítica tem como função fundamental possibilitar a compreensão da

referida unidade.

Assim, é necessário que a prática do professor seja apoiada pela reflexão crítica

do fazer pedagógico, que, segundo Oliveira e Magalhães (2011, p. 68) constitui-se

como processo que inclui o “saber-fazer, o porquê fazer e o como fazer”. É fundamental

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que a reflexão ocorra mediante ações sistematizadas que auxiliem o professor a

modificar a compreensão das ideias construídas socialmente sobre o pensar e fazer

docente.

A pesquisa que desenvolvemos possibilitou aos partícipes refletirem

criticamente sobre a unidade teoria-prática e efetivarem novas interpretações sobre as

teorias que orientam o fazer docente, para expandir conhecimentos teórico-práticos.

Neste contexto, a escolha da pesquisa colaborativa requer opções metodológicas

que valorizem técnicas e procedimentos que possibilitem o aprendizado da participação

colaborativa e uso da linguagem como instrumento dialógico3 de produção de

conhecimento. O estudo está ancorado na abordagem Sócio Histórica, pois ela nos

possibilita compreender que o processo de desenvolvimento histórico, social, cultural e

psicológico do homem ocorre por meio da linguagem.

Para apresentar a análise do episódio da sessão reflexiva coletiva da professora

Renata e discuti-la a luz dos pressupostos teóricos que orientam nosso trabalho

iniciaremos discorreremos sobre um dos procedimentos utilizados na pesquisa, a sessão

reflexiva, explicitando-a. Em seguida apresentamos o processo de análise dos dados

produzidos no desenvolvimento da sessão reflexiva coletiva da aula da partícipe Renata

realizada no dia 12 de abril de 2014 e no final a síntese conclusiva das análises

realizadas.

A seguir, discorremos sobre a sessão reflexiva, um dos procedimentos

metodológicos utilizado no desenvolvimento da pesquisa.

SESSÃO REFLEXIVA: propiciadora de novos voos

A sessão reflexiva é procedimento que tem o objetivo de oportunizar aos

professores analisar e discutir a prática, por meio da reflexão crítica, utilizando como

princípio básico a interação dialógica.

Nesse contexto, as sessões reflexivas contribuem para a formação contínua do

grupo de professores, uma vez que possibilitam a reflexão das práticas e das questões

políticas e sociais que ocorrem fora do espaço universitário e que interferem no

exercício da profissão docente. Vale ressaltar que o processo reflexivo possibilitou aos

3 Na concepção bakhtiniana, o termo dialógico está relacionado a dinâmica que se estabelece entre

diversas vozes sociais e complexa cadeia de responsividade.

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professores repensarem e modificarem seus objetivos, tendo como ponto de partida as

discussões sobre a unidade teoria-prática (IBIAPINA, 2008).

Tendo como base o exposto, utilizamos, neste estudo, a sessão reflexiva, por

considerarmos que a apropriação da reflexão crítica cria condições para explicitarmos a

unidade teoria-prática, no desenvolvimento da prática pedagógica. Nas sessões

reflexivas, os partícipes tiveram oportunidade de refletir sobre a prática pedagógica, a

fim de compreender o quê, como e por quê realizam determinadas ações, bem como

entender as teorias que embasam sua prática.

As sessões reflexivas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra. No

momento da transcrição, tivemos o cuidado de não deixar que nenhum detalhe da fala

dos partícipes fosse suprimido. Em seguida, devolvemos aos partícipes, para que

fizessem as correções que julgassem necessárias, a fim de que pudéssemos fazer a

redação final. O referido procedimento teve como objetivo propiciar aos professores a

reflexão crítica sobre a prática pedagógica que realizam no exercício da docência, tendo

como eixos norteadores a reflexão intrapessoal e a interpessoal.

A reflexão interpessoal foi realizada com a pesquisadora e cada partícipe em

momentos distintos, possibilitando que os professores refletissem sobre a prática ao

assistirem à filmagem e ao lerem a transcrição da sessão reflexiva. A reflexão

interpessoal sobre a ação pedagógica aconteceu, também, de forma coletiva por meio

das sessões reflexivas. Na oportunidade, cada partícipe colaborou com suas observações

e sugestões para a explicitação da unidade teoria-prática, assim como para a

reconstrução da prática pedagógica. Nessas sessões, foram compartilhados pontos de

vista, interesses comuns e divergentes.

Assim, as sessões reflexivas propiciaram reflexão crítica e colaborativa, em que

os professores envolvidos nas discussões compartilharam significados e negociaram

sentidos da prática pedagógica que realizam. Foram realizadas duas sessões reflexivas

com o objetivo de propiciar aos partícipes, em contexto de colaboração, a condição de

refletirem criticamente de forma sistemática e intencional sobre a prática pedagógica.

Isto porque, quando lançamos a proposta para a realização da sessão reflexiva coletiva,

somente duas professoras volitivamente se colocaram à disposição, para que a filmagem

de sua aula fosse exibida para o grupo.

Neste artigo apresentamos um episódio da reflexão interpessoal da prática

pedagógica da professora Renata.

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Segunda sessão reflexiva: o voo coletivo da aula da partícipe Renata

A sessão reflexiva da aula de Renata foi realizada no dia 12 de abril de 2014,

com início às 15 horas e término às 18 horas e 30 minutos na residência do Afranio com

a presença de todos os seis partícipes. Iniciamos assistindo ao vídeo com o tema “Dicas

de Julie”4 e, após a exibição, abrimos a mensagem apresentada para discussão,

relacionando-a à reflexão da prática pedagógica.

No momento seguinte, assistimos à filmagem da aula da Renata, em seguida, a

partícipe realizou a autorreflexão da prática pedagógica e depois abrimos para discussão

com o grupo. O espaço de reflexividade contribuiu para que a professora refletisse de

forma sistemática e intencional sobre seu agir docente. A professora Renata mostrou-se

aberta às críticas e sugestões dos partícipes, ouvindo-os sempre atentamente.

A seguir, apresentamos o processo de análise dos dados produzidos no

desenvolvimento da sessão reflexiva coletiva da aula da partícipe Renata realizada no

dia 12 de abril de 2014.

DOCENTES DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: alçando voos mais altos

Neste tópico, refletimos e analisamos a importância da reflexão crítica ser

realizada com o outro. A partir dos princípios da pesquisa colaborativa, entendemos que

os contextos críticos colaborativos não se constituem sem uma relação de confiança

mútua e de respeito ao outro.

Episódio 35

Fátima: – Eu percebi na aula da Renata, às vezes, ela propôs muito a reflexão, só

que ficava muito solitário para o aluno, ele não teve esse espaço para colocar,

mas também não por ela ter fechado as portas, que percebi ali, que esse é um

assunto que sempre a gente acha que não domina, então, muitas vezes, você fica

retraído.

Ozita – Fica retraído.

Fátima – Com medo de se expor né.

Afrânio – Aguardando né o conteúdo.

[...]

Fátima – Se ela tivesse puxado um pouco.

[...]

4 Vídeo retirado do site: https://www.youtube.com/watch?v=4nh1RaIVLcg em 01.04.2013.

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Fátima – Se ela tivesse puxado um pouco mais, mesmo na pouca experiência

deles, ela poderia ter feito essa troca com eles, né, ai então ela disse assim,

porque que não escrevem naquela hora.

Ozita – Não publicam, né.

Fátima – Propor uma reflexão, nós estamos é exercitando isso, como é que nós

estamos fazendo isso, eles poderia ter ressaltado alguma coisa naquele momento,

mas ali ela direcionou muito né, automaticamente ela já tinha.

Ozita: Encaminhou outra coisa.

Na interação dialógica desenvolvida no episódio 35, os partícipes revelam seus

entendimentos sobre a reflexão crítica ser realizada isoladamente. Quando a professora

Fátima, referindo-se à aula de Renata, diz “[...] às vezes ela propôs muito a reflexão,

só que ficava muito solitário para o aluno, ele não teve esse espaço para colocar”,

traz a marca de que a reflexão critica necessita ser coletiva, mas, para que aconteça, é

necessário que sejam criadas condições para o aluno se posicione perante o que está

sendo discutido. Muitas vezes, o aluno não participa da aula com medo de se expor, o

que requer uma prática pedagógica questionadora, a fim de que se sinta motivado a

trocar ideia, experiência com o outro.

A partícipe Fátima cria contexto colaborativo ao expressar o ponto de vista e

desencadear conflitos mediados pela pesquisadora que contribuíram para o grupo, em

especial para Renata expandir a compreensão de que a reflexão crítica deve ser

realizada com o outro, ao enunciar “se ela tivesse puxado um pouco mais, mesmo na

pouca experiência deles, ela deveria ter feito essa troca com eles”. Fátima, ao se

posicionar dizendo que Renata deveria ter dialogado mais com os alunos, provocado

uma reflexão, contribuiu para que a partícipe Renata e o grupo repensassem a prática

que desenvolvem. A propósito dessa visão, Freire (2011, p. 89) afirma “[...] daí que não

deva ser um pensar no isolamento, na torre de marfim, mas na e pela comunicação, em

torno, [...], de uma realidade”.

A interação dos sujeitos se dá por meio da comunicação que se concretiza com a

linguagem. A filmagem possibilitou a análise e discussão entre os partícipes, ao

observarem que, na aula filmada de Renata, o aluno tinha o papel de ouvinte, que

apenas compreendia passivamente o conteúdo exposto pelo professor, não assumindo

posição responsiva (BAKHTIN, 2011, p. 289). Neste tipo de prática, inexiste, na

enunciação, alternância dos falantes, ou seja, as réplicas são mínimas, prevalecendo a

voz do professor. De acordo com o referido autor, “[...] todo enunciado é um elo na

cadeia da comunicação discursiva”, porque todos os enunciado são plenos das palavras

dos outros.

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Na colaboração foi possível elaborar a compreensão de que a prática pedagógica

analisada foi construída com base na racionalidade técnica (PEREZ GÓMES, 1998), em

que o professor é visto como um técnico, que aplica rigorosamente a teoria sem

valorizar a prática. A prática desenvolvida nesta perspectiva é acrítica e a reflexão fica

restrita ao nível técnico.

CONCLUSÃO: rumo a novos voos

Neste artigo, procuramos demonstrar que a sessão reflexiva é procedimento

que propicia aos professores da Educação Superior a reflexão crítica sobre a prática

pedagógica que realizam no exercício da docência, funcionando como suporte para o

desenvolvimento profissional docente.

Por meio das sessões reflexivas apoiadas pela videogravação, criamos espaços

para promover a reflexão crítica colaborativa com os pares, compartilhamos ideias,

expandimos conhecimentos, analisamos práticas individuais e coletivas, possibilitando-

nos a transformação da prática.

No processo de reflexão crítica, foi possível confrontar, na perspectiva sócio-

histórica, a prática pedagógica desenvolvida pelos professores na sala de aula. Nossas

reflexões foram crítica e colaborativa, pois tivemos oportunidade de confrontar e

reconstruir os conhecimentos teóricos e práticos, no processo crítico-reflexivo

desencadeado.

Compreendemos que a reflexão crítica é dispositivo que possibilita importantes

transformações na prática pedagógica dos professores da Educação Superior. Mas, é

importante destacar que não é qualquer reflexão que leva à transformação, pois existem

diferentes níveis de reflexão que permeiam a prática pedagógica dos professores.

Ressaltamos que, ao refletir criticamente, o homem revela a relação entre pensamento e

ação nas situações concretas em que se encontram, o que lhes permite compreender a

relação teoria e prática nos contextos em que se encontram. No caso deste estudo, a

reflexão crítica realizada nas sessões reflexivas possibilitou aos professores da

Educação Superior compreender a unidade teoria-prática ao desenvolver a prática

pedagógica em uma instituição superior de Parnaíba-PI.

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7696ISSN 2177-336X

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OBSERVAÇÃO COLABORATIVA: COPRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

NA COMPREENSÃO DA UNIDADE TEORIA-PRÁTICA NA RESOLUÇÃO DE

PROBLEMAS MATEMÁTICOS

Elieide do Nascimento Silva

RESUMO

Este artigo tem como objetivo responder ao seguinte questionamento: Que relações são

estabelecidas entre os fundamentos das práticas de resolução de problemas com as ações

utilizadas pelo professor? A fim de responder esta pergunta, foi estabelecido o seguinte

objetivo geral: Investigar as relações estabelecidas entre os fundamentos das práticas de

resolução de problemas com as ações utilizadas por professor de Matemática do Ensino

Fundamental, protagonista da pesquisa em tela que apresenta discussões que trazem à

tona a unidade teoria-prática na resolução de problemas nesta área de conhecimento. O

estudo é um recorte da Tese de Doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação

em Educação da Universidade Federal do Piauí, defendida em 2015. A pesquisa,

realizada ao longo do ano de 2014, adota os princípios do Método Materialismo

Histórico Dialético, da Teoria Sócio-Histórica e da Pesquisa Colaborativa à luz dos

princípios teórico-metodológicos de Afanasiev (1968), Freire (2013), Ibiapina (2008),

Liberali (2010), Marx e Engels (2002), Vázquez (2007), Vigotski (2001, 2007), entre

outros. As narrativas do docente, produzidas em contexto colaborativo durante o ano de

2014, foram analisados de acordo com os fundamentos da Interação Discursiva a partir

dos estudos de Pontecorvo (2005). O estudo evidenciou o potencial da observação

colaborativa como procedimento metodológico utilizado na compreensão da unidade

teoria-prática das práticas de resolução de problemas utilizadas pelo professor do

Ensino Fundamental, nomeado de Phardal, de uma escola pública municipal da cidade

de Parnaíba-PI. Como encaminhamento conclusivo, os resultados obtidos ratificam a

potencialidade da observação colaborativa para a compreensão das teorias que embasam

as práticas utilizadas na resolução de problemas matemáticos, possibilitando o professor

a refletir sobre as práticas fossilizadas, por meio da problematização.

Palavras-chave: Observação colaborativa. Unidade teoria-prática. Resolução de

problemas matemáticos.

INTRODUÇÃO

Este texto traz discussões acerca das escolhas teórico-metodológicas na Pesquisa

colaborativa desenvolvida com um professor de matemática do sexto ano do ensino

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fundamental em Parnaíba-PI, no ano de 20155, cuja tese fundante é de que

problematização possibilita o desenvolvimento de práticas criativas na resolução de

problemas matemáticos. Na investigação, as etapas do planejamento da metodologia, do

registro e das reflexões acerca das informações obtidas foram desenvolvidas levando em

consideração a pré-observação, a observação e a pós-observação, fases que constituem o

movimento da Observação Colaborativa (COELHO, 2012).

No trabalho de doutoramento desenvolvido a observação colaborativa foi

instrumento metodológico que nos possibilitou o esclarecimento da complexidade dos

fatores que envolvem a teoria e a prática na resolução de problemas pelo professor de

Matemática no ensino fundamental, bem como o movimento crítico reflexivo que

tornou os partícipes conscientes de suas escolhas na compreensão, organização,

desenvolvimento e reelaboração da unidade teoria-prática.

Na investigação, a observação colaborativa é desencadeadora do processo

reflexivo que culmina na participação e colaboração dos partícipes, possibilitando a

transformação da teoria e práticas dos professores, assim como dos contextos em que

atuam, aspectos evidenciados, também, nos estudos de Paiva (2002), Ibiapina (2008),

Coelho (2012), entre outros.

Dessa forma, inicialmente discorremos a respeito da Pesquisa Colaborativa

tendo como base os princípios do Materialismo Histórico Dialético e a Abordagem

Sócio-Histórica. Em seguida trataremos da Observação Colaborativa como

procedimento metodológico propiciador da reflexividade crítica necessária para a

reelaboração do pensar e do agir do professor de matemática.

Apresentaremos, logo após, análises que evidenciam o potencial da Observação

Colaborativa como estratégia propiciadora da compreensão das fundamentações teóricas

que embasam as práticas desenvolvidas na resolução de problemas matemáticos,

levando-nos a refletir acerca da unidade teoria-prática.

PESQUISA COLABORATIVA: movimento que possibilita a unidade entre

pesquisar e formar

5 Pesquisa de doutorado defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal do Piauí intitulada “Movimento de colaboração com um professor de matemática: prática

educativa problematizadora e sua relação com as práticas criativas” sob orientação da Profª. Drª. Ivana

Maria Lopes de Melo Ibiapina.

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Considerando o objeto de estudo da Tese – práticas criativas na resolução de

problemas matemáticos, o Método Materialismo Histórico Dialético e a Abordagem

Sócio-Histórica – utilizamos a Pesquisa Colaborativa para desenvolver a investigação,

haja vista que, nela, tanto a pesquisadora quanto o professor tomam parte do processo

de produção e de desenvolvimento da investigação, tornando-se corresponsáveis.

No Materialismo Histórico Dialético, a materialidade do objeto, seu princípio

orientador, encontra-se na realidade concreta, fruto do permanente movimento de

desenvolvimento e de renovação do novo, a partir de uma realidade existente (MARX;

ENGELS, 2002). Nesse entendimento, as práticas educativas realizadas na resolução de

problemas matemáticos no ensino fundamental foram investigadas tendo como base as

relações sociais estabelecidas dentro e fora da sala de aula.

Tendo como fundamento a Abordagem Sócio-Histórica, compreendemos a

prática educativa, assim como toda e qualquer atividade humana, como atividade que se

forma e se transforma a partir das relações sociais. Portanto, estão estreitamente

relacionadas ao contexto social e às condições materiais apresentadas nesse contexto,

por conseguinte, carregam compreensões fossilizadas formadas nessas relações

(VIGOTSKI, 2007).

Nessa direção, a Pesquisa Colaborativa foi utilizada como instrumental teórico-

metodológico, pois nos possibilitou criar condições à reflexão crítica da prática de

resolução de problemas matemáticos, relacionando-a à realidade mais ampla, que é o

ensino de Matemática no ensino fundamental. Na visão de Ibiapina e Ferreira (2007, p.

31):

[...] o potencial da investigação colaborativa está justamente em dar conta

não somente da compreensão da realidade macrossocial, mas, sobretudo, em

dar poder aos professores para que eles possam compreender, analisar e

produzir conhecimentos que mudem essa realidade, desvelando as ideologias

existentes nas relações mantidas no contexto escolar.

Diante do pensamento explicitado, na Tese, o professor foi considerado produtor

de conhecimentos sobre a teoria e a prática, capaz de transformar as suas práticas

educativas, o que se deu a partir da compreensão da teoria por meio da prática que

desenvolve e vice-versa. Ao utilizarmos esse tipo de pesquisa, deixamos de investigar

sobre o professor de Matemática, passando a fazer com ele a pesquisa.

Buscamos, portanto, em interação com o professor, a partir da análise das suas

práticas de resolução de problemas matemáticos e de seus enunciados, compreender

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qual teoria apoia o seu agir. Dessa forma, por meio da observação colaborativa,

procedimento proposto pela Pesquisa Colaborativa, foram criadas as condições para que

refletíssemos sobre as questões que envolvem a organização e o desenvolvimento das

práticas de resolução de problemas matemáticos6, bem como sobre a teoria que orienta

essas práticas.

A respeito dessa estratégia colaborativa, discorremos a seguir.

OBSERVAÇÃO COLABORATIVA: o movimento da observação e caracterização

da prática no contexto da pesquisa

Os estudos de Paiva (2002), Guedes (2006), Ibiapina (2008), Coelho (2012) e

Bandeira (2014) apresentam a observação colaborativa como procedimento

metodológico desencadeador de um processo reflexivo que culmina na participação e na

colaboração que possibilitam a transformação da teoria, das práticas, dos professores e

dos contextos.

Na visão de Ibiapina (2008, p. 90), a observação colaborativa “[...] é um

procedimento que faz articulação entre ensino e pesquisa, teoria e prática, bem como

possibilita o pensar com os professores em formação sobre a prática pedagógica no

próprio contexto de aula [...]”. Esse procedimento metodológico, além de valorizar a

participação e a colaboração, possibilita aos partícipes a formação e o desenvolvimento

de prática mais consciente, pois se constitui em momento de reflexão crítica sobre o

nosso fazer.

Este tipo de procedimento propicia contextos para a formação dos partícipes por

meio de reflexões sobre suas práticas, explicitando-se, assim, a unidade teoria-prática. O

processo reflexivo que nele acontece leva o professor a refletir a sua prática por meio da

tomada de consciência das suas ações (BANDEIRA, 2014).

Para que esse processo reflexivo ocorresse, na pré-observação, primeira fase da

observação colaborativa, reunimo-nos e discutimos o roteiro de observação, negociamos

a natureza, os objetivos e as finalidades da observação colaborativa a ser desenvolvida e

que a filmagem seria o suporte para análise. Na observação colaborativa, essa fase

corresponde ao momento de planejamento. Para o intento, tomamos como base ações

6Na visão de Onuchic e Allevato (2011, p. 82), a resolução de problemas desenvolve “[...] a capacidade

de pensar matematicamente, utilizar diferentes e convenientes estratégias em diferentes problemas,

permitindo aumentar a compreensão dos conteúdos e conceitos matemáticos”.

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5

reflexivas7 em Smyth (1992), fundamentado em Freire (2005), e propostas por Liberali

(2010). São elas: descrever, informar, confrontar e reconstruir.

Na ação do descrever, o professor relata de maneira contextualizada as

experiências vividas em sala de aula por meio da observação da aula filmada. Essa ação

foi o ponto de partida para as ações seguintes, servindo de base para os questionamentos

desencadeadores pelas discussões e pelo processo reflexivo da análise da prática do

professor.

No informar, os questionamentos desenvolvidos têm como objetivo visualizar o

entendimento que fundamenta teoricamente as ações apresentadas na aula filmada, ou

seja, somos levados a entender que em toda prática desenvolvida existe sempre uma

teoria que a fundamenta.

Ao confrontar, questionamos as ações desenvolvidas por meio de sustentação,

refutação e negociação de posições, tendo como fundamento a prática. Nesse momento,

questionamos como nos tornamos assim, como o tipo de prática que desenvolvemos foi-

se construindo sócio-historicamente, como as relações nos diversos contextos

influenciaram nossas práticas. Nessa ação, há um prenúncio para a possibilidade de

reelaboração, pois o indivíduo começa a compreender quem realmente é e a questionar

se realmente quer ser assim (LIBERALI, 2010).

Desse modo, a partir das três ações anteriores, desencadeia-se a ação

denominada por Liberali (2010) de reconstruir. Denominada na tese que desenvolvemos

de reelaborar, ação que ocorre efetivamente quando o desenvolvimento da consciência

crítica em relação à prática desenvolvida possibilita a transformação. Nessa ação, a

transformação que acontece é informada pela ação realizada, o novo olhar sobre a

prática realizada, a partir da problematização dos questionamentos desencadeados nas

ações da reflexão crítica, proporcionando a reorganização das práticas de resolução de

problemas matemáticos, pois possibilitam, aos partícipes, reflexão crítica de forma

sistemática e intencional sobre as práticas realizadas.

A segunda fase da observação colaborativa, o registro da observação, aconteceu

na escola, ocasião na qual fizemos, também, a filmagem da aula do professor de

matemática. A observação ocorreu no dia 3 de fevereiro de 2014, na sala do sexto ano

7 Nesta pesquisa, embora cada uma dessas ações reflexivas esteja didaticamente apresentada

separadamente, é importante informar acerca da não hierarquização dessas ações, apesar de cada uma

delas ter organização discursiva própria relacionada aos objetivos aos quais se propõe, ainda assim,

apresentam-se interconectadas formando um todo.

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6

do ensino fundamental, turno manhã, de uma escola municipal da cidade de Parnaíba,

Piauí. Durante a filmagem da aula, permanecemos em silêncio, atenta e fazendo

anotações. Nessa fase da observação colaborativa, o registro das informações foi feito

conforme roteiro previamente elaborado na fase da pré-observação.

A pós-observação, última fase da observação colaborativa, teve como objetivo

levar o professor a analisar a prática realizada na aula filmada, como forma de reflexão

e de reelaboração das práticas de resolução de problemas matemáticos. Possibilitou,

ainda, por meio das interações que nela aconteceram, a discussão da teoria que

fundamenta essas práticas.

Nessa fase da observação colaborativa, ao retornarmos a aula filmada,

desenvolvemos o movimento de reflexividade que não poderíamos fazer sozinhos,

tendo em vista que é o olhar do outro que nos possibilita entender melhor as

contradições entre aquilo que dizemos e o que fazemos (LIBERALI, 2010).

Esse movimento nos possibilitou entender o que, empírica e teoricamente,

fundamentava a prática usada na resolução de problemas matemáticos, apresentando o

que precisava e poderia ser feito para realizar as mudanças necessárias nas práticas

utilizadas naquela aula.

Destarte, a observação realizada não foi avaliativa, mas participativa,

colaborativa e geradora de oportunidades para a negociação de sentidos sobre a prática

de resolução de problemas e sobre a teoria que orienta este agir. Ao observarmos a aula

do professor, a finalidade foi questioná-la por meio do movimento de reflexividade que

tornasse possível a compreensão acerca da unidade teoria-prática nas práticas de

resolução de problemas matemáticos, foco das análises apresentadas a seguir.

A UNIDADE TEORIA-PRÁTICA NAS PRÁTICAS DE RESOLUÇÃO DE

PROBLEMAS MATEMÁTICOS

Para responder a questão: Que relações são estabelecidas entre os fundamentos

das práticas de resolução de problemas com as ações utilizadas pelo professor?

Apresentamos as discussões que trazem à tona a unidade teoria-prática. Neste tópico

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7

apresentamos os excertos8 13 e 14 extraídos da terceira e sexta sessão de pós-

observação em que discutimos sobre a importância da unidade teoria-prática.

O Excerto 13 foi selecionado da terceira sessão de pós-observação, realizada no

dia 31 de agosto de 2014.

Excerto 13 – Fundamentos freireanos da prática do professor Phardal9

Leda10

: Na prática que você desenvolve, qual a importância da teoria e da

prática?

Phardal: A teoria e a prática, elas têm que andar juntas sim, são elos, se ligam

(fortemente, a gente sabe que não dá para trabalhar só com prática ou só com

teoria. [...] a gente está querendo, às vezes, até de forma empírica mesmo, unir

essas coisas. A gente sabe que uma é importante no entendimento da outra.

Leda: A sua prática toma como base uma teoria?

Phardal: Alguns estudiosos, como Paulo Freire, nos dão suporte [...]. O que a

gente vem fazendo está alicerçado nos conhecimentos, nos estudos de Paulo

Freire.

Leda: Em que sentido você coloca Paulo Freire? Como você relaciona isso?

Phardal: Paulo Freire, ele, segundo seus estudos, o aluno quando instigado às

situações, pode levar aquele conhecimento para fora da sala de aula, [...] a

situação real dele, efetivamente, o ensinamento foi produtivo, foi um

ensinamento que teve valia, que teve valor, que teve significado.

Leda: Quando você toma Paulo Freire ou essas fundamentações, você

considera esses elementos importantes na sua prática?

Phardal: O professor tem que ser mesmo aquele indivíduo que discute com o aluno,

[...] Ele está numa posição em que ele pode receber informação e trocar com o

aluno, [...] e dali os conteúdos sendo abordados eles permitam que os alunos

tenham oportunidades de transformarem aquilo ali, transformarem aqueles

conteúdos.

Leda: [...] existe para você alguma diferença quando nós falamos de uma teoria

e quando nós nos inserimos dentro desse processo? Qual a importância disso?

Phardal: Sim, existe sim, porque têm teorias e têm profissionais também que

trabalham com teorias repetitivas, onde ele deposita muitas informações

naqueles alunos [...]. A minha proposta e a minha própria filosofia de trabalho são

um pouco diferentes [...] eu vou esperar daquele aluno que ele consiga tudo

aquilo que eu fiz, mas de maneira mais criativa, onde ele seguiu os caminhos

não propriamente aqueles que eu ensinei.

8 Entendidos como núcleos de enunciações que apresentam conteúdo temático, estilo próprio e

composição organizacional na interação discursiva (BAKHTIN, 2011). 9 Pseudônimo adotado para identificar o professor de matemática. Nome de um inventor nas histórias em

quadrinhos que o identifica e o relaciona com os vídeos que desenvolve na internet (You Tube) e o blog

criado por ele: A arte de aprender brincando. 10

Pseudônimo que escolhemos pelo motivo de ser o apelido adotado pelo nosso pai.

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8

Phardal, ao ser indagado por Leda acerca da importância da teoria e da prática na

atividade que desenvolve, demonstra que sua compreensão sobre elas é de união e de

ligação, ao responder que: “A teoria e a prática, elas têm que andar juntas sim, são

elos, se ligam fortemente”. Segundo Prado Jr. (2002), ligação seria a simples soma de

partes, diferenciando-se, portanto, de relação, na qual teoria-prática se formam e se

determinam mutuamente.

Dessa forma, entendemos que é a relação entre elas que define a unidade, pois

“A teoria por si só não está em condições de transformar a realidade, coisa que a

distingue da prática.” (AFANASIEV, 1968, p. 182). Essa compreensão não foi

explicitada pelo professor, o que interpretamos como necessidade de expansão, que será

definida ao longo das discussões sobre a unidade teoria-prática.

Considerando que Vázquez (2007), ao denominar a atividade humana teórico-

prática de práxis, explicita que na citada unidade há um lado ideal, teórico, e um lado

material, propriamente prático, com a particularidade que só artificialmente, por um

processo de abstração, é possível separar; isolar um do outro e que somente ao

compreender a prática, pelo viés da unidade teoria-prática, é possível revelar os

conhecimentos teóricos e práticos que a caracteriza, Phardal explicita: “A gente sabe

que uma é importante no entendimento da outra.”.

Ao ser indagado por Leda acerca de qual teoria ampara a sua prática, Phardal

respondeu que o trabalho que desenvolve “[...] está alicerçado nos conhecimentos, nos

estudos de Paulo Freire”. Relaciona a prática que desenvolve aos estudos de Paulo

Freire: “[...] segundo seus estudos, o aluno quando instigado a situações, pode levar

aquele conhecimento para fora da sala de aula [...] a situação real dele,

efetivamente, o ensinamento foi produtivo [...] teve significado.”. A afirmação do

professor demonstra o entendimento dos princípios que fundamentam a concepção de

educação destacada por Freire (1996, p. 69), na qual o educador deve desenvolver “[...]

a capacidade de aprender”, não apenas para adaptar-se ao real, mas, sobretudo, para

transformá-lo e nele intervir, recriando-o.

Nessa concepção de educação, de acordo com Freire (2005, p. 79), “o educador

já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o

educando que, ao ser educado, também educa”. Phardal significa a proposta de

educação que desenvolve com base em Freire, ao dizer: “Ele está numa posição em

que ele pode receber informação e trocar com o aluno [...]”. ao fazer referência à

relação professor-aluno no processo de ensino-aprendizagem.

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9

Phardal evidencia que as concepções freireanas fundamentam a sua prática,

quando conclui: “[...] eu vou esperar daquele aluno que ele consiga tudo aquilo que

eu fiz, mas de maneira mais criativa, onde ele seguiu os caminhos não

propriamente aqueles que eu ensinei.”. Uma prática que possibilite o educando

refletir, descobrir-se e conquistar-se como sujeito destinado a ser mais (FREIRE, 2005).

As discussões indicam que houve desenvolvimento na interação. Segundo

Pontecorvo (2005), essa dimensão é identificada quando o interlocutor se contrapõe e

argumenta por meio de exemplos, relacionando e ampliando o tema discutido na

interação. No excerto em foco, houve desenvolvimento, por exemplo, quando os

partícipes relacionam as práticas discutidas com a concepção freireana e quando Phardal

justifica porque sua prática não está fundamentada em “[...] teorias repetitivas”,

evidenciando o desenvolvimento da discussão.

Em continuidade, apresentamos as discussões ocorridas no excerto 14. O excerto

foi extraído da sexta sessão de pós-observação, realizada no dia 4 de outubro de 2014.

Excerto 14 – Relação teoria-prática

Leda: [...] então [...] por trás dessa prática há sempre uma teoria presente.

Phardal: É [..] a gente sabe que, por trás, tem uma teoria bem fundamentada

em vários estudiosos como Vigotski, Piaget, que dão embasamento teórico,

para que nosso material seja fundamentado em pessoas que estudaram e

afirmam, [...] que [...] a estratégia bem aplicada vai surtir efeito.

Leda: [...] a sua prática, ou a de qualquer professor no que se refere à questão da

resolução de problemas, o que você acha que ela pode auxiliar para o ensino e

a aprendizagem?

Phardal: A resolução de problemas, se nós conseguirmos, na hora que o aluno tiver

tentando fazer essas resoluções tirar muito desse abstrato, botar mais no

concreto, no cotidiano, a gente acha que os resultados serão mais satisfatórios.

Leda inicia a discussão ao afirmar: “[...] por trás dessa prática há sempre uma

teoria presente”, ressaltando a importância da teoria para a compreensão da unidade

teoria-prática discutida no Excerto 13. Phardal continua a discussão, ratificando o

posicionamento, ao confirmar: “[...] a gente sabe que, por trás, tem uma teoria bem

fundamentada em vários estudiosos como Vigotski, Piaget, que dão embasamento

teórico para que nosso material seja fundamentado [...]”, destacando a importância

do conhecimento da teoria, para que as estratégias utilizadas com o material sejam bem

aplicadas e venham surtir efeito no processo de ensino e de aprendizagem.

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Na visão de Vázquez (2007, p. 233):

A atividade teórica proporciona um conhecimento indispensável para

transformar a realidade, ou traça fins que antecipam idealmente sua

transformação, mas tanto em um como no outro caso a realidade efetiva

permanece intacta.

Phardal expressa o entendimento de que a teoria proporciona conhecimento

acerca da prática que utiliza na resolução de problemas matemáticos, quando

indagamos: “[...] no que se refere à questão da resolução de problemas, o que você

acha que ela pode auxiliar para o ensino e a aprendizagem?”; ele responde que a

teoria possibilita “[...] tirar muito desse abstrato, botar mais no concreto, no

cotidiano”.

A partir do exposto, observamos que o professor revela o entendimento de que

a resolução de problemas deve sair do abstrato ao concreto no ensino-aprendizagem. Ou

seja, possibilitar ao aluno “[...] resolver situações-problema, sabendo validar estratégias

e resultados, desenvolvendo formas de raciocínio e processos [...] utilizando conceitos e

procedimentos matemáticos [...]”, permitindo que resolva os problemas e compreendam

o conteúdo matemático (BRASIL, 1998, p. 48).

As enunciações indicam que a discussão manteve o fio condutor; evidenciando,

por exemplo, que o professor aponta a importância do conhecimento da teoria para o

desenvolvimento satisfatório da resolução de problemas matemáticos, destacando que

esse conhecimento possibilita trabalhar a atividade de maneira concreta. Segundo

Pontecorvo (2005), quando há coerência entre os interlocutores, mantendo-se o fio

condutor da discussão, indica que houve desenvolvimento na interação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises dos excertos evidenciam a importância da observação colaborativa

para a compreensão das necessidades de formação do professor, referentes à unidade

teoria-prática na atividade que desenvolve, quando trabalhadas por meio da reflexão

crítica desencadeada nas discussões que ocorreram nas sessões de pós-observação. Esse

movimento possibilitou entender as práticas cristalizadas e, a partir da concepção

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freireana de prática problematizadora, refletir sobre as mudanças necessárias para sua

reelaboração.

Observamos que o professor Phardal apresenta progressivo desenvolvimento no

pensamento sobre a importância da teoria e do processo de reflexividade crítica, para

que a prática educativa se torne consciente e tenha a função de desenvolver a

curiosidade epistemológica do aluno, por meio da problematização.

O artigo revelou o potencial da observação colaborativa como um procedimento

investigativo e formativo, ao contribuir para que o professor, juntamente com a

pesquisadora, desvelasse práticas fossilizadas e como elas interferem nas ações

utilizadas em sala de aula, determinando as práticas de resolução de problemas

matemáticos.

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