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0 DOCÊNCIA E PESQUISA: EXPERIÊNCIAS DE ESTÁGIO NA FORMAÇÃO INICIAL A proposta deste painel envolve três trabalhos realizados em diferentes universidades do Nordeste com professoras que exercem sua docência com o componente estágio em curso de formação inicial. A docência no estágio está articulada à propostas teórico- metodológicas dentro do viés da abordagem experiencial cujo foco centraliza-se na escrita de narrativas como um movimento de conhecimento de si e de prospecção a partir das histórias de vida para o „tornar-se professor‟. Dessa forma, a primeira experiência está configurada nos memoriais de formação como dispositivos de pesquisa formação elaborados pelos estudantes-estagiários no percurso do estágio. A pesquisadora buscou compreender o percurso de formação até o 'tornar-se professor' no movimento de escritas narrativas dando ênfase à histórias de vida pessoal e profissional dos futuros professores. O segundo trabalho aborda práticas com o estágio relacionadas à formação de professores alfabetizadores configurando memórias e apropriações por atos de leitura triangulada, atividade esta consolidada no Projeto de extensão universitária, Escola Laboratório e no Grupo de Pesquisa e Estudos de Alfabetização e Letramento por Atos de Leitura Triangulada, GEP-ALFALETRI na Universidade Federal do Maranhão UFMA, São Luís, MA e, finalmente, o terceiro trabalho agrega a reflexão acerca dos saberes autobiográficos do estágio na formação inicial. Trata-se de um debate acerca das aprendizagens construídas no processo formativo de Estágio na sala de aula através de um recorte que faz parte do Projeto de Pesquisa intitulado Estágio de Letras na Formação de Professores de Língua Portuguesa: retratos, imagens e registro de narrativas, portfólios e memoriais desenvolvido em um curso de Letras na UNEB, campus de Alagoinhas, BA. Palavras-Chave: Estágio, Formação Inicial, Pesquisa Autobiográfica XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 1335 ISSN 2177-336X

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DOCÊNCIA E PESQUISA: EXPERIÊNCIAS DE ESTÁGIO NA FORMAÇÃO INICIAL

A proposta deste painel envolve três trabalhos realizados em diferentes universidades do

Nordeste com professoras que exercem sua docência com o componente estágio em

curso de formação inicial. A docência no estágio está articulada à propostas teórico-

metodológicas dentro do viés da abordagem experiencial cujo foco centraliza-se na

escrita de narrativas como um movimento de conhecimento de si e de prospecção a

partir das histórias de vida para o „tornar-se professor‟. Dessa forma, a primeira

experiência está configurada nos memoriais de formação como dispositivos de pesquisa

formação elaborados pelos estudantes-estagiários no percurso do estágio. A

pesquisadora buscou compreender o percurso de formação até o 'tornar-se professor' no

movimento de escritas narrativas dando ênfase à histórias de vida pessoal e profissional

dos futuros professores. O segundo trabalho aborda práticas com o estágio relacionadas

à formação de professores alfabetizadores configurando memórias e apropriações por

atos de leitura triangulada, atividade esta consolidada no Projeto de extensão

universitária, Escola Laboratório e no Grupo de Pesquisa e Estudos de Alfabetização e

Letramento por Atos de Leitura Triangulada, GEP-ALFALETRI na Universidade

Federal do Maranhão – UFMA, São Luís, MA e, finalmente, o terceiro trabalho agrega

a reflexão acerca dos saberes autobiográficos do estágio na formação inicial. Trata-se de

um debate acerca das aprendizagens construídas no processo formativo de Estágio na

sala de aula através de um recorte que faz parte do Projeto de Pesquisa intitulado

Estágio de Letras na Formação de Professores de Língua Portuguesa: retratos, imagens

e registro de narrativas, portfólios e memoriais desenvolvido em um curso de Letras na

UNEB, campus de Alagoinhas, BA.

Palavras-Chave: Estágio, Formação Inicial, Pesquisa Autobiográfica

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1335ISSN 2177-336X

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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES COM SIGNIFICAÇÃO E

SENTIDO: MEMÓRIAS E APROPRIAÇÕES POR ATOS DE LEITURA

TRIANGULADA

Marise Marçalina de Castro Silva Rosa

UFMA, MA

RESUMO:

No presente trabalho analiso uma experiência formadora de professores no campo da

alfabetização, no curso de pedagogia da universidade Federal do Maranhão-UFMA.

Destaco as memórias de uma experiência de formação por meio de narrativas

autobiográficas de processos de apropriação da língua materna, narradas por estudantes

da disciplina Fundamentos e Metodologia da Alfabetização. Situo práticas de ensino

com base nos Atos de Leitura Triangulada como uma experiência inovadora de

extensão/pesquisa de minha autoria, voltada para o processo de

alfabetização/Letramento múltiplos no estágio supervisionado e em cursos de extensão

universitária. Fundamenta-se na indissociabilidade das ações formadoras e, em uma

extensão universitária crítica e na compreensão da escrita como instrumento cultural

complexo. Analiso a perspectiva inovadora da formação de futuros professores no

Projeto de extensão universitária, Escola Laboratório e no Grupo de Pesquisa e Estudos

de Alfabetização e Letramento por Atos de Leitura Triangulada, GEP-ALFALETRI.

PALAVRAS-CHAVE: Estágio; Alfabetização; Narrativas.

A escrita de uma trajetória, a partir de uma narrativa sobre si, por mais

simples que seja, significa falar de experiências de vida mediadas por relações sociais

cotidianas. Quando se trata de itinerários de formação, ou experiências vividas no

campo da docência universitária, as representações sociais sobre a prática docente

poderão revelar as estruturas de um habitus professoral, marcado por experiências

acadêmicas, ideias, crenças, valores e sentimentos vividos coletivamente na relação

com o outro.

Segundo Halbwachs (1990, p. 71) “[...] a memória é uma construção social

e depende do relacionamento do sujeito com o grupo social em que vive.”. Assim

sendo, o ato de rememorar eventos de minha carreira acadêmica carrega, em si, marcas

e significações engendradas no meu relacionamento com os sujeitos da minha prática

docente, meus pares e comunidade universitária em geral ao longo do meu

desenvolvimento profissional como professora formadora, pesquisadora social,

coordenadora de projeto de extensão.

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1336ISSN 2177-336X

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Minha experiência como professora universitária só poderá ser

compreendida a partir de uma análise relacional sobre a forma como foi produzida, ao

longo dos dezoito anos de trabalho docente na Universidade Federal do Maranhão. É

preciso não só citar os fatos, acontecimentos e atividades realizadas nesse período, mas,

ao narrar cada situação vivida, compreendê-la como parte de uma história carregada de

sentidos e motivações diversas, as quais me permitiram produzir saberes e fazeres

particulares. Ademais, não poderei deixar de situar, nesse contexto, duas dimensões

importantes experimentadas na minha ação docente: a) afetividade nos processos de

ensino e de aprendizagem; b) reflexividade no processo de apropriação de saberes e

autonomia didático-pedagógica de futuros/as professores/as. Quero, com isto, anunciar

essas dimensões, que só agora visualizo como tendo marcadamente influenciado a

minha prática no campo da docência.

Porém, a relação espaço/tempo de experiência, no magistério superior, não pode

ser analisada isoladamente de outras experiências escolares, vividas, por mim, no campo

do magistério da Educação Básica, pois o universo da sala de aula, independentemente

do nível ou segmento escolar, pressupõe um ato de extrema complexidade se

considerarmos que o processo de ensino-aprendizagem envolve sujeitos numa

engenharia humana atravessada por dimensões políticas e didático-pedagógicas,

imbricadas numa prática social viva, necessitando, portanto, do conhecimento de

saberes docentes necessários ao desenvolvimento crítico desse processo.

Um dos maiores desafios discutidos e enfrentados no país, principalmente nas

instituições formadoras de professores, relaciona-se aos saberes que professores

alfabetizadores devem ter e ás políticas públicas voltadas para o campo da

alfabetização. A questão sobre a apropriação da língua materna, o processo de

alfabetização de crianças da escola pública, sempre foi alvo de inúmeras discussões, de

preocupações acadêmicas, estudos e pesquisas em campos diversos. Porém, a que mais

me incomoda, como professora universitária, tem a ver com a formação de professores

alfabetizadores. Nesse sentido, me interrogo sobre, questões fundantes no curso de

Pedagogia: Quem forma o alfabetizador, a alfabetizadora? Como se aprende a ser

alfabetizador/a? Que matrizes curriculares são articuladas no sentido de formar

capacidades alfabetizadoras por futuros/as professores/as? Que teorias devem ser

estudadas? Como resolver a questão da alfabetização e dos letramentos múltiplos nesse

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1337ISSN 2177-336X

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processo formativo? Quais os desafios e as exigências na contemporaneidade, para

formadores e formandos, diante dos avanços das tecnologias da comunicação e da

informação? Como alfabetizar com os gêneros digitais e as ferramentas do computador,

ipad, tablets, smartphone e novos portadores de leitura?

Na verdade, essa realidade engendrada na contemporaneidade, nos desafia e

nos “desequilibra”. Será preciso, então, criar novas teorias? Ou, só a inovação

pedagógica, a partir de uma sólida fundamentação teórica sobre a apropriação da língua

materna nos fará responder adequadamente a tantos desafios?

Ao longo desses vinte e dois anos de carreira na UFMA, trabalhamos,

pesquisamos e construímos alternativas mediadas por práticas extensionistas no curso

de Pedagogia, visando resolver a questão da formação do/a alfabetizador/a. Nesse

sentido, coordenamos o projeto Escola Laboratório, situa-se nessa experiência como

lugar de apropriações de saberes sobre o ser professor de ensino de língua materna, ou

melhor ser um/a agente letrador/a. Neste projeto de extensão, desenvolvemos uma linha

de ação voltada para alfabetização de meninos e meninas em situação de

vulnerabilidade social, sob orientação de estagiários/as, bolsistas e, ou, voluntários/as

do curso. Diríamos que três grandes movimentos deram forma ao projeto. O primeiro,

movidos por uma concepção de extensão, que na época, nos fortalecia, que extensão

universitária era ir até a comunidade e possibilitar o contato dos alunos com a

comunidade, com a sociedade, extrapolando os muros da universidade. Mesmo assim, o

grupo de professoras, do referido projeto, mobilizou toda escola campo do estágio e, por

conseguinte, das práticas extensionistas, em torno da formação contínua de professores

dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

O segundo movimento, vivenciamos a superação dessa visão de extensão

como via de mão única. Ou até mesmo, de necessidade de ir, sair do campus para

“comunicar” seus saberes científicos aos que, apesar de possuírem saberes populares, e

próprios de sua condição, “precisavam” dos universitários por meio de suas práticas

extensionistas, para, enfim, “serem” melhores. Ou seja, esse segundo movimento, é o de

volta. Ou ainda, o movimento que permitiu diálogos na universidade entre os estagiários

extensionistas com as crianças, suas mães, avós e demais familiares na sala de aula.

Ou até mesmo, a perspectiva do diálogo proposto como ecologia dos saberes

(Santos, 2007) , ao afirmar que, “As universidades só ensinam o conhecimento dos

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vencedores, e não dos vencidos. [...] O conhecimento universitário, científico, é

importante, mas não basta”. Assim, cria-se na universidade, uma classe experimental de

alfabetização, onde meninos e meninas do entorno social da UFMA, com dificuldades

na leitura e na escrita, ou ainda, com um histórico de reprovação, pudessem aprender

tais habilidades.

Nesse sentido, as alunas do curso, vinculadas ao projeto, iniciaram um

processo de alfabetização, sob sua responsabilidade, fundamentado nos aportes teóricos

de uma pedagogia social, ancorados nas teorias de Vigotski, Leontiev, [...] articulado á

perspectiva de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Cabe situar, que no

período de 1999 a 2009, a classe experimental de alfabetização possibilitou que um

número significativo de acadêmicos construíssem uma experiência alfabetizadora com

autonomia nas decisões teórico- metodológicas. Desse período, inúmeros trabalhos

foram publicados e apresentados em eventos científicos.

Com isto, entendemos que não seja possível apropriar-se habilidades e

capacidades para ensinar a língua materna, sem experimentar, vivenciar uma

experiência alfabetizadora. Logo, a sala de aula do curso de Pedagogia, não deve ser o

único lugar de se aprender sobre o processo de alfabetização. Porém, é o espaço

legítimo para produzirmos conhecimentos sobre tão complexo processo, lecto-escrita.

Assim, em 2010, após processo de doutoramento, iniciou-se mais uma linha de ação no

projeto e, por conseguinte, o terceiro movimento se inicia com a criação dos Atos de

Leitura Triangulada. Uma atividade para alfabetização e letramento de crianças em

situação de alta vulnerabilidade social, que se encontram matriculadas na escola pública

onde as ações do projeto escola-laboratório passou a desenvolver-se com apoio de

estagiárias, bolsistas e voluntários extensionistas. Associa-se á esses movimentos

descritos, ações articuladas com a disciplina de Fundamentos Teórico-metodológicos da

Alfabetização. O que pretendemos caracterizar, como uma experiência, também,

exitosa na formação inicial, de formar alfabetizadores, ao aproximar a extensão do

ensino em bases investigativas.

O processo formativo de docentes, com capacidades para o ensino da leitura

e da escrita, de crianças, jovens, adultos e idosos , seja no nível de escolaridade que for,

é complexo e não tem receita pronta. Depende, não só princípios e desenhos

curriculares que contemplem os aportes teóricos que fundamentam esse processo. Mas,

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1339ISSN 2177-336X

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de saberes, fazeres e quereres de todo um coletivo de educadores comprometidos com a

escola de ensino de língua materna, bem como, as instituições formadoras.

O currículo do curso de Pedagogia da UFMA possui um desenho que inclui a

disciplina de “Fundamentos e Metodologia da Alfabetização-60h”, no quarto período.

Além, de Fundamentos e Metodologia de Língua Portuguesa-60h. Na condição de

estudiosa desse campo de conhecimento, reconheço, que um currículo que esteja

voltado para a formação de professores alfabetizadores, não pode deixar de oferecer um

eixo ou núcleo de fundamentação teórico-metodológico que garanta estudos específicos

do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita, dos letramentos múltiplos e

interculturais.

Diante dessa complexidade, e, de questões como as apontadas acima,

historicamente, temos buscado em nossa prática de ensino, como formadora, trabalhar a

partir da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como fundamento teórico-

metodológco de nossos fazeres. Para tanto, acionamos saberes pedagógicos que

garantam aos estudantes o estabelecimento de uma relação teoria e prática em cotextos

situados.

Nesse sentido, convém destacar a ementa da disciplina de alfabetização e como

trabalhamos seus conteúdos, visando alcançarmos os objetivos previstos.

A alfabetização como questão nacional: relações históricas

entre escola e alfabetização. Contribuição da Linguística, da

Psicolinguística e da Sociolinguística. Alfabetismo e

Letramento: concepções de aprendizagem da língua escrita

como representação gráfica da linguagem e desenvolvimento de

habilidades de utilização desse sistema para a interação social.

Projetos e propostas de trabalho envolvendo a leitura e a escrita.

O papel do/a professor/a alfabetizador/a: conhecimento e

habilidades. Estudo e análise de recursos didáticos e

procedimentos de avaliação no campo da alfabetização

(UFMA, 2013).

A ementa destaca os elementos importantes na disciplina e que dever apontar as

linhas de investigação, de estudo e reflexões coletivas. Assim, ao se discutir a

“alfabetização como questão nacional: relações históricas entre escola e alfabetização,”

os conceitos de alfabetismo/analfabetismo/ analfabetismo funcional;

Letramento/iletrismo/ leramentos múltiplos são estudados e, dessa forma, a turma é

desafiada, a identificar uma criança, jovem, adulto ou idosa para iniciar o processo de

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1340ISSN 2177-336X

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alfabetização. Essa tem sido uma das experiências mais exitosas desenvolvidas por nós

para possibilitar que futuros professores iniciem uma experiência alfabetizadora e ao

mesmo tempo, tenham exemplos, dúvidas e questões “verdadeiras” para discussão em

sala de aula.

Num primeiro momento, após a identificação do alfabetizando, é feita uma

entrevista episódica com a pessoa a ser alfabetizada. Em sala de aula, numa roda de

conversa, as entrevistas são apresentadas, refletidas e estabelecidas as relações sociais,

psicológicas e pedagógicas. Interessante destacar, nesse último ano, a quantidade de

alunos que alfabetizam familiares, avós, pais, sobrinhos, profissionais da limpeza e do

entorno da universidade, presidiários, domésticas enfim, pessoas em sua volta que não

foram alcançadas pelos “braços” da democratização da educação, diríamos.

Num contínum, cada estudante da disciplina faz seu próprio horário de

ensino/aprendizagem semanalmente, e, durante as aulas, no primeiro momento,

organizamos uma roda de conversa para colocarmos as questões/experiências do

processo de alfabetização. Nessa perspectiva, promovemos discussões conceituais sobre

a prática de alfabetizar sem “saber” alfabetizar. Portanto, uma decisão que tomamos

coletivamente, tem a ver com a organização de um kit de recursos didáticos. Letras

móveis, caderno, lápis, pasta, revistas, livros etc. As ferramentas como, computador,

ipad, smartphone, celulares e tablets, também foram utilizados por muitos alunos da

turma. Um exemplo, foi a de uma aluna que estava alfabetizando as avó, e a mesma, ao

ser questionada sobre que palavra gostaria inicialmente de escrever, ela afirmou que

gostaria imensamente de escrever os nomes dos seus doze filhos. Ao refletirmos sobre a

importância de partir de textos, palavras e frases do interesse do alfabetizando, estamos,

na verdade, considerando a perspectiva apresentada por (CHARLOT, 2000), ao afirmar

que para haver saber, três coisas são fundamentais: Atividade, Mobilização e Sentido.

Ou seja, a relação com o saber é uma relação de sentido. Assim, todos os alunos partem

do querer, do desejo de cada aprendiz. Assim, destacam-se alguns quereres: ler a bíblia,

escrever o seu próprio nome, ler as placas dos ônibus, ler uma receita, ler notícia de

jornal, poesias e tantos outros. As aulas vão sendo registradas e as produções escritas

vão sendo organizadas como memória da experiência.

As ancoragens, entretanto, vão sendo feitas á medida que vamos estudando as

abordagens previstas no programa, a exemplo cita-se: “Dimensões histórico-conceituais

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de alfabetização. Da alfabetização ao letramento: evolução histórica, os métodos e

processos de alfabetização”. Não se indica, sob hipótese alguma, um método de

alfabetização para que os alunos aprendizes coloquem em prática. Ao contrário, essa é

uma escolha individual, sobre o percurso metodológico, já que as práticas dependem do

contexto, do nível de interesse e das habilidades em mobilizadas para cada sujeito.

Entretanto, como professora formadora, acompanhamos, avaliamos e orientamos as

atividades que potencializam o processo de aprendizagem língua materna.

Em relação às abordagens teóricas, além de exposição oral, sessões de vídeos e

estudo de textos e biografias dos teóricos, as pesquisas na internet e os seminários em

grupo fazem parte de nossa programação e são cuidadosamente preparados. Em 2015,

realizamos uma experiência na disciplina que foi de grande alcance formativo, o Rodas

de Diálogos I, versando sobre letramentos múltiplos – concepções e práticas. Nesta, os

alunos da disciplina organizaram e desenvolveram um lindo processo de diálogo com as

professoras de uma escola pública, campo de estágio, sobre a temática supracitada.

Assim, na segunda unidade do programa se estuda: a “aquisição da língua escrita na

teoria histórico-cultural e na escola de vygotsky, a partir das seguintes categorias

conceituais: Conceito de Homem, Objetivação, Apropriação, Zona de Desenvolvimento

Próximo e Atividade”. Como destaca, essa abordagem teórica, ensinamos as crianças a

traçar as letras e a formar palavras com elas, mas não ensinamos a linguagem. Escrever

é registrar e expressar informações, ideias e sentimentos. (VIGOTSKY, 1995). Essa

perspectiva teórica colocava para todos os envolvidos na experiência a necessidade de

aprofundamento sobre como ensinar a língua escrita a partir desses aportes. Nesse

sentido, era possível compreender, também, a natureza dessa aprendizagem. A escrita

como instrumento cultural complexo, como afirma Vygotsky.

Outra abordagem estudada é a da psicogênese da língua escrita e as categorias

conceituais: construtivismo, ambiente alfabetizador, erro construtivo níveis de escrita:

pré-silábico, silábico e alfabético implicações metodológicas. Nesse sentido, os alunos

são desafiados a fazerem o teste da psicogênese com seus alfabetizandos e, em escola

pública onde o projeto escola laboratório se desenvolve.

Ao estudarmos os fundamentos teóricos da alfabetização de jovens e adultos,

recorremos á teoria de Paulo Freire, cujas categorias conceituais indicadas são:

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1342ISSN 2177-336X

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conscientização, palavra geradora, círculo de cultura, diálogo, alfabetização. Aqui se

estuda a experiência sobre as quarenta horas de Angicos e o referencial freiriano.

Segundo Freire (1990, p. 90), a leitura de mundo deve vir entrelaçada à leitura

da palavra, potencializando a leitura da palavra num contexto discursivo de interlocução

e interação com uma visão crítica da realidade. Esse fundamento possibilitou a

compreensão da importância das experiências de mundo das crianças, de suas

aprendizagens anteriores e das interações vividas naquele contexto discursivo. Assim,

em todos os momentos de aula era permitido, por meio de rodas de conversas,

momentos de diálogos e escuta das histórias que as alunas tinham para contar.

A questão da leitura e escrita na perspectiva de Celestin Freinet, é uma outra

linha de estudo do nosso programa. Logo, as categorias conceituais são; o método

natural, pedagogia do trabalho, escrita as técnicas Freinet: aula passeio, texto livre,

jornal escolar, imprensa escolar, correspondência interescolar, livro da vida, cantos de

atividade implicações metodológicas. Para Freinet (apud SANTOS, 1996) é falando que

aprendemos a falar. É escrevendo que aprendemos a escrever. Em relação ao texto livre,

esse autor apresenta como sendo uma técnica que tem suas bases firmadas na vida do

aluno, no seu meio, na sua afetividade, naquilo que ele traz em si de criador, de

dinâmico, de inteligente e de humano. Esses aportes foram sendo apropriados e

colocados em prática, na medida do possível, pelos alfabetizadores.

Finalizando os estudos, trabalha-se o texto como unidade básica no processo de

alfabetização, o ensino da leitura e produção textual, destacando as concepções de

leitura segundo Josette Jolibert, Chartier, Jean Foucambert, Frank Smith e Elie Bajard.

Durante todo desenvolvimento da disciplina, estabelecemos uma relação

teórico-prática. O que fortalece as bases formativas de futuros alfabetizadores. A parte

final, consta de ateliês e apresentação de relatórios individuais. Assim, percebemos,

quão importante foi a vivência de experiências alfabetizadoras concomitante ao

percurso da disciplina. Os depoimentos abaixo, nos permitem compreender melhor,

como diz uma aluna: “a experiência de alfabetizar é uma experiência muito rica e

importantíssima, pois dá a criança todo o suporte que ela necessita para compreender e

interpretar o mundo a sua volta”. Ou ainda,

“Foi graças a essa experiência que pude observar na prática como as

interações das crianças com a linguagem escrita e o ato de leitura são

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dinâmicas, as crianças não são apenas expectadoras nesse processo,

pelo contrário elas confrontam, consideram, refletem e argumentam

suas ideias, e trazem para esse convívio da alfabetização todas as suas

vivências cotidianas e o papel do professor neste caso é o de permitir

o diálogo e de convidar a criança a mergulhar no mundo da leitura e

da escrita- estes, portanto são fatores de incentivo e essências para que

a criança gradativamente se apodere da escrita convencional” (C.D.

2013).

Trabalhar como professor alfabetizador é uma tarefa que requer

muito mais do que conceitos ou métodos prontos, mas acima de tudo

amor. Isso porque requer toda uma dedicação, tempo e paciência para

ensinar. Características essas reservadas a poucos que acreditam muito

mais no processo do que no produto (J.F.L. 2013)

Com isto, compreende-se que o processo de tornar-se professor alfabetizador, é

complexo, porém rico de desafios e possibilidades. Porém, experiências na formação

inicial de professores, contribui de forma relevante no processo de tornar-se professores

alfabetizadores.

Conclui-se, assim, as atividades formadoras no campo acadêmico, que

favorecem a apropriação de saberes necessários ao desenvolvimento do trabalho

educativo de forma intencional e humanizadora, também, envolve a indissociabilidade

entre ensino pesquisa e extensão. Considera-se, que aprender a alfabetizar,

alfabetizando é uma experiência formadora que desenvolve contribui, ainda, para que os

futuros professores façam apropriações/objetivações de saberes e conhecimentos

necessários ao desenvolvimento de uma prática mais consolidada teoricamente.

A compreensão de que o estágio supervisionado ocupa um lugar de centralidade

no currículo de formação de professores, exige por parte dos agentes sociais que o

desenvolvem, o estabelecimento de relações de sentido a partir da articulação do ensino

com a pesquisa por meio da mediação da extensão universitária. Com isto, o Estágio em

Docência dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental adquire um status de lugar

privilegiado para produção/apropriação de saberes, logo passando a exigir das

universidades, flexibilização curricular para inclusão da extensão como prática social

mobilizadora da construção desses saberes.

Nesse sentido, podemos afirmar, ainda, que essa escola, apresenta-se

configurada com necessidades oriundas de um tempo em curso. Neste cenário,

acreditamos, que esta, ao encontrar-se “plugada” a uma realidade social que exige uma

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1344ISSN 2177-336X

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concepção de escola, aberta e integrada ao seu entorno, nos desafia na mobilização de

saberes que promovam o “encontro” dos alunos/aprendizes com os conhecimentos a

partir de uma relação de sentido. Ou ainda, que é preciso defender a ideia de escola

como espaço de convivência sendo para os seus alunos, muito mais que um lugar para

aprender. Mas, também, como território que permite viver experiências significativas a

partir de uma relação de sentido que possibilite aos seus alunos e professores sonharem,

criarem e pensarem a realidade vivida com autenticidade.

O curso de Alfabetização e Letramento Digital: diálogos e apropriações

objetivam não somente o domínio da tecnologia por parte dos alunos, mas acima de

tudo o domínio da língua materna, desenvolvendo a partir daí o pensamento crítico, a

consciência cidadã, pois acreditamos que a partir do acesso a tecnologia, por meio dos

computadores as pessoas praticam a leitura e a escrita, se comunicam, interagem com o

outro, tornam-se dessa maneira sujeitos da informação.

Nessa perspectiva, o Projeto Escola Laboratório é o lócus de ações

extensionistas cujo fundamento teórico metodológico prioriza a indissociabilidade

ensino pesquisa e extensão e a formação de professores. Com base nesses referenciais

teóricos, o grupo de estagiários organizou o processo de alfabetização articulado a uma

concepção de letramento. Ou seja, mais que aprender a ler e escrever, as crianças

precisavam compreender a escrita como uso social da língua. Com isto, entendemos que

a experiência, no Projeto Escola Laboratório tem uma base teórica que possibilita aos

sujeitos do processo, o desenvolvimento de uma prática pedagógica consistente.

REFERÊNCIAS

ARENA, Dagoberto Buim. A leitura no início da escolaridade: ouvir e ver. Marília,

1996. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências. UNESP –

Campus de Marilia, 1996.

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ESCRITAS NARRATIVAS NO ESTÁGIO: HISTÓRIAS DE VIDA-FORMAÇÃO

Arlete Vieira da Silva

UESC, BA

Resumo: Para o debate acerca do que é promovido sobre „Ensino e a pesquisa tendo

como foco as experiências e narrativas construídas no estágio‟, este texto situa uma

proposta teórico-metodológica, denominada de pesquisa-formação a partir do

movimento das escritas narrativas, na forma de memoriais de formação, no percurso do

estágio. Com base na pesquisa autobiográfica e no procedimento de um ateliê

biográfico, os estudantes-estagiários, sujeitos e atores das narrativas dimensionam seu

percurso de formação na pesquisa de suas histórias de vida. Dessa forma, o movimento

das escritas narrativas traduz a implicação acerca da vida dos estudantes-estagiários

com o percurso de formação construído no tempo-espaço do estágio. Este movimento

da escrita das narrativas tem demonstrado que as experiências de vida evocadas do

percurso da formação são determinantes nas escolhas, posturas e desafios em relação à

docência vivificando o „tornar-se professor‟ numa dimensão mais propositiva e

humanizadora para o exercício da docência.

Palavras-chave: Estágio; Pesquisa (auto)biográfica; formação inicial

A escrita narrativa de memoriais de formação: pesquisa-formação no estágio

O uso da escrita narrativa do memorial de formação está demarcado neste texto

como uma atividade formadora. Neste pressuposto, configura-se como um dispositivo

para a pesquisa-formação das experiências escolares vividas por estudantes-estagiários

durante o percurso do estágio, em um curso de formação inicial. Nas palavras de

Souza:

Enquanto atividade formadora, a narrativa de si e das experiências

vividas ao longo da vida caracterizam-se como processo de formação

e de conhecimento, porque se ancora nos recursos experienciais

engendrados nas marcas acumuladas das experiências construídas e de

mudanças identitárias vividas pelos sujeitos em processo de formação

e desenvolvimento (SOUZA, 2006a, p. 136).

Dessa forma, a pesquisa-formação adequou-se à investigação do processo de

formação a partir de situações de reflexão nas quais os estudantes-estagiários foram se

constituindo, discutindo e projetando práticas acerca do ensino, da escola e da docência.

Estudos e pesquisas centrados na escrita de si como prática de formação e como

método de investigação têm nas narrativas de formação um desdobramento das fontes

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autobiográficas que buscam refletir a formação docente e percursos da formação inicial,

como o procedimento para o desenvolvimento do estágio aqui descrito.

Assim sendo, a perspectiva da pesquisa-formação sustenta-se em Josso (2004)

ao conceber a abordagem biográfica como um “caminhar para si” empreendido pelo

sujeito que narra sua história de vida.

Como opção epistemo-metodológica para a formação de professores, a

investigação configurou-se, de um lado como um movimento de investigação sobre o

processo de formação e, por outro lado, a partir das narrativas (auto)biográficas, a

compreensão dos sentimentos e das representações dos atores sociais no seu processo de

formação e autoformação.

Inserida no âmbito do método (auto)biográfico (NÓVOA e FINGER, 1988),

apropriei-me da perspectiva apresentada por Pineau (1988, 2003), ao demarcar as

possibilidades das práticas de investigação-formação com histórias de vida, situando

como centro o sujeito aprendente, sua história escolar e suas experiências no processo

de formação.

Para a apropriação de concepções, papeis e encaminhamentos sobre o estágio,

detive-me nos trabalhos e pesquisas de Pimenta e Lima (2004), Souza (2004; 2006) e

Lüdke (2008a; 2008b). Verticalizei, entretanto, para os trabalhos de Souza, cujas

discussões situam-se nas dimensões epistemológica e metodológica da abordagem

(auto)biográfica, e apresentam diversas possibilidades de trabalho com as narrativas

(auto) biográficas na formação de professores e no espaço do estágio supervisionado.

Demarco os referenciais da pesquisa (auto)biografia, enquanto instrumentos e

dispositivos de formação na produção científica de Passeggi (2002; 2008), e Delory-

Momberger (2006) na proposta de realização de um ateliê biográfico como espaço de

articulação da escrita dos memoriais de formação. Acrescento, ainda, os trabalhos de

Souza (2004; 2007; 2008) e Josso (2004; 2006), no sentido de pensar as implicações

geradas na organização e construção da escrita narrativa, a partir do conceito de

experiências formadoras, da fecundidade da dimensão experiencial desta abordagem, na

medida em que tratam das especificidades das histórias de vida-formação, com ênfase

nos processos de aprendizagem e de conhecimento, no sentido da investigação-

formação.

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Em se tratando da gênese e dos procedimentos da pesquisa-formação, Passeggi

(2008) confirma que desde a introdução das histórias de vida no campo da formação de

adultos, há a associação entre formação e pesquisa, [...] admitindo que no ato de narrar

experiências pessoais ou profissionais é possível transformar saberes implícitos em

conhecimento (pesquisa), promovendo, ao mesmo tempo, a reinvenção de si (formação)

(PASSEGGI, 2008, p. 240).

O movimento de escrita do memorial de formação assume o caráter de

dispositivo ao mesmo tempo em que é uma prática institucional e processo numa

proposta de pesquisa-formação que aconteceu, no percurso do estágio, numa estratégia

de acompanhamento, portanto mediada e que intencionou o “descortinar” no processo

de formação de estudantes-estagiários acerca da docência – do tornar-se

professor/professora.

Os memoriais de formação: movimento de vida-formação para a docência

Tendo como eixo norteador a pesquisa-formação, a experiência com o estágio

aqui narrada, foi realizada com/por sujeitos em formação – estudantes-estagiários, num

contexto institucional – na Universidade Estadual de Santa Cruz, em um curso de

formação inicial e organizado na forma de um ateliê biográfico, no qual, e em uma

estratégia de acompanhamento, as escritas narrativas foram orientadas. A proposta de

pesquisa-formação, por meio de histórias de vida, foi além da utilização dos saberes

formais, reconhecendo, como importantes, os saberes da experiência. Nessa perspectiva,

a proposta do “ateliê-biográfico”, criado por Christine Delory-Momberger, define-se

como:

[…] um procedimento que inscreve a história de vida em uma

dinâmica prospectiva que liga o passado, o presente e o futuro do

sujeito e visa fazer emergir o seu projeto pessoal, considerando a

dimensão do relato como construção da experiência do sujeito e da

história de vida como espaço de mudança aberto ao projeto de si

(DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 359).

Tomado aqui como um espaço de construção da escrita narrativa, o ateliê

biográfico, na forma de uma pesquisa-formação, foi uma ferramenta estruturante que

permitiu que os atores-autores, pudessem explicitar suas experiências e transformar

saberes implícitos em conhecimento, num movimento autopoiético e heurístico e de

reinvenção e descoberta de si como sujeitos aprendentes. Passeggi (2008) ressignificou

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esse movimento (auto)biográfico ao concebê-lo a partir dessa dimensão formativa que

se desdobra em outras dimensões – a etnossociológica, a heurística, a social e afetiva, a

hermenêutica, a autopoiética e a política, admitindo, assim, que as escritas de si, longe

de comunicar o que já se sabe, constituem-se em verdadeiros processos de descoberta

(PASSEGGI, 2010, p. 115). Ou como também define Delory-Momberger (2008, p. 93-

94), citando Pineau; Jolbert (1989) “histórias de vida em formação” e “prática no campo

de uma reflexão que vê no próprio curso da vida um movimento de autoformação”.

[...] os pressupostos teóricos que inspiram os procedimentos de

formação pelas “histórias de vida” podem ser apresentados

sinteticamente sob dois aspectos: o primeiro diz respeito ao estatuto da

narrativa na “experiência” que o sujeito faz de si mesmo por meio da

produção de sua “história”; o segundo concerne à dimensão de

“projeto” constitutiva da “história de vida” e do processo de formação

(DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 95, aspas e grifos da autora).

Ao vincular histórias de vida e processo de formação, Delory-momberger (2008)

situa as histórias de vida ao lado do processo de mudança global da pessoa e da relação

que essa pessoa estabelece com o saber e, consequentemente, com a sua formação. Isso

pode ser definido como formabilidade, ao conferir ao sujeito a capacidade „de mudança

qualitativa, pessoal e profissional, engendrada por uma relação reflexiva com sua

“história”, considerada como “processo de formação” que é motivado e construído no

projeto – ateliê biográfico, ou seja, “a dimensão do projeto é, dessa forma, constitutiva

do procedimento de formação, na medida em que instaura uma relação dialética entre

passado e o futuro e abre ao formando um espaço de formabilidade” (DELORY-

MOMBERGER, 2008, p. 99).

Continuo com Delory-Momberger (2008), na referida obra, para situar esse ator

social que, na evocação e no sentido de sua experiência, constrói-se sujeito de sua ação,

no processo de biografização. Para a autora, está posto como um reconhecimento

biográfico essa associação da escrita biográfica na dimensão de um projeto ao

configurar-se como:

[...] um forte estímulo às pessoas em formação a fazerem um trabalho

reflexivo sobre elas mesmas: realizando um balanço de seus percursos

e de suas competências, inscrevendo sua formação num projeto

pessoal e profissional [...] (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 89).

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Citando Dominicé (1990), Delory-Momberger (2008) confirma que esse

“balanço individual” realizado pelo sujeito pode se configurar uma biografia educativa

caso seja considerada globalmente a história de vida como um “processo de formação”;

ou uma biografia epistêmica caso haja a evidência da relação do sujeito com o saber e

com seus modos de constituição do saber. Essa epistemologia do saber é o

reconhecimento social das aquisições da experiência que se dá quando os saberes

constituídos na ação são nomeados pelos próprios sujeitos e encontram lugar em seu

sistema de representação.

Nesse sentido, o memorial de formação foi/é instrumento para que fossem/sejam

validadas as aquisições da experiência, num movimento reflexivo que permite o retorno

do sujeito ator-escritor sobre si mesmo e sobre os seus percursos formativos,

transformando, assim, o sujeito “saberes brutos da ação em saberes formalizados e

reconhecidos” (idem, p. 92).

No procedimento de evocação da memória das experiências, a dimensão

autoformadora está sendo forjada e desenvolvida no movimento da escrita narrativa – na

forma de memoriais de formação. Assim sendo, a instalação do ateliê biográfico

configurou-se como um procedimento metodológico que, estruturado em quatro eixos

temáticos e, organizados em encontros semanais na universidade, assumiu um caráter

institucional, pois aconteceu durante os horários de aulas, com estudantes-estagiários do

curso de formação inicial em Letras, matriculados no estágio. A organização de

atividades de leitura, de debates, de apresentações orais e de sessão de vídeos não teve o

objetivo de serem atividades formadoras em si, mas oportunidades oferecidas para que

os estudantes-estagiários as utilizassem na reflexão de seus processos de formação, na

construção da escrita de seus memoriais de formação.

Contextualizando a proposta metodológica passo a descrever a organização e

encaminhamento teórico-metodológico do ateliê biográfico1 e como antes dito a

elaboração do ateliê foi articulada com base na proposta do ateliê biográfico de projeto

de Delory-Momberger, descrita na obra Biografia e Educação, com o tema

„Formabilidade e projeto de si: os ateliês biográficos de projeto‟ (2008, p.99 -102).

1 A apresentação teórico-metodológica do ateliê biográfico destaca as atividades e os procedimentos de

instalação e desenvolvimento do ateliê biográfico.

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Vale ressaltar que o ateliê biográfico, situado como um procedimento

metodológico teve a intenção de se configurar no rigor de uma estratégia de

acompanhamento, ou seja, percorreu etapas e mesmo tempo oportunizou a reflexividade

biográfica, buscou o confronto/embate do ator-autor com o seu processo de formação,

no movimento da escrita em cada encontro realizado, vislumbrando sua formabilidade.

A noção de estratégia de acompanhamento de escritas autobiográficas, utilizada

retoma os trabalhos de Delory-Momberger (2008) e Passeggi (2011, p. 65) ao ser

definida como momentos nos quais os “aprendizes” da docência buscam o

aperfeiçoamento na arte de aprender, em companhia de um orientador/mediador,

estabelecendo relações [...] mais horizontais, na medida em que promovem a autonomia

do aprendiz. Em Delory-Momberger (2006; 2008), principalmente, a estratégia de

acompanhamento refere-se ao trabalho biográfico que acontece em práticas de formação

e (auto)formação vividas pelos sujeitos em seus percursos de vida-formação. Tanto para

Delory-Momberger (2008) quanto para Passeggi (2008), a noção de acompanhamento

vincula-se a uma dimensão antropológica ao considerar que, a partir da palavra – oral

ou escrita, o adulto em formação interroga-se sobre as suas condições profissionais e

existenciais, buscando outros sentidos para sua vida-formação.

Para organizar o acompanhamento do movimento da escrita narrativa do

memorial de formação, articulando-o à instalação do ateliê biográfico, foi necessário

demarcar quais questões vinculadas à formação de professores – profissão, identidade

profissional, profissionalização, condições de trabalho, o estágio, entre outras, seriam

abordadas, com ênfase nas dimensões (auto)formativas das narrativas, das

aprendizagens e das experiências construídas, mediante um processo de mediação

biográfica. Uma tentativa de ir além do que pode ser revelado como sendo os modos de

compreender a formação para situar na singularidade e na individuação das itinerâncias

do percurso de vida-formação, o desenvolvimento profissional – aprendizagem da/e

para a docência dos estudantes-estagiários.

Dessa forma, na descrição dos eixos temáticos e dos procedimentos biográficos

provocados em cada encontro do ateliê biográfico, foi possível compreender as

subjetividades que estão/estiveram inseridas em cada percurso e que marcaram

significativamente o processo de formação dos estudantes-estagiários.

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Para o elenco das atividades e dos procedimentos realizados, os seis encontros

foram organizados através de um projeto2, (DELORY-MOMBERGER, 2008), no

sentido de que, no movimento da escrita narrativa na forma de uma pesquisa-formação,

pudesse compreender o processo de formação para a docência dos estudantes-

estagiários do curso de Letras da UESC.

O primeiro momento, denominado de informação, foi construído na forma de

uma oficina com o tema: „Memória, narrativas e formação: o memorial de formação‟,

para apresentar a abordagem experiencial própria da pesquisa autobiográfica e a

perspectiva das escritas narrativas como fontes, instrumentos para a coleta de dados

neste tipo de pesquisa. Entretanto, o foco da apresentação aconteceu em torno da escrita

narrativa na forma de um memorial como um dispositivo de formação, haja vista que os

estudantes-estagiários trazem experiências do memorial como um instrumento de

avaliação. A apresentação ficou em torno da compreensão de que, sendo um

instrumento pedagógico, caracteriza-se, ao mesmo tempo, como pesquisa e formação,

como um dispositivo, uma forma, uma estratégia ou, ainda, uma ferramenta para

agregar, na forma de narrativa, as experiências formativas. Desse modo, o memorial,

[...] como meio de investigação contribui para a apreensão de

dispositivos sobre os percursos de formação e de dimensões do

cotidiano escolar, de questões vinculadas à profissão, além de

possibilitar a apreensão de diferentes processos de aprendizagem, de

conhecimentos e de formação, através das experiências e modos de

narrar as histórias individuais e coletivas [...]. (PASSEGGI, 2008, p.

128).

Os eixos temáticos foram ferramentas para a realização do movimento da

escrita, ou seja, a escrita da trajetória que, motivada pelos encontros em sala de aula, nas

reflexões da prática e do cotidiano da escola e, principalmente, nas aprendizagens

vividas e reinventadas no percurso do estágio, configuraram-se na história de vida e do

processo de formação de estudantes-estagiários.

Eixo 1 – Trajetórias de vida pessoal e familiar

Eixo 2 – Imagem e perfil da docência

2 A opção de estruturar em um projeto justifica-se para além do suporte teórico-metodológico do ateliê

biográfico de Delory-Momberger (2008), mas em consolidar o projeto Mosaico de si: memórias,

narrativas e formação como um encaminhamento que vinha sendo desenvolvimento por mim no estágio

desde 2010 e que tinha a escrita do memorial de formação como uma injunção institucional ao se

configurar apenas como um instrumento de avaliação do componente curricular estágio.

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Eixo 3 – O estágio como campo de conhecimento e de pesquisa da

docência

Eixo 4 – Tornar-se professor: o educador e a docência (SILVA, 2012,

p. 111-112)

Outrossim, esse movimento de autonomia se refaz na reflexão do vivido como

estudante no acesso à escola em suas memórias da infância, nas evocações de

professores marcantes em sua vida estudantil, de práticas pedagógicas que o levaram à

apreensão de conhecimentos e aprendizagens e que, independente ou dependente delas,

levaram-no à busca da formação em Letras e nela o “tornar-se professor/professoras”.

O segundo momento foi denominado de elaboração, negociação e ratificação

coletiva do contrato biográfico. Dentro da especificidade desse contrato biográfico,

houve ainda esclarecimentos e o (re)conhecimento de que em se tratando de uma

pesquisa autobiográfica, com acompanhamento de uma professora formadora, havia a

necessidade de instalação de princípios éticos que fazem parte do movimento da

pesquisa autobiográfica e da relação entre os escritores-atores e a mediadora, os quais a

partir daquele momento se estabeleciam.

Superadas as etapas de informação e de organização do contrato biográfico, o

grupo foi motivado para a produção da primeira narrativa autobiográfica e sua

socialização. O procedimento adotado no ateliê, no terceiro encontro, foi planejado a

partir da solicitação de uma breve apresentação individual na tentativa de identificação

do perfil biográfico de cada estudante-estagiário e das reflexões provocadas e sugeridas

sobre as trajetórias de vida pessoal e familiar.

A organização do quarto momento do ateliê biográfico foi articulada

antecipadamente pela necessidade de uma leitura prévia. O livro Meu professor

inesquecível, organizado pela escritora Fanny Abramovich (1997)3, foi escolhido e

indicado para a reflexão biográfica sobre a trajetória de escolaridade e também sobre o

perfil e imagem da docência construída na história de vida de cada estudante-estagiário.

A escolha dessa obra literária se deu antes pelo enredo e seu aspecto motivador para que

refletissem em suas experiências sobre a profissão, a profissionalização e as condições

do trabalho docente. Estas categorias constam no programa de ensino do estágio com a

3 O livro Meu professor inesquecível foi organizado por Fanny Abramovich com o objetivo de divulgar,

publicando, os ensinamentos e aprendizagens construídas com os professores inesquecíveis de alguns

escritores.

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intenção de se constituírem de repertórios de conhecimento sobre/para a docência, a

qual é (re)construída no percurso do estágio. Cada uma dessas categorias carrega,

fortemente, apelos reflexivos para uma profunda reflexão tanto sobre a escolha para a

docência quanto para o professor/professora que desejam tornar-se. No encontro

presencial, os estudantes-estagiários foram motivados para outra escrita e socialização

posterior, no sentido de deflagrar a reflexão sobre a docência – razão da procura por um

curso de formação de professores e papel formativo do estágio como componente

curricular na formação inicial. Dessa forma, foi apresentado mais um eixo temático para

motivar a escrita:

Imagem e perfil da docência - Quem é o professor na sociedade atual?

– Memórias da profissão-professor - Por que escolhi ser professor?

Que percepções tenho da profissão professor na atualidade? Que

imagens de professores marcam minhas lembranças e de que maneira

me projetam para a formação de professor? Quais as causas de

minha decisão pela docência? Por que escolhi Letras? Houve algum

professor marcante em minha trajetória, nas disciplinas do Curso?

(eixo 2. 4º encontro do ateliê biográfico, abril de 2014).

Do movimento dessa segunda escrita (auto)biográfica, o momento da

socialização pode ser considerado um dos mais ricos e significativos pelo apelo

temático à docência e ao processo de formação para essa docência que estava sendo

construída no estágio. Inicialmente, os sujeitos socializaram sobre a história de um

professor inesquecível narrado na obra organizada por Fanny Abramovich e,

naturalmente, as narrativas foram atravessadas por suas impressões acerca dos

professores que marcaram suas vidas.

O quinto momento que, no percurso das etapas do ateliê biográfico, tratou da

Socialização da narrativa autobiográfica com perguntas dos participantes foi um

momento significativo e afetuoso entre mediadora e estudantes-estagiários. Na proposta

de mais uma vez narrar, socializando suas escritas, de uma forma mais madura, os

estudantes-estagiários confirmaram seus objetivos no processo de formação em

projeções mais concretas incidindo na configuração de que os fatos de suas histórias de

vida, narrados até o presente direcionam-se numa lógica que os levará a inserção

docente.

Neste encontro e diante da socialização dos projetos de si, os estudantes-

estagiários foram convidados à reflexão sobre o estágio no curso de Letras e de sua

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representação em seus processos de formação. Sendo um eixo temático, a reflexão sobre

a importância do estágio esteve cerceada em dois objetivos ao se configurar como o

espaço-tempo de realização do projeto desta tese e de se conceber como um lugar

aprendente (SCHALIER, 2008) acerca da docência.

Não sendo um questionamento, mas uma afirmativa, o último momento

presencial com o grupo de estudantes-estagiários, denominado por Delory-Momberger

(2008) de síntese para um balanço da incidência da formação no projeto profissional de

cada um, foi motivado com a sugestão do filme Sociedade dos Poetas Mortos e com a

reflexão do quarto eixo temático:

Tornar-se professor. O educador e a docência.

Há um professor crescendo dentro de mim? Como me percebo nesse

processo de construção de uma identidade de professor? (eixo 4. 6º

encontro do ateliê biográfico, junho de 2014)

No projeto profissional refletido no percurso do estágio, a unidade significativa

do „tornar-se professor‟ está como a prospecção natural desse percurso. A aprendizagem

da docência está demarcada em muitos saberes construídos no processo de formação,

entretanto, há um destaque para os saberes da experiência revisitados durante o estágio,

demarcando um necessário rigor aos saberes escolares e à mediação como um

procedimento de construção do conhecimento.

Ainda considerações: O estágio como lugar da pesquisa-formação

A escrita dos memoriais de formação é um dispositivo de pesquisa-formação, no

qual os estudantes-estagiários se implicam ao narrarem suas experiências que compõem

um tecido de experimentações produtoras de aprendizagem.

As narrativas (auto)biográficas construídas e tendo como centralidade as

experiências dos estudantes-estagiários, foram marcadas por aspectos históricos e

subjetivos mediados nas reflexões e nas análises construídas a partir do ato de lembrar e

de narrar. Tão logo, o sentido da compreensão das experiências foi coerente com a

análise compreensivo-interpretativa ao considerar as subjetividades, o valor heurístico

que as narrativas implicaram como fonte e recolha de dados.

Para essa compreensão, foi em Dominicé (1988) que encontrei fôlego para

atribuir a cada um dos eixos temáticos a denominação de pontos de referências para

melhor compreender a dimensão formadora da experiência narrada nos memoriais de

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formação. O primeiro eixo, que denominei de Trajetórias de vida pessoal e familiar,

evidenciou a importância do contexto familiar como um lugar que marcou o processo de

autonomização do sujeito autor-ator – os estudantes-estagiários, ou seja, aquilo em que

cada um se torna é atravessado pela presença de todos aqueles a quem se recorda. Na

narrativa biográfica, todos os que são citados fazem parte do processo de formação: a

família é o lugar principal dessas mediações. Os pais são objetos de memórias muito

vivas. Estabelece-se com cada um deles uma relação particular que vai, por vezes,

mostrar-se determinante na orientação escolar ou profissional (DOMINICÉ, 1988, p.

87).

Essa autonomização, reiterada no primeiro eixo, situado como um componente

do processo de formação está em interação com outros processos e, como tal, pode

influenciar de forma importante as escolhas realizadas na trajetória de vida em relação

ao tornar-se professor/professora.

Da mesma forma, no segundo eixo, o qual foi denominado de Imagem e perfil

da docência, cuja motivação estava em buscar a experiência com os professores

inesquecíveis foi expressa essa influência da família e reiterada no percurso de

socialização com o vivido na escola. Refletir a partir das imagens de professores e neles

estabelecer relações com o perfil da profissão e da profissionalidade permitiu que o

tempo vivido, no percurso da formação, com os seus professores os identificassem

como inesquecíveis, e, dessa forma, os estudantes-estagiários, compreendessem todas as

idiossincrasias próprias da docência que configurou seu processo de formação, ou seja,

as relações construídas com esses professores inesquecíveis os ajudaram a moldar suas

vidas e escolhas acerca da professoralidade. Sinalizo, portanto, dessa relação que a

formação é feita da presença do outro, daqueles de que foi preciso distanciar-se, dos que

acompanharam os momentos-charneira (JOSSO, 2004), dos que ajudaram a descobrir o

que é importante aprender para nos tornarmos competentes e dar sentido ao nosso

trabalho.

Nas imagens e nas lembranças desses professores, tem-se uma aproximação do

que Josso (2004) define de recordações-referências como sendo elementos constituintes

da narrativa de formação e que incidiram e ressignificaram as experiências dos

estudantes-estagiários. As recordações-referências são, portanto, referências das

motivações de determinadas escolhas, das influências que atravessaram as trajetórias de

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vida, dos modelos, dos momentos vivenciais que “fizeram/fazem dos sujeitos

singulares/plurais individualidades dinâmicas, porque reflexivas, em constante vir a ser,

sendo” (ABRAHÃO, 2011, p. 168).

Na reflexão sobre o estágio como campo de conhecimento e de pesquisa da

docência, configurado como o terceiro eixo que referendou a dimensão formadora das

experiências narradas nos memoriais de formação, foi possível articulá-lo como lugar

aprendente na dimensão das aprendizagens dos estudantes-estagiários sobre a docência

e de suas idiossincrasias acerca da profissão professor, mas também associá-lo aos

repertórios de conhecimento considerados necessários desde este tempo de iniciação no

percurso do estágio, bem como o desenvolvimento profissional que está latente no

processo de formação.

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OS SABERES (AUTO) BIOGRÁFICOS: DO ESTÁGIO NA FORMAÇÃO

INICIAL

Áurea da Silva Pereira

DEDC II - UNEB/Pós-Critica

Resumo

Discute-se, neste texto, as aprendizagens construídas no processo formativo de Estágio

na sala de aula. O recorte apresentado faz parte do Projeto de Pesquisa intitulado

Estágio de Letras na Formação de Professores de Língua Portuguesa: retratos,

imagens e registro de narrativas, portfólios e memoriais. A pesquisa teve início em

2012 com a participação de dois bolsistas. A pesquisa apropria-se dos pressupostos

teóricos da pesquisa qualitativa e apoia-se na pesquisa documental analisando

memoriais e portfólios. Para a escrita deste texto, utilizou-se um portfólio de

aprendizagem escrito por um estudante-estagiário que narra experiências formativas de

estágio II – denominada como oficina de intervenção. As narrativas registradas nos

portfólios oportunizam a debruçar-se sobre as aprendizagens, promovendo uma

autorreflexão acerca das práticas pedagógicas vividas na sala de aula.

Palavras-chave: narrativas de estágio; portfólios; aprendizagens.

Contextualização da pesquisa

Pretende-se, neste texto, apresentar e discutir as aprendizagens construídas no

processo de Estágio na sala de aula. O recorte do estudo abordado faz parte do Projeto

de Pesquisa Estágio de Letras na Formação de Professores de Língua Portuguesa:

retratos, imagens e registro de narrativas, portfólios e memoriais. A investigação teve

início em 2012 e teve a participação de dois bolsistas do Programa de Iniciação

Científica da Universidade do Estado da Bahia - PICIN /UNEB. Tomamos como objeto

de estudo, narrativas autobiográficas que constituem os portfólios e memoriais de

estudantes-professores graduandos de Língua Portuguesa do curso de Letras do Campus

II, do Departamento de Educação – DEDC da UNEB, construídos durante o período de

estágio.

A idealização da proposta de portfólios e memoriais como dispositivo

metodológico, no Estágio Supervisionado, começou a ser delineada entre os anos de

2008 a 2009 quando comecei com os estudantes as leituras das narrativas. Porém,

inicialmente, o objetivo era puramente avaliativo, pois desejava saber como os

estudantes se percebiam no processo de escrita de si acerca do estágio. As narrativas me

surpreendiam cada vez mais, e eu não sabia que o material se constituía em documentos

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para além do estágio: fontes de pesquisa para formação docente e um contributo teórico-

metodológico para estudantes-estagiários, professores supervisores e orientadores de

Estágio.

Na condição de professora orientadora e supervisora de estágio, comecei a

experimentar os portfólios e memoriais como dispositivo teórico-metodológico na

formação inicial da docência: o Estágio. As narrativas que compõem os portfólios

permitiam/permitem aos estudantes em iniciação docente falar de si, escrever sobre si e

de sua práxis da docência de estágio. O ato de escrever sobre si na elaboração do

portfólio e do memorial é um modo de revelar-se para dizer quem é, como tem pensado

a docência e o porquê das escolhas no processo formativo (PEREIRA, 2013). Ainda

segundo Pereira (2013, p.187):

[...] tomamos a escrita autobiográfica como eixo metodológico como forma

de propiciar espaços e estratégias que permita a cada estudante e professor

formador a pensar sobre sua trajetória pessoal, acadêmica e profissional. E a

construção de portfólios e memoriais como gêneros textuais e instrumentos

que permitem que as estudantes escrevam suas percepções, crises, aulas,

dilemas, inferências e estratégias construídas nesse processo de autoformação

e construam suas histórias de discentes e docentes. Ao narrar sobre si, o/a

estudante se constitui como autor/pesquisador e ao mesmo tempo, ele se

convoca a se responsabilizar sobre o ato de escrever e dizer sobre si.

As narrativas me instigavam mais e mais, e comecei a pensar sobre um projeto

de pesquisa com o qual pudesse estudar os portfólios, construídos através de narrativas,

confeccionados pelas estudantes-estagiárias. Diante das experiências com as narrativas e

análise do material, na condição de professora de Estágio Supervisionado construí o

projeto de pesquisa e o submeti à avaliação do Pró-Reitoria de Pesquisa e Ensino na

graduação e pós-graduação e ao Comitê de Ética da Universidade do Estado da Bahia.

Pereira (2013, p. 187) coloca:

A escolha por portfólios se dá por entendermos que se trata de uma estratégia

didática de aprofundamento do conhecimento sobre o processo ensino-

aprendizagem e natureza reflexiva, colaborativa e interpessoal dos processos

de construção do conhecimento. Acreditamos que o registro pontual e

reflexivo das aulas/atividades/reflexões narradas no portfólio dão subsídios

para um olhar de si no ato de narrar e registrar os acontecimentos da prática

docente; além disso, permite a construção do retrato pedagógico na sala de

aula.

A escrita de si conta, narra, reflete e reaprende sobre as aprendizagens

pedagógicas e linguisticas no processo de formação inicial. As narrativas registradas nos

portfólios permitem que os estudantes se debrucem sobre si e teçam as dificuldades

pedagógicas vividas na sala de aula, na busca de estratégias didáticas para alcançar os

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obejtivos propostos para cada plano de aula. Nos portfólios, os estudantes-estagiários

registram as aulas, narrando-se, apresentando episódios, cenas, descrições que são

captadas no processo interativo pedagógico. Como pontua Bastos (2015, p.62) “Os

portfólios de aprendizagem são dispositivos que permitem captar a singularidade de

cada docente, em formação inicial, durante o processo de formação superior”.

No trajeto da atuação no campo de estágio, enquanto

professora/pesquisadora/orientadora/supervisora, tenho experienciado questionamentos,

a saber: (a) como se configura o estágio no curso de Letras? (b) como os professores se

apropriam das teorias e elaboram e reelaboram sua prática pedagógica? (c) como os

professores de Língua Portuguesa (res)significam os saberes teóricos e os saberes da

experiência no cotidiano escolar? Quais os sentidos das aprendizagens do Estágio?

Questões desta natureza põem em debate o currículo do curso de Letras e seu papel na

formação pedagógica, intelectual e política, e as contribuições do Estágio

Supervisionado como componente que tem um diálogo permanente com a educação

básica.

Questões dessa natureza corroboram com Lima (2012, p.29), ao afirmar que:

“Fazendo do Estágio espaço de pesquisa que espero contribuir na formação de

professores críticos-reflexivos, competentes, comprometidos e cientes de sua função

social”. Então, pesquisar sobre a contribuição do Estágio de Letras e sua práxis na

formação profissional no âmbito da pesquisa e da docência, implica investigar os

saberes construídos na pesquisa, no ensino e na extensão, por meio do diálogo que se

estabelece e constrói entre o Estágio I até o Estágio IV em Língua Portuguesa e

Literaturas do Curso de Letras do Campus II - UNEB, município de Alagoinhas (BA).

De acordo com Pereira (2013, p. 182):

Há tempos temos nos perguntado sobre a função política, social e educacional do Estágio na formação docente dos cursos de licenciaturas.

Somos nós professores de Estágio que acompanhamos estudantes dos cursos

de Licenciaturas nas escolas. Somos nós que propomos o diálogo entre a

escola e a universidade. Por outro lado, somos nós que experienciamos as

crises entre as escolhas, os espaços de educação, planejamentos. Somos nós

também que recebemos e-mails que dizem assim: “Professora eu não desejo

ser professora de ensino fundamental e médio, por favor, me arrume outro

lugar para fazer o estágio; Professora, eu não quero mais ficar naquela sala de

aula, a regente me deixou só...” Entre outras questões, temos também os

outros componentes curriculares junto com o componente estágio; ou apenas

uma falsa aparência de que o estágio se configura apenas como cumprimento

de carga horária.

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Questões dessa natureza fortaleceram nossas decisões quanto a pensar em

dispositivos metodológicos, oportunizando a cada estudante-estagiário o acesso a si a

mesmo e à sua práxis de formação na docência, a partir de suas narrativas formativas,

como recomenda Delory-Momberger (2008, p. 56): “A narrativa (auto) biográfica

instala uma hermenêutica da „história de vida‟, isto é, um sistema de interpretação e de

construção que situa, une e faz significar os acontecimentos da vida como elementos

organizados no interior de um todo”. Como acena Bolívar (2012, p. 40-41):

Em su magna obra Tiempo y narración, Ricoeur(1995) hace uma

hermenêutica de laconciencia histórica subrayando El valor productivo

(“poiético) Del relato para re-presentar (“mímesis”) laacción,

transformándola - mediante supuestaenorden o sentido - en una intriga.

Mediando entre los relatos históricos y los relatos de ficción está el relato

de nuestrapropia vida: “la historia narrada diceelquién de laacción. La

identidad Del quien no es, pues, Ella misma más que una identidad

narrativa”. La hermenêutica de los textos permite hacer - a través del

relato - hermenêutica de la vida humana. De este modo, el modelo

compreensivo de Ricoeur possibilita unos fundamentos epistemológicos a

laconstrucción de lás historias de vida.

Os humanos são dotados de competências para se narrarem. Aliás, uma parte de

nossa vida transcorre no contar histórias e refleti-las. Ao narrarmos episódios e ações

refletimos sobre aprendizagens pedagógicas e nos reconhecemos como responsável ou

corresponsável pelas ações, fundamentando-as nas teorias estudadas na universidade, e

mobilizando-as para as ações didáticas no processo de ensino e aprendizagem em sala

de aula. Esses registros ganham poder nas narrativas, potencializando os conhecimentos

acerca de si e do contexto pedagógico e acadêmico, avaliando-se, ao mesmo tempo em

se percebe como professor. Passeggi (2012, p. 41-42) observa que:

Uma criança de 05 (cinco) anos pode nos dizer: “Quando eu era pequeno eu

não gostava de tomates”; “Quando eu crescer, eu quero ser grande”.

Mediante essas pequenas narrativas, a criança se desdobra como objeto de

reflexão e como ser reflexivo; coloca-se em cena como espectador e

espetáculo; observa-se, avalia-se, projeta-se como espectador e objeto

pensado. É essa a dialética entre ser e a representação do ser, mediada pela

interpretação, nas narrativas de si, que nos permite falar de reflexividade

autobiográfica.

A interpretação de si diante da própria representação permite a cada humano

voltar para si mesmo, fazendo um balanço de como se tornou a ser o que se é hoje e

como se predita para o futuro. No entender de Passeggi (2012, p. 43) “Mediante a

linguagem e a narrativa é possível reabrir o passado e se projetar em devir”. Ao

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biografizar as próprias narrativas, o estudante-estagiário se apropria do tempo

cronológico e psicológico, colocando-o num tempo humano presente, atualizando o

passado.

Pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa - “narrativas

autobiográficas” nos portfólios de aprendizagens

A leitura e a análise das narrativas, em estudo, buscaram a teoria da

interpretação de Ricoeur (1976) como perspectiva epistemológica para interpretar as

categorias que emergem das “questões-problema” da pesquisa e da proposta

metodológica do campo de Estágio, bem como dos objetivos propostos através da

investigação acerca do objeto em análise. A apreciação das narrativas tem por base a

compreensão sobre si mesma, como se reconhecem nos seus percursos formativos da

docência. Para análise das fontes coletadas, utilizamos a trama interpretativo-

compreensiva (RICOEUR, 1976) e análise compreensiva de Bertaux (2010); além

disso, apropriamo-nos da pesquisa documental por utilizar documentos que se

constituem como uma fonte rica de informações explicada pelo uso da técnica

documental nas áreas das Ciências Humanas e Sociais (CELLARD, 2008). Esse tipo de

análise cria possibilidades de ampliar a compreensão acerca do objeto de estudo.

A pesquisa documental se constitui num método que utiliza a apreensão,

compreensão e análise de documentos diversos. Faz-se necessário ainda explicar que o

documento como fonte de pesquisa não precisa necessariamente ser escrito ou impresso.

Numa pesquisa documental, podemos incluir: filmes, vídeos, slides, fotografias ou

pôsteres. Tais documentos podem ser utilizados como fonte de informações. No caso

desta pesquisa, usamos Portfólios de aprendizagem: documentos oficiais de Estágio de

Letras. Para o corpus apresentado nesse texto, foi considerado apenas um portfólio

elaborado no semestre 2012-1.

Os Portfólios permitem ao estudante-estagiário em formação inicial “avaliar a si

próprio, tendo como parâmetro sua condição inicial de aprendizagem, sendo capaz de

visualizar as conquistas, os desafios e, ao mesmo tempo, as reais potencialidades [...]”

(ALMEIDA; GOMES; TINÓS. p.210). Uma vez que, refletir sobre seu próprio

processo de aprendizagem contribui para transformamo-nos, a melhorar aquilo que

ainda nos falta e valorizar os nossos avanços, valendo-nos sempre da premissa de que

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somos sujeitos em constante processo de mudança e corresponsáveis pelos avanços e

entraves. Conforme afirmam Almeida, Gomes e Tino (2011, p. 210):

[...] portfólio de aprendizagem constituiu na elaboração de uma auto e uma

heteroavaliação, de maneira que cada um pudesse, ao mesmo tempo, se ver e

ver o outro, o seu par, em todo o itinerário em que esteve implicado. Com tal

procedimento, mediante a metacognição como processo de autorregulação da

aprendizagem, de relações construídas entre causas e conseqüências,

buscamos garantir a globalidade da aprendizagem. Avaliar a si próprio, tendo

como parâmetro sua condição inicial de aprendizagem, sendo capaz de

visualizar as conquistas, os desafios e, ao mesmo tempo, as reais

potencialidades, foi um procedimento útil nessa etapa do trabalho.

As narrativas que constituem os portfólios oportunizam ao estudante-estagiário

em formação inicial, a auto avaliação de sua prática docente, tendo a oportunidade de

interpretar-se, analisar-se, reescrever-se e inscrever-se como objeto de estudo de sua

formação. Os fenômenos que acontecem na sala de aula estão/estarão presente nas

autobiografias do modo como cada estudante-estagiário se percebeu no processo.

Os portfólios são constituídos de narrativas autobiográficas, planos de aulas,

atividades escritas, exercícios, textos produzidos pelos estudantes da educação básica

das escolas públicas do município de Alagoinhas (BA). Nas narrativas do portfólio em

estudo adotou-se nome fictício, a fim de preservar a imagem pessoal, acadêmica e

profissional do autor. As narrativas construídas no processo de formação docente

permitem um olhar sobre sua construção identitária da docência imbricada na

profissionalização e construção dessa identidade. Não há projeto de formação que não

esteja entrelaçado com a identidade de cada um. O excerto textual retirado do portfólio

do estudante-estagiário Paulo, apresenta a primeira experiência na docência, o Estágio

Supervisionado II. Nesse Estágio, os estudantes organizam oficinas de intervenção

pedagógica com base na pesquisa realizada durante o Estágio I concebido como Estágio

de observação.

Logo que chegamos à sala de aula nos apresentamos para os alunos,

explicando o motivo de estarmos ocupando a aula de Língua Portuguesa e ao

mesmo tempo situando-os a respeito da regulamentação da Lei 10.639, que

estabelece como norma o ensino da cultura afro-brasileira na escola. [...]

Lemos um conto sobre racismo que retiramos da internet de autoria

desconhecida, pois propositalmente não providenciamos cópias para eles,

uma vez que objetivávamos também a prática de escuta de textos literários

[... Para nossa surpresa, entretanto, durante a leitura do poema todos os

estudantes estavam atentos, de ouvidos bem abertos para o que estava sendo

lido, o que já me deixava contente. Ainda que no fim da leitura eles

dissessem que não haviam entendido nada, ficaria ainda assim contente pelo

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fato de terem escutado a leitura. Ao término da leitura, mais uma feliz

surpresa: todos os alunos bateram palmas. Eu pensei: meu Deus eles bateram

palmas! Isso mesmo eles bateram palmas e, se tomaram essa atitude foi

porque gostaram e se gostaram foi porque entenderam a mensagem. A partir

desse momento, para mim a oficina já tinha superado minhas expectativas.

Pensei que os estudantes teriam dificuldades de concentração, pois afinal a

turma desde sempre tinha se mostrado inquieta, mas foi justamente o

contrário. A turma foi bastante participativa, discutiu o tema, trouxe

exemplos do cotidiano, enfim, interagiu muito conosco. Esse momento de

debate me fez perceber que nós, ainda que na posição de professores, temos

muito a aprender com nossos alunos. Sempre escutei isso, mas sem dar muito

crédito, mas através desse primeiro dia de oficina pude ver que, mesmo com

pouca idade, eles efetivamente têm o que nos ensinar e que nós, sem sombra

de dúvidas, podemos aprender com eles. Digo isso, pois durante esse

momento de discussão do texto um dos alunos, Vinícius, sinalizou algo que

no texto eu não tinha notado e que sem dúvida contribuiu muito para o

enriquecimento das discussões. Além disso, me senti muito acolhido e

respeitado pela turma. Me senti muito confortável. ( Paulo, 2012-1).

Observa-se como o estudante-estagiário narra uma de suas primeiras experiências

de estágio. Ele se apresenta e vai se constituindo professor enquanto se narra no

processo de mediação pedagógica. Munido de vontade, desejos e muitas expectativas

em corresponder ao planejamento da oficina, a leitura de texto sobre o racismo no

Brasil, ao que parece, rendeu muitas discussões na aula e supriu as expectativas do

estudante-estagiário. Percebe-se que a identidade docente é demarcatória na narrativa

ao se colocar sempre na primeira pessoa do plural, envolvendo a colega que realizou a

oficina com ele. As aprendizagens construídas no processo interativo com os estudantes

demonstram e garantem a mobilização dos conteúdos presente no texto sobre racismo.

Pode-se afirmar que “[...] os processos formativos pessoais e os processos formativos

profissionais constroem-se mutuamente a formação de um sujeito – é a sua inserção em

um mundo conceitual e prático” (FÁVERO; TONIETO, 2010, p. 29). Entretanto, como

pontua Schön (2000, p.131):

É sempre difícil dizer o que um estudante finalmente aprendeu a partir da

experiência de uma aula prática reflexiva. É especialmente difícil dizer, o que

[...] não aprendeu, porque a experiência do ensino prático pode criar raízes no

subsolo da mente, na frase de Dewey, supondo significados sempre novos no

decorrer do desenvolvimento de uma pessoa.

A aprendizagem construída em uma aula prática torna-se significativa à medida

que o estudante entra em uma nova experiência, num novo contexto pedagógico. Ao

perceber o que está em seu entorno e o que há de diferente nessa nova aula, o estudante-

estagiário pode avaliar-se e refletir sobre as aprendizagens, bem como acerca dos

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desafios que ainda precisa enfrentar, como narra a aula realizada em outro espaço

pedagógico:

Na segunda parte da oficina, levamos duas notícias que traziam como

manchete o racismo cometido contra pessoas negras na atualidade, cujos

títulos eram: Senador italiano compara ministra negra a orangotango e

Montagem compara vereadora negra e travesti de Piracicaba a chimpanzé,

ambas retiradas do site de notícias G1. A proposta inicial era que, os

estudantes, divididos em dois grupos, pudessem ler e discutir a notícia entre

si e, posteriormente, lê-la para toda a turma, buscando apresentar a situação

problema trazida pela reportagem, de maneira que todos pudessem

compreender que as práticas de racismo, esteriotipação e desvalorização da

figura do negro não são algo do passado e ainda se perpetuam nos dias atuais.

[...] Após o momento de leitura, os estudantes puderam argumentar contra ou

a favor ao conteúdo da notícia. De imediato, eles se colocaram contra as

práticas de racismo que estava sendo noticiadas, buscando argumentar da

melhor maneira possível. Nossa oficina não tinha nenhumarelação direta com

as redes sociais, muito menos com o Facebook. Entretanto, as discussões

sobre esta rede de relacionamento nos fez sugerir que as discussões em sala

de aula pudessem ser levadas por eles para as redes sociais, em especial o

Facebook, realizando, assim, uma corrente contra as práticas de racismo e

outras formas de desrespeito contra as pessoas negras. Com issoaprendi que

uma aula pode ir além daquilo que planejamos, e creio que os estudantes

talvez tenham percebido as aulas de Português para além da sala de aula. (

Paulo, 2012.1).

O estudante-estagiário descreve em sua narrativa estratégias para realização da

atividade didática e apresenta os resultados da atividade com encaminhamentos e

reflexões, propondo a se pensar de fato na função da aula de Português. Vê-se que aula

está imbricada numa prática reflexiva do fazer docente. Para Schön (2000, p.133): “Um

ensino prático reflexivo é uma experiência de alta intensidade interpessoal” que merece

levar em conta a realidade cultural e social dos estudantes, bem como a vulnerabilidade

e os diversos comportamentos presentes na sala de aula. Percebe-se que os saberes

discentes ganharam outros sentidos e o estudante-estagiário assume a docência

mobilizando os discentes para sua ação pedagógica, transformando-os em pactos e

estratégias de combate ao racismo nas redes sociais.

Em razão disso, não podemos pensar educação e escola, sem pensar no perfil do

professor que nela irá atuar, pois ele é o ingrediente principal para a construção da nova

identidade escolar. Para Libâneo (2004, p. 7) “[...] não há reforma educacional, não há

proposta pedagógicas em professores, já que são os profissionais mais diretamente

envolvidos com os processos e resultados da aprendizagem escolar”.

A realidade e o ambiente educativo nos quais os estudantes-estagiários realizam

suas práticas de estágio deveriam ter o papel político e pedagógico de discutir, propor

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questões e repensar atitudes preconceituosas vividas no ambiente escolar. Muitas destas

consideradas como normais pelos professores-regentes, como se pode observar no

excerto textual a seguir:

Terminada a atividade, nos arrumávamos todos para sair da sala e logo os

meninos e meninas começaram a devolver os textos que havíamos entregado

para a realização da atividade. Logo que percebi que tais textos estavam

sendo devolvidos, falei com a professora que seria bom que os estudantes

ficassem com os textos, que não havia necessidade de devolverem. Para

minha infeliz surpresa, a professora me respondeu que não, que não

deveríamos dar os textos aos estudantes. Se nós não os quiséssemos,

podíamos dar a ela, mas aos estudantes não, porque iriam, segundo ela,

rasgar, e não teriam cuidado, enfim não saberiam como utilizar. Neste

momento a fala da professora me pareceu agressiva, como se ela tivesse

chamando os estudantes de selvagens. Entretanto, este modo de falar me

pareceu grosseiro, não foi nada comparado a ótima discussão e participação

dos estudantes durante toda a realização das atividades. (Paulo, 2021-1).

Observa-se como a atitude da professora-regente chocou a concepção de

educação e formação do estudante-estagiário. Como os textos podem ser negados aos

estudantes? O pensamento da professora está arraigado numa concepção de mundo

etnocêntrico e de hierarquização dos saberes e valores incutidos na sociedade. Logo, a

professora-regente propõe que os textos deveriam ficar com os professores e não com os

estudantes. “A realidade, o ambiente educativo e a própria noção de ser humano são do

ponto de vista técnico-instrumental-comportamentalista, fenômenos objetivos que

podem ser manipulados por meio de intervenções e controle do ambiente” (FÁVERO;

TONIETE, 2010, p. 43).

São espaços educativos como esses nos quais os estudantes-estagiários vão se

constituindo, reconstruindo valores e identidade e, ao mesmo tempo, se inscrevendo

como professor. E, se “não cair na cilada da burocracia curricular escolar”, o professor

estagiário poderá escrever outra escola - um espaço educativo prazeroso para todas as

classes sociais. Porém, é preciso ter determinados cuidados com nossos discursos, bem

como gêneros textuais que levamos para o ambiente escolar, pois como aponta Delory-

Momberger (2008, p. 117):

Na experiência que as crianças e os adolescentes têm da escola, os signos e

os discursos segundo os quais se diz e se lê o mundo constituem um dos

primeiros campos de conflito entre mundo-da-vida e a cultura escolar. De

fato, a escola é, por excelência, um lugar de produção de signos e de

discursos: tudo o que é ensinado, aprendido, avaliado na escola, é feito por

signos.

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Por outro lado, “os professores não conseguem refletir concretamente sobre

mudanças porque são eles próprios condicionados ao contexto que atua”(PIMENTA,

2002, p. 23): Porém, mesmo sabendo que “não há transparência, inocência, neutralidade

na cultura escolar (DELORY-MOMBERG ER, 2008, p. 119), o espaço educativo está

sujeito a mudanças, contornos e tons impregnados de signos e símbolos que propõem a

reflexão e a ressignificação do mundo e da vida cotidiana. Em pouco tempo, o

estudante-estagiário conseguiu perceber a participação e envolvimento dos estudantes

na atividade realizada, pois se trata de uma realidade vivida nas escolas públicas

brasileiras, como a questão do racismo. Portanto, corroboro com Lima(2012, p. 37), ao

afirmar que “o Estágio como espaço e processo aberto – contextualizado - permite

elaborar uma nova cultura emergente na ação docente”.

A escrita das narrativas autobiográficas sobre as aulas de Estágio propõe ao

estudante-estagiário pensar na sua formação acadêmica e no professor que quer se

tornar conduzindo-o à reflexão da ação da pedagógica. Assim, tomando como

parâmetro a etnografia da escola e as práticas pedagógicas sala de aula, eles constroem

projetos de intervenção pedagógica realizados no Estágio Supervisionado II durante as

oficinas. A escrita do Estágio permite refletir sobre o Estágio enquanto espaço de

formação e aprendizagem na construção do processo identitário, pois, como afirma

Nóvoa (2000, p. 10), “todo conhecimento é autoconhecimento, toda formação é

autoformação”. Isso fica evidente em Delory-Momberger (2008, p.36), ao discutir a

importância das narrativas autobiográficas no processo de formação docente:

O ser humano apropria-se de sua vida e de si mesmo por meio de histórias.

Antes de contar essas histórias para comunicá-las aos outros, o que ele vive

só se torna sua vida e ele só se torna ele mesmo por meio de figurações com

as quais representa sua existência. A primeira dessas figurações, a mais

matriarcal e abrangente, aquela que de certa forma enquadra a infinita

multiplicação das histórias humanas, concerne ao desenrolar da vida. Tanto

na sua linguagem mais coloquial quanto nas criações mais elaboradas, os

homens recorrem às palavras e imagens que transpõem para uma

representação espacial o desenvolvimento temporal de sua existência: linha,

fio, caminho, trajeto, estrada, percurso, círculo, carreira, ciclo de vida. O

homem escreve no espaço a figura de sua vida.

Narrar-se sobre o processo formativo é contar para si como está se

experimentando a prática pedagógica de Estágio na sala de aula e, ao mesmo tempo,

refletir sobre as aprendizagens de si, da docência e práticas educativas experienciadas.

Esse dispositivo metodológico dá “[...] ao (futuro) professor as chaves para o acesso ao

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processo histórico de sua formação, aos conhecimentos implícitos e as novas formas de

aprendizagem” (PASSEGGI, 2008, p. 43). “A narrativa de um percurso intelectual e de

práticas de conhecimento põe em evidência os registros da expressão dos desafios de

conhecimento ao longo de uma vida. Esses registros são precisamente os conhecimentos

elaborados em função de sensibilidades particulares em um dado período” (JOSSO,

2004, p. 43).

Narrar sobre si é construir conhecimentos implícitos e novas aprendizagens. Por

intermédio da escrita de si, o sujeito tem a oportunidade de refletir sobre seu processo

formativo, pois como afirma Souza (2006, p. 102): “[...]a arte de lembrar remete o

sujeito a observar-se numa dimensão genealógica, como um processo de recuperação do

eu, e a memória narrativa marca um olhar sobre si em diferentes tempos e espaços, os

quais se articulam com as lembranças e as possibilidades de narrar às experiências”.

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