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A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE COMO FUNDAMENTO DE POLÍTICAS E PRÁTICAS DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES E CONSTRUÇÃO CURRICULAR Os trabalhos desse Painel têm o objetivo de apresentar a pedagogia de Paulo Freire como fundamento para a construção de políticas e práticas de formação de educadores e construção curricular. Trata-se de pesquisas que se articulam em torno do referencial freireano e que tiveram como resultado a produção de conhecimentos e ações que contribuem para a melhoria efetiva da qualidade da prática pedagógica. O primeiro trabalho, intitulado A inspiração da pedagogia de Paulo Freire para pesquisar e praticar a formação continuada de educadores, apresenta uma pesquisa-formação realizada em um curso de Mestrado Profissional, que se propôs a construir com os participantes um caminho de investigação e docência, apoiado em princípios da pedagogia freireana, tendo em vista identificar e analisar situações-limite da formação continuada de educadores. O segundo trabalho, intitulado Políticas e práticas de formação contínua de educadores na organização do currículo em ciclos, discute a importância do processo de formação contínua de educadores na implementação da proposta da organização curricular em ciclos, no âmbito da escola e da Secretaria de Educação, de acordo com referenciais freireanos. Apresenta uma possibilidade de tornar o ensino-aprendizagem e a formação permanente, processos mais justos, articulados e interdisciplinares. O terceiro trabalho, A pedagogia da pergunta na construção e desenvolvimento curricular da educação integral em tempo integral, apresenta os pressupostos da educação problematizadora de Paulo Freire, com ênfase na “Pedagogia da Pergunta”, como fundamento para a construção curricular da educação integral, no novo contexto nacional das políticas de ampliação da jornada escolar, considerando os desafios da formação e da atuação docente. Palavras-chave: Formação De Educadores. Políticas de Currículo. Paulo Freire. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 5723 ISSN 2177-336X

A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE COMO FUNDAMENTO DE POLÍTICAS E ...ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10609_37015.pdf · à formação docente, evidenciados em sua adesão a novos valores

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A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE COMO FUNDAMENTO DE POLÍTICAS

E PRÁTICAS DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES E CONSTRUÇÃO

CURRICULAR

Os trabalhos desse Painel têm o objetivo de apresentar a pedagogia de Paulo Freire

como fundamento para a construção de políticas e práticas de formação de educadores e

construção curricular. Trata-se de pesquisas que se articulam em torno do referencial

freireano e que tiveram como resultado a produção de conhecimentos e ações que

contribuem para a melhoria efetiva da qualidade da prática pedagógica. O primeiro

trabalho, intitulado A inspiração da pedagogia de Paulo Freire para pesquisar e praticar

a formação continuada de educadores, apresenta uma pesquisa-formação realizada em

um curso de Mestrado Profissional, que se propôs a construir com os participantes um

caminho de investigação e docência, apoiado em princípios da pedagogia freireana,

tendo em vista identificar e analisar situações-limite da formação continuada de

educadores. O segundo trabalho, intitulado Políticas e práticas de formação contínua de

educadores na organização do currículo em ciclos, discute a importância do processo de

formação contínua de educadores na implementação da proposta da organização

curricular em ciclos, no âmbito da escola e da Secretaria de Educação, de acordo com

referenciais freireanos. Apresenta uma possibilidade de tornar o ensino-aprendizagem e

a formação permanente, processos mais justos, articulados e interdisciplinares. O

terceiro trabalho, A pedagogia da pergunta na construção e desenvolvimento curricular

da educação integral em tempo integral, apresenta os pressupostos da educação

problematizadora de Paulo Freire, com ênfase na “Pedagogia da Pergunta”, como

fundamento para a construção curricular da educação integral, no novo contexto

nacional das políticas de ampliação da jornada escolar, considerando os desafios da

formação e da atuação docente.

Palavras-chave: Formação De Educadores. Políticas de Currículo. Paulo Freire.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5723ISSN 2177-336X

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A INSPIRAÇÃO DA PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE PARA PESQUISAR E

PRATICAR A FORMAÇÃO CONTINUADA DE EDUCADORES

SAUL, Alexandre

PEPG em Educação: Currículo da PUC-SP

[email protected]

RESUMO

Esse texto apresenta uma pesquisa-formação realizada em um curso de Mestrado

Profissional, que se propôs a responder a seguinte indagação: como desenvolver uma

pesquisa-formação, apoiada em princípios da pedagogia freireana, que permita o

desvelamento de obstáculos que se interpõem à formação continuada de professores e

possibilite aos participantes reconstruírem suas práticas educativas? Com essa intenção,

foi criado um desenho de investigação, com a inspiração da pesquisa-ação, para

problematizar e analisar situações-limites vivenciadas pelos participantes, em suas

realidades profissionais, tendo em vista a elaboração de propostas que pudessem

contribuir para compreender criticamente e superar tais situações. O lócus da pesquisa

foi um curso de Mestrado Profissional em Formação de Formadores. A investigação

realizada teve a pedagogia de Paulo Freire como principal referência teórico-

metodológica, e permitiu investigar a formação docente em um espaço-tempo de ação-

reflexão-ação coletiva, que teve a prática concreta dos educadores participantes como

ponto de partida e de chegada. Os resultados obtidos na pesquisa demonstram: a) o

valor e a viabilidade da proposta teórico-metodológica de Freire como um caminho de

pesquisa e formação docente; b) a ampliação da compreensão dos sujeitos da pesquisa

sobre a formação continuada, na perspectiva da formação permanente freireana; c)

movimentos de transformação de formas de pensar e agir dos participantes, com relação

à formação docente, evidenciados em sua adesão a novos valores e intenções de mudar

suas práticas. A investigação realizada pode oferecer contribuições ao que vem sendo

pesquisado no tocante à formação de educadores, porque construiu e pôs em ação um

processo formativo que vai na contramão do que tem dominado as políticas e práticas

contemporâneas de formação continuada.

Palavras-chave: Paulo Freire. Formação continuada de educadores. Prática docente.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5724ISSN 2177-336X

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1 INTRODUÇÃO

Esse texto apresenta uma investigação realizada em um curso de Mestrado

Profissional, que se propôs a responder a seguinte indagação: como desenvolver uma

pesquisa-formação, apoiada em princípios da pedagogia freireana1, que permita o

desvelamento de obstáculos que se interpõem à formação continuada de professores e

possibilite aos participantes reconstruírem suas práticas educativas?

Com essa intenção, foi criado um desenho de pesquisa-formação1 para

problematizar e analisar situações-limite vivenciadas pelos educadores participantes da

investigação, em suas realidades profissionais, tendo em vista a elaboração de propostas

que pudessem contribuir para superar tais situações.

O lócus da pesquisa foi um curso de Pós-Graduação (Mestrado Profissional),

que tem foco na Educação Básica e destina-se, principalmente, a professores,

coordenadores pedagógicos, diretores e supervisores de redes públicas e da rede privada

ensino. A investigação teve por base princípios da pesquisa-ação e foi materializada em

uma oficina, compreendida nessa pesquisa como espaço-tempo para pesquisar a

formação docente e como um contexto de reflexão, ação, participação e ensino-

aprendizagem, no qual as práticas de formação dos participantes, como expressões

contextos sócio-históricos, concretamente construídos por sujeitos concretos, se

constituíram em ponto de partida e de chegada do trabalho crítico-investigativo.

2 METODOLOGIA

Durante o primeiro semestre letivo de 2014, foi desenvolvida com alunos do

Mestrado Profissional, a oficina: “Mudar é difícil, mas é possível e urgente: uma prática

crítico-transformadora de formação de educadores”. Essa atividade contou com a

participação de 11 mestrandos e totalizou 12 encontros, com 03 horas de duração cada.

O trabalho de pesquisa-formação realizado na oficina teve como objetivos: a)

identificar obstáculos que interferiam no andamento das práticas dos formadores

participantes em seus respectivos contextos de atuação profissional; b) analisar

criticamente as razões desses obstáculos; c) ampliar a compreensão dos participantes

sobre a formação de professores que é realizada nas escolas; e d) buscar novos

caminhos para a ação formadora, comprometidos com uma educação crítico-libertadora.

Isso implicou em trabalhar com os participantes para avançar na compreensão das

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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dificuldades reais que atravessavam, em seus contextos profissionais, e possibilitar que

experienciassem uma metodologia para a formação docente inspirada na pedagogia de

Paulo Freire.

A ação de desembutir a teoria presente nas práticas dos professores, tendo em

vista recriar teoria e prática, teve por base a metodologia da investigação temática

proposta por Freire (1987). Essa metodologia permite pesquisar a realidade em uma

perspectiva participativa e democrática, na qual o objeto é a prática social dos sujeitos.

Esse modelo de pesquisa-ação deu origem, especialmente na América Latina, a uma

vertente de investigação comumente chamada de pesquisa participativa e que tem como

principais marcos teóricos os pensamentos de Paulo Freire e de Orlando Fals Borda.

Os momentos seguidos na pesquisa-formação realizada buscaram captar e

refletir o movimento dialético inerente à proposta freireana para um trabalho de

conscientização que, por meio de uma práxis dialógica, possibilite a construção coletiva

de conhecimentos significativos que permitam a apreensão crítica da realidade e o

desencadeamento de ações transformadoras. Embora outros autores já tenham elaborado

sistematizações da abordagem temática de Freire para o desenvolvimento de projetos e

práticas educativas (DELIZOICOV, 1991; SILVA, 2004), na pesquisa realizada, as

etapas e fases da metodologia da investigação temática foram caracterizadas em três

momentos que refletem a tríade dialética ação-reflexão-ação: a) leitura da realidade

(problematização das práticas socioculturais vivenciadas pelos participantes da

pesquisa); b) análise crítica de situações-limites (caracterização de temas geradores1 e

elaboração/desenvolvimento de atividades para compreensão crítica da realidade); c)

criação de propostas de ação (elaboração/desenvolvimento de propostas de ação com a

intenção de superar as situações-limites analisadas).

Com o objetivo de sistematizar e concretizar o processo de formação permanente

freireano, no contexto pesquisado, a proposta de construção de redes temáticas de Silva

(1996, 2004, 2007) orientou o fazer investigativo-pedagógico no tocante ao

planejamento e realização das ações, na oficina.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

A formação de professores tem sido objeto de preocupação e pesquisa de

educadores e responsáveis pelas políticas públicas de educação. Trabalhos como os de

Gatti (1992, 1994, 2012) e Gatti, Barreto e André (2011), fazem a denúncia e o anúncio

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5726ISSN 2177-336X

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de condições e problemas na formação de docentes, no Brasil. Essas pesquisadoras

destacam as precárias condições oferecidas por instituições de formação, o descaso com

as experiências práticas e com o conhecimento dos professores e o caráter idealista e

enciclopédico dos currículos dos cursos de formação inicial e continuada.

Esses desafios exigem que se buque alternativas de superação para os problemas

evidenciados. A proposta de Paulo Freire sobre a formação de educadores engendra

uma perspectiva crítica que valoriza a prática e os conhecimentos dos docentes e, por

isso, pode se fazer mais efetiva. De acordo com este autor,

[o trabalho de formação de educadores] consiste no

acompanhamento da ação-reflexão-ação dos educadores que

atuam nas escolas; envolve a explicação e análise da prática

pedagógica, levantamento de temas de análise da prática que

requerem fundamentação teórica e a reanálise da prática

pedagógica considerando a reflexão sobre a prática e a reflexão

teórica. (FREIRE, 2000, p. 81).

A importância de se pesquisar a prática está em comprometer-se com uma nova

compreensão de formação na qual é necessário partir da identificação de problemas e

necessidades da realidade cotidiana dos docentes, por meio de um procedimento de

pesquisa-participante, analisar os problemas com o recurso do conhecimento

sistematizado e voltar à prática com hipóteses de solução que serão testadas, isto é, com

novas propostas para a solução dos problemas levantados, que serão experienciadas e

avaliadas pelos educadores participantes, de modo a alcançar novos patamares de

qualidade social1 da educação.

Gatti, 2012, afirma que:

A formação de profissionais professores para a educação básica

tem que partir de seu campo de prática, com seus saberes,

integrando-os com os conhecimentos necessários selecionados

como valorosos, em seus fundamentos e com as mediações

didáticas necessárias [...]. (GATTI, 2012, p. 29).

A pedagogia de Paulo Freire foi referência teórica central para o trabalho de

pesquisa realizado. É importante afirmar, porém, que a fundamentação das ações e as

análises realizadas nessa investigação não puderam prescindir do diálogo entre o

referencial freireano e aportes de autores, tais como Zeichner e Diniz-Pereira (2011),

Nóvoa (1995), Imbernón (2010), Freitas (1992), A. M. Saul (2010) e Silva (2004), que

se colocam em um mesmo espectro de preocupação com a formação, aqui trabalhada, e

permitiram ampliar o escopo de interpretação dos dados produzidos.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5727ISSN 2177-336X

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Os aportes freireanos serviram tanto como referência a partir da qual os dados

coletados foram analisados, quanto como referência metodológica, a partir da qual foi

orientado processo de pesquisa-formação empreendido.

Tendo em vista que o objeto de estudo da pesquisa aqui apresentada foi a

formação continuada de educadores, na perspectiva crítico-emancipatória, recorreu-se a

alguns conceitos fundamentais para a compreensão desse tema. Freire (2000), quando

foi Secretário de Educação da cidade de São Paulo (entre 1989 e 1991) denominou a sua

proposta de formação de educadores com a expressão „formação permanente‟. Sobre ela

explicou o seguinte:

Uma das preocupações centrais de nossa administração não

poderia deixar de ser a da formação permanente da educadora.

[...]

Para nós, a formação permanente das educadoras se fará tanto

quanto possamos, através, preponderantemente, da reflexão

sobre a prática. [...]

A reflexão sobre a prática será o ponto central, mas não esgota o

esforço formador (FREIRE, 2000, p. 38-39).

A formação permanente regida pelo princípio da reflexão sobre a prática sugere

que, quando o processo formativo não parte dos problemas colocados pela prática dos

educadores no seu cotidiano, tende a ser desprovido de significado para os sujeitos da

formação, não possibilitando a transformação das práticas instituídas.

Quando se insere esse princípio no contexto mais amplo das proposições

pedagógicas de Freire, compreende-se que a formação permanente freireana se

caracteriza por alguns conceitos implicados nele, tais como: 1) situações-limite; 2)

conhecimentos de experiência feitos; 3) conhecimentos significativos; e 4) diálogo.

Assim, pode-se dizer que a formação permanente freireana1 deve se preocupar

em identificar as situações-limite vivenciadas pelos educadores que dela participam.

Porém, essas situações não podem ser definidas de maneira prévia pelos formadores.

Elas precisam ser identificadas por um processo de investigação dos conhecimentos de

experiência feitos que os educadores vêm construindo no decorrer de suas práticas

pedagógicas. Tais conhecimentos precisam ser objetos de reflexão dos participantes do

processo de formação permanente, como condição para que eles sejam superados em

favor de uma perspectiva cada vez mais crítica de compreensão da própria prática. Daí a

necessidade de que os responsáveis pelo processo formativo selecionem conhecimentos

sistematizados que estejam intimamente articulados aos conhecimentos de experiência

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5728ISSN 2177-336X

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feitos trazidos pelos sujeitos e possibilitem superá-los, ensejando a construção de

conhecimentos significativos. Ou seja, o conteúdo programático da formação

permanente deve ser elaborado a partir das demandas, dos anseios, das necessidades,

das expectativas dos educadores a quem se dirige o programa de formação. Isso só é

possível se, desde o começo, os responsáveis pelo processo formativo assumam uma

posição de diálogo em todos os momentos do processo de formação permanente. Na

perspectiva freireana, o diálogo é uma categoria central da construção do conhecimento.

Ele deve atravessar cada etapa da formação, evitando o risco de que ela se torne um

processo de „educação bancária‟, que só pode servir à manutenção da ordem social

injusta.

A dialogicidade do processo formativo implica também o reconhecimento de

que o grupo de professores com o qual se trabalha, tem suas próprias compreensões e

experiências do que é estar em formação, derivadas de suas crenças, valores, histórias

de vida e formação e cultura institucional. Em muitos casos, as práticas já estabelecidas

pelos professores atendem as necessidades de seus contextos e permitem avançar o

conhecimento na direção de uma educação de qualidade. Em outros casos, as práticas

não contribuem com a expectativa desses avanços. Por isso, é importante que se procure

conhecer as propostas existentes, recriar ações e reorganizar o trabalho, reinventando a

formação a partir da realidade do grupo.

A busca pelo conhecimento mais profundo deve ser responsabilidade de todo o

grupo. À medida que o grupo vai percebendo quais conhecimentos são necessários para

esclarecer um uma determinada questão, organiza-se um estudo coletivo da teoria, em

uma procura rigorosa por mais informações e esclarecimentos. A discussão sobre e a

partir das práticas fará emergir relatos de desejos, medos, tentativas, reflexões,

frustrações, sucessos, paixões e lutas, que revelam intencionalidades e permitem fazer a

opção pelos temas de estudo. Os temas elencados para a formação precisam ser

assumidos coletivamente como objetos que mereciam o estudo do grupo, como temas

curriculares importantes para os seus respectivos contextos de prática pedagógica e, por

isso, ao estudá-los e buscar solução para os mesmos, no tempo de formação, estarão

também desenvolvendo uma compreensão e uma prática mais críticas do currículo.

4 RESULTADOS

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5729ISSN 2177-336X

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A pesquisa-formação realizada possibilitou chegar a alguns resultados, que se

encontram enumerados abaixo:

4.1 Sistematização de uma proposta crítico-libertadora de formação permanente

de educadores. Concretizada por meio da construção coletiva de um caminho de

investigação e formação docente, comprometido com a superação de situações-limite

apresentadas pelos participantes.

4.2 Identificação e análise coletiva de razões dos obstáculos que se interpõem à

formação continuada de educadores, nas escolas. Dentre as principais razões

identificadas e analisadas no trabalho de formação, destacam-se: distanciamento entre

teoria e prática; falta de investigação, na formação, dos reais motivos que causam os

problemas vividos pelas escolas; condições de tempo e espaço para formação

continuada oferecidas pelos governos; salários indignos pagos aos educadores;

utilização de metodologias de formação conservadoras; falta de diálogo; silenciamento

dos educadores por medo de punições administrativas e críticas de colegas e superiores;

descontinuidade das políticas públicas de formação de educadores; promoção da

meritocracia nas escolas e redes de ensino; fragilidades advindas da formação inicial

dos docentes; e falta de compreensão e respeito pela identidade profissional do

educador.

4.3 Ampliação da compreensão dos educadores participantes sobre a formação

permanente, na perspectiva freireana. Os participantes destacaram na avaliação que

fizeram do processo de formação, a apreensão que tiveram do diálogo e da escuta como

princípios ético-político-epistemológicos e exigências da formação docente; a

compreensão da participação autêntica e do fazer coletivo como elementos

fundamentais da prática da formação continuada de educadores; o entendimento da

importância de considerar o contexto social de educadores e educandos no planejamento

da formação docente; a apreensão crítica de elementos de um saber-fazer de pesquisa e

docência que articula teoria e prática.

4.4 Identificação de movimentos de transformação de formas de pensar e agir

dos participantes com relação à formação docente. Os participantes declararam, em

diferentes momentos de avalição do processo formativo, sua adesão a valores inerentes

à proposta de educação de Paulo Freire, tais como: solidariedade, tolerância,

dialogicidade, respeito à identidade cultural do outro, “paciência-impaciente”, e outros,

além dizer de intenções de mudarem suas práticas como formadores de educadores.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pesquisar o cotidiano da formação continuada de professores coloca desafios

que exigem enfrentar estruturas autoritárias, educar os medos e superar dificuldades. A

cultura de programas e práticas de formação de professores, de modo geral marcada

pela transmissão de conhecimentos, aliada à história de formação dos educadores, às

condições objetivas que marcam suas circunstâncias de vida e de trabalho, instalam

muitos desses profissionais em situações de desesperança.

Cada dia mais a realidade da expressão de Paulo Freire “mudar é difícil mas

necessário e urgente” se torna mais viva e atual, demonstrando que a transformação não

se faz sem esperança. Vale lembrar que a conquista de condições objetivas, embora

necessária, não é suficiente para que um novo paradigma de formação permanente,

como é a proposta de Freire, seja bem sucedida. É importante destacar que uma

mudança de práticas de formação vai requerer adesão a valores, crenças, a novos

compromissos, paciência/impaciente, tolerância e para isso é fundamental que se busque

aliados no próprio grupo de docentes.

Os resultados obtidos nessa investigação apontam a necessidade da criação de

ações e políticas de formação permanente de professores que possam dar materialidade

e sentido à formação docente que é realizada nas escolas. A metodologia da

investigação temática vem se mostrando como um caminho viável e factível que

contribui para a superação das dificuldades dos educadores, construído com eles, em seu

percurso de formação.

REFERÊNCIAS

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CONED, 1997. Disponível em: <http://www.adusp.org.br/files/PNE/pnebra.pdf>.

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FREIRE, Paulo. A educação na cidade. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5731ISSN 2177-336X

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FREITAS, Luiz Carlos de. Neotecnicismo e formação do educador. In: ALVES, Nilda

(Org.). Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 1992. p. 89-102.

GADOTTI, Moacir. A educação contra a educação: o esquecimento da educação e a

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GATTI, Bernardete A; BARRETO, Elba de Sá; ANDRÉ, Marli E. D. A. Políticas

docentes no Brasil: um estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011.

IMBERNÓN, Francisco. Formação continuada de professores. Porto Alegre: Artmed,

2010.

LIMA, Licínio C. Aprender para ganhar, conhecer para competir: sobre a

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NÓVOA, António. (Coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações

Dom Quixote, 1995.

SAUL, Ana Maria. Avaliação Emancipatória: desafio à teoria e à prática de avaliação e

reformulação de currículo. São Paulo: Cortez, 2010.

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popular. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2007.

______. A construção do currículo na perspectiva popular crítica: das falas

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ZEICHNER, Kenneth M.; DINIZ-PEREIRA, Júlio E. (Orgs.). A pesquisa na formação

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5732ISSN 2177-336X

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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DE EDUCADORES

NA ORGANIZAÇÃO DO CURRÍCULO EM CICLOS

AGUIAR, Denise Regina da Costa

Universidade Camilo Castelo Branco

[email protected]

RESUMO

O artigo tem como objetivo discutir a importância do processo de formação contínua de

educadores na implementação da proposta da organização curricular em ciclos, no

âmbito da escola e no âmbito da Secretaria de Educação, de acordo com referenciais

freireanos. Para ilustrar a teoria são apresentadas as propostas dos Ciclos de

Aprendizagem na Escola Popular e Democrática, na Rede Municipal de Ensino de São

Paulo (1989 a 1992) e dos Ciclos de Aprendizagem na Rede Municipal de Diadema

(2005 a 2008). A proposta da organização da escola em ciclos busca reorientar a

organização curricular e a relação espaço/tempo no cotidiano escolar, por meio da ação

dialógica, do fortalecimento do trabalho coletivo e do processo de formação contínua de

educadores. A proposta de formação permanente do educador está inextricavelmente

imbricada com o processo de reflexão crítica do educador sobre sua própria prática,

formação que se funda na sua prática, na indissociabilidade entre a teoria e a prática, ou

seja, na práxis educativa. Ensinar inexiste sem aprender, o ato de aprender

historicamente precedeu ao de ensinar, ao mesmo tempo, quem ensina aprende, ao

ensinar, e quem aprende ensina, ao aprender. É nessa relação dialógica que existe a

possibilidade de se estruturar uma proposta político-pedagógica curricular em ciclos. É

uma possibilidade de fazer do processo ensino-aprendizagem um processo de educação

e de formação permanente, um processo mais justo, articulado, interdisciplinar e

contínuo, de apreensão crítica de conhecimentos significativos e de valores éticos

universais.

Palavras-chave: Currículo em Ciclos. Formação Contínua de Educadores. Paulo Freire

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5733ISSN 2177-336X

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1 INTRODUÇÃO

Este texto deriva-se de reflexões/problematizações realizadas durante a pesquisa

que deu origem à minha tese de doutorado e objetivou analisar propostas bem sucedidas

na implantação da organização curricular em ciclos, de acordo com referenciais

freireanos, nos sistemas públicos de ensino.

Na pesquisa foi atualizado o Estado do Conhecimento sobre Progressão Escolar

e Ciclos no Brasil, no período de 1990 a 2002 (Sousa; Barreto, 2004), publicado pelo

Ministério da Educação e Cultura/ Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais

Anísio Teixeira (MEC/INEP), por meio da análise de teses e dissertações, produzidas

no período de 2003 a 2012, com o objetivo de identificar propostas de organização para

implementação do currículo em ciclos, numa perspectiva freireana.

Pode-se constatar que uma das condições para que uma proposta de

flexibilização curricular em ciclos, numa perspectiva freireana, se efetive num sistema

de ensino e no cotidiano da escola é a realização de um movimento de reorientação

curricular associado a um processo de formação contínua para os educadores, com

múltiplos itinerários formativos para garantir a participação de todos os envolvidos no

processo, tanto no âmbito da escola, com horários coletivos remunerados e integrados à

jornada de trabalho, quanto no âmbito da Secretaria, com temáticas escolhidas pelos

educadores e de acordo com suas reais necessidades formativas, para melhoria da

prática pedagógica e avanço nas aprendizagens dos educandos.

Pode-se evidenciar também que a experiência pioneira de flexibilização

curricular em ciclos ocorreu na gestão de Luiza Erundina (1989 a 1992), com a proposta

da escola democrática, na Rede Municipal de São Paulo, tendo como Secretário de

Educação o professor Paulo Freire e expandiu-se para outras redes de ensino, sendo

reestruturada, de acordo com cada contexto, realidade local, numa perspectiva de

construção de uma escola pública, popular e democrática.

Este artigo apresenta-se da seguinte forma, no item a concepção de formação

permanente apresenta-se a concepção de formação e educação permanente de Paulo

Freire, na sequência, no item a proposta político-pedagógica da organização curricular

em ciclos são fundamentados os pressupostos da organização curricular em ciclos numa

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5734ISSN 2177-336X

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perspectiva freireana; em Política e Programa de Formação de Educadores nos

Municípios de São Paulo e de Diadema apresenta-se, para elucidar a teoria, na prática a

concretização da proposta de formação de educadores em dois sistemas públicos

municipais de ensino.

2 A CONCEPÇÃO DE FORMAÇÃO PERMANENTE EM PAULO FREIRE

Para Paulo Freire todo ser humano é um ser inacabado, inconcluso, consciente

de sua inconclusão, por isso, é inerente à vida humana um permanente processo de

busca, de conscientização de sua inconclusão, de conhecimento de si mesmo, de

reconhecimento do outro na relação eu-tu e de conhecimento do mundo, para a

formação da vocação ontológica de ser mais. O ser humano forma-se humano ao longo

de toda a vida.

Nas palavras de Freire

A educação é permanente na razão, de um lado, da

finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele

tem de sua finitude. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da

história, ter incorporado à sua natureza “não apenas saber

que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber que podia

saber mais”. A educação e a formação permanente se

fundam aí. (2007, p.22).

O homem só pode ser compreendido em sua relação com o mundo, um ser-em-

situação, o homem é um ser da práxis, da ação-reflexão-ação, situado num determinado

tempo e espaço, numa época precisa, num contexto social e cultural preciso, como

afirma Freire,

Os homens enquanto seres-em–situação encontram-

se submersos em condições espaço-temporais que

influem neles e nas quais eles igualmente influem.

Os homens são porque estão situados. Quanto mais

refletirem de maneira crítica sobre sua existência, e

mais atuarem sobre ela, serão mais homens. (2006,

p.38).

O homem toma consciência de sua existência, temporalidade e historicidade, na

relação horizontalizada com o mundo e com o outro, reconhece que não vive num

eterno presente, e sim, num tempo de passado, presente e futuro.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5735ISSN 2177-336X

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É, pela ação e na ação, na realidade e com o outro, que o homem se constrói,

portanto, para ser, tem que estar sendo. Todo ser humano é programado para aprender,

para ser mais e não para submeter-se.

No processo de formação permanente, educadores e educandos são sujeitos do

processo histórico, cultural, são sujeitos do mundo, no mundo e com os outros. Não

existe a dicotomia entre o conteúdo e a forma de ser histórica, entre consciência e

mundo. O processo de conscientização não dicotomiza a consciência, de um lado, e o

mundo, do outro.

A proposta de formação permanente do educador está inextricavelmente

imbricada com o processo de reflexão crítica do educador sobre sua própria prática,

formação que se funda na sua prática, na indissociabilidade entre a teoria e a prática, ou

seja, na práxis educativa.

Para Freire ensinar exige uma responsabilidade ética, política e de permanente

estudo, permanente processo de formação.

A responsabilidade ética, política e profissional do

ensinante lhe coloca o dever de se preparar, de se

capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua

atividade docente. Esta atividade exige que sua

preparação, sua capacitação, sua formação se tornem

permanentes. (FREIRE, 2006a, pág. 28).

Na visão de Freire, ensinar inexiste sem aprender, o ato de aprender

historicamente precedeu ao de ensinar, ao mesmo tempo, quem ensina aprende, ao

ensinar, e quem aprende ensina, ao aprender. É nessa relação dialógica que existe a

possibilidade de se estruturar uma proposta político-pedagógica curricular em ciclos.

3 A PROPOSTA POLÍTICO-PEDAGÓGICA DA ORGANIZAÇÃO

CURRICULAR EM CICLOS

A proposta político-pedagógica da organização curricular em ciclos tem como

objetivo a ruptura e superação de uma prática seletiva e excludente, que se traduz em

elevados índices de retenção/evasão, numa lógica seriada enraizada no fazer cotidiano

pedagógico da escola pública.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5736ISSN 2177-336X

15

É, assim, uma intencionalidade radical, apresenta como princípio estruturante a

participação de todos os envolvidos no processo, na elaboração, discussão, implantação/

implementação da proposta, utilizando-se como estratégia o trabalho coletivo.

A proposta objetiva uma estruturação da educação básica em todo o sistema de

ensino, implantando a organização curricular em Ciclos para a Educação Infantil e o

Ensino Fundamental. É uma proposta que visa flexibilizar o tempo e o espaço de

aprendizagem no trabalho educativo com os educandos, como tentativa de superar as

práticas excludentes instituídas empiricamente, até então, pelo regime seriado.

Toda proposta educativa é um ato ético e político e expressa intencionalidades e

valores: a favor do que, a favor de quem, para que, por quem e para quem é produzido

o conhecimento científico. Assim, a prática educativa explicita um sonho, uma utopia,

uma intencionalidade, uma opção política, ética e de valores, sem neutralidade.

Nessa perspectiva, a proposta da organização da escola em ciclos busca,

portanto, reorientar a organização curricular e a relação espaço/tempo no cotidiano

escolar, por meio da ação dialógica e do fortalecimento do trabalho coletivo.

Evidencia-se a necessidade de redimensionamento na utilização dos espaços da

escola para a aprendizagem de todos, com ênfase na organização de um trabalho

coletivo diferenciado e interdisciplinar na sala de atividades, na sala de leitura, sala de

recursos, sala de informática, ateliê, quadra, em todos os espaços.

Como consequência, propõe-se a ruptura do tempo cronológico para a

aprendizagem responsável pela fragmentação do conhecimento escolar no regime

seriado, ressignificando o tempo de aprendizagem.

O tempo de aprender caracteriza-se por um processo contínuo, ininterrupto, que

não se fragmenta e está relacionado ao tempo de formação próprio do desenvolvimento

humano dentro da idade em que se encontram. Há uma progressão contínua de

conhecimentos interdisciplinares e flexibilização do tempo de aprendizagem, como

possibilidade de superação da fragmentação do conhecimento.

Pensar em aprendizagem pelo educando na escola significa um tempo de

permanência, em que se efetive a construção e reconstrução do conhecimento

significativo, o ciclo gnosiológico, para todos os alunos, como assinala Freire.

Não me parece possível pensar a prática educativa,

portanto, a escola, sem pensar a questão do tempo,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5737ISSN 2177-336X

16

de como usar o tempo para aquisição de

conhecimento, não apenas na relação educador-

educandos, mas na experiência inteira, diária da

criança na escola. (2001, p.54).

A escola, com essa concepção do conhecimento, deve estimular o educando a

perguntar, a criticar, a ser curioso, a construir e reconstruir conhecimentos, a conviver

com os diferentes, com a diversidade cultural,a pensar certo e a ler o mundo.

A prática educativa, numa concepção epistemológica freireana, parte do saber

de experiência feito, do conhecimento que o aluno traz, do saber popular, articulando-o

com o saber científico, para que a apreensão do conhecimento seja significativa e

relevante para o educando.

O conhecimento é entendido como um processo histórico e cultural em

permanente (re) construção, tendo como princípio a aproximação do conhecimento

científico-escolar com os saberes da vida cotidiana dos educandos, com os saberes

socioculturais dos educandos.

Não há hierarquização política do conhecimento, ou seja, todo conhecimento

tem valor, não há uma supervalorização do conhecimento científico em detrimento do

conhecimento popular ou a supervalorização de uma cultura em detrimento da outra.

A construção do conhecimento ou o ato de conhecimento intenciona a

conscientização da realidade na totalidade concreta, uma reflexão crítica no mundo,

com o mundo e sobre o mundo, em interação com os outros, num processo de

(re)construção permanente, criando possibilidades novas de ações e intervenções para

transformar a realidade social, que está situada num determinado tempo e espaço.

O que se propõe é que o conhecimento com o qual se trabalha na

escola seja relevante e significativo para a formação do educando. [...]

Proponho e defendo uma pedagogia crítico-dialógica, uma pedagogia

da pergunta. A escola pública que desejo é a escola onde tem lugar de

destaque a apreensão crítica do conhecimento significativo através da

relação dialógica. É a escola que estimula o aluno a perguntar, a

criticar, a criar; onde se propõe a construção do conhecimento

coletivo, articulando o saber popular e o saber crítico, mediados pelas

experiências no mundo. (FREIRE, 2001, p.83).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5738ISSN 2177-336X

17

A pedagogia crítico-dialógica supera a contradição educador-educando, afirma a

dialogicidade e se faz dialógica, numa relação horizontal entre educador-educando,

mediatizados por objetos de conhecimento.

Na pedagogia crítico-dialógica, o educador é sempre um sujeito cognoscente,

quando se prepara e, quando se encontra com os educandos, refaz seu ato cognoscente

na cognoscitividade dos educandos, visto que educando e educador apreendem o objeto

cognoscível, em comunhão.

Os educandos não são recipientes passivos dos conteúdos, são sujeitos e

construtores de conhecimento, investigadores críticos e desafiadores, em diálogo com o

educador. Nesse processo, o educador se faz e refaz, mediante a problematização com

os educandos.

O educador se educa com o conteúdo que o educando traz. O educador precisa

“apreender” o mundo do educando, para intervir na realidade. O educador ensina ao

educando a interpretar a realidade com criticidade. Para isso, há o respeito pelo saber e

pela cultura do educando e do educador.

A relação dialógica entre educador e educando, independente do contexto

histórico e temporal, exige coerência entre a palavra e o ato, o testemunho do educador.

Exige uma organização, uma ousadia, uma radicalização na ação pedagógica.

Além disso, a organização da escola em ciclos possibilita a flexibilização

curricular, o que permite o respeito ao educando, à heterogeneidade, ao ritmo de

desenvolvimento humano, ou seja, cognitivo, social e afetivo. Tem por objetivo

assegurar ao educando a continuidade e a articulação do processo ensino-aprendizagem,

considerando seu saber de experiência feito, seu conhecimento prático, sua cultura,

respeitando-o como sujeito, num processo contínuo de construção de conhecimento.

O currículo em ciclos implica uma reformulação do trabalho da escola e uma

nova forma de trabalho do educador. Requer a ressignificação das contradições

teoria/prática, educador-educando existentes no ensino bancário e a reinvenção da

relação educador-educando e da práxis educativa, no processo de construção do

conhecimento, em sala de aula.

O currículo em ciclos é estruturado, a partir de conteúdos significativos

emergentes da problematização, dos atos limites, dos conflitos e necessidades, da

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5739ISSN 2177-336X

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realidade concreta e existencial da comunidade escolar, com o objetivo de superar toda

a forma de discriminação humana, de gênero, de raça, de classe e cultural.

O currículo em ciclo é implantado pela via da interdisciplinaridade, que parte do

trabalho com temas geradores, como forma de conhecer, compreender, intervir e

transformar a realidade social existente, tendo como metodologia o trabalho coletivo de

educadores e educandos.

4 POLÍTICA E PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES NOS

MUNICÍPIOS DE SÃO PAULO E DE DIADEMA

4.1 O Município de São Paulo (1989 a 1992)

Em 1989, iniciou-se no município de São Paulo, a administração da Prefeita

Luiza Erundina de Souza, cujo mandato foi exercido de janeiro de 1989 a dezembro de

1992. Assume a Secretaria Municipal de Educação o Professor Paulo Freire.

A administração implantou uma proposta político-pedagógica, objetivando a

construção de uma escola pública, popular, democrática e de qualidade, fundamentada

em três princípios: descentralização, participação e autonomia e pautada por quatro

principais objetivos:

1- ampliar o acesso e a permanência dos setores populares - virtuais

únicos usuários da educação pública;

2- democratizar o poder pedagógico e educativo para que todos,

alunos, funcionários, professores, técnicos educativos, pais de família

se vinculem num planejamento autogestionado, aceitando as tensões e

contradições sempre presentes em todo esforço participativo, porém

buscando uma substantividade democrática;

3- incrementar a qualidade da educação, mediante a construção

coletiva de um currículo interdisciplinar e a formação permanente do

pessoal docente;

4- contribuir para eliminar o analfabetismo de jovens e adultos em

São Paulo. (FREIRE, 2001a, p.14-15).

Para cada um dos objetivos apontados foram estabelecidos metas, viabilizados

projetos e executadas ações pela Secretaria, a fim de que fossem esses objetivos

alcançados.

A proposta de flexibilização curricular em ciclos reorganiza o ensino de 1º Grau

(à época a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional era a lei nº5692/71) de oito

anos, em três ciclos: o ciclo inicial em três anos (antigas 1ª, 2ª e 3ª séries), o ciclo

intermediário, em três anos (antigas 4ª, 5ª e 6ª séries) e o ciclo final em dois anos

(antigas 7ª e 8ª séries).

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5740ISSN 2177-336X

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Os ciclos de aprendizagem permitiam uma maior flexibilização no tempo de

aprendizagem do educando, considerando o saber de experiência feito do educando,

respeitando o ritmo de aprendizagem de cada um, o desenvolvimento integral, ou seja,

social, afetivo, cognitivo e considerando o educando como um construtor de seu

conhecimento em interação com o outro.

A construção de uma escola em ciclos pressupõe uma ressignificação do

conceito de ensino-aprendizagem e do conhecimento numa perspectiva crítico-

emancipatória, porque parte da construção de conhecimento significativo pelos

educandos. Para isso o trabalho tem que ser obrigatoriamente pensado pelo coletivo dos

educadores.

A proposta político-pedagógica buscou o resgate das experiências sócio-

educacionais de educadores e de educandos, no processo de construção e sistematização

do conhecimento. O desenvolvimento da autonomia estava imbricado com a construção

do saber por meio da participação de todos os envolvidos no processo.

O Movimento de Reorientação Curricular em ciclos foi estruturado a partir de

conhecimentos significativos para os educandos, por meio de um processo de produção

coletiva por todos os envolvidos, ou seja, pela escola, pela comunidade e por

especialistas nas diferentes áreas do conhecimento.

O movimento de Reorientação Curricular desencadeou um processo em cada

escola, de construção de um currículo e, dentro da ação curricular, do programa de

ensino.

As ações principais que nortearam o movimento curricular foram: fortalecimento

do trabalho coletivo dos profissionais na escola; grupos de formação permanente para

reflexão sobre a prática entre os Professores, Coordenadores Pedagógicos e Diretores de

Escola e possibilidade de cada escola propor e executar seu projeto pedagógico.

(Camargo, 2007)

A Secretaria Municipal de Educação, para a concretização dos projetos

pedagógicos das escolas utilizou-se de duas estratégias de formação permanente: grupos

de formação permanente, que reuniam professores e especialistas por áreas do

conhecimento, com o objetivo de desvelar a teoria embutida na prática pedagógica e

reorientá-la, com base na teoria crítico-emancipatória e outras diferentes modalidades

de formação, como cursos, encontros, palestras, debates, seminários, oficinas, entre

outros. (Camargo, 2007)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5741ISSN 2177-336X

20

Os grupos de formação apresentavam uma periodicidade variada, de acordo com

as necessidades e disponibilidades dos grupos, central, local ou escolar, sendo mensais,

quinzenais, vintenais, semanais. (Camargo, 2007).

A dinâmica proposta pela SME para o Movimento de Reorientação Curricular

apresentou três movimentos: a problematização, a organização das informações obtidas

na problematização e o retorno para a escola dos rumos do trabalho pedagógico

anteriormente, apontados. (SÃO PAULO, SME, 1990)

Observa-se também que o Movimento de Reorientação Curricular procurou

incentivar e subsidiar o desenvolvimento de diferentes projetos nas escolas, por meio da

formação de educadores, com o objetivo de proporcionar autonomia pedagógica.

O projeto curricular pela via da interdisciplinaridade objetivou a construção

coletiva do programa curricular por cada escola, de acordo com o estudo da realidade

local. (SÃO PAULO, SME, 1990)

Na construção do programa estaria implícita a intencionalidade de cada visão de

área do conhecimento e do significado do conhecimento trabalhado, do porquê, para quê

e para quem.

O programa em construção foi simultaneamente processo e produto, em

permanente revisão, e expressou a ação no cotidiano da sala de aula, nos trabalhos

pedagógicos, no dia a dia da escola. Fundou-se no diálogo, no envolvimento do coletivo

e na troca entre os envolvidos no processo.

4.2 O Município de Diadema (2005 a 2008)

A Secretaria Municipal de Educação realizou um estudo aprofundado sobre as

propostas de organização dos ciclos, implantadas, em diferentes redes municipais de

ensino: a proposta dos Ciclos de Aprendizagem, na Escola Democrática, no Município

de São Paulo; a proposta dos Ciclos de Formação, na Escola Plural, em Belo Horizonte;

a proposta dos Ciclos de Formação, na Escola Cidadã, em Porto Alegre; as propostas

dos Ciclos de Formação, em Caxias do Sul e Chapecó.

Após o estudo das propostas e a discussão com todos os educadores da Rede

Municipal de Diadema e com a comunidade, a Secretaria elaborou a proposta dos

Ciclos, a partir da realidade local da cidade.

A Secretaria Municipal de Educação de Diadema decidiu implantar os Ciclos de

Aprendizagem nas primeiras etapas da educação básica, seguindo uma lógica que

organiza a infância, na escola, por faixa etária/desenvolvimento, sendo:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5742ISSN 2177-336X

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Educação Infantil:- Ciclo 1 (0-3anos) – correspondente ao período de

atendimento realizado pelas creches; - Ciclo 2 (4 – 6 anos) – correspondente ao período

de atendimento realizado pelas creches e Escolas de Educação Infantil. (DIADEMA,

SME, Ensino Fundamental, 2007)

Ensino Fundamental (1º segmento):- Ciclo 3 – (6-8 anos) – período destinado à

alfabetização; - Ciclo 4 – (9-10 anos) – período destinado à consolidação da

alfabetização. (DIADEMA, SME, Ensino Fundamental, 2007)

A proposta de organização curricular em Ciclos de Aprendizagem integra uma

proposta maior, de política pública, que expressa uma intencionalidade político-

pedagógica emancipatória para toda a Rede Municipal de Ensino de Diadema.

A opção por essa organização curricular veio acompanhada por um conjunto de

ações políticas e pedagógicas simultâneas, destacadas nos documentos da Secretaria

Municipal de Educação (Diadema, SME, Ensino Fundamental, 2007)

A organização do currículo em Ciclos requer um trabalho contínuo, diferenciado

e interdisciplinar e tais mudanças passam pela redefinição do compromisso e de atitudes

dos educadores por meio de uma formação permanente.

Nesse sentido, a Secretaria Municipal de Educação de Diadema implantou o

Programa de Formação Permanente, realizado em dois formatos. Um tipo de formação

ocorria, fora das unidades escolares, com Cursos de Formação, escolhidos por cada

educador ou pelo grupo de educadores, de acordo com as suas necessidades.

O outro, dentro de cada escola, com horários coletivos semanais de formação,

remunerados e previstos nas jornadas de trabalho dos educadores, denominados de

reuniões aglutinadas. As reuniões aglutinadas tinham por objetivo constituírem um

espaço de reflexão crítica sobre a prática pedagógica do educador, no sentido de

transformá-la, possibilitando a troca de experiências entre os educadores, na perspectiva

de buscar soluções para os problemas e desafios comuns. (Diadema, SME, Ensino

Fundamental, 2007)

Outro espaço de formação extremamente relevante e fundamental para a

organização curricular em Ciclos de Aprendizagem foram os Conselhos de Ciclo. Os

Conselhos de Ciclos ressignificam os antigos Conselho de Classe. Foram momentos de

formação, com periodicidade de um encontro, a cada trimestre, com 4 horas de duração,

que visavam garantir a socialização das propostas pedagógicas entre todos os

educadores da escolar, na perspectiva de potencializar o processo ensino-aprendizagem.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5743ISSN 2177-336X

22

Os Conselhos de Ciclos foram organizados em três momentos: 1- formação:

reflexão e discussão de temas significativos, referentes à prática pedagógica e ao

processo ensino-aprendizagem; 2- socialização dos trabalhos desenvolvidos pelos

educadores; 3- encaminhamentos, questões, desafios, reflexão e proposição de caminhos

a serem tomados pelos educadores, no sentido de contemplar as demandas apresentadas.

(Diadema, SME, Ensino Fundamental, 2007)

A Secretaria Municipal de Educação de Diadema conseguiu instituir um

processo de formação permanente, considerando a inconclusão de todo educador,

como um ser humano, em processo de permanente busca, com muito respeito ao

saber e ao fazer de cada educador.

O programa de formação permanente, nas escolas está inextricavelmente

imbricado com o movimento curricular em Ciclos de Aprendizagem, com o objetivo

de reorganização da escola, de modo que o direito de todas as crianças ao

desenvolvimento e à aprendizagem se concretize.

A organização do currículo em ciclos teve por finalidade proporcionar aos

educandos muito mais do que a aquisição de um rol de conteúdos pré-estabelecidos,

mas um tempo e espaço de aprendizagem, alegre, prazeroso, com conteúdos

significativos para sua vida, formando sujeitos históricos, autônomos, criativos e

críticos, capazes de transformar a realidade, em que vivem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de organização da escola em ciclos, numa perspectiva freireana, se

efetivou a partir de um movimento de reorientação curricular associado a um processo

de formação contínua para os educadores, no âmbito da escola, com horários coletivos

remunerados e integrados à jornada de trabalho, e no âmbito da Secretaria, com

temáticas escolhidas pelos educadores e de acordo com suas reais necessidades, para

melhoria da prática pedagógica.

É uma possibilidade de fazer do processo ensino-aprendizagem um processo de

educação e de formação permanente, um processo mais justo, articulado,

interdisciplinar e contínuo, de apreensão crítica de conhecimentos significativos e de

valores éticos universais.

REFERÊNCIAS

CAMARGO, Rubens Barbosa. Gestão democrática e nova qualidade do ensino: o

conselho de escola e o projeto da interdisciplinaridade nas Escolas Municipais da

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5744ISSN 2177-336X

23

Cidade de São Paulo (1989-1992). 1997, 368f. Tese (Doutorado em Educação). Curso

de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo.

FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. 5ªed. São Paulo: Cortez, 2001.

_____________Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 20ª

ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001a.

FREIRE, Paulo. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 38ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2004.

FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação. 3ª ed. São Paulo:

Centauro, 2006.

________________ Professora Sim, Tia Não: cartas a quem ousa ensinar. 16ª ed. São

Paulo: Olho d‟água, 2006a.

________________Política e Educação: ensaios. 8ª Ed. São Paulo. Villa das Letras,

2007.

SOUSA, Sandra Maria Zákia; BARRETO, E. S. de Sá. Estado do conhecimento:

ciclos e progressão escolar (1990 -2002) – Relatório Final. São Paulo: USP (MEC/

INEP/ COMPED/PNUD), 2004.

Fontes documentais

DIADEMA, Secretaria Municipal de Educação de Diadema. Ensino Fundamental.

Propostas Curriculares e Diretrizes Político-Pedagógica, 2007.

SÃO PAULO, Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. O Movimento de

Reorientação Curricular, na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

Documento 2,1990.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5745ISSN 2177-336X

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A PEDAGOGIA DA PERGUNTA NA CONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO

CURRICULAR DA EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL

NORONHA, Vâniai

ZANARDI, Teodoro Adriano Costaii

RESUMO

A proposta do presente trabalho tem como fundamento o desenvolvimento da

construção curricular com base nos pressupostos freireanos presentes principalmente na

obra Por uma Pedagogia da Pergunta, que se desenvolve no diálogo entre Paulo Freire

e Antonio Faundez. A construção aqui busca seu desenvolvimento em um novo

contexto escolar trazido pela ampliação da jornada na busca da realização da Educação

Integral em nosso país. Enfrentamos com refenciais freireanos este novo desafio

colocado para o campo do currículo e também para a atuação docente. Esta proposta

curricular se desenvolveu de forma dialógica, integrada e fundada na curiosidade

epistemológica de educandos e educandas. Com base em uma investigação qualitativa

com a utilização da observação, entrevistas e construção de mapas mentais, tivemos os

círculos de cultura com educadores e educandos como momento fundamental para

discutir as novas dimensões da Educação Integral que emergem com esta prática nas

escolas. A pesquisa buscou uma intervenção que potencializasse a construção curricular

e a formação permanente dos educadores e educandas por meio da ação coletiva nesta

construção. Esta pesquisa-ação conjuga a construção curricular dos educadores(as) e

educandos(as) com a proposta freireana na busca da Educação Integral em Tempo

Integral. Neste cenário, buscamos conjugar o conhecimento especializado com uma

proposta integrada e problematizadora de educação que se coloca como importante

questão a ser enfrentada na práxis de educadores(as). Sob uma perspectiva freireana,

fundado, portanto, na busca de uma educação crítico-libertadora, compreendemos que

nossa participação no desenvolvimento da proposta curricular para a Educação Integral

deveria se realizar com Educadores(as) e Educandas(as).

Palavras-chave: Paulo Freire. Educação integral. Pedagogia da pergunta.

1 INTRODUÇÃO

A proposta do presente trabalho tem como fundamento o desenvolvimento da

construção curricular com base nos pressupostos freireanos presentes principalmente na

obra Por uma Pedagogia da Pergunta, que se desenvolve em diálogo com Antonio

Faundez. Esta construção se realiza no novo contexto trazido pela ampliação da jornada

escolar na busca de uma Educação Integral em nosso país, que por sua vez traz novos

desafios ao campo do currículo e à atuação docente.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5746ISSN 2177-336X

25

A realização da pesquisaiii

em que buscamos uma recontextualização curricular

para a Educação Integral em Tempo Integral, realizada pelo Grupo de pesquisa:

Educação transformadora, currículo crítico: políticas e práticas do Programa de Pós-

graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,

possibilitou a melhor compreensão dos desafios apontados e o desenvolvimento de uma

proposta curricular com os educadores e educadoras de uma Escola Estadual de Minas

Gerais. Esta proposta curricular se desenvolveu de forma dialógica, integrada e fundada

na curiosidade epistemológica de educandos e educandas.

Com base em uma investigação qualitativa com a utilização da observação,

entrevistas e construção de mapas mentais, tivemos os círculos de cultura com

educadores e educandos como momento fundamental para discutir as novas dimensões

da Educação Integral que emergem com esta prática nas escolas. A pesquisa buscou

uma intervenção que potencializasse a construção curricular e a formação permanente

dos educadores e educandas por meio da ação coletiva nesta construção. Esta pesquisa-

ação conjuga a construção curricular dos educadores(as) e educandos(as) com a

proposta freireana na busca da Educação Integral em Tempo Integral

Diante deste quadro, o que pretendemos agora é apresentar a potencialidade do

pensamento freireano para a Educação Integral com especial destaque aos papéis de

educandos(as) e educadores(as) na construção e desenvolvimento curricular.

2 NOVOS TEMPOS, NOVOS CONHECIMENTOS: A EDUCAÇÃO INTEGRAL

EM TEMPO INTEGRAL

As propostas trazidas com o Programa Mais Educação MEC, 2015 e a Meta 6

do Plano Nacional de Educação (Lei n. 13.005/2014) impõem repensar a escola a partir

de uma ampliação da jornada que não pode, nem deve consistir em mais do mesmo,

como acentua Jaqueline Moll (2010).

A formação integral de educandos e educandas lança sementes para o

desenvolvimento de uma proposta curricular integrada e uma virada na atuação

educativa promovida tradicionalmente pela escola que, desde a emergência da

racionalidade científica tem sido compreendida como única a contribuir para o

desenvolvimento humano. A sacralização dos exames que mensuram os conhecimentos

adquiridos na educação escolar na atualidade também caminha nesta direção.

Esta virada pedagógica necessita se comprometer com uma formação integral ou

omnilateral do ser humano passando, inevitavelmente a considerar os conhecimentos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

5747ISSN 2177-336X

26

relacionados à dimensão do corpo, relegados a segundo plano em seus projetos

curriculares, a saber, aqueles que envolvem o desenvolvimento físico/motor, artístico,

espiritual, afetivo, emocional, lúdico, dentre outros.

Esta formação implica romper com os modelos paradigmáticos dominantes que

dicotomizam o ser humano em corpo/mente e geram outras polarizações como

teoria/prática, trabalho/lazer, manual/intelectual, para ficar com algumas. É urgente que

a educação caminhe no sentido de provocar uma nova construção paradigmática

(SANTOS, 2006) na qual, como nos diz Atihé (2008), em diálogo com Hillman, “o

desejo instintivo de aprender-ensinar seja um trabalho emotivo e misterioso” (p. 47).

Sem dúvidas, esta re-paradigmatizacao também implica em uma decisão eminentemente

política que se vincula à questão curricular entendida como “a política, a teoria e a

prática do que-fazer na educação, no espaço escolar, e nas ações que acontecem fora

desse espaço, numa perspectiva crítico-transformadora”, como explica Saul (2008, p.

120).

Este novo tempo renova a proposta de uma formação integral que deve

contemplar a multiplicidade de relações dos sujeitos da escola com o mundo na

contemporaneidade. Paulo Freire já indicava a importância destas relações na

efetividade de uma educação humanizadora.

Há uma pluralidade nas relações do homem com o mundo. O homem

e somente o homem é capaz de transcender, de distinguir “ser” do

“não ser” e de travar relações incorpóreas. Na sua capacidade de

discernir estará a raiz da consciência de sua temporalidade, obtida

precisamente quando, atravessando o tempo, alcança o ontem,

reconhece o hoje e descobre o amanhã. Homem – um ser de relações,

temporalizado e situado, ontologicamente inacabado – sujeito por

vocação, objeto por distorção. (FREIRE, 1996, 13).

A pesquisa realizada em uma Escola em Tempo Integral em Belo Horizonte

(2013-2014) nos revelou a manutenção do projeto curricular que intenciona o

desenvolvimento de uma formação unilateral com o “mais do mesmo”, uma vez que as

atividades no contraturno consistiam exclusivamente em reforço escolar de Português e

Matemática, sendo a Educação Física destinada ao momento de lazerdas crianças do 5o.

ano do Ensino Fundamental II.

A própria dicotomia entre turno e contraturno traz uma dificuldade para a

realização da Educação Integral. Pode ser somada a esta questão a nomeação de

atividades extracurriculares aquelas que não se consagraram como disciplinas

tradicionais do currículo ou, ainda, as que não são exigidas em exames. No entanto, no

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contexto da escola pesquisada, somente em 2015 foram introduzidos os conhecimentos

contemplados pelas Artes e a disciplina de Direitos Humanos, ao lado das tradicionais

Matemática, Português e Educação Física. Galian e Sampaio (2012) chamam a atenção

para a tendência da escola em manter suas práticas tradicionais no contraturno como

continuidade ou reprodução do que ela sempre foi e o risco do acréscimo de outras

atividades em horários complementares, sem que se discuta o que se espera como

resultado do processo de escolarização nestes novos moldes.

Assim, é bastante claro o que se espera dos educandos com a ampliação do

numero de aulas de Matemática e Português, mas vale a pena destacar aqui a função da

Educação Física neste contexto. A grande maioria das propostas curriculares, que

considera esta disciplina no Tempo Integral, o fazem com base em sua construção

histórica e contribuição para a formação de um corpo disciplinado, dócil e obediente

(WERNECK, 1997). Também compreendem o lazer e a recreação como momento de

relaxamento e distração, para aliviar um pouco o aprendizado das matérias de difícil

compreensão. Desse modo, percebe-se uma frágil compreensão da área (há muito

criticada pelos profissionais e estudiosos) e uma apropriação dos seus conhecimentos,

principalmente o esporte e as brincadeiras, numa perspectiva compensatória. Além

disso, esta concepção vai na contramão do que propõe a própria LDBEN em vigor.

Diante de uma realidade que se apresentada fragmentada e distante da Educação

Integral, o projeto buscou a construção de uma proposta que rompesse com o mais do

mesmo.

3 A FORMAÇÃO PERMANENTE DE EDUCADORES(AS) NA CONSTRUÇÃO

E DESENVOLVIMENTO CURRICULAR

A pesquisa-ação, calcada em fundamentos freireanos, deve abandonar

obrigatoriamente a formulação solitária e acadêmica de “receitas” que indiquem aos

educadores e às educadoras o que-fazer na escola. A formação permanente de

educadores e educadores, nesta perspectiva, compreende o ser humano na busca do

saber mais e do ser mais. A compreensão do inacabamento é fundamental para que se

tome por princípio tanto a condição humana de inconclusão como a responsabilidade

pela permanência da formação.

Necessário trazer as palavras de Freire para ilustrar os pressupostos para a

humanização:

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A concepção e a prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam

por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a

problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da

historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece como

seres que estão sendo, como seres inacabamentos, inconclusos, em e

com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente

inacabada. (2005, p. 83).

No tocante à formação permanente, as relações entre currículo-ato educativo e

teoria-prática não podem ser dicotomizadas ou hierarquizadas. Eles se constroem e se

desenvolvem no coletivo escolar permanentemente.

Como explica Saul,

Na formação permanente freireana, o contexto concreto de atuação

docente é, marcadamente, o ponto de partida da ação formativa, não se

verificando a “clássica” prevalência da teoria sobre a prática, e sem

que isso signifique converter a formação dos educadores em um

praticismo estéril. Esse pressuposto decorre da necessidade de

compreender e enfrentar os problemas reais que os professores

vivenciam no cotidiano escolar e vai ao encontro do caráter coletivo e

dinâmico do trabalho pedagógico. (2015, p. 47).

A prevalência da teoria sobre a prática e, ainda, das formulações curriculares

sobre a práxis docente enfraquece o papel dos educadores e educadores em relação ao

desenvolvimento da educação, bem como deixa em segundo plano a busca da

transformação em uma perspectiva crítico-libertadora.

Como assevera Zeichner (ZEICHNER; SAUL; DINIZ-PEREIRA, 2014, p.

2213), é incompatível com uma perspectiva crítica a manutenção de um modelo

colonial que diz para os(as) educadores(as): “Eu vou preparar você!”

O currículo, na perspectiva freireana, é construído na práxis que envolve os

sujeitos em processo de humanização. Na busca do ser mais e saber mais que o

conhecimento se revela e se desvela. Ele não é prescrição, nem receita. Ele é fruto do

diálogo entre sujeitos.

Assim, dentro destas premissas, a pesquisa realizada teve como ponto de partida

a compreensão que a emergência de uma proposta curricular para a Educação Integral

em Tempo Integral concebe a ação-reflexão-ação dos sujeitos como fundamento para

sua construção e desenvolvimento.

4 A CURIOSIDADE EPISTEMOLÓGICA E UMA PEDAGOGIA DA

PERGUNTA

A dúvida, a incerteza e a pergunta não têm encontrado no ambiente escolar o

espaço e o tempo para o seu desenvolvimento. A compreensão de que o currículo é um

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produto que possibilita resultados quantificáveis e padronizados implica em um

reducionismo do processo educativo enquanto humanizador.

A Educação Integral traz em seu conteúdo uma busca por conhecimentos que

redimensione o espaço, o tempo e o currículo escolares. Um redimensionamento que vai

além da manutenção da construção de uma educação unidimensional na qual somente o

conhecimento técnico é importante. Neste sentido, a Educação Integral nos desafia ao

desenvolvimento de currículo que se integre, que se caracterize pelos aspectos

integradores e não pela fragmentação.

Da mesma forma, com um novo tempo e um novo espaço, a escola tem a maior

possibilidade de proporcionar uma educação fundada na cidadania e não postergá-la

para o futuro. Os sujeitos da escola – educadores(as) e educandos(as) – devem se

afirmar como sujeitos históricos que constroem e desenvolvem a proposta curricular na

práxis.

Paulo Freire traz importantes fundamentos para um currículo concebido como

práxis e não como um produto formulado por especialistas. A busca por temas

geradores, a pedagogia da pergunta, o diálogo e a educação problematizadora são

categorias freireanas que atendem aos anseios de uma educação na cidadania, crítica e

fundada na curiosidade epistemológica.

A curiosidade deve retomar seu lugar na escola e no currículo escolar, pois é

fundamental para aprendizagem e para a manutenção da busca pelo conhecimento. Em

sua busca pelo saber mais, o sujeito em processo educativo é movido pelas incertezas e

dúvidas. A curiosidade dos educandos(as) desafia a escola, os(as) educadores(as) e o

currículo com o deslocamento da centralidade do conhecimento que passa do formal

(teórico) para o material (realidade).

Para Freire,

A curiosidade do estudante às vezes pode abalar a certeza do

professor. Por isso é que, ao limitar a curiosidade do aluno, a sua

expressividade, o professor autoritário limita a sua também. Muitas

vezes, por outro lado, a pergunta que o aluno, livre para fazê-la, faz

sobre um tema, pode colocar ao professor um ângulo diferente, do

qual lhe será possível aprofundar mais tarde uma reflexão mais crítica.

(1985, p. 44).

O currículo escolar se encontra limitado igualmente pela castração da

curiosidade e a inviabilização da pergunta. Educandos e educandas chegam às salas de

aula desejosos de conhecimentos que permitam o desvelamento do mundo em que

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vivem. Porém, em nome de um conhecimento descontextualizado e abstrato passam

anos na escola aprendendo a “desaprender” a perguntar.

Conforme Faundez,

[...] o professor deveria ensinar - porque ele próprio deveria sabê-lo -

seria, antes de tudo, ensinar a perguntar. Porque o início do

conhecimento, repito, é perguntar. E somente a partir de perguntas é

que se deve sair em busca de respostas, e não o contrário: estabelecer

as respostas, com o que todo o saber fica justamente nisso, já está

dado, é um absoluto, não cede lugar à curiosidade nem a elementos

por descobrir. O saber já está feito, este é o ensino. Agora eu diria: “a

única maneira de ensinar é aprendendo”, e essa afirmação valeria

tanto para o aluno como para o professor. Não concebo que um

professor possa ensinar sem que ele também esteja aprendendo; para

que ele possa ensinar, é preciso que ele tenha de aprender. (1985, p.

46).

A curiosidade e a pergunta guardam, em uma perspectiva freireana, estreitos

laços com o diálogo e a problematização do conhecimento. É no encontro entre os

sujeitos em processo de humanização que a educação se realiza.

Ao desprezar o currículo como produto acabado, é rejeitada a ideia de um

processo educativo percebido como doação ou imposição. O diálogo freireano implica

um pensar crítico que desafia a pronúncia do mundo e uma educação mediatizada por

este mundo.

A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A

sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo. Mundo que

impressiona e desafia a uns e a outros, originando visões ou pontos de

vista sobre ele. (FREIRE, 2005, p. 97).

A partir destas referências freireanas, a pesquisa-ação teve na pedagogia da

pergunta o motor para a manifestação da curiosidade epistemológica necessária à

problematização do currículo e a superação de sua fragmentação. Lado outro, a opção

por uma educação dialógica possibilita a emergência do(a) educador(a) como sujeito da

práxis educativa, como veremos a seguir.

5 EDUCADORES E EDUCADORAS COMO SUJEITOS DA PRÁXIS

CURRICULAR

A curiosidade chega à escola e bate às portas do currículo, mormente, fundada

no senso comum. Emerge acriticamente e até mesmo ingenuamente. A curiosidade deve

ser estimulada e alimentada pelo diálogo para a mudança de sua qualidade. Quando o

currículo escolar e a práxis educativa alimenta a curiosidade ingênua, a inquietação

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indagadora e a pergunta, podemos superar a ingenuidade para o desenvolvimento de

sujeitos epistemologicamente curiosos (FREIRE, 2015).

Em círculo de cultura com educadores e educadoras, a pergunta e a curiosidade

foram categorias emergentes. No desafio do que-fazer na Educação Integral em Tempo

Integral, ficou evidente que seria necessária a maior participação dos(as) educandas

como forma de desenvolvimento de uma proposta curricular que dialogasse com esta

realidade.

Neste momento, educadores(as) tinham o diálogo somente como estratégia

metodológica para tornar o currículo atraente e não houve a percepção (explícita) do

potencial crítico-transformador do diálogo e da pergunta. Sem dúvida, muito tem se

investido em uma educação participativa, mas de forma a instrumentalizar o diálogo que

tem como fim um resultado pré-determinado.

No entanto, o diálogo traz situações que se configuram como inédito-viável, ou

seja, que ignoram determinantes históricas que permite a pronúncia na Palavra pelas

vozes tradicionalmente silenciadas em busca da transformação.

Os círculos com os educandos e educandos se desenvolveram com a utilização

de mapas mentais e “por quês?” na busca de temas que trouxessem a curiosidade e o

projeto curricular desejado por estes sujeitos. Para tanto, propomos uma articulação

entre os conhecimentos historicamente acumulados e as experiências, vivências e

saberes dos(as) educandos(as).

A primeira questão importante na abordagem dos(as) educandos(as) foi o que se

espera/deseja da Educação Integral. A esperança simboliza a utopia do projeto

educativo e revela os sonhos depositados neste projeto.

O currículo e o ato educativo deixaram de lado a escuta dos sonhos e dos

projetos de educandos e educandos. A partir de uma perspectiva freireana, entendemos

que

As transformações do mundo necessitam tanto do sonho quanto a

indispensável autenticidade deste depende da lealdade de quem sonha

às condições históricas, materiais, aos níveis de desenvolvimento

tecnológico, científico do contexto do sonhador. Os sonhos são

projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente,

sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas às

vezes demoradas. Implica luta. (FREIRE, 2000, p. 53-54).

Com base na provocação sobre o que esperar de uma Educação Integral, nos

mapas mentais elaborados pelos educandos e educandas emergiram as seguintes

temáticas:

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Informática;

Ballet;

Para casa;

Educação Física;

Show de talentos;

Arte, dentre outros.

Os mapas foram indicativos da pluralidade de dimensões esperadas/desejadas

pelos Educandos(as). Ao se depararem com esta proposta, educadores(as) tiveram maior

clareza da utopia do educandos(as) como também da frustração frente ao projeto

unidimensional desenvolvido pela escola. A reflexão trouxe para o grupo docente a

necessidade de um redimensionamento das atividades realizadas em prol de uma nova

dinâmica que proporcionasse um ritmo adequado ao tempo estendido.

Já na busca da curiosidade com a pergunta “por quê?”, tivemos as seguintes

indagações:

Por quê as ruas são pichadas?

Por quê tem muito lixo nos rios?

Por quê o mundo é poluído?

Por quê a escola é pichada?

Por quê se desobedece as leis?

Por quê não respeitam as leis?

Por quê as pessoas falam mentira?

Por quê matam e fazem coisas

erradas?

Por quê há desmatamento?

A decodificação da curiosidade ingênua apresentada pelos educandos(as) foi um

momento especial no desenvolvimento de uma proposta integradora de currículo aliada

de uma participação efetiva dos sujeitos da escola.

Educadores e educadoras se tornaram atores da construção curricular ao

conjugarem o conhecimento especializado e a curiosidade ingênua como forma de

alimento da pergunta. Assim, neste caso, a proposta foi a eleição de dois temas

integradores para o projeto de Educação Integral em Tempo Integral para 2016, quais

sejam, Ética e Meio Ambiente como potencializadores do diálogo nas disciplinas de

Português, Matemática, Arte, Direitos Humanos e Educação Física.

Ainda com inspiração em Paulo Freire, uma proposta desta natureza precisa

considerar o corpo. Freire chama a atenção para a importância de repensar o corpo na

educação. Corpo que “se constitui socialmente, assim como os conhecimentos”. Para

ele, “deve-se buscar novas formas de relações sociais, em que o homem, a mulher, as

crianças possam constituir-se como pessoas capazes de lançar-se para fora de si,

interferindo no mundo, transformando-se” (FREIRE apud FIGUEIREDO, 2010, p.93).

Em Por uma pedagogia da pergunta, Freire discutindo sobre o conceito de

corpo consciente afirma

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[...] o corpo humano, velho ou moço, gordo ou magro, não importa de

que cor, o corpo consciente, que olha as estrelas, é o corpo que

escreve, é o corpo que fala, é o corpo que luta, é o corpo que ama, que

odeia, é o corpo que sofre, é o corpo que morre, é o corpo que vive!

(1985, p. 28).

Assim compreendendo o corpo, considera-se que os projetos integradores

podem, e devem ser trabalhados por todas as disciplinas em questão. A articulação dos

conhecimentos será fundamental. O corpo não é objeto de estudos apenas da Educação

Física. O corpo é nossa forma de estar no mundo. Reconhecer a diversidade corporal e

as diferenças entre eles é imprescindível para que o processo educativo seja cada vez

mais humanizador. “Somos corpos fazedores e transformadores de nossas realidades.

Corpos vivos em tempos e espaços diferenciados, experimentando possibilidades

emergentes que são nossas, de direito. Corpos produtos e produtores de cultura”

(ALVES, 2004, p. 24).

Caberá à Educação Física desenvolver os aspectos relativos à vivência plena e

lúdica da corporeidade, por meio das práticas corporais presentes em nossa cultura,

levando em consideração o potencial dos educandos(as) para aprender fazer o

movimento, saber sobre este fazer, e ainda, articular este saber com outros.

É Faundez quem conclui, em seu diálogo com Freire em uma Por uma

pedagogia da Pergunta, que

A linguagem é de natureza gestual, corporal, é uma linguagem de

movimento de olhos, de movimento do coração. A primeira

linguagem é a linguagem do corpo e, na medida m que essa linguagem

é uma linguagem de perguntas e na medida em que limitamos essas

perguntas e não ouvimos ou valorizamos senão o que é oral e escrito,

estamos eliminando grande parte da linguagem humana. Creio ser

fundamental que o professor valorize em toda sua dimensão o que

constitui a linguagem, ou as linguagens, que são linguagens de

perguntas antes de serem linguagens de respostas. (FREIRE;

FAUNDEZ, 1985, p. 49).

Esses argumentos e a opção metodológica desenvolvida na pesquisa revelam

uma proposta dialógica que vai para além da estratégia metodológica e se configura

como materialidade da participação cidadã e da educação crítico-transformadora na qual

os sujeitos se empoderam tomando posse da realidade de opressão vivida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em tempos de Base Nacional Curricular Comum se torna evidente e visível que

o currículo escolar se constitui como campo de intensas disputas e emerge com mais

intensidade ainda o desafio da atuação de educadores e educadoras como sujeitos da

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práxis. A questão da transmissão/construção do conhecimento escolar se encontra

igualmente desafiada pela busca de efetivação da Educação Integral em Tempo Integral.

Neste cenário, conjugar o conhecimento especializado com uma proposta

integrada e problematizadora de educação se coloca como importante questão a ser

enfrentada na práxis de educadoras e educadores. Sob uma perspectiva freireana,

fundado, portanto, na busca de uma educação crítico-libertadora, compreendemos que

nossa participação no desenvolvimento da proposta curricular para a Educação Integral

deveria se realizar com Educadores(as) e Educandas(as).

Tendo como ponto de partida que o conteúdo programático não pode ser doação

de pesquisadores e que devem ser valorizadas e privilegiadas a curiosidade e a ação-

reflexão-ação, os círculos epistemológicos realizados na pesquisa buscaram

potencializar o papel de educadores(as) como protagonistas do projeto curricular e o

currículo como processo do diálogo entre sujeitos mediatizados pelo mundo através da

pronúncia da Palavra.

Em que pese, somente em março de 2016, a proposta ter começado o seu

desenvolvimento, a metodologia utilizada visibiliza como o pensamento de Paulo Freire

proporciona um currículo comprometido com a Educação Integral e Integrada.

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i Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Programa de Pós-graduação

da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). ii Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor do

Programa de Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). iii

Pesquisa desenvolvida com apoio da CAPES/FAPEMIG e da PROPPG da PUC Minas.

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