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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA DIVERSIDADE: EDUCAÇÃO POPULAR, INDÍGENA E RACIAL Os trabalhos aqui apresentados envolvem a diversidade na Educação Popular, Indígena e das Relações Raciais na prática da pesquisa, na ação pedagógica e na formação de seres como humanos e como professores, de forma simultânea. O primeiro trabalho é uma ação do NEDET com a ECO/CUT. Ambos trabalham com a Economia Solidária amparada na Pedagogia Freireana. Procura visibilizar e implementar a Economia Solidária e valorizar a cultura, a religiosidade dos povos tradicionais e povos de Quilombo, com mais ênfase nos municípios de Nossa Senhora do Livramento e Poconé. E isso tem propiciado o espaço de aprendizagem necessário para a formação da equipe do NEDET e da ECO/CUT com ações em MT, com educadores e comunidade em geral. O segundo invade os campos da intelectualidade e da ciência ocidental para debater a formação de professores indígenas em diálogo com a educação étnica/educação indígena. É uma pesquisa aberta, pois além de estudos da temática indígena, traz as vivências em aldeias. Essas experiências dão formas, cores e comprometimento com a formação de professores indígenas para buscar alianças e parcerias no desenvolvimento do trabalho pedagógico. As vivências nos espaços escolares e não-escolares das aldeias autorizam a busca do protagonismo da educação indígena para orientar a educação escolar. E o terceiro faz uma reflexão sobre a obrigatoriedade dos estudos da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de Educação Básica e a respectiva responsabilidade da universidade. Exemplifica com ações da universidade para além do cumprimento da lei, auxiliando no processo de formação continuada de professores dos anos iniciais do EF, no que se refere às relações raciais na educação, com o objetivo maior de colaborar para a eliminação do racismo em nossa sociedade. Palavras-Chave: Educação Popular, Educação Indígena, Relações Raciais. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 11895 ISSN 2177-336X

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA DIVERSIDADE: EDUCAÇÃO …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_11040_38076.pdf · O preconceito e a discriminação decorrentes do racismo promovem ... Conscientes

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA DIVERSIDADE: EDUCAÇÃO POPULAR,

INDÍGENA E RACIAL

Os trabalhos aqui apresentados envolvem a diversidade na Educação Popular, Indígena

e das Relações Raciais na prática da pesquisa, na ação pedagógica e na formação de

seres como humanos e como professores, de forma simultânea. O primeiro trabalho é

uma ação do NEDET com a ECO/CUT. Ambos trabalham com a Economia Solidária

amparada na Pedagogia Freireana. Procura visibilizar e implementar a Economia

Solidária e valorizar a cultura, a religiosidade dos povos tradicionais e povos de

Quilombo, com mais ênfase nos municípios de Nossa Senhora do Livramento e Poconé.

E isso tem propiciado o espaço de aprendizagem necessário para a formação da equipe

do NEDET e da ECO/CUT com ações em MT, com educadores e comunidade em geral.

O segundo invade os campos da intelectualidade e da ciência ocidental para debater a

formação de professores indígenas em diálogo com a educação étnica/educação

indígena. É uma pesquisa aberta, pois além de estudos da temática indígena, traz as

vivências em aldeias. Essas experiências dão formas, cores e comprometimento com a

formação de professores indígenas para buscar alianças e parcerias no desenvolvimento

do trabalho pedagógico. As vivências nos espaços escolares e não-escolares das aldeias

autorizam a busca do protagonismo da educação indígena para orientar a educação

escolar. E o terceiro faz uma reflexão sobre a obrigatoriedade dos estudos da história e

cultura africana e afro-brasileira nas escolas de Educação Básica e a respectiva

responsabilidade da universidade. Exemplifica com ações da universidade para além do

cumprimento da lei, auxiliando no processo de formação continuada de professores dos

anos iniciais do EF, no que se refere às relações raciais na educação, com o objetivo

maior de colaborar para a eliminação do racismo em nossa sociedade.

Palavras-Chave: Educação Popular, Educação Indígena, Relações Raciais.

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A DIVERSIDADE RACIAL NA ESCOLA ATRAVÉS DE AÇÕES DA

UNIVERSIDADE

Lori Hack de Jesus (UNEMAT)

Waldinéia Antunes de Alcântara Ferreira (UNEMAT)

Resumo

A lei 10.639/03 institui a obrigatoriedade do estudo dos conteúdos da história e da

cultura africana e afro-brasileira nas escolas de Educação Básica de nosso país e este

artigo traz a reflexão sobre o trabalho que é desenvolvido pela universidade sobre o

assunto em uma escola de Educação Básica. Ainda assim questionamos: A universidade

tem cumprido o seu papel enquanto formador de professores(as) em referência à essa

lei? Os(as) professores(as) estão preparados(as) para atuar nas escolas no que se refere

às relações raciais? Desta forma, este texto tem o objetivo de dar visibilidade a uma

parte das ações realizadas em cumprimento à lei, que objetiva colaborar com a formação

de professores, com a descoberta de novos talentos entre alunos(as) e professores(as) na

implementação da lei e para a permanência e sucesso dos alunos(as) negros(as) na

escola, através da valorização da cultura do negro no Brasil. Portanto, abordamos as

relações raciais em nossa sociedade e na educação, uma vez que elas ocorrem de

maneira conflituosa, conforme provam as pesquisas já desenvolvidas pelos NEABs.

Para tanto, desenvolvemos ações diferenciadas com professores(as) e alunos(as) dos

anos iniciais do Ensino Fundamental. Tanto os alunos como os professores se

mostraram dispostos a estudar sobre a cultura africana e os valores afro-brasileiros em

nossa cultura. Com isso, estimulamos atitudes de respeito e admiração para com a

história e as culturas de africanos e afro-brasileiros, bem como, a reflexão sobre as

relações raciais, e assim, oportuniza aos professores adotarem a intervenção

significativa diante de situações de discriminação racial, o que contribui para o processo

de eliminação do racismo, da discriminação e do preconceito racial em nossa sociedade.

Palavras-chave: Lei 10.639/03, Relações Raciais e Educação, Universidade.

Introdução

O “Programa Novos Talentos: Educação e Diversidade no Vale do Arinos”,

aprovado pelo Edital da Capes/Novos Talentos/2012, é composto por quatro

subprojetos: a) “Interculturalizando Talentos: Articulações entre linguagens, história

étnico cultural e educação ambiental em uma escola indígena”, que é desenvolvido nas

aldeias da Terra indígena Apiaká-Kaiabi; b) “Educação Matemática”, que é

desenvolvido com as escolas de Ensino Médio; c) “Em busca de novos talentos na

Escola do Campo: Educação e meio ambiente”, na Escola Municipal Rui Barbosa, no

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Distrito da Catuaí e d) “Descobrindo talentos em uma escola municipal de Novo

Horizonte do Norte-MT: Educação e relações raciais”, que é desenvolvido na Escola

Municipal Ulisses Guimarães do Município de Novo Horizonte do Norte-MT.

Neste trabalho abordaremos este último subprojeto, exemplificando com uma

ação da universidade no que se refere à formação de professores(as) para o

cumprimento à Lei 10.639/03 e para tratarem adequadamente a questão das relações

raciais na sociedade brasileira e, principalmente, na Educação.

A metodologia utilizada na execução do subprojeto tem sido a efetivação de

atividades desenvolvidas no contraturno escolar, de forma a não interferir na frequência

aos trabalhos escolares, pelos(as) estudantes e professores(as) dos anos iniciais do

Ensino Fundamental. A ação metodológica se sustenta em uma construção dialógica e

participante, como nos ensina Freire (2005).

Compreendemos que este trabalho é muito importante para as crianças, para

os(as) professores(as) da escola e para nós, da universidade, pois não é apenas uma

questão de cumprir a Lei 10.639/03, mas sim, de incentivar a compreender e a valorizar

a história e a cultura africana e dos afro-brasileiros, assim como, contribuir para ampliar

o referencial afirmativo, a fim de auxiliar na construção da identidade negra através da

elevação da autoestima de professores(as) e crianças negras na escola e fora dela.

Outrossim, esse trabalho oportunizou a reflexão sobre as relações raciais na

sociedade brasileira e na escola, o que levará a uma intervenção significativa dos(as)

professores(as) diante das situações de discriminação racial na escola, contribuindo

assim, para a diminuição até a eliminação do racismo em nossa sociedade.

Fundamentos para as ações

A discussão sobre as questões raciais é ainda muito polêmica e complexa, seja

ela na universidade, na escola de Educação Básica ou na sociedade, pois ainda existem

pessoas nas diversas instâncias que acreditam que vivemos em uma democracia racial,

quando isso já foi provado que é um mito.

Vários pesquisadores têm comprovado que as relações na sociedade brasileira

têm se dado de forma conflituosa e desarmônica, quando se trata das relações raciais,

como vemos em Rosemberg (1987), Oliveira (1999), Cavalleiro (2001 e 2003), Jaccoud

e Beghin (2002), Silva Jr. (2002), Fazzi (2004) e Carvalho (2010). Eles(as) evidenciam,

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desta forma, que a democracia racial, tão propalada nos discursos, não passa de um mito

e, que as políticas públicas universalistas são ineficazes na promoção da igualdade entre

negros e brancos, contribuindo para a manutenção de privilégios para o grupo racial

branco.

Assim, percebemos que as desigualdades raciais nos diversos setores da vida

humana, tais como a educação, saúde, habitação, trabalho, acesso a bens e outros têm se

mantido inalteradas ao longo do tempo. Segundo Henriques (2001), os indicadores

sociais mostram melhorias na qualidade de vida de todos os brasileiros, negros e

brancos, entretanto, a diferença nos indicadores sociais entre os grupos raciais não tem

diminuído, o que prova que não vivemos a democracia racial em nossa sociedade.

A Lei 10.639/03, que alterou a LDB n. 9.394/96, incluindo no currículo oficial

das escolas a obrigatoriedade do estudo dos conteúdos relacionados à História e à

Cultura Africana e Afro-brasileira, veio para auxiliar nesse processo de romper com a

permanência dessas desigualdades em função do preconceito racial existente. E uma das

instituições responsáveis por oportunizar a professores(as) as condições necessárias para

desenvolver esse trabalho são as universidades.

Várias são as pesquisas que comprovaram as consequências do racismo no

interior das escolas. O preconceito e a discriminação decorrentes do racismo promovem

prejuízos às crianças vítimas de tais ações, entre as quais, as crianças negras estão em

maior número, segundo Henriques (2001). Conscientes da existência do racismo no

interior do contexto escolar, podemos afirmar a grande necessidade em promover uma

educação que supere esta realidade, uma educação que combata categoricamente a

questão, ou seja, uma educação antirracista.

Assim, entendemos que os professores devem estar preparados, dominar os

conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados e conhecer os aportes teóricos sobre

as diversidades que podem dar sustentação à sua prática pedagógica.

As muitas definições existentes sobre racismo são elaboradas, em sua maioria,

pelos antirracistas, conforme Munanga (1998, p. 44). O autor afirma que mesmo estes

partem de pontos de vista diversificados, às vezes opostos, dificultando o consenso.

Munanga diz que os antirracistas tentam explicar o racismo, através de discursos

diversos, enquanto isso, os racistas agem e, para justificar a sua ação de exploração, de

sujeição e de dominação e, do mesmo modo, para legitimar as desigualdades, também

elaboram um discurso, fundamentado, ora na religião, ora no sistema político-

econômico e ora na ciência (pseudociência biológica).

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Racismo é uma palavra derivada de raça. E, Munanga (2004, p. 06) explica que:

O conceito de raça tal como o empregamos hoje, nada tem de biológico. É

um conceito carregado de ideologia, pois como todas as ideologias, ele

esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação. A

raça, sempre apresentada como categoria biológica, isto é natural, é de fato

uma categoria etno-semântica. De outro modo, o campo semântico do

conceito de raça é determinado pela estrutura global da sociedade e pelas

relações de poder que a governam.

Ainda que não exista a distinção de raças entre os humanos, como já provaram

os estudos da genética, o conceito permanece na cabeça das pessoas para orientar suas

ações, pois este é um conceito socialmente construído, e assim, é utilizado no cotidiano.

O preconceito racial, o primeiro subproduto do racismo, é a ideia antecipada que

se faz sobre alguém, negro, indígena ou outro, sem mesmo conhecer completamente a

pessoa a quem o “pré-conceito” é destinado, o que vai gerar a discriminação racial, o

segundo subproduto do racismo, que é a prática, a ação contra esse negro, indígena ou

outro.

Quem nos ajuda a entender melhor o conceito de preconceito racial é Cavalleiro

(2001, p. 75), quando diz que:

O preconceito basicamente é uma atitude negativa (é necessário que haja

algum referente positivo para comparação) com relação a um grupo ou

pessoas, baseando-se num processo de comparação social em que o grupo de

pessoa preconceituosa é considerado um ponto positivo de referência. É uma

posição psicológica que acentua sentimentos e atitudes endereçados a um

grupo como um todo, ou a um indivíduo por ser membro dele.

A autora realizou pesquisas em escola de Educação Infantil e detectou a

discriminação racial em ações de professores(as) e de crianças. Desta forma, Cavalleiro

(2001 e 2003) explicita a necessidade do trabalho referente à Lei 10.639/03 nas escolas,

desde a Educação Infantil e na preparação de professores(as).

Segundo Candau (2003, p. 52):

A importância do falar sobre o tema, de romper a lógica do silêncio, que em

geral predomina nas escolas onde ocorre a discriminação, precisa ser cada

vez mais ratificada. É somente reconhecendo a problemática, explicitando-a e

buscando coletivamente as formas mais adequadas para enfrentá-las, que

poderemos colaborar para superar as práticas discriminadoras e colaborar

para que uma cultura dos direitos humanos penetre diferentes dimensões da

dinâmica escolar.

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A educação é considerada por Munanga (1998) como apenas um dos meios para

se lutar contra o racismo, não pode ser o único, pois por ser, antes de mais nada, uma

ideologia, não se pode corrigi-lo simplesmente pela educação. Mas o autor orienta que

não se deve deixar de trabalhar com crianças e jovens, potencializando a personalidade,

fornecendo elementos para que eles possam reagir contra o racismo. É neste sentido que

a universidade vem trabalhando na escola.

Desenvolvimento das ações

No subprojeto que trata das relações raciais na educação, “Descobrindo talentos

em uma escola municipal de Novo Horizonte do Norte-MT: Educação e relações

raciais” priorizou-se, inicialmente, os estudos através de ciclo de palestras e roda de

conversa sobre os principais marcos teóricos da questão, tais como as desigualdades

raciais no Brasil, as ações afirmativas e a Lei 10.639/03, assim como, os conceitos

básicos, como de raça, racismo, discriminação e preconceito racial.

Desenvolvemos atividades que envolveram todos(as) os(as) professores(as) da

escola e os(as) alunos(as) selecionados(as) pela escola, que se constituíram de ações

diversificadas, de acordo com o grupo.

Com os(as) professores(as) efetivamos vários estudos sobre as teorias das

relações raciais e sobre a história e cultura africana e afro-brasileira, através de textos,

filmes e documentários, como “Crash no limite”, “Vista a minha pele” e “Eu sou

assim”, pois através deles abordamos os conceitos de raça, racismo, discriminação e

preconceito racial.

Organizamos a criação do Cantinho das Africanidades, buscando livros que

tratem da questão racial, tanto na literatura infantil e juvenil, como de outros materiais

diversificados, que sejam de origem africana ou afro-brasileira. Desta forma, iniciamos

os estudos e o diálogo sobre a valorização da história e da cultura negra, através do

estudo sobre a História da África e dos africanos no Brasil, bem como a cultura negra

no continente africano e em nosso país.

Em decorrência desse trabalho foi possível ainda, publicar um artigo em livro e

vários trabalhos em eventos nacionais, regionais e locais, após desenvolvermos uma

oficina de elaboração de textos, artigos e relatos de experiência, com os(as)

professores(as) da escola e os(as) acadêmicos(as) envolvidos no projeto.

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De forma intercalada, confeccionamos algumas peças artesanais para o Cantinho

das Africanidades. Entre essas peças estão os mosaicos com EVA e outros materiais, a

pintura de quadros no compensado com símbolos africanos, arte em telhas, com

motivos que representam os povos africanos e suas culturas e produzimos quadros em

madeira e EVA com as bandeiras dos países do continente africano.

Com os(as) alunos(as) trabalhamos com dinâmicas que utilizam a ludicidade

como instrumento para favorecer a aprendizagem. Dentre as atividades estão o estudo

do mapa do continente africano e a exploração das paisagens e riquezas dos países

africanos, através do reconhecimento, desenho e a pintura dos animais de origem

africana.

Levamos às crianças alguns filmes com personagens negros e em terras

africanas, como “Zarafá”, “Kirikou e a Feiticeira” e “Kirikou e os animais selvagens”,

sendo que estes últimos retratam a vida de uma criança negra (Kirikou), cheia de

coragem para enfrentar seus medos, e assim, ajudar sua comunidade. Assistimos ainda,

documentários com informações sobre a cultura africana, que não são mostrados na

mídia.

Para auxiliar no processo de construção da identidade negra e elevação da

autoestima das crianças, desenvolvemos atividades para a valorização do cabelo, pois

sabemos que este aspecto físico é e sempre foi um motivo da sociedade julgar as

pessoas desde a infância.

Assim, enviamos um pedido de autorização para os pais ou responsáveis pelas

crianças e, no momento seguinte, levamos duas profissionais capacitadas para fazer

tranças africanas nos cabelos das meninas negras. Conseguimos observar como as

crianças ficaram felizes em ver que a valorização somos nós mesmos que fazemos e,

que deve partir de cada um de nós. Os meninos estavam todos de cabelos bem curtos,

então não foi possível fazer tranças, mas receberam uma atenção também com produtos

como gel, ficaram muito felizes com aquele momento.

Percebemos que a criança, nestes momentos de descobrimento de suas origens,

fica orgulhosa, pois vê, que apesar de todo sofrimento que o seu povo negro já passou, a

sua origem ensinou muito sobre o que somos hoje, a beleza que o continente africano

possui e como ele é gigante em vários sentidos, trazendo um referencial favorável à sua

vida de criança negra.

Outra atividade foi a confecção de máscaras africanas feitas com balões, onde as

crianças encherem os balões e colaram camadas de papeis cortados. Depois de secos,

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cortamos horizontalmente, dividindo em duas partes para a confecção de duas máscaras,

nas quais furamos a parte para formar os olhos e boca. Assim, conversamos sobre como

a cultura africana é representada através de máscaras, pois sabemos que os africanos

usavam máscaras para rituais religiosos, festas e que se identificavam sempre com

mensagens para a população.

Desenvolvemos ainda, atividades que envolvem jogos e brincadeiras de origem

africana, como o mancala, pular corda e pular elástico. Mancala é o jogo considerado o

mais antigo dos jogos, de origem africana e se expandiu a todos os continentes, e assim,

usado nas escolas por professores(as) e alunos(as).

Na África, o jogo mancala tinha sentido mágico e religioso, sendo que só

poderia ser jogado em plena luz do dia e, na maioria das vezes, jogado apenas por

homens, porém, hoje em dia já está mais livre, pois já não consideram essa crença em

todas as regiões (SANTOS, 2008).

É um jogo de estratégia que necessita de agilidade por parte do jogador, que

auxilia no aprendizado da matemática, nos conteúdos relacionados à contagem e à

lateralidade. Percebemos que as crianças gostaram muito e conseguiram desenvolver o

proposto em suas jogadas. Segundo Santos (2008, p. 14) o mancala:

É jogado habitualmente, com pequenas pedras ou sementes. A movimentação

de peças tem um sentido de “semeaduras” e “colheita”. Cada jogador é

obrigado a recolher sementes (que neste momento não pertence a nenhum

dos jogadores) depositadas numa “casa” e com elas semear suas casas do

tabuleiro, bem como as casas do adversário. Seguindo as regras, em dado

momento o jogador faz a “colheita” de sementes que passam a ser suas.

Ganha quem obtiver mais sementes, ao final do jogo.

O mesmo autor fala ainda, que “[...] embora o objetivo do jogo seja ganhar, não

há como pressuposto a eliminação do adversário. Ao contrário. Ambos são estimulados

ao „plantio‟, mesmo em terras adversárias. E cada qual só pode colher se semear. Nesse

jogo, ambos colhem” (SANTOS, 2008, p. 14).

Este trabalho é muito importante, tanto para as crianças, quanto para os

professores da escola e para nós, da universidade. Ele nos incentiva a mostrar a cultura

africana e ajudar as crianças em suas dificuldades e em seu comportamento, pois estes

fatores podem estar ligados diretamente ao preconceito racial que as crianças venham

sofrendo, porém os(as) professores(as) ainda silenciam este aspecto, isto é, não

trabalham, ou quando trabalham as questões raciais com as crianças, ainda prevalece o

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formato estereotipado, principalmente, na visão do(a) professor(a) sobre o(a) aluno(a),

ou tendo uma reação inadequada à situação, culpabilizando a vítima.

Resultados e conclusões

Ao desenvolver as atividades sobre as relações raciais, priorizamos mostrar a

cultura Africana e Afro-Brasileira com as riquezas que existem na África e no Brasil,

oriundas da cultura Africana, que está presente em nosso meio. Mostramos ainda, como

é importante a valorização de todas as cores/raças, e assim, ampliar o referencial

afirmativo da cultura negra para incentivar, também, a construção da identidade negra e

contribuir para a elevação da autoestima de crianças e jovens negros(as).

Durante a efetivação destes trabalhos, percebemos que os(as) professores(as) se

mostraram dispostos(as) a apreender mais sobre a cultura africana e a impingir a devida

importância ao aspecto afro-brasileiro em nossa cultura, e assim, trabalhar a sua história

e cultura com seus(suas) alunos(as).

Em nossos encontros também ouvimos relatos sobre os fatos vivenciados

pelos(as) professores(as), com professores(as) e crianças no ambiente escolar e

buscamos autores para ajudar em nossas discussões temáticas e, assim compreendermos

como identificar uma situação de preconceito racial e como agir e não ficar omissos ao

presenciar a cena quando ocorrer.

Desta forma, tanto na escola como na universidade é nossa tarefa problematizar

os conceitos fundamentais sobre educação e diversidade e trabalhar no sentido da

formação continuada de professores(as). E, as ações deste subprojeto e do Programa

Novos Talentos e os demais subprojetos acabam por desencadear novas ações, em

função da continuidade do processo de aprendizagem sobre as diversidades analisadas,

isto é, diversidade étnica, racial e da população do campo, no sentido de minimizar os

preconceitos existentes, de forma prática, através da valorização desses grupos e suas

culturas.

Com a implementação do programa a universidade se sente responsável por

auxiliar e participar do processo educativo nesses diversos ambientes, seja das

comunidades indígenas, da escola do campo ou urbana, enquanto agente que contribui

na formação profissional dos(as) professores(as), como para a educação geral de

seus(suas) alunos(as) e demais membros da comunidade escolar, conclamando para que

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estejam todos(as) engajados(as) na discussão sobre a questão das diversidades e o

respeito a cada uma delas, como preveem as leis 10.639/03 e 11.645/08.

Referências

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PRÁTICAS PEDAGÓCIAS EM ESPAÇÕES NÃO FORMAIS DE EDUCAÇÃO

A PARTIR DA CONCEPÇÃO FREIRIANA NO TERRITÓRIO DA CIDADANIA

DA BAIXADA CUIABANA

Lisanil da Conceição Patrocínio Pereira (UFMT)

Luiz Augusto Passos (UFMT)

RESUMO:

O NEDET (Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial da Baixada Cuiabana)

tem desenvolvido ações com a ECO/CUT (Escola de Formação da CUT/Centro Oeste),

pois, ambos os grupos trabalham com a Economia Solidária amparada na pedagogia

freireana que ao longo dos últimos anos tem embasado o trabalho deste grupo de

pesquisa. A partir da ECO/CUT foi possível reacender o diálogo com a Pedagogia da

Esperança (1992) e a Pedagogia da Solidariedade (2014). O trabalho tem procurado

visibilizar e implementar a Economia Solidária, procurando valorizar a cultura, a

religiosidade dos povos tradicionais e povos do Quilombo deste território, com mais

ênfase nos municípios de Nossa Senhora do Livramento e em Poconé, muito em função

do apoio institucional da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de Poconé.

Igualmente, tem se constituído um espaço de aprendizagem na formação da equipe do

NEDET e da ECO/CUT com ações no Estado de Mato Grosso, educadores e

comunidade em geral. Essas ações amparadas na filosofia freireana como uma

pedagogia da indignação (FREIRE, 2000) nos processos de conhecimento e

reconhecimento do Outro (DUSSEL, 1993), entendemos a economia solidária como

uma utopia, mas um projeto possível (DUSSEL, 2002). Carece destaque que as ações

do e no NEDET, fortemente amparada institucionalmente pela UNEMAT e MDA

(Ministério do Desenvolvimento Agrário) tem sido possível pelos Encontros de Outros,

encontros entre nós. Encontro com aqueles como Dona Benedita militante das ações

comunitárias em Cuiabá nos idos da década de 1980, hoje isolada no Município de

Planalto da Serra, que ao encontrar com este grupo é como se renascesse para a vida,

mesmo com a idade impondo limites, não perdeu a esperança e a economia solidária

surge então como um movimento expressivo de resistência e de resiliência

ressignificando no Território o lugar da vivência e da morada, mais do que a reprodução

da vida, mas a continuidade das ações culturais, da esperança e da libertação.

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Palavras chave: Território, Educação Popular, Pedagogias Merleau-freireana.

Início do Dialogo

As experiências aqui vivenciadas através da contribuição de trabalhos de

formação continuada e pesquisas advindas da linha de pesquisa Educação e Diversidade

da UNEMAT/Campus de Juara, curso de Pedagogia, principalmente, com o apoio dos

projetos de extensão e pesquisa sobre Educação e Diversidade. Mas recentemente

somado ao Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação (GPMSE), liderado pelo

professor Dr. Luiz Augusto Passos, temos em nosso Grupo ensaiado a articulação

necessária entre Freire e Merleau-Ponty (PASSOS, 2015). Aliás, foram os encontros

dos projetos e dos grupos de pesquisas da UNEMAT e UFMT que contribuíram com a

aproximação ao movimento da economia solidária, encontros e vivências que hoje vão

além do projeto. As ações do NEDET, na Baixada Cuiabana tem se ancorado nos

princípios dos direitos humanos, da resistência e da afirmação da identidade dos povos

tradicionais e do Quilombo.

O objetivo do trabalho que resulta neste texto tem sido acompanhar

compreensivamente, procurando transpor a análise e ou as categorias estruturalistas e do

cientificismo que pensa que a análise é a destruição em pedaços, tudo em caixinha como

se dessa forma fosse possível compreender tudo ao redor, isso não é verdade, pois

vejam, os movimentos reais da mente é separar para compreender, e depois juntar tudo

de novo, e ir além ver as referências ao redor que geram uma identidade que o objeto

não terá sozinho, por isso procuramos compreender as ações do Colegiado do Território

da Cidadania da Baixada Cuiabana, por unir os dois movimentos da mente que são reais

como manifestação dos fenômenos vivos do mundo para nós. Compreender como o

Colegiado tem contribuído com a democratização do poder e o controle social através

do chamamento de novos atores para uma composição compartilhada, sendo nossa

estratégia romper com o que vinha ocorrendo, através da composição através de alguns

membros, entendemos que composição é estratégia privilegiada de legitimação por

participação de corpo presente, e isto entendemos que não tem relação com a

democracia, é só estratégia de legitimação do controle por cima das lideranças mais

fortes e não democráticas. O trabalho do NEDET/Baixada Cuiabana começou de forma

inversa. Primeiro, conhecendo o espaço e seus significados, bem como, as

possibilidades e as pessoas pertencentes a esses lugares, com o diálogo e em processo

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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de aprendizagem construímos apontamentos reais e necessários de políticas públicas.

Dentre estas a formação dos Comitês de Juventude, Povos Tradicionais e de Quilombo

e de Mulheres, este último com a parceria da ECO-CUT da CUT, trabalho consolidado

em Economia Solidária.

A metodologia para o desenvolvimento do trabalho se dá por meio de proposições

e experiências de ações de extensão e pesquisa, envolvendo a participação do Outro

(que somos todos nós) na construção e possibilidade de propor Políticas Públicas que

resultem na melhoria da qualidade de vida, com ênfase às mulheres, jovens e

populações tradicionais e de quilombo. Este trabalho tem se embasado na articulação do

pensamento dialético com o fenomenológico, segundo autodenominação do próprio

Paulo Freire (PASSOS, 2015). No que tange às questões das relações entre opressores e

oprimidos, pois, observam-se, no território, de forma por vezes sutil nas relações que

não reproduzem os mesmos mecanismos de concorrência, suprematismo, opressão

sobre outros, aniquilação dos diferentes. Esse poder não serve para os oprimidos. Ele

refaz o círculo da violência, ele não é educativo, ao contrário, gera novos ditadores,

porque perde o elo da cultura tradicional dos povos latino-americanos que é de disputar

sempre juntos, com, sem divisões. Aqueles, os outros que participam do território desde

a sua criação no primeiro mandato do Presidente Lula, mesmo que inconsciente passa o

sentimento de não pertencimento em um território tão rico em povos tradicionais estes

ainda muito distantes do acesso a políticas públicas.

Consubstanciado na arte da escuta do outro/a, assim o outro/a assume lugar

importante no território e na economia solidária, visto que as atividades da economia

solidária são autogestionárias. O Colegiado Territorial do Território da Cidadania da

Baixada Cuiabana-MT, é composto pelos seguintes municípios: Acorizal, Barão do

Melgaço, Campo Verde, Chapada dos Guimarães, Cuiabá, Jangada, Nobres, Nossa

Senhora do Livramento, Nova Brasilândia, Poconé, Rosário Oeste, Santo Antônio do

Leverger, Várzea Grande e Planalto da Serra. Entre as ações do NEDET junto ao

Colegiado tem sido importante o encaminhamento de demandas da gestão da Central de

Comercialização da Baixada Cuiabana. O NEDET tem sido testemunha em relação à

contribuição do Colegiado com o controle social, sobretudo da implementação de

Políticas Públicas que tem ajudado a minimizar a pobreza dos agricultores familiares

que resistem na reprodução no meio rural.

NEDET: Educação popular, Resistência/Insistência e Identidades no território

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11908ISSN 2177-336X

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Este trabalho tem se utilizando da observação participante, de pessoas que estão

dentro, mas que olham e sentem também o que o Outro sente, porque fazemos parte

desse Outro, partindo do princípio de que conhecendo-se o outro é possível conhecer-se

a si mesmo. O Território da Cidadania da Baixada Cuiabana é resultado do processo

contraditório de modernização da agricultura brasileira, pois com a ocupação intensa do

Estado de Mato Grosso, a partir de políticas públicas, intensificaram-se os confrontos

entre trabalhadores rurais e capitalistas, acirrando-se a luta de classes no espaço agrário,

o que resultou na exclusão de grandes contingentes de trabalhadores e trabalhadoras. A

ocupação da terra no Estado de Mato Grosso faz parte do processo histórico, social e

econômico do Brasil, que ao longo do tempo tem beneficiado pessoas na distribuição de

terras. Este Estado se apresenta como responsável em favorecer com propriedades de

terras pessoas de fora do Estado, bem como as ligadas ao poder. Isso ocorre desde o

início da ocupação deste território, ou seja, desde o período em que as terras eram

distribuídas em forma de sesmarias. Os camponeses, comunidades tradicionais e de

quilombo, eram o mais importante segmento, pois as áreas de sesmarias representavam

no Estado um espaço de reprodução camponesa. Garantia da produção, distribuição e

acesso aos meios de vida. Ainda hoje se fazem presentes, no território mato-grossense,

camponeses de áreas de sesmarias nos municípios de Acorizal, Barão de Melgaço,

Chapada dos Guimarães, Jangada, Nossa Senhora do Livramento, Poconé, Rosário

Oeste, Santo Antônio do Leverger e Várzea Grande, todos estes municípios fazem parte

da Baixada Cuiabana. Pode se dizer que a Baixada Cuiabana conseguiu manter as

manifestações culturais do ser mato-grossense nas suas origens. Com a perda das terras

em que trabalhava boa parte dos pequenos proprietários de terras, a alternativa foi

submeter-se às várias formas de exploração em grandes propriedades rurais ou então

migrar para os centros urbanos à procura de melhores condições de vida. De uma forma

ou de outra, seja no campo seja na periferia das cidades, a questão social se agravou,

cabendo ao governo à tarefa de encontrar solução para o problema.

Assim, fortalecer as comunidades que sobrevivem da Agricultura

Familiar/campesinato é muito importante para cessar o êxodo do campo para a cidade,

também é importante o investimento na educação do campo, inclusive para manter as

tradições cultural e produtiva que é uma riqueza imaterial do povo mato-grossense e

não pode se perder. Entende-se também que estar no campo é resultado do movimento

de insistência/resistência que persiste porque tem mistério na sua refeitura, porque

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transcende a situação vivendis. Compreende-se em complementaridade que necessário

se faz a presença real de Políticas Públicas, pois, esses territórios são lugares de

homens e mulheres cidadãos, com direitos. Cabe destacar que entre as comunidades

presentes no território como as de Povos Tradicionais e de Quilombos, algumas delas

resistem para se manter com sua produção e conseguem inclusive trabalhar de forma

coletiva, mas que tem hoje dificuldades de logística, ou seja, fazer chegar seus

produtos aos centros de comercialização, sendo este um grande desafio para o

Território da Cidadania da Baixada Cuiabana. Em relação à manutenção destas

comunidades no campo requer políticas públicas que assegure a sua reprodução,

garantindo, por exemplo, escolas de ensino médio e logística de escoamento para a

produção. Na esteira deste rol de dificuldades, o NEDET e este grupo pesquisador,

está no intento de construir uma Rede de Cooperação Solidária no e do Território da

Cidadania que deverá colaborar com o fortalecimento dos Empreendimentos

Econômicos Solidários. As atividades do NEDET e de Economia Solidária e Educação

Popular, tem sido um espaço de aprendizagem na formação de estudantes, educadores

e comunidade em geral. É um movimento da educação popular consubstanciado na

filosofia freireana como uma pedagogia da indignação nos processos de marcha e no

reconhecimento do Outro (DUSSEL, 1993) e, por isso, de estratégia de não

subordinação, colonização ou uso das pessoas para fins de mercado.

A ousadia de fazer e de lutar pelo que acreditamos e, junto com outro

reconhecendo o outro como que vive a cultura, que valoriza o conhecimento ancestrar

que se expressa no ser mato-grossense, conhecendo a terra, as plantas, recursos, a

forma própria de produção adequada e sustentável da roça, e do sítio, que ainda

incluem praticas coletivas de produção, revivenciando as relações comunitárias. A

concepção Freireana (1995) aqui circunscrita de pedagogia de rua é de uma

universidade como prática crítica de liberdade, emancipação e autonomia que parte da

ideia da leitura de mundo, parte da reflexão das ações no âmbito do território da

Baixada Cuiabana e da dialogicidade entre os empreendimentos solidários do

território.

Esta pesquisa participante e ou pesquisa-ação, é um trabalho que procura

transformar a realidade, conhecendo, dialogando e convivendo com outro, nos ajuda a

refletir sobre nossa pratica de fazer interculturalidade corporal, vivida, a partir do olhar

do outro.

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Economia Solidária faz parte da luta e/ou é resultado de uma educação popular

ensinada por Paulo Freire em suas várias pedagogias, sobretudo, aquela expressa na

Pedagogia do Oprimido (2007), na Pedagogia da Autonomia (2015) na Pedagogia da

Indignação (2000) e na Pedagogia da Esperança (1992) e da Pedagogia da

Solidariedade (2014). Nosso maior desafio é dialogar estas obras do Paulo Freire, por

que é resultado da luta de um grupo de professoras que já relataram suas experiências

em outro texto Ferreira et al. (2015). Nesse texto é apresentado o diálogo escrito de

experiências vividas desde 2006, quando um grupo de professores chegaram no Campus

da UNEMAT de Juara no Noroeste do Estado de Mato Grosso, esse texto publicado no

livro RuAção (2015), inconcluso, pretende ser uma denúncia tão qual escreveu Dom

Pedro Casaldaliga no dia 10/10/1971, “Uma igreja da Amazônia em conflito com o

latifúndio e a marginalização social”. Casaldáliga denunciou uma igreja em conflito na

Amazônia este grupo de professores vem denunciando na verdade um Campus

Universitário em Conflito no Noroeste do Estado de Mato Grosso, lugar esse, onde

povos indígenas foram dizimados e sofrem preconceito até hoje, ao ponto de

recebermos abaixa assinado pedindo que o espaço físico da universidade fosse

desinfetado após estadia dos povos indígenas em atividades no Tempo Universidade,

esse povo da qual falamos é o povo que vive na terra indígena Apiaká-Kayabi (etnias

Munduruku, Apiaká e Kayabi). Importante dizer que a educação popular nos ensina a

denunciar e anunciar em qualquer espaço, seja nas experiências de encontros, aulas,

cursos, de pessoas com feição indianizada, foram anos de trabalho, e depois de tanta

negação ao trabalho com a linha Educação e Diversidade é que chegamos à conclusão

de que foram encontros:

(...) que ocorreram conosco, entre nós, e conosco mesmo. Mencionar

“conosco” é dizer da coletividade das decisões dialogicizadas e dialetizadas

nos conflitos, nos desejos, nas dificuldades e na realização de cada ação,

ancoradas na pedagogia popular que nos ensinou Paulo Freire (2005)

(FERREIRA et al. :2015, 253).

Aprendemos que Oprimido porque não é só o grupo, o Outro, o nós pelos quais

lutamos são oprimidos, mas nós professores, pesquisadores, estudantes somos

Oprimidos por uma sociedade e por universidades burocráticas, centralizadas, que

medem forças pelo poder, que negam a ampliação da participação coletiva, o exercício

coletivo sadio ao interferirem maquiavelicamente nas relações do trabalho pedagógico

objetivando minar processos educativo-políticos mais humanos. Nessa perspectiva, é

fundamental que nós, conosco e com outros, nos organizemos nos ensinamentos da

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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Pedagogia da Autonomia (2015), seja na reflexão sobre a prática, seja na assunção da

identidade cultural, seja na consciência do inacabamento. Freire nos ensina que como

professor crítico e arrojado,

responsável predisposto à mudança, à aceitação do diferente. Nada do que

experimentei em minha atividade docente deve necessariamente repetir-se.

Repito, porém, como inevitável, a franquia de mim mesmo, radical, diante

dos outros e do mundo. Minha franquia ante os outros e o mundo mesmo e a

maneira radical como me experimento enquanto ser cultural, histórico,

inacabado e consciente do inacabamento (FREIRE, 2015, p. 50).

Assim, temos a assunção que também erramos, mas ensinamos, seja na rua

coberta através dos Kalungas em comemoração ao dia consciência negra, no centro da

cidade aos olhos dos outros, “ensinamos na nossa indignação que ousar, resistir,

transgredir é preciso, por que a nós, com os outros e as vezes conosco mesmo a

Esperança é necessária, por que é ela que nos mantem viva” (FERREIRA et al. 2016).

O NEDET e o Movimento da economia solidária procura construir espaços de

discussões, ouvindo o outro, tentando entender a necessidade daquele que nos fala, no

intento de construir não exatamente uma utopia como um sonho que não se realiza, mas:

Realização ou “aplicação” da utopia e o projeto possível (factibilidade

efetiva) […] Tendo-se providenciado para a comunidade de comunicação das

vítimas um diagnóstico de sua alienação e possuindo uma visão positiva da

sua utopia e projeto possível, é necessário dar o último passo, o da

factibilidade real a posteriori, como aplicação ou realização (DUSSEL, 2002,

p. 478).

Dussel, nos fala então da utopia possível e que nos embala a continuar, o trabalho

neste Brasil diverso de culturas, e também pela resistência de dois povos historicamente

massacrados e invisibilizados, para nós, isso implica na solidariedade de luta com o

povo negro (do Quilombo da Baixada Cuiabana) e o povo indígena (do Vale do Arinos),

porque Economia Solidaria reúne povos indígenas, negros, jovens, mulheres e

comunidades tradicionais, o território, chamado por Luta de cidadania é o lugar da

vivência e das manifestações culturais de identidades étnicas. Assim, compreender a

realidade local, dando a visibilidade dos povos invisíveis que precisa ser visto, a partir

de uma compreensão de sua presença no mundo. Freire (2015, p. 75) afirma que:

O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa,

inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me

relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre,

mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou

apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente. No mundo da história,

da cultura, da política, constato não para adaptar, mas para mudar.

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Acreditamos que o território e a economia solidária é o espaço do mundo possível,

de um mundo melhor, que exige de nós capacidade de fazer com e não fazer para.

No Brasil, os negros receberam o sinônimo de negros refugiados de quilombos. No

território da Cidadania da Baixada Cuiabana temos 43 Quilombos em sete dos 14

municípios deste território. Nesse, sentido propiciar discussões a partir da Lei

10.639/03, no Colegiado do Território e nas atividades da Economia Solidária, ajudará a

disseminar a história e a cultura do negro. Isso ocorrerá em decorrência da valorização

das manifestações culturais e saberes desta população negra através de ações,

principalmente a partir de um trabalho articulado com a Superintendência da

Diversidade da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, para implementação

de políticas públicas voltadas a educação em áreas de quilombo, pois segundo dados do

Plano Brasil Quilombola (2012, p. 09) 24,81% não sabem ler, esses dados apontam

para a necessidade de medidas emergenciais necessárias para atender a demanda, bem

como, evitar que esta situação perpetue. Compreendemos que é função da

universidade oferecer os subsídios necessários para que as escolas de educação básica

desenvolvam projetos neste sentido, seja através da formação inicial, pesquisa e

extensão. Desta forma, o desenvolvimento destas atividades pode contribuir com o

processo de democratização do ensino superior no território, onde esses municípios

estão situados.

O NEDET a partir da educação popular de educação tem contribuído com uma

reconfiguração dentro de uma perspectiva de resistência e afirmação da identidade,

como manifestação da força negra, mas também em parceria com a força indígena que

ao longo do tempo como outras identidades têm enfrentado e construído o sentido da

resistência/insistência de estar e de serem pessoas dos seus lugares e das suas lutas na

busca de direitos humanos, valorização, respeito, e reconhecimento do Outro.

Palavras finais de um texto em construção

A intencionalidade desta escrita foi visibilizar as ações do NEDET e da

ECO/CUT e o esforço de aproximar a relação estabelecida pelo Paulo Freire com

Merleau-Ponty, em sua obra e ação, e estabelecer um diálogo de complementaridade

entre a filosofia dialética e a fenomenologia, e como elas poderiam auxiliar a expressar

a vida e o mundo como centralidades. Assim temos buscado uma metodologia merleau-

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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freireana que nos tem servido para a pesquisa, para orientação metodológica dos

processos educacionais, e para a luta. (PASSOS, 2015). Essa compreensão tem nos

ajudado a vivenciar há alguns anos, algumas coisas importantes, que temos feito no

noroeste do Estado de Mato Grosso, e mais recentemente a partir de 2015, no Território

da Cidadania da Baixada Cuiabana, contribuindo para a nossa autocrítica, para

compreender algumas coisas que antes nos eram invisíveis, fornecendo-nos perspectivas

de descrição e intervenção. Muitas destas dimensões, ou a minoria delas, foram

apontadas por Freire e ampliadas na obra de Brandão (2007). Experimentamos através

de nossos corpos e nossa sensibilidade que juntos produzem textos, produzem

encontros, desencontros e nos afirmam enquanto sujeitos de uma história das relações,

de uma história só possível, na convivialidade das diferenças que somos e nos fazemos,

com as coisas, outros e outras.

Assim, entre as ações do NEDET podemos dizer que foi possível contribuir com

a reestruturação do Colegiado, bem como a constituição do Núcleo Diretivo, com a

criação dos Comitês de: Mulheres, Juventude e Povos Tradicionais e de Quilombo e as

Câmaras Temáticas de: Formação, Educação do Campo e Cultura; Mapeamento e

levantamento de trabalhadoras e trabalhadores; de Articulação e Divulgação; de

Comercialização e Economia Solidária.

O acompanhamento das ações do Colegiado tem nos mostrado que os desafios

para a reprodução da agricultura familiar é imensa e requer a intensificação de

políticas públicas e que esta chegue de fato aos mais pobres. Entre os 14 municípios

que compõem este Território pode se dizer que a participação intensa de 08

munícipios que tem se reunido principalmente em torno da gestão da Central de

Comercialização da Agricultura Familiar, construída a partir de demandas deste

colegiado e construído com recursos do PROINF (Programa de Infra Estrutura aos

Territórios Rurais e da Cidadania).

O Colegiado tem demandado várias ações do NEDET para além do

planejamento da equipe. Foi possível contribuir com a organização de quatro

Conferências Territoriais:

-Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional, da Juventude e de Mulheres, além

de ATER. A realização dessas Conferências foram possíveis, sobretudo, através das

várias parcerias que entendiam a importância do Território e que vida e cultura se

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desenvolvem a partir de e no território. As conferências são instrumentos cidadãos e de

grande importância por serem mecanismos da construção de políticas públicas.

Também foi possível a contribuição com a reestruturação da composição do

Colegiado e do Núcleo Diretivo do Território da Cidadania do Território da Cidadania

da Baixada Cuiabana.

Reafirmamos que o trabalho, que se afirma como coletivo e compartilhado, é o

que se dá no território desenvolvido pelas Comunidades Tradicionais e Povos de

Quilombo, o que contrasta com a valoração das pesquisas que desconectam os

territórios, e as culturas, e se fixam apenas nos produtos, ignorando e invisibilizando

as pessoas. É preciso dizer mais. Realizamos um trabalho complementar com setores

invisibilizados, e que são marginalizados no que tange a recursos para sua

expressividade e sobrevivência, que se encontra ameaçada. Essas comunidades

tradicionais tem demostrado o sentido de pertencimento ao território, este povo tem

mantido tradições de produção coletiva/comunitária como foi possível compreender

no Quilombo de São Benedito no Município de Poconé, bem como a manutenção da

riqueza cultural do povo mato-grossense.

Essa comunidade tem corpo e rosto da utopia que é possível ser realizada, que está

em resistência e insistência construção através do movimento do território e da

Economia Solidária, que são brasileiros, afro-brasileiros, negros, indígenas. Esses rostos

têm marcas identitárias que dizem de onde vieram e porque vieram. Vieram para

comungar sentimentos, mas por vezes externar raivas como, às vezes, como seres

inacabados fazemos, como expressava Paulo Freire (2015, p. 16),

(...) o tom da raiva, legítima raiva, que envolve o eu discurso quando me

refiro às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo. Daí o

meu nenhum interesse de, não importa que ordem, assumir um ar observador

imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos acontecimentos. Em tempo algum

pude ser um observador “acinzentadamente” imparcial, o que porém, jamais

me afastou de uma posição rigorosamente ética.

Assim, entendemos que seguimos os ensinamentos de Paulo Freire, pois temos

uma capacidade enorme de nos indignar, de tomar partido, de nos colocar no lugar do

outro/outra, principalmente dos mais fragilizados, dos que sofrem mais preconceitos,

acreditamos que os projetos destes setores se „casam‟. Os olhares falam, os corpos

revelam, por vezes ouvimos pessoas como se tivessem saído dos cativeiros, através dos

grupos de pesquisas e das universidades que aqui dialogam, quando juntos. O

reconhecimento de nós mesmos, nas nossas escritas, nos nossos olhares. Rostos íbero-

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afro-ameríndios.

Aprendemos... bolsistas, estudantes, professores/as, camaradas, companheiros,

capoeiristas, extensionistas, academia, sociedade a rememorar os nossos e nossas

ancestrais, na comunhão dos elementos, que vive em comunhão conosco, na busca da

emancipação, no olhar de Dona Benedita, lá, em Planalto da Serra que nos ensina que é

preciso de novo continuar a criar no agora.

Referências

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BRASIL. Plano Brasil Quilombola. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial. Seppir: Brasília, 2004.

CASALDALIGA, Pedro. Uma igreja na Amazônia em conflito com o latifúndio e a

marginalização social. Carta Pastoral: São Félix do Araguais, 1971. Mimeo.

DUSSEL, Enrique D. 1992: O Encobrimento do Outro: A origem do mito da

modernidade: Conferência de Frankfurt. Trad. Epharaim Ferreira Alves et. Al..

Petrópolis-Rio de Janeiro: Vozes, 1993.

______________. Ética da libertação: Na idade da globalização e da exclusão. Trad.

Epharaim Ferreira Alves et. Al. 2. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. Reencontro com a pedagogia do oprimido.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

______________. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São

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_____________. Pedagogia da solidariedade. Gravação, transcrição e tradução de

Walter Ferreira de Oliveira. Org. e Supervisão da tradução de Nita Freire. Rio de

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____________. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 52

ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2015.

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23

GUIMARÃES, Solange T. Lima; CARVALHO, Claudia Ferreira; PASSOS, Luiz

Passos; MARIN, José (Orgs. Et. Al.). Prefácio Boaventura de Souza Santos. Ruação:

das epistemologias da rua à política da rua. Cuiabá- MT: EdUFMT, Editora Sustentável,

2014. http://www.editora.ufmt.br/download/ebook_RuaAcao.pdf.

FERREIRA, Waldineia Antunes Alcântara, PEREIRA, Lisanil da Conceição Patrocínio

& JESUS, Lori Hack. Tecendo a rede: movimentos... trançados... nós, entre nós e

conosco mesmo. In Ruação: das epistemologias da rua à política da rua. Cuiabá-MT:

EdUFMT, Editora Sustentável, 2014.

_____________. et. al. KALUNGA: Educação popular que se faz kalugueando. Mimeo,

2016.

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11917ISSN 2177-336X

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS: UMA PRÁTICA

PEDAGÓGICA DIALOGADA COM A EDUCAÇÃO ÉTNICA

Maria Aparecida Rezende UFMT/PPGE

Luiz Augusto Passos UFMT/PPGE

Lisanil da Conceição Patrocínio Pereira UNEMAT/UFMT

O texto invade os campos da intelectualidade, da ciência ocidental, para debater a

formação de professores indígenas em diálogo com a educação étnica/educação

indígena. O texto é inspirado pela educação, antropologia e filosofia. Parte dele

tomaram aspectos do ensaio de Merleau-Ponty intitulado “De Mauss a Claude Lévi-

Strauss” (1980). A pesquisa é aberta tendo à frente, além de estudos da temática

indígena as vivências em aldeias e trabalhos desenvolvidos com a Educação Escolar

Indígena. Alguns exemplos, fazem parte de resultados dessa pesquisa. O trabalho de

assessoria pedagógica foi desenvolvido nos anos de 2005 até parte de 2006 com a

primeira turma do 3º Grau Indígena – Universidade Estadual de Mato Grosso –

UNEMAT. A coordenação do Curso de Licenciatura Intercultural Teko Arandu, das

etnias Guarani e Kaiowá, formação de professores, parte de 2006-2008 na Universidade

Federal da Grande Dourados de Mato Grosso do Sul. Para além disso, a formação de

professores Guarani e Kaiowá a nível do Magistério – Ará Verá, oferecido pelo Estado

em questão e também uma disciplina desenvolvida no Curso de Magistério do Projeto

Raiyo para indígenas em Mato Grosso. As observações em campo acerca das questões

indígenas iniciaram-se em 1996, com o povo Tapirapé e a partir de 1998 com os

Xavante. Todas essas experiências dão formas, cores e comprometimento com a

formação de professores indígenas para buscar alianças e parcerias para desenvolver

esse trabalho pedagógico. Houve também a pesquisa com as mulheres Xavante de 2009-

2012 que culminou no doutorado. Nesse mergulho às vivências nos espaços escolares e

não-escolares das aldeias autoriza essa busca do protagonismo da educação indígena

para orientar a educação escolar.

Palavras-chave: educação indígena, formação de professores indígenas, educação

escolar indígena.

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11918ISSN 2177-336X

25

O contexto da pesquisa

Essa pesquisa é entendida no contexto da fenomenologia como pesquisa aberta.

É o resultado de trabalhos pedagógicos como professora e assessora de Práticas de

Ensino e Estágio dos estudantes indígenas em Mato Grosso e também como

coordenadora do Curso de Licenciatura Intercultural Teko Arandu em Mato Grosso do

Sul. Importante a leitura de Merleau-Ponty comungando com a antropologia de Lévi-

Strauss, no ensaio “De Mauss a Lévi-Strauss” (1980), ambos se esforçam para superar a

dicotomia entre coisa-consciência e sujeito-objeto. A discussão da formação de

professores indígenas nas universidades públicas Merleau-Ponty nesse ensaio aponta

essa questão do conhecimento ao afirmar “como compreender o outro sem sacrificá-lo à

nossa própria lógica e sem sacrificá-la a ele? ”, (Merleau-Ponty, 1980: 194). Por isso é

necessário procurar um diálogo entre as duas lógicas – das sociedades indígenas aqui

explicitadas e das sociedades ocidentais capitalista.

As informações dessa pesquisa foram coletadas e sistematizadas ao longo dos

anos 2005 a 2014, último ano em que trabalhei com professores indígenas.

As possibilidades de leituras e releituras cuidadosas dessas informações foram

apoiadas em Merleau-Ponty, em Geertz e outros antropólogos e linguistas. Na

fenomenologia buscamos a compreensão desse filósofo que tem demonstrado muitas

formas de se ler e interpretar um universo de vivências. Assim ele diz:

A pesquisa alimenta-se assim de fatos que de início lhe pareciam alheios,

adquire ao progredir novas dimensões, reinterpreta seus primeiros resultados

pelas novas investigações que eles mesmos suscitaram. A extensão do campo

aberto e a inteligência precisa dos fatos aumentam ao mesmo tempo. É por

esses sinais que se reconhece uma grande tentativa intelectual (Merleau-

Ponty, 1991, p. 135.

Sob a luz de vivências dos povos indígenas e o desenvolvimento das práticas

pedagógicas visualizadas, participadas e sentidas o campo foi ficando cada vez mais

rico e de intensas informações, por vezes, ouvidas repetidamente pelos Xavante ou

pelos Guarani e Kaiowá para a compreensão ser mais próxima possível da realidade

vivida. Os olhares intencionais em busca de (re)significados que as percepções foram se

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tornando um labirinto e uma infinidade de campo semântico de leituras. As descrições

densas como afirma Geertz e cuidadosamente registradas no caderno de campo

enquanto instrumento e também a fotografia para facilitar a memória e compreender o

cotidiano daquelas pessoas, que mesmo sendo professores não deixavam de ser uma

pessoa Xavante, ou Guarani Kaiowá.

Considerando essa pesquisa em formação de professores, unificadas com as

estratégias e pedagogias indígenas ela se torna profunda no sentido tratado por Merleau-

Ponty.

A dimensão do oculto por excelência. [...] A profundidade é o meio que têm

as coisas de permanecerem nítidas, ficarem coisas, embora não sendo aquilo

que olho atualmente. [...] Através da profundidade, as coisas coexistem cada

vez mais intimamente, deslizam uma nas outras e se integram. [...] O olhar

não vence a profundidade, contorna-a. A profundidade é urstiftet daquilo que

vejo com visão nítida como retenção no presente – sem “intencionalidade

(Merleau-Ponty, 2009, p 203).

A profundidade do campo investigativo nas ações dos professores indígenas,

enquanto desenvolviam suas aulas escolares e extraescolares se deu naquilo que era

visível das vivências e o que era invisível, mas contido num currículo oculto, permeado

aquela escola da aldeia Sangradouro.

O curso de formação de professores Kaiowá e Guarani Teko Arandu era

conectado com o cosmo e com a cultura. Antes de iniciar as aulas e ao término do fim

do dia, os rezadores, Ňanderu e/ou as Ňandesi (autoridades religiosas do povo Kaiowá e

Guarani) cuidavam, com seus rituais religiosos, da harmonia do curso durante os trinta

dias consecutivos presenciais no interior da universidade, lugar estranho a eles. Essa é a

profundidade lida por Merleau-Ponty o contato com seres visíveis e invisíveis e tudo

isso era parte curricular daquele Projeto Pedagógico do Curso em questão.

Formação de Professores Indígenas

A formação de professores indígenas para a escolarização ainda é um grande

desafio institucional e também para todas as comunidades indígenas. Foi criada, pelo

governo Federal a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

(SECAD) no Ministério da Educação, para pensar políticas específicas para garantir a

inclusão educacional de diferentes segmentos da população brasileira. Políticas essas,

que gerassem políticas educacionais com vistas a superar a desigualdade, o preconceito

e a intolerância.

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O trabalho com povos indígenas, ao longo dos anos, tem retroalimentado uma

prática pedagógica numa busca incessante de encontrar um diálogo com a educação

indígena. Sem essa conexão não há como falar em formação de professores indígenas.

Vários pesquisadores têm se beneficiado do Instituto Socioambiental em busca de

informações sobre o Brasil em 1500. De modo geral, estima-se por volta de até quatro

milhões de pessoas que foram reduzidas por menos de quatrocentos mil habitantes.

Precisamos buscar informações novas para sabermos qual é a população indígena no

Brasil hoje. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística tem mostrado que

nesses últimos anos vem aumentando essa população.

A partir da Constituição Federal de 1988 fica permitido contar a verdadeira

história do Brasil e assegurado o direito dos povos indígenas a desenvolver sua

pedagogia no contexto escolar. Antes dela, muitos indígenas e aliados, as pessoas que se

comprometeram com as causas indígenas, morreram na tentativa de reivindicar suas

terras, suas línguas e práticas culturais. Ora, essa terra já tinha dono muito antes de

Colombo. Quando os europeus vieram com seu projeto de invasão, os povos indígenas

não conseguiram ganhar essa guerra e muitos atos criminosos de sua cultura, costumes,

línguas e rituais foram desaparecendo, seja pelo extermínio de vários povos, ou seja,

pela proibição de seus usos e costumes.

Em Mato Grosso, o Instituto Socioambientali afirma ter quarenta e duas etnias,

sendo elas, Apilhará; Aurinha; Arara do rio Branco; Averti; Bororo; Marajá; Tapira pé;

Xavante; Nambikwara; Kalapalo; Chiquitano; Cinta Larga; Enawenê-Nawê; Irantxe

Manoki; Ikpeng; Kayabi; Kamaiurá; Ksedejê; Kaiapó; Krenak; Kuikuro; Matipu;

Kaiabi; Matipu; Maxakali; Mehinako; Myky Manoki; Munduruku; Nahukua; Paresi;

Panará; Rikbatsa; Surui Paiter; Tapayuna; Terena; Trumai; Umutina; Wauja Waurá;

Yawalapti; Yudja; Zoró. Todas essas informações comprovam a grande necessidade de

se pensar numa formação de professores específica no interior do Estado. Assim, em

grande debate os povos reunidos juntamente com aliados conseguiram elaborar um

Projeto que desse conta minimamente dessa demanda.

A Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT foi a pioneira brasileira

a assumir o primeiro Projeto de 3º Grau Indígena no Brasil. Iniciou o curso com

duzentos professores indígenas, sendo cento e oitenta mato-grossense e vinte de outros

Estados do Brasil. A partir daí outras universidades públicas federais também foram

assumindo Projetos dessa natureza. A Universidade Federal da Grande Dourados em

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Mato Grosso do Sul foi pioneira no Brasil, em 2006, em constituir o primeiro curso

regular de Licenciatura Intercultural Teko Arandu, uma luta dos Kaiowá e Guarani. Essa

é uma história de conquista dos povos indígenas que a Constituição Federal de 1988

amparou.

A linguista Terezinha Maher (2006) ressalta uma questão importante sobre as

responsabilidades dos professores indígenas, o que justifica a questão dessa necessidade

de a formação de professores ser específica para indígenas, seja ela advinda de Cursos

Superiores ou de Magistério Ensino Médio. Quanto a essas especificidades ela escreve:

[...] É importante atentar para o fato de que, enquanto cabe ao professor não-

índio formar seus alunos como cidadãos brasileiros plenos, é

responsabilidade do professor indígena não apenas preparar as crianças, os

jovens e os adultos, sob sua responsabilidade, para conhecerem e exercitarem

seus direitos e deveres no interior da sociedade brasileira, mas também

garantir que seus alunos continuem exercendo amplamente sua cidadania no

interior da sociedade indígena ao qual pertencem (Maher, 2006, p. 24).

Tendo a responsabilidade de uma dupla formação, os professores indígenas

precisam estar atentos para as contradições que existem entre a educação escolar e a

educação étnica. Entendo como educação étnica aquela que é singular a cada etnia e que

é mais conhecida como “educação indígena”. O trabalho no âmbito pedagógico

curricular da escola torna-se um desafio tanto para os professores indígenas, que são os

conhecedores de sua educação, como para a instituição formadora apta a desenvolver a

cultura escolar, então como resolver esse dilema de duas “educações” diferenciadas? É

aqui que baila a contradição, pois a cultura escolar já foi uma ré no banco dos crimes

bárbaros linguísticos, culturais, políticos e sociais. Como torna-la aliada à educação

indígena? Esse é o calcanhar de Aquiles na Formação de Professores Indígenas que

sustenta a ideia de desenvolver um trabalho nas comunidades indígenas nominado

Educação Escolar Indígena.

Educação étnica norteando a prática pedagógica no contexto escolar: é possível?

Conduzir essa questão da educação étnica/educação indígena sem abordar a

compreensão de cultura não há possibilidade de fazer esse diálogo profícuo entre as

duas educações: étnica/indígena e escolar. Muitos antropólogos tentaram definir a

cultura, mas não se chega a um acordo. Geertz compreende a cultura como um

fenômeno mais profundo pois diz:

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O conceito de cultura que eu defendo [...] é essencialmente semiótico.

Acreditando como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias

de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas

teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca

de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado

(Geertz, 1989, p. 4).

Quem mais pode entender sua cultura do que a própria pessoa que advém e vive

nela? Os significados simbólicos só quem pode dar valor é um membro dessa cultura

que sente e sabe seus sentidos e dentro dela constrói o respeito, a alegria, a religião e

suas leis. Por isso a cultura é como uma teia de aranha. A humanidade vai se

envolvendo nela e procurando seu significado. O cotidiano revela de um modo profundo

esse tecer de teias que vai engendrando a vida, os sentimentos e olhar compreensivo de

quem vive nessa teia.

Os povos indígenas mantêm sua alteridade graças a estratégias próprias de

vivência sociocultural, sendo a ação pedagógica uma delas. A educação

desenvolvida pelos povos indígenas lhes permite que continuem sendo eles

mesmos e mantenham a transmissão de suas culturas por gerações. Neste

trabalho mantém-se o pressuposto de que não há um problema da educação

indígena, pelo contrário, o que existe é uma solução indígena ao problema da

educação (Meliá, 1999, p. 11).

Inspirados no antropólogo e linguista Meliá (1999) compartilhamos de suas

palavras lendo o mundo dos povos indígenas com meu parco conhecimento de educação

indígena, minha compreensão parte da sensibilidade das vivências em aldeia. Por isso é

acordado que os povos indígenas mantêm sua alteridade, no sentido de que eles têm

uma educação que permite seus modos de ser e viver e isso vai repassando para as

novas gerações. Mas essa alteridade, segundo Meliá se deve a estratégias próprias que

eles criaram e vem sendo reproduzidas ao longo dos anos. Uma delas é a ação

pedagógica desenvolvida por cada um dos povos indígenas.

A ação pedagógica tradicional para o autor “integra três círculos relacionados

entre si: a língua, a economia e o parentesco” (1999, p. 13). Porém seguindo sua

interpretação a língua é o círculo mais amplo e complexo. O sistema de relações que

cada povo vive é o que o faz ser ele mesmo. Confere sua alteridade, a liberdade de ser

ele próprio. O modo como esse sistema é transmitido aos jovens é a própria ação

pedagógica. Mas a educação para Meliá sempre cria algo novo. Nada de esteriótipo.

A experiência de cinco décadas trabalhando com povos indígenas autoriza o

linguista e antropólogo a afirmar que “não há um problema da educação indígena, pelo

contrário, o que existe é uma solução indígena ao problema da educação” (Meliá, 1999,

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p. 11). Ele traz que a educação indígena é a solução para o problema da educação

escolar o que é justo concordar com essa expressão que a torna profunda na

interpretação. Ele alarga essa compreensão em outro texto afirmando que

Estos pueblos no sólo superaron la prueba del período colonial, sino también

el de los embates de la asimilación e integración de tiempos más recientes.

¿Cómo lo lograron? Y ¿hasta qué punto conseguirán mantener esa alteridad e

identidad diferente? Los pueblos indígenas han mantenido su alteridad

gracias a estrategias, de las cuales una es la acción pedagogica (Meliá, 1998).

Portanto, a educação étnica é respaldada pelas estratégias e conferidas pela ação

pedagógica e a sua alteridade. São esses elementos que faz com que um membro étnico

tem o sentimento e o reconhecimento do seu povo. É essa educação e pedagogia que faz

a diferença e pode ser a solução da educação escolarizada. Ela pode ser a protagonista

de uma educação que sempre foi superior e hoje se mostra tão fragilizada porque o

sentimento de sociedade está mudando. As pessoas marginalizadas estão recuperando

suas vozes silenciadas e se reconhecendo e afirmando suas identidades. É o grito dos

excluídos dando um basta na opressão, a procura de uma liberdade que os anos

carregaram e não havia esperança de voltar a vê-la. É nesse contexto que discutimos a

formação de professores indígenas numa perspectiva proposital e dialogada.

Como dialogar acerca de uma formação de professores indígenas aliando seus

saberes e conhecimentos?

Os professores indígenas próprios fazem isso em sua maioria das vezes e ensina

como se faz. No acompanhamento pedagógico na aldeia Sangradouro, do povo A’uwẽ

(conhecido como Xavante) foi possível fazer um registro desse momento de

aprendizado para a educação escolar. Mas é preciso humildade, reconhecimento e

sensibilidade para aprender. Talvez as universidades ainda não se deram conta que

outras pedagogias existem e outros ensinamentos estão à disposição delas. Mas é uma

educação desvalorizada porque não fala em nome de Sócrates, Platão e outros clássicos

e autores importantes para a academia, mas mostra os saberes e conhecimentos

conectados com a natureza, com todos os seres vivos e a humanidade não é reconhecida

como a principal da vida. A aula iniciou com o professor dizendo:

Vamos estudar o rio Sangradouro para tentarmos perceber porque ele está aos

poucos diminuindo e sujando suas águas. Por que nossas crianças estão com

diarreias e muitas vezes vômitos e até morte delas? A aula às margens do rio

Sangradouro demoraram mais de quatro horas, caminhando ao longo dele.

Caderno e lápis nas mãos, máquinas fotográficas. Fizeram estudos de Língua

Portuguesa, Matemática (para além daquela série trabalhada) Química, Física

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e Biologia. O trabalho durou uma semana o registro aqui foi de três dias. A

pedagogia e estratégias A’uwẽ (povo verdadeiro e autêntico) foram elementos

básicos na metodologia trabalhada nesses dias. O silencio dos estudantes

escutando o professor. As diversas vezes que o professor explicou o mesmo

conteúdo indo e vindo do caderno dos estudantes para o quadro de giz sem

apontar erros ou dizer sobre eles. A presença da persistência e do exemplo

das atividades diversas vezes repetindo os mesmos conteúdos revelam a

pedagogia do povo A’uwẽ. (Trecho retirado do relatório pedagógico de

campo da assessora pedagógica UNEMAT, Maria Aparecida Rezende,

outubro de 2005).

Com esse mesmo povo no município de Campinápolis MT, um exemplo de

partilha e solidariedade entre o professor e as crianças em sala de aula o registro do

relatório dessa mesma assessora revela elementos da educação desse povo. Segue

trechos do relatório da mesma assessora:

Impressionada com o caos da construção da escola. Um lugar com quatro

esteios sustentando as palhas já falhadas, olhando debaixo para cima vejo o

céu com as trovoadas, ameaçando a chover. Os pequeninos tentando se

equilibrar em cadeiras quebradas com farpas no acento porque encosto não

há mais. Estudantes chegam e nada nas mãos. Estranho isso. Pensei: onde

estão os cadernos, os lápis e as borrachas? Então o professor arranca do seu

caderno de doze matérias (mas já fino) duas folhas para cada um e os

estudantes pegam seus pedacinhos de lápis e pequenos pedaços de borrachas

(daquelas azul e verde) e alguns dizem que perdeu os seus lápis.

Compreensível porque estava na segunda feira pós um prolongamento de

feriado. O professor pega seu lápis e o quebra em três partes e toma outra

borracha e a divide em quatro vezes e todos ficam sorridentes porque vão

poder estudar. O professor conta que, apesar de estar no meio do ano, o

município não deu material escolar (agosto de 2005).

O primeiro professor era estudante de Ciências da Natureza do Curso de 3º Grau

Indígena – UNEMAT. O segundo cursava Ciências Sociais nessa mesma instituição.

Ambos se utilizam das ações pedagógicas de sua educação. Repetem o conteúdo no

quadro de giz insistentemente até que 100% da sala consigam aprender. O exemplo é

um elemento forte. A voz firme forte, baixa e suavemente explicando os conteúdos e

tudo isso fazendo indagações em sua língua para as crianças entenderem e elas também

respondiam da mesma forma. A língua demonstra sua musicalidade, seu tom de voz

firme marcando as pausas e os sons guturais de algumas palavras. Faz parte também do

aprendizado e ensino. A solidariedade e a partilha são outro elemento contido na cultura

do povo Xavante que segue o princípio da reciprocidade. Os Kaiowá e os Guarani

também seguem esses princípios e a palavra dada é respeitada e acreditada. A religião é

forte na vida deles, o respeito aos donos das coisas: dos animais, da floresta e a

educação de pedir autorização para esses donos, tudo isso revelam as aprendizagens e os

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ensinos num contexto de solidariedade, de amor, de liberdade e sobretudo de humildade

de estar abertos para escutar e auxiliar o outro e a outra.

Considerações sobre a formação de professores indígenas no seio do diálogo com a

educação étnica

De volta ao começo do texto em que o propósito é invadir o campo da

intelectualidade da ciência ocidental para debater a questão da formação de professores

indígenas no contexto das universidades públicas, mesmo aquelas com a formação

específica não conseguem fazer a conexão entre as duas ciências: indígenas e não

indígenas. Elas ainda não conseguiram despir-se dos pedestais da colonialidade.

Consideram seus conhecimentos superiores a qualquer outros que não estejam dentro

das normas e da legalidade acadêmica.

Elas também provam do fracasso escolar na formação de professores não

indígenas. Nas práticas pedagógicas das universidades a singularidade e o respeito às

individualidades inexistem. Ainda há o fascínio pelos conteúdos universais

considerados superiores a outros conteúdos do cotidiano e das vivências. Além do mais

os seres humanos são considerados acima de qualquer outra espécie de animais e ainda

persiste a ciência que engloba todos os estudantes como se houvesse as diferenças.

O diálogo com a natureza que deveria ser conectado ao cosmo sem dissociar os

conhecimentos ainda é frágil. As universidades públicas na qualidade de “formadoras de

professores”, sejam indígenas ou não indígenas precisam aprender a baixar a voz e

escutar outras vozes outras pedagogias. No contexto dessa formação tem as específicas

a professores indígenas, por vagas ocupadas e por cotas. Essas últimas são piores para

manter os estudantes indígenas até o fim do curso. Em seu interior percebe-se o

preconceito e a discriminação a cultura, a questão da linguística e aos saberes e

conhecimentos próprios da educação étnica. As universidades não se preparam para

receber seus estudantes indígenas. Não há uma preparação específica para os docentes

que trabalham nelas. Desse modo, a formação de professores indígenas fica fragilizada.

Falta ainda a humildade da escuta, do reconhecimento de outros saberes e

conhecimentos que não estão no seio da academia, mas que poderiam somar e trocar

experiência, ensinar o diálogo e o trabalho coletivo com as vivências da educação

étnica.

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No desenvolvimento das ações pedagógicas dos professores indígenas em suas

comunidades percebe-se o diálogo entre o conhecimento considerado científico e o

conhecimento e saberes dos povos indígenas. Cada estudante é considerado em sua

singularidade, em seu ritmo e tempo de aprendizagem. De acordo com o

acompanhamento pedagógico de Estagio dos professores estudantes do curso 3º Grau

Indígena foi possível presenciar momentos de solidariedade, de humildade, de trabalhos

desenvolvidos no contexto escolar, mas pensados no coletivo de cada comunidade

vivendo no mundo. Desse modo, a preocupação não é somente com os humanos, mas a

saúde das águas, das plantas e dos animais são pensadas como todos e todas conectados

como raízes, rizomas que interligam os seres humanos ao cosmo e a cosmogonia das

vivências de cada sociedade, seja ela indígena ou não indígena.

Notas

1. i

http://pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/populacao-indigena-no-brasil - População Indígena no

Brasil: quem vive onde. Acesso no dia 10/03/2016.

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